administrador,+sequencia+54+Artigo+8
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Sumário: Introdução; 1. Por uma teoria que supere a dicotomia entre teoria e prática; 2. A
interdisciplinariedade no Direito; 3. O conhecimento retórico (rethorical knowledge) no Direito;
Considerações finais; Referências.
Resumo: O artigo foca o pensamento do jurista Abstract: The article focus the work of Francis Jay
estado-unidense Francis Jay Mootz, professor Mootz, a jurist from the USA who is law professor
de Direito na Penn State University, destacando in the Penn State University. It emphasizes the
a intersecção que promove entre o Direito e a intersection that this author promotes between law
hermenêutica filosófica. Os temas descortinados and philosophical hermeneutics. The discussed
concentram-se em torno do debate sobre a relação subjects are the relationship between theory and
entre teoria e prática no Direito, o intercâmbio practice in law, the interdisciplinary exchange and
interdisciplinar e o enfoque do universo jurídico the focus over the juridical field as a rhetorical
como produtor de um conhecimento retórico. knowledge producer.
Palavras-chave: Hermenêutica; Interdisciplinariedade; Keywords: Hermeneutics; Interdisciplinarity;
Teoria no Direito; Conhecimento retórico; Francis Jay Theory in Law; Rhetorical knowledge; Francis Jay
Mootz. Mootz.
Introdução
1
Juris Doctor é o primeiro grau ou título profissional que pode ser atingido por quem se forma
em Direito. Trata-se de um grau indispensável para que se possa exercer a advocacia nos EUA.
É algo semelhante ao Exame da Ordem dos Advogados no Brasil. Já o Masters of Arts equivale
ao mestrado brasileiro e se volta para as áreas de Humanidades, Ciências Sociais, Artes e
Teologia.
2
O intercâmbio acadêmico com o autor tem rendido proveitosos frutos. Numerosos artigos foram
trocados, assim como livros, tendo já sido estabelecido um contato pessoal através de visitas mútuas.
Uma primeira referência à análise gadameriana do direito desenvolvida pelo autor pode ser encontrada
em: SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Hermenêutica filosófica e direito: o exemplo
privilegiado da boa-fé objetiva no direito contratual. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2006. p. 92-94.
6
Ibid., p. 690.
7
Assim, por exemplo, se a Constituição fizesse parte de uma prática jurídica habitual e costumeira,
não haveria, talvez, tantos esforços de reflexão teórica sobre sua natureza e interpretação, não haveria
tanta necessidade de pensá-la.
8
Tal processo costuma ocorrer não só em relação a coisas e situações que nunca foram antes vistas ou
sentidas, mas também e principalmente a coisas para as quais já se tinha um sentido que, até aquele
momento, não tinha encontrado razão alguma para que fosse questionado. Trata-se do senso comum,
algo que é, ao mesmo tempo, fonte e alvo da interrogação e da reflexão humanas.
9
Esta familiaridade com as coisas, que caracteriza a dimensão prática, inaugural e cotidiana da
compreensão humana designa o que Heidegger chamou de estar-à-mão ou simplesmente o à-mão.
Esclarece Bauman que: “‘Estar circunstanciado’ es la cualidad existencial de todo aquello que es ser-
a-la-mano. Aquello está plenamente determinado dentro de mi mundo-vital, si bien raramente paro
mientes en su determinación para intentar articularlo. En efecto, estoy familiarizado con su significado,
sé de alguna manera que la cera está alli para sellar, que el martillo está allí para martillar y que el perro
lo está para jugar con él. Sé todo aquello en que consiste mi existencia, si bien no lo conozco teóricamente;
es decir, no tomo distancia del objeto de mi conocimiento. La diferenciación entre sujeto y objeto es
una diferenciación teórica, que se percibe después de que la ‘diferenciación’ haya sido establecida. No
se superpone a la diferenciación entre mi existencia (Dasein) y el mundo de mi existencia, que me es
dado constantemente y siempre como uma unidad […]. […] El proceso que conduce al conocimiento
teórico se pone en marcha cuando las cosas revelan que su posibilidad de ser-a-la-mano, su aptitud
para ser manipuladas, su conveniente idoneidad, no son cualidades que puedan ser dadas por
garantizadas. […] El conocimiento teórico surge de la revelación de posibilidades; del descubrimiento
de que la realidad familiar no agota el campo de posibilidades; de un ‘cabezazo’ contra la falta de ajuste
entre realidad y posibilidad. Comenzamos a pensar sobre la ‘esencia’ de las cosas como su propiedad,
cuando descubrimos la posibilidad de las cosas de no estar o de ser diferentes.” (grifos do autor)
(BAUMAN, Zygmunt. La hermenéutica y las ciencias sociales. Buenos Aires: Nueva Visión,
2002. p. 153-155).
