Tese-Alexsandro Porangaba-2019
Tese-Alexsandro Porangaba-2019
Tese-Alexsandro Porangaba-2019
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
DOUTORADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
Salvador
2019
ALEXSANDRO TENÓRIO PORANGABA
Salvador / BA
2019
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA),
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Para
Sérgio Lima e Nick
e
à memória de
Maria Porangaba
Ao meu esposo, companheiro e amigo, Sérgio Lima, que tem compartilhado comigo de
todas as lutas e conquistas profissionais e pessoais. Obrigado por ser esse ser de luz em minha
vida e ter me acalentado nos momentos de angústia e incertezas no desenvolvimento desta tese.
Te amo!
A Deus, pela força oculta e por ter me dado um filho lindo de quatro patas, o Nick. Este
“serumaninho” esteve sempre ao meu lado nas longas e produtivas madrugadas, me
desconcentrou quando era preciso e tem me dedicado um amor indescritível.
A minha eterna e adorada mãe, Maria Porangaba, que partiu dessa vida durante o
doutorado, mas, que sempre foi minha maior incentivadora nos estudos. A educação primorosa
recebida dessa mulher simples e forte contribuiu para que eu pudesse desfrutar de mais uma
conquista profissional.
Aos professores, orientadores e amigos, Naia Alban Suarez e Nivaldo Vieira de Andrade
Júnior, pelas trocas de conhecimento, respeito, parceria e constante incentivo na produção deste
trabalho. Vocês são os melhores orientadores que um aluno pode desejar.
Por fim, a todos os “professores negadores do sistema” espalhados pelo Brasil, que têm
dedicado atenção especial ao tema da Habitação de Interesse Social, inserindo-o como elemento
importante na formação dos futuros arquitetos e urbanistas. Seremos sempre resistência.
Conseguir que a universidade forme arquitetos tão
competentes para enfrentar as demandas sociais por
espaço, [...] vai exigir mais que diálogo, mais que
experimentações críticas. Vai exigir muita luta
(Consultor da ABEA, in ABEA, 1991, p. 34).
RESUMO
Issues related to housing problem and the teaching of architecture and urbanism have been a
current topic of debate among professionals in the area since 1930, when the first congresses
were held in Brazil. In these events, the congressmen highlighted the importance of greater
involvement of architects and urbanists with housing production directed to the low-income
population and, contradictorily, showed the desire to maintain an essentially artistic teaching,
focused on the appreciation of the works of great architectural compositions. This view has
been the object of denunciation and contestation over the years in academia. On the one hand,
the controversies revolve around the argument that the teaching of architecture and urbanism,
still based on archaic molds, has not prioritized the theme of Housing of Social Interest (HSI)
in the professional training of architects and city planners. On the other hand, on the thesis that
the generalist profile of the architecture and urbanism courses does not include the explicitness
of specific subjects as essential, especially in the subjects which deal with architectural project.
All this problematization finds its place of origin in the official national curricula of architecture
and urbanism courses, which have legitimized consensus discourses and hegemonic practices
in the area. Therefore, the general objective of this thesis is to investigate how the theme of HSI
was approached in the official national curricula of the architecture and urbanism courses,
instituted between 1962 and 2010. To this end, a qualitative documentary analysis was
developed, based on the critical perspective of curriculum, more precisely, from the relational
analysis, which considered the historical, political, economic and social context of the country
from 1930 to 2018, taking three axes as starting points: 1) housing production directed to the
low income population; 2) professional and academic events on the housing problem and the
teaching of architecture and urbanism; 3) the teaching of architecture and urbanism. Research
has shown that the process of constituting the official national curricula of architecture and
urbanism courses has been hegemonically grounded in traditional curriculum practices which
reproduce a culture of knowledge selection that tends to depoliticize and turn issues related to
Housing of Social Interest into supposedly neutral rather than priority problems. As a result,
these issues have ended up being allocated primarily to research and extension activities, while
in architecture and urbanism teaching they have occupied a secondary or even smaller place,
especially in the courses offered by Federal Universities, since most institutions do not
legitimize the theme of HSI as mandatory activities. Of the 32 federal courses analyzed, only 7
establish an explicit commitment to the problem of HSI, inserting it as a priority and mandatory
knowledge, especially in activities related to architectural project.
Imagem 2.1 - Casa para empregados da Estrada de Ferro Sorocabana, Tipo nº 3. .................. 49
Imagem 3.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1930 e 1962 .................... 65
Imagem 3.2 - Cartaz do 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos ..................................... 71
Imagem 3.3 - Caricatura de Oswald Cruz ................................................................................ 77
Imagem 3.4 - Reportagem sobre o Conjunto Residencial Presidente Getúlio Vargas ............. 97
Imagem 3.5 - Maquete do Conjunto Residencial Presidente Getúlio....................................... 97
Imagem 3.6 - Reportagem sobre honrarias atribuídas ao Conjunto Residencial do Pedregulho
.................................................................................................................................................. 99
Imagem 3.7 - Vista aérea do conjunto Vila Guiomar em Santo André, São Paulo................ 111
Imagem 3.8 - Casa geminada e isolada do conjunto Vila Guiomar em Santo André ............ 112
Imagem 4.1 - Linha do tempo dos fatos ocorridos entre 1963 e 1976 ................................... 116
Imagem 4.2 - Conjunto habitacional Cruzada São Sebastião ................................................. 117
Imagem 4.3 - Projeto de Lei nº 87, de 3 de abril de 1963, protocolado na Câmara dos Deputados
................................................................................................................................................ 120
Imagem 4.4 - Vista aérea da maquete do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado 122
Imagem 4.5 - Fachada e Escada do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado ........ 123
Imagem 4.6 - Planta Baixa do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado ................ 123
Imagem 4.7 - Conjunto Habitacional Felizardo Furtado ........................................................ 124
Imagem 4.8 - Planta Baixa e Fachada do Conjunto Jardim América – Porto Alegre ............ 124
Imagem 4.9 - Planta Baixa e Fachada do Residencial Praia Guarujá..................................... 125
Imagem 4.10 - Fachada e Planta Baixa do Conjunto Habitacional Padre Manoel da Nóbrega
................................................................................................................................................ 125
Imagem 4.11 - Esquema de Montagem das casas projetadas por Acácio Gil Borsoi ............ 127
Imagem 4.12 - Planta Baixa de uma habitação para o projeto Brás de Pina .......................... 128
Imagem 4.13 - Levantamento, debate e apresentação das propostas desenvolvidas pelos alunos
do 7º período do curso de arquitetura e urbanismo da UFF, 1975 ......................................... 152
Imagem 5.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1977 e 1994 .................. 164
Imagem 5.2 - Capa do volume publicado pela ABEA ........................................................... 165
Imagem 5.3 - Linha do Tempo do contexto político e educacional pós-1979 no Brasil ........ 172
Imagem 5.4 - Solenidade de abertura do Seminário Nacional da ABEA, 1992..................... 186
Imagem 5.5 - Representantes das Escolas de Arquitetura no Seminário Nacional ABEA, 1992
................................................................................................................................................ 186
Imagem 5.6 - Critérios finais para avaliação da Estrutura Curricular Plena (ECP) ............... 188
Imagem 5.7 - Ensaio do primeiro painel de laje no Lab-Hab da Faculdade de Belas Artes .. 198
Imagem 5.8 - Atividades desenvolvidas pelo Lab-Hab .......................................................... 199
Imagem 5.9 - Canteiro de obras e croqui da fachada das casas do Mutirão 26 de Julho ....... 202
Imagem 5.10 - Canteiro de obras do Projeto Talara e planta baixa das unidades habitacionais
................................................................................................................................................ 202
Imagem 5.11 - Canteiro de obras do Projeto Copromo .......................................................... 202
Imagem 6.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1995 e 2018 .................. 207
Imagem 6.2 - Unidades Habitacionais do Conjunto Vila do Mar, Fortaleza ......................... 214
Imagem 6.3 - Residencial Heliópolis, São Paulo ................................................................... 214
Imagem 6.4 - Exemplo de tipologia para casa térrea do PMCMV......................................... 216
Imagem 6.5 - Exemplo de tipologia para apartamentos do PMCMV .................................... 217
Imagem 6.6 - Projeto do PMCM desenvolvido para Parnambués por João Filgueiras Lima 219
Imagem 6.7 - Projeto do PMCM desenvolvido para Cajazeiras por João Filgueiras Lima ... 219
Imagem 6.8 - Cartaz de divulgação do Seminário Nacional de Ensino e Formação ............. 255
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 6.1 - Condição de oferta dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo no Brasil,
até 2018 .................................................................................................................................. 257
LISTA DE QUADROS
Lei nº 11.977, de 7 de julho de Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida –
2009 PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos
localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no
3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de
agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036,
de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001,
e a Medida provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de
2001; e dá outras providências.
Lei nº 12.711, de 29 de agosto Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
de 2012 instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá
outras providências.
Portaria nº 231, de 4 de junho Estabelece as diretrizes gerais para aplicação dos recursos
de 2004 alocados ao Programa de Arrendamento Residencial -
PAR e dá outras providências.
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 23
2.1 Século XIX: “Habitação Operária”, “Cortiços” e “Habitação das classes pobres” ...... 43
2.2 De 1930 a 1964: “Habitação Mínima”, “Habitação Econômica”, “Habitação Social” e
“Habitação Popular” ..................................................................................................... 46
2.3 1964, a Ditadura Militar: da “Habitação Popular” à “Habitação de Interesse Social” . 53
2.4 A redemocratização do Brasil e a nova “Habitação de Interesse Social” ..................... 56
ANEXO 1 - Documento final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963 ........ 303
ANEXO 2 - Carta de Sergipe, 2018 ....................................................................................... 311
1 INTRODUÇÃO
O problema habitacional vivido pela população de baixa renda1 no Brasil tem sido tema
corrente de debate entre os profissionais da arquitetura e urbanismo em distintos
congressos/seminários/encontros promovidos por entidades representativas da profissão. Os
primeiros congressos nacionais constituídos para o debate exclusivo do problema habitacional
coincidem com o período de desenvolvimento urbano-industrial nascente e com os problemas
decorrentes do intenso êxodo rural e crescimento populacional no país a partir de 1930.
Se por um lado os debates sobre o problema habitacional vivido pela população de baixa
renda ganharam destaque entre os profissionais da arquitetura, por outro, a comunidade
acadêmica brasileira teve resistência em inserir tal problemática no ensino de arquitetura2,
1
Neste trabalho, seguindo o conceito formulado na Política Nacional de Habitação desenvolvida pelo Ministério
das Cidades (2004), a população de baixa renda é entendida como sendo aquela constituída por famílias cuja renda
mensal é de zero até cinco salários mínimos, com ou sem emprego formal.
2
Até o ano de 1962, não existia no Brasil cursos com formação generalista única em arquitetura e urbanismo.
Assim sendo, destaca-se que nesta tese, em decorrência do período temporal referenciado, os cursos serão
denominados de “cursos de arquitetura” (de 1930 até 1945), “cursos de arquitetura e de urbanismo” (de 1945 até
1962) e “cursos de arquitetura e urbanismo” (pós-1962).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
24
sobretudo devido à não aceitação da arquitetura moderna por parte dos tradicionais docentes.
Uma das primeiras tentativas de inserção dos estudos sobre habitações direcionadas para a
população de baixa renda ocorreu na reforma do ensino de arquitetura realizada por Lucio
Costa, em 1931, na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (ENBA) (SOUZA, 1987;
CAVALCANTI, 2006). Entretanto, tais profissionais foram ativamente resistentes às propostas
de renovação do ensino de Lucio Costa, ocasionando, por conseguinte, seu afastamento da
instituição (GRAEFF, 1995).
3
O termo “casa popular” foi utilizado por Artigas (1986, p. 74) para se referir a todo e qualquer projeto
desenvolvido pelos arquitetos modernistas para a população de baixa renda, principalmente às encomendadas pelo
governo brasileiro.
4
CF. ZANETTINI, 1980; BOLAFFI, 1985; BONDUKI, 1994; 2014; BASTO; ZEIN, 2010; FERREIRA, 2011;
BENETTI, 2012.
5
O trabalho realizado por Siegbert Zanettini, foi encomendado pela Comissão de Ensino de Arquitetura e
Urbanismo do Ministério da Educação e Cultura em 1974. A intenção era de que o autor desenvolvesse uma ampla
pesquisa a nível nacional sobre o ensino de projeto na área de edificações, mas, dadas as dificuldades, o trabalho
final acabou se restringindo à realidade de São Paulo. O referido autor analisou 7 instituições de ensino: Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie;
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Braz Cubas; Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo Farias Brito; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Mogi das Cruzes e Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
25
resolução dos problemas da Habitação de Interesse Social (HIS)6 com o objetivo de “superar
os limites do sistema” (ZANETTINI, 1980, p. 74), entretanto, por conta disso tais profissionais
tinham suas proposições políticas controladas e até mesmo repelidas pelo sistema de ensino.
Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein (2010), no livro “Brasil: arquiteturas
após 1950”, demonstram que as questões sobre HIS não estão totalmente ausentes dos bancos
escolares, ao contrário, elas têm sido debatidas sob a ordem econômica, política e cultural desde
a Ditadura Militar (1964-1985), quando a produção habitacional direcionada para a população
de baixa renda estava sendo efetivada pelo Banco Nacional de Habitação (BNH)9. Neste caso,
destacam que a abordagem do tema da HIS centrada nas questões de ordem econômica, política
e social acaba “[...] deixando a arquitetura propriamente dita em último plano” (BASTOS;
6
O termo “Habitação de Interesse Social” foi oficializado pela primeira vez no Brasil no ano de 1964, quando
foi criado o Banco Nacional de Habitação. Entretanto, nesta tese, a depender do período histórico analisado, outras
terminologias serão utilizadas para identificar a habitação destinada à população de baixa renda, tais como:
habitação popular, habitação econômica, cortiços ou habitação social. Essas terminologias serão contextualizadas
e conceituadas no Capítulo 2 deste trabalho.
7
As quais o autor denomina como: “poder do senhor aristocrata, o poder do mecenas, o poder do Estado ou o
poder da moderna empresa capitalista” (BOLAFFI, 1985, p. 144).
8
Termo utilizado por Bernard Rudofsky (1964).
9
Nesse contexto, como analisado por Segawa (2010), as críticas sobre a produção arquitetônica do BNH
contribuíram para que as disciplinas de urbanismo se apropriassem do debate e dos problemas habitacionais
vividos pela população de baixa renda, sobretudo pelos desempregados, residentes em áreas de favela, mocambos,
etc., como será evidenciado no Capítulo 4 desta tese.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
26
ZEIN, 2010, p. 163), não favorecendo, assim, o desenvolvimento de uma reflexão crítica
pormenorizada sobre as soluções arquitetônicas e urbanísticas desenvolvidas para o público em
questão.
A inexistência dessa “cultura de projeto” sobre HIS também ocupou centralidade nos
argumentos desenvolvidos por João Sette Whitaker Ferreira (2011), ao criticar as ideias de
sucesso profissional alimentadas pelas escolas de arquitetura e urbanismo do Brasil e pelas
entidades representativas da profissão. Segundo o autor, na formação profissional dos arquitetos
e urbanistas não há uma priorização dos estudos voltados para HIS, ao contrário, nos centros
de formação profissional são priorizados estudos projetuais destinados aos estratos sociais de
alta renda, bem como há “uma espécie de endeusamento da arquitetura autoral de talento genial
[que] limita o horizonte de perspectivas de nossos estudantes e lhes apresenta como única
alternativa um mundo de alta competitividade, angustiante [...]” (FERREIRA, 2011, p. 1).
Depois de desenvolver uma série de argumentos sobre os problemas habitacionais e urbanos
vividos pela população de baixa renda, Ferreira questiona:
10
Ao longo deste trabalho, será evidenciado que alguns cursos de arquitetura e urbanismo, na elaboração de seus
currículos, estabelecem o foco central das disciplinas a partir da determinação de conteúdos, outros definem linhas
gerais de problemas (onde se percebe a influência da adoção das metodologias ativas de aprendizagem, mais
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
27
urbanistas? Qual o lugar que esse tema tem ocupado nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo do Brasil? As respostas para essas questões podem vir de várias
partes, no entanto, considera-se nesta tese que a não priorização do tema da HIS está
condicionado a fatores macro estruturantes do ensino de arquitetura e urbanismo,
corporificados historicamente nos currículos oficiais nacionais instituídos no país para os
cursos de graduação em arquitetura e urbanismo.
trabalho a ser desenvolvido no ambiente escolar se tornará ineficiente (BOBBITT, 1918). Ainda segundo Bobbitt,
o currículo pode ser definido de duas maneiras: “(1) é toda a gama de experiências, direcionadas ou não,
envolvidas no desdobramento das habilidades do indivíduo, ou (2) é a série de experiências de treinamento
conscientemente dirigidas que as escolas usam para completar e aperfeiçoar o desenvolvimento” (BOBBITT,
1918, p. 43, grifo e tradução nossos).
12
Para Tyler (1973), a seleção dos objetivos deve se proceder com base em três filtros ou fontes, são elas: 1) estudo
sobre os próprios alunos: etapa que determinará quais mudanças a escola poderá empreender nas formas de
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
29
Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2009), os tipos de currículo propostos por Bobbitt e
Tyler são considerados modelos tecnocráticos de currículo devido ao fato de haver uma
priorização do conhecimento direcionado para uma função prática da vida adulta. Como
sinalizado por Herbert M. Kliebard (1980), para os tecnocratas, toda e qualquer conhecimento
que não contribuísse para a formação de cidadãos voltados ao atendimento dos interesses
macroestruturais da sociedade capitalista e industrial ou onerasse os custos do ensino deveriam
ser abolidos do currículo13.
John Franklin Bobbitt e Ralph Tyler são teóricos que contribuíram para a consolidação
das chamadas Teorias Tradicionais do Currículo, ou modelo tradicional de currículo, que
ainda influenciam o sistema de ensino (fundamental, médio e superior) de muitos países,
inclusive o Brasil. Os teóricos tradicionais, em síntese, vão dar ênfase a conceitos pedagógicos
relacionados com: “ensino, aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização,
planejamento, eficiência e objetivos” (SILVA, 2009, p. 17).
Segundo apontado por Silva (2009, p. 16), as teorias tradicionais do currículo pretendem
ser apenas “[...] “teorias” neutras, científicas, desinteressadas”. Porém, a partir da década de
1970, emergem novas perspectivas sobre o currículo que passam a questionar essa neutralidade
e suposto desinteresse. Essas novas perspectivas, consolidadas como Teorias críticas do
currículo, defendem o entendimento de que nenhuma teoria é apenas neutra, científica ou
desinteressada, ao contrário, toda teoria está implicada em relações de poder.
comportamento dos alunos; 2) estudo sobre a vida contemporânea fora da escola: neste caso, o autor sugere que
este estudo seja desenvolvido com base em sete categorias (aspecto de saúde; família; recreação; vocacional;
religioso; consumo, e cívico) de modo a abranger todos os aspectos da vida dos alunos; 3) objetivos sugeridos
pelos especialistas das diferentes disciplinas, os docentes.
13
Um exemplo recente desse tipo de interpretação da educação brasileira e da elaboração de currículos pode ser
verificada no texto da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio, aprovada no dia 06
de abril de 2017. Na nova BNCC, apenas as disciplinas de língua portuguesa e matemática aparecem como
obrigatórias, as demais disciplinas das áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza,
pela ausência de obrigatoriedade, poderão ou não serem contempladas nos currículos das instituições de ensino.
Assim, apreende-se a partir da BNCC que para um indivíduo poder exercer uma função prática na vida adulta
apenas será fundamental que este tenha habilidades de leitura e cálculo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
30
como a forma social dominante, em termos de poder e controle, presentes na sociedade (SILVA,
2009; MOREIRA, 2008). No caso, os adeptos das teorias críticas14 do currículo vão se portar
como questionadores das desigualdades sociais, da neutralidade do conhecimento, da
hegemonia de determinados conhecimentos, da racionalidade do conhecimento, da
naturalização de tudo e das coisas. Logo, “[...] a teoria crítica sugere uma relação orgânica
entre sujeito e objeto: o sujeito do conhecimento é um sujeito histórico que se encontra inserido
em um processo igualmente histórico que o condiciona e molda” (FREITAG, 1986, p. 42).
Estão no cerne das discussões teóricas críticas do currículo conceitos como: “ideologia,
reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção,
conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência” (SILVA, 2009, p.
17).
14
Popkewitz esclarece que a palavra “crítica” pode ser associada a dois sentidos: “o primeiro se refere à “crítica
interna” que resulta no questionamento analítico da argumentação e do método. Focaliza-se aí o raciocínio teórico
e os procedimentos de seleção, coleta e avaliação dos dados ressaltando a linguagem. O segundo sentido da palavra
“crítica”, diz respeito à análise das condições de regulação social, desigualdade e poder” (POPKEWITZ, 1990
apud ALVES-MAZZOTTI, 1996, p. 19).
15
Não foi estabelecido contato com a primeira edição do livro “A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado”
publicada em 1970. Nesta tese utilizamos como fonte a 3ª edição, publicada pela Editora Martins Fontes, em 1980.
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1 Introdução
31
Reflexões acerca da relação entre ideologia e currículo são também encontradas nos
pensamentos de Michael Apple, cujas análises influenciaram o desenvolvimento de uma teoria
curricular crítica no Brasil a partir de 1979, quando a primeira edição de seu livro “Ideologia e
Currículo” foi publicada nos Estados Unidos (MOREIRA, 1989). Apple é um defensor da
escola pública e da constituição de uma educação democrática; esse posicionamento acaba
por refletir em suas discussões críticas em relação ao currículo e à educação, de modo a centrar
suas preocupações sobre as questões sociais, econômicas e culturais. Portanto, o autor
desenvolve uma crítica à perspectiva tradicional de currículo no sentido de questionar
especificamente a ideia de neutralidade do conhecimento e da efetivação de um ensino
eficiente.
Conforme Apple (2006), a relação construída pelos teóricos tradicionais entre o debate
educacional e as relações de eficiência e de habilidades técnicas relacionadas com a dinâmica
tecnicista da vida industrial e econômica, são representações hegemônicas e ideológicas17 que
tendem a despolitizar e transformar em problemas supostamente neutros as questões
relacionadas com as desigualdades sociais: as diferenças de classe, raça e gênero; pobreza;
direito à cidade e à moradia; entre outros temas condizentes com a dinâmica da vida em
sociedade. Em síntese, na perspectiva tradicional de currículo, a legitimação de conhecimentos
16
Para Althusser (1980, p. 43-44) as instituições que constituem os Aparelhos Ideológicos de Estado são:
“religioso (o sistema de diferentes igrejas); escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares);
familiar; jurídico; político (o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos); sindical; da informação
(imprensa, rádio, televisão, etc.); cultural (Letras, Belas Artes, desportos, etc.)”.
17
Em relação à ideologia, Apple (2006, p. 53) evidencia que as mesmas podem ser oriundas de, pelo menos, três
categorias: “(1) racionalizações ou justificações bastante específicas das atividades de grupos ocupacionais
particulares e identificáveis (ou seja, ideologias profissionais); (2) programas políticos e movimentos sociais mais
amplos; (3) visões de mundo e perspectivas abrangentes, ou o que Berger, Luckmann (1966) e outros chamaram
de universos simbólicos”.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
32
relacionados as desigualdades sociais não se apresentam como úteis para uma formação
educacional eficiente.
Apple (2006) identifica que as instituições de ensino operam também sobre uma
propriedade simbólica que é por elas preservada e distribuída. É a partir dessa propriedade
simbólica que o autor compreende como as instituições de ensino criam e recriam formas de
consciência relacionadas com os hábitos e costumes das classes dominantes sem que estas
apelem para mecanismos abertos de dominação, e isso ocorre a partir de ações hegemônicas.
18
Sociólogo britânico especializado em currículo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
33
vez que efetivam essa transmissão por meio de uma “tradição seletiva”19 de conhecimentos,
isto é, “[...] a maneira pela qual, de toda uma área possível do passado e do presente, somente
determinados significados e práticas são escolhidos para ênfase, enquanto outros
significados e práticas são negados e excluídos” (WILLIAMS apud APPLE, 2006, p. 39, grifo
nosso). É por meio dessa tradição seletiva que as instituições de ensino empreendem uma
“incorporação” cultural na formação dos indivíduos, processo do qual a cultura dominante
depende. Sobre isso, Apple destaca que:
[...] as questões que envolvem o conhecimento que é de fato ensinado nas escolas, que
envolvem o que é considerado como conhecimento socialmente legítimo, não são de
pouca significação para entendermos a posição cultural, econômica e política da
escola. Aqui, o ato fundamental envolve tornar problemáticas as formas de currículo
encontradas nas escolas, de maneira que seu conteúdo ideológico latente possa ser
desvelado (APPLE, 2006, p. 40).
A tradição seletiva efetiva-se a partir das ações empreendidas no interior das instituições
de ensino por meio dos diferentes agentes envolvidos com a construção curricular os quais
podem, na visão do autor, não perceberem o quanto suas ações os levam a atuar como veículos
para manifestação dos valores econômicos e sociais de grupos dominantes. Essa ausência de
percepção reforça o ideário de eficiência do ensino, sendo este responsável ainda por formar
indivíduos abstratos, ou seja, “seres ideais”, divorciados dos movimentos sociais mais amplos
que poderiam contribuir para a construção de valores, significados e visões individuais de
justiça, coerente com o contexto no qual cada um desses indivíduos está inserido. Ainda
segundo Apple (2006, p. 43): “esse procedimento recebe o apoio muito forte da noção de que
a pesquisa sobre currículos é uma “atividade científica neutra” que não nos liga aos outros de
maneira estruturalmente importante”.
A importância das pesquisas críticas sobre currículo reside em buscar estabelecer uma
relação mais íntima entre problemas sociais e ensino. Em contraste com as teorias
tradicionais, elas começam por questionar os pressupostos presentes nos arranjos sociais e
educacionais se apresentando como teorias de questionamento e não de aceitação (SILVA,
2009). Os teóricos críticos do currículo enxergam a necessidade de se efetivar um exame crítico
sobre a educação, no sentido de deixar a preocupação do “como educar” para se ater ao porquê
determinados aspectos da cultura coletiva são apresentados nas instituições de ensino como
conhecimentos objetivos e factuais (APPLE, 2006).
19
Conforme Williams (apud APPLE, 2006, p. 39), a tradição seletiva é: “aquela que, nos termos de uma cultura
efetivamente dominante, é sempre passado como “a tradição”, o passo significativo.”
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
34
O currículo é compreendido por Apple (2006) como sendo um conjunto de ações que
vão delinear todas as atitudes de uma instituição de ensino, cuja origem se dá na formulação do
currículo oficial – aquele que representa um projeto de educação que é explicitamente desejado
(SACRISTÁN, 2013) – e inclui a ação dos educadores em sala de aula, ou seja, o currículo
oculto20 – aquele que abrange atitudes e valores subliminarmente transmitidos aos discentes
por meio das relações sociais, da rotina da instituição de ensino, dos rituais e práticas adotadas
em sala de aula, pelas mensagens implícitas nas falas dos/as docentes, entre outros. Ainda
conforme o autor, numa análise crítica sobre o currículo oficial, é importante compreender
como este currículo legitima conhecimentos que representam as configurações ideológicas
dos interesses dominantes de uma sociedade (APPLE, 2006). Para tanto, faz-se necessária
uma investigação histórica de como as formas específicas do conhecimento curricular, tanto no
passado quanto no hoje, refletem essas configurações no currículo oficial, no caso, de onde vem
o conhecimento, de quem é o conhecimento, que grupos sociais ele apoia (APPLE, 2006). É a
partir do entendimento das raízes históricas que se pode entender as “funções” econômicas e
culturais que fazem uma instituição de ensino ser o que ela é no hoje.
Essa forma de entender o currículo evidenciada por Apple, como algo que não é
resultante apenas das dinâmicas internas, mas também como resultante de fatores externos às
instituições de ensino, parte de um elemento excepcionalmente importante que é a ideia de
relação, a qual o conduziu a realizar o que ele denominou de “análise relacional” (APPLE,
2006, p. 44). Segundo Apple, essa análise relacional poderá levar o educador e o pesquisador
interessados no currículo a entender as relações hegemônicas nele presente. Se esse exame for
tomado a sério, um conjunto de fatores pode ser explicitado de modo a impactar na constituição
de diferentes compromissos por parte das instituições de ensino no sentido de que uma
formação justa possa ser empreendida.
Para Apple (2006, p. 45, grifo nosso), uma sociedade só será justa quando esta puder,
“[...] tanto em termos de princípios quanto de ações, contribuir ao máximo para o benefício
daqueles que estão em situação de desvantagem”. No que se refere à preocupação central
desta tese, no caso, a legitimação do tema da HIS como conhecimento prioritário nos currículos
oficiais dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, particularmente no âmbito do
projeto de arquitetura, pode-se dizer que, a partir da perspectiva defendida por Apple, não se
20
Além desses dois tipos de currículo, Sacristán (2013) evidencia outros três: o currículo interpretado, o currículo
real e o currículo avaliado.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
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Diante do que foi exposto, destaca-se que, na perspectiva de Apple (2006), o currículo
não pode ser compreendido de modo descontextualizado e fora das relações de poder, visto que
o conhecimento posto no currículo é fruto dos interesses de grupos dominantes. Segundo Tomaz
Tadeu da Silva (2009, p. 49), Apple “[...] contribuiu, de forma importante, para politizar a
teorização sobre currículo” na medida em que busca reconhecer de quem é o conhecimento, a
quem ele pertence ou privilegia, quais grupos são prejudicados pelo modo como o currículo é
organizado, entre outros.
21
Ao longo deste trabalho será evidenciado que os ateliês voltados para o desenvolvimento de atividades de projeto
receberam distintas denominações. De 1930 até 1969, esses espaços recebiam a denominação de ateliês de
composição de arquitetura. Posteriormente, passaram a ser chamados de ateliês de planejamento e, a partir de
1994, assumem a denominação de ateliês de projeto.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
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Essa perspectiva ética ganha reforço no contexto atual devido ao fato de, nos últimos
anos, as universidades públicas brasileiras presenciarem uma mudança nos perfis de seus
discentes, em decorrência das políticas educacionais implementadas pelo governo brasileiro a
partir de 2012 que favoreceram um conjunto de jovens oriundos de escolas públicas, negros,
quilombolas, índios, deficientes físicos, dentre outros, a terem acesso ao ensino superior, como
foi o caso da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 (popularmente conhecida como Lei de
Cotas).
22
Além das teorias tradicionais e críticas do currículo, há pesquisadores que centram suas argumentações numa
perspectiva considerada pela literatura especializada como sendo pós-crítica do currículo. Nessa perspectiva, os
teóricos vão se preocupar em estabelecer conexões entre currículo e multiculturalismo, ou seja, irão questionar a
não abordagem de questões relacionadas com grupos considerados minoritários, étnicos-raciais, gênero etc.
Segundo Silva (2009, p. 17), a teoria pós-crítica do currículo vai se centrar em conceitos como: “identidade,
alteridade, diferença; subjetividade; significação e discurso; saber-poder; representação; cultura; gênero, raça,
etnia, sexualidade; multiculturalismo”.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
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país, como ponto inicial da capacitação técnica profissional para a atuação em assistência
técnica em HIS, especialmente no âmbito das atividades de projeto de arquitetura.
Assim sendo, o objetivo geral desta tese é investigar como o tema da habitação de
interesse social foi abordado nos currículos oficiais nacionais dos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo instituídos no Brasil entre os anos de 1962 até 2010.
pesquisa visa colaborar para o debate em torno do processo de formulação de currículos oficiais
nacionais para os cursos de arquitetura e urbanismo, do ensino do projeto de arquitetura voltado
para a produção de habitações de interesse social, assim como para o aperfeiçoamento do
referido ensino no país.
Por meio dessa coleta inicial, estabeleceu-se contato com fontes primárias específicas
sobre o objeto de estudo, tais como: Leis, Decretos, Portarias, Resoluções e Pareceres
relacionados com a educação superior e o ensino de arquitetura e urbanismo; revistas e jornais
da imprensa nacional, a exemplo da revista Arquitetura e Construção, Projeto e jornais
Arquiteto; e anais de seminários, congressos e encontros profissionais e acadêmicos sobre
habitação e ensino de arquitetura e urbanismo.
Salienta-se também que, no decorrer das análises, foram citadas experiências de ensino
sobre o tema da HIS efetivadas em alguns cursos de graduação em arquitetura e urbanismo por
meio do chamado “currículo não-oficial” (SILVA, 1998, p. 162) ou “currículo real”
(SACRISTÁN, 2013, p. 26). Foram apenas consideradas as experiências oficialmente
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
40
O resultado de toda pesquisa desenvolvida nesta tese foi estruturado em seis capítulos.
Além deste capítulo introdutório, no segundo capítulo, discute-se os aspectos terminológicos
e conceituais historicamente constituídos para identificar a habitação direcionada à população
de baixa renda, desde o Século XIX até 2018. No terceiro capítulo, referente ao período de
1930 até 1962, foram analisados os contextos e as ações empreendidas pelo governo brasileiro
em relação à organização do ensino superior no país e a produção de habitações direcionadas à
população de baixa renda que antecederam a institucionalização do “Currículo Mínimo” de
1962 para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo. Para tanto, foram considerados:
a ação do governo brasileiro na produção habitacional por meio dos Institutos de Aposentadoria
e Pensões e da Fundação da Casa Popular; as conclusões dos arquitetos acerca da produção de
habitações para a população de baixa renda e do ensino de arquitetura oficializadas nos
Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, no 1º Congresso de Habitação, no 1º e 4º Congresso
Brasileiro de Arquitetos, e no 1º Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de
Arquitetura; a reformulação curricular empreendida por Lucio Costa na Escola Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro; o processo de luta pela efetivação da autonomia dos cursos de
arquitetura e a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura. Ademais, analisa-se a
institucionalização e características do “Currículo Mínimo” de 1962 em relação ao
estabelecimento de uma formação profissional de arquitetos e urbanistas voltados também para
as demandas habitacionais da população de baixa renda.
principais fatos ocorridos no período compreendido entre os anos de 1963 a 1976, tais como:
as experiências habitacionais direcionadas para a população de baixa renda no período da
Ditatura Militar e as ações do governo sobre o ensino superior; as ações dos arquitetos no
âmbito da produção de HIS, com destaque para as experiências de Acácio Gil Borsoi na
Comunidade de Cajueiro Seco em Jaboatão, no Estado de Pernambuco, e Carlos Nelson
Ferreira dos Santos na favela Brás de Pina, no Rio de Janeiro; os debates ocorridos no Seminário
de Habitação e Reforma Urbana em 1963; as posições dos profissionais da arquitetura e
urbanismo diante dos rumos do ensino de arquitetura e urbanismo no país formalizadas no 7º
Congresso Brasileiro de Arquitetos, no X Congresso da União Internacional de Arquitetos e no
1º Encontro de Diretores de Escolas de Arquitetura do Brasil. Por fim, são analisadas as
características estruturais do “Currículo Mínimo” de 1969 e é evidenciado o primeiro incentivo
por parte do BNH para a inserção prioritária de estudos e pesquisas sobre projetos
arquitetônicos e urbanos voltados para a HIS no âmbito da graduação em arquitetura e
urbanismo por meio do “Convênio BNH”.
