Tese-Alexsandro Porangaba-2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
DOUTORADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

ALEXSANDRO TENÓRIO PORANGABA

O LUGAR DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NO ENSINO


DE ARQUITETURA E URBANISMO NO BRASIL:
UMA ANÁLISE CURRICULAR (1930-2018)

Salvador
2019
ALEXSANDRO TENÓRIO PORANGABA

O LUGAR DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NO ENSINO DE


ARQUITETURA E URBANISMO NO BRASIL:
UMA ANÁLISE CURRICULAR (1930-2018)

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal da Bahia (PPG-AU/UFBA), como requisito parcial
para a obtenção do grau de doutor em arquitetura e
urbanismo.

Linha de Pesquisa: Processos urbanos contemporâneos

Orientadora: Profª. Dra. Naia Alban Suarez


Coorientador: Prof. Dr. Nivaldo Vieira de Andrade Junior

Salvador / BA
2019
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA),
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Para
Sérgio Lima e Nick
e
à memória de
Maria Porangaba

“Love is Conspiratorial, Deviant & Magical”


(WEINBERG, 2002)
AGRADECIMENTOS

Ao meu esposo, companheiro e amigo, Sérgio Lima, que tem compartilhado comigo de
todas as lutas e conquistas profissionais e pessoais. Obrigado por ser esse ser de luz em minha
vida e ter me acalentado nos momentos de angústia e incertezas no desenvolvimento desta tese.
Te amo!

A Deus, pela força oculta e por ter me dado um filho lindo de quatro patas, o Nick. Este
“serumaninho” esteve sempre ao meu lado nas longas e produtivas madrugadas, me
desconcentrou quando era preciso e tem me dedicado um amor indescritível.

A minha eterna e adorada mãe, Maria Porangaba, que partiu dessa vida durante o
doutorado, mas, que sempre foi minha maior incentivadora nos estudos. A educação primorosa
recebida dessa mulher simples e forte contribuiu para que eu pudesse desfrutar de mais uma
conquista profissional.

Aos professores, orientadores e amigos, Naia Alban Suarez e Nivaldo Vieira de Andrade
Júnior, pelas trocas de conhecimento, respeito, parceria e constante incentivo na produção deste
trabalho. Vocês são os melhores orientadores que um aluno pode desejar.

Agradeço imensamente pelas valiosas contribuições de todos os professores avaliadores


deste trabalho: a Profa. Dra. Angela Maria Gordilho Souza, pela riquíssima contribuição na
sistematização dos argumentos construídos nesta tese; ao Prof. Dr. Sergio Kopinski Ekerman,
cujas contribuições me ajudaram a afunilar e selecionar as fontes e fatos essenciais para compor
o volume final desta tese; ao Prof. Dr. José de Souza Brandão, pelo valor dado à narrativa
histórica aqui desenvolvida; e a Profa. Dra. Juliana Torres de Miranda, pelos desafiadores
questionamentos que motivaram o amadurecimento das análises.

Agradeço aos amigos do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de


Sergipe pelo apoio no processo de doutoramento. Assim como às amigas da vida: Fátima Luiza
Ribeiro Vieira pelo carinho e por ter sempre me aconselhado nos momentos de angústia, e à
Franciney Azevedo pelo cuidado na revisão ortográfica desta tese e pelos momentos de sorriso.

Por fim, a todos os “professores negadores do sistema” espalhados pelo Brasil, que têm
dedicado atenção especial ao tema da Habitação de Interesse Social, inserindo-o como elemento
importante na formação dos futuros arquitetos e urbanistas. Seremos sempre resistência.
Conseguir que a universidade forme arquitetos tão
competentes para enfrentar as demandas sociais por
espaço, [...] vai exigir mais que diálogo, mais que
experimentações críticas. Vai exigir muita luta
(Consultor da ABEA, in ABEA, 1991, p. 34).
RESUMO

As questões relacionadas ao problema habitacional e ao ensino de arquitetura e urbanismo têm


sido pauta corrente de debate entre os profissionais da área desde os primeiros congressos
realizados no Brasil a partir de 1930. Nesses eventos, os congressistas evidenciaram a
importância de um maior envolvimento dos arquitetos e urbanistas com a produção habitacional
direcionada à população de baixa renda e, contraditoriamente, transpareceram o desejo da
manutenção de um ensino essencialmente artístico, voltado para a valorização das obras de
grandes composições de arquitetura. Essa visão tem sido objeto de denúncia e contestações ao
longo dos anos no meio acadêmico. As controvérsias situam-se por um lado, na argumentação
de que o ensino de arquitetura e urbanismo, ainda montado em moldes arcaicos, não tem
priorizado o tema da Habitação de Interesse Social (HIS) na formação profissional dos
arquitetos e urbanistas. Por outro, na tese de que o perfil generalista dos cursos de arquitetura e
urbanismo não comporta a explicitação de temas específicos como essencial, sobretudo nas
disciplinas de projeto de arquitetura. Toda essa problematização encontra seu lugar de origem
nos currículos oficiais nacionais dos cursos de arquitetura e urbanismo, que têm legitimado
discursos consensuais e práticas hegemônicas da área. Assim sendo, o objetivo geral desta tese
é investigar como o tema da HIS foi abordado nos currículos oficiais nacionais dos cursos de
arquitetura e urbanismo, instituídos entre os anos de 1962 até 2010. Para tanto, desenvolveu-se
uma análise documental, de cunho qualitativo, fundamentada na perspectiva crítica de
currículo, mais precisamente, a partir da análise relacional, que considerou o contexto histórico,
político, econômico e social do país entre os anos de 1930 a 2018 a partir de três eixos: 1) a
produção habitacional direcionada para a população de baixa renda; 2) os eventos profissionais
e acadêmicos sobre o problema habitacional e o ensino de arquitetura e urbanismo; 3) o ensino
de arquitetura e urbanismo. A pesquisa demonstrou que o processo de constituição dos
currículos oficiais nacionais dos cursos de arquitetura e urbanismo foi hegemonicamente
firmado em práticas tradicionais de currículo as quais reproduzem uma cultura de seleção de
conhecimentos que tendem a despolitizar e transformar em problemas supostamente neutros, e
não prioritários, as questões relacionadas à Habitação de Interesse Social. Em decorrência disso,
essas questões acabaram sendo alocadas prioritariamente nas atividades de pesquisa e extensão,
enquanto que no ensino de arquitetura e urbanismo ocuparam uma lugar secundário ou ainda
menor, sobretudo nos cursos ofertados por Universidades Federais, cuja maioria não legitima o
tema da HIS em atividades obrigatórias. Dos 32 cursos federais analisados, apenas 7
estabelecem um compromisso explícito com o problema da HIS, inserindo-o como
conhecimento prioritário e obrigatório, sobretudo em atividades relacionadas com o projeto de
arquitetura.

Palavras-chave: Ensino de Arquitetura e Urbanismo (Brasil); Habitação de Interesse Social;


Currículo.
ABSTRACT

Issues related to housing problem and the teaching of architecture and urbanism have been a
current topic of debate among professionals in the area since 1930, when the first congresses
were held in Brazil. In these events, the congressmen highlighted the importance of greater
involvement of architects and urbanists with housing production directed to the low-income
population and, contradictorily, showed the desire to maintain an essentially artistic teaching,
focused on the appreciation of the works of great architectural compositions. This view has
been the object of denunciation and contestation over the years in academia. On the one hand,
the controversies revolve around the argument that the teaching of architecture and urbanism,
still based on archaic molds, has not prioritized the theme of Housing of Social Interest (HSI)
in the professional training of architects and city planners. On the other hand, on the thesis that
the generalist profile of the architecture and urbanism courses does not include the explicitness
of specific subjects as essential, especially in the subjects which deal with architectural project.
All this problematization finds its place of origin in the official national curricula of architecture
and urbanism courses, which have legitimized consensus discourses and hegemonic practices
in the area. Therefore, the general objective of this thesis is to investigate how the theme of HSI
was approached in the official national curricula of the architecture and urbanism courses,
instituted between 1962 and 2010. To this end, a qualitative documentary analysis was
developed, based on the critical perspective of curriculum, more precisely, from the relational
analysis, which considered the historical, political, economic and social context of the country
from 1930 to 2018, taking three axes as starting points: 1) housing production directed to the
low income population; 2) professional and academic events on the housing problem and the
teaching of architecture and urbanism; 3) the teaching of architecture and urbanism. Research
has shown that the process of constituting the official national curricula of architecture and
urbanism courses has been hegemonically grounded in traditional curriculum practices which
reproduce a culture of knowledge selection that tends to depoliticize and turn issues related to
Housing of Social Interest into supposedly neutral rather than priority problems. As a result,
these issues have ended up being allocated primarily to research and extension activities, while
in architecture and urbanism teaching they have occupied a secondary or even smaller place,
especially in the courses offered by Federal Universities, since most institutions do not
legitimize the theme of HSI as mandatory activities. Of the 32 federal courses analyzed, only 7
establish an explicit commitment to the problem of HSI, inserting it as a priority and mandatory
knowledge, especially in activities related to architectural project.

Keywords: Architecture and Urbanism Teaching (Brazil); Housing of Social Interest;


Curriculum.
LISTA DE IMAGENS

Imagem 2.1 - Casa para empregados da Estrada de Ferro Sorocabana, Tipo nº 3. .................. 49
Imagem 3.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1930 e 1962 .................... 65
Imagem 3.2 - Cartaz do 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos ..................................... 71
Imagem 3.3 - Caricatura de Oswald Cruz ................................................................................ 77
Imagem 3.4 - Reportagem sobre o Conjunto Residencial Presidente Getúlio Vargas ............. 97
Imagem 3.5 - Maquete do Conjunto Residencial Presidente Getúlio....................................... 97
Imagem 3.6 - Reportagem sobre honrarias atribuídas ao Conjunto Residencial do Pedregulho
.................................................................................................................................................. 99
Imagem 3.7 - Vista aérea do conjunto Vila Guiomar em Santo André, São Paulo................ 111
Imagem 3.8 - Casa geminada e isolada do conjunto Vila Guiomar em Santo André ............ 112
Imagem 4.1 - Linha do tempo dos fatos ocorridos entre 1963 e 1976 ................................... 116
Imagem 4.2 - Conjunto habitacional Cruzada São Sebastião ................................................. 117
Imagem 4.3 - Projeto de Lei nº 87, de 3 de abril de 1963, protocolado na Câmara dos Deputados
................................................................................................................................................ 120
Imagem 4.4 - Vista aérea da maquete do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado 122
Imagem 4.5 - Fachada e Escada do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado ........ 123
Imagem 4.6 - Planta Baixa do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado ................ 123
Imagem 4.7 - Conjunto Habitacional Felizardo Furtado ........................................................ 124
Imagem 4.8 - Planta Baixa e Fachada do Conjunto Jardim América – Porto Alegre ............ 124
Imagem 4.9 - Planta Baixa e Fachada do Residencial Praia Guarujá..................................... 125
Imagem 4.10 - Fachada e Planta Baixa do Conjunto Habitacional Padre Manoel da Nóbrega
................................................................................................................................................ 125
Imagem 4.11 - Esquema de Montagem das casas projetadas por Acácio Gil Borsoi ............ 127
Imagem 4.12 - Planta Baixa de uma habitação para o projeto Brás de Pina .......................... 128
Imagem 4.13 - Levantamento, debate e apresentação das propostas desenvolvidas pelos alunos
do 7º período do curso de arquitetura e urbanismo da UFF, 1975 ......................................... 152
Imagem 5.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1977 e 1994 .................. 164
Imagem 5.2 - Capa do volume publicado pela ABEA ........................................................... 165
Imagem 5.3 - Linha do Tempo do contexto político e educacional pós-1979 no Brasil ........ 172
Imagem 5.4 - Solenidade de abertura do Seminário Nacional da ABEA, 1992..................... 186
Imagem 5.5 - Representantes das Escolas de Arquitetura no Seminário Nacional ABEA, 1992
................................................................................................................................................ 186
Imagem 5.6 - Critérios finais para avaliação da Estrutura Curricular Plena (ECP) ............... 188
Imagem 5.7 - Ensaio do primeiro painel de laje no Lab-Hab da Faculdade de Belas Artes .. 198
Imagem 5.8 - Atividades desenvolvidas pelo Lab-Hab .......................................................... 199
Imagem 5.9 - Canteiro de obras e croqui da fachada das casas do Mutirão 26 de Julho ....... 202
Imagem 5.10 - Canteiro de obras do Projeto Talara e planta baixa das unidades habitacionais
................................................................................................................................................ 202
Imagem 5.11 - Canteiro de obras do Projeto Copromo .......................................................... 202
Imagem 6.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1995 e 2018 .................. 207
Imagem 6.2 - Unidades Habitacionais do Conjunto Vila do Mar, Fortaleza ......................... 214
Imagem 6.3 - Residencial Heliópolis, São Paulo ................................................................... 214
Imagem 6.4 - Exemplo de tipologia para casa térrea do PMCMV......................................... 216
Imagem 6.5 - Exemplo de tipologia para apartamentos do PMCMV .................................... 217
Imagem 6.6 - Projeto do PMCM desenvolvido para Parnambués por João Filgueiras Lima 219
Imagem 6.7 - Projeto do PMCM desenvolvido para Cajazeiras por João Filgueiras Lima ... 219
Imagem 6.8 - Cartaz de divulgação do Seminário Nacional de Ensino e Formação ............. 255
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 6.1 - Condição de oferta dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo no Brasil,
até 2018 .................................................................................................................................. 257

LISTA DE QUADROS

Quadro 2.1 - Terminologias e conceitos sobre a habitação direcionada à população de baixa


renda ......................................................................................................................................... 61
Quadro 3.1 - O currículo oficial da ENBA na gestão de José Marianno Filho e Lucio Costa . 81
Quadro 3.2 - Ementa das disciplinas de Composição de Arquitetura e de Urbanismo da ENBA
em 1931 .................................................................................................................................... 83
Quadro 3.3 - Comparativo entre o currículo oficial da ENBA e o da FNA ............................. 92
Quadro 3.4 - Comparação entre o currículo oficial da ENBA, FNA e o Currículo Mínimo de
1962 ........................................................................................................................................ 106
Quadro 4.1 - Matérias do Currículo Mínimo de 1969 ............................................................ 137
Quadro 4.2 - Comparativo entre as matérias do Currículo Mínimo de 1962 e 1969 ............. 137
Quadro 4.3 - Relação dos cursos de arquitetura e urbanismo criados até 1985 ..................... 144
Quadro 4.4 - Relação dos cursos de arquitetura e urbanismo criados até 1985 ..................... 145
Quadro 5.1 - Principais recomendações das áreas de Paisagismo e História da Arquitetura e
Teorização .............................................................................................................................. 166
Quadro 5.2 - Principais recomendações da área de Projeto e Planejamento .......................... 167
Quadro 5.3 - Temas propostos para o novo currículo mínimo ............................................... 170
Quadro 5.4 - Detalhamento dos temas do setor de Projeto de Arquitetura e Urbanismo....... 170
Quadro 5.5 - Relação de temas debatidos no Seminário Nacional da ABEA, 1992 .............. 187
Quadro 5.6 - Comparativo entre o Currículo Mínimo de 1969 e as Diretrizes Curriculares e o
Conteúdo Mínimo de 1994 ..................................................................................................... 192
Quadro 5.7 - Conteúdo da Matéria de Projeto de Arquitetura de Urbanismo e de Paisagismo, e
da Matéria de Planejamento Urbano e Regional de 1994 ...................................................... 194
Quadro 5.8 - Grupos de Pesquisa em HIS da Região Nordeste do Brasil .............................. 200
Quadro 6.1 - Edições e modalidades do Prêmio CAIXA-IAB ............................................... 211
Quadro 6.2 - Principais temas do Q+50 / CAU-Estados ........................................................ 220
Quadro 6.3 - Artigos sobre ATHIS publicados nos Seminários Projetar (2003 até 2017)..... 226
Quadro 6.4 - Distribuição dos alunos do ensino superior no Brasil em 2003 ........................ 231
Quadro 6.5 - Cursos de Arquitetura e Urbanismo criados nas Universidade Federais entre os
anos de 2003 a 2018 ............................................................................................................... 236
Quadro 6.6 - Vantagens das Diretrizes Curriculares Nacionais em relação aos Currículos
Mínimos .................................................................................................................................. 241
Quadro 6.7 - Lista de competências e habilidades dos profissionais de arquitetura e urbanismo
conforme Resolução nº 6/2006 ............................................................................................... 246
Quadro 6.8 - Conteúdos curriculares da Portaria nº 1.770/1994 e da Resolução nº 6/2006 .. 249
Quadro 6.9 - Distribuição dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais até 2018 no Brasil............................................................................. 258
Quadro 6.10 - Ementa das disciplinas de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, PPP-
AU-UFPE ............................................................................................................................... 261
Quadro 6.11 - Relação dos cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS no PPP
até 2018 .................................................................................................................................. 264
Quadro 6.12 - Ementa das disciplinas de Projeto de Arquitetura I e II do curso de arquitetura e
urbanismo da UFRR ............................................................................................................... 266
Quadro 6.13 - Detalhamento das disciplinas dos cursos de AU que legitimam o tema da HIS
em atividades obrigatórias ...................................................................................................... 270
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AA Housing and Urbanism, da Architectural Association School of


Architecture
ABEA Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura
AI-5 Ato Institucional nº 5
ANDES Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ATHIS Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social
ATME Assistência Técnica à Moradia Econômica
AU Arquitetura e Urbanismo
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNCC Base Nacional Comum Curricular
BNH Banco Nacional de Habitação
CAE Comissões de Avaliação de Ensino
CAIXA Caixa Econômica Federal
CAU Conselho de Arquitetura e Urbanismo
CBA Congresso Brasileiro de Arquitetos
CE Comissão Especial
CEAU Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
CES Câmara de Educação Superior
CFE Conselho Federal de Educação
CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CNE Conselho Nacional de Educação
CNH Conselho Nacional de Habitação
CODESCO Companhia de Desenvolvimento de Comunidades
CONABEA Encontro Nacional da ABEA
CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CPA Congressos Pan-Americanos de Arquitetos
CURA Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada
DAUD-UFC Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade
Federal do Ceará
DAU-UFPE Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DIFES Diretoria de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de
Ensino Superior
EABH Escola de Arquitetura de Belo Horizonte
EAD Educação a Distância
EA-UFMG Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais
EAU-UFF Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense
EAU-UNILA Escola de Arquitetura da Universidade Federal da Integração Latino-
Americana
ENBA Escola Nacional de Belas Artes
ENSEA Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura
FAU Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie
FAUFBA Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia
FAU-SJ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos
FAUUSP Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo
FCP Fundação da Casa Popular
FENEA Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FNA Faculdade Nacional de Arquitetura
FNH Fundo Nacional de Habitação
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
GERES Grupo Executivo para Reformulação da Educação Superior
GTEAU Grupo de Trabalho de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
GTI Grupo de Trabalho Interministerial
HABTAFAUS Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Pontifícia Universidade Católica de Santos
HIS Habitação de Interesse Social
IAB Instituto de Arquitetos do Brasil
IAPB Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários
IAPC Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários
IAPE Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores
IAPETEC Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e
Cargas
IAPI Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários
IAPM Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
IAPs Institutos de Aposentadorias e Pensões
IDORT Instituto de Organização Racional do Trabalho de São Paulo
IES Instituição de Ensino Superior
INOCOOP Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais
IPASE Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado
Lab-Hab Laboratório de Habitação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da
Faculdade de Belas Artes de São Paulo
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
MDU/UFPE Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da
Universidade Federal de Pernambuco
MEC Ministério da Educação
NEHA Núcleo de Estudos de Habitação
ONGs Organizações Não Governamentais
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PAIH Plano de Ação Imediata para a Habitação
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PL Projeto de Lei
PLANHAP Plano Nacional de Habitação Popular
PMCMV Programa Minha Casa, Minha Vida
PNH Política Nacional de Habitação
PPP Projeto Político-Pedagógico
PRJ Câmara Departamental do Departamento de Projetos
PROFILURB Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados
PROMORAR Programa de Erradicação de Sub-habitação
PROUNI Programa Universidade para Todos
REUNI Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
RS Rio Grande do Sul
SERES Seminário Regional de Ensino
SESU/MEC Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do
Desporto
SFH Sistema Financeiro de Habitação
SHRU Seminário de Habitação e Reforma Urbana
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
TC Trabalho de Curso
TFG Trabalhos Finais de Graduação
UAB Universidade Aberta do Brasil
UCGO Universidade Católica de Goiás
UFAL Universidade Federal de Alagoas
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFC Universidade Federal do Ceará
UFCG Universidade Federal de Campina Grande
UFF Universidade Federal Fluminense
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UH Unidades habitacionais
UIA União Internacional de Arquitetos
UNB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
Usina CTAH Usina - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado
USP Universidade de São Paulo
GLOSSÁRIO DE DECRETOS, LEIS, PARECERES, PORTARIAS, MEDIDAS
PROVISÓRIAS E RESOLUÇÕES

Decreto nº 233, de 2 de março Estabelece o código sanitário de São Paulo.


de 1894

Decreto nº 19.398, de 11 de Institui o Governo Provisório da República dos Estados


Novembro de 1930 Unidos do Brasil, e dá outras providencias.

Decreto nº 19.402, de 14 de Cria uma Secretária de Estado com a denominação de


novembro de 1930 Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Publica.

Decreto nº 19.850, de 11 de Cria o Conselho Nacional de Educação.


abril de 1931

Decreto nº 19.851, de 11 de Dispõe que o ensino superior no Brasil obedecerá, de


abril de 1931 preferência, ao sistema universitário, podendo ainda ser
ministrado em institutos isolados, e que a organização
técnica e administrativa das universidades é instituída no
presente Decreto, regendo-se os institutos isolados pelos
respectivos regulamentos, observados os dispositivos do
seguinte Estatuto das Universidades Brasileiras

Decreto nº 19.852, de 11 de Dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de


abril de 1931 Janeiro.

Decreto nº 22.897, de 6 de Altera disposições do decreto n. 19.852, de 11 de abril de


Julho de 1933 1931, na parte referente á organização do ensino artístico
ministrado pela Escola Nacional de Belas Artes, e da
outras providencias.

Decreto nº 23.569, de 11 de Regula o exercício das profissões de engenheiro, de


dezembro de 1933 arquiteto e de agrimensor.

Decreto nº 1749, de 28 junho Aprova novo regulamento para a aquisição de prédios


1937 destinados à moradia dos associados e à sede dos
Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões.

Decreto nº 95.075, de 22 de Dispõe sobre o Ministério da Habitação, Urbanismo e


outubro de 1987 Meio Ambiente - MHU, e dá outras providências.

Decreto nº 5.800, de 8 de junho Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil -


de 2006 UAB.

Decreto nº 6.096, de 24 de abril Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação


de 2007 e Expansão das Universidades Federais - REUNI.
Decreto nº 9.057, de 25 de maio Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 2017 de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.

Decreto-Lei nº 4.598, de 20 de Dispõe sobre aluguéis de residências e dá outras


agosto de 1942 providências.

DecretoLei nº 7.918, de 31 de Dispõe sobre a organização da Faculdade Nacional de


agosto de 1945 Arquitetura da Universidade do Brasil.

Decreto-Lei nº 9.218, de 1º de Autoriza a instituição da "Fundação da Casa Popular".


maio de 1946

Decreto-Lei nº 9.777, de 6 de Estabelece bases financeiras para a fundação da casa


setembro de 1946 popular e dá outras providências.

Decreto-Lei nº 477, de 26 de Define infrações disciplinares praticadas por professores,


fevereiro de 1969 alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos
de ensino público ou particulares, e dá outras
providências.

Lei nº 104, de 21 de junho de Dispõe sobre a criação, na Universidade de São Paulo, da


1948 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Lei nº 4.024, de 20 de dezembro Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


de 1961

Lei nº 4.380, de 21 de agosto de Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de


1964 interesse social, o sistema financeiro para aquisição da
casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH),
e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras
Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
e dá outras providências.

Lei nº 5.540, de 28 de Fixa normas de organização e funcionamento do ensino


novembro de 1968 superior e sua articulação com a escola média, e dá outras
providências.

Lei nº 6.494, de 7 de dezembro Dispõe sobre os estágios de estudantes de estabelecimento


de 1977 de ensino superior e ensino profissionalizante do 2º Grau
e Supletivo e dá outras providências.

Lei nº 6.683, de 28 de Agosto de Concede anistia e dá outras providências.


1979

Lei nº 9.131, de 24 de Altera dispositivos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de


novembro de 1995 1961, e dá outras providências.

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.


de 1996
Lei nº 10.188, de 12 de Cria o Programa de Arrendamento Residencial, institui o
fevereiro de 2001 arrendamento residencial com opção de compra e dá
outras providências.

Lei nº 11.096, de 13 de janeiro Institui o Programa Universidade para Todos - PROUNI,


de 2005 regula a atuação de entidades beneficentes de assistência
social no ensino superior; altera a Lei no 10.891, de 9 de
julho de 2004, e dá outras providências.

Lei nº 11.124, de 16 de junho de Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de


2005 Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o
Conselho Gestor do FNHIS.

Lei nº 11.888, de 24 de Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica


dezembro de 2008 pública e gratuita para o projeto e a construção de
habitação de interesse social e altera a Lei no 11.124, de
16 de junho de 2005.

Lei nº 11.977, de 7 de julho de Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida –
2009 PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos
localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no
3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de
agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036,
de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001,
e a Medida provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de
2001; e dá outras providências.

Lei nº 12.711, de 29 de agosto Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
de 2012 instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá
outras providências.

Medida Provisória nº 1.823, de Cria o Programa de Arrendamento Residencial, institui o


29 de abril de 1999 arrendamento residencial com opção de compra e dá
outras providências.

Parecer nº 336, de 17 de Dispõe sobre o currículo mínimo do Curso de Arquitetura


novembro de 1962 e Urbanismo.

Parecer nº 384, de 10 de junho Currículo Mínimo de Arquitetura.


1969

Parecer CNE/CES nº 776/97, Orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de


de 3 de dezembro de 1997 graduação

Parecer CNE/CES nº 583/2001, Orientação para as diretrizes curriculares dos cursos de


de 4 de abril de 2001 graduação

Parecer CNE/CES nº 67/2003, Referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais –


de 11 de março de 2003 DCN dos Cursos de Graduação.
Parecer CNE/CES nº 112/2005, Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação
de 6 de abril de 2005 em Arquitetura e Urbanismo.

Portaria nº 9, de 22 de Fixa o “curriculum” padrão dos cursos normais da


dezembro de 1961 Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo.

Portaria Ministerial nº 1770, de Fixar as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do


23 de dezembro de 1994 curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo.

Portaria nº 231, de 4 de junho Estabelece as diretrizes gerais para aplicação dos recursos
de 2004 alocados ao Programa de Arrendamento Residencial -
PAR e dá outras providências.

Projeto de Lei nº 87, de 3 de Estabelece o Plano Nacional de Habitação, cria o


abril de 1963 Conselho Nacional de Habitação e institui o Fundo
Nacional de Habitação.

Projeto de Lei nº 6223, de 6 de Institui o Programa de Assistência Técnica à Moradia


março de 2002 Econômica (ATME) a pessoas de baixa renda, e dá outras
providências.

Projeto de Lei nº 6981, de 3 de Assegura às famílias de baixa renda assistência técnica


maio de 2006 pública e gratuita para o projeto e a construção de
habitação de interesse social.

Resolução nº 6, de 2 de Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de


fevereiro de 2006 graduação em Arquitetura e Urbanismo e dá outras
providências.

Resolução nº 2, de 18 de junho Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos


de 2007 relativos à integralização e duração dos cursos de
graduação, bacharelados, na modalidade presencial.

Resolução CNE/CES nº 2, de 17 Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de


de junho de 2010 graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando
dispositivos da Resolução CNE/CES nº 6/2006.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 23

2 A HABITAÇÃO PARA A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA: ASPECTOS


TERMINOLÓGICOS E CONCEITUAIS ........................................................................... 43

2.1 Século XIX: “Habitação Operária”, “Cortiços” e “Habitação das classes pobres” ...... 43
2.2 De 1930 a 1964: “Habitação Mínima”, “Habitação Econômica”, “Habitação Social” e
“Habitação Popular” ..................................................................................................... 46
2.3 1964, a Ditadura Militar: da “Habitação Popular” à “Habitação de Interesse Social” . 53
2.4 A redemocratização do Brasil e a nova “Habitação de Interesse Social” ..................... 56

3 O CURRÍCULO MINÍMO DE 1962 ........................................................................ 64

3.1 O ensino de arquitetura e o debate sobre habitação na “Era Vargas” (1930-1945)...... 66


3.1.1 A reforma do currículo oficial da Escola Nacional de Belas Artes em 1931 ... 66
3.1.2 O currículo oficial da Faculdade Nacional de Arquitetura de 1945 ................. 86
3.2 A institucionalização do 1º Currículo Mínimo de 1962 ............................................... 95
3.3 Considerações sobre o Capítulo 3............................................................................... 113

4 O CURRÍCULO MÍNIMO DE 1969 ...................................................................... 115

4.1 O Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963: a questão habitacional como


problema de ordem urbana ......................................................................................... 117
4.2 A produção habitacional na Ditadura Militar ............................................................. 120
4.3 A institucionalização e características do Currículo Mínimo de 1969 ....................... 135
4.3.1 As consequências do pós-Currículo Mínimo de 1969 .................................... 142
4.4 Convênio BNH: o ensino obrigatório sobre Habitação de Interesse Social ............... 153
4.5 Considerações sobre o Capítulo 4............................................................................... 160

5 AS DIRETRIZES CURRICULARES E O CONTEÚDO MÍNIMO DE 1994 ... 163

5.1 Proposta de reformulação do Currículo Mínimo de 1969 .......................................... 165


5.1.1 Sobre a Carta de Ouro Preto de 1977.............................................................. 165
5.1.2 Demandas sociais para a educação profissional do arquiteto e urbanista ....... 174
5.2 A construção das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994 ................. 185
5.2.1 Sobre o Seminário Nacional ABEA de 1992 .................................................. 185
5.2.2 A institucionalização das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo....... 190
5.2.3 A experiência dos Laboratórios de Habitação ................................................ 197
5.3 Considerações sobre o Capítulo 5............................................................................... 203

6 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DE 2006 E 2010 ................ 206

6.1 Os programas habitacionais entre 1995 e 2018: da diversidade de financiamentos às


audaciosas metas de produção .................................................................................... 208
6.2 A Lei nº 11.888/2008 e os desafios para o ensino de arquitetura e urbanismo .......... 222
6.3 Os rumos do ensino superior pós-1995 ...................................................................... 228
6.4 A institucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais ...................................... 237
6.4.1 A proposta de Resolução das Diretrizes Curriculares Nacionais.................... 237
6.4.2 Os elementos constituintes das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 ... 243
6.4.2.1 A formatação geral do Projeto Político-Pedagógico .................................. 244
6.4.2.2 Os conteúdos curriculares........................................................................... 248
6.4.3 Reações às Diretrizes Curriculares Nacionais e sua reformulação em 2010 .. 252
6.5 O tema da habitação de interesse social nos cursos de arquitetura e urbanismo ofertados
por Universidades Federais do Brasil ......................................................................... 257
6.6 Considerações sobre o Capítulo 6............................................................................... 271

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 274

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 283

ANEXOS ............................................................................................................................... 303

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963 ........ 303
ANEXO 2 - Carta de Sergipe, 2018 ....................................................................................... 311

APÊNDICES ......................................................................................................................... 314

APÊNDICE 1 - Grupos de Pesquisa em Habitação de Interesse Social no Brasil ................. 314


APÊNDICE 2 - Cursos de Arquitetura e Urbanismo ofertados por Instituições Públicas no
Brasil até 2018 ........................................................................................................................ 317
APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse Social
nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018 .................................................................. 319
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
23

1 INTRODUÇÃO

O problema habitacional vivido pela população de baixa renda1 no Brasil tem sido tema
corrente de debate entre os profissionais da arquitetura e urbanismo em distintos
congressos/seminários/encontros promovidos por entidades representativas da profissão. Os
primeiros congressos nacionais constituídos para o debate exclusivo do problema habitacional
coincidem com o período de desenvolvimento urbano-industrial nascente e com os problemas
decorrentes do intenso êxodo rural e crescimento populacional no país a partir de 1930.

Naquele período, motivados pelo projeto nacional desenvolvimentista de Getúlio


Vargas, arquitetos, engenheiros-arquitetos, engenheiros civis e profissionais da saúde, “[...]
acompanhados de preceitos morais e higiênicos” (CARPINTÉRO, 1997, p. 108), passam a
discutir o problema da habitação, predominantemente, pelo aspecto econômico e técnico a
ponto de defenderem uma produção seriada de habitações direcionadas para a população
trabalhadora formal de baixa renda, e, também, de uma intervenção sanitária nas habitações da
população residente em cortiços, casas de cômodos ou em favelas (CARPINTÉRO, 1997;
BONDUKI, 2017).

Contudo, em decorrência do agravamento dos problemas das cidades, potencializado


pelo crescimento urbano “desordenado” e pela ocupação de áreas degradadas e periféricas, os
discursos e posições assumidos pelos arquitetos e urbanistas foram sendo moldados até que eles
passassem a defender a valorização das formas “espontâneas de moradia” (SANTOS et al.
1969, p. 128) a integração desta moradia à cidade, e a realização de uma reforma urbana como
elemento indispensável para o enfrentamento do problema habitacional. Posições essas que
foram sendo firmadas em eventos como: Congressos Brasileiros de Arquitetos, Seminário de
Habitação e Reforma Urbana, Encontros Nacionais sobre Ensino de Arquitetura, entre outros.

Se por um lado os debates sobre o problema habitacional vivido pela população de baixa
renda ganharam destaque entre os profissionais da arquitetura, por outro, a comunidade
acadêmica brasileira teve resistência em inserir tal problemática no ensino de arquitetura2,

1
Neste trabalho, seguindo o conceito formulado na Política Nacional de Habitação desenvolvida pelo Ministério
das Cidades (2004), a população de baixa renda é entendida como sendo aquela constituída por famílias cuja renda
mensal é de zero até cinco salários mínimos, com ou sem emprego formal.
2
Até o ano de 1962, não existia no Brasil cursos com formação generalista única em arquitetura e urbanismo.
Assim sendo, destaca-se que nesta tese, em decorrência do período temporal referenciado, os cursos serão
denominados de “cursos de arquitetura” (de 1930 até 1945), “cursos de arquitetura e de urbanismo” (de 1945 até
1962) e “cursos de arquitetura e urbanismo” (pós-1962).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
24

sobretudo devido à não aceitação da arquitetura moderna por parte dos tradicionais docentes.
Uma das primeiras tentativas de inserção dos estudos sobre habitações direcionadas para a
população de baixa renda ocorreu na reforma do ensino de arquitetura realizada por Lucio
Costa, em 1931, na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA) (SOUZA, 1987;
CAVALCANTI, 2006). Entretanto, tais profissionais foram ativamente resistentes às propostas
de renovação do ensino de Lucio Costa, ocasionando, por conseguinte, seu afastamento da
instituição (GRAEFF, 1995).

As posições conservadoras dos docentes academicistas e suas ideias de valorização das


grandes composições de arquitetura, mesmo depois de a “casa popular”3 ter sido proclamada
como “[...] verdadeiro monumento do século XX” (ARTIGAS, 1986, p. 74), converteram-se
em representações hegemônicas e ideológicas que transformaram em problemas secundários, e
supostamente não fundamentais para a formação dos arquitetos, as questões relacionadas ao
problema habitacional vivido pela população de baixa renda, mesmo diante da existência de
docentes contrários a essa perspectiva no interior dos cursos de arquitetura.

Não é recente a constatação de que o ensino de arquitetura e urbanismo não tem


priorizado a abordagem do problema habitacional direcionado para a população de baixa renda
na formação profissional dos arquitetos e urbanistas4. No livro “O ensino de projeto na área
de edificações”5, publicado em 1980, Siegbert Zanettini apresenta os resultados da pesquisa
desenvolvida sobre a situação do ensino nas escolas de arquitetura em São Paulo. O autor
constatou que a produção arquitetônica priorizada nos cursos de graduação não era resultante
do mercado, da estética, do conteúdo do povo e das massas minorizadas, ao contrário,
priorizavam-se as manifestações científica, estética, tecnológica e artística associadas aos
interesses das classes sociais dominantes. Por outro lado, verificou que nos cursos analisados
havia professores cuja orientação política motivava experiências projetuais voltadas para a

3
O termo “casa popular” foi utilizado por Artigas (1986, p. 74) para se referir a todo e qualquer projeto
desenvolvido pelos arquitetos modernistas para a população de baixa renda, principalmente às encomendadas pelo
governo brasileiro.
4
CF. ZANETTINI, 1980; BOLAFFI, 1985; BONDUKI, 1994; 2014; BASTO; ZEIN, 2010; FERREIRA, 2011;
BENETTI, 2012.
5
O trabalho realizado por Siegbert Zanettini, foi encomendado pela Comissão de Ensino de Arquitetura e
Urbanismo do Ministério da Educação e Cultura em 1974. A intenção era de que o autor desenvolvesse uma ampla
pesquisa a nível nacional sobre o ensino de projeto na área de edificações, mas, dadas as dificuldades, o trabalho
final acabou se restringindo à realidade de São Paulo. O referido autor analisou 7 instituições de ensino: Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie;
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Braz Cubas; Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo Farias Brito; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Mogi das Cruzes e Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
25

resolução dos problemas da Habitação de Interesse Social (HIS)6 com o objetivo de “superar
os limites do sistema” (ZANETTINI, 1980, p. 74), entretanto, por conta disso tais profissionais
tinham suas proposições políticas controladas e até mesmo repelidas pelo sistema de ensino.

Nessa mesma linha de investigação, Gabriel Bolaffi (1985), ao comentar sobre a


vinculação do ensino de arquitetura às estruturas de poder7, evidenciou que os discursos,
valores, opções tecnológicas e objetivos práticos ensinados nas escolas de arquitetura da
América Latina, mais precisamente nas disciplinas de História da Arquitetura ou Ateliê de
Projeto, estimulavam seus discentes “[...] a perseguir invariavelmente às necessidades do poder,
nas várias formas que elas assumem na edificação contemporânea” (BOLAFFI, 1985, p. 145).
Nesse caso, ensinava-se a busca pelo sucesso e pela produção autoral de uma arquitetura de
“pedigree”8, alcançada restritamente num mercado competitivo de alto padrão.

Para evidenciar a vinculação do ensino de arquitetura às estruturas de poder, Bolaffi


(1985) recorre à análise das bibliografias que predominavam na maioria das escolas
investigadas. Desse modo, o autor averiguou que nas disciplinas básicas citadas as bibliografias
predominantes ilustravam a grande arquitetura, os notáveis projetos de renomados arquitetos e
excluíam “[...] a edificação “leiga”, a casa construída pelo empreiteiro anônimo ou os cortiços
e as favelas” (BOLAFFI, 1985, p. 145).

Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (2010), no livro “Brasil: arquiteturas
após 1950”, demonstram que as questões sobre HIS não estão totalmente ausentes dos bancos
escolares, ao contrário, elas têm sido debatidas sob a ordem econômica, política e cultural desde
a Ditadura Militar (1964-1985), quando a produção habitacional direcionada para a população
de baixa renda estava sendo efetivada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH)9. Neste caso,
destacam que a abordagem do tema da HIS centrada nas questões de ordem econômica, política
e social acaba “[...] deixando a arquitetura propriamente dita em último plano” (BASTOS;

6
O termo “Habitação de Interesse Social” foi oficializado pela primeira vez no Brasil no ano de 1964, quando
foi criado o Banco Nacional de Habitação. Entretanto, nesta tese, a depender do período histórico analisado, outras
terminologias serão utilizadas para identificar a habitação destinada à população de baixa renda, tais como:
habitação popular, habitação econômica, cortiços ou habitação social. Essas terminologias serão contextualizadas
e conceituadas no Capítulo 2 deste trabalho.
7
As quais o autor denomina como: “poder do senhor aristocrata, o poder do mecenas, o poder do Estado ou o
poder da moderna empresa capitalista” (BOLAFFI, 1985, p. 144).
8
Termo utilizado por Bernard Rudofsky (1964).
9
Nesse contexto, como analisado por Segawa (2010), as críticas sobre a produção arquitetônica do BNH
contribuíram para que as disciplinas de urbanismo se apropriassem do debate e dos problemas habitacionais
vividos pela população de baixa renda, sobretudo pelos desempregados, residentes em áreas de favela, mocambos,
etc., como será evidenciado no Capítulo 4 desta tese.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
26

ZEIN, 2010, p. 163), não favorecendo, assim, o desenvolvimento de uma reflexão crítica
pormenorizada sobre as soluções arquitetônicas e urbanísticas desenvolvidas para o público em
questão.

Ainda segundo as autoras, no aspecto da formação e ensino profissional do arquiteto e


urbanista, o tema da HIS, quando existente, segue atrelado a alguns poucos exemplos de
destaque nacional ou a uma prática acrítica que “[...] reproduz tipos carimbados” (BASTOS;
ZEIN, 2010, p. 304). Assim, salientam que no ensino de arquitetura no Brasil não há uma
“cultura de projeto” sobre HIS que esteja voltada para produção de uma arquitetura crítica e
coesa ao contexto construtivo, tecnológico, econômico e social, contribuindo assim para que o
referido tema não ocupe um lugar prioritário nos currículos dos cursos de arquitetura e
urbanismo.

A inexistência dessa “cultura de projeto” sobre HIS também ocupou centralidade nos
argumentos desenvolvidos por João Sette Whitaker Ferreira (2011), ao criticar as ideias de
sucesso profissional alimentadas pelas escolas de arquitetura e urbanismo do Brasil e pelas
entidades representativas da profissão. Segundo o autor, na formação profissional dos arquitetos
e urbanistas não há uma priorização dos estudos voltados para HIS, ao contrário, nos centros
de formação profissional são priorizados estudos projetuais destinados aos estratos sociais de
alta renda, bem como há “uma espécie de endeusamento da arquitetura autoral de talento genial
[que] limita o horizonte de perspectivas de nossos estudantes e lhes apresenta como única
alternativa um mundo de alta competitividade, angustiante [...]” (FERREIRA, 2011, p. 1).
Depois de desenvolver uma série de argumentos sobre os problemas habitacionais e urbanos
vividos pela população de baixa renda, Ferreira questiona:

esses desafios – o da construção de casas de qualidade para os que se amontoam em


periferias auto-construídas, o da urbanização dessas periferias com qualidade,
integrando-as à cidade “que funciona”, o da estruturação de sistemas de mobilidade
urbana democráticos e eficientes, o da provisão generalizada de saneamento ambiental
– não deveriam ser os temas prioritários de discussão da arquitetura brasileira?
(FERREIRA, 2011, p. 9, grifo nosso).

Pautado nas considerações até aqui apresentadas, dois questionamentos impõem-se:


diante do progressivo agravamento do problema habitacional e das precárias condições de
habitabilidade vividas pela população de baixa renda nas cidades brasileiras, por qual motivo
o tema10 da HIS não tem sido priorizado na formação superior dos arquitetos e

10
Ao longo deste trabalho, será evidenciado que alguns cursos de arquitetura e urbanismo, na elaboração de seus
currículos, estabelecem o foco central das disciplinas a partir da determinação de conteúdos, outros definem linhas
gerais de problemas (onde se percebe a influência da adoção das metodologias ativas de aprendizagem, mais
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
27

urbanistas? Qual o lugar que esse tema tem ocupado nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo do Brasil? As respostas para essas questões podem vir de várias
partes, no entanto, considera-se nesta tese que a não priorização do tema da HIS está
condicionado a fatores macro estruturantes do ensino de arquitetura e urbanismo,
corporificados historicamente nos currículos oficiais nacionais instituídos no país para os
cursos de graduação em arquitetura e urbanismo.

Na história do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, até 2018, foram constituídos


um total de cinco currículos oficiais nacionais: (1) Currículo Mínimo de 1962; (2) Currículo
Mínimo de 1969; (3) Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994; (4) Diretrizes
Curriculares Nacionais de 2006; e (5) Diretrizes Curriculares Nacionais de 2010. Esses
currículos oficiais, tradicionalmente considerados como um instrumento técnico responsável
por conter os fins, objetivos ou motivos que orientam a ação das instituições de ensino, são
também responsáveis por estruturar ou afetar os conhecimentos/temas e saberes valorizados
(SACRISTÁN, 2013). Cada um desses currículos é fruto de um conjunto de ações particulares
da área que, em maior ou menor grau, foram também conduzidos ou influenciados pelas ações
políticas, econômicas e sociais do país.

O currículo, enquanto objeto específico de estudo e pesquisa, começa a despertar


interesse por parte de educadores e pesquisadores envolvidos com a área da educação a partir
da década de 1920, quando, nos Estados Unidos, a escolarização é massificada em decorrência
do processo de industrialização que motivou um movimento migratório campo-cidade e cidade-
-cidade de famílias em busca de oportunidades de trabalho. Assim, diante dessa massificação,
um conjunto de pessoas ligadas às estruturas administrativas da educação passa a se preocupar
com o processo de racionalização, elaboração e testagem de currículos (KLIEBARD, 1980;
MOREIRA; SILVA, 2002; SILVA, 2009) fundamentando-se na perspectiva de John Franklin
Bobbitt (1918), defensor de um currículo “técnico-funcional” que deveria conter a prescrição
de todas as tarefas educacionais a serem executadas com base em direcionamentos
minuciosamente detalhados (objetivos, procedimentos e métodos de ensino), a fim de resultar
em “produtos” acabados (alunos devidamente formados e com aprendizagem garantida) e
precisamente quantificáveis11.

precisamente, no método de Aprendizagem Baseada em Problemas, também conhecido como Problem-Based


Learning), e há aqueles que determinam temas. Neste trabalho, entende-se que o termo “tema” traduz os outros
dois sentidos (conteúdo e problema) sendo, portanto, adotado como principal.
11
O autor chega a elucidar em seu livro, “The curriculum”, que se o currículo for elaborado erroneamente, com
base numa opinião pessoal, sem métodos de medição e avaliação de diferentes tipos de processos educacionais, o
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
28

Além de o currículo ser compreendido como algo centrado em questões de


procedimentos educacionais, treinamento e em processos pedagógicos, na proposição de
Bobbitt (1918), os conhecimentos fundamentais que poderiam garantir o alcance dos
direcionamentos especificados no currículo seriam determinados pela vida prática adulta dos
indivíduos (BOBBITT, 1918). Ele entendia que a vida humana, por mais variável que fosse,
consistia na realização de atividades específicas e que os objetivos do currículo, e
consequentemente da educação, deveriam ser a preparação dos indivíduos para essas atividades.
Em resumo, “o currículo seria a prescrição de uma série de experiências que crianças e jovens
deveriam ter para que pudessem realizar as atividades específicas da vida adulta” (BOBBITT,
1918, p. 42, tradução nossa).

O modelo de currículo proposto por Bobbitt, um currrículo direcionado para a


consecução de objetivos e do estabelecimento de conhecimentos “tecnicamente úteis”,
consolida-se como tal a partir de 1949, quando é publicado o livro “Basic Principles of
Curriculum and Instruction”, de Ralph Tyler. Nessa obra, o autor desenvolve suas
argumentações a partir de quatro perguntas fundamentais para a elaboração de currículos e do
sistema de ensino:

1) Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?


2) Entre as experiências educacionais que podem ser oferecidas, quais apresentam as
melhores chances para atingir esses objetivos?
3) Como podem essas experiências educacionais ser organizadas de modo eficiente?
4) Como podemos determinar se esses objetivos estão sendo alcançados?
(TYLER, 1973, p. 7-8, grifos e tradução nossos).

Apesar de Tyler demonstrar preocupação com as questões da “organização eficiente” e


com os “resultados” a serem alcançados pelo ensino, ele assume como ponto central em seu
livro a questão dos objetivos educacionais. Segundo o autor, a determinação de objetivos é
crucial para o processo de elaboração e desenvolvimento de currículo. No entanto,
diferentemente de Bobbit, para o qual a vida adulta dos indivíduos apontava objetivamente as
condutas educacionais e conteúdos do ensino que deveriam ser priorizados e legitimados nos
currículos, Tyler defende a ideia de que os objetivos12 do currículo deveriam ser elaborados

trabalho a ser desenvolvido no ambiente escolar se tornará ineficiente (BOBBITT, 1918). Ainda segundo Bobbitt,
o currículo pode ser definido de duas maneiras: “(1) é toda a gama de experiências, direcionadas ou não,
envolvidas no desdobramento das habilidades do indivíduo, ou (2) é a série de experiências de treinamento
conscientemente dirigidas que as escolas usam para completar e aperfeiçoar o desenvolvimento” (BOBBITT,
1918, p. 43, grifo e tradução nossos).
12
Para Tyler (1973), a seleção dos objetivos deve se proceder com base em três filtros ou fontes, são elas: 1) estudo
sobre os próprios alunos: etapa que determinará quais mudanças a escola poderá empreender nas formas de
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
29

considerando o aspecto comportamental do aluno, com o propósito de que padrões referenciais


de ensino pudessem ser determinados e, consequentemente, avaliados de modo preciso e em
conformidade com cada padronização.

Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2009), os tipos de currículo propostos por Bobbitt e
Tyler são considerados modelos tecnocráticos de currículo devido ao fato de haver uma
priorização do conhecimento direcionado para uma função prática da vida adulta. Como
sinalizado por Herbert M. Kliebard (1980), para os tecnocratas, toda e qualquer conhecimento
que não contribuísse para a formação de cidadãos voltados ao atendimento dos interesses
macroestruturais da sociedade capitalista e industrial ou onerasse os custos do ensino deveriam
ser abolidos do currículo13.

John Franklin Bobbitt e Ralph Tyler são teóricos que contribuíram para a consolidação
das chamadas Teorias Tradicionais do Currículo, ou modelo tradicional de currículo, que
ainda influenciam o sistema de ensino (fundamental, médio e superior) de muitos países,
inclusive o Brasil. Os teóricos tradicionais, em síntese, vão dar ênfase a conceitos pedagógicos
relacionados com: “ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização,
planejamento, eficiência e objetivos” (SILVA, 2009, p. 17).

Segundo apontado por Silva (2009, p. 16), as teorias tradicionais do currículo pretendem
ser apenas “[...] “teorias” neutras, científicas, desinteressadas”. Porém, a partir da década de
1970, emergem novas perspectivas sobre o currículo que passam a questionar essa neutralidade
e suposto desinteresse. Essas novas perspectivas, consolidadas como Teorias críticas do
currículo, defendem o entendimento de que nenhuma teoria é apenas neutra, científica ou
desinteressada, ao contrário, toda teoria está implicada em relações de poder.

As teorias críticas, além de trazer contribuições para a superação do modelo técnico-


-prescritivo de currículo até então dominante, vão de encontro às teorias tradicionais no sentido
de colocar em questionamento os processos de seleção e organização do conhecimento, bem

comportamento dos alunos; 2) estudo sobre a vida contemporânea fora da escola: neste caso, o autor sugere que
este estudo seja desenvolvido com base em sete categorias (aspecto de saúde; família; recreação; vocacional;
religioso; consumo, e cívico) de modo a abranger todos os aspectos da vida dos alunos; 3) objetivos sugeridos
pelos especialistas das diferentes disciplinas, os docentes.
13
Um exemplo recente desse tipo de interpretação da educação brasileira e da elaboração de currículos pode ser
verificada no texto da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio, aprovada no dia 06
de abril de 2017. Na nova BNCC, apenas as disciplinas de língua portuguesa e matemática aparecem como
obrigatórias, as demais disciplinas das áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza,
pela ausência de obrigatoriedade, poderão ou não serem contempladas nos currículos das instituições de ensino.
Assim, apreende-se a partir da BNCC que para um indivíduo poder exercer uma função prática na vida adulta
apenas será fundamental que este tenha habilidades de leitura e cálculo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
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como a forma social dominante, em termos de poder e controle, presentes na sociedade (SILVA,
2009; MOREIRA, 2008). No caso, os adeptos das teorias críticas14 do currículo vão se portar
como questionadores das desigualdades sociais, da neutralidade do conhecimento, da
hegemonia de determinados conhecimentos, da racionalidade do conhecimento, da
naturalização de tudo e das coisas. Logo, “[...] a teoria crítica sugere uma relação orgânica
entre sujeito e objeto: o sujeito do conhecimento é um sujeito histórico que se encontra inserido
em um processo igualmente histórico que o condiciona e molda” (FREITAG, 1986, p. 42).

Estão no cerne das discussões teóricas críticas do currículo conceitos como: “ideologia,
reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção,
conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência” (SILVA, 2009, p.
17).

Dentre os conceitos supracitados, um dos que ganhou notoriedade entre os estudiosos


do currículo foi o de ideologia. No livro “A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado”,
originalmente publicado em 1970, o filósofo francês Louis Althusser (1980)15, faz uma
importante relação entre educação e ideologia que se tornou central para as teorizações críticas
do currículo e, consequentemente, da educação. Na visão de Althusser (1980; 1999), a educação
não se procede de modo neutro e desinteressado, ela serve a um objetivo macro, no caso,
garantir que específicas forças de trabalho sejam formadas para o mercado produtivo, em outras
palavras, a educação serve para que os indivíduos recebam capacitação técnica e possam
alimentar o processo de reprodução dos meios de produção, por conseguinte, essa capacitação
técnica processa-se a partir da transmissão direcionada dos conhecimentos.

Foi ao apresentar como ocorre a reprodução da força de trabalho, mais especificamente,


no âmbito de sua qualificação (a educação geral), que Althusser reconhece a presença efetiva
da ideologia. A ideologia, na perspectiva apontada pelo autor, apresenta-se aos indivíduos sob
a forma de instituições distintas e especializadas e caracteriza-se pelo conjunto de crenças que
conduzem as pessoas a aceitar, sem questionamentos, as estruturas sociais – associadas à
questão de cunho capitalista – e assimilá-las como sendo adequadas e, até mesmo, desejadas.

14
Popkewitz esclarece que a palavra “crítica” pode ser associada a dois sentidos: “o primeiro se refere à “crítica
interna” que resulta no questionamento analítico da argumentação e do método. Focaliza-se aí o raciocínio teórico
e os procedimentos de seleção, coleta e avaliação dos dados ressaltando a linguagem. O segundo sentido da palavra
“crítica”, diz respeito à análise das condições de regulação social, desigualdade e poder” (POPKEWITZ, 1990
apud ALVES-MAZZOTTI, 1996, p. 19).
15
Não foi estabelecido contato com a primeira edição do livro “A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado”
publicada em 1970. Nesta tese utilizamos como fonte a 3ª edição, publicada pela Editora Martins Fontes, em 1980.
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Entre as instituições apontadas como disseminadoras de ideologias nas formações


sociais capitalistas contemporâneas, as quais Althusser (1980, p. 43-44) denominou de
Aparelhos Ideológicos de Estado16, a escolar é indicada como um aparelho ideológico
dominante, justamente por ser acessível a todos os indivíduos, desde a tenra idade escolar até a
formação educacional oficial ser completada, perpetuando-se por meio da atuação profissional
no mercado de trabalho ou ainda na formação continuada. É por ser a escola um propagador
dominante de ideologia que, de modo mais direto, o currículo apresenta-se como ferramenta
oficial dessa disseminação, pois é através deste instrumento que inclusões e exclusões de
conhecimentos, métodos, disciplinas (teóricas e técnicas) são efetivadas.

Reflexões acerca da relação entre ideologia e currículo são também encontradas nos
pensamentos de Michael Apple, cujas análises influenciaram o desenvolvimento de uma teoria
curricular crítica no Brasil a partir de 1979, quando a primeira edição de seu livro “Ideologia e
Currículo” foi publicada nos Estados Unidos (MOREIRA, 1989). Apple é um defensor da
escola pública e da constituição de uma educação democrática; esse posicionamento acaba
por refletir em suas discussões críticas em relação ao currículo e à educação, de modo a centrar
suas preocupações sobre as questões sociais, econômicas e culturais. Portanto, o autor
desenvolve uma crítica à perspectiva tradicional de currículo no sentido de questionar
especificamente a ideia de neutralidade do conhecimento e da efetivação de um ensino
eficiente.

Conforme Apple (2006), a relação construída pelos teóricos tradicionais entre o debate
educacional e as relações de eficiência e de habilidades técnicas relacionadas com a dinâmica
tecnicista da vida industrial e econômica, são representações hegemônicas e ideológicas17 que
tendem a despolitizar e transformar em problemas supostamente neutros as questões
relacionadas com as desigualdades sociais: as diferenças de classe, raça e gênero; pobreza;
direito à cidade e à moradia; entre outros temas condizentes com a dinâmica da vida em
sociedade. Em síntese, na perspectiva tradicional de currículo, a legitimação de conhecimentos

16
Para Althusser (1980, p. 43-44) as instituições que constituem os Aparelhos Ideológicos de Estado são:
“religioso (o sistema de diferentes igrejas); escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares);
familiar; jurídico; político (o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos); sindical; da informação
(imprensa, rádio, televisão, etc.); cultural (Letras, Belas Artes, desportos, etc.)”.
17
Em relação à ideologia, Apple (2006, p. 53) evidencia que as mesmas podem ser oriundas de, pelo menos, três
categorias: “(1) racionalizações ou justificações bastante específicas das atividades de grupos ocupacionais
particulares e identificáveis (ou seja, ideologias profissionais); (2) programas políticos e movimentos sociais mais
amplos; (3) visões de mundo e perspectivas abrangentes, ou o que Berger, Luckmann (1966) e outros chamaram
de universos simbólicos”.
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1 Introdução
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relacionados as desigualdades sociais não se apresentam como úteis para uma formação
educacional eficiente.

Segundo o autor, os que defendem a neutralidade do conhecimento ignoram o fato de


que todo conhecimento presente nas instituições de ensino e no currículo oficial, eleito a partir
de um universo de abordagens possíveis, faz parte de uma determinada seleção que “[...] vem
de alguma parte, que frequentemente reflete as perspectivas e crenças de segmentos poderosos
de nossa coletividade social” (APPLE, 2006, p. 42). Essa perspectiva é reforçada por Tomaz
Tadeu da Silva (2009) quando faz referência à relação existente entre currículo e poder. Para
ele, “[...] podemos dizer que o currículo é também uma questão de poder [...]. Selecionar é uma
operação de poder. Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação de poder” (SILVA,
2009, p.16, grifo nosso). O poder pode ainda se manifestar em uma formulação curricular por
meio das relações sociais quando determinados grupos ou indivíduos são submetidos à vontade
de outros ou desconsiderados em função de outrem.

Numa visão crítica de currículo sobre o ensino de arquitetura e urbanismo, pode-se


destacar que as relações de poder se manifestam, por exemplo, através das linhas divisórias que
separam as distintas áreas do conhecimento, os temas/conteúdos/problemas, os padrões
habitacionais predominantes, a produção de determinados tipos de composição arquitetônica, e
assim por diante. Essas divisões irão assim constituir “tanto a origem quanto os resultados das
relações de poder” (MOREIRA; SILVA, 2002, p. 29). Portanto, não se pode afirmar que o
“corpus formal do conhecimento escolar [e universitário]” (APPLE, 2006, p. 42) é algo neutro;
pelo contrário, são preservados nos currículos, nos modos de ensinar, nos padrões e formas de
avaliação adotados pelas instituições de ensino determinados valores sociais, culturais, políticos
e econômicos.

Apple (2006) identifica que as instituições de ensino operam também sobre uma
propriedade simbólica que é por elas preservada e distribuída. É a partir dessa propriedade
simbólica que o autor compreende como as instituições de ensino criam e recriam formas de
consciência relacionadas com os hábitos e costumes das classes dominantes sem que estas
apelem para mecanismos abertos de dominação, e isso ocorre a partir de ações hegemônicas.

Utilizando-se das argumentações de Raymond Williams18, Apple vai evidenciar que as


instituições de ensino são os principais agentes de transmissão de uma cultura dominante, uma

18
Sociólogo britânico especializado em currículo.
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1 Introdução
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vez que efetivam essa transmissão por meio de uma “tradição seletiva”19 de conhecimentos,
isto é, “[...] a maneira pela qual, de toda uma área possível do passado e do presente, somente
determinados significados e práticas são escolhidos para ênfase, enquanto outros
significados e práticas são negados e excluídos” (WILLIAMS apud APPLE, 2006, p. 39, grifo
nosso). É por meio dessa tradição seletiva que as instituições de ensino empreendem uma
“incorporação” cultural na formação dos indivíduos, processo do qual a cultura dominante
depende. Sobre isso, Apple destaca que:

[...] as questões que envolvem o conhecimento que é de fato ensinado nas escolas, que
envolvem o que é considerado como conhecimento socialmente legítimo, não são de
pouca significação para entendermos a posição cultural, econômica e política da
escola. Aqui, o ato fundamental envolve tornar problemáticas as formas de currículo
encontradas nas escolas, de maneira que seu conteúdo ideológico latente possa ser
desvelado (APPLE, 2006, p. 40).

A tradição seletiva efetiva-se a partir das ações empreendidas no interior das instituições
de ensino por meio dos diferentes agentes envolvidos com a construção curricular os quais
podem, na visão do autor, não perceberem o quanto suas ações os levam a atuar como veículos
para manifestação dos valores econômicos e sociais de grupos dominantes. Essa ausência de
percepção reforça o ideário de eficiência do ensino, sendo este responsável ainda por formar
indivíduos abstratos, ou seja, “seres ideais”, divorciados dos movimentos sociais mais amplos
que poderiam contribuir para a construção de valores, significados e visões individuais de
justiça, coerente com o contexto no qual cada um desses indivíduos está inserido. Ainda
segundo Apple (2006, p. 43): “esse procedimento recebe o apoio muito forte da noção de que
a pesquisa sobre currículos é uma “atividade científica neutra” que não nos liga aos outros de
maneira estruturalmente importante”.

A importância das pesquisas críticas sobre currículo reside em buscar estabelecer uma
relação mais íntima entre problemas sociais e ensino. Em contraste com as teorias
tradicionais, elas começam por questionar os pressupostos presentes nos arranjos sociais e
educacionais se apresentando como teorias de questionamento e não de aceitação (SILVA,
2009). Os teóricos críticos do currículo enxergam a necessidade de se efetivar um exame crítico
sobre a educação, no sentido de deixar a preocupação do “como educar” para se ater ao porquê
determinados aspectos da cultura coletiva são apresentados nas instituições de ensino como
conhecimentos objetivos e factuais (APPLE, 2006).

19
Conforme Williams (apud APPLE, 2006, p. 39), a tradição seletiva é: “aquela que, nos termos de uma cultura
efetivamente dominante, é sempre passado como “a tradição”, o passo significativo.”
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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O currículo é compreendido por Apple (2006) como sendo um conjunto de ações que
vão delinear todas as atitudes de uma instituição de ensino, cuja origem se dá na formulação do
currículo oficial – aquele que representa um projeto de educação que é explicitamente desejado
(SACRISTÁN, 2013) – e inclui a ação dos educadores em sala de aula, ou seja, o currículo
oculto20 – aquele que abrange atitudes e valores subliminarmente transmitidos aos discentes
por meio das relações sociais, da rotina da instituição de ensino, dos rituais e práticas adotadas
em sala de aula, pelas mensagens implícitas nas falas dos/as docentes, entre outros. Ainda
conforme o autor, numa análise crítica sobre o currículo oficial, é importante compreender
como este currículo legitima conhecimentos que representam as configurações ideológicas
dos interesses dominantes de uma sociedade (APPLE, 2006). Para tanto, faz-se necessária
uma investigação histórica de como as formas específicas do conhecimento curricular, tanto no
passado quanto no hoje, refletem essas configurações no currículo oficial, no caso, de onde vem
o conhecimento, de quem é o conhecimento, que grupos sociais ele apoia (APPLE, 2006). É a
partir do entendimento das raízes históricas que se pode entender as “funções” econômicas e
culturais que fazem uma instituição de ensino ser o que ela é no hoje.

Essa forma de entender o currículo evidenciada por Apple, como algo que não é
resultante apenas das dinâmicas internas, mas também como resultante de fatores externos às
instituições de ensino, parte de um elemento excepcionalmente importante que é a ideia de
relação, a qual o conduziu a realizar o que ele denominou de “análise relacional” (APPLE,
2006, p. 44). Segundo Apple, essa análise relacional poderá levar o educador e o pesquisador
interessados no currículo a entender as relações hegemônicas nele presente. Se esse exame for
tomado a sério, um conjunto de fatores pode ser explicitado de modo a impactar na constituição
de diferentes compromissos por parte das instituições de ensino no sentido de que uma
formação justa possa ser empreendida.

Para Apple (2006, p. 45, grifo nosso), uma sociedade só será justa quando esta puder,
“[...] tanto em termos de princípios quanto de ações, contribuir ao máximo para o benefício
daqueles que estão em situação de desvantagem”. No que se refere à preocupação central
desta tese, no caso, a legitimação do tema da HIS como conhecimento prioritário nos currículos
oficiais dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, particularmente no âmbito do
projeto de arquitetura, pode-se dizer que, a partir da perspectiva defendida por Apple, não se

20
Além desses dois tipos de currículo, Sacristán (2013) evidencia outros três: o currículo interpretado, o currículo
real e o currículo avaliado.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
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apresenta como suficiente que as instituições de ensino e seus educadores reconheçam a


gravidade dos problemas habitacionais enfrentados pela população de baixa renda da sociedade
brasileira, é preciso que esses problemas estejam inseridos de modo legítimo nos currículos
e ateliês de projeto21 e que uma consciência e senso de justiça seja construída pelo alunado
para com o problema em questão.

A análise relacional de Apple (2006), inicialmente, parte da compreensão de que a


atividade social, da qual a educação é integrante, é um processo que distribui recursos de forma
que determinados grupos e classes têm sido historicamente ajudados, ao passo que outros são
trabalhados de maneira menos adequada. Além disso, os conhecimentos educacionais são vistos
como categorias ideológicas e econômicas, essenciais para a reprodução de significados que
são tomados como verdades inquestionáveis, ou seja, para que se tornem aspectos da
hegemonia.

Diante do que foi exposto, destaca-se que, na perspectiva de Apple (2006), o currículo
não pode ser compreendido de modo descontextualizado e fora das relações de poder, visto que
o conhecimento posto no currículo é fruto dos interesses de grupos dominantes. Segundo Tomaz
Tadeu da Silva (2009, p. 49), Apple “[...] contribuiu, de forma importante, para politizar a
teorização sobre currículo” na medida em que busca reconhecer de quem é o conhecimento, a
quem ele pertence ou privilegia, quais grupos são prejudicados pelo modo como o currículo é
organizado, entre outros.

Nenhuma dessas correntes de pensamento se sobrepõe a outras como sendo certa ou


errada, visto que elas são o reflexo de variados posicionamentos de educadores e estudiosos
sobre o currículo que, observando a dinâmica educacional e cada contexto específico,
sistematizaram as ações e objetivos dessa dinâmica, ora concordando com elas, ora instigando
novas reflexões. Na contemporaneidade, porém, há uma tendência nos argumentos de
pesquisadores sobre currículo e educação em considerar os princípios norteadores da teoria
tradicional do currículo como sendo menos apropriados para as novas dinâmicas da vida social,
sobretudo por essa teoria centrar-se em questões de eficiência, de resultados precisos e de
neutralidade.

21
Ao longo deste trabalho será evidenciado que os ateliês voltados para o desenvolvimento de atividades de projeto
receberam distintas denominações. De 1930 até 1969, esses espaços recebiam a denominação de ateliês de
composição de arquitetura. Posteriormente, passaram a ser chamados de ateliês de planejamento e, a partir de
1994, assumem a denominação de ateliês de projeto.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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Assim sendo, sob as distintas perspectivas teóricas supracitadas22, apresenta como


interessante percurso teórico – ao analisar a constituição curricular oficial nacional que
influenciou e ainda influencia a formação dos arquitetos e urbanistas no Brasil – as perspectivas
críticas do currículo, visto que a partir dessa vertente esse instrumento não é considerado apenas
uma questão técnica ou burocrática, que aceita facilmente o status quo, ao contrário, a
compreensão de currículo se amplia, pois a partir de então é concebido como um campo ético.

Essa perspectiva ética ganha reforço no contexto atual devido ao fato de, nos últimos
anos, as universidades públicas brasileiras presenciarem uma mudança nos perfis de seus
discentes, em decorrência das políticas educacionais implementadas pelo governo brasileiro a
partir de 2012 que favoreceram um conjunto de jovens oriundos de escolas públicas, negros,
quilombolas, índios, deficientes físicos, dentre outros, a terem acesso ao ensino superior, como
foi o caso da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 (popularmente conhecida como Lei de
Cotas).

Diante dessa realidade, assume-se nesta pesquisa, o entendimento de que um currículo


oficial nacional não deve ser um documento neutro, constituído sob discursos excessivamente
generalistas e limitado apenas à prescrição de conteúdos, matérias ou disciplinas. Partindo do
entendimento de que este currículo representa o projeto de formação do estudante, compreende-
-se que no âmbito do ensino de arquitetura e urbanismo, o currículo oficial nacional deve se
converter numa ação política capaz de impulsionar a formação democrática e plural de
arquitetos e urbanistas comprometidos, sobretudo, com o que se considera neste trabalho como
sendo a Atenção Básica da Arquitetura e Urbanismo, ou seja, as condições histórica,
ambiental, paisagística, patrimonial, urbanística e, sobretudo, arquitetônica do espaço habitado
da população de baixa renda. Logo, nesta tese, defende-se a ideia de que o tema da Habitação
de Interesse Social deve se constituir como conhecimento prioritário e obrigatório no
currículo oficial nacional dos cursos de arquitetura e urbanismo e legitimado nos
currículos constituídos pelos cursos, sobretudo os ofertados por universidades públicas do

22
Além das teorias tradicionais e críticas do currículo, há pesquisadores que centram suas argumentações numa
perspectiva considerada pela literatura especializada como sendo pós-crítica do currículo. Nessa perspectiva, os
teóricos vão se preocupar em estabelecer conexões entre currículo e multiculturalismo, ou seja, irão questionar a
não abordagem de questões relacionadas com grupos considerados minoritários, étnicos-raciais, gênero etc.
Segundo Silva (2009, p. 17), a teoria pós-crítica do currículo vai se centrar em conceitos como: “identidade,
alteridade, diferença; subjetividade; significação e discurso; saber-poder; representação; cultura; gênero, raça,
etnia, sexualidade; multiculturalismo”.
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1 Introdução
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país, como ponto inicial da capacitação técnica profissional para a atuação em assistência
técnica em HIS, especialmente no âmbito das atividades de projeto de arquitetura.

Assim sendo, o objetivo geral desta tese é investigar como o tema da habitação de
interesse social foi abordado nos currículos oficiais nacionais dos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo instituídos no Brasil entre os anos de 1962 até 2010.

Para o alcance de tal objetivo, delimitaram-se os seguintes objetivos específicos:

i. Analisar os contextos sociais, políticos e econômicos, particularmente no que diz


respeito às ações governamentais no âmbito da educação superior e na produção de
habitações para a população de baixa renda, como resposta à problemática da
cidade;
ii. Compreender as perspectivas assumidas pelos arquitetos e entidades
representativas da profissão, em distintos congressos/seminários/encontros
profissionais e acadêmicos, em relação ao problema habitacional vivido pela
população de baixa renda, e aos enfoques do ensino de arquitetura e urbanismo no
país;
iii. Investigar o processo de criação e expansão dos cursos de graduação em arquitetura
e urbanismo no Brasil, sobretudo, pelas Universidades Federais;
iv. Analisar o processo de constituição e as características dos currículos oficiais
nacionais instituídos para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo entre
os anos de 1962 a 2010, mais precisamente, os Currículos Mínimos de 1962 e 1969,
as Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994, e as Diretrizes
Curriculares Nacionais de 2006 e 2010.

Debruçar-se analítica e criticamente sobre os documentos nacionais que estruturaram


curricularmente os cursos de arquitetura e urbanismo e os fatos históricos que antecederam a
constituição dessa documentação como artefatos educacionais e sociais, sobretudo em relação
às questões da habitação para a população de baixa renda, permite compreender as possíveis
razões contemporâneas da permanência de determinadas condutas educacionais que aparentam
ser imutáveis e intransponíveis quanto à abordagem e/ou inserção de “novos” conhecimentos
no currículo oficial dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, a exemplo do projeto
de HIS. Neste caso, concorda-se com o fato de que “[...] o estudo e a análise da dimensão
curricular podem contribuir, como um fio condutor, para o entendimento do desenvolvimento
do ensino de Arquitetura e Urbanismo” (SCHLEE et al., 2010, p. 85). Assim sendo, esta
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pesquisa visa colaborar para o debate em torno do processo de formulação de currículos oficiais
nacionais para os cursos de arquitetura e urbanismo, do ensino do projeto de arquitetura voltado
para a produção de habitações de interesse social, assim como para o aperfeiçoamento do
referido ensino no país.

Para tanto, nesta tese de doutoramento, foram desenvolvidas análises de cunho


qualitativo (GERHARDT; SILVEIRA, 2009), com enfoque exploratório, descritivo e crítico
(MOREIRA; CALEFFE, 2008) relacionados aos currículos oficiais nacionais instituídos para
os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo no Brasil, fundamentadas na perspectiva
crítica de currículo, especificamente, a partir da “análise relacional” (APPLE, 2006, p. 44).

A análise relacional (APPLE, 2006) desenvolvida sobre os currículos oficiais nacionais


dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, procedeu-se, primeiramente, a partir do
contexto histórico, político, econômico e social, de modo a situar as ações relacionadas a três
eixos: 1) a produção habitacional direcionada para a população de baixa renda, efetivada ou
não por meio de programas habitacionais do governo brasileiro; 2) os congressos, seminários,
e encontros profissionais e acadêmicos sobre o problema habitacional e o ensino de arquitetura
e urbanismo; 3) o ensino de arquitetura e urbanismo. Em seguida, buscou-se apreender a
tradição seletiva dos conhecimentos considerados fundamentais para a formação profissional
dos arquitetos e urbanistas a partir das ações empreendidas pelos envolvidos com o ensino
(professores, instituições de ensino, entidades, comissões de avaliação e de ensino) e a
institucionalização dos diferentes currículos oficiais nacionais dos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo.

Considerando que o documento escrito constitui-se numa importante fonte de


informação e que este se apresenta como elemento “[...] insubstituível em qualquer
reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que ele represente
a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas épocas (CELLARD,
2014, p. 295), iniciou-se a coleta de dados a partir da consulta de documentos secundários, tais
como: livros, teses, dissertações e sites institucionais. O propósito dessa amostra inicial foi
apreender como se deu a participação dos arquitetos e urbanistas e das entidades representativas
da profissão no enfrentamento do problema habitacional vivido pela população de baixa renda;
de que modo isso contribuiu ou não para a construção dos currículos oficiais nacionais dos
cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil; e como se constituiu, historicamente, o ensino de
arquitetura e urbanismo no país.
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Por meio dessa coleta inicial, estabeleceu-se contato com fontes primárias específicas
sobre o objeto de estudo, tais como: Leis, Decretos, Portarias, Resoluções e Pareceres
relacionados com a educação superior e o ensino de arquitetura e urbanismo; revistas e jornais
da imprensa nacional, a exemplo da revista Arquitetura e Construção, Projeto e jornais
Arquiteto; e anais de seminários, congressos e encontros profissionais e acadêmicos sobre
habitação e ensino de arquitetura e urbanismo.

Considerando a credibilidade e representatividade para a área da arquitetura e urbanismo


dos documentos selecionados, desenvolveu-se a análise documental (CELLARD, 2014) em
duas etapas:

 Na primeira etapa, empreendeu-se uma análise preliminar a partir de quatro aspectos:


(i) exame do contexto social global no qual foram produzidos os currículos oficiais
para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, etapa considerada “[...]
indispensável, quando a análise se refere a um passado remoto ou recente”
(CELLARD, 2014, p. 299); (ii) identificação do autor ou autores dos currículos
oficiais (membros de comissões, grupo profissional ou instituição); (iii) conferência
da autenticidade dos documentos; (iv) a natureza do texto, que possibilitou a
compreensão das distintas formas de como o tema da HIS estava sendo contemplado
nos anais dos seminários/congressos/encontros e nos currículos oficiais nacionais.
Neste último caso, as análises foram desenvolvidas em conformidade com a estrutura
organizacional formalizada nos currículos, sobre o conjunto de matérias, ementas,
núcleos de conhecimentos e, quando existentes, sobre as descrições de habilidades e
competências;
 Na segunda etapa, referente ao tratamento dos resultados e interpretação, as
informações obtidas na etapa anterior foram articuladas de modo a constituir uma
narrativa histórica interpretativa coerente com a temática e com os questionamentos
centrais da pesquisa. Para tanto, utilizou-se de recursos como a construção de linhas
do tempo, quadros comparativos entre distintos currículos oficiais, e gráficos a fim
de elucidar as evidências dos fatos analisados.

Salienta-se também que, no decorrer das análises, foram citadas experiências de ensino
sobre o tema da HIS efetivadas em alguns cursos de graduação em arquitetura e urbanismo por
meio do chamado “currículo não-oficial” (SILVA, 1998, p. 162) ou “currículo real”
(SACRISTÁN, 2013, p. 26). Foram apenas consideradas as experiências oficialmente
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publicadas em eventos acadêmicos, teses de doutorado, livros, jornais ou revistas especializadas


da arquitetura e urbanismo.

O currículo não-oficial é aquele “[...] efetivamente desenvolvido em sala de aula e fora


dela” (SILVA, 1998, p. 162), ou seja, é o conjunto de ações e seleções de conteúdos realizados
pelo próprio docente. Para Sacristán (2013, p. 26) este currículo é chamado de “currículo real”,
sendo, portanto, aquele “constituído pela proposição de um plano ou texto que é público e pela
soma dos conteúdos das ações que são empreendidas com o intuito de influenciar [...] o ensino
desse plano [...]”. Entretanto, é valido salientar que este currículo não-oficial ou real não deve
ser desenvolvido de modo alheio ao currículo oficial, pelo contrário, segundo Sacristán (2013,
p. 25) o currículo oficial é como se fosse a partitura e o currículo real seria a música que é
executada, em síntese, “ambos guardam uma relação entre si, embora sejam coisas distintas”.

O resultado de toda pesquisa desenvolvida nesta tese foi estruturado em seis capítulos.
Além deste capítulo introdutório, no segundo capítulo, discute-se os aspectos terminológicos
e conceituais historicamente constituídos para identificar a habitação direcionada à população
de baixa renda, desde o Século XIX até 2018. No terceiro capítulo, referente ao período de
1930 até 1962, foram analisados os contextos e as ações empreendidas pelo governo brasileiro
em relação à organização do ensino superior no país e a produção de habitações direcionadas à
população de baixa renda que antecederam a institucionalização do “Currículo Mínimo” de
1962 para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo. Para tanto, foram considerados:
a ação do governo brasileiro na produção habitacional por meio dos Institutos de Aposentadoria
e Pensões e da Fundação da Casa Popular; as conclusões dos arquitetos acerca da produção de
habitações para a população de baixa renda e do ensino de arquitetura oficializadas nos
Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, no 1º Congresso de Habitação, no 1º e 4º Congresso
Brasileiro de Arquitetos, e no 1º Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de
Arquitetura; a reformulação curricular empreendida por Lucio Costa na Escola Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro; o processo de luta pela efetivação da autonomia dos cursos de
arquitetura e a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura. Ademais, analisa-se a
institucionalização e características do “Currículo Mínimo” de 1962 em relação ao
estabelecimento de uma formação profissional de arquitetos e urbanistas voltados também para
as demandas habitacionais da população de baixa renda.

No quarto capítulo, cujo foco central é a análise do “Currículo Mínimo” de 1969 e as


suas consequências sobre o ensino de arquitetura e urbanismo no país, foram analisados os
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
41

principais fatos ocorridos no período compreendido entre os anos de 1963 a 1976, tais como:
as experiências habitacionais direcionadas para a população de baixa renda no período da
Ditatura Militar e as ações do governo sobre o ensino superior; as ações dos arquitetos no
âmbito da produção de HIS, com destaque para as experiências de Acácio Gil Borsoi na
Comunidade de Cajueiro Seco em Jaboatão, no Estado de Pernambuco, e Carlos Nelson
Ferreira dos Santos na favela Brás de Pina, no Rio de Janeiro; os debates ocorridos no Seminário
de Habitação e Reforma Urbana em 1963; as posições dos profissionais da arquitetura e
urbanismo diante dos rumos do ensino de arquitetura e urbanismo no país formalizadas no 7º
Congresso Brasileiro de Arquitetos, no X Congresso da União Internacional de Arquitetos e no
1º Encontro de Diretores de Escolas de Arquitetura do Brasil. Por fim, são analisadas as
características estruturais do “Currículo Mínimo” de 1969 e é evidenciado o primeiro incentivo
por parte do BNH para a inserção prioritária de estudos e pesquisas sobre projetos
arquitetônicos e urbanos voltados para a HIS no âmbito da graduação em arquitetura e
urbanismo por meio do “Convênio BNH”.

As consequências negativas da institucionalização do Currículo Mínimo de 1969 acerca


do ensino de arquitetura e urbanismo, motivaram profissionais envolvidos com o ensino a
realizar eventos para debater questões sobre uma reformulação curricular nacional. Assim
sendo, no quinto capítulo, referente ao período de 1977 até 1994, foram analisados os debates
ocorridos nos eventos que antecederam a institucionalização das “Diretrizes Curriculares e o
Conteúdo Mínimo” de 1994 para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, como:
Reunião Geral sobre Ensino de Arquitetura da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura
(ABEA); os debates ocorridos no X Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura; e o
Seminário Nacional ABEA. Em seguida é analisado o documento “Diretrizes Curriculares e o
Conteúdo Mínimo” de 1994, com foco na questão da inserção do tema da HIS. Além disso, no
âmbito da produção habitacional, destacou-se a extinção do BNH e o início da produção de HIS
por meio de programas alternativos por parte do governo brasileiro. Por fim, são evidenciadas
experiências em assistências técnicas desenvolvidas por Laboratórios de Habitação.

No sexto capítulo, que corresponde aos fatos ocorridos entre os anos de 1995 a 2018,
foram analisados o processo de institucionalização e as características das “Diretrizes
Curriculares Nacionais” (DCN) de 2006 e a reformulação desta em 2010. Para tanto,
analisaram-se as principais ações na esfera habitacional e educacional que influenciaram a
formulação e reformulação das DCN, tais como: os principais programas habitacionais
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
42

desenvolvidos para a população de baixa renda entre os anos de 1995 a 2018; o incentivo para
que profissionais e estudantes se envolvessem com a causa da HIS por meio do Prêmio CAIXA-
-IAB; a importância da Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008, para a formação dos
arquitetos e urbanistas; e as principais ações do governo brasileiro que contribuíram para a
democratização do ensino superior e expansão dos cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo no país, com destaque para: a) o Programa Universidade para Todos, b) o Sistema
da Universidade Aberta do Brasil, c) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais. Finalmente, os Projetos Políticos-Pedagógicos dos
cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados pelas Universidades Federais do
Brasil foram analisados quanto às possibilidades de oficialização do tema da HIS.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
43

2 A HABITAÇÃO PARA A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA: ASPECTOS


TERMINOLÓGICOS E CONCEITUAIS

2.1 Século XIX: “Habitação Operária”, “Cortiços” e “Habitação das classes pobres”

Os problemas em torno da produção habitacional no Brasil, enquanto objeto de estudo


e investigação, têm sido analisados ao longo da história da arquitetura e urbanismo sob diversos
aspectos: construtivo; projetual; relacionado às questões urbanas; como produto oriundo de
ações governamentais (em âmbito nacional, regional, estadual e municipal) ou da iniciativa
privada; etc. No entanto, segundo Valadares e Figueiredo (1981), os estudos sobre habitação,
especificamente as direcionadas para a população de baixa renda, ganharam efetivo impulso e
importância no cenário nacional apenas na década de 1970, quando um campo específico de
estudos consolida-se no país e um considerável volume de títulos, de diversas áreas do
conhecimento, são produzidos em decorrência do aguçamento da crise habitacional brasileira
na década de 1960, tornando-se, portanto, um tema multidisciplinar.

Apesar de os autores salientarem a importância histórica da crise habitacional da década


de 1960 para a consolidação dos estudos sobre a habitação no país, salienta-se que essa crise,
mesmo estando vinculada a fatores políticos, sociais e econômicos do período, é resultante,
também, do modo como o mercado imobiliário e o governo brasileiro têm se posicionado com
relação à produção habitacional voltada à população de baixa renda desde o final do século XIX
e início do século XX.

Até a Revolução de 1930, a produção habitacional no país destinada aos setores de


média e baixa renda era efetivada pela iniciativa privada. Devido à inexistência de um sistema
de financiamento para a aquisição de uma casa própria, muitas famílias submetiam-se a viver
em habitações de aluguel cujas condições de habitabilidade estavam diretamente vinculadas ao
valor cobrado pelo proprietário, isto é, quanto mais barato o valor, mais precária era a habitação.
O mercado de locação de imóveis ou cômodos era lucrativo o suficiente para motivar
proprietários de terras a investir na construção de habitações específicas para esse fim, em
épocas em que a demanda habitacional era alta. Em síntese, foi um período no qual prevaleceu
um tipo de produção habitacional denominada por Bonduki (2017, p. 54) como “produção
rentista”.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
44

A produção rentista contribuiu para a constituição de distintas modalidades de moradias


de aluguel, tais como: o hotel-cortiço; a casa de cômodos (sobrados convertidos em cortiços);
o cortiço-pátio; a casa operária; e as vilas operárias, que eram produzidas por empresas e se
destinavam a abrigar seus funcionários ou eram edificadas por investidores privados e
disponibilizados ao mercado de locação. O crescimento dessas modalidades de moradias, o
elevado número de ocupantes e as péssimas condições higiênicas e construtivas de algumas
delas, passaram a incomodar as autoridades e a sociedade brasileira quando esses espaços
tornaram-se propícios à disseminação de doenças e criminalidades, tornando-se, portanto, um
problema social e de responsabilidade das autoridades brasileiras do período, como salientado
por Nabil Bonduki:

Os problemas que mais preocupavam as autoridades eram os que agravavam as


condições higiênicas das habitações, dado que no final do século [XIX] foram
inúmeros os surtos epidêmicos que atingiram as cidades brasileiras. Essa questão
passou a receber tratamento prioritário do Estado e pode-se dizer que a ação estatal
sobre habitação popular se origina e permanece na Primeira República voltada quase
que apenas para esse problema (BONDUKI, 2017, p. 28, grifo nosso).

É possível apreender nos trabalhos desenvolvidos por Bonduki (2014; 2017), que todas
essas modalidades de moradia se caracterizavam como sendo tipos de “habitação popular”,
termo que identifica a habitação construída para a população de baixa renda sem a participação
ou intervenção do governo brasileiro. Entretanto, em documentos oficiais do período, a
habitação destinada à população de baixa renda não era identificada como habitação popular, e
sim como “habitação operária” ou “cortiços”.

Quando as regiões mais pobres das cidades começaram a se tornar locais de propagação
de doenças em decorrência das condições insalubres e sanitárias das habitações, os agentes
públicos sanitaristas passaram a realizar inspeções nos diversos tipos de moradia de aluguel e
a constituir relatórios oficiais da situação encontrada. Uma dessas inspeções ocorreu no bairro
de Santa Ephigenia, em São Paulo, no ano de 1893, cujo relatório denominado “Relatório da
Commissão de Exame e Inspecção das Habitações Operarias e Cortiços no Districto de Sta.
Ephigenia”23, direcionado ao então Secretário de Negócios do Interior, o doutor Cesário Motta,
legitima a utilização dos dois termos, habitação operária e cortiços.