10
MOOTZ, A future foretold…, p. 693.
11
Em linhas gerais, o conceito de phronesis, apresentado por Aristóteles na Ética a Nicômaco, indica
uma sabedoria ética, que só se revela na prática. Como assinalou lapidarmente Comte-Sponville, “é
uma sabedoria da ação, para a ação, na ação” (COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das
grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 39). Trata-se de uma medida da ação moral,
que deve ser descoberta na própria situação que pede a conduta do agente. A phronesis (traduzida
pelos latinos por prudentia) é uma deliberação sobre os meios, é uma medida da virtude e sinaliza na
direção de um conhecimento que é eminentemente prático, que envolve um certo teorizar a respeito do
que se deve fazer, mas sempre considerando o momento específico que demanda o comportamento
em questão. Uma explicação bem clara e sucinta a respeito da phronesis, e articulando-a com o
Direito, pode ser vista em: BARZOTTO, Luís Fernando. Prudência e jurisprudência – uma reflexão
epistemológica sobre a jurisprudentia romana a partir de Aristóteles. In: ROCHA, Leonel Severo,
STRECK, Lênio Luiz, MORAIS, José Luis Bolzan de (orgs.). Anuário do programa de pós-graduação
em Direito. Mestrado e doutorado 1998-1999. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. p. 163-192.
12
Ibid., p. 697. No original: “[...] theory is not the dominion only of scientists or academic specialists;
it is intimately connected with social practices.”
13
Ibid., p. 695.
14
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 465-482.
15
Ibid., p. 459-464.
16
É digno de nota o fato de Gadamer perceber na hermenêutica jurídica o caráter exemplar da tese da
apllicatio. Ver: Ibid., p. 482-490.
17
MOOTZ, A future foretold…, p. 694. No original: “Theory can never be completely segregated
from practical engagement with others because it is a comportment within practice. Nevertheless,
theory is an openness to different understandings that can reveal the unproductive nature of one’s
prevailing prejudices […].”
2 A interdiciplinariedade no Direito
Partindo do modelo indicado no item anterior para a reflexão teórica no Direito,
isto é, como uma reflexão que se desenvolve no interior da própria prática, é que se
torna propícia a interdisciplinariedade. Contudo, assim como a teoria pode ser refém
de mal-entendidos quanto à posição que ocupa no Direito, o mesmo pode ocorrer
com a investigação interdisciplinar. Observa Mootz que, em grande parte dos
encontros interdisciplinares que envolvem o Direito, o que na verdade ocorre é mais
semelhante a uma “colonização intelectual mútua” do que a um verdadeiro
intercâmbio disciplinar.19
18
Esta é a clara conclusão de Mootz: “Meu objetivo é despertar nos teóricos do direito a lembrança de
sua finitude e historicidade, e de persuadi-los de que devem abandonar os esforços ‘teóricos’ de pisarem
fora de sua situação hermenêutica.” (tradução nossa) (Ibid., p. 718). No original: “My goal is to awaken
in legal theorists a recollection of their finitude and historicality, and to persuade them that they should
abandon ‘theoretical’ efforts to step outside their hermeneutical situation.” Para Heidegger e sua perspectiva
fenomenológica, esse é o papel central da teoria: o de lembrar ao homem o seu caráter existencial,
abdicando da milenar pretensão de apreender totalmente em seus limites verbais, descritivos e apofânticos
o sentido último da realidade. O próprio esforço teórico de Heidegger em Ser e Tempo não pode ser visto
como uma descrição completa das estruturas do homem, pois a verdade do Ser, a radical e profunda
finitude e temporalidade humanas, não é algo que possa ser dito pela teoria, mas que só pode ser
vivenciado. Eis o profundo caráter fenomenológico e existencial de seu pensamento e a explicação para
o papel decisivo dos estados de ânimo e do sentimento como um existencial do Dasein. Um excelente
aprofundamento deste argumento (útil para rebater as acusações normalmente feitas ao pensamento
heideggeriano de ser tão metafísico quanto os que ele critica) e, ao mesmo tempo, uma elucidativa análise
de Ser e Tempo podem ser conferidos em: RICHARDSON, John. Existential epistemology: a
heideggerian critique of the cartesian project. Oxford: Clarendon Press, 1986.