No sexto capítulo, que corresponde aos fatos ocorridos entre os anos de 1995 a 2018,
foram analisados o processo de institucionalização e as características das “Diretrizes
Curriculares Nacionais” (DCN) de 2006 e a reformulação desta em 2010. Para tanto,
analisaram-se as principais ações na esfera habitacional e educacional que influenciaram a
formulação e reformulação das DCN, tais como: os principais programas habitacionais
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
1 Introdução
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desenvolvidos para a população de baixa renda entre os anos de 1995 a 2018; o incentivo para
que profissionais e estudantes se envolvessem com a causa da HIS por meio do Prêmio CAIXA-
-IAB; a importância da Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008, para a formação dos
arquitetos e urbanistas; e as principais ações do governo brasileiro que contribuíram para a
democratização do ensino superior e expansão dos cursos de graduação em arquitetura e
urbanismo no país, com destaque para: a) o Programa Universidade para Todos, b) o Sistema
da Universidade Aberta do Brasil, c) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais. Finalmente, os Projetos Políticos-Pedagógicos dos
cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados pelas Universidades Federais do
Brasil foram analisados quanto às possibilidades de oficialização do tema da HIS.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
43
2.1 Século XIX: “Habitação Operária”, “Cortiços” e “Habitação das classes pobres”
É possível apreender nos trabalhos desenvolvidos por Bonduki (2014; 2017), que todas
essas modalidades de moradia se caracterizavam como sendo tipos de “habitação popular”,
termo que identifica a habitação construída para a população de baixa renda sem a participação
ou intervenção do governo brasileiro. Entretanto, em documentos oficiais do período, a
habitação destinada à população de baixa renda não era identificada como habitação popular, e
sim como “habitação operária” ou “cortiços”.
Quando as regiões mais pobres das cidades começaram a se tornar locais de propagação
de doenças em decorrência das condições insalubres e sanitárias das habitações, os agentes
públicos sanitaristas passaram a realizar inspeções nos diversos tipos de moradia de aluguel e
a constituir relatórios oficiais da situação encontrada. Uma dessas inspeções ocorreu no bairro
de Santa Ephigenia, em São Paulo, no ano de 1893, cujo relatório denominado “Relatório da
Commissão de Exame e Inspecção das Habitações Operarias e Cortiços no Districto de Sta.
Ephigenia”23, direcionado ao então Secretário de Negócios do Interior, o doutor Cesário Motta,
legitima a utilização dos dois termos, habitação operária e cortiços.
23
A íntegra do Relatório (texto final, fichas de coleta e plantas das habitações), juntamente com os artigos que
analisam os documentos produzidos por especialistas na história da saúde, do sanitarismo e da urbanização, podem
ser conferidos no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo, disponível
em:<http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/acervo/repositorio_digital/corticos_ephigenia>. Acesso em: 15 nov.
2017.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
45
Em uma cidade como esta [...] com tantos cortiços que em si recebem uma lotação
superior à que prescrevem os preceitos da ciência, é fácil prever que eles representam
um vulcão prompto a fazer erupção, logo que se apresentem condições favoráveis. E
não se pode duvidar que essas asquerosas residências devem ser extintas, por isso
que os factos demonstram que ellas representam uma sala de espera da morte
(ROLNIK, 1981, p. 55 apud CARPINTÉRO, 1997, p. 61, grifo nosso) 24.
Mas, como salientado por Bonduki (2017), nem sempre as características arquitetônicas
e habitacionais eram suficientes para orientar a classificação das habitações da população de
baixa renda. O autor evidenciou que algumas habitações operárias, em especial “as casinhas”
(um tipo de edificação independente, de frente para a rua), possuíam características
arquitetônicas semelhantes às casas existentes nas vilas operárias – tipo de alojamento
considerado ideal pelo poder público e pelos higienistas para a habitação operária –, no entanto,
na visão dos delegados sanitários, essas casinhas eram identificadas como “cortiços”, pelo fato
de serem ocupadas por trabalhadores mais pobres. Em suma, prevalecia uma posição
preconceituosa e discriminatória para com a população pobre sem emprego fixo.
Além do uso dos termos habitação operária e cortiços, no Código Sanitário do Estado
de São Paulo, instituído pelo Decreto nº 233, de 2 de março de 1894, a habitação ocupada pela
população de baixa renda foi identificada como sendo “habitação das classes pobres” (SÃO
PAULO, 1894, p. 6), termo que englobava os distintos tipos de moradias de aluguel constituídas
por produtores rentistas. Segundo o referido Código Sanitário, era proibida a construção de
novos cortiços e os já existentes deveriam ser extintos por meio da desativação ou demolição.
Ademais, foi recomendado que as novas habitações das classes pobres fossem edificadas fora
da aglomeração urbana, e que seus cômodos deveriam ser construídos de modo a respeitar as
dimensões mínimas recomendadas. Entre essas recomendações constava a especificação de que
os aposentos de dormir deveriam ter, no mínimo, 14 metros cúbicos livres para cada usuário.
Pode-se dizer que o Código Sanitário de São Paulo foi um dos primeiros instrumentos legais a
24
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original da citação.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
46
Até 1930, na ótica dos agentes sanitaristas e profissionais da área médica, a solução
adequada para a resolução do problema da habitação das classes pobres era a extinção desse
tipo de habitação do cenário urbano e a expulsão de seus usuários para regiões distantes das
áreas nobres, frequentadas por pessoas da classe média e alta da sociedade. Após Getúlio
Vargas assumir o comando do país em 1930, a situação da população sem emprego formal ou
desempregada não mudou muito, por outro lado, ao menos para a população com trabalho
formal de baixa renda, o problema habitacional passa a ser abordado sob outra perspectiva.
Diante das precárias condições de moradia e dos abusos nos aluguéis cometidos pelos
produtores rentistas, Getúlio Vargas, apoiado por entidades empresariais interessadas no plano
de desenvolvimento nacional, decide intervir por completo na produção e locação de habitações
para os trabalhadores pertencentes aos setores de média e baixa renda. Para tanto, duas frentes
de ação são constituídas: (1) estabelecimento de um aparato estatal forte com capacidade de
produzir e facilitar o financiamento de novas unidades habitacionais direcionadas para a
população com trabalho formal fixo; (2) e a constituição de um mecanismo de controle dos
abusos cometidos pelos produtores rentistas no mercado de locação, corporificada na
institucionalização da Lei do Inquilinato, de 1942, que beneficiou também os trabalhadores
informais.
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
47
Até que o governo brasileiro constituísse um aparato estatal voltado para a produção
habitacional, a partir de uma série de eventos ocorridos no cenário nacional e internacional,
buscou-se pensar um tipo de “habitação ideal” que possibilitasse ao trabalhador o descanso
físico e mental necessário para a renovação de sua força de trabalho e, ao mesmo tempo se
transformasse num produto capaz de disciplinar seus modos e costumes de vida, como
evidenciado por Bonduki (2017, p. 94, grifo nosso):
Além do uso de termos como habitação operária e habitação popular, com os eventos
profissionais supracitados, outros dois termos são constituídos para se referir à habitação
destinada à população de baixa renda, os quais rapidamente passam a fazer parte do linguajar
técnico dos profissionais envolvidos com a formação superior de arquitetos e engenheiros-
-arquitetos, aqueles que trabalhavam para máquina pública e os que estavam diretamente
envolvidos com a construção civil.
25
Além da Jornada da Habitação Econômica, o tema da habitação para o trabalhador fez-se presente em outras
iniciativas do IDORT, “[...] como a Jornada de Administração Municipal, a Jornada Contra o Desperdício, a
Jornada “O Brasil Após-Guerra”, a Jornada da Alimentação, a Jornada da Produção, a Jornada da Iluminação
Racional e as Campanhas de Segurança e Higiene do Trabalho e Racionalização da Técnica do Trabalho”
(CORREIA; ALMEIDA, 2013, p. 42).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
48
produção para torná-la acessível à maioria dos trabalhadores, havia ocorrido no II CIAM cujo
tema principal foi o Die Wohnung für das Existenzminimum (Habitação para o padrão mínimo
de vida ou “habitação mínima”), problema que se apresentava como prioritário na Europa
devido aos estragos ocorridos durante a 1ª Guerra Mundial.
Como consequência dos debates realizados nos CIAMs, ficou consolidada uma posição
dualista entre os principais arquitetos internacionais engajados com o movimento moderno
sobre como deveria ser a postura dos profissionais da área diante do problema habitacional e
do desenvolvimento de projetos direcionados à população operária. Havia aqueles que
primavam por uma ação social mais profunda dos arquitetos, compartilhando a ideia de que o
arquiteto devia ser um técnico a serviço da sociedade, engajado com o trabalho coletivo e com
a produção em série, a exemplo de Ernst May, Walter Gropius, Hannes Meyer e Karel Teiger;
e aqueles que enxergavam o arquiteto como um criador e defendiam uma sociedade liberal, a
exemplo de Le Corbusier, Ludwig Mies van de Rohe e Josep Lluís Sert (MONTANER; MUXÍ,
2014)26.
Essa visão dualista entre os arquitetos refletiu-se também nas defesas assumidas sobre
quais tipos de produção habitacional – vertical ou horizontal – deveria ser priorizada para a
população operária. Destaca-se nesse cenário as posturas de Le Corbusier e Walter Gropius, os
quais saíram em defesa da priorização da produção vertical de casas operárias, e Ernest May
em conjunto com outros membros, que saíram em defesa da produção de casas em baixa altura
(MUMFORD, 2007).
26
Ainda segundo Montaner e Muxí (2014, p. 46, grifo nosso), com o tempo, a posição do segundo grupo passou
a predominar, pois adequava-se melhor “[...] tanto à figura tradicional e elitista do arquiteto para o príncipe
como ao funcionamento do sistema capitalista”.
27
Termo oriundo do CIAM que, no Brasil, foi absorvido e debatido no meio acadêmico, mais precisamente, na
formação superior dos arquitetos a partir de 1931, como será comentado no Capítulo 3 desta tese.
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2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
49
28
Em relação à redução dos pés direitos, o engenheiro-arquiteto Alexandre Albuquerque (1931 apud
CARPINTÉRO, 1997) defendia que nas habitações econômicas a altura fosse reduzida de 4m, como era
recomendado pela legislação em São Paulo e no Rio de Janeiro, para o limite de 2,20m, pois isso iria reduzir os
custos das alvenarias e dos revestimentos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
50
usuário; o provimento de um banheiro interno e adequado arranjo urbanístico das casas sobre o
terreno.
29
Bonduki (2017) nomeia como “ideólogos da casa própria unifamiliar” os autores Armando Sinisgalli, Francisco
de Paula Ferreira e Hélio Arruda, que vão tecer comentários sobre os modos de morar em habitações coletivas e
apontar seus problemas para o desenvolvimento da família conservadora.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
51
Apesar de a habitação econômica ter sido abordada sob o ponto de vista social, técnico,
urbanístico, financeiro e econômico (CORREIA; ALMEIDA, 2013), os dois últimos aspectos
ocuparam posição de destaque nos debates e trabalhos apresentados na Jornada de Habitação
Econômica, mais precisamente relacionado a questões do barateamento construtivo e das
possibilidades de financiamento a juros baixos. Ademais, Correia e Almeida (2013, p. 44, grifo
nosso), afirmam que a ação do IDORT, ao promover a Jornada de Habitação Econômica, “[...]
contribuiu para a difusão dos termos “moradia econômica” e “habitação econômica” para
nomear a habitação das classes trabalhadoras”.
Foram esses aspectos que nortearam, as vezes mais, as vezes menos, as ações do
governo brasileiro no estabelecimento de uma política nacional de habitação. O caminho
encontrado por Getúlio Vargas para viabilizar a construção e o financiamento da casa própria
para a população de baixa renda foi criar um órgão que pudesse exercer, além de outras funções,
o papel de agente produtor de habitações que fossem compatíveis com os salários da classe
trabalhadora. Assim, em 1933, inspirado no funcionamento das Caixas de Aposentadorias e
Pensões, é instituído no país, os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) que passaram a
desempenhar “[...] papel fundamental na expansão do capitalismo e da industrialização do
Brasil [...]” (BONDUKI, 2017, p. 111).
De 1933 até 1938, o governo brasileiro criou seis IAPs divididos por categorias
profissionais, tais como: Instituto dos Marítimos (IAPM); Instituto dos Bancários (IAPB);
Instituto dos Comerciários (IAPC); Instituto dos Industriários (IAPI); Instituto dos Empregados
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
52
No trabalho desenvolvido por Bonduki (2017), apreende-se que o termo habitação social
está diretamente associado à população de baixa renda com emprego formal fixo, fato que
coaduna com a conjuntura política, social e econômica constituída por Getúlio Vargas que
priorizou ações no setor habitacional (financiamento ou construção direta) voltada para os
trabalhadores com emprego formal fixo. No caso da habitação precária ocupada e/ou
autoconstruída pela população não assalariada, marginalizada e excluída da proteção do
governo brasileiro, essa continuou sendo identificada pelo autor como habitação popular.
30
O plano imobiliário do IAPI foi organizado em três modalidades: Plano A: arrendamento [locação], ou venda
de habitações em conjuntos residenciais, adquiridos, ou construídos, por iniciativa do Instituto, com objetivo de
proporcionar aos associados moradia digna; Plano B: financiamentos para aquisição, ou construção, de habitações
por iniciativa dos associados, em terreno próprio; Plano C: empréstimos hipotecários diversas, feitas a qualquer
pessoa física ou jurídica (ARAVECHIA BOTAS, 2011; BONDUKI, 2014a, 2017).
31
Não foi possível estabelecer contato direto com a primeira edição do livro de Nabil Bonduki intitulado “Origens
da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria”. Nesta tese, foi
utilizado como fonte, a 7ª edição do referido livro, publicada pela Estação Liberdade em 2017.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
53
Ademais, faz-se oportuno ressaltar que, por ser um conceito relativamente recente, o
termo habitação social inexiste na produção bibliográfica especializada no tema da habitação
constituída no Brasil até o ano de 1998, e em algumas produções mais recentes. Ao longo desta
tese será possível evidenciar que alguns pesquisadores ou instituições relacionadas à área do
ensino em arquitetura32 comumente utilizam o termo habitação popular para se referir a
qualquer tipo de produção habitacional constituída para a população mais pobre, com ou sem
rendimentos financeiros, produzida ou não por meio de programas governamentais. Contudo,
esse termo, apesar de ter se popularizado entre os profissionais envolvidos com a questão da
habitação, foi evitado pela Ditadura Militar pós-1964 a ponto de ser substituído oficialmente
nas legislações habitacionais nacionais como será evidenciado no item subsequente.
A partir 1963, o presidente João Goulart buscou efetivar importantes reformas de base,
tais como a reforma agrária e educacional, e ampliar o voto aos analfabetos. Suas intenções
causaram reações opostas na sociedade brasileira: por um lado, os setores de esquerda, grupos
nacionalistas e líderes trabalhistas identificaram-se com as propostas e declararam apoio ao
presidente; por outro, tais intenções causaram incômodo às elites empresariais e militares
(COSTA, 2016). Os opositores passaram a conspirar contra o governo e, em 1º de abril de 1964,
o então presidente do Senado Federal Auro de Moura Andrade, decretou a vacância de João
Goulart da presidência e deu início ao período político ditatorial no país, que foi encabeçado
pelo Militar Humberto de Alencar Castello Branco.
32
BOLAFFI, 1976; MARICATO, 1987; BOLAFFI; CHERKEZIAN, 1985; ABEA, 1991; CAVALCANTE, 2006;
BASTOS; ZEIN, 2010.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
54
A partir do que foi estabelecido no Decreto-Lei nº 9.218/1946, por não ter sido
especificada uma renda mínima ou máxima, podia-se interpretar que qualquer pessoa, com ou
sem rendimentos fixos, poderia ser beneficiada com o financiamento habitacional. Devido às
distorções na interpretação do citado Decreto-Lei, o governo brasileiro, em 1951, decide
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
55
Todavia, a aquisição de financiamento junto a FCP por parte de famílias de classe média
só não ocorreu com maior volume devido ao fato de a habitação popular ter sido considerada
por esses grupos como sendo sinônimo de pobreza (AZEVEDO; ANDRADE, 2011), ou seja,
o referido termo carregava consigo um sentido pejorativo e preconceituoso. Diante desse
contexto, os envolvidos com a edição da lei que instituiu o BNH (Lei nº 4.380/1964), na
intenção de atrair a adesão da população de classe média ao novo programa habitacional,
decidiram mudar o termo de Habitação Popular para Habitação de Interesse Social e assim
eliminar com qualquer vestígio de preconceito ou sentido pejorativo associado ao produto
habitacional.
Com o passar dos anos, esse objetivo maior foi se concretizando, por conseguinte, houve
uma perda gradual do caráter social do programa habitacional e político (AZEVEDO;
ANDRADE, 2011) sem, contudo, ser desprezível a atuação do BNH na produção habitacional
direcionada à população de baixa renda33. Além disso, já na década de 1970, o BNH, em
33
Segundo dados apresentados por Azevedo e Andrade (2011, p. 72), só para o segmento de “mercado popular” –
específico para a população de baixa renda, ou seja, aqueles cuja renda variava de um até três salários mínimos
(posteriormente alterado para cinco salários mínimos) – o banco conseguiu financiar um total de 178.227 unidades
entre os anos de 1964 a 1969. Ainda segundo os autores, o referido fato “[...] pode ser explicado em parte pela
tentativa do novo regime de se legitimar junto às massas urbanas mobilizadas pelo populismo no início dos anos
60 [...], percebidos pelos novos donos do poder como focos potenciais de conflito” (AZEVEDO; ANDRADE,
2011, p. 71).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
56
Por fim, esse conceito de Habitação de Interesse Social, assimilado pelo setor da
construção civil, marcou, historicamente, “um novo patamar produtivo” de habitações
destinadas à população de baixa renda no Brasil (MARICATO, 1987, p. 16). Além disso,
salienta-se que as práticas construtivas efetivadas durante os vinte e dois anos de funcionamento
do BNH, serviu para desvirtuar toda a ideia de Habitação Econômica, Habitação Popular e
Habitação Social da década de 1930.
A Ditadura Militar no Brasil teve seu fim no ano de 1985, quando Tancredo Neves e
José Sarney, eleitos de modo indireto por um colégio eleitoral, são escolhidos para suceder o
último militar da história, o General João Batista Figueiredo (1979-1985). No entanto, Tancredo
Neves, devido a complicações de saúde as quais o levaram a morte, não conseguiu assumir a
presidência do país e, em seu lugar, assumiu José Sarney que, na medida do possível, seguiu
com o processo de abertura política do Brasil, iniciado com o estabelecimento das eleições
diretas para presidente, que só ocorreria em 1989. Destaca-se ainda, que no governo de José
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
57
Ao invés de buscar reestruturar a política habitacional por meio do BNH, José Sarney
decide extinguir o referido Banco no ano 1986 e incorporar suas funções à Caixa Econômica
Federal. A partir de então, a questão da habitação deixa de ser considerada uma atividade-fim
e passa a ser uma atividade-meio e setorial do novo agente responsável pelo SFH. A extinção
do BNH caracterizou o fim da política ditatorial de habitação e marcou o início de um novo
ciclo na história da produção habitacional brasileira.
Até o ano de 1995, pode-se dizer que houve uma certa ausência de rumos diretos para
os problemas habitacionais. A base de ação no setor direcionado à população de baixa renda
ocorre por meio dos chamados “programas alternativos” (SANTOS, 1999; AZEVEDO, 2007;
BONDUKI, 2014), com destaque para: o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais
(lançado em 1987), que objetivou a construção de 500 mil casas para a população com renda
inferior a três salários mínimos; Plano de Ação Imediata para Habitação (lançado em 1990),
cuja ação procedeu-se sob três vertentes: “programa de moradias populares”, “programa de
lotes urbanizados”, e “programa de ação municipal para habitação popular” (AZEVEDO, 2007,
p. 19); o Programa Habitar-Brasil (lançado em 1993); e os Programas Morar Melhor e Morar
Município (lançados em 1994).
centrais ou históricas, com a recuperação ou reforma de imóveis ociosos para fins residenciais.
O PAR funcionou até o ano de 2009, quando foi substituído pelo Programa Minha Casa, Minha
Vida (PMCMV).
Antes de comentar sobre o conceito de habitação adotado pelo PMCMV, é oportuno
explanar sobre algumas medidas postas em ação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(Lula), que esteve no comando do país por dois mandatos consecutivos, 2003-2006 e 2007-
2010. Uma das mais importantes ações do primeiro mandato de Lula foi a criação do Ministério
das Cidades, em 2003, que passou a ser o órgão responsável pela Política de Desenvolvimento
Urbano e, dentro dele, pela Política Setorial de Habitação.
Em 2009, o presidente Lula lança o Programa Minha Casa, Minha Vida com a meta
ousada de construir, logo no primeiro ano de funcionamento, um total de 1 milhão de
habitações. O PMCMV, em atividade até a finalização desta tese, seguindo a linha geral do
conceito de Habitação de Interesse Social posto no PNH, definiu que o programa iria atender
tanto a classe baixa (de zero a cinco salários mínimos) quanto a classe média (com renda acima
de cinco salários mínimos). A prioridade do PMCMV era de que a iniciativa privada (empresas
da construção civil), subsidiada pelo Governo Federal, priorizasse a produção de habitações
para a população com renda de até três salários mínimos (faixa 1). Mas, também, abriu margem
para que essas atuassem na produção de novas unidades habitacionais para as faixas de renda
de três a seis salários mínimos (faixa 2) e de seis a dez salários mínimos (faixa 3) (CAIXA,
2014).
Além do PMCMV facilitar o acesso à casa própria para pessoas físicas, é válido
evidenciar que, seguindo as recomendações do PNH sobre a implementação de linhas de
financiamento para “[...] cooperativas, associações autogestionárias, mutirões, sindicatos,
organizações não-governamentais e outros agentes populares, com recursos onerosos e não
onerosos” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004, p. 42), o governo brasileiro também instituiu,
em 2009, o programa Minha Casa, Minha Vida-Entidades, especificamente direcionado a esse
tipo de organização familiar. Essa modalidade instituída pelo governo brasileiro, além de
incentivar a prática da autoconstrução, também “[...] representa um dos mais ativos campos
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
2 A habitação para a população de baixa renda: aspectos terminológicos e conceituais
61
para atividade de assistência técnica no país e terreno fértil para implantação de tecnologias de
pré-fabricação leve e "apropriada"” (EKERMAN, 2018, p. 94, grifo autor).
Termo criado em 1995 por Nabil Bonduki (2017, p. 22) para identificar toda “[...]
habitação produzida e financiada por órgãos estatais destinada à população de
Habitação baixa renda”. No entanto, segundo o autor, esse termo não se limita apenas à
1995
Social habitação, seu sentido “[...] inclui também a regulamentação estatal da locação
habitacional e incorporação, como problema do Estado, da falta de infraestrutura
urbana gerada pelo loteamento privado” (Op. cit, 2017, p. 22).
Termo instituído pela Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964, que criou o Banco
Nacional de Habitação. No contexto da Ditadura Militar, ao menos na forma da
Entre referida Lei, a Habitação de Interesse Social era aquela produzida para atender aos
Habitação de
1964 a interesses da população de classe baixa – com renda mensal de um até cinco
Interesse Social
1985 salários mínimos – e classe média – com renda mínima de seis salários mínimos –
, produzida em série, com qualidade construtiva e adequada infraestrutura urbana.
Contudo, na prática, esse conceito acabou sendo desvirtuado.
Imagem 3.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1930 e 1962
Na história política do Brasil, o ano de 1930 marca o início da chamada “Era Vargas”,
período em que Getúlio Vargas34 esteve no comando do país por 15 anos ininterruptamente.
Após ter instituído o Governo Provisório35, Vargas põe em ação seu plano de desenvolvimento
para o país e passa a intervir em todos os aspectos econômicos, tendo iniciado pelo setor da
educação e, posteriormente, desenvolvido mecanismos de controle da produção habitacional
direcionada à classe trabalhadora de média e baixa renda.
Imbuído de novos ideais para o Brasil, Vargas cria o Ministério dos Negócios da
Educação e Saúde Pública36 com o objetivo de reformular todos os níveis do ensino público e
particular. Sob o comando do Ministro Francisco Campos, o novo Ministério põe em prática
suas primeiras realizações, isto é, foi por meio de uma série de decretos que a instituição
conseguiu realizar a reforma educacional conhecida como Reforma Francisco Campos. Num
único dia, o governo brasileiro publicou três importantes Decretos: (1) Decreto n° 19.850, de
11 de abril de 1931 – cria o Conselho Nacional de Educação; (2) Decreto n° 19.851, de 11 de
abril de 1931 – dispõe sobre a organização do Ensino Superior no Brasil e adota o Regime
Universitário; (3) Decreto n° 19.852, de 11 de abril de 1931 – dispõe sobre a organização da
Universidade do Rio de Janeiro. Foi a partir das ações de Francisco Campos que o ensino
secundário, técnico e superior começou a funcionar de modo organizado à base de um sistema
nacional.
34
Getúlio Vargas esteve no comando do Brasil durante dezenove anos, divididos em dois períodos, de 1930 até
1945, anos que compreendem a chamada “Era Vargas”, e de 1950 até 1954, período em que retorna ao governo
do país por meio do voto direto e fica até sua morte (WOLTER, 2016).
35
O Governo Provisório foi instituído por meio do Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, que conferiu a
Getúlio Vargas poderes para exercer “[...] discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições,
não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte,
estabeleça esta a reorganização constitucional do país” (BRASIL, 1930, p. 1).
36
O Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública foi instituído por meio do Decreto n° 19.402, de 14 de
novembro de 1930.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
67
No que tange ao ensino superior, o Decreto nº 19.851/1931, no artigo 5º, especifica que
a constituição de uma universidade deveria congregar, pelo menos, três dos seguintes institutos
de ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia
(também denominada de Escola Politécnica) e Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Como
é possível observar, entre os institutos de ensino superior listados não consta a indicação de
Escolas ou Faculdades de Arquitetura como uma das instituições fundamentais para a
constituição de uma universidade. Um dos motivos dessa ausência se deve ao fato de, naquele
período, o curso de arquitetura não ser reconhecido nacionalmente como um curso autônomo
e, portanto, em um instituto próprio de ensino superior.
Até 1945 a maioria dos cursos de arquitetura ofertados no país eram vinculados às
Escolas de Belas Artes ou às Escolas Politécnicas, entretanto, o fato desta última ter sido citada
no Decreto nº 19.851/1931, não significava dizer que o curso de arquitetura era considerado
importante numa estrutura universitária. Comparada às Escolas de Belas Artes37, não citada no
referido Decreto, que tradicionalmente ofertavam cursos de arquitetura, estes nem sempre eram
ministrados nas Escolas de Engenharia ou Politécnicas. No caso da Escola Politécnica da
Universidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a arquitetura foi apenas inserida como disciplina
do curso de Engenharia Civil (BRASIL, 1931), já na Escola Politécnica de São Paulo, segundo
Sylvia Ficher (2005, p. 26), até junho de 1931, “[...] a arquitetura veio a ser estudada como uma
das especialidades da engenharia”, nesse caso, os alunos que optassem pela especialidade
arquitetura, saíam do curso com o título de engenheiros-arquitetos, habilitados a projetar e
construir edifícios.
É valido salientar que em 5 de agosto de 1930 havia sido criado o primeiro curso de
arquitetura desvinculado das escolas de Belas Artes e Politécnicas, ministrado na Escola de
37
A tradição do curso de arquitetura vinculado às Escolas de Belas Artes no Brasil data de 1826, quando foi
inaugurada a Imperial Academia de Belas-Artes, moldada segundo os padrões Beaux-Arts (SCHLEE et al., 2010).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
68
Apesar de as Escolas de Belas Artes não terem sido contempladas na lista dos institutos
de ensino superior enunciados pelo Decreto nº 19.851/1931, no caso específico da Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, esta não deixou de fazer parte das reformulações do
ensino superior incentivada por Getúlio Vargas. Movido pelo ideal de que o país devia
38
Em 1919, Walter Gropius lançou a Proclamação da Bauhaus com a seguinte afirmação: “vamos criar uma guilda
de artesãos, sem as distinções de classe que levantam uma barreira arrogante entre artesão e artista. Juntos, vamos
conceber e criar a nova construção do futuro, que abraçará a arquitetura, a escultura e a pintura em uma unidade e
que um dia se elevará para o céu a partir das mãos de um milhão de trabalhadores, como o símbolo cristalino de
uma nova fé” (BAYER; GROPIUS; GROPIUS, 1938, p. 18, tradução nossa).
39
A EABH foi reconhecida pelo Governo Federal apenas no dia 19 de dezembro de 1944. A partir de então, seus
diplomas passam a ser aceitos em todo o território nacional (OLIVEIRA; PERPÉTUO, 2005b).
40
O Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933, regula o exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto
e de agrimensor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
69
fortalecer o ensino tecnicista, Vargas nomeia o arquiteto Lucio Costa para a direção da ENBA
com o intuito de reformular toda estrutura curricular da instituição. Segundo Lucio Costa (1982,
p. 8), da noite para o dia, ele se viu “[...] diante da tarefa de reorganizar o ensino das chamadas
Belas-Artes no país”. Mas, apesar da surpresa, o arquiteto não recuou da nomeação e,
objetivando transformar a formação dos futuros arquitetos e artistas da escola, buscou reorientar
todo o ensino conforme relatou:
Foi a única razão que me levou a aceitar o convite para diretor da Escola de Belas-
-Artes: evitar que os nossos escultores e pintores, continuassem imobilizados no seu
modo de pensar e de ver; evitar que os 450 futuros arquitetos que estudam na Escola,
sofressem as consequências da má orientação que tive, fazer desses 450 rapazes,
verdadeiros arquitetos (COSTA, 1987, p. 50).
41
Lucio Costa esteve na direção da ENBA por aproximadamente 9 meses, de 12 dezembro de 1930 até 10 setembro
de 1931 (SANTOS, 1987).
42
Gregori Warchavchik defendia que o arquiteto moderno devia projetar suas obras sem ter que, intencionalmente,
pensar num estilo ou copiar os velhos estilos, comumente ensinado na ENBA. Contudo, ao se posicionar como
defensor da produção de uma arquitetura racional, baseada numa lógica que se opunha à conduta de imitar um
estilo passado, Warchavchik tinha consciência de que sua postura pudesse encontrar “[...] uma posição encarniçada
por parte dos adeptos da rotina” (WARCHAVCHIK, 1987, p. 25).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
70
representação brasileira. Ao passar dos anos, a cada novo congresso, novos aspectos foram
sendo incorporados ao debate sobre a habitação sem a perda da harmonia com as conclusões
firmadas nas edições anteriores. Ao mesmo tempo em que os arquitetos debatiam sobre o
problema habitacional, paralelamente, discutiam aspectos condizentes ao ensino de arquitetura
de modo a constituir uma “padronização” geral no continente americano, sem perder de vista
as características regionais. Dentre todos os congressos ocorridos, destaca-se como relevante
para esta tese as conclusões obtidas na 4º edição, realizada em 1930 na cidade do Rio de Janeiro,
meses antes de Getúlio Vargas assumir a presidência do país. Entretanto, como já salientado,
essas conclusões em relação à habitação e ao ensino de arquitetura mantêm estreita afinidade
com os debates das edições passadas, sendo assim importante destacar as principais conclusões
das 1ª, 2ª e 3ª edições.
Dessa forma, o problema habitacional enfrentado pela população de baixa renda, apesar
de sua importância, parecia ser entendido como uma atividade específica do arquiteto vinculado
à vida profissional, portanto, distante da vida acadêmica, ou seja, no lugar do ensino de
arquitetura ser essencialmente direcionado às questões relacionadas aos problemas sociais, em
especial, os vividos pela população de baixa renda, os congressistas se portaram como
defensores da formação de um profissional fundamentalmente artista e criador. Essa
recomendação teve repercussão no ensino da ENBA, sendo defendida pelo então diretor da
instituição José Marianno Filho que, embasado nesse espírito artístico, no 4º CPA “[...] fez
surgir a discussão sobre a necessidade de se proibirem cursos de Arquitetura dentro de Escolas
Politécnicas” (ATIQUE, 2007, p. 66), não só por conta do curso ser comumente ministrado
como uma especialidade da engenharia, mas, sobretudo, pelo fato de o ensino de arquitetura
fundamentar-se em princípios menos artísticos.
Nessa quarta edição, o debate sobre a habitação direcionada à população de baixa renda
esteve presente na sessão temática intitulada “Solução Econômica do Problema Residencial”,
que também acabou sendo abordado na sessão temática referente à “Arranha-céu e sua
conveniência sob os vários aspectos higiênico, econômico, social e estético” (ARQUITETURA
E URBANISMO, 1940, p. 81-82).