23
A íntegra do Relatório (texto final, fichas de coleta e plantas das habitações), juntamente com os artigos que
analisam os documentos produzidos por especialistas na história da saúde, do sanitarismo e da urbanização, podem
ser conferidos no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo, disponível
em:<http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/corticos_ephigenia>. Acesso em: 15 nov.
2017.
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
45

Tanto as habitações operárias quanto os cortiços, eram considerados pelos higienistas


como sendo construções precárias. No entanto, era o nível dessa precariedade que balizava o
julgamento e a avaliação das condições de habitabilidade das moradias e suas respectivas
identificações. No geral, os cortiços eram os tipos de habitações mais condenados pelos agentes
sanitários e deveriam ser extinguidos do meio urbano, como destacado por Raquel Rolnik ao
reproduzir trecho da declaração veiculada na imprensa de 1896 do Conselho Superior de Saúde
Pública de São Paulo:

Em uma cidade como esta [...] com tantos cortiços que em si recebem uma lotação
superior à que prescrevem os preceitos da ciência, é fácil prever que eles representam
um vulcão prompto a fazer erupção, logo que se apresentem condições favoráveis. E
não se pode duvidar que essas asquerosas residências devem ser extintas, por isso
que os factos demonstram que ellas representam uma sala de espera da morte
(ROLNIK, 1981, p. 55 apud CARPINTÉRO, 1997, p. 61, grifo nosso) 24.

Mas, como salientado por Bonduki (2017), nem sempre as características arquitetônicas
e habitacionais eram suficientes para orientar a classificação das habitações da população de
baixa renda. O autor evidenciou que algumas habitações operárias, em especial “as casinhas”
(um tipo de edificação independente, de frente para a rua), possuíam características
arquitetônicas semelhantes às casas existentes nas vilas operárias – tipo de alojamento
considerado ideal pelo poder público e pelos higienistas para a habitação operária –, no entanto,
na visão dos delegados sanitários, essas casinhas eram identificadas como “cortiços”, pelo fato
de serem ocupadas por trabalhadores mais pobres. Em suma, prevalecia uma posição
preconceituosa e discriminatória para com a população pobre sem emprego fixo.

Além do uso dos termos habitação operária e cortiços, no Código Sanitário do Estado
de São Paulo, instituído pelo Decreto nº 233, de 2 de março de 1894, a habitação ocupada pela
população de baixa renda foi identificada como sendo “habitação das classes pobres” (SÃO
PAULO, 1894, p. 6), termo que englobava os distintos tipos de moradias de aluguel constituídas
por produtores rentistas. Segundo o referido Código Sanitário, era proibida a construção de
novos cortiços e os já existentes deveriam ser extintos por meio da desativação ou demolição.
Ademais, foi recomendado que as novas habitações das classes pobres fossem edificadas fora
da aglomeração urbana, e que seus cômodos deveriam ser construídos de modo a respeitar as
dimensões mínimas recomendadas. Entre essas recomendações constava a especificação de que
os aposentos de dormir deveriam ter, no mínimo, 14 metros cúbicos livres para cada usuário.
Pode-se dizer que o Código Sanitário de São Paulo foi um dos primeiros instrumentos legais a

24
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original da citação.
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
46

estabelecer parâmetros dimensionais para as habitações destinadas à população de baixa renda


no Brasil.

O modo como o problema habitacional vivenciado pela população de baixa renda do


final do século XIX foi abordado pelas autoridades sanitaristas do governo brasileiro, com foco
numa ação higienista do espaço urbano, bem como caracterizada pela proibição da construção
de novas habitações das classes pobres em áreas centrais nas cidades brasileiras, contribuiu para
que o problema fosse empurrado para áreas periféricas das cidades, onde a população despejada
passou a autoconstruir suas habitações em loteamentos clandestinos, mocambos, alagados, etc.
Por fim, salienta-se que essas ações cooperaram para a constituição histórica de uma cultura de
desvalorização do processo construtivo e produtivo habitacional direcionadas à população de
baixa renda.

2.2 De 1930 a 1964: “Habitação Mínima”, “Habitação Econômica”, “Habitação


Social” e “Habitação Popular”

Até 1930, na ótica dos agentes sanitaristas e profissionais da área médica, a solução
adequada para a resolução do problema da habitação das classes pobres era a extinção desse
tipo de habitação do cenário urbano e a expulsão de seus usuários para regiões distantes das
áreas nobres, frequentadas por pessoas da classe média e alta da sociedade. Após Getúlio
Vargas assumir o comando do país em 1930, a situação da população sem emprego formal ou
desempregada não mudou muito, por outro lado, ao menos para a população com trabalho
formal de baixa renda, o problema habitacional passa a ser abordado sob outra perspectiva.

Diante das precárias condições de moradia e dos abusos nos aluguéis cometidos pelos
produtores rentistas, Getúlio Vargas, apoiado por entidades empresariais interessadas no plano
de desenvolvimento nacional, decide intervir por completo na produção e locação de habitações
para os trabalhadores pertencentes aos setores de média e baixa renda. Para tanto, duas frentes
de ação são constituídas: (1) estabelecimento de um aparato estatal forte com capacidade de
produzir e facilitar o financiamento de novas unidades habitacionais direcionadas para a
população com trabalho formal fixo; (2) e a constituição de um mecanismo de controle dos
abusos cometidos pelos produtores rentistas no mercado de locação, corporificada na
institucionalização da Lei do Inquilinato, de 1942, que beneficiou também os trabalhadores
informais.
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
47

Até que o governo brasileiro constituísse um aparato estatal voltado para a produção
habitacional, a partir de uma série de eventos ocorridos no cenário nacional e internacional,
buscou-se pensar um tipo de “habitação ideal” que possibilitasse ao trabalhador o descanso
físico e mental necessário para a renovação de sua força de trabalho e, ao mesmo tempo se
transformasse num produto capaz de disciplinar seus modos e costumes de vida, como
evidenciado por Bonduki (2017, p. 94, grifo nosso):

A habitação operária torna-se, portanto, área crucial para a manutenção da ordem


econômica, política e social. Além de ser um bem essencial para a sobrevivência do
trabalhador, a moradia deveria tornar-se instrumento de transformação do trabalhador
em proprietário, desempenhando papel importante na criação de um modo de
vida conservador e reproduzindo os padrões de comportamento moral e cultural
burguês [...].

Getúlio Vargas assume a presidência do país e intervém na produção habitacional num


período compreendido entre o fim da 1ª Guerra Mundial (1918) e início da 2ª Guerra Mundial
(1939), ou seja, numa época em que o mundo estava preocupado com questões da
racionalização de custos, melhorias no setor industrial, padronização de produtos, construção
seriada, etc. Todas essas questões estiveram presentes nos diversos congressos profissionais
ocorridos no Brasil e no mundo, nos quais alternativas foram pensadas para se constituir a
referida “habitação ideal”, com destaque para: II e III Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna (CIAM), realizados nos anos de 1929, em Frankfurt na Alemanha, e 1930, em
Bruxelas na Bélgica, respectivamente; 1º Congresso de Habitação, promovido em 1931 pelo
Instituto de Engenharia, em São Paulo; e a Jornada de Habitação Econômica, promovida em
1941 pelo Instituto de Organização Racional do Trabalho de São Paulo (IDORT)25.

Além do uso de termos como habitação operária e habitação popular, com os eventos
profissionais supracitados, outros dois termos são constituídos para se referir à habitação
destinada à população de baixa renda, os quais rapidamente passam a fazer parte do linguajar
técnico dos profissionais envolvidos com a formação superior de arquitetos e engenheiros-
-arquitetos, aqueles que trabalhavam para máquina pública e os que estavam diretamente
envolvidos com a construção civil.

No ano em que é realizado o 1º Congresso de Habitação no Brasil, o debate sobre a


racionalização do projeto da habitação operária e a necessidade da redução do custo de sua

25
Além da Jornada da Habitação Econômica, o tema da habitação para o trabalhador fez-se presente em outras
iniciativas do IDORT, “[...] como a Jornada de Administração Municipal, a Jornada Contra o Desperdício, a
Jornada “O Brasil Após-Guerra”, a Jornada da Alimentação, a Jornada da Produção, a Jornada da Iluminação
Racional e as Campanhas de Segurança e Higiene do Trabalho e Racionalização da Técnica do Trabalho”
(CORREIA; ALMEIDA, 2013, p. 42).
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
48

produção para torná-la acessível à maioria dos trabalhadores, havia ocorrido no II CIAM cujo
tema principal foi o Die Wohnung für das Existenzminimum (Habitação para o padrão mínimo
de vida ou “habitação mínima”), problema que se apresentava como prioritário na Europa
devido aos estragos ocorridos durante a 1ª Guerra Mundial.

Como consequência dos debates realizados nos CIAMs, ficou consolidada uma posição
dualista entre os principais arquitetos internacionais engajados com o movimento moderno
sobre como deveria ser a postura dos profissionais da área diante do problema habitacional e
do desenvolvimento de projetos direcionados à população operária. Havia aqueles que
primavam por uma ação social mais profunda dos arquitetos, compartilhando a ideia de que o
arquiteto devia ser um técnico a serviço da sociedade, engajado com o trabalho coletivo e com
a produção em série, a exemplo de Ernst May, Walter Gropius, Hannes Meyer e Karel Teiger;
e aqueles que enxergavam o arquiteto como um criador e defendiam uma sociedade liberal, a
exemplo de Le Corbusier, Ludwig Mies van de Rohe e Josep Lluís Sert (MONTANER; MUXÍ,
2014)26.

Essa visão dualista entre os arquitetos refletiu-se também nas defesas assumidas sobre
quais tipos de produção habitacional – vertical ou horizontal – deveria ser priorizada para a
população operária. Destaca-se nesse cenário as posturas de Le Corbusier e Walter Gropius, os
quais saíram em defesa da priorização da produção vertical de casas operárias, e Ernest May
em conjunto com outros membros, que saíram em defesa da produção de casas em baixa altura
(MUMFORD, 2007).

Foram esses debates que influenciaram os discursos dos arquitetos, engenheiros e


engenheiros-arquitetos participantes do 1º Congresso de Habitação. No referido evento, a
habitação voltada para os trabalhadores de baixa renda não foi identificada como habitação
mínima27 e sim, como “habitação econômica”, em decorrência dos debates terem enfatizados
questões em torno do barateamento da construção habitacional.

Entre os trabalhos apresentados e debatidos no 1º Congresso de Habitação, Bonduki


(2017), Martins (2011) e Bruna (2015) destacam os discursos proferidos pelo engenheiro-

26
Ainda segundo Montaner e Muxí (2014, p. 46, grifo nosso), com o tempo, a posição do segundo grupo passou
a predominar, pois adequava-se melhor “[...] tanto à figura tradicional e elitista do arquiteto para o príncipe
como ao funcionamento do sistema capitalista”.
27
Termo oriundo do CIAM que, no Brasil, foi absorvido e debatido no meio acadêmico, mais precisamente, na
formação superior dos arquitetos a partir de 1931, como será comentado no Capítulo 3 desta tese.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
49

-arquiteto Bruno Simões Magro ao apresentar o trabalho intitulado “Habitações econômicas”.


Segundo Bonduki (2017), Magro foi um dos defensores da tese apresentada por Ernst May no
II CIAM que considerava ser secundária, na concepção de projetos de habitações mínimas, “[...]
a forma externa e a fachada, sendo a parte principal do problema a que se refere à construção
dos aposentos no ponto de vista do moderno conceito de viver [...]” (MAGRO, 1931 apud
BONDUKI, 2017, p. 97).

Essa preocupação técnica com a Imagem 2.1 - Casa para empregados da


habitação destinada à população de baixa Estrada de Ferro Sorocabana, Tipo nº 3.
renda é também evidenciada por Rafaela
Martins (2011) ao demonstrar que Magro,
além de criticar a produção vertical de
habitações, expôs um conjunto de
elementos necessários para a obtenção de
uma habitação econômica, tais como: a
utilização do mínimo em acabamento;
padronização de materiais e do processo de
construção, com ênfase na produção
seriada; utilização de materiais mais
baratos; e redução da espessura das paredes
e dos pés-direitos28 (medidas que requeriam
a revisão dos códigos de obras).

Todos esses elementos foram


aplicados nos projetos das casas da vila
Unidades Habitacionais com 6,225m x 7,80m
operária para Estrada de Ferro Sorocabana Área útil: 40,62m²
(Imagem 2.1). Bruna (2015) ressalta que
Fonte: BRUNA, 2015, p. 126.
Magro, familiarizado com os estudos de
racionalização das atividades domésticas, especialmente os desenvolvidos por Alexander Klein
em 1928, defendeu que no projeto da habitação fosse indispensável prever: a colocação dos
móveis desenhados com dimensões reais e especificados conforme o poder aquisitivo do

28
Em relação à redução dos pés direitos, o engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque (1931 apud
CARPINTÉRO, 1997) defendia que nas habitações econômicas a altura fosse reduzida de 4m, como era
recomendado pela legislação em São Paulo e no Rio de Janeiro, para o limite de 2,20m, pois isso iria reduzir os
custos das alvenarias e dos revestimentos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
50

usuário; o provimento de um banheiro interno e adequado arranjo urbanístico das casas sobre o
terreno.

Os trabalhos desenvolvidos por Bonduki (2017), Martins (2011) e Bruna (2015)


apontam que no 1º Congresso de Habitação, a habitação econômica não era identificada apenas
como um tipo de habitação onde se prevalecia a redução de custos e dimensões dos cômodos
ou aposentos, seu entendimento extrapolava o limite técnico e englobava ainda a ideia de
moralidade e civilidade. Compartilhava desse entendimento o engenheiro e congressista
Alexandre Albuquerque, que defendeu a importância do envolvimento de um conjunto de
profissionais de outras especialidades, tais como sociólogos e higienistas, no desenvolvimento
do projeto dessa habitação econômica, moralizante e civilizatória (ALBUQUERQUE, 1931
apud MARTINS, 2011).

Esse modo de olhar a habitação como um instrumento moralizante e civilizatório do


trabalhador de baixa renda, é oriundo das ações dos delegados sanitários e dos setores
conservadores de alta e média renda do final do século XIX. Para eles, a habitação unifamiliar
foi considerada como sendo o tipo mais apropriado para que a família tradicional brasileira
pudesse se desenvolver, pois as habitações coletivas, próprias dos cortiços, eram consideradas
por muitos “ideólogos da casa própria unifamiliar”29 (BONDUKI, 2017, p. 93) como tipos de
moradias capazes de conduzir famílias à promiscuidade, à criminalidade e a comportamentos
repreensíveis. A ideia de habitação econômica, aos moldes do que foi apresentado, estava
diretamente relacionada à universalização dos valores burgueses à população de baixa renda,
tendo agradado ao governo brasileiro.

O envolvimento dos arquitetos, engenheiros e engenheiros-arquitetos com outros


especialistas ocorreu paulatinamente, a partir do momento em que o problema habitacional da
população de baixa renda passou a ser investigado, trabalhado e pensado por outras categorias
profissionais. Não por acaso, na Jornada de Habitação Econômica de 1941, houve a participação
de engenheiros, arquitetos, juristas, economistas, médicos, sociólogos, entre outras categorias
profissionais, de modo a contribuir para que a questão da habitação econômica fosse abordada
sobre os mais variados aspectos e correlacionada a distintos temas, como por exemplo:
violência, pendências jurídicas, psicologia, educação e cidadania (MARTINS, 2011).

29
Bonduki (2017) nomeia como “ideólogos da casa própria unifamiliar” os autores Armando Sinisgalli, Francisco
de Paula Ferreira e Hélio Arruda, que vão tecer comentários sobre os modos de morar em habitações coletivas e
apontar seus problemas para o desenvolvimento da família conservadora.
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
51

Apesar de a habitação econômica ter sido abordada sob o ponto de vista social, técnico,
urbanístico, financeiro e econômico (CORREIA; ALMEIDA, 2013), os dois últimos aspectos
ocuparam posição de destaque nos debates e trabalhos apresentados na Jornada de Habitação
Econômica, mais precisamente relacionado a questões do barateamento construtivo e das
possibilidades de financiamento a juros baixos. Ademais, Correia e Almeida (2013, p. 44, grifo
nosso), afirmam que a ação do IDORT, ao promover a Jornada de Habitação Econômica, “[...]
contribuiu para a difusão dos termos “moradia econômica” e “habitação econômica” para
nomear a habitação das classes trabalhadoras”.

No entanto, é oportuno salientar que identificar a habitação produzida para as classes


trabalhadoras como habitação econômica no contexto político, social e econômico da Nova
República, não era sinônimo de que esta habitação caracterizar-se-ia pela baixa qualidade
projetual e construtiva. Ao contrário, a intenção defendida nos eventos citados era a da
constituição de uma habitação que deveria ser, além de econômica, confortável o suficiente
para manter o mínimo de qualidade de vida para seus usuários, de modo a possibilitar que a
usufruíssem da melhor forma possível. Essa qualidade de vida ou, pode-se dizer, qualidade da
moradia, referia-se também à questão dos serviços de saneamento, transporte, abastecimento
de água, serviços de saúde e localização. Não por acaso, essa habitação econômica, de
responsabilidade do governo brasileiro, foi debatida sobre múltiplos enfoques: arquitetônico,
urbano, construtivo, funcional e ergonômico (envolveu o desenvolvimento de mobiliários e o
estudo sobre as atividades domésticas).

Foram esses aspectos que nortearam, as vezes mais, as vezes menos, as ações do
governo brasileiro no estabelecimento de uma política nacional de habitação. O caminho
encontrado por Getúlio Vargas para viabilizar a construção e o financiamento da casa própria
para a população de baixa renda foi criar um órgão que pudesse exercer, além de outras funções,
o papel de agente produtor de habitações que fossem compatíveis com os salários da classe
trabalhadora. Assim, em 1933, inspirado no funcionamento das Caixas de Aposentadorias e
Pensões, é instituído no país, os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) que passaram a
desempenhar “[...] papel fundamental na expansão do capitalismo e da industrialização do
Brasil [...]” (BONDUKI, 2017, p. 111).

De 1933 até 1938, o governo brasileiro criou seis IAPs divididos por categorias
profissionais, tais como: Instituto dos Marítimos (IAPM); Instituto dos Bancários (IAPB);
Instituto dos Comerciários (IAPC); Instituto dos Industriários (IAPI); Instituto dos Empregados
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
52

em Transportes e Cargas (IAPETEC); e o Instituto dos Estivadores (IAPE) (ARAVECHIA


BOTAS, 2011; BONDUKI, 2017). Porém, as condições para que os Institutos pudessem atuar
na produção habitacional só foram instituídas em 28 de junho de 1937, quando é publicado o
Decreto nº 1.749 que regulamentou a aquisição de prédios destinados à moradia de seus
associados. Dentre esses institutos, o IAPI tem sido apontado como uma das instituições que
mais produziu habitações para os setores de baixa renda no período de 1930 até 1964
(ARAVECHIA BOTAS, 2011; BONDUKI, 2014a; 2017), tendo constituído, em 1939, um
plano de operação imobiliária30 que foi, posteriormente, adotado pelos demais institutos.

Toda essa mudança de postura no trato do problema habitacional marcada pela


intervenção do governo brasileiro, especialmente direcionada à população de baixa renda, foi
base para que Nabil Bonduki estabelecesse um novo termo e conceito que servisse de referência
para distinguir a produção habitacional realizada pela iniciativa privada do século XIX da
produção habitacional realizada pelo governo brasileiro a partir de 1930. Foi no
desenvolvimento de sua tese de doutorado, em 1995, que Bonduki31 (2017, p. 22) elege o termo
“habitação social” para identificar toda “[...] habitação produzida e financiada por órgãos
estatais destinada à população de baixa renda”. Todavia, esse termo não se limita apenas à
habitação, seu sentido é mais amplo, “[...] inclui também a regulamentação estatal da locação
habitacional e incorporação, como problema do Estado, da falta de infraestrutura urbana gerada
pelo loteamento privado” (Op. cit, 2017, p. 22).

No trabalho desenvolvido por Bonduki (2017), apreende-se que o termo habitação social
está diretamente associado à população de baixa renda com emprego formal fixo, fato que
coaduna com a conjuntura política, social e econômica constituída por Getúlio Vargas que
priorizou ações no setor habitacional (financiamento ou construção direta) voltada para os
trabalhadores com emprego formal fixo. No caso da habitação precária ocupada e/ou
autoconstruída pela população não assalariada, marginalizada e excluída da proteção do
governo brasileiro, essa continuou sendo identificada pelo autor como habitação popular.

30
O plano imobiliário do IAPI foi organizado em três modalidades: Plano A: arrendamento [locação], ou venda
de habitações em conjuntos residenciais, adquiridos, ou construídos, por iniciativa do Instituto, com objetivo de
proporcionar aos associados moradia digna; Plano B: financiamentos para aquisição, ou construção, de habitações
por iniciativa dos associados, em terreno próprio; Plano C: empréstimos hipotecários diversas, feitas a qualquer
pessoa física ou jurídica (ARAVECHIA BOTAS, 2011; BONDUKI, 2014a, 2017).
31
Não foi possível estabelecer contato direto com a primeira edição do livro de Nabil Bonduki intitulado “Origens
da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria”. Nesta tese, foi
utilizado como fonte, a 7ª edição do referido livro, publicada pela Estação Liberdade em 2017.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
53

Já em 1946, a habitação direcionada à população de baixa renda passa a ser denominada


oficialmente pelo governo brasileiro como sendo “habitação popular” ou “casa popular”,
em decorrência da criação da Fundação da Casa Popular (FCP) por meio do Decreto-Lei nº
9.218, de 1º de Maio de 1946 (Decreto-Lei nº 9.218/1946), no entanto, o conceito ainda tinha
o mesmo significado dado pelos arquitetos e engenheiros para a habitação econômica.

Ademais, faz-se oportuno ressaltar que, por ser um conceito relativamente recente, o
termo habitação social inexiste na produção bibliográfica especializada no tema da habitação
constituída no Brasil até o ano de 1998, e em algumas produções mais recentes. Ao longo desta
tese será possível evidenciar que alguns pesquisadores ou instituições relacionadas à área do
ensino em arquitetura32 comumente utilizam o termo habitação popular para se referir a
qualquer tipo de produção habitacional constituída para a população mais pobre, com ou sem
rendimentos financeiros, produzida ou não por meio de programas governamentais. Contudo,
esse termo, apesar de ter se popularizado entre os profissionais envolvidos com a questão da
habitação, foi evitado pela Ditadura Militar pós-1964 a ponto de ser substituído oficialmente
nas legislações habitacionais nacionais como será evidenciado no item subsequente.

2.3 1964, a Ditadura Militar: da “Habitação Popular” à “Habitação de Interesse


Social”

A partir 1963, o presidente João Goulart buscou efetivar importantes reformas de base,
tais como a reforma agrária e educacional, e ampliar o voto aos analfabetos. Suas intenções
causaram reações opostas na sociedade brasileira: por um lado, os setores de esquerda, grupos
nacionalistas e líderes trabalhistas identificaram-se com as propostas e declararam apoio ao
presidente; por outro, tais intenções causaram incômodo às elites empresariais e militares
(COSTA, 2016). Os opositores passaram a conspirar contra o governo e, em 1º de abril de 1964,
o então presidente do Senado Federal Auro de Moura Andrade, decretou a vacância de João
Goulart da presidência e deu início ao período político ditatorial no país, que foi encabeçado
pelo Militar Humberto de Alencar Castello Branco.

32
BOLAFFI, 1976; MARICATO, 1987; BOLAFFI; CHERKEZIAN, 1985; ABEA, 1991; CAVALCANTE, 2006;
BASTOS; ZEIN, 2010.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
54

De modo a equilibrar o problema habitacional no país, Castello Branco aprova a Lei nº


4.380, de 21 de agosto de 1964, que corporificou o Plano Nacional de Habitação a partir da
institucionalização do sistema financeiro para aquisição da casa própria, também denominado
de Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Além disso, criou o Banco Nacional de Habitação
(BNH) e transformou a FCP em Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Com essas
medidas, o novo governo buscou demonstrar empatia com as necessidades habitacionais da
população e “[...] dar provas de que [era] capaz de atacar problemas sociais” (AZEVEDO;
ANDRADE, 2011, p. 40).

Com a aprovação da Lei nº 4.380/1964, pela primeira vez na história da política


habitacional brasileira a habitação destinada à população com os menores rendimentos
financeiros (trabalhadores da iniciativa privada, funcionários e trabalhadores autônomos), deixa
de ser denominada oficialmente como habitação popular ou casa popular (como instituído pela
FCP) e passa a ser denominada “Habitação de Interesse Social”, como evidenciado no artigo
1º da Lei nº 4.380/1964:

O Governo Federal, através do Ministro de Planejamento, formulará a política


nacional de habitação e de planejamento territorial, coordenando a ação dos órgãos
públicos e orientando a iniciativa privada no sentido de estimular a construção de
habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria,
especialmente pelas classes da população de menor renda (BRASIL, 1964, p. 1).

Não há na história da política habitacional no Brasil registros oficiais que demonstrem


as razões as quais motivaram o novo governo ditatorial a identificar a habitação direcionada
para a população de baixa renda como habitação de interesse social, mas alguns fatos sinalizam
possíveis razões da mudança terminológica. Quando a FCP foi instituída, o governo brasileiro,
na intenção de ampliar as possibilidades de financiamento para a compra ou construção da casa
própria para a população, acabou por não definir com clareza quais eram as condições mínimas
exigidas para que os futuros interessados fossem considerados aptos à concessão financeira. Foi
especificado no artigo 6º do Decreto-Lei nº 9.218/1946 apenas que a preferência para aquisição
ou construção de moradia estabelecida entre os candidatos deveria obedecer à seguinte
proporção: a) trabalhadores em atividades particulares, 3; b) servidores públicos ou de
autarquias, 1; c) outras pessoas,1 (BRASIL, 1946a).

A partir do que foi estabelecido no Decreto-Lei nº 9.218/1946, por não ter sido
especificada uma renda mínima ou máxima, podia-se interpretar que qualquer pessoa, com ou
sem rendimentos fixos, poderia ser beneficiada com o financiamento habitacional. Devido às
distorções na interpretação do citado Decreto-Lei, o governo brasileiro, em 1951, decide
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
55

estabelecer um parâmetro financeiro máximo para os candidatos à aquisição ou construção de


uma habitação popular. Assim sendo, ficou estabelecido que os interessados não poderiam
apresentar “renda global líquida superior a Cr$ 60.000,00 (sessenta mil cruzeiros)” e deveriam
ter “no mínimo cinco pessoas sob a sua dependência econômica” (BRASIL, 1951, p.1). Com o
estabelecimento da renda global máxima, considerada elevada para o período, a nova legislação
legitimou a possibilidade de que “[...] setores relativamente bem aquinhoados pudessem
também disputar as almejadas casas populares” (AZEVEDO; ANDRADE, 2011, p. 10).

Todavia, a aquisição de financiamento junto a FCP por parte de famílias de classe média
só não ocorreu com maior volume devido ao fato de a habitação popular ter sido considerada
por esses grupos como sendo sinônimo de pobreza (AZEVEDO; ANDRADE, 2011), ou seja,
o referido termo carregava consigo um sentido pejorativo e preconceituoso. Diante desse
contexto, os envolvidos com a edição da lei que instituiu o BNH (Lei nº 4.380/1964), na
intenção de atrair a adesão da população de classe média ao novo programa habitacional,
decidiram mudar o termo de Habitação Popular para Habitação de Interesse Social e assim
eliminar com qualquer vestígio de preconceito ou sentido pejorativo associado ao produto
habitacional.

Esse ato é ainda reforçado pela real motivação da institucionalização do BNH. A


intenção de fazer com que a nova política habitacional pudesse contribuir com o “controle
social” e com a constituição de “aliados da ordem” (AZEVEDO; ANDRADE, 2011, p. 41),
encobria um objetivo social maior: estimular o crescimento do mercado de trabalho com a
geração de novos postos de empregos a partir da ação vigorosa da construção civil e dinamizar
o setor econômico do país, que para tanto, também dependia do interesse da classe média com
as habitações produzidas pelo BNH.

Com o passar dos anos, esse objetivo maior foi se concretizando, por conseguinte, houve
uma perda gradual do caráter social do programa habitacional e político (AZEVEDO;
ANDRADE, 2011) sem, contudo, ser desprezível a atuação do BNH na produção habitacional
direcionada à população de baixa renda33. Além disso, já na década de 1970, o BNH, em

33
Segundo dados apresentados por Azevedo e Andrade (2011, p. 72), só para o segmento de “mercado popular” –
específico para a população de baixa renda, ou seja, aqueles cuja renda variava de um até três salários mínimos
(posteriormente alterado para cinco salários mínimos) – o banco conseguiu financiar um total de 178.227 unidades
entre os anos de 1964 a 1969. Ainda segundo os autores, o referido fato “[...] pode ser explicado em parte pela
tentativa do novo regime de se legitimar junto às massas urbanas mobilizadas pelo populismo no início dos anos
60 [...], percebidos pelos novos donos do poder como focos potenciais de conflito” (AZEVEDO; ANDRADE,
2011, p. 71).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
56

decorrência da falta de infraestrutura nos conjuntos habitacionais edificados e da inadimplência


dos mutuários, passa a orientar seus recursos às obras de infraestrutura urbana por meio dos
financiamentos concedidos a governos estaduais e municipais (MARICATO, 1987).

Os contextos político, econômico e as regras de funcionamento do BNH, discutidos nos


trabalhos de Maricato (1987) e Azevedo e Andrade (2011), apontam que a colocação, em
primeiro plano, dos interesses capitalistas na produção da habitação de interesse social,
converteu-se num dos maiores problemas da produção habitacional por meio dos recursos do
BNH, cunhada pela desenfreada produção seriada, baixa qualidade arquitetônica, construtiva e
urbana.

No contexto da Ditadura Militar, ao menos na forma da Lei nº 4.380/1964, a Habitação


de Interesse Social era aquela produzida para atender aos interesses da população de classe
baixa – com renda mensal de um até três salários mínimos (ampliada para cinco salários
mínimos anos mais tarde) – e classe média – com renda mínima de seis salários mínimos –,
produzida em série, com qualidade construtiva e adequada infraestrutura urbana. Contudo, na
prática, esse conceito acabou sendo desvirtuado.

Por fim, esse conceito de Habitação de Interesse Social, assimilado pelo setor da
construção civil, marcou, historicamente, “um novo patamar produtivo” de habitações
destinadas à população de baixa renda no Brasil (MARICATO, 1987, p. 16). Além disso,
salienta-se que as práticas construtivas efetivadas durante os vinte e dois anos de funcionamento
do BNH, serviu para desvirtuar toda a ideia de Habitação Econômica, Habitação Popular e
Habitação Social da década de 1930.

2.4 A redemocratização do Brasil e a nova “Habitação de Interesse Social”

A Ditadura Militar no Brasil teve seu fim no ano de 1985, quando Tancredo Neves e
José Sarney, eleitos de modo indireto por um colégio eleitoral, são escolhidos para suceder o
último militar da história, o General João Batista Figueiredo (1979-1985). No entanto, Tancredo
Neves, devido a complicações de saúde as quais o levaram a morte, não conseguiu assumir a
presidência do país e, em seu lugar, assumiu José Sarney que, na medida do possível, seguiu
com o processo de abertura política do Brasil, iniciado com o estabelecimento das eleições
diretas para presidente, que só ocorreria em 1989. Destaca-se ainda, que no governo de José
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
57

Sarney (1985-1990) houve a instituição da Assembleia Constituinte em 1987 e a aprovação da


nova Constituição Brasileira em 1988.

No âmbito dos problemas habitacionais, o novo período de redemocratização do país,


apesar de ter possibilitado que movimentos populares organizados e arquitetos e urbanistas
pudessem debater sobre a necessária reforma urbana, não se apresentou benéfico o suficiente
para a população de baixa renda devido à ausência de um plano habitacional nacional
consistente. Os efeitos da crise do SFH repercutiram nas ações dos governos de José Sarney,
Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995). Todos esses governos centraram
esforços no combate à regularização financeira dos mutuários do SFH e constituíram programas
habitacionais de pouco impacto nacional se comparados com a força produtiva efetivada pelo
BNH.

Ao invés de buscar reestruturar a política habitacional por meio do BNH, José Sarney
decide extinguir o referido Banco no ano 1986 e incorporar suas funções à Caixa Econômica
Federal. A partir de então, a questão da habitação deixa de ser considerada uma atividade-fim
e passa a ser uma atividade-meio e setorial do novo agente responsável pelo SFH. A extinção
do BNH caracterizou o fim da política ditatorial de habitação e marcou o início de um novo
ciclo na história da produção habitacional brasileira.

Até o ano de 1995, pode-se dizer que houve uma certa ausência de rumos diretos para
os problemas habitacionais. A base de ação no setor direcionado à população de baixa renda
ocorre por meio dos chamados “programas alternativos” (SANTOS, 1999; AZEVEDO, 2007;
BONDUKI, 2014), com destaque para: o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais
(lançado em 1987), que objetivou a construção de 500 mil casas para a população com renda
inferior a três salários mínimos; Plano de Ação Imediata para Habitação (lançado em 1990),
cuja ação procedeu-se sob três vertentes: “programa de moradias populares”, “programa de
lotes urbanizados”, e “programa de ação municipal para habitação popular” (AZEVEDO, 2007,
p. 19); o Programa Habitar-Brasil (lançado em 1993); e os Programas Morar Melhor e Morar
Município (lançados em 1994).

Como se pode observar, no caso do Plano de Ação Imediata para Habitação, há um


resgate do termo habitação/moradia popular para se referir à produção habitacional direcionada
à população cuja renda máxima fosse de até três salários mínimos. É importante destacar que o
governo brasileiro, nessa nova etapa de produção habitacional, tentou articular o funcionamento
dos programas alternativos de modo que houvesse uma ação conjunta entre produção de novas
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
58

unidades habitacionais ou melhorias das já existentes em áreas degradadas com a questão da


urbanização.

A partir de 1995, com o governo de Fernando Henrique Cardoso, múltiplas frentes de


ação são constituídas para o enfrentamento do problema habitacional, em especial os vividos
pela população com renda de até três salários mínimos. Para esses, o governo atuou,
inicialmente, por meio dos programas alternativos (dando continuidade aos existentes e/ou
criando novos) dos quais destacam-se: o Programa Pró-Moradia e o Carta de Crédito, ambos
em 1996, Programa Habitar-Brasil BID, em 1998; e o Programa de Subsídio à Habitação, em
2002. Com esses programas, a população de baixa renda – menos beneficiada pelas ações do
BNH – puderam ser contempladas com a reforma ou construção de uma casa nova em qualquer
parte da cidade, inclusive em favelas, desde que o terreno fosse regularizado. Além disso, no
caso do Carta de Crédito, a população com emprego informal poderia ainda adquirir crédito
financeiro para compra de materiais de construção e assim autoconstruir sua moradia.

Em 1999, Fernando Henrique Cardoso instituiu o primeiro programa habitacional de


abrangência nacional consistente desde o fim do BNH, no caso, o Programa de Arrendamento
Residencial (PAR). Com o PAR, o conceito de habitação popular passa a ser associado
diretamente às características construtivas e salariais de seus arrendatários. O referido
programa, inicialmente, entendia que uma população de baixa renda seria aquela cuja renda
salarial mensal variasse de três a oito salários mínimos. Após revisões na legislação do PAR, já
no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a faixa salarial foi ampliada para poder contemplar as
famílias com renda mensal de dois a quatro salários mínimos. Em relação aos aspectos
construtivos e tipológicos, a habitação popular do PAR poderia ser unifamiliar ou multifamiliar,
composta por um programa habitacional mínimo de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, e
área útil mínima de 33m², 35m² ou 37m², exceto nos projetos de recuperação de
empreendimento (PORANGABA, 2011). Como evidenciado, o conceito de habitação popular
é modificado e assume um formato descritivo técnico e preciso.

Diferente dos empreendimentos edificados pelo BNH, mesmo havendo casos de


conjuntos habitacionais construídos em áreas periféricas, em algumas regiões do país as
habitações do PAR foram construídas em áreas mais centrais, munidas de infraestrutura urbana
e serviços de abastecimento de água, esgoto e transporte, como ocorrido, por exemplo, nos
estados de São Paulo, Alagoas e Paraíba (BONATES, 2007; PORANGABA, 2011). Destaca--
se ainda que na legislação do PAR eram previstas ações em projetos de requalificação de áreas
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
59

centrais ou históricas, com a recuperação ou reforma de imóveis ociosos para fins residenciais.
O PAR funcionou até o ano de 2009, quando foi substituído pelo Programa Minha Casa, Minha
Vida (PMCMV).
Antes de comentar sobre o conceito de habitação adotado pelo PMCMV, é oportuno
explanar sobre algumas medidas postas em ação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(Lula), que esteve no comando do país por dois mandatos consecutivos, 2003-2006 e 2007-
2010. Uma das mais importantes ações do primeiro mandato de Lula foi a criação do Ministério
das Cidades, em 2003, que passou a ser o órgão responsável pela Política de Desenvolvimento
Urbano e, dentro dele, pela Política Setorial de Habitação.

Em 2004, o Ministério das Cidades passou a divulgar os “Cadernos MCidades”, cujo 4º


volume tratou de apresentar a nova Política Nacional de Habitação (PNH). É com o PNH que
o corpo técnico de profissionais envolvidos com o Ministério das Cidades consegue imprimir a
ideia de uma política global para o problema habitacional do Brasil, retomando, inclusive, o
uso do termo “Habitação de Interesse Social”, cujo conceito resgata intenções das décadas de
1930 a 1950, diferenciando-se, portanto, do conceito assumido no período da Ditadura Militar.

Segundo evidenciado no PNH, o conceito de Habitação de Interesse Social não está


restrito a casa, “[...] incorpora o direito à infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade e
transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais, buscando garantir direito à
cidade” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004, p. 12). Dentro dessa ideia de habitação, o
elemento inédito desse conceito é a preocupação com a cidade, mais precisamente, com o fato
de a Habitação de Interesse Social ser pensada e produzida de modo integrada.

Diferente do entendimento institucionalizado sobre a Habitação de Interesse Social no


período do BNH – voltada exclusivamente para setores de média e baixa renda –, com o novo
PNH, esse termo é utilizado para se referir à produção de habitações viabilizadas a partir de
programas habitacionais por meio da ação conjunta ou não entre o Governo Federal, Estados e
Municípios para a população de baixa renda (urbana, rural, indígenas, de povos da floresta, de
quilombolas, etc.), entendida como sendo: (1) famílias em situação de miséria absoluta, incapaz
de arcar com quaisquer ônus decorrentes de financiamentos onerosos; (2) famílias com renda
reduzida as quais não possuem condições de adquirir uma moradia digna sem que a política
pública possa lhes proporcionar subsídio financeiro (são famílias capazes de pagar parcelas que
não onerem seus limites orçamentários de subsistência); (3) famílias cujas capacidades
aquisitivas são suficientes para arcar com as parcelas do financiamento de baixo custo, sem
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
60

subsídio. Em se tratando de parâmetros financeiros objetivos, a HIS, preconizada no PNH, é


aquela que se destina, preferencialmente, às famílias com renda mensal de zero até cinco
salários mínimos (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).

Com a aprovação da Lei nº 11.888, de 4 de dezembro de 2008, popularmente conhecida


como Lei da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social, o termo Habitação de
Interesse Social passou a ser amplamente divulgado e utilizado pelos profissionais da
arquitetura e urbanismo, pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), pelo Conselho de
Arquitetura e Urbanismo (CAU), criado em 2011, e, principalmente pelos cursos de graduação
e pós-graduação em arquitetura e urbanismo do Brasil. No entanto, diferente do conceito
adotado no PNH, na referia Lei, o termo Habitação de Interesse Social não se limita apenas
aquela habitação produzida por meio de programas habitacionais, passa a ser atribuído a
qualquer habitação destinada à população de baixa renda, inclusive aquelas produzidas pela
iniciativa privada ou autoconstruídas pelas famílias residentes em áreas urbanas ou rurais.

Em 2009, o presidente Lula lança o Programa Minha Casa, Minha Vida com a meta
ousada de construir, logo no primeiro ano de funcionamento, um total de 1 milhão de
habitações. O PMCMV, em atividade até a finalização desta tese, seguindo a linha geral do
conceito de Habitação de Interesse Social posto no PNH, definiu que o programa iria atender
tanto a classe baixa (de zero a cinco salários mínimos) quanto a classe média (com renda acima
de cinco salários mínimos). A prioridade do PMCMV era de que a iniciativa privada (empresas
da construção civil), subsidiada pelo Governo Federal, priorizasse a produção de habitações
para a população com renda de até três salários mínimos (faixa 1). Mas, também, abriu margem
para que essas atuassem na produção de novas unidades habitacionais para as faixas de renda
de três a seis salários mínimos (faixa 2) e de seis a dez salários mínimos (faixa 3) (CAIXA,
2014).

Além do PMCMV facilitar o acesso à casa própria para pessoas físicas, é válido
evidenciar que, seguindo as recomendações do PNH sobre a implementação de linhas de
financiamento para “[...] cooperativas, associações autogestionárias, mutirões, sindicatos,
organizações não-governamentais e outros agentes populares, com recursos onerosos e não
onerosos” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004, p. 42), o governo brasileiro também instituiu,
em 2009, o programa Minha Casa, Minha Vida-Entidades, especificamente direcionado a esse
tipo de organização familiar. Essa modalidade instituída pelo governo brasileiro, além de
incentivar a prática da autoconstrução, também “[...] representa um dos mais ativos campos
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
61

para atividade de assistência técnica no país e terreno fértil para implantação de tecnologias de
pré-fabricação leve e "apropriada"” (EKERMAN, 2018, p. 94, grifo autor).

Como pôde ser evidenciado ao longo deste capítulo, a habitação direcionada à


população de baixa renda, por não se constituir num fenômeno isolado, e sim num produto
suscetível aos condicionantes culturais, políticos e econômicos de uma sociedade, não possui
um conceito fechado e imutável. O percurso histórico-político aqui elucidado demonstrou que
em cada contexto, e a depender dos interesses dos agentes envolvidos com a produção
habitacional, um termo específico foi constituído para identificar e caracterizar o produto
“habitação”. Ademais, salienta-se que a eleição dos distintos termos e conceitos não ficaram
limitados à esfera do mercado imobiliário, ao contrário, acredita-se que suas construções, de
modo direto ou indireto, influenciaram o olhar crítico sobre o produto habitacional direcionado
à população de baixa renda daqueles inseridos no espaço de formação profissional das mais
diversas áreas do conhecimento e, em especial, dos arquitetos e urbanistas.

No entanto, ao defender a ideia de que a Habitação de Interesse Social deve se constituir


num conhecimento prioritário e obrigatório no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil,
entende-se que esse conhecimento deve se relacionar com os aspectos históricos, ambientais,
paisagísticos, patrimoniais, urbanístico e, sobretudo, do projeto arquitetônico da edificação, da
casa, da unidade habitacional destinada à população de baixa renda, produzida ou não pelo
governo brasileiro, pela iniciativa privada ou autoconstruída pelas famílias residentes em áreas
urbanas ou rurais. Ademais, a síntese das terminologias e conceitos sobre a habitação
direcionada para a população de baixa renda está organizada no Quadro 2.1.

Quadro 2.1 - Terminologias e conceitos sobre a habitação direcionada à população de baixa


renda
(continua)
Ano de
Terminologia Conceito
criação
Termo oficializado no "Relatório da Commissão de Exame e Inspecção das
Habitações Operarias e Cortiços no Districto de Sta. Ephigenia" em São Paulo,
Habitação
1983 1983. Foi utilizado para identificar a habitação direcionada ao trabalhador formal
Operária
de baixa renda e era um tipo de habitação considerada adequada pelos delegados
sanitários.
Termo oficializado no "Relatório da Commissão de Exame e Inspecção das
Habitações Operarias e Cortiços no Districto de Sta. Ephigenia" em São Paulo,
Cortiços 1983 1983. Utilizado para identificar toda habitação precária, insalubre, ocupada pela
população pobre. Segundo os delegados sanitários da época, esse tipo de habitação
deveria ser extinto das cidades.

Fonte: Elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
62

Quadro 2.1 - Terminologias e conceitos sobre a habitação direcionada à população de baixa


renda
(continua)
Ano de
Terminologia Conceito
criação

Termo oficializado no Decreto nº 233, de 2 de março de 1894, que estabeleceu o


Habitação das Código Sanitário do Estado de São Paulo. Utilizado para identificar distintos tipos
1894
classes pobres de moradias de aluguel constituídas por produtores rentistas para a população
pobre, tais como: cortiços, grandes casas subdivididas e vilas operárias.

Termo oriundo do II Congresso de Arquitetura Moderna, de 1929, que, no Brasil,


foi absorvido e debatido no meio acadêmico, mais precisamente, na formação
superior dos arquitetos a partir de 1931. O termo habitação mínima não estava
Habitação
1929 diretamente relacionado à condição financeira do usuário e à atividade de trabalho
Mínima
por ele exercida (formal ou informal), foi um termo constituído por arquitetos que
se relacionava às condições mínimas de habitabilidade sem que a saúde física e
mental do indivíduo fosse comprometida.

Termo oriundo do 1º Congresso de Habitação ocorrido em São Paulo, no ano de


1931. Foi constituído para se referir à produção habitacional direcionada à
Habitação população trabalhadora formal de baixa renda. Além de estar diretamente
1931
Econômica associada à questão da redução de custos e às técnicas de construção mais
eficientes e baratas, seu entendimento extrapolava o limite técnico e englobava
ainda a ideia de moralidade e civilidade.

Termo criado em 1995 por Nabil Bonduki (2017, p. 22) para identificar toda “[...]
habitação produzida e financiada por órgãos estatais destinada à população de
Habitação baixa renda”. No entanto, segundo o autor, esse termo não se limita apenas à
1995
Social habitação, seu sentido “[...] inclui também a regulamentação estatal da locação
habitacional e incorporação, como problema do Estado, da falta de infraestrutura
urbana gerada pelo loteamento privado” (Op. cit, 2017, p. 22).

Termo instituído pelo Decreto-Lei nº 9.218, de 1º de maio de 1946, que autoriza a


instituição da Fundação da Casa Popular. Entretanto, o conceito ainda tinha o
mesmo significado dado pelos arquitetos e engenheiros para a habitação
econômica. Alguns pesquisadores comumente utilizam o termo habitação popular
Habitação
1946 para se referir a qualquer tipo de produção habitacional constituída para a
Popular
população mais pobre, com ou sem rendimentos financeiros, produzida ou não por
meio de programas governamentais (BOLAFFI, 1976; MARICATO, 1987;
BOLAFFI; CHERKEZIAN, 1985; CAVALCANTE, 2006; BASTOS; ZEIN,
2010).

Termo instituído pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, que criou o Banco
Nacional de Habitação. No contexto da Ditadura Militar, ao menos na forma da
Entre referida Lei, a Habitação de Interesse Social era aquela produzida para atender aos
Habitação de
1964 a interesses da população de classe baixa – com renda mensal de um até cinco
Interesse Social
1985 salários mínimos – e classe média – com renda mínima de seis salários mínimos –
, produzida em série, com qualidade construtiva e adequada infraestrutura urbana.
Contudo, na prática, esse conceito acabou sendo desvirtuado.

Fonte: Elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
63

Quadro 2.1 - Terminologias e conceitos sobre a habitação direcionada à população de baixa


renda
(conclusão)
Ano de
Terminologia Conceito
criação

Em 2004, com a apresentação da Política Nacional de Habitação, o Ministério das


Cidades atribuiu um novo conceito ao termo Habitação de Interesse Social. Esse
termo é utilizado para se referir à produção de habitações viabilizadas a partir de
programas habitacionais por meio da ação conjunta ou não entre o Governo
Federal, Estados e Municípios à população de baixa renda (urbana, rural,
2004 indígenas, de povos da floresta, de quilombolas, etc.), preferencialmente, com
renda mensal de zero até cinco salários mínimos. Além disso, destaca-se que esse
conceito não está restrito a casa, “[...] incorpora o direito à infraestrutura,
Habitação de
saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e serviços
Interesse Social
urbanos e sociais, buscando garantir direito à cidade” (MINISTÉRIO DAS
CIDADES, 2004, p. 12).

Após a institucionalização da Lei nº 11.888, de 4 de dezembro de 2008, o termo


Habitação de Interesse Social passou a ser atribuído a qualquer habitação destinada
2008 à população de baixa renda, produzida ou não por meio de programas
habitacionais, pela iniciativa privada ou autoconstruída por famílias residentes em
áreas urbanas ou rurais.

Fonte: Elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
64

3 O CURRÍCULO MINÍMO DE 1962

Este capítulo tem como objetivo analisar o processo de constituição e as características


do primeiro Currículo Mínimo dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo no Brasil
instituído em 1962 em relação à abordagem do tema da habitação para a população de baixa
renda que. A narrativa histórica-crítica construída neste capítulo, transcorreu-se pelos principais
fatos relacionados à produção habitacional, aos eventos profissionais e acadêmicos, bem como
ao ensino de arquitetura que influenciaram e/ou definiram as bases curriculares oficiais
constituídas para os cursos de arquitetura e urbanismo no período de 1930 até 1962.

No âmbito das ações relacionadas à produção habitacional, destacaram-se as motivações


que levaram o governo brasileiro a criar os Institutos de Aposentadorias e Pensões e,
posteriormente, a Fundação da Casa Popular, bem como, foram evidenciados o envolvimento
dos profissionais da arquitetura na produção de habitações sociais.

Em relação aos principais eventos profissionais e acadêmicos ocorridos no período


especificado, analisaram-se as conclusões formalizadas pelos arquitetos sobre a questão do
problema habitacional da população de baixa renda e sobre o ensino de arquitetura nos
Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, no 1º Congresso de Habitação, nos 1º e 4º
Congressos Brasileiros de Arquitetos , além das posições firmadas no 1º Encontro de Diretores,
Professores e Estudantes de Arquitetura.

Em relação ao ensino de arquitetura e urbanismo, analisaram-se primeiramente o


processo de constituição e as características dos currículos oficiais da Escola Nacional de Belas
Artes (ENBA) do Rio de Janeiro, em 1931, da Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA), em
1945, considerada como padrão nacional. Posteriormente, foram analisadas: a movimentação
nacional de arquitetos e docentes na construção de uma nova estrutura curricular oficial
nacional para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, com destaque para a reforma
curricular da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAUUSP); a
institucionalização do primeiro Currículo Mínimo nacional de 1962 e suas características em
relação à inserção do tema da habitação econômica, mínima, social ou popular. Ademais,
destaca-se que todos os principais fatos analisados neste capítulo foram sistematizados e
organizados numa linha do tempo (Imagem 3.1).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
65

Imagem 3.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1930 e 1962

Fonte: elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
66

3.1 O ensino de arquitetura e o debate sobre habitação na “Era Vargas” (1930-1945)

3.1.1 A reforma do currículo oficial da Escola Nacional de Belas Artes em 1931

Na história política do Brasil, o ano de 1930 marca o início da chamada “Era Vargas”,
período em que Getúlio Vargas34 esteve no comando do país por 15 anos ininterruptamente.
Após ter instituído o Governo Provisório35, Vargas põe em ação seu plano de desenvolvimento
para o país e passa a intervir em todos os aspectos econômicos, tendo iniciado pelo setor da
educação e, posteriormente, desenvolvido mecanismos de controle da produção habitacional
direcionada à classe trabalhadora de média e baixa renda.

Imbuído de novos ideais para o Brasil, Vargas cria o Ministério dos Negócios da
Educação e Saúde Pública36 com o objetivo de reformular todos os níveis do ensino público e
particular. Sob o comando do Ministro Francisco Campos, o novo Ministério põe em prática
suas primeiras realizações, isto é, foi por meio de uma série de decretos que a instituição
conseguiu realizar a reforma educacional conhecida como Reforma Francisco Campos. Num
único dia, o governo brasileiro publicou três importantes Decretos: (1) Decreto n° 19.850, de
11 de abril de 1931 – cria o Conselho Nacional de Educação; (2) Decreto n° 19.851, de 11 de
abril de 1931 – dispõe sobre a organização do Ensino Superior no Brasil e adota o Regime
Universitário; (3) Decreto n° 19.852, de 11 de abril de 1931 – dispõe sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro. Foi a partir das ações de Francisco Campos que o ensino
secundário, técnico e superior começou a funcionar de modo organizado à base de um sistema
nacional.

Ao analisar o conteúdo dos Decretos citados, pôde-se observar que a política


educacional incentivada por Vargas tinha fortes ligações com as perspectivas tradicionais de
currículo, no sentido de implementar ações para que os conhecimentos inseridos nas instituições

34
Getúlio Vargas esteve no comando do Brasil durante dezenove anos, divididos em dois períodos, de 1930 até
1945, anos que compreendem a chamada “Era Vargas”, e de 1950 até 1954, período em que retorna ao governo
do país por meio do voto direto e fica até sua morte (WOLTER, 2016).
35
O Governo Provisório foi instituído por meio do Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, que conferiu a
Getúlio Vargas poderes para exercer “[...] discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições,
não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte,
estabeleça esta a reorganização constitucional do país” (BRASIL, 1930, p. 1).
36
O Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública foi instituído por meio do Decreto n° 19.402, de 14 de
novembro de 1930.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
67

de ensino fossem objetivamente direcionados à capacitação e produção de mão de obra para o


mercado de trabalho. Nesse aspecto, o aparato educacional estabelecido no período varguista,
efetivamente, constituía-se numa importante “agência de produção”. Sobre isso explica Apple:

[...] o aparato educacional como um todo constitui um conjunto importante de


agências de produção [...]. Nosso modo de produção [capitalista], distribuição e
consumo requer níveis elevados de conhecimento técnico/administrativo para a
expansão de mercados, [...] para a criação artificial e a estimulação de novas
necessidades de consumo, [...] para aumentar as margens de lucro e, de forma não
menos importante, para o controle cultural. As escolas e as universidades acabam por
ajudar na produção desse conhecimento (APPLE, 1989, p. 49, grifo nosso).

No que tange ao ensino superior, o Decreto nº 19.851/1931, no artigo 5º, especifica que
a constituição de uma universidade deveria congregar, pelo menos, três dos seguintes institutos
de ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia
(também denominada de Escola Politécnica) e Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Como
é possível observar, entre os institutos de ensino superior listados não consta a indicação de
Escolas ou Faculdades de Arquitetura como uma das instituições fundamentais para a
constituição de uma universidade. Um dos motivos dessa ausência se deve ao fato de, naquele
período, o curso de arquitetura não ser reconhecido nacionalmente como um curso autônomo
e, portanto, em um instituto próprio de ensino superior.

Até 1945 a maioria dos cursos de arquitetura ofertados no país eram vinculados às
Escolas de Belas Artes ou às Escolas Politécnicas, entretanto, o fato desta última ter sido citada
no Decreto nº 19.851/1931, não significava dizer que o curso de arquitetura era considerado
importante numa estrutura universitária. Comparada às Escolas de Belas Artes37, não citada no
referido Decreto, que tradicionalmente ofertavam cursos de arquitetura, estes nem sempre eram
ministrados nas Escolas de Engenharia ou Politécnicas. No caso da Escola Politécnica da
Universidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a arquitetura foi apenas inserida como disciplina
do curso de Engenharia Civil (BRASIL, 1931), já na Escola Politécnica de São Paulo, segundo
Sylvia Ficher (2005, p. 26), até junho de 1931, “[...] a arquitetura veio a ser estudada como uma
das especialidades da engenharia”, nesse caso, os alunos que optassem pela especialidade
arquitetura, saíam do curso com o título de engenheiros-arquitetos, habilitados a projetar e
construir edifícios.
É valido salientar que em 5 de agosto de 1930 havia sido criado o primeiro curso de
arquitetura desvinculado das escolas de Belas Artes e Politécnicas, ministrado na Escola de

37
A tradição do curso de arquitetura vinculado às Escolas de Belas Artes no Brasil data de 1826, quando foi
inaugurada a Imperial Academia de Belas-Artes, moldada segundo os padrões Beaux-Arts (SCHLEE et al., 2010).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
68

Arquitetura de Belo Horizonte (EABH), atual Escola de Arquitetura da Universidade Federal


de Minas Gerais (CASTRIOTA, 2013). Segundo João Kubitschek de Figueiredo, um dos
organizadores do curso, a nova escola tinha como objetivo empreender um ensino integrado
voltado para a “[...] formação de técnicos da arquitetura e profissionais das artes auxiliares,
como decoradores, escultores e pintores” (FIGUEIREDO, 1946 apud OLIVEIRA;
PERPÉTUO, 2005a, p. 1). O objetivo exposto por João K. de Figueiredo era similar às ideias
proclamadas por Walter Gropius38 em 1919, quando este assume a direção de uma instituição
mista, a Bauhaus, que consistia na junção de duas academias, a Academia de Arte e a Escola
de Artes e Ofícios.

A iniciativa da EABH antecipou a desejada autonomia dos cursos de arquitetura que


viria a se concretizar, nacionalmente, apenas em 1945 com a criação da Faculdade Nacional de
Arquitetura no Rio de Janeiro. No entanto, destaca-se que até a institucionalização do Decreto
nº 19.851/1931, a EABH não havia ainda formado sua primeira turma de arquitetura e nem
conquistado o reconhecimento por parte do governo brasileiro39.

Independente dos cursos de arquitetura serem ou não vinculados às Escolas de Belas


Artes, Politécnicas ou a uma instituição autônoma como a EABH, segundo Vilanova Artigas
(1977, p. 31), até 1930, “o exercício de atividade do arquiteto estava aberto, independente de
qualificações, normas e legislação específica. Cada um construía a seu modo, com os recursos
e limitações do momento”, situação que não mudou substancialmente mesmo com a aprovação
da primeira regulamentação profissional em 193340. Foi essa ausência de limites que levou o
autor mencionado a afirmar que naquela época “arquitetura não era profissão” (ARTIGAS,
1977, p. 31).

Apesar de as Escolas de Belas Artes não terem sido contempladas na lista dos institutos
de ensino superior enunciados pelo Decreto nº 19.851/1931, no caso específico da Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, esta não deixou de fazer parte das reformulações do
ensino superior incentivada por Getúlio Vargas. Movido pelo ideal de que o país devia

38
Em 1919, Walter Gropius lançou a Proclamação da Bauhaus com a seguinte afirmação: “vamos criar uma guilda
de artesãos, sem as distinções de classe que levantam uma barreira arrogante entre artesão e artista. Juntos, vamos
conceber e criar a nova construção do futuro, que abraçará a arquitetura, a escultura e a pintura em uma unidade e
que um dia se elevará para o céu a partir das mãos de um milhão de trabalhadores, como o símbolo cristalino de
uma nova fé” (BAYER; GROPIUS; GROPIUS, 1938, p. 18, tradução nossa).
39
A EABH foi reconhecida pelo Governo Federal apenas no dia 19 de dezembro de 1944. A partir de então, seus
diplomas passam a ser aceitos em todo o território nacional (OLIVEIRA; PERPÉTUO, 2005b).
40
O Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto
e de agrimensor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
69

fortalecer o ensino tecnicista, Vargas nomeia o arquiteto Lucio Costa para a direção da ENBA
com o intuito de reformular toda estrutura curricular da instituição. Segundo Lucio Costa (1982,
p. 8), da noite para o dia, ele se viu “[...] diante da tarefa de reorganizar o ensino das chamadas
Belas-Artes no país”. Mas, apesar da surpresa, o arquiteto não recuou da nomeação e,
objetivando transformar a formação dos futuros arquitetos e artistas da escola, buscou reorientar
todo o ensino conforme relatou:

Foi a única razão que me levou a aceitar o convite para diretor da Escola de Belas-
-Artes: evitar que os nossos escultores e pintores, continuassem imobilizados no seu
modo de pensar e de ver; evitar que os 450 futuros arquitetos que estudam na Escola,
sofressem as consequências da má orientação que tive, fazer desses 450 rapazes,
verdadeiros arquitetos (COSTA, 1987, p. 50).

Após assumir a direção da ENBA, em 12 de dezembro de 1930, Lucio Costa41 passou a


ter dificuldades para colocar em prática seus ideais, todavia, mesmo assim, iniciou a reforma
na instituição com o afastamento de alguns docentes academicistas e com a contratação de
professores simpatizantes da arte moderna (SEGAWA, 2010; MARAGNO, 2013). Salienta-se
que, nessa reforma, Lucio Costa convida para ministrar aulas na ENBA, o arquiteto russo
Gregori Warchavchik42 e o arquiteto belga, Alexander Buddeus. Sua principal intenção era
constituir um renovado curso de arquitetura de modo que os alunos pudessem ter contato com
experiências acadêmicas e com as transformações mundiais em curso na arquitetura.

Antes de apresentar as análises sobre a reforma curricular da ENBA empreendida por


Lucio Costa em relação à inserção dos estudos voltados à produção habitacional para a
população de baixa renda, faz-se necessária a compreensão sobre quais foram as perspectivas
adotadas pelos arquitetos, engenheiros e engenheiros-arquitetos daquele período, tanto em
relação ao problema habitacional quanto aos enfoques do ensino de arquitetura, em dois
importantes eventos, que de modo direto ou indireto repercutiram nas ações de Lucio Costa na
ENBA: os Congressos Pan-Americanos de Arquitetos e o 1º Congresso de Habitação do Brasil.

Desde a primeira edição dos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos (CPA) a


preocupação com as questões habitacionais da população de baixa renda fez-se presente nos
debates proferidos pelos arquitetos do continente americano, que sempre contou com a

41
Lucio Costa esteve na direção da ENBA por aproximadamente 9 meses, de 12 dezembro de 1930 até 10 setembro
de 1931 (SANTOS, 1987).
42
Gregori Warchavchik defendia que o arquiteto moderno devia projetar suas obras sem ter que, intencionalmente,
pensar num estilo ou copiar os velhos estilos, comumente ensinado na ENBA. Contudo, ao se posicionar como
defensor da produção de uma arquitetura racional, baseada numa lógica que se opunha à conduta de imitar um
estilo passado, Warchavchik tinha consciência de que sua postura pudesse encontrar “[...] uma posição encarniçada
por parte dos adeptos da rotina” (WARCHAVCHIK, 1987, p. 25).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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representação brasileira. Ao passar dos anos, a cada novo congresso, novos aspectos foram
sendo incorporados ao debate sobre a habitação sem a perda da harmonia com as conclusões
firmadas nas edições anteriores. Ao mesmo tempo em que os arquitetos debatiam sobre o
problema habitacional, paralelamente, discutiam aspectos condizentes ao ensino de arquitetura
de modo a constituir uma “padronização” geral no continente americano, sem perder de vista
as características regionais. Dentre todos os congressos ocorridos, destaca-se como relevante
para esta tese as conclusões obtidas na 4º edição, realizada em 1930 na cidade do Rio de Janeiro,
meses antes de Getúlio Vargas assumir a presidência do país. Entretanto, como já salientado,
essas conclusões em relação à habitação e ao ensino de arquitetura mantêm estreita afinidade
com os debates das edições passadas, sendo assim importante destacar as principais conclusões
das 1ª, 2ª e 3ª edições.

Tanto no 1º quanto no 2º CPA, realizados respectivamente em 1920, em Montevidéu, e


1923 em Santiago do Chile, o problema da habitação direcionada à população de baixa renda
foi debatido na mesma sessão temática intitulada “casas baratas, urbanas e rurais na América”.
Segundo Fernando Atique (2005), os arquitetos participantes dos dois primeiros CPAs
chegaram às seguintes conclusões em relação ao problema habitacional: a construção de
habitações baratas deveria ocorrer em torno dos bairros fabris e industriais com fácil acesso aos
centros urbanos; indicaram que casas coletivas fossem constituídas nos centros densamente
povoados; que as autoridades nacionais e municipais de todos os países dessem atenção às
questões relacionadas à higiene interior das moradias; aconselharam que mecanismos
facilitadores para a aquisição da casa própria pela população operária fossem constituídos; e
defenderam a padronização de elementos da construção para a produção seriada de habitações
baratas.

Em relação às conclusões para o ensino de arquitetura, Atique (2007) chama atenção


para os debates ocorridos no 2º CPA. Nesse evento, foi sinalizada pelos congressistas a
importância do envolvimento dos arquitetos com os problemas habitacionais enfrentados pela
população de baixa renda. No entanto, o autor evidenciou que havia uma incompatibilidade
entre o discurso sobre a importância do problema da habitação operária, como sendo também
responsabilidade social do arquiteto, e o discurso sobre como deveriam ser estruturados os
cursos de arquitetura no continente americano. Ao reproduzir em sua tese de doutorado parte
dos anais do referido evento, Atique (2007) expôs que os arquitetos participantes do 2º CPA
chegaram à conclusão de que o ensino nas escolas de arquitetura deveria ser “essencialmente
artístico, sem prejuízo de serem desenvolvidos, convenientemente, os conhecimentos de ordem
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
71

técnica e científica necessários para a formação do Arquiteto” (ARQUITETURA E


URBANISMO, 1940 apud ATIQUE, 2007, p. 66).

Dessa forma, o problema habitacional enfrentado pela população de baixa renda, apesar
de sua importância, parecia ser entendido como uma atividade específica do arquiteto vinculado
à vida profissional, portanto, distante da vida acadêmica, ou seja, no lugar do ensino de
arquitetura ser essencialmente direcionado às questões relacionadas aos problemas sociais, em
especial, os vividos pela população de baixa renda, os congressistas se portaram como
defensores da formação de um profissional fundamentalmente artista e criador. Essa
recomendação teve repercussão no ensino da ENBA, sendo defendida pelo então diretor da
instituição José Marianno Filho que, embasado nesse espírito artístico, no 4º CPA “[...] fez
surgir a discussão sobre a necessidade de se proibirem cursos de Arquitetura dentro de Escolas
Politécnicas” (ATIQUE, 2007, p. 66), não só por conta do curso ser comumente ministrado
como uma especialidade da engenharia, mas, sobretudo, pelo fato de o ensino de arquitetura
fundamentar-se em princípios menos artísticos.

No 3º CPA, ocorrido no ano de 1927 em Buenos Imagem 3.2 - Cartaz do 4º


Aires, a questão da habitação para a população de baixa Congresso Pan-Americano de
Arquitetos
renda foi debatida na sessão “Edificação Econômica” na
qual os arquitetos concluíram que no continente
americano fosse constituída uma legislação voltada para
cooperativas, mutuárias e sociedades edificadoras
responsáveis pela construção de casas econômicas, bem
como materiais e estruturas econômicas fossem utilizados
a fim de baratear o processo construtivo (ATIQUE, 2005).
Essas recomendações foram abordadas com ênfase no 1º
Congresso de Habitação e apropriadas pelos arquitetos e
engenheiros participantes desse evento.

O 4º CPA (Imagem 3.2) foi realizado na cidade do


Fonte: ATIQUE, 2007, p. 71.
Rio de Janeiro, entre os dias 19 a 30 de junho de 1930, sob
a presidência do arquiteto Nestor Egydeo de Figueiredo (ARCHITECTURA E
CONSTRUCÇÕES, 1930). Esse evento teve entre seus objetivos:

Pugnar por um melhor conhecimento dos problemas artísticos, scientíficos,


urbanístico, paisagísticos, téchinicos e sociais, correlacionados com a Architectura, e
cuja solução interesse particular aos paizes americanos;
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
72

Levar a effeito o intercambio intellectual, afim de que sejam creados e mantidos os


vinculos de solidariedade entre os Architectos e as instituições de ensino de
architectura as Nações Americanas (ARCHITECTURA E CONSTRUCÇÕES,
1930, p. 9, grifo nosso)43.

Nessa quarta edição, o debate sobre a habitação direcionada à população de baixa renda
esteve presente na sessão temática intitulada “Solução Econômica do Problema Residencial”,
que também acabou sendo abordado na sessão temática referente à “Arranha-céu e sua
conveniência sob os vários aspectos higiênico, econômico, social e estético” (ARQUITETURA
E URBANISMO, 1940, p. 81-82).

De um modo geral, o debate sobre a habitação ficou centrado nos aspectos econômicos
coadunando com as conclusões do 3º CPA. Só que, na 4º edição, a problematização foi mais
enfática em relação à constituição de habitações coletivas como uma forma de enxugar os custos
e encargos econômicos da produção. Além disso, na visão dos congressistas, esse tipo de
partido arquitetônico traria menos impactos para o meio urbano quando comparado à produção
horizontal de casas, ou seja, a habitação vertical para a população de baixa renda ocuparia
menos área urbana. Assim sendo, os arquitetos concluíram:

Que se recomende um estudo que permita a edificação cooperativista, ou seja, a


divisão das casas por pisos e apartamentos e, sua venda fracionada, como uma das
fórmas para resolver o problema residencial urbano, para operarios e empregados
(ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 82) 44.

Apesar de o debate habitacional ter sido mais enfático sobre a questão da verticalização,
é válido salientar que os arquitetos recomendaram ainda que as produções de habitação para a
população de baixa renda deveriam ser “[...] encaradas sob o aspécto de Assistencia Social e
não como beneficiencia” (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 82). Em resumo, as
habitações não deveriam ser doadas pelos governos dos países, ao invés disso, deveriam ser
criadas formas de viabilizar a compra da casa própria ou disponibilizá-la para aluguel. A partir
dessa recomendação, observa-se que, apesar do debate sobre o problema habitacional está sendo
inserido no universo da arquitetura, existia ainda uma postura excludente, que não considerava
a situação das famílias sem rendimentos financeiros suficientes para arcar com os custos do
financiamento habitacional ou do aluguel. Famílias essas que dependiam da beneficência dos
governos.

43
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original em todas as citações diretas da Revista Architectura e
Construcções.
44
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original em todas as citações diretas da Revista Arquitetura e
Urbanismo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
73

Em relação ao debate sobre o ensino de arquitetura, segundo os relatos apresentados na


Revista Arquitetura e Urbanismo, os arquitetos participantes do 4º CPA chegaram às seguintes
conclusões:

1º - O ensino da Arquitetura deve compreender fundamentalmente, o estudo intensivo


da composição arquitetônica, completando-se com os conhecimentos artísticos,
históricos, técnicos e científicos necessários para o exercício integral da profissão.
2º - Que, como nossas cidades, devido às exigências e necessidades modernas,
deverão sofrer transformações e creações de novos bairros, deve dar-se toda a
importância que merece, ao ensino do Urbanismo.
3º - Que se inclua nos programas de estado de cada país, o ensino de sua arte nacional.
4º - Que no ensino da Composição Arquitetônica e da Composição Decorativa, deve
desenvolver-se o mais possível, o espírito de “atelier” que proporciona uma
colaboração maior entre os alunos (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 81,
grifo nosso).

Ao que tudo indica os debates ocorridos nas sessões “Solução Econômica do Problema
Residencial” e “Arranha-céu e sua conveniência sob os vários aspectos higiênico, econômico,
social e estético”, não se mantiveram em sintonia com os efetivados na sessão “O Ensino de
Arquitetura”, visto que em nenhuma das conclusões desta há evidências de que o problema
habitacional vivido pela população de baixa renda devia se constituir em tema fundamental no
ensino de arquitetura, nem que soluções sobre a constituição de habitações verticais para essa
população fossem debatidas no ensino de Composição Arquitetônica. A posição dos arquitetos
do 4º CPA, especificamente os envolvidos com a sessão sobre “O Ensino de Arquitetura”,
muito se assemelha com as posturas dos participantes do 2º CPA, no sentido de não haver,
diretamente, uma compatibilidade entre as recomendações para o enfrentamento do problema
habitacional da população de baixa renda e a formação profissional dos futuros arquitetos.

Por outro lado, observa-se que na segunda conclusão, os arquitetos evidenciaram uma
preocupação em relação à constituição de novos bairros nas cidades, a ponto de ter sido
recomendada a importância da inclusão do ensino de urbanismo nos cursos de arquitetura.
Assim, com base nas conclusões aludidas, interpreta-se que, no ensino de arquitetura, o debate
sobre as questões relacionadas ao problema habitacional (com enfoque teórico e urbanístico)
enfrentado pela população de baixa renda, naquele período, poderia se efetivar por meio do
ensino de Urbanismo45 e não como objeto de estudo do ensino da Composição Arquitetônica,
ainda arraigado a grandes composições e obras de maior apelo estético.

45
Estabelecendo uma ponte de ligação entre as conclusões apresentadas e à realidade brasileira, a inserção do tema
da habitação para a população de baixa renda no ensino de urbanismo, mesmo que pelo viés teórico e não projetual,
encontraria fundamento no próprio contexto de desenvolvimento urbano do país, caracterizado: pelo contínuo
movimento migratório campo-cidade de muitos trabalhadores em busca de oportunidades nas grandes cidades;
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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Apesar da constituição de uma sessão temática própria para o debate sobre o ensino de
arquitetura, as conclusões de outra sessão intitulada “Regionalismo ou internacionalismo na
arquitetura contemporânea? orientação espiritual na arquitetura na américa”, também fazia
referência à formação dos arquitetos do continente americano. Nessa sessão, os congressistas
concluíram que nas escolas de arquitetura deveria ser criada “[...] uma cadeira de Artes
Decorativas da Arquitetura, especialmente destinada ao aproveitamento e estilização dos
elementos da flora e fauna nacionais [...]” (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 81,
grifo nosso). Além dessa, outra cadeira considerada especial deveria ser constituída “[...] para
o estudo da arte nacional, que [teria] por fim coordenar as tendências e a evolução da arte de
cada país” (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 81). Transparece nessas conclusões
que o problema habitacional enfrentado pela população de baixa renda era considerado de
menor importância ou não considerado como fundamental para a formação profissional dos
arquitetos do continente americano.

Se num evento de arquitetos, a nível internacional, o projeto de habitação voltado para


a população de baixa renda não foi cogitado como uma cadeira específica ou indicado como
tema prioritário para os cursos de arquitetura, muito provavelmente, sua ausência seria efetivada
nos currículos oficiais desses cursos. No entanto, isso não significa afirmar que o problema em
questão tenha sido excluído da formação profissional dos arquitetos em todo continente
americano, visto que, cada instituição de ensino possuía autonomia para delinear os
temas/conteúdos/problemas mais relevantes e condizentes com as características regionais,
podendo estar ou não em sintonia com as recomendações dos CPAs. Ademais, sobre os
Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, Fernando Atique evidenciou que:

Entre o ano de sua primeira edição, em 1920, e o da quinta reunião, ocorrida em 1940,
os eventos não só gozaram de grande notoriedade, como eram os principais fóruns de
debates dos arquitetos no continente americano, antecipando, em certo sentido, e
encontrando, muitas vezes, mais prestígio do que os contemporâneos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAMs, por exemplo (ATIQUE, 2007, p.
48).

Do final do século XIX até 1930, o problema habitacional no Brasil, agravado em


decorrência da falta de habitações em relação ao crescimento populacional nos grandes centros
urbanos e de suas precárias condições construtivas e sanitárias, estava sendo combatido pela
intervenção do governo brasileiro em três frentes de ação: (1) a partir do autoritarismo sanitário
nas habitações operárias e cortiços; (2) urbanização das áreas centrais dos grandes centros

pela autoprodução habitacional por parte dos migrantes em locais distantes dos centros urbanos, que acabaram se
constituindo em novos bairros; pela produção de grandes vilas operárias ao redor das fábricas, dentre outras.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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urbanos, o que incluía obras de saneamento, distribuição de água e coleta de esgoto; (3) por
meio da criação de legislação de uso e controle do solo, na qual foram estabelecidas regras de
construção, dimensão, tipo e localização das habitações das classes pobres (BONDUKI, 2017).

Contudo, essas ações não lograram grandes êxitos e as insatisfações da população de


baixa renda estavam em ascensão. Assim, a partir de 1930, enxergando o problema habitacional
como uma das possibilidades de se efetivar seu plano desenvolvimentista, Getúlio Vargas
decide intervir em todos os aspectos da produção habitacional (construção, comercialização e
locação) e, deste modo, oferecer assistência ao trabalhador urbano a fim de impedir que este se
rebelasse contra a elite industrial e sua gestão. Para que o investimento em habitação fosse
concretizado era preciso que o governo brasileiro criasse condições favoráveis como: (1)
encontrar alternativas que racionalizasse o custo e a construção de moradias a partir da
colaboração dos arquitetos, engenheiros e engenheiros-arquitetos; (2) criar um órgão que fosse
responsável pela gestão e produção habitacional e (3) constituir um sistema de financiamento
da casa própria. Condições essas que foram paulatinamente se efetivando.

Com a habitação operária sendo posta numa condição de prioridade de investimentos


do governo brasileiro, setores ligados à indústria da construção civil não tardaram em debater
sobre as alternativas para a racionalização do processo construtivo e de seus custos. Essa
preocupação, também influenciada pelos debates ocorridos nos Congressos Pan-Americanos de
Arquitetos, motivou a Divisão da Arquitetura do Instituto de Engenharia de São Paulo a realizar,
entre os dias 23 e 31 de maio de 1931, o 1º Congresso de Habitação do Brasil.

O 1º Congresso de Habitação reuniu profissionais os quais estavam diretamente


envolvidos com os problemas habitacionais: médicos sanitaristas, arquitetos, engenheiros e
engenheiros-arquitetos que deram um tom essencialmente técnico ao evento, sem deixar de
evidenciar seus preceitos morais e higienistas (CARPINTÉRO, 1997). Os trabalhos
apresentados no congresso se relacionavam a cinco temas:

I - Habitações econômicas; programas; loteamento do terreno; distritos.


II - Habitações coletivas; casas de apartamentos, inquilinos e proprietários.
III - Racionalização dos materiais de construção; processos de construção,
padronização, condições de conforto.
IV - Codificação, códigos estaduais e municipais; exame de resistência e recepção
dos materiais.
V - Financiamento das construções; problemas de capital nas construções.
(BRUNA, 2015, p. 123-124).

De um modo geral, os congressistas saíram em defesa de que o problema habitacional


vivenciado pela população de baixa renda exigia a participação ativa do poder público que
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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deveria atuar no controle do crescimento das cidades e no estabelecimento de uma política


nacional de habitação. No entanto, o caráter assistencial e humano sobre o problema em questão
acabou sendo posto em segundo plano em relação aos aspectos econômicos, racionais,
higienistas e moralistas dos congressistas.

Entre os apresentadores, destacam-se as concepções registradas pelo engenheiro


Marcelo Taylor Carneiro de Mendonça, que no início da exposição de seu trabalho intitulado
“Casas populares – cidades-jardim”, posicionou-se favorável à ação empreendida por seus
companheiros no processo de demolição e despejo dos habitantes das favelas e dos casebres na
cidade de São Paulo. Na ocasião Mendonça elogiou a atitude de João Augusto de Mattos
Pimenta que havia realizado a primeira grande campanha contra as favelas cariocas, nos anos
de 1926-1927.

Na visão de Mendonça, as habitações constituídas em favelas pela população mais


pobre, desempregada, despejada dos cortiços, das casas de cômodos e sem recursos financeiros
para arcar com os custos de uma habitação de aluguel em regiões centrais das cidades, deveriam
ser arrasadas, visto que elas representavam uma ameaça à moral e aos costumes da família
tradicional da sociedade brasileira. No congresso, o engenheiro afirmou:

[...] lutar contra as favellas e os ‘cabeças de porcos’, é batalhar pela elevação da moral
e pela melhoria ‘physica da raça’ (MENDONÇA, 1931 apud CARPINTÉRO, 1997,
p. 108).
Basta visitar as favellas e “cabeças de porco” da Capital Federal para deste flagelo
ter-se uma nítida idéia. É nellas, pode-se dizer que tem início todas as misérias moraes
e materiaes e todos os vícios. Nellas medram a tuberculose, o alcoolismo, é ainda ahi
que se desenvolvem os baixos instinctos. [...] As moças, neste ambiente perdem a
noção do pudor, e da dignidade. Em resumo, as favellas e as cabeças de porco são
as causas directas da desorganização operária; são um empecilho absoluto ao
reerguimento physico e moral da classe operária. Devem ellas ser arrasadas. É
uma questão de legislação e de tempo [...] (MENDONÇA, 1931 apud
ALBUQUERQUE, 2006, p. 33-34, grifo nosso)46.

Há de se destacar que o processo de constituição de favelas tem também influência direta


nas ações intervencionistas do governo brasileiro do início do século XX, quando nas grandes
cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, entre outras, a derrubada dos cortiços
localizados em áreas centrais contribuíram para o crescimento da população de baixa renda nas
periferias, em morros, próximos às margens de rios, etc. Não por acaso, essas localidades
acabaram se caracterizando como “[...] áreas de habitações irregulares construídas, sem
arruamento, sem plano urbano, sem esgoto, sem água, sem luz” (ZALUAR; ALVITO, 2006, p.

46
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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7). Segundo Zaluar e Alvito (2006), essas características contribuíram para que uma imagem
negativa fosse constituída sobre o favelado a ponto de este ter sido tomado como bode
expiatório dos problemas das cidades.

A partir do discurso do engenheiro Marcelo Taylor Carneiro de Mendonça, pode-se


apreender a linha de raciocínio constituída entre os congressistas sobre qual deveria ser a
postura do governo brasileiro, daquele período, sobre a questão habitacional. Interpreta-se,
assim, que estes defendiam uma intervenção pública sobre a questão da habitação direcionada,
primordialmente, aos trabalhadores com empregos formais. Enquanto isso, a habitação
direcionada para a população mais pobre – desempregados e/ou trabalhadores informais – devia
continuar sendo tratada aos moldes da representação feita numa caricatura publicada na Revista
O Malho em 1907 (Imagem 3.3), que retratou o médico Osvaldo Cruz exibindo uma braçadeira
com o símbolo da saúde, executando um “pente fino”, retirando os piolhos (a população de
baixa renda) dos cabelos de um monstro que representava a favela (Morro da Providência no
Rio de Janeiro).

Imagem 3.3 - Caricatura de Oswald Cruz

A legenda superior informa: “A Higiene vai limpar o Morro da Favella, do lado da Estrada de Ferro Central. Para isso, intimou
os moradores a mudarem-se em 10 dias”.
Fonte: O MALHO, 1907, p. 20.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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Os projetos apresentados no 1º Congresso de Habitação se debruçaram sobre um


conjunto de propostas que, se aplicadas, resultaria no tipo “ideal” de habitação econômica.
Assim, a habitação econômica deveria ter: pés direitos baixos e reduzida espessura de parede;
quartos e dormitórios deveriam ser construídos com uma área mínima; ser predominantemente
unifamiliar e construída a base de uma produção seriada. Uma das maiores preocupações dos
profissionais participantes do evento era com os cômodos de dormir, de limpeza e de higiene
pessoal, visto que, na opinião dos higienistas, esses eram os principais motivos para a
instauração da promiscuidade no ceio familiar e da proliferação de doenças (CARPINTÉRO,
1997).

Essa preocupação esteve presente no trabalho do arquiteto Bruno Simões Magro, para
o qual a habitação operária deveria ser pequena a fim de que o valor do aluguel fosse baixo e
não sacrificasse o orçamento familiar (CARPINTÉRO, 1997; BRUNA, 2015). Ao evidenciar
sua preocupação com os aspectos de salubridade, defendeu também que as habitações operárias
deveriam ser munidas com abastecimento de água, esgoto e um banheiro interno, mesmo
reconhecendo que sua supressão – como defendida por outros colegas – “[...] poderia diminuir
um pouco o custo da construção” (MAGRO, 1931 apud BRUNA, 2015, p. 130).

Vale salientar que a visão de Bruno Simões Magro frente ao problema da habitação
operária, assim como de muitos participantes do 1º Congresso de Habitação, foi também
influenciada pelos debates ocorridos no I e II Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
(CIAM). No entanto, a ideia de habitação mínima preconizada nesses eventos e absorvida por
Magro, foi adaptada à realidade brasileira e às questões higiênicas, consideradas ainda um
problema sério para as autoridades e delegados sanitaristas do país. Nos projetos expostos pelo
citado arquiteto, as “habitações mínimas” do tipo casa térrea – cujo programa era composto por
sala, cozinha, banheiro e dois quartos – possuíam áreas úteis de 33,57m², 40,62m² e 51,35m²
(BRUNA, 2015). Essas dimensões diferenciavam-se e muito das “habitações mínimas”
modernas propostas por Le Corbusier, as quais tinham uma área era de 200m², e por Catherine
Beecher47, cuja casa mínima estava próxima dos 110m² (RYBCZYNSKI, 1996).

Fundamentado nas ideias defendidas por Ernest May nos CIAMs, Magro se portou
como crítico ferrenho da produção seriada de habitações econômicas do tipo vertical, indo de
encontro ao recomendado no 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos. Compactuava desse

47
Catherine Beecher em conjunto com Christine Frederick e Lilia Gilbreth se autodenominavam como engenheiras
domésticas (RYBCZYNSKI, 1996).
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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mesmo posicionamento crítico o engenheiro Marcelo Taylor Carneiro Mendonça que chegou a
afirmar que:

[...] As habitações collectivas exigem uma certa educação hygienica, harmonia entre
seus moradores, o hábito da limpeza e d’uma conservação systemática da casa, coisa
que difficilmente se obtém entre pessoas ainda mal iniciadas na vida moderna e
que só se poderá conseguir depois de um certo grao de civilização.
Em paizes onde os preceitos de hygiene são postos em prática, onde a ordem e a
disciplina são innatas, onde o povo é educado e respeitador das leis, e sobretudo, onde
o analfabetismo é quase nullo, têm-se feito várias tentativas para adoptar este genero
de habitação. Isto, no entanto, tem-se feito para pequenos funccionarios, para os
empregados d’uma certa categoria e nunca para o operário (MENDONÇA, 1931
apud CARPINTÉRO, 1997, p. 131, grifo nosso)48.

De modo geral, a postura moralista e higienista dos médicos, arquitetos, engenheiros e


engenheiros-arquitetos do 1º Congresso de Habitação os levaram a pensar a habitação
econômica para além da redução de custos, ela deveria exercer uma função educacional de
modo que a classe operária aprendesse novos hábitos e costumes de morar. Isso fica evidente
na fala de Marcelo Taylor Carneiro Mendonça, para o qual as habitações econômicas verticais
eram apropriadas para a população com melhores níveis de rendimento restando aos operários
a casa unifamiliar até que estes fossem educados aos modernos modos de morar. Essa ideia será
posteriormente efetivada entre os arquitetos responsáveis pelos projetos habitacionais
construídos pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) após 1933.

Mendonça também se portou como crítico da produção seriada de habitações


econômicas padronizadas, justificando que essa uniformidade retirava do operário a sua
individualidade, característica vital do ser humano. Para o engenheiro,

Tanto o architecto quanto o engenheiro que forem incumbidos do plano de construção


de uma cidade jardim deverão estudar os meios de varial-a, fazendo agrupamentos
originaes de casas que quebrem a monotonia de conjuncto. Poderão fazer casas
isoladas e casas agrupadas, sendo estas no máximo de 2, 4 e 8” (MENDONÇA, 1931
apud CARPINTÉRO, 1997, p. 124).

Os debates e as soluções construtivas e projetuais apresentadas no 1º Congresso de


Habitação serviram de base para algumas soluções projetuais empreendidas pelos arquitetos e
engenheiros envolvidos com a produção habitacional dos IAPs, mas, antes disso, os efeitos
foram sentidos no âmbito legislativo, visto que para a efetivação de uma produção seriada de
habitações econômicas seria necessária a mudança nos códigos de obras municipais.

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Apreende-se, a partir dos congressos comentados, que os arquitetos e engenheiros-


-arquitetos, mesmo imbuídos de princípios moralistas e higienistas, entendiam ser necessária a
valorização da qualidade de vida dos operários por meio da arquitetura e do urbanismo. No
entanto, há de se destacar que essa valorização traduziu-se em propostas “domesticadoras” dos
hábitos de morar dos operários, ou seja, a casa moderna econômica não foi pensada para se
adequar aos modos de vida e costumes dos usuários e sim, estes deviam se adaptar ao projeto
da casa que, segundo Tramontano (1993), era pensada tendo como referência o universo
burguês, classe de origem dos profissionais envolvidos. Não por acaso, Artigas (1986), ao
escrever sobre os caminhos da arquitetura moderna, afirmou que na luta entre a burguesia e o
proletariado a arquitetura moderna se tornou “[...] arma da classe dominante, uma arma de
opressores, contra oprimidos” (ARTIGAS, 1986, p. 65).