19
Nesse sentido, alerta Mootz que: “O perigo primário que ameaça todo esforço interdisciplinar é que
as duas disciplinas retenham seus pré-concebidos auto-entendimentos disciplinares durante o
intercâmbio. Um encontro interdisciplinar vital, a mim parece, requer que ambas as disciplinas aceitem
o desafio implícito de reconsiderar os preconceitos que ajudaram a formar suas fronteiras disciplinares
e reconstruam seu entendimento dos meios e fins legítimos de investigação. Muito freqüentemente,
porém, o que passa por uma sabedoria interdisciplinar envolvendo a teoria do direito é mais semelhante
à mútua colonização intelectual, com a qual quero significar a convergência superficial de duas disciplinas
distintas que possuem estratégias parecidas para subjugar a outra. O direito procura discursos externos
para sustentar a legitimidade de sua estrutura disciplinar, enquanto outras disciplinas procuram
relevância e importância dentro do pesado mundo da análise legal.” (tradução nossa) (MOOTZ,
Francis Jay. Desperately seeking science. Washington University Law Quarterly. no 3, p. 1010, 1995.
Vol. 73). No original: “The primary peril threatening every interdisciplinary effort is that the two disciplines
will retain their pre-conceived disciplinary self-understanding throughout the exchange. A vital
interdisciplinary encounter, it seems to me, requires that both disciplines accept the implicit challenge to
reconsider the prejudices that help to shape their disciplinary boundaries and to reconstruct their
understanding of legitimate modes and purposes of inquiry. All too often, however, what passes for
interdisciplinary scholarship involving legal theory is more akin to mutual intellectual colonization, by
which I mean the superficial convergence of two distinct disciplines that have like-minded strategies for
subjugating the other. Law seeks out external discourses to buttress the legitimacy of its disciplinary
structure, while other disciplines seek relevance and importance within the weighty world of legal analysis.”
20
Ibid., p. 1012-1013.
21
Ibid., p. 1012.
22
Assim expressa Mootz a conclusão de boa parte dos estudiosos da lingüística que estiveram
presentes no referido encontro: “Se os atores legais não se conformam pelo sentido ordinário
determinado cientificamente dos textos legais de autoridade, então o que passa por um discurso
especializado entre juízes começa a se parecer muito com o arbítrio ilimitado de uma elite político-
profissional.” (tradução nossa) (Ibid., p. 1015). No original: “If legal actors do not abide by the
scientifically determined ordinary meaning of authoritative legal texts, then what passes for a
‘specialized’ discourse among judges begins to look a lot like unconstrained discretion by members of
a political-professional elite”. Não se percebeu aqui, assinala Mootz, que a prática jurídica vai além
desses limites lingüístico-objetivos, visto que está associada a questões pragmáticas de moralidade e
justiça: “A prática da interpretação legal é completamente infundida com uma pragmática que é
32
MOOTZ, Rhetorical Knowledge…, p. 511. No original: “an emancipatory critique of society
is always derivative of our meaningful participation in society, and so critique is always a particular
comportment of belonging. Gadamer stresses that the rhetorical dimension of knowledge provides
the motivation and resources for social critique, and so he rejects the urge to develop philosophical
constructs that purport to exert critical leverage from outside the rhetorical arena.”
33
Ibid., p. 512-514.
34
Perelman se questiona: “Por que o jurista deve recorrer a raciocíncios alheios à demonstração
matemática?” E assim responde: “É, acima de tudo, porque deve tratar de questões de fato, que não
podem resultar de raciocínios puramente formais. Mas, mesmo quando se trata de raciocinar em
direito, as técnicas do raciocínio demonstrativo não podem ser suficientes. Basta refletir, um instante,
no papel da controvérsia em direito, no modo como é organizado o procedimento que permite conhecer
o pró e o contra, e se admitirá que estamos diante de técnicas de raciocínio alheias a matemática. É que,
em direito, a pessoa não se contenta em deduzir, mas argumenta, e todo estudo do raciocínio e da
prova em direito que descurasse dessa situação ignoraria o que constitui a especificidade da lógica
jurídica.” (PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. São Paulo: Martins-Fontes, 1996. p. 472).