De um modo geral, o debate sobre a habitação ficou centrado nos aspectos econômicos
coadunando com as conclusões do 3º CPA. Só que, na 4º edição, a problematização foi mais
enfática em relação à constituição de habitações coletivas como uma forma de enxugar os custos
e encargos econômicos da produção. Além disso, na visão dos congressistas, esse tipo de
partido arquitetônico traria menos impactos para o meio urbano quando comparado à produção
horizontal de casas, ou seja, a habitação vertical para a população de baixa renda ocuparia
menos área urbana. Assim sendo, os arquitetos concluíram:
Apesar de o debate habitacional ter sido mais enfático sobre a questão da verticalização,
é válido salientar que os arquitetos recomendaram ainda que as produções de habitação para a
população de baixa renda deveriam ser “[...] encaradas sob o aspécto de Assistencia Social e
não como beneficiencia” (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 82). Em resumo, as
habitações não deveriam ser doadas pelos governos dos países, ao invés disso, deveriam ser
criadas formas de viabilizar a compra da casa própria ou disponibilizá-la para aluguel. A partir
dessa recomendação, observa-se que, apesar do debate sobre o problema habitacional está sendo
inserido no universo da arquitetura, existia ainda uma postura excludente, que não considerava
a situação das famílias sem rendimentos financeiros suficientes para arcar com os custos do
financiamento habitacional ou do aluguel. Famílias essas que dependiam da beneficência dos
governos.
43
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original em todas as citações diretas da Revista Architectura e
Construcções.
44
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original em todas as citações diretas da Revista Arquitetura e
Urbanismo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
73
Ao que tudo indica os debates ocorridos nas sessões “Solução Econômica do Problema
Residencial” e “Arranha-céu e sua conveniência sob os vários aspectos higiênico, econômico,
social e estético”, não se mantiveram em sintonia com os efetivados na sessão “O Ensino de
Arquitetura”, visto que em nenhuma das conclusões desta há evidências de que o problema
habitacional vivido pela população de baixa renda devia se constituir em tema fundamental no
ensino de arquitetura, nem que soluções sobre a constituição de habitações verticais para essa
população fossem debatidas no ensino de Composição Arquitetônica. A posição dos arquitetos
do 4º CPA, especificamente os envolvidos com a sessão sobre “O Ensino de Arquitetura”,
muito se assemelha com as posturas dos participantes do 2º CPA, no sentido de não haver,
diretamente, uma compatibilidade entre as recomendações para o enfrentamento do problema
habitacional da população de baixa renda e a formação profissional dos futuros arquitetos.
Por outro lado, observa-se que na segunda conclusão, os arquitetos evidenciaram uma
preocupação em relação à constituição de novos bairros nas cidades, a ponto de ter sido
recomendada a importância da inclusão do ensino de urbanismo nos cursos de arquitetura.
Assim, com base nas conclusões aludidas, interpreta-se que, no ensino de arquitetura, o debate
sobre as questões relacionadas ao problema habitacional (com enfoque teórico e urbanístico)
enfrentado pela população de baixa renda, naquele período, poderia se efetivar por meio do
ensino de Urbanismo45 e não como objeto de estudo do ensino da Composição Arquitetônica,
ainda arraigado a grandes composições e obras de maior apelo estético.
45
Estabelecendo uma ponte de ligação entre as conclusões apresentadas e à realidade brasileira, a inserção do tema
da habitação para a população de baixa renda no ensino de urbanismo, mesmo que pelo viés teórico e não projetual,
encontraria fundamento no próprio contexto de desenvolvimento urbano do país, caracterizado: pelo contínuo
movimento migratório campo-cidade de muitos trabalhadores em busca de oportunidades nas grandes cidades;
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3 O Currículo Mínimo de 1962
74
Apesar da constituição de uma sessão temática própria para o debate sobre o ensino de
arquitetura, as conclusões de outra sessão intitulada “Regionalismo ou internacionalismo na
arquitetura contemporânea? orientação espiritual na arquitetura na américa”, também fazia
referência à formação dos arquitetos do continente americano. Nessa sessão, os congressistas
concluíram que nas escolas de arquitetura deveria ser criada “[...] uma cadeira de Artes
Decorativas da Arquitetura, especialmente destinada ao aproveitamento e estilização dos
elementos da flora e fauna nacionais [...]” (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 81,
grifo nosso). Além dessa, outra cadeira considerada especial deveria ser constituída “[...] para
o estudo da arte nacional, que [teria] por fim coordenar as tendências e a evolução da arte de
cada país” (ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p. 81). Transparece nessas conclusões
que o problema habitacional enfrentado pela população de baixa renda era considerado de
menor importância ou não considerado como fundamental para a formação profissional dos
arquitetos do continente americano.
Entre o ano de sua primeira edição, em 1920, e o da quinta reunião, ocorrida em 1940,
os eventos não só gozaram de grande notoriedade, como eram os principais fóruns de
debates dos arquitetos no continente americano, antecipando, em certo sentido, e
encontrando, muitas vezes, mais prestígio do que os contemporâneos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAMs, por exemplo (ATIQUE, 2007, p.
48).
pela autoprodução habitacional por parte dos migrantes em locais distantes dos centros urbanos, que acabaram se
constituindo em novos bairros; pela produção de grandes vilas operárias ao redor das fábricas, dentre outras.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
75
urbanos, o que incluía obras de saneamento, distribuição de água e coleta de esgoto; (3) por
meio da criação de legislação de uso e controle do solo, na qual foram estabelecidas regras de
construção, dimensão, tipo e localização das habitações das classes pobres (BONDUKI, 2017).
[...] lutar contra as favellas e os ‘cabeças de porcos’, é batalhar pela elevação da moral
e pela melhoria ‘physica da raça’ (MENDONÇA, 1931 apud CARPINTÉRO, 1997,
p. 108).
Basta visitar as favellas e “cabeças de porco” da Capital Federal para deste flagelo
ter-se uma nítida idéia. É nellas, pode-se dizer que tem início todas as misérias moraes
e materiaes e todos os vícios. Nellas medram a tuberculose, o alcoolismo, é ainda ahi
que se desenvolvem os baixos instinctos. [...] As moças, neste ambiente perdem a
noção do pudor, e da dignidade. Em resumo, as favellas e as cabeças de porco são
as causas directas da desorganização operária; são um empecilho absoluto ao
reerguimento physico e moral da classe operária. Devem ellas ser arrasadas. É
uma questão de legislação e de tempo [...] (MENDONÇA, 1931 apud
ALBUQUERQUE, 2006, p. 33-34, grifo nosso)46.
46
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
77
7). Segundo Zaluar e Alvito (2006), essas características contribuíram para que uma imagem
negativa fosse constituída sobre o favelado a ponto de este ter sido tomado como bode
expiatório dos problemas das cidades.
A legenda superior informa: “A Higiene vai limpar o Morro da Favella, do lado da Estrada de Ferro Central. Para isso, intimou
os moradores a mudarem-se em 10 dias”.
Fonte: O MALHO, 1907, p. 20.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
78
Essa preocupação esteve presente no trabalho do arquiteto Bruno Simões Magro, para
o qual a habitação operária deveria ser pequena a fim de que o valor do aluguel fosse baixo e
não sacrificasse o orçamento familiar (CARPINTÉRO, 1997; BRUNA, 2015). Ao evidenciar
sua preocupação com os aspectos de salubridade, defendeu também que as habitações operárias
deveriam ser munidas com abastecimento de água, esgoto e um banheiro interno, mesmo
reconhecendo que sua supressão – como defendida por outros colegas – “[...] poderia diminuir
um pouco o custo da construção” (MAGRO, 1931 apud BRUNA, 2015, p. 130).
Vale salientar que a visão de Bruno Simões Magro frente ao problema da habitação
operária, assim como de muitos participantes do 1º Congresso de Habitação, foi também
influenciada pelos debates ocorridos no I e II Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
(CIAM). No entanto, a ideia de habitação mínima preconizada nesses eventos e absorvida por
Magro, foi adaptada à realidade brasileira e às questões higiênicas, consideradas ainda um
problema sério para as autoridades e delegados sanitaristas do país. Nos projetos expostos pelo
citado arquiteto, as “habitações mínimas” do tipo casa térrea – cujo programa era composto por
sala, cozinha, banheiro e dois quartos – possuíam áreas úteis de 33,57m², 40,62m² e 51,35m²
(BRUNA, 2015). Essas dimensões diferenciavam-se e muito das “habitações mínimas”
modernas propostas por Le Corbusier, as quais tinham uma área era de 200m², e por Catherine
Beecher47, cuja casa mínima estava próxima dos 110m² (RYBCZYNSKI, 1996).
Fundamentado nas ideias defendidas por Ernest May nos CIAMs, Magro se portou
como crítico ferrenho da produção seriada de habitações econômicas do tipo vertical, indo de
encontro ao recomendado no 4º Congresso Pan-Americano de Arquitetos. Compactuava desse
47
Catherine Beecher em conjunto com Christine Frederick e Lilia Gilbreth se autodenominavam como engenheiras
domésticas (RYBCZYNSKI, 1996).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
79
mesmo posicionamento crítico o engenheiro Marcelo Taylor Carneiro Mendonça que chegou a
afirmar que:
[...] As habitações collectivas exigem uma certa educação hygienica, harmonia entre
seus moradores, o hábito da limpeza e d’uma conservação systemática da casa, coisa
que difficilmente se obtém entre pessoas ainda mal iniciadas na vida moderna e
que só se poderá conseguir depois de um certo grao de civilização.
Em paizes onde os preceitos de hygiene são postos em prática, onde a ordem e a
disciplina são innatas, onde o povo é educado e respeitador das leis, e sobretudo, onde
o analfabetismo é quase nullo, têm-se feito várias tentativas para adoptar este genero
de habitação. Isto, no entanto, tem-se feito para pequenos funccionarios, para os
empregados d’uma certa categoria e nunca para o operário (MENDONÇA, 1931
apud CARPINTÉRO, 1997, p. 131, grifo nosso)48.
48
Optou-se nesta tese por manter a ortografia original.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
80
Lucio Costa, quatro meses após a sua nomeação, reformulou o currículo oficial da
ENBA que foi instituído pelo Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931. Neste currículo, foram
listadas todas as disciplinas que constituía o curso de arquitetura e suas descrições quanto aos
conteúdos/temas a serem ensinados. Ao analisar, comparativamente, esse novo currículo com
o antigo, vigente na gestão de José Marianno Filho, observa-se que, apesar do novo diretor ter
optado por agrupar duas ou mais disciplinas numa única, a quantidade total não foi
expressivamente alterada. Enquanto o antigo currículo possuía um total de 24 disciplinas, o
novo currículo oficial passou a ter 27, como pode ser conferido no Quadro 3.1.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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Quadro 3.1 - O currículo oficial da ENBA na gestão de José Marianno Filho e Lucio Costa
49
Técnica para corte de materiais de construção.
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A mudança curricular instituída por Lucio Costa ocorre com o objetivo de incorporar na
formação dos futuros arquitetos o movimento moderno, ou melhor, a arquitetura moderna. Esse
novo currículo estabelece relação com o plano de formação de arquitetos50 desenvolvido por
Walter Gropius para a Bauhaus, detalhado no livro “Bauhaus: novarquitetura”. No entanto, ao
considerar a importância dada ao debate acerca do problema habitacional vivenciado pela
população de baixa renda e operária, ocorrida nos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos,
observa-se que, em termos oficiais, no novo currículo da ENBA não consta nenhuma disciplina
específica direcionada para o estudo sobre o tema da habitação mínima, econômica ou popular.
50
O plano de formação de arquitetos desenvolvido por Walter Gropius foi estruturado em duas partes, sendo uma
voltada para o fundamento educacional geral e outra relacionada à estrutura curricular. A estrutura curricular foi
subdividida em doze partes que, resumidamente, organizava o ensino a partir de conhecimentos que estimulassem
a criatividade e as habilidades manuais de desenho do futuro profissional; o estímulo à percepção visual; o estudo
analítico da história da arte e da arquitetura; bem como a implementação de um ensino pautado na experiência
prática do docente e no estabelecimento, o máximo possível, do contato direto do aluno com a experiência prática
real. Para maiores detalhes sobre o referido plano, aconselha-se a leitura do livro “Bauhaus: novarquitetura”
(GROPIUS, 2004).
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uma preparação transitória voltada para o estudo analítico dos exemplos arquitetônicos
clássicos e obras de grande composição de arquitetura até a evolução ao grau máximo, sendo
coroado por projetos de caráter monumental. Logo, interpreta-se que, oficialmente, nas
disciplinas de Composição de Arquitetura não havia espaço para o estudo e desenvolvimento
de projetos voltados para as demandas da população de baixa renda.
Fonte: elaborado pelo autor com base no Decreto nº 19.852, de 11 de abril de 1931.
O que transparece na postura assumida pelo diretor da ENBA é que, embora ele tivesse
adquirido autonomia, por parte do Governo Federal, para poder reformular por completo o
ensino da instituição e buscado inserir a arquitetura moderna, suas perspectivas não foram
suficientes para romper com a tradição cultural da escola. Nesse sentido, a legitimação no
currículo oficial da ENBA do estudo sobre a habitação direcionada para a população de baixa
renda, fosse a partir da constituição de uma disciplina específica ou como conteúdo nas
disciplinas de “Composição de Arquitetura” e de “Urbanismo”, aparentemente, representaria
uma ruptura radical com a tradição seletiva de conhecimentos da instituição, sobretudo naquele
contexto político, econômico, cultural e social do país e da própria doutrina “higienista” da
arquitetura.
De modo geral, o currículo oficial reformulado por Lucio Costa ainda continha traços
das influências do currículo humanista referenciado por Silva (2009). Esse modelo era herdeiro
do currículo das chamadas “artes liberais” que se estabeleceu no ensino universitário da Idade
Média e do Renascimento. Conforme Silva (2009, p. 26), o objetivo fundamental do currículo
humanista era “[...] introduzir os estudantes ao repertório das grandes obras literárias e artísticas
das heranças clássicas grega e latina [...]”. No caso da ENBA, os estudantes eram conduzidos
a se familiarizar com o repertório das “grandes composições de arquitetura” e “obras de caráter
monumental” e ainda, ao finalizar o curso, tinham que ser submetidos a um concurso final que
se caracterizava pela elaboração de “[...] um projeto completo, de caráter monumental, com
os respectivos cálculos, detalhes e memória, o qual [seria] defendido perante uma comissão
composta do diretor e dos professores das cadeiras de; arquitetura e construção” (BRASIL,
1931, p. 36, grifo nosso).
Na ausência de um currículo oficial que legitime aspectos da vida social daqueles que
não possuem condições mínimas de habitabilidade, resta ao docente de uma determinada
instituição/disciplina pôr em prática suas próprias interpretações e definir o que será debatido e
ensinado em sala de aula. Reside, neste caso, um problema, pois a depender das intepretações
adotadas, determinados conhecimentos podem não ser abordados ou não serem trabalhados
adequadamente, afinal, como bem salientou Elvan Silva (1998, p. 163) “esta interpretação é,
quase sempre, um exercício ideológico [...]”.
A vinculação majoritária dos cursos de arquitetura a dois tipos distintos de escola, Belas
Artes ou Politécnicas, contribuiu para que no mercado de trabalho não houvesse uma distinção
clara sobre quais atividades deveriam ser exercidas entre os arquitetos, engenheiros-arquitetos
e engenheiros. Essa situação fez com que os arquitetos passassem a cobrar do Sindicado
Nacional de Engenharia, o estabelecimento de uma conduta de acompanhamento e fiscalização
da atuação dos profissionais das distintas áreas. Como consequência, o referido sindicato
apresenta, em 1932, ao então Ministro do Trabalho, Pedro Salgado Filho, um anteprojeto de lei
para regulamentação do exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor, tendo
este sido promulgado por Getúlio Vargas através do Decreto nº 23.569, de 11 de dezembro de
1933.
51
Os Institutos de Aposentadorias e Pensões eram divididos em distintas categorias de trabalho como evidenciado
no Capítulo 2 desta tese.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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Contudo, destaca-se que a produção habitacional dos IAPs não contemplava os que mais
necessitavam de habitação, ou seja, os trabalhadores informais, aqueles que não possuíam
carteira assinada, os desempregados e os trabalhadores da zona rural (BONDUKI, 2014a).
52
Até 1942, quando é instituída a Lei do Inquilinato (Decreto-Lei nº 4.598, de 20 de agosto de 1942), restava à
população brasileira com emprego informal ou desempregada adquirir condições próprias para arcar com os custos
de uma casa de aluguel, produzida pela iniciativa privada, ou auto empreender sua casa própria em áreas sem
infraestrutura urbana, como favelas ou loteamentos nas periferias das principais cidades brasileiras.
53
Com destaque para: Carlos Frederico Ferreira (autor do primeiro bloco habitacional moderno do Conjunto do
Realengo no Rio de Janeiro - IAPI), Paulo Antunes Ribeiro (autor do Conjunto Residencial da Mooca em São
Paulo, de 1946 - IAPI), Attilio Correia Lima (autor do Conjunto Residencial Várzea do Carmo em São Paulo de
1942 - IAPI), Eduardo Knesse de Melo (autor do Conjunto Residencial Rua Japurá em São Paulo de 1947 – IAPI),
Flávio Marinho Rego (autor do Conjunto Residencial em Deodoro no Rio de Janeiro de 1953 – FCP), entre tantos
outros, que marcaram a história da habitação social no Brasil.
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3 O Currículo Mínimo de 1962
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em cada bairro núcleos residenciais populares; aparentemente, eles entendiam ser fundamental
que os futuros usuários das casas populares tivessem a oportunidade de conviver com outros
estratos sociais, não sendo viável suas segregações.
A FNA54 foi instituída por meio do Decreto-Lei nº 7.918, de 31 de agosto de 1945, com
o propósito de ministrar o ensino de arquitetura e de urbanismo (BRASIL, 1945). Com isso, a
referida Faculdade torna-se a primeira instituição de ensino, nacionalmente reconhecida pelo
Governo Federal, a ministrar dois cursos distintos, sendo um de arquitetura – com duração de
5 anos e acessível aos portadores do certificado de licença clássica ou de licença científica (atual
ensino médio) – e outro de urbanismo – um curso seriado com duração de 2 anos, acessível aos
portadores do diploma de arquiteto ou de engenheiro civil. Essa configuração se correlacionava
com as recomendações e desejos dos arquitetos participantes do 1º CBA, mas, ao invés do curso
de urbanismo ter sido inserido como um curso básico de extensão, ele se tornou um curso de
especialização.
54
A Faculdade Nacional de Arquitetura estava vinculada à Universidade do Brasil, antiga Universidade do Rio de
Janeiro. No dia 5 de julho de 1937, Getúlio Vargas assina a Lei nº 452 que determinava como a Universidade do
Brasil deveria ser organizada. Na referida Lei, constava que a Universidade seria composta por 7 Faculdades e 8
Escolas Nacionais, das quais faziam parte a Escola Nacional de Arquitetura e a Escola Nacional de Belas Artes,
como se ambas fossem instituições distintas. Entretanto, conforme o parágrafo único do artigo 40 da Lei nº
452/1937, até que a Escola Nacional de Arquitetura fosse organizada, o curso relativo a ela seria ministrado na
ENBA. Essa organização só ocorreu em 31 de agosto de 1945 por meio do Decreto-Lei nº 7.918, quando o governo
decidiu mudar o nome da Escola Nacional de Arquitetura para Faculdade Nacional de Arquitetura e assim legitimar
a autonomia do curso.
55
Destaca-se, por exemplo, que após a publicação do Decreto-Lei nº 7.918, de 31 de agosto de 1945, a EABH
criou, em 1950, o curso de especialização em urbanismo aos moldes da FNA, com o objetivo de formar “[...]
especialistas na moderna e complexa ciência do urbanismo, aperfeiçoando os conhecimentos dos portadores de
diploma de arquiteto, engenheiro arquiteto e engenheiro civil” (ESPECIALISTAS, 1950 apud OLIVEIRA;
PERPÉTUO, 2005b, p. 5).
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social através das unidades de habitação” (SANTOS, 1954, p. 4), seus colegas docentes, agora
membros da FNA, haviam travado uma “guerra” contra seus ideais e conseguido o afastamento
de Lucio Costa e dos novos professores por ele convidados. Assim, salienta-se que a prática de
sala de aula guiada apenas por um currículo não-oficial, sem relação com o currículo oficial –
apesar de sua importância – perde credibilidade e solidez, pois, no caso da FNA, não havia
garantia alguma de que seus professores fossem continuar a propagar as ideias de Lucio Costa,
por conseguinte, inserir o tema da habitação econômica, mínima, social ou popular na formação
dos futuros arquitetos e urbanistas.
Com a criação da FNA e com seu currículo oficial servindo de padrão para todo o
território nacional, “[...] num sistema rigidamente centralizador e autoritário” (GRAEFF, 1995,
p. 44), o estrato social priorizado oficialmente pelo ensino de arquitetura continuou sendo a
minoria detentora dos maiores rendimentos financeiros da sociedade brasileira. Destaca-se
também que, comparativamente, o currículo oficial da ENBA reformulado por Lucio Costa e o
currículo da FNA não diferem substancialmente. Pode-se verificar no Quadro 3.3 que a essência
das disciplinas do curso de arquitetura da ENBA, mesmo com desdobramentos e junções, foi
preservada após 14 anos.
(conclusão)
Áreas de
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945)
conhecimentos
Geometria Descritiva - Aplicação às Geometria Descritiva
Sombras – Perspectiva - Estereotomia Sombras, Perspectiva e Estereotomia
Estilo
Representação
Modelagem (2 partes) Desenho Artístico
Gráfica
Desenho (2 partes)
Artes Aplicadas - Tecnológica e
Composição Decorativa
Composição Decorativa (2 partes)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura
(grau mínimo) (parte 1)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura
(grau médio) (parte 2)
Projeto Composição de Arquitetura Grandes Composições de Arquitetura
(grau máximo) (parte 1)
Grandes Composições de Arquitetura
-
(parte 2)
Urbanismo Urbanismo e Arquitetura Paisagista
Fonte: elaborado pelo autor com base em Brasil (1931) e ABEA (1977a).
No novo currículo da FNA, constata-se que novas disciplinas foram criadas em relação
ao currículo da ENBA, tais como: Arquitetura do Brasil, Mecânica Racional, Concreto Armado
e Grandes Composições de Arquitetura. Conforme Sanches (2005), algumas disciplinas como,
Desenho Artístico, Composição Decorativa, Modelagem, História da Arte e Estética,
Geometria Descritiva, Perspectiva e Sombras, foram reformuladas, e as demais permaneceram
inalteradas.
particulares de docentes que julgariam ser ou não viável a capacitação dos futuros arquitetos
para o atendimento das demandas da população de baixa renda nas cadeiras de “Composição
de Arquitetura” ou “Urbanismo e Arquitetura Paisagística”.
Ao observar retrospectivamente os fatos ocorridos de 1930 até 1945 (período que marca
o fim da 2ª Guerra Mundial), não é difícil perceber o quanto o ensino de arquitetura e de
urbanismo desenvolveu-se de modo moroso em relação aos acontecimentos sociais. Essa
morosidade, por sua vez, refletiu no lento processo de “renovação” do sistema educacional, a
começar pela própria adesão à tendência modernista da arquitetura que, efetivamente, só
ganhou força no interior da maioria das escolas de arquitetura brasileiras, após 1945 (SILVA,
1986). Enquanto a arquitetura brasileira, de um modo geral, ganhava notoriedade internacional
e se afirmava no plano cultural nacional, a universidade, entre os anos de 1930 e 1955,
constituiu-se, conforme Graeff (1995), em um fator de retardamento do processo de
desenvolvimento e aceitação das novas tendências arquitetônicas.
56
Ao longo deste trabalho, será utilizado o termo “negadores do sistema” para caracterizar todos aqueles que
desenvolveram ações de ensino, pesquisa e/ou extensão relacionadas ao tema da habitação de interesse social e os
que defenderam a inserção deste conhecimento no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil.
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Verifica-se que os currículos oficiais até então formulados e reformulados serviram para
potencializar uma formação profissional de arquitetos voltados para as demandas projetuais dos
segmentos considerados “dominantes” da sociedade. Desse modo, diante dessa perpetuação
cultural da área, é possível afirmar que a arquitetura dos mais pobres, até o momento, não se
apresentou importante o suficiente – mesmo com todos os estudos e propostas desenvolvidos
em torno da habitação econômica ou habitação mínima – a ponto de ser encarada como um
conhecimento prioritário e legitimado de modo oficial nos currículos de arquitetura e de
urbanismo. Ao contrário disso, o problema em questão foi sendo afirmado e reafirmado ao
longo dos anos como secundário, possível de ser desconsiderado e suscetível a interpretações
particularizadas de docentes através da prática do currículo não-oficial. No mais, o currículo da
FNA, arraigado aos antigos costumes e condutas educacionais, vigorou no país até 1962,
quando é instituído mais um novo currículo oficial nacional para os cursos de arquitetura e
urbanismo.
Um ano após a criação da FNA é instituído no Brasil a Fundação da Casa Popular (FCP),
primeiro órgão federal responsável pela área da habitação e desenvolvimento urbano no país.
Institucionalizada no governo do General Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), por meio do
Decreto-Lei nº 9.218, de 1º de maio de 1946, o projeto da FCP tinha como proposta atuar de
modo abrangente na produção habitacional que englobava o financiamento de construções,
reparação ou melhoramento de habitações populares nos centros urbanos e na zona rural, tanto
para trabalhadores formais quanto para os informais ou desempregados. Esse era um dos
diferenciais da FCP em relação aos IAPs.
Porém, a efetivação das pesquisas que incluíam estudos sobre características regionais
das habitações, a arquitetura, hábitos de vida e adequação climática, não ocorreu como
idealizado, visto que vários setores da sociedade, além dos profissionais ligados ao setor da
construção civil, por interesses corporativos, políticos ou econômicos, não apoiaram o governo
nem a atuação da FCP57. Do ponto de vista da educação e pesquisa nos cursos de graduação em
arquitetura e nas especializações em urbanismo, o desenho da FCP poderia ter sido uma
oportunidade ímpar de trabalho para a área e grande demarcador da inserção do tema da
habitação social nos centros de formação profissional no país, mas, essa oportunidade não
encontrou um campo fértil e receptivo para sua concretização absoluta, não por total falta de
interesse das instituições de ensino, mas também pelo não estabelecimento de uma parceria
entre o governo brasileiro e os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo existentes no
país naquele período.
57
A criação da FCP não ocorreu de forma passiva, houve grande reação contra o órgão, justamente pelo fato de,
no final do Estado Novo, o governo lançar a proposta de unificação dos IAPs em um único órgão, o Instituto de
Seguridade Social Brasileiro, e transferir os fundos para a FCP (POLETO, 2011). A unificação e a ideia de
universalizar o atendimento das carteiras prediais iria favorecer a efetivação de uma política redistributiva, isso
gerou forte oposição por parte do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), visto que essa
conduta iria retirar privilégios da categoria que possuía boas remunerações salariais. Além do IAPB, o setor da
construção civil também se posicionou contrário a FCP, este, por sua vez, vislumbrava perder créditos oriundos
das carteiras prediais para as incorporações direcionados aos associados com renda mais elevada, isto é, na
construção de condomínios de luxo, imóveis para renda etc. (BONDUKI, 2014a).
58
Até 1960, haviam sido construídas 16.964 casas e 143 conjuntos residências. Além disso, destaca-se que: “[...]
se privilegiavam os grandes centros urbanos, pois 68% das construções localizaram-se nas grandes cidades da
época, ou seja, as de população superior a 50 mil habitantes. Mas isso não quer dizer que não se tenham
contemplado os pequenos e médios núcleos, os quais foram beneficiados com 32% das edificações realizadas”
(AZEVEDO; ANDRADE, 2011, p.15).
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em conjunto com a FCP, contribuiu para difundir novas tipologias habitacionais e, como afirma
Bonduki (2014a, p. 42), “[...] criou uma experiência extremamente relevante para o
desenvolvimento posterior da política habitacional brasileira”.
ENBA e/ou FNA. Segundo dados do Ministério da Educação59, no mesmo ano em que é criada
a FCP passam a funcionar no país os cursos de arquitetura da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e o da Universidade Federal de Pernambuco, ambas vinculadas a
Escolas de Belas Artes. Essas duas instituições só conquistaram sua autonomia,
respectivamente, nos anos de 1952 e 1958. Em 1949 o curso de arquitetura da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), que funcionava incorporado à Escola de Belas Artes, foi
federalizado, mas sua autonomia só ocorreu dez anos depois, em 1959. Segundo informe oficial
constante na página eletrônica da Faculdade de Arquitetura da UFBA, o primeiro currículo
oficial, após a separação da Escola de Belas Artes, foi formulado com base nos ideais de Lucio
Costa e nos princípios firmados no Congresso da União Internacional de Arquitetos, ocorrido
em 1959 na cidade de Lisboa: "desenvolver a sensibilidade plástica, a noção do espaço, a
imaginação, a memória visual, o sentido do homem e do caráter"60.
Passada essa fase, inicia-se, a partir da segunda metade de 1950, uma movimentação
nacional entre docentes, discentes e profissionais liberais, que objetivava reavaliar as premissas,
condutas e objetivos do ensino de arquitetura, visto que o currículo oficial vigente – padrão da
FNA – nada mais era do que uma junção de disciplinas de cunho artístico (oriundo da ENBA)
com disciplinas técnicas (característicos dos cursos de engenharia).
Parte dos profissionais que considerava importante a construção de uma nova estrutura
curricular para os cursos de graduação em arquitetura, defendia a difusão dos preceitos da
arquitetura moderna, com mais incisividade nos bancos escolares. Para Artigas (1986) a
divulgação da arquitetura moderna no ceio das escolas de arquitetura, motivada pelos interesses
dos estudantes, procedeu-se a partir de postura acrítica, fruto das constantes propagandas
tendenciosas feitas dentro e fora do país. Além disso, a arquitetura moderna estava a serviço de
uma demagogia desenfreada – referindo-se à preocupação declarada dos simpatizantes do
movimento com a produção de uma arquitetura popular – e na sombra dos Institutos durante o
Estado Novo (ARTIGAS, 1986).
59
Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 abril de 2019.
60
FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (Salvador). Universidade
Federal da Bahia. Histórico. Disponível em: <https://arquitetura.ufba.br/pt-br/historico>. Acesso em: 26 abr.
2019.
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Texto da matéria: VITÓRIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA NO ESTRANGEIRO – Não é de mais repetir o sucesso da
representação brasileira no VII Congresso Pan Americano de Arquitetura, onde conquistou as maiores honrarias. Entre os
trabalhos premiados com medalha de ouro se destacou o Conjunto Residencial do Pedregulho, que se vê na gravura acima.
O projeto de linhas perfeitas, é de autoria do arquiteto patrício Afonso Eduardo Reidy.
Fonte: A NOITE, 1951.
Para além dos prós e contras sobre a arquitetura moderna brasileira, os anos de 1960
começaram bastante agitados, tanto no âmbito político61 quanto educacional. Em dezembro de
1961, após ter sido sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional62, os cursos
oferecidos pelas instituições de ensino superior no país, entre muitas recomendações, deveriam
ser conduzidos por um currículo mínimo. Isso fez com que as esperanças e desejos de se
61
Em 1961, Jânio Quadros assume a Presidência da República e renuncia após 7 meses. Em seguida, o governo
brasileiro passa a ser liderado por João Goulart até 1964, quando foi deposto pelo Golpe Militar. No que se refere
à política habitacional direcionada à população de baixa renda, o governo brasileiro, com muito esforço, conseguiu
dar seguimento ao funcionamento da FCP.
62
Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.
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efetivar melhorias no ensino de arquitetura, por parte dos que não concordavam com as posturas
impressas no currículo da FNA, se acendessem.
63
O IAB, desde a realização do 1º CBA, desempenhou importante papel na luta pela melhoria do ensino de
arquitetura no país ao lançar propostas e reflexões sobre a produção arquitetônica nos eventos promovidos pelo
órgão. Dentre as reflexões expostas pelo IAB em seus congressos, destaca-se que sempre foi posta em pauta a
preocupação com a questão da habitação popular como parte integrante da função social da arquitetura. Além
disso, a partir de uma perspectiva tipicamente modernista, o órgão incentivou as escolas a estabelecer estreita
relação com a vida profissional prática e buscou dar apoio para que novas faculdades de arquitetura se efetivassem
dentro das universidades de modo autônomo, distantes das sombras dos cursos de engenharia (ARTIGAS, 1977).
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Um dos pontos que merece destaque no citado evento, refere-se aos debates ocorridos
sobre o curso de urbanismo, ainda posto na condição de especialização para arquitetos e
engenheiros. Os docentes e discentes posicionaram-se de modo divergente sobre o fato de ainda
ser ou não viável a manutenção desse curso de especialização. O professor Saboya Ribeiro
considerou que o curso de urbanismo deveria continuar sendo uma especialização por abranger,
em sua visão, “[...] aspectos por demais complexos para serem estudados no curso de
arquitetura” (EABH, 1961, p. 38). Essa visão também foi defendida pelo professor Antônio
64
Além da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, o evento contou com a participação das cinco
Faculdades de Arquitetura e Urbanismo públicas existentes no país até 1960: Faculdade de Arquitetura da
Universidade do Rio Grande do Sul; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo;
Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (Rio de Janeiro); Faculdade de Arquitetura da
Universidade da Bahia e Faculdade de Arquitetura da Universidade do Recife (EABH, 1961).
65
Além dos já citados, o evento discutiu ainda aspectos sobre o processo de seleção para ingresso nos cursos de
arquitetura e de urbanismo; testes vocacionais; a criação de institutos superiores; desenvolvimento de pesquisas;
sobre o ensino de desenho industrial; estágios; excursões, bolsas de estudos e convênios culturais (EABH, 1961).
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Após trocas de opiniões entre os docentes, o professor Demétrio Ribeiro (EABH, 1961),
saiu em defesa da integração do ensino de urbanismo dentro do currículo da arquitetura a ponto
de salientar que seu isolamento num curso de especialização, tal qual era praticado,
apresentava-se como sendo prejudicial e negativo para a cultura profissional dos arquitetos.
Contudo, devido à grande divergência de opiniões por parte de professores e alunos, não foi
possível que os organizadores do primeiro Encontro de Diretores, Professores e Estudantes de
Arquitetura estabelecessem recomendações base para que as instituições de ensino refletissem
sobre essa questão. Porém, é válido salientar que, mesmo não tendo havido consenso entre
docentes e estudantes, foi nesse primeiro evento que o urbanismo passou a ser cogitado como
sendo possível de se integrar a formação dos arquitetos. Do ponto de vista dos estudos voltados
para a habitação popular ou social, considera-se que a proposta de unificação dos cursos de
arquitetura com os de urbanismo seria benéfica, além de ampliar o horizonte profissional, os
temas/problemas em questão não estariam mais atrelados a um curso de especialização e sim,
como conteúdo possivelmente corrente na graduação.