Com o advento do pensamento moderno na década de 1920; a ampla repercussão das


ideias propagadas por arquitetos de renome internacional, como por exemplo, Le Corbusier e
Walter Gropius; e as conclusões dos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos e do 1º
Congresso de Habitação, a exaltação social da arquitetura passou a ser expressiva o suficiente
a ponto de os arquitetos, na opinião de Artigas (1986, p. 74), proclamarem a casa popular
como “[...] verdadeiro monumento do século XX”. Mas será que essa exaltação social da
arquitetura, mais precisamente da habitação popular, chegou a ocupar lugar de destaque no
ensino de arquitetura da ENBA na gestão de Lucio Costa? Que nível de prioridade foi atribuído
ao tema da habitação econômica, mínima ou popular no currículo oficial da ENBA?

Lucio Costa, quatro meses após a sua nomeação, reformulou o currículo oficial da
ENBA que foi instituído pelo Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931. Neste currículo, foram
listadas todas as disciplinas que constituía o curso de arquitetura e suas descrições quanto aos
conteúdos/temas a serem ensinados. Ao analisar, comparativamente, esse novo currículo com
o antigo, vigente na gestão de José Marianno Filho, observa-se que, apesar do novo diretor ter
optado por agrupar duas ou mais disciplinas numa única, a quantidade total não foi
expressivamente alterada. Enquanto o antigo currículo possuía um total de 24 disciplinas, o
novo currículo oficial passou a ter 27, como pode ser conferido no Quadro 3.1.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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Quadro 3.1 - O currículo oficial da ENBA na gestão de José Marianno Filho e Lucio Costa

Áreas de Disciplinas de ENBA


conhecimentos Gestão de José Marianno Filho Após Reforma Lucio Costa (1931)
História Natural, física e química
aplicada às artes História das Belas-Artes
Teoria e História das Artes
História
Teoria e Filosofia da Arquitetura Teoria de arquitetura (2 partes)
- Arquitetura Analítica (2 partes)
Legislação das construções - Contratos e
Legislação das Construções
administrações - Noções de economia política
Matemáticas Aplicadas
Matemática Superior
Matemática Complementar
- Física aplicada às construções - Higiene da habitação
Sistemas e detalhes de construção - Desenho técnico
-
- Orçamento e especificações (2 partes)
Tecnologia Cálculo e mecânica, materiais de Resistência dos materiais - Grafo-estática -
construção e sua resistência Estabilidade das construções (2 partes)
Materiais de Construção, estudo
experimental de sua resistência e Materiais de construção - Terrenos e fundações
tecnologia das profissões elementares
Elementos de construção - Tecnologia - Prática dos
-
materiais
Paisagem, Flores e Animais Topografia - Arquitetura paisagista
Perspectiva, Sombras e Estereotomia49 Geometria descritiva - Aplicação às sombras
Desenho Geométrico e Aguadas Perspectiva – Estereotomia
- Estilo
Desenho de Modelo Vivo Modelagem (2 partes)
Representação Desenho Artístico
Gráfica 1ª Cadeira de Desenho
2ª Cadeira de Desenho Desenho (2 partes)
Desenho de Ornatos e de elementos de
arquitetura e composições elementares
Desenho de Ornatos
Pintura Histórica
Estatuária
Gravura
Representação Osteologia, Miologia e Fisiologia das Artes aplicadas - tecnológica e composição
Gráfica Paixões. Anatomia e Fisiologia decorativa (2 partes)
Artística
1ª Cadeira de Pintura
2ª Cadeira de Pintura
Composição de arquitetura (grau mínimo)
Arquitetura Composição de arquitetura (grau médio)
Projeto
Composição de arquitetura (grau máximo)
- Urbanismo
Fonte: elaborado pelo autor com base em Schlee et al. (2010, p. 47) e Brasil (1931, p. 34-35).

49
Técnica para corte de materiais de construção.
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A mudança curricular instituída por Lucio Costa ocorre com o objetivo de incorporar na
formação dos futuros arquitetos o movimento moderno, ou melhor, a arquitetura moderna. Esse
novo currículo estabelece relação com o plano de formação de arquitetos50 desenvolvido por
Walter Gropius para a Bauhaus, detalhado no livro “Bauhaus: novarquitetura”. No entanto, ao
considerar a importância dada ao debate acerca do problema habitacional vivenciado pela
população de baixa renda e operária, ocorrida nos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos,
observa-se que, em termos oficiais, no novo currículo da ENBA não consta nenhuma disciplina
específica direcionada para o estudo sobre o tema da habitação mínima, econômica ou popular.

Efetivamente, o currículo oficial desempenha um papel fundamental na estrutura


educacional de uma instituição. Esse documento é responsável pelo direcionamento inicial das
condutas a serem adotadas em sala de aula e em toda a formação do discente. O currículo
contempla, dentro de um universo de saberes, aqueles que são considerados fundamentais para
a formação do alunado e, também, determina seu perfil de formação e espelha a ideologia dos
que estiveram envolvidos com a seleção e consequente formulação do documento curricular
oficial. Conforme Tomaz Tadeu da Silva (2009), a ideologia de uma instituição escolar pode
ser transmitida de modo direto, quando há a especificidade de disciplinas direcionadas para o
transporte de crenças explícitas sobre as estruturas sociais existentes, ou de modo indireto, por
meio de conteúdos apropriados por disciplinas técnicas.

Em relação à inclusão dos estudos voltados para a habitação mínima, econômica ou


popular no currículo oficial, verifica-se que na ENBA não houve a inclusão dos referidos temas
nem de modo direto, nem de modo indireto. Isso fica ainda mais evidente quando se observa a
descrição dos conteúdos/temas especificados como obrigatórios a serem ensinados, sobretudo,
nas disciplinas de “Composição de Arquitetura” e de “Urbanismo”.

No caso das disciplinas de Composição de Arquitetura, é possível constatar no Quadro


3.2 que na ENBA havia uma cultura de projeto, explícita e predominantemente, voltada para os
estratos sociais de alta renda, oficialmente legitimada no grau de complexidade dos projetos
arquitetônicos a serem desenvolvidos. Estes, por sua vez, eram iniciados no grau mínimo por

50
O plano de formação de arquitetos desenvolvido por Walter Gropius foi estruturado em duas partes, sendo uma
voltada para o fundamento educacional geral e outra relacionada à estrutura curricular. A estrutura curricular foi
subdividida em doze partes que, resumidamente, organizava o ensino a partir de conhecimentos que estimulassem
a criatividade e as habilidades manuais de desenho do futuro profissional; o estímulo à percepção visual; o estudo
analítico da história da arte e da arquitetura; bem como a implementação de um ensino pautado na experiência
prática do docente e no estabelecimento, o máximo possível, do contato direto do aluno com a experiência prática
real. Para maiores detalhes sobre o referido plano, aconselha-se a leitura do livro “Bauhaus: novarquitetura”
(GROPIUS, 2004).
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uma preparação transitória voltada para o estudo analítico dos exemplos arquitetônicos
clássicos e obras de grande composição de arquitetura até a evolução ao grau máximo, sendo
coroado por projetos de caráter monumental. Logo, interpreta-se que, oficialmente, nas
disciplinas de Composição de Arquitetura não havia espaço para o estudo e desenvolvimento
de projetos voltados para as demandas da população de baixa renda.

Quadro 3.2 - Ementa das disciplinas de Composição de Arquitetura e de Urbanismo da ENBA


em 1931
Ano Disciplina Ementa
A função desta cadeira é preparar a transição entre os dois anos
3º ano Composição de Arquitetura
do estudo analítico dos exemplos arquitetônicos clássicos e a
do curso (grau mínimo)
grande composição de arquitetura
Temas práticos, projetos completos, cálculos, detalhes de
construção. Os respectivos programas serão organizados por uma
4º ano Composição de Arquitetura
comissão de cinco professores constituída do professor da
do curso (grau médio)
matéria e dos de construção, resistência de materiais, higiene e
teoria de arquitetura.
Composição de Arquitetura
Grandes temas de conjunto e projetos de caráter monumental
5º ano (grau máximo)
do curso
Composição e edificação urbanas, planos de extensão,
Urbanismo
tráfico [sic], cadastro, estatístico etc.

Fonte: elaborado pelo autor com base no Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931.

Em relação à disciplina de Urbanismo, destaca-se que o contexto de desenvolvimento


de um país urbano-industrial nascente também contribuiu para que esta disciplina fosse inserida
na ENBA a fim de dar cabo das questões relacionadas, inicialmente, com a legislação urbana,
planos de expansão, com foco nos grandes centros urbanos, ou seja, nas cidades que estavam
por se desenvolver ou “fazer”. Isso também ficou expresso nos debates proferidos pelos
arquitetos no 4º CPA, mais precisamente nas sessões temáticas “O Ensino de Arquitetura” e
“Urbanismo e arquitetura paisagista”, e posteriormente reforçada dos debates ocorridos no 1º
Congresso de Habitação, na sessão temática “Codificação: códigos estaduais e municipais,
exames de resistências e recepção de materiais”. Logo, apesar de Lucio Costa ter,
aparentemente se preocupado com a formação de futuros arquitetos atentos às transformações
das cidades brasileiras e com os “planos de extensão”, naquele momento, o vínculo entre o
problema habitacional vivido pela população de baixa renda com o urbanismo era incipiente,
sem uma base crítica forte, sobretudo em relação à situação da população residente em áreas de
favelas, alagados, morros, etc., cujos discursos majoritários dos profissionais envolvidos com
a questão eram direcionados para a ideia de remoção, proibição, limpeza e higiene dessas áreas.
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O que transparece na postura assumida pelo diretor da ENBA é que, embora ele tivesse
adquirido autonomia, por parte do Governo Federal, para poder reformular por completo o
ensino da instituição e buscado inserir a arquitetura moderna, suas perspectivas não foram
suficientes para romper com a tradição cultural da escola. Nesse sentido, a legitimação no
currículo oficial da ENBA do estudo sobre a habitação direcionada para a população de baixa
renda, fosse a partir da constituição de uma disciplina específica ou como conteúdo nas
disciplinas de “Composição de Arquitetura” e de “Urbanismo”, aparentemente, representaria
uma ruptura radical com a tradição seletiva de conhecimentos da instituição, sobretudo naquele
contexto político, econômico, cultural e social do país e da própria doutrina “higienista” da
arquitetura.

De modo geral, o currículo oficial reformulado por Lucio Costa ainda continha traços
das influências do currículo humanista referenciado por Silva (2009). Esse modelo era herdeiro
do currículo das chamadas “artes liberais” que se estabeleceu no ensino universitário da Idade
Média e do Renascimento. Conforme Silva (2009, p. 26), o objetivo fundamental do currículo
humanista era “[...] introduzir os estudantes ao repertório das grandes obras literárias e artísticas
das heranças clássicas grega e latina [...]”. No caso da ENBA, os estudantes eram conduzidos
a se familiarizar com o repertório das “grandes composições de arquitetura” e “obras de caráter
monumental” e ainda, ao finalizar o curso, tinham que ser submetidos a um concurso final que
se caracterizava pela elaboração de “[...] um projeto completo, de caráter monumental, com
os respectivos cálculos, detalhes e memória, o qual [seria] defendido perante uma comissão
composta do diretor e dos professores das cadeiras de; arquitetura e construção” (BRASIL,
1931, p. 36, grifo nosso).

Diante da não legitimação, de modo direto ou indireto, do estudo sobre a habitação


mínima, econômica ou popular no currículo oficial da ENBA, restava aos docentes afincos com
os problemas habitacionais da população de baixa renda, ministrar ou não aulas sobre esses
problemas a partir de seus ideais e da prática do que Elvan Silva (1998, p. 162) batizou de
“currículo não-oficial” e Sacristán (2013, p. 26) denominou de “currículo real”.

Por não estar submetido ao controle da instituição de ensino, o currículo não-oficial ou


currículo real, quando desvinculado do currículo oficial, contribui para a não legitimação dos
conteúdos possivelmente abordados em sala de aula. Além disso, compromete a perpetuação
de determinados temas para futuros alunos, sobretudo se for considerado que a mudança futura
do docente levará consigo seus ensinamentos, práticas e princípios ideológicos.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
85

Na ausência de um currículo oficial que legitime aspectos da vida social daqueles que
não possuem condições mínimas de habitabilidade, resta ao docente de uma determinada
instituição/disciplina pôr em prática suas próprias interpretações e definir o que será debatido e
ensinado em sala de aula. Reside, neste caso, um problema, pois a depender das intepretações
adotadas, determinados conhecimentos podem não ser abordados ou não serem trabalhados
adequadamente, afinal, como bem salientou Elvan Silva (1998, p. 163) “esta interpretação é,
quase sempre, um exercício ideológico [...]”.

No caso da ENBA, a prática do currículo não-oficial, sobretudo em relação à inclusão


do estudo projetual da habitação mínima ou popular, procedeu-se de modo desvinculado do
currículo oficial e pôde ser comprovada a partir do relato de dois ex-alunos da instituição, na
época em que ela se encontrava sob a direção de Lucio Costa. Segundo Ernani Vasconcelos
(apud CAVALCANTI, 2006, p. 126, grifo nosso), um dos ex-alunos da ENBA, a habitação
popular ocupou lugar de destaque no ensino de arquitetura, tendo afirmado que: “A Torre de
Pensamento às margens do Rio Sagrado [numa alusão ao ensino clássico tradicional] cedeu
lugar à habitação popular”. Além do relato de Ernani Vasconcelos, o arquiteto Abelardo de
Souza, também formado pela ENBA, depôs que a reforma de Lucio Costa foi total. Conforme
Souza, os alunos iniciantes se demonstravam bastante entusiasmados, visto que ao invés de
projetarem copiando pórticos e frontões, passaram a estudar “[...] temas mais práticos como a
“casa mínima”, postos de gasolina, grupos escolares, equipamentos de cozinhas e banheiros.
Esses temas eram estudados em todos os seus mínimos detalhes [...]” (SOUZA, 1987, p. 61,
grifo nosso).
Esses relatos evidenciam o quanto os estudos direcionados às demandas habitacionais
da população de baixa renda eram oficialmente considerados “inapropriados” para a formação
dos arquitetos da ENBA, sobretudo por parte dos tradicionais docentes academicistas. Logo,
acredita-se que a cultura de valorização majoritária das obras de caráter monumental enraizada
na ENBA se converteu numa barreira para a inserção oficial do tema da habitação mínima,
econômica ou popular no currículo reformulado por Lucio Costa. Diante disso, a alternativa
encontrada por ele e pelos docentes afincos com o movimento moderno e, consequentemente,
com os estudos sobre a temática em questão, foi abordar essa problemática de modo não oficial.
Em outras palavras, a seleção dos conhecimentos obrigatórios legitimados na reformulação do
currículo oficial da ENBA, estruturados aos moldes das teorias tradicionais do currículo,
contribuiu para que a abordagem do estudo projetual sobre a habitação direcionada para a
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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população de baixa renda perambulasse na “clandestinidade” no interior do curso de


arquitetura.

Assim sendo, mesmo reconhecendo a resistência ativa dos docentes acadêmicos às


propostas de renovação dos conteúdos e métodos de ensino de Lucio Costa (GRAEFF, 1995),
não se pode desconsiderar o fato de que a postura assumida por ele, na reformulação curricular
apresentada, legitimou, pela primeira vez na história do ensino de arquitetura no Brasil, a
cultura de exclusão do estudo sobre a habitação mínima, econômica ou popular nos currículos
oficiais. Logo, pode-se afirmar que, mesmo não sendo a intenção de Lucio Costa, o modo como
o currículo foi instituído, colaborou com a produção do consenso necessário de que o ensino de
arquitetura deveria continuar transmitindo majoritariamente apenas uma cultura projetual, a das
classes dominantes.

3.1.2 O currículo oficial da Faculdade Nacional de Arquitetura de 1945

A vinculação majoritária dos cursos de arquitetura a dois tipos distintos de escola, Belas
Artes ou Politécnicas, contribuiu para que no mercado de trabalho não houvesse uma distinção
clara sobre quais atividades deveriam ser exercidas entre os arquitetos, engenheiros-arquitetos
e engenheiros. Essa situação fez com que os arquitetos passassem a cobrar do Sindicado
Nacional de Engenharia, o estabelecimento de uma conduta de acompanhamento e fiscalização
da atuação dos profissionais das distintas áreas. Como consequência, o referido sindicato
apresenta, em 1932, ao então Ministro do Trabalho, Pedro Salgado Filho, um anteprojeto de lei
para regulamentação do exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor, tendo
este sido promulgado por Getúlio Vargas através do Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de
1933.

No ano que marca a aprovação da primeira regulamentação profissional de arquitetura


no Brasil, passa a funcionar no país os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs),
vinculados ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Os IAPs51 foram, efetivamente,
os primeiros órgãos públicos a promover habitação social no país, fortemente influenciada pelas
posturas dos profissionais participantes dos debates ocorridos no 1º Congresso de Habitação.

51
Os Institutos de Aposentadorias e Pensões eram divididos em distintas categorias de trabalho como evidenciado
no Capítulo 2 desta tese.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
87

Contudo, destaca-se que a produção habitacional dos IAPs não contemplava os que mais
necessitavam de habitação, ou seja, os trabalhadores informais, aqueles que não possuíam
carteira assinada, os desempregados e os trabalhadores da zona rural (BONDUKI, 2014a).

A produção de habitação social moderna, direcionada apenas aos trabalhadores formais,


é uma característica particular do Brasil. Enquanto na Europa, a arquitetura moderna e os
primeiros esboços de uma habitação “ideal” e digna para as classes pobres nascem para
solucionar os problemas sociais ocasionados pelos efeitos do pós-guerra e da própria revolução
industrial, no Brasil o investimento em habitação social não se destinava a solucionar os
problemas enfrentados pela população efetivamente mais pobre, ao contrário, a iniciativa de
Getúlio Vargas parte de uma visão paternalista que considerava a casa como elemento
fundamental para a reprodução da força de trabalho, para a formação de uma mão de obra
formal estável.

Como salientado por Marcelo Tramontano (1993), a solução para os problemas


habitacionais do pós-guerra enfrentados pelos países como França, Alemanha e Inglaterra,
apesar de assumirem diferentes feições, são direcionados ao conjunto da população e,
principalmente, à população mais pobre. Desse modo, nesses países, as ações dos governos na
produção habitacional não se efetivaram à base um sistema que segregava a população em
trabalhadores formais e informais52, como ocorre na Era Vargas.

A produção habitacional empreendida pelos IAPs, durante toda sua vigência, é


considerada significativa, visto que, entre os anos de 1937 a 1964, os Institutos, em conjunto
com a Fundação da Casa Popular, alcançaram um total de 140.989 mil unidades habitacionais
construídas para os operários de classe baixa, sem contar os financiamentos realizados pela
classe média (BRUNA, 2015, p. 121). Além disso, destaca-se que ao longo dos anos a
participação dos arquitetos brasileiros53 no processo de implementação de uma cultura de
habitação social no país foi extremamente relevante para a consolidação de importantes obras.

52
Até 1942, quando é instituída a Lei do Inquilinato (Decreto-Lei nº 4.598, de 20 de agosto de 1942), restava à
população brasileira com emprego informal ou desempregada adquirir condições próprias para arcar com os custos
de uma casa de aluguel, produzida pela iniciativa privada, ou auto empreender sua casa própria em áreas sem
infraestrutura urbana, como favelas ou loteamentos nas periferias das principais cidades brasileiras.
53
Com destaque para: Carlos Frederico Ferreira (autor do primeiro bloco habitacional moderno do Conjunto do
Realengo no Rio de Janeiro - IAPI), Paulo Antunes Ribeiro (autor do Conjunto Residencial da Mooca em São
Paulo, de 1946 - IAPI), Attilio Correia Lima (autor do Conjunto Residencial Várzea do Carmo em São Paulo de
1942 - IAPI), Eduardo Knesse de Melo (autor do Conjunto Residencial Rua Japurá em São Paulo de 1947 – IAPI),
Flávio Marinho Rego (autor do Conjunto Residencial em Deodoro no Rio de Janeiro de 1953 – FCP), entre tantos
outros, que marcaram a história da habitação social no Brasil.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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Enquanto um grupo de profissionais da arquitetura, imbuídos de concepções


modernistas, trabalhavam pela efetivação de uma arquitetura social voltada para o trabalhador
formal nas cidades brasileiras, outros profissionais ligados ao ensino lutavam pela autonomia
nacional dos cursos de arquitetura, de modo que estes fossem desvinculados das tradicionais
Escolas Politécnicas e Belas Artes (berços dos primeiros cursos de formação acadêmica na
área), situação já antecipada pela EABH. Essa autonomia, que visava também elevar o prestígio
social do arquiteto, passa a se efetivar nacionalmente a partir de 1945, primeiramente com a
realização do 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos e, posteriormente, com a criação da
Faculdade Nacional de Arquitetura.

O 1º Congresso Brasileiro de Arquitetos (CBA) foi realizado entre os dias 26 e 30 de


janeiro de 1945 na cidade de São Paulo, sob organização do Instituto de Arquitetos do Brasil
(IAB). Segundo Paulo Camargo de Almeida, então presidente do Diretório Nacional do IAB,
três motivos levaram o Instituto a promover o referido congresso:

[...] a necessidade de definir precisamente a função social do arquiteto; a promoção


de um certame destinado a conseguir um intercâmbio entre homens de diversas
profissões em assuntos que considerados inicialmente como função social do
arquiteto, deveriam forçosamente ampliar-se, mostrando a necessidade de um estudo
conjunto em torno do homem e da coletividade brasileira; e a criação de um ambiente
de liberdade de expressão, a fim de atingir as mais amplas bases para os trabalhos
futuros (ALMEIDA apud ACRÓPOLE, 1945, p. 271).

Os congressistas participantes do 1º CBA tiveram a oportunidade de expor projetos


arquitetônicos dos mais distintos empreendimentos (escolas, residências, hospitais, edifícios
comerciais, etc.) e debaterem sobre teses consideradas relevantes para a área, tais como:
construção de casas populares e organização das coletividades humanas; o ensino de arquitetura
e a fixação do homem em núcleos industriais (ACRÓPOLE, 1945; FOLHA DA MANHÃ,
1945). Entre as teses debatidas, as duas primeiras se apresentam relevantes para este trabalho,
por evidenciar a postura dos profissionais da arquitetura frente as questões relacionadas com a
construção de casas populares e sobre o ensino de arquitetura.

Em relação à tese pertinente à construção de casas populares, os arquitetos do 1º CBA


chegaram às seguintes conclusões:

1. Cabe ao governo federal promover a conjugação de todos os esforços


relativos à casa popular no sentido de centralizar as medidas e os critérios
referentes ao estudo e à orientação do problema e de descentralização das
medidas de execução;
2. A casa popular deve ser destinada a aluguel e não à venda;
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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3. Deve ser estabelecido um programa nacional progressivo da casa popular,


baseado em estudo imperioso das condições e necessidades existentes e
integrado nas possibilidades industriais do país;
4. O dinheiro barato é a pedra angular do financiamento de qualquer plano de casa
popular;
5. Deve ser prevista, por disposições legais adequadas, a disponibilidade do capital
necessário à realização de um plano de casa popular;
6. O conceito de utilidade pública deve ser extensivo às expropriações que se
tornem precisas à construção de conjuntos residenciais populares e
urbanos;
7. Nos casos de desapropriação por utilidade pública, de terrenos destinados a
construções de conjuntos de casas populares, a avaliação dos terrenos deve ser
baseada no valor que teriam tais terrenos, se utilizados dentro da perfeita
obediência aos códigos sanitários em vigor e não no valor exagerado que lhe
advém de seu aproveitamento excessivo, em sentido antissocial, e muitas vezes,
com flagrante desrespeito de disposições legais.
8. Que seja recomendada às municipalidades a construção, em cada bairro,
em caráter definitivo, de um núcleo residencial, formado de edifícios
adequados para essa classe;
9. Devem ser promovidos planos necessários com a indústria de materiais de
construção, no sentido de assegurar a correlação das suas possibilidades com os
objetivos do plano, bem como a indispensável estabilidade de preços;
10. Deve ser encarada a possibilidade do estabelecimento independente de indústrias
próprias ligadas exclusivamente à realização do plano;
11. Deve ser prevista, também, mediante acordos adequados, ou disposições legais
apropriadas a estabilidade necessária nas tarifas de transporte de materiais de
construção utilizados na realização do plano;
12. Seja sempre adotado o critério de construir conjuntos residenciais, agrupando a
população, para facilitar uma assistência social eficiente e mais econômica, o
que não seria possível em residências isoladas
(ACRÓPOLE, 1945, p. 271, grifo nosso).

Alguns pontos merecem destaque nas conclusões formuladas pelos arquitetos em


relação à construção de casas populares. Primeiramente, nota-se que nenhuma das 12
conclusões faz menção a como o Governo Federal, considerado o principal responsável pela
produção de casas populares, deveria se portar diante do problema habitacional vivenciado pela
população mais pobre, residente em favelas ou em regiões sem infraestrutura urbana. Ao que
tudo indica, essa população parece ter sido desconsiderada, pois, como evidenciado na segunda
conclusão, a produção de casas populares deveria se destinar ao mercado rentista. O
mais curioso é que, passados aproximadamente 15 anos da realização do 4º Congresso Pan-
-Americano de Arquitetos, a postura dos arquitetos brasileiros ainda era a mesma quanto ao
entendimento de que a “casa popular” deveria ser encarada pelo aspecto da assistência social,
nesse caso, representada pela oferta de casas de aluguel e não como beneficência.
Possivelmente, uma das recomendações mais importantes sobre a construção de casas
populares formuladas foi o fato de os arquitetos alertarem para a importância de se constituir
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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em cada bairro núcleos residenciais populares; aparentemente, eles entendiam ser fundamental
que os futuros usuários das casas populares tivessem a oportunidade de conviver com outros
estratos sociais, não sendo viável suas segregações.

Seguindo a mesma lógica dos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, nota-se que


os arquitetos participantes do 1º CBA não tiveram o cuidado de relacionar as conclusões da tese
sobre as construções de casas populares com a tese sobre o ensino de arquitetura. Isso fica
evidente no conjunto de conclusões formuladas pela comissão responsável em debater sobre os
rumos do ensino de arquitetura, no qual não se pontuou nenhuma observação acerca do
desenvolvimento de habilidades e da capacitação dos futuros arquitetos na elaboração de
projetos de habitação popular ou habitação social. Além disso, a partir das conclusões
aprovadas, observa-se que os arquitetos entendiam que o urbanismo, além de se constituir
numa disciplina obrigatória como oficializada no currículo da ENBA, deveria se constituir
também num curso básico de extensão. As conclusões aprovadas sobre o ensino de arquitetura
no 1º CBA foram:

1. A orientação didática deverá ter um caráter de formação integral do arquiteto,


atendendo essencialmente aos aspectos técnicos, artísticos e sociais,
paralelamente com um acentuado espírito de pesquisa;
2. A estruturação dos cursos deverá admitir um curso básico de extensão
(especialmente de urbanismo) e de aperfeiçoamento (especialmente de técnicas
construtivas) objetivando respectivamente criar um arquiteto e desenvolver seus
conhecimentos e completar e atualizar os já adquiridos;
3. Deverá ser imediata ao necessário e ao suficiente a duração dos cursos, tendo em
vista o melhor rendimento e eficiência da atividade humana;
4. Deverá a própria instituição atender à condigna remuneração do professor e à
manutenção do estudante, tendo em vista as contingências atuais de ordem
econômica e às necessidades sociais, organizando os seus departamentos de
estudo, análise e pesquisa, como órgão de produção
(FOLHA DA MANHÃ, 1945, p. 7, grifo nosso).

Além dessas conclusões, a comissão responsável pelo debate sobre o ensino de


arquitetura recomendou ainda que o IAB constituísse uma comissão para: “a) elaborar o
anteprojeto das instituições formadoras de arquitetos dentro das diretrizes fixadas, para ser
apresentada ao governo; b) defender as mesmas diretrizes nas questões referentes à reforma do
ensino superior” (FOLHA DA MANHÃ, 1945, p. 7). Pelo que se pode notar, as conclusões
apresentadas e as recomendações sugeridas ao IAB, direcionam para a preocupação dos
arquitetos sobre a constituição de um curso com autonomia própria. Isso irá culminar, meses
mais tarde, na institucionalização da FNA.
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A FNA54 foi instituída por meio do Decreto-Lei nº 7.918, de 31 de agosto de 1945, com
o propósito de ministrar o ensino de arquitetura e de urbanismo (BRASIL, 1945). Com isso, a
referida Faculdade torna-se a primeira instituição de ensino, nacionalmente reconhecida pelo
Governo Federal, a ministrar dois cursos distintos, sendo um de arquitetura – com duração de
5 anos e acessível aos portadores do certificado de licença clássica ou de licença científica (atual
ensino médio) – e outro de urbanismo – um curso seriado com duração de 2 anos, acessível aos
portadores do diploma de arquiteto ou de engenheiro civil. Essa configuração se correlacionava
com as recomendações e desejos dos arquitetos participantes do 1º CBA, mas, ao invés do curso
de urbanismo ter sido inserido como um curso básico de extensão, ele se tornou um curso de
especialização.

Após a publicação do Decreto-Lei nº 7.918/1945, os docentes da ENBA e seu currículo


oficial – que havia sido modificado após a saída de Lucio Costa por meio do Decreto 22.897,
de 6 de julho de 1933 – foram incorporados com novas modificações à FNA. Foi esse novo
currículo oficial que se tornou padrão para os demais cursos de arquitetura e de urbanismo no
país55, fossem eles criados ou reorganizados até 1962 (ABEA, 1977a). A partir dessa
“padronização” de currículos, pode-se entender que se a questão da habitação mínima,
econômica ou popular não havia sido legitimada no currículo oficial da ENBA, sobretudo nas
disciplinas de Composição de Arquitetura, com a criação da FNA essa ausência se ampliou a
nível nacional.

Esse fato reforça o entendimento de que a abordagem de temas da arquitetura


relacionados com a realidade da população de baixa renda continuaria sob responsabilidade dos
docentes da instituição de ensino por meio do currículo não-oficial, como praticado na ENBA.
Entretanto, é válido recapitular que na época em que Lucio Costa havia reformulado o currículo
da ENBA e iniciado “[...] uma campanha para dar realidade objetiva às soluções do problema

54
A Faculdade Nacional de Arquitetura estava vinculada à Universidade do Brasil, antiga Universidade do Rio de
Janeiro. No dia 5 de julho de 1937, Getúlio Vargas assina a Lei nº 452 que determinava como a Universidade do
Brasil deveria ser organizada. Na referida Lei, constava que a Universidade seria composta por 7 Faculdades e 8
Escolas Nacionais, das quais faziam parte a Escola Nacional de Arquitetura e a Escola Nacional de Belas Artes,
como se ambas fossem instituições distintas. Entretanto, conforme o parágrafo único do artigo 40 da Lei nº
452/1937, até que a Escola Nacional de Arquitetura fosse organizada, o curso relativo a ela seria ministrado na
ENBA. Essa organização só ocorreu em 31 de agosto de 1945 por meio do Decreto-Lei nº 7.918, quando o governo
decidiu mudar o nome da Escola Nacional de Arquitetura para Faculdade Nacional de Arquitetura e assim legitimar
a autonomia do curso.
55
Destaca-se, por exemplo, que após a publicação do Decreto-Lei nº 7.918, de 31 de agosto de 1945, a EABH
criou, em 1950, o curso de especialização em urbanismo aos moldes da FNA, com o objetivo de formar “[...]
especialistas na moderna e complexa ciência do urbanismo, aperfeiçoando os conhecimentos dos portadores de
diploma de arquiteto, engenheiro arquiteto e engenheiro civil” (ESPECIALISTAS, 1950 apud OLIVEIRA;
PERPÉTUO, 2005b, p. 5).
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social através das unidades de habitação” (SANTOS, 1954, p. 4), seus colegas docentes, agora
membros da FNA, haviam travado uma “guerra” contra seus ideais e conseguido o afastamento
de Lucio Costa e dos novos professores por ele convidados. Assim, salienta-se que a prática de
sala de aula guiada apenas por um currículo não-oficial, sem relação com o currículo oficial –
apesar de sua importância – perde credibilidade e solidez, pois, no caso da FNA, não havia
garantia alguma de que seus professores fossem continuar a propagar as ideias de Lucio Costa,
por conseguinte, inserir o tema da habitação econômica, mínima, social ou popular na formação
dos futuros arquitetos e urbanistas.

Com a criação da FNA e com seu currículo oficial servindo de padrão para todo o
território nacional, “[...] num sistema rigidamente centralizador e autoritário” (GRAEFF, 1995,
p. 44), o estrato social priorizado oficialmente pelo ensino de arquitetura continuou sendo a
minoria detentora dos maiores rendimentos financeiros da sociedade brasileira. Destaca-se
também que, comparativamente, o currículo oficial da ENBA reformulado por Lucio Costa e o
currículo da FNA não diferem substancialmente. Pode-se verificar no Quadro 3.3 que a essência
das disciplinas do curso de arquitetura da ENBA, mesmo com desdobramentos e junções, foi
preservada após 14 anos.

Quadro 3.3 - Comparativo entre o currículo oficial da ENBA e o da FNA


(continua)
Áreas de
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945)
conhecimentos
História das Belas-Artes História da Arte
Arquitetura Analítica (2 partes) Arquitetura Analítica (2 partes)
Teoria e História
Teoria da Arquitetura
Teoria de Arquitetura (2 partes)
Arquitetura no Brasil
Legislação das Construções - Contratos e Legislação e Economia Política
Administrações - Noções de Economia Organização do Trabalho e Prática
Política Profissional
Matemática Superior Matemática Superior
Física Aplicada
Física Aplicada às Construções - Higiene
Higiene da Habitação e Saneamento das
da Habitação
Cidades
Sistemas e Detalhes de Construção -
Desenho Técnico - Orçamento e Sistemas Estruturais
Tecnologia Especificações (2 partes)
Resistência dos Materiais - Grafo-estática Resistência dos Materiais e Estabilidades das
- Estabilidade das Construções (2 partes) Construções
Materiais de Construção - Terrenos e
Materiais de Construção
Fundações
- Mecânica Racional
- Concreto Armado
Topografia - Arquitetura Paisagista
Elementos de Construção - Tecnologia Técnica da Construção e Topografia
Prática dos Materiais
Fonte: elaborado pelo autor com base em Brasil (1931) e ABEA (1977a).
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Quadro 3.3 - Comparativo entre o currículo oficial da ENBA e o da FNA

(conclusão)
Áreas de
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945)
conhecimentos
Geometria Descritiva - Aplicação às Geometria Descritiva
Sombras – Perspectiva - Estereotomia Sombras, Perspectiva e Estereotomia
Estilo
Representação
Modelagem (2 partes) Desenho Artístico
Gráfica
Desenho (2 partes)
Artes Aplicadas - Tecnológica e
Composição Decorativa
Composição Decorativa (2 partes)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura
(grau mínimo) (parte 1)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura
(grau médio) (parte 2)
Projeto Composição de Arquitetura Grandes Composições de Arquitetura
(grau máximo) (parte 1)
Grandes Composições de Arquitetura
-
(parte 2)
Urbanismo Urbanismo e Arquitetura Paisagista
Fonte: elaborado pelo autor com base em Brasil (1931) e ABEA (1977a).

No novo currículo da FNA, constata-se que novas disciplinas foram criadas em relação
ao currículo da ENBA, tais como: Arquitetura do Brasil, Mecânica Racional, Concreto Armado
e Grandes Composições de Arquitetura. Conforme Sanches (2005), algumas disciplinas como,
Desenho Artístico, Composição Decorativa, Modelagem, História da Arte e Estética,
Geometria Descritiva, Perspectiva e Sombras, foram reformuladas, e as demais permaneceram
inalteradas.

Vale evidenciar que, quando da efetivação da FNA, a arquitetura moderna e a questão


da “casa mínima” já havia se legitimado entre os profissionais da arquitetura; a própria casa
popular já havia sido “[...] reconsiderada, glosada, estudada por muitos arquitetos, sob todos os
aspectos possíveis e imagináveis, em todos os países” (ARTIGAS, 1986, p. 74); o 1º Congresso
Brasileiro de Arquitetos, realizado em 1945, havia colocado em discussão central a defesa da
função social do arquiteto, função essa que estava intimamente relacionada com debates e
preceitos realizados e propagados pela Bauhaus na produção de uma arquitetura que objetivasse
o atendimento às necessidades da população; e, principalmente, a produção de habitações
sociais pelos IAPs estavam se efetivando gradativamente no cenário urbano das grandes cidades
brasileiras. Mesmo diante de todos esses fatos, o tema da habitação mínima, econômica, social
ou popular não foi legitimado oficialmente no currículo da FNA, ao contrário disso, houve a
valorização da disciplina de “Grandes Composições de Arquitetura” que passou a ser ministrada
em duas partes. Em suma, o problema em questão continuaria vinculado a interpretações
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particulares de docentes que julgariam ser ou não viável a capacitação dos futuros arquitetos
para o atendimento das demandas da população de baixa renda nas cadeiras de “Composição
de Arquitetura” ou “Urbanismo e Arquitetura Paisagística”.

Ao observar retrospectivamente os fatos ocorridos de 1930 até 1945 (período que marca
o fim da 2ª Guerra Mundial), não é difícil perceber o quanto o ensino de arquitetura e de
urbanismo desenvolveu-se de modo moroso em relação aos acontecimentos sociais. Essa
morosidade, por sua vez, refletiu no lento processo de “renovação” do sistema educacional, a
começar pela própria adesão à tendência modernista da arquitetura que, efetivamente, só
ganhou força no interior da maioria das escolas de arquitetura brasileiras, após 1945 (SILVA,
1986). Enquanto a arquitetura brasileira, de um modo geral, ganhava notoriedade internacional
e se afirmava no plano cultural nacional, a universidade, entre os anos de 1930 e 1955,
constituiu-se, conforme Graeff (1995), em um fator de retardamento do processo de
desenvolvimento e aceitação das novas tendências arquitetônicas.

Essa assimilação atrasada, lamentavelmente, não se procedeu a contento, ao menos no


que se refere à inserção dos estudos relacionados ao problema habitacional vivido pela
população com os menores rendimentos financeiros da sociedade brasileira. Não se intenta aqui
afirmar que o modernismo estava isento de produções arquitetônicas duvidosas ou
questionáveis, mas, mesmo com toda a oposição existente na época, um dos grandes
diferenciais arquitetônicos do movimento foi exatamente a atenção, nunca antes atribuída à
habitação, à determinação do mínimo espaço necessário para que o indivíduo residisse de modo
a não ter sua saúde física e mental comprometida, ou seja, à habitação econômica, social ou
popular. Indiscutivelmente, esse fato já justificaria a construção de currículos oficiais mais
democráticos, comprometidos, sobretudo, com a Atenção Básica da Arquitetura e
Urbanismo, ou seja, a realidade habitacional da população de baixa renda do país. Por outro
lado, não se pode desconsiderar a importância da ação dos docentes que atuavam contra o
sistema dominante, caracterizado por uma arquitetura elitista e monumental, contribuindo para
que temas de maior apelo social fossem inseridos na formação dos futuros arquitetos e
urbanistas. Profissionais esses que serão identificados, anos mais tarde, por Durand (1974, p.
160) e Zanettini (1980, p. 74) como profissionais com “orientação política negadora do
sistema”56.

56
Ao longo deste trabalho, será utilizado o termo “negadores do sistema” para caracterizar todos aqueles que
desenvolveram ações de ensino, pesquisa e/ou extensão relacionadas ao tema da habitação de interesse social e os
que defenderam a inserção deste conhecimento no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil.
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Verifica-se que os currículos oficiais até então formulados e reformulados serviram para
potencializar uma formação profissional de arquitetos voltados para as demandas projetuais dos
segmentos considerados “dominantes” da sociedade. Desse modo, diante dessa perpetuação
cultural da área, é possível afirmar que a arquitetura dos mais pobres, até o momento, não se
apresentou importante o suficiente – mesmo com todos os estudos e propostas desenvolvidos
em torno da habitação econômica ou habitação mínima – a ponto de ser encarada como um
conhecimento prioritário e legitimado de modo oficial nos currículos de arquitetura e de
urbanismo. Ao contrário disso, o problema em questão foi sendo afirmado e reafirmado ao
longo dos anos como secundário, possível de ser desconsiderado e suscetível a interpretações
particularizadas de docentes através da prática do currículo não-oficial. No mais, o currículo da
FNA, arraigado aos antigos costumes e condutas educacionais, vigorou no país até 1962,
quando é instituído mais um novo currículo oficial nacional para os cursos de arquitetura e
urbanismo.

3.2 A institucionalização do 1º Currículo Mínimo de 1962

Um ano após a criação da FNA é instituído no Brasil a Fundação da Casa Popular (FCP),
primeiro órgão federal responsável pela área da habitação e desenvolvimento urbano no país.
Institucionalizada no governo do General Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), por meio do
Decreto-Lei nº 9.218, de 1º de maio de 1946, o projeto da FCP tinha como proposta atuar de
modo abrangente na produção habitacional que englobava o financiamento de construções,
reparação ou melhoramento de habitações populares nos centros urbanos e na zona rural, tanto
para trabalhadores formais quanto para os informais ou desempregados. Esse era um dos
diferenciais da FCP em relação aos IAPs.

Um dos interesses de destaque na proposta da FCP era o apoio à pesquisa. Conforme o


parágrafo V do artigo 1º do Decreto-Lei nº 9.777, de 6 de setembro de 1946, incumbia à
Fundação:

Estudar e classificar os tipos de habitações, denominadas - populares - tendo em


vista as tendências arquitetônicas, hábitos de vida, condições climáticas e
higiênicas, recursos de material e mão de obra das principais regiões do país, bem
como o nível médio, econômico ou na escala de riqueza do trabalhador da região;
proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos, que visem o barateamento da
construção, quer isolada, quer em série, de habitações de tipo popular, a fim de adotá-
-los e recomendá-los; preparar normas, ou cadernos de encargos, de acordo com o
resultado desses estudos, para o estabelecimento das condições básicas a que devem
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
96

satisfazer os planos a serem atendidos pela FCP, tendo em vista, especialmente, a


máxima ampliação possível da área social de seus benefícios (BRASIL, 1946b, p. 1,
grifo nosso).

Porém, a efetivação das pesquisas que incluíam estudos sobre características regionais
das habitações, a arquitetura, hábitos de vida e adequação climática, não ocorreu como
idealizado, visto que vários setores da sociedade, além dos profissionais ligados ao setor da
construção civil, por interesses corporativos, políticos ou econômicos, não apoiaram o governo
nem a atuação da FCP57. Do ponto de vista da educação e pesquisa nos cursos de graduação em
arquitetura e nas especializações em urbanismo, o desenho da FCP poderia ter sido uma
oportunidade ímpar de trabalho para a área e grande demarcador da inserção do tema da
habitação social nos centros de formação profissional no país, mas, essa oportunidade não
encontrou um campo fértil e receptivo para sua concretização absoluta, não por total falta de
interesse das instituições de ensino, mas também pelo não estabelecimento de uma parceria
entre o governo brasileiro e os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo existentes no
país naquele período.

Em termos quantitativos58, a FCP, por não possuir fonte de recursos financeiros


garantidos, só conseguiu produzir pouco mais de 18.000 unidades habitacionais durante seus
18 anos de existência (1946-1964), no entanto, desse quantitativo, poucas foram as unidades
habitacionais que chegaram a ser ocupadas por trabalhadores de menor poder aquisitivo.
Segundo Azevedo (1988, p. 108), o processo de seleção dos trabalhadores para aquisição da
casa pela FCP “[...] foi distorcido, favorecendo aqueles que possuíam “pistolão” político [...]”.
No entanto, para além das questões quantitativas, no que se refere ao ensino de arquitetura e de
urbanismo no período, o que mais poderia influenciar a formação dos novos profissionais da
arquitetura eram as questões qualitativas das unidades habitacionais. A experiência dos IAPs

57
A criação da FCP não ocorreu de forma passiva, houve grande reação contra o órgão, justamente pelo fato de,
no final do Estado Novo, o governo lançar a proposta de unificação dos IAPs em um único órgão, o Instituto de
Seguridade Social Brasileiro, e transferir os fundos para a FCP (POLETO, 2011). A unificação e a ideia de
universalizar o atendimento das carteiras prediais iria favorecer a efetivação de uma política redistributiva, isso
gerou forte oposição por parte do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), visto que essa
conduta iria retirar privilégios da categoria que possuía boas remunerações salariais. Além do IAPB, o setor da
construção civil também se posicionou contrário a FCP, este, por sua vez, vislumbrava perder créditos oriundos
das carteiras prediais para as incorporações direcionados aos associados com renda mais elevada, isto é, na
construção de condomínios de luxo, imóveis para renda etc. (BONDUKI, 2014a).
58
Até 1960, haviam sido construídas 16.964 casas e 143 conjuntos residências. Além disso, destaca-se que: “[...]
se privilegiavam os grandes centros urbanos, pois 68% das construções localizaram-se nas grandes cidades da
época, ou seja, as de população superior a 50 mil habitantes. Mas isso não quer dizer que não se tenham
contemplado os pequenos e médios núcleos, os quais foram beneficiados com 32% das edificações realizadas”
(AZEVEDO; ANDRADE, 2011, p.15).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
97

em conjunto com a FCP, contribuiu para difundir novas tipologias habitacionais e, como afirma
Bonduki (2014a, p. 42), “[...] criou uma experiência extremamente relevante para o
desenvolvimento posterior da política habitacional brasileira”.

Entre os edifícios multifamiliares empreendidos pela FCP, pode-se destacar: o Conjunto


Residencial Tiradentes, Rio de Janeiro, de 1950 (projeto desenvolvido pelo Departamento de
Engenharia da FCP); Conjunto Residencial Presidente Getúlio Vargas (Imagem 3.4 e 3.5), em
Deodoro no Rio de Janeiro, de 1952 (projeto do Arquiteto Flávio Marinho Rego) – essa obra
apresenta evidente influência do projeto realizado para o Conjunto Residencial Prefeito Mendes
de Moraes (Pedregulho), justamente por apresentar os traços sinuosos aplicados no bloco
residencial principal; e o Conjunto Residencial Benfica (dos Combatentes), Rio de Janeiro, de
1957 (projeto desenvolvido pelo Departamento de Engenharia da FCP).

Imagem 3.4 - Reportagem sobre o Imagem 3.5 - Maquete do Conjunto


Conjunto Residencial Presidente Getúlio Residencial Presidente Getúlio
Vargas Vargas

Fonte: REVISTA DA SEMANA, 1955. Fonte: BRUNA, 2015, p. 167.

Todos os acontecimentos relatados, ocorreram concomitantemente ao processo de busca


da autonomia e prestígio social dos arquitetos e urbanistas, bem como, de uma crescente
expansão dos cursos de arquitetura pelo Brasil ainda arraigada aos moldes curriculares da
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
98

ENBA e/ou FNA. Segundo dados do Ministério da Educação59, no mesmo ano em que é criada
a FCP passam a funcionar no país os cursos de arquitetura da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e o da Universidade Federal de Pernambuco, ambas vinculadas a
Escolas de Belas Artes. Essas duas instituições só conquistaram sua autonomia,
respectivamente, nos anos de 1952 e 1958. Em 1949 o curso de arquitetura da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), que funcionava incorporado à Escola de Belas Artes, foi
federalizado, mas sua autonomia só ocorreu dez anos depois, em 1959. Segundo informe oficial
constante na página eletrônica da Faculdade de Arquitetura da UFBA, o primeiro currículo
oficial, após a separação da Escola de Belas Artes, foi formulado com base nos ideais de Lucio
Costa e nos princípios firmados no Congresso da União Internacional de Arquitetos, ocorrido
em 1959 na cidade de Lisboa: "desenvolver a sensibilidade plástica, a noção do espaço, a
imaginação, a memória visual, o sentido do homem e do caráter"60.

Passada essa fase, inicia-se, a partir da segunda metade de 1950, uma movimentação
nacional entre docentes, discentes e profissionais liberais, que objetivava reavaliar as premissas,
condutas e objetivos do ensino de arquitetura, visto que o currículo oficial vigente – padrão da
FNA – nada mais era do que uma junção de disciplinas de cunho artístico (oriundo da ENBA)
com disciplinas técnicas (característicos dos cursos de engenharia).

Parte dos profissionais que considerava importante a construção de uma nova estrutura
curricular para os cursos de graduação em arquitetura, defendia a difusão dos preceitos da
arquitetura moderna, com mais incisividade nos bancos escolares. Para Artigas (1986) a
divulgação da arquitetura moderna no ceio das escolas de arquitetura, motivada pelos interesses
dos estudantes, procedeu-se a partir de postura acrítica, fruto das constantes propagandas
tendenciosas feitas dentro e fora do país. Além disso, a arquitetura moderna estava a serviço de
uma demagogia desenfreada – referindo-se à preocupação declarada dos simpatizantes do
movimento com a produção de uma arquitetura popular – e na sombra dos Institutos durante o
Estado Novo (ARTIGAS, 1986).

Cavalcanti (2006), aponta que a arquitetura moderna brasileira se estabeleceu a partir


das encomendas estatais, mas nem por isso, justifica deixar de atribuir valor ao sucesso dessa
arquitetura, sobretudo entre os anos de 1930 a 1960, quando os arquitetos modernos conseguem

59
Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 abril de 2019.
60
FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (Salvador). Universidade
Federal da Bahia. Histórico. Disponível em: <https://arquitetura.ufba.br/pt-br/historico>. Acesso em: 26 abr.
2019.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
99

expressar suas artes em obras de grande porte e em empreendimentos residenciais populares,


como por exemplo, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho), projetado
em 1947 pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy (Imagem 3.6) e premiado no 7º Congresso Pan-
-Americano de Arquitetos ocorrido na cidade de Havana, em 1950.

Imagem 3.6 - Reportagem sobre honrarias atribuídas ao Conjunto Residencial do Pedregulho

Texto da matéria: VITÓRIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA NO ESTRANGEIRO – Não é de mais repetir o sucesso da
representação brasileira no VII Congresso Pan Americano de Arquitetura, onde conquistou as maiores honrarias. Entre os
trabalhos premiados com medalha de ouro se destacou o Conjunto Residencial do Pedregulho, que se vê na gravura acima.
O projeto de linhas perfeitas, é de autoria do arquiteto patrício Afonso Eduardo Reidy.
Fonte: A NOITE, 1951.

Para além dos prós e contras sobre a arquitetura moderna brasileira, os anos de 1960
começaram bastante agitados, tanto no âmbito político61 quanto educacional. Em dezembro de
1961, após ter sido sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional62, os cursos
oferecidos pelas instituições de ensino superior no país, entre muitas recomendações, deveriam
ser conduzidos por um currículo mínimo. Isso fez com que as esperanças e desejos de se

61
Em 1961, Jânio Quadros assume a Presidência da República e renuncia após 7 meses. Em seguida, o governo
brasileiro passa a ser liderado por João Goulart até 1964, quando foi deposto pelo Golpe Militar. No que se refere
à política habitacional direcionada à população de baixa renda, o governo brasileiro, com muito esforço, conseguiu
dar seguimento ao funcionamento da FCP.
62
Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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efetivar melhorias no ensino de arquitetura, por parte dos que não concordavam com as posturas
impressas no currículo da FNA, se acendessem.

Na busca pela reformulação curricular dos cursos de graduação em arquitetura, algumas


manifestações, engajamentos e experiências foram cruciais para se chegar à formulação de um
documento “apropriado”. Destaca-se como relevante nesse processo três episódios, a saber: (1)
a realização do 4º Congresso Brasileiro de Arquitetos, no ano de 1954; (2) o primeiro Encontro
de Diretores, Professores e Estudantes de Arquitetura ocorrido no ano de 1960, em Belo
Horizonte; e (3) a reforma curricular ocorrida na Faculdade de Arquitetura da Universidade de
São Paulo (FAUUSP), em 1962.

No ano de 1954, ocorre o 4º Congresso Brasileiro de Arquitetos, evento realizado pelo


IAB63 durante visita de Walter Gropius, em São Paulo. O evento foi assinalado pela existência
de debates considerados polêmicos, resultante das constantes críticas efetivadas sobre a
produção da arquitetura moderna brasileira. No referido congresso, o arquiteto Eduardo Corona
(2003 apud MONTEIRO, 2007) destacou em seu pronunciamento o desenvolvimento de uma
arquitetura nacional desvinculada da realidade, sem a consideração das bases sociais e
econômicas, apontando ainda a despreocupação dos arquitetos brasileiros na construção de um
debate amplo e democrático sobre tais problemas. Além de Corona, os professores Demétrio
Ribeiro, Nelson Souza e Enilda Ribeiro (1987), teceram comentários a respeito de um conjunto
de temas, dos quais se destacam: a democratização da arquitetura e a necessidade de uma
discussão autocrítica da arquitetura moderna brasileira. Ademais, reafirmaram a preocupação,
já evidenciada por Corona, a respeito da relação entre arquitetura e realidade social, ao
ressaltarem que os programas propostos pelos arquitetos da época correspondiam aos interesses
de um restrito setor da população, programas esses que representavam os hábitos e tipos de vida
de uma minoria social em detrimento das mais amplas camadas populares da sociedade
brasileira, a população de baixa renda. Cabe ainda evidenciar que os professores concluem suas
observações propondo ao Plenário do 4º CBA os seguintes pontos:

1) A arquitetura brasileira está ameaçada de degenerescência devido ao seu


isolamento do povo; 2) A única possiblidade de desenvolvimento da arquitetura
brasileira reside em sua democratização, na base da satisfação das necessidades

63
O IAB, desde a realização do 1º CBA, desempenhou importante papel na luta pela melhoria do ensino de
arquitetura no país ao lançar propostas e reflexões sobre a produção arquitetônica nos eventos promovidos pelo
órgão. Dentre as reflexões expostas pelo IAB em seus congressos, destaca-se que sempre foi posta em pauta a
preocupação com a questão da habitação popular como parte integrante da função social da arquitetura. Além
disso, a partir de uma perspectiva tipicamente modernista, o órgão incentivou as escolas a estabelecer estreita
relação com a vida profissional prática e buscou dar apoio para que novas faculdades de arquitetura se efetivassem
dentro das universidades de modo autônomo, distantes das sombras dos cursos de engenharia (ARTIGAS, 1977).
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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materiais e espirituais do povo; 3) Os conhecimentos teóricos dos arquitetos sobre


os problemas sociais, históricos e estéticos desempenham um papel decisivo da
evolução da arquitetura. O debate desses problemas no IAB, nas organizações
estudantis, e nas escolas é uma necessidade urgente da arquitetura brasileira
(RIBEIRO et al, 1987, p. 154, grifo nosso).

Já em 1960, a Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, na primeira


semana de agosto, realizou o primeiro Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de
Arquitetura64. No referido evento, foram debatidos temas considerados relevantes para a
reestruturação dos cursos de arquitetura e de urbanismo no país, tais como: sequência de
disciplinas, criação e eliminação de cadeiras; atualização e estruturamento de programas;
agrupamento de disciplinas em departamentos; urbanismo e planejamento; entre outros65.

Em síntese, os profissionais refletiram sobre a importância de voltar a valorizar, de


modo equilibrado, a arte plástica na formação dos futuros arquitetos. Nesse caso, o
professor e engenheiro civil José Octacilio de Saboya Ribeiro, da FNA, mesmo tendo defendido
que a sequência de disciplinas adotada por sua instituição de ensino se apresentava como sendo
a “[...] mais lógica e correta, sob o ponto de vista da cultura” arquitetônica daquele período
(EABH, 1961, p. 24), pontuou que os cursos deviam estabelecer critérios para o processamento
simultâneo entre engenharia e belas artes, visando construções belas, econômicas e duráveis.
Como consequência desse debate, foi exposto pelo professor Demétrio Ribeiro, da
Universidade do Rio Grande do Sul, que as disciplinas de Composição de Arquitetura deveriam
ser consideradas como eixos principais dos cursos de graduação e as demais serviriam de
subsídio.

Um dos pontos que merece destaque no citado evento, refere-se aos debates ocorridos
sobre o curso de urbanismo, ainda posto na condição de especialização para arquitetos e
engenheiros. Os docentes e discentes posicionaram-se de modo divergente sobre o fato de ainda
ser ou não viável a manutenção desse curso de especialização. O professor Saboya Ribeiro
considerou que o curso de urbanismo deveria continuar sendo uma especialização por abranger,
em sua visão, “[...] aspectos por demais complexos para serem estudados no curso de
arquitetura” (EABH, 1961, p. 38). Essa visão também foi defendida pelo professor Antônio

64
Além da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, o evento contou com a participação das cinco
Faculdades de Arquitetura e Urbanismo públicas existentes no país até 1960: Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Rio Grande do Sul; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo;
Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro); Faculdade de Arquitetura da
Universidade da Bahia e Faculdade de Arquitetura da Universidade do Recife (EABH, 1961).
65
Além dos já citados, o evento discutiu ainda aspectos sobre o processo de seleção para ingresso nos cursos de
arquitetura e de urbanismo; testes vocacionais; a criação de institutos superiores; desenvolvimento de pesquisas;
sobre o ensino de desenho industrial; estágios; excursões, bolsas de estudos e convênios culturais (EABH, 1961).
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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Bezerra Baltar, da Universidade do Recife, ao afirmar que naquela instituição a cadeira de


urbanismo havia sido transferida do 5º ano para o 4º ano de arquitetura e, posteriormente,
separada do curso com duração de dois anos, seguindo assim a mesma conduta da FNA. Ainda
sobre isso, Baltar expôs que na Universidade do Recife, em urbanismo, “primeiramente [era]
ensinada a técnica da pesquisa urbana; quais os dados que interessam, como procurá-los, como
obtê-los e como usá-los. Depois [eram] ensinados os elementos, normas e objetivos de um plano
urbanístico” (EABH, 1961, p. 39).

Após trocas de opiniões entre os docentes, o professor Demétrio Ribeiro (EABH, 1961),
saiu em defesa da integração do ensino de urbanismo dentro do currículo da arquitetura a ponto
de salientar que seu isolamento num curso de especialização, tal qual era praticado,
apresentava-se como sendo prejudicial e negativo para a cultura profissional dos arquitetos.
Contudo, devido à grande divergência de opiniões por parte de professores e alunos, não foi
possível que os organizadores do primeiro Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de
Arquitetura estabelecessem recomendações base para que as instituições de ensino refletissem
sobre essa questão. Porém, é válido salientar que, mesmo não tendo havido consenso entre
docentes e estudantes, foi nesse primeiro evento que o urbanismo passou a ser cogitado como
sendo possível de se integrar a formação dos arquitetos. Do ponto de vista dos estudos voltados
para a habitação popular ou social, considera-se que a proposta de unificação dos cursos de
arquitetura com os de urbanismo seria benéfica, além de ampliar o horizonte profissional, os
temas/problemas em questão não estariam mais atrelados a um curso de especialização e sim,
como conteúdo possivelmente corrente na graduação.

Entre todas as ocorrências evidenciadas, possivelmente, a mais expressiva delas foi a


reforma curricular ocorrida na FAUUSP que, segundo a ABEA (1977a, p. 56), foi a “[...]
primeira reforma de maior envergadura entre as faculdades tradicionais” do país. A FAUUSP,
em sua reforma curricular de 1962, buscou absorver os debates em torno do ensino de
arquitetura, de urbanismo e do perfil do arquiteto ocorrido nos eventos acadêmicos e congressos
promovidos pelo IAB, bem como o Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de
Arquitetura realizado pela EABH.

Em 1962, o curso de arquitetura da FAUUSP funcionava com base no currículo oficial


instituído pela Portaria nº 9, de 22 de dezembro de 1961, cujas disciplinas relacionadas com o
projeto arquitetônico recebiam a denominação de Composição de Arquitetura, tal qual havia
sido oficializada no currículo da FNA de 1945. Essa disciplina se subdividia em: Composição
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3 O Currículo Mínimo de 1962
103

de Arquitetura - Pequenas Composições I (ofertadas no 1º e 2º anos do curso); Composição de


Arquitetura - Pequenas Composições II (ofertada no 3° ano); Composição de Arquitetura -
Grandes Composições I e II, respectivamente, ofertadas nos 4° e 5º anos (FAUUSP, 1961).

Nesse currículo oficial, seguindo a mesma conduta dos que formularam os currículos da
ENBA e FNA, não havia a explicitação de detalhes ou ementário das disciplinas do curso que
possibilitasse a identificação dos principais temas e conteúdos abordados em sala de aula ou
ateliê, impossibilitando a análise imediata acerca da inserção do tema da habitação popular ou
social. Contudo, a partir da pesquisa de mestrado desenvolvida por Renata Monteiro Siqueira
(2015) foi possível estabelecer contato com o currículo não-oficial praticado pelos professores
da FAUUSP em 1962.

Segundo Siqueira (2015, p. 121), os alunos da referida instituição iniciavam a disciplina


de Composição de Arquitetura - Pequenas Composições I (1ª parte) com “Prolegômenos sobre
Arquitetura” e o “Conceito de Espaço em Arquitetura”, posteriormente, no segundo ano do
curso, na 2ª parte da citada disciplina, os professores abordavam temas relacionados à
habitação, como: “Teoria Geral da Habitação”, “O Sítio e a Habitação” e “O Problema Social
da Habitação”. Apesar de não se constituir em temas fixos, modificado a cada ano, a autora
evidenciou que, quando abordado o problema da habitação era articulado com o urbanismo,
“[...] lidando com questões tais como o cortiço, as áreas congeladas, o zoneamento e processos
ecológicos, circulação e congestionamento; edifício e cidade; metropolização” (SIQUEIRA,
2015. p. 122).

A apresentação do currículo não-oficial da FAUUSP, exposto por Siqueira (2015),


praticado por professores como Vilanova Artigas, Abelardo Riedy de Souza e Hélio de Queiroz
Duarte66 (profissionais que ministravam aula nas disciplinas de Composição de Arquitetura -
Pequenas Composições I), confirma o caráter volátil do conhecimento sobre a habitação
popular ou social, por este não ser considerado como obrigatório e fixo na grade de conteúdos
da disciplina. Além disso, o referido conhecimento continuou sujeito à interpretação particular
ou envolvimento do docente com a temática. Mesmo assim, a autora salientou que, a partir de
1948, ano em que é criada a FAUUSP, “[...] a habitação como uma questão social passou a ser
tratada de forma muito mais incisiva” (SIQUEIRA, 2015, p. 128), quando comparada às

66
O arquiteto Hélio de Queiroz Duarte, formado pela ENBA, morou em Salvador entre os anos de 1936 a 1944.
Foi docente na Escola de Belas Artes da Bahia, tendo lecionado nas disciplinas de Arquitetura Analítica,
Composições de Arquitetura e Urbanismo. O docente se mudou para São Paulo em 1944 e só foi contratado como
professor assistente da disciplina de Composição de Arquitetura - Pequenas Composições I em 1949. Destaca-se
ainda que Hélio Duarte participou da organização do 1º CBA e foi membro dos CIAMs (DUARTE, 2019).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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104

práticas adotadas pelos professores na época em que o curso de arquitetura era vinculado à
Escola Politécnica.

Ainda em 1962, com o curso em andamento, a FAUUSP empreende uma nova reforma
curricular de modo a priorizar a organização da escola em torno do ateliê de composição de
arquitetura67, como sugerido pelo professor Demétrio Ribeiro no evento promovido pela EABH
em 1960. Desse modo, a disciplina de Composição de Arquitetura “[...] passou a constituir a
chamada “espinha dorsal” do curso” (SCHLEE et al., 2010, p. 64), para o qual convergiam as
demais disciplinas. Com isso, o projeto foi elevado à categoria de “ator principal” no cenário
da atuação do arquiteto e urbanista ou, como destacado por Artigas (1977), o projeto tornara-
-se manifestação de soberania68. Nessa reforma curricular, a FAUUSP decide extinguir as
cadeiras de Composição Arquitetônica (pequenas e grandes composições – oriunda do currículo
oficial de 194869) e substituí-las por “Práticas de Projeto de Edifícios” e “Práticas de Projetos
de Cidade”, que compunham o currículo básico. Além disso, a cadeira de Urbanismo70 cede
lugar para a cadeira de “Planejamento Regional” como disciplina suplementar.

Como foi elucidado, os eventos e as experiências curriculares supracitadas, evidenciam


o movimento nacional dos profissionais envolvidos com o ensino de arquitetura no sentido de
estabelecer novos rumos para a formação profissional, com destaque para o evento promovido
pela EABH e o Currículo Pleno da FAUUSP, que segundo a ABEA (1977a), foi eleito como
“modelo” para o delineamento do projeto do primeiro currículo mínimo nacional para os cursos
de graduação em arquitetura e urbanismo.

67
Com essa priorização, implantou-se no curso de arquitetura um currículo direcionado para quatro linhas de
estudo: comunicação visual, desenho industrial, edifício e planejamento urbanístico, além de uma estrutura
didático-pedagógica caracterizada por três departamentos: Histórico-Sociológica, Tecno-Artística e Tecno-
Científica (FAUUSP, 1962).
68
Sobre essa definição de projeto como manifestação de soberania Artigas (1977a, p. 34) comenta: “A
compreensão deste princípio muito custou e ainda custará aos arquitetos brasileiros. Ele contém em si a ideia de
emancipação de nossa cultura técnica e artística, de defesa da nacionalidade. Estão na ordem do dia do Instituto
de Arquitetos e dos clubes de engenharia mais vanguardeiros do Brasil”.
69
Detalhes sobre o currículo oficial da FAUUSP de 1948 pode ser encontrado na Lei n° 104, de 21 de junho de
1948, que dispõe sobre a criação, na Universidade de São Paulo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. A Lei
está disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1948/lei-104-21.06.1948.html>. Acesso
em: 6 dez. 2018.
70
Segundo Siqueira (2015, p. 129), a cadeira de urbanismo era iniciada com “[...] uma “introdução ao urbanismo”,
com apresentação de conceitos e definições. Em seguida, tratava de aspectos históricos do processo de
urbanização, do crescimento urbano, da “cidade tentacular”, de aspectos de sociologia urbana, das relações entre
cidade e campo, dentre outros”. Apesar de ter identificado que o programa da disciplina de urbanismo se mantinha
o mesmo desde o ano de 1930, a autora evidenciou que os temas mais recorrentes eram: cidade - problema de
governo; finanças municipais; avaliação dos imóveis urbanos, da economia da terra urbana; legislação do
urbanismo moderno; estudo da cidade jardim (e da apresentação dos exemplos de Letchworth, Welwyn e
Wythenshawe); problema econômico-social dos serviços de utilidade pública (SIQUEIRA, 2015, p. 120-130).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
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Esse projeto de currículo mínimo foi apresentado à comunidade acadêmica em junho de


1962 durante o Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de Arquitetura em São Paulo.
A proposta curricular devia representar as aspirações e desejos de todo o conjunto de
mobilizações nacionais de estudantes (que, até aquele período, haviam desempenhado
importante papel nas sutis modificações ocorridas no ensino de arquitetura) e de profissionais,
no que se referia à adequação da “[...] formação desenvolvida nas escolas às especificidades do
exercício da profissão e da atuação do arquiteto e urbanista na própria sociedade” (SANTOS
JUNIOR, 2001, p. 11).

Antes da efetivação do primeiro currículo mínimo nacional, a expectativa quanto aos


impactos que o estabelecimento desse currículo poderia ocasionar no ensino de arquitetura era
a mais benéfica, ou seja, vislumbrava-se que ele se tornasse uma ferramenta transformadora e
capaz de potencializar novas experiências didático-pedagógicas. Conforme Graeff (1995, p. 44-
45), “[...] O currículo mínimo vinha abrir amplas oportunidades de mudanças e experiências
inovadoras, inclusive no sentido de colocar o ensino em sintonia com as realidades geográficas,
sociais e culturais de cada região”. Porém, há de se destacar que essa desejada sintonia do ensino
com as realidades geográficas, sociais e culturais se inseria, prioritariamente, no contexto da
realidade “formalizada” das cidades, com pontuais inserções das realidades “informais”,
aquelas relacionadas às invasões, assentamentos precários, favelas etc.

O currículo mínimo nacional, como debatido nos encontros nacionais de arquitetos,


estudantes e professores de arquitetura, deveria especificar um mínimo de
disciplinas/conhecimentos indispensáveis à formação do arquiteto e urbanista e abrir margem
para que as peculiaridades regionais pudessem ser implementadas de modo a contribuir com a
construção de um campo de ensino fértil para a arquitetura. Obviamente que essa era a premissa
dos agentes envolvidos com a formação profissional da arquitetura e do urbanismo que
vislumbrava criar uma certa coesão entre os cursos e possibilitar melhoras objetivas no ensino
praticado pelas distintas instituições.

Até então, tudo parecia corresponder às expectativas de construção de um ensino


democrático, inclusive em relação à inserção do ensino sobre a habitação popular ou social,
considerando a preocupação expressa pelo IAB em seus congressos. Contudo, contrariando as
expectativas, o Currículo Mínimo foi aprovado pelo Conselho Federal de Educação (CFE) de
modo resumido, sem nenhuma justificativa ou detalhamento sobre a sua estrutura e os
componentes curriculares nele expressos (ABEA, 1977a).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
106

O primeiro Currículo Mínimo nacional para os cursos de graduação em arquitetura e


urbanismo, instituído pelo Conselho Federal de Educação por meio do Parecer nº 336, de 17 de
novembro de 1962, apontou como atribuição da graduação a formação generalista do arquiteto
e urbanista. Sob esse ponto específico, pode-se dizer que o Currículo Mínimo, ao menos,
garantia que a formação não se procederia de modo fragmentado em duas áreas, sendo uma
relacionada à arquitetura e outra voltada para a especialização em urbanismo. Nesse quesito, o
novo Currículo Mínimo correspondia aos desejos de alguns participantes do primeiro Encontro
de Diretores, Professores e Estudantes de Arquitetura, ocorrido em Belo Horizonte em 1960,
que defendiam a inserção do urbanismo dentro do currículo de arquitetura a ponto de ser
constituído no país uma habilitação única de arquiteto e urbanista, impedindo, assim, que os
engenheiros pudessem, por meio da antiga especialização, conseguir o título de urbanista.

Apesar de a reforma curricular da FAUUSP de 1962 ter sido considerada base para a
formulação do primeiro Currículo Mínimo nacional, ao estabelecer um comparativo entre o
Currículo Mínimo de 1962 com os currículos da ENBA, de 1931, e da FNA, de 1945, pode-se
observar no Quadro 3.4 que o primeiro currículo nacional dos cursos de arquitetura e urbanismo
continuou perpetuando a base tradicional de constituição curricular, nesse caso, limitada apenas
à determinação de 15 matérias semelhantes às legitimadas nos currículos oficiais que o
antecedeu, salvaguardadas pontuais mudanças, como por exemplo, a exclusão das disciplinas
de Arquitetura no Brasil, Higiene da Habitação e Saneamento das Cidades, Mecânica Racional,
Concreto Armado, Sombras, Perspectiva e Estereotomia.

Quadro 3.4 - Comparação entre o currículo oficial da ENBA, FNA e o Currículo Mínimo de
1962
(continua)
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945) Currículo Mínimo (1962)
História das Belas-Artes História da Arte
História da Arquitetura e da Arte
Arquitetura Analítica (2 partes) Arquitetura Analítica (2 partes)
Teoria da Arquitetura Teoria da Arquitetura
Teoria de Arquitetura (2 partes)
Arquitetura no Brasil -
Legislação das Construções - Legislação e Economia Política Estudos Sociais e Econômicos
Contratos e Administrações - Noções Organização do Trabalho e Prática Legislação, Prática Profissional e
de Economia Política Profissional Deontologia
Matemática Superior Matemática Superior Cálculo
Física Aplicada Física Aplicada
Física Aplicada às Construções -
Higiene da habitação e
Higiene da Habitação -
Saneamento das Cidades

Legenda: Área de Teoria e História


Área de Tecnologia
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
107

Quadro 3.4 - Comparação entre o currículo oficial da ENBA, FNA e o Currículo Mínimo de
1962
(continua)
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945) Currículo Mínimo (1962)
Sistemas e Detalhes de Construção -
Desenho Técnico - Orçamento e Sistemas Estruturais Sistemas Estruturais
Epecificações (2 partes)
Resistência dos Materiais -
Resistência dos Materiais e Resistência dos Materiais e
Grafo-estática - Estabilidade das
Estabilidades das Construções Estabilidade das Construções
Construções (2 partes)
Materiais de Construção - Terrenos e
Materiais de Construção Materiais de Construção
Fundações
- Mecânica Racional -
- Concreto Armado -
Topografia - Arquitetura paisagista
Técnica da Construção e
Elementos de Construção – Técnica da Construção
Topografia
Tecnologia - Prática dos Materiais
Geometria Descritiva Geometria Descritiva
Geometria Descritiva - Aplicação às
Sombras, Perspectiva e
Sombras – Perspectiva - Estereotomia -
Estereotomia
Estilo
Modelagem (2 partes) Desenho Artístico Desenho e Plástica
Desenho (2 partes)
Artes Aplicadas - Tecnológica e
Composição Decorativa
Composição Decorativa (2 partes)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura
(grau mínimo) (parte 1)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura Composição Arquitetônica, de
(grau médio) (parte 2) Interiores e de Exteriores
Composição de Arquitetura Grandes Composições de
(grau máximo) Arquitetura (parte 1)
Grandes Composições de
-
Arquitetura (parte 2)
Urbanismo e Arquitetura Evolução Urbana
Urbanismo
Paisagista Planejamento

Legenda: Área de Tecnologia Área de Projeto


Área de Representação Gráfica
Fonte: elaborado pelo autor.

Ao analisar comparativamente o conjunto de matérias obrigatórias legitimadas nos


currículos da ENBA, FNA e no Currículo Mínimo de 1962, responsáveis pela transmissão de
conhecimentos fundamentais para a formação dos profissionais da arquitetura e urbanismo,
sobretudo aquelas relacionadas à área de projeto, pode-se constatar que os responsáveis por
suas formulações compartilhavam do entendimento de que as matérias deveriam ser nomeadas
de modo generalista e de que um currículo nacional, sendo apenas um referencial geral,
dispensava qualquer aprofundamento sobre possíveis enfoques ou compromissos precisos com
determinados problemas sociais.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
108

No caso das matérias de “Composição de Arquitetura” ou “Composição Arquitetônica”,


por exemplo, aparentemente elas se apresentam como matérias “democráticas” com quais os
discentes poderiam adquirir conhecimentos e habilidades técnicas relacionadas à produção de
distintos tipos arquitetônicos voltados às necessidades da totalidade da sociedade brasileira,
independente de classe econômica ou poder aquisitivo dos usurários finais. Nessa perspectiva,
constata-se que o primeiro Currículo Mínimo foi instituído de modo a se portar, aparentemente,
como um documento consensual, “neutro” de influências políticas, culturais e econômicas.
Porém, como bem salientado por Apple (2002, p. 59, grifo do autor) “o currículo nunca é apenas
um conjunto neutro de conhecimentos [...]. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva,
resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento
legítimo”.

A ideia de que um currículo nacional geral dispensa esclarecimentos e justificativas


sobre sua organização contribui para ocasionar possíveis problemas na formação profissional
por estar à mercê da interpretação particularizada de cada instituição, departamentos ou
docentes – é o que Sacristán (2013) vai chamar de currículo interpretado. No caso, uma
determinada instituição ao estruturar seu curso de graduação em arquitetura e urbanismo com
base no Currículo Mínimo apresentado, poderia interpretar que o estudo sobre o problema
habitacional vivido pela população de baixa renda (trabalhador formal, informal ou
desempregado) não seria relevante para as matérias de Composição Arquitetônica ou
Urbanismo, por exemplo. Enquanto isso, outras instituições poderiam considerar relevante a
inserção do tema em questão apenas na matéria de “Estudos Sociais e Econômicos” por manter
relação direta com a sociologia, tendo em vista que esta última, como destacado por Martins
(2013), é uma área das ciências humanas que se dedica ao estudo e compreensão da vida em
sociedade, dos indivíduos, suas relações e problemas sociais.

No entanto, como evidenciado nas análises dos currículos oficiais da ENBA e FNA,
detalhadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 deste capítulo, essa prática generalista e aparentemente neutra
no modo de formular currículos e de nomear as matérias encobria a essência dos conhecimentos
priorizados nos ateliês de composição, a de que o ensino de arquitetura e urbanismo devia
preservar uma cultura de projeto voltada para as demandas da classe dominante. Por
conseguinte, essa prática generalista na determinação das matérias contribuiu para que os
conhecimentos sobre o problema habitacional da população de baixa renda não fosse
considerado prioritário no ceio das instituições de ensino, como demonstrado no caso da
FAUUSP, cuja prática do currículo não-oficial confirmou que os estudos sobre a habitação
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
109

popular ou social não eram corriqueiros na formação dos profissionais da arquitetura daquela
instituição.

A interpretação de que o ensino de arquitetura sucedido pelo Currículo Mínimo de 1962


não se firmou de modo consistente no ceio das instituições de ensino em relação à inserção do
tema da habitação popular ou social, mesmo diante da ação de docentes considerados
“negadores do sistema”, fundamenta-se no fato de pairar, entre os opositores do movimento
moderno e dos referidos estudos sobre a casa mínima, críticas em torno da ausência de uma
efetiva base social, planos de incentivos consistentes a nível nacional e de uma indústria
poderosa, com grande tecnologia de produção seriada, capaz de assumir o compromisso
construtivo de habitações sociais no país71.

Todavia, considerando o histórico processo conturbado de equacionamento do problema


habitacional vivenciado pela população mais pobre da sociedade brasileira, a preocupação com
o problema em questão por parte do IAB e dos docentes, expressa no primeiro Encontro de
Diretores, Professores e Estudantes de Arquitetura de 1960, o Currículo Mínimo nacional de
arquitetura e urbanismo, desconsiderando todos esses fatos, não legitimou oficialmente o
comprometimento prioritário com as demandas sociais da população de baixa renda, mais
especificamente, com os problemas da habitação popular ou social. Logo, oficialmente, o
Currículo Mínimo de 1962 preservou a manutenção, especificamente no que tange à matéria de
Composição Arquitetônica, da mesma linha ideológica de ensino expressa nos currículos
oficiais da ENBA e da FNA.

Pelo que foi elucidado até este momento, apesar de os profissionais da arquitetura terem
se posicionado de modo higienista em relação à habitação das classes pobres, no que se refere
à habitação social, no período compreendido entre os anos de 1930 a meados de 1960, eles
conseguiram imprimir nos projetos arquitetônicos bons resultados qualitativos e estéticos.
Segundo Nabil Bonduki:

71
Entre esses críticos pode-se ressaltar a postura de Oscar Niemeyer (2003), que justificou o desinteresse
profissional em atuar na elaboração de projetos de habitação social ao fato de que, no período de grande
desenvolvimento industrial no país, a ausência das condições citadas impôs aos arquitetos a valorização da
produção arquitetônica direcionada à burguesia. O arquiteto afirmou, também, que: “por essas razões, recusamo-
-nos apelar para uma arquitetura mais rígida e fria – de tendência europeia – bem como nos recusamos apelar para
uma “arquitetura social”, dentro do ambiente que vivemos” (NIEMEYER, 2003, p. 185, grifo do autor). Ainda
conforme Niemeyer (2003), priorizar uma “arquitetura social” – termo utilizado para se referir à produção
habitacional voltada às massas – em detrimento de uma arquitetura ostensiva, impactaria no empobrecimento da
arquitetura brasileira, no que ela tem de novo e criador, ou contribuiria para apresentá-la de modo demagógico e
enganadora.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
110

[...] a experiência realizada [nesse período] formou um grupo de profissionais


voltados para formular e executar programas e projetos habitacionais, impulsionou a
indústria de materiais e as empresas da construção civil, difundiu novas tipologias e
criou uma experiência extremamente relevante para o desenvolvimento posterior da
política habitacional brasileira (BONDUKI, 2014a, p. 42).

Os bons projetos arquitetônicos de habitação social produzidos nesse período são


consequência dos trabalhos desenvolvidos por arquitetos que, numa espécie de “movimento de
resistência”, assumiram o compromisso em direcionar suas atenções para a idealização de uma
habitação que pudesse – considerando as limitações tecnológicas da época – ser otimizada e
produzida em série, bem como possibilitar qualidade mínima de vida para o trabalhador formal
no interior da unidade habitacional. Naquele momento, as atenções estavam especialmente
direcionadas para o projeto de arquitetura, ou seja, a preocupação com os espaços internos, o
mínimo dimensionamento, a forma racional da construção, o processo construtivo mais
econômico, entre outros, e como resultado, a obtenção da estética da edificação.

Foram essas ações que contribuíram para que um senso ético e social, contrário ao
percurso estético sempre destinado às camadas dominantes (CAVALCANTI, 2006), e
ainda imperativo no interior dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, fosse
disseminado e assimilado pelo maior número possível de profissionais da arquitetura e
urbanismo, favorecendo assim, a superação dos ideais modernos sobre as antigas concepções
acadêmicas e neocoloniais. Não obstante, a habitação social passou a ser problematizada e
estudada, prioritariamente no meio profissional, sob os mais distintos aspectos, resultando
numa produção arquitetônica – com apoio dos investimentos habitacionais por parte do governo
brasileiro – rica em diversificação tipológica e formal.

O movimento moderno, sobretudo com a preocupação em torno da habitação social, de


modo único na história da arquitetura, evidenciou a importância da questão social da arquitetura
e fez com que muitos arquitetos e alguns docentes redirecionassem seus olhares para esse foco.
No Brasil, os arquitetos, ao menos os que conseguiram atuar na esfera estatal por meio dos
planos habitacionais promovidos pelo governo brasileiro, passaram a pôr em prática os ideais
modernistas e idealizaram “grandes conjuntos habitacionais racionalizados, soluções
verticalizadas e multifamiliares, com a adoção de blocos de apartamentos, unidades de
habitação, apartamentos em duplex, utilização de pilotis e teto-jardim [...]” (BONDUKI, 1994,
p. 7-8). Não obstante, essas soluções foram capazes de resultar, não em sua totalidade, mas em
boa parte delas, numa produção habitacional marcada por bons projetos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
111

Mesmo não sendo a intensão desta tese analisar obras edificadas de habitação social, é
oportuno citar o projeto arquitetônico da Vila Guiomar em Santo André, São Paulo (Imagem
3.7 e 3.8), cuja obra foi construída pelo IAP dos Industriários (IAPI), em 1942, e projetada pelo
arquiteto Carlos Frederico Ferreira. Segundo Bonduki (2014b), esse projeto é um dos melhores
exemplos da produção do IAPI por se destacar pela boa adequação de proposições
arquitetônicas distintas – blocos de apartamentos e casas com áreas construtivas que variavam
de 42m² a 68m² – num único conjunto habitacional. Além disso, o conjunto foi construído de
modo a propiciar amplos espaços de convívio social, com harmonioso projeto paisagístico que
evidenciou a influência do arquiteto com os preceitos da cidade-jardim. Em termos
arquitetônicos, os projetos das unidades habitacionais, comumente, são compostos por sala,
cozinha, banheiro, área de serviço e a depender da unidade, poderiam possuir dois ou três
quartos, sem contar que as casas foram construídas, ora isoladas no terreno envolto de jardins
sem muros, ora em casas geminadas. Por fim, pode-se dizer que esse projeto residencial foi
bem-sucedido no que se refere a contemplar distintos costumes e hábitos do morar.

Imagem 3.7 - Vista aérea do conjunto Vila Guiomar em Santo André, São Paulo

Fonte: BONDUKI, 2014b, p. 23.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
112

Imagem 3.8 - Casa geminada e isolada do conjunto Vila Guiomar em Santo André

Casa geminada Planta Baixa – Casa geminada

Casa isolada (imagem recente) Planta Baixa – Casa isolada

Fonte: BONDUKI, 2014b, p. 24-25.

Apesar de o discurso sobre a produção arquitetônica e a preocupação com o habitar


mínimo ocupar centralidade nos debates de arquitetos, engenheiros-arquitetos e engenheiros,
até meados de 1960, a questão urbana não foi posta em segundo plano, ao contrário, as boas
propostas arquitetônicas construídas no Brasil a partir de 1930, introduziram também
tendências urbanísticas inovadoras, sobretudo se forem observadas as soluções adotadas pela
produção habitacional promovidas pelos IAPs, profundamente analisadas e catalogadas por
Nabil Bonduki em sua coleção de livros intitulados “Os pioneiros da habitação social no
Brasil”.

Contudo, apesar do engajamento dos arquitetos em projetos de habitação social e dos


professores de arquitetura e urbanismo nos debates sobre o problema habitacional vivido pela
população de baixa renda, não se pode desconsiderar que esses profissionais não conseguiram
efetivar uma cultura de projeto de habitação popular e social oficialmente legitimada nos
currículos nacionais instituídos e nos currículos organizados pelas instituições de ensino. Sobre
o Currículo Mínimo de 1962, efetivamente, este não transpareceu no todo os debates e propostas
de reformulação do ensino oriundos dos congressos profissionais e acadêmicos que
antecederam sua homologação.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
113

3.3 Considerações sobre o Capítulo 3

As análises desenvolvidas neste capítulo evidenciaram que as demandas habitacionais


da população de baixa renda não receberam a devida importância por parte dos envolvidos com
a formação profissional dos arquitetos e urbanistas, em especial, no que se refere à constituição
dos currículos oficiais, responsáveis por “[...] difundir os códigos sobre o que deve ser a cultura
nas escolas [e cursos], tornando-os públicos” (SACRISTÁN, 2013, p. 27).

No que se refere à produção habitacional efetivada para a população de baixa renda,


destacou-se que no período temporal compreendido entre os anos de 1930 a 1962, o país
vivenciou um momento de intenso processo migratório campo-cidade e cidade-cidade de
trabalhadores e desempregados em busca de oportunidades de trabalho e moradia nos grandes
centros urbanos. Essa situação acabou motivando o governo brasileiro e profissionais da
arquitetura e engenharia a elaborar estratégias construtivas e projetuais para a viabilização da
produção de habitações econômicas, além de mecanismos que facilitassem a aquisição da casa
própria por parte da população de baixa renda. Nesse embalo, o governo cria os Institutos de
Aposentadorias e Pensões e, em 1946, a Fundação da Casa Popular. Instituições essas que
atuavam, prioritariamente, na produção habitacional voltada para o trabalhador formal de média
e baixa renda, enquanto os trabalhadores informais e os desempregados, na maioria,
“resolviam” as suas necessidades habitacionais autoconstruindo moradias em loteamentos
clandestinos, mocambos, alagados, áreas de favela, etc.

Se por um lado, a partir de interesses corporativos, higiênicos e econômicos, os


profissionais da arquitetura e engenharia, em eventos como os Congressos Pan-Americanos de
Arquitetos e 1º Congresso de Habitação, preocuparam-se em debater e encontrar uma “solução”
para o problema habitacional, por outro, com o passar dos anos, novos posicionamentos foram
assumidos pelos arquitetos diante do problema em questão. Em conjunto com entidades
representativas da profissão, os arquitetos passam a debater sobre a importância do
estabelecimento de uma definição precisa sobre a função social do arquiteto, especialmente no
1º Congresso Brasileiro de Arquitetos em que os congressistas saíram em defesa de que a
arquitetura devia se voltar para o atendimento da população, sobretudo aquelas com os menores
poderes aquisitivos. Como consequência, essas perspectivas passam a ser absorvidas por um
conjunto de profissionais engajados com o ensino de arquitetura no país. Nesse caso, destacou-
-se o posicionamento dos congressistas do 4º Congresso Brasileiro de Arquitetos que, entre uma
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3 O Currículo Mínimo de 1962
114

série de reflexões, salientaram a importância de serem debatidos, com prioridade e urgência,


nas escolas de arquitetura os problemas vividos pela população de baixa renda no que se referia
aos aspectos históricos, estéticos e arquitetônicos. Na visão dos congressistas, a inserção dessa
problemática no interior dos cursos iria contribuir para que a arquitetura brasileira não tendesse
a degeneração devido ao seu isolamento do povo.