35
(Tradução nossa) MOOTZ, Rhetorical Knowledge..., p. 515. No original: “Perelman contends
that the practice of reasoning about matters of justice has an epistemological status between rational
deduction and fanatical, irrational adherence.”
38
(Tradução nossa) Ibid., p. 530. No original: “Gadamer and Perelman both rely explicitly on
Aristotle to develop their shared effort to displace the Cartesian tradition, but they underemphasize
the extent to which philosophical hermeneutics and the new rhetoric reinforce each other in this task.
From a rhetorical perspective, philosophical hermeneutics provides guidance in the face of the ‘Cartesian
anxiety’: by moving from epistemology to hermeneutics, scholars can develop an ontological account
of the social nature of understanding and thereby avoid the relativistic implications of simply
abandoning the Cartesian model of knowledge without offering a radically new account. From a
hermeneutical perspective, the new rhetoric provides guidance in the face of the hermeneutical idealism:
by moving from ontology to politics, scholars can foster a critical inquiry oriented toward improving
our various rhetorical practices and thereby avoid the conservative implications of replacing the
Cartesian model with a model premised on abstract notions of historicity and finitude.”
39
Ibid., p. 569. Mootz chama atenção, no contexto do Direito estado-unidense, para a importância do
debate entre advogados e clientes na construção da causa, aduzindo que o “melhor interesse do
cliente” é uma noção altamente contextualizada e histórica, fruto de uma construção retórica e que
perfaz o principal objetivo dos advogados.
hermenêutica é que com ela se supera toda a questão extrínseca de fundamentação de um discurso e
também qualquer veleidade de autofundamentação de qualquer discurso científico. Em todos eles dá-
se uma pré-compreensão com que sempre operamos quando lidamos com os discursos do conhecimento
especializado das ciências. Essa dimensão hermenêutica, porém, não permite uma fundamentação
última, o estabelecimento definitivo de um sistema, pois a pré-compreensão participa apenas, como
modo de ser do ser-aí, da condição humana de ser-no-mundo. Isso quer dizer que quando aí falamos em
fundamento, falamos num fundamento sem fundo. Nada há exterior que dê legitimidade a essa dimensão
transcendental e compreensiva pela qual a fenomenologia hermenêutica estabelece a racionalidade
estruturante, processual e organizadora de qualquer discurso.” (STEIN, op. cit., p. 167) Assumir este
fundamento sem fundo para o Direito “significa descobrir, no Direito, um discurso que subjaz, como
dimensão hermenêutica profunda, ao processo lógico-discursivo do sistema jurídico. Em geral,
verificaremos que o Direito carrega consigo uma espécie de standard de racionalidade ingênuo. Isso
quer dizer que a dogmática jurídica tende a reproduzir, pelo positivismo, uma forma objetivadora,
incapaz de produzir a diferença entre a racionalidade I e a racionalidade II, ou entre a racionalidade de
caráter entificador quando busca a validação do discurso jurídico.” (STEIN, op. cit., p. 161).
48
O transcendental significa a superação do nível empírico mediante um mergulho na própria estrutura
cognitiva do homem, que possibilita toda experiência. Esse mergulho, porém, não deve levar a uma
objetivação da experiência, mas sim à aceitação do modo de ser histórico e temporal do homem. “A
fenomenologia hermenêutica aceita a impossibilidade de afirmações apodícticas no mundo da experiência
e interpreta o ir para além dos limites da experiência como um explicitar o aquém da dimensão
hermenêutica. Se percebermos as coisas assim, compreenderemos que o fundamento no Direito, ainda
que represente procedimentos expostos em forma lógica discursiva, deve ser entendido como um
modo de ser. [...] Todo o trabalho do Direito, uma vez que fomos atingidos pela fenomenologia
hermenêutica, passa a ser realizado sob os cuidados de uma dupla interpretação. E quando fazemos
Filosofia do Direito estamos basicamente chamando a atenção para a dimensão hermenêutica. Como
ela nunca se dá separada do discurso apofântico, explicitador do Direito, todo o exercício deste como
hermenêutica jurídica opera com a hermenêutica como pré-compreensão.” (STEIN, op.cit., p. 170).