Nesse currículo oficial, seguindo a mesma conduta dos que formularam os currículos da
ENBA e FNA, não havia a explicitação de detalhes ou ementário das disciplinas do curso que
possibilitasse a identificação dos principais temas e conteúdos abordados em sala de aula ou
ateliê, impossibilitando a análise imediata acerca da inserção do tema da habitação popular ou
social. Contudo, a partir da pesquisa de mestrado desenvolvida por Renata Monteiro Siqueira
(2015) foi possível estabelecer contato com o currículo não-oficial praticado pelos professores
da FAUUSP em 1962.
66
O arquiteto Hélio de Queiroz Duarte, formado pela ENBA, morou em Salvador entre os anos de 1936 a 1944.
Foi docente na Escola de Belas Artes da Bahia, tendo lecionado nas disciplinas de Arquitetura Analítica,
Composições de Arquitetura e Urbanismo. O docente se mudou para São Paulo em 1944 e só foi contratado como
professor assistente da disciplina de Composição de Arquitetura - Pequenas Composições I em 1949. Destaca-se
ainda que Hélio Duarte participou da organização do 1º CBA e foi membro dos CIAMs (DUARTE, 2019).
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práticas adotadas pelos professores na época em que o curso de arquitetura era vinculado à
Escola Politécnica.
Ainda em 1962, com o curso em andamento, a FAUUSP empreende uma nova reforma
curricular de modo a priorizar a organização da escola em torno do ateliê de composição de
arquitetura67, como sugerido pelo professor Demétrio Ribeiro no evento promovido pela EABH
em 1960. Desse modo, a disciplina de Composição de Arquitetura “[...] passou a constituir a
chamada “espinha dorsal” do curso” (SCHLEE et al., 2010, p. 64), para o qual convergiam as
demais disciplinas. Com isso, o projeto foi elevado à categoria de “ator principal” no cenário
da atuação do arquiteto e urbanista ou, como destacado por Artigas (1977), o projeto tornara-
-se manifestação de soberania68. Nessa reforma curricular, a FAUUSP decide extinguir as
cadeiras de Composição Arquitetônica (pequenas e grandes composições – oriunda do currículo
oficial de 194869) e substituí-las por “Práticas de Projeto de Edifícios” e “Práticas de Projetos
de Cidade”, que compunham o currículo básico. Além disso, a cadeira de Urbanismo70 cede
lugar para a cadeira de “Planejamento Regional” como disciplina suplementar.
67
Com essa priorização, implantou-se no curso de arquitetura um currículo direcionado para quatro linhas de
estudo: comunicação visual, desenho industrial, edifício e planejamento urbanístico, além de uma estrutura
didático-pedagógica caracterizada por três departamentos: Histórico-Sociológica, Tecno-Artística e Tecno-
Científica (FAUUSP, 1962).
68
Sobre essa definição de projeto como manifestação de soberania Artigas (1977a, p. 34) comenta: “A
compreensão deste princípio muito custou e ainda custará aos arquitetos brasileiros. Ele contém em si a ideia de
emancipação de nossa cultura técnica e artística, de defesa da nacionalidade. Estão na ordem do dia do Instituto
de Arquitetos e dos clubes de engenharia mais vanguardeiros do Brasil”.
69
Detalhes sobre o currículo oficial da FAUUSP de 1948 pode ser encontrado na Lei n° 104, de 21 de junho de
1948, que dispõe sobre a criação, na Universidade de São Paulo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. A Lei
está disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1948/lei-104-21.06.1948.html>. Acesso
em: 6 dez. 2018.
70
Segundo Siqueira (2015, p. 129), a cadeira de urbanismo era iniciada com “[...] uma “introdução ao urbanismo”,
com apresentação de conceitos e definições. Em seguida, tratava de aspectos históricos do processo de
urbanização, do crescimento urbano, da “cidade tentacular”, de aspectos de sociologia urbana, das relações entre
cidade e campo, dentre outros”. Apesar de ter identificado que o programa da disciplina de urbanismo se mantinha
o mesmo desde o ano de 1930, a autora evidenciou que os temas mais recorrentes eram: cidade - problema de
governo; finanças municipais; avaliação dos imóveis urbanos, da economia da terra urbana; legislação do
urbanismo moderno; estudo da cidade jardim (e da apresentação dos exemplos de Letchworth, Welwyn e
Wythenshawe); problema econômico-social dos serviços de utilidade pública (SIQUEIRA, 2015, p. 120-130).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
105
Apesar de a reforma curricular da FAUUSP de 1962 ter sido considerada base para a
formulação do primeiro Currículo Mínimo nacional, ao estabelecer um comparativo entre o
Currículo Mínimo de 1962 com os currículos da ENBA, de 1931, e da FNA, de 1945, pode-se
observar no Quadro 3.4 que o primeiro currículo nacional dos cursos de arquitetura e urbanismo
continuou perpetuando a base tradicional de constituição curricular, nesse caso, limitada apenas
à determinação de 15 matérias semelhantes às legitimadas nos currículos oficiais que o
antecedeu, salvaguardadas pontuais mudanças, como por exemplo, a exclusão das disciplinas
de Arquitetura no Brasil, Higiene da Habitação e Saneamento das Cidades, Mecânica Racional,
Concreto Armado, Sombras, Perspectiva e Estereotomia.
Quadro 3.4 - Comparação entre o currículo oficial da ENBA, FNA e o Currículo Mínimo de
1962
(continua)
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945) Currículo Mínimo (1962)
História das Belas-Artes História da Arte
História da Arquitetura e da Arte
Arquitetura Analítica (2 partes) Arquitetura Analítica (2 partes)
Teoria da Arquitetura Teoria da Arquitetura
Teoria de Arquitetura (2 partes)
Arquitetura no Brasil -
Legislação das Construções - Legislação e Economia Política Estudos Sociais e Econômicos
Contratos e Administrações - Noções Organização do Trabalho e Prática Legislação, Prática Profissional e
de Economia Política Profissional Deontologia
Matemática Superior Matemática Superior Cálculo
Física Aplicada Física Aplicada
Física Aplicada às Construções -
Higiene da habitação e
Higiene da Habitação -
Saneamento das Cidades
Quadro 3.4 - Comparação entre o currículo oficial da ENBA, FNA e o Currículo Mínimo de
1962
(continua)
Currículo da ENBA (1931) Currículo da FNA (1945) Currículo Mínimo (1962)
Sistemas e Detalhes de Construção -
Desenho Técnico - Orçamento e Sistemas Estruturais Sistemas Estruturais
Epecificações (2 partes)
Resistência dos Materiais -
Resistência dos Materiais e Resistência dos Materiais e
Grafo-estática - Estabilidade das
Estabilidades das Construções Estabilidade das Construções
Construções (2 partes)
Materiais de Construção - Terrenos e
Materiais de Construção Materiais de Construção
Fundações
- Mecânica Racional -
- Concreto Armado -
Topografia - Arquitetura paisagista
Técnica da Construção e
Elementos de Construção – Técnica da Construção
Topografia
Tecnologia - Prática dos Materiais
Geometria Descritiva Geometria Descritiva
Geometria Descritiva - Aplicação às
Sombras, Perspectiva e
Sombras – Perspectiva - Estereotomia -
Estereotomia
Estilo
Modelagem (2 partes) Desenho Artístico Desenho e Plástica
Desenho (2 partes)
Artes Aplicadas - Tecnológica e
Composição Decorativa
Composição Decorativa (2 partes)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura
(grau mínimo) (parte 1)
Composição de Arquitetura Composição de Arquitetura Composição Arquitetônica, de
(grau médio) (parte 2) Interiores e de Exteriores
Composição de Arquitetura Grandes Composições de
(grau máximo) Arquitetura (parte 1)
Grandes Composições de
-
Arquitetura (parte 2)
Urbanismo e Arquitetura Evolução Urbana
Urbanismo
Paisagista Planejamento
No entanto, como evidenciado nas análises dos currículos oficiais da ENBA e FNA,
detalhadas nos itens 3.1.1 e 3.1.2 deste capítulo, essa prática generalista e aparentemente neutra
no modo de formular currículos e de nomear as matérias encobria a essência dos conhecimentos
priorizados nos ateliês de composição, a de que o ensino de arquitetura e urbanismo devia
preservar uma cultura de projeto voltada para as demandas da classe dominante. Por
conseguinte, essa prática generalista na determinação das matérias contribuiu para que os
conhecimentos sobre o problema habitacional da população de baixa renda não fosse
considerado prioritário no ceio das instituições de ensino, como demonstrado no caso da
FAUUSP, cuja prática do currículo não-oficial confirmou que os estudos sobre a habitação
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
109
popular ou social não eram corriqueiros na formação dos profissionais da arquitetura daquela
instituição.
Pelo que foi elucidado até este momento, apesar de os profissionais da arquitetura terem
se posicionado de modo higienista em relação à habitação das classes pobres, no que se refere
à habitação social, no período compreendido entre os anos de 1930 a meados de 1960, eles
conseguiram imprimir nos projetos arquitetônicos bons resultados qualitativos e estéticos.
Segundo Nabil Bonduki:
71
Entre esses críticos pode-se ressaltar a postura de Oscar Niemeyer (2003), que justificou o desinteresse
profissional em atuar na elaboração de projetos de habitação social ao fato de que, no período de grande
desenvolvimento industrial no país, a ausência das condições citadas impôs aos arquitetos a valorização da
produção arquitetônica direcionada à burguesia. O arquiteto afirmou, também, que: “por essas razões, recusamo-
-nos apelar para uma arquitetura mais rígida e fria – de tendência europeia – bem como nos recusamos apelar para
uma “arquitetura social”, dentro do ambiente que vivemos” (NIEMEYER, 2003, p. 185, grifo do autor). Ainda
conforme Niemeyer (2003), priorizar uma “arquitetura social” – termo utilizado para se referir à produção
habitacional voltada às massas – em detrimento de uma arquitetura ostensiva, impactaria no empobrecimento da
arquitetura brasileira, no que ela tem de novo e criador, ou contribuiria para apresentá-la de modo demagógico e
enganadora.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
3 O Currículo Mínimo de 1962
110
Foram essas ações que contribuíram para que um senso ético e social, contrário ao
percurso estético sempre destinado às camadas dominantes (CAVALCANTI, 2006), e
ainda imperativo no interior dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo, fosse
disseminado e assimilado pelo maior número possível de profissionais da arquitetura e
urbanismo, favorecendo assim, a superação dos ideais modernos sobre as antigas concepções
acadêmicas e neocoloniais. Não obstante, a habitação social passou a ser problematizada e
estudada, prioritariamente no meio profissional, sob os mais distintos aspectos, resultando
numa produção arquitetônica – com apoio dos investimentos habitacionais por parte do governo
brasileiro – rica em diversificação tipológica e formal.
Mesmo não sendo a intensão desta tese analisar obras edificadas de habitação social, é
oportuno citar o projeto arquitetônico da Vila Guiomar em Santo André, São Paulo (Imagem
3.7 e 3.8), cuja obra foi construída pelo IAP dos Industriários (IAPI), em 1942, e projetada pelo
arquiteto Carlos Frederico Ferreira. Segundo Bonduki (2014b), esse projeto é um dos melhores
exemplos da produção do IAPI por se destacar pela boa adequação de proposições
arquitetônicas distintas – blocos de apartamentos e casas com áreas construtivas que variavam
de 42m² a 68m² – num único conjunto habitacional. Além disso, o conjunto foi construído de
modo a propiciar amplos espaços de convívio social, com harmonioso projeto paisagístico que
evidenciou a influência do arquiteto com os preceitos da cidade-jardim. Em termos
arquitetônicos, os projetos das unidades habitacionais, comumente, são compostos por sala,
cozinha, banheiro, área de serviço e a depender da unidade, poderiam possuir dois ou três
quartos, sem contar que as casas foram construídas, ora isoladas no terreno envolto de jardins
sem muros, ora em casas geminadas. Por fim, pode-se dizer que esse projeto residencial foi
bem-sucedido no que se refere a contemplar distintos costumes e hábitos do morar.
Imagem 3.7 - Vista aérea do conjunto Vila Guiomar em Santo André, São Paulo
Imagem 3.8 - Casa geminada e isolada do conjunto Vila Guiomar em Santo André
Com o passar dos anos, ao passo que uma base intelectual crítica em relação à produção
de habitação popular e social foi se firmando no mercado de trabalho, nas entidades
representativas da profissão e parcialmente no interior dos cursos de arquitetura, evidenciou-se
que essa base intelectual não conseguiu combater a forte resistência à inserção obrigatória dos
estudos voltados para as demandas da população de baixa renda na formação profissional dos
arquitetos e urbanistas. Já em 1962, quando é instituído o primeiro Currículo Mínimo, as
análises evidenciaram que ele foi constituído como um documento altamente prescritivo,
limitado à seleção de matérias, “neutras” e desinteressadas, que por traz de uma “aparente”
generalização, preservou uma tradição seletiva de conhecimentos que representavam a
valorização do desenvolvimento de projetos de grandes composições de arquitetura e obras de
caráter monumental, enquanto o tema da habitação popular e social firmava-se como
conhecimento secundário, volátil, oficialmente não prioritário e dependente da afinidade de
docentes com a temática a partir da prática do currículo não-oficial.
Mesmo com o referido currículo oficial em vigência, a luta por melhoria no ensino de
arquitetura e urbanismo e a busca por uma possível reformulação curricular não parou de
ocorrer. Mas, a partir de 1964, o país passa por mais transformações sociais, instaura-se a
Ditadura Militar e o ensino superior é reformado de modo a impactar na desqualificação das
universidades e a torná-lo um produto mercadológico e massificado. Diante dos fatos, o ensino
superior, posto em xeque, depara-se com novos desafios sem ter ainda conseguido superar as
lacunas deixadas na qualidade do ensino de épocas passadas, como será discutido no próximo
capítulo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
115
Este capítulo tem como objetivo analisar o segundo Currículo Mínimo dos cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo, instituído em 1969, e seus efeitos no ensino de
arquitetura e urbanismo no Brasil. Para tanto, realizou-se uma análise relacional centrada nos
principais fatos relacionados à produção habitacional, aos eventos acadêmicos e profissionais,
e ao ensino de arquitetura e urbanismo no período compreendido entre os anos e 1963 a 1976.
Todos os fatos analisados neste capítulo foram sistematizados e organizados numa linha
do tempo, que permite, à primeira vista, vislumbrar os pontos de contato e coincidências entre
eles, como pode ser conferido na Imagem 4.1.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
116
Imagem 4.1 - Linha do tempo dos fatos ocorridos entre 1963 e 1976
Pinto no bairro do Leblon, Rio de Janeiro; e Serviço Social contra o Mocambo, em 1956, em
Pernambuco (FINEP/GAP, 1985).
72
O Seminário de Habitação e Reforma Urbana foi o primeiro evento profissional organizado pelo IAB a
estabelecer uma relação de proximidade entre os arquitetos e o governo brasileiro.
73
Participaram também do SHRU: sociólogos, engenheiros, economistas, advogados, assistentes sociais, médicos,
líderes sindicais, além de representantes de órgãos estaduais de planejamento e de empresas industriais de
economia mista (ARQUITETURA, 1963).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
119
Além disso, uma atenção especial foi dada à situação vivida pela população que não
possuía nenhum tipo de rendimento financeiro, no sentido de ser recomendada a inclusão nos
planos habitacionais de “medidas de emergência destinadas à imediata melhoria das condições
de sub-habitação [...], inclusive estimulando o esforço próprio, a ajuda mútua e o
desenvolvimento comunitário” (ARQUITETURA, 1963, p. 20). Por fim, foi afirmada a defesa
da criação de um Órgão Central Federal que se encarregasse da questão habitacional e urbana,
74
Esta última parte foi subdividida em: I) do órgão executor da política habitacional e urbana; II) da desapropriação
para fins habitacionais e de planejamento territorial; III) prioridades de atendimento e normas de controle; IV)
plano nacional territorial; V) plano nacional habitacional; VI) aquisição de imóvel locado (ARQUITETURA,
1963, p. 20-23).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
120
Imagem 4.3 - Projeto de Lei nº 87, de 3 de abril de 1963, protocolado na Câmara dos
Deputados
Até 1964, segundo Ruth Verde Zein (1983, p. 76), entre a maioria dos arquitetos havia
a convicção de que no país “[...] estava se abrindo um campo de trabalho que definiria o papel
cultural do arquiteto: sua inserção no planejamento global e no planejamento urbano” das
cidades. Somava-se a essa perspectiva a crença de que os benefícios em relação ao combate à
crescente demanda habitacional, sobretudo destinada à população mais pobre, seriam
promissores, mas, infelizmente, a criação do Órgão Central Federal, defendido pelos arquitetos
e urbanistas participantes do Seminário de Habitação e Reforma Urbana em 1963, materializado
na institucionalização do Banco Nacional de Habitação75, foi efetivado num período de ditadura
75
Desde 1954 o IAB tem desempenhado importante papel na luta pelo estabelecimento de uma Política Nacional
de Habitação justa e democrática. Após a criação do BNH, o IAB intensificou seus posicionamentos críticos sobre
a política vigente e sobre o funcionamento do Banco. Essa atitude acabou sendo considerada pelos militares como
sendo inadequada e passível de repressão (SERRAN, 1976). Mas, mesmo assim, o IAB não parou de se envolver
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
121
que, num primeiro momento, alijou “[...] os arquitetos das esferas de decisão política” (ZEIN,
1983, p. 77), exatamente na fase do estabelecimento das bases da política habitacional, e,
posteriormente, recrutaram esses profissionais para viabilizar linhas de atuação pré-
estabelecidas “[...] numa estrutura autoritária e centralizadora”, em cargos de direção, apoio
técnico, no desenho de equipamentos e serviços urbanos (Op. cit, p. 77).
A fase mais crítica de atuação do BNH ocorre no período entre 1967 a 1971, quando ele
se torna um banco de primeira linha e intensifica os financiamentos habitacionais. Nessa fase,
o banco passou a facilitar linhas de crédito para investimentos, sobretudo direcionados ao
trabalhador formal de média e alta renda, que o levou a enfrentar problemas decorrentes do
crescimento dos saldos devedores. Por não ter se preocupado com a qualidade dos
empreendimentos, o BNH teve que lidar com o abandono dos imóveis e atraso dos
financiamentos por parte dos beneficiários, motivados tanto por conta da contínua correção
monetária quanto “[...] em protesto contra a inexistência de condições mínimas de
infraestrutura” (AZEVEDO; ANDRADE, 2011, p. 62-63).
com as questões relacionadas ao problema habitacional. Foi a partir da participação e realização de uma série de
eventos que o IAB manifestou suas críticas sobre o problema habitacional do país, a exemplo: (1) no ano de 1966,
o IAB realiza o I Encontro Nacional de Arquitetos Planejadores (Curitiba), Mesa Redonda sobre Política
Habitacional (Rio de Janeiro), VI Congresso Brasileiro de Arquitetos (Salvador); (2) em 1967 o IAB realizou o
VII Congresso Brasileiro de Arquitetos (Belo Horizonte); (3) em 1969, realizou o VIII Congresso Brasileiro de
Arquitetos (Porto Alegre) e participou do X Congresso da União Internacional de Arquitetos (Buenos Aires); (4)
em 1971 o Instituto fez parte do plenário do III Congresso Interamericano de Habitação (Rio de Janeiro); (5) em
1975, ao ser requisitado pelo BNH, o IAB posicionou-se criticamente sobre a política habitacional brasileira no V
Congresso Interamericano de Habitação (Lima).
76
A efetivação do Plano Nacional de Habitação não correspondeu às expectativas dos arquitetos e urbanistas
envolvidos no SHRU, que defenderam a constituição de uma política com participação popular, apoio à aquisição
de imóveis usados e incentivo à autoprodução habitacional por meio de oferta de crédito em materiais de
construção para as famílias com menores rendimentos financeiros.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
122
social perante as experiências malsucedidas do BNH. Havia aqueles que atuavam vinculados
às instâncias estatais ou por meio de contratação direta com construtoras, visando à
concretização de empreendimentos com qualidade arquitetônica e adequada infraestrutura
urbana, e os que defendiam tanto a valorização da prática popular como base para a produção
da habitação, como o desenvolvimento de propostas habitacionais a partir da aceitação das
formas espontâneas de moradia.
Imagem 4.4 - Vista aérea da maquete do Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado
77
Segundo Sanvitto (2010) o projeto arquitetônico foi desenvolvido com a colaboração do Escritório Técnico do
CECAP e dos arquitetos Arnaldo Antonio Martino, Geraldo Vespaziano Puntoni, Maria Giselda Cardoso Visconti,
Renato Nunes e Ruy Gama.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
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O projeto é conformado por edifícios cujo volume é obtido pela justaposição de cinco
conjuntos de quatro apartamentos por andar em forma de “H” e unidades habitacionais com
64m² (Imagem 4.6). Diferencia-se de outros exemplares por não ocupar o solo, ou seja, utiliza
três pavimentos sobre pilotis. Internamente, as unidades habitacionais são espacializadas por
sete cômodos, sendo eles: três dormitórios, sala, cozinha, um banheiro e área de serviço.
Área do terreno: 180 hectares / Número de unidades habitacionais (UH): 10.560 apartamentos
Densidade: 58,67 UH/hectares / Área das UH: 64,00 m² (unidade-tipo com 3 dormitórios)
empreendimento foi projetado para abrigar 944 famílias em apartamentos que variavam de
48m² a 77,13m².
Além dos exemplos citados, Maria Luiza Adams Sanvitto (2010), ao resgatar em sua
tese de doutorado a produção arquitetônica do BNH, evidenciou a pluralidade plástica e espacial
nos projetos de outros arquitetos, tais como: Conjunto Jardim América, construído entre os anos
de 1972-1974, um projeto de Clóvis Ilgenfritz da Silva e Ignez d´Ávila Pinto (Imagem 4.8);
Conjunto Residencial Praia Guarujá, de 1973, localizado na Praia do Tombo, Guarujá, SP e
projetado pelos arquitetos Massimo Fiocchi, Giancarlo Reanda, Carlos Augusto Mattei Faggin,
Narciso José Rodrigues Martins (Imagem 4.9), um dos projetos mais inusitados para a época
por conta de seu formato cilíndrico; e o Conjunto Habitacional Padre Manoel da Nóbrega, na
Vila Padre Manoel da Nóbrega em Campinas/SP, projetado em 1974 pelos arquitetos Joaquim
e Liliana Guedes (Imagem 4.10).
Imagem 4.8 - Planta Baixa e Fachada do Conjunto Jardim América – Porto Alegre
Promoção: Cooperativa Habitacional dos Municipários de Porto Alegre/INOCOOP/BNH/ Área do terreno: 8 hectares/ Área
construída: 55.352,62m²/ Número de unidades habitacionais (UH): divergência entre 952 apartamentos/ Densidade: entre 119
e 121,5 UH/hectare/ área das unidades habitacionais: 43,09m² com 1 dormitório/ 53,26m² com 2 dormitórios/ 64,76m² e
81,92m² com 3 dormitórios
Fonte: SANVITTO, 2010, p. 272; 381.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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125
Promoção: Companhia de Crédito Imobiliário/ Área do terreno: 0,64 hectares/ Área construída: 8.200,00m²/ Número de
unidades habitacionais (UH): 99 apartamentos/ Densidade: 154,69 UH/Hectare/ Área das unidades habitacionais: 65,00m² com
2 dormitórios
Fonte: SANVITTO, 2010, p. 269; 361.
Imagem 4.10 - Fachada e Planta Baixa do Conjunto Habitacional Padre Manoel da Nóbrega
Promoção: COHAB / Área do terreno: 6 hectares/ Número de unidades habitacionais (UH): 672 apartamentos/ Densidade: 112
UH/hectare/ Área das unidades habitacionais: 40m² com 2 dormitórios
Fonte: SANVITTO, 2010, p. 369; 371.
A outra corrente de atuação dos arquitetos frente ao problema habitacional vivido pela
população mais pobre, emerge de uma postura crítica contra a ideia de construção de conjuntos
habitacionais por compreenderem que esse sistema não era acessível a essa população em
decorrência das incapacidades de cumprimento, por exemplo, dos custos com o financiamento
habitacional e condomínio.
Pode ser, portanto, considerado como um dos pioneiros na defesa de questões ainda
hoje relevantes e controversas quando o assunto em pauta é a precariedade e a falta
da habitação nas cidades do mundo subdesenvolvido, permanecendo como referência
fundamental nos debates conexos e para trabalhos [...] que procuram situar e
compreender programas executados em áreas de urbanização precária.
Por meio de uma folha de papel quadriculado no módulo dos painéis, qualquer cidadão
poderia estruturar sua casa (plantas e elevações), adquirir os painéis e as demais peças
– cordel, arame, prego, executando ligações entre eles. Portas e janelas seriam
executadas dentro dos mesmos padrões (BORSOI, 1984, p. 51 apud
BIERRENBACH, 2008, p. 50).
Imagem 4.11 - Esquema de Montagem das casas projetadas por Acácio Gil Borsoi
No caso do docente e arquiteto Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1943-1989), suas
posições e experiências foram as que mais repercutiram nacionalmente. Em 1967, o escritório
Quadra Arquitetos Associados Ltda, composto pelos arquitetos Carlos Nelson F. dos Santos e
Rogério Aroeira Neves e pelas arquitetas Sylvia Lavenère Wanderley e Sueli de Azevedo, é
contratado pelo governo do antigo Estado da Guanabara no Rio de Janeiro (através da
Companhia de Desenvolvimento de Comunidades – CODESCO), para assessorar e executar
planos urbanísticos e habitacionais de três favelas cariocas, Brás de Pina, Morro Azul e
Catumbi.
Um dos pontos curiosos do projeto Brás de Pina foi o fato de os moradores serem os
protagonistas na elaboração e execução dos projetos arquitetônicos (Imagem 4.12). Nesse
processo, Carlos Nelson F. dos Santos e seus sócios, respeitando os projetos desenvolvidos
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pelos moradores, atuaram como consultores, sugerindo, a partir da visão técnica, alternativas
possíveis para tornar a casa mais funcional e confortável. Ao relatar o início dos trabalhos no
Brás de Pina, Carlos Nelson afirmou que:
Como urbanista nunca tive melhor experiência profissional do que a esse tempo em
que trabalhamos tão diretamente com os nossos “clientes”. Ainda que parecesse
lógico o contrário, é muito raro que urbanistas tenham contato face a face com as
pessoas para quem fazem planos. Vivíamos com o escritório cheio de favelados que
invadiam para ver o que fazíamos e ficavam para discussões que varavam a
noite. Era emocionante ir recebendo aqueles pedaços dos mais diversos papéis e
ir vendo um trabalho que surgia aos poucos (SANTOS, 1981, p. 45, grifo nosso).
Imagem 4.12 - Planta Baixa de uma habitação para o projeto Brás de Pina
Croqui de um morador – fachada e planta baixa (esquerda) – e planta adaptada da CODESCO (direita).
Dois anos depois da experiência do Brás de Pina, em 1969, Carlos Nelson, em conjunto
com Adina Mera, Ana Maria Sobral, João Vicente Amaral Mello, Marcos Meyrhofer Rissin e
Silvia Lavanere Wanderley, apresentaram no X Congresso Internacional da União Internacional
de Arquitetos (UIA) um trabalho, intitulado “A participação do arquiteto nos programas de
interesse social”, que trazia uma nova perspectiva para o enfrentamento do problema
habitacional com foco na moradia espontânea e na realidade social da população residente em
favelas. As reflexões construídas pelo grupo partiram de três questionamentos:
culturas coexistentes. Para tanto, seria necessário que os programas de estudo fossem revistos
e se adequassem à realidade da população de baixa renda, a fim de “[...] melhor equipar os
profissionais de arquitetura para ajudar a fazer dela um fator de promoção social” (SANTOS et
al. 1969, p. 132). Na visão dos autores, as cadeiras do quadro acadêmico deveriam sofrer
adaptações e certas cadeiras poderiam contribuir mais com o objetivo de formar profissionais
aptos a atuar num mercado voltado à população de baixa renda, como por exemplo:
As cadeiras de sociologia, [...], que agora fazem parte dos currículos de quase todas
as faculdades de arquitetura deverão ajudar a desenvolver no aluno a capacidade de
interpretar valores culturais peculiares a extratos [sic] sociais diferentes dos seus.
As cadeiras de teoria da arquitetura, ao relacionar os conceitos de cultura, meio e
programa com o projeto de arquitetura, deverão estudar inclusive as soluções
clandestinas de moradia.
As cadeiras de composição, não desprezarão o estudo das formas espontâneas de
organização do espaço [favelas, grotas, alagados etc.] observáveis nas diferentes áreas
urbanas.
As cadeiras de planejamento reconhecerão, no estudo das áreas urbanas, as
características de tipos e intensidade de uso e ocupação própria de aglomerados
espontâneos e sua localização em relação ao todo urbano.
(SANTOS et al. 1969, p. 132-133, grifo nosso).
Ao cruzar seus conhecimentos de uma arquitetura erudita, com esta outra, espontânea,
nascida das possibilidades e disponibilidades diretas do indivíduo, objeto de ações de
interesse social, talvez ele possa criar conceitos, premissas ou teorias sobre o
urbanismo e habitação até agora não previstos entre nós (SANTOS et al. 1969, p. 135).
Anos mais tarde, Carlos Nelson F. dos Santos (1988), ao escrever o artigo “Está na hora
de ver as cidades como são de verdade” para a edição nº 113 da Revista Projeto, desenvolveu
críticas às negligências promovidas pelo BNH em relação à população mais pobre. Ao fazer
um balanço da atuação do referido banco, o arquiteto e professor comentou que “as portas” do
BNH estavam sempre fechadas para as demandas dessa população. Segundo ele, “os pobres só
puderam se apresentar sob tutela, enquadrados nos programas de Cohabs, ou “cooperativados”
à revelia. Quando se lembravam deles, era para usá-los como massa de manobra em
investigações eleitoreiras [...]” (SANTOS, 1988, p. 101).
Se a produção habitacional para a população de baixa renda não estava sendo efetivada
com a qualidade arquitetônica e urbana desejada, a ponto do BNH tornar-se exposto às críticas
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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e represálias por parte dos arquitetos e urbanistas e beneficiários da casa própria (AZEVEDO;
ANDRADE, 2011), a partir de 1970 a situação se complica ainda mais quando o BNH decide,
como forma de alcançar maior rentabilidade, desviar recursos dos programas habitacionais para
obras de infraestrutura (MARICATO, 1987). Como consequência, o banco passou a entregar
para as famílias com renda de até três salários mínimos, ou sem renda regular, habitações do
“tipo embrião” que deveriam ser concluídas por meio da autoconstrução (VALLADARES,
1982, p. 42)78.
Entretanto, segundo Gabriel Bolaffi e Henry Cherkezian (1985, p. 46), apesar do BNH
não ter cumprido com a construção dos milhões de habitações prometidas em bombásticas
propagandas, este “[...] parece ter sido elegido, com algum exagero e muita desinformação, o
grande bode expiatório dos males passados, presentes e futuros”. Entre uma série de
argumentos79, os autores vão evidenciar que a ínfima qualidade de boa parte das habitações
destinadas às famílias com os menores rendimentos financeiros não justificava a má fama
atribuída ao banco.
Ao passo que buscam evidenciar os exageros cometidos nas críticas ao BNH, apreende-
-se que Bolaffi e Cherkezian (1985), ao mesmo tempo, põem em questão a ausência do
desenvolvimento de uma análise crítica mais profunda sobre a produção arquitetônica, ou
melhor, sobre os projetos de arquitetura efetivados entre os anos de 1964 a 1985. Essa visão
também é compartilhada por Bastos e Zein (2010) e por Hugo Segawa (2010), ao evidenciarem
que as críticas ocorridas no período de funcionamento do BNH, centradas nos aspectos de
ordem socioeconômica, política, cultural e urbanística, acabaram deixando a arquitetura
propriamente dita em último plano. Segundo Bastos e Zein (2010, p. 164-165), a ausência de
uma análise crítica pormenorizada das soluções arquitetônicas efetivadas pelo BNH justifica-
78
Ainda conforme Valladares (1982), foi nessa fase que o BNH, visando se resguardar das críticas a que estava
exposto, desenvolveu novos programas, como: o Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada
(CURA), em 1972; Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP), em 1973; o Programa de Financiamento
de Lotes Urbanizados (PROFILURB), em 1975; e o Programa de Erradicação de Sub-habitação (PROMORAR),
em 1979.
79
Segundo os autores, em São Paulo, por exemplo, a maioria das habitações, casas, apartamentos, unidades tipo
embrião e os lotes urbanizados entregues pelo BNH apresentavam níveis de “qualidade aceitáveis” e eram servidas
por “[...] ruas asfaltadas e iluminadas, e localizados em conjuntos habitacionais dotados de toda a infra-estrutura”
(BOLAFFI; CHERKEZIAN, 1985, p. 50). Ainda segundo os autores os prejuízos ocasionados à imagem do BNH,
por conta dos exemplos mais problemáticos divulgados na mídia, foram significativos para que adjetivos
desqualificativos fossem constantemente a ele atribuídos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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132
Não se considera aqui que a abordagem da política urbana e habitacional – que exerce
influências sobre a produção de HIS – seja desinteressante e não possa ser analisada e criticada,
mas, coaduna-se com Bastos e Zein (2010, p. 163), ao afirmarem que “[...] ninguém mora em
políticas habitacionais e sim em casas e edifícios concretos, situados em bairros existentes ou
novos, inseridos em cidades reais e não em esquemas urbanos teóricos [...]”, logo, considerar a
questão da habitação como um problema basicamente, ou quase que exclusivamente,
urbanístico é reduzir consideravelmente sua abrangência. É salutar para a área da arquitetura e
urbanismo retomar a análise acerca do projeto arquitetônico como meio de estimular a busca
por novas e aperfeiçoadas soluções técnicas e estéticas, reclamadas pelas novas gerações de
arquitetos como salientado pelas autoras:
Acredita-se assim, que um dos espaços mais propícios para a realização de debates,
pesquisas e análises críticas sobre os erros e acertos da produção habitacional direcionada para
a população de baixa renda, efetivada ou não pelo Governo Federal, é o ateliê de projeto de
arquitetura nos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo. Contudo, conforme exposto
nas conclusões do 7º Congresso Brasileiro de Arquitetos, realizado em Belo Horizonte, no
período de 21 a 29 de setembro de 1967, os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo,
ainda vinculados a uma estrutura curricular sem correspondência com os problemas reais da
população de baixa renda, não se demonstravam abertos o suficiente para esse tipo de debate.