Já no âmbito do ensino de arquitetura, pôde-se constatar que mesmo diante do


agravamento do problema habitacional, a ideologia no interior dos cursos de arquitetura
vinculava-se à perspectiva de que a base da formação profissional deveria ser
predominantemente artística e voltada às demandas da classe dominante. Ideologia essa que foi
inicialmente legitimada na reformulação curricular da ENBA, em 1931, e reafirmada no
currículo oficial da FNA, em 1945, que valorizou ainda mais a cadeira de “Grandes
Composições de Arquitetura”.

Com o passar dos anos, ao passo que uma base intelectual crítica em relação à produção
de habitação popular e social foi se firmando no mercado de trabalho, nas entidades
representativas da profissão e parcialmente no interior dos cursos de arquitetura, evidenciou-se
que essa base intelectual não conseguiu combater a forte resistência à inserção obrigatória dos
estudos voltados para as demandas da população de baixa renda na formação profissional dos
arquitetos e urbanistas. Já em 1962, quando é instituído o primeiro Currículo Mínimo, as
análises evidenciaram que ele foi constituído como um documento altamente prescritivo,
limitado à seleção de matérias, “neutras” e desinteressadas, que por traz de uma “aparente”
generalização, preservou uma tradição seletiva de conhecimentos que representavam a
valorização do desenvolvimento de projetos de grandes composições de arquitetura e obras de
caráter monumental, enquanto o tema da habitação popular e social firmava-se como
conhecimento secundário, volátil, oficialmente não prioritário e dependente da afinidade de
docentes com a temática a partir da prática do currículo não-oficial.
Mesmo com o referido currículo oficial em vigência, a luta por melhoria no ensino de
arquitetura e urbanismo e a busca por uma possível reformulação curricular não parou de
ocorrer. Mas, a partir de 1964, o país passa por mais transformações sociais, instaura-se a
Ditadura Militar e o ensino superior é reformado de modo a impactar na desqualificação das
universidades e a torná-lo um produto mercadológico e massificado. Diante dos fatos, o ensino
superior, posto em xeque, depara-se com novos desafios sem ter ainda conseguido superar as
lacunas deixadas na qualidade do ensino de épocas passadas, como será discutido no próximo
capítulo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
115

4 O CURRÍCULO MÍNIMO DE 1969

Este capítulo tem como objetivo analisar o segundo Currículo Mínimo dos cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo, instituído em 1969, e seus efeitos no ensino de
arquitetura e urbanismo no Brasil. Para tanto, realizou-se uma análise relacional centrada nos
principais fatos relacionados à produção habitacional, aos eventos acadêmicos e profissionais,
e ao ensino de arquitetura e urbanismo no período compreendido entre os anos e 1963 a 1976.

No que diz respeito as ações relacionadas à produção habitacional voltada para a


população de baixa renda, foram evidenciadas: a prática projetual do arquiteto Acácio Gil
Borsoi na comunidade de Cajueiro Seco em Jaboatão/Pernambuco, em 1963; a
institucionalização do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1964; as ações de arquitetos e
urbanistas na produção habitacional por parte do BNH, a exemplo de Vilanova Artigas, Paulo
Mendes da Rocha, Fábio Penteado e Elvan Silva; e a ação de Carlos Nelson Ferreira dos Santos
no projeto de urbanização da favela Brás de Pina no Rio de Janeiro, em 1967.

Na esfera dos eventos acadêmicos e profissionais, foram analisadas as posições dos


arquitetos e urbanistas frente ao problema habitacional no Seminário de Habitação e Reforma
Urbana de 1963. Em relação aos rumos do ensino de arquitetura e urbanismo, foram analisadas
as conclusões formalizadas nos seguintes eventos: 7º Congresso Brasileiro de Arquitetos em
1968; X Congresso da União Internacional de Arquitetos de 1969; 1º Encontro de Diretores de
Escolas de Arquitetura, realizado em 1973; e a reunião do Conselho da ABEA, ocorrida em
1976.

No âmbito da educação superior, especificamente, em relação ao ensino de arquitetura


e urbanismo, foram analisados: os efeitos da Reforma Universitária de 1968; a constituição do
Currículo Mínimo de 1969 e as características deste em relação à oficialização do conhecimento
sobre Habitação de Interesse Social (HIS); os efeitos da institucionalização do segundo
Currículo Mínimo; a expansão dos cursos de arquitetura e urbanismo; a formação da Comissão
de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CEAU); e as práticas do currículo não-oficial em
relação ao tema da HIS. Por fim, foi analisada a experiência pioneira do “Convênio BNH” com
alguns cursos de arquitetura e urbanismo do país.

Todos os fatos analisados neste capítulo foram sistematizados e organizados numa linha
do tempo, que permite, à primeira vista, vislumbrar os pontos de contato e coincidências entre
eles, como pode ser conferido na Imagem 4.1.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
116

Imagem 4.1 - Linha do tempo dos fatos ocorridos entre 1963 e 1976

Fonte: elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
117

4.1 O Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963: a questão habitacional


como problema de ordem urbana

Até a instituição do Currículo Mínimo de 1962, as ações do governo brasileiro em


relação à produção de habitação social estavam sendo efetivadas por meio dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs) e da Fundação da Casa Popular (FCP), cujas boas propostas
arquitetônicas por eles produzidas são frutos da investigação de um corpo técnico profissional
que contou com a participação de arquitetos e engenheiros comprometidos com os princípios
da arquitetura moderna. No entanto, essas instituições, diante do aprofundamento da crise
habitacional e urbana da década de 1960, não conseguiam dar cabo de uma ação consistente na
esfera habitacional, isto é, elas não faziam parte de uma política nacional de habitação com
“[...] fontes de recursos estáveis, estrutura institucional articulada e coerente em nível nacional
e local e vinculação entre a produção habitacional e a política urbana” (BONDUKI; KOURY,
2010, p. 1).

Além disso, deve-se pontuar que a Imagem 4.2 - Conjunto habitacional


maioria da população brasileira, aquela cujo Cruzada São Sebastião
rendimento financeiro não possibilitava acesso
aos financiamentos habitacionais concedidos
pelos citados órgãos, não recebeu atenção
necessária e devida por parte do governo
brasileiro. O caráter higienista predominante nas
práticas governamentais submeteu a população
mais pobre – residente em áreas de favela,
mocambos, barracos, cortiços, etc. – às ações
intervencionistas, por vezes repressivas,
institucionalizadas por iniciativas como:
Comissão para Extinção de Favelas, em 1947, e
Fotos recentes tiradas por Ricardo
Serviço de Recuperação de Favelas, em 1952, Borges/Folhapress

ambas no Rio de Janeiro; Comissão de Fonte: BORBOM, 2018.

Desfavelamento da Prefeitura de Belo Horizonte, em 1955; Cruzada São Sebastião (Imagem


4.2), um conjunto habitacional construído em 1956 na área onde existia a favela da Praia do
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4 O Currículo Mínimo de 1969
118

Pinto no bairro do Leblon, Rio de Janeiro; e Serviço Social contra o Mocambo, em 1956, em
Pernambuco (FINEP/GAP, 1985).

Diante dessa conjuntura, apresentava-se como necessário o desenvolvimento de uma


política habitacional e urbana consistente. Foi nesse momento que os arquitetos e urbanistas
envolvidos politicamente com os problemas habitacionais do país assumiram a liderança do
debate em torno da constituição de uma efetiva política habitacional associada à questão urbana,
contribuindo assim, para as Reformas de Base do Governo João Goulart. Segundo Bonduki e
Koury (2010), o início dos anos de 1960 representou, pela primeira vez na história da política
habitacional do país, a inserção da reforma urbana como elemento indispensável para o
enfrentamento da intensa crise de morada.

Foi em 1963, com a realização do Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU)72


– promovido pelo IAB e pelo Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado
(IPASE), ocorrido no Hotel Quitandinha em Petrópolis/RJ e na sede do IAB em São Paulo –
que os arquitetos e urbanistas, em conjunto com profissionais de distintas áreas do
conhecimento73 e líderes estudantis, debateram e estudaram a crise brasileira de habitação em
quatro grupos temáticos:

Grupo I – A situação habitacional do país;


Grupo II – A habitação e o aglomerado urbano;
Grupo III – Reforma Urbana - Medidas para o estabelecimento de uma política de
planejamento urbano e de habitação;
Grupo IV – A execução dos programas de planejamento urbano e de habitação
(ARQUITETURA, 1963, p. 17).

Nesse evento, cujas propostas formuladas foram publicadas na edição nº 15 da Revista


Arquitetura (Anexo 1), é possível notar uma mudança de postura dos arquitetos e urbanistas
frente ao problema habitacional. Ao contrário das posições adotadas no Congresso Pan-
-Americano de Arquitetos de 1930 e no 1º Congresso de Habitação de 1931, esses profissionais,
no lugar de analisarem o problema da moradia pelo viés técnico-construtivo-projetual, a base
de condutas higienistas e moralizantes, adotaram um viés predominantemente sociopolítico.
Percebe-se ainda nas propostas formuladas, que os profissionais envolvidos no SHRU
encararam a questão da habitação como um problema de ordem urbana, com propostas que

72
O Seminário de Habitação e Reforma Urbana foi o primeiro evento profissional organizado pelo IAB a
estabelecer uma relação de proximidade entre os arquitetos e o governo brasileiro.
73
Participaram também do SHRU: sociólogos, engenheiros, economistas, advogados, assistentes sociais, médicos,
líderes sindicais, além de representantes de órgãos estaduais de planejamento e de empresas industriais de
economia mista (ARQUITETURA, 1963).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
119

defendiam a democratização do acesso à moradia e o reconhecimento de uma justiça social ao


evidenciarem uma preocupação com as necessidades e demandas da população de baixa renda
residente nas denominadas “sub-habitações”, ou seja, “favelas, cortiços, mocambos, malocas,
barracos” (ARQUITETURA, 1963, p. 19).
O documento final do SHRU foi estruturado em três partes, sendo uma referente às
considerações gerais, outra com as principais afirmações frente ao problema habitacional e
urbano, e, por último, as propostas74 para a efetivação da Política Nacional de Habitação e
Reforma Urbana. Não se pretende neste trabalho detalhar o extenso discurso e as proposições
constantes no documento final do SHRU, mas não se pode deixar de pontuar algumas
importantes colocações.

De modo geral, os profissionais envolvidos no referido evento destacaram que até


aquele ano, o problema habitacional do país se vinculava às desproporções de oferta de moradia
entre a população de baixa renda e as classes economicamente mais favorecidas, privilegiadas
na produção habitacional efetivada pelos IAPs e a FCP. Logo, diante da constatação de que a
iniciativa privada não possuía a devida capacidade de obter recursos e investimentos para
produzir, satisfatoriamente, moradias de interesse social, afirmaram ser urgente e necessário
que o Estado assumisse a responsabilidade do problema habitacional ao constituir uma política
que ultrapassasse o caráter paternalista e assistencialista corporificada na oferta da casa. Para
tanto, recomendaram que todo plano habitacional devia considerar:

a) a capacidade de amortização ou pagamento das diversas camadas da população;


b) o estabelecimento de tipos e dimensões de moradias adequadas à realidade regional,
econômica e demográfica;
c) as relações entre moradia, trabalho e os serviços e equipamentos urbanos;
d) o custo dos serviços e equipamentos urbanos (ARQUITETURA, 1963, p. 20).

Além disso, uma atenção especial foi dada à situação vivida pela população que não
possuía nenhum tipo de rendimento financeiro, no sentido de ser recomendada a inclusão nos
planos habitacionais de “medidas de emergência destinadas à imediata melhoria das condições
de sub-habitação [...], inclusive estimulando o esforço próprio, a ajuda mútua e o
desenvolvimento comunitário” (ARQUITETURA, 1963, p. 20). Por fim, foi afirmada a defesa
da criação de um Órgão Central Federal que se encarregasse da questão habitacional e urbana,

74
Esta última parte foi subdividida em: I) do órgão executor da política habitacional e urbana; II) da desapropriação
para fins habitacionais e de planejamento territorial; III) prioridades de atendimento e normas de controle; IV)
plano nacional territorial; V) plano nacional habitacional; VI) aquisição de imóvel locado (ARQUITETURA,
1963, p. 20-23).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
120

com autonomia financeira e autoridade para administrar e gerenciar as ações correspondentes.


Como resultado efetivo das conclusões formalizadas no SHRU, foi elaborado, ainda em 1963,
um Projeto de Lei de Reforma Urbana (Imagem 4.3) de autoria do Deputado Floriceno Paixão,
que objetivou estabelecer o Plano Nacional de Habitação, a criação do Conselho Nacional de
Habitação (CNH) e a instituição do Fundo Nacional de Habitação (FNH). Porém, essa proposta
não vigorou como desejado, devido ao Golpe Militar de 1964.

Imagem 4.3 - Projeto de Lei nº 87, de 3 de abril de 1963, protocolado na Câmara dos
Deputados

Fonte: BRASIL, 1963, p. 3.

4.2 A produção habitacional na Ditadura Militar

Até 1964, segundo Ruth Verde Zein (1983, p. 76), entre a maioria dos arquitetos havia
a convicção de que no país “[...] estava se abrindo um campo de trabalho que definiria o papel
cultural do arquiteto: sua inserção no planejamento global e no planejamento urbano” das
cidades. Somava-se a essa perspectiva a crença de que os benefícios em relação ao combate à
crescente demanda habitacional, sobretudo destinada à população mais pobre, seriam
promissores, mas, infelizmente, a criação do Órgão Central Federal, defendido pelos arquitetos
e urbanistas participantes do Seminário de Habitação e Reforma Urbana em 1963, materializado
na institucionalização do Banco Nacional de Habitação75, foi efetivado num período de ditadura

75
Desde 1954 o IAB tem desempenhado importante papel na luta pelo estabelecimento de uma Política Nacional
de Habitação justa e democrática. Após a criação do BNH, o IAB intensificou seus posicionamentos críticos sobre
a política vigente e sobre o funcionamento do Banco. Essa atitude acabou sendo considerada pelos militares como
sendo inadequada e passível de repressão (SERRAN, 1976). Mas, mesmo assim, o IAB não parou de se envolver
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
121

que, num primeiro momento, alijou “[...] os arquitetos das esferas de decisão política” (ZEIN,
1983, p. 77), exatamente na fase do estabelecimento das bases da política habitacional, e,
posteriormente, recrutaram esses profissionais para viabilizar linhas de atuação pré-
estabelecidas “[...] numa estrutura autoritária e centralizadora”, em cargos de direção, apoio
técnico, no desenho de equipamentos e serviços urbanos (Op. cit, p. 77).

Manutenção conservadora das ações públicas, repressão, perseguição, torturas, exílio e


mortes aos opositores do governo brasileiro, são alguns dos fatos ocorridos no período da
Ditadura Militar efetivada no país entre os anos de 1964 até 1985. Período esse marcado pela
imposição de ideias e concepções políticas que agiam em todas as esferas da vida pública. É
nesse cenário que o Plano Nacional de Habitação76 é efetivado, tornando possível a manutenção
de linhas de créditos permanentes, a estruturação do setor da construção civil e a construção em
massa de novos empreendimentos, comumente localizados nas franjas urbanas.

A fase mais crítica de atuação do BNH ocorre no período entre 1967 a 1971, quando ele
se torna um banco de primeira linha e intensifica os financiamentos habitacionais. Nessa fase,
o banco passou a facilitar linhas de crédito para investimentos, sobretudo direcionados ao
trabalhador formal de média e alta renda, que o levou a enfrentar problemas decorrentes do
crescimento dos saldos devedores. Por não ter se preocupado com a qualidade dos
empreendimentos, o BNH teve que lidar com o abandono dos imóveis e atraso dos
financiamentos por parte dos beneficiários, motivados tanto por conta da contínua correção
monetária quanto “[...] em protesto contra a inexistência de condições mínimas de
infraestrutura” (AZEVEDO; ANDRADE, 2011, p. 62-63).

Toda essa conjuntura, alinhada ao incremento de favelas, loteamentos clandestinos e


invasões por parte da população excluída dos investimentos, tornou evidentes duas correntes
distintas de ação dos arquitetos engajados com a causa da produção de habitações de interesse

com as questões relacionadas ao problema habitacional. Foi a partir da participação e realização de uma série de
eventos que o IAB manifestou suas críticas sobre o problema habitacional do país, a exemplo: (1) no ano de 1966,
o IAB realiza o I Encontro Nacional de Arquitetos Planejadores (Curitiba), Mesa Redonda sobre Política
Habitacional (Rio de Janeiro), VI Congresso Brasileiro de Arquitetos (Salvador); (2) em 1967 o IAB realizou o
VII Congresso Brasileiro de Arquitetos (Belo Horizonte); (3) em 1969, realizou o VIII Congresso Brasileiro de
Arquitetos (Porto Alegre) e participou do X Congresso da União Internacional de Arquitetos (Buenos Aires); (4)
em 1971 o Instituto fez parte do plenário do III Congresso Interamericano de Habitação (Rio de Janeiro); (5) em
1975, ao ser requisitado pelo BNH, o IAB posicionou-se criticamente sobre a política habitacional brasileira no V
Congresso Interamericano de Habitação (Lima).
76
A efetivação do Plano Nacional de Habitação não correspondeu às expectativas dos arquitetos e urbanistas
envolvidos no SHRU, que defenderam a constituição de uma política com participação popular, apoio à aquisição
de imóveis usados e incentivo à autoprodução habitacional por meio de oferta de crédito em materiais de
construção para as famílias com menores rendimentos financeiros.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
122

social perante as experiências malsucedidas do BNH. Havia aqueles que atuavam vinculados
às instâncias estatais ou por meio de contratação direta com construtoras, visando à
concretização de empreendimentos com qualidade arquitetônica e adequada infraestrutura
urbana, e os que defendiam tanto a valorização da prática popular como base para a produção
da habitação, como o desenvolvimento de propostas habitacionais a partir da aceitação das
formas espontâneas de moradia.

Entre os arquitetos que se aproximavam da primeira corrente de ação citada pode-se


destacar a participação de Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Fábio Penteado e Elvan
Silva. Vilanova Artigas (docente da FAUUSP), Paulo Mendes da Rocha e Fábio Penteado são
responsáveis pelo projeto do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado em
Guarulhos/SP que data de 196777 (Imagens 4.4 e 4.5). Esse projeto, segundo Bastos e Zein
(2010), é considerado uma das obras mais emblemáticas dos anos de 1960.

Imagem 4.4 - Vista aérea da maquete do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado

Fonte: ACROPÓLE, 1970, p. 32.

77
Segundo Sanvitto (2010) o projeto arquitetônico foi desenvolvido com a colaboração do Escritório Técnico do
CECAP e dos arquitetos Arnaldo Antonio Martino, Geraldo Vespaziano Puntoni, Maria Giselda Cardoso Visconti,
Renato Nunes e Ruy Gama.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
123

Imagem 4.5 - Fachada e Escada do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado

Fonte: SANVITTO, 2010, p. 310-311.

O projeto é conformado por edifícios cujo volume é obtido pela justaposição de cinco
conjuntos de quatro apartamentos por andar em forma de “H” e unidades habitacionais com
64m² (Imagem 4.6). Diferencia-se de outros exemplares por não ocupar o solo, ou seja, utiliza
três pavimentos sobre pilotis. Internamente, as unidades habitacionais são espacializadas por
sete cômodos, sendo eles: três dormitórios, sala, cozinha, um banheiro e área de serviço.

Imagem 4.6 - Planta Baixa do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado

1º Conjunto 2º Conjunto 3º Conjunto 4º Conjunto 5º Conjunto

Área do terreno: 180 hectares / Número de unidades habitacionais (UH): 10.560 apartamentos
Densidade: 58,67 UH/hectares / Área das UH: 64,00 m² (unidade-tipo com 3 dormitórios)

Fonte: adaptado de BASTOS; ZEIN, 2010, p. 172.

Além do projeto supracitado, destaca-se também, o Conjunto Habitacional Felizardo


Furtado em Porto Alegre/RS (Imagem 4.7), que foi construído com recursos do Instituto de
Orientação às Cooperativas Habitacionais (INOCOOP-RS/BNH) e idealizado pelo arquiteto e
professor Elvan Silva, em 1974. Formalmente, o edifício se apresenta como um volume tipo
“caixão”, constituído por oito barras lineares iguais com dez pavimentos tipo e sem pilotis. O
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124

empreendimento foi projetado para abrigar 944 famílias em apartamentos que variavam de
48m² a 77,13m².

Imagem 4.7 - Conjunto Habitacional Felizardo Furtado


Área do terreno:
3,15 hectares;
Área construída:
62.103,00m²;
Nº de unidades habitacionais
(UH): 944 apartamentos;
Densidade:
299,68 UH/hectare;
Tipologia e área das UH:
apartamentos de 1 dormitório
com 48,00 m²; apartamentos
de 2 dormitórios com 63,44 e
64,00m²; apartamentos de 3
dormitórios com 77,13m²

Fonte: SANVITTO, 2010, p. 389.

Além dos exemplos citados, Maria Luiza Adams Sanvitto (2010), ao resgatar em sua
tese de doutorado a produção arquitetônica do BNH, evidenciou a pluralidade plástica e espacial
nos projetos de outros arquitetos, tais como: Conjunto Jardim América, construído entre os anos
de 1972-1974, um projeto de Clóvis Ilgenfritz da Silva e Ignez d´Ávila Pinto (Imagem 4.8);
Conjunto Residencial Praia Guarujá, de 1973, localizado na Praia do Tombo, Guarujá, SP e
projetado pelos arquitetos Massimo Fiocchi, Giancarlo Reanda, Carlos Augusto Mattei Faggin,
Narciso José Rodrigues Martins (Imagem 4.9), um dos projetos mais inusitados para a época
por conta de seu formato cilíndrico; e o Conjunto Habitacional Padre Manoel da Nóbrega, na
Vila Padre Manoel da Nóbrega em Campinas/SP, projetado em 1974 pelos arquitetos Joaquim
e Liliana Guedes (Imagem 4.10).

Imagem 4.8 - Planta Baixa e Fachada do Conjunto Jardim América – Porto Alegre

Promoção: Cooperativa Habitacional dos Municipários de Porto Alegre/INOCOOP/BNH/ Área do terreno: 8 hectares/ Área
construída: 55.352,62m²/ Número de unidades habitacionais (UH): divergência entre 952 apartamentos/ Densidade: entre 119
e 121,5 UH/hectare/ área das unidades habitacionais: 43,09m² com 1 dormitório/ 53,26m² com 2 dormitórios/ 64,76m² e
81,92m² com 3 dormitórios
Fonte: SANVITTO, 2010, p. 272; 381.
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Imagem 4.9 - Planta Baixa e Fachada do Residencial Praia Guarujá

Promoção: Companhia de Crédito Imobiliário/ Área do terreno: 0,64 hectares/ Área construída: 8.200,00m²/ Número de
unidades habitacionais (UH): 99 apartamentos/ Densidade: 154,69 UH/Hectare/ Área das unidades habitacionais: 65,00m² com
2 dormitórios
Fonte: SANVITTO, 2010, p. 269; 361.

Imagem 4.10 - Fachada e Planta Baixa do Conjunto Habitacional Padre Manoel da Nóbrega

Promoção: COHAB / Área do terreno: 6 hectares/ Número de unidades habitacionais (UH): 672 apartamentos/ Densidade: 112
UH/hectare/ Área das unidades habitacionais: 40m² com 2 dormitórios
Fonte: SANVITTO, 2010, p. 369; 371.

A outra corrente de atuação dos arquitetos frente ao problema habitacional vivido pela
população mais pobre, emerge de uma postura crítica contra a ideia de construção de conjuntos
habitacionais por compreenderem que esse sistema não era acessível a essa população em
decorrência das incapacidades de cumprimento, por exemplo, dos custos com o financiamento
habitacional e condomínio.

A ação desse grupo de arquitetos assemelhava-se com as investigações do arquiteto e


urbanista John Turner que, em 1968, trabalhando como professor do Massachussets Institute of
Technology, publica na revista Architectural Design o artigo intitulado “Squatter Settlement:
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4 O Currículo Mínimo de 1969
126

an architecture that works”, no qual, além de defender a produção de moradias populares a


partir da autoconstrução, vai se posicionar favorável à construção de uma habitação mais
humilde, com qualidade e “[...] compatível com as possibilidades da família” do que encaixar
a população mais pobre num “[...] apartamento maior e com melhor infraestrutura, [...] que
pressiona as economias familiares no pagamento de prestações ou aluguel” (EKERMAN, 2018,
p. 33). Para Sergio Kopinski Ekerman (2018, p. 29), o referido arquiteto:

Pode ser, portanto, considerado como um dos pioneiros na defesa de questões ainda
hoje relevantes e controversas quando o assunto em pauta é a precariedade e a falta
da habitação nas cidades do mundo subdesenvolvido, permanecendo como referência
fundamental nos debates conexos e para trabalhos [...] que procuram situar e
compreender programas executados em áreas de urbanização precária.

Logo, destacam-se como figuras importantes entre os arquitetos e urbanistas brasileiros


inseridos nesse segundo grupo de ação, Acácio Gil Borsoi e Carlos Nelson Ferreira dos Santos.
O arquiteto e docente da Universidade Federal de Pernambuco, Acácio Gil Borsoi (1924-2009),
um ano antes do Golpe Militar de 1964, por iniciativa do Serviço Social contra o Mocambo,
desenvolveu um projeto para a construção de casas populares na Comunidade de Cajueiro Seco,
em Jaboatão, no Estado de Pernambuco, destinadas às famílias pobres expulsas de um terreno
invadido pertencente ao exército brasileiro (BIERRENBACH, 2008).

Nesse projeto, o arquiteto buscou articular um sistema de pré-fabricação de casas a partir


de uma técnica construtiva que se adaptava ao contexto local, a taipa (Imagem 4.11). A ideia
base era possibilitar às famílias a oportunidade de elas montarem as casas conforme suas
necessidades, sem a perda da qualidade e “[...] sem violentar as características culturais e
cotidianas da comunidade favelada” (SEGAWA, 2010, p. 182). Conforme Borsoi:

Por meio de uma folha de papel quadriculado no módulo dos painéis, qualquer cidadão
poderia estruturar sua casa (plantas e elevações), adquirir os painéis e as demais peças
– cordel, arame, prego, executando ligações entre eles. Portas e janelas seriam
executadas dentro dos mesmos padrões (BORSOI, 1984, p. 51 apud
BIERRENBACH, 2008, p. 50).

No entanto, após os militares assumirem o governo do país, a experiência de Borsoi foi


interrompida. Sobre isso o arquiteto afirmou: “na época o projeto provocou uma revolução e se
tornou uma comunidade padrão. [...] Havia uma grande integração e solidariedade entre os
habitantes. Com o golpe militar tudo foi destruído e fui preso como um criminoso” (apud
BIERRENBACH, 2008, p. 53). Segundo Ana Carolina de S. Bierrenbach (2008), o projeto
desenvolvido por Borsoi, anos mais tarde, inspirou a arquiteta Lina Bo Bardi no projeto
desenvolvido para um conjunto de casas populares na Comunidade de Camurupim no
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município de Propriá, Estado de Sergipe, entre os anos de 1975-1976, em plena Ditadura


Militar.

Imagem 4.11 - Esquema de Montagem das casas projetadas por Acácio Gil Borsoi

Fonte: BIERRENBACH, 2008, p. 51.

No caso do docente e arquiteto Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1943-1989), suas
posições e experiências foram as que mais repercutiram nacionalmente. Em 1967, o escritório
Quadra Arquitetos Associados Ltda, composto pelos arquitetos Carlos Nelson F. dos Santos e
Rogério Aroeira Neves e pelas arquitetas Sylvia Lavenère Wanderley e Sueli de Azevedo, é
contratado pelo governo do antigo Estado da Guanabara no Rio de Janeiro (através da
Companhia de Desenvolvimento de Comunidades – CODESCO), para assessorar e executar
planos urbanísticos e habitacionais de três favelas cariocas, Brás de Pina, Morro Azul e
Catumbi.

Segundo Valladares (1982), o projeto de urbanização da favela Brás de Pina, o primeiro


a ser desenvolvido pelo Quadra, é o caso mais pesquisado no meio acadêmico e profissional
quando o assunto se trata de alternativas de intervenção governamental. Esse projeto se tornou
emblemático justamente por, numa época em que a palavra de ordem era a de remoção, seus
idealizadores ofereceram à população “[...] a possibilidade de permanecer na área, bem como a
de tomar um empréstimo junto à Cohab [Companhia de Habitação] para compra de material de
construção” (VALLADARES, 1982, p. 35). Além disso, o projeto visava ainda implementar
serviços básicos e reestruturar o espaço interno da favela.

Um dos pontos curiosos do projeto Brás de Pina foi o fato de os moradores serem os
protagonistas na elaboração e execução dos projetos arquitetônicos (Imagem 4.12). Nesse
processo, Carlos Nelson F. dos Santos e seus sócios, respeitando os projetos desenvolvidos
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pelos moradores, atuaram como consultores, sugerindo, a partir da visão técnica, alternativas
possíveis para tornar a casa mais funcional e confortável. Ao relatar o início dos trabalhos no
Brás de Pina, Carlos Nelson afirmou que:

Como urbanista nunca tive melhor experiência profissional do que a esse tempo em
que trabalhamos tão diretamente com os nossos “clientes”. Ainda que parecesse
lógico o contrário, é muito raro que urbanistas tenham contato face a face com as
pessoas para quem fazem planos. Vivíamos com o escritório cheio de favelados que
invadiam para ver o que fazíamos e ficavam para discussões que varavam a
noite. Era emocionante ir recebendo aqueles pedaços dos mais diversos papéis e
ir vendo um trabalho que surgia aos poucos (SANTOS, 1981, p. 45, grifo nosso).

Imagem 4.12 - Planta Baixa de uma habitação para o projeto Brás de Pina

Croqui de um morador – fachada e planta baixa (esquerda) – e planta adaptada da CODESCO (direita).

Fonte: SANTOS, 1981, p. 68-69.

Dois anos depois da experiência do Brás de Pina, em 1969, Carlos Nelson, em conjunto
com Adina Mera, Ana Maria Sobral, João Vicente Amaral Mello, Marcos Meyrhofer Rissin e
Silvia Lavanere Wanderley, apresentaram no X Congresso Internacional da União Internacional
de Arquitetos (UIA) um trabalho, intitulado “A participação do arquiteto nos programas de
interesse social”, que trazia uma nova perspectiva para o enfrentamento do problema
habitacional com foco na moradia espontânea e na realidade social da população residente em
favelas. As reflexões construídas pelo grupo partiram de três questionamentos:

a. Em que medida a incorporação de soluções individuais e espontâneas de moradia


– tais como as encontramos nas favelas e que achamos muitas vezes válidas – e
sua tradução na linguagem própria dos arquitetos, poderia contribuir para a
realização de transcendência social?
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b. Como as potencialidades do favelado, considerando a existência de uma


mobilidade social de velocidade diferente nas nossas diversas situações culturais,
poderiam ser canalizadas para contribuir para a solução dos problemas de moradia
das populações de baixa renda?
c. Estamos preparados, os arquitetos de países subdesenvolvidos, para encarar estes
aspectos especiais da nossa realidade para os quais nossa participação é solicitada?
(SANTOS et al. 1969, p. 128-129).

Os questionamentos citados apontam para um problema recorrente no universo


profissional da arquitetura daquele período, nesse caso, a possível falta de preparação dos
arquitetos em lidar com a realidade da favela e de sua linguagem própria no modo de produzir
a moradia. Numa época de Ditadura Militar, na qual o caráter higienista ainda imperava nas
instâncias estatais, a abordagem inédita de Carlos Nelson F. dos Santos e seus colegas acabou
se convertendo em um marco de transformação no modo de enfrentar o problema da HIS,
passando, paulatinamente, a ser encarada pelos arquitetos e urbanistas como um problema de
caráter político-ideológico (SEGAWA, 2010), já sinalizado no SHRU.

No X Congresso Internacional da UIA, Carlos Nelson F. dos Santos e seus colegas


elaboraram um conjunto de proposições que se relacionavam tanto com a contribuição que os
arquitetos poderiam oferecer aos programas habitacionais, quanto em relação à formação de
futuros arquitetos e urbanistas no atendimento das necessidades da população de baixa renda.
No que tange a contribuição dos arquitetos aos programas habitacionais, os autores destacaram
que estes deveriam se engajar na promoção de um relacionamento direto entre a cidade oficial
e a considerada clandestina, ainda negada pela categoria profissional:

No campo da habitação de interesse social, na medida em que pudermos aceitar certas


formas espontâneas de moradia como expressão válida da vontade humana – e
sobretudo como meio eficiente de satisfazê-la – talvez possamos lhes trazer a
contribuição de uma arquitetura erudita, ao invés de competir com elas num processo
despótico e destrutivo.
Neste sentido, pensamos que a maior contribuição que o arquiteto poderia dar aos
programas de habitação de interesse social seria promover seu relacionamento no todo
urbano, funcionando como ligação entre estas duas cidades contíguas e tão opostas, a
clandestina dentro da oficial.
(SANTOS et al. 1969, p. 131).

A promoção da cidade oficial e a clandestina dependeria ainda de uma mudança de


postura dos arquitetos e urbanistas, ou seja, seria necessária uma reformulação de sua visão e
sua atuação, ainda voltada predominantemente para os interesses da classe dominante
(SANTOS et al. 1969). Essa reformulação encontraria nos centros de formação profissional o
campo fértil para se efetivar. Segundo Santos et al. (1969), era nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo que os futuros arquitetos e urbanistas deveriam ser incentivados a
desenvolver a capacidade de observar e estudar diferentes realidades sociais e formas de
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4 O Currículo Mínimo de 1969
130

culturas coexistentes. Para tanto, seria necessário que os programas de estudo fossem revistos
e se adequassem à realidade da população de baixa renda, a fim de “[...] melhor equipar os
profissionais de arquitetura para ajudar a fazer dela um fator de promoção social” (SANTOS et
al. 1969, p. 132). Na visão dos autores, as cadeiras do quadro acadêmico deveriam sofrer
adaptações e certas cadeiras poderiam contribuir mais com o objetivo de formar profissionais
aptos a atuar num mercado voltado à população de baixa renda, como por exemplo:

As cadeiras de sociologia, [...], que agora fazem parte dos currículos de quase todas
as faculdades de arquitetura deverão ajudar a desenvolver no aluno a capacidade de
interpretar valores culturais peculiares a extratos [sic] sociais diferentes dos seus.
As cadeiras de teoria da arquitetura, ao relacionar os conceitos de cultura, meio e
programa com o projeto de arquitetura, deverão estudar inclusive as soluções
clandestinas de moradia.
As cadeiras de composição, não desprezarão o estudo das formas espontâneas de
organização do espaço [favelas, grotas, alagados etc.] observáveis nas diferentes áreas
urbanas.
As cadeiras de planejamento reconhecerão, no estudo das áreas urbanas, as
características de tipos e intensidade de uso e ocupação própria de aglomerados
espontâneos e sua localização em relação ao todo urbano.
(SANTOS et al. 1969, p. 132-133, grifo nosso).

Ao defender o reconhecimento das formas espontâneas de moradia pelos arquitetos e


urbanistas e a inserção de modo prioritário do tema da HIS nos currículos dos cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo, os autores evidenciaram que tanto os profissionais
formados quanto os em formação, ao se envolverem com a causa da HIS, poderiam construir
novas perspectivas sobre o urbanismo e a habitação ainda não previstos:

Ao cruzar seus conhecimentos de uma arquitetura erudita, com esta outra, espontânea,
nascida das possibilidades e disponibilidades diretas do indivíduo, objeto de ações de
interesse social, talvez ele possa criar conceitos, premissas ou teorias sobre o
urbanismo e habitação até agora não previstos entre nós (SANTOS et al. 1969, p. 135).

Anos mais tarde, Carlos Nelson F. dos Santos (1988), ao escrever o artigo “Está na hora
de ver as cidades como são de verdade” para a edição nº 113 da Revista Projeto, desenvolveu
críticas às negligências promovidas pelo BNH em relação à população mais pobre. Ao fazer
um balanço da atuação do referido banco, o arquiteto e professor comentou que “as portas” do
BNH estavam sempre fechadas para as demandas dessa população. Segundo ele, “os pobres só
puderam se apresentar sob tutela, enquadrados nos programas de Cohabs, ou “cooperativados”
à revelia. Quando se lembravam deles, era para usá-los como massa de manobra em
investigações eleitoreiras [...]” (SANTOS, 1988, p. 101).

Se a produção habitacional para a população de baixa renda não estava sendo efetivada
com a qualidade arquitetônica e urbana desejada, a ponto do BNH tornar-se exposto às críticas
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
131

e represálias por parte dos arquitetos e urbanistas e beneficiários da casa própria (AZEVEDO;
ANDRADE, 2011), a partir de 1970 a situação se complica ainda mais quando o BNH decide,
como forma de alcançar maior rentabilidade, desviar recursos dos programas habitacionais para
obras de infraestrutura (MARICATO, 1987). Como consequência, o banco passou a entregar
para as famílias com renda de até três salários mínimos, ou sem renda regular, habitações do
“tipo embrião” que deveriam ser concluídas por meio da autoconstrução (VALLADARES,
1982, p. 42)78.

Entretanto, segundo Gabriel Bolaffi e Henry Cherkezian (1985, p. 46), apesar do BNH
não ter cumprido com a construção dos milhões de habitações prometidas em bombásticas
propagandas, este “[...] parece ter sido elegido, com algum exagero e muita desinformação, o
grande bode expiatório dos males passados, presentes e futuros”. Entre uma série de
argumentos79, os autores vão evidenciar que a ínfima qualidade de boa parte das habitações
destinadas às famílias com os menores rendimentos financeiros não justificava a má fama
atribuída ao banco.

Ao passo que buscam evidenciar os exageros cometidos nas críticas ao BNH, apreende-
-se que Bolaffi e Cherkezian (1985), ao mesmo tempo, põem em questão a ausência do
desenvolvimento de uma análise crítica mais profunda sobre a produção arquitetônica, ou
melhor, sobre os projetos de arquitetura efetivados entre os anos de 1964 a 1985. Essa visão
também é compartilhada por Bastos e Zein (2010) e por Hugo Segawa (2010), ao evidenciarem
que as críticas ocorridas no período de funcionamento do BNH, centradas nos aspectos de
ordem socioeconômica, política, cultural e urbanística, acabaram deixando a arquitetura
propriamente dita em último plano. Segundo Bastos e Zein (2010, p. 164-165), a ausência de
uma análise crítica pormenorizada das soluções arquitetônicas efetivadas pelo BNH justifica-

78
Ainda conforme Valladares (1982), foi nessa fase que o BNH, visando se resguardar das críticas a que estava
exposto, desenvolveu novos programas, como: o Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada
(CURA), em 1972; Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP), em 1973; o Programa de Financiamento
de Lotes Urbanizados (PROFILURB), em 1975; e o Programa de Erradicação de Sub-habitação (PROMORAR),
em 1979.
79
Segundo os autores, em São Paulo, por exemplo, a maioria das habitações, casas, apartamentos, unidades tipo
embrião e os lotes urbanizados entregues pelo BNH apresentavam níveis de “qualidade aceitáveis” e eram servidas
por “[...] ruas asfaltadas e iluminadas, e localizados em conjuntos habitacionais dotados de toda a infra-estrutura”
(BOLAFFI; CHERKEZIAN, 1985, p. 50). Ainda segundo os autores os prejuízos ocasionados à imagem do BNH,
por conta dos exemplos mais problemáticos divulgados na mídia, foram significativos para que adjetivos
desqualificativos fossem constantemente a ele atribuídos.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
132

-se, possivelmente, “[...] por serem os anos de 1950-1970 um momento de relativa


homogeneidade estético-plástica [...], não parecendo ser necessário, pois, debater o que parecia
ser ponto comum e pacífico”.

Não se considera aqui que a abordagem da política urbana e habitacional – que exerce
influências sobre a produção de HIS – seja desinteressante e não possa ser analisada e criticada,
mas, coaduna-se com Bastos e Zein (2010, p. 163), ao afirmarem que “[...] ninguém mora em
políticas habitacionais e sim em casas e edifícios concretos, situados em bairros existentes ou
novos, inseridos em cidades reais e não em esquemas urbanos teóricos [...]”, logo, considerar a
questão da habitação como um problema basicamente, ou quase que exclusivamente,
urbanístico é reduzir consideravelmente sua abrangência. É salutar para a área da arquitetura e
urbanismo retomar a análise acerca do projeto arquitetônico como meio de estimular a busca
por novas e aperfeiçoadas soluções técnicas e estéticas, reclamadas pelas novas gerações de
arquitetos como salientado pelas autoras:

Essa revisão, de há muito necessária e periodicamente reclamada pelas novas gerações


de arquitetos, é tarefa que ainda resta ser feita com maior plenitude, mas é
indispensável para a construção de um substrato mais pertinente, para uma atuação
contemporânea mais adequada, no tema da habitação social. A ênfase quase que
exclusiva do debate da habitação social nas relações interdisciplinares e o pouco
interesse pelas questões arquitetônicas intrínsecas, não favorece essa reflexão
necessária. Mas também, por outro lado, não basta promover melhores políticas: é
indispensável que os arquitetos busquem, igualmente, pesquisar, reconhecer,
criticar e debater acertos e erros arquitetônicos e urbanísticos, em busca de
melhores arquiteturas (BASTOS; ZEIN, 2010, p. 166, grifo nosso).

Acredita-se assim, que um dos espaços mais propícios para a realização de debates,
pesquisas e análises críticas sobre os erros e acertos da produção habitacional direcionada para
a população de baixa renda, efetivada ou não pelo Governo Federal, é o ateliê de projeto de
arquitetura nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo. Contudo, conforme exposto
nas conclusões do 7º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado em Belo Horizonte, no
período de 21 a 29 de setembro de 1967, os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo,
ainda vinculados a uma estrutura curricular sem correspondência com os problemas reais da
população de baixa renda, não se demonstravam abertos o suficiente para esse tipo de debate.

O 7º CBA teve como pauta central de discussão a questão do desenvolvimento urbano


e habitacional do país, cujas conclusões apontaram para a importância dos arquitetos e
urbanistas, em nível de planejamento, desenvolverem a capacidade de interpretação crítica da
realidade socioeconômica do Brasil, de apontar soluções efetivas e denunciar os empecilhos
que comprometiam o adequado desenvolvimento urbano e habitacional (VII CONGRESSO
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4 O Currículo Mínimo de 1969
133

BRASILEIRO DE ARQUITETOS, 1967). Além disso, os congressistas evidenciaram o modo


como o governo brasileiro e a classe dominante haviam excluído os arquitetos e urbanistas das
principais decisões relacionadas aos problemas do povo brasileiro, de modo a alimentar a falsa
imagem de que a categoria servia apenas aos interesses das elites:

A classe dominante e o poder constituído, na medida em que procuram preservar suas


estruturas de domínio, relegam o arquiteto às questões de menor significado, não
o levando a participar do equacionamento e resolução dos problemas que afligem a
maioria do povo brasileiro, transmitindo mesmo a falsa imagem de que o arquiteto
serve apenas às elites (VII CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUITETOS, 1967,
p. 103, grifo nosso).

Foi ao elaborarem as conclusões sobre as questões relacionadas à produção habitacional


direcionada para a população de baixa renda, que os arquitetos e urbanistas participantes do 7º
CBA adentraram nas questões relacionadas à formação dos futuros profissionais da área. Nessas
conclusões os congressistas salientaram que os problemas urbanos e habitacionais, resultantes
da situação de subdesenvolvimento do país, exigiam respostas por parte dos arquitetos e
urbanistas brasileiros, cuja elaboração necessitava da construção de uma cultura de atuação e
formação voltada para esse fim, ou seja, para que os profissionais da arquitetura e urbanismo
pudessem responder aos desafios habitacionais da população de baixa renda era “[...]
indispensável também, a reformulação das universidades, ainda montadas em moldes arcaicos”
(VII CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUITETOS, 1967, p. 104). Ademais, os
congressistas elencaram três considerações em relação à formação profissional dos arquitetos e
urbanistas:

1 - Um dos aspectos graves das deficiências existentes na formação dos estudantes de


arquitetura decorre da total alienação das escolas e faculdades em relação aos
problemas reais com que se defronta a arquitetura brasileira, na busca de soluções
calçadas na realidade nacional;
2 - Mais particularmente destaca-se a ausência total de uma visão crítica do processo
de urbanização e das perspectivas de planejamento considerando a habitação como
seu elemento fundamental;
3 – As tentativas de superação destes problemas esbarram na estrutura anacrônica e
estática das Universidades.
(VII CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUITETOS, 1967, p. 109).

A partir das considerações expostas e do reconhecimento das dificuldades da


constituição de uma formação profissional centrada nas questões relacionadas à situação da
população de baixa renda no interior dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo do
país, os congressistas aprovaram as seguintes proposições:

1 - Que os problemas relacionados com a habitação sejam considerados como


inseridos num contexto de cidade, permitindo a análise de todos os seus aspectos,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
134

problemas e perspectivas, enquanto não forem superadas as contradições


existentes no processo de formação profissional;
2 - Que as deficiências dos profissionais arquitetos sejam superadas por cursos
de especialização e pós-graduação, promovidos pelos órgãos competentes,
garantindo-se o aproveitamento racional destes profissionais nas tarefas onde seu
rendimento seja maior e mais efetivo.
(VII CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUITETOS, 1967, p. 109, grifo nosso).

Pelo que se pode observar nas proposições formalizadas no 7º CBA, os arquitetos e


urbanistas envolvidos com o problema habitacional do país tinham noção de que no interior dos
cursos de arquitetura e urbanismo, naquele período, ainda era bem característico no país um
ensino que não priorizava a inserção do tema da HIS. Como forma de “driblar” essa cultura,
recomendaram que esse problema fosse considerado nos estudos sobre a cidade, próprio das
disciplinas da área de urbanismo. Com isso, efetivamente, pode-se interpretar que, enquanto as
contradições existentes no processo de formação profissional não fossem superadas (o que
incluía as dinâmicas adotadas nos ateliês de composição arquitetônica), era nas matérias de
“Evolução Urbana” ou “Planejamento”80 que o tema da HIS deveria ser abordado.

Não por acaso, impregnou-se no cerne dos cursos de graduação em arquitetura e


urbanismo uma postura crítica bem delimitada quando o assunto se relacionava à HIS, como
apontado por Segawa (2010), as escolas do país privilegiaram as análises políticas e
sociológicas da produção habitacional em detrimento do projeto arquitetônico
propriamente dito. Isso contribuiu para que as disciplinas da área de urbanismo se
apropriassem do debate e dos problemas em torno da produção habitacional direcionada para a
população de baixa renda. Contudo, resta saber se essa apropriação partiu de um compromisso
nacional entre os responsáveis pela institucionalização do Currículo Mínimo de 1969 ou da
iniciativa dos “professores negadores do sistema” por meio da prática do currículo não-oficial,
como será analisado no item subsequente.

Além do mais, os congressistas do 7º CBA evidenciaram que, enquanto uma cultura de


formação profissional voltada para as necessidades da maioria “minorizada” da população
brasileira não fosse constituída, as deficiências dos futuros arquitetos deveriam ser sanadas em
cursos de pós-graduação (Lato Sensu e Stricto Sensu). Esse foi um dos incentivos para a
formação de cursos de pós-graduação em planejamento urbano pelo país, a exemplo de São
Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Brasília, considerando que as disciplinas de
urbanismo dos cursos de graduação “[...] não acompanhavam as transformações que se

80
Termos instituídos no Currículo Mínimo de 1962.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
135

operavam no plano tecno-burocrático” da política habitacional vigente (SEGAWA, 2010, p.


184).

4.3 A institucionalização e características do Currículo Mínimo de 1969

Fechamento do Instituto Superior de Pesquisas para Planejamento; prisão e exílio de


professores universitários; instauração de um clima de insegurança política que afetou o
ambiente intelectual das instituições de ensino superior no país e a frustação das expectativas
em relação ao ideário modernista que havia conquistado o apreço por parte de intelectuais,
artistas e pensadores da época (SCHLEE et al. 2010; OLIVEIRA; PERPÉTUO, 2005a), são
alguns dos fatos que marcaram o sistema educacional e a área da arquitetura e urbanismo a
partir do ano de 1964, com a instauração da Ditadura Militar no Brasil.

Paulatinamente, instala-se no interior das instituições de ensino (fundamental, médio e


superior) uma crise generalizada, fruto das ações político-ideológicas instauradas no país. Em
relação ao ensino superior, o governo ditatorial decide, em 1968, dar início a uma reforma que
objetivava modernizar e expandir a oferta de vagas nas universidades, conhecida como Reforma
Universitária de 196881. Esta Reforma, institucionalizada por meio da Lei nº 5.540, de 28 de
novembro de 1968, que fixou normas de organização e funcionamento do ensino superior, além
de oportunizar a abertura de novas instituições de ensino no país, atribuiu ao Conselho Federal
de Educação (CFE), conforme o artigo 26, a função de “[...] fixar o currículo mínimo e a
duração mínima dos cursos superiores correspondentes a profissões reguladas em lei e de outros
necessários ao desenvolvimento nacional” (BRASIL, 1968, p. 4, grifo nosso). Mas, antes do
CFE fixar os novos currículos mínimos no país, em 13 de dezembro de 1968, quase um mês
depois da aprovação da Lei supracitada, o regime vigente comete o seu mais duro golpe na

81
Do ponto de vista macroestrutural, a Reforma Universitária produziu efeitos positivos na dinâmica do ensino
superior brasileiro, visto que, além de possibilitar uma autonomia econômica e didático-científica às universidades
públicas, ao menos na forma da lei, viabilizou, também, a construção de uma articulação mais aproximada entre a
atividade de ensino e pesquisa ausente em muitas universidades (MARTINS, 2009). Contudo, na prática, a crise
política e econômica instaurada nas universidades públicas dificultou a continuidade das atividades de pesquisa
em muitas áreas e as inseriu num redemoinho de problemas onde suas estruturas físicas, administrativas e
educacionais foram progressivamente estilhaçadas.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
136

democracia brasileira com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5)82. Com isso, o Congresso
Nacional é fechado e os militares passam a exercer o controle absoluto e autoritário no país.

Foi diante desse cenário que o segundo Currículo Mínimo nacional para os cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo foi imposto pelo CFE, fixado pela Resolução n° 3, de
25 de junho de 1969, com base no Parecer nº 384, de 10 de junho 1969, elaborado por uma
Comissão Especial (CE) formada por Clóvis Salgado (Coordenador), Celso Kelly (Relator e
Secretário Geral do Conselho Federal de Educação), Celso Cunha e José Borges dos Santos
(BRASIL, 1969). Destaca-se ainda que nenhum dos membros da CE possuíam formação
superior em arquitetura e urbanismo83 ou era docente de curso da área, mas, mesmo assim,
contrariando todo um corpo profissional preocupado com o aprofundamento dos debates em
torno das atribuições e conhecimentos fundamentais para a formação profissional do arquiteto
e urbanista, legitimaram suas posições sobre o referido ensino.

O Currículo Mínimo de 1969 reestruturou os componentes curriculares do Currículo


Mínimo de 1962 e detalhou as atividades e abordagens de temas considerados fundamentais
para a formação dos profissionais da arquitetura e urbanismo. Diferenciando-se de seu
antecessor, o novo Currículo Mínimo especificou com mais objetividade pontos considerados
fundamentais para o funcionamento dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo,
como: duração mínima de quatro anos e integralização mínima de 3600 horas; exigência de
estágios; recomendações sobre a realização de viagens de estudos; quantitativo mínimo de
matérias de ensino; e especificações de temas/conhecimentos considerados como sendo objeto
de estudo em programas específicos, não obrigatórios para a graduação.

A nova estrutura curricular foi organizada em dois núcleos, desdobrados em 13


matérias, sendo 6 consideradas básicas e 7 profissionais (Quadro 4.1). Além da distinção entre
matérias básicas e profissionais, pode-se perceber que o segundo Currículo Mínimo,
intencionalmente ou não, apontava a formação organizacional dos cursos de graduação em três
áreas de concentração: área de Teoria e História; Tecnologia; e Representação Gráfica e Projeto.

82
Na esfera educacional, a situação pós AI-5 se complica ainda mais com a institucionalização do Decreto-Lei nº
477, de 26 de fevereiro de 1969, que submeteu toda comunidade acadêmica a uma vigilância constante ao
estabelecer punições para professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público
ou particulares que cometesse atos de infração disciplinar.
83
Clóvis Salgado da Gama era formado em Medicina; Celso Otávio do Prado Kelly e Celso Ferreira da Cunha
eram bacharéis em Direito. Não foi identificada a formação de José Borges dos Santos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
137

Quadro 4.1 - Matérias do Currículo Mínimo de 1969


Áreas de
Matérias Básicas Matérias Profissionais
conhecimento
Estética, História das Artes e,
Teoria e Teoria da Arquitetura; Arquitetura Brasileira
especialmente da Arquitetura
História
Estudos Sociais -
Matemática Resistência dos Materiais
Materiais de construção, detalhes e técnicas de
Física
construção
Tecnologia
- Sistemas Estruturais
- Instalações
- Higiene de Habitação
Representação Desenho e outros meios de expressão Planejamento
Gráfica e
Projeto Plástica -

Fonte: elaborado pelo autor com base em BRASIL, 1969.

Comparativamente, as matérias legitimadas no Currículo Mínimo de 1969 são bem


semelhantes às matérias constantes no Currículo Mínimo de 1962, apenas algumas pontuais
mudanças foram efetivadas, no caso: uma matéria foi excluída – Legislação, Prática
Profissional e Deontologia – e outras foram fundidas. Conforme o Quadro 4.2, constata-se que:
na área de Teoria e História, todas as matérias do antigo currículo foram mantidas; na área de
Tecnologia, as duas matérias de “Materiais de Construção” e “Técnicas de Construção” foram
incorporadas numa só matéria e duas novas foram acrescentadas, ou seja, “Instalações” e
“Higiene de Habitação”; na área de Representação Gráfica e Projeto houve a substituição das
matérias de “Evolução Urbana”, “Planejamento” e “Composição Arquitetônica, de Interiores e
de Exteriores” por uma única, denominada de “Planejamento”.

Quadro 4.2 - Comparativo entre as matérias do Currículo Mínimo de 1962 e 1969


(continua)
Áreas de Matérias do Matérias do
conhecimento Currículo Mínimo de 1962 Currículo Mínimo de 1969
História da Arquitetura e da Arte Estética, História das Artes e da Arquitetura
Teoria e
Teoria da Arquitetura Teoria da Arquitetura; Arquitetura Brasileira
História
Estudos Sociais e Econômicos Estudos Sociais
Cálculo Matemática
Física Aplicada Física
Resistência dos Materiais e Estabilidade
Resistência dos Materiais
das Construções
Legislação, Prática Profissional e
-
Tecnologia Deontologia
Sistemas Estruturais Sistemas Estruturais
Materiais de Construção Materiais de construção, detalhes e técnicas de
Técnica da construção construção
- Instalações
- Higiene de Habitação
Fonte: elaborado pelo autor com base na legislação pertinente.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
138

Quadro 4.2 - Comparativo entre as matérias do Currículo Mínimo de 1962 e 1969

(conclusão)
Áreas de Matérias do Matérias do
conhecimento Currículo Mínimo de 1962 Currículo Mínimo de 1969
Geometria descritiva Desenho e outros meios de expressão
Evolução urbana
Representação
Planejamento
Gráfica e Planejamento
Projeto Composição Arquitetônica, de
Interiores e de Exteriores
Desenho e Plástica Plástica
Fonte: elaborado pelo autor com base na legislação pertinente.

Outro diferencial do Currículo Mínimo de 1969 está no fato de evidenciar quais


conhecimentos – considerados legítimos e fundamentais para a formação profissional dos
arquitetos e urbanistas – deveriam ser aplicados nas instituições de ensino do país. Nesse
sentido, é possível identificar com objetividade quais aspectos culturais e econômicos da
sociedade brasileira foram priorizados pela CE na formação dos profissionais de arquitetura e
urbanismo, e quais conhecimentos foram postos em segundo plano. Efetivamente, pela primeira
vez na história dos cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil, um currículo oficial nacional
legitimou quais grupos sociais deviam ser hegemonicamente preservados no ensino, ou seja,
pela primeira vez a tradição seletiva é expressa oficialmente. Vale salientar que essa tradição,
como bem elucidado por Apple (2006, p. 58), “[...] opera para manter uma cultura efetivamente
dominante” sobre as outras.

Das 13 matérias de ensino constantes no segundo Currículo Mínimo, apenas as matérias


de “Física” e “Resistência dos Materiais” não foram contempladas com o detalhamento dos
conhecimentos que deveriam abordar. Dentre as demais, destacam-se como relevantes para o
objetivo desta tese os detalhamentos realizados pela CE nas matérias de “Estudos Sociais”,
“Higiene da Habitação” e “Planejamento”.

Para a matéria de Estudos Sociais, a CE determinou que esta deveria versar sobre a
“análise do desenvolvimento brasileiro e os problemas econômicos, sociais e políticos
relacionados com a arquitetura e urbanismo” (BRASIL, 1969, p. 3, grifo nosso). Ao fazer
um paralelo com a conjuntura política instaurada no país, considera-se que, apesar da
“aparente” liberdade de expressão e da autonomia atribuída às instituições de ensino superior
por meio da Reforma Universitária de 1968, as análises referenciadas, na prática, foram
efetivadas à base do controle político ditatorial. Para elucidar melhor esse cenário, Silvia Ficher
(2014, p. 2), ao tecer comentários sobre a arquitetura brasileira naquele período, evidenciou que
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
139

toda e qualquer forma de abordagem política manifestada no universo da arquitetura associada


à produção da arquitetura moderna, era entendida pelos militares como sendo uma manifestação
comunista e, portanto, deveria ser coibida. A autora salientou ainda que, naquele período, “[...]
criticar o modernismo [pelo viés econômico, social e político] passou a ser [um ato] de direita,
era fazer o jogo da ditadura”. Assim, interpreta-se que, em meio ao clima repressivo instaurado,
muito provavelmente, na matéria de Estudos Sociais, análises benéficas sobre a produção das
habitações sociais produzidas pelos IAPs ou FCP não eram desenvolvidas, bem como, críticas
negativas ao sistema de funcionamento do BNH, por exemplo, não eram tecidas.

No caso da matéria de Higiene da Habitação, ela se apresentava como uma matéria


técnica voltada para o estudo do conforto ambiental das edificações e das questões de
insalubridade – principal problema dos cortiços, mocambos e habitações em regiões de favela
diagnosticado pelas intervenções sanitárias do governo brasileiro, desde a década de 1930.
Entretanto, nenhuma menção à questão das habitações direcionadas à população de baixa renda
foi feita nesta matéria. Segundo a CE, a citada matéria deveria apenas se utilizar da “[...] física
e de outras ciências para a solução de problemas como os de insolação, ventilação, iluminação
natural, umidade, isolamento acústico, conforto térmico e outros” (BRASIL, 1969, p. 3).

Entre as alterações efetivadas na grade de matérias do segundo Currículo Mínimo,


quando comparadas ao de 1962, considera-se que a mais expressiva ocorreu com a matéria de
Planejamento. Se, até 1962, havia o entendimento de que as atividades relacionadas ao projeto
de arquitetura e ao planejamento urbano constituíam-se em atividades distintas, com o segundo
Currículo Mínimo todas essas atividades passam a ser entendidas como únicas, ou melhor,
como atividades de planejamento.

A adoção do termo “Planejamento” e a supressão do termo “Composição de


Arquitetura” de 1962 não foi justificada no segundo Currículo Mínimo. A CE evidenciou
apenas que a matéria de “Planejamento” constituir-se-ia numa “atividade criativa aplicada, quer
quanto à Arquitetura das Habitações e Edifícios em geral, quer quanto a Projetos de Objetos
(Arquitetura Interior), quer quanto às cidades e regiões (Planejamento Urbano e Regional)”
(BRASIL, 1969, p. 3, grifo nosso), isto é, caso as instituições de ensino não promovessem o
desmembramento desta matéria em disciplinas, possivelmente tais conteúdos não seriam
ministrados com a profundidade necessária.

Segundo Elvan Silva (1998 apud SANTOS, 2002, p. 129), “o currículo mínimo da
Resolução 03/69 era incompleto e imperfeito, pois omitia, por exemplo, a referência explícita
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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à temática urbanística, utilizava expressões obsoletas como ‘Higiene da Habitação’ ou


imprecisas como ‘Planejamento Arquitetônico’”. Em relação à temática urbanística, o
Currículo Mínimo de 1969 evidenciou com objetividade que os estudos deveriam prosseguir
em cursos de pós-graduação:

A organização de currículo pleno atribuirá as áreas didáticas de cada professor,


admitindo o desdobramento das matérias do currículo mínimo, bem como os
acréscimos que a escola julgar necessários. Os estudos de urbanismo prosseguirão
em cursos de pós-graduação (BRASIL, 1969, p. 3, grifo nosso).

Ao analisar o conteúdo da matéria de Planejamento, sugerida no segundo Currículo


Mínimo, observa-se que o termo “Habitação” e “Edifício” foram apresentados de modo
generalizado, sem delimitações precisas de tipos e padrões. É como se os membros da CE se
portassem politicamente “neutros” em relação aos distintos projetos habitacionais construídos
para os diferentes padrões econômicos. No entanto, apesar da aparente generalização desses
termos, os membros da CE, ao elaborarem o Parecer nº 384/1969, tiveram o cuidado de chamar
a atenção para um tipo específico de habitação, no caso, a “habitação popular”, mais
precisamente, no termo oficializado no currículo, “residências populares”. Foi ao explanar
sobre esse tema que os membros da referida comissão legitimaram suas visões quanto aos
grupos que deveriam ser priorizados na formação dos profissionais de arquitetura e urbanismo,
ou seja, a classe média e alta da sociedade brasileira.

Os membros da CE expressaram no Currículo Mínimo de 1969 que, além da existência


das teorias gerais do conhecimento da arquitetura e urbanismo, a civilização apresentava
programas específicos que ansiavam por novos projetos. Entre esses programas específicos,
dentro de um conjunto de projetos, as “residências populares” foram inseridas. Para todos esses
projetos específicos a CE recomendou que eles fossem ministrados pelas instituições de ensino,
caso houvesse demanda por parte dos alunos e se estas disponibilizassem de recursos suficientes
para tal ensinamento:

Programas específicos objetivarão problemas de maior interesse social: escolas e


hospitais, estádios e teatros, clubes e parques recreativos, residências populares,
subúrbios, cidades industriais e cidades satélites, e outros reclamados pela
comunidade e pelo desenvolvimento, atendendo-se às preferências dos alunos e às
possibilidades das escolas (BRASIL, 1969, p. 1, grifo nosso).

Além disso, mesmo a CE reconhecendo que esses projetos integravam o campo de


atividade do arquiteto e urbanista, consideravam que seus conhecimentos seriam mais
apropriados para cursos de especialização desenvolvidos em seguimento ao curso de graduação
(BRASIL, 1969). Estabelecendo uma ponte com o que Segawa (2010) comentou sobre o fato
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
141

de as disciplinas de urbanismo – oficialmente consideradas como “planejamento” –, terem, no


período da Ditadura Militar, se apropriado do debate acerca do problema habitacional vivido
pela população de baixa renda a partir de uma perspectiva político-ideológica, constata-se, com
base na análise do segundo Currículo Mínimo e das posturas impostas pelos membros da CE,
que essa apropriação, provavelmente, deve ter ocorrido por meio do currículo não-oficial,
vinculado à ação de “professores negadores do sistema”, em consonância com as conclusões
do 7º CBA.

Diante da posição expressa pelos membros da CE, evidencia-se a pouca importância


dada ao tema da HIS como primordial para a formação superior dos arquitetos e urbanistas. O
que a CE estava legitimando em sua proposição era a não utilidade do conhecimento sobre
“residências populares” para o sistema econômico, transparecendo, assim, que o conhecimento
útil deveria estar a serviço dos grupos dominantes. Nesse sentido, coaduna-se com Apple
quando afirma que:

Ao definir o conhecimento de certos grupos como legítimo para a produção e


distribuição enquanto o conhecimento e tradições de outros grupos são considerados
impróprios como conhecimento escolar, as escolas contribuem não apenas para a
produção de conhecimentos técnico/administrativo útil, mas para a reprodução da
cultura e das formas ideológicas dos grupos dominantes (APPLE, 1989, p. 49).

Dada a importância da HIS, das posturas assumidas pelos arquitetos e urbanistas no


SHRU, no 7º CBA e no X Congresso da UIA, além da atuação desses profissionais na
elaboração dos projetos financiados pelo BNH, considera-se que tal conhecimento não deveria
depender de nenhum fator extra para sua inserção nos ateliês de planejamento como obrigatório
ou prioritário. Em se tratando de um currículo oficial nacional, atribuir uma condição para que
um determinado conhecimento possa ser inserido nos cursos superiores do país é legitimar sua
não obrigatoriedade, e, consequentemente, tornar legal sua exclusão. Entretanto, considerando
o período político vigente até a institucionalização do Currículo Mínimo de 1969, não é
incompreensível a atribuição de um valor menor de prioridade às questões relacionadas com a
população de baixa renda por parte dos membros da CE.

Outro ponto interessante no relato expresso pela CE no Parecer nº 384/1969, que emerge
como mais uma sólida desvalorização para com a habitação dos mais pobres, diz respeito à
questão das favelas, inexistente na apresentação dos conhecimentos eleitos para as matérias de
ensino, sobretudo na de Planejamento. O problema das favelas aparece no citado documento,
apenas na parte introdutória, neste caso, quando a CE apresenta seu entendimento sobre o que
é arquitetura e sua importância social. A partir de então, a Comissão Especial reconheceu que
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
142

as favelas se constituíam num dramático desafio para a arquitetura, mas, ao mesmo tempo,
afirmou que elas clamavam por soluções habitacionais inspiradas na ambientação artística:

As favelas constituem o dramático desafio à arquitetura, clamando por fórmulas que


possibilitem residências populares, não pautadas pela fatalidade dos mínimos ou
submínimos, mas inspiradas na ambientação artística que, longe do luxo e do
supérfluo, faz de qualquer sítio ou objeto alguma coisa de significação estética, o que
representa calor humano (BRASIL, 1969, p. 1).

O entendimento acerca de que as favelas aspiravam por soluções artísticas, ou melhor,


por soluções inspiradas no universo burguês (TRAMONTANO, 1993) expressa pela CE, vai
de encontro ao pensamento dos arquitetos envolvidos com as ideias de John Turner, comentado
no item 4.2 desta tese. Tendo como base a experiência de Carlos Nelson e seus sócios em Brás
de Pina, por exemplo, é possível perceber que, ao apresentarem os desenhos sobre como
deveriam ser as habitações, os moradores da favela demonstraram interesses em soluções
técnicas, funcionais e minimamente confortáveis. Não por acaso, naquela experiência, o
respeito ao desenho do morador foi priorizado. Assim, contrários ao que foi posto pela CE,
Carlos Nelson e seus colegas defendiam a ideia de que o arquiteto não deveria se posicionar
como o definidor do projeto, impondo sua visão erudita da arquitetura ao morador da favela,
mas que aceitasse suas formas espontâneas de moradia como expressão válida.

Mesmo reconhecendo que as favelas eram um desafio para a arquitetura, ao descrever


as abordagens que a matéria de Planejamento deveria transmitir aos discentes, a CE não
consegue efetivar o citado desafio como elemento fundamental na formação profissional. Para
não afirmar que isso foi um “erro” intencional, no mínimo, é possível dizer que se apresentava
como um fato incongruente, ou seja, discursivamente a realidade da população mais pobre
merecia mais atenção, porém, na prática curricular, as “residências populares” foram
consideradas como um programa específico, portanto secundário para o ensino de arquitetura e
urbanismo.

4.3.1 As consequências do pós-Currículo Mínimo de 1969

Com a universidade pública desvalorizada, em decorrência das ações políticas


praticadas no país, bem como a imposição do segundo Currículo Mínimo, o ensino de
arquitetura e urbanismo sofre algumas consequências indesejadas, dentre elas pode-se destacar:
o estabelecimento da formação de profissionais limitados a servir ao sistema produtivo de alto
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
143

padrão comandado pelas indústrias da construção civil; o surgimento desenfreado de novos


cursos de arquitetura e urbanismo, cuja qualidade e estrutura educacional é reduzida a níveis
mínimos; a elevação do número de especializações que contribuiu para uma estrutura curricular,
a nível de graduação, rígida e sem flexibilidade, dentre outras. Tais consequências evidenciaram
a pouca contribuição dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo para as questões
sociais e, sobretudo, para o problema habitacional vivido pela população de baixa renda. Em
análise sobre essa situação, Santos Junior destaca:

O distanciamento progressivo da educação escolarizada do arquiteto e urbanista


das candentes demandas sociais – com graus variados do ponto de vista teórico-
-conceitual, da atualização tecnológica e da atuação prática – acabou por tornar
rarefeita e episódica a contribuição oferecida pelas escolas às questões sociais que
contam com imediato interesse profissional, como, por exemplo, aquelas
relacionadas com a habitação ou com as intervenções na cidade (SANTOS
JUNIOR, 2001, p. 14, grifo nosso).

Se o Currículo Mínimo de 1962 não conseguiu se tornar uma ferramenta impulsora da


qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo no país a ponto de ser alvo de constantes
críticas, a partir de 1964, estas se elevaram substancialmente e atingiram proporções nunca
alcançadas (ZANETTINI, 1980). Tais críticas foram tecidas sobre vários ramos da atuação
educacional. Um deles, e talvez o mais emblemático de todos, ocorreu sobre as instituições de
ensino comandadas pela iniciativa privada a qual impulsionou a crescente proliferação de novos
cursos de arquitetura e urbanismo no país.

A responsabilidade do “boom” germinante de novos cursos de arquitetura e urbanismo


também se deve ao próprio Currículo Mínimo de 1969. A princípio, essa relação pode se
apresentar estranha, mas as prerrogativas mínimas constantes no referido currículo tornaram-se
referência para a aprovação por parte do Conselho Federal de Educação de novos cursos; como
salientou Santos Junior (2001), bastava a instituição de ensino seguir o roteiro proposto no
currículo para conseguir autorização imediata de abertura e funcionamento do curso. Esse
roteiro se convertia, na prática, na constituição de cursos em que a carga horária mínima e o
tempo mínimo de duração, neste caso, quatro anos, não fossem excedidos. Consequentemente,
disciplinas optativas que contribuíssem com o aumento de horas-aulas eram desconsideradas
da estrutura curricular, bem como, conteúdos de programas específicos (como os determinados
pelo segundo Currículo Mínimo), ou conteúdos extensos que não se enquadrassem nos limites
estabelecidos, eram excluídos.

Entre os anos de 1964 a 1985, vão surgir no país um total de 9 novos cursos de graduação
em arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais, sendo: 1 na Região Norte; 4
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
144

na Região Nordeste; 2 na Região Sul; e 2 na Região Sudeste (Quadro 4.3). Algumas delas
estruturaram seus cursos seguindo o Currículo Mínimo de 1962 e outras nascem após a
institucionalização do Currículo Mínimo de 1969. Ao todo, até o fim da Ditadura Militar, o país
já possuía um total de 16 cursos de arquitetura e urbanismo em instituições federais.

Quadro 4.3 - Relação dos cursos de arquitetura e urbanismo criados até 1985
Data início de
Região Estado Instituição de Ensino Sigla
funcionamento
Cursos criados antes de 1964
Pernambuco Universidade Federal de Pernambuco UFPE 20/06/1946
Nordeste
Bahia Universidade Federal da Bahia UFBA 04/12/1950
Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 01/03/1946
Sul
Paraná Universidade Federal do Paraná UFPR 01/01/1961
Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ 23/11/1820
Sudeste
Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais UFMG 01/03/1931
Centro-
Distrito Federal Universidade de Brasília UNB 01/03/1962
Oeste
Cursos criados entre 1964 a 1985
Norte Pará Universidade Federal do Pará UFPA 01/03/1964
Ceará Universidade Federal do Ceará UFC 01/01/1965
Rio Grande do Norte Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN 13/08/1973
Nordeste
Alagoas Universidade Federal de Alagoas UFAL 04/03/1974
Paraíba Universidade Federal da Paraíba UFPB 05/03/1975
Rio Grande do Sul Universidade Federal de Pelotas UFPEL 08/01/1972
Sul
Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina UFSC 01/03/1977
Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense UFF 08/04/1970
Sudeste
Espírito Santo Universidade Federal do Espírito Santo UFES 13/08/1979
Fonte: criado pelo autor com base nos dados do Ministério da Educação.

No caso dos cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por instituições privadas de


ensino superior, o crescimento pós-1964 foi superior às Universidades Federais (Quadro 4.4).
Conforme dados do Ministério da Educação, disponíveis no portal do e-MEC84, de 1930 a 1964
existia no país apenas 1 curso privado de graduação em arquitetura e urbanismo, neste caso,
ofertado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, criado em 1947 na cidade de São Paulo.
Entre os anos de 1964 a 1985, surgiram no país um total de 25 novos cursos privados, todos
iniciados após a institucionalização do Currículo Mínimo de 1969.

84
Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 abril de 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
145

Quadro 4.4 - Relação dos cursos de arquitetura e urbanismo criados até 1985
Categoria Período de Criação Total Total Geral
Antes de 1964 7
Cursos em Universidades Federais 16
Entre 1964 a 1985 9
Antes de 1964 1
Cursos em Instituições Privadas 26
Entre 1964 a 1985 25
Fonte: criado pelo autor com base nos dados do Ministério da Educação.

Se por um lado, a expansão universitária contribuiu para que um número maior de


pessoas passasse a ter acesso ao ensino superior como forma de ascensão social, por outro, a
qualidade desse ensino passou a se tornar foco de atenção e preocupação por parte dos que
estavam envolvidos com o sistema educacional do país. Mas, possivelmente, um dos pontos
que talvez incomodou muitos educadores tenha sido a abertura do espaço educacional para a
livre concorrência, quebrando, assim, a hegemonia dos detentores do conhecimento e das
influências arquitetônicas no país.

Todo esse contexto de expansão dos cursos de arquitetura e urbanismo motivou a


presidência do IAB solicitar ao Ministério da Educação a criação de uma Comissão de Ensino
de Arquitetura e Urbanismo85 (CEAU), efetivada em 1973 (ABEA, 1977a). Essa Comissão
tinha como missão avaliar os cursos, apontar as falhas e sugerir caminhos para a construção de
um ensino profissional de qualidade. É válido pontuar também que em novembro de 1973 foi
criada a ABEA como associação de escolas de arquitetura, que se tornaria a entidade
representativa do ensino de arquitetura e urbanismo no país.

A CEAU, ao investigar as escolas de arquitetura e urbanismo, encontrou uma série de


problemas presentes, tanto na estrutura física das instituições quanto na estrutura curricular.
Conforme apontado pela CEAU (ABEA, 1977a; ZANETTINI, 1980), as estruturas
organizacionais dos cursos privados de arquitetura e urbanismo eram, em sua maioria:
insuficientes para manter a qualidade satisfatória do ensino; não possuíam acervo e estrutura
física de bibliotecas adequadas; tinham baixa qualidade física das salas de aula e inexistência
de laboratórios próprios. Além disso, constatou-se que, com exceção dos cursos ofertados pela
UFPE, UFRGS e FAUUSP, muitos docentes não possuíam tradição universitária de ensino e

85
Segundo Ester Judite Bendjouya Gutierrez (2013, p. 26), a primeira formação da CEAU foi presidida pelo diretor
do Departamento de Assuntos Universitários do MEC, e era composta por “[...] um representante do Instituto dos
Arquitetos do Brasil, de diretores ou representantes de quatro ou cinco escolas (sendo que uma dessas escolas seria
particular) e de um representante do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU)”.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
146

pesquisa (ABEA, 1977a). De acordo com o Diagnóstico das Condições de Ensino e Pesquisa
em Arquitetura e Urbanismo no Brasil, elaborado pela CEAU:

Deve-se registrar que, como seria de supor, as instituições federais mais antigas e a
estadual são as únicas que vêm conseguindo, nos últimos anos, responder
significativamente as responsabilidades maiores do que o simples cumprimento do
currículo mínimo federal, em nível de graduação [...]. Nelas se localizam os poucos
docentes com dedicação exclusiva, os projetos de pesquisa, os meios bibliográficos
mais ricos, etc. [...] (CEAU apud ZANETTINI, 1980, p. 86).

Ainda em relação às escolas de arquitetura e urbanismo administradas pela iniciativa


privada, comumente, elas mantinham professores sem regime integral, ou seja, comprometia-
-se uma das principais atividades de uma universidade, qual seja, a realização de pesquisas. A
ausência de pesquisa no interior das escolas privadas comprometeu, também, a dinâmica das
aulas nos ateliês de planejamento. Não havia reflexão sobre a realidade construtiva e urbanística
nacional, e, consequentemente, até meados de 1970 a conduta praticada nos ateliês se
processava de modo que a transmissão de conhecimento era, única e exclusivamente, oriunda
da experiência empírica do docente (ZANETTINI, 1980). O aluno, por sua vez, mantinha-se
intelectualmente limitado aos ditames do “mestre”. Diante dessa realidade, era praticamente
impossível demonstrarem seus interesses temáticos para além do que era apresentado pelo
docente, como por exemplo, o tema da HIS. Ao comentar sobre o magistério no interior das
faculdades de arquitetura durante o período da Ditadura Militar, Miguel Pereira, afirmou que:

No atelier, então, tudo se [dava] em função do Mestre, a partir de sua obra realizada.
A metodologia, a pesquisa e o modelo são consumidos à imagem e semelhança da
obra do mestre. Tal como a Arquitetura Brasileira consagrada, a obra do mestre não
é, nem poderia ser, colocada em questão. Alie-se a isto o despreparo didático e
pedagógico de todo o magistério do ensino superior no Brasil (PEREIRA, 1984, p.
111, grifo nosso).

Para potencializar essa relação professor-aluno, a ditadura instaurada no país ainda


contribuiu para a escassez da circulação de publicações direcionadas à divulgação das obras
arquitetônicas, dificultando assim a utilização de material teórico-crítico no interior dos ateliês.
A situação foi tão agravante que todas as possibilidades de trocas de ideias entre professores,
profissionais e estudantes por meio de publicações e periódicos, foram sufocadas pelo regime86.

No que se refere à inserção do tema da HIS na matéria de Planejamento, alguns fatores


indicam que o referido tema não foi abordado com prioridade nos cursos de graduação. Em
primeiro lugar, tem-se a instauração de um clima repressivo em torno de todo e qualquer

86
Conforme Graeff (1995), revistas como Módulo (de Oscar Niemeyer), Arquitetura-AD, Habitat, Acrópole, bem
como cadernos de estudos e boletins estudantis, foram paulatinamente liquidados pelo regime de intolerância
instalado nas universidades e no país.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
147

movimento popular perpetrado pela Ditatura Militar, que impactou nas condutas pedagógicas
e educacionais nos ateliês de planejamento, a ponto de se tornar rarefeita a abordagem de temas
de maior apelo social, fato esse que foi temporariamente “sanado” com a parceria firmada entre
o BNH e algumas escolas de arquitetura e urbanismo no ano de 1974, como será comentado no
item 4.4 deste capítulo.

Outro fator que contribuiu com a rarefeita abordagem do tema da HIS em sala de aula,
foram as posturas de docentes-arquitetos na condução das dinâmicas projetuais nos ateliês com
base em suas experiências profissionais, como evidenciado por Zanettini (1980). Se o docente
não carregasse consigo um repertório projetual relacionado à produção de HIS, ou não estivesse
engajado politicamente com essa questão, muito provavelmente esse tema não seria praticado
em sala de aula. Agregado a isso, era comum, tanto entre as instituições privadas quanto
públicas, a organização do curso de arquitetura e urbanismo em disciplinas estanques,
autônomas e sem integração, o que dificultava ainda mais a abordagem de temas cuja
necessidade de interdisciplinaridade é mais acentuada, como é o caso do projeto arquitetônico
de HIS (não limitado apenas a casa, mas pensada integrada à cidade).

De modo geral, a produção arquitetônica priorizada nas instituições de ensino se


destinava aos interesses da burguesia em detrimento dos da população de baixa renda
(ZANETTINI, 1980). Ainda conforme o Diagnóstico das Condições de Ensino e Pesquisa em
Arquitetura e Urbanismo no Brasil, “a grande maioria das novas escolas limitou-se a repetir e
empobrecer os modelos [de ensino e produção arquitetônica] já existentes” (ZANETTINI,
1980, p. 71). Muitas dessas novas instituições funcionavam como empresas cujo objetivo era
obter lucro e não formar profissionais criticamente responsáveis com as crises urbanas e
habitacionais das cidades brasileiras.

No livro “O ensino de projeto na área de edificações”, publicado no ano de 1980,


Siegbert Zanettini analisou como se procedia o ensino de arquitetura e urbanismo em sete
escolas de São Paulo e constatou que em muitos casos o ensino se processava de modo
superficial, quando não, muito abstrato, potencializando assim a perda de consistência na
formação profissional. Entre esses casos, o autor destacou: a disciplina de “Resistência dos
Materiais”, cujo ensino era bastante abstrato e restringia-se a explanar apenas o concreto; a
disciplina de “Sistemas Estruturais”, na qual os alunos não mantinham contato com o objeto
edificado; e as disciplinas na área de história, que se desenvolviam como se fossem autônomas
e independentes do ensino de arquitetura e urbanismo. Neste último caso, o ensino apresentava
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
148

limitações de abordagem, ou seja, conforme explanado por Zanettini (1980), a arquitetura


brasileira era estudada por meio restritivo de obras excepcionais, não se estendendo às
manifestações arquitetônicas produzidas pela massa da sociedade brasileira. E nesse bojo de
conteúdos excepcionais da arquitetura, o tema da HIS não era representado.

Essa abordagem de estudos com foco nos projetos de grande visibilidade e de autores
de renome, não era regalia apenas da área de história, na área de projeto – ou planejamento – a
conduta educacional seguia a mesma linha de pensamento. Zanettini (1980) evidenciou que,
em decorrência da importância dos problemas a nível da cidade, as discussões teóricas se
tornaram predominantes no interior das disciplinas de Planejamento. Isso contribuiu também
com o deslocamento da crítica para fora da área da arquitetura, sobretudo na FAUUSP.

A realidade no interior dos ateliês de planejamento nos cursos ofertados por instituições
públicas e privadas foi criticada por Bolaffi (1985), ao relatar a ausência do tema da HIS na
graduação. O autor enfatizou o caráter esquizofrênico do ensino de arquitetura ao analisar as
bases bibliográficas predominantes na “maioria das escolas da América Latina” e questionou:
“como é possível pensar e conceber soluções habitacionais para populações [de baixa renda]
num ambiente intelectual onde os modelos são Le Corbusier, Kenzo Tange, Oscar Niemeyer,
Villanova Artigas ou Alvar Aalto?” (BOLAFFI, 1985, p. 145).

Outro resultado negativo do Currículo Mínimo de 1969 foi o fato de este contribuir para
que alguns conteúdos fossem deslocados da graduação para os cursos de especialização,
principalmente ocasionado pela prerrogativa de que os cursos de graduação poderiam ser
estruturados com duração mínima de quatro anos. Na prática, muitas instituições de ensino
superior seguiram ao “pé da letra” o mínimo necessário para o funcionamento dos cursos de
arquitetura e urbanismo, por conseguinte, empreenderam uma formação profissional com base
numa organização curricular rígida, sem diversificação e com abordagens superficiais de
conteúdo. Muitas delas, em decorrência do “[...] raquitismo conceitual e operatório,
empobreceram ou reduziram ao mínimo o modelo [curricular], limitando o caráter
profissionalizante de fornecimento de mão-de-obra para o mercado de trabalho (ZANETTINI,
1980, p. 110). Além da rigidez curricular, disciplinas optativas ou eletivas foram tomadas como
onerosas e excluídas do ensino profissional, restando uma única alternativa para os futuros
arquitetos, buscar profundidade de conhecimento em especializações que “supriam” as
carências do ensino da graduação.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
149

Mas, é importante salientar que nem todas as instituições de ensino de arquitetura e


urbanismo e, nem todos os docentes, empreenderam práticas introvertidas de projeto e com
pouca abertura para experiências projetuais mais populares. Conflitos de interesses e
concepções marcaram o clima do ensino de projeto numa época em que a insatisfação
acumulada com o currículo mínimo era evidente e dividia opiniões. Assim, os alunos acabaram
por conviver com professores de distintas posições frente a preocupação com a qualidade do
ensino, uns mais conservadores, outros reformistas ou revolucionários, cada um desses
associados a uma visão particularizada sobre quais conteúdos e metodologias deveriam ser
aplicados nos ateliês de planejamento.

Conforme Zanettini (1980), as distintas posturas dos docentes nos ateliês de


planejamento eram associadas a três orientações87:

1) Humanista-societária, formada por professores com grande experiência prática da


profissão de arquitetos, que não estavam dedicados ao ensino, porém o praticavam
concomitante as suas funções como arquitetos autônomos. Para esse grupo,
priorizava-se no ensino de projeto o ato criativo, com referência de modelos
inusitados. Além disso, defendiam que o ensino devia se fundamentar,
prioritariamente, com base na vida profissional, isto é, o ensino como simulacro da
realidade dos escritórios, mas desconsiderando a produção voltada para os mais
pobres;

2) Instrumental-tecnicista, formado por um grupo eclético de professores com


experiência profissional intermediária ou jovens recém ingressos no mercado
profissional. Para esse grupo, o foco do ensino não estava centrado no ato criativo e
sim num curso voltado para a área tecnológica, ou seja, restringia-se o ato criador
em prol da aquisição de um repertório modernizante visando atender às exigências
das construtoras;

3) Política negadora do sistema, formado por professores mais jovens e politizados.


Esse grupo criticava a posição esteticista dos Humanistas-societários, a posição
conformista e racional dos Instrumentais-tecnicistas e defendia uma posição crítica
diante do sistema socioeconômico vigente. Assim, denunciavam as irregularidades
praticadas pelo governo brasileiro na resolução do problema urbano e da habitação

87
As três orientações definidas por Zanettini são caracterizadas por termos emprestados do livro “A profissão de
Arquiteto: estudo sociológico”, de José Carlos Garcia Durand, publicado em 1974.
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150

de interesse social. No entanto, as posições assumidas por esse terceiro grupo eram,
dentro das instituições de ensino, cuidadosamente controladas ou até repelidas pelo
sistema educacional e, obviamente, pela repressão do governo brasileiro.

Foi a visão crítica difundida e praticada pelos docentes ligados ao terceiro grupo, que
viabilizou, nos anos subsequentes, a produção de pesquisas cuja posição assumida caminhava
em sentido contrário à prática de projeto direcionada para uma pequena parcela da população,
assim, enquanto o ensino na graduação priorizava a elaboração projetual de habitações e
edifícios de padrões econômicos mais elevados, como preconizado pelo Currículo Mínimo de
1969, as pesquisas se debruçavam sobre a escala social, marginal e periférica da arquitetura.
Seria esse o lugar ideal para a inserção prioritária do tema da HIS? Considerando o contexto
político ditatorial, pós-1964, esse parece ter sido o melhor lugar para a capacitação de
estudantes em relação aos problemas habitacionais vividos pela população de baixa renda,
mesmo que não acessível a toda uma turma de graduação.