49
Nessa direção, Mootz critica a mais que comum afirmação de que o juiz utiliza os argumentos
apenas para justificar a decisão que foi tomada desde o início: “A mesma concepção estreita da
dimensão retórica da prática legal é evidente quando os teóricos reduzem o julgamento à
formulação de uma justificação retórica aceitável para uma decisão. [...] A construção tardia de
uma justificação silogística é só a ponta do iceberg retórico que resultou na decisão, e a inadequada
atenção a esta fase tardia do julgamento nubla o processo retórico em julgamento.” (tradução
nossa) (MOOTZ, Rhetorical knowledge..., p. 574). No original: “The same narrow conception
of the rhetorical dimension of legal practice is evident when theorists reduce judging to
formulating an acceptable rhetorical justification for a decision. […] Later construction of a
syllogistic justification is only the tip of the rhetorical iceberg that has resulted in the decision,
and undue attention to this latter phase of judging clouds the nature of the rhetorical process
in adjudication.”
50
O realce da dimensão crítica da hermenêutica filosófica é um dos pontos centrais nos trabalhos
de Mootz. Em outro artigo, que aqui não pode ser comentado, o autor aproxima a perspectiva
crítica de Nietzche da filosofia antimetafísica de Gadamer, assumindo explicitamente que não
compactua com a pecha de conservador para Gadamer e de niilista pós-moderno para Nietzche.
O seu intento aqui é mostrar uma aproximação entre o perspectivismo nietzcheano e a fusão de
horizontes gadameriana, evidenciando uma força destrutivo-criativa que não ignora a tradição na
qual se apresenta, haja vista a própria ênfase de Nietzche na genealogia, uma espécie de
reconstrução constante do passado. Da aproximação entre Nietzche e Gadamer, Mootz pretende
reforçar a perspectiva crítica da hermenêutica filosófica e projetá-la como um modelo adequado
para iluminar as práticas jurídicas, concentrando-se, no artigo em questão, no exemplo de três
casos jurídicos acerca do status legal dos homossexuais nos Estados Unidos. Cf. MOOTZ,
Francis Jay. Nietzschean critique and philosophical hermeneutics. Cardozo Law Review. n o 3,
p. 967-1042, mar 2003. Vol. 24.
Considerações finais
As questões centrais que ocupam o labor acadêmico de Francis Jay Mootz, o
jurista estado-unidense que foi alvo de atenção neste artigo, são de extrema
importância no cenário da discussão teórica contemporânea do Direito.
Os temas do papel da teoria no Direito, da investigação interdisciplinar, do caráter
pragmático e hermenêutico das práticas e reflexões jurídicas, da pertinência e da
recolocação da crítica na dinâmica do Direito, evidenciam a proximidade das reflexões
teóricas desenvolvidas pelo autor estado-unidense com as que aqui se apresentam.
No Brasil é visível a atenção crescente que esses assuntos vêm obtendo nos
programas de pós-graduação e em outros cenários nos quais a reflexão teórica no
Direito se desenvolve. Em todas as áreas do Direito percebe-se a crescente pressão
que o apelo à efetividade dos princípios (especialmente os constitucionais), direitos
fundamentais, cláusulas gerais e demais conceitos vagos e indeterminados vem
experimentando. Aos poucos, os doutrinadores e trabalhadores do Direito vêm
incorporando em suas produções a substituição da representação do Direito como
um saber teórico certo, preciso, conceitual e absoluto, por um saber que se forma no
cotejo com o seu desenvolvimento prático, contextual e concreto, revelando uma
ineliminável instabilidade e movimento, a demandar uma racionalidade prática.
A auto-suficiência dos modelos teórico-conceituais, de fato, encontra-se
defasada diante de um mundo que se revela cada vez mais interdependente, inclusive
com relação à sua própria compreensão. A ênfase na inadequação da clivagem
entre teoria e prática parece ser o tema fundamental a ser hoje considerado e
desenvolvido no universo jurídico, tanto nas instituições acadêmicas quanto nas
instituições jurídico-políticas da sociedade. E revela-se promissora a perspectiva de
que tal enfoque encontre eco em diferentes quadrantes do mundo.
Referências
BARZOTTO, Luís Fernando. Prudência e jurisprudência: uma reflexão
epistemológica sobre a jurisprudentia romana a partir de Aristóteles. In: ROCHA,
Leonel Severo, STRECK, Lênio Luiz, MORAIS, José Luis Bolzan de (orgs.).
Anuário do programa de pós-graduação em Direito. Mestrado e doutorado
1998-1999. São Leopoldo: UNISINOS, 1999. p. 163-192.