80
Termos instituídos no Currículo Mínimo de 1962.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
135
81
Do ponto de vista macroestrutural, a Reforma Universitária produziu efeitos positivos na dinâmica do ensino
superior brasileiro, visto que, além de possibilitar uma autonomia econômica e didático-científica às universidades
públicas, ao menos na forma da lei, viabilizou, também, a construção de uma articulação mais aproximada entre a
atividade de ensino e pesquisa ausente em muitas universidades (MARTINS, 2009). Contudo, na prática, a crise
política e econômica instaurada nas universidades públicas dificultou a continuidade das atividades de pesquisa
em muitas áreas e as inseriu num redemoinho de problemas onde suas estruturas físicas, administrativas e
educacionais foram progressivamente estilhaçadas.
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4 O Currículo Mínimo de 1969
136
democracia brasileira com a edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5)82. Com isso, o Congresso
Nacional é fechado e os militares passam a exercer o controle absoluto e autoritário no país.
Foi diante desse cenário que o segundo Currículo Mínimo nacional para os cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo foi imposto pelo CFE, fixado pela Resolução n° 3, de
25 de junho de 1969, com base no Parecer nº 384, de 10 de junho 1969, elaborado por uma
Comissão Especial (CE) formada por Clóvis Salgado (Coordenador), Celso Kelly (Relator e
Secretário Geral do Conselho Federal de Educação), Celso Cunha e José Borges dos Santos
(BRASIL, 1969). Destaca-se ainda que nenhum dos membros da CE possuíam formação
superior em arquitetura e urbanismo83 ou era docente de curso da área, mas, mesmo assim,
contrariando todo um corpo profissional preocupado com o aprofundamento dos debates em
torno das atribuições e conhecimentos fundamentais para a formação profissional do arquiteto
e urbanista, legitimaram suas posições sobre o referido ensino.
82
Na esfera educacional, a situação pós AI-5 se complica ainda mais com a institucionalização do Decreto-Lei nº
477, de 26 de fevereiro de 1969, que submeteu toda comunidade acadêmica a uma vigilância constante ao
estabelecer punições para professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público
ou particulares que cometesse atos de infração disciplinar.
83
Clóvis Salgado da Gama era formado em Medicina; Celso Otávio do Prado Kelly e Celso Ferreira da Cunha
eram bacharéis em Direito. Não foi identificada a formação de José Borges dos Santos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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137
(conclusão)
Áreas de Matérias do Matérias do
conhecimento Currículo Mínimo de 1962 Currículo Mínimo de 1969
Geometria descritiva Desenho e outros meios de expressão
Evolução urbana
Representação
Planejamento
Gráfica e Planejamento
Projeto Composição Arquitetônica, de
Interiores e de Exteriores
Desenho e Plástica Plástica
Fonte: elaborado pelo autor com base na legislação pertinente.
Para a matéria de Estudos Sociais, a CE determinou que esta deveria versar sobre a
“análise do desenvolvimento brasileiro e os problemas econômicos, sociais e políticos
relacionados com a arquitetura e urbanismo” (BRASIL, 1969, p. 3, grifo nosso). Ao fazer
um paralelo com a conjuntura política instaurada no país, considera-se que, apesar da
“aparente” liberdade de expressão e da autonomia atribuída às instituições de ensino superior
por meio da Reforma Universitária de 1968, as análises referenciadas, na prática, foram
efetivadas à base do controle político ditatorial. Para elucidar melhor esse cenário, Silvia Ficher
(2014, p. 2), ao tecer comentários sobre a arquitetura brasileira naquele período, evidenciou que
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139
Segundo Elvan Silva (1998 apud SANTOS, 2002, p. 129), “o currículo mínimo da
Resolução 03/69 era incompleto e imperfeito, pois omitia, por exemplo, a referência explícita
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140
Outro ponto interessante no relato expresso pela CE no Parecer nº 384/1969, que emerge
como mais uma sólida desvalorização para com a habitação dos mais pobres, diz respeito à
questão das favelas, inexistente na apresentação dos conhecimentos eleitos para as matérias de
ensino, sobretudo na de Planejamento. O problema das favelas aparece no citado documento,
apenas na parte introdutória, neste caso, quando a CE apresenta seu entendimento sobre o que
é arquitetura e sua importância social. A partir de então, a Comissão Especial reconheceu que
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142
as favelas se constituíam num dramático desafio para a arquitetura, mas, ao mesmo tempo,
afirmou que elas clamavam por soluções habitacionais inspiradas na ambientação artística:
Entre os anos de 1964 a 1985, vão surgir no país um total de 9 novos cursos de graduação
em arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais, sendo: 1 na Região Norte; 4
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
4 O Currículo Mínimo de 1969
144
na Região Nordeste; 2 na Região Sul; e 2 na Região Sudeste (Quadro 4.3). Algumas delas
estruturaram seus cursos seguindo o Currículo Mínimo de 1962 e outras nascem após a
institucionalização do Currículo Mínimo de 1969. Ao todo, até o fim da Ditadura Militar, o país
já possuía um total de 16 cursos de arquitetura e urbanismo em instituições federais.
Quadro 4.3 - Relação dos cursos de arquitetura e urbanismo criados até 1985
Data início de
Região Estado Instituição de Ensino Sigla
funcionamento
Cursos criados antes de 1964
Pernambuco Universidade Federal de Pernambuco UFPE 20/06/1946
Nordeste
Bahia Universidade Federal da Bahia UFBA 04/12/1950
Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS 01/03/1946
Sul
Paraná Universidade Federal do Paraná UFPR 01/01/1961
Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ 23/11/1820
Sudeste
Minas Gerais Universidade Federal de Minas Gerais UFMG 01/03/1931
Centro-
Distrito Federal Universidade de Brasília UNB 01/03/1962
Oeste
Cursos criados entre 1964 a 1985
Norte Pará Universidade Federal do Pará UFPA 01/03/1964
Ceará Universidade Federal do Ceará UFC 01/01/1965
Rio Grande do Norte Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN 13/08/1973
Nordeste
Alagoas Universidade Federal de Alagoas UFAL 04/03/1974
Paraíba Universidade Federal da Paraíba UFPB 05/03/1975
Rio Grande do Sul Universidade Federal de Pelotas UFPEL 08/01/1972
Sul
Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina UFSC 01/03/1977
Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense UFF 08/04/1970
Sudeste
Espírito Santo Universidade Federal do Espírito Santo UFES 13/08/1979
Fonte: criado pelo autor com base nos dados do Ministério da Educação.
84
Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 abril de 2019.
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145
Quadro 4.4 - Relação dos cursos de arquitetura e urbanismo criados até 1985
Categoria Período de Criação Total Total Geral
Antes de 1964 7
Cursos em Universidades Federais 16
Entre 1964 a 1985 9
Antes de 1964 1
Cursos em Instituições Privadas 26
Entre 1964 a 1985 25
Fonte: criado pelo autor com base nos dados do Ministério da Educação.
85
Segundo Ester Judite Bendjouya Gutierrez (2013, p. 26), a primeira formação da CEAU foi presidida pelo diretor
do Departamento de Assuntos Universitários do MEC, e era composta por “[...] um representante do Instituto dos
Arquitetos do Brasil, de diretores ou representantes de quatro ou cinco escolas (sendo que uma dessas escolas seria
particular) e de um representante do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU)”.
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pesquisa (ABEA, 1977a). De acordo com o Diagnóstico das Condições de Ensino e Pesquisa
em Arquitetura e Urbanismo no Brasil, elaborado pela CEAU:
Deve-se registrar que, como seria de supor, as instituições federais mais antigas e a
estadual são as únicas que vêm conseguindo, nos últimos anos, responder
significativamente as responsabilidades maiores do que o simples cumprimento do
currículo mínimo federal, em nível de graduação [...]. Nelas se localizam os poucos
docentes com dedicação exclusiva, os projetos de pesquisa, os meios bibliográficos
mais ricos, etc. [...] (CEAU apud ZANETTINI, 1980, p. 86).
No atelier, então, tudo se [dava] em função do Mestre, a partir de sua obra realizada.
A metodologia, a pesquisa e o modelo são consumidos à imagem e semelhança da
obra do mestre. Tal como a Arquitetura Brasileira consagrada, a obra do mestre não
é, nem poderia ser, colocada em questão. Alie-se a isto o despreparo didático e
pedagógico de todo o magistério do ensino superior no Brasil (PEREIRA, 1984, p.
111, grifo nosso).
86
Conforme Graeff (1995), revistas como Módulo (de Oscar Niemeyer), Arquitetura-AD, Habitat, Acrópole, bem
como cadernos de estudos e boletins estudantis, foram paulatinamente liquidados pelo regime de intolerância
instalado nas universidades e no país.
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movimento popular perpetrado pela Ditatura Militar, que impactou nas condutas pedagógicas
e educacionais nos ateliês de planejamento, a ponto de se tornar rarefeita a abordagem de temas
de maior apelo social, fato esse que foi temporariamente “sanado” com a parceria firmada entre
o BNH e algumas escolas de arquitetura e urbanismo no ano de 1974, como será comentado no
item 4.4 deste capítulo.
Outro fator que contribuiu com a rarefeita abordagem do tema da HIS em sala de aula,
foram as posturas de docentes-arquitetos na condução das dinâmicas projetuais nos ateliês com
base em suas experiências profissionais, como evidenciado por Zanettini (1980). Se o docente
não carregasse consigo um repertório projetual relacionado à produção de HIS, ou não estivesse
engajado politicamente com essa questão, muito provavelmente esse tema não seria praticado
em sala de aula. Agregado a isso, era comum, tanto entre as instituições privadas quanto
públicas, a organização do curso de arquitetura e urbanismo em disciplinas estanques,
autônomas e sem integração, o que dificultava ainda mais a abordagem de temas cuja
necessidade de interdisciplinaridade é mais acentuada, como é o caso do projeto arquitetônico
de HIS (não limitado apenas a casa, mas pensada integrada à cidade).
Essa abordagem de estudos com foco nos projetos de grande visibilidade e de autores
de renome, não era regalia apenas da área de história, na área de projeto – ou planejamento – a
conduta educacional seguia a mesma linha de pensamento. Zanettini (1980) evidenciou que,
em decorrência da importância dos problemas a nível da cidade, as discussões teóricas se
tornaram predominantes no interior das disciplinas de Planejamento. Isso contribuiu também
com o deslocamento da crítica para fora da área da arquitetura, sobretudo na FAUUSP.
A realidade no interior dos ateliês de planejamento nos cursos ofertados por instituições
públicas e privadas foi criticada por Bolaffi (1985), ao relatar a ausência do tema da HIS na
graduação. O autor enfatizou o caráter esquizofrênico do ensino de arquitetura ao analisar as
bases bibliográficas predominantes na “maioria das escolas da América Latina” e questionou:
“como é possível pensar e conceber soluções habitacionais para populações [de baixa renda]
num ambiente intelectual onde os modelos são Le Corbusier, Kenzo Tange, Oscar Niemeyer,
Villanova Artigas ou Alvar Aalto?” (BOLAFFI, 1985, p. 145).
Outro resultado negativo do Currículo Mínimo de 1969 foi o fato de este contribuir para
que alguns conteúdos fossem deslocados da graduação para os cursos de especialização,
principalmente ocasionado pela prerrogativa de que os cursos de graduação poderiam ser
estruturados com duração mínima de quatro anos. Na prática, muitas instituições de ensino
superior seguiram ao “pé da letra” o mínimo necessário para o funcionamento dos cursos de
arquitetura e urbanismo, por conseguinte, empreenderam uma formação profissional com base
numa organização curricular rígida, sem diversificação e com abordagens superficiais de
conteúdo. Muitas delas, em decorrência do “[...] raquitismo conceitual e operatório,
empobreceram ou reduziram ao mínimo o modelo [curricular], limitando o caráter
profissionalizante de fornecimento de mão-de-obra para o mercado de trabalho (ZANETTINI,
1980, p. 110). Além da rigidez curricular, disciplinas optativas ou eletivas foram tomadas como
onerosas e excluídas do ensino profissional, restando uma única alternativa para os futuros
arquitetos, buscar profundidade de conhecimento em especializações que “supriam” as
carências do ensino da graduação.
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87
As três orientações definidas por Zanettini são caracterizadas por termos emprestados do livro “A profissão de
Arquiteto: estudo sociológico”, de José Carlos Garcia Durand, publicado em 1974.
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de interesse social. No entanto, as posições assumidas por esse terceiro grupo eram,
dentro das instituições de ensino, cuidadosamente controladas ou até repelidas pelo
sistema educacional e, obviamente, pela repressão do governo brasileiro.
Foi a visão crítica difundida e praticada pelos docentes ligados ao terceiro grupo, que
viabilizou, nos anos subsequentes, a produção de pesquisas cuja posição assumida caminhava
em sentido contrário à prática de projeto direcionada para uma pequena parcela da população,
assim, enquanto o ensino na graduação priorizava a elaboração projetual de habitações e
edifícios de padrões econômicos mais elevados, como preconizado pelo Currículo Mínimo de
1969, as pesquisas se debruçavam sobre a escala social, marginal e periférica da arquitetura.
Seria esse o lugar ideal para a inserção prioritária do tema da HIS? Considerando o contexto
político ditatorial, pós-1964, esse parece ter sido o melhor lugar para a capacitação de
estudantes em relação aos problemas habitacionais vividos pela população de baixa renda,
mesmo que não acessível a toda uma turma de graduação.
Contudo, há de se destacar que o tema da HIS não foi inserido exclusivamente nas
atividades de pesquisa e extensão, ao contrário, no caso do curso de graduação em arquitetura
e urbanismo ofertado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com sede em Niterói, no
Estado do Rio de Janeiro, o tema em questão foi inserto numa disciplina obrigatória do curso.
Em 1975, as professoras da UFF, Maria Elisa Meira Canedo e Regina Bienstein, ministraram
uma disciplina que tinha como temática “Conjuntos Habitacionais para a População de Baixa
Renda” e foi conduzida com foco no “[...] exame aprofundado dos processos de
autoconstrução/autoprodução da moradia popular, entendida como aquela que ocupa/define as
periferias e favelas das cidades do Rio de Janeiro” (CANEDO; BIENSTEIN, 1985, p. 42). As
atividades de ensino das professoras referenciadas foram conduzidas a partir de seis
pressupostos metodológicos:
Essa solicitação de ajuda técnica estava perfeitamente de acordo com o trabalho que
estávamos desenvolvendo. Ao aceitarmos participar, com os moradores, da realização
desse projeto, estávamos não só criando oportunidades de levar uma contribuição da
universidade à comunidade, como também concorrendo para a solução de problemas
urgentes de remoção. Mais ainda, o trabalho serviria para reforçar um objetivo que
buscávamos, ou seja, o de integrar atividades de ensino, pesquisa e extensão. A nível
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Ao longo deste trabalho, temos procurado que, em sua formação, os novos arquitetos
estejam preparados para atuar em conjunto com os usuários e que sua participação se
dê não pela supressão ou substituição do conhecido e aceito pela tradição de vida dos
moradores, mas sim pelo ajustamento técnico do que já vem sendo realizado, no
sentido de melhorar a qualidade do que é produzido pelas pessoas (CANEDO;
BIENSTEIN, 1985, p. 50).
Boletim foi o registro da convocação do BNH feita aos diretores das escolas de arquitetura para
a realização de concursos destinados aos estudantes dos últimos semestres, visando o incentivo
à elaboração, pesquisa e estudo projetual sobre a produção de HIS. O interesse anunciado pelo
BNH em estabelecer parceria com as escolas de arquitetura e urbanismo representou uma
singular oportunidade para elas construírem uma nova cultura de projeto. Entretanto, essa tarefa
não se efetivou com facilidade nos anos seguintes.
Foi também estabelecido pelo Banco, que os trabalhos deveriam ser desenvolvidos
considerando a realidade geoeconômica da região onde se situava a instituição de ensino
superior, ou seja, os alunos deveriam possuir amplo conhecimento da realidade de sua cidade,
das condições habitacionais, assentamentos informais, periferias e, por meio desse contato real
com o objeto de estudo, propor novas alternativas projetuais. Uma das mais importantes
exigências estabelecidas pelo BNH foi o fato de que os temas e os trabalhos a serem
desenvolvidos deviam ser incluídos obrigatoriamente nos currículos e inseridos na
programação normal do semestre (ARQUITETO Nº 16, [197-]). Ademais, coube às escolas de
arquitetura e urbanismo, participantes do Convênio, a responsabilidade de transmitir aos
88
O Cruzeiro (Cr$) foi uma moeda brasileira que esteve em uso entre os anos de 1942 até 1993.
89
O Convênio foi assinado pelo BNH em uma solenidade ocorrida no dia 15 de julho de 1974, na sede da própria
instituição, no Rio de Janeiro.
90
O nome correto da instituição é Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Silva e Souza.
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155
O Convênio BNH não tardou de ser amplamente divulgado por meio de revistas
especializadas, sobretudo pelo fato de a instituição objetivar, a partir do ano de 1975, ampliar
o número de escolas participantes. Diante dessa possibilidade, a FAUUSP, não convidada para
compor o projeto piloto, evidenciou plenos interesses em fazer parte do Convênio. Ainda
conforme matéria publicada pelo Jornal Arquiteto nº 17, o Professor Goulart Reis relatou que
a FAUUSP já possuía em seu currículo uma disciplina – não especificada na matéria – cuja
temática do campo habitacional era comumente trabalhada em sala de aula, o que possibilitava
aos alunos a experiência de desenvolver trabalhos que atendessem às prerrogativas do Convênio
desde o primeiro semestre de 1974.
91
O Jornal Arquiteto surgiu com a articulação sindical da arquitetura no estado de São Paulo em 1972, “[...] muito
na esteira do movimento paulista de arquitetura” (SEGAWA, 1982, p. 47).
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92
O “Projeto Leste” foi apresentado à Prefeitura Municipal de São Paulo, em 1974, pela Coordenadoria Geral de
Planejamento da Prefeitura Municipal de São Paulo e Empresa Municipal de Urbanização, como uma solução ao
processo de expansão da cidade, na qual deveriam ser instalados os equipamentos urbanos públicos e privados da
escala metropolitana. O Projeto Leste tinha como principal intuito servir ao setor terciário, de modo a estimular a
descentralização da cidade de São Paulo e criar instrumentos capazes de induzir o crescimento da capital na única
direção possível na época, a Leste.
93
O Projeto Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada, também denominado de Projeto CURA, visava,
estimular o adensamento da população urbana a níveis satisfatoriamente aceitáveis e “[...] eliminar a capacidade
ociosa dos investimentos urbanos e reduzir os efeitos negativos da especulação imobiliária, através da execução
de obras de infra-estrutura” (MARICATO, 1987, p. 35).
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94
O professor é aposentado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia e faz parte do corpo
docente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade
Federal da Bahia.
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Pasqualino Magnavita relatou, ainda, que a pesquisa sobre os projetos realizados pelo
BNH em Salvador foi suspensa pelo Banco após terem analisado o primeiro relatório parcial
crítico desenvolvido pelo NEHA. O professor lembrou que “[...] na época as informações
colhidas eram registradas em cartões perfurados e o computador ocupava uma área de 60m² na
edificação, onde no térreo fica o CEAB [Centro de Estudos da Arquitetura na Bahia] ao lado
do atual PAF 6 [Pavilhão de Aulas da Federação 6]” (MAGNAVITA, 2019).
De nossa parte, da equipe do NEHA isto ocorria, principalmente comigo que nas
disciplinas que lecionava, três temas de interesse social eram realizados: Habitação,
Saúde e Educação, levando alunos (a maioria de classe média alta) para visitar
favelas que eles não conheciam e ficaram estarrecidos... (MAGNAVITA, 2019, grifo
nosso).
[...] inclusive quando evitava sair destes temas de interesse social, maioria reclamava,
pois aspiravam projetar shoppings, clubes, igrejas, hotéis de luxo, boates, clubes de
elite, e ficavam frustrados em resolver problemas relacionados com as classes menos
favorecidas (MAGNAVITA, 2019).
95
MAGNAVITA, Pasqualino Romano. Entrevista eletrônica concedida ao autor desta tese nos dias 4 e 12 de
fevereiro de 2019.
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Por fim, para além de enunciar qual trabalho ou qual instituição de ensino obteve a
premiação do Convênio BNH, informe esse não registrado pelo Jornal Arquiteto, salienta-se
que o grande mérito da experiência do Convênio foi o fato de pôr em evidência, no interior das
escolas de arquitetura e urbanismo, os problemas relacionados à habitação voltada para a
população de menores rendimentos financeiros. Contudo, não havia garantias de que essa
iniciativa iria se perpetuar e constituir-se como atividade central dos cursos. Ademais, ressalta-
-se que não foram encontrados registros oficiais sobre quando foi encerrada a experiência piloto
do Convênio BNH com as escolas de arquitetura e urbanismo.
Essa situação contribuiu para que as críticas à produção habitacional por parte de
pesquisadores, arquitetos e entidades representativas da profissão fossem ainda mais enfáticas.
Paralelamente a isso, os rumos da formação profissional de arquitetos e urbanistas, bem como
a divulgação do que deveria ser a atenção básica dessa formação foram sendo paulatinamente
evidenciados em eventos acadêmicos e profissionais, como: 7º Congresso Brasileiro de
Arquitetos, no qual os congressistas salientaram que os cursos de arquitetura e urbanismo, ainda
montados em moldes arcaicos, deviam constituir uma nova cultura profissional centrada nas
demandas da população de baixa renda; e X Congresso da União Internacional de Arquitetos,
em que Santos et al. (1969) salientaram a importância da efetivação de uma reforma nos
conteúdos das disciplinas de Sociologia, Teoria da Arquitetura, Composição de Arquitetura e
Planejamento, no sentido de colocarem o conhecimento sobre a habitação voltada para a
população de baixa renda num lugar prioritário.
Com esse currículo, oficialmente, pela primeira vez na história do ensino de arquitetura
e urbanismo, o estudo sobre “residências populares” foi considerado como pertencente a
programas específicos, condicionado a fatores que o tornou secundário e não obrigatório. Além
disso, as análises sobre esse currículo oficial nacional evidenciaram que o referido estudo foi
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considerado pelo CFE como sendo mais adequado para cursos de especialização. Como
consequência deste currículo, dois caminhos foram seguidos pelas instituições de ensino e pelos
professores de arquitetura e urbanismo. Num primeiro momento, verificou-se que a maioria dos
cursos foi estruturada seguindo o rigor das recomendações oficializadas no Currículo Mínimo
de 1969, ou seja, o mínimo converteu-se em máximo, sobretudo nas instituições privadas de
ensino superior. Nesses casos, o estudo sobre habitações de interesse social não foi priorizado
nas disciplinas de Planejamento, sendo alocado para atividades de pesquisa ou para cursos de
especialização.
Por fim, diante da imposição do Currículo Mínimo de 1969, da proliferação dos cursos
de arquitetura e urbanismo pelo país e da perda de qualidade do ensino, a necessidade de uma
nova reformulação curricular nacional era urgente e necessária. Deste modo, restava aos
interessados nesta ação a incumbência de debater uma nova proposta curricular nacional que só
viria se efetivar nove anos depois do fim da Ditadura Militar no Brasil, como será abordado no
Capítulo 5 desta tese.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
163
Imagem 5.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1977 e 1994
O ano de 1977 foi considerado pelo Conselho Imagem 5.2 - Capa do volume
da ABEA96 como sendo aquele em que a Associação publicado pela ABEA
debruçar-se-ia prioritariamente sobre o trabalho de
definição dos horizontes possíveis de renovação do
ensino de arquitetura e urbanismo a serem
organizados num novo currículo oficial nacional.
Esse trabalho foi iniciado com a publicação do
volume, intitulado “Subsídios para a Reformulação
do Ensino de Arquitetura” (Imagem 5.2), onde foram
reunidos: o roteiro de trabalho desenvolvido pelas
Comissões de Avaliação de Ensino (CAE)97,
elaborado por recomendação do Conselho da
ABEA98; a relação de escolas de arquitetura
envolvidas com o processo99; e a coletânea de Fonte: do autor.
96
Na reunião realizada em dezembro de 1976, como comentado no item 4.3.1 do Capítulo 4 desta tese.
97
As CAE foram criadas pelos cursos e escolas de arquitetura do país em 1976 com o objetivo de sistematizarem
propostas e recomendações de melhorias do ensino de arquitetura e urbanismo.
98
Enfatiza-se que o roteiro de trabalho proposto pela ABEA não era um percurso estanque a ser seguido pelas
CAE, ao contrário, eram apenas algumas orientações iniciais ao trabalho de avaliação do ensino em cada curso ou
instituição. Os principais pontos de observação lançados pelo Conselho da ABEA nesse roteiro de trabalho foram:
1) a definição do perfil do arquiteto brasileiro; 2) a relação entre a teoria e a prática; 3) o estabelecimento de
conceitos importantes – matéria, ementa, disciplina, sequência de disciplinas, disciplinas optativas e obrigatórias,
o conceito geral do projeto, planejamento, articulação vertical e horizontal, conhecimento recebido e produzido, o
relacionamento entre atelier e laboratório; 4) vestibulares; 5) formação e qualificação do corpo docente; 6)
participação dos estudantes no processo de produção do conhecimento; 7) instalações, material didático e
bibliotecas; 8) histórico e balanço atual de cada escola; 9) agrupamento das disciplinas por área (ABEA, 1977b).
99
As 31 escolas de arquitetura e urbanismo listadas no volume publicado pela ABEA (1977b) foram organizadas
em quatro regiões: Região 1 - Universidades Federais de Pernambuco, do Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, da
Paraíba, de Alagoas e da Bahia; Região 2 – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade Bennett de Ensino,
Faculdade Silva e Souza, Faculdade Santa Úrsula, Universidade Gama Filho, Faculdade de Barra do Piraí,
Universidade Federal Fluminense, Universidade de Brasília, Universidade Católica de Goiás e Universidade
Federal de Minas Gerais; Região 3 – Universidade de São Paulo, Faculdade Mackenzie, Faculdade de Santos,
Faculdade Brás Cubas, Universidade de Moji das Cruzes, Faculdade Farias Brito, e PUC Campinas; Região 4 –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade Vale do Rio Sinos, Universidade Federal de Pelotas,
Faculdade Canoense, Sociedade de Educação Ritter, Universidade Federal do Paraná e Universidade Católica do
Paraná.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
166
Boa parte das solicitações publicadas são oriundas de debates ocorridos em seminários
e encontros nacionais ou regionais de cada área de ensino juntamente com as demandas
particulares de cada região escolar. Do conjunto de recomendações sistematizadas no volume
publicado pela ABEA, algumas merecem ser pontuadas, sobretudo as formuladas pelas áreas
de ensino de Paisagismo, História da Arquitetura e Teorização, e Projeto e Planejamento
(Quadro 5.1 e 5.2).
Que o ensino de projeto não desprezasse o entorno. “Isto significa que a arquitetura 1º Encontro
e urbanismo são indissociáveis [...]” (ABEA, 1977b, p. 35). Regional
Projeto e Planejamento
demandaria, por parte das instituições de ensino, uma reflexão profunda sobre a alocação
adequada dos temas/conteúdos/problemas que deveriam fazer parte dos conhecimentos
obrigatórios e dos optativos ou eletivos. Sobre esse aspecto, verifica-se que nenhuma
recomendação formulada pela área de Projeto e Planejamento explicitava que o tema da HIS
deveria se constituir como obrigatório, mas havia indicativos de que esse conhecimento deveria
ser prioritário num novo currículo oficial nacional.
A reunião geral que iria debater sobre todas as recomendações apresentadas, prevista
para ocorrer em julho de 1977, foi realizada apenas em setembro daquele ano, na cidade de
Ouro Preto, Minas Gerais. Nesse evento, foram reunidos os representantes das CAEs oriundos
de 24 escolas de arquitetura e urbanismo – não especificadas na Carta de Ouro Preto –, com o
objetivo de encontrar um fio condutor comum às instituições de ensino para a elaboração de
um novo currículo oficial nacional. No geral, foram debatidos pontos que se relacionavam com
a questão estrutural do ensino, a exemplo: da carga horária mínima do curso e a proporção da
mesma entre as distintas áreas de formação do arquiteto e urbanista; aspectos condizentes com
a questão do estágio profissional obrigatório; das matérias de ensino; a pós-graduação e sobre
as estruturas físicas básicas (CARTA DE OURO PRETO, 1977).
Como resultado dos debates ocorridos no evento, foi elaborado um documento no qual
constavam recomendações para o delineamento de uma nova reforma curricular, esse
documento ficou conhecido como Carta de Ouro Preto100. Nele foram listados um total de
dezessete itens de recomendações sobre como deveriam ser estruturados os cursos de
arquitetura e urbanismo a partir de um novo instrumento curricular.
Seguindo a mesma lógica do vigente Currículo Mínimo de 1969, a Carta de Ouro Preto
continuou sugerindo que o novo currículo deveria abranger três áreas de conhecimento: Área
100
A redação final da Carta de Ouro Preto esteve sobre a responsabilidade de uma comissão composta apenas por
professores da Região Sudeste do país: “Célio Pimenta, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Brás Cubas
(Mogi das Cruzes-São Paulo); Jairo Moraes Ludmer, da Faculdade de Arquitetura Mackenzie; e Marcos de Souza
Dias, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo” (CARTA DE OURO PRETO,
1977, p. 1).
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
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De modo global, a Carta de Ouro Preto não adentra em pontos específicos do ensino,
como por exemplo, indicar conteúdo ou conhecimentos prioritários na formação, mas,
atendendo à solicitação apresentada no volume da ABEA por parte dos professores de
Paisagismo, a referida Carta, cuidadosamente, destacou como sendo prioritária a inclusão, num
novo instrumento curricular, da matéria de Paisagismo. Ademais, constatou-se que, entre as
dezessete recomendações da Carta de Ouro Preto, nenhuma observação acerca do crônico
problema da HIS foi delineada. Entende-se assim, que a recomendação da área de Projeto e
Planejamento, publicadas no volume da ABEA, sobre o atendimento à coletividade, em especial
aos mais carentes, ficou para trás ou restrita às ações particularizadas dos “professores
negadores do sistema”.
Pelo que se pode constatar das recomendações expressas na Carta de Ouro Preto, assim
como ocorrido no Currículo Mínimo de 1969, o tema da HIS continuaria em segundo plano na
lista de preocupações com a formação profissional dos arquitetos e urbanistas. Muito
provavelmente, a “despreocupação” em pôr o tema da HIS numa condição de prioridade ou
sugestioná-lo como uma matéria, por exemplo, devia-se ao fato de naquele período, em plena
Ditadura Militar, ainda ser forte a cultura de um ensino de projeto conduzida a partir da
perspectiva do “mestre”, com priorização de obras de grande apelo estético e formal, como
evidenciado por Zanettini (1980) e Pereira (1984). Mas, isso só seria confirmado na elaboração
do novo currículo oficial nacional para o qual a Carta de Ouro Preto serviu de base.
Cinco anos após a realização do evento em Ouro Preto, depois de uma série de
avaliações da proposta de um “novo currículo mínimo” entre as escolas de arquitetura e
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
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urbanismo, ABEA, CEAU e IAB, o documento final foi concluído e oficializado em 1982,
contudo, ele só foi encaminhado ao Conselho Federal de Educação no ano de 1986, após o fim
da Ditadura Militar no país. Reafirmando os princípios contidos na Carta de Ouro Preto, a
proposta do novo currículo mínimo definiu a carga horária mínima dos cursos e especificou,
detalhadamente, a divisão de horas para cada um dos três setores que conformavam os cursos:
setor de Projeto de Arquitetura e Urbanismo com 1.740 horas; setor de Tecnologia da
Arquitetura e Urbanismo com 1.020 horas; e setor de Teoria e História da Arquitetura e
Urbanismo com 840 horas (ABEA, 1986, p. 1).
Entretanto, para efeito desta tese, um dos pontos que merece destaque no documento é
a elaboração detalhada da ementa de cada setor. O conteúdo dos três setores eleitos para compor
os cursos de arquitetura e urbanismo foram “[...] discutidos, reafirmados em sua concepção
original e aperfeiçoados em seu detalhamento ou redação [...]” (ABEA, 1986, p. 2, grifo
nosso). A ementa proposta foi estruturada em seis temas, sendo dois para cada setor do curso,
conforme evidenciado no Quadro 5.3.
Setor Temas
Setor de Teoria e História Evolução do espaço habitado através da história: o edifício, a cidade e a paisagem
da Arquitetura e
Urbanismo Fundamentos teóricos da arquitetura e urbanismo
Setor de Tecnologia da Tecnologia da edificação e paisagismo
Arquitetura e Urbanismo Tecnologia da urbanização
Setor de Projeto de Planejamento e projeto de edificações e paisagismo
Arquitetura e Urbanismo Planejamento e projeto físico, local, urbano e regional
Fonte: elaborado pelo autor.
(conclusão)
Temas Ementa
Desenvolvimento da criatividade e da capacidade de análise e síntese nas atividades
de planejamento e projeto.
Foi com a ementa supracitada, somada aos demais temas dos outros dois setores, que os
organizadores do documento apresentado ao CFE entenderam que o aperfeiçoamento da
qualidade do ensino de arquitetura e urbanismo poderia se efetivar, considerando ainda que os
novos profissionais estariam sendo habilitados a um desempenho “mais eficiente” na produção
do espaço habitado ao povo brasileiro (ABEA, 1986). Ao comparar a nova proposta curricular
– inicialmente sugerida na Carta de Ouro Preto – com os currículos mínimos de 1962 e 1969,
ao menos no que diz respeito à abordagem do tema da HIS, o vigente Currículo Mínimo de
1969 apresentava-se menos excludente do que a nova proposta curricular formulada. Se a
intenção era implementar melhorias num novo instrumento curricular que fosse possível
superar as deficiências ainda existentes no ensino de arquitetura e urbanismo, ideologicamente,
conforme foi evidenciado, essas melhorias fundamentaram-se em princípios mais estruturais de
funcionamento dos cursos do que em questões diretamente relacionadas às matérias de ensino,
cujo ementário constituído, oficialmente, não evidenciou uma proximidade com as cadentes
demandas sociais por habitações populares mais dignas, com qualidade arquitetônica e espacial,
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101
Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.