Contudo, há de se destacar que o tema da HIS não foi inserido exclusivamente nas
atividades de pesquisa e extensão, ao contrário, no caso do curso de graduação em arquitetura
e urbanismo ofertado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com sede em Niterói, no
Estado do Rio de Janeiro, o tema em questão foi inserto numa disciplina obrigatória do curso.
Em 1975, as professoras da UFF, Maria Elisa Meira Canedo e Regina Bienstein, ministraram
uma disciplina que tinha como temática “Conjuntos Habitacionais para a População de Baixa
Renda” e foi conduzida com foco no “[...] exame aprofundado dos processos de
autoconstrução/autoprodução da moradia popular, entendida como aquela que ocupa/define as
periferias e favelas das cidades do Rio de Janeiro” (CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 42). As
atividades de ensino das professoras referenciadas foram conduzidas a partir de seis
pressupostos metodológicos:

I. Rever nossa prática cotidiana, visando adequar nosso referencial teórico-conceitual


às necessidades, possibilidades e valores da comunidade;
II. Buscar conhecer o conteúdo e reconhecer o mérito das soluções produzidas pelos
moradores/comunidade, através do trabalho junto aos mesmos;
III. Realizar uma pausa crítica e reflexiva para experimentar caminhos possíveis que
conduzam a uma produção “interagente” do nosso conhecimento formal com a
prática de nosso cliente, a comunidade;
IV. Transformar a prática de adestramento em prática de formação não só de alunos,
como também de professores;
V. Evitar exercícios simulados, vazios de responsabilidade produtiva e social, e não
aproveitáveis;
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
151

VI. Estimular, num processo permanente, através de disciplinas curriculares normais,


alunos e professores a produzir dentro da universidade.
(CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 42).

Com base nesses pressupostos de trabalho, as autoras desenvolveram a experiência


durante dois semestres consecutivos com uma turma do 7º período. No primeiro semestre, os
alunos tiveram que desenvolver um estudo crítico de conjuntos habitacionais que resultou em
trabalhos analíticos tímidos com propostas tradicionais já executadas por programas
habitacionais. Após esse primeiro trabalho, os alunos estabeleceram contato com outras formas
de habitar, a exemplo das favelas, cortiços, casas de cômodos, vilas, cabeças de porco e
loteamentos periféricos. Nessa segunda etapa, as autoras relataram que “a ideia de que seria
necessário antes mudar a sociedade para então buscar as respostas físico-espaciais ainda
dominava, fazendo com que essa busca passasse a não ter significado para os alunos”
(CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 43). Diante das visões expostas pelos alunos, as professoras
resolveram passar para o desafio seguinte, no caso, fazer com que os discentes ultrapassassem
a postura referenciada e retomassem a função social do arquiteto. Assim sendo, os alunos
desenvolveram uma análise sobre as experiências de alguns países subdesenvolvidos que
buscavam melhorar as condições de habitação da população de baixa renda.

Procurar técnicas alternativas de construção e produção habitacional alinhada à ideia de


repensar a cidade; observar outras possiblidades habitacionais, tais como, a casa do porteiro, o
quarto da empregada doméstica, a casa do vigia, o alojamento dos canteiros de obras, etc.;
refletir sobre como os arquitetos podem atuar nesses cenários, foram alguns dos desafios postos
para os alunos no primeiro semestre da experiência desenvolvida por Canedo e Bienstein
(1985).

No semestre seguinte, as professoras partiram para a escolha de um cliente específico


real, de modo que os alunos pudessem ter a experiência da troca. As professoras narraram que,
na ocasião, a associação de moradores de uma favela do Rio de Janeiro (sem identificar seu
nome) solicitou que a turma colaborasse com o “[...] desenvolvimento de um projeto urbanístico
e habitacional para cerca de duzentas famílias que estavam sendo ameaçadas de remoção devido
à construção de uma rodovia federal” (CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 47). Ainda segundo
as autoras:

Essa solicitação de ajuda técnica estava perfeitamente de acordo com o trabalho que
estávamos desenvolvendo. Ao aceitarmos participar, com os moradores, da realização
desse projeto, estávamos não só criando oportunidades de levar uma contribuição da
universidade à comunidade, como também concorrendo para a solução de problemas
urgentes de remoção. Mais ainda, o trabalho serviria para reforçar um objetivo que
buscávamos, ou seja, o de integrar atividades de ensino, pesquisa e extensão. A nível
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
152

de ensino, enfatizar questões que considerávamos básicas para a formação do


estudante universitário e especificamente o arquiteto, ou seja, o trabalho direto com a
realidade, em substituição a exercícios simulados, vazios de responsabilidade
produtiva e social (CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 47).

Com isso, foram desenvolvidos projetos em conjunto com a comunidade, como:


parcelamento do solo; áreas públicas; equipamentos comunitários; propostas de melhorias das
habitações existentes e novos projetos habitacionais (CANEDO; BIENSTEIN, 1985). Os
alunos do 7º período puderam trabalhar em contato direto com o cliente, debater as propostas e
reajustá-las quando necessário (Imagem 4.13). Ao fazer um balanço da experiência
desenvolvida, as professoras relataram que:

Ao longo deste trabalho, temos procurado que, em sua formação, os novos arquitetos
estejam preparados para atuar em conjunto com os usuários e que sua participação se
dê não pela supressão ou substituição do conhecido e aceito pela tradição de vida dos
moradores, mas sim pelo ajustamento técnico do que já vem sendo realizado, no
sentido de melhorar a qualidade do que é produzido pelas pessoas (CANEDO;
BIENSTEIN, 1985, p. 50).

Imagem 4.13 - Levantamento, debate e apresentação das propostas desenvolvidas pelos


alunos do 7º período do curso de arquitetura e urbanismo da UFF, 1975

Fonte: CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 48-50.

Concomitante à ação dos “professores negadores do sistema”, as inconformidades com


os resultados práticos da institucionalização do Currículo Mínimo de 1969, alinhado com a
proliferação dos cursos de arquitetura e urbanismo pelo Brasil, motivaram um grupo de
professores e a ABEA a buscar novos percursos que fossem frutíferos ao reestabelecimento e a
credibilidade do ensino afetada pela Reforma Universitária. Aflora como resultado dessa
conjunção de pensamentos, mais uma vez, o instrumento curricular como mecanismo chave
para a efetiva transformação na formação profissional.

Foi em 1973, no 1º Encontro de Diretores de Escolas de Arquitetura do país, realizado


em Brasília, que houve a primeira evidência formal da intenção de reformulação do Currículo
Mínimo vigente, publicado no Boletim 1 em junho de 1974 pela Associação Brasileira de
Ensino de Arquitetura (ABEA, 1974). Um dos pontos de destaque constante no referido
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
153

Boletim foi o registro da convocação do BNH feita aos diretores das escolas de arquitetura para
a realização de concursos destinados aos estudantes dos últimos semestres, visando o incentivo
à elaboração, pesquisa e estudo projetual sobre a produção de HIS. O interesse anunciado pelo
BNH em estabelecer parceria com as escolas de arquitetura e urbanismo representou uma
singular oportunidade para elas construírem uma nova cultura de projeto. Entretanto, essa tarefa
não se efetivou com facilidade nos anos seguintes.

A fim de debater e refletir sobre o delineamento de novos parâmetros qualitativos e


estruturais para o ensino de arquitetura e urbanismo, além da formulação de um novo
instrumento curricular nacional, a ABEA se propôs a promover quatro encontros regionais e
um nacional nos anos de 1974, 1975 e 1976. Neste último ano, na reunião do Conselho da
ABEA, ocorrida no mês de dezembro na cidade de São Paulo, foi proposto que as instituições
de ensino constituíssem uma Comissão de Avaliação de Ensino – em cada escola ou curso –,
de modo que ela apresentasse propostas e recomendações que contribuíssem com a elaboração
de uma nova estrutura curricular oficial nacional para os cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo no país (ABEA, 1977b). Essas recomendações seriam reeditadas conjuntamente
com as deliberações dos encontros regionais e nacional ocorridos nos anos de 1974 e 1975 e se
constituiriam num volume único a ser debatido numa reunião geral prevista para ocorrer em
julho de 1977 na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, como será comentado no Capítulo 5 desta
tese.

4.4 Convênio BNH: o ensino obrigatório sobre Habitação de Interesse Social

No tocante à abordagem do tema da HIS no ensino de arquitetura e urbanismo, foi no


singular ano de 1974 que este tema – subvertendo as prioridades de conteúdos estabelecidos no
Currículo Mínimo de 1969 – é inserido de modo prioritário e obrigatório na graduação de
arquitetura e urbanismo em algumas instituições de ensino superior no país.

Percebendo a ausência dos estudos e pesquisas sobre o problema habitacional brasileiro


a nível das universidades, bem como, diante da necessidade de encontrar profissionais da
arquitetura e urbanismo detentores de boa formação técnica para atuar na elaboração de projetos
de HIS, o BNH se propôs, de modo pioneiro, a estabelecer uma parceria com algumas escolas
de arquitetura e urbanismo, a fim de que estas pudessem instigar os alunos dos últimos períodos
a desenvolver e pesquisar soluções e alternativas projetuais para a produção de HIS, tendo que
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
154

considerar, sobretudo, o crescente déficit habitacional brasileiro no período. A alternativa


encontrada pelo BNH para estimular a formação de arquitetos e urbanistas aptos a enfrentar os
problemas habitacionais, foi “[...] instituir um prêmio semestral, no valor [...] de Cr$ 8.900,0088
(100 Unidades Padrão de Capital), a ser conferido ao melhor trabalho realizado por estudantes
do último ano de Arquitetura” (ARQUITETO Nº 16, [197-], p. 16).

Assim, a experiência piloto do Convênio BNH89 foi implantada em sete escolas de


arquitetura e urbanismo: “[...] Faculdades de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná,
da Bahia, Ceará e Brasília; a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Souza e Silva [sic]90, do
Rio de Janeiro; Mackenzie e de São José dos Campos, em São Paulo” (ARQUITETO Nº 16,
[197-], p. 16).

Ao firmar parceria com as escolas de arquitetura, o BNH estabeleceu algumas


exigências, dentre elas constava que os trabalhos a serem desenvolvidos deveriam,
imprescindivelmente, versar sobre o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) – cujas
diretrizes básicas haviam sido instituídas em 1973 – ou outro tema, previamente autorizado
pelo Banco até o início de cada semestre letivo. O BNH vislumbrava que, em função do
problema habitacional agravado, paulatinamente, discentes e docentes se familiarizassem com
a dinâmica operacional do Banco, principalmente em relação aos programas direcionados à
população com menores rendimentos financeiros criados a partir de 1970.

Foi também estabelecido pelo Banco, que os trabalhos deveriam ser desenvolvidos
considerando a realidade geoeconômica da região onde se situava a instituição de ensino
superior, ou seja, os alunos deveriam possuir amplo conhecimento da realidade de sua cidade,
das condições habitacionais, assentamentos informais, periferias e, por meio desse contato real
com o objeto de estudo, propor novas alternativas projetuais. Uma das mais importantes
exigências estabelecidas pelo BNH foi o fato de que os temas e os trabalhos a serem
desenvolvidos deviam ser incluídos obrigatoriamente nos currículos e inseridos na
programação normal do semestre (ARQUITETO Nº 16, [197-]). Ademais, coube às escolas de
arquitetura e urbanismo, participantes do Convênio, a responsabilidade de transmitir aos

88
O Cruzeiro (Cr$) foi uma moeda brasileira que esteve em uso entre os anos de 1942 até 1993.
89
O Convênio foi assinado pelo BNH em uma solenidade ocorrida no dia 15 de julho de 1974, na sede da própria
instituição, no Rio de Janeiro.
90
O nome correto da instituição é Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Silva e Souza.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
155

docentes orientadores e discentes, todas as informações sobre o Sistema Financeiro de


Habitação (SFH) e seus programas.

Na solenidade de assinatura do Convênio BNH, o Professor Nestor Goulart Reis, então


presidente da ABEA e diretor da FAUUSP, ressaltou que a iniciativa do BNH viria a estimular
a construção de uma integralidade entre o ensino de arquitetura e urbanismo com os problemas
das comunidades, fato esse que ainda não havia sido concretizado na formação do arquiteto e
urbanista. Na matéria publicada pelo Jornal Arquiteto91 nº 17, intitulada “A importância do
convênio BNH-escolas”, Nestor Goulart Reis afirmou que: “as escolas de Arquitetura vão
responder à altura a esse esforço de aproximação, contribuindo ainda mais para o campo que
sempre esteve no centro de suas preocupações” (ARQUITETO Nº 17, [197-], p. 19, grifo
nosso).

Historicamente, os arquitetos e urbanistas sempre demonstraram preocupação com a


realidade habitacional vivida pela população de baixa renda, como evidenciado no Capítulo 3
e ao longo deste capítulo. Entretanto, no que se refere às ações relacionadas ao ensino de
arquitetura e urbanismo de 1930 até 1974, a afirmativa de Reis não se apresentava sólida o
bastante, justamente pelo fato de este ensino não priorizar a HIS como tema central das
preocupações na formação do arquiteto e urbanista. O que vem sendo apresentado até este
momento é que a importância do estudo voltado ao projeto de HIS não transitava no centro das
preocupações das escolas e, sim, tangenciava a formação dos alunos de arquitetura e urbanismo
a partir de práticas de ensino não-oficiais desvinculadas do currículo oficial.

O Convênio BNH não tardou de ser amplamente divulgado por meio de revistas
especializadas, sobretudo pelo fato de a instituição objetivar, a partir do ano de 1975, ampliar
o número de escolas participantes. Diante dessa possibilidade, a FAUUSP, não convidada para
compor o projeto piloto, evidenciou plenos interesses em fazer parte do Convênio. Ainda
conforme matéria publicada pelo Jornal Arquiteto nº 17, o Professor Goulart Reis relatou que
a FAUUSP já possuía em seu currículo uma disciplina – não especificada na matéria – cuja
temática do campo habitacional era comumente trabalhada em sala de aula, o que possibilitava
aos alunos a experiência de desenvolver trabalhos que atendessem às prerrogativas do Convênio
desde o primeiro semestre de 1974.

91
O Jornal Arquiteto surgiu com a articulação sindical da arquitetura no estado de São Paulo em 1972, “[...] muito
na esteira do movimento paulista de arquitetura” (SEGAWA, 1982, p. 47).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
156

Depois que o BNH estabeleceu as regras para os trabalhos a serem desenvolvidos,


iniciou, durante o primeiro semestre de 1974, visitas às escolas participantes do Convênio para
prestar orientações técnicas aos discentes e docentes envolvidos com a premiação
(ARQUITETO Nº 16, [197-]).

Em relato ao Jornal Arquiteto nº 18, o arquiteto Luiz Torres, Diretor da Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie (FAU Mackenzie), relatou o andamento dos trabalhos
por parte dos alunos. Segundo Torres, a iniciativa do BNH surgiu num momento oportuno e,
por conta do Convênio, os alunos passaram a escolher a área da HIS. Nas palavras do Diretor,
“a iniciativa [...] poderia inclusive ter sido começada antes, se houvesse uma maior integração
entre as escolas e órgãos governamentais, muitos erros teriam sido evitados” (ARQUITETO Nº
18, [197-], p. 18).

O estabelecimento de uma maior integração entre universidades e órgãos


governamentais são importantes para a formação profissional e para o desenvolvimento da
ciência e pesquisa, afinal, a universidade está a serviço da população e com ela deve contribuir.
No entanto, a falta de parcerias não se configura como justificativa para a ausência de
determinados conhecimentos na formação superior profissional, sobretudo na graduação. É
papel das universidades posicionar-se com antecedência diante dos problemas sociais e não agir
de modo passivo à espera de um fator motivacional que consiga despertar interesse para
“novos” caminhos educacionais. Contudo, entende-se que o momento político ditatorial do país
também se converteu numa barreira para que as questões de maior apelo social fossem debatidas
e analisadas pelos docentes, comumente perseguidos por não compartilhar das condutas e
práticas adotadas pelos militares. Como bem salientou Miguel Pereira (1984, p. 150), “a década
de 70 foi de profundo silêncio e de grandes transformações em toda a estrutura do ensino
superior. O silêncio foi criado pela censura e pela repressão policial”.

O BNH previa que os trabalhos no interior das escolas de arquitetura e urbanismo


fossem desenvolvidos em cursos semestrais, no entanto, nem todas as instituições de ensino
estruturavam seus cursos dessa forma. O curso de arquitetura e urbanismo ministrado pela FAU
Mackenzie, por exemplo, era estruturado de modo anual, por conta disso, a instituição foi
obrigada a realizar ajustes na estrutura organizacional a fim de introduzir a pesquisa do BNH
na disciplina de Projeto 4 (ministrada pelo professor e arquiteto Sami Bussad), ofertada aos
alunos do 5º ano.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
157

No processo de ensino-aprendizagem, Bussad debateu e escolheu em conjunto com os


alunos as áreas de intervenção projetual e os tipos de projetos que cada um gostaria de
desenvolver para apresentá-los em forma de Projeto-Tese. Ainda segundo Bussad, o Convênio
BNH motivou os alunos a escolherem trabalhar com a HIS, além de ter resultado num aumento
de pesquisas sobre o tema (ARQUITETO Nº 18, [197-]). Por fim, foi estabelecido entre
professor e alunos da FAU Mackenzie que duas áreas de trabalho seriam desenvolvidas: a área
destinada à habitação pelo “Projeto Leste”92 e a área CURA93 Jabaquara.

No caso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos (FAU-SJ),


polo de desenvolvimento da região do Vale do Paraíba, em São Paulo, conforme relato do
diretor da instituição Aluísio José Rosa Monteiro, não houve dificuldades em se adequar ao
Convênio BNH. Tendo em vista que a instituição já desenvolvia pesquisas direcionadas aos
problemas regionais (ARQUITETO Nº 19, [197-]), os alunos puderam adaptar alguns trabalhos
de modo a se enquadrarem nas exigências do Convênio com normalidade. Todavia, foi
ressaltado pela FAU-SJ que não houve tempo hábil para que ela pudesse introduzir o Convênio
na estrutura curricular, por conta disso, optou em adequar três anteprojetos de habitação de
emergência para o Vale do Paraíba desenvolvidos pelos alunos.

Até o ano de 1974 a região do Vale do Paraíba ressentia de um crescente déficit


habitacional, motivado pela industrialização intensa. Segundo matéria publicada no Jornal
Arquiteto nº 19, estimava-se que o déficit na região era de 40.000 unidades com perspectivas
de agravamento. Com base nesses números, o diretor da FAU-SJ salientou a importância do
desenvolvimento prévio de trabalhos sobre HIS na instituição, mesmo antes do Convênio BNH
(ARQUITETO Nº 19, [197-], p. 12). No entanto, Aluísio José Rosa Monteiro defendia que os
estudos sobre novas soluções projetuais deveriam ser apresentados pela prefeitura às
instituições de ensino, indicando os projetos mais urgentes, ou seja, seria apropriado trabalhar
e desenvolver projetos com base numa necessidade previamente enunciada (ARQUITETO Nº
19, [197-]). Cabe salientar, porém, que estava implícito nos objetivos do Convênio BNH,

92
O “Projeto Leste” foi apresentado à Prefeitura Municipal de São Paulo, em 1974, pela Coordenadoria Geral de
Planejamento da Prefeitura Municipal de São Paulo e Empresa Municipal de Urbanização, como uma solução ao
processo de expansão da cidade, na qual deveriam ser instalados os equipamentos urbanos públicos e privados da
escala metropolitana. O Projeto Leste tinha como principal intuito servir ao setor terciário, de modo a estimular a
descentralização da cidade de São Paulo e criar instrumentos capazes de induzir o crescimento da capital na única
direção possível na época, a Leste.
93
O Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada, também denominado de Projeto CURA, visava,
estimular o adensamento da população urbana a níveis satisfatoriamente aceitáveis e “[...] eliminar a capacidade
ociosa dos investimentos urbanos e reduzir os efeitos negativos da especulação imobiliária, através da execução
de obras de infra-estrutura” (MARICATO, 1987, p. 35).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
158

estimular às instituições de ensino a identificarem os problemas antecipadamente e propor


soluções, exatamente o oposto ao defendido pelo Diretor da FAU-SJ.

Num primeiro momento, os alunos da FAU-SJ se apresentaram céticos em relação os


trabalhos a serem desenvolvidos para o Convênio BNH, isso devido ao fato de acreditarem que
eles não iriam sair do papel, mas essa visão mudou no instante em que tomaram conhecimento
da possibilidade de execução efetiva dos projetos premiados (ARQUITETO Nº 19, [197-]).
Conforme evidenciado por Monteiro, “a importância fundamental dessa iniciativa do BNH,
[foi], sem dúvida, a de propiciar aos estudantes a oportunidade de realizar trabalhos práticos
com base na realidade, ao invés de projetos ideais e teóricos” (ARQUITETO Nº 19, [197-], p.
12).

No caso das únicas escolas de arquitetura e urbanismo da Região Nordeste participantes


do Convênio BNH, atual Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade
Federal do Ceará (DAUD-UFC) e Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia
(FAUFBA), não foram encontrados nenhum registro oficial sobre como se procedeu o
desenvolvimento dos trabalhos por parte dos alunos da graduação em relação ao referido
Convênio.

No caso do DAUD-UFC, tentou-se buscar informações por meio da coordenação do


curso no sentido de viabilizar a entrevista com professores que tenham participado do Convênio
BNH, entretanto, não houve um retorno por parte do referido departamento. Em relação à
FAUFBA, as informações sobre o Convênio BNH foram cedidas pelo professor decano
Pasqualino Romano Magnavita94, por meio de entrevista eletrônica realizada nos dias 4 e 12 de
fevereiro de 2019. Segundo o referido professor, o Convênio BNH possibilitou que, em 1974,
fosse criado na FAUFBA o Núcleo de Estudos de Habitação (NEHA) que permaneceu em
atividade até o ano de 1975. Foi no NEHA que os trabalhos para o Convênio foram
desenvolvidos.

Naquele contexto, o professor Pasqualino Magnavita (coordenador do NEHA no


período), alunos da graduação de arquitetura, arquitetos e sociólogos pesquisadores elaboraram
e apresentaram ao BNH um projeto de pesquisa que foi financiado pelo banco através da
COHAB/BA, o qual tinha como objetivo desenvolver “um estudo crítico dos projetos realizados

94
O professor é aposentado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia e faz parte do corpo
docente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal da Bahia.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
159

pelo BNH em Salvador e, ao mesmo tempo, um estudo sobre a habitação em favelas”


(MAGNAVITA, 2019)95. Além disso, o professor comentou:

[...] a profa. Angela Gordilho, hoje aposentada, na oportunidade era estudante na


função de monitora. Além de coordenador, contei com a participação de dois
arquitetos e um sociólogo e com a colaboração eventual da socióloga Maria Brandão
e dois monitores. Fizemos levamentos com extensos questionários tanto nos conjuntos
do BNH em Salvador, bem como nas favelas (com levantamentos cadastrais)
(MAGNAVITA, 2019).

Pasqualino Magnavita relatou, ainda, que a pesquisa sobre os projetos realizados pelo
BNH em Salvador foi suspensa pelo Banco após terem analisado o primeiro relatório parcial
crítico desenvolvido pelo NEHA. O professor lembrou que “[...] na época as informações
colhidas eram registradas em cartões perfurados e o computador ocupava uma área de 60m² na
edificação, onde no térreo fica o CEAB [Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia] ao lado
do atual PAF 6 [Pavilhão de Aulas da Federação 6]” (MAGNAVITA, 2019).

Na entrevista foi questionado ao professor Pasquino Magnavita se a experiência do


Convênio BNH havia sido debatida nos ateliês da FAUFBA. De modo objetivo, o professor
afirmou:

De nossa parte, da equipe do NEHA isto ocorria, principalmente comigo que nas
disciplinas que lecionava, três temas de interesse social eram realizados: Habitação,
Saúde e Educação, levando alunos (a maioria de classe média alta) para visitar
favelas que eles não conheciam e ficaram estarrecidos... (MAGNAVITA, 2019, grifo
nosso).

Foi questionado ainda se os alunos da graduação, em decorrência dos debates realizados,


apresentaram interesse em desenvolver trabalhos sobre o tema da HIS. Nesse caso, Pasqualino
Magnavita evidenciou que, por não querer abandonar o debate sobre temas de interesse social,
os alunos acabavam ficando frustrados pois intentavam desenvolver outros tipos de trabalhos:

[...] inclusive quando evitava sair destes temas de interesse social, maioria reclamava,
pois aspiravam projetar shoppings, clubes, igrejas, hotéis de luxo, boates, clubes de
elite, e ficavam frustrados em resolver problemas relacionados com as classes menos
favorecidas (MAGNAVITA, 2019).

Com o relato do professor Pasqualino Magnavita, evidenciou-se que, naquele período,


ainda era forte entre os estudantes a ideia de que os arquitetos e urbanistas deveriam
desenvolver trabalhos relacionados aos interesses da classe dominante, muito provavelmente
devido ao fato de não terem proximidade com a realidade vivida pela população de baixa renda.
Pasqualino Magnavita registrou, ainda, que a maioria dos alunos e alunas se portavam

95
MAGNAVITA, Pasqualino Romano. Entrevista eletrônica concedida ao autor desta tese nos dias 4 e 12 de
fevereiro de 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
160

contrários a temas de interesse social e, ao mesmo tempo, sentiam-se constrangidos com


determinados trabalhos. Sobre isso comentou:

Bem mais adiante, atendendo a necessidade da elite estudantil, sugeri projetarem um


confortável motel...foi um vexame!, ferindo o pudor das belas jovens...e gozação dos
jovens machões...Comento isto para você melhor entender a formação da elite de
então, embora uma minoria apoiava em trabalhar com projetos de interesse social.
Evidentemente, com o tempo, as coisas vêm mudando (MAGNAVITA, 2019).

Foi possível apreender no relato do professor Pasqualino Magnavita que, no caso da


FAUFBA, os trabalhos desenvolvidos para o Convênio BNH não chegaram a ser selecionados
para a premiação prevista pelo banco, ficando restrita ao NEHA e aos debates em ateliês. É
importante destacar que a escolha dos melhores trabalhos desenvolvidos para o Convênio não
era de responsabilidade do BNH, ficou a cargo da própria instituição de ensino formar um corpo
técnico de professores para eleger os trabalhos mais adequados ao prêmio.

Por fim, para além de enunciar qual trabalho ou qual instituição de ensino obteve a
premiação do Convênio BNH, informe esse não registrado pelo Jornal Arquiteto, salienta-se
que o grande mérito da experiência do Convênio foi o fato de pôr em evidência, no interior das
escolas de arquitetura e urbanismo, os problemas relacionados à habitação voltada para a
população de menores rendimentos financeiros. Contudo, não havia garantias de que essa
iniciativa iria se perpetuar e constituir-se como atividade central dos cursos. Ademais, ressalta-
-se que não foram encontrados registros oficiais sobre quando foi encerrada a experiência piloto
do Convênio BNH com as escolas de arquitetura e urbanismo.

4.5 Considerações sobre o Capítulo 4

As análises desenvolvidas neste capítulo evidenciaram que o contexto político


econômico e social do Brasil, no período compreendido entre os anos de 1963 a 1976,
contribuiu para que antagônicas perspectivas em relação à produção habitacional e à formação
de arquitetos e urbanistas comprometidos com as demandas habitacionais da população de
baixa renda fossem constituídas no país.

Por um lado, evidenciou-se que em decorrência do agravamento do acelerado processo


de urbanização e da crise habitacional a partir da década de 1960 os arquitetos e urbanistas
assumiram em seus discursos e práticas a defesa dos direitos da população de baixa renda no
acesso à moradia digna e à cidade, propondo, inclusive, que o governo brasileiro se
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
161

responsabilizasse pela produção habitacional a partir da criação de um Órgão Central Federal.


Isso foi oficialmente formalizado nas conclusões do Seminário de Habitação e Reforma Urbana
de 1963 e nas práticas dos arquitetos simpatizantes das ideias de John Turner, a exemplo de
Acácio Gil Borsoi e Carlos Nelson Ferreira dos Santos. Entretanto, essa perspectiva não
encontrou um campo fértil para se efetivar, sobretudo após a instauração da Ditatura Militar em
1964 e da institucionalização do Banco Nacional de Habitação, que além de romper com a ideia
de uma produção habitacional com qualidade construtiva, arquitetônica, urbana e participativa,
limitou-se a produzir unidades habitacionais em áreas periféricas predominantemente voltada
para setores de média renda.

Essa situação contribuiu para que as críticas à produção habitacional por parte de
pesquisadores, arquitetos e entidades representativas da profissão fossem ainda mais enfáticas.
Paralelamente a isso, os rumos da formação profissional de arquitetos e urbanistas, bem como
a divulgação do que deveria ser a atenção básica dessa formação foram sendo paulatinamente
evidenciados em eventos acadêmicos e profissionais, como: 7º Congresso Brasileiro de
Arquitetos, no qual os congressistas salientaram que os cursos de arquitetura e urbanismo, ainda
montados em moldes arcaicos, deviam constituir uma nova cultura profissional centrada nas
demandas da população de baixa renda; e X Congresso da União Internacional de Arquitetos,
em que Santos et al. (1969) salientaram a importância da efetivação de uma reforma nos
conteúdos das disciplinas de Sociologia, Teoria da Arquitetura, Composição de Arquitetura e
Planejamento, no sentido de colocarem o conhecimento sobre a habitação voltada para a
população de baixa renda num lugar prioritário.

Mas, ao contrário do desejado nesses eventos, a maioria dos cursos de arquitetura e


urbanismo, em decorrência também do próprio contexto ditatorial, continuou perpetuando uma
cultura de valorização de conhecimentos, principalmente nos ateliês de planejamento, que se
distanciavam das necessidades habitacionais da população de baixa renda. Essa prática
encontrou respaldo legal no currículo oficial nacional dos cursos de graduação em arquitetura
e urbanismo imposto pelo Conselho Federal de Educação (CFE) em 1969, o segundo Currículo
Mínimo.

Com esse currículo, oficialmente, pela primeira vez na história do ensino de arquitetura
e urbanismo, o estudo sobre “residências populares” foi considerado como pertencente a
programas específicos, condicionado a fatores que o tornou secundário e não obrigatório. Além
disso, as análises sobre esse currículo oficial nacional evidenciaram que o referido estudo foi
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
162

considerado pelo CFE como sendo mais adequado para cursos de especialização. Como
consequência deste currículo, dois caminhos foram seguidos pelas instituições de ensino e pelos
professores de arquitetura e urbanismo. Num primeiro momento, verificou-se que a maioria dos
cursos foi estruturada seguindo o rigor das recomendações oficializadas no Currículo Mínimo
de 1969, ou seja, o mínimo converteu-se em máximo, sobretudo nas instituições privadas de
ensino superior. Nesses casos, o estudo sobre habitações de interesse social não foi priorizado
nas disciplinas de Planejamento, sendo alocado para atividades de pesquisa ou para cursos de
especialização.

As análises evidenciaram também que, apesar de os ateliês de planejamento terem se


convertido em espaços de resistência em relação à inserção do tema da HIS, o cenário de
permanente atitude crítica dos arquitetos em relação ao contexto político e habitacional
contribuiu para que esta temática ocupasse um lugar de destaque nos debates ocorridos nas
disciplinas de urbanismo. Todavia, contrariando as prerrogativas do segundo Currículo
Mínimo, o curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), numa
atitude pioneira, em 1975, inseriu o tema da HIS, voltado para o processo de
autoconstrução/autoprodução em áreas de favela, numa disciplina obrigatória de projeto. A
ação empreendida pelos docentes do curso de arquitetura e urbanismo da UFF evidenciam que,
muito provavelmente, no interior de outros cursos públicos de arquitetura e urbanismo do país,
o tema da HIS possa ter ocupado um lugar diferente do preconizado pelo Currículo Mínimo de
1969. No entanto, é válido salientar que a ausência de registros oficiais não permite precisar as
distintas possiblidades de inserção dessa temática nos ateliês de planejamento.

Outro caso emblemático evidenciado neste capítulo, corresponde à experiência pioneira


do Convênio BNH em 1974. Essa experiência, por sua vez, reforçou a constatação de que a
maioria das escolas de arquitetura e urbanismo, entre os anos de 1964 a 1974, não priorizavam
em seus currículos o desenvolvimento de projetos voltados à HIS em atividades obrigatórias.

Por fim, diante da imposição do Currículo Mínimo de 1969, da proliferação dos cursos
de arquitetura e urbanismo pelo país e da perda de qualidade do ensino, a necessidade de uma
nova reformulação curricular nacional era urgente e necessária. Deste modo, restava aos
interessados nesta ação a incumbência de debater uma nova proposta curricular nacional que só
viria se efetivar nove anos depois do fim da Ditadura Militar no Brasil, como será abordado no
Capítulo 5 desta tese.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
163

5 AS DIRETRIZES CURRICULARES E O CONTEÚDO MÍNIMO DE 1994

Neste capítulo são descritos e analisados o processo de constituição do novo currículo


oficial nacional dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, denominado de Diretrizes
Curriculares e o Conteúdo Mínimo, no período compreendido entre os anos de 1977 até 1994.
Nesse processo, conforme evidenciado na linha do tempo (Imagem 5.1), dois períodos são
destacados: o primeiro, compreendido entre os anos de 1977 a 1986; o segundo, entre os anos
de 1987 a 1994.

O primeiro período, corresponde à primeira movimentação nacional, encabeçada por


docentes, instituições de ensino e pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA),
em torno da reformulação do Currículo Mínimo de 1969, iniciada ainda na Ditadura Militar.
Nessa fase, a produção de habitações de interesse social ainda estava se procedendo por meio
do Banco Nacional de Habitação (BNH), extinto em 1986. Concomitante a esse processo foram
analisados: o volume publicado pela a ABEA, intitulado “Subsídio para reformulação do
ensino de arquitetura”; a formulação da Carta de Outro Preto; a elaboração final do novo
currículo mínimo nacional em 1982 e seu encaminhamento ao Conselho Federal de Educação
em 1986; bem como, foram evidenciadas as experiências dos Laboratórios de Habitação e de
organizações não governamentais em trabalhos de assistência técnica em habitações de
interesse social.

O segundo período, refere-se ao reinício das ações pró elaboração e institucionalização


de uma nova proposta curricular nacional para os cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo no Brasil. Nesse segundo momento, destaca-se o início dos chamados programas
habitacionais alternativos tais como: Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, Plano de
Ação Imediata para Habitação, Programa Habitar-Brasil, e o Programa Morar-Município. Além
disso, evidenciou-se o processo de redemocratização do país iniciado em 1985, com o fim da
Ditadura Militar, e sua consolidação com a aprovação da Constituição Brasileira de 1988 que
introduziu artigos sobre a política urbana e sobre a extensão universitária.

Em relação aos principais eventos profissionais e acadêmicos, destacam-se: a realização


do IX e X Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e o Seminário Nacional ABEA. Na
esfera do ensino de arquitetura, foram evidenciados os seguintes acontecimentos: a extinção da
Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CEAU) em 1988 e sua recriação em 1993, e
a instituição das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo em 1994.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
164

Imagem 5.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1977 e 1994

Fonte: elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
165

5.1 Proposta de reformulação do Currículo Mínimo de 1969

5.1.1 Sobre a Carta de Ouro Preto de 1977

O ano de 1977 foi considerado pelo Conselho Imagem 5.2 - Capa do volume
da ABEA96 como sendo aquele em que a Associação publicado pela ABEA
debruçar-se-ia prioritariamente sobre o trabalho de
definição dos horizontes possíveis de renovação do
ensino de arquitetura e urbanismo a serem
organizados num novo currículo oficial nacional.
Esse trabalho foi iniciado com a publicação do
volume, intitulado “Subsídios para a Reformulação
do Ensino de Arquitetura” (Imagem 5.2), onde foram
reunidos: o roteiro de trabalho desenvolvido pelas
Comissões de Avaliação de Ensino (CAE)97,
elaborado por recomendação do Conselho da
ABEA98; a relação de escolas de arquitetura
envolvidas com o processo99; e a coletânea de Fonte: do autor.

96
Na reunião realizada em dezembro de 1976, como comentado no item 4.3.1 do Capítulo 4 desta tese.
97
As CAE foram criadas pelos cursos e escolas de arquitetura do país em 1976 com o objetivo de sistematizarem
propostas e recomendações de melhorias do ensino de arquitetura e urbanismo.
98
Enfatiza-se que o roteiro de trabalho proposto pela ABEA não era um percurso estanque a ser seguido pelas
CAE, ao contrário, eram apenas algumas orientações iniciais ao trabalho de avaliação do ensino em cada curso ou
instituição. Os principais pontos de observação lançados pelo Conselho da ABEA nesse roteiro de trabalho foram:
1) a definição do perfil do arquiteto brasileiro; 2) a relação entre a teoria e a prática; 3) o estabelecimento de
conceitos importantes – matéria, ementa, disciplina, sequência de disciplinas, disciplinas optativas e obrigatórias,
o conceito geral do projeto, planejamento, articulação vertical e horizontal, conhecimento recebido e produzido, o
relacionamento entre atelier e laboratório; 4) vestibulares; 5) formação e qualificação do corpo docente; 6)
participação dos estudantes no processo de produção do conhecimento; 7) instalações, material didático e
bibliotecas; 8) histórico e balanço atual de cada escola; 9) agrupamento das disciplinas por área (ABEA, 1977b).
99
As 31 escolas de arquitetura e urbanismo listadas no volume publicado pela ABEA (1977b) foram organizadas
em quatro regiões: Região 1 - Universidades Federais de Pernambuco, do Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, da
Paraíba, de Alagoas e da Bahia; Região 2 – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade Bennett de Ensino,
Faculdade Silva e Souza, Faculdade Santa Úrsula, Universidade Gama Filho, Faculdade de Barra do Piraí,
Universidade Federal Fluminense, Universidade de Brasília, Universidade Católica de Goiás e Universidade
Federal de Minas Gerais; Região 3 – Universidade de São Paulo, Faculdade Mackenzie, Faculdade de Santos,
Faculdade Brás Cubas, Universidade de Moji das Cruzes, Faculdade Farias Brito, e PUC Campinas; Região 4 –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade Vale do Rio Sinos, Universidade Federal de Pelotas,
Faculdade Canoense, Sociedade de Educação Ritter, Universidade Federal do Paraná e Universidade Católica do
Paraná.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
166

recomendações das escolas de arquitetura e urbanismo organizada em seis áreas de ensino:


Paisagismo, Estruturas, História da Arquitetura e Teorização, Conforto Ambiental,
Comunicação Visual e Desenho Industrial (ou do objeto) e Ensino de Projeto e Planejamento
(ABEA, 1977b).

De modo geral, esse volume sintetizava as preocupações consideradas mais


emergenciais para as escolas de arquitetura e urbanismo do país. Cada área de ensino apresentou
um quantitativo considerável de recomendações na seguinte proporção: 22 para Paisagismo; 25
sobre Estruturas; 20 sobre História da Arquitetura e Teorização; 15 para Conforto Ambiental;
22 sobre Comunicação Visual e Desenho Industrial e 39 recomendações sobre o ensino de
Projeto e Planejamento.

Boa parte das solicitações publicadas são oriundas de debates ocorridos em seminários
e encontros nacionais ou regionais de cada área de ensino juntamente com as demandas
particulares de cada região escolar. Do conjunto de recomendações sistematizadas no volume
publicado pela ABEA, algumas merecem ser pontuadas, sobretudo as formuladas pelas áreas
de ensino de Paisagismo, História da Arquitetura e Teorização, e Projeto e Planejamento
(Quadro 5.1 e 5.2).

Quadro 5.1 - Principais recomendações das áreas de Paisagismo e História da Arquitetura e


Teorização
Área de
Principais recomendações Origem da recomendação
Ensino
Que o ensino de paisagismo se constituísse numa atividade
obrigatória nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo e
1º Encontro Regional
como disciplina em cursos de pós-graduação, visto que essa área não
havia sido inserida como matéria no Currículo Mínimo de 1969.
Paisagismo

Que o estudo de paisagismo fosse inserido com brevidade máxima nos


currículos das escolas que ainda não ministravam tal conhecimento,
mesmo antes do novo currículo mínimo ser instituído.
4º Encontro Regional
Que as disciplinas de paisagismo fossem ministradas, no mínimo, em
dois semestres e que não fossem disponibilizadas aos alunos apenas nos
últimos semestres da formação profissional.
Que os estudos da “Arquitetura no Brasil” (matéria constante no I Encontro de Professores
História da Arquitetura e

Currículo Mínimo de 1969) não se limitasse a obras excepcionais, de História da Arquitetura


mas que se estendesse “[...] às demais manifestações arquitetônicas e Teorização, realizado em
produzidas pela sociedade brasileira” (ABEA, 1977b, p. 19). Salvador no ano de 1975
Teorização

Que as disciplinas de História e Teoria se voltassem para a problemática


1º Encontro Regional
da realidade nacional.

Que os conteúdos das disciplinas fossem centrados na realidade


histórico-regional e não fossem exclusivamente priorizadas as 3º Encontro Regional
obras excepcionais, tais como igrejas e monumentos.

Fonte: elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
167

Quadro 5.2 - Principais recomendações da área de Projeto e Planejamento


Área de Origem da
Principais recomendações
Ensino recomendação
Que as escolas de arquitetura e urbanismo lançassem mão dos recursos e condições
regionais para que o desempenho das disciplinas de projeto avançasse.
Esta recomendação foi desenvolvida com base no entendimento de que o trabalho
do arquiteto devia se voltar para “[...] o atendimento à coletividade,
principalmente para a mais carente” que se constituía num problema social
(ABEA, 1977b, p. 35, grifo nosso).

Que o ensino de projeto não desprezasse o entorno. “Isto significa que a arquitetura 1º Encontro
e urbanismo são indissociáveis [...]” (ABEA, 1977b, p. 35). Regional
Projeto e Planejamento

Foi evidenciado que os arquitetos atuavam numa faixa muito restrita da


demanda da sociedade e, para ultrapassar essas limitações, era necessário que os
futuros profissionais se instrumentalizassem no domínio do projeto da
construção brasileira.
Agregado a isso, os discentes deveriam ser informados da realidade social a fim de
serem capazes de “[...] propor soluções viáveis para atender à necessidade na própria
dinâmica de evolução” (ABEA, 1977b, p. 36).
Que os cursos estruturassem os temas de projeto em escala crescente de
complexidade. 2º Encontro
Que a diversidade de temas de projetos fosse reduzida para melhor compreensão Regional
do trabalho de projeto.
3º Encontro
Que os critérios de avaliação de projetos fossem menos subjetivos.
Regional
Que os temas propostos pelas disciplinas de projeto de arquitetura considerassem o 4º Encontro
envolvimento urbano, paisagístico, tecnológico e teórico-conceitual. Regional

Fonte: elaborado pelo autor.

Ao analisar as recomendações apresentadas pelas escolas de arquitetura e urbanismo,


principalmente nas áreas de conhecimento listadas nos Quadros 5.1 e 5.2, constatou-se o
reconhecimento por parte dos docentes de que o ensino ainda se processava à base da
priorização de obras consideradas excepcionais. Com exceção da área de Paisagismo, cujas
recomendações priorizaram a inserção obrigatória deste ensino no currículo oficial dos cursos
de graduação em arquitetura e urbanismo, as demais áreas de conhecimento lançaram sugestões
as quais apontam para a construção de um ensino mais próximo das realidades da população de
baixa renda, muito provavelmente, motivadas pela situação de agravamento do problema
habitacional e urbano do país, que ainda se encontrava sob a Ditadura Militar.

Em relação à área de Projeto e Planejamento, é importante destacar a recomendação do


1º Encontro Regional ao evidenciar a importância do estabelecimento de um ensino de projeto
alinhado com as características regionais, principalmente no que tange às demandas da
população mais carente. Outras recomendações que merecem ser pontuadas são às referentes à
redução dos temas de projetos e suas abordagens em escala crescente de complexidade. Isso
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
168

demandaria, por parte das instituições de ensino, uma reflexão profunda sobre a alocação
adequada dos temas/conteúdos/problemas que deveriam fazer parte dos conhecimentos
obrigatórios e dos optativos ou eletivos. Sobre esse aspecto, verifica-se que nenhuma
recomendação formulada pela área de Projeto e Planejamento explicitava que o tema da HIS
deveria se constituir como obrigatório, mas havia indicativos de que esse conhecimento deveria
ser prioritário num novo currículo oficial nacional.

Ademais, ressalta-se que a ABEA propôs às escolas de arquitetura e urbanismo não


eleger apenas a disciplina de Projeto como espinha dorsal do ensino de arquitetura e urbanismo,
responsável por promover a interação entre os conhecimentos adquiridos no curso, porém que
essa interação ocorresse “[...] através de Temas/Pesquisas onde todas as áreas do conhecimento
atuariam conjuntamente” (ABEA, 1977b, p. 33, grifo nosso).

A reunião geral que iria debater sobre todas as recomendações apresentadas, prevista
para ocorrer em julho de 1977, foi realizada apenas em setembro daquele ano, na cidade de
Ouro Preto, Minas Gerais. Nesse evento, foram reunidos os representantes das CAEs oriundos
de 24 escolas de arquitetura e urbanismo – não especificadas na Carta de Ouro Preto –, com o
objetivo de encontrar um fio condutor comum às instituições de ensino para a elaboração de
um novo currículo oficial nacional. No geral, foram debatidos pontos que se relacionavam com
a questão estrutural do ensino, a exemplo: da carga horária mínima do curso e a proporção da
mesma entre as distintas áreas de formação do arquiteto e urbanista; aspectos condizentes com
a questão do estágio profissional obrigatório; das matérias de ensino; a pós-graduação e sobre
as estruturas físicas básicas (CARTA DE OURO PRETO, 1977).

Como resultado dos debates ocorridos no evento, foi elaborado um documento no qual
constavam recomendações para o delineamento de uma nova reforma curricular, esse
documento ficou conhecido como Carta de Ouro Preto100. Nele foram listados um total de
dezessete itens de recomendações sobre como deveriam ser estruturados os cursos de
arquitetura e urbanismo a partir de um novo instrumento curricular.

Seguindo a mesma lógica do vigente Currículo Mínimo de 1969, a Carta de Ouro Preto
continuou sugerindo que o novo currículo deveria abranger três áreas de conhecimento: Área

100
A redação final da Carta de Ouro Preto esteve sobre a responsabilidade de uma comissão composta apenas por
professores da Região Sudeste do país: “Célio Pimenta, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Brás Cubas
(Mogi das Cruzes-São Paulo); Jairo Moraes Ludmer, da Faculdade de Arquitetura Mackenzie; e Marcos de Souza
Dias, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo” (CARTA DE OURO PRETO,
1977, p. 1).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
169

de Planejamento e Projeto; Área de Tecnologia e Instrumentação; e Área de Teoria e História.


No entanto, essas três áreas não estavam num mesmo patamar de igualdade, ou seja, as cargas
horárias para cada uma delas eram diferenciadas resultando, assim, numa prioridade maior para
a área de Planejamento e Projeto, cujo percentual deveria ser de 40% do total do curso. Logo,
das 3.600 horas recomendadas como sendo a carga horária total mínima dos cursos de
arquitetura e urbanismo pelo vigente Currículo Mínimo de 1969, 1.740 horas deveriam ser,
prioritariamente, ocupadas com disciplinas de Planejamento e Projeto. Isso evidencia a
importância dessa área na formação dos profissionais de arquitetura e urbanismo, a perpetuação
de uma cultura de profissionalização centrada na atividade de projeto, bem como reforça – sob
a perspectiva assumida nesta tese – a preocupação em relação à abordagem ou não de temas de
interesse social.

De modo global, a Carta de Ouro Preto não adentra em pontos específicos do ensino,
como por exemplo, indicar conteúdo ou conhecimentos prioritários na formação, mas,
atendendo à solicitação apresentada no volume da ABEA por parte dos professores de
Paisagismo, a referida Carta, cuidadosamente, destacou como sendo prioritária a inclusão, num
novo instrumento curricular, da matéria de Paisagismo. Ademais, constatou-se que, entre as
dezessete recomendações da Carta de Ouro Preto, nenhuma observação acerca do crônico
problema da HIS foi delineada. Entende-se assim, que a recomendação da área de Projeto e
Planejamento, publicadas no volume da ABEA, sobre o atendimento à coletividade, em especial
aos mais carentes, ficou para trás ou restrita às ações particularizadas dos “professores
negadores do sistema”.

Pelo que se pode constatar das recomendações expressas na Carta de Ouro Preto, assim
como ocorrido no Currículo Mínimo de 1969, o tema da HIS continuaria em segundo plano na
lista de preocupações com a formação profissional dos arquitetos e urbanistas. Muito
provavelmente, a “despreocupação” em pôr o tema da HIS numa condição de prioridade ou
sugestioná-lo como uma matéria, por exemplo, devia-se ao fato de naquele período, em plena
Ditadura Militar, ainda ser forte a cultura de um ensino de projeto conduzida a partir da
perspectiva do “mestre”, com priorização de obras de grande apelo estético e formal, como
evidenciado por Zanettini (1980) e Pereira (1984). Mas, isso só seria confirmado na elaboração
do novo currículo oficial nacional para o qual a Carta de Ouro Preto serviu de base.

Cinco anos após a realização do evento em Ouro Preto, depois de uma série de
avaliações da proposta de um “novo currículo mínimo” entre as escolas de arquitetura e
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
170

urbanismo, ABEA, CEAU e IAB, o documento final foi concluído e oficializado em 1982,
contudo, ele só foi encaminhado ao Conselho Federal de Educação no ano de 1986, após o fim
da Ditadura Militar no país. Reafirmando os princípios contidos na Carta de Ouro Preto, a
proposta do novo currículo mínimo definiu a carga horária mínima dos cursos e especificou,
detalhadamente, a divisão de horas para cada um dos três setores que conformavam os cursos:
setor de Projeto de Arquitetura e Urbanismo com 1.740 horas; setor de Tecnologia da
Arquitetura e Urbanismo com 1.020 horas; e setor de Teoria e História da Arquitetura e
Urbanismo com 840 horas (ABEA, 1986, p. 1).

Entretanto, para efeito desta tese, um dos pontos que merece destaque no documento é
a elaboração detalhada da ementa de cada setor. O conteúdo dos três setores eleitos para compor
os cursos de arquitetura e urbanismo foram “[...] discutidos, reafirmados em sua concepção
original e aperfeiçoados em seu detalhamento ou redação [...]” (ABEA, 1986, p. 2, grifo
nosso). A ementa proposta foi estruturada em seis temas, sendo dois para cada setor do curso,
conforme evidenciado no Quadro 5.3.

Quadro 5.3 - Temas propostos para o novo currículo mínimo

Setor Temas
Setor de Teoria e História Evolução do espaço habitado através da história: o edifício, a cidade e a paisagem
da Arquitetura e
Urbanismo Fundamentos teóricos da arquitetura e urbanismo
Setor de Tecnologia da Tecnologia da edificação e paisagismo
Arquitetura e Urbanismo Tecnologia da urbanização
Setor de Projeto de Planejamento e projeto de edificações e paisagismo
Arquitetura e Urbanismo Planejamento e projeto físico, local, urbano e regional
Fonte: elaborado pelo autor.

Tão genérico quanto os temas elencados, os assuntos determinados na ementa de cada


um deles foram descritos de modo superficial, sem adentrar em detalhes. No caso específico do
setor de Projeto de Arquitetura e Urbanismo (Quadro 5.4), observa-se que não houve nenhuma
menção à questão habitacional direcionada à população de baixa renda.

Quadro 5.4 - Detalhamento dos temas do setor de Projeto de Arquitetura e Urbanismo


(continua)
Temas Ementa
Objetivos, etapas, metodologia e instrumentos do urbanismo e do planejamento físico,
local, urbano e regional;
Planejamento e
Estudos e práticas instrumentais de urbanismo e planejamento para atuação em
projeto físico, local,
processos de urbanização, regionalização, desenvolvimento urbano e rural, uso e
urbano e regional
parcelamento do solo;
Práticas de atelier, oficina, laboratório e campo.
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
171

Quadro 5.4 - Detalhamento dos temas do setor de Projeto de Arquitetura e Urbanismo

(conclusão)
Temas Ementa
Desenvolvimento da criatividade e da capacidade de análise e síntese nas atividades
de planejamento e projeto.

Prática de planejamento e projeto com integração de conhecimentos de teoria, história,


restauração e preservação, e tecnologia em projetos de edificações, de paisagismo e
Planejamento e
de mobiliário, equipamentos e comunicação visual.
projeto de edificações e
paisagismo
Metodologia do planejamento e projeto de edificações e paisagismo. Constituição e
organização de programas de necessidades. Estudos preliminares, anteprojetos,
projetos, memoriais, especificações e detalhamento.

Práticas de atelier, oficinas e canteiros de obras.

Fonte: elaborado pelo autor.

Transparece nas abordagens de conteúdos especificados, que as velhas condutas


criticadas por professores e entidades representativas dos profissionais de arquitetura e
urbanismo nos documentos que antecederam a proposta desse novo currículo mínimo
permaneceram imutáveis. Ao que tudo indica, os responsáveis pela elaboração dos temas
elencados não observaram as recomendações efetivadas pela área de Projeto e Planejamento
nos Encontros Regionais realizados pela ABEA, publicadas no volume “Subsídios para a
Reformulação do Ensino de Arquitetura”, de 1977, que apontavam para a importância da
construção de um ensino mais próximo das demandas da população de baixa renda.

Foi com a ementa supracitada, somada aos demais temas dos outros dois setores, que os
organizadores do documento apresentado ao CFE entenderam que o aperfeiçoamento da
qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo poderia se efetivar, considerando ainda que os
novos profissionais estariam sendo habilitados a um desempenho “mais eficiente” na produção
do espaço habitado ao povo brasileiro (ABEA, 1986). Ao comparar a nova proposta curricular
– inicialmente sugerida na Carta de Ouro Preto – com os currículos mínimos de 1962 e 1969,
ao menos no que diz respeito à abordagem do tema da HIS, o vigente Currículo Mínimo de
1969 apresentava-se menos excludente do que a nova proposta curricular formulada. Se a
intenção era implementar melhorias num novo instrumento curricular que fosse possível
superar as deficiências ainda existentes no ensino de arquitetura e urbanismo, ideologicamente,
conforme foi evidenciado, essas melhorias fundamentaram-se em princípios mais estruturais de
funcionamento dos cursos do que em questões diretamente relacionadas às matérias de ensino,
cujo ementário constituído, oficialmente, não evidenciou uma proximidade com as cadentes
demandas sociais por habitações populares mais dignas, com qualidade arquitetônica e espacial,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
172

e com estrutura urbana suficiente ao pleno desenvolvimento das atividades cotidianas da


população com menores rendimentos financeiros da sociedade brasileira.

Entretanto, apesar de todo o empenho dos agentes envolvidos com o sistema


educacional dos arquitetos e urbanistas naquele período, com uma proposta que não se
diferenciava substancialmente do corrente Currículo Mínimo de 1969, o documento
encaminhado em 1986 ao CFE não foi aprovado pelo referido órgão, perpetuando assim, a
vigência do segundo Currículo Mínimo. Acredita-se que a não aprovação da proposta do novo
currículo oficial nacional por parte do CFE tenha sido, também, motivada pelo próprio contexto
de mudanças políticas e educacionais o qual o país estava vivendo desde o ano de 1979, como
sistematizado na linha do tempo (Imagem 5.3).

Imagem 5.3 - Linha do Tempo do contexto político e educacional pós-1979 no Brasil

Fonte: elaborado pelo autor.

Como é possível observar na Imagem 5.3, no âmbito político, em 15 de março de 1979


o Congresso Nacional elege para Presidente do Brasil o General João Figueiredo, que viria ser
o último presidente da Ditadura Militar. O governo de João Figueiredo ficou marcado, além da
crise econômica, pela assinatura da Lei da Anistia, em 28 de agosto de 1979101, a qual
possibilitou o retorno para o país de políticos, intelectuais e artistas exilados (COSTA, 2016).

101
Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
173

Em 1982 ocorreram as primeiras eleições diretas para govenadores estaduais e senadores que
se tornaram motivo para a cobrança popular por eleições diretas para presidente. Entre a
autorização das eleições diretas para presidente, ocorrida em 1985, e a sua realização efetiva
em 1989, é promulgada no país a Constituição Brasileira de 1988 que reestabeleceu “[...] os
direitos individuais e sociais fundamentais para o pleno funcionamento da democracia. O
direito de associação, o direito de greve e todas [...] liberdades que haviam sido violadas [...]”
durante a Ditadura Militar (COSTA, 2016, p. 144).

Na esfera educacional, a década de 1980 é caracterizada pelas mobilizações de


professores, instituições de ensino e entidades ligadas à educação, a exemplo da Associação
Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES)102, em prol da constituição de uma nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que só viria a ser aprovada em 1996.
Em 1986, ano em que a proposta do novo currículo mínimo não foi aprovada, o Ministro da
Educação, Marco Maciel, na intenção de empreender uma nova Reforma Universitária pós 22
anos de Ditadura, criou o Grupo Executivo para Reformulação da Educação Superior
(GERES)103, responsável por elaborar um projeto de lei sobre a reformulação da organização e
funcionamento dos estabelecimentos federais de ensino superior do país.

O impacto da não aprovação da proposta de reformulação do Currículo Mínimo de 1969


acabou provocando uma onda de “[...] esmorecimento da atividade unificada da categoria
profissional” (SANTOS JUNIOR, 2001, p. 91) mas, em 1987 os trabalhos conjuntos entre as
entidades e agentes envolvidos com o ensino e a atuação profissional dos arquitetos e urbanistas
foram retomados, em decorrência dos debates nacionais ocorridos em torno da elaboração da
Constituição Brasileira. Naquele momento, as entidades representativas da área de arquitetura
e urbanismo concentraram as atenções “[...] especialmente nas questões relativas à Reforma
Urbana, à desregulamentação das profissões e ao exame de ordem, temas com profundas
repercussões para o exercício profissional” (SCHLEE et al., 2010, p. 83).

Em relação às ações voltadas para o ensino de arquitetura e urbanismo, naquele mesmo


ano foi realizado na capital pernambucana, Recife, o IX Encontro Nacional sobre Ensino de

102
A ANDES foi fundada em 1981 no Congresso Nacional de Docentes Universitários realizado em Campinas,
São Paulo.
103
As ações do GERES foram acompanhadas criticamente pela ANDES, que também negociava com o Governo
Federal – no fervor dos debates em torno da Constituinte de 1988 – a implementação de uma reforma que fosse
benéfica para as universidades públicas do país. Embora as ideias lançadas pelo GERES não tenham sido
literalmente efetivadas, elas serviram de base para que, a partir de 1987, algumas universidades públicas iniciassem
um processo interno de autoavaliação, dentre elas: Universidade de Brasília; Universidade Federal do Paraná;
Universidade de São Paulo; e Universidade Estadual de Campinas (MONTEIRO, 2007).
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174

Arquitetura (ENSEA) promovido pela ABEA, que conseguiu reunir representantes de cursos
de arquitetura e urbanismo em funcionamento no país. Entre as pautas prioritárias, destacou-
-se a “[...] importância da realização de um inventário nacional para subsidiar uma avaliação
qualitativa da situação dos cursos” (SANTOS JUNIOR, 2001, p. 92), de modo que uma
profunda mudança curricular pudesse se efetivar. Daí por diante a ABEA retoma à prática de
realização dos Encontros Nacionais sobre Ensino de Arquitetura no país.

5.1.2 Demandas sociais para a educação profissional do arquiteto e urbanista

Em 1991, entre os dias 3 e 9 de outubro, na Universidade Federal Fluminense, a ABEA


realizou o X ENSEA e o V Encontro Nacional da ABEA (CONABEA), cujo tema central foi a
“Avaliação da educação profissional do arquiteto e urbanista”. Nesse evento, foram postos em
debate três subtemas: (1) demandas sociais para a educação profissional do arquiteto e
urbanista, relacionadas às questões da habitação, da cidade e do território; (2) demandas de
mercado para a educação profissional do arquiteto e urbanista; (3) demandas internas para a
educação dos arquitetos e urbanistas.

Salienta-se que, no referido evento, a questão da habitação incluída no primeiro subtema


foi debatida no sentido de atendimento às populações de menores poderes aquisitivos. Isso
evidencia que, apesar de o vigente Currículo Mínimo ter considerado o tema da HIS como uma
área de especialização na formação dos arquitetos e urbanistas, e da proposta de reformulação
curricular elaborada na Carta de Ouro Preto ter omitido essa questão, um grupo de educadores
e representantes profissionais sinalizavam o interesse de fazer com que o referido tema se
tornasse mais frequente no ensino de arquitetura e urbanismo.

Visando uma abordagem qualitativa, crítica e com uma boa compreensão da temática
geral do evento, a ABEA constituiu um grupo de consultores “ad hoc”104 filiados à própria
associação para produzir textos, expondo suas posições e levantando questionamentos para
reflexões. Na publicação dos textos a ABEA optou por omitir a identificação dos consultores
alegando que essa atitude viria “[...] permitir que novos enfoques e outras visões polêmicas
sobre a avaliação do quadro atual da educação do Arquiteto e Urbanista no país pudessem

104
“Ad hoc” é uma expressão latina cuja tradução literal é "para isto" ou "para esta finalidade". Este termo é muito
utilizado em âmbito jurídico e em pesquisas acadêmicas.
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ser revelados, sem inibição, para seus autores” (ABEA, 1991, p. 1, grifo nosso). Por conta disso,
a partir do momento em que for necessário apresentar as falas e posições desses membros, estes
serão identificados como primeiro consultor, segundo consultor e assim por diante.

Tratando-se especificamente do subtema da demanda social, um dos membros do grupo


de consultores da ABEA ao expor suas colocações optou por centrá-las sobre a questão da
habitação, discorrendo, consequentemente, de modo questionador acerca da “intimidade” dos
arquitetos e urbanistas com o problema da HIS em sua formação profissional. Antes de
apresentar as colocações expostas pelo referido consultor, vale ressaltar que até o ano de
realização do X ENSEA, a produção habitacional direcionada para a população com os menores
rendimentos financeiros no Brasil, não estava mais sendo gerida pelo BNH, extinto no ano
de 1986105.

De 1986 até 1990, quando uma nova fase da política habitacional brasileira é
empreendida, o país ficou carente de uma política habitacional nacional consistente e efetiva.
Como consequência dessa carência, foram praticamente inexistentes as construções de HIS por
meio de programas habitacionais de abrangência nacional, salvaguardadas pontuais iniciativas
sem grande expressividade no cenário nacional106. Apesar de a literatura especializada
considerar que as décadas de 1980 e 1990 foram décadas perdidas no que se refere às políticas
habitacionais, Bonduki (2014a) salienta que essa afirmação é equivocada pois fundamenta-se
em parâmetros estritamente econômicos. Para o referido autor, mesmo com a ausência de uma
efetiva política nacional de habitação e dos elevados índices de pobreza, proliferação de favelas,
violência urbana, etc., as manifestações e reivindicações populares e de categorias profissionais
diversas, ocorridas no período, foram fundamentais para que se consolidasse a democracia e

105
“Com a extinção do BNH, perdeu-se uma estrutura de caráter nacional que, mal ou bem, tinha acumulado
enorme experiência, formado técnicos [arquitetos e engenheiros], apoiado pesquisas e estudos e financiado a maior
produção habitacional da história do país” (BONDUKI, 2014a, p. 83). Para maiores informações sobre a decisão
do governo brasileiro em extinguir o BNH, aconselha-se a leitura do primeiro capítulo do livro “Habitação social
nas metrópoles brasileiras: uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século XX”, organizado por Adauto Lucio Cardoso, disponível em:
<http://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/colecao7/livro_completo.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2016.
106
Destaca-se ainda que o país vivenciava um momento institucional conturbador, em que a responsabilidade das
questões referentes aos problemas urbanos e habitacionais do país migrava de instituição para instituição, ou seja,
em 1987 o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, instituído em 1985, passou a denominar-se
de Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Decreto nº 95.075, de 22 de outubro de
1987). Posteriormente, no ano de 1988, o governo brasileiro altera o nome do Ministério da Habitação,
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente para Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social, que foi extinto
em 1989. Nesse mesmo ano, as questões condizentes com os problemas urbanos voltam a ser responsabilidade do
Ministério do Interior e os aspectos referentes à questão habitacional foram dispersados por uma série de órgãos
federais, a exemplo do Banco Central, da Caixa Econômica Federal e da chamada Secretaria Especial de Ação
Comunitária, principal responsável pela gestão dos programas habitacionais alternativos.
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houvesse o fortalecimento dos movimentos de moradia, responsáveis por promoverem ações


mobilizadoras em prol de iniciativas concretas do poder público.

Essas ações mobilizadoras reapareceram nos anos de 1980 numa fase de lenta e gradual
abertura política e foram postas em evidência durante a movimentação em torno da Constituição
Brasileira de 1988, quando os arquitetos e urbanistas, entidades profissionais (Federação
Nacional dos Arquitetos; Federação Nacional dos Engenheiros e o IAB) e a comunidade
organizada (Movimento de Defesa dos Favelados, Articulação Nacional do Solo Urbano,
Coordenação Nacional dos Mutuários, movimentos sociais de luta pela moradia, dentre outros)
engajaram-se na luta pela Reforma Urbana. Todas essas forças foram fundamentais para a
elaboração do documento intitulado “Proposta popular de emenda ao Projeto de
Constituição”, desenvolvido para a pasta sobre Reforma Urbana. Com isso, após anos de
Ditadura Militar, a sociedade estava tendo a oportunidade de lançar propostas e reivindicar
direitos relativos à vida nas cidades, acesso à moradia e à terra. O documento referenciado foi
estruturado de modo a contemplar questões sobre o direito urbano, a propriedade imobiliária
urbana, sobre a política habitacional, o transporte e serviço público, e da gestão democrática da
cidade, do qual pode-se destacar os seguintes artigos:

Art. 1º - Todo cidadão tem direito a condições de vida urbana digna e justiça social,
obrigando o Estado a assegurar:
I – Acesso à moradia107, transporte público, saneamento, energia elétrica, iluminação
pública, comunicações, educação, saúde, lazer e segurança, assim como preservação
do patrimônio ambiental e cultural.
II – Gestão democrática da cidade.
Art. 12º - Para assegurar a todos os cidadãos o direito à moradia, fica o poder público
obrigado a formular políticas habitacionais que permitam:
I - Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas em regime de posse ou
em condições de sub-habitação;
II – Acesso a programas públicos de habitação de aluguel ou a financiamento público
para aquisição ou construção da habitação própria.
III – Regulação do Mercado imobiliário urbano e proteção ao inquilino, com a fixação
de limite máximo para o valor inicial dos aluguéis residenciais;
IV – Assessoria técnica à construção da casa própria.
(PROPOSTA POPULAR DE EMENDA AO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO,
1988, grifo nosso).

107
Apesar de a proposta popular de emenda ao projeto de constituição ter previsto como direito de todo o cidadão
o acesso à moradia, esse direito não foi incluso no texto original da Constituição Federal aprovada em 1988, ele
só foi inserido após a publicação da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000. Assim, conforme o
artigo 6º da Constituição Federal, são direitos sociais do cidadão brasileiro: “[...] a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao
/Constituicao.htm>. Acesso em: 08 jul. 2016.
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Contudo, o governo de José Sarney (1985-1990) herdou de seu antecessor, João


Figueiredo, um país com sérias crises financeiras e elevada inflação que havia atingido
patamares de 100%, em 1980, e de 200%, a partir de 1983 (SANTOS, 1999). Por não ter
conseguido constituir uma política nacional de habitação consistente, o governo brasileiro
manteve os investimentos na área por meio de um conjunto de programas habitacionais
alternativos – prioritariamente baseados na autoconstrução, autogestão e mutirão108 para a
população com os menores rendimentos financeiros – constituídos com o objetivo de apaziguar
os problemas sociais agravados ainda na Ditadura Militar em decorrência do desmantelamento
do SFH. Segundo Cláudio Hamilton M. Santos (1999), os programas alternativos, tais como o
PROFILURB e o PROMORAR, mantidos no governo do presidente José Sarney, começaram
a se tornar um peso para o governo, tendo em vista que estes eram executados, em sua maioria,
com recursos orçamentários e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Ainda
segundo o referido autor,

[...] a crise do SFH, em particular, e a de todo o setor habitacional, em geral,


aprofundou-se durante o período 1985/1989. Ao longo desses anos, o equilíbrio
atuarial do SFH sofreu fortes abalos e, com a extinção do BNH, o setor habitacional
foi atirado em grande crise institucional. Mesmo os pesados investimentos realizados
nos programas alternativos, se por um lado tiveram o mérito de focalizar uma faixa
de renda que vinha sendo negligenciada, por outro foram objeto de todo tipo de má
utilização de recursos, o que contribuiu para enfraquecer as COHAB e, portanto,
aumentar a centralização da política habitacional (SANTOS, 1999, p. 20).

Nos anos correspondentes ao governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) a crise


habitacional agravou-se consideravelmente devido ao uso inadequado dos recursos financeiros
para a implementação de programas em HIS. Além disso, durante os dois anos e meio de
permanência do presidente no poder, os programas habitacionais foram desvinculados das
atividades de saneamento e desenvolvimento urbano, contrariando, assim “[...] o relativo
consenso de que a integração desses programas produz resultados socialmente mais eficientes”
(SANTOS, 1999, p. 21). Esses fatos agravaram ainda mais a insatisfação acumulada de boa
parte dos profissionais de arquitetura e urbanismo engajados com as políticas públicas e
preocupados com o problema habitacional no país, além dos órgãos representativos da
profissão.

No primeiro ano de seu mandato, em maio de 1990, Fernando Collor de Melo lança o
Plano de Ação Imediata para a Habitação (PAIH)109. Tal plano, considerado como uma ação

108
A exemplo do Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, lançado em 1987.
109
“O Paih possuía três vertentes: “programa de moradias populares” (unidades acabadas), “programa de lotes
urbanizados” (com ou sem cesta básica de materiais) e “programa de ação municipal para habitação popular”
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emergencial no combate ao déficit habitacional, teve como proposição o financiamento, em 180


dias, de aproximadamente 245 mil HIS. Mas, apesar dos elevados investimentos destinados ao
referido Plano, muitas metas não foram cumpridas, e o prazo estimado de 180 dias foi
concretizado em mais de 18 meses (AZEVEDO, 2007). Além do estouro do orçamento para a
construção das unidades habitacionais, o número dessas unidades foi reduzido de 245 mil para
210 mil. Ainda conforme Azevedo (2007), nas regiões menos desenvolvidas, especialmente no
caso do Nordeste brasileiro, os resultados e metas foram ainda mais desastrosos e isso incluía
a qualidade projetual das habitações.

Foi exatamente a preocupação com a capacitação dos profissionais de arquitetura e


urbanismo, direcionados a atuar nesse cenário instável de produção habitacional, que motivou
os membros do grupo de consultores da ABEA, responsáveis em debater sobre o primeiro tema
do evento, a se posicionarem criticamente sobre o ensino de arquitetura e urbanismo. A intenção
foi sinalizar para as instituições de ensino a importância da inserção do tema da HIS de modo
frequente e prioritário na formação profissional dos futuros arquitetos e urbanistas. Salienta-se
contudo que, desde a proposta de reformulação do Currículo Mínimo de 1969 até a realização
do X ENSEA, o cenário de produção habitacional – transmutado e instável – parece ter
impactado numa suposta mudança de postura por parte da ABEA em relação à inserção do tema
da HIS nos cursos de arquitetura e urbanismo, contrariando, assim, as prerrogativas do
Currículo Mínimo de 1969 em relação ao tema em questão.

Acumuladamente, a experiência brasileira em HIS havia passado de um alto pico de


experimentações tipológicas em termos arquitetônicos para baixos índices de qualidade
projetual e urbana na implementação das habitações pelo BNH. Isso tudo, obviamente,
atravessando de modo direto o sistema de formação dos arquitetos e urbanistas. Com base nessa
experiência acumulada, o primeiro consultor da ABEA questionou se o tema da HIS –
considerando as formas de gerenciamento, projeto e construção naquele período – apresentava-
-se como sendo um tema complicado para os arquitetos e urbanistas? Segundo o referido
consultor, essa questão não parecia ser complicada, visto que a experiência mundial acumulada
em produção de habitações destinadas à população de baixa renda evidenciava o real modo
como essa habitação era tratada, como “moradia produto” (ABEA, 1991, p. 8), desprovida de
atenção e cuidados por parte dos setores públicos.

(unidades acabadas e lotes urbanizados). Enquanto para os dois primeiros programas os agentes promotores eram
variados (Cohab, Cooperativas, Entidades de Previdência, Carteiras Militares etc.), para o último este papel caberia
exclusivamente à prefeitura” (AZEVEDO, 2007, p. 19).
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Apreende-se na colocação do primeiro consultor da ABEA que a HIS tomada como


“moradia produto”, intrinsicamente nesta acepção, não merecia maiores atenções e,
consequentemente, no âmbito do projeto de arquitetura e/ou urbanismo, não exigia maiores
esforços por parte dos arquitetos e urbanistas, apresentando-se como um “problema” de fácil
solução. Porém, ao evidenciar que a real preocupação dos setores públicos era em ações
comedidas sobre a difusão social do acesso à propriedade, posse da terra e saneamento básico,
o primeiro consultor, ainda se referindo à “intimidade” dos arquitetos e urbanistas com os
problemas que circundavam a questão da HIS, questionou:

Isso se ensina? Nossas escolas superiores tem sido um fórum onde se debate aquilo
[questões referentes a HIS]? Nossos formandos em arquitetura aprendem os
rudimentos éticos, políticos e técnicos que tais aspectos do problema habitacional
comportam? Aprendem a formular corretamente as perguntas e indagações a serem
apresentadas ao corpo social, a tal ou qual especialista (jurista, geofísico, engenheiro
sanitário, sanitarista)? Sem que se pretenda transformá-los numa aberração
enciclopédico-multidisciplinar, talvez perambulando de uma organização a outra, de
instituição em insituição, se calhar até mesmo gritando a esmo pelo acirramento das
contradições e preconizando o big-bang como pré-requisito absoluto para o exercício
da profissão? Quero crer que sim, pois afinal a ecologia e o verde estão na moda,
etc, etc (Primeiro consultor da ABEA, grifo nosso)110.

Pode-se perceber que o primeiro consultor da ABEA finalizou seu questionamento sobre
o ensino de arquitetura e urbanismo supondo, ironicamente, que as escolas de arquitetura e
urbanismo estavam capacitando seus formandos a lidarem com esse universo de conflitos e
disputas que envolve a HIS. Além disso, constata-se que um dos questionamentos supracitados
se refere à capacitação dos formandos em arquitetura e urbanismo na formulação crítica de
indagações que os possibilitem a compreensão real do problema da HIS. Fato esse que, dados
os contextos educacionais do período, a condição secundária do tema da HIS no currículo
oficial nacional e de sua omissão na proposta de reformulação do Currículo Mínimo de 1969,
provavelmente não estava sendo equacionado a contento, salvaguardadas pontuais ações
empreendidas por docentes que compartilhavam de uma orientação política “negadora do
sistema”.

Em seu pronunciamento, o primeiro consultor da ABEA expôs que devido ao fato de o


arquiteto e urbanista comumente pertencer a uma outra classe social, alheio às estratégias e
táticas de sobrevivência da população de baixa renda, tornava-se um ser heteronômico, ou seja,
aquele que, sem questionar, naturalmente aceitava ou se submetia às regras impostas pelo
sistema produtivo de HIS, pelo mercado da construção civil, reproduzindo seus interesses. Na

110
(ABEA, 1991, p. 9).
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visão do primeiro consultor, essa aceitação se procedia sem que o profissional de arquitetura e
urbanismo desenvolvesse importantes questionamentos para bem entender a realidade com a
qual viria estabelecer contato, uma deficiência cuja origem se encontrava no próprio sistema
educacional, responsável por não constituir uma cultura de envolvimento dos alunos com os
problemas projetuais e urbanos da população de baixa renda do país. Assim, expôs: “o
atrelamento nosso ao sistema de produção heteronômico [referente à HIS] comportaria uma
longa série de questionamentos [não devidamente formulados], tanto sobre os sapos que nos
impõem engolir como sobre os que precisaríamos vomitar” (Primeiro consultor da ABEA)111.

Pelo que se pode notar, segundo o relato do primeiro consultor da ABEA, a preocupação
em capacitar profissionais da arquitetura e urbanismo para atuarem como profissionais críticos
no setor produtivo voltado à população de baixa renda era de inegável importância. Nessa
mesma linha de raciocínio, mas numa postura mais incisiva quanto à crítica da ausência do tema
da HIS nos cursos de arquitetura e urbanismo, o segundo consultor da ABEA chegou a afirmar
que na visão de muitos professores o tema da HIS apresentava-se como desnecessário, visto
que, se um profissional é preparado para projetar uma grande edificação residencial,
consequentemente, o mesmo estará sendo preparado para projetar uma habitação de menor
porte. Não obstante, o segundo membro evidenciou que a realidade era bem diferente da prática:

Quando se discute a introdução de uma ou várias disciplinas sobre habitação


popular, muitos professores reagem afirmando que o “problema” da habitação
popular é social, econômico, e, portanto, não é da competência profissional do
arquiteto. Habitação popular, segundo esses professores, é uma “habitaçãozinha”
e o arquiteto que sabe projetar uma mansão saberá “resolver” a “casinha”. A
realidade mostra que não é bem assim, haja visto que a maioria dos conjuntos
habitacionais populares projetadas por arquitetos é inadequada ou até mesmo
desastrosa (Segundo consultor da ABEA, grifo nosso)112.

A fala do segundo consultor da ABEA, evidencia a visão ideológica dos professores e


do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, que estava culturalmente arraigada num sistema
de reprodução do ensino direcionado ao atendimento das necessidades e anseios das classes
dominantes da sociedade brasileira. A visão dos professores de arquitetura e urbanismo,
destacada pelo segundo consultor, reflete aquilo que Apple (2006) chamou de “ideologias
profissionais”, as quais são sistemas de ideias, “racionalizações ou justificações bastante
específicas das atividades de grupos ocupacionais particulares” (APPLE, 2006, p. 53), que
hegemonicamente conseguem “saturar” a consciência dos alunos – dos mais variados

111
(ABEA, 1991, p. 13).
112
(ABEA, 1991, p. 21).
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segmentos sociais, incluindo os pertencentes às classes menos favorecidas ingressantes no


sistema de ensino superior – a servirem, seletivamente, às classes dominantes e a perseguirem
o sucesso profissional por meio dos grandes e icônicos exemplos da arquitetura nacional e
mundial como se estes representassem exclusivamente o universo total da arquitetura e
urbanismo.

Ao se posicionar como defensor favorárel a uma formação profissional comprometida


com as demandas sociais, o segundo consultor da ABEA evidenciou o desprestígio em relação
à inserção do tema da HIS no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, e afirmou: “o
arquiteto que se pretende “Maestro da Orquestra” [numa visão de profissional capaz de
organizar todo e qualquer espaço, apto a dirigir uma equipe heterogênea de profissionais] não
é e não se sente capaz de atuar quando o cliente é o povo” (Segundo consultor da ABEA)113.
Uma das provas desta incapacidade estava refletida na constatação de que entre os 130 trabalhos
finais de graduação participantes do concurso Opera Prima no ano de 1991, nenhum havia
abordado o tema da HIS (ABEA, 1991).

De acordo com o consultor referenciado, a situação era ainda mais agravante quando no
ensino de arquitetura e urbanismo era cogitado que os alunos projetassem urbanização de
favelas. Nesse caso, os discentes não dispunham de informações suficientes para atender bem
essa demanda, “[...] seja na percepção da linguagem popular do espaço produzido
coletivamente, seja na adaptação/implantação da infra-estrutura [...]” (Segundo consultor da
ABEA)114. Após uma série de colocações, o segundo consultor chegou à conclusão de que as
escolas de arquitetura e urbanismo, até o ano de 1991, ainda não conseguiam empreender um
ensino que capacitasse seus futuros arquitetos e urbanistas para o atendimento da demanda
social do povo brasileiro, isto é, produzir ou intervir em espaços/territórios populares.

A partir das conclusões evidenciadas, o segundo consultor lança a seguinte pergunta:


“Quem sabe não se poderia introduzir nas escolas disciplinas de estudo/análise da
arquitetura/habitação popular?” (Segundo membro do grupo de consultores da ABEA, grifo
nosso)115. Avançando nesse questionamento, pode-se acrescentar: qual o impedimento para que
o tema da HIS seja considerado como um conhecimento obrigatório nos cursos de graduação
em arquitetura e urbanismo?

113
(ABEA, 1991, p. 21).
114
(ABEA, 1991, p. 23).
115
(ABEA, 1991, p. 24).
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O debate acerca da questão da HIS e sua relação com o ensino de arquitetura e


urbanismo rendeu outras críticas. O terceiro consultor da ABEA comentou que, naquele
período, se um arquiteto fosse convidado a projetar uma habitação num terreno de 4m x 9m em
uma favela, ele ficaria atônico, sem saber o que fazer. Isso ocorreria pelo fato de este
profissional não ter sido preparado para lidar com essa situação. Esse mesmo consultor
concordando com os demais, salientou que as escolas de arquitetura e urbanismo estavam
perdendo o “bonde da história” (ABEA, 1991, p. 30), ou seja, estavam deixando de preparar
profissionais para atender às demandas sociais por espaços, de acordo com a cultura,
necessidades e vontade dos demandantes para atender às dos que dominam o mercado
construtivo, dos que administram a máquina pública (ABEA, 1991).

Conforme foi evidenciado com as abordagens e questionamentos formulados pelos


consultores da ABEA no X ENSEA, um dos desafios que deveria ser encarado de frente em
relação à formação profissional dos arquitetos e urbanistas era conseguir fazer com que as
universidades públicas e privadas pudessem formar profissionais competentes para enfrentar as
demandas sociais – entendidas como demandas por HIS dignas e com qualidade – assim como
os cursos da área da saúde havia conseguido efetivar, a exemplo dos cursos de medicina e
odontologia. Uma colocação que, inevitavelmente, em pleno século XXI, ainda se apresenta
atual e sem uma solução estrutural e curricular definida.

Se por um lado a crítica especializada lançava suas colocações sobre o ensino de


arquitetura e urbanismo em relação à ausência do tema da HIS, por outro, as atividades de
pesquisa e extensão desenvolvidas, paralelamente, nos cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo no Brasil legitimavam o estudo da HIS como um programa específico dentro das
instituições de ensino. Não se desmerece aqui a importância da realização das pesquisas, que
se constituem em atividades fundamentais da educação superior no país, contudo, não se pode
deixar de destacar que projetos de extensão e pesquisa não contemplam a toda uma turma de
formandos num curso de graduação, nesses casos, empiricamente, o envolvimento com esses
projetos ocorre de modo seletivo. Como evidenciado nos pronunciamentos dos consultores da
ABEA no X ENSEA, o que as instituições de ensino deveriam buscar empreender era um ensino
de graduação centrado no atendimento às demandas sociais que, por sua vez, deveriam estar
em sincronia com as atividades de pesquisa e extensão. Desse modo, havia o entendimento de
que, prioritariamente, o lugar do tema da HIS era nos ateliês de projeto, não restrito a um grupo
específico, mas acessível a todos os discentes da graduação. A questão central não era apenas
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tornar obrigatório o ensino sobre HIS e sim, a partir desta ação, consolidar uma cultura de
projeto, ensino e formação voltada para as massas.

Obviamente que a construção de uma cultura de ensino de projeto direcionada à


produção de HIS, dada as condições estabelecidas pelo vigente Currículo Mínimo de 1969, não
se efetivaria rapidamente. Além de uma condição secundária legitimada pelo Currículo
Mínimo, a inclusão prioritária do tema da HIS no ensino de arquitetura e urbanismo encontrava
no interior das instituições de ensino outra barreira, a dos princípios ideológicos difundidos
pelos professores responsáveis pela chamada “espinha dorsal” dos cursos, no caso, as
disciplinas de projeto de arquitetura.

Até o ano de 1991, apesar de haver um número considerável de professores com


dedicação exclusiva em todas as instituições públicas do país, ainda era frequente nos cursos
de arquitetura e urbanismo haver professores em regime de vinte ou quarenta horas sem
dedicação exclusiva, os quais dividiam suas funções docentes com as atividades da vida
profissional nos escritórios de arquitetura. O problema não residia no fato de alguns
profissionais desempenharem atividades de docência e de arquitetos profissionais
concomitantemente, ao contrário, do ponto de vista do ensino, o contato com docentes que
também atuam na atividade projetual era (e ainda é) enriquecedor para os discentes. Contudo,
a prática de muitos professores em situação de não dedicação exclusiva era balizada pelas
atividades desenvolvidas nos escritórios, ou seja, o tipo, o porte, as necessidades programáticas
do projeto e o perfil do usuário final eram conduzidos, majoritariamente, para “clientes”
pertencentes aos estratos sociais mais elevados da sociedade, tornando os ateliês de projeto em
simulacros literais dos escritórios.

Entretanto, refletir sobre os condicionantes do ensino de arquitetura e urbanismo,


particularmente os rumos das disciplinas de projeto, não era considerado por muitos docentes
como algo necessário, muitos acreditavam que as condutas postas em prática nos ateliês de
projeto estavam condizentes com as demandas da profissão, enquanto outros acreditavam que
nada precisaria mudar posto que, culturalmente, a formação dos arquitetos e urbanistas
sempre foi do modo que estava sendo praticado. Sobre essas posições, o quarto consultor da
ABEA comentou que, muito provavelmente, para esses tipos de docentes, refletir sobre as
demandas internas dos cursos de arquitetura e sobre as demandas sociais, não era interessante.
Para o consultor referenciado, esse grupo de professores constituía o que ele denominou de
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“grupos inertes e conservadores” e salientou, também, que “analisar o ensino interessa a


quem acha que tem jeito, que pode melhorar” (Quarto consultor da ABEA, grifo nosso)116.

A quem interessa analisar a situação do ensino hoje? Aos que acham que ele está bom?
Aos que acham que não tem jeito mesmo? Ou que sempre foi assim?
Certamente a esses o tema não interessa. Eles formam o grupo mais inerte e
conservador. Este grupo só faz reforçar o poder de quem manda hoje nele, o bom
mandado é o que nada analisa ou propõe, apenas se aquinhoa com as migalhas que o
arbítrio distribui (ABEA, 1991, p. 48).

Retomando ao cotidiano dos ateliês de projeto comandados por professores que também
atuavam como arquitetos profissionais, eles difundiam práticas arquitetônicas fundamentadas
em obras com grande apelo visual. Segundo o quinto consultor da ABEA, grandes obras
atraíam muito mais a atenção dos alunos do que qualquer outro tipo de empreendimento na
área da arquitetura e urbanismo (ABEA, 1991). Mas, como as grandes obras não iriam atrair
maior atenção se os próprios professores de projeto eram disseminadores desse tipo de
empreendimento? Como era possível estimular alunos a se interessarem por outros tipos e
padrões arquitetônicos se não havia uma cultura de projeto voltado a outros estratos sociais?
Contudo, essa prática “elitista” de ensino, ocasionava certos dilemas e demandas em alguns
alunos, em particular entre os oriundos dos estratos sociais menos favorecidos
economicamente, que não se viam representados no ensino de arquitetura e urbanismo. Para
esse grupo, na visão do quinto consultor da ABEA, muitas vezes eram levados a práticas de
submissão que lhes permitissem uma melhor integração ou uma visibilidade na área da
arquitetura e urbanismo (ABEA, 1991). Toda essa conjuntura de conflitos e abordagens
“elitistas” de ensino encontrava sua origem nas disciplinas de projeto, como bem salientou o
referido consultor da ABEA:

Como dissemos, estas demandas surgem geralmente de expectativas contrariadas, ou


de redefinições. O local de origem são as disciplinas de projeto, que perturbam
toda a noção de aprendizado [...]. Espinha dorsal do curso, área de consagração,
onde em geral, estão lecionando aqueles professores que tem notoriedade na
atividade de projeto é também, a área de maior conflito (Quinto consultor da ABEA,
grifo nosso)117.

Se nos cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por instituições públicas de ensino a


realidade dos ateliês de projeto já se processava como evidenciado, a situação das instituições
de ensino privadas era ainda mais agravante. Essas instituições, ao invés de terem interpretado
o segundo Currículo Mínimo como base para a uma formação profissional ampla e em

116
(ABEA, 1991, p. 48).
117
(ABEA, 1991, p. 65).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
185

conformidade com a diversidade do exercício profissional, interpretaram como um instrumento


formador de “arquitetos mínimos” (ABEA, 1991, p. 56).

Por fim, conseguir fazer com que a formação dos arquitetos e urbanistas, em plena
década de 1990, pudesse se efetivar com base numa formação de profissionais aptos a lidar
eficazmente com o problema habitacional dos classificados como economicamente
desfavorecidos, iria exigir, por parte dos agentes envolvidos com o ensino de arquitetura e
urbanismo no país, muita luta, como bem relatou o segundo consultor da ABEA:

Conseguir que a universidade forme arquitetos tão competentes para enfrentar as


demandas sociais por espaço, como já o faz com dentistas, por exemplo, vai exigir
mais que diálogo, mais que experimentações críticas. Vai exigir muita luta
(Segundo consultor da ABEA, grifo nosso)118.

5.2 A construção das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994

5.2.1 Sobre o Seminário Nacional ABEA de 1992

Desde o ano de 1991, com a realização do X ENSEA e V CONABEA, a ABEA


promoveu ciclos de debates sobre a situação do ensino de arquitetura e urbanismo. Esse ciclo é
encerrado em 1992 quando a ABEA promove entre os dias 5 e 8 de novembro, na Escola de
Arquitetura da UFMG, um Seminário Nacional cujo objetivo era sistematizar critérios para
avaliação da educação do arquiteto e urbanista (Imagem 5.4).

Dos 58 cursos de arquitetura e urbanismo em funcionamento no Brasil até o ano de


1992119, representantes de 45 deles participaram ativamente de todos os debates proferidos no
Seminário Nacional da ABEA120 (Imagem 5.5) no qual firmaram o compromisso de
sistematizar os critérios para avaliação da educação do arquiteto e urbanista relacionados a

118
(ABEA, 1991, p. 34).
119
Conforme dados do MEC, até o ano de 1992, o país possuía 18 cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais, 4 cursos ofertados por Universidades Estaduais e 36 cursos ministrados por instituições
privadas de ensino superior. Dados disponíveis em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 abr. 2019.
120
Os cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais do Nordeste foram representados
por seis instituições, no caso: 1) UFAL, representada pela professora Germana da Silva Pascual; 2) UFC,
representada pelos professores Margarida Júlia F. de Salles Andrade e Roberto Martins Castelo; 3) UFPB,
representada pelos professores Alexandre Azedo Lacerda e Ana Maria de S. M. Farias; 4) UFPE, representada
pelos professores Luis Manuel de Eirado Amorim, Risale Neves e Sonia Marques; 5) UFRN, representada pelos
professores Fernando José de Medeiros Costa, Françoise Dominique Valery e Pedro Antonio de Lima Santos; 6)
UFBA, representada pelos professores Itamar Costa Kalil e Guivaldo d'Aiexandría Baptista (ABEA, 1992).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
186

quatro temas que abrangiam toda a estrutura organizacional dos cursos (Quadro 5.5). Os temas
se relacionavam com aspectos que englobavam ações administrativas, passando pelas
atividades de pesquisa e extensão, formação continuada, até a abrangência da estrutura
curricular.

Imagem 5.4 - Solenidade de abertura do Seminário Nacional da ABEA, 1992

Participantes da mesa (sem ordem definida): o Secretário de Ensino Superior/Ministério da Educação, Prof. Rodolfo Pinto da
Luz; Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Prof. Evando Mirra Paula e Silva; Diretor Geral das Faculdades
Metodistas Integradas lsabella Hendrix, Prof. Ulisses Panisset; Presidente da Federação Nacional dos Arquitetos; Arq. Valeska
Peres Pinto; Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil-Direção Nacional; Arq. Ciro Pirondi; Presidente da Federação
Nacional de Estudantes de Arquitetura, Acad. Ricardo Costa Pinto; Vice-Diretora da Escola de Arquitetura da UFMG, Profª.
Marina Evelyn Machado; Diretor do Instituto Metodista Isabelia Hendrix, Prof. Silas Raposo; Presidente da Associação
Brasileira de Ensino de Arquitetura, Profª. Maria Elisa Meira; Presidente do CREA-MG e Representante do CONFEA, Eng.
Onofre Resende.
Fonte: ABEA, 1992, p. 19.

Imagem 5.5 - Representantes das Escolas de Arquitetura no Seminário Nacional ABEA, 1992

Fonte: ABEA, 1992, p. 15 e 35.


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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
187

Quadro 5.5 - Relação de temas debatidos no Seminário Nacional da ABEA, 1992


Tema Especificação
Estrutura Administrativa e Acadêmica;
01 Condições Físicas e Infraestrutura;
Disponibilidade e Utilização de Equipamentos.
Critérios de avaliação.
02
Projetos de extensão/pesquisa/política editorial.
03 Corpo Docente/Oferta e natureza da pós-graduação.
Constituição e desenvolvimento dos cursos:
04
Vestibular; Estrutura curricular; Trabalho final de graduação.
Fonte: elaborado pelo autor.

Entre as considerações gerais publicadas no documento final, percebe-se que na


elaboração dos critérios de avaliação para cada um dos distintos temas, os representantes
responsáveis pela editoração final apontaram a ausência de um projeto pedagógico como um
dos elementos que impediam as escolas de arquitetura e urbanismo enxergar completamente o
universo de ocorrências que articulavam as dinâmicas dos cursos. Adverte-se, porém, que o
projeto pedagógico não se apresentava como um documento obrigatório segundo o Currículo
Mínimo de 1969 e nem se constituía como parte da cultura educacional e administrativa das
escolas de arquitetura e urbanismo no país. A existência de um projeto pedagógico foi apontada
como imprescindível para a adequada formulação e gerenciamento das necessidades de cada
área de concentração do ensino de arquitetura e urbanismo nos aspectos condizentes ao ensino,
pesquisa e extensão (ABEA, 1992).

Tratando-se particularmente do aspecto da elaboração de critérios de avaliação


condizente à estrutura curricular plena121 dos cursos de arquitetura e urbanismo, transparece nas
considerações finais publicadas pela ABEA que os debates travados no X ENSEA, sobretudo
no tocante aos aspectos das demandas sociais por HIS, não foram considerados relevantes o
suficiente para se constituírem em um critério de avaliação da formação dos arquitetos e
urbanistas.

Os responsáveis por elaborarem os critérios sobre o Tema 04 (Quadro 5.5) elegeram


para a avaliação da estrutura curricular um total de 20 pontos que mais se assemelharam a
recomendações do que com critérios de avaliação propriamente dito. Entre esses 20 pontos não
havia nenhuma menção que caracterizasse uma possível preocupação com a implementação de
um ensino de arquitetura e urbanismo centrado no atendimento e entendimento das

121
O termo “estrutura curricular plena” foi utilizado pela ABEA para se referir aos currículos oficiais
desenvolvidos por cada instituição de ensino que eram formulados a partir do currículo mínimo nacional.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
188

necessidades habitacionais da população mais pobre da sociedade brasileira, residentes ou não


em áreas de risco, favelas, sem urbanização, como apontado no X ENSEA.

Os critérios elaborados para a estrutura curricular plena (Imagem 5.6), de modo geral,
centravam-se sobre: a elaboração clara dos objetivos dos cursos e da formação empreendida
por cada instituição de ensino; a verificação do número de horas aula ministradas; e a
verificação da estrutura curricular com o contexto regional (ABEA, 1992). Além disso, havia
uma preocupação acerca das disciplinas de projeto sobre o fato de elas resgatarem “[...] a
característica de ofício da profissão, através da possibilidade de materialização” (ABEA, 1992,
p. 53). Contudo, nenhuma explicação mais detalhada de como seria possível avaliar essa
chamada “possibilidade de materialização” foi apresentada.

Imagem 5.6 - Critérios finais para avaliação da Estrutura Curricular Plena (ECP)

Fonte: ABEA, 1992, p. 53.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
189

Em relação ao conteúdo das disciplinas, o único critério de avaliação apontado pelos


agentes que formularam o documento final explicitava apenas que era necessária a averiguação
da clareza dos conteúdos das disciplinas e de sua complementariedade. Além disso,
recomendava-se que os cursos pudessem ofertar disciplinas obrigatórias que propiciassem uma
formação generalista e disciplinas optativas as quais assegurassem alguma especialização aos
alunos (ABEA, 1992).

Todos os critérios de avaliação elaborados foram desenvolvidos objetivando dar suporte


às instituições de ensino na condução e reestruturação dos cursos de arquitetura e urbanismo,
bem como para que os futuros membros da CEAU pudessem avaliar cada curso nos diversos
cantos do país. Sobre a CEAU, o então secretário da educação superior do Ministério da
Educação e Desporto, professor Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, na sessão de abertura do
Seminário Nacional, apontou para a importância da reconstrução da referida comissão que
havia contribuído com a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do
Desporto e com o próprio campo disciplinar da arquitetura e urbanismo entre os anos de 1974
a 1988, quando são encerradas suas atividades. Esse período coincide com a promulgação da
Constituição Brasileira e dos debates acerca de uma nova reforma universitária e educacional
no país.

No intuito de mapear as condições e qualidades do ensino de arquitetura e urbanismo


praticadas pelas instituições públicas e privadas no país como base para a elaboração de um
novo instrumento curricular nacional, o professor Rodolfo Joaquim Pinto da Luz expôs a
decisão do Ministério da Educação e Desporto em reativar a CEAU que iniciaria o referido
mapeamento:

As Comissões de Especialistas, como órgão de assessoramento, já demonstraram, não


somente na área de Arquitetura como também nas de Engenharia, Ciências Agrárias,
Saúde e outras, que são os instrumentos adequados para a coleta do pensamento da
comunidade, para o relacionamento com os conselhos profissionais e entidades de
classe e para o intercâmbio com os órgãos governamentais, principalmente os
Ministérios afins da área de atuação profissional.
Os resultados históricos até 1988 e a falta desta preciosa assessoria das Comissões de
Especialistas, nos últimos 5 anos, levaram-nos a tomar a decisão de reativar as
comissões (ABEA, 1992, p. 24).

Oficialmente, a CEAU foi recriada em fevereiro de 1993, composta pelos seguintes


membros: Prof. Elvan Silva (Presidente/ UFRGS); Prof. Itamar Costa Kalil (UFBA); Profª.
Maria Amalia Amarante de Almeida Magalhães (UFRJ); Prof. Roberto Py Gomes da Silveira
(UFRGS); e Profª. Sylvia Ficher (UNB). Nesse mesmo ano, a CEAU inicia os trabalhos com
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
190

base no documento final do Seminário Nacional da ABEA, o qual a ajudou na condução


objetiva da avaliação da educação do arquiteto e urbanista.

5.2.2 A institucionalização das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo

O trabalho iniciado pela CEAU, em 1993, sobre o mapeamento das condições e


qualidades do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, foi concluído no ano de 1994 e
transcorreu-se por meio de dois focos de ação: (1) construção de um novo inventário dos cursos,
escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo122; (2) realização de seminários regionais e
nacional. O objetivo final do trabalho da CEAU era, a partir das inconformidades encontradas,
definir padrões mínimos de qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo, bem como
determinar requisitos para subsidiar o processo de aprovação de novos cursos e verificação do
funcionamento dos já existentes.

Durante o ano de 1993, a CEAU concentrou esforços no primeiro foco de ação, ou seja,
a construção de um novo inventário dos cursos, escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo
em funcionamento no Brasil. Para tanto, a comissão tomou como base os trabalhos iniciados
pela ABEA em anos anteriores123. Já no ano de 1994, a CEAU dedicou-se à realização de
seminários para debater e refletir sobre a situação do ensino de arquitetura e urbanismo. Ao
todo foram realizados cinco Seminários Regionais ocorridos nas cidades de Natal-RN, Cuiabá-
MT, Porto Alegre/RS, Vitória/ES e São Paulo/SP, e um Seminário Nacional ocorrido em
Brasília-DF.

Foi com base nas considerações e recomendações dos seminários promovidos pela
CEAU que a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto fixou
as “Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo” dos cursos de graduação em arquitetura e

122
O primeiro inventário dos cursos, escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo foi realizado e publicado pela
ABEA no ano de 1992. Este documento apresentou o quantitativo e os tipos de projetos de pesquisa e extensão
que estavam sendo desenvolvidos pelas 20 instituições de ensino participantes do inventário. Com a publicação
deste inventário, a ABEA objetivou fornecer informações para que outras instituições de ensino e a própria
comunidade acadêmica pudessem conhecer o cotidiano dos cursos e suas potencialidades. A íntegra do “Inventário
dos cursos, escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo – Etapa 1” está disponível para consulta no seguinte
endereço eletrônico: <http://www.abea.org.br/?page_id=730>. Acesso em: 20 dez. 2015.
123
Nesse processo, a CEAU contou também com o apoio do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia (CONFEA), Conselho Federal de Educação, da Secretaria de Educação Superior do Ministério da
Educação e do Desporto (SESU/MEC), Instituto de Arquitetos do Brasil, Federação Nacional de Arquitetos e
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura (FENEA). Tais órgãos forneceram dados, informações,
documentos e legislações à CEAU que resultaram num diagnóstico preliminar da área (BRASIL, 1994).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
191

urbanismo, por meio da Portaria Ministerial nº 1770, de 21 de dezembro de 1994 (BRASIL,


1994), que substituiu a Resolução n° 3, de 25 de junho de 1969.

Ao analisar a Portaria nº 1770/1994, pôde-se apreender que este se deteve,


primordialmente, em elencar as matérias e os conteúdos mínimos para os cursos de arquitetura
e urbanismo, restando às diretrizes curriculares apenas algumas breves recomendações sobre a
estrutura mínima que os cursos deveriam possuir para garantir a qualidade do ensino de
graduação. Entre as recomendações referentes às diretrizes gerais, o documento descreve a
necessidade de utilização de laboratórios, maquetarias, salas de projeto, além dos equipamentos
para o pleno exercício em sala de aula voltado às disciplinas consideradas profissionais que
requeressem espaços e equipamentos especializados (BRASIL, 1994).

Entre as recomendações constantes no referido documento, destacam-se: os cursos


deveriam manter um acervo bibliográfico de no mínimo 3000 títulos; as instituições de ensino
deveriam empreender visitas a obras, cidades e conjuntos históricos; os cursos não poderiam
ultrapassar a carga horária total de 3.600 horas e teriam que se responsabilizar pela
integralização num prazo mínimo de 5 e máximo de 9 anos (BRASIL, 1994). Por fim, as
diretrizes gerais elegem o Trabalho Final de Graduação (TFG) – primeira vez que é instituído
essa terminologia – como atividade obrigatória com o objetivo de se tornar um mecanismo de
avaliação da qualificação do formando para acesso à vida profissional.

As críticas elencadas sobre as consequências da institucionalização do Currículo


Mínimo de 1969, transitaram sobre as argumentações de que o currículo mínimo era rígido e
não se correlacionava com a realidade vivenciada pelos arquitetos e urbanistas em sua vida
profissional e nem refletia os anseios da categoria em torno da produção de um ensino
criticamente comprometido com as transformações sociais, urbanas e econômicas da sociedade
brasileira. Entretanto, ao considerar que o novo currículo oficial nacional, agora denominado
de “Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo”, não foi imposto pelo governo brasileiro,
mas, ao contrário, resultou de uma série de debates e recomendações formalizadas em encontros
nacionais realizados pela ABEA e nos seminários realizados pela CEAU, observa-se que a
desejada transformação do segundo Currículo Mínimo não se procedeu de modo
significativamente inovador como expresso nos discursos dos envolvidos com o sistema
educacional da área na época. Efetivamente, esse “novo currículo”, salvo algumas pontuais
mudanças, perpetuou em sua estrutura as velhas posturas educacionais.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
192

Apesar de a Portaria nº 1770/1994 fixar o conteúdo mínimo do curso de graduação em


arquitetura e urbanismo, efetivamente esse conteúdo restringiu-se à indicação de possíveis
temas de estudos para as matérias selecionadas como prioritárias na formação profissional.
Assim como o antigo Currículo Mínimo de 1969, o novo Conteúdo Mínimo dividiu as 12
matérias de ensino em duas partes, Matérias de Fundamentação e Matérias Profissionais. O
único diferencial, em termos de macrodivisão do conteúdo mínimo, estava no acréscimo da
atividade obrigatória do TFG:

Art. 2º - O conteúdo mínimo do Curso de Arquitetura e Urbanismo divide-se em três


partes interdependentes:
I) Matérias de Fundamentação, constituindo-se em conhecimentos fundamentais e
integrativos de áreas correlatas;
II) Matérias Profissionais, constituindo-se em conhecimentos que caracterizam as
atribuições e responsabilidades profissionais;
III) Trabalho Final de Graduação (BRASIL, 1994, p. 1).

Ao comparar a estrutura curricular composta para o Currículo Mínimo de 1969 e a


conformada na Portaria nº 1770/1994, percebe-se que houve a permanência de boa parte das
matérias do Currículo Mínimo de 1969. Como evidenciado no Quadro 5.6, entre as matérias de
fundamentação, as alterações se procederam sobre a matéria de “Física” e a de “Plástica”.
Ambas foram excluídas da Portaria nº 1770/1994, porém o conteúdo da matéria de física foi
difundido entre algumas matérias profissionais.

Quadro 5.6 - Comparativo entre o Currículo Mínimo de 1969 e as Diretrizes Curriculares e o


Conteúdo Mínimo de 1994
(continua)
Matérias Especificadas nas Diretrizes Curriculares
Matérias do Currículo Mínimo de 1969 e o Conteúdo Mínimo de 1994 (Portaria nº
1770/1994)
Matérias Básicas Matérias de Fundamentação
Estética, História das Artes e, especialmente da
Estética, História das Artes
Arquitetura
Matemática Matemática
Observação: Os conteúdos de física passaram a ser
incluídos nos programas relativos às matérias
Física
profissionais, tais como conforto ambiental, sistemas
estruturais e tecnologia da construção.
Estudos Sociais Estudos Sociais e Ambientais
Desenho e outros meios de expressão Desenho
Plástica -
Fonte: BRASIL, 1969; BRASIL, 1994.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
193

Quadro 5.6 - Comparativo entre o Currículo Mínimo de 1969 e as Diretrizes Curriculares e o


Conteúdo Mínimo de 1994
(conclusão)
Matérias Especificadas nas Diretrizes Curriculares
Matérias do Currículo Mínimo de 1969 e o Conteúdo Mínimo de 1994 (Portaria nº
1770/1994)
Matérias Profissionais Matérias Profissionais
Teoria da Arquitetura; Arquitetura Brasileira História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo
Resistência dos Materiais
Materiais de construção, detalhes e técnicas de Tecnologia da Construção
construção
Sistemas Estruturais
Sistemas Estruturais
Instalações
Higiene de Habitação Conforto Ambiental
Planejamento Urbano e Regional
Planejamento
Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo
- Técnicas Retrospectivas
- Topografia
- Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo
Fonte: BRASIL, 1969; BRASIL, 1994.

Em relação às matérias profissionais, destacam-se as seguintes alterações: houve a


exclusão da matéria “Arquitetura Brasileira”; algumas matérias do antigo currículo de 1969
foram transformadas em uma só no novo currículo oficial nacional; houve o desmembramento
da matéria de “Planejamento” e o resgate da matéria de “Projeto de Arquitetura, de Urbanismo
e de Paisagismo”. Além disso, três novas matérias foram incorporadas na formação profissional
dos arquitetos e urbanistas: “Técnicas Retrospectivas”, “Topografia” e “Informática Aplicada
à Arquitetura e Urbanismo”.

Ao observar os conteúdos mínimos especificados, principalmente para a matéria de


“Projeto de Arquitetura de Urbanismo e de Paisagismo” e “Planejamento Urbano e Regional”,
fica evidente a perpetuação de uma conduta educacional que renegou a abordagem clara de
temas voltados aos menos favorecidos da sociedade brasileira. Foi especificado pela CEAU que
a matéria de “Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo” constituía a atividade
criadora referente à “Arquitetura das habitações e edifícios em geral” (BRASIL, 1994, p. 4,
grifo nosso). Entende-se que essa generalização – também comentada no Capítulo 4 – acarreta
problemas de interpretação e imputa às instituições e aos docentes a responsabilidade de
abordar ou não estudos e projetos sobre a HIS.

Ao transferir a responsabilidade da inserção do conhecimento sobre HIS às instituições


de ensino, a CEAU se eximiu de assumir um compromisso nacional com os problemas
habitacionais e urbanos enfrentados pela população de baixa renda. O que de fato transparece
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
194

é que a constante crítica em relação à construção de um ensino preocupado com a realidade


prática dos profissionais de arquitetura e urbanismo comprometida com as necessidades da
população de baixa renda, registrada no X ENSEA por um grupo de docentes e profissionais
incomodados com a realidade imutável do ensino, foi totalmente desconsiderada. Isso ficou
mais evidente no conteúdo definido para as matérias de “Projeto de Arquitetura de Urbanismo
e de Paisagismo” e de “Planejamento Urbano e Regional” que permaneceu praticamente
inalterado em relação ao Currículo Mínimo de 1969.

Como é possível notar no Quadro 5.7, os agentes envolvidos com a formulação da


Portaria nº 1770/1994 portaram-se iguais aos que instituíram o Currículo Mínimo de 1969 ao
estabelecer uma condição para que temas relacionados a problemas de maior interesse social
pudessem ser inseridos no ensino de graduação. Comparando os conteúdos das matérias
expostas no Quadro 5.7, considera-se que no novo currículo oficial nacional houve um certo
retrocesso. Ao menos no que se refere às “residências populares”, o antigo Currículo Mínimo
de 1969, mesmo tendo atribuído um lugar secundário a essas residências, foi menos excludente
que a Portaria nº 1770/1994. Além disso, a utilização do termo “problema de maior interesse
social” não significa dizer que esse “interesse” era o da população de baixa renda. Em relação
à matéria de “Planejamento Urbano e Regional”, sua generalização nem possibilita uma análise
mais detalhada da situação.

Quadro 5.7 - Conteúdo da Matéria de Projeto de Arquitetura de Urbanismo e de Paisagismo, e


da Matéria de Planejamento Urbano e Regional de 1994
Matéria de Projeto de Arquitetura, de
Matéria de Planejamento
Urbanismo e de Paisagismo
(Currículo Mínimo de 1969)
(Portaria nº 1770/1994)
O Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de
O Planejamento constituirá a atividade criativa aplicada, Paisagismo constitui a atividade criadora, referente à
quer quanto à arquitetura das habitações e edifícios em arquitetura das habitações e edifícios em geral,
geral, quer quanto a projeto de objetos (arquitetura bem como a projetos de objetos, paisagens, cidades e
interior), quer quanto a cidades e regiões (planejamento regiões.
urbano e regional). Os temas abordarão problema de maior interesse
social, mediante atenção crítica às necessidades
Programas específicos objetivarão problemas de maior
sociais.
interesse social: escolas e hospitais, estádios e teatros,
clubes e parques recreativos, residências populares, Matéria de Planejamento Urbano e Regional
subúrbios, cidades industriais e cidades satélites, e
outros reclamados pela comunidade e pelo O Planejamento Urbano e Regional constitui a
desenvolvimento, atendendo-se às preferências dos atividade de estudos, análises e intervenções no
alunos e às possiblidades das escolas. espaço urbano, metropolitano e regional

Fonte: elaborado pelo autor com base em BRASIL, 1969 e BRASIL, 1994.

Diante dessas evidências, questiona-se: como uma comissão composta por professores
de prestígio nacional pôde, diante das constantes críticas sobre o Currículo Mínimo de 1969 e
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
195

das críticas à formação desvinculada das demandas da população de baixa renda ocorridas no
X ENSEA, não ter tido o cuidado em reformular substancialmente o conteúdo da matéria de
“Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo”? Por qual motivo o tema da HIS,
diante do progressivo agravamento do problema habitacional vivido pela população de baixa
renda no país, não foi legitimado como obrigatório na Portaria nº 1770/1994?

Pelo que tem sido analisado ao longo desta pesquisa, até 1994, parecia haver o
entendimento geral entre os profissionais envolvidos com o ensino de arquitetura e urbanismo
de que a Habitação de Interesse Social não era considerada como um conhecimento, assim
como, o Paisagismo, o Urbanismo, a Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo, etc., que
justificasse a sua inserção como matéria – termo que se diferenciava da ideia de disciplina,
entendida como sendo a divisão da matéria – ou como conteúdo. Em síntese, a HIS era
entendida como um tema/projeto qualquer que, assim como outros possíveis tipos de projeto,
estava condicionado às decisões particularizadas dos cursos e dos docentes na condução das
distintas disciplinas a serem ministradas. Desse modo, observa-se que, “aparentemente”, o
conteúdo das matérias listadas no Quadro 5.7, contemplava todo e qualquer projeto
habitacional. Mas, essa suposta “democratização” das distintas habitações foi interrompida pela
CEAU ao definir particularidades sobre os temas, ou seja, caso as instituições de ensino e os
professores não tivessem uma “atenção crítica às necessidades sociais”, os temas de projeto,
mais precisamente, as habitações e edifícios, não precisavam se relacionar aos problemas de
maior interesse social, nesse caso, entendidos como sendo os problemas vividos pela população
de baixa renda.

A conduta dos envolvidos com a formulação da Portaria nº 1770/1994 legitimou e


reafirmou a “tradição seletiva” de conhecimentos atrelados às necessidades da população com
os melhores rendimentos financeiros, ou seja, o desenvolvimento de projetos de “habitações e
edifícios em geral” predominantemente voltados para os interesses das classes dominantes era
tão comum e corrente no ensino que não precisava de nenhuma condição para sua inserção.
Efetivamente, naquele contexto histórico-político-social, as grandes composições de
arquitetura e o desenvolvimento de projetos habitacionais com maior apelo estético já estava
impregnada na cultura predominante dos cursos, não necessitando, para tanto, uma
atenção/condição especial. Como bem salientou o segundo consultor da ABEA no X ENSEA,
a postura dos envolvidos com a formulação da Portaria nº 1770/1994 ratifica a visão daqueles
que achavam que se o arquiteto “[...] sabe projetar uma mansão saberá “resolver” a “casinha”
[a habitação de interesse social, a habitação popular]” (ABEA, 1991, p. 21).
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196

Segundo a ABEA (1994, p.89, grifo nosso), a reformulação curricular instituída pela
Portaria nº 1770/1994 – com os diagnósticos evidenciados – sob responsabilidade da CEAU,
foi fruto de “[...] um processo de reflexão de avaliação baseado em exame aprofundado da
problemática educacional na área”. Problemática esta que, oficialmente, manteve-se distante
das demandas da população de baixa renda. Assim sendo, não é de estranhar a afirmativa já
citada pelo segundo consultor da ABEA, sobre o fato de professores da arquitetura e urbanismo
considerarem a questão da habitação de interesse social como um problema econômico,
portanto, longe de sua competência profissional (ABEA, 1991).

Após a institucionalização das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo, a CEAU


publica no ano de 1995 o documento intitulado “Perfis da Área e Padrões de Qualidade”, com
o objetivo de evidenciar as condições de ensino oferecidas pelos cursos de arquitetura e
urbanismo e sistematizar requisitos para a abertura e funcionamento de novos cursos. Além
disso, o documento serviu como instrumento de verificação periódica dos cursos em
funcionamento.

Nesse documento, a CEAU relata que no período de 1995 e 1996 havia no Brasil 85
cursos de arquitetura e urbanismo, sendo 32 cursos em implantação e 53 cursos em
funcionamento. Ainda conforme a Comissão, os 85 cursos existentes, distribuídos entre
instituições públicas e privadas, tiveram a oportunidade de “redesenhar” os currículos plenos e
os projetos pedagógicos com base nas Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
(MEC; SESU; CEAU, 1995, p. 2). Observa-se que a preocupação fundamental na construção
de um curso que mantivesse relação com a atividade prática da profissão, centrou-se no
estabelecimento de condições favoráveis à implementação da informática no curso de
graduação, como se essa inserção fosse, literalmente, capaz de marcar o ensino numa nova era,
e ainda, como se o problema da relação ensino e prática se resumisse ao ensino de desenho
computadorizado.

A informática foi amplamente evidenciada na preocupação da CEAU a ponto de ter


promovido ações para suprir a carência desse ensino nas escolas por meio do “Programa de
Informatização do Ensino de Graduação em Arquitetura e Urbanismo”, priorizado pela
SESU/MEC em 1994 (MEC; SESU; CEAU, 1995, p. 6). No entanto, no que se refere à inserção
do tema da HIS, dado a sua relevância social, não foi constatado nenhum empenho por parte da
CEAU para suprir a carência desse ensino nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
197

5.2.3 A experiência dos Laboratórios de Habitação

As ações referentes à HIS que antecederam a institucionalização das Diretrizes


Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994, caracterizadas por programas habitacionais
alternativos, apesar de não terem tido uma visibilidade significativa em âmbito nacional, não
deixaram de desempenhar um importante papel em relação ao enfrentamento do déficit
habitacional desde a extinção do BNH, em 1986.

Um dos pontos de destaque dos programas habitacionais alternativos foi a possibilidade


de realização de assistências técnicas e jurídicas gratuitas em trabalhos de produção
habitacional direcionados à população de baixa renda e a efetivação de HIS em áreas centrais
da cidade (BONDUKI, 2014a). Sobre isso, Benetti (2012) enfatiza que a ideia de retorno às
áreas centrais da cidade foi perseguida pelos agentes envolvidos com as ações habitacionais
durante a década de 1990, de modo a fazer com que as áreas monofuncionais, perigosas e
abandonadas durante a noite, fossem dinamizadas a partir da absorção da função residencial.
Esse pensamento caminhava no sentido de fazer com que a cidade fosse enriquecida com
possibilidades de inclusões sociais efetivas.

A experiência das assistências técnicas em alguns casos resultou em ações frutíferas e


com o engajamento de arquitetos e urbanistas e estudantes, por meio de Organizações não
Governamentais (ONGs) e de grupos de pesquisas e laboratórios de habitação vinculados aos
cursos de arquitetura e urbanismo. Conforme evidenciado por Ekerman (2018, p. 82), “no
Brasil, a assistência técnica em arquitetura e urbanismo era desejo antigo da sociedade, presente
no progressista projeto de Lei da Reforma Urbana proposto ainda em 1963 no Congresso
Nacional”. Esse desejo também foi posto em evidência pelos movimentos populares e entidades
representativas dos arquitetos e urbanistas envolvidos com a Constituição Brasileira de 1988.
Inclusive, foi especificada no inciso IV do artigo 12 da proposta popular de emenda ao projeto
de Constituição Brasileira de 1988, que o poder público devia assegurar a todos os cidadãos
assessoria técnica à construção da casa própria, como citado no item 5.1.2 desta tese.

Uma das históricas ações de destaque nesse tipo de assistência foi desenvolvida pelo
curso de arquitetura e urbanismo da Faculdade de Belas Artes de São Paulo a partir de ações
extensionistas promovidas pelo Laboratório de Habitação (Lab-Hab) da instituição. Criado em
1982, no fim da Ditadura Militar, o Lab-Hab passou a desempenhar um importante papel no
cenário educacional e habitacional direcionado à população de baixa renda ao capacitar alunos
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
198

da graduação para desenvolver experiências construtivas e projetuais numa época de grande


instabilidade dos programas habitacionais no país. Até o ano de 1985, o Lab-Hab esteve sob a
direção dos arquitetos Joan Villà e Jorge Caron que, segundo Montaner e Muxí (2013), unindo
a capacidade de auto-organização daqueles que necessitavam de habitação e as possibilidades
de investigação e proposição da universidade, conseguiram desenvolver importantes trabalhos
e constituir um grupo heterogêneo (Imagem 5.7) com a participação de arquitetos, engenheiros
e estudantes, os quais, anos mais tarde, tornar-se-iam importantes referências em aspectos
relacionados com a política habitacional brasileira, com especial destaque para os professores
Nabil Bonduki e Raquel Rolnik.

Imagem 5.7 - Ensaio do primeiro painel de laje no Lab-Hab da Faculdade de Belas Artes

Fonte: MONTANER; MUXÍ, 2013.

Conforme Ekerman (2018), o Lab-Hab desenvolveu importantes projetos, tais como: “o


Projeto de urbanização e das casas da favela "Recanto da Alegria"; o projeto de urbanização e
implantação das unidades habitacionais da AMAI [Associação dos Moradores da Vila Arco-
-íris] e trabalhos de assessoria técnica para os "Núcleos para a Conquista de Moradia da Vila
Remo e Cidade Dutra", sempre em São Paulo” (EKERMAN, 2018, p. 89). Nas atividades de
assistência técnica, o Lab-Hab chegou a desenvolver painéis para serem utilizados em oficinas
comunitárias com o intuito de estimular os moradores a participar dos debates em torno dos
projetos habitacionais (Imagem 5.8).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
199

Imagem 5.8 - Atividades desenvolvidas pelo Lab-Hab

Painéis informativos Reunião do Lab-Hab Construção de maquete


Fonte: BONDUKI, 2014a, p. 80 e 81.

Além disso, alunos da graduação em atividades de monitoria no Lab-Hab elaboraram,


em 1988, um estudo de viabilidade de reurbanização da Favela Nicodemus, localizada numa
área nobre da cidade de São Paulo, ameaçada de despejo. Assim, foram elaboradas plantas
baixas, cortes, maquetes, dentre outros recursos, com o intuito de convencer as autoridades da
época a manter os moradores na mesma localidade e investir em boas condições de
habitabilidade. Ação essa que muito se assemelha com as práticas de Carlos Nelson Ferreira
dos Santos na experiência da favela Brás de Pina, em 1967. Segundo Bonduki (2014a, p. 81),
“com projetos como esse, o Lab-Hab mostrava ser possível uma nova política habitacional,
onde se pudesse garantir localizações mais centrais e qualidade arquitetônica em projetos de
habitação social”.

Obviamente que as ações em HIS desenvolvidas nos cursos de arquitetura e urbanismo


no Brasil, não se resumiram apenas ao exemplo do Lab-Hab, além deste, destacam-se outras
atividades desenvolvidas pelos: Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Santos (HABTAFAUS), que desenvolveu
atividades entre os anos de 1983 e 1984; o Laboratório de Habitação da Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP), criado em 1986, cuja direção também ficou sob o comando do
arquiteto Joan Villà; e o Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Espírito Santo, criado em 1992.

Com a expansão dos cursos de arquitetura e urbanismo pelo país e o crescente número
de professores com dedicação exclusiva nas universidades, progressivamente novos grupos de
pesquisas em HIS e laboratórios de habitação vão sendo criados. Afinal, neste lugar, não havia
nenhum impedimento ou condição legal para que o tema da HIS ocupasse uma posição de
destaque. Desse modo, até a finalização desta tese, somente na área ciências sociais aplicadas,
o país já possuía um total de 46 grupos de pesquisa que desenvolvem trabalhos sobre HIS. Deste
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
200

total, conforme dados disponíveis no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil -


Lattes/CNPq124, 25 são vinculados a Universidades Federais, 6 em Universidades Estaduais; e
15 em instituições privadas de ensino superior.

Dos 25 grupos de pesquisa e laboratórios de habitação vinculados às Universidades


Federais, 11 deles se concentram na Região Nordeste, 2 na Região Norte, 8 na Região Sudeste
e 4 na Região Sul. Nenhum grupo de pesquisa ou laboratório de habitação foi encontrado na
Região Centro-Oeste no levantamento realizado. No caso da Região Nordeste, que concentra o
maior número de grupos de pesquisa em HIS e laboratórios de habitação, estes estão
distribuídos entre os estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Sergipe, como evidenciado no
Quadro 5.8. A lista completa de todos os grupos de pesquisa e laboratórios de habitação do
Brasil estão listados no Apêndice 1.

Quadro 5.8 - Grupos de Pesquisa em HIS da Região Nordeste do Brasil

Instituição Grupos de Pesquisa em HIS Líder do grupo


Débora de Barros Cavalcanti
Núcleo de Estudos do Estatuto da Cidade – NEST
Universidade Federal Fonseca
de Alagoas Augusto Aragão de
Urbe - Estudos da Cidade
Albuquerque
Universidade Federal Arquitetura Popular: espaços e saberes Luiz Antonio Fernandes
da Bahia LabHabitar - Laboratório de Habitação e Cidade Angela Maria Gordilho Souza
Grupo de pesquisa - Produção da Habitação e da
Kainara Lira dos Anjos
Cidade – GPHEC
Universidade Federal Alcília Afonso de Albuquerque
Arquitetura e Lugar
de Campina Grande Melo
Livia Izabel Bezerra de
INCT Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba
Miranda
LATTICE - Laboratório de Tecnologias de Flávio Antônio Miranda de
Universidade Federal Investigação da Cidade Souza
de Pernambuco Comunidade Interdisciplinar de Ação, Pesquisa e
Danielle de Melo Rocha
Aprendizagem – CIAPA
Centro de Estudos de Planejamento e Práticas
Universidade Federal Sarah Lúcia Alves França
Urbanas e Regionais – CEPUR
de Sergipe
Tecnologias em Arquitetura e Urbanismo Márcio da Costa Pereira
Fonte: elaborado pelo autor.

A prática dos laboratórios de habitação entre o período de 1986 a 1994, constituiu-se


em ricas iniciativas na esfera educacional em relação à inserção do tema da HIS nas atividades
de pesquisa e extensão, que possibilitou a troca de conhecimentos entre professores, alunos,
associações de moradores, cooperativas habitacionais e técnicos dos órgãos governamentais.
Apesar de as atividades dos distintos laboratórios espalhados pelo Brasil não envolverem toda

124
Levantamento realizado no portal http://lattes.cnpq.br/web/dgp, em 11 de maio de 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
201

a comunidade discente das instituições, mesmo assim conseguiram contribuir com a formação
de profissionais mais comprometidos com os problemas habitacionais da população menos
favorecida economicamente da sociedade brasileira.

As experiências desenvolvidas dentro das universidades públicas e particulares citadas,


contribuíram para que, anos depois, ex-alunos se envolvessem com a formação de ONGs, as
quais, desde a década de 1990, atuam no desenvolvimento de assistências técnicas à população
de baixa renda baseadas na autoconstrução, autogestão e mutirão popular com a participação
majoritária de arquitetos e urbanistas em conjunto com profissionais de distintas áreas do
conhecimento (cientistas sociais, historiadores, engenheiros, advogados etc.). Foi o caso, por
exemplo da formação do Usina - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado (Usina CTAH)
e da Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais.

O Usina CTAH125, fundado em 1990 na cidade de São Paulo, tem atuado “[...] no sentido
de articular processos que envolvam a capacidade de planejar, projetar e construir pelos
próprios trabalhadores, mobilizando fundos públicos em um contexto de luta pelas Reforma
Urbana e Agrária” (VILAÇA; CONSTANTE, 2015, p. 375). A primeira grande obra
desenvolvida pelo Usina CTAH foi o Mutirão 26 de Julho (Imagem 5.9), um conjunto
habitacional formado por construção de 561 unidades habitacionais todas construídas por meio
de mutirão e autogestão, com recursos da Prefeitura Municipal de São Paulo (através do
Programa Funaps Comunitário). O Mutirão 26 de Julho foi construído entre os anos de 1991 a
2000 (com interrupção entre os anos de 1993 e 1997) na Zona Leste de São Paulo, e, segundo
Marcos Lopes, Mário Braga e Wagner Germano (2015, p. 224), “[...] acabou se tornando uma
espécie de laboratório para experiências de habitação de interesse social”.

Além dessa obra, o Usina CTAH, participou também: entre 1991 a 1998 da construção
de casas via mutirão autogerido em Guarapiranga, São Paulo, obra batizada pelo nome de Talara
(Imagem 5.10); entre 1992 a 1998 da construção de edifícios para 1000 famílias em Jardim
Piratininga, Osasco/SP, projeto batizado de Copromo (Imagem 5.11); entre 1993 a 1998
participou da construção de 20 edifícios com 4 andares em São Mateus, São Paulo, projeto
batizado como União da Juta.

125
Os primeiros membros do Usina CTAH trabalhavam no Laboratório de Habitação da UNICAMP, mas, após
avaliarem a possibilidade de constituir uma estrutura autônoma da instituição de ensino, decidiram montar a ONG
e continuar trabalhando o problema da moradia junto com os movimentos sociais (LOPES; BRAGA; GERMANO,
2015).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
202

Imagem 5.9 - Canteiro de obras e croqui da fachada das casas do Mutirão 26 de Julho

Fonte: LOPES; BRAGA; GERMANO, 2015, p. 228-229.

Imagem 5.10 - Canteiro de obras do Projeto Talara e planta baixa das unidades habitacionais

Fonte: LOPES; BRAGA; GERMANO, 2015, p. 234; 237.

Imagem 5.11 - Canteiro de obras do Projeto Copromo

Fonte: LOPES; BRAGA; GERMANO, 2015, p. 245; 247.

Já em 1993, é fundada, também em São Paulo, a Peabiru a partir da união entre


arquitetos e urbanistas, engenheiros, advogados, psicólogos e outros profissionais que tinham
a mesma intenção do Usina, desenvolver trabalhos de arquitetura e urbanismo por meio da
assessoria a movimentos populares. Atualmente o Peabiru desenvolve trabalhos em três linhas
de ação: (1) produção do espaço – onde desenvolvem projetos arquitetônicos e urbanísticos,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
203

acompanham a execução das obras de HIS e desenvolvem e implementam a participação


comunitária no processo; (2) crítica – atuam no desenvolvimento de estudos, pesquisas e
eventos sobre HIS; (3) política – atua na elaboração e aprimoramento de políticas públicas em
HIS (PEABIRU, 2019)126.

Até a finalização desta tese, o envolvimento de arquitetos e engenheiros com assistência


técnica em HIS tem crescido consideravelmente. A experiência dos laboratórios de habitação e
a aprovação da Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008 (Lei da Assistência Técnica em
Habitação de Interesse Social), que será comentada no Capítulo 6 desta tese, tem impulsionado
a criação de novas ONGs e empresas sociais, das quais pode-se nomear: GTA Grupo Técnico
de Apoio, fundado em 1993; INTEGRA Desenvolvimento Urbano, fundada em 1999; Brasil
Habitat, fundada em 2003; Engenheiros Sem Fronteiras - SP, fundado em 2016; Terceira
Margem - Consultoria Urbana e Ambiental, fundada em 2017; e o Comviva Arquitetura e
Urbanismo que atua junto a comunidades de favela.

5.3 Considerações sobre o Capítulo 5

O período temporal delimitado neste capítulo, entre os anos de 1977 a 1994, foi
caracterizado, no âmbito das ações relacionadas à produção de habitações de interesse social,
pela fase final de funcionamento do BNH, extinto em 1986, e início do estabelecimento dos
programas habitacionais alternativos. Esses, por sua vez, inseriram novas estratégias de
enfrentamento do problema habitacional vivido pela população de baixa renda a partir do
incentivo à autoconstrução, autogestão e mutirão popular, muito em decorrência do movimento
nacional de luta pela redemocratização do país que culminou com a institucionalização da
Constituição Brasileira em 1988. É, nesse cenário, que a ABEA assume o trabalho de
movimentar professores e representantes dos cursos de arquitetura e urbanismo do Brasil em
torno da reformulação do Currículo Mínimo de 1969 no sentido do estabelecimento de
parâmetros mínimos que fossem capazes de manter a qualidade do ensino e de o colocar em
sintonia com as transformações em curso no país.

126
PEABIRU (São Paulo) (Ed.). Programas. 2019. Disponível em: <http://www.peabirutca.org.br/>. Acesso em:
12 mai. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
204

Nesse contexto, evidenciou-se que os eventos profissionais e acadêmicos ocorridos a


partir de 1977 efetivam o registro da importância do estabelecimento de um compromisso
prioritário da formação do arquiteto e urbanista com as necessidades e realidades habitacionais
e urbanas vividas pela população de baixa renda num novo instrumento curricular oficial
nacional, sobretudo na área de Projeto e Planejamento. Esses registros foram inicialmente
oficializados na publicação do livro “Subsídios para a reformulação do Ensino de Arquitetura”
de 1977 e, posteriormente, problematizados com maior ênfase no X ENSEA e V CONABEA
ocorridos em 1991. Naquele momento, os consultores da ABEA apontaram as dificuldades da
inserção do tema da HIS nos currículos das escolas de arquitetura e urbanismo, sobretudo nas
disciplinas de projeto, devido ao fato de ainda ser prioritário o estudo sobre arquiteturas de
“pedigree”.

Contudo, ao analisar a primeira proposta do novo currículo oficial nacional para os


cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, elaborada em 1982, e a segunda proposta
instituída em 1994, oficializada como “Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo”,
constatou-se que os debates ocorridos e as conclusões formalizadas nos eventos acadêmicos e
profissionais citados, não foram atendidos em sua totalidade, sobretudo no tocante à inserção
do tema da HIS.

No caso das “Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo”, resultante de um processo


democrático que contou com a participação de professores de prestígio nacional integrantes da
Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CEAU), objetivamente o tema da HIS não
foi citado nem como matéria de fundamentação ou profissional, nem como conteúdo. Nesse
caso, as análises efetivadas demonstraram que houve um certo retrocesso em relação ao
Currículo Mínimo de 1969. Além de o conteúdo da matéria de “Projeto de Arquitetura, de
Urbanismo e de Paisagismo” ter sido praticamente transcrito do Currículo Mínimo de 1969, a
CEAU determinou ainda que temas de projeto cuja abordagem se relacionasse com problema
de maior interesse social, só precisariam ser inseridos no ensino de graduação em arquitetura e
urbanismo caso houvesse, por parte das instituições de ensino e dos professores, uma atenção
crítica às necessidades sociais. Condição esta que coadunava com os mesmos princípios
ideológicos impostos pela Ditadura Militar no Currículo Mínimo de 1969.

As análises desenvolvidas sobre o processo de constituição do currículo oficial nacional


de 1994, evidenciou também que havia o entendimento entre a ABEA e a CEAU de que a
responsabilidade do estabelecimento de compromissos oficiais com determinados tipos de
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
205

problemas/projetos cabia às instituições de ensino e aos docentes. Nesse sentido, os fatos


analisados apontaram que a CEAU optou por manter uma tradição de elaboração curricular que
se fundamentava no princípio da generalização e da neutralidade, aproximando-se assim, das
perspectivas tradicionais de currículo. No entanto, como evidenciado nos eventos acadêmicos
e profissionais que antecederam a institucionalização das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo
Mínimo, na prática, essa generalização contribuía para que os docentes de arquitetura e
urbanismo, sobretudo os “mestres” que comandavam os ateliês de projeto, desvalorizassem o
desenvolvimento de trabalhos atrelados à realidade vivida pela população de baixa renda.

Diante da não inserção do tema da HIS como matéria ou como conteúdo obrigatório, a
alternativa encontrada pelos “professores negadores do sistema” foi constituir grupos de
pesquisa e laboratórios voltados para o problema da HIS. Nesses espaços foi possível o
desenvolvimento de atividade de extensão relacionados à assistência técnica em HIS e a
capacitação de um grupo seleto de alunos no atendimento às necessidades habitacionais da
população de baixa renda. Apesar de os laboratórios de habitação e a atuação dos grupos de
pesquisa terem contribuído com a disseminação do conhecimento em torno dos problemas
habitacionais do país, conforme o quinto consultor da ABEA (ABEA, 1991), esses resultados
tiveram pouquíssima repercussão na graduação em arquitetura e urbanismo.

Ademais, as Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994 estiveram vigentes


no país por 12 anos, até a institucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de graduação em arquitetura e urbanismo em 2006. Durante esses 12 anos, no contexto
político, habitacional e educacional, uma série de mudanças foi concretizada no país, tornando
ainda mais evidente a importância da inserção prioritária do tema da HIS na formação dos
arquitetos e urbanistas. Contudo, resta saber se estas mudanças, detalhadas no próximo capítulo,
impactaram nas condutas dos que se envolveram com a formulação das DCN no que se refere
à alocação do problema em questão num lugar diferente dos instituídos pelos currículos oficiais
nacionais até 1994.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
206

6 AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DE 2006 E 2010

Este capítulo tem como objetivo analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo instituídas em 2006 e sua reformulação
ocorrida em 2010, quanto à oficialização do tema da habitação de interesse social. Para tanto,
foram analisadas, no período compreendido entre os anos de 1995 a 2018, as principais ações
relacionadas à produção de habitações de interesse social; os principais eventos acadêmicos e
profissionais, bem como os fatos ocorridos no país que impactaram no ensino de arquitetura e
urbanismo, segundo evidenciado na linha do tempo exposta na Imagem 6.1.

No que tange à questão da produção habitacional, foi evidenciada a constituição de


novos programas alternativos e a institucionalização do Programa de Arrendamento
Residencial (PAR), criado em 1999, e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),
instituído em 2009. Além disso, destacou-se: a experiência do Programam Favela-Bairro,
iniciado em 1995; a institucionalização do Estatuto da Cidade, em 2001; a criação do Ministério
das Cidades, em 2003; a formulação da Política Nacional de Habitação (PNH), em 2004; o
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitação
de Interesse Social (FNHIS), ambos em 2005.

Em relação aos eventos acadêmicos e profissionais do período, foram destacados:


Prêmio CAIXA-IAB; o XIX e XXIV Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e
Urbanismo de 2002 e 2006, respectivamente; o Seminário de Política Urbana Quitandinha
+50/CAU-BR, em 2013; a 30ª Reunião Plenária do CAU-BR, em 2014; e o Seminário Nacional
de Ensino e Formação, ocorrido em 2018. Na esfera do ensino superior e de arquitetura e
urbanismo, analisaram-se os principais fatos ocorridos antes e depois da institucionalização das
DCN de 2006 e de 2010. Desse modo, destacaram-se: a reformulação da LDB; o processo de
aprovação das DCN; as políticas de incentivo à ampliação do acesso ao ensino superior e
expansão das instituições de ensino no país por meio do Programa Universidade para Todos
(PROUNI), do Sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB), e do Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Por fim,
evidenciou-se a movimentação pró-reformulação das DCN de 2010 e o panorama nacional dos
cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais do Brasil
em relação à oficialização do tema da HIS em seus Projetos Políticos-Pedagógicos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
207

Imagem 6.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1995 e 2018

Fonte: elaborado pelo autor.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
208

6.1 Os programas habitacionais entre 1995 e 2018: da diversidade de financiamentos


às audaciosas metas de produção

Um ano após a institucionalização das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo,


inicia-se a gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que esteve no comando
do país por dois mandatos consecutivos, o primeiro ocorrido entre os anos de 1995 a 1998, e o
segundo de 1999 até 2002. Foi em seu primeiro mandato que FHC formulou e implementou
uma série de medidas que impactou no sistema econômico127, habitacional e educacional no
país.

No tocante à produção habitacional, nesse período, o governo brasileiro buscou traçar


alternativas para combater a inadimplência dos financiamentos concedidos, incentivar a
comercialização dos imóveis construídos durante a administração de Fernando Collor (1990-
1992) e retomar a produção habitacional por meio da criação de programas que impulsionasse
o mercado da construção civil no país, dos quais podem ser destacados: o Programa Pró-
Moradia e o Programa Carta de Crédito (Individual e Associativa), em 1996; o Habitar-Brasil
BID, em 1998; e o Programa de Arrendamento Residencial, em 1999. Cada um desses
instituídos em momentos distintos, visando atender demandas específicas da população
brasileira.

O Programa Pró-Moradia, criado em 1996, foi desenvolvido com o intuito de atender


as demandas habitacionais de famílias com renda mensal de zero a três salários mínimos, que
tivessem possiblidades de comprovar seus rendimentos por meio de um trabalho formal ou
informal, residentes em áreas degradadas e em situação de risco social. Nesses casos, era
previsto pela Caixa Econômica Federal (CAIXA) o auxílio de um corpo técnico (arquitetos e
urbanistas e/ou engenheiros) para a realização da análise e acompanhamento dos projetos
habitacionais (CAIXA, 2018a).

Ainda em 1996, além dos programas Pró-Moradia, o Governo Federal, com a intenção
de impulsionar ainda mais o setor da construção civil por meio da iniciativa privada, cria um
programa de demanda espontânea, o Carta de Crédito. Esse se destinava à concessão de

127
Na esfera econômica, além das reformas constitucionais e das privatizações, FHC, objetivando controlar a
galopante inflação, realizou uma reforma monetária – conhecida como Plano Real – que lhe proporcionou destaque
nacional e internacional e, consequentemente, garantiu-lhe votos para o segundo mandato eleitoral.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
209

financiamentos diretamente às pessoas físicas128 (forma individual) ou pessoas físicas


associadas em grupos (forma associativa) com renda mensal de três até doze salários mínimos,
para a aquisição de terreno ou casa própria (GORDILHO-SOUZA, 2000). Segundo Gordilho-
-Souza (2000, p. 61), o Carta de Crédito Associativo se apresentava como um tipo de iniciativa
vantajosa para os grupos de condomínios pelo fato de este “[...] oferecer a possibilidade da
autogestão, sem a intermediação de incorporadoras e com liberdade para escolha do tipo e
características do projeto”.

O Programa Habitar-Brasil, criado em 1993 ainda na gestão de Itamar Franco (1992-


1995), é reformulado em 1998 após o governo brasileiro estabelecer parceria com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Esta parceria repercutiu na mudança do nome do
programa que passou a se chamar Habitar-Brasil BID, o qual foi criado para promover
intervenções em assentamentos então denominados de “subnormais” (favela, comunidade,
grotão, vila etc.), localizados em regiões metropolitanas, capitais de estado e aglomerações
urbanas, por meio de dois subprogramas, o Desenvolvimento Institucional de Municípios e o
Urbanização de Assentamentos Subnormais (CAIXA, 2018b). Ressalta-se, ainda, que o BID
firmou essa parceria com o Governo Federal depois da experiência de financiamento do
Programa Favela-Bairro, da Prefeitura do Rio de Janeiro, coordenado pela Secretaria Municipal
de Habitação do Estado.
O Programa Favela-Bairro, lançado em 1994, foi efetivamente implementado em
1995129 (MENDES, 2006) e é considerado um dos mais emblemáticos na questão de
urbanização de favelas, tendo se constituído em objeto de estudo em cursos de graduação e pós-
graduação em arquitetura e urbanismo pelo país. Ganhou notoriedade nacional e internacional
por se constituir numa política habitacional que assumiu a defesa da integralização das favelas
à cidade. Segundo Izabel Cristina Reis Mendes (2006, p. 119), este programa “[...] pretendia se
firmar como um ponto de avanço no histórico de processos de intervenção nas favelas cariocas,
e este avanço consistia no reconhecimento dessas áreas como novos bairros” da cidade.

128
Para Santos (1999), o crédito direto ao consumidor final era visto pelo governo brasileiro com bons olhos, pois
a responsabilidade de solucionar o problema habitacional era transferida diretamente para o consumidor que
poderia ter maior liberdade de escolha na solicitação do financiamento, ou seja, ele poderia optar por comprar um
imóvel pronto novo ou usado, comprar um terreno ou, até mesmo, materiais de construção.
129
Inicialmente o Programa Favela-Bairro, cujas propostas foram elaboradas por escritórios particulares, sem
vínculos com a administração pública, atendeu a 15 comunidades da cidade do Rio de Janeiro classificadas como
sendo de pequeno e médio porte. Os trabalhos só começaram a ser efetivados a partir do firmamento da parceria
entre a Prefeitura do Estado do Rio de Janeiro com o BID, em 1995, que foi renovado em 2000 (MENDES, 2006),
e se constituiu como um programa de iniciativa do Estado do Rio de Janeiro na gestão do prefeito Cesar Maia
(1991 a 1996), e não como uma conquista de movimentos populares organizados (BENETTI, 2012).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
210

Essa ideia de integrar a favela à cidade foi posta por Benetti (2012) como sendo o ponto
de superação do Programa Favela-Bairro em relação às intervenções já realizadas no Brasil em
favelas (comumente caracterizadas pela remoção total), ou seja, a política habitacional do
programa não partiu da premissa de construção de habitação, mas de ofertar às comunidades
beneficiadas o acesso e pertencimento à cidade. Entretanto, o citado autor ressaltou que, apesar
do objetivo inicial ter sido a consideração das áreas faveladas como novos bairros, “[...] na
prática, a falta de cuidado e a discriminação concreta dos órgãos de manutenção provocam uma
volta às condições anteriores das obras” (BENETTI, 2012, p. 63).

Nenhum desses três programas conseguia atender as demandas habitacionais do país,


especialmente aquelas oriundas das camadas mais pobres da população brasileira, sobretudo,
devido à política econômica de FHC ter se baseado na restrição ao crédito, impactando, por
conseguinte, numa ação tímida no enfrentamento dos problemas habitacionais. Todavia, diante
da crise econômica estabelecida no país entre os anos de 1998 e 1999 e da queda dos
investimentos em habitação, o país se viu diante de uma situação que exigia a constituição de
alternativas para que o mercado da construção civil continuasse a ser estimulado. Nesse embalo,
o Governo Federal decidiu instituir o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) pela
Medida Provisória nº 1.823, de 29 de abril de 1999130, no âmbito da Secretaria Especial de
Desenvolvimento Urbano da Presidência da República. Desde o BNH, o país não conseguia
emplacar um programa habitacional razoavelmente consistente a nível nacional. Com a
institucionalização do PAR, essa abrangência é paulatinamente efetivada em todas as regiões
do Brasil.

As ações do governo de FHC, no âmbito das políticas habitacionais, direcionaram-se


para o fortalecimento da produção habitacional por meio da institucionalização de programas
que abrangiam diferentes possibilidades de financiamento do terreno e da casa com priorização
do “[...] ingresso do cidadão individualmente ou em grupos cooperativos sem intermediações
de outros agentes, objetivando menores custos de produção e maior amplitude” (GORDILHO-
-SOUZA, 2000, p. 60). Esse contexto, somado à aprovação do Estatuto da Cidade em 2001131,
motivou a realização de concursos nacionais de projetos para HIS e urbanização de favelas,

130
“Essa medida provisória foi reeditada 24 vezes entre 1999 e 2001, antes de ser transformada em lei – Lei
Ordinária nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001” (BONATES, 2007, p. 87).
131
O Estatuto da Cidade foi instituído por meio da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Além de ter
regulamentado os capítulos da política urbana da Constituição Brasileira de 1988, o Estatuto da Cidade traz alguns
avanços significativos ao assumir o compromisso em garantir o “[...] direito a cidades sustentáveis, entendido
como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” (BRASIL, 2001, p. 1). Segundo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (2003,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
211

com destaque para a parceria firmada entre a CAIXA e o IAB. Foi ainda em 2001 que estas
entidades lançaram a primeira edição do concurso público nacional de ideias e soluções para
habitação de interesse social, chamado Prêmio CAIXA-IAB.

Essa premiação, com edições realizadas em 2001, 2004, 2006 e 2008/2009, converteu-
-se num dos mais importantes instrumentos de estímulo para profissionais e estudantes da área
da arquitetura e urbanismo no desenvolvimento de inovações projetuais para HIS no Brasil.
Aliás, o objetivo do concurso era “promover o debate no meio acadêmico e entre os
profissionais em busca de soluções econômicas, criativas e inovadoras para o urbanismo e a
habitação de baixo custo” (CAIXA; IAB, 2001, p. 1 apud ASSUMPÇÃO, 2013, p. 162). O
Prêmio CAIXA-IAB, além de estimular que os participantes desenvolvessem propostas
vinculadas a distintos programas habitacionais em vigor no país, trouxe em seus editais distintas
modalidades de premiação que representavam as principais características dos problemas
habitacionais e urbanos vividos pela população de baixa renda, como pode ser conferido no
Quadro 6.1.

Quadro 6.1 - Edições e modalidades do Prêmio CAIXA-IAB

Edição Modalidades
Habitação
2001
Urbanismo
Programa de Arrendamento Residencial
Carta de Crédito Associativo recursos FGTS individual
Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH
2004
Programa Pró-moradia
FAT Habitação (FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador)
Composição dos programas listados acima
Terrenos, inseridos em malha urbana de áreas consolidadas, propiciando tipologias de alta
densidade, que poderão exigir a utilização de elevadores
Vazios urbanos, de médio porte, inseridos em áreas urbanizadas
2006 Lotes urbanos, de pequeno porte, propiciando tipologias multifamiliares, de densidade média, sem
utilização de elevadores
Urbanização de assentamentos informais
Reciclagem de prédios deteriorados e ou obsoletos, adaptando-os para fins habitacionais
Soluções integradas para intervenções em comunidades indígenas e quilombolas
Habitação Sustentável multifamiliar em áreas de favelas
2008/2009
Reabilitação de edifícios em áreas centrais
Intervenções em Áreas urbanas e degradadas
Fonte: adaptado de Assumpção (2013, p. 165).

p. 14), o Estatuto da Cidade evidenciou a relevância da questão urbana, reivindicada pela sociedade desde a década
de 1960, para a “[...] construção de um projeto de sociedade igualitária e justa”. No entanto, o autor salientou que
esse instrumento foi aprovado num período em que estava ocorrendo a afirmação da ampliação das características
concentradoras da urbanização e emergência de forças poderosas sobre o poder urbano corporativo (Op. cit, 2003).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
212

Nota-se, com base na exposição das modalidades, que o desenvolvimento de propostas


focadas exclusivamente no produto habitação aparece enunciado apenas na primeira edição de
2001. A partir de 2004, o Prêmio CAIXA-IAB começou a exigir que os participantes
trabalhassem o tema da HIS de um modo global, assim, o projeto da HIS (aspectos
arquitetônicos, construtivos e custos da produção – montagem ou fabricação de componentes)
passou a ser avaliado em conjunto com o projeto urbano (que englobava o agenciamento dos
espaços livres e conexões com os espaços de uso públicos – praças, ruas, avenidas, matas etc.).
A mudança no modo de abordar as questões em torno da HIS por parte dos organizadores do
Prêmio CAIXA-IAB, foi reflexo do próprio contexto político do país, demarcado pelo fim do
mandato de FHC, em 2002, e início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula).

Lula esteve no comando do país por dois mandatos consecutivos, 2003-2006 – período
que ocorre a institucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo – e 2007-2010. Na esfera habitacional, Lula conduziu
suas ações com base no Projeto Moradia132, desenvolvido entre os anos de 1999 e 2000. Este
projeto propunha, entre uma série de ações, que no novo governo fossem tomadas as seguintes
medidas em relação à situação habitacional do país: criação do Sistema Nacional de Habitação
que articularia todos os órgãos públicos voltados para habitação; criação do Ministério das
Cidades; e criação do Fundo Nacional de Moradia em resposta à demanda do movimento de
habitação.

Foi a partir da construção desse projeto que no governo Lula compreendeu-se que “[...]
o problema da moradia não se resolvia apenas com a construção de casinhas, mas era necessário
enfrentar também a questão urbana e fundiária [...]” (BONDUKI, 2009, p. 10). Assim, seguindo
o compromisso firmado com o projeto mencionado, Lula, em seu primeiro mandato, cria:

 O Ministério das Cidades em 2003, que se encontrava em atividade até o ano de


2018;
 Formula a Política Nacional de Habitação (PNH) em 2004, que só foi publicada
em 2009;

132
Segundo Bonduki (2009), o referido projeto foi construído a partir das propostas lançadas por diversos
segmentos da sociedade civil: movimentos sociais, entidades empresariais, técnicas e acadêmicas, ONGs,
sindicatos e poder público. O Projeto Moradia foi formulado por uma equipe de coordenadores compostos por:
Clara Ant (arquiteta, coordenadora geral do Projeto Moradia e dirigente do Instituto Cidadania), André de Souza,
Ermínia Maricato, Evaniza Rodrigues, Iara Bernardi, Lúcio Kowarick, Nabil Bonduki e Pedro Paulo Martoni
Branco, e com a gerência executiva de Tomás Moreira (BONDUKI, 2009; 2008).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
213

 Institui o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) em 2005,


que articularia todos os órgãos públicos voltados para habitação;
 Aprova também em 2005 a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social (FNHIS), cuja finalidade é unir e destinar recursos financeiros para
subsidiar a população de baixa renda. Até o fim do governo presidencial de
Michel Temer (2016-2018), a transferência desses recursos133 era feita por meio
de contratos de repasse da União aos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Além de todas essas ações, o governo Lula continuou aplicando as mesmas estratégias
econômicas implementadas no governo de FHC, conseguindo, assim, manter a economia do
país estável por um bom período. Nesse interim, o governo decide revisar as normativas do
PAR e promover a expansão das faixas salariais familiares possibilitando, deste modo, após a
publicação da Portaria nº 231, de 4 de junho de 2004, que as famílias cuja renda mensal fosse
de até quatro salários mínimos passassem a ser beneficiadas com o arrendamento de uma nova
unidade habitacional, desde que respeitadas as condições específicas de construção e projeto
arquitetônico que variavam conforme a região do país.

Foi com o governo Lula que os investimentos em habitação se elevaram


substancialmente no país, sobretudo entre os anos de 2003 a 2008. Desde o BNH, o país não
havia conseguido emplacar tantos recursos em habitação, superando a marca de 42 bilhões
(BONDUKI, 2009). Além dos empreendimentos do PAR, algumas HIS puderam se efetivar por
meio de outros programas, a exemplo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
lançado em 2007. Entre as obras construídas com recursos deste último programa pode-se
exemplificar: o Conjunto Vila do Mar, em Fortaleza, obra destinada para o abrigo de famílias
removidas da favela do Pirambu; e o Residencial Heliópolis, também conhecido como
“Redondinhos”, projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake em São Paulo.

São empreendimentos que se destacam, não só pela qualidade do projeto de arquitetura,


mas, sobretudo, por terem sido concebidos de modo a priorizar a integração da habitação com
o espaço urbano. No caso do Conjunto Vila do Mar (Imagem 6.2), o projeto foi desenvolvido
para reassentar famílias de baixa renda que ocupavam as áreas de marinha de forma irregular.
Desse modo, foi priorizado que as novas moradias fossem construídas próximas à área original

133
Segundo o artigo 24 da Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, era permitida ao Ministério das Cidades a
aplicação direta dos recursos do FNHIS, mas, até 2018, os recursos estavam sendo administrados e repassados
pela Caixa, à medida que as obras eram executadas e atestadas pelos Estados, Municípios e Distrito Federal.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
214

ocupada pelas famílias beneficiadas, com urbanização das áreas livres e infraestrutura
(VASCONCELOS, 2015).

Imagem 6.2 - Unidades Habitacionais do Conjunto Vila do Mar, Fortaleza

Vista Externa Perspectiva da Planta Baixa


Fonte: VASCONCELOS, 2015, p. 306; MOREIRA, 2012.

No caso do Residencial Heliópolis (Imagem 6.3), desenhado com 4 apartamentos por


andar, de 49m² e 2 dormitórios, o projeto nasceu a pedido do líder comunitário da favela de
Heliópolis, João Miranda, ao arquiteto Ruy Ohtake. A partir de então, o referido arquiteto
decidiu conceber e coordenar “[...] os trabalhos de forma voluntária, com a colaboração da
arquiteta Daniela Della Volpe e o apoio da União dos Núcleos e Associações de Moradores de
Heliópolis e São João Clímaco (Unas) e da Prefeitura de São Paulo” (CAU, 2018, p. 1).

Imagem 6.3 - Residencial Heliópolis, São Paulo

Vista aérea Planta Baixa – Apartamento Tipo

Fonte: MELENDEZ, 2012; S3 ARQUITETURA E PLANEJAMENTO, 2011.

Além dos programas citados, destaca-se como uma conquista importante para os
arquitetos e urbanistas e movimentos populares organizados, a aprovação pelo Congresso
Nacional da Lei nº 11.888, sancionada em 24 de dezembro de 2008 (Lei nº 11.888/2008), que
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
215

assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o
projeto e a construção de HIS. Para os arquitetos e urbanistas brasileiros, em particular, a
aprovação da referida lei se constitui num novo marco profissional e de desafios para os cursos
de graduação em arquitetura e urbanismo, como será abordado no item 6.2 deste capítulo.

Quase um ano após ser sancionada a Lei nº 11.888/2008, em 07 de setembro de 2009,


já no final do 2º mandato de Lula, o Governo Federal institui o mais ousado programa
habitacional brasileiro, o Programa Minha Casa Minha Vida, por meio da Lei nº 11.977, de
7 de julho de 2009. Contudo, é válido pontuar que esta institucionalização se procedeu sem a
efetiva participação do Ministério das Cidades. Quando o PMCMV foi anunciado em 2008 na
Casa Civil, o Ministério das Cidades estava dedicado à formatação final do Política Nacional
de Habitação (PNH), portanto, alijado das decisões do programa.

O PMCMV ao ser instituído, rompe com o projeto de política urbana que estava sendo
debatido no Ministério das Cidades. A ideia de produzir HIS integrada à cidade expressa no
PNH foi totalmente desvirtuada pelo PMCMV que, segundo Haroldo Pinheiro, priorizou “[...]
a localização dos empreendimentos em bairros periféricos, distantes da malha dotada de
infraestrutura e mercado de trabalho, agravando problemas urbanos e sociais já insustentáveis
em nossas cidades” (PINHEIRO apud CAU, 2014, p. 1).

O PMCMV tem sua produção demarcada por fases: a primeira delas foi iniciada em
2009 e se estendeu até 2010, quando finda o governo Lula – nesse período a meta inicial de
contratar a construção de 1 milhão de habitações foi atingida (SINDUSCON-RIO, 2012); a
segunda fase aprovada em 2011, no 1º governo da então Presidenta Dilma Rousseff (2011-
2014), estendeu-se até 2014 e, segundo dados do Governo Federal134, a meta de construção
estimada em 2,75 milhões de habitações, foi atingida; e a terceira fase foi iniciada em 2016, já
no governo de Michel Temer135 (2016-2018), cuja meta permaneceu a mesma, no caso, entregar
2 milhões de unidades habitacionais até 2018 (MATOSO, 2016)136.

134
As metas e dados quantitativos divulgados pelo Governo Federal sobre a produção habitacional do PMCM até
2014 estão disponíveis em: <http://www.secretariadegoverno.gov.br/iniciativas/internacional/fsm/eixos/inclusao-
social/minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 3 nov. 2019.
135
Michel Temer foi vice-presidente de Dilma Rousseff nos períodos de 2011 a 2014 (primeiro mantado) e de
2015 a 2016 (segundo mandato). Temer só assumiu a presidência do Brasil em 31 de agosto de 2016, após o
plenário do Senado Federal ter aprovado, por 61 votos favoráveis contra 20 contrários, o impeachment de Dilma
Rousseff.
136
As faixas de renda na terceira fase do PMCMV foram ampliadas e o governo criou mais uma modalidade, a
faixa de renda 1,5. Assim, a nova configuração ficou caracterizada da seguinte forma: para a faixa 1 o limite de
renda passou de R$ 1,6 mil para R$ 1,8 mil; a faixa 1,5 foi crida para famílias com renda até R$ 2.350; na faixa 2,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
216

Uma das medidas tomadas pelo governo brasileiro para viabilizar as audaciosas metas
de construção foi estabelecer padrões arquitetônicos e construtivos das unidades habitacionais,
principalmente aquelas destinadas às famílias com renda de até três salários mínimos (faixa 1).
No caso das famílias com renda de três a dez salários mínimos (faixa 2 e 3), a CAIXA não
estabeleceu uma especificação mínima para as unidades habitacionais, pois são transferidas às
construtoras a responsabilidade na definição das tipologias de cada edificação.

Para as unidades habitacionais da faixa 1, o programa previa duas tipologias (casas


térreas e apartamentos) com características bem semelhantes do PAR. Para as casas térreas, a
área interna mínima das unidades devia ser de 32m² e a área de construção com 35m², já para
os apartamentos, a área interna das unidades habitacionais não podia ser menor que 37m² e a
área total da unidade devia ser de 42m² (CAIXA, 2014). Além de determinar parâmetros
mínimos de projeto, a CAIXA, ao elaborar a Cartilha do PMCMV, sugeriu um modelo de planta
baixa das casas (Imagem 6.4) e dos apartamentos (Imagem 6.5) que podia ser modificado a
critério das construtoras.

Imagem 6.4 - Exemplo de tipologia para casa térrea do PMCMV

Área de construção mínima = 35 m²


Área útil mínima das unidades = 32 m²

Fonte: adaptado de CAIXA, 2014, p. 6.

o limite de renda passa de R$ 3.275 para R$ 3,6 mil; e na faixa 3, o limite de renda passou de R$ 5 mil para R$
6,5 mil (MATOSO, 2016).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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Imagem 6.5 - Exemplo de tipologia para apartamentos do PMCMV

Área total mínima da


unidade habitacional = 42m²
Área útil mínima da unidade
habitacional = 37m²

Fonte: adaptado de CAIXA, 2014, p. 7.

Ao lançar uma proposta nacional de organização espacial dos empreendimentos para a


faixa 1, além de estimular as construtoras a se limitarem ao modelo sugerido, a CAIXA não
evidencia nenhum incentivo à elaboração de novas alternativas projetuais e construtivas,
sobretudo no aspecto dimensional. Segundo pesquisa de satisfação dos beneficiários do
PMCMV, realizada pela Secretaria Nacional de Habitação, Ministério das Cidades e pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (BRASIL, 2014), o fator dimensional tem se
constituído num problema nacional. A pesquisa constatou que as unidades habitacionais dos
apartamentos do PMCMV em todas as regiões do Brasil foram construídas com áreas que
variavam entre 32m² e 36m², ou seja, abaixo do mínimo recomendado pelos normativos da
CAIXA.

Com dimensões nessa “grandeza”, é praticamente um milagre projetar habitações que


se adaptem à diversidade das famílias sem que elas, num futuro recente, possam implementar
mudanças no projeto original. Inevitavelmente, um dos maiores desafios dos atuais e futuros
arquitetos e urbanistas é conseguir projetar e produzir soluções arquitetônicas para a população
com menores rendimentos financeiros considerando, além da economia nos custos, as
especificações mínimas postas pelos programas habitacionais que, na prática, lamentavelmente,
convertem-se em limitações máximas.
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218

Um dos projetos desenvolvidos para o PMCMV que extrapolou os aspectos


convencionais de construção empreendidos pelas construtoras, foi desenvolvido pelo arquiteto
João Filgueiras Lima, o Lelé. Ao ser procurado pela então Presidenta Dilma Rousseff em 2011,
Lelé foi convidado a apresentar uma solução projetual e construtiva alternativa ao PMCMV
que contemplasse o programa funcional estabelecido pela CAIXA.

Assim, após um período de pesquisa e análise, o referido arquiteto escolheu como objeto
de estudo a cidade de Salvador, Estado da Bahia, por esta apresentar uma topografia que
dificulta a implantação de habitações convencionais. Em entrevista concedida à professora
Cláudia Estrela Porto, o arquiteto declarou que sua intenção não era promover a retirada das
pessoas do local e sim, refazer suas moradias com o apoio de uma fábrica que atuaria como
montadoras das unidades habitacionais (LIMA apud PORTO, 2011).

Lelé apresentou à Cláudia Estrela Porto os projetos detalhados para dois terrenos vazios
localizados nos bairros de Pernambués e Cajazeiras, em Salvador/BA, ambos constituídos de
edificações em estrutura mista metálica com argamassa armada que seriam montadas
manualmente. Para Parnambués (Imagem 6.6), o projeto previa a inserção mista de casas
geminadas, com 32,80m² ou 34,40m², e apartamentos com 39,60m², além de creche, escola e
área de lazer; em Cajazeiras (Imagem 6.7) foi prevista apenas a inserção de apartamentos com
39,60m² (PORTO, 2011).

As propostas desenvolvidas por Lelé demonstram que alternativas projetuais fora dos
padrões convencionais de construção podem ser possíveis de se efetivar desde que haja
interesse por parte de agentes públicos e privados. Contudo, segundo evidenciado por Haroldo
Pinheiro:

A burocracia, aliada a interesses privados, impediu que as ideias [de Lelé] saíssem do
papel. A mesma burocracia que tem ficado atônita e passiva com os seguidos casos
de construções com problemas estruturais, inclusive com ameaças de desabamentos;
denúncias de superfaturamento; transformação dos conjuntos habitacionais em
condomínios fechados e expulsão de moradores por milícias (PINHEIRO apud CAU,
2014, p. 3).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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219

Imagem 6.6 - Projeto do PMCM desenvolvido para Parnambués por João Filgueiras Lima

Perspectiva externa dos apartamentos e casas geminadas Planta baixa Casas Geminadas – módulo
superior e módulo mínimo

Planta Baixa dos apartamentos

Fonte: PORTO, 2011, p. 4-5.

Imagem 6.7 - Projeto do PMCM desenvolvido para Cajazeiras por João Filgueiras Lima

Perspectiva externa dos apartamentos Planta Baixa – apartamentos 34,40m²

Fonte: PORTO, 2011, p. 1; 5.

Lamentavelmente, a burocracia que impede a execução de alternativas para a efetivação


de habitações de qualidade, integrada à cidade e com boa infraestrutura urbana, não é algo
recente na história da produção habitacional no Brasil. Ela é consequência de uma série de ações
sociais, políticas e econômicas que vem sendo reafirmadas historicamente, como já sinalizado
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
220

nos capítulos anteriores desta tese. No entanto, essas reafirmações históricas não têm sido
negligenciadas pelas entidades representativas dos arquitetos e urbanistas, a exemplo do IAB e
Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Em 2013, propondo-se a debater a situação do
problema habitacional no país, o IAB e o CAU-BR organizaram um amplo debate nacional
num evento que comemorou 50 anos da realização do Seminário de Habitação e Reforma
Urbana de 1963 (Quitandinha). O evento denominado de Seminário de Política Urbana
Quitandinha +50 (Q+50) foi iniciado no Rio de Janeiro e difundido pelo IAB e CAU dos estados
do Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia e Amazonas com temas
distintos (Quadro 6.2).

Quadro 6.2 - Principais temas do Q+50 / CAU-Estados


Período de
Estados Temas
Realização
Fevereiro a ARQUITETURA, CIDADE E METRÓPOLE
Rio de Janeiro
Março/2013 Democratizar cidades sustentáveis.
A MORADIA BRASILEIRA
Rio Grande do Sul Abril/2013 Produção familiar, interface do formal e informal, a dinâmica do mercado
imobiliário.
GESTÃO DAS CIDADES
São Paulo Maio/2013 Sistemas de planejamento, planos diretores, estratégicos, desenho urbano,
governança metropolitana.
ESPAÇOS PÚBLICOS
Distrito Federal Junho/2013
Cultura, patrimônio e cidadania.
MOBILIDADE URBANA
Minas Gerais Julho/2013
Transporte público, desenvolvimento e controle urbano.
ESVAZIAMENTO DOS CENTROS
Bahia Agosto/2013
A dinâmica urbana e a expansão incontrolável.
A AMAZÔNIA URBANA
Amazônia Agosto/2013 O passivo socioambiental: saneamento, o sistema hídrico e os impactos
climáticos.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos informes disponíveis na página eletrônica do IAB137.

A partir da lista de temas constantes do Quadro 6.2, é possível notar que a questão
habitacional tomada como foco central dos debates ocorridos no SHRU em 1963, em 2013 não
assumiu o mesmo destaque. O “novo” contexto de produção habitacional aos moldes do BNH,
efetivado pelo PMCMV, resgatou a preocupação com a questão da problemática da cidade, do
urbano e do meio ambiente. No Q+50, o tema da habitação só aparece como foco de debate
central no evento ocorrido no Rio Grande do Sul, porém isso não significa afirmar que nos
demais estados o tema não tinha sido abordado, ao contrário, este foi articulado às questões
centrais de cada evento. Entre as principais propostas formalizadas no documento final do
Q+50, pode-se destacar:

137
Disponível em: <http://www.iab.org.br/q50>. Acesso em: 15 mai. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
221

[...] a criação de uma Meta Nacional de Urbanização de Favelas, o juro zero


subsidiado para a Habitação, sem intermediação de construtoras, e a restrição de
ocupação de programas como Minha Casa Minha Vida a áreas consolidadas, dentro
do tecido urbano, com variações tipológicas (IAB, 2013)138.

A realização do Q+50 é o retrato da importância do problema habitacional para os


profissionais da arquitetura e urbanismo do Brasil. Logo, entende-se que são esses
engajamentos e temas que devem servir de fonte para que reflexões críticas sejam construídas
nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, a fim de que novas visões e concepções
projetuais possam, paulatinamente, soterrar os hábitos construtivos de HIS – caracterizados pela
casa isolada subdimensionada no lote e por apartamentos do tipo “H” – que perduram “[...]
como hipóteses falidas nas cidades brasileiras de hoje” (RUBANO, 2008, p. 1). Para tanto, os
profissionais envolvidos com o ensino de arquitetura e urbanismo precisam estabelecer um
compromisso nacional com os problemas habitacionais vividos pela população de baixa renda
no sentido de que esses problemas não ocupem um lugar prioritário apenas nas atividades de
pesquisa e extensão, como tem sido evidenciado até este momento.

Ademais, Montaner e Muxí (2014) evidenciam que, diante do contexto de monopólio


do poder econômico e da ação dos interesses privados, a função dos arquitetos e urbanistas no
século XXI tornou-se ambígua e ambivalente a ponto de se perfilarem visões polarizadas sobre
sua formação. Têm-se, portanto, aqueles que partilham da ideia de que os arquitetos devem
desenvolver seus trabalhos fiéis ao status quo, voltados a seus clientes, e aqueles que
compreendem que seu trabalho deve servir para melhorar a vida das pessoas. No entanto, os
autores transparecem em suas considerações que para este segundo grupo de arquitetos, o ônus
de suas ações parece ser mais pesado, visto que, se quiserem ser leais à sua função social, serão
forçados a superar suas “coordenadas profissionais, industriais e comerciais para poder fazer
um trabalho autenticamente culto e crítico, multidisciplinar e coletivo que participe de projetos
sociais e de cooperação” (MONTANER; MUXÍ, 2014, p. 38).

Enquanto isso, a maior parte dos profissionais da arquitetura e urbanismo, educados a


sonhar pelo reconhecimento e aparições em mídias, condenam-se a serem fiéis “[...] aos
poderosos e adotar com impostura as mensagens que os meios e os grupos de pressão tendem
a promover” (MONTANER; MUXÍ, 2014, p. 38). Mudar essa cultura dominante é, atualmente,
um dos maiores desafios para o ensino de arquitetura e urbanismo.

138
Disponível em: <http://www.iab.org.br/q50>. Acesso em: 15 mai. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
222

6.2 A Lei nº 11.888/2008 e os desafios para o ensino de arquitetura e urbanismo

Sancionada em 24 de dezembro de 2008, a Lei nº 11.888/2008, também conhecida como


Lei da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS), é resultado de um longo
processo de reinvindicações sociais por assistência técnica na HIS por parte da sociedade civil
e de arquitetos e urbanistas. No entanto, até a finalização desta tese, a Lei 11.888/2008 não
havia sido regulamentada, isso significa dizer que não foram criados pelo governo brasileiro
fundos específicos para ATHIS que viabilizassem a efetivação da Lei nos Estados e Municípios,
bem como a participação mais efetiva dos profissionais da arquitetura e urbanismo.

A ideia da assistência técnica foi inicialmente concebida em 1976, quando o Sindicato


dos Arquitetos do Rio Grande do Sul, patrocinado pelo Conselho Regional de Arquitetura e
Engenharia daquele estado, desenvolve o Programa de Assistência Técnica à Moradia
Econômica (ATME), coordenado pelos arquitetos Clóvis Ilgenfritz da Silva139, Newton
Burmeister, Carlos Maximiliano Fayet e Claudio Casaccia e os Advogados Manuel André da
Rocha e Madalena Borges (REVISTA PROJETAR, 2011; IAB, 2010).

Clóvis Ilgenfritz da Silva, em entrevista ao CAU-BR, comentou que seu encontro com
a ATHIS nasceu a partir das observações de práticas “corruptas” que ocorriam nas prefeituras
quando as famílias mais pobres buscavam legalizar suas casas, muitas delas construídas sem
orientação profissional. Na ocasião Clóvis Ilgenfritz da Silva afirmou:

Eu trabalhei no CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) e lá nós


tínhamos muitos conflitos com as prefeituras, que por qualquer coisa criavam
obstáculos para as famílias fazerem suas casinhas. As pessoas chegavam no balcão e
eram exploradas. Diziam para elas: “Você vai ter que fazer um projeto, uma planta.
Se não tiver como, a gente dá um jeito. Temos quem faça”. Já era corrupção. Os
profissionais, engenheiros ou arquitetos, eram os “assinadores” dos projetos, mas não
eram eles que faziam as plantas. E todas essas “etapas” eram cobradas das pessoas.
Eu sempre me preocupei com essas coisas (SILVA apud MORAES, 2018, p. 2, grifo
nosso).

Anos após a publicação do Programa ATME, já na década de 1990, são criadas algumas
leis municipais legitimando o referido projeto. Segundo o IAB (2010), algumas dessas leis
municipais foram efetivadas nas cidades de Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Vitória e
Belo Horizonte. Nesse mesmo período, algumas escolas de arquitetura e urbanismo foram

139
Clóvis Ilgenfritz da Silva foi “[...] o primeiro presidente do Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande
do Sul (SAERGS), presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), vereador de Porto Alegre
por três vezes e secretário municipal de Planejamento, deputado federal, conselheiro e vice-presidente do Conselho
de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS)” (MORAES, 2018, p. 1).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
223

contagiadas pelas ações pró-Assistência Técnica a ponto de desenvolverem diversas atividades


correlacionadas por meio de atividades de extensão universitária (IAB, 2010). Inclusive, muitas
escolas passaram a incluir “[...] em seus currículos questões referentes ao direito à cidade e
habitação, embora muito aquém do necessário” (IAB, 2010, p. 11, grifo nosso).

Com a eleição de Lula e o conjunto de medidas no cenário habitacional por ele


constituído, o momento se apresentava oportuno para que o Projeto ATME140, convertido em
Projeto de Lei nº 6.981, de 2006 (referente a ATHIS), fosse aprovado no Congresso Nacional,
sancionado pelo presidente e convertido em Lei no dia 24 de dezembro de 2008. Porém, a Lei
nº 11.888/2008 só entrou em vigor 180 dias após a sua publicação, no dia 24 de junho de 2009.

A institucionalização da Lei nº 11.888/2008, independente de sua regulamentação,


transformou-se em mais um instrumento potencializador de oportunidades de trabalho para os
arquitetos e urbanistas no Brasil e converteu-se em mais um desafio para as instituições de
ensino superior. Efetivamente, a Lei da ATHIS não faz nenhuma menção sobre o fato de os
cursos de arquitetura e urbanismo, em particular, iniciarem a capacitação de profissionais para
a atuação em assistências técnicas em atividades obrigatórias dos cursos, ao contrário, foi
recomendado que a capacitação profissional, no âmbito das universidades, deve se proceder por
meio das atividades adicionais à graduação, ou seja, por meio de “residência acadêmica [...]
ou em programas de extensão universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios
públicos [...]” (BRASIL, 2008, p. 2, grifo nosso), que por sua vez, são atividades direcionadas
para um grupo seleto e reduzido de alunos e profissionais.

No entanto, entende-se que a capacitação profissional para atuação em ATHIS deve ser
iniciada nas atividades obrigatórias do ensino de arquitetura e que o aprofundamento e a
especialização desta atividade ocorram nas práticas extensionistas, nos escritórios-modelos ou
públicos, e nas residências acadêmicas. Logo, nesta tese, defende-se a ideia de que o tema da
Habitação de Interesse Social deve se constituir como conhecimento prioritário e
obrigatório no currículo oficial nacional e nos Projetos Políticos-Pedagógicos das
instituições de ensino superior como ponto inicial da capacitação técnica profissional para a
atuação em ATHIS, especialmente no âmbito das atividades de projeto de arquitetura,
estendendo-se para outras atividades correlatas. Nessa concepção, a responsabilidade dessa
capacitação não deve ser apenas transferida para os “professores negadores do sistema”, mas,
partilhada e legitimada, oficialmente por toda a comunidade acadêmica. Desse modo, conclui-

140
Projeto de Lei nº 6223, de 6 de março de 2002.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
224

-se que é de fundamental importância que os currículos oficiais nacionais e os Projetos


Políticos-Pedagógicos definam prioridades para aquilo com o que se considera ser neste
trabalho a Atenção Básica da Arquitetura e Urbanismo, como comentado no Capítulo 1 desta
tese.