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Em 1982 ocorreram as primeiras eleições diretas para govenadores estaduais e senadores que
se tornaram motivo para a cobrança popular por eleições diretas para presidente. Entre a
autorização das eleições diretas para presidente, ocorrida em 1985, e a sua realização efetiva
em 1989, é promulgada no país a Constituição Brasileira de 1988 que reestabeleceu “[...] os
direitos individuais e sociais fundamentais para o pleno funcionamento da democracia. O
direito de associação, o direito de greve e todas [...] liberdades que haviam sido violadas [...]”
durante a Ditadura Militar (COSTA, 2016, p. 144).
102
A ANDES foi fundada em 1981 no Congresso Nacional de Docentes Universitários realizado em Campinas,
São Paulo.
103
As ações do GERES foram acompanhadas criticamente pela ANDES, que também negociava com o Governo
Federal – no fervor dos debates em torno da Constituinte de 1988 – a implementação de uma reforma que fosse
benéfica para as universidades públicas do país. Embora as ideias lançadas pelo GERES não tenham sido
literalmente efetivadas, elas serviram de base para que, a partir de 1987, algumas universidades públicas iniciassem
um processo interno de autoavaliação, dentre elas: Universidade de Brasília; Universidade Federal do Paraná;
Universidade de São Paulo; e Universidade Estadual de Campinas (MONTEIRO, 2007).
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Arquitetura (ENSEA) promovido pela ABEA, que conseguiu reunir representantes de cursos
de arquitetura e urbanismo em funcionamento no país. Entre as pautas prioritárias, destacou-
-se a “[...] importância da realização de um inventário nacional para subsidiar uma avaliação
qualitativa da situação dos cursos” (SANTOS JUNIOR, 2001, p. 92), de modo que uma
profunda mudança curricular pudesse se efetivar. Daí por diante a ABEA retoma à prática de
realização dos Encontros Nacionais sobre Ensino de Arquitetura no país.
Visando uma abordagem qualitativa, crítica e com uma boa compreensão da temática
geral do evento, a ABEA constituiu um grupo de consultores “ad hoc”104 filiados à própria
associação para produzir textos, expondo suas posições e levantando questionamentos para
reflexões. Na publicação dos textos a ABEA optou por omitir a identificação dos consultores
alegando que essa atitude viria “[...] permitir que novos enfoques e outras visões polêmicas
sobre a avaliação do quadro atual da educação do Arquiteto e Urbanista no país pudessem
104
“Ad hoc” é uma expressão latina cuja tradução literal é "para isto" ou "para esta finalidade". Este termo é muito
utilizado em âmbito jurídico e em pesquisas acadêmicas.
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ser revelados, sem inibição, para seus autores” (ABEA, 1991, p. 1, grifo nosso). Por conta disso,
a partir do momento em que for necessário apresentar as falas e posições desses membros, estes
serão identificados como primeiro consultor, segundo consultor e assim por diante.
De 1986 até 1990, quando uma nova fase da política habitacional brasileira é
empreendida, o país ficou carente de uma política habitacional nacional consistente e efetiva.
Como consequência dessa carência, foram praticamente inexistentes as construções de HIS por
meio de programas habitacionais de abrangência nacional, salvaguardadas pontuais iniciativas
sem grande expressividade no cenário nacional106. Apesar de a literatura especializada
considerar que as décadas de 1980 e 1990 foram décadas perdidas no que se refere às políticas
habitacionais, Bonduki (2014a) salienta que essa afirmação é equivocada pois fundamenta-se
em parâmetros estritamente econômicos. Para o referido autor, mesmo com a ausência de uma
efetiva política nacional de habitação e dos elevados índices de pobreza, proliferação de favelas,
violência urbana, etc., as manifestações e reivindicações populares e de categorias profissionais
diversas, ocorridas no período, foram fundamentais para que se consolidasse a democracia e
105
“Com a extinção do BNH, perdeu-se uma estrutura de caráter nacional que, mal ou bem, tinha acumulado
enorme experiência, formado técnicos [arquitetos e engenheiros], apoiado pesquisas e estudos e financiado a maior
produção habitacional da história do país” (BONDUKI, 2014a, p. 83). Para maiores informações sobre a decisão
do governo brasileiro em extinguir o BNH, aconselha-se a leitura do primeiro capítulo do livro “Habitação social
nas metrópoles brasileiras: uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século XX”, organizado por Adauto Lucio Cardoso, disponível em:
<http://www.habitare.org.br/pdf/publicacoes/arquivos/colecao7/livro_completo.pdf>. Acesso em: 18 mai. 2016.
106
Destaca-se ainda que o país vivenciava um momento institucional conturbador, em que a responsabilidade das
questões referentes aos problemas urbanos e habitacionais do país migrava de instituição para instituição, ou seja,
em 1987 o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, instituído em 1985, passou a denominar-se
de Ministério da Habitação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Decreto nº 95.075, de 22 de outubro de
1987). Posteriormente, no ano de 1988, o governo brasileiro altera o nome do Ministério da Habitação,
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente para Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social, que foi extinto
em 1989. Nesse mesmo ano, as questões condizentes com os problemas urbanos voltam a ser responsabilidade do
Ministério do Interior e os aspectos referentes à questão habitacional foram dispersados por uma série de órgãos
federais, a exemplo do Banco Central, da Caixa Econômica Federal e da chamada Secretaria Especial de Ação
Comunitária, principal responsável pela gestão dos programas habitacionais alternativos.
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176
Essas ações mobilizadoras reapareceram nos anos de 1980 numa fase de lenta e gradual
abertura política e foram postas em evidência durante a movimentação em torno da Constituição
Brasileira de 1988, quando os arquitetos e urbanistas, entidades profissionais (Federação
Nacional dos Arquitetos; Federação Nacional dos Engenheiros e o IAB) e a comunidade
organizada (Movimento de Defesa dos Favelados, Articulação Nacional do Solo Urbano,
Coordenação Nacional dos Mutuários, movimentos sociais de luta pela moradia, dentre outros)
engajaram-se na luta pela Reforma Urbana. Todas essas forças foram fundamentais para a
elaboração do documento intitulado “Proposta popular de emenda ao Projeto de
Constituição”, desenvolvido para a pasta sobre Reforma Urbana. Com isso, após anos de
Ditadura Militar, a sociedade estava tendo a oportunidade de lançar propostas e reivindicar
direitos relativos à vida nas cidades, acesso à moradia e à terra. O documento referenciado foi
estruturado de modo a contemplar questões sobre o direito urbano, a propriedade imobiliária
urbana, sobre a política habitacional, o transporte e serviço público, e da gestão democrática da
cidade, do qual pode-se destacar os seguintes artigos:
Art. 1º - Todo cidadão tem direito a condições de vida urbana digna e justiça social,
obrigando o Estado a assegurar:
I – Acesso à moradia107, transporte público, saneamento, energia elétrica, iluminação
pública, comunicações, educação, saúde, lazer e segurança, assim como preservação
do patrimônio ambiental e cultural.
II – Gestão democrática da cidade.
Art. 12º - Para assegurar a todos os cidadãos o direito à moradia, fica o poder público
obrigado a formular políticas habitacionais que permitam:
I - Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas em regime de posse ou
em condições de sub-habitação;
II – Acesso a programas públicos de habitação de aluguel ou a financiamento público
para aquisição ou construção da habitação própria.
III – Regulação do Mercado imobiliário urbano e proteção ao inquilino, com a fixação
de limite máximo para o valor inicial dos aluguéis residenciais;
IV – Assessoria técnica à construção da casa própria.
(PROPOSTA POPULAR DE EMENDA AO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO,
1988, grifo nosso).
107
Apesar de a proposta popular de emenda ao projeto de constituição ter previsto como direito de todo o cidadão
o acesso à moradia, esse direito não foi incluso no texto original da Constituição Federal aprovada em 1988, ele
só foi inserido após a publicação da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000. Assim, conforme o
artigo 6º da Constituição Federal, são direitos sociais do cidadão brasileiro: “[...] a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao
/Constituicao.htm>. Acesso em: 08 jul. 2016.
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No primeiro ano de seu mandato, em maio de 1990, Fernando Collor de Melo lança o
Plano de Ação Imediata para a Habitação (PAIH)109. Tal plano, considerado como uma ação
108
A exemplo do Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, lançado em 1987.
109
“O Paih possuía três vertentes: “programa de moradias populares” (unidades acabadas), “programa de lotes
urbanizados” (com ou sem cesta básica de materiais) e “programa de ação municipal para habitação popular”
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(unidades acabadas e lotes urbanizados). Enquanto para os dois primeiros programas os agentes promotores eram
variados (Cohab, Cooperativas, Entidades de Previdência, Carteiras Militares etc.), para o último este papel caberia
exclusivamente à prefeitura” (AZEVEDO, 2007, p. 19).
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Isso se ensina? Nossas escolas superiores tem sido um fórum onde se debate aquilo
[questões referentes a HIS]? Nossos formandos em arquitetura aprendem os
rudimentos éticos, políticos e técnicos que tais aspectos do problema habitacional
comportam? Aprendem a formular corretamente as perguntas e indagações a serem
apresentadas ao corpo social, a tal ou qual especialista (jurista, geofísico, engenheiro
sanitário, sanitarista)? Sem que se pretenda transformá-los numa aberração
enciclopédico-multidisciplinar, talvez perambulando de uma organização a outra, de
instituição em insituição, se calhar até mesmo gritando a esmo pelo acirramento das
contradições e preconizando o big-bang como pré-requisito absoluto para o exercício
da profissão? Quero crer que sim, pois afinal a ecologia e o verde estão na moda,
etc, etc (Primeiro consultor da ABEA, grifo nosso)110.
Pode-se perceber que o primeiro consultor da ABEA finalizou seu questionamento sobre
o ensino de arquitetura e urbanismo supondo, ironicamente, que as escolas de arquitetura e
urbanismo estavam capacitando seus formandos a lidarem com esse universo de conflitos e
disputas que envolve a HIS. Além disso, constata-se que um dos questionamentos supracitados
se refere à capacitação dos formandos em arquitetura e urbanismo na formulação crítica de
indagações que os possibilitem a compreensão real do problema da HIS. Fato esse que, dados
os contextos educacionais do período, a condição secundária do tema da HIS no currículo
oficial nacional e de sua omissão na proposta de reformulação do Currículo Mínimo de 1969,
provavelmente não estava sendo equacionado a contento, salvaguardadas pontuais ações
empreendidas por docentes que compartilhavam de uma orientação política “negadora do
sistema”.
110
(ABEA, 1991, p. 9).
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visão do primeiro consultor, essa aceitação se procedia sem que o profissional de arquitetura e
urbanismo desenvolvesse importantes questionamentos para bem entender a realidade com a
qual viria estabelecer contato, uma deficiência cuja origem se encontrava no próprio sistema
educacional, responsável por não constituir uma cultura de envolvimento dos alunos com os
problemas projetuais e urbanos da população de baixa renda do país. Assim, expôs: “o
atrelamento nosso ao sistema de produção heteronômico [referente à HIS] comportaria uma
longa série de questionamentos [não devidamente formulados], tanto sobre os sapos que nos
impõem engolir como sobre os que precisaríamos vomitar” (Primeiro consultor da ABEA)111.
Pelo que se pode notar, segundo o relato do primeiro consultor da ABEA, a preocupação
em capacitar profissionais da arquitetura e urbanismo para atuarem como profissionais críticos
no setor produtivo voltado à população de baixa renda era de inegável importância. Nessa
mesma linha de raciocínio, mas numa postura mais incisiva quanto à crítica da ausência do tema
da HIS nos cursos de arquitetura e urbanismo, o segundo consultor da ABEA chegou a afirmar
que na visão de muitos professores o tema da HIS apresentava-se como desnecessário, visto
que, se um profissional é preparado para projetar uma grande edificação residencial,
consequentemente, o mesmo estará sendo preparado para projetar uma habitação de menor
porte. Não obstante, o segundo membro evidenciou que a realidade era bem diferente da prática:
111
(ABEA, 1991, p. 13).
112
(ABEA, 1991, p. 21).
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De acordo com o consultor referenciado, a situação era ainda mais agravante quando no
ensino de arquitetura e urbanismo era cogitado que os alunos projetassem urbanização de
favelas. Nesse caso, os discentes não dispunham de informações suficientes para atender bem
essa demanda, “[...] seja na percepção da linguagem popular do espaço produzido
coletivamente, seja na adaptação/implantação da infra-estrutura [...]” (Segundo consultor da
ABEA)114. Após uma série de colocações, o segundo consultor chegou à conclusão de que as
escolas de arquitetura e urbanismo, até o ano de 1991, ainda não conseguiam empreender um
ensino que capacitasse seus futuros arquitetos e urbanistas para o atendimento da demanda
social do povo brasileiro, isto é, produzir ou intervir em espaços/territórios populares.
113
(ABEA, 1991, p. 21).
114
(ABEA, 1991, p. 23).
115
(ABEA, 1991, p. 24).
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tornar obrigatório o ensino sobre HIS e sim, a partir desta ação, consolidar uma cultura de
projeto, ensino e formação voltada para as massas.
A quem interessa analisar a situação do ensino hoje? Aos que acham que ele está bom?
Aos que acham que não tem jeito mesmo? Ou que sempre foi assim?
Certamente a esses o tema não interessa. Eles formam o grupo mais inerte e
conservador. Este grupo só faz reforçar o poder de quem manda hoje nele, o bom
mandado é o que nada analisa ou propõe, apenas se aquinhoa com as migalhas que o
arbítrio distribui (ABEA, 1991, p. 48).
Retomando ao cotidiano dos ateliês de projeto comandados por professores que também
atuavam como arquitetos profissionais, eles difundiam práticas arquitetônicas fundamentadas
em obras com grande apelo visual. Segundo o quinto consultor da ABEA, grandes obras
atraíam muito mais a atenção dos alunos do que qualquer outro tipo de empreendimento na
área da arquitetura e urbanismo (ABEA, 1991). Mas, como as grandes obras não iriam atrair
maior atenção se os próprios professores de projeto eram disseminadores desse tipo de
empreendimento? Como era possível estimular alunos a se interessarem por outros tipos e
padrões arquitetônicos se não havia uma cultura de projeto voltado a outros estratos sociais?
Contudo, essa prática “elitista” de ensino, ocasionava certos dilemas e demandas em alguns
alunos, em particular entre os oriundos dos estratos sociais menos favorecidos
economicamente, que não se viam representados no ensino de arquitetura e urbanismo. Para
esse grupo, na visão do quinto consultor da ABEA, muitas vezes eram levados a práticas de
submissão que lhes permitissem uma melhor integração ou uma visibilidade na área da
arquitetura e urbanismo (ABEA, 1991). Toda essa conjuntura de conflitos e abordagens
“elitistas” de ensino encontrava sua origem nas disciplinas de projeto, como bem salientou o
referido consultor da ABEA:
116
(ABEA, 1991, p. 48).
117
(ABEA, 1991, p. 65).
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
185
Por fim, conseguir fazer com que a formação dos arquitetos e urbanistas, em plena
década de 1990, pudesse se efetivar com base numa formação de profissionais aptos a lidar
eficazmente com o problema habitacional dos classificados como economicamente
desfavorecidos, iria exigir, por parte dos agentes envolvidos com o ensino de arquitetura e
urbanismo no país, muita luta, como bem relatou o segundo consultor da ABEA:
118
(ABEA, 1991, p. 34).
119
Conforme dados do MEC, até o ano de 1992, o país possuía 18 cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais, 4 cursos ofertados por Universidades Estaduais e 36 cursos ministrados por instituições
privadas de ensino superior. Dados disponíveis em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 20 abr. 2019.
120
Os cursos de arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais do Nordeste foram representados
por seis instituições, no caso: 1) UFAL, representada pela professora Germana da Silva Pascual; 2) UFC,
representada pelos professores Margarida Júlia F. de Salles Andrade e Roberto Martins Castelo; 3) UFPB,
representada pelos professores Alexandre Azedo Lacerda e Ana Maria de S. M. Farias; 4) UFPE, representada
pelos professores Luis Manuel de Eirado Amorim, Risale Neves e Sonia Marques; 5) UFRN, representada pelos
professores Fernando José de Medeiros Costa, Françoise Dominique Valery e Pedro Antonio de Lima Santos; 6)
UFBA, representada pelos professores Itamar Costa Kalil e Guivaldo d'Aiexandría Baptista (ABEA, 1992).
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
186
quatro temas que abrangiam toda a estrutura organizacional dos cursos (Quadro 5.5). Os temas
se relacionavam com aspectos que englobavam ações administrativas, passando pelas
atividades de pesquisa e extensão, formação continuada, até a abrangência da estrutura
curricular.
Participantes da mesa (sem ordem definida): o Secretário de Ensino Superior/Ministério da Educação, Prof. Rodolfo Pinto da
Luz; Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Prof. Evando Mirra Paula e Silva; Diretor Geral das Faculdades
Metodistas Integradas lsabella Hendrix, Prof. Ulisses Panisset; Presidente da Federação Nacional dos Arquitetos; Arq. Valeska
Peres Pinto; Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil-Direção Nacional; Arq. Ciro Pirondi; Presidente da Federação
Nacional de Estudantes de Arquitetura, Acad. Ricardo Costa Pinto; Vice-Diretora da Escola de Arquitetura da UFMG, Profª.
Marina Evelyn Machado; Diretor do Instituto Metodista Isabelia Hendrix, Prof. Silas Raposo; Presidente da Associação
Brasileira de Ensino de Arquitetura, Profª. Maria Elisa Meira; Presidente do CREA-MG e Representante do CONFEA, Eng.
Onofre Resende.
Fonte: ABEA, 1992, p. 19.
Imagem 5.5 - Representantes das Escolas de Arquitetura no Seminário Nacional ABEA, 1992
121
O termo “estrutura curricular plena” foi utilizado pela ABEA para se referir aos currículos oficiais
desenvolvidos por cada instituição de ensino que eram formulados a partir do currículo mínimo nacional.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
188
Os critérios elaborados para a estrutura curricular plena (Imagem 5.6), de modo geral,
centravam-se sobre: a elaboração clara dos objetivos dos cursos e da formação empreendida
por cada instituição de ensino; a verificação do número de horas aula ministradas; e a
verificação da estrutura curricular com o contexto regional (ABEA, 1992). Além disso, havia
uma preocupação acerca das disciplinas de projeto sobre o fato de elas resgatarem “[...] a
característica de ofício da profissão, através da possibilidade de materialização” (ABEA, 1992,
p. 53). Contudo, nenhuma explicação mais detalhada de como seria possível avaliar essa
chamada “possibilidade de materialização” foi apresentada.
Imagem 5.6 - Critérios finais para avaliação da Estrutura Curricular Plena (ECP)
Durante o ano de 1993, a CEAU concentrou esforços no primeiro foco de ação, ou seja,
a construção de um novo inventário dos cursos, escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo
em funcionamento no Brasil. Para tanto, a comissão tomou como base os trabalhos iniciados
pela ABEA em anos anteriores123. Já no ano de 1994, a CEAU dedicou-se à realização de
seminários para debater e refletir sobre a situação do ensino de arquitetura e urbanismo. Ao
todo foram realizados cinco Seminários Regionais ocorridos nas cidades de Natal-RN, Cuiabá-
MT, Porto Alegre/RS, Vitória/ES e São Paulo/SP, e um Seminário Nacional ocorrido em
Brasília-DF.
Foi com base nas considerações e recomendações dos seminários promovidos pela
CEAU que a Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto fixou
as “Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo” dos cursos de graduação em arquitetura e
122
O primeiro inventário dos cursos, escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo foi realizado e publicado pela
ABEA no ano de 1992. Este documento apresentou o quantitativo e os tipos de projetos de pesquisa e extensão
que estavam sendo desenvolvidos pelas 20 instituições de ensino participantes do inventário. Com a publicação
deste inventário, a ABEA objetivou fornecer informações para que outras instituições de ensino e a própria
comunidade acadêmica pudessem conhecer o cotidiano dos cursos e suas potencialidades. A íntegra do “Inventário
dos cursos, escolas e faculdades de arquitetura e urbanismo – Etapa 1” está disponível para consulta no seguinte
endereço eletrônico: <http://www.abea.org.br/?page_id=730>. Acesso em: 20 dez. 2015.
123
Nesse processo, a CEAU contou também com o apoio do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia (CONFEA), Conselho Federal de Educação, da Secretaria de Educação Superior do Ministério da
Educação e do Desporto (SESU/MEC), Instituto de Arquitetos do Brasil, Federação Nacional de Arquitetos e
Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura (FENEA). Tais órgãos forneceram dados, informações,
documentos e legislações à CEAU que resultaram num diagnóstico preliminar da área (BRASIL, 1994).
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
191
Fonte: elaborado pelo autor com base em BRASIL, 1969 e BRASIL, 1994.
Diante dessas evidências, questiona-se: como uma comissão composta por professores
de prestígio nacional pôde, diante das constantes críticas sobre o Currículo Mínimo de 1969 e
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
195
das críticas à formação desvinculada das demandas da população de baixa renda ocorridas no
X ENSEA, não ter tido o cuidado em reformular substancialmente o conteúdo da matéria de
“Projeto de Arquitetura, de Urbanismo e de Paisagismo”? Por qual motivo o tema da HIS,
diante do progressivo agravamento do problema habitacional vivido pela população de baixa
renda no país, não foi legitimado como obrigatório na Portaria nº 1770/1994?
Pelo que tem sido analisado ao longo desta pesquisa, até 1994, parecia haver o
entendimento geral entre os profissionais envolvidos com o ensino de arquitetura e urbanismo
de que a Habitação de Interesse Social não era considerada como um conhecimento, assim
como, o Paisagismo, o Urbanismo, a Informática Aplicada à Arquitetura e Urbanismo, etc., que
justificasse a sua inserção como matéria – termo que se diferenciava da ideia de disciplina,
entendida como sendo a divisão da matéria – ou como conteúdo. Em síntese, a HIS era
entendida como um tema/projeto qualquer que, assim como outros possíveis tipos de projeto,
estava condicionado às decisões particularizadas dos cursos e dos docentes na condução das
distintas disciplinas a serem ministradas. Desse modo, observa-se que, “aparentemente”, o
conteúdo das matérias listadas no Quadro 5.7, contemplava todo e qualquer projeto
habitacional. Mas, essa suposta “democratização” das distintas habitações foi interrompida pela
CEAU ao definir particularidades sobre os temas, ou seja, caso as instituições de ensino e os
professores não tivessem uma “atenção crítica às necessidades sociais”, os temas de projeto,
mais precisamente, as habitações e edifícios, não precisavam se relacionar aos problemas de
maior interesse social, nesse caso, entendidos como sendo os problemas vividos pela população
de baixa renda.
Segundo a ABEA (1994, p.89, grifo nosso), a reformulação curricular instituída pela
Portaria nº 1770/1994 – com os diagnósticos evidenciados – sob responsabilidade da CEAU,
foi fruto de “[...] um processo de reflexão de avaliação baseado em exame aprofundado da
problemática educacional na área”. Problemática esta que, oficialmente, manteve-se distante
das demandas da população de baixa renda. Assim sendo, não é de estranhar a afirmativa já
citada pelo segundo consultor da ABEA, sobre o fato de professores da arquitetura e urbanismo
considerarem a questão da habitação de interesse social como um problema econômico,
portanto, longe de sua competência profissional (ABEA, 1991).
Nesse documento, a CEAU relata que no período de 1995 e 1996 havia no Brasil 85
cursos de arquitetura e urbanismo, sendo 32 cursos em implantação e 53 cursos em
funcionamento. Ainda conforme a Comissão, os 85 cursos existentes, distribuídos entre
instituições públicas e privadas, tiveram a oportunidade de “redesenhar” os currículos plenos e
os projetos pedagógicos com base nas Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
(MEC; SESU; CEAU, 1995, p. 2). Observa-se que a preocupação fundamental na construção
de um curso que mantivesse relação com a atividade prática da profissão, centrou-se no
estabelecimento de condições favoráveis à implementação da informática no curso de
graduação, como se essa inserção fosse, literalmente, capaz de marcar o ensino numa nova era,
e ainda, como se o problema da relação ensino e prática se resumisse ao ensino de desenho
computadorizado.
Uma das históricas ações de destaque nesse tipo de assistência foi desenvolvida pelo
curso de arquitetura e urbanismo da Faculdade de Belas Artes de São Paulo a partir de ações
extensionistas promovidas pelo Laboratório de Habitação (Lab-Hab) da instituição. Criado em
1982, no fim da Ditadura Militar, o Lab-Hab passou a desempenhar um importante papel no
cenário educacional e habitacional direcionado à população de baixa renda ao capacitar alunos
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Imagem 5.7 - Ensaio do primeiro painel de laje no Lab-Hab da Faculdade de Belas Artes
Com a expansão dos cursos de arquitetura e urbanismo pelo país e o crescente número
de professores com dedicação exclusiva nas universidades, progressivamente novos grupos de
pesquisas em HIS e laboratórios de habitação vão sendo criados. Afinal, neste lugar, não havia
nenhum impedimento ou condição legal para que o tema da HIS ocupasse uma posição de
destaque. Desse modo, até a finalização desta tese, somente na área ciências sociais aplicadas,
o país já possuía um total de 46 grupos de pesquisa que desenvolvem trabalhos sobre HIS. Deste
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124
Levantamento realizado no portal http://lattes.cnpq.br/web/dgp, em 11 de maio de 2019.
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201
a comunidade discente das instituições, mesmo assim conseguiram contribuir com a formação
de profissionais mais comprometidos com os problemas habitacionais da população menos
favorecida economicamente da sociedade brasileira.
O Usina CTAH125, fundado em 1990 na cidade de São Paulo, tem atuado “[...] no sentido
de articular processos que envolvam a capacidade de planejar, projetar e construir pelos
próprios trabalhadores, mobilizando fundos públicos em um contexto de luta pelas Reforma
Urbana e Agrária” (VILAÇA; CONSTANTE, 2015, p. 375). A primeira grande obra
desenvolvida pelo Usina CTAH foi o Mutirão 26 de Julho (Imagem 5.9), um conjunto
habitacional formado por construção de 561 unidades habitacionais todas construídas por meio
de mutirão e autogestão, com recursos da Prefeitura Municipal de São Paulo (através do
Programa Funaps Comunitário). O Mutirão 26 de Julho foi construído entre os anos de 1991 a
2000 (com interrupção entre os anos de 1993 e 1997) na Zona Leste de São Paulo, e, segundo
Marcos Lopes, Mário Braga e Wagner Germano (2015, p. 224), “[...] acabou se tornando uma
espécie de laboratório para experiências de habitação de interesse social”.
Além dessa obra, o Usina CTAH, participou também: entre 1991 a 1998 da construção
de casas via mutirão autogerido em Guarapiranga, São Paulo, obra batizada pelo nome de Talara
(Imagem 5.10); entre 1992 a 1998 da construção de edifícios para 1000 famílias em Jardim
Piratininga, Osasco/SP, projeto batizado de Copromo (Imagem 5.11); entre 1993 a 1998
participou da construção de 20 edifícios com 4 andares em São Mateus, São Paulo, projeto
batizado como União da Juta.
125
Os primeiros membros do Usina CTAH trabalhavam no Laboratório de Habitação da UNICAMP, mas, após
avaliarem a possibilidade de constituir uma estrutura autônoma da instituição de ensino, decidiram montar a ONG
e continuar trabalhando o problema da moradia junto com os movimentos sociais (LOPES; BRAGA; GERMANO,
2015).
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
202
Imagem 5.9 - Canteiro de obras e croqui da fachada das casas do Mutirão 26 de Julho
Imagem 5.10 - Canteiro de obras do Projeto Talara e planta baixa das unidades habitacionais
O período temporal delimitado neste capítulo, entre os anos de 1977 a 1994, foi
caracterizado, no âmbito das ações relacionadas à produção de habitações de interesse social,
pela fase final de funcionamento do BNH, extinto em 1986, e início do estabelecimento dos
programas habitacionais alternativos. Esses, por sua vez, inseriram novas estratégias de
enfrentamento do problema habitacional vivido pela população de baixa renda a partir do
incentivo à autoconstrução, autogestão e mutirão popular, muito em decorrência do movimento
nacional de luta pela redemocratização do país que culminou com a institucionalização da
Constituição Brasileira em 1988. É, nesse cenário, que a ABEA assume o trabalho de
movimentar professores e representantes dos cursos de arquitetura e urbanismo do Brasil em
torno da reformulação do Currículo Mínimo de 1969 no sentido do estabelecimento de
parâmetros mínimos que fossem capazes de manter a qualidade do ensino e de o colocar em
sintonia com as transformações em curso no país.
126
PEABIRU (São Paulo) (Ed.). Programas. 2019. Disponível em: <http://www.peabirutca.org.br/>. Acesso em:
12 mai. 2019.
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5 As Diretrizes Curriculares e o Conteúdo Mínimo de 1994
204
Diante da não inserção do tema da HIS como matéria ou como conteúdo obrigatório, a
alternativa encontrada pelos “professores negadores do sistema” foi constituir grupos de
pesquisa e laboratórios voltados para o problema da HIS. Nesses espaços foi possível o
desenvolvimento de atividade de extensão relacionados à assistência técnica em HIS e a
capacitação de um grupo seleto de alunos no atendimento às necessidades habitacionais da
população de baixa renda. Apesar de os laboratórios de habitação e a atuação dos grupos de
pesquisa terem contribuído com a disseminação do conhecimento em torno dos problemas
habitacionais do país, conforme o quinto consultor da ABEA (ABEA, 1991), esses resultados
tiveram pouquíssima repercussão na graduação em arquitetura e urbanismo.
Este capítulo tem como objetivo analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo instituídas em 2006 e sua reformulação
ocorrida em 2010, quanto à oficialização do tema da habitação de interesse social. Para tanto,
foram analisadas, no período compreendido entre os anos de 1995 a 2018, as principais ações
relacionadas à produção de habitações de interesse social; os principais eventos acadêmicos e
profissionais, bem como os fatos ocorridos no país que impactaram no ensino de arquitetura e
urbanismo, segundo evidenciado na linha do tempo exposta na Imagem 6.1.
Imagem 6.1 - Linha do tempo dos principais fatos ocorridos entre 1995 e 2018
Ainda em 1996, além dos programas Pró-Moradia, o Governo Federal, com a intenção
de impulsionar ainda mais o setor da construção civil por meio da iniciativa privada, cria um
programa de demanda espontânea, o Carta de Crédito. Esse se destinava à concessão de
127
Na esfera econômica, além das reformas constitucionais e das privatizações, FHC, objetivando controlar a
galopante inflação, realizou uma reforma monetária – conhecida como Plano Real – que lhe proporcionou destaque
nacional e internacional e, consequentemente, garantiu-lhe votos para o segundo mandato eleitoral.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
209
128
Para Santos (1999), o crédito direto ao consumidor final era visto pelo governo brasileiro com bons olhos, pois
a responsabilidade de solucionar o problema habitacional era transferida diretamente para o consumidor que
poderia ter maior liberdade de escolha na solicitação do financiamento, ou seja, ele poderia optar por comprar um
imóvel pronto novo ou usado, comprar um terreno ou, até mesmo, materiais de construção.
129
Inicialmente o Programa Favela-Bairro, cujas propostas foram elaboradas por escritórios particulares, sem
vínculos com a administração pública, atendeu a 15 comunidades da cidade do Rio de Janeiro classificadas como
sendo de pequeno e médio porte. Os trabalhos só começaram a ser efetivados a partir do firmamento da parceria
entre a Prefeitura do Estado do Rio de Janeiro com o BID, em 1995, que foi renovado em 2000 (MENDES, 2006),
e se constituiu como um programa de iniciativa do Estado do Rio de Janeiro na gestão do prefeito Cesar Maia
(1991 a 1996), e não como uma conquista de movimentos populares organizados (BENETTI, 2012).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
210
Essa ideia de integrar a favela à cidade foi posta por Benetti (2012) como sendo o ponto
de superação do Programa Favela-Bairro em relação às intervenções já realizadas no Brasil em
favelas (comumente caracterizadas pela remoção total), ou seja, a política habitacional do
programa não partiu da premissa de construção de habitação, mas de ofertar às comunidades
beneficiadas o acesso e pertencimento à cidade. Entretanto, o citado autor ressaltou que, apesar
do objetivo inicial ter sido a consideração das áreas faveladas como novos bairros, “[...] na
prática, a falta de cuidado e a discriminação concreta dos órgãos de manutenção provocam uma
volta às condições anteriores das obras” (BENETTI, 2012, p. 63).
130
“Essa medida provisória foi reeditada 24 vezes entre 1999 e 2001, antes de ser transformada em lei – Lei
Ordinária nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001” (BONATES, 2007, p. 87).
131
O Estatuto da Cidade foi instituído por meio da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Além de ter
regulamentado os capítulos da política urbana da Constituição Brasileira de 1988, o Estatuto da Cidade traz alguns
avanços significativos ao assumir o compromisso em garantir o “[...] direito a cidades sustentáveis, entendido
como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer” (BRASIL, 2001, p. 1). Segundo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (2003,
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
211
com destaque para a parceria firmada entre a CAIXA e o IAB. Foi ainda em 2001 que estas
entidades lançaram a primeira edição do concurso público nacional de ideias e soluções para
habitação de interesse social, chamado Prêmio CAIXA-IAB.
Essa premiação, com edições realizadas em 2001, 2004, 2006 e 2008/2009, converteu-
-se num dos mais importantes instrumentos de estímulo para profissionais e estudantes da área
da arquitetura e urbanismo no desenvolvimento de inovações projetuais para HIS no Brasil.
Aliás, o objetivo do concurso era “promover o debate no meio acadêmico e entre os
profissionais em busca de soluções econômicas, criativas e inovadoras para o urbanismo e a
habitação de baixo custo” (CAIXA; IAB, 2001, p. 1 apud ASSUMPÇÃO, 2013, p. 162). O
Prêmio CAIXA-IAB, além de estimular que os participantes desenvolvessem propostas
vinculadas a distintos programas habitacionais em vigor no país, trouxe em seus editais distintas
modalidades de premiação que representavam as principais características dos problemas
habitacionais e urbanos vividos pela população de baixa renda, como pode ser conferido no
Quadro 6.1.