Esse tipo de recomendação posto na Lei da ATHIS vem coadunar com a antiga conduta
legitimada no Currículo Mínimo de 1969, quando o tema da HIS foi colocado numa condição
de especialização na formação profissional, por conseguinte, não prioritária na graduação.
Porém, acredita-se que com a referida Lei, os cursos de arquitetura e urbanismo possam
ultrapassar os limites nela estabelecidos e, efetivamente, inserir a HIS como área de
conhecimento e as ações relacionadas com a ATHIS como elementos prioritários em seus
currículos oficiais, tanto no ensino quanto nas atividades de pesquisa e extensão.

Ainda referente aos impactos da Lei nº 11.888/2008, em 2011 o então presidente da


Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, Ângelo Arruda, em entrevista à Revista
Projetar (2011), expôs que, além da Lei abrir novas perspectivas para toda a cadeia produtiva,
gradualmente, irá levar os arquitetos a construírem um novo campo de ação profissional. Ação
essa que poderá se efetivar a partir da criação de escritórios populares de arquitetura141 ou por
meio de ONGs, como comentado no Capítulo 5 desta tese. Ainda segundo Arruda, a principal
mudança nesse campo ocorrerá por meio das instituições de ensino superior, nas quais os cursos
de arquitetura e urbanismo terão que “[...] se adaptar, e incorporar a habitação social como
uma área relevante” (REVISTA PROJETAR, 2011, p. 22, grifo nosso).

Desde quando a Lei da ATHIS foi instituída, uma série de ações no campo profissional
e acadêmico na área da arquitetura e urbanismo tem se efetivado no país. Nesse embalo, pode-
se citar, por exemplo, a realização dos Seminários de Assistência Técnica em Arquitetura e
Urbanismo promovido pelo CAU-BR nos anos de 2015, em Maceió/AL, e 2016, em Belém/PA;
a criação do Projeto Arquiteto de Família142, que presta serviços de assistência técnica no Rio
de Janeiro, e foi idealizado pela Organização não Governamental Soluções Urbanas; e a

141
A formação de escritórios populares de arquitetura já tem se tornado uma realidade no Brasil. Nesse tipo de
negócio, os arquitetos e urbanistas desenvolvem atividades remuneradas para comunidades de baixa renda. Entre
esses escritórios pode-se destacar a experiência desenvolvida pelos: Arquitetura Faz Bem, empresa sediada na
cidade de Recife, Pernambuco (mais detalhes estão disponíveis no Instagram @arquiteturafazbem); Arquitetura
para o povo, empresa sediada em Aracaju, Sergipe (detalhes disponíveis no Instagram @arquiteturaparaopovo);
e o Moradigna, empresa com sede em São Paulo e Rio de Janeiro (detalhes disponíveis no site
https://moradigna.com.br/).
142
Para maiores informações sobre como funciona o citado projeto, consultar a seguinte página:
<http://www.solucoesurbanas.org.br/arquiteto-de-familia>. Acesso em: 10 ago. 2017.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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publicação do “Manual para a Implantação da Assistência Técnica Pública e Gratuita a


Famílias de Baixa Renda para Projeto e Construção de Habitação de Interesse Social”, em
2010, pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.

No meio acadêmico, as ações referentes à assistência técnica têm se efetivado,


prioritariamente, por meio das atividades de grupos de pesquisa, extensão universitária e em
pós-graduação, cujas experiências têm sido divulgadas em distintos eventos acadêmicos. Como
exemplo de projetos de extensão universitária relacionada à prática da ATHIS, pode-se destacar
o Programa Habitat e o Projeto Adote uma Casa. Em relação a pós-graduação, destaca-se a
experiência pioneira da Residência Profissional em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia
ofertada pela Universidade Federal da Bahia (AU+E/UFBA).

O “Programa Habitat: consultório móvel de arquitetura em Viçosa", coordenado


pela professora Aline Werneck Barbosa de Carvalho, está vinculado ao curso de arquitetura e
urbanismo da Universidade Federal de Viçosa e funciona como um escritório de projeto,
prestando orientação técnica para as famílias de baixa renda. O “Projeto Adote uma Casa”,
coordenado pelo professor Alexandre Nicolau, está vinculado ao curso de arquitetura e
urbanismo da Universidade de Vila Velha. Neste escritório de projeto são desenvolvidos
trabalhos com a participação de estudantes, professores e empresas parceiras que viabilizam as
melhorias habitacionais em duas comunidades de Vila Velha: São José e Vila Dom João Batista.
Segundo matéria publicada no site do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito
Federal143, as assistências técnicas do “Adote uma Casa” são desenvolvidas em residências que
apresentam problemas em três aspectos: acessibilidade, conforto térmico e salubridade.

A “Residência AU+E/UFBA”, idealizada pela professora Angela Maria Gordilho


Souza em 2011, foi efetivamente iniciada em outubro de 2013 como Pós-Graduação lato sensu
da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. Com o objetivo de capacitar
profissionais recém-formados e gestores públicos atuantes na área da ATHIS e afins, “[...]
associando ensino e pesquisa às atividades de extensão para assistência técnica às comunidades
carentes, de forma integrada às instituições de interesse público, municípios e movimentos
sociais atuantes nessa área [...]” (GORDILHO-SOUZA, 2010, p. 94-91), a Residência
AU+E/UFBA já capacitou um total de 75 profissionais de graduação diversificada, sendo a

143
CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO DISTRITO FEDERAL (Distrito Federal). Projeto
“Adote uma Casa”: Estudantes e professores levam assistência técnica gratuita à periferia de Vitória. 2018.
Disponível em: <http://www.caudf.gov.br/projeto-adote-uma-casa-estudantes-e-professores-levam-assistencia-
tecnica-gratuita-a-periferia-de-vitoria/>. Acesso em: 1 jan. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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maioria da área de arquitetura e urbanismo, em três edições – 2013/2014, 2015/2016 e


2017/2018. Segundo Gordilho-Souza (2010, p. 94), a pedagogia adotada na Residência
AU+E/UFBA foi definida como forma de:

[...] aproximar a universidade às práticas de produção da cidade, incentivando a troca


de saberes para capacitação profissional e cidadã, na definição de projetos
participativos voltados para o agenciamento do espaço habitado, aí compreendidos,
além do edifício e da cidade, o paisagismo, o urbanismo, a arquitetura e propostas
complementares em áreas afins, como forma de viabilizar a multidisciplinariedade
[sic] necessária. Trata-se, portanto de uma formação continuada, com a perspectiva
de aprendizagem teoria-prática, associada à prestação de serviço público de interesse
social.

Num levantamento realizado no banco de dados eletrônico dos anais de todas as edições
dos Seminários Projetar144 (2003 até 2017) com a palavra-chave “Assistência Técnica”, de
1.078 artigos publicados, foram encontrados apenas 8 artigos (Quadro 6.3) que relatavam
atividades sobre assistência técnica. Esses trabalhos narravam as experiências em quatro
campos de ação relacionadas com a formação superior dos arquitetos e urbanistas no país,
sendo: 3 (três) na atividade de pós-graduação; 2 (dois) sobre pesquisa acadêmica; 2 (dois) sobre
extensão universitária; e 1 (um) sobre ensino.

Quadro 6.3 - Artigos sobre ATHIS publicados nos Seminários Projetar (2003 até 2017)
(continua)
Ano Título do Trabalho Tipo de Relato
Experiências de ATHIS na Pós-Graduação
Relato sobre a experiência do programa
Assistência Técnica em Arquitetura, Urbanismo e
2013 Residência Profissional em Arquitetura,
Engenharia: Avanços Institucionais
Urbanismo e Engenharia, idealizado e
coordenado pela professora Angela Maria
Gordilho Souza, como Pós-Graduação lato sensu
Residência Profissional em Arquitetura, Urbanismo e
da Faculdade de Arquitetura da Universidade
2015 Engenharia: experiência inovadora em ensino,
Federal da Bahia (GORDILHO-SOUZA, 2013;
pesquisa e extensão
2015).

Mostra os resultados de dois projetos de


Ensino e prática pelo direito à cidade e ao ambiente:
assistência técnica desenvolvidos durante a 1ª
A experiência dos projetos Praça Campo e Mirante da
2015 turma da Residência em Arquitetura, Urbanismo
Represa - Esporte, Lazer e Educação Ambiental em
e Engenharia da Universidade Federal da Bahia
Cepel, Nova Esperança.
(SUAREZ; ALONSO; CERQUEIRA, 2015).
Fonte: elaborado pelo autor.

144
Disponível em: <http://projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/community-list?fbclid=IwAR1RTBcIKyM0zd
KZaHsCT02XEhHtHmuyz9accF4OvOy08dQb1z0LgGg7n7g>. Acesso em: 12 mai. 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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Quadro 6.3 - Artigos sobre ATHIS publicados nos Seminários Projetar (2003 até 2017)

(conclusão)
Ano Título do Trabalho Tipo de Relato
Pesquisas acadêmicas sobre ATHIS
Conhecer para Aplicar: uma análise sobre o Artigo mostra os motivos pelo qual a assistência
2013 desconhecimento da Lei 11.888/2008 e suas técnica não foi implantada nos municípios
consequências para a construção da cidadania Paraibanos (SANTOS; ROMANO, 2013).

Trabalho discute conceito de habitabilidade a


Que habitabilidade cabe nesse sonho? Arquiteturas partir da atualização, em 2014, de cadastros de
2015 ordinárias: outras habitabilidades para outras duas moradias realizados no processo de
precariedades assistência técnica ocorrido em 2006, em
Salvador, Bahia (PELA, 2015).
Experiências de ATHIS em atividades de Extensão Universitária
Relato sobre o Projeto HABITAT: Consultório
A Assistência Técnica Gratuita para o Projeto de
Móvel de Arquitetura pela Universidade Federal
2013 Habitação de Interesse Social: Uma Experiência de
de Viçosa (CARVALHO; PIMENTA; RAMOS;
Aproximação entre Pesquisa, Ensino e Extensão
FARIA, 2013).

Os Reflexos da Participação de Estudantes de Relato da trajetória do Escritório Modelo de


Graduação em Atividades de Extensão Universitária: Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
2013 o Canto e o Desenvolvimento do Trabalho Final de do Ceará, sua atuação em relação à assistência
Graduação "reconhecendo Emergências no Lagamar: técnica e os impactos gerados nos TFG dos alunos
Proposta Integrada de Intervenção”. membros do grupo (XIMENES; MAIA, 2013).
A ATHIS no ensino de arquitetura e urbanismo
O artigo evidenciou a experiência empreendida na
disciplina Projeto de Habitação Popular,
A universidade e a questão da habitação social: uma ministrada na Escola de Arquitetura e Urbanismo
2015
experiência no estado do Rio de Janeiro da Universidade Federal Fluminense, no estado
do Rio de Janeiro (LEITÃO; VIÑAS; FREITAS,
2015).

Fonte: elaborado pelo autor.

O artigo publicado em 2015, intitulado “A universidade e a questão da habitação social:


uma experiência no estado do Rio de Janeiro”, debate sobre o papel da Universidade na
formação de arquitetos e urbanistas qualificados para a atuação em serviços de assistência
técnica para famílias de baixa renda conforme especificado pela Lei nº 11.888/2008. No
referido trabalho, os autores descreveram como a disciplina de Projeto de Habitação Popular
(disciplina obrigatória ofertada no 6º período do curso de graduação da UFF, que em 2018 foi
renomeada como “Projeto de Arquitetura V – Habitação Social”145) é estruturada a fim de
conduzir os alunos a realizar levantamentos socioeconômicos nas áreas onde serão realizadas
as intervenções, promoção de assembleias com os moradores e, por último, elaboração de

145
O novo currículo do curso de graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade Federal Fluminense está
disponível em: <http://eau.uff.br/curriculo-novo/>. Acesso em: 20 fev. 2018.
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croquis e detalhamentos das propostas de intervenção urbana e habitacional. Ainda segundo os


autores: “[...] é fundamental que a universidade revele ao estudante que a essência do curso de
Arquitetura e Urbanismo vai além de grandes obras, projetos de visibilidade, residências de
luxo ou planejamento de interiores” (LEITÃO; VIÑAS; FREITAS, 2015, p. 3, grifo nosso).

A assistência técnica, pelo que foi evidenciado, prioritariamente tem sido trabalhada
pelas instituições de ensino de modo particularizado, por meio de atividades de pesquisa e
extensão. Porém, no que delineia a preocupação central desta tese de doutorado, resta saber se
após a aprovação da Lei da Assistência Técnica, os agentes envolvidos com a formulação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo,
instituída em 2006 e reformulada em 2010, conseguiram oficializar o tema da HIS como
conhecimento prioritário e/ou obrigatório para a formação dos futuros profissionais da área.

Além disso, compartilhando da mesma inquietação apresentada no XXVII Encontro


Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo e o XXXIII Conselho Superior da ABEA,
realizado em 2009, interessa saber se, no caso das instituições federais de ensino superior, “o
projeto de habitação de interesse social tem espaço nos projetos pedagógicos dos cursos
[de arquitetura e urbanismo]?” (ABEA, 2009, p. 5, grifo nosso).

6.3 Os rumos do ensino superior pós-1995

No primeiro ano de mandato presidencial, FHC nomeia como Ministro da Educação o


economista Paulo Renato Souza que também havia sido professor da UNICAMP, com a
intensão de implementar reformas que pudessem, prioritariamente, melhorar o ensino
fundamental no país e aumentar a competitividade entre as instituições de ensino superior.
Neste último caso, duas linhas de ações são traçadas: a redefinição dos mecanismos de
credenciamento e expansão das instituições de ensino e cursos superiores; e a ampliação da
classificação das instituições de ensino superior (BRASIL, 1996; CARDOSO, 1998).

As medidas supracitadas foram postas em prática a partir da institucionalização de duas


leis: a Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, que instituiu o Conselho Nacional de Educação
(CNE), voltado para subsidiar a elaboração e o acompanhamento da execução do Plano
Nacional de Educação, instituído apenas em 2001; a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
229

referente à reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961,


que impactou diretamente nas ações das escolas de arquitetura e urbanismo do país.

Com a nova LDB, o governo brasileiro ampliou o leque das modalidades de ensino
superior e ratificou práticas inicialmente implementadas pela Reforma Universitária de 1968
no que se refere aos cursos de curta duração e à expansão da educação superior pela iniciativa
privada. Em relação à organização acadêmica, conforme o artigo 8º da LDB, as instituições de
ensino superior passaram a ser classificadas em cinco tipos: universidades; centros
universitários; faculdades integradas; faculdades; institutos superiores ou escolas superiores
(BRASIL, 1996). As novas diversificações institucionais de ensino superior, segundo FHC,
conferiram ao novo sistema de ensino:

[...] mais liberdade para a criação de novos cursos por instituições não universitárias
que se destaquem pela qualidade do ensino, sem a obrigação de investir em pesquisa
e pós-graduação, pré-requisitos indispensáveis apenas para se transformarem
em universidades. Estabeleceu, também, a possibilidade do setor privado organizar-
-se em formas jurídicas alternativas, integrando às instituições direitos e obrigações
sociais adequados à sua natureza jurídica, sem prejuízo da qualidade do ensino e de
outras atribuições (CARDOSO, 1998, p. 13, grifo nosso).

Com esse conjunto de ações, o acesso ao ensino superior expandiu-se, sobretudo por
parte das instituições privadas que continuaram a receber incentivos fiscais. Em relação às
universidades públicas, a meta de FHC era elevar ano após ano o número de alunos sem que o
quadro de docentes e funcionários aumentasse (CARDOSO, 1998). Em síntese, a intensão do
Governo Federal era reduzir os custos do sistema público de ensino superior e os aspectos de
eficiência deste ensino. Para tanto, o caminho encontrado por sua equipe econômica foi ampliar
as relações aluno/professor e aluno/funcionário justificada pelas elevadas taxas de evasão nas
universidades públicas, que resultavam em turmas reduzidas, especialmente nos últimos
semestres dos cursos (CARDOSO, 1998). Contudo, na prática, as instituições públicas de
ensino superior “[...] foram submetidas a um arrocho ainda mais forte que antes [em relação
aos governos de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco], restringidos os recursos para
custeio e investimento, ao passo que as privadas foram brindadas com novas vantagens”
(CUNHA, 2004, p. 803).

Em se tratando dos cursos de arquitetura e urbanismo, em termos curriculares, as escolas


estavam reorganizando seus cursos com base nas Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo
instituídos em 1994, porém, com a LDB de 1996, todas são surpreendidas com uma nova
exigência. Além de fixar um conjunto de diretrizes em relação ao sistema de seleção dos alunos
em nível superior, jornada de trabalho e titulação do corpo docente dos cursos, autonomia
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
230

didático-científica das universidades públicas etc., segundo a nova LDB, os currículos oficiais
dos cursos de graduação deveriam ser formulados em conformidade com as diretrizes gerais.
Efetivamente, isso significava a extinção dos tradicionais currículos mínimos.

Entretanto, na referida lei, não havia nenhuma referência sobre essas diretrizes gerais,
apenas constava no artigo 9º que a União iria se responsabilizar por baixar as normas gerais
para os cursos de graduação (BRASIL, 1996). Por conseguinte, em 1997 o CNE publica, por
meio do Parecer CNE/CES nº 776/97, de 03 de dezembro de 1997, orientações para a
elaboração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Objetivamente, cabia ao CNE
apenas orientar a elaboração das diretrizes curriculares que deveriam ser formatadas pelas
instituições de ensino superior para cada área de conhecimento.

Dando continuidade ao projeto político educacional de FHC, sete dias após a publicação
das orientações para a elaboração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação, o CNE
publica o Edital nº 4/97146 de 10 de dezembro de 1997, convocando as instituições de ensino
superior a apresentar propostas para as novas diretrizes curriculares de seus cursos, que seriam
elaboradas pelas Comissões de Especialistas da SESU/MEC. A partir de então, paulatinamente,
todos os cursos superiores foram instituindo suas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). No
caso das DCN dos cursos de arquitetura e urbanismo, essas só foram instituídas em 2006, cujo
processo será melhor analisado no item 6.4 deste capítulo.

Quando Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, assume o governo do país, as universidades
públicas estavam sedentas por investimentos, pois haviam sido postas em segundo plano no
governo de FHC. Preocupado com a situação das universidades públicas, o governo Lula
instituiu em 20 de outubro de 2003 o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI)147 encarregado
de analisar a situação das instituições federais de ensino superior e apresentar um plano de ação
visando à reestruturação, desenvolvimento e democratização dessas instituições de ensino.
Segundo Aguiar (2016, p. 117), o GTI teve como principal meta propor estratégias de ação para
que o Governo Federal pudesse enfrentar o mais rápido possível, a “[...] crise então vivida pelas
universidades públicas, cujas verbas de custeio teriam diminuído cerca de 50% durante o

146
Segundo Oliveira (2002) e Maragno (2013), o CNE também teria publicado um Edital nº 5, de 6 de março de
1998, convocando as instituições de ensino a apresentar propostas para as novas diretrizes curriculares. Porém, na
pesquisa documental realizada nos arquivos do SESU/MEC, não foi encontrado nenhum registro da publicação
deste edital.
147
O GTI foi formado por representantes dos seguintes órgãos: Ministério da Educação (responsável pela
coordenação geral do grupo); Casa Civil da Presidência da República; Secretaria-Geral da Presidência da
República; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; e Ministério da
Fazenda (BRASIL, 2003).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
231

governo FHC”. Assim, após a análise da situação vivenciada pelas universidades públicas, o
GTI estruturou seu parecer final em quatro etapas:

A primeira apresenta o elenco de ações emergenciais para o enfrentamento imediato


da crítica situação das universidades federais. A segunda ressalta a necessidade da
efetiva implantação de autonomia à universidade federal. A terceira parte aponta para
linhas de ação imediata, que possam complementar recursos e ao mesmo tempo
propiciar um redesenho do quadro atual. A quarta indica as etapas necessárias para a
formulação e implanta da reforma universitária brasileira (BRASIL, 2003, p. 1-2,
grifo nosso)148.

A partir desse diagnóstico, o documento esboçou o panorama quantitativo do número


de matrículas e de docentes atuando no setor público, evidenciando assim as discrepâncias
ocorridas por meio da política de FHC que incentivou o aumento de vagas para alunos sem a
contrapartida no número de docentes nas instituições públicas. Soma-se a isso, a apresentação
do disparate entre a quantidade de matrículas efetivas na rede pública que totalizava
1.051.655149 (soma exata do quantitativo de matrículas entre instituições Federais, Estaduais e
Municipais), em comparação com a rede privada de ensino superior cujo total foi de 2.428.258
(Quadro 6.4). O que o GTI buscou demonstrar foi que a situação do ensino superior no país,
apesar de afetar com maior profundidade as instituições públicas, afetava também as
instituições privadas que haviam vivenciado uma crescente expansão, mas que se encontravam
“[...] ameaçadas pelo risco de uma inadimplência generalizada do alunado e de uma crescente
desconfiança em relação a seus diplomas” (BRASIL, 2003, p. 2).

Quadro 6.4 - Distribuição dos alunos do ensino superior no Brasil em 2003

CATEGORIA MATRÍCULAS
Pública 1.951.655
Federal 531.634
Estadual 415.569
Municipal 104.452
Privada 2.428.258
Particular 1.261.901
Comunitária/ Confessional/ Filantrópica 1.166.357
TOTAL 3.479.913
Fonte: Adaptado de BRASIL, 2003, p. 3.

148
Não é intenção desta tese se debruçar sobre todas as propostas lançadas pelo GTI acerca do combate à crise do
ensino superior. Sobre essas especificidades, ver Otranto (2006).
149
No Quadro 6.4, o valor total que representa a quantidade de matrículas efetivadas no ensino superior público
em 2003 não corresponde à soma exata de matrículas efetivadas na rede Federal, Estadual e Municipal. A tabela
divulgada pelo governo brasileiro apresenta uma diferença de 900.000 mil matrículas na rede pública, ou seja, a
soma exata é de 1.051.655, mas, o valor publicado foi de 1.951.655 matrículas. Por se tratar de dados oficiais do
Governo Federal, optou-se neste trabalho por representar no Quadro 6.4 os valores originais divulgados.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
232

Com o contínuo aumento do número de vagas, a diminuição do quadro docente e a


elevação das dívidas das instituições em decorrência dos cortes de verbas, as universidades
precisavam de emergenciais e duradouras ações. Foi diante desse diagnóstico que o GTI propôs
que o Governo Federal: formulasse e implementasse medidas que ajudassem as universidades
públicas a amenizar o endividamento progressivo de seus custos operacionais; realizasse
concursos para preencher a demanda por professores e servidores; outorgasse a autonomia das
Universidades Federais para que as mesmas pudessem fazer uso racional de recursos;
incentivasse a contratação de doutores com dedicação exclusiva ao magistério; e adotasse
critérios de regionalização e interiorização na política de abertura de vagas para concurso,
juntamente com um auxílio para implantação de novas linhas de pesquisa para esses novos
contratados (BRASIL, 2003).

Foram as proposições sugeridas pelo GTI que balizaram toda a política educacional
desenvolvida no governo de Lula (OTRANTO, 2006), fundamentada na perspectiva de
incentivo à democratização do acesso ao ensino superior e busca de uma maior pertença social
da atividade acadêmica. Foram essas bases que levaram o governo a implementar importantes
programas que impactaram em todo sistema de ensino superior do país. Entre eles, podem ser
destacados: a criação, em 2004, do Programa Universidade para Todos (PROUNI)150,
direcionado para as instituições privadas de ensino superior; a instituição, em 2006, do Sistema
da Universidade Aberta do Brasil (UAB); e instituição do Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), em 2007.

Com ações direcionadas para as duas instâncias de ensino superior, pública e privada, o
governo Lula conseguiu ao longo dos anos promover uma transformação na composição social
das turmas ingressantes na formação superior, historicamente formadas por uma maioria
pertencente a estratos sociais mais elevados da sociedade brasileira.

No caso das instituições de ensino superior privado, segundo as regras do PROUNI


(BRASIL, 2005), as instituições que aderiram ao programa passaram a conceder bolsas de
estudo integral para alunos cuja renda familiar mensal per capita fosse de até um salário mínimo
e meio. No caso dos alunos cuja renda familiar mensal per capita fosse de até três salários
mínimos – desde que estivessem em conformidade com os critérios definidos pelo Ministério
da Educação –, esses passariam a receber bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por

150
O PROUNI foi inicialmente instituído por meio da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004. Mas,
em 2005, essa Medida foi substituída pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
233

cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) da mensalidade. Essa medida acabou possibilitando
que muitos alunos de baixa renda pudessem ser inseridos na rede privada de ensino superior,
ocupando espaços difíceis de serem alcançados em épocas passadas e desafiando a cultura
“elitista” de muitos cursos superiores, a exemplo dos cursos de arquitetura e urbanismo.

A educação a distância em instituições públicas de ensino superior foi considerada pelo


GTI como uma estratégia importante e viável de ser implementada, tendo em vista que, num
país de dimensões continentais, o sistema de ensino presencial não conseguia absorver o
quantitativo de alunos aptos a ingressarem no nível superior. Assim, em 2006, o Governo
Federal, por meio do Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, instituiu o Sistema UAB, voltado
para o “[...] desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de
expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País” (BRASIL,
2006, p. 1). O Sistema UAB contribuiu também para que as instituições privadas de ensino
superior, ao passar dos anos, intensificassem as ações educacionais nessa direção por meio do
Sistema de Educação a Distância (EAD), cuja legislação foi atualizada pelo Decreto nº 9.057,
de 25 de maio de 2017.

Essa modalidade de ensino tem sido posta em prática também para os cursos de
arquitetura e urbanismo. O MEC, desde 2016, já aprovou o funcionamento de 8 cursos a
distância de arquitetura e urbanismo151 no país onde essa atividade tem sido praticada,
exclusivamente, por instituições privadas de ensino superior. Sobre essa situação, a ABEA
publicou a carta “Educação em arquitetura e urbanismo à distância não funciona”152,
posicionando-se de modo discordante com a criação de cursos de arquitetura e urbanismo
integralmente na modalidade EAD. Esse posicionamento foi endossado pelo CAU-BR que
também publicou uma “Manifestação sobre ensino a distância em arquitetura e urbanismo”153,
em 2017. Em ambas as manifestações, a linha de argumentação foi construída no sentido
da defesa primordial da integração presencial entre professor/aluno no processo de ensino-

151
A última consulta realizada sobre a atividade dos cursos de arquitetura e urbanismo na modalidade a distância
foi realizada em 15 de setembro de 2017 no site: <http://emec.mec.gov.br/>.
152
ABEA. Educação em arquitetura e urbanismo à distância não funciona. 2017. Disponível em:
<http://www.abea.org.br/?p=2052>. Acesso em: 12 jul. 2018.
153
CAU/BR. Manifestação sobre ensino a distância em arquitetura e urbanismo. 2017. Disponível em:
<http://www.caubr.gov.br/caubr-publica-manifestacao-sobre-ensino-a-distancia-em-arquitetura-e-urbanismo/>.
Acesso em: 20 maio 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
234

-aprendizagem, tanto em sala de aula quanto na vivência prática em ateliês de projeto,


laboratórios e canteiros experimentais, cujas atividades neles exercidas não poderão ser
ofertadas por cursos totalmente a distância154

Em relação às Universidades Públicas Federais, o maior impacto das ações do governo


Lula ocorreu por meio do REUNI. Instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, o
REUNI teve como objetivo criar condições para “[...] a ampliação do acesso e permanência na
educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de
recursos humanos existentes nas universidades federais” (BRASIL, 2007a). Assim, o Governo
Federal ofereceu às universidades adeptas ao programa um grande volume de recursos
financeiros, inédito na história das Universidades Federais, para o investimento em
infraestrutura e produção de conhecimento. Em troca da expansão dos campi, as Universidades
Federais teriam que se responsabilizar pela criação de novos cursos, principalmente no período
noturno. Todos os recursos só foram concedidos após as instituições apresentarem um plano de
reestruturação que seria devidamente avaliado pelo MEC. É válido destacar que o REUNI
também estabeleceu as seguintes metas:

[...] elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais
para 90%; elevação gradual da relação aluno/professor para 18 alunos para 1
professor; aumento mínimo de 20% nas matrículas de graduação e o prazo de cinco
anos, a partir de 2007 – ano de início do Programa – para o cumprimento das metas
(MEC; SESU; DIFES, 2009, p. 3).

Seis meses após a publicação do Decreto nº 6.096/2007, o governo convoca as


Universidades Federais do país a aderirem ao programa REUNI. Para tanto, realizou duas
chamadas, a primeira ocorrida em 29 de outubro de 2007 (para implantação do programa no 1º
semestre 2008) e a segunda ocorrida em 17 de dezembro de 2007 (para implantação do
programa no 2º semestre de 2008). No primeiro ano do REUNI, das 59 Universidades Federais
existentes em 2007, 53 delas aderiram ao programa nas duas chamadas (MEC; SESU; DIFES,
2009).

Com o REUNI, a realidade das Universidades Federais do país mudou completamente


em termos quantitativos e de possibilidades de inclusão dos menos favorecidos ao ensino
superior. Essa transformação não se processou apenas no quantitativo de novas instituições

154
Em março de 2019, o CAU-BR deliberou que todos os CAUs do país recusassem os pedidos de registro
profissional de bacharéis em Arquitetura e Urbanismo formados em cursos na modalidade EAD. A deliberação foi
tomada na 88ª Reunião Plenária do Conselho, realizada em Brasília. Para maiores informações sobre esta decisão,
consultar a página eletrônica da entidade (https://www.caubr.gov.br/cau-br-decide-recusar-registro-profissional-
a-alunos-formados-em-cursos-ead/).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
235

federais, mas também, no aumento do número de docentes com dedicação exclusiva e na


construção de novos campi pelo interior do país. Segundo “Análise sobre a Expansão das
Universidades Federais 2003 a 2012” publicada pelo MEC, no período de funcionamento do
REUNI foram criadas 14 novas Universidades Federais no país. Além disso, entre os anos de
2003 a 2010, o número de campi universitários passou de 148 para 274, proporcionando, com
a interiorização, que o número de municípios atendidos por Universidades Federais saltasse de
114 para 272 (MEC, 2012).

Os resultados quantitativos de toda a política educacional implementada pelo governo


Lula no ensino superior, especialmente sobre as instituições públicas, tiveram efeitos sobre os
cursos de arquitetura e urbanismo em todo o país. Em pesquisa realizada no portal do MEC155,
constatou--se que até o ano de 2003 havia no Brasil um total de 43 cursos de arquitetura e
urbanismo sendo ofertados por instituições públicas de ensino superior, especificamente, nas
Universidades Federais, Estaduais e nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
No final do governo Lula, em 2010, o país já contava com um total de 53 cursos de graduação
em arquitetura e urbanismo sendo ministrados por instituições públicas de ensino superior,
ocorrendo um acréscimo de 10 novos cursos. Esse quantitativo continuou ascendendo nos anos
seguintes ainda em decorrência dos investimentos do REUNI. Desse modo, até o ano de 2015,
o país passou a ter um total de 62 cursos de graduação em arquitetura e urbanismo em atividade
e cadastrados no MEC.

Ainda conforme os dados do MEC, identificou-se que, de 2003 até 2012 (ano de
conclusão das ações do REUNI), foram criados 18 novos cursos de arquitetura e urbanismo no
país, sendo: 14 em Universidades Federais; 2 em Universidades Estaduais; e 2 em Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Dos 14 novos cursos de arquitetura e urbanismo
criados por Universidades Federais, 3 deles estão localizados na Região Norte, 4 estão na
Região Nordeste, 3 se localizam na Região Sul, 2 pertencem a Região Sudeste, e 2 estão
localizados na Região Centro-Oeste (Quadro 6.5).

155
A pesquisa foi realizada no portal do MEC (http://emec.mec.gov.br/) no dia 22 de maio de 2018. Em relação
às instituições públicas de ensino superior, não constam nos dados do MEC a criação de novos cursos de arquitetura
e urbanismo entre os anos de 2015 e 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
236

Quadro 6.5 - Cursos de Arquitetura e Urbanismo criados nas Universidade Federais entre os
anos de 2003 a 2018
Ano de
Região Sigla Nome Município
Funcionamento
Cursos criados entre 2003 e 2012
UNIFAP Universidade Federal do Amapá Macapá 2005
Norte UFRR Universidade Federal de Roraima Boa Vista 2006
UFAM Universidade Federal do Amazonas Manaus 2010
UFAL Universidade Federal de Alagoas Arapiraca 2006
UFS Universidade Federal de Sergipe Laranjeiras 2007
Nordeste UFBA Universidade Federal da Bahia – Curso Noturno Salvador 2009
Campina
UFCG Universidade Federal de Campina Grande 2010
Grande
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná Curitiba 2009
Sul UFFS Universidade Federal da Fronteira Sul Erechim 2010
Foz do
UNILA Universidade Federal da Integração Latino-Americana 2012
Iguaçu
UFOP Universidade Federal de Ouro Preto Ouro Preto 2008
Sudeste São João
UFSJ Universidade Federal de São João del-Rei 2009
del-Rei
Centro- UFG Universidade Federal de Goiás Goiânia 2009
Oeste UNB Universidade de Brasília Brasília 2010
Cursos criados entre 2013 e 2018
Pau dos
Nordeste UFERSA Universidade Federal Rural do Semi-Árido 2015
Ferros
Cachoeira
Sul UFSM Universidade Federal de Santa Maria 2014
do Sul
Centro-
UFG Universidade Federal de Goiás Goiás 2015
Oeste
Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados do MEC.

No caso específico da Região Nordeste, os quatro novos cursos foram criados nas
seguintes universidades: a UFBA criou o curso noturno de arquitetura e urbanismo em 2009; a
UFAL, a partir do processo de interiorização da universidade, criou um segundo curso de
graduação em arquitetura e urbanismo em período vespertino no município de Arapiraca em
2006; a UFCG criou o primeiro curso no campus sede em 2010; e a UFS, também no processo
de interiorização da universidade, criou seu primeiro curso de graduação em arquitetura e
urbanismo no município de Laranjeiras em 2007. De 2012 até 2018, apenas 3 novos cursos de
arquitetura e urbanismo foram criados em instituições federais de ensino superior.

É diante desse cenário, caracterizado pela ampliação do quadro docente nas


universidades públicas – que favoreceu a entrada de profissionais comprometidos com o
problema habitacional vivido pela população de baixa renda – e oportunidades que viabilizaram
o ingresso ao ensino superior de alunos de baixa renda e advindos de escolas públicas de ensino
médio, que os cursos de arquitetura e urbanismo aprovam e reeditam as Diretrizes Curriculares
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
237

Nacionais. Contudo, resta analisar se esse contexto educacional somado às ações


governamentais na produção de HIS, bem como a aprovação da Lei da Assistência Técnica,
serviu para implementação do tema da HIS como conhecimento prioritário ou obrigatório nas
DCN dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, como será apresentado no item
subsequente.

6.4 A institucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais

6.4.1 A proposta de Resolução das Diretrizes Curriculares Nacionais

Como já sinalizado neste capítulo, com a publicação da LDB de 1996 todos os cursos
de graduação não mais seriam estruturados com base em currículos mínimos, e sim, em
“diretrizes gerais”. A primeira ação do Governo Federal em relação a esse assunto foi orientar
as instituições de ensino superior na elaboração das Diretrizes Curriculares dos cursos de
graduação por meio do Parecer CNE/CES nº 776/97.

Os relatores do CNE/CES156, ao publicar o Parecer CNE/CES nº 776/97, defenderam


que as Diretrizes Curriculares era um instrumento capaz de promover maior flexibilização na
organização dos cursos superiores e nas carreiras profissionais, na medida em que as
expectativas e interesses dos alunos poderiam ser adequadamente atendidas. Esse argumento
sustentava-se na afirmação de que os currículos mínimos, apesar de terem exercido sua função
de garantir a “qualidade mínima” e uniformidade dos cursos de graduação, revelaram-se, com
o decorrer dos anos, um instrumento ineficaz na manutenção desta qualidade. Os relatores
evidenciaram ainda que, ao contrário do desejado, muitas instituições, com base nos currículos
mínimos, acabaram se desencorajando em implementar inovações no ensino e oferecer
diversidade de conhecimentos aos seus discentes. Desse modo, os relatores afirmaram:

[...] os currículos dos cursos superiores, formulados na vigência da legislação


revogada [currículos mínimos] pela Lei 9.394, de dezembro de 1996, em geral
caracterizam-se por excessiva rigidez que advém, em grande parte, da fixação
detalhada de mínimos curriculares e resultam na progressiva diminuição da margem

156
O Parecer CNE/CES nº 776/97 foi elaborado pelos seguintes relatores: Carlos Alberto Serpa de Oliveira
(Engenheiro Industrial e Metalúrgico, presidente da Fundação Cesgranrio), Éfrem de Aguiar Maranhão (Médico,
foi Reitor da UFPE e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras), Eunice Ribeiro Durham
(Antropóloga e professora da USP), Jacques Rocha Velloso (Cientista Político e Social, Professor Emérito da
UnB) e Yugo Okida (Médico, pedagogo e Reitor do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
238

de liberdade que foi concedida às instituições para organizarem suas atividades de


ensino (BRASIL, 1997, p. 1).

Com a proposta de constituição de um novo instrumento curricular nacional para os


cursos de graduação, os relatores do CNE/CES assumem a palavra “flexibilização” como
palavra de ordem, ou seja, eles defendiam ser imprescindível que as propostas elaboradas pelas
distintas áreas de conhecimento priorizassem a flexibilidade curricular, de modo que fosse
permitido aos discentes o contato com múltiplos conhecimentos, que os capacitassem a atuar
num mercado profissional competitivo e sujeito às rápidas transformações da sociedade
(BRASIL, 1997). Para essa tarefa, foram elencados um total de oito princípios norteadores os
quais deveriam servir de fundamento na elaboração das propostas de DCN. Dentre esses,
destacam-se: as propostas deviam assegurar liberdade e autonomia para que as instituições de
ensino superior pudessem definir a carga horária a ser cumprida para a integralização dos
currículos e na especificação das unidades de estudos a serem ministradas; deviam conter a
indicação dos tópicos e campos de estudo considerados fundamentais e evitar ao máximo a
fixação de conteúdo específico com cargas horárias pré-determinadas; incentivassem uma
sólida formação geral, e fosse permitido aos formandos habilitações diferenciadas em um
mesmo programa (BRASIL, 1997).

Após a publicação do Parecer CNE/CES nº 776/97, o MEC e a SESU lançam o Edital


nº 4/97 convocando as instituições de ensino superior a protocolarem suas propostas de DCN,
e estabeleceu, para estas, um modelo de enquadramento. Nesse modelo, o referido órgão
especificava que o novo instrumento curricular nacional deveria servir como referência para as
instituições de ensino e os cursos de graduação organizarem seus programas curriculares
adequados à realidade de cada região. Além disso, foi recomendado que as DCN deviam
privilegiar “[...] a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas, ao invés de
estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas” (MEC; SESU, 1997, p. 1, grifo nosso).

Com base nessas observações, foi proposto pelo órgão que as DCN fossem elaboradas
contendo sete orientações básicas:

1) Perfil desejado do formando;


2) Competências e habilidades desejadas;
3) Conteúdos curriculares;
4) Duração dos cursos (não foi recomendado a especificação de carga horária por áreas
de conhecimento ou disciplinas);
5) Estruturação modular dos cursos;
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
239

6) Estágios e atividades complementares;


7) Conexão com a avaliação institucional.

Tratando-se especificamente dos conteúdos curriculares, foi definido pela


SESU/MEC que as propostas deveriam apresentar os conteúdos considerados essenciais em
nível básico e profissional, de modo a garantir uma uniformidade básica para todos os
cursos de graduação de uma determina área de conhecimento. Agregado a isso, as propostas
deveriam garantir que as instituições de ensino superior tivessem liberdade para definir “[...]
livremente pelo menos metade da carga horária mínima necessária para a obtenção do diploma,
de acordo com suas especificidades de oferta de cursos” (MEC; SESU, 1997, p. 2).
Recomendação essa que assegurava a adequação da formação profissional às características
regionais de cada instituição de ensino.

A fim de atender a chamada do referido Edital nº 4/97, a área de arquitetura e urbanismo


que havia recentemente conseguido aprovar a Portaria nº 1770/1994 (Diretrizes Curriculares e
o Conteúdo Mínimo), ao invés de elaborar uma nova proposta, optou, inicialmente, por
investigar e avaliar o processo de implantação da referida portaria nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo do país. A intenção foi ouvir das instituições de ensino suas posições
quanto às recomendações especificadas na Portaria nº 1770/1994 e, a depender da situação,
implementar melhorias nas DCN. Esse trabalho de investigação e avaliação foi desenvolvido
por um Grupo de Trabalho de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (GTEAU) formado por
membros do CONFEA157, coordenado pela professora Maria Elisa Meira da UFF, em parceria
com a ABEA e a FENEA (SCHLEE et al., 2010; MEIRA, 2001).

Segundo Andrey Rosenthal Schlee et al. (2010), a avalição desenvolvida pelo GTEAU
ocorreu por meio da realização de encontros promovidos entre os meses de fevereiro a maio de
1998 nas cidades de São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Recife. Naquele mesmo ano a proposta
de DCN com as contribuições obtidas nesses encontros foi protocolada na SESU/MEC. Essa
proposta, ao contrário do desejado pela área, não foi aprovada rapidamente. A SESU/MEC,
após a chamada feita pelo Edital nº 4/97, recebeu um total de 1200 propostas de DCN das mais

157
O Grupo de Trabalho de Ensino de Arquitetura e Urbanismo do CONFEA foi instituído no dia 24 de outubro
de 1997 por meio da Decisão Plenária PL 1.021/97. Além da participação da professora Maria Elisa Meira, como
coordenadora e representante das Instituições de Ensino Superior do Grupo Arquitetura, de representantes da
ABEA, FENEA e da Coordenação Nacional das Câmaras Especializadas de Arquitetura, o GTEAU também era
composto por quatro conselheiros federais membros de cada uma das comissões permanentes do CONFEA
(MEIRA, 2001). Contudo, salienta-se que, com exceção de Maria Elisa Meira, não foi encontrado registro sobre
o nome dos demais membros do GTEAU e a quantidade exata de seus componentes.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
240

diversas áreas de conhecimento que foram consideradas pelo órgão como “bastante
heterogêneas” (BRASIL, 2001, p. 2). Essa heterogeneidade se relacionava aos aspectos
condizentes com a duração dos cursos, ou seja, os semestres propostos variavam de 4 até 12, e
a carga horária total oscilava entre 2000 até 6800 horas.

No caso da proposta apresentada pela área da arquitetura e urbanismo, foi definido pelo
GTEAU os seguintes limites:

 4.400 horas, no máximo, para os currículos plenos das IES [Instituições de Ensino
Superior], no que se refere aos estudos acadêmicos;
 800 horas, no máximo, para o TFG, ou seja, um ano ou dois semestres;
 cinco a seis anos de duração, sendo, no mínimo, três anos de tempo integral;
 dois anos, como padrão, de experiência prática no exercício profissional,
equivalente a 1.600 horas, sem que essa experiência prática seja de
responsabilidade da IES e, portanto, sem que ela represente qualquer custo para o
estudante;
 exame (avaliação de conhecimentos e habilidades antes do acesso ao exercício
profissional, realizado no início do ano (ou semestre letivo) seguinte à conclusão
do TFG;
 para o cumprimento das diretrizes curriculares são exigidas 3.600 horas;
 o tempo máximo para a integralização do curso é de 50% da duração do currículo
pleno de cada IES (MEIRA, 2001, p. 122).

A partir da heterogeneidade constatada, a SESU/MEC decidiu, ao publicar o Parecer


CNE/CES nº 583/2001, de 4 de abril de 2001, que divulgaria um Parecer e/ou uma Resolução
específica sobre a carga horária mínima e procedimentos relativos à integralização e duração
dos cursos de graduação na modalidade presencial. Desse modo, a quarta orientação básica
constante no Edital nº 4/97 foi suspensa e substituída pela especificação das “Habilitações e
ênfases” profissionais desejadas pelos cursos de graduação, forçando as diversas áreas de
conhecimento a corrigirem as propostas protocoladas e adequá-las à nova estrutura:

a- Perfil do formando/egresso/profissional - conforme o curso o projeto pedagógico


deverá orientar o currículo para um perfil profissional desejado.
b- Competência/habilidades/atitudes.
c- Habilitações e ênfases.
d- Conteúdos curriculares.
e- Organização do curso.
f- Estágios e Atividades Complementares.
g- Acompanhamento e Avaliação.
(BRASIL, 2001, p. 2-3, grifo nosso).

A partir do momento que a SESU/MEC retira a responsabilidade das DCN de


determinar as cargas horárias dos cursos e especificação dos prazos para sua integralização, a
instituição reforçou a concepção de que seria garantida à cada instituição de ensino superior a
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
241

flexibilização necessária para que pudessem se responsabilizar pela elaboração de suas


propostas curriculares.

Em 11 de março de 2003, a SESU/MEC publica o Parecer CNE/CES nº 67/2003 com o


propósito de se constituir num documento único referencial para as DCN dos cursos de
graduação. Nesse documento, foi elencado uma série de pontos negativos em relação aos
antigos currículos mínimos e evidenciadas as vantagens do estabelecimento das DCN, como
pode ser conferido no Quadro 6.6.

Quadro 6.6 - Vantagens das Diretrizes Curriculares Nacionais em relação aos Currículos
Mínimos

Desvantagens dos Currículo Mínimos Benefícios das Diretrizes Curriculares Nacionais

A formação profissional é considerada como um processo


O exercício profissional se limitava às
contínuo, autônomo e permanente, com uma sólida formação
disciplinas ou matérias profissionalizantes,
básica e uma formação profissional fundamentada na
encaixadas em uma grade curricular, com os
competência teórico-prática, de acordo com o perfil
mínimos obrigatórios.
determinado por cada instituição de ensino superior.

Inibiam a inovação e a criatividade das Ensejam a flexibilização curricular e a liberdade de as


instituições que não detinham liberdade para instituições elaborarem seus projetos pedagógicos
reformulações nas disciplinas e em seus adequados às demandas sociais, conferindo-lhes uma maior
conteúdos. autonomia na definição dos currículos plenos dos seus cursos.

A transmissão de conhecimentos e de
informação ocorria, inclusive prevalecendo Orientam-se na direção de uma sólida formação básica,
interesses corporativos responsáveis por preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das
obstáculos no ingresso no mercado de rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho
trabalho e por desnecessária ampliação ou e das condições de exercício profissional.
prorrogação na duração do curso.

Propõem ser um referencial para a formação de um


Propuseram-se a mensurar desempenhos
profissional em permanente preparação, visando uma
profissionais no final do curso.
progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno.

Pretendia, como produto, um profissional Pretendem preparar um profissional adaptável a situações


“preparado”. novas e emergentes.
Eram fixados para uma determinada Devem ensejar variados tipos de formação e habilitações
habilitação profissional. diferenciadas em um mesmo programa.
As Diretrizes Curriculares Nacionais não se vinculam a
Estavam comprometidos com a emissão de diploma e a exercício profissional, pois os diplomas, de acordo
um diploma para o exercício profissional. com o art. 48 da Lei 9.394/96, constituem-se prova, válida
nacionalmente, da formação recebida por seus titulares.

Fonte: elaborado pelo autor com base nas informações do Parecer CNE/CES nº 67/2003.

As observações realizadas pelos relatores158 do CNE/CES, coadunam, em boa parte,


com os argumentos apresentados nos capítulos anteriores desta tese, ao evidenciar que nos

158
José Carlos Almeida da Silva (ex-professor das Faculdades de Economia da Universidade Católica do Salvador
e da UFBA) e Lauro Ribas Zimmer (graduado em Direito, ex-Reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
242

currículos mínimos prevaleceram o que denominaram de “interesses corporativos”. No caso


dos currículos de arquitetura e urbanismo, tais interesses foram direcionados especialmente
para segmentos elitizados da sociedade brasileira. Mas, na visão do professor e arquiteto
Mizoguchi (2016, p. 24, grifo nosso), o currículo mínimo de arquitetura e urbanismo,
notadamente o aprovado em 1994, apresentava-se coerente com as demandas da área e “[...]
definia muito bem, tanto o que deveriam ser os conhecimentos exigidos quanto sua disposição
e seu grau de importância”. Além disso, Mizoguchi (2016), entendia que o currículo aprovado
em 1994 revelava um cuidado meticuloso com a formação dos futuros profissionais ao definir
a carga horária mínima necessária para seu aprendizado, visão essa contestada pelos relatores
do Parecer CNE/CES nº 583/2001, que obrigou a retirada de qualquer definição de carga horária
das proposta de DCN para os cursos de graduação.

Ainda segundo Mizoguchi (2016), a autonomia e flexibilidade priorizadas pela


SESU/MEC, sobretudo na transferência de responsabilidade para as instituições de ensino
superior na elaboração dos Projetos Políticos-Pedagógicos, apresentavam-se como um risco
para a área da arquitetura e urbanismo, visto que poderiam contribuir para “[...] promover
distorções [sem citar quais tipos], alterar os objetivos comuns ou, até mesmo, desqualificar o
exercício da profissão” (Op. cit, 2016, p. 25). Fatos esses que pareciam não serem possíveis de
ocorrer entre as instituições de ensino superior na visão da SESU/MEC, que, apesar de enfatizar
a autonomia dessas instituições, afirmava que elas não podiam se desvincular dos pontos bases
constantes nas DCN, entendidas como sendo “orientações mandatórias” (BRASIL, 2001, p. 2).
O que a SESU/MEC estava garantindo com a institucionalização das DCN era a possiblidade
de as instituições promoverem a implementação ou não de conhecimentos e saberes consoantes
com as características e demandas sociais de cada região.

Como foi possível observar, a proposta de DCN para os cursos de graduação em


arquitetura e urbanismo protocolada na SESU/MEC em 1998, precisou passar por ajustes a fim
de se adequar aos Pareceres CNE/CES nº 776/97, 583/2001 e 67/2003. A aprovação final das
DCN, só ocorreu no dia 6 de abril de 2005 quando foi publicado o Parecer CNE/CES nº
112/2005. Porém, oficialmente, o novo instrumento curricular nacional só foi instituído após a
publicação da Resolução nº 6, de 2 de fevereiro de 2006 (Resolução nº 6/2006), que, segundo
Oliveira (2002) e Schlee et al. (2010), manteve-se em consonância com a Portaria nº 1770/1994.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
243

6.4.2 Os elementos constituintes das Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006

Antes de serem apresentados os elementos constituintes das DCN de 2006, elaborados


pelo GTEAU, é válido destacar que este é mais um histórico instrumento curricular que,
inserido num contexto político, social e econômico demarcado pelas ações dos governos de
FHC e Lula anteriormente apresentados, buscou superar as limitações dos antigos currículos
mínimos no sentido de definir os elementos essenciais para a formação profissional dos
arquitetos e urbanistas e abrir margem para a implementação de diversos conhecimentos, de
modo que melhorias e inovações pudessem ser postas em prática pelas instituições de ensino.
Além disso, salienta-se que todos os elementos aqui apontados sobre as DCN de 2006, são fruto
da visão e proposta de um Grupo de Trabalho que representou toda a área da arquitetura e
urbanismo, como explicitado no pronunciamento da ABEA no XIX ENSEA de 2002:

Nós, diretores da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo –


ABEA, diretores e coordenadores de Faculdades e Cursos de Arquitetura e
Urbanismo, alunos de graduação e pós-graduação reunidos na UFRN, em Natal por
ocasião do XIX ENSEA, tendo em vista a aproximação da análise por parte do
Conselho Nacional de Educação – CNE, da proposta de Diretrizes Curriculares para
a área, vimos manifestar nossa intransigente defesa dos princípios e conteúdos da
proposta encaminhada. Amplamente debatida nos cursos a partir dos editais 4 e 5 do
MEC/1997 e 1998, elaborada de forma conjunta com a CEAU/SESu/MEC e o
Conselho Profissional (CONFEA), esta proposta foi aprovada nos fóruns nacionais
da área e espelha uma prática consolidada no ensino que teve como base de
progressiva homogeneização no país a edição da Portaria 1770/MEC-1994, que
instituiu as atuais diretrizes curriculares para os cursos de Arquitetura e Urbanismo e
incorpora os avanços que professores, estudantes e instituições de ensino
alcançaram desde então. Esta proposta, [...] contempla ainda as orientações
debatidas internacionalmente pela União Internacional de Arquitetos/UNESCO para
a educação atual do arquiteto e urbanista (ABEA, 2002, p. 16-17, grifo nosso).

Com a institucionalização das DCN dos cursos de graduação em arquitetura e


urbanismo, as instituições de ensino superior privadas e públicas deveriam ser organizadas
fundamentadas num componente curricular que abrangesse: o projeto pedagógico, descrição de
competências, habilidades e perfil desejado para o futuro profissional, conteúdos curriculares,
estágio curricular supervisionado, acompanhamento e avaliação, atividades complementares e
trabalho de curso159 (TC) (BRASIL, 2006).

Ao analisar as DCN de 2006, pôde-se perceber que a organização destas se divide em


duas linhas de ação: uma voltada para questões de orientação sobre como as instituições de
ensino deviam estruturar seus cursos e formatar seus Projetos Políticos-Pedagógicos (que inclui

159
Também conhecido como Trabalho Final de Graduação (TFG).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
244

a definição do perfil profissional, suas competências e habilidades); e outra voltada para a


organização curricular e seu conteúdo, como deveriam ser divididos e subdivididos os
conhecimentos, e quais desses deveriam ser priorizados na formação dos profissionais de
arquitetura e urbanismo. Assim, na demonstração das análises realizadas sobre as DCN optou-
-se por apresentá-las em dois tópicos que se relacionam com as duas linhas de ação
identificadas, a formatação geral do Projeto Político-Pedagógico e os conteúdos curriculares.

6.4.2.1 A formatação geral do Projeto Político-Pedagógico

Além de determinar como deviam ser estruturados os cursos de arquitetura e urbanismo,


a Resolução nº 6/2006, no artigo 3º, elencou um total de 10 itens definidos como estrutura
padrão de organização do Projeto Político-Pedagógico (PPP) por parte das instituições de
ensino superior. Assim, os PPPs deveriam relatar os seguintes elementos:

I - Objetivos gerais do curso, contextualizado às suas inserções institucional, política,


geográfica e social;
II - Condições objetivas de oferta e a vocação do curso;
III - Formas de realização da interdisciplinaridade;
IV - Modos de integração entre teoria e prática;
V - Formas de avaliação do ensino e da aprendizagem;
VI - Modos da integração entre graduação e pós-graduação, quando houver;
VII - Incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e
como instrumento para a iniciação científica;
VIII - Regulamentação das atividades relacionadas com o trabalho de curso, em
diferentes modalidades, atendendo às normas da instituição
IX - Concepção e composição das atividades de estágio curricular supervisionado em
diferentes formas e condições de realização, observados seus respectivos
regulamentos;
X - Concepção e composição das atividades complementares.
(BRASIL, 2006, p. 1).

Observa-se que nessa estrutura padrão de organização, não consta a recomendação ou


obrigatoriedade de que as instituições de ensino devessem listar o leque de disciplinas do curso,
suas distribuições ao longo dos períodos/ano, e nem as ementas. Por outro lado, logo no inciso
I é indicado que as instituições/cursos contextualizem sua inserção no cenário político,
geográfico e social da região. Acredita-se que a elaboração dessa contextualização,
fundamentada em pesquisa e dados oficiais sobre a realidade social, política e econômica na
qual a instituição/curso está inserida, pode evidenciar as carências e potencialidades de cada
região e assim nortear as estratégias de ações dos cursos de arquitetura e urbanismo e a
constituição dos conhecimentos a serem priorizados. Mesmo não contendo nenhuma
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
245

justificativa explícita nas DCN, acredita-se que a intenção posta nessa recomendação foi a de
alertar as instituições de ensino superior para a condução de uma formação profissional em
conformidade com as demandas sociais local e regional.

Vê-se, também, que entre os itens supracitados há estímulo para que as instituições
promovessem integração entre o ensino e a pesquisa acadêmica, que por sua vez pode se efetivar
sob diferentes estratégias pedagógicas. Uma das possibilidades para se potencializar essa
integração, sobretudo em relação às questões que envolvem a produção da HIS, pode ocorrer
por meio da divulgação dos resultados obtidos e publicados pelas grupos de pesquisa no interior
dos ateliês de projeto, de modo que esses resultados sirvam de base para a retroalimentação do
processo projetual (arquitetônico e urbanístico) e, possivelmente, implementados como
conteúdo obrigatório nas disciplinas apropriadas.

Além disso, práticas alternativas de ensino fundamentadas na experiência de workshops


temáticos têm sido uma alternativa interessante na medida que buscam estabelecer uma
aproximação entre exercício profissional e ensino de arquitetura e urbanismo. Um dos exemplos
desse tipo de atividade ocorreu entre os anos de 2013 a 2015 no Departamento de Arquitetura
e Urbanismo da UFPE160 que teve como foco central a HIS. Segundo Zeca Brandão, Luiz
Amorim e Carolina Brasileiro (2015), a prática de workshops temáticos tem sido de interesse
crescente no currículo acadêmico de muitas universidades do mundo por permitir que, em curta
duração, seja promovido o alinhamento entre o conhecimento teórico e a prática projetual.

Dando continuidade à estrutura organizacional dos PPPs, conforme a Resolução nº


6/2006, foi recomendado que as instituições de ensino superior desenvolvessem ações com
responsabilidade técnica e social com base no princípio da “qualidade de vida dos habitantes
dos assentamentos humanos” (BRASIL, 2006, p. 2). Princípio este que, segundo Meira (2001),
estava em conformidade com o Estatuto da Unesco/UIA, de 1996.

160
O DAU-UFPE, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU/UFPE),
Ministério das Cidades, e o Programa de Pós-Graduação Housing and Urbanism, da Architectural Association
School of Architecture (AA), de Londres, realizou um total de cinco workshops temáticos, sendo os três últimos
dedicados às questões relacionadas com a HIS: “o “Workshop Internacional de Desenho Urbano no Centro do
Recife”, realizado em Abril de 2003; o “II Workshop Internacional de Desenho Urbano AA/UFPE: Interfaces
espaciais para o Bairro do Recife”, realizado em Março de 2006; o “III Workshop Internacional de Desenho
Urbano UFPE/AA - Programa Minha Casa Minha Vida: Habitação Social e Intervenção Urbana”, realizado entre
Junho e Julho de 2013; o “IV Workshop Internacional de Desenho Urbano UFPE/AA – Projeto Avenida Norte:
Habitação Social + Mobilidade Urbana”, realizado em Abril e Maio de 2014; e o “V Workshop Internacional de
Desenho Urbano UFPE/AA – Projeto Lagoa Olho D`Agua: Habitação Social + Infraestrutura Urbana”, realizado
em Junho e Julho de 2015” (BRANDÃO, AMORIM, BRASILEIRO, 2015, p. 8). No caso do III Workshop, os
autores evidenciaram que “a metodologia foi aplicada a uma equipe composta por 55 participantes (28 alunos da
AA e 27 alunos do MDU), orientados por 13 professores das duas instituições” (Op. Cit, 2015, p. 12).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
246

Seguindo a mesma linha argumentativa dos antecessores instrumentos curriculares


nacionais, a Resolução nº 6/2006, no artigo 4º, continuou assegurando que o tipo de perfil
profissional desejado para a área da arquitetura e urbanismo seria o profissional generalista
com habilitação única entre arquitetura e urbanismo (BRASIL, 2006). Além da formação
generalista, o GTEAU pôs como recomendação nas DCN que os futuros profissionais da área,
ao fim de sua formação, estivessem aptos a “[...] compreender e traduzir as necessidades de
indivíduos, grupos sociais e comunidade” (BRASIL, 2006, p. 2), de modo a interpretá-los e
traduzi-los em ações relacionadas com a concepção, organização e construção do espaço
habitado interior e exterior. Assim, o profissional, dentro desse universo deverá mediar suas
ações num campo constituído por cinco elementos considerados fundamentais: a edificação, o
urbanismo, o paisagismo, a conservação e valorização do patrimônio construído, e a proteção
do equilíbrio do ambiente natural (BRASIL, 2006).

Por último, a Resolução nº 6/2006 aponta uma lista de competências e habilidades que
os cursos devem ofertar aos seus estudantes. As competências e habilidades listadas pelo
GTEAU são aqui agrupadas em quatro categorias: conhecimentos gerais, projeto, construção e
pesquisa (Quadro 6.7).

Quadro 6.7 - Lista de competências e habilidades dos profissionais de arquitetura e urbanismo


conforme Resolução nº 6/2006
(continua)
Conhecimentos Gerais Projeto Construção Pesquisa
Compreensão das
técnicas e metodologias
Conhecimento dos Habilidades necessárias para
de pesquisa em
aspectos antropológicos, conceber projetos de Habilidades para realizar
planejamento urbano e
sociológicos e arquitetura, urbanismo e construções
regional,
econômicos paisagismo
urbanismo e desenho
urbano
Conhecimentos
especializados para o
Compreensão sobre Entendimento das condições
emprego dos
ações de preservação da climáticas, acústicas, -
materiais de construção e
paisagem lumínicas e energéticas
das técnicas e sistemas
construtivos
Práticas projetuais sobre
preservação, conservação, Compreensão dos
Conhecimento sobre
restauração, reconstrução, sistemas estruturais e o
história das artes e da -
reabilitação e reutilização de domínio da concepção e
estética
edificações, conjuntos e do projeto estrutural
cidades
Fonte: elaborado pelo autor.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
247

Quadro 6.7 - Lista de competências e habilidades dos profissionais de arquitetura e urbanismo


conforme Resolução nº 6/2006
(conclusão)
Conhecimentos Gerais Projeto Construção Pesquisa
Habilidades de desenho, da Levantamentos
Conhecimento sobre
geometria e de outros meios topográficos, com a
teoria e história da
de expressão e representação utilização de aero-
arquitetura, do -
(exemplo: perspectiva, -fotogrametria, foto-
urbanismo e do
modelagem, maquetes, -interpretação e
paisagismo
modelos e imagens virtuais) sensoriamento remoto
Conhecimento de
- - -
informática

Fonte: elaborado pelo autor.

Ao passo que as competências e habilidades consideradas nas DCN de 2006


apresentam-se bastante abrangentes, em alguns pontos o GTEAU foi bem específico. Essa
especificidade apresenta-se evidente quando são indicados no Quadro 6.7 que os futuros
profissionais de arquitetura e urbanismo devem possuir habilidades na aplicação de outros
meios de expressão e representação, sendo, portanto, detalhados quais seriam esses outros
meios – perspectiva, modelagem, maquetes, modelos e imagens virtuais. Outra especificidade
é detalhada quanto aos tipos de levantamento topográfico, nesse caso, aponta-se que os
discentes façam uso da aero-fotogrametria, foto-interpretação e sensoriamento remoto. Essas
especificidades apresentam-se como antagônicas diante do princípio da generalização adotado
em outros aspectos das competências e habilidades profissionais. Além disso, percebe-se ainda
que no quesito pesquisa, não foi recomendado que os discentes obtivessem compreensão das
técnicas e metodologias de pesquisa em arquitetura.

Contudo, em nenhum momento os responsáveis pela elaboração da Resolução nº 6/2006


assumem um compromisso oficial com as realidades sociais vividas pela população de baixa
renda ou destacam que em relação aos conhecimentos gerais, os futuros profissionais de
arquitetura e urbanismo obtenham conhecimentos sobre a produção de habitações de interesse
social, sobre os assentamentos humanos subnormais (como referenciado pelo Programa
Habitar-Brasil BID) ou assentamentos humanos precários (termo utilizado pelo PAC). Ao invés
disso, o GTEAU especificou apenas que os profissionais em arquitetura e urbanismo, ao
desenvolverem habilidades de projetos, façam de modo a satisfazer as exigências culturais e
econômicas, e que historicamente, considerem a produção arquitetônica em seu contexto social,
cultural, político e econômico (BRASIL, 2006).
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248

Como última exigência para a elaboração dos PPPs, a Resolução nº 6/2006 traz no
parágrafo único do artigo 5º a seguinte obrigação:

O projeto pedagógico deverá demonstrar claramente como o conjunto das atividades


previstas garantirá o desenvolvimento das competências e habilidades esperadas,
tendo em vista o perfil desejado, e garantindo a coexistência de relações entre teoria
e prática, como forma de fortalecer o conjunto dos elementos fundamentais para a
aquisição de conhecimentos e habilidades necessários à concepção e à prática do
arquiteto e urbanista (BRASIL, 2006, p. 3).

6.4.2.2 Os conteúdos curriculares

No Edital nº 4/97, foi orientado para as instituições de ensino superior que os “conteúdos
curriculares” definidos nas propostas de DCN seriam uma referência para que cada instituição
de ensino pudesse definir “[...] seus currículos plenos, em termos de conteúdos básicos e
conteúdos profissionais essenciais para o desenvolvimento de competências e habilidades
requeridas para os egressos da área/curso” (MEC; SESU, 1997, p. 2). Além disso, foi
recomendado que na seleção dos conteúdos, estes fossem acompanhados de uma justificativa
salientando “[...] a importância de tais conteúdos em relação aos objetivos definidos na
formação de diplomados em cada área” (MEC; SESU,1997, p. 2).

Segundo Sacristán (1998; 2013), a ideia de conteúdo – conceito didático com distintas
concepções na escolaridade em geral – relaciona-se com os elementos de disciplinas, matérias,
informações diversas que são organizados de modo a evidenciar aquilo que se deve aprender,
o que se pretende transmitir. Por conseguinte, essa seleção deixa de ser uma decisão ou um
problema técnico e passa a se constituir numa relação de poder visto que, “[...] as decisões
tomadas afetam sujeitos com direitos, implicam explícita ou implicitamente opções a
respeito de interesses e modelos de sociedade, avaliação de conhecimento e a divisão de
responsabilidade” (SACRISTÁN, 2013, p. 23, grifo nosso).

Quanto aos conteúdos curriculares para os cursos de graduação em arquitetura e


urbanismo, elaborado pelo GTEAU e instituído na Resolução nº 6/2006, observa-se que a
estrutura proposta, ao contrário do que foi determinado pelo Edital nº 4/97, não apresenta
conteúdos curriculares – na acepção apresentada no parágrafo anterior – e sim, especificação
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
249

de “áreas de conhecimentos”161, cuja nomenclatura foi alterada para “núcleos de


conhecimentos”, como pode ser conferido no Quadro 6.8.

Quadro 6.8 - Conteúdos curriculares da Portaria nº 1.770/1994 e da Resolução nº 6/2006


Portaria Nº 1.770 de 1994 Resolução nº 6/2006
Matéria de Fundamentação Núcleo de Conhecimentos de Fundamentação
Estética Estética
História das Artes História das Artes
Estudos Sociais e Ambientais Estudos Sociais e Econômicos
- Estudos Ambientais
Desenho Desenho e Meios de Representação e Expressão
Matérias Profissionais Núcleo de Conhecimentos Profissionais
Teoria e História da Arquitetura, do Urbanismo e
História e Teoria da Arquitetura e Urbanismo
do Paisagismo
Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de
Paisagismo Paisagismo
Planejamento Urbano e Regional Planejamento Urbano e Regional
Tecnologia da Construção Tecnologia da Construção
Sistemas Estruturais Sistemas Estruturais
Conforto Ambiental Conforto Ambiental
Técnicas Retrospectivas Técnicas Retrospectivas
Informática aplicada à Arquitetura e Urbanismo Informática aplicada à Arquitetura e Urbanismo
Topografia Topografia
Trabalho Final de Graduação Trabalho de Curso
Fonte: elaborado pelo autor.

É válido salientar que a mudança da especificação de matérias – presentes nos antigos


currículos oficiais nacionais dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo – para a
especificação de áreas de conhecimento, representou um importante ponto de superação no
processo de constituição curricular oficial nacional, pois, com essa mudança, a partir da
oficialização dos conhecimentos fundamentais e, consequentemente, obrigatórios, é transferida
às instituições de ensino a responsabilidade na definição de como esses conhecimentos serão
incorporados em seus Projetos Políticos-Pedagógicos, como disciplinas específicas ou como
conteúdo. Nesse sentido, ao advogar-se nesta tese pela inserção do tema da HIS como
conhecimento obrigatório para a formação dos profissionais de arquitetura e urbanismo,
sobretudo como núcleo de conhecimento profissional nas Diretrizes Curriculares Nacionais,
não está se advogando pela constituição obrigatória de disciplinas com ementas fechadas (o que
também não é interpretado como um problema ou impedimento). Ao contrário disso, advoga-
se por uma formação comprometida com as demandas das massas “minorizadas” e pelo

161
Termo utilizado pelo Parecer CNE/CES nº 776/97 (BRASIL, 1997).
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250

deslocamento do lugar secundário que esse tema tem ocupado nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo, como foi evidenciado nos capítulos anteriores.

Constatou-se ainda que as DCN não apresentam nenhuma justificativa sobre a


importância da seleção dos elementos constituintes de cada núcleo em relação às habilidades e
competências determinadas para os futuros profissionais de arquitetura e urbanismo. Como
evidenciado no Capítulo 5 desta tese, na Portaria nº 1.770/1994, para cada elemento constituinte
das matérias de fundamentação e profissionais, havia uma breve apresentação – ainda que
escassa em detalhes – sobre suas delimitações e abordagens, mas nas DCN, o GTEAU decidiu
omitir a explicitação de possíveis detalhes ou abordagens temáticas nos diversos elementos de
cada núcleo de conhecimento. Porém, salienta-se que em nenhum momento, segundo o Parecer
CNE/CES nº 776/97, foi impedido que a área de arquitetura e urbanismo detalhasse em suas
propostas os conteúdos curriculares dos núcleos de conhecimentos ou explicitasse um possível
compromisso com determinados temas/conteúdos/problemas de interesse social. Foi apenas
recomendado pela SESU/MEC, que as propostas evitassem ao máximo a fixação de cargas
horárias para os conteúdos específicos.

Com a apresentação dos núcleos de conhecimentos, observa-se que foram necessários


quase doze anos desde a institucionalização da Portaria nº 1770/1994, para que o GTEAU
pudesse concluir que nas novas DCN de 2006 nada precisava ser alterado, ou seja, toda estrutura
proposta na citada portaria foi literalmente transcrita, com exceção do desmembramento da
matéria de “Estudos Sociais e Ambientais” em dois núcleos de conhecimentos distintos,
“Estudos Sociais e Econômicos” e “Estudos Ambientais” (Quadro 6.8).

Mas, quais são os avanços postos nas DCN de 2006? Quando comparado aos antigos
currículos mínimos, são visíveis os avanços desse novo instrumento curricular oficial nacional
no sentido de especificar a obrigatoriedade da existência de laboratórios, biblioteca, inserção
da informática, dentre outros. Contudo, em relação à HIS, categoricamente, não há nenhum
avanço. Considerando todas as omissões em relação ao tema da HIS por parte daqueles que
estiveram envolvidos com a construção dos currículos mínimos e diante dos agigantados
desafios na produção de HIS declarado, especialmente, pelo governo Lula, a área da arquitetura
e urbanismo, mais uma vez, oficialmente, deixa de assumir nacionalmente um compromisso
com os problemas da população mais pobre da sociedade brasileira e não corporifica no próprio
currículo nacional oficial essas demandas conflitantes.
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251

Ao analisar as DCN, constata-se que as antepassadas condutas em relação ao tema da


HIS nas estruturas curriculares nacionais para os cursos de arquitetura e urbanismo, oriundas
desde 1962, têm se perpetuado ano após ano, alimentando, ideologicamente, uma tradição de
ensino centrada na valorização das obras de caráter monumental. Além disso, é salutar
evidenciar que a possível inclusão do tema da HIS (que envolve questões relacionadas à
arquitetura, ao urbanismo e paisagismo) como área de conhecimento – assim como foi inserido
a informática – em nada alteraria o caráter generalista e não-especializado do perfil profissional
preconizado pela Resolução nº 6/2006, ao contrário disso, evidenciaria um compromisso social
nacional do meio acadêmico com a população de menor poder aquisitivo da sociedade
brasileira.

Da forma como as DCN foram organizadas, em termos de conteúdo, demonstra o quanto


essa estrutura curricular portou-se como um currículo oficial “neutro” e consensual ao priorizar
a seleção de núcleos de conhecimentos sem seus respectivos detalhamentos. Seguindo a linha
argumentativa de Sacristán (2013), sem o detalhe de conteúdo, toda estrutura curricular
proposta pela área da arquitetura e urbanismo limitou-se a um mero formalismo. De acordo
com Apple (1989, p. 46), o consenso e a neutralidade162 – instituído pela área da arquitetura e
urbanismo, representada pelo GTEAU – “[...] encobrem as realidades do poder e do conflito
que fornecem as condições para a existência de qualquer currículo”, em outras palavras, a
suposta neutralidade encobre demandas latentes da sociedade brasileira e os conflitos sobre o
elemento básico dos assentamentos humanos, ou seja, a moradia, a casa, a habitação,
principalmente da população que menos tem acesso a esse bem.

Além dos avanços já referenciados, destaca-se que a Resolução nº 6/2006, recomendava


que as instituições de ensino superior empreendessem práticas de atividades complementares à
formação do profissional em arquitetura e urbanismo como meio para o desenvolvimento e
enriquecimento das habilidades e competências dos discentes. Essas atividades
complementares poderiam ocorrer através de cursos e eventos dentro ou fora do ambiente
acadêmico, atividades de extensão, módulos temáticos – o que provavelmente possa ser
interpretado como sendo a constituição de disciplinas optativas ou eletivas163 – e até a
possibilidade de o aluno cursar disciplinas em outras instituições de ensino. Elementos esses

162
Apple (1989), no artigo “Currículo e poder” lança uma crítica aos educadores que veem o currículo nacional,
regional ou local como um corpo neutro de conhecimentos. Desse modo, o referido autor expõe, com base na
literatura da sociologia do conhecimento escolar, os problemas concernentes à ideia de consenso e neutralidade no
estabelecimento de um currículo nacional, em particular na Inglaterra.
163
Na Resolução nº 6/2006, não há registro do uso dos termos “disciplina optativa” ou “disciplina eletiva”.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
252

que não haviam sido detalhados em nenhum currículo oficial nacional já instituído na história
do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil.

Um dado curioso em relação à proposta original das DCN formulada pelo GTEAU em
1998, foi a especificação da existência de uma “experiência prática” do estudante de arquitetura
como requisito curricular obrigatório. Essa experiência se diferenciava do estágio curricular
supervisionado ao se caracterizar como sendo uma atividade ofertada pelas instituição de ensino
superior por meio de “[...] escritórios-modelos de projeto de arquitetura e urbanismo, canteiros
de obras de arquitetura e urbanismo e núcleos ou laboratórios de habitação e Habitat”
(MEIRA, 2001, p. 125, grifo nosso). Mas, esse detalhamento foi suprimido na Resolução nº
6/2006, restando apenas a recomendação geral de que os núcleos de conhecimentos de
fundamentação e profissionais pudessem ser complementados, além da experimentação em
laboratórios, por “[...] escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo; [e] núcleo de serviço à
comunidade” (BRASIL, 2006, p. 4).

Por fim, essa segunda parte da estrutura organizacional das DCN é finalizada com a
determinação de que as instituições de ensino superior do país tinham um prazo de até 2 anos,
a contar da publicação da Resolução nº 6/2006, para elaborarem seus PPPs e implementarem
as mudanças necessárias em conformidade com a norma vigente.

6.4.3 Reações às Diretrizes Curriculares Nacionais e sua reformulação em 2010

No mesmo ano da institucionalização das novas DCN para os cursos de graduação em


arquitetura e urbanismo, foram realizados dois eventos nacionais que tiveram como pauta a
Resolução nº 6/2006: o Seminário Regional de Ensino (SERES), organizado pela FENEA; e o
XXIV Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ENSEA), organizado pela
ABEA.

No SERES164, ocorrido entre os dias 17 e 20 de agosto de 2006, na cidade de Franca,


estado de São Paulo, o debate sobre as DCN foi realizado de modo comparativo em relação à

164
Participaram do evento as seguintes faculdades: Departamento de Arquitetura da USP, São Carlos; Escola da
Cidade; Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, Bauru; FAU Mackenzie; FAUUSP São Paulo;
e FAU Unifran. Além dessas instituições de ensino, o IAB-SP também marcou presença, sendo representado por
Lúcio Gomes (arquiteto e professor da FAUUSP) e o arquiteto Vasco de Melo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
253

Portaria nº 1770/1994, à lei de estágio165, às atribuições profissionais dos arquitetos e


urbanistas, à LDB de 1996 e às diferentes realidades trazidas pelas faculdades presentes. Nesse
evento, a FENEA destacou como ponto positivo da Resolução nº 6/2006, o fato de ter exigido
que os cursos elaborassem um PPP e atualizassem os conteúdos a serem abordados nos cursos
de graduação. Além disso, foi considerado “[...] um avanço o incentivo à pesquisa e extensão,
o reconhecimento das atividades complementares como parte da formação e a inclusão do
estágio curricular supervisionado obrigatório” (FENEA, 2006).

Por outro lado, a FENEA sinalizou que, apesar das DCN darem autonomia de decisão
às instituições de ensino superior na formulação de seus PPP, não fixaram uma base mínima de
caráter obrigatório que assegurasse a qualidade da educação (FENEA, 2006). Somado a isso,
apontaram que a falta de objetividade e especificidade das DCN apresentava-se como uma porta
aberta para interpretações errôneas que poderiam comprometer o ensino e a futura prática da
arquitetura e urbanismo no Brasil.

Já no XXIV ENSEA, ocorrido entre os dias 11 e 14 de outubro de 2006, na cidade de


Goiânia, estado de Goiás, especificamente na Universidade Católica de Goiás (UCGO), os
comentários e críticas sobre a Resolução nº 6/2006 foram tecidos na XXX Reunião do Conselho
Superior da ABEA. As reivindicações apresentadas pelos participantes da citada reunião se
limitaram às questões relacionadas com a ausência de uma determinação oficial sobre a carga
horária e o tempo de integralização dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo;
insatisfação quanto à mudança da nomenclatura de TFG para TC; e definição de estágio
supervisionado, mas nenhum debate foi desenvolvido em relação à inserção da HIS como área
de conhecimento nas DCN. A conclusão apresentada pela ABEA sobre essa reunião sintetizou
apenas que:

Todos os documentos reafirmam as posições já de há muito consolidada na área


quanto ao tempo mínimo de 5 anos para a conclusão do curso como o tempo
necessário para maturação da exercitação dos conhecimentos definidos nas diretrizes
curriculares e quanto à carga horária mínima de 3600 horas dedicadas a conteúdos
relacionados nas diretrizes curriculares sem computar a carga horária do Estágio.
Também foi aprovado recomendar as Escolas que o Trabalho de Curso assim definido
nas novas Diretrizes Curriculares deve manter a nomenclatura de TFG (ABEA, 2006,
p. 9).

Como resultado do XXIV ENSEA, a ABEA elaborou uma nova proposta de DCN que
foi encaminhada ao MEC e ao CNE, no entanto, as solicitações expressas neste documento não
foram atendidas na íntegra. Em relação ao tempo mínimo para a integralização dos cursos de

165
Lei n° 6.494 de 7 de dezembro de 1977.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
254

arquitetura e urbanismo indicado pela ABEA, o atendimento a essa solicitação só ocorreu em


2007, quando foi instituída a Resolução nº 2, de 18 de junho de 2007, que determinou para a
área da arquitetura e urbanismo a carga horária mínima de 3.600 horas/aula, e o limite mínimo
para integralização de 5 anos (BRASIL, 2007b).

Quatro anos após a institucionalização da Resolução nº 6/2006, o MEC instituiu a


Resolução CNE/CES nº 2, de 17 de junho de 2010 (Resolução nº 2/2010) alterando dispositivos
das DCN para os cursos de arquitetura e urbanismo de 2006. As alterações empreendidas não
ocorreram sobre artigos importantes, a exemplo do artigo 5º, condizente com as competências
e habilidades do arquiteto e urbanista, ou do artigo 6º, que trata dos conteúdos curriculares.

A única alteração em relação à Resolução nº 6/2006, ocorreu no artigo 9º referente ao


TC. Segundo a ABEA (2015), a alteração efetivada no artigo 9º, partiu da demanda de um
engenheiro civil, docente na UFPE, que questionou a obrigatoriedade do orientador de TC ser
apenas um docente formado em arquitetura e urbanismo. Tal demanda motivou o CNE – sem
consultar a comissão de especialistas da área – a suspender essa obrigatoriedade, porém, essa
suspensão não significou uma proibição. O CNE especificou no inciso II do artigo 9º que o
orientador seria “[...] escolhido pelo estudante entre os docentes do curso, a critério da
Instituição” (BRASIL, 2010, p. 4, grifo nosso); para tanto, recomendou que cada curso
estabelecesse uma regulamentação própria sobre o TC.

Desse modo, a Resolução nº 2/2010, vigente até a finalização desta tese, continuou não
legitimando oficialmente o tema da HIS. Diante desse fato, a única possibilidade para que esta
legitimação ocorresse seria por meio de uma nova reformulação curricular nacional, processo
já iniciado pelas entidades representativas da profissão do arquiteto e urbanistas e do ensino de
arquitetura e urbanismo. Desde o ano de 2013 o CAU/BR iniciou um processo de discussão
com o objetivo de propor atualizações para a Resolução nº 2/2010, após tomar ciência que o
debate já estava sendo desenvolvido pela ABEA.

Segundo evidenciado pela ABEA (2015), as alterações propostas na Resolução nº


2/2010 já foram apresentadas ao CNE. Além disso, a “[...] Comissão de Ensino e Formação do
CAU/BR também participou dessa discussão e encaminhou, via plenário daquele conselho, uma
proposta semelhante ao CNE” (ABEA, 2015, p. 17). Proposta esta que, segundo informe
constante no site do CAU/BR, foi aprovada na 30ª Reunião Plenária do referido conselho,
realizada nos dias 8 e 9 de maio de 2014. Essa reunião contou com a participação dos
Conselheiros Federais, os quais são formados por arquitetos e urbanistas que atuavam como
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
255

profissionais liberais ou como integrantes da carreira docente em instituições públicas ou


privadas, representantes dos 26 Estados brasileiros e do Distrito Federal.

Entre os dias 9 e 10 de agosto de 2018, o autor desta tese, participou do Seminário


Nacional de Ensino e Formação (Imagem 6.8), realizado na cidade de Aracaju, Estado de
Sergipe. Esse evento foi promovido pelo CAU-BR, através de sua Comissão de Ensino e
Formação, juntamente com a ABEA e o CAU-SE, com o objetivo de debater sobre a
reformulação das DCN dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo do Brasil.

Nesse evento, todos os artigos e parágrafos da Resolução nº 2/2010 foram debatidos e


os participantes puderam lançar propostas de melhorias e aperfeiçoamentos do texto. Na
proposta de reformulação das DCN apresentada no evento, nenhum comentário ou observação
havia sido constituído sobre a inserção do tema da HIS, nem no artigo referente a habilidades e
competências, nem no que se referia aos conteúdos curriculares.

Imagem 6.8 - Cartaz de divulgação do Seminário Nacional de Ensino e Formação

Fonte: CAU-SE, 2018166.

Por outro lado, a proposta apresentada, evidenciava a inclusão obrigatória de novas


áreas de conhecimento, tais como: “Filosofia e Antropologia Cultural” como parte integrante
do núcleo de conhecimento de fundamentação; “Infraestrutura Urbana”, “Desempenho e
Segurança das Edificações” e “Estudos Ambientais” como obrigatórias no núcleo de
conhecimentos profissionais. Na ocasião, o autor desta tese, observando a ausência do tema da
HIS, questionou os motivos pelos quais este tema não havia sido contemplado como área de

166
Disponível em: <https://www.cause.gov.br/?p=14726>. Acesso em: 5 ago. 2018.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
256

conhecimento. Além disso, foi salientado que a proposta se apresentava incompleta, visto que
os responsáveis por sua elaboração tiveram o cuidado de fazer referência obrigatória às normas
de desempenho e segurança das edificações, mas, não consideraram relevante a Lei nº
11.888/2018.

Após alguns debates entre os presentes no evento e contestações por parte da comissão
responsável pela apresentação da proposta de reformulação da Resolução nº 2/2010, o tema da
HIS foi inserido no texto final da nova proposta curricular nacional, mas especificamente, como
área de conhecimento obrigatório no núcleo de conhecimentos profissionais. No entanto, é
valido salientar, que as mudanças sugeridas e acatadas no Seminário Nacional de Ensino e
Formação seriam formalizadas e apresentadas em novos eventos previstos para ocorrem em
outros Estados. Como resultado desse Seminário, foi elaborada a Carta de Sergipe com
recomendações iniciais para as DCN dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo
(Anexo 2). No que se refere ao estabelecimento de um compromisso oficial com as questões
relacionadas à população de baixa renda, a Carta de Sergipe evidencia que os cursos devem
consolidar no ensino de arquitetura e urbanismo o interesse especial na Assistência Técnica
para todos os campos da arquitetura, com especial atenção à população carente. Por fim,
destaca-se que, possivelmente, as novas DCN possam efetivar, pela primeira vez na história
dos cursos de arquitetura e urbanismo do Brasil, um compromisso prioritário com as questões
relacionadas à HIS e, talvez, contribuir nacionalmente com a construção de uma cultura de
projeto voltada às demandas da população de baixa renda.

Diante da não oficialização do tema da HIS como área de conhecimento nas DCN de
2010 e da autonomia atribuída aos cursos na seleção dos conhecimentos fundamentais para a
formação dos arquitetos e urbanistas, questiona-se: ao considerar todas as ações empreendidas
pelo Governo Federal no âmbito da produção habitacional, a institucionalização da Lei nº
11.888/2008, e a inserção crescente de alunos de escolas públicas e de baixa renda no ensino
superior, será que os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais do Brasil tem legitimado o tema da HIS em seus PPPs? Qual tem sido
o lugar reservado ao estudo sobre HIS nesses cursos? A resposta para esses questionamentos
será detalhada no item subsequente deste capítulo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
257

6.5 O tema da habitação de interesse social nos cursos de arquitetura e urbanismo


ofertados por Universidades Federais do Brasil

Conforme dados do Ministério da Educação (MEC)167, até o ano de 2018, existia no


Brasil um total de 640 cursos de graduação em arquitetura e urbanismo (AU). Desse total, 576
são ofertados por instituições privadas de ensino superior e 64 são ministrados por instituições
públicas. Dos 64 cursos públicos de AU168, 42 deles são ofertados por Universidades
Federais, 12 por Universidades Estaduais, 1 é ofertado por uma Universidade Municipal, e 9
são ofertados por Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Gráfico 6.1).

Gráfico 6.1 - Condição de oferta dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo no


Brasil, até 2018

Fonte: elaborado pelo autor.

Os 42 cursos de graduação em AU ofertados por Universidades Federais estão


distribuídos entre as cinco Regiões do país na seguinte proporção: 5 localizam-se na Região
Norte; 12 estão na Região Nordeste; 8 na Região Sul; 11 são ofertados na Região Sudeste, e 6
pertencem a Região Centro-Oeste (Quadro 6.9).

167
Disponível em:<http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 12 set. 2018.
168
A lista completa dos cursos públicos de arquitetura e urbanismo existente no Brasil até 2018 pode ser conferida
no Apêndice 2.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
258

Quadro 6.9 - Distribuição dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais até 2018 no Brasil

Situação dos PPPs


Total de Não Disponível Cursos que não Cursos que
Região cursos de disponível para legitimam o tema legitimam o tema
AU para consulta consulta da HIS no PPP da HIS no PPP
pública pública
Norte 5 - 5 2 3
Nordeste 12 2 10 7 3
Sul 8 2 6 2 4
Sudeste 11 1 10 5 5
Centro-Oeste 6 5 1 - 1
Total Geral 42 10 32 16 16
Fonte: elaborado pelo autor.

Para a identificação do lugar reservado ao tema da HIS nos currículos oficiais dos cursos
de graduação em AU ofertados por essas instituições de ensino era preciso que estes cursos
disponibilizassem o acesso público dos PPPs em suas páginas eletrônicas, contudo, nem todos
os cursos disponibilizam esse documento para acesso público ou ainda não formularam um PPP
final. Dos 42 cursos de graduação em AU investigados, 10 deles não possuem PPPs disponíveis
eletronicamente para consulta pública, é o caso dos cursos ofertados pela: Região Nordeste –
Universidade Federal da Bahia (curso diurno e noturno); Região Sul – Universidades Federais
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Região Sudeste – Universidade Federal do Espírito
Santo; Região Centro-Oeste – Universidade de Brasília (curso diurno e noturno), Universidades
Federais de Goiás (curso diurno e noturno) e Mato Grosso do Sul.

Ao analisar os vigentes PPPs dos 32 cursos restantes, constatou-se que 50% (cinquenta
por cento) deles legitimam a inserção do tema da HIS em seus currículos oficiais. Para essa
constatação, foi realizada uma busca nos PPPs das seguintes palavras-chave: Habitação
Popular, Habitação Social, Habitação de Interesse Social, Habitação Econômica, Baixa Renda,
Política Pública de Habitação; Sub-habitação; Assentamentos Precários e Assentamentos
Subnormais.

Com base nos dados sistematizados no Quadro 6.9, é possível observar que a maioria
dos cursos de graduação em AU ofertados na Região Nordeste não oficializam em seus PPPs o
tema da HIS, o que inviabiliza a identificação imediata sobre qual o lugar que ele ocupa nos
currículos oficiais. No entanto, isso não significa dizer que as questões relacionadas à HIS não
sejam abordadas no ensino praticado nestes cursos, mas, para uma melhor investigação sobre
esse fato, seria preciso uma análise do currículo não-oficial em cada instituição de ensino. Essa
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
259

análise demandaria a elaboração de uma metodologia específica, com observação participante,


realização de entrevistas, acompanhamento das dinâmicas ocorridas nos ateliês de projeto etc.,
o que não faz parte do escopo investigativo desta tese.

Contudo, alguns “professores negadores do sistema” tiveram a iniciativa de publicar


experiências de ensino em torno do tema da HIS, foi o caso das experiências narradas pelos
docentes do curso de graduação em arquitetura e urbanismo da UFBA, em 2004, UFPE, em
2011, e UFPB, em 2013.

Em 2005, Angela Maria Gordilho Souza, Adriana M. de Caúla e Silva, Pedro Rolim
publicam o livro “Mata Escura – Plano de intervenção” com o registro completo da
experiência desenvolvida em 2004 na disciplina Ateliê V ofertada aos discentes do curso de
arquitetura e urbanismo da UFBA. Nessa publicação, os autores apresentam a ementa da
disciplina que se direcionava para “a problemática do Planejamento Urbano e Regional no
desenvolvimento urbano, centrado na formulação de diretrizes e propostas espaciais de natureza
urbanística, com ênfase nos aspectos ambientais e físico-espaciais” (GORDILHO-SOUZA et
al., 2015, p. 13), os objetivos, a metodologia de trabalho, e as atividades e conteúdo
programático.

Nessa disciplina, os discentes foram desafiados a elaborar propostas de intervenção que


abrangessem “formas de parcelamento, vias, transportes e acessos, concentração e distribuição
de atividades, infraestrutura, equipamentos públicos, tipologias de edificações, relação entre
espaços públicos e privados, além de parâmetros urbanísticos de uso e ocupação do solo”
(GORDILHO-SOUZA et al., 2015, p. 13) do bairro da Mata Escura em Salvador, caracterizado
pela ocupação informal de baixa renda. Os trabalhos desenvolvidos na disciplina, que
resultaram em propostas de intervenções de curto, médio e longo prazo, contou com a
colaboração do Grupo Multiplicando Cidadania (Associação das Comunidades Paroquiais de
Mata Escura e Calabetão) que promoveu uma visita guiada de livre percurso pelo bairro com
os discentes e docentes da disciplina e forneceu dados referentes aos problemas urgentes da
comunidade. Com isso, segundo os autores, “deu-se início ao processo de integração e
cooperação entre jovens dispostos a crescer juntos e trocar experiências” (GORDILHO-
SOUZA et al., 2015, p. 15).

Segundo exposto no artigo intitulado “Ensino e aprendizagem do projeto


arquitetônico”, escrito pelos docentes da UFPE, Maria Monica de Arruda Raposo Andrade e
Paulo Raposo Andrade, publicado no 5º Projetar, “a temática da moradia tem sido parte
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
260

integrante da ementa da disciplina de Projeto Arquitetônico 3” (ANDRADE; ANDRADE,


2011, p. 6, grifo nosso), que no vigente PPP do curso foi renomeada para “Projeto de
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo”. A citada disciplina era ofertada no terceiro semestre do
curso de graduação em AU e comumente eram desenvolvidos projetos de funcionamento
simples ou tema cujo programa arquitetônico fosse de fácil compreensão. Assim sendo, o tema
da “casa mínima” relacionada à produção de HIS, foi considerado pelos professores como sendo
um tema de baixa complexidade ou “simples” (ANDRADE; ANDRADE, 2011).

Esta experiência de ensino resultou também na publicação do livro “Casa mínima e


projeto em Santana-Parnamirim”, publicado em 2012, no qual os autores afirmam que na
citada disciplina a casa mínima enquanto moradia de interesse social não é um tema obrigatório,
ao contrário, essa abordagem está sujeita a acordos estabelecidos entre os docentes. Segundo
os autores, a temática da casa mínima era parte permanente da ementa da disciplina de Projeto
Arquitetônico 3 e poderia abranger os seguintes focos: “ora se exercita a casa mínima nos
complexos turísticos, nos condomínios residenciais; ora se estuda a casa mínima como moradia
temporária de acadêmicos em regime de intercâmbio ou ainda como moradia de interesse
social” (ANDRADE; ANDRADE; ANDRADE, 2012, p. 34).

Como procedimento didático metodológico, Andrade e Andrade (2011) optaram por


estimular os discentes da turma 2010.1 ao estudo detalhado de alguns projetos arquitetônicos,
como se esses discentes estivessem inseridos num curso de medicina, ou seja, eles deveriam
dissecar “anatomicamente” o projeto, “[...] para captar os atributos geométricos desses espaços;
e, para melhor proveito, deveriam eles próprios construir os modelos em 3D” (Op. cit, 2011, p.
6).

Para o desenvolvimento do ato dissecativo citado, foram apresentados aos discentes


alguns projetos relacionados à casa mínima que pudessem oferecer subsídios para o
desenvolvimento das propostas arquitetônicas a serem apresentadas em seminários no final do
semestre. Logo, os autores selecionaram para estudo os seguintes projetos: Casa do Dr.
Curutchet, projetada por Le Corbusier; Casa Citroen de Le Corbusier; Casa Farnsworth e Mies
Van de Rohe; Habitações desenvolvidas pelo escritório Candilis-Josic-Woods; Caixas
superpostas de Moshe Shafdie do projeto Habitat 67; Projeto Iquique e o projeto de
Paraisópolis, em São Paulo, ambos do Grupo Elemental (ANDRADE; ANDRADE, 2011, p. 7-
8).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
261

Os autores relatam que o trabalho desenvolvido pelos discentes resultaram na


elaboração de 15 propostas de projeto urbano-arquitetônico para reassentamento da população
ocupante do Canal Santana em Pernambuco. Além disso, evidenciaram que:

A capacitação de futuros arquitetos para o projeto da habitação de interesse social é


essencial para a transformação da paisagem construída pelas instituições nas periferias
urbanas. Paisagem insípida e repetitiva, com projetos de habitação anônimos e
unanimemente criticados pela falta de criatividade, que não estimula sequer a
identificação do usuário com sua própria moradia (ANDRADE; ANDRADE, 2011,
p. 1, grifo nosso).

Porém, é valido salientar que na reformulação do vigente PPP do curso de graduação


em AU da UFPE, atualizado em 2010, o tema da casa mínima, especialmente enquanto moradia
de interesse social, não foi oficializado em nenhuma das ementas das disciplinas de “Projeto de
Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo”. Nessa reformulação os docentes do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da UFPE (DAU-UFPE) optaram por organizar as ementas dessas
disciplinas por temas/conceitos centrais como pode ser conferido no Quadro 6.10. No entanto,
observa-se que pela descrição das ementas apresentadas, não é possível identificar se o tema da
HIS será abordado como elemento prioritário ou obrigatório em alguma das oito disciplinas de
projeto.

Quadro 6.10 - Ementa das disciplinas de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo,


PPP-AU-UFPE
(continua)
Semestre Tema/Conceito
Disciplina Ementa
Letivo Central
Projeto de Arquitetura, A disciplina tem como tema central a
1º Requalificação de requalificação de objetos arquitetônicos,
Urbanismo e Paisagismo I
objetos urbanísticos e paisagísticos, segundo
arquitetônicos, procedimentos de descrição, retrospecção,
Projeto de Arquitetura, urbanísticos e avaliação, prospecção e implementação,

Urbanismo e Paisagismo II paisagísticos para atender às demandas contemporâneas
de uso.
Projeto de Arquitetura, A disciplina tem como tema central a
3º Renovação de renovação de objetos arquitetônicos,
Urbanismo e Paisagismo III
objetos urbanísticos e paisagísticos, com ênfase na
arquitetônicos, substituição de estruturas existentes para
Projeto de Arquitetura, urbanísticos e atender às demandas contemporâneas de

Urbanismo e Paisagismo IV paisagísticos uso e a sustentabilidade dos
empreendimentos.
Projeto de Arquitetura, A disciplina tem como tema central a
5º urbanização de áreas não ocupadas,
Urbanismo e Paisagismo V
Urbanização de observando as demandas contemporâneas
Projeto de Arquitetura, áreas não ocupadas de uso e sua sustentabilidade, bem como as
6º escalas arquitetônicas, urbanísticas e
Urbanismo e Paisagismo VI
paisagísticas.
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
262

Quadro 6.10 - Ementa das disciplinas de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo,


PPP-AU-UFPE
(conclusão)
Semestre Tema/Conceito
Disciplina Ementa
Letivo Central
Projeto de Arquitetura, A disciplina tem como tema central a
7º Conservação de
Urbanismo e Paisagismo VII conservação de objetos arquitetônicos,
objetos
urbanísticos e paisagísticos, segundo as
arquitetônicos,
Projeto de Arquitetura, teorias e práticas da conservação integrada
urbanísticos e
8º e para atender às demandas contemporâneas
Urbanismo e Paisagismo VIII paisagísticos
de uso.

Fonte: elaborado pelo autor com base em UFPE (2010).

No caso das disciplinas de “Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo I e II”, os


docentes do DAU-UFPE elegeram como fonte bibliográfica dois livros que abordam a temática
da HIS. Na disciplina de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo I o livro intitulado
“Casa mínima e projeto em Santana-Parnamirim” aparece como fonte complementar e na
disciplina de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo II, o livro “Manual de Projetos
de Habitação Popular: Parâmetros para Elaboração e Avaliação” de Maria Monica de Arruda
Raposo Andrade e Maria Ângela Almeida de Souza, aparece como fonte básica. É válido
salientar que a seleção de fontes bibliográficas associadas à produção de HIS no PPP do curso
de AU da UFPE oficializa a possibilidade do tema da HIS ser contemplado nas disciplinas
citadas. Entretanto, isso não representa um compromisso prioritário com a temática, fato esse
que só estaria oficialmente firmado se o tema em questão estivesse inserido na ementa ou no
conteúdo programático das disciplinas. Caso isso tivesse ocorrido, os docentes responsáveis
pelas disciplinas não poderiam se eximir de transmitir/trabalhar o tema em questão. O modo
como a HIS é posta nas duas primeiras disciplinas de projeto, ou seja, subentendido por meio
da seleção de referências bibliográficas básica ou complementar, reforça os argumentos críticos
em torno da não priorização do tema e sua condição associada à interpretação dos docentes. Em
resumo, numa condição secundária.

Além do relato apresentado, no 6º Projetar, a professora Elisabetta Romano e seus


alunos Laura Quezado, Paulo Cesar Lopes e Susana Montenegro, publicaram o artigo intitulado
“Exercício projetual de Habitação Social Evolutiva” em que apresentam uma experiência de
ensino sobre o tema da HIS ocorrida na disciplina de Projeto de Edificações V, ofertada aos
alunos do 7º período do curso de graduação em AU da UFPB.

Nessa disciplina, os alunos foram desafiados a elaborarem projetos habitacionais para a


comunidade residente no Porto do Capim, situada às margens do Rio Sanhauá, afluente do Rio
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
263

Paraíba, onde boa parte de seus moradores vive em habitações que se encontram em área de
risco. Segundo os autores, boa parte da comunidade mantinha-se escondida atrás dos armazéns
e da antiga Alfândega, quase esquecida pelo resto da cidade (ROMANO et al., 2013). Até o ano
de 2013, a comunidade do Porto do Capim corria o risco de ser removida do local onde a
Prefeitura Municipal de João Pessoa pretendia construir uma grande esplanada de eventos, a
fim de desenvolver um complexo turístico e cultural nas redondezas. Diante do problema de
realocação das famílias, as professoras que ministravam a disciplina de Projeto de Edificações
V, Elisabetta Romano, Luciana Passos e Cecilia Sgolacchia, incentivaram os discentes a
desenvolverem uma proposta projetual fundamentada no PMCMV em que as famílias situadas
nas áreas de risco fossem realocadas para uma área próxima do Porto.

Para essa atividade, os discentes tiveram como fonte de inspiração e marco referencial
os seguintes trabalhos: o projeto “Quarteirões Brasileiros”, idealizado por estudantes para a
comunidade de Heliópolis, São Paulo/SP; O projeto “Catalizadores Intrusos” idealizado por
estudantes para a comunidade Jardim Colombo, São Paulo/SP; o projeto “Co-Operativa”, do
arquiteto Demetre Anastassakis realizado na comunidade Cidade de Deus, Rio de Janeiro/RJ;
o texto produzido por Paola Berenstein Jacques, “Estética das favelas”169; e o texto “PREVI
Lima y la experiencia del tiempo”170, do escritório chileno EqA (ROMANO et al., 2013).

Com base no referencial apresentado, os discentes171 desenvolveram seis tipologias


habitacionais com áreas construídas de 30m², 40m², 50m² e 60m², que se diferenciavam a partir
do quantitativo de quartos, sendo respectivamente contemplados com: um, dois, três e quatro
quartos. Além do desenvolvimento das propostas arquitetônicas, os discentes ainda tiveram que
elaborar estudo sobre as relações de vizinhança, projetar a implantação geral do conjunto
habitacional, detalhar esquadrias apropriadas e propor áreas de lazer, em resumo, tinham que
pensar o projeto sob focos distintos sem perder sua articulação.

169
JACQUES, Paola Berenstein. Estética das favelas. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 013.08, Vitruvius, jun.
2001. Disponível em:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883>. Acesso em: 27 jul.
2018.
170
GARCÍA-HUIDOBRO, Fernando; TORRITI, Diego Torres; TUGAS, Nicolás. PREVI Lima y la experiencia
del tempo. Revista Iberoamericana de Urbanismo, 1 mar 2010, núm. 3. p. 10-19. Disponível em:
<http://www.riurb.com/n3/03_riurb.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2018.
171
No artigo publicado, os autores apresentam apenas uma das propostas desenvolvidas na disciplina, que foi
elaborada pelos discentes Laura Quezado, Paulo Cesar Lopes e Susana Montenegro.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
264

Com a finalização dos trabalhos, os autores relataram que as propostas foram


apresentadas à comunidade como uma possível solução para a construção das novas unidades
habitacionais pelo PMCMV. Ainda segundo eles:

Essa experiência, bastante proveitosa, deu um suporte técnico à população, que estava
em busca de outras soluções projetuais, em alternativa àquelas que estavam sendo
propostas pelo poder público, gerando uma repercussão dentro da própria
comunidade. Essa atividade contribuiu para o seu fortalecimento, na luta pelos seus
direitos, a fim de reivindicar a sua participação nas decisões dos projetos destinados
ao seu local de origem e de moradia (ROMANO et al., 2013, p. 23).

Dos 16 cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS em seus PPPs, 9 deles
alocaram o referido tema apenas em atividades optativas; 2 cursos abordam a questão somente
em atividades obrigatórias, e 5 consideraram importante a inserção da HIS em atividades
obrigatórias e optativas (Quadro 6.11).

Quadro 6.11 - Relação dos cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS no PPP
até 2018
(continua)
Quantidade de Quantidade de atividades
atividades obrigatórias optativas
Disciplinas
Disciplinas
Região Instituição de Ensino Superior Sigla Disciplinas diversas Disciplinas
diversas com
específicas com específicas
conteúdo
sobre HIS conteúdo sobre HIS
sobre HIS
sobre HIS
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em atividades optativas
Universidade Federal de
UFRR 1
Roraima
Norte Universidade Federal do Amapá UNIFAP 1 1
Universidade Federal do
UFT 2
Tocantins
Universidade Federal de Alagoas
UFAL 1
- Campus Arapiraca
Nordeste
Universidade Federal do Rio
UFRN 1
Grande do Norte
Universidade Federal da
Sul UFFS 1
Fronteira Sul
Universidade Federal de Minas
UFMG 1
Gerais - Curso Diurno
Sudeste
Universidade Federal do Rio De
UFRJ 1
Janeiro
Centro- Universidade Federal de Mato
UFMT 1
oeste Grosso
0 0 8 3
Subtotal 0 11
Fonte: elaborado pelo autor.
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265

Quadro 6.11 - Relação dos cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS no PPP
até 2018
(conclusão)
Quantidade de Quantidade de atividades
atividades obrigatórias optativas
Disciplinas
Disciplinas
Região Instituição de Ensino Superior Sigla Disciplinas diversas Disciplinas
diversas com
específicas com específicas
conteúdo
sobre HIS conteúdo sobre HIS
sobre HIS
sobre HIS
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em atividades obrigatórias
Nordeste Universidade Federal do Piauí UFPI 1
Universidade Federal de Santa
Sul UFSM 1
Maria
Universidade Federal
Sudeste UFF 1 1
Fluminense
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social em todos os tipos de atividades
Universidade Federal da
UNILA 1 1 1
Integração Latino-Americana
Sul
Universidade Federal de
UFPEL 1 1
Pelotas
Universidade Federal de Minas
UFMG 2 1
Gerais - Curso Noturno
Sudeste
Universidade Federal de
UFV 1 1
Viçosa
4 6 3 1
Subtotal 10 4
Total geral por tipo de atividade 10 15
Fonte: elaborado pelo autor.

No caso da UFT, a ementa da disciplina obrigatória de “Projeto de Arquitetura III”172


especifica que nesta deverão ser elaborados projetos de complexidade funcional moderada
voltados para “edifícios associados à classe média” (UFT, 2018, p. 70). Já na UFRN, o conteúdo
da disciplina obrigatória de “Projeto de Arquitetura 06” especifica que deverão ser
desenvolvidas propostas de “edificações de grande complexidade (hospital, aeroporto, central
de transportes, central de abastecimento, e similares)” (UFRN, 2013)173, enquanto que nenhuma
das demais disciplinas obrigatórias de Projeto de Arquitetura se compromete com o tema da
HIS.

Constatou-se também que no curso de AU da UFRR as seis disciplinas de projeto de


arquitetura existentes são definidas por temas fixos, tais como: Residencial; Comercial e
Serviço; Educacional; Edificação Vertical; Hospitalar e Reabilitação. Contudo, a ementa das

172
As demais disciplinas obrigatórias de Projeto de Arquitetura (I, II, IV e V) especificam que devem ser
desenvolvidos projetos por graus de complexidade: baixa, média e alta.
173
Disponível em: <https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/componentes/busca_componentes.jsf?aba=p-ensino>.
Acesso em 21 mai. 2019.
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266

disciplinas de “Projeto de Arquitetura I – Residencial” e “Projeto de Arquitetura IV - Edificação


Vertical” (Quadro 6.12) não fazem nenhuma referência ao desenvolvimento de projetos
direcionados à população de baixa renda. Esse silenciamento em relação ao tema da HIS,
legitimado oficialmente apenas na disciplina optativa de “Habitação de Interesse Social”, é um
indicativo de que essas disciplinas foram constituídas para priorizar o desenvolvimento de
projetos arquitetônicos vinculados às necessidades da população pertencente a outros estratos
sociais.

Quadro 6.12 - Ementa das disciplinas de Projeto de Arquitetura I e II do curso de arquitetura e


urbanismo da UFRR
Disciplina Ementa

Desenvolvimento de repertório compositivo e conceitual. Metodologia de projeto. Tipologias


de organização espacial. Partido arquitetônico e construtivo. Implantação e análise do sítio.
Relação com o meio ambiente e a paisagem: eixos, acessos, fluxos e circulação, pré-existências
edificadas, vegetação. Estudos ambientais de implantação, técnicas de projetação e de
Projeto de configurações volumétricas, dimensionamentos estruturais preliminares, fluxos e adequação
Arquitetura I – das várias funções da moradia de modo a orientar o aluno a conceber o espaço urbanístico e/ou
Residencial arquitetônico residencial em todas as suas abrangências e dimensões. Estudo das
condicionantes sociais, ambientais, técnicas, econômicas, materiais e a avaliação crítica dos
conteúdos, rendimentos e procedimentos, de modo que todos possam entender o significado da
intervenção na cidade enquanto produção cultural e política. Desenvolvimento incluindo
estudo volumétrico, Projeto básico, perspectivas e maquetes como processo projetual.

Edifícios Verticais. Projeto de edifício residencial multifamiliar, comercial e/ou Serviços.


Metodologia de Projeto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico. Criação e desenvolvimento
de projetos a partir de um problema arquitetônico proposto desde seus aspectos conceituais,
funcionais, espaciais, plástico-formais e técnico-construtivos, até as relações ergonométricas,
Projeto de
antropométricas do espaço edificado e o contexto urbano. Abordando questões relativas à
Arquitetura IV
estética e aos princípios da arquitetura sustentável. Processo de projeto: análise do local,
- Edificação
programa de necessidades, análise de projetos locais, sistemas de infraestrutura e parâmetros
Vertical
urbanos, sistemas estruturais, prediais (estudos das instalações elétricas, hidráulico-sanitárias,
gás, ar condicionado e proteção contra incêndio) e métodos construtivos. Clima e ambiente
construído. Área construída aprox. do anteprojeto 2.500 m2 a 5.000 m2. e verticalidade
conforme Legislação do município.

Fonte: elaborado pelo autor com base no PPP do curso de AU da UFRR174.

De um modo geral a ementa das disciplinas obrigatórias de projeto de arquitetura dos


cursos que alocaram a HIS apenas em atividades optativas são bastante genéricas, sem
determinações precisas dos principais focos ou são construídas à base da determinação de
conteúdos estruturados em graus crescentes de complexidade dos projetos arquitetônicos,
denominados como pequeno, médio e grande porte, ou ainda como baixa, média e alta

174
Disponível em: <http://ufrr.br/arquitetura/index.php?option=com_phocadownload&view=category&id=12&
Itemid=314>. Acesso em: 5 mai. 2019.
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267

complexidade funcional, como ocorrido, por exemplo, nos cursos de graduação em AU da UFT,
UFAL e UFRN.

A partir da perspectiva crítica assumida nesta tese, entende-se que esse modo tradicional
de construção curricular, à base de ementas aparentemente “neutras” e imprecisas, alimentam
uma cultura de projeto voltada aos interesses da classe dominante e, ao mesmo tempo, conduz
docentes e discentes a interpretações “equivocadas”, afinal, o que é uma edificação de pequeno,
médio e grande porte ou de baixa, média e alta complexidade funcional? Será de pequeno,
médio ou grande porte aquele estabelecimento determinado pelo tamanho da área construída?
Quais são os limites dimensionais que caracterizam uma edificação de pequeno e médio porte,
por exemplo? Quem é responsável por determinar esses parâmetros de referência, visto que eles
não são especificados nos PPPs?

Entre os cursos que priorizam oficialmente a inserção da HIS como conhecimento


obrigatório na formação superior dos arquitetos e urbanistas, observa-se no Quadro 6.11 uma
predominância dos cursos localizados nas Regiões Sul e Sudeste. O único curso de graduação
em AU da Região Nordeste inserido nesta categoria foi o da UFPI, cuja ementa da disciplina
obrigatória de “Projeto de Arquitetura VII”, ofertada aos discentes do 9º período, tem como
objetivo:

Identificar as condições físicas fundamentais e necessárias para elaboração de um


projeto urbano. Reconhecer as funções e serviços necessários a um conjunto
habitacional, articulando-o com seu entorno aplicando corretamente os
conhecimentos urbanísticos e arquitetônicos na elaboração de projeto de um
conjunto habitacional de baixa renda em zona urbana (UFPI, p. 105).

Entre as instituições analisadas, destacam-se ainda a conduta dos docentes das Escolas
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), no Rio de
Janeiro; da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Integração Latino-
-Americana (EAU-UNILA), no Paraná; e da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de
Minas Gerais (EA-UFMG), todas com duas disciplinas obrigatórias que abordam o tema da
HIS.

No caso da EAU-UFF, os docentes decidiram constituir uma disciplina obrigatória


específica para a HIS, denominada “Projeto de Arquitetura V – Habitação Social”, e inserir a
HIS como conteúdo oficial da disciplina obrigatória de “Teoria da Habitação”, ambas ofertadas
aos alunos do 6º período. Em relação à EAU-UNILA, os docentes da instituição constituíram
uma disciplina teórica obrigatória específica para o estudo sobre as políticas públicas de HIS
no Brasil, é o caso da disciplina de “Políticas Públicas de Habitação", ofertada no 8º período.
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268

Além disso, o tema da HIS foi inserido como conteúdo na disciplina de “Urbanismo III”,
ofertada aos alunos do 6º período, cuja ementa detalha que os discentes estudarão os seguintes
pontos:

Plano diretor. Estatuto da Cidade. Reforma urbana. Função social da propriedade.


Instrumentos urbanísticos contemporâneos. Habitação de interesse social.
Introdução às práticas de planejamento participativo. Introdução à regularização
fundiária. Estudos caso no Brasil e América Latina (UNILA, 2014, p. 146, grifo
nosso).

Na aprovação do PPP do curso noturno de graduação em arquitetura e urbanismo da


UFMG, os docentes da instituição decidiram por estruturar o curso, “[...] prioritariamente, no
estudo e na resolução de problemas de planejamento urbano e habitação de interesse social,
sem perder, no entanto, a perspectiva legal da habilitação única de arquiteto e urbanista”
(UFMG, 2008, p. 4, grifo nosso). Desse modo, o tema da HIS é abordado nas disciplinas
obrigatórias de "Oficina Integrada: Problemas de Requalificação e Urbanização de
Assentamentos Precários" e "Oficina Integrada de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo:
Problemas de Parcelamento do Solo e Assentamentos Habitacionais". Pelo que se pode notar,
o PPP do curso noturno de arquitetura e urbanismo da UFMG foi desenvolvido com base nas
metodologias ativas de aprendizagem, mais precisamente, no método de Aprendizagem
Baseada em Problemas, visto que as Oficinas Integradas não são definidas por temas estanques,
mas por meio de problemas que, nos casos citados, estabelecem um compromisso oficial e
obrigatório com os problemas vividos pela população de baixa renda, diferenciando-se assim,
do curso diurno da EA-UFMG, cuja oficialização do tema da HIS só ocorre em atividades
optativas175.

Até julho de 2017, a estrutura curricular do curso diurno da EA-UFMG contemplava a


oferta da disciplina denominada Projetos Flexibilizados (Pflex). Nesse mesmo ano, a EA-
-UFMG ofertou a disciplina chamada Projetos Flexibilizados “Casa Grande” que previa em seu
conteúdo programático o desenvolvimento do projeto arquitetônico de um condomínio de alto
padrão com organização programática de uma zona íntima de “5 suítes com banheiro completo
e rouparia e, paralelamente, uma zona de serviço composta de cozinha, lavanderia, despensa,
depósito, quartos e banheiros para 8 empregados” (DAEA UFMG, 2017).

175
A alocação oficial do tema da HIS apenas em atividades optativas é consequência da postura generalista e
“neutra” assumida pelos docentes do curso diurno de arquitetura e urbanismo da UFMG, como salientado no PPP
do curso, “enquanto o curso noturno assume um enfoque na área de habitação em interesse social e planejamento
urbano, o curso diurno mantém-se aberto aos vários enfoques que a área pode propiciar” (UFMG, 2010, p. 7,
grifo nosso).
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269

A disciplina constituída na EA-UFMG gerou indignação na comunidade estudantil do


curso de arquitetura e urbanismo a ponto de os motivarem a publicar uma nota coletiva de
repúdio à disciplina “Casa Grande”. Nesta nota os discentes questionam:

[...] a quem contempla a construção da grade curricular e a arquitetura fomentada pela


universidade na formação dos alunos do curso voltada para uma classe elitista, a qual
parte dos graduandos da escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG, pretos, pobres
e advindos de escolas públicas, não pertencem. Com essa proposta, o professor [...]
reforça os padrões sociais que vão ao encontro das estruturas do Brasil Colônia e
fogem da realidade da maioria dos indivíduos que compõem a população
brasileira, utilizando a proposta da disciplina para justificar a produção de uma
arquitetura racista (DAEA UFMG, 2017, p. 2).

Em resposta à nota de repúdio, o então presidente da Câmara Departamental do


Departamento de Projetos (PRJ) da EA-UFMG, o professor Guilherme de Vasconcelos,
publicou na página eletrônica do curso uma nota pela qual informava que, após reunião, ficou
decidido que a disciplina seria revista e “[...] submetida à aprovação pela Câmara
Departamental, visando evitar qualquer tipo de ambiguidade”. Além disso comentou:

O grupo de disciplinas de projeto flexibilizadas (Pflex) foi implementado pelo PRJ no


intuito de ampliar a diversidade e a pluralidade de ofertas e a liberdade de escolha dos
alunos. Para que isso seja possível, o PRJ preza pela autonomia de seu corpo docente
na elaboração de suas propostas de disciplinas. Contudo, ainda que a câmara do PRJ
seja totalmente contrária à censura das propostas de Pflex, o racismo denunciado na
nota coletiva de repúdio nos faz refletir sobre a disciplina, tendo em vista que o termo
“Casa Grande” remete à carga histórica e sua correlação com a senzala, o que é
agravado ao ser associado com o programa proposto. Ainda que o professor afirme
que essa não tenha sido sua intenção, os efeitos nos sinalizam a necessidade de discutir
o racismo estrutural (VASCONCELOS, 2017, p. 1).

Esse episódio, sinaliza a importância de ser revista a seleção dos conhecimentos


essenciais nos currículos oficiais dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados
por Universidades Federais, sobretudo diante do crescente ingresso de estudantes pertencentes
aos estratos sociais de baixa renda, oriundos de escolas públicas, negros, quilombolas, índios,
dentre outros. Além disso, a manifestação estudantil citada, é um exemplo de que os discentes
dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo no Brasil estão, cada vez mais, engajados
politicamente com as causas sociais, o que, por conseguinte, põe em questionamento os
“canônicos” valores de excelência arquitetônica corporificados em obras de grande apelo
estético e formal. Todavia, salienta-se que na atual estrutura curricular176 do curso diurno de
arquitetura e urbanismo da UFMG, não consta mais nenhuma disciplina obrigatória ou optativa
de Projeto Flexibilizados “Casa Grande”.

176
Disponível em: <http://www.arq.ufmg.br/site/v2/index.php/au/>. Acesso em: 23 mai. 2019.
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270

Dos 7 cursos de graduação em AU que alocaram o tema da HIS em atividades


obrigatórias, 5 deles legitimam essa obrigatoriedade em disciplinas de projeto de arquitetura e
2 cursos abordam a temática somente em disciplinas teóricas, de Desenho Urbano ou
Urbanismo. Como pode ser conferido no Quadro 6.13, o curso de graduação em AU da UFF é
o único que possui disciplinas obrigatórias nas duas categorias, projeto de arquitetura e teoria.
No entanto, destaca-se que, conforme evidenciado nas ementas detalhadas no Apêndice 3, em
todas as disciplinas de projeto de arquitetura, constantes no Quadro 6.13, o tema da HIS é
trabalhado tanto pelo viés arquitetônico quanto urbanístico e paisagístico, ou seja, são
disciplinas que objetivam estimular o desenvolvimento de projetos de HIS de modo global e
integrado à cidade.

Quadro 6.13 - Detalhamento das disciplinas dos cursos de AU que legitimam o tema da HIS
em atividades obrigatórias
Disciplinas obrigatórias de Disciplinas obrigatórias Teórica/
Região Sigla
Projeto de Arquitetura Desenho Urbano/ Urbanismo
Nordeste UFPI Projeto de Arquitetura VII -
UFSM Ateliê 4 -

Políticas Públicas de Habitação;


Sul UNILA -
Urbanismo III

UFPEL - Desenho Urbano I

UFF Projeto de Arquitetura V – Habitação Social Teoria da Habitação

Oficina Integrada: Problemas de Requalificação e


Urbanização de Assentamentos Precários;
Sudeste
UFMG Oficina Integrada de Arquitetura, Urbanismo e -
Paisagismo: Problemas de parcelamento do solo e
assentamentos habitacionais
UFV Projeto III -
Fonte: elaborado pelo autor.

Pelo que foi possível constatar, a maioria dos PPPs analisados foram formalizados de
modo a respeitar os núcleos de conhecimentos obrigatórios selecionados nas DCN, mas, apesar
deste currículo nacional não legitimar um compromisso oficial com o tema da HIS, as ações
dos professores “negadores do sistema”, em alguns casos, têm resultado na constituição de uma
cultura de projeto voltada para as demandas da população de baixa renda. No entanto, algumas
regiões do país ainda precisam formalizar em seus currículos oficiais a HIS em atividades
obrigatórias, assim como já fazem em atividades optativas.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
271

6.6 Considerações sobre o Capítulo 6

Neste capítulo, foram evidenciadas as principais ações públicas em relação à questão da


produção habitacional direcionada para a população de baixa renda, bem como na esfera da
educação superior, com destaque para o ensino de arquitetura e urbanismo, no período
compreendido entre os anos de 1995 a 2018.

Neste período, novos programas habitacionais foram constituídos de modo a viabilizar


distintas formas de financiamento e incentivo à autogestão habitacional sem a intermediação de
incorporadoras, sobretudo entre os anos de 1995 a 1998. Já em 1999, o país presenciou a
efetivação do primeiro programa habitacional de impacto nacional pós-BNH, o PAR, que esteve
em funcionamento até junho de 2009. Contudo, a partir de 2008 um “novo” sistema nacional
de produção habitacional, fundamentado no fortalecimento do padrão corporativo de produção
e enfraquecimento das políticas descentralizadoras de melhorias habitacionais e urbanas passa
a, paulatinamente, efetivar-se no país e a ser legitimado com a institucionalização do PMCMV,
em julho de 2009. Apesar de ter alcançado metas significativas de construção, o PMCMV
representou um retrocesso no modo de produzir HIS, com a construção de empreendimentos
sem a efetiva integração à cidade, baixa qualidade arquitetônica e projetual. Toda essa
conjuntura, de certo modo, contribuiu para a elevação da responsabilidade social dos cursos de
arquitetura e urbanismo, no que pertine à capacitação de profissionais a lidar com essa
realidade.

Paralelamente a esses acontecimentos, entidades representativas da profissão e do


ensino de arquitetura e urbanismo empreendem importantes eventos e encontros de modo a
salientar a importância do envolvimento dos arquitetos e urbanistas com a produção de HIS,
bem como, estabelecer diretrizes para a elevação da qualidade do ensino de arquitetura e
urbanismo no país. Entre esses, destacaram-se: a realização do Prêmio Caixa-IAB que, entre os
anos de 2001 a 2008, incentivou estudantes e profissionais a elaborarem projetos voltados para
a realidade habitacional da população de baixa renda; e a realização do XIX ENSEA realizado
em 2002, em que os congressistas manifestaram a intransigente defesa da manutenção dos
princípios e conteúdos contidos no currículo oficial nacional de 1994, mesmo após o Governo
Federal ter estabelecido novos parâmetros para a elaboração de Diretrizes Curriculares
Nacionais dos cursos superiores.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
272

No âmbito da educação superior, mais especificamente a partir de 2004, o Governo


Federal desenvolve específicas ações públicas que oportunizaram o ingresso de estudantes de
baixa renda no ensino superior em instituições públicas e privadas por meio da oferta de bolsas
de estudos, educação a distância e cotas em instituições públicas. Ações essas que estão
modificando a composição social dos discentes das Universidades e Faculdades no país, e,
consequentemente, nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo.

No entanto, em termos de estrutura curricular oficial nacional, apesar de os agentes


envolvidos com a causa terem implementado novas exigências que contribuíssem para a
elevação da qualidade do ensino de graduação em arquitetura e urbanismo, a realidade
habitacional da população de baixa renda parece ainda não despertar o interesse efetivo para
que se constitua num princípio essencial na condução das ações educacionais da área. Ao
analisar relacionalmente as DCN dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo,
instituídas em 2006 e reformuladas em 2010, com as transformações políticas, econômicas,
educacionais e sociais em curso no país, detalhadas neste capítulo, chaga-se a conclusão de que
esses currículos oficiais nacionais não conseguiram acompanhar nem se adaptar a essas
transformações, sobretudo no que se refere à realidade habitacional da população de baixa
renda. Isso ficou ainda mais evidente ao se constatar que as DCN, no que se refere aos conteúdos
curriculares, foram literalmente transcritas das Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de
1994.

Contudo, um dos pontos que merece ser destacado nas DCN foi a substituição da
especificação de matérias – que se desdobrariam em disciplinas nos cursos – pela especificação
de núcleos de conhecimento, no caso, classificados como sendo de fundamentação e
profissionais. Com essa modificação, compreende-se que os envolvidos com a formulação final
das DCN conseguiram fazer com que os cursos de arquitetura e urbanismo tivessem mais
flexibilidade para definir como os distintos conhecimentos poderiam ser oficializados em seus
Projetos Políticos-Pedagógicos, fossem eles por meio da constituição de disciplinas específicas,
workshops, oficinas ou como conteúdo, independente das metodologias pedagógicas adotadas.

Objetivamente, constatou-se que o tema da HIS não foi inserido como área de
conhecimento de fundamentação ou profissional nas DCN de 2006 e 2010. Por conta dessa
ausência de compromisso oficial nacional, o referido tema continuou condicionado aos
interesses particulares das instituições de ensino ou dos “professores negadores do sistema”.
Nesse contexto, as análises efetivadas sobre os 32 Projetos Políticos-Pedagógicos de cursos de
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
273

arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais do Brasil, demonstraram que


apenas em 7 cursos o tema da HIS é considerado como conhecimento obrigatório, legitimado
em disciplinas específicas e como conteúdo em disciplinas diversas. Além disso, constatou-se
também que 16 cursos não oficializaram o tema da HIS em seus PPPs e 9 consideraram que os
estudos sobre HIS deviam ocorrer apenas em atividades optativas.

Ademais, o modo como o tema da HIS tem sido oficializado nos PPPs dos cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais, cuja maioria não
estabelece um compromisso prioritário com esse problema, é reflexo direto daquilo que foi
legitimado como conhecimento útil e fundamental para a formação profissional dos arquitetos
e urbanistas nas DCN de 2006 e 2010. Como é possível perceber nas análises sobre os PPPs, se
os currículos oficiais nacionais dos cursos de arquitetura e urbanismo não conseguirem
estabelecer um compromisso oficial com a Atenção Básica da Arquitetura e Urbanismo, a
partir da legitimação do tema da HIS como conhecimento fundamental, a construção de um
cultura de projeto de HIS, não se efetivará consistentemente no país.

Por fim, evidenciou-se neste capítulo que a movimentação nacional em torno da


reformulação das DCN de 2010, aparenta caminhar no sentido do estabelecimento nacional de
um compromisso oficial com a realidade habitacional da população de baixa renda, bem como,
com a capacitação de profissionais aptos a trabalhar com ATHIS. Porém essa ainda é uma ação
que não se concretizou até a finalização deste trabalho.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
274

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes da apresentação das considerações finais desta pesquisa é importante salientar


que o tema da Habitação de Interesse Social não é compreendido como algo limitado apenas
ao estudo arquitetônico da unidade habitacional, que envolve aspectos estéticos, funcionais,
ergonômicos e dimensionais. Ao contrário, compreende-se que esse tema incorpora também os
aspectos relacionados aos fatores históricos, ambientais, construtivos, paisagísticos,
patrimoniais e urbanísticos. Além disso, a Habitação de Interesse Social (HIS) é entendida
como sendo toda e qualquer unidade habitacional direcionada à população de baixa renda, seja
ela produzida ou não pelo governo brasileiro – a partir de programas habitacionais –, pela
iniciativa privada ou pelo usuário final por meio da autoconstrução, autogestão e mutirão em
áreas urbanas (assentamentos “subnormais” – favelas, comunidades, grotão, vila, alagados, etc.
– e precários) ou rurais.

Logo, a partir desse entendimento, advogou-se pela importância do reconhecimento e


legitimação oficial do tema da HIS como conhecimento obrigatório e fundamental para a
formação do arquiteto e urbanista nos currículos oficiais nacionais e pelo estabelecimento de
um compromisso com o que foi denominado de Atenção Básica da Arquitetura e Urbanismo.
Entende-se que esta legitimação significaria o reconhecimento e o respeito às demandas da
população de baixa renda que sempre foram desvalorizadas em diversas esferas da sociedade.

Destaca-se que é por meio da legitimação oficial, em distintos documentos nacionais,


que os direitos da população de baixa renda têm sido garantidos na sociedade brasileira, a
exemplo do direito à moradia, legitimado na Constituição Federal de 1988, e do direito de
acesso ao ensino público superior, legitimado na Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012
(popularmente conhecida como Lei de Cotas). No desenvolvimento deste trabalho, comprovou-
-se que esse tipo de recurso também foi utilizado por aqueles que se envolveram com as
formulações curriculares nacionais dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo como
forma de garantir que determinados conhecimentos fossem inseridos como obrigatórios nos
cursos ofertados pelas instituições públicas e privadas.

Foi a partir das legitimações oficiais que alguns grupos docentes, vinculados a áreas
específicas, conseguiram implementar ao longo dos anos melhorias e avanços no ensino da
arquitetura e urbanismo. Entre as décadas de 1930 a 1960, evidenciou-se o interesse dos
arquitetos e urbanistas na inserção obrigatória do ensino de urbanismo nos cursos de arquitetura,
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
275

sobretudo após as recomendações formalizadas no 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos,


até que uma formação generalista do arquiteto e urbanista pudesse se efetivar no país. Mesmo
diante de fortes oposições por parte dos tradicionais docentes acadêmicos, o urbanismo foi
formalizado como conhecimento e apropriado como disciplina específica na reformulação do
currículo oficial da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) do Rio de Janeiro em 1931,
reafirmado no currículo da Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA) em 1945, e,
posteriormente, legitimado no Currículo Mínimo de 1962, caracterizado pelas matérias de
“Evolução Urbana” e “Planejamento”. Daí por diante, o “Urbanismo” foi incorporado como
matéria e núcleo de conhecimento profissional relevante e obrigatório nos currículos oficiais
nacionais subsequentes.

A pesquisa evidenciou também que, em 1977, os docentes de arquitetura e urbanismo


expressaram o interesse de transformar o ensino de paisagismo numa atividade obrigatória nos
cursos de graduação e pós-graduação devido ao fato de este não ter sido inserido como matéria
no Currículo Mínimo de 1969. Por volta de 1980 os docentes ligados à representação gráfica
digital passaram a lutar pela constituição de disciplinas específicas que capacitassem os
discentes a desenvolverem desenhos/projetos arquitetônicos digitais. Como consequência
dessas ações, tanto o “Paisagismo” quanto a “Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo”
foram inseridos como matérias profissionais nas Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo
de 1994, e atualmente são considerados como conhecimentos fundamentais para a formação
dos arquitetos e urbanistas no país. Ademais, esse currículo oficial também incorporou a
matéria de “Técnicas Retrospectivas”, não só em respeito ao interesse dos docentes envolvidos
com a área de conservação e restauro, mas também, em decorrência de um entendimento mais
amplo da importância desse conhecimento para a área da arquitetura e urbanismo.

Todos esses temas, após suas oficializações como matérias ou núcleos de


conhecimentos nos currículos oficiais nacionais, passaram a ser prioritários e obrigatórios no
interior dos cursos, materializados em disciplinas específicas e/ou inseridos como conteúdos
em disciplinas correlatas. Além disso, estes temas também continuaram sendo aprofundados
em disciplinas optativas ou eletivas e contemplados nas atividades de pesquisa e extensão.

Contudo, as análises desenvolvidas nesta tese, a qual perpassa pelos 88 anos de história
do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, demonstraram que, diferentemente do ocorrido
com os temas de urbanismo, paisagismo, da representação gráfica digital e técnicas
retrospectivas, quando se tratava de considerar a “Habitação de Interesse Social” como
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
276

conhecimento obrigatório e legítimo nos currículos oficiais nacionais, os responsáveis por


formular esses documentos em alguns momentos negligenciaram esta legitimação, em outros
consideraram-no como um conteúdo secundário.

As considerações tecidas resultam do modo como, historicamente, o problema


habitacional vivido pela população de baixa renda foi encarado pelos profissionais da
arquitetura e urbanismo, pelas entidades representativas da profissão, pelo governo brasileiro e
pelos atores envolvidos com as formulações dos currículos oficiais nacionais dos cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo que legitimaram discursos consensuais e práticas
hegemônicas da área nos seguintes períodos: o primeiro compreendido entre os anos de 1930 a
1962; o segundo referente aos anos de 1963 a 1976; o terceiro, entre os anos de 1977 a 1994; e
por último, o período de 1995 até 2018.

Entre os anos de 1930 a 1962 – fase caracterizada pelas posturas higienistas dos
arquitetos em relação à produção de habitações populares – prevalecia-se a ideia do arquiteto
como artista, dotado de características ímpares, criador e reprodutor de formas insólitas
expressas em grandes composições de arquitetura, em detrimento da ideia do arquiteto enquanto
agente social e prestador de serviços voltados para as demandas da população de baixa renda.
Esta visão, hegemonicamente compartilhada pelos tradicionais acadêmicos, foi legitimada na
reformulação do currículo oficial da ENBA, em 1931, reafirmada no currículo oficial da FNA,
em 1945, até ser incorporada às “ideologias profissionais” e não mais precisar ser evidenciada
nos currículos oficiais nacionais, como ocorrido no Currículo Mínimo de 1962.

Enquanto os currículos oficiais dos cursos de arquitetura e urbanismo firmavam-se


como documentos generalistas e aparentemente “neutros”, aos moldes das teorias tradicionais
do currículo, num período político caracterizado pela Ditadura Varguista (1930-1945) e início
do Período Democrático (1945-1964), os docentes que compartilhavam da perspectiva de que
os profissionais da área precisavam se debruçar também sobre a realidade habitacional da
população de baixa renda, passam a inserir o tema da HIS – entendido como um conteúdo
programático – nos currículos não-oficiais. Nesse sentido, as análises evidenciaram que, entre
os anos de 1930 a 1962, a HIS, enquanto conteúdo, não esteve totalmente ausente dos bancos
escolares mas, consolida-se como um tema programático secundário e dependente da ação
particularizada de docentes. No entanto, foram as ações praticadas por esses docentes, somadas
ao contexto de incentivo à produção de habitações sociais por parte do Governo Federal, que
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Considerações finais
277

contribuíram também para a formação de uma seleta massa intelectual crítica, atenta aos
problemas vividos pela população de baixa renda.

Foi essa massa intelectual crítica de arquitetos e urbanistas – responsáveis por pensar e
defender, em 1963, a importância da efetivação de uma reforma urbana e do estabelecimento
do direito à moradia pela população de baixa renda – que desenvolveu duras críticas ao sistema
de produção habitacional e aos abusos políticos efetivados no país a partir de 1964, com a
instauração da Ditadura Militar. Entre os anos de 1963 até 1976, os profissionais da arquitetura
passam a valorizar as práticas espontâneas de moradias e, na medida do possível, projetar HIS
com qualidade arquitetônica e construtiva por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH).
Essas práticas ganham visibilidade nos principais eventos profissionais e acadêmicos nos quais
também foi registrada a importância dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo
adaptarem-se ao novo contexto político, econômico e sobretudo social, a partir da reformulação
dos conteúdos de algumas disciplinas, como por exemplo, Estudos Sociais, Teoria da
Arquitetura, Composição Arquitetônica e Planejamento.

Entretanto, ao contrário do desejado, quando o segundo Currículo Mínimo de 1969 é


imposto pelo Conselho Federal de Educação, o que se viu foi a institucionalização de um
currículo voltado para a preservação de uma formação profissional centrada nas demandas da
classe dominante, sem correlação com o contexto de crescente desigualdade social.

Diante desse currículo e do contexto político ditatorial, as análises evidenciaram o


perfilamento de duas posturas distintas no interior dos cursos de arquitetura e urbanismo em
relação ao tema da HIS, ainda entendido como um conteúdo programático. Por um lado, as
disciplinas voltadas para o projeto de arquitetura, comandadas pelos “Mestres”, convertem-se
em ambientes de resistência à inserção do debate sobre HIS; por outro, são nas disciplinas de
planejamento que os problemas vividos pela população de baixa renda ganham visibilidade a
partir de um discurso fundamentado nos aspectos de ordem econômica, política e cultural.
Nesse cenário, constatou-se que a HIS, na maioria dos cursos, não estava sendo trabalhada de
modo global, na perspectiva tanto do viés arquitetônico quanto do urbanístico
concomitantemente. Todavia, nos casos em que isso ocorria, o tema da HIS era abordado a
partir de uma prática pedagógica que priorizava o contato empírico do discente com
comunidades, a identificação dos problemas reais do bairro e o posterior desenvolvimento do
projeto arquitetônico e urbano, como foi evidenciado na experiência dos docentes da
Universidade Federal Fluminense em 1975. Porém, foi nas atividades desenvolvidas pelos
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
278

grupos de pesquisa e nos Programas de Pós-graduação que o tema da HIS passou a ser
considerado como um conhecimento prioritário.

Entre os anos de 1977 a 1994, as inconformidades com os rumos do ensino de


arquitetura e urbanismo e sua desvinculação das transformações em curso na arquitetura
mundial e brasileira, motivaram entidades representativas da profissão e do ensino a realizar
uma série de eventos177 voltados para o “desenho” de um novo currículo oficial nacional,
concluído apenas em 1994. Nesse período – caracterizado pela fase final da Ditadura Militar e
pela tentativa de enfrentamento dos problemas da cidade real, a partir da redemocratização do
país e da efetivação de uma completa reforma urbana e habitacional por parte dos arquitetos e
urbanistas –, o país deixa de produzir HIS por meio do BNH, extinto em 1986, e passa a produzir
habitações a partir de programas habitacionais alternativos que viabilizaram distintas
possibilidades de acesso à casa própria pela população de baixa renda.

As análises desenvolvidas sobre o novo currículo oficial nacional dos cursos de


graduação em arquitetura e urbanismo, denominado de Diretrizes Curriculares e o Conteúdo
Mínimo, instituído em 1994, evidenciaram que os princípios e conteúdos impostos pela
Ditadura Militar no Currículo Mínimo de 1969 foram reafirmados pela Comissão de Ensino de
Arquitetura e Urbanismo (CEAU) responsável pela formulação desse novo currículo, sobretudo
no tocante à realidade habitacional vivida pela população de baixa renda.

Destaca-se porém, que esse novo currículo foi instituído após as movimentações
nacionais de distintos setores da sociedade civil pró Constituição Brasileira de 1988 que
incorporou questões relacionadas com a política urbana, assistência técnica à população de
baixa renda e práticas extensionistas nas universidades; após o fortalecimentos dos movimentos
de moradia; e após exposições de duras críticas sobre a desvinculação do ensino de arquitetura
e urbanismo das demandas sociais da população de baixa renda no X Encontro Nacional sobre
Ensino de Arquitetura, realizado em 1991. No entanto, observou-se que nenhum dos fatos
citados foram significativos para fazer com que a CEAU constituísse um currículo oficial
nacional efetivamente democrático e comprometido com os problemas da população de baixa
renda.

177
A exemplo da Reunião Geral com representantes das Comissões de Avaliação do Ensino, em 1977; IX e X
Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura, realizado nos anos de 1987 e 1991, respectivamente; e o
Seminário Nacional da ABEA, em 1992.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
279

Contudo, independente dos debates que resultaram na formulação das Diretrizes


Curriculares e o Conteúdo Mínimo, no período de 1977 a 1994, o tema da HIS consolida-se
como conhecimento prioritário nas práticas extensionistas relacionadas com a Assistência
Técnica em HIS (ATHIS), muito provavelmente em decorrência do processo de
redemocratização do país, efetivadas nos chamados Laboratórios de Habitação. Foram esses
Laboratórios os responsáveis pela capacitação profissional de discentes dos cursos de
arquitetura e urbanismo, mesmo que de modo seletivo, voltados para a atuação junto a
comunidades de baixa renda. Enquanto isso, o ensino de arquitetura e urbanismo, sobretudo
aquele praticado nos ateliês de projeto, seguiu priorizando o desenvolvimento de uma
arquitetura de “pedigree”.

Por último, destaca-se o período de 1995 até 2018. No âmbito das ações relacionadas
à produção de HIS, têm-se a efetivação de dois grandes programas habitacionais de impacto
nacional pós-BNH, o PAR e o PMCMV, este último demarca a fase do fortalecimento do
padrão corporativo de produção habitacional que impactou na construção de empreendimentos
com baixa qualidade projetual, construtiva e urbana. Em relação à educação superior, destacou-
-se que esse período foi marcado pela oferta de distintas possibilidades de acesso à educação
por parte da população de baixa renda. Toda essa transformação repercutiu no ensino de
arquitetura e urbanismo, a começar pela institucionalização de mais um novo currículo oficial
nacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010.

Esse novo currículo conseguiu implementar novos princípios para a elevação da


qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo. Ademais, conseguiu se desvincular das antigas
práticas de determinação de matérias e conteúdos e passou a priorizar os conhecimentos
fundamentais para a formação dos arquitetos e urbanistas. Todavia, as análises evidenciaram
que essa mudança não foi acompanhada de uma reflexão crítica e profunda sobre os
conhecimentos que estavam sendo legitimados como obrigatórios. Isso ficou evidente ao ser
constatado que os envolvidos com a formulação das DCN apenas transcreveram as antigas
matérias do currículo oficial nacional de 1994 e transformaram-nas em núcleos de
conhecimentos. Em síntese, evidenciou-se que desde 1994, salvaguardados pontuais
acréscimos, os responsáveis por formular os currículos oficiais nacionais instituídos no período
democrático, não empreenderam uma avaliação cautelosa dos conhecimentos fundamentais de
modo a colocá-los em sintonia com os desafios sociais e habitacionais vividos pela maioria da
população brasileira.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
280

Devido à “tradição” no modo de constituir currículos oficiais nacionais, os quais têm se


convertido em documentos generalistas e burocráticos. Por conseguinte, os Projetos Políticos-
-Pedagógicos formulados pelos cursos de arquitetura e urbanismo, como exigência das DCN,
também têm seguido o mesmo caminho, ou seja, são documentos, em sua maioria, altamente
prescritivos e que não assumem compromissos diretos com as demandas latentes da sociedade
brasileira. Esse é o resultado encontrado nas análises efetivadas sobre os Projetos Políticos-
Pedagógicos de 32 cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais no
Brasil, cuja maioria tem respeitado os núcleos de conhecimentos selecionados nas DCN e
alocando-os em disciplinas específicas.

Dos 32 Projetos Políticos-Pedagógicos investigados, 16 omitem oficialmente a


abordagem do tema da HIS em atividades obrigatórias, optativas e/ou eletivas. Dos 16 restantes,
9 deles reservam um lugar secundário ao tema da HIS ao restringi-lo a atividades optativas. No
total, apenas 7 cursos de arquitetura e urbanismo178 legitimaram o tema da habitação de
interesse social como conhecimento fundamental e obrigatório para a formação dos futuros
arquitetos e urbanistas. Identificou-se que nestes 7 cursos, 3 inseriram a temática apenas em
disciplinas obrigatórias de projeto de arquitetura e de teoria, e 4 inseriram o tema da HIS tanto
em disciplinas obrigatórias quanto em disciplinas optativas, sendo elas disciplinas específicas,
de projeto arquitetônico e/ou de teoria, como evidenciado no item 6.5 desta tese.

Assim, em resposta ao questionamento principal desta pesquisa, ou seja, qual o lugar


que o tema da habitação de interesse social tem ocupado nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo no Brasil, a investigação demonstrou que em decorrência da tradição
seletiva impressa nos currículos oficiais nacionais o tema não tem sido considerado
fundamental para a formação dos futuros arquitetos e urbanistas do país, ocupando assim, um
lugar secundário ou menor entre os conhecimentos legitimados nos currículos dos cursos,
sobretudo os ofertados pelas Universidades Federais (recorte de investigação desta tese).
Consequentemente, a exclusão do tema da HIS em atividades obrigatórias no ensino de
arquitetura e urbanismo tem sido legitimada em 25 dos 32 Projetos Políticos-Pedagógicos
analisados.

178
Os ofertados pelas Universidades Federais do Piauí, de Santa Maria, de Pelotas, de Minas Gerais - curso
noturno, de Viçosa, da Universidade Federal Fluminense, e da Universidade Federal da Integração Latino-
-Americana.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Considerações finais
281

De um modo geral, as análises desenvolvidas nesta tese sobre os currículos oficiais


nacionais dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo instituídos no Brasil entre
os anos de 1930 a 2018, revelaram que os processos de constituição desses documentos – que
envolveram disputas de interesses entre distintos atores relacionados com o ensino de
arquitetura e urbanismo – foram hegemonicamente firmados em práticas tradicionais de
currículo as quais reproduzem uma cultura de seleção de conhecimentos, supostamente neutros,
a qual encobre demandas importantes da sociedade brasileira, especificamente as relacionadas
com as necessidades habitacionais da população de baixa renda. Por outro lado, a não
legitimação do tema da HIS nos currículos oficiais nacionais dos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo é decorrente também do modo como, historicamente, esse tema tem
sido interpretado pelos docentes e entidades representativas da profissão, neste caso, como um
conteúdo programático.

Consequentemente, no ensino de arquitetura e urbanismo, a abordagem da HIS tem


estado sempre condicionada a acordos semestrais, consensos e princípios ideológicos
particulares das instituições e de docentes. Entende-se que essa realidade só será superada
quando o tema da Habitação de Interesse Social for reconhecido nacionalmente como um
conhecimento obrigatório, sobretudo nas atividades relacionadas ao projeto de arquitetura.
Desse modo, a capacitação técnica profissional para a atuação em trabalhos de ATHIS poderá
ser iniciada já nas atividades obrigatórias, podendo ser aprofundada nas atividades optativas ou
eletivas e aperfeiçoadas nas práticas de pesquisa acadêmica e atividades de extensão.

Porém, salienta-se que advogar pela importância da inserção do conhecimento sobre


HIS em atividades projetuais obrigatórias, não significa necessariamente advogar pela
constituição de disciplinas de projeto com temas fixos (o que também não é interpretado como
um problema ou impedimento), esse não é o ponto central neste trabalho. A determinação da
viabilidade ou não da constituição de disciplinas com temáticas fixas é uma responsabilidade
do corpo docente de cada curso de graduação em arquitetura e urbanismo e das práticas
pedagógicas correspondentes.

Os espaços constituídos para o desenvolvimento de projetos arquitetônicos no interior


dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, ao longo dos anos, têm se convertido em
ambientes onde se valorizam a excelência arquitetônica que é corporificada nos estudos e
desenvolvimentos de grandes composições de arquitetura e em obras de caráter monumental. É
essa valorização que, desde a década de 1930, orienta o ensino de arquitetura, além da profissão
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Considerações finais
282

do arquiteto no mercado de trabalho e no imaginário social. Logo, apresenta-se como urgente


e necessário, diante da crescente desigualdade social do país, que a atividade de projeto seja
ressignificada e que esses espaços sejam ambientes nos quais a crítica política, econômica e
social seja sempre debatida e que outras realidades sejam favorecidas.

Logo, legitimar o conhecimento da HIS como obrigatório é contribuir para que o ensino
de arquitetura e urbanismo torne-se plural e democrático que não exclui a realidade das
condições precárias de moradia da população de baixa renda. A partir do estabelecimento de
um compromisso oficial com o que tem sido considerado neste trabalho como sendo a Atenção
Básica da Arquitetura e Urbanismo nos currículos oficiais nacionais, tanto os cursos privados
quanto os públicos passarão a inserir o conhecimento sobre HIS com mais incisividade.
Conhecimento esse que poderá ser trabalhado de múltiplas formas, a partir de um estudo
histórico-teórico-conceitual, da realização de visitas guiadas a áreas ocupadas pela população
de baixa renda, do debate crítico sobre os problemas reais das comunidades carentes, etc.
Reconhecer o tema da HIS como conhecimento obrigatório é propiciar aos discentes o contato
com os estudos sobre:
 Os condicionantes legais para a construção, conservação, restauro e regularização
do imóvel e do terreno ocupado pela população de baixa renda;
 A realidade de distintas comunidades, aquelas que vivem em favelas, barracos de
papelão, áreas alagadas, urbanas e rurais;
 Os condicionais climáticos, construtivos e de salubridade das HIS;
 O acesso da população de baixa renda à cidade formal, equipamentos públicos,
paisagem urbana, vias de transporte, infraestrutura básica, etc.;
 Os grandes, médios e pequenos condomínios periféricos de HIS;
 Experiências bem sucedidas ou não de programas de melhorias habitacionais e de
urbanização de favelas;
 As políticas habitacionais desenvolvidas pelo governo brasileiro para a população
de baixa renda, etc.;

Por fim, enquanto a materialização desse cenário não se efetiva nacionalmente de modo
consistente, não se pode desconsiderar a importância das alternativas encontradas pelos
professores “negadores do sistema” para a inserção do tema da HIS nos cursos de graduação
em arquitetura e urbanismo no país. São esses professores que têm conseguido formar
profissionais criticamente comprometidos com as demandas da população de baixa renda.
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O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
303

ANEXOS

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
304

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
305

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
306

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
307

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
308

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
309

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
310

ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963

Fonte: Revista Arquitetura, Rio de Janeiro, n. 15, set. 1963.


O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
311

ANEXO 2 - Carta de Sergipe, 2018

CARTA DE SERGIPE

RECOMENDAÇÕES INICIAIS PARA AS DCN’S DOS CURSOS DE


ARQUITETURA E URBANISMO

Fonte: Disponível em: <https://www.cause.gov.br/wp-content/uploads/2019/01/FINAL-CARTA-SERGIPE-DCNs-


CAUSE-ABEA.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
312

ANEXO 2 - Carta de Sergipe, 2018

Fonte: Disponível em: <https://www.cause.gov.br/wp-content/uploads/2019/01/FINAL-CARTA-SERGIPE-DCNs-


CAUSE-ABEA.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Anexos
313

ANEXO 2 - Carta de Sergipe, 2018

Fonte: Disponível em: <https://www.cause.gov.br/wp-content/uploads/2019/01/FINAL-CARTA-SERGIPE-DCNs-


CAUSE-ABEA.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2019.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
314

APÊNDICES

APÊNDICE 1 - Grupos de Pesquisa em Habitação de Interesse Social no Brasil

 Levantamento realizado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil – Lattes no portal


http://lattes.cnpq.br/web/dgp, em 11 de maio de 2019.
 Área predominante: Ciências Sociais Aplicadas
 Termo de busca: Laboratório de Habitação; Habitação Popular; Habitação de Interesse Social
(continua)
Ordem Tipo de
Instituição Grupo Líder do grupo
instituição
Laboratório de Culturas Construtivas José Eduardo
1 Estadual Universidade de São Paulo
- Canteiro Experimental Baravelli
Laboratório de Habitação e Karina Oliveira
2 Estadual Universidade de São Paulo
Assentamentos Humanos Leitão
YBY - Grupo de Estudos Fundiários,
Tomas Antonio
3 Estadual Universidade de São Paulo Políticas Urbanas, Produção do
Moreira
Espaço
Universidade Estadual de
4 Estadual Gestão de Política Social Sandra Cordeiro
Londrina
LAPHA - Laboratório de Pesquisa
Universidade Estadual de
5 Estadual em Habitação e Assentamentos Ricardo Dias Silva
Maringá
Humanos
Universidade Estadual Núcleo de Pesquisa em Arquitetura e
Silvana Aparecida
6 Estadual Paulista Júlio de Mesquita Habitação de Interesse Social -
Alves
Filho ArqHab
Universidade Federal da Arquitetura Popular: espaços e Luiz Antonio
7 Federal
Bahia saberes Fernandes
Universidade Federal da LabHabitar-Laboratório de Habitação Angela Maria
8 Federal
Bahia e Cidade Gordilho Souza
Universidade Federal de Núcleo de Estudos do Estatuto da Débora de Barros
9 Federal
Alagoas Cidade - NEST Cavalcanti Fonseca
Universidade Federal de Augusto Aragão de
10 Federal Urbe - Estudos da Cidade
Alagoas Albuquerque
Universidade Federal de Grupo de pesquisa - Produção da Kainara Lira dos
11 Federal
Campina Grande Habitação e da Cidade - GPHEC Anjos
Universidade Federal de Alcília Afonso de
12 Federal Arquitetura e Lugar
Campina Grande Albuquerque Melo
Livia Izabel
Universidade Federal de INCT Observatório das Metrópoles -
13 Federal Bezerra de
Campina Grande Núcleo Paraíba
Miranda
Universidade Federal de Ana Paula Baltazar
14 Federal MOM. Morar de outras maneiras
Minas Gerais dos Santos
LATTICE - Laboratório de
Universidade Federal de Flávio Antônio
15 Federal Tecnologias de Investigação da
Pernambuco Miranda de Souza
Cidade
Comunidade Interdisciplinar de
Universidade Federal de Danielle de Melo
16 Federal Ação, Pesquisa e Aprendizagem -
Pernambuco Rocha
CIAPA
Universidade Federal de SITUS - Território, Arquitetura e
17 Federal Maria Inês Sugai
Santa Catarina Cidadania
Universidade Federal de OTHU - Ordenamento Territorial e José Luiz de
18 Federal
Santa Maria Habitabilidade Urbana Moura Filho
Universidade Federal de GESTAU - Gestão do Ambiente
19 Federal Cristiane Bueno
São Carlos Urbanizado
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
315

APÊNDICE 1 - Grupos de Pesquisa em Habitação de Interesse Social no Brasil


(continua)
Tipo de
Ordem Instituição Grupo Líder do grupo
instituição
Universidade Federal de Centro de Estudos de Planejamento e Sarah Lúcia Alves
20 Federal
Sergipe Práticas Urbanas e Regionais França
Universidade Federal de Tecnologias em Arquitetura e Márcio da Costa
21 Federal
Sergipe Urbanismo Pereira
Universidade Federal de Simone Barbosa
22 Federal MORA - Pesquisa em habitação
Uberlândia Villa
Universidade Federal de Neide Maria de
23 Federal Família, espaço e sociedade
Viçosa Almeida Pinto
Universidade Federal do José Júlio Ferreira
24 Federal Cidades na Amazônia
Pará Lima
Universidade Federal do FACI - Laboratório de Pesquisa e Lenise Lima
25 Federal
Rio de Janeiro Extensão Favela e Cidadania Fernandes
Universidade Federal do Sylvia Meimaridou
26 Federal Laboratório de Habitação
Rio de Janeiro Rola
Universidade Federal do PROLURS - Produção do Lugar e Rita de Cássia
27 Federal
Rio Grande Responsabilidade Socioambiental Gnutzmann Veiga
Universidade Federal do Grupo de Pesquisa Identidade e Daniela Mendes
28 Federal
Rio Grande do Sul Território Cidade
Betty Clara
Universidade Federal do Tecnologia Projeto e Conforto
29 Federal Barraza De La
Tocantins Ambiental
Cruz
OPPHUS _ Oficina de Projeto e
Universidade Federal Maria Lais Pereira
30 Federal Pesquisa de Habitação e Urbanização
Fluminense da Silva
Social
GEDUR - Grupo de pesquisa em
Universidade Federal Rural Denise de
31 Federal transformação de uso, ocupação e
do Rio de Janeiro Alcantara Pereira
desenvolvimento urbano e regional
Centro Universitário Carlina Rocha de
32 Privada Sobreurbano
CESMAC Almeida Barros
Fundação Universidade Núcleo de estudos urbanos e João Francisco
33 Privada
Regional de Blumenau regionais Noll
Pontifícia Universidade
Raquel Rodrigues
34 Privada Católica do Rio Grande do Arquitetura e Cultura
Lima
Sul
Pontifícia Universidade
Grupo de Pesquisa em Habitação de Marcos Pereira
35 Privada Católica do Rio Grande do
Interesse Social e Sustentabilidade - Diligenti
Sul
Pontifícia Universidade
Sustentabilidade e Eficiência Márcio Rosa
36 Privada Católica do Rio Grande do
Energética na Arquitetura D`Avila
Sul
Universidade Católica de Conforto, Patrimônio, Habitação e Erika Pereira
37 Privada
Petrópolis Paisagem Machado
Universidade Católica de Observatório Socioespacial da Lenimar
38 Privada
Santos Baixada Santista Gonçalves Rios
Universidade Católica do Liana Silvia de
39 Privada Gestão Democrática das Cidades
Salvador Viveiros e Oliveira
Universidade de Passo Rosa Maria
40 Privada Arquitetura e Urbanismo
Fundo Locatelli Kalil
Universidade do Extremo Rúbia Carminatti
41 Privada Habitação, Espaço Público e Cidade
Sul Catarinense Peterson
Universidade do Grande Núcleo de Estudos Urbanos da Rossana Brandão
42 Privada
Rio Baixada Fluminense Tavares
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
316

APÊNDICE 1 - Grupos de Pesquisa em Habitação de Interesse Social no Brasil


(conclusão)
Tipo de
Ordem Instituição Grupo Líder do grupo
instituição
43 Laboratório de Moradia e Terra
Universidade do Grande Diana Helene
Privada Urbana na Baixada Fluminense
Rio Ramos
(LabMoTe)
44 Universidade Luterana do Arquitetura e Urbanismo no Litoral
Thaís Menna
Privada
Brasil Norte do Rio Grande do Sul Barreto Martins
45 Universidade para o
Núcleo de Pesquisas de Arquitetura e Maristela Macedo
Privada Desenvolvimento do Alto
Urbanismo Poleza
Vale do Itajaí
46 Universidade Regional
Daniel Tochetto de
Privada Integrada do Alto Uruguai e Urbanismo Missões
Oliveira
das Missões
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
317

APÊNDICE 2 - Cursos de Arquitetura e Urbanismo ofertados por Instituições Públicas


no Brasil até 2018
(continua)
Ordem Tipo de Instituição Instituição de Ensino Superior
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do
1 Instituto Federal
Sul
2 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
3 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha
4 Instituto Federal Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Rondônia
5 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais
6 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná
7 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo
8 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
9 Instituto Federal Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia
10 Universidade Estadual Universidade Estadual de Goiás
11 Universidade Estadual Universidade Estadual do Maranhão
12 Universidade Estadual Universidade Estadual de Campinas
13 Universidade Estadual Universidade de São Paulo
14 Universidade Estadual Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
15 Universidade Estadual Universidade do Estado do Rio de Janeiro
16 Universidade Estadual Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
17 Universidade Estadual Universidade Estadual de Maringá
Universidade do Estado de Mato Grosso Carlos Alberto Reyes
18 Universidade Estadual
Maldonado
19 Universidade Estadual Universidade do Estado de Santa Catarina
20 Universidade Estadual Universidade Estadual de Londrina
21 Universidade Estadual Universidade de São Paulo
22 Universidade Federal Universidade de Brasília
23 Universidade Federal Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
24 Universidade Federal Universidade Federal de Mato Grosso
25 Universidade Federal Universidade Federal de Goiás
26 Universidade Federal Universidade Federal de Goiás
27 Universidade Federal Universidade de Brasília
28 Universidade Federal Universidade Federal do Ceará
29 Universidade Federal Universidade Federal de Alagoas
30 Universidade Federal Universidade Federal Rural do Semi-Árido
31 Universidade Federal Universidade Federal Do Rio Grande Do Norte
32 Universidade Federal Universidade Federal da Bahia – Diurno
33 Universidade Federal Universidade Federal da Bahia – Noturno
34 Universidade Federal Universidade Federal de Alagoas
35 Universidade Federal Universidade Federal de Sergipe
36 Universidade Federal Universidade Federal da Paraíba

Fonte: elaborado pelo auto com base nos dados do MEC, 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
318

APÊNDICE 2 - Cursos de Arquitetura e Urbanismo ofertados por Instituições Públicas


no Brasil até 2018
(conclusão)
Ordem Tipo de Instituição Instituição de Ensino Superior
37 Universidade Federal Universidade Federal do Piauí
38 Universidade Federal Universidade Federal de Pernambuco
39 Universidade Federal Universidade Federal de Campina Grande
40 Universidade Federal Universidade Federal do Amazonas
41 Universidade Federal Universidade Federal do Amapá
42 Universidade Federal Universidade Federal de Roraima
43 Universidade Federal Universidade Federal do Tocantins
44 Universidade Federal Universidade Federal do Pará
45 Universidade Federal Universidade Federal de São João Del Rei
46 Universidade Federal Universidade Federal de Ouro Preto
47 Universidade Federal Universidade Federal de Minas Gerais – Noturno
48 Universidade Federal Universidade Federal de Minas Gerais – Diurno
49 Universidade Federal Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
50 Universidade Federal Universidade Federal de Viçosa
51 Universidade Federal Universidade Federal Fluminense
52 Universidade Federal Universidade Federal do Espírito Santo
53 Universidade Federal Universidade Federal de Juiz De Fora
54 Universidade Federal Universidade Federal de Uberlândia
55 Universidade Federal Universidade Federal do Rio de Janeiro
56 Universidade Federal Universidade Federal de Santa Maria
57 Universidade Federal Universidade Federal do Rio Grande do Sul
58 Universidade Federal Universidade Federal da Integração Latino-Americana
59 Universidade Federal Universidade Federal de Pelotas
60 Universidade Federal Universidade Federal de Santa Catarina
61 Universidade Federal Universidade Federal da Fronteira Sul
62 Universidade Federal Universidade Federal do Paraná
63 Universidade Federal Universidade Tecnológica Federal do Paraná
64 Universidade Municipal Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Fonte: elaborado pelo auto com base nos dados do MEC, 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
319

APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse


Social nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018
(continua)
Universidade Federal Sigla Disciplina Ementa
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em disciplinas optativas
Universidade Federal de Habitação de
UFRR Não possui ementa das disciplinas optativas no PPP
Roraima Interesse Social
Problemas de planejamento da habitação popular,
destacando os aspectos de sistemas construtivos,
ocupação do lote, dimensionamentos mínimos e
Habitação Popular
superposição de funções no tempo e no espaço.
Assentamentos precários como a favela e loteamentos
Universidade Federal do irregulares e clandestinos.
UNIFAP
Amapá Conceitos e evolução. A Reforma do Estado no
Brasil. O novo modelo de gestão pública Diagnóstico
Gestão e Política de políticas sociais municipais. Estatuto da cidade,
Pública plano diretor e a função social do espaço urbano.
Políticas urbanas de saneamento e habitação. Análise
dos mecanismos de participação popular.
Produção do espaço urbano e a questão da moradia.
Estado capitalista, planejamento urbano e habitação.
Modelos de políticas e intervenções sobre a questão
Teoria e História habitacional no Brasil, século XX. O déficit
da Habitação habitacional nos últimos 30 anos do século XX e as
Popular manifestações recentes: o autoempreendimento da
casa - favelas, loteamentos irregulares, periferização.
Moradia, justiça social e a questão ambiental.
Possibilidades contidas no Estatuto das Cidades.
Universidade Federal do
UFT
Tocantins Apresentação de conceitos relacionados à produção
contemporânea da Habitação de Interesse Social
(HIS), com ênfase na produção social do espaço e na
Critérios Espaciais promoção de habitação urbana de qualidade para
no Projeto de famílias de baixa renda. Discute os aspectos
Habitação Popular conceitual, simbólico e social do morar
contemporâneo, com ênfase na apresentação em nível
de estudo preliminar, de propostas de intervenção
urbana para acomodação de famílias de baixa renda.

Desenvolvimento de projetos residenciais em nível de


estudo preliminar e anteprojeto. Abordagem
Projetos sistêmica de projetos residenciais. Estudo de projetos
Universidade Federal de
Residenciais, de de residência unifamiliar e multifamiliar. Estudo da
Alagoas - Campus UFAL
Ampliação e de habitação popular e de novos espaços de morar.
Arapiraca
Reforma Desenvolvimento de projetos residenciais em
terrenos singulares. Desenvolvimento de projetos de
ampliação e de reforma. Visita a obras.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
320

APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse


Social nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018
(continua)
Universidade Federal Sigla Disciplina Ementa
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em disciplinas optativas
Participação e acompanhamento da troca de
conhecimentos nos projetos já construídos e das obras
em andamento, com a assessoria técnica dos grupos
do LHABITAT do DARQ-CT, referentes à política e
projeto de habitação no campo ou na cidade, desde o
Assistência estudo de tipologias do habitat e da habitação, aos
Universidade Federal do Técnica a movimentos sociais, às políticas governamentais e ao
UFRN
Rio Grande do Norte Habitação de papel das assessorias técnicas, através de aulas
Interesse Social práticas (30h00) e teóricas (15h00). Público-alvo: 15
vagas, sendo 10 reservadas a estudantes de arquitetura
e as 05 demais podendo ser também recomendadas
para estudantes de áreas afins (engenharia civil,
geografia, ciências sociais, antropologia, serviço
social e pedagogia).
Concepção do espaço arquitetônico com ênfase na
análise dos problemas habitacionais brasileiros.
Noções gerais de sistemas estruturais e construtivos
Universidade Federal da
UFFS Habitação Social para construções de pequeno porte. Contextualização
Fronteira Sul
urbana. Noções gerais dos programas governamentais
de fomento à construção de moradias e o
planejamento local.
Universidade Federal de
Política pública Aspectos contemporâneos das políticas públicas de
Minas Gerais - Curso UFMG
de habitação habitação.
Diurno
A problemática habitacional - aspectos sociais,
econômicos, políticos, técnicos arquitetônicos e
Projeto de urbanísticos. Retrospectiva histórica das políticas
Universidade Federal do
UFRJ Habitação de habitacionais; seu estudo, análise e novas
Rio de Janeiro
Interesse Social proposições. Habitação e os espaços urbanos.
Equipamentos comunitários mínimos. O papel do
arquiteto no projeto habitacional. Prática de projeto.
Análise da situação brasileira com relação à habitação
Projeto popular. Os programas de habitação popular. Os
Universidade Federal de Alternativo de movimentos urbanos para habitação. Tecnologia do
UFMT
Mato Grosso Habitação ambiente construído. Construção de componentes
Popular para habitação popular. As experiências e políticas
habitacionais.
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em disciplinas obrigatórias

Estudo de área urbana com proposta de intervenções


por meio do desenho urbanístico. Implantação de
propostas de conjunto habitacional no contexto
urbano. Introdução ao estudo da industrialização da
Universidade Federal do Projeto de construção. Desenvolver uma conceituação formal e
UFPI
Piauí Arquitetura VII compositiva que amplie as possibilidades de soluções
para problemática da
unidade e do conjunto habitacional. Objetivos:
elaboração de projeto de um conjunto habitacional
de baixa renda em zona urbana.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
321

APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse


Social nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018
(continua)
Universidade Federal Sigla Disciplina Ementa
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em disciplinas obrigatórias
Desenvolver metodologias projetuais e aportes técnico-
construtivos participativos, para a criação ou
regularização qualificada de comunidades de caráter
social em arquitetura, contemplando aspectos
urbanísticos - morfologia, mobilidade e infra-estrutura -
Conteúdo na paisagísticos - sistema de áreas verdes livres em escala
Universidade Federal de
UFSM disciplina de de parque, praça, intra-quadra e lote - e arquitetônicos -
Santa Maria
Ateliê 4 com a proposição tipos habitacionais, institucionais, de
serviços e culturais.
Conteúdo: Exploração conceitual sobre a Habitação de
Caráter Social; Panorama da Habitação de Caráter Social
no Mundo e no Brasil; Estudo tipológico da habitação de
caráter social etc.
Planejamento e projeto do espaço habitacional dos
grupos de baixa renda. O espaço individual e coletivo.
Disciplina de
Funções, dimensões e usos. Correlação entre setor e
Projeto de
cidade. Adequação e integração ao meio urbano.
Arquitetura V –
Sustentabilidade do habitat. Racionalidade do Processo
Habitação Social
Construtivo. Conforto Ambiental e Eficiência do
Universidade Federal consumo de energia.
UFF
Fluminense Conceitos de habitação e habitar. O processo histórico de
produção da habitação social nas sociedades industriais
capitalistas. A questão no Brasil industrial e as
Teoria da
iniciativas privadas e públicas para seu equacionamento.
Habitação
As formas contemporâneas de habitar da classe
trabalhadora brasileira. Exemplos recentes do
enfrentamento da questão da habitação social no Brasil.
Universidades que alocaram o tema da HIS em disciplinas obrigatórias e optativas

A questão habitacional na América Latina e no Brasil.


Conflitos urbanos, moradia e política de habitação.
Políticas e programas habitacionais. Estudos de caso.
Acesso à terra, políticas de solo e segregação
socioespacial na América Latina. Brasil: Reforma
Urbana e Estatuto da Cidade: Balanço de uma Década.
Disciplina
Universidade Federal da Cuba pós-revolução: outra perspectiva para a habitação.
Obrigatória:
Integração Latino- UNILA Industrialização e habitação: das vilas operárias às
Políticas públicas
Americana cidades-empresa. A arquitetura modernista e os grandes
de habitação
conjuntos habitacionais. Do direito à cidade ao direito à
arquitetura. Do BNH à Minha Casa Minha Vida:
arquitetura, cidade e financiamento habitacional. Novos
paradigmas: mutirão, auto-gestão e assistência técnica
gratuita. A gestão financeira da política habitacional:
habitação de interesse social para quem?
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
322

APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse


Social nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018
(continua)
Universidade Federal Sigla Disciplina Ementa
Universidades que alocaram o tema da HIS em disciplinas obrigatórias e optativas
Plano diretor. Estatuto da Cidade. Reforma urbana.
Função social da propriedade. Instrumentos urbanísticos
Disciplina
contemporâneos. Habitação de interesse social.
Obrigatória:
Introdução às práticas de planejamento participativo.
Urbanismo III
Introdução à regularização fundiária. Estudos caso no
Brasil e América Latina.

Atelier integrado de urbanismo e arquitetura voltados


Universidade Federal da para população de baixa renda. Reflexão sobre projeto
Integração Latino- UNILA de arquitetura e urbanismo enquanto produto
Americana Disciplina subordinado à organização social. Aspectos legislativos
Optativa: da habitação de interesse social. Caracterização físico-
Atelier Integrado social de projetos habitacionais. Métodos e práticas
de Projeto de participativas em habitação de interesse social.
Habitação de Parcelamento do solo. Urbanização de assentamentos
Interesse Social precários. O projeto da habitação em contextos de
limitação econômica/material/espacial. Arquitetura de
interiores em contextos de limitação
econômica/material/espacial.

Disciplina que atua junto a áreas urbanas classificadas


como ZEIS (Zonas de Especial Interesse Social) pelo
Estatuto da Cidade articulando ações com os moradores
locais e o poder público. Tem como temática a expansão
Disciplina
urbana e o desenho urbano de Zonas de Especial
Universidade Federal de Obrigatória:
UFPEL Interesse Social. Tem por objetivo propiciar atividade de
Pelotas Desenho Urbano
Extensão Universitária caracterizada pelo contato direto
I
com populações de baixa renda em situação de
precariedade de ocupação do solo urbano, associada ao
ensino do desenho urbano, expansão urbana,
parcelamento e uso do solo.

Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
323

APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse


Social nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018
(continua)
Universidade Federal Sigla Disciplina Ementa
Universidades que alocaram o tema da HIS em disciplinas obrigatórias e optativas

A disciplina objetiva desenvolver conteúdos


relacionados a promoção da Habitação de Interesse
Social, proporcionando aos estudantes o conhecimento
sobre a política habitacional brasileira e capacitando-os a
analisar de forma crítica a produção da moradia e seu
entorno, bem como desenvolver um projeto de conjunto
habitacional de interesse social multifamiliar ou
unifamiliar, localizado em área degradada ou vazio
urbano, considerando a cidade real e suas contradições.
O planejamento da moradia deverá implementar
Disciplina
procedimentos e estratégias visando entender
Optativa:
Universidade Federal de complexidades presentes na cidade existente. Para essa
UFPEL Atelier Vertical -
Pelotas finalidade a ênfase da disciplina se encontra na
Habitação de
articulação entre o projeto do conjunto e a cidade, no
Interesse Social
agenciamento dos espaços abertos situados entre as
edificações e na definição de propostas de projetos
qualificados, com a possibilidade de inserir premissas
sustentáveis apropriadas para a produção da habitação
social. Reconhecendo a necessidade de dominar diversos
sistemas construtivos, a disciplina pretende trabalhar
com diferentes tecnologias, não deixando de explorar o
uso da alvenaria estrutural como uma das possibilidades
ainda bastante utilizada como solução para a moradia
social.

Disciplina
Obrigatória:
Oficina
Integrada de
Abordagem crítica do espaço construído por meio do
Arquitetura,
entendimento de seus aspectos sociais, psicológicos,
Urbanismo e
econômicos, ambientais, técnicos e legais. Concepção do
Paisagismo:
projeto de arquitetura, urbanismo e paisagismo de
Problemas de
assentamentos habitacionais populares.
parcelamento do
Universidade Federal de solo e
Minas Gerais - Curso UFMG assentamentos
Noturno habitacionais
Disciplina
Obrigatória: Problemas de requalificação e urbanização de
Oficina assentamentos precários. Abordagem crítica do espaço
Integrada: construído por meio do entendimento de seus aspectos
Problemas de sociais, psicológicos, econômicos, ambientais, técnicos e
Requalificação e legais. Concepção do projeto de Arquitetura, Urbanismo
Urbanização de e Paisagismo para requalificação de assentamentos
Assentamentos precários.
Precários
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
324

APÊNDICE 3 - Ementa das disciplinas que abordam o tema da Habitação de Interesse


Social nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo até 2018
(conclusão)
Universidade Federal Sigla Disciplina Ementa
Universidades que alocaram o tema de HIS em disciplinas obrigatórias e optativas
A polêmica contemporânea dos condomínios
habitacionais. Legislação pertinente. Estudos de modelos
Disciplina de assentamentos atuais na conformação de condomínios
Universidade Federal de
Optativa: habitacionais: planejamento urbano e arquitetônico.
Minas Gerais - Curso UFMG
Condomínio Conteúdo: Aspectos dos assentamentos populacionais de
Noturno
habitacional baixa renda – características de urbanização e concepção
de projetos de condomínios habitacionais de interesse
social (ZEIS e AEIS).

Causas do déficit habitacional; Panorama das políticas


públicas habitacionais; Caracterização sociodemográfica
da demanda habitacional; Inter-relação entre conjunto
habitacional e cidade; Análise arquitetônico-urbanística
Disciplina
de estudos de referência; Instrumentalização básica sobre
Obrigatória:
modificações topográficas; Alterações nos arranjos
Projeto III
familiares e seus desdobramentos arquitetônicos;
Universidade Federal de Considerações sobre flexibilidade física e funcional e
UFV
Viçosa modulação da unidade habitacional; Considerações sobre
processos e formatos de gestão da construção.

Análise da produção e apropriação dos assentamentos


Disciplina
populares. As invasões, os Cortiços e as favelas. Relação
Optativa:
entre o Centro e a Periferia. Loteamentos irregulares e
Assentamento
clandestinos. Alternativas de intervenção em
Popular
Assentamentos Urbanos.
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.

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