Edição Modalidades
Habitação
2001
Urbanismo
Programa de Arrendamento Residencial
Carta de Crédito Associativo recursos FGTS individual
Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH
2004
Programa Pró-moradia
FAT Habitação (FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador)
Composição dos programas listados acima
Terrenos, inseridos em malha urbana de áreas consolidadas, propiciando tipologias de alta
densidade, que poderão exigir a utilização de elevadores
Vazios urbanos, de médio porte, inseridos em áreas urbanizadas
2006 Lotes urbanos, de pequeno porte, propiciando tipologias multifamiliares, de densidade média, sem
utilização de elevadores
Urbanização de assentamentos informais
Reciclagem de prédios deteriorados e ou obsoletos, adaptando-os para fins habitacionais
Soluções integradas para intervenções em comunidades indígenas e quilombolas
Habitação Sustentável multifamiliar em áreas de favelas
2008/2009
Reabilitação de edifícios em áreas centrais
Intervenções em Áreas urbanas e degradadas
Fonte: adaptado de Assumpção (2013, p. 165).
p. 14), o Estatuto da Cidade evidenciou a relevância da questão urbana, reivindicada pela sociedade desde a década
de 1960, para a “[...] construção de um projeto de sociedade igualitária e justa”. No entanto, o autor salientou que
esse instrumento foi aprovado num período em que estava ocorrendo a afirmação da ampliação das características
concentradoras da urbanização e emergência de forças poderosas sobre o poder urbano corporativo (Op. cit, 2003).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
212
Lula esteve no comando do país por dois mandatos consecutivos, 2003-2006 – período
que ocorre a institucionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo – e 2007-2010. Na esfera habitacional, Lula conduziu
suas ações com base no Projeto Moradia132, desenvolvido entre os anos de 1999 e 2000. Este
projeto propunha, entre uma série de ações, que no novo governo fossem tomadas as seguintes
medidas em relação à situação habitacional do país: criação do Sistema Nacional de Habitação
que articularia todos os órgãos públicos voltados para habitação; criação do Ministério das
Cidades; e criação do Fundo Nacional de Moradia em resposta à demanda do movimento de
habitação.
Foi a partir da construção desse projeto que no governo Lula compreendeu-se que “[...]
o problema da moradia não se resolvia apenas com a construção de casinhas, mas era necessário
enfrentar também a questão urbana e fundiária [...]” (BONDUKI, 2009, p. 10). Assim, seguindo
o compromisso firmado com o projeto mencionado, Lula, em seu primeiro mandato, cria:
132
Segundo Bonduki (2009), o referido projeto foi construído a partir das propostas lançadas por diversos
segmentos da sociedade civil: movimentos sociais, entidades empresariais, técnicas e acadêmicas, ONGs,
sindicatos e poder público. O Projeto Moradia foi formulado por uma equipe de coordenadores compostos por:
Clara Ant (arquiteta, coordenadora geral do Projeto Moradia e dirigente do Instituto Cidadania), André de Souza,
Ermínia Maricato, Evaniza Rodrigues, Iara Bernardi, Lúcio Kowarick, Nabil Bonduki e Pedro Paulo Martoni
Branco, e com a gerência executiva de Tomás Moreira (BONDUKI, 2009; 2008).
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213
Além de todas essas ações, o governo Lula continuou aplicando as mesmas estratégias
econômicas implementadas no governo de FHC, conseguindo, assim, manter a economia do
país estável por um bom período. Nesse interim, o governo decide revisar as normativas do
PAR e promover a expansão das faixas salariais familiares possibilitando, deste modo, após a
publicação da Portaria nº 231, de 4 de junho de 2004, que as famílias cuja renda mensal fosse
de até quatro salários mínimos passassem a ser beneficiadas com o arrendamento de uma nova
unidade habitacional, desde que respeitadas as condições específicas de construção e projeto
arquitetônico que variavam conforme a região do país.
133
Segundo o artigo 24 da Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, era permitida ao Ministério das Cidades a
aplicação direta dos recursos do FNHIS, mas, até 2018, os recursos estavam sendo administrados e repassados
pela Caixa, à medida que as obras eram executadas e atestadas pelos Estados, Municípios e Distrito Federal.
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214
ocupada pelas famílias beneficiadas, com urbanização das áreas livres e infraestrutura
(VASCONCELOS, 2015).
Além dos programas citados, destaca-se como uma conquista importante para os
arquitetos e urbanistas e movimentos populares organizados, a aprovação pelo Congresso
Nacional da Lei nº 11.888, sancionada em 24 de dezembro de 2008 (Lei nº 11.888/2008), que
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assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o
projeto e a construção de HIS. Para os arquitetos e urbanistas brasileiros, em particular, a
aprovação da referida lei se constitui num novo marco profissional e de desafios para os cursos
de graduação em arquitetura e urbanismo, como será abordado no item 6.2 deste capítulo.
O PMCMV ao ser instituído, rompe com o projeto de política urbana que estava sendo
debatido no Ministério das Cidades. A ideia de produzir HIS integrada à cidade expressa no
PNH foi totalmente desvirtuada pelo PMCMV que, segundo Haroldo Pinheiro, priorizou “[...]
a localização dos empreendimentos em bairros periféricos, distantes da malha dotada de
infraestrutura e mercado de trabalho, agravando problemas urbanos e sociais já insustentáveis
em nossas cidades” (PINHEIRO apud CAU, 2014, p. 1).
O PMCMV tem sua produção demarcada por fases: a primeira delas foi iniciada em
2009 e se estendeu até 2010, quando finda o governo Lula – nesse período a meta inicial de
contratar a construção de 1 milhão de habitações foi atingida (SINDUSCON-RIO, 2012); a
segunda fase aprovada em 2011, no 1º governo da então Presidenta Dilma Rousseff (2011-
2014), estendeu-se até 2014 e, segundo dados do Governo Federal134, a meta de construção
estimada em 2,75 milhões de habitações, foi atingida; e a terceira fase foi iniciada em 2016, já
no governo de Michel Temer135 (2016-2018), cuja meta permaneceu a mesma, no caso, entregar
2 milhões de unidades habitacionais até 2018 (MATOSO, 2016)136.
134
As metas e dados quantitativos divulgados pelo Governo Federal sobre a produção habitacional do PMCM até
2014 estão disponíveis em: <http://www.secretariadegoverno.gov.br/iniciativas/internacional/fsm/eixos/inclusao-
social/minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 3 nov. 2019.
135
Michel Temer foi vice-presidente de Dilma Rousseff nos períodos de 2011 a 2014 (primeiro mantado) e de
2015 a 2016 (segundo mandato). Temer só assumiu a presidência do Brasil em 31 de agosto de 2016, após o
plenário do Senado Federal ter aprovado, por 61 votos favoráveis contra 20 contrários, o impeachment de Dilma
Rousseff.
136
As faixas de renda na terceira fase do PMCMV foram ampliadas e o governo criou mais uma modalidade, a
faixa de renda 1,5. Assim, a nova configuração ficou caracterizada da seguinte forma: para a faixa 1 o limite de
renda passou de R$ 1,6 mil para R$ 1,8 mil; a faixa 1,5 foi crida para famílias com renda até R$ 2.350; na faixa 2,
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
216
Uma das medidas tomadas pelo governo brasileiro para viabilizar as audaciosas metas
de construção foi estabelecer padrões arquitetônicos e construtivos das unidades habitacionais,
principalmente aquelas destinadas às famílias com renda de até três salários mínimos (faixa 1).
No caso das famílias com renda de três a dez salários mínimos (faixa 2 e 3), a CAIXA não
estabeleceu uma especificação mínima para as unidades habitacionais, pois são transferidas às
construtoras a responsabilidade na definição das tipologias de cada edificação.
o limite de renda passa de R$ 3.275 para R$ 3,6 mil; e na faixa 3, o limite de renda passou de R$ 5 mil para R$
6,5 mil (MATOSO, 2016).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
217
Assim, após um período de pesquisa e análise, o referido arquiteto escolheu como objeto
de estudo a cidade de Salvador, Estado da Bahia, por esta apresentar uma topografia que
dificulta a implantação de habitações convencionais. Em entrevista concedida à professora
Cláudia Estrela Porto, o arquiteto declarou que sua intenção não era promover a retirada das
pessoas do local e sim, refazer suas moradias com o apoio de uma fábrica que atuaria como
montadoras das unidades habitacionais (LIMA apud PORTO, 2011).
Lelé apresentou à Cláudia Estrela Porto os projetos detalhados para dois terrenos vazios
localizados nos bairros de Pernambués e Cajazeiras, em Salvador/BA, ambos constituídos de
edificações em estrutura mista metálica com argamassa armada que seriam montadas
manualmente. Para Parnambués (Imagem 6.6), o projeto previa a inserção mista de casas
geminadas, com 32,80m² ou 34,40m², e apartamentos com 39,60m², além de creche, escola e
área de lazer; em Cajazeiras (Imagem 6.7) foi prevista apenas a inserção de apartamentos com
39,60m² (PORTO, 2011).
As propostas desenvolvidas por Lelé demonstram que alternativas projetuais fora dos
padrões convencionais de construção podem ser possíveis de se efetivar desde que haja
interesse por parte de agentes públicos e privados. Contudo, segundo evidenciado por Haroldo
Pinheiro:
A burocracia, aliada a interesses privados, impediu que as ideias [de Lelé] saíssem do
papel. A mesma burocracia que tem ficado atônita e passiva com os seguidos casos
de construções com problemas estruturais, inclusive com ameaças de desabamentos;
denúncias de superfaturamento; transformação dos conjuntos habitacionais em
condomínios fechados e expulsão de moradores por milícias (PINHEIRO apud CAU,
2014, p. 3).
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Imagem 6.6 - Projeto do PMCM desenvolvido para Parnambués por João Filgueiras Lima
Perspectiva externa dos apartamentos e casas geminadas Planta baixa Casas Geminadas – módulo
superior e módulo mínimo
Imagem 6.7 - Projeto do PMCM desenvolvido para Cajazeiras por João Filgueiras Lima
nos capítulos anteriores desta tese. No entanto, essas reafirmações históricas não têm sido
negligenciadas pelas entidades representativas dos arquitetos e urbanistas, a exemplo do IAB e
Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Em 2013, propondo-se a debater a situação do
problema habitacional no país, o IAB e o CAU-BR organizaram um amplo debate nacional
num evento que comemorou 50 anos da realização do Seminário de Habitação e Reforma
Urbana de 1963 (Quitandinha). O evento denominado de Seminário de Política Urbana
Quitandinha +50 (Q+50) foi iniciado no Rio de Janeiro e difundido pelo IAB e CAU dos estados
do Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia e Amazonas com temas
distintos (Quadro 6.2).
A partir da lista de temas constantes do Quadro 6.2, é possível notar que a questão
habitacional tomada como foco central dos debates ocorridos no SHRU em 1963, em 2013 não
assumiu o mesmo destaque. O “novo” contexto de produção habitacional aos moldes do BNH,
efetivado pelo PMCMV, resgatou a preocupação com a questão da problemática da cidade, do
urbano e do meio ambiente. No Q+50, o tema da habitação só aparece como foco de debate
central no evento ocorrido no Rio Grande do Sul, porém isso não significa afirmar que nos
demais estados o tema não tinha sido abordado, ao contrário, este foi articulado às questões
centrais de cada evento. Entre as principais propostas formalizadas no documento final do
Q+50, pode-se destacar:
137
Disponível em: <http://www.iab.org.br/q50>. Acesso em: 15 mai. 2019.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
221
138
Disponível em: <http://www.iab.org.br/q50>. Acesso em: 15 mai. 2019.
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Clóvis Ilgenfritz da Silva, em entrevista ao CAU-BR, comentou que seu encontro com
a ATHIS nasceu a partir das observações de práticas “corruptas” que ocorriam nas prefeituras
quando as famílias mais pobres buscavam legalizar suas casas, muitas delas construídas sem
orientação profissional. Na ocasião Clóvis Ilgenfritz da Silva afirmou:
Anos após a publicação do Programa ATME, já na década de 1990, são criadas algumas
leis municipais legitimando o referido projeto. Segundo o IAB (2010), algumas dessas leis
municipais foram efetivadas nas cidades de Porto Alegre, Campo Grande, São Paulo, Vitória e
Belo Horizonte. Nesse mesmo período, algumas escolas de arquitetura e urbanismo foram
139
Clóvis Ilgenfritz da Silva foi “[...] o primeiro presidente do Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande
do Sul (SAERGS), presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), vereador de Porto Alegre
por três vezes e secretário municipal de Planejamento, deputado federal, conselheiro e vice-presidente do Conselho
de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS)” (MORAES, 2018, p. 1).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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No entanto, entende-se que a capacitação profissional para atuação em ATHIS deve ser
iniciada nas atividades obrigatórias do ensino de arquitetura e que o aprofundamento e a
especialização desta atividade ocorram nas práticas extensionistas, nos escritórios-modelos ou
públicos, e nas residências acadêmicas. Logo, nesta tese, defende-se a ideia de que o tema da
Habitação de Interesse Social deve se constituir como conhecimento prioritário e
obrigatório no currículo oficial nacional e nos Projetos Políticos-Pedagógicos das
instituições de ensino superior como ponto inicial da capacitação técnica profissional para a
atuação em ATHIS, especialmente no âmbito das atividades de projeto de arquitetura,
estendendo-se para outras atividades correlatas. Nessa concepção, a responsabilidade dessa
capacitação não deve ser apenas transferida para os “professores negadores do sistema”, mas,
partilhada e legitimada, oficialmente por toda a comunidade acadêmica. Desse modo, conclui-
140
Projeto de Lei nº 6223, de 6 de março de 2002.
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Esse tipo de recomendação posto na Lei da ATHIS vem coadunar com a antiga conduta
legitimada no Currículo Mínimo de 1969, quando o tema da HIS foi colocado numa condição
de especialização na formação profissional, por conseguinte, não prioritária na graduação.
Porém, acredita-se que com a referida Lei, os cursos de arquitetura e urbanismo possam
ultrapassar os limites nela estabelecidos e, efetivamente, inserir a HIS como área de
conhecimento e as ações relacionadas com a ATHIS como elementos prioritários em seus
currículos oficiais, tanto no ensino quanto nas atividades de pesquisa e extensão.
Desde quando a Lei da ATHIS foi instituída, uma série de ações no campo profissional
e acadêmico na área da arquitetura e urbanismo tem se efetivado no país. Nesse embalo, pode-
se citar, por exemplo, a realização dos Seminários de Assistência Técnica em Arquitetura e
Urbanismo promovido pelo CAU-BR nos anos de 2015, em Maceió/AL, e 2016, em Belém/PA;
a criação do Projeto Arquiteto de Família142, que presta serviços de assistência técnica no Rio
de Janeiro, e foi idealizado pela Organização não Governamental Soluções Urbanas; e a
141
A formação de escritórios populares de arquitetura já tem se tornado uma realidade no Brasil. Nesse tipo de
negócio, os arquitetos e urbanistas desenvolvem atividades remuneradas para comunidades de baixa renda. Entre
esses escritórios pode-se destacar a experiência desenvolvida pelos: Arquitetura Faz Bem, empresa sediada na
cidade de Recife, Pernambuco (mais detalhes estão disponíveis no Instagram @arquiteturafazbem); Arquitetura
para o povo, empresa sediada em Aracaju, Sergipe (detalhes disponíveis no Instagram @arquiteturaparaopovo);
e o Moradigna, empresa com sede em São Paulo e Rio de Janeiro (detalhes disponíveis no site
https://moradigna.com.br/).
142
Para maiores informações sobre como funciona o citado projeto, consultar a seguinte página:
<http://www.solucoesurbanas.org.br/arquiteto-de-familia>. Acesso em: 10 ago. 2017.
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225
143
CONSELHO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO DISTRITO FEDERAL (Distrito Federal). Projeto
“Adote uma Casa”: Estudantes e professores levam assistência técnica gratuita à periferia de Vitória. 2018.
Disponível em: <http://www.caudf.gov.br/projeto-adote-uma-casa-estudantes-e-professores-levam-assistencia-
tecnica-gratuita-a-periferia-de-vitoria/>. Acesso em: 1 jan. 2019.
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226
Num levantamento realizado no banco de dados eletrônico dos anais de todas as edições
dos Seminários Projetar144 (2003 até 2017) com a palavra-chave “Assistência Técnica”, de
1.078 artigos publicados, foram encontrados apenas 8 artigos (Quadro 6.3) que relatavam
atividades sobre assistência técnica. Esses trabalhos narravam as experiências em quatro
campos de ação relacionadas com a formação superior dos arquitetos e urbanistas no país,
sendo: 3 (três) na atividade de pós-graduação; 2 (dois) sobre pesquisa acadêmica; 2 (dois) sobre
extensão universitária; e 1 (um) sobre ensino.
Quadro 6.3 - Artigos sobre ATHIS publicados nos Seminários Projetar (2003 até 2017)
(continua)
Ano Título do Trabalho Tipo de Relato
Experiências de ATHIS na Pós-Graduação
Relato sobre a experiência do programa
Assistência Técnica em Arquitetura, Urbanismo e
2013 Residência Profissional em Arquitetura,
Engenharia: Avanços Institucionais
Urbanismo e Engenharia, idealizado e
coordenado pela professora Angela Maria
Gordilho Souza, como Pós-Graduação lato sensu
Residência Profissional em Arquitetura, Urbanismo e
da Faculdade de Arquitetura da Universidade
2015 Engenharia: experiência inovadora em ensino,
Federal da Bahia (GORDILHO-SOUZA, 2013;
pesquisa e extensão
2015).
144
Disponível em: <http://projedata.grupoprojetar.ufrn.br/dspace/community-list?fbclid=IwAR1RTBcIKyM0zd
KZaHsCT02XEhHtHmuyz9accF4OvOy08dQb1z0LgGg7n7g>. Acesso em: 12 mai. 2018.
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Quadro 6.3 - Artigos sobre ATHIS publicados nos Seminários Projetar (2003 até 2017)
(conclusão)
Ano Título do Trabalho Tipo de Relato
Pesquisas acadêmicas sobre ATHIS
Conhecer para Aplicar: uma análise sobre o Artigo mostra os motivos pelo qual a assistência
2013 desconhecimento da Lei 11.888/2008 e suas técnica não foi implantada nos municípios
consequências para a construção da cidadania Paraibanos (SANTOS; ROMANO, 2013).
145
O novo currículo do curso de graduação em arquitetura e urbanismo da Universidade Federal Fluminense está
disponível em: <http://eau.uff.br/curriculo-novo/>. Acesso em: 20 fev. 2018.
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228
A assistência técnica, pelo que foi evidenciado, prioritariamente tem sido trabalhada
pelas instituições de ensino de modo particularizado, por meio de atividades de pesquisa e
extensão. Porém, no que delineia a preocupação central desta tese de doutorado, resta saber se
após a aprovação da Lei da Assistência Técnica, os agentes envolvidos com a formulação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo,
instituída em 2006 e reformulada em 2010, conseguiram oficializar o tema da HIS como
conhecimento prioritário e/ou obrigatório para a formação dos futuros profissionais da área.
Com a nova LDB, o governo brasileiro ampliou o leque das modalidades de ensino
superior e ratificou práticas inicialmente implementadas pela Reforma Universitária de 1968
no que se refere aos cursos de curta duração e à expansão da educação superior pela iniciativa
privada. Em relação à organização acadêmica, conforme o artigo 8º da LDB, as instituições de
ensino superior passaram a ser classificadas em cinco tipos: universidades; centros
universitários; faculdades integradas; faculdades; institutos superiores ou escolas superiores
(BRASIL, 1996). As novas diversificações institucionais de ensino superior, segundo FHC,
conferiram ao novo sistema de ensino:
[...] mais liberdade para a criação de novos cursos por instituições não universitárias
que se destaquem pela qualidade do ensino, sem a obrigação de investir em pesquisa
e pós-graduação, pré-requisitos indispensáveis apenas para se transformarem
em universidades. Estabeleceu, também, a possibilidade do setor privado organizar-
-se em formas jurídicas alternativas, integrando às instituições direitos e obrigações
sociais adequados à sua natureza jurídica, sem prejuízo da qualidade do ensino e de
outras atribuições (CARDOSO, 1998, p. 13, grifo nosso).
Com esse conjunto de ações, o acesso ao ensino superior expandiu-se, sobretudo por
parte das instituições privadas que continuaram a receber incentivos fiscais. Em relação às
universidades públicas, a meta de FHC era elevar ano após ano o número de alunos sem que o
quadro de docentes e funcionários aumentasse (CARDOSO, 1998). Em síntese, a intensão do
Governo Federal era reduzir os custos do sistema público de ensino superior e os aspectos de
eficiência deste ensino. Para tanto, o caminho encontrado por sua equipe econômica foi ampliar
as relações aluno/professor e aluno/funcionário justificada pelas elevadas taxas de evasão nas
universidades públicas, que resultavam em turmas reduzidas, especialmente nos últimos
semestres dos cursos (CARDOSO, 1998). Contudo, na prática, as instituições públicas de
ensino superior “[...] foram submetidas a um arrocho ainda mais forte que antes [em relação
aos governos de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco], restringidos os recursos para
custeio e investimento, ao passo que as privadas foram brindadas com novas vantagens”
(CUNHA, 2004, p. 803).
didático-científica das universidades públicas etc., segundo a nova LDB, os currículos oficiais
dos cursos de graduação deveriam ser formulados em conformidade com as diretrizes gerais.
Efetivamente, isso significava a extinção dos tradicionais currículos mínimos.
Entretanto, na referida lei, não havia nenhuma referência sobre essas diretrizes gerais,
apenas constava no artigo 9º que a União iria se responsabilizar por baixar as normas gerais
para os cursos de graduação (BRASIL, 1996). Por conseguinte, em 1997 o CNE publica, por
meio do Parecer CNE/CES nº 776/97, de 03 de dezembro de 1997, orientações para a
elaboração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Objetivamente, cabia ao CNE
apenas orientar a elaboração das diretrizes curriculares que deveriam ser formatadas pelas
instituições de ensino superior para cada área de conhecimento.
Dando continuidade ao projeto político educacional de FHC, sete dias após a publicação
das orientações para a elaboração das diretrizes curriculares dos cursos de graduação, o CNE
publica o Edital nº 4/97146 de 10 de dezembro de 1997, convocando as instituições de ensino
superior a apresentar propostas para as novas diretrizes curriculares de seus cursos, que seriam
elaboradas pelas Comissões de Especialistas da SESU/MEC. A partir de então, paulatinamente,
todos os cursos superiores foram instituindo suas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). No
caso das DCN dos cursos de arquitetura e urbanismo, essas só foram instituídas em 2006, cujo
processo será melhor analisado no item 6.4 deste capítulo.
Quando Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, assume o governo do país, as universidades
públicas estavam sedentas por investimentos, pois haviam sido postas em segundo plano no
governo de FHC. Preocupado com a situação das universidades públicas, o governo Lula
instituiu em 20 de outubro de 2003 o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI)147 encarregado
de analisar a situação das instituições federais de ensino superior e apresentar um plano de ação
visando à reestruturação, desenvolvimento e democratização dessas instituições de ensino.
Segundo Aguiar (2016, p. 117), o GTI teve como principal meta propor estratégias de ação para
que o Governo Federal pudesse enfrentar o mais rápido possível, a “[...] crise então vivida pelas
universidades públicas, cujas verbas de custeio teriam diminuído cerca de 50% durante o
146
Segundo Oliveira (2002) e Maragno (2013), o CNE também teria publicado um Edital nº 5, de 6 de março de
1998, convocando as instituições de ensino a apresentar propostas para as novas diretrizes curriculares. Porém, na
pesquisa documental realizada nos arquivos do SESU/MEC, não foi encontrado nenhum registro da publicação
deste edital.
147
O GTI foi formado por representantes dos seguintes órgãos: Ministério da Educação (responsável pela
coordenação geral do grupo); Casa Civil da Presidência da República; Secretaria-Geral da Presidência da
República; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; e Ministério da
Fazenda (BRASIL, 2003).
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governo FHC”. Assim, após a análise da situação vivenciada pelas universidades públicas, o
GTI estruturou seu parecer final em quatro etapas:
CATEGORIA MATRÍCULAS
Pública 1.951.655
Federal 531.634
Estadual 415.569
Municipal 104.452
Privada 2.428.258
Particular 1.261.901
Comunitária/ Confessional/ Filantrópica 1.166.357
TOTAL 3.479.913
Fonte: Adaptado de BRASIL, 2003, p. 3.
148
Não é intenção desta tese se debruçar sobre todas as propostas lançadas pelo GTI acerca do combate à crise do
ensino superior. Sobre essas especificidades, ver Otranto (2006).
149
No Quadro 6.4, o valor total que representa a quantidade de matrículas efetivadas no ensino superior público
em 2003 não corresponde à soma exata de matrículas efetivadas na rede Federal, Estadual e Municipal. A tabela
divulgada pelo governo brasileiro apresenta uma diferença de 900.000 mil matrículas na rede pública, ou seja, a
soma exata é de 1.051.655, mas, o valor publicado foi de 1.951.655 matrículas. Por se tratar de dados oficiais do
Governo Federal, optou-se neste trabalho por representar no Quadro 6.4 os valores originais divulgados.
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232
Foram as proposições sugeridas pelo GTI que balizaram toda a política educacional
desenvolvida no governo de Lula (OTRANTO, 2006), fundamentada na perspectiva de
incentivo à democratização do acesso ao ensino superior e busca de uma maior pertença social
da atividade acadêmica. Foram essas bases que levaram o governo a implementar importantes
programas que impactaram em todo sistema de ensino superior do país. Entre eles, podem ser
destacados: a criação, em 2004, do Programa Universidade para Todos (PROUNI)150,
direcionado para as instituições privadas de ensino superior; a instituição, em 2006, do Sistema
da Universidade Aberta do Brasil (UAB); e instituição do Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), em 2007.
Com ações direcionadas para as duas instâncias de ensino superior, pública e privada, o
governo Lula conseguiu ao longo dos anos promover uma transformação na composição social
das turmas ingressantes na formação superior, historicamente formadas por uma maioria
pertencente a estratos sociais mais elevados da sociedade brasileira.
150
O PROUNI foi inicialmente instituído por meio da Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004. Mas,
em 2005, essa Medida foi substituída pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.
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233
cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) da mensalidade. Essa medida acabou possibilitando
que muitos alunos de baixa renda pudessem ser inseridos na rede privada de ensino superior,
ocupando espaços difíceis de serem alcançados em épocas passadas e desafiando a cultura
“elitista” de muitos cursos superiores, a exemplo dos cursos de arquitetura e urbanismo.
Essa modalidade de ensino tem sido posta em prática também para os cursos de
arquitetura e urbanismo. O MEC, desde 2016, já aprovou o funcionamento de 8 cursos a
distância de arquitetura e urbanismo151 no país onde essa atividade tem sido praticada,
exclusivamente, por instituições privadas de ensino superior. Sobre essa situação, a ABEA
publicou a carta “Educação em arquitetura e urbanismo à distância não funciona”152,
posicionando-se de modo discordante com a criação de cursos de arquitetura e urbanismo
integralmente na modalidade EAD. Esse posicionamento foi endossado pelo CAU-BR que
também publicou uma “Manifestação sobre ensino a distância em arquitetura e urbanismo”153,
em 2017. Em ambas as manifestações, a linha de argumentação foi construída no sentido
da defesa primordial da integração presencial entre professor/aluno no processo de ensino-
151
A última consulta realizada sobre a atividade dos cursos de arquitetura e urbanismo na modalidade a distância
foi realizada em 15 de setembro de 2017 no site: <http://emec.mec.gov.br/>.
152
ABEA. Educação em arquitetura e urbanismo à distância não funciona. 2017. Disponível em:
<http://www.abea.org.br/?p=2052>. Acesso em: 12 jul. 2018.
153
CAU/BR. Manifestação sobre ensino a distância em arquitetura e urbanismo. 2017. Disponível em:
<http://www.caubr.gov.br/caubr-publica-manifestacao-sobre-ensino-a-distancia-em-arquitetura-e-urbanismo/>.
Acesso em: 20 maio 2018.
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[...] elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais
para 90%; elevação gradual da relação aluno/professor para 18 alunos para 1
professor; aumento mínimo de 20% nas matrículas de graduação e o prazo de cinco
anos, a partir de 2007 – ano de início do Programa – para o cumprimento das metas
(MEC; SESU; DIFES, 2009, p. 3).
154
Em março de 2019, o CAU-BR deliberou que todos os CAUs do país recusassem os pedidos de registro
profissional de bacharéis em Arquitetura e Urbanismo formados em cursos na modalidade EAD. A deliberação foi
tomada na 88ª Reunião Plenária do Conselho, realizada em Brasília. Para maiores informações sobre esta decisão,
consultar a página eletrônica da entidade (https://www.caubr.gov.br/cau-br-decide-recusar-registro-profissional-
a-alunos-formados-em-cursos-ead/).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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235
Ainda conforme os dados do MEC, identificou-se que, de 2003 até 2012 (ano de
conclusão das ações do REUNI), foram criados 18 novos cursos de arquitetura e urbanismo no
país, sendo: 14 em Universidades Federais; 2 em Universidades Estaduais; e 2 em Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Dos 14 novos cursos de arquitetura e urbanismo
criados por Universidades Federais, 3 deles estão localizados na Região Norte, 4 estão na
Região Nordeste, 3 se localizam na Região Sul, 2 pertencem a Região Sudeste, e 2 estão
localizados na Região Centro-Oeste (Quadro 6.5).
155
A pesquisa foi realizada no portal do MEC (http://emec.mec.gov.br/) no dia 22 de maio de 2018. Em relação
às instituições públicas de ensino superior, não constam nos dados do MEC a criação de novos cursos de arquitetura
e urbanismo entre os anos de 2015 e 2018.
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Quadro 6.5 - Cursos de Arquitetura e Urbanismo criados nas Universidade Federais entre os
anos de 2003 a 2018
Ano de
Região Sigla Nome Município
Funcionamento
Cursos criados entre 2003 e 2012
UNIFAP Universidade Federal do Amapá Macapá 2005
Norte UFRR Universidade Federal de Roraima Boa Vista 2006
UFAM Universidade Federal do Amazonas Manaus 2010
UFAL Universidade Federal de Alagoas Arapiraca 2006
UFS Universidade Federal de Sergipe Laranjeiras 2007
Nordeste UFBA Universidade Federal da Bahia – Curso Noturno Salvador 2009
Campina
UFCG Universidade Federal de Campina Grande 2010
Grande
UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná Curitiba 2009
Sul UFFS Universidade Federal da Fronteira Sul Erechim 2010
Foz do
UNILA Universidade Federal da Integração Latino-Americana 2012
Iguaçu
UFOP Universidade Federal de Ouro Preto Ouro Preto 2008
Sudeste São João
UFSJ Universidade Federal de São João del-Rei 2009
del-Rei
Centro- UFG Universidade Federal de Goiás Goiânia 2009
Oeste UNB Universidade de Brasília Brasília 2010
Cursos criados entre 2013 e 2018
Pau dos
Nordeste UFERSA Universidade Federal Rural do Semi-Árido 2015
Ferros
Cachoeira
Sul UFSM Universidade Federal de Santa Maria 2014
do Sul
Centro-
UFG Universidade Federal de Goiás Goiás 2015
Oeste
Fonte: elaborado pelo autor com base nos dados do MEC.
No caso específico da Região Nordeste, os quatro novos cursos foram criados nas
seguintes universidades: a UFBA criou o curso noturno de arquitetura e urbanismo em 2009; a
UFAL, a partir do processo de interiorização da universidade, criou um segundo curso de
graduação em arquitetura e urbanismo em período vespertino no município de Arapiraca em
2006; a UFCG criou o primeiro curso no campus sede em 2010; e a UFS, também no processo
de interiorização da universidade, criou seu primeiro curso de graduação em arquitetura e
urbanismo no município de Laranjeiras em 2007. De 2012 até 2018, apenas 3 novos cursos de
arquitetura e urbanismo foram criados em instituições federais de ensino superior.
Como já sinalizado neste capítulo, com a publicação da LDB de 1996 todos os cursos
de graduação não mais seriam estruturados com base em currículos mínimos, e sim, em
“diretrizes gerais”. A primeira ação do Governo Federal em relação a esse assunto foi orientar
as instituições de ensino superior na elaboração das Diretrizes Curriculares dos cursos de
graduação por meio do Parecer CNE/CES nº 776/97.
156
O Parecer CNE/CES nº 776/97 foi elaborado pelos seguintes relatores: Carlos Alberto Serpa de Oliveira
(Engenheiro Industrial e Metalúrgico, presidente da Fundação Cesgranrio), Éfrem de Aguiar Maranhão (Médico,
foi Reitor da UFPE e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras), Eunice Ribeiro Durham
(Antropóloga e professora da USP), Jacques Rocha Velloso (Cientista Político e Social, Professor Emérito da
UnB) e Yugo Okida (Médico, pedagogo e Reitor do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
238
Com base nessas observações, foi proposto pelo órgão que as DCN fossem elaboradas
contendo sete orientações básicas:
Segundo Andrey Rosenthal Schlee et al. (2010), a avalição desenvolvida pelo GTEAU
ocorreu por meio da realização de encontros promovidos entre os meses de fevereiro a maio de
1998 nas cidades de São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Recife. Naquele mesmo ano a proposta
de DCN com as contribuições obtidas nesses encontros foi protocolada na SESU/MEC. Essa
proposta, ao contrário do desejado pela área, não foi aprovada rapidamente. A SESU/MEC,
após a chamada feita pelo Edital nº 4/97, recebeu um total de 1200 propostas de DCN das mais
157
O Grupo de Trabalho de Ensino de Arquitetura e Urbanismo do CONFEA foi instituído no dia 24 de outubro
de 1997 por meio da Decisão Plenária PL 1.021/97. Além da participação da professora Maria Elisa Meira, como
coordenadora e representante das Instituições de Ensino Superior do Grupo Arquitetura, de representantes da
ABEA, FENEA e da Coordenação Nacional das Câmaras Especializadas de Arquitetura, o GTEAU também era
composto por quatro conselheiros federais membros de cada uma das comissões permanentes do CONFEA
(MEIRA, 2001). Contudo, salienta-se que, com exceção de Maria Elisa Meira, não foi encontrado registro sobre
o nome dos demais membros do GTEAU e a quantidade exata de seus componentes.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
240
diversas áreas de conhecimento que foram consideradas pelo órgão como “bastante
heterogêneas” (BRASIL, 2001, p. 2). Essa heterogeneidade se relacionava aos aspectos
condizentes com a duração dos cursos, ou seja, os semestres propostos variavam de 4 até 12, e
a carga horária total oscilava entre 2000 até 6800 horas.
No caso da proposta apresentada pela área da arquitetura e urbanismo, foi definido pelo
GTEAU os seguintes limites:
4.400 horas, no máximo, para os currículos plenos das IES [Instituições de Ensino
Superior], no que se refere aos estudos acadêmicos;
800 horas, no máximo, para o TFG, ou seja, um ano ou dois semestres;
cinco a seis anos de duração, sendo, no mínimo, três anos de tempo integral;
dois anos, como padrão, de experiência prática no exercício profissional,
equivalente a 1.600 horas, sem que essa experiência prática seja de
responsabilidade da IES e, portanto, sem que ela represente qualquer custo para o
estudante;
exame (avaliação de conhecimentos e habilidades antes do acesso ao exercício
profissional, realizado no início do ano (ou semestre letivo) seguinte à conclusão
do TFG;
para o cumprimento das diretrizes curriculares são exigidas 3.600 horas;
o tempo máximo para a integralização do curso é de 50% da duração do currículo
pleno de cada IES (MEIRA, 2001, p. 122).
Quadro 6.6 - Vantagens das Diretrizes Curriculares Nacionais em relação aos Currículos
Mínimos
A transmissão de conhecimentos e de
informação ocorria, inclusive prevalecendo Orientam-se na direção de uma sólida formação básica,
interesses corporativos responsáveis por preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das
obstáculos no ingresso no mercado de rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho
trabalho e por desnecessária ampliação ou e das condições de exercício profissional.
prorrogação na duração do curso.
Fonte: elaborado pelo autor com base nas informações do Parecer CNE/CES nº 67/2003.
158
José Carlos Almeida da Silva (ex-professor das Faculdades de Economia da Universidade Católica do Salvador
e da UFBA) e Lauro Ribas Zimmer (graduado em Direito, ex-Reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
242
159
Também conhecido como Trabalho Final de Graduação (TFG).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
244
justificativa explícita nas DCN, acredita-se que a intenção posta nessa recomendação foi a de
alertar as instituições de ensino superior para a condução de uma formação profissional em
conformidade com as demandas sociais local e regional.
Vê-se, também, que entre os itens supracitados há estímulo para que as instituições
promovessem integração entre o ensino e a pesquisa acadêmica, que por sua vez pode se efetivar
sob diferentes estratégias pedagógicas. Uma das possibilidades para se potencializar essa
integração, sobretudo em relação às questões que envolvem a produção da HIS, pode ocorrer
por meio da divulgação dos resultados obtidos e publicados pelas grupos de pesquisa no interior
dos ateliês de projeto, de modo que esses resultados sirvam de base para a retroalimentação do
processo projetual (arquitetônico e urbanístico) e, possivelmente, implementados como
conteúdo obrigatório nas disciplinas apropriadas.
160
O DAU-UFPE, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU/UFPE),
Ministério das Cidades, e o Programa de Pós-Graduação Housing and Urbanism, da Architectural Association
School of Architecture (AA), de Londres, realizou um total de cinco workshops temáticos, sendo os três últimos
dedicados às questões relacionadas com a HIS: “o “Workshop Internacional de Desenho Urbano no Centro do
Recife”, realizado em Abril de 2003; o “II Workshop Internacional de Desenho Urbano AA/UFPE: Interfaces
espaciais para o Bairro do Recife”, realizado em Março de 2006; o “III Workshop Internacional de Desenho
Urbano UFPE/AA - Programa Minha Casa Minha Vida: Habitação Social e Intervenção Urbana”, realizado entre
Junho e Julho de 2013; o “IV Workshop Internacional de Desenho Urbano UFPE/AA – Projeto Avenida Norte:
Habitação Social + Mobilidade Urbana”, realizado em Abril e Maio de 2014; e o “V Workshop Internacional de
Desenho Urbano UFPE/AA – Projeto Lagoa Olho D`Agua: Habitação Social + Infraestrutura Urbana”, realizado
em Junho e Julho de 2015” (BRANDÃO, AMORIM, BRASILEIRO, 2015, p. 8). No caso do III Workshop, os
autores evidenciaram que “a metodologia foi aplicada a uma equipe composta por 55 participantes (28 alunos da
AA e 27 alunos do MDU), orientados por 13 professores das duas instituições” (Op. Cit, 2015, p. 12).
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
246
Por último, a Resolução nº 6/2006 aponta uma lista de competências e habilidades que
os cursos devem ofertar aos seus estudantes. As competências e habilidades listadas pelo
GTEAU são aqui agrupadas em quatro categorias: conhecimentos gerais, projeto, construção e
pesquisa (Quadro 6.7).
Como última exigência para a elaboração dos PPPs, a Resolução nº 6/2006 traz no
parágrafo único do artigo 5º a seguinte obrigação:
No Edital nº 4/97, foi orientado para as instituições de ensino superior que os “conteúdos
curriculares” definidos nas propostas de DCN seriam uma referência para que cada instituição
de ensino pudesse definir “[...] seus currículos plenos, em termos de conteúdos básicos e
conteúdos profissionais essenciais para o desenvolvimento de competências e habilidades
requeridas para os egressos da área/curso” (MEC; SESU, 1997, p. 2). Além disso, foi
recomendado que na seleção dos conteúdos, estes fossem acompanhados de uma justificativa
salientando “[...] a importância de tais conteúdos em relação aos objetivos definidos na
formação de diplomados em cada área” (MEC; SESU,1997, p. 2).
Segundo Sacristán (1998; 2013), a ideia de conteúdo – conceito didático com distintas
concepções na escolaridade em geral – relaciona-se com os elementos de disciplinas, matérias,
informações diversas que são organizados de modo a evidenciar aquilo que se deve aprender,
o que se pretende transmitir. Por conseguinte, essa seleção deixa de ser uma decisão ou um
problema técnico e passa a se constituir numa relação de poder visto que, “[...] as decisões
tomadas afetam sujeitos com direitos, implicam explícita ou implicitamente opções a
respeito de interesses e modelos de sociedade, avaliação de conhecimento e a divisão de
responsabilidade” (SACRISTÁN, 2013, p. 23, grifo nosso).
161
Termo utilizado pelo Parecer CNE/CES nº 776/97 (BRASIL, 1997).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
250
deslocamento do lugar secundário que esse tema tem ocupado nos cursos de graduação em
arquitetura e urbanismo, como foi evidenciado nos capítulos anteriores.
Mas, quais são os avanços postos nas DCN de 2006? Quando comparado aos antigos
currículos mínimos, são visíveis os avanços desse novo instrumento curricular oficial nacional
no sentido de especificar a obrigatoriedade da existência de laboratórios, biblioteca, inserção
da informática, dentre outros. Contudo, em relação à HIS, categoricamente, não há nenhum
avanço. Considerando todas as omissões em relação ao tema da HIS por parte daqueles que
estiveram envolvidos com a construção dos currículos mínimos e diante dos agigantados
desafios na produção de HIS declarado, especialmente, pelo governo Lula, a área da arquitetura
e urbanismo, mais uma vez, oficialmente, deixa de assumir nacionalmente um compromisso
com os problemas da população mais pobre da sociedade brasileira e não corporifica no próprio
currículo nacional oficial essas demandas conflitantes.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
251
162
Apple (1989), no artigo “Currículo e poder” lança uma crítica aos educadores que veem o currículo nacional,
regional ou local como um corpo neutro de conhecimentos. Desse modo, o referido autor expõe, com base na
literatura da sociologia do conhecimento escolar, os problemas concernentes à ideia de consenso e neutralidade no
estabelecimento de um currículo nacional, em particular na Inglaterra.
163
Na Resolução nº 6/2006, não há registro do uso dos termos “disciplina optativa” ou “disciplina eletiva”.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
252
que não haviam sido detalhados em nenhum currículo oficial nacional já instituído na história
do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil.
Um dado curioso em relação à proposta original das DCN formulada pelo GTEAU em
1998, foi a especificação da existência de uma “experiência prática” do estudante de arquitetura
como requisito curricular obrigatório. Essa experiência se diferenciava do estágio curricular
supervisionado ao se caracterizar como sendo uma atividade ofertada pelas instituição de ensino
superior por meio de “[...] escritórios-modelos de projeto de arquitetura e urbanismo, canteiros
de obras de arquitetura e urbanismo e núcleos ou laboratórios de habitação e Habitat”
(MEIRA, 2001, p. 125, grifo nosso). Mas, esse detalhamento foi suprimido na Resolução nº
6/2006, restando apenas a recomendação geral de que os núcleos de conhecimentos de
fundamentação e profissionais pudessem ser complementados, além da experimentação em
laboratórios, por “[...] escritórios-modelo de arquitetura e urbanismo; [e] núcleo de serviço à
comunidade” (BRASIL, 2006, p. 4).
Por fim, essa segunda parte da estrutura organizacional das DCN é finalizada com a
determinação de que as instituições de ensino superior do país tinham um prazo de até 2 anos,
a contar da publicação da Resolução nº 6/2006, para elaborarem seus PPPs e implementarem
as mudanças necessárias em conformidade com a norma vigente.
164
Participaram do evento as seguintes faculdades: Departamento de Arquitetura da USP, São Carlos; Escola da
Cidade; Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, Bauru; FAU Mackenzie; FAUUSP São Paulo;
e FAU Unifran. Além dessas instituições de ensino, o IAB-SP também marcou presença, sendo representado por
Lúcio Gomes (arquiteto e professor da FAUUSP) e o arquiteto Vasco de Melo.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
253
Por outro lado, a FENEA sinalizou que, apesar das DCN darem autonomia de decisão
às instituições de ensino superior na formulação de seus PPP, não fixaram uma base mínima de
caráter obrigatório que assegurasse a qualidade da educação (FENEA, 2006). Somado a isso,
apontaram que a falta de objetividade e especificidade das DCN apresentava-se como uma porta
aberta para interpretações errôneas que poderiam comprometer o ensino e a futura prática da
arquitetura e urbanismo no Brasil.
Como resultado do XXIV ENSEA, a ABEA elaborou uma nova proposta de DCN que
foi encaminhada ao MEC e ao CNE, no entanto, as solicitações expressas neste documento não
foram atendidas na íntegra. Em relação ao tempo mínimo para a integralização dos cursos de
165
Lei n° 6.494 de 7 de dezembro de 1977.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
254
Desse modo, a Resolução nº 2/2010, vigente até a finalização desta tese, continuou não
legitimando oficialmente o tema da HIS. Diante desse fato, a única possibilidade para que esta
legitimação ocorresse seria por meio de uma nova reformulação curricular nacional, processo
já iniciado pelas entidades representativas da profissão do arquiteto e urbanistas e do ensino de
arquitetura e urbanismo. Desde o ano de 2013 o CAU/BR iniciou um processo de discussão
com o objetivo de propor atualizações para a Resolução nº 2/2010, após tomar ciência que o
debate já estava sendo desenvolvido pela ABEA.
166
Disponível em: <https://www.cause.gov.br/?p=14726>. Acesso em: 5 ago. 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
256
conhecimento. Além disso, foi salientado que a proposta se apresentava incompleta, visto que
os responsáveis por sua elaboração tiveram o cuidado de fazer referência obrigatória às normas
de desempenho e segurança das edificações, mas, não consideraram relevante a Lei nº
11.888/2018.
Após alguns debates entre os presentes no evento e contestações por parte da comissão
responsável pela apresentação da proposta de reformulação da Resolução nº 2/2010, o tema da
HIS foi inserido no texto final da nova proposta curricular nacional, mas especificamente, como
área de conhecimento obrigatório no núcleo de conhecimentos profissionais. No entanto, é
valido salientar, que as mudanças sugeridas e acatadas no Seminário Nacional de Ensino e
Formação seriam formalizadas e apresentadas em novos eventos previstos para ocorrem em
outros Estados. Como resultado desse Seminário, foi elaborada a Carta de Sergipe com
recomendações iniciais para as DCN dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo
(Anexo 2). No que se refere ao estabelecimento de um compromisso oficial com as questões
relacionadas à população de baixa renda, a Carta de Sergipe evidencia que os cursos devem
consolidar no ensino de arquitetura e urbanismo o interesse especial na Assistência Técnica
para todos os campos da arquitetura, com especial atenção à população carente. Por fim,
destaca-se que, possivelmente, as novas DCN possam efetivar, pela primeira vez na história
dos cursos de arquitetura e urbanismo do Brasil, um compromisso prioritário com as questões
relacionadas à HIS e, talvez, contribuir nacionalmente com a construção de uma cultura de
projeto voltada às demandas da população de baixa renda.
Diante da não oficialização do tema da HIS como área de conhecimento nas DCN de
2010 e da autonomia atribuída aos cursos na seleção dos conhecimentos fundamentais para a
formação dos arquitetos e urbanistas, questiona-se: ao considerar todas as ações empreendidas
pelo Governo Federal no âmbito da produção habitacional, a institucionalização da Lei nº
11.888/2008, e a inserção crescente de alunos de escolas públicas e de baixa renda no ensino
superior, será que os cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais do Brasil tem legitimado o tema da HIS em seus PPPs? Qual tem sido
o lugar reservado ao estudo sobre HIS nesses cursos? A resposta para esses questionamentos
será detalhada no item subsequente deste capítulo.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
257
167
Disponível em:<http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 12 set. 2018.
168
A lista completa dos cursos públicos de arquitetura e urbanismo existente no Brasil até 2018 pode ser conferida
no Apêndice 2.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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Quadro 6.9 - Distribuição dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por
Universidades Federais até 2018 no Brasil
Para a identificação do lugar reservado ao tema da HIS nos currículos oficiais dos cursos
de graduação em AU ofertados por essas instituições de ensino era preciso que estes cursos
disponibilizassem o acesso público dos PPPs em suas páginas eletrônicas, contudo, nem todos
os cursos disponibilizam esse documento para acesso público ou ainda não formularam um PPP
final. Dos 42 cursos de graduação em AU investigados, 10 deles não possuem PPPs disponíveis
eletronicamente para consulta pública, é o caso dos cursos ofertados pela: Região Nordeste –
Universidade Federal da Bahia (curso diurno e noturno); Região Sul – Universidades Federais
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Região Sudeste – Universidade Federal do Espírito
Santo; Região Centro-Oeste – Universidade de Brasília (curso diurno e noturno), Universidades
Federais de Goiás (curso diurno e noturno) e Mato Grosso do Sul.
Ao analisar os vigentes PPPs dos 32 cursos restantes, constatou-se que 50% (cinquenta
por cento) deles legitimam a inserção do tema da HIS em seus currículos oficiais. Para essa
constatação, foi realizada uma busca nos PPPs das seguintes palavras-chave: Habitação
Popular, Habitação Social, Habitação de Interesse Social, Habitação Econômica, Baixa Renda,
Política Pública de Habitação; Sub-habitação; Assentamentos Precários e Assentamentos
Subnormais.
Com base nos dados sistematizados no Quadro 6.9, é possível observar que a maioria
dos cursos de graduação em AU ofertados na Região Nordeste não oficializam em seus PPPs o
tema da HIS, o que inviabiliza a identificação imediata sobre qual o lugar que ele ocupa nos
currículos oficiais. No entanto, isso não significa dizer que as questões relacionadas à HIS não
sejam abordadas no ensino praticado nestes cursos, mas, para uma melhor investigação sobre
esse fato, seria preciso uma análise do currículo não-oficial em cada instituição de ensino. Essa
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
259
Em 2005, Angela Maria Gordilho Souza, Adriana M. de Caúla e Silva, Pedro Rolim
publicam o livro “Mata Escura – Plano de intervenção” com o registro completo da
experiência desenvolvida em 2004 na disciplina Ateliê V ofertada aos discentes do curso de
arquitetura e urbanismo da UFBA. Nessa publicação, os autores apresentam a ementa da
disciplina que se direcionava para “a problemática do Planejamento Urbano e Regional no
desenvolvimento urbano, centrado na formulação de diretrizes e propostas espaciais de natureza
urbanística, com ênfase nos aspectos ambientais e físico-espaciais” (GORDILHO-SOUZA et
al., 2015, p. 13), os objetivos, a metodologia de trabalho, e as atividades e conteúdo
programático.
Paraíba, onde boa parte de seus moradores vive em habitações que se encontram em área de
risco. Segundo os autores, boa parte da comunidade mantinha-se escondida atrás dos armazéns
e da antiga Alfândega, quase esquecida pelo resto da cidade (ROMANO et al., 2013). Até o ano
de 2013, a comunidade do Porto do Capim corria o risco de ser removida do local onde a
Prefeitura Municipal de João Pessoa pretendia construir uma grande esplanada de eventos, a
fim de desenvolver um complexo turístico e cultural nas redondezas. Diante do problema de
realocação das famílias, as professoras que ministravam a disciplina de Projeto de Edificações
V, Elisabetta Romano, Luciana Passos e Cecilia Sgolacchia, incentivaram os discentes a
desenvolverem uma proposta projetual fundamentada no PMCMV em que as famílias situadas
nas áreas de risco fossem realocadas para uma área próxima do Porto.
Para essa atividade, os discentes tiveram como fonte de inspiração e marco referencial
os seguintes trabalhos: o projeto “Quarteirões Brasileiros”, idealizado por estudantes para a
comunidade de Heliópolis, São Paulo/SP; O projeto “Catalizadores Intrusos” idealizado por
estudantes para a comunidade Jardim Colombo, São Paulo/SP; o projeto “Co-Operativa”, do
arquiteto Demetre Anastassakis realizado na comunidade Cidade de Deus, Rio de Janeiro/RJ;
o texto produzido por Paola Berenstein Jacques, “Estética das favelas”169; e o texto “PREVI
Lima y la experiencia del tiempo”170, do escritório chileno EqA (ROMANO et al., 2013).
169
JACQUES, Paola Berenstein. Estética das favelas. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 013.08, Vitruvius, jun.
2001. Disponível em:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883>. Acesso em: 27 jul.
2018.
170
GARCÍA-HUIDOBRO, Fernando; TORRITI, Diego Torres; TUGAS, Nicolás. PREVI Lima y la experiencia
del tempo. Revista Iberoamericana de Urbanismo, 1 mar 2010, núm. 3. p. 10-19. Disponível em:
<http://www.riurb.com/n3/03_riurb.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2018.
171
No artigo publicado, os autores apresentam apenas uma das propostas desenvolvidas na disciplina, que foi
elaborada pelos discentes Laura Quezado, Paulo Cesar Lopes e Susana Montenegro.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
264
Essa experiência, bastante proveitosa, deu um suporte técnico à população, que estava
em busca de outras soluções projetuais, em alternativa àquelas que estavam sendo
propostas pelo poder público, gerando uma repercussão dentro da própria
comunidade. Essa atividade contribuiu para o seu fortalecimento, na luta pelos seus
direitos, a fim de reivindicar a sua participação nas decisões dos projetos destinados
ao seu local de origem e de moradia (ROMANO et al., 2013, p. 23).
Dos 16 cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS em seus PPPs, 9 deles
alocaram o referido tema apenas em atividades optativas; 2 cursos abordam a questão somente
em atividades obrigatórias, e 5 consideraram importante a inserção da HIS em atividades
obrigatórias e optativas (Quadro 6.11).
Quadro 6.11 - Relação dos cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS no PPP
até 2018
(continua)
Quantidade de Quantidade de atividades
atividades obrigatórias optativas
Disciplinas
Disciplinas
Região Instituição de Ensino Superior Sigla Disciplinas diversas Disciplinas
diversas com
específicas com específicas
conteúdo
sobre HIS conteúdo sobre HIS
sobre HIS
sobre HIS
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em atividades optativas
Universidade Federal de
UFRR 1
Roraima
Norte Universidade Federal do Amapá UNIFAP 1 1
Universidade Federal do
UFT 2
Tocantins
Universidade Federal de Alagoas
UFAL 1
- Campus Arapiraca
Nordeste
Universidade Federal do Rio
UFRN 1
Grande do Norte
Universidade Federal da
Sul UFFS 1
Fronteira Sul
Universidade Federal de Minas
UFMG 1
Gerais - Curso Diurno
Sudeste
Universidade Federal do Rio De
UFRJ 1
Janeiro
Centro- Universidade Federal de Mato
UFMT 1
oeste Grosso
0 0 8 3
Subtotal 0 11
Fonte: elaborado pelo autor.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
265
Quadro 6.11 - Relação dos cursos de graduação em AU que legitimam o tema da HIS no PPP
até 2018
(conclusão)
Quantidade de Quantidade de atividades
atividades obrigatórias optativas
Disciplinas
Disciplinas
Região Instituição de Ensino Superior Sigla Disciplinas diversas Disciplinas
diversas com
específicas com específicas
conteúdo
sobre HIS conteúdo sobre HIS
sobre HIS
sobre HIS
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social apenas em atividades obrigatórias
Nordeste Universidade Federal do Piauí UFPI 1
Universidade Federal de Santa
Sul UFSM 1
Maria
Universidade Federal
Sudeste UFF 1 1
Fluminense
Universidades que alocaram o tema da habitação de interesse social em todos os tipos de atividades
Universidade Federal da
UNILA 1 1 1
Integração Latino-Americana
Sul
Universidade Federal de
UFPEL 1 1
Pelotas
Universidade Federal de Minas
UFMG 2 1
Gerais - Curso Noturno
Sudeste
Universidade Federal de
UFV 1 1
Viçosa
4 6 3 1
Subtotal 10 4
Total geral por tipo de atividade 10 15
Fonte: elaborado pelo autor.
172
As demais disciplinas obrigatórias de Projeto de Arquitetura (I, II, IV e V) especificam que devem ser
desenvolvidos projetos por graus de complexidade: baixa, média e alta.
173
Disponível em: <https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/componentes/busca_componentes.jsf?aba=p-ensino>.
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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complexidade funcional, como ocorrido, por exemplo, nos cursos de graduação em AU da UFT,
UFAL e UFRN.
A partir da perspectiva crítica assumida nesta tese, entende-se que esse modo tradicional
de construção curricular, à base de ementas aparentemente “neutras” e imprecisas, alimentam
uma cultura de projeto voltada aos interesses da classe dominante e, ao mesmo tempo, conduz
docentes e discentes a interpretações “equivocadas”, afinal, o que é uma edificação de pequeno,
médio e grande porte ou de baixa, média e alta complexidade funcional? Será de pequeno,
médio ou grande porte aquele estabelecimento determinado pelo tamanho da área construída?
Quais são os limites dimensionais que caracterizam uma edificação de pequeno e médio porte,
por exemplo? Quem é responsável por determinar esses parâmetros de referência, visto que eles
não são especificados nos PPPs?
Entre as instituições analisadas, destacam-se ainda a conduta dos docentes das Escolas
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU-UFF), no Rio de
Janeiro; da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Integração Latino-
-Americana (EAU-UNILA), no Paraná; e da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de
Minas Gerais (EA-UFMG), todas com duas disciplinas obrigatórias que abordam o tema da
HIS.
Além disso, o tema da HIS foi inserido como conteúdo na disciplina de “Urbanismo III”,
ofertada aos alunos do 6º período, cuja ementa detalha que os discentes estudarão os seguintes
pontos:
175
A alocação oficial do tema da HIS apenas em atividades optativas é consequência da postura generalista e
“neutra” assumida pelos docentes do curso diurno de arquitetura e urbanismo da UFMG, como salientado no PPP
do curso, “enquanto o curso noturno assume um enfoque na área de habitação em interesse social e planejamento
urbano, o curso diurno mantém-se aberto aos vários enfoques que a área pode propiciar” (UFMG, 2010, p. 7,
grifo nosso).
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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Quadro 6.13 - Detalhamento das disciplinas dos cursos de AU que legitimam o tema da HIS
em atividades obrigatórias
Disciplinas obrigatórias de Disciplinas obrigatórias Teórica/
Região Sigla
Projeto de Arquitetura Desenho Urbano/ Urbanismo
Nordeste UFPI Projeto de Arquitetura VII -
UFSM Ateliê 4 -
Pelo que foi possível constatar, a maioria dos PPPs analisados foram formalizados de
modo a respeitar os núcleos de conhecimentos obrigatórios selecionados nas DCN, mas, apesar
deste currículo nacional não legitimar um compromisso oficial com o tema da HIS, as ações
dos professores “negadores do sistema”, em alguns casos, têm resultado na constituição de uma
cultura de projeto voltada para as demandas da população de baixa renda. No entanto, algumas
regiões do país ainda precisam formalizar em seus currículos oficiais a HIS em atividades
obrigatórias, assim como já fazem em atividades optativas.
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Contudo, um dos pontos que merece ser destacado nas DCN foi a substituição da
especificação de matérias – que se desdobrariam em disciplinas nos cursos – pela especificação
de núcleos de conhecimento, no caso, classificados como sendo de fundamentação e
profissionais. Com essa modificação, compreende-se que os envolvidos com a formulação final
das DCN conseguiram fazer com que os cursos de arquitetura e urbanismo tivessem mais
flexibilidade para definir como os distintos conhecimentos poderiam ser oficializados em seus
Projetos Políticos-Pedagógicos, fossem eles por meio da constituição de disciplinas específicas,
workshops, oficinas ou como conteúdo, independente das metodologias pedagógicas adotadas.
Objetivamente, constatou-se que o tema da HIS não foi inserido como área de
conhecimento de fundamentação ou profissional nas DCN de 2006 e 2010. Por conta dessa
ausência de compromisso oficial nacional, o referido tema continuou condicionado aos
interesses particulares das instituições de ensino ou dos “professores negadores do sistema”.
Nesse contexto, as análises efetivadas sobre os 32 Projetos Políticos-Pedagógicos de cursos de
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6 As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010
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Ademais, o modo como o tema da HIS tem sido oficializado nos PPPs dos cursos de
graduação em arquitetura e urbanismo ofertados por Universidades Federais, cuja maioria não
estabelece um compromisso prioritário com esse problema, é reflexo direto daquilo que foi
legitimado como conhecimento útil e fundamental para a formação profissional dos arquitetos
e urbanistas nas DCN de 2006 e 2010. Como é possível perceber nas análises sobre os PPPs, se
os currículos oficiais nacionais dos cursos de arquitetura e urbanismo não conseguirem
estabelecer um compromisso oficial com a Atenção Básica da Arquitetura e Urbanismo, a
partir da legitimação do tema da HIS como conhecimento fundamental, a construção de um
cultura de projeto de HIS, não se efetivará consistentemente no país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi a partir das legitimações oficiais que alguns grupos docentes, vinculados a áreas
específicas, conseguiram implementar ao longo dos anos melhorias e avanços no ensino da
arquitetura e urbanismo. Entre as décadas de 1930 a 1960, evidenciou-se o interesse dos
arquitetos e urbanistas na inserção obrigatória do ensino de urbanismo nos cursos de arquitetura,
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Considerações finais
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Contudo, as análises desenvolvidas nesta tese, a qual perpassa pelos 88 anos de história
do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil, demonstraram que, diferentemente do ocorrido
com os temas de urbanismo, paisagismo, da representação gráfica digital e técnicas
retrospectivas, quando se tratava de considerar a “Habitação de Interesse Social” como
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Considerações finais
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Entre os anos de 1930 a 1962 – fase caracterizada pelas posturas higienistas dos
arquitetos em relação à produção de habitações populares – prevalecia-se a ideia do arquiteto
como artista, dotado de características ímpares, criador e reprodutor de formas insólitas
expressas em grandes composições de arquitetura, em detrimento da ideia do arquiteto enquanto
agente social e prestador de serviços voltados para as demandas da população de baixa renda.
Esta visão, hegemonicamente compartilhada pelos tradicionais acadêmicos, foi legitimada na
reformulação do currículo oficial da ENBA, em 1931, reafirmada no currículo oficial da FNA,
em 1945, até ser incorporada às “ideologias profissionais” e não mais precisar ser evidenciada
nos currículos oficiais nacionais, como ocorrido no Currículo Mínimo de 1962.
contribuíram também para a formação de uma seleta massa intelectual crítica, atenta aos
problemas vividos pela população de baixa renda.
Foi essa massa intelectual crítica de arquitetos e urbanistas – responsáveis por pensar e
defender, em 1963, a importância da efetivação de uma reforma urbana e do estabelecimento
do direito à moradia pela população de baixa renda – que desenvolveu duras críticas ao sistema
de produção habitacional e aos abusos políticos efetivados no país a partir de 1964, com a
instauração da Ditadura Militar. Entre os anos de 1963 até 1976, os profissionais da arquitetura
passam a valorizar as práticas espontâneas de moradias e, na medida do possível, projetar HIS
com qualidade arquitetônica e construtiva por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH).
Essas práticas ganham visibilidade nos principais eventos profissionais e acadêmicos nos quais
também foi registrada a importância dos cursos de graduação em arquitetura e urbanismo
adaptarem-se ao novo contexto político, econômico e sobretudo social, a partir da reformulação
dos conteúdos de algumas disciplinas, como por exemplo, Estudos Sociais, Teoria da
Arquitetura, Composição Arquitetônica e Planejamento.
grupos de pesquisa e nos Programas de Pós-graduação que o tema da HIS passou a ser
considerado como um conhecimento prioritário.
Destaca-se porém, que esse novo currículo foi instituído após as movimentações
nacionais de distintos setores da sociedade civil pró Constituição Brasileira de 1988 que
incorporou questões relacionadas com a política urbana, assistência técnica à população de
baixa renda e práticas extensionistas nas universidades; após o fortalecimentos dos movimentos
de moradia; e após exposições de duras críticas sobre a desvinculação do ensino de arquitetura
e urbanismo das demandas sociais da população de baixa renda no X Encontro Nacional sobre
Ensino de Arquitetura, realizado em 1991. No entanto, observou-se que nenhum dos fatos
citados foram significativos para fazer com que a CEAU constituísse um currículo oficial
nacional efetivamente democrático e comprometido com os problemas da população de baixa
renda.
177
A exemplo da Reunião Geral com representantes das Comissões de Avaliação do Ensino, em 1977; IX e X
Encontro Nacional sobre Ensino de Arquitetura, realizado nos anos de 1987 e 1991, respectivamente; e o
Seminário Nacional da ABEA, em 1992.
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Considerações finais
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Por último, destaca-se o período de 1995 até 2018. No âmbito das ações relacionadas
à produção de HIS, têm-se a efetivação de dois grandes programas habitacionais de impacto
nacional pós-BNH, o PAR e o PMCMV, este último demarca a fase do fortalecimento do
padrão corporativo de produção habitacional que impactou na construção de empreendimentos
com baixa qualidade projetual, construtiva e urbana. Em relação à educação superior, destacou-
-se que esse período foi marcado pela oferta de distintas possibilidades de acesso à educação
por parte da população de baixa renda. Toda essa transformação repercutiu no ensino de
arquitetura e urbanismo, a começar pela institucionalização de mais um novo currículo oficial
nacional, as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006 e 2010.
178
Os ofertados pelas Universidades Federais do Piauí, de Santa Maria, de Pelotas, de Minas Gerais - curso
noturno, de Viçosa, da Universidade Federal Fluminense, e da Universidade Federal da Integração Latino-
-Americana.
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Considerações finais
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Logo, legitimar o conhecimento da HIS como obrigatório é contribuir para que o ensino
de arquitetura e urbanismo torne-se plural e democrático que não exclui a realidade das
condições precárias de moradia da população de baixa renda. A partir do estabelecimento de
um compromisso oficial com o que tem sido considerado neste trabalho como sendo a Atenção
Básica da Arquitetura e Urbanismo nos currículos oficiais nacionais, tanto os cursos privados
quanto os públicos passarão a inserir o conhecimento sobre HIS com mais incisividade.
Conhecimento esse que poderá ser trabalhado de múltiplas formas, a partir de um estudo
histórico-teórico-conceitual, da realização de visitas guiadas a áreas ocupadas pela população
de baixa renda, do debate crítico sobre os problemas reais das comunidades carentes, etc.
Reconhecer o tema da HIS como conhecimento obrigatório é propiciar aos discentes o contato
com os estudos sobre:
Os condicionantes legais para a construção, conservação, restauro e regularização
do imóvel e do terreno ocupado pela população de baixa renda;
A realidade de distintas comunidades, aquelas que vivem em favelas, barracos de
papelão, áreas alagadas, urbanas e rurais;
Os condicionais climáticos, construtivos e de salubridade das HIS;
O acesso da população de baixa renda à cidade formal, equipamentos públicos,
paisagem urbana, vias de transporte, infraestrutura básica, etc.;
Os grandes, médios e pequenos condomínios periféricos de HIS;
Experiências bem sucedidas ou não de programas de melhorias habitacionais e de
urbanização de favelas;
As políticas habitacionais desenvolvidas pelo governo brasileiro para a população
de baixa renda, etc.;
Por fim, enquanto a materialização desse cenário não se efetiva nacionalmente de modo
consistente, não se pode desconsiderar a importância das alternativas encontradas pelos
professores “negadores do sistema” para a inserção do tema da HIS nos cursos de graduação
em arquitetura e urbanismo no país. São esses professores que têm conseguido formar
profissionais criticamente comprometidos com as demandas da população de baixa renda.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
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ANEXOS
CARTA DE SERGIPE
APÊNDICES
Fonte: elaborado pelo auto com base nos dados do MEC, 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
318
Fonte: elaborado pelo auto com base nos dados do MEC, 2018.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
319
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
323
Disciplina
Obrigatória:
Oficina
Integrada de
Abordagem crítica do espaço construído por meio do
Arquitetura,
entendimento de seus aspectos sociais, psicológicos,
Urbanismo e
econômicos, ambientais, técnicos e legais. Concepção do
Paisagismo:
projeto de arquitetura, urbanismo e paisagismo de
Problemas de
assentamentos habitacionais populares.
parcelamento do
Universidade Federal de solo e
Minas Gerais - Curso UFMG assentamentos
Noturno habitacionais
Disciplina
Obrigatória: Problemas de requalificação e urbanização de
Oficina assentamentos precários. Abordagem crítica do espaço
Integrada: construído por meio do entendimento de seus aspectos
Problemas de sociais, psicológicos, econômicos, ambientais, técnicos e
Requalificação e legais. Concepção do projeto de Arquitetura, Urbanismo
Urbanização de e Paisagismo para requalificação de assentamentos
Assentamentos precários.
Precários
Fonte: elaborado pelo autor com base nos PPPs disponíveis nas páginas eletrônicas dos cursos.
O lugar da Habitação de Interesse Social no ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil: uma análise curricular (1930-2018)
Apêndices
324