Direito - Realismo Jurídico Norte-Americano

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Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

INTRODUO AO REALISMO JURDICO NORTE-AMERICANO


1 edio

Braslia Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy 2013

Copyright 2013 edio do autor 1 edio, maio de 2013

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Introduo ao Realismo Jurdico Norte-Americano / Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Braslia: edio do autor, 2013 ISBN 978-85-915522-1-4 1. Direito Pblico. Brasil I. Ttulo CDU-342

Todos os direitos reservados ao autor. expressamente proibida a reproduo total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem prvia autorizao do autor (Lei n 9.610, de 19.02.98, DOU 20.02.98)

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo- USP. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo-PUC-SP.

SUMRIO
1. Introduo............................................................................................. 05 2. Conceitos e Eixos Temticos................................................................. 09 3. Fundamentos Filosficos....................................................................... 25 3.1 3.2 3.3 3.4 O Pragmatismo............................................................................ 25 Charles Sanders Peirce................................................................ 34 William James............................................................................. 38 John Dewey................................................................................. 47

4. Antecedentes e Jurisprudncia Sociolgica.......................................... 57 4.1 Oliver Wendell Holmes Jr.................................................................... 57 4.2 Roscoe Pound....................................................................................... 81 4.3 Benjamin Natan Cardozo..................................................................... 88 4.4 Louis Brandeis..................................................................................... 93 5. Historiografia e Anti-Formalismo......................................................... 96 5.1 Charles Beard....................................................................................... 96 5.2 Lon Fuller........................................................................................... 102 Referncias Bibliogrficas......................................................................... 107

1 INTRODUO O realismo jurdico norte-americano levou ao limite a premissa de que juzes primeiramente decidem e depois engendram modelos de deduo lgica. Porque o pensamento seria instrumento para ajuste das condies de vida, a reflexo jurdica seria mecanismo para resoluo de problemas concretos. Abandona-se a metafsica e os construdos romnticos de direito natural, em favor do pragmatismo, da utilidade prtica, da atuao ftica. So esses os temas que freqentam o presente trabalho, que apresenta introduo ao realismo jurdico norte-americano, especialmente no que se refere a suas relaes com o pragmatismo. Pouco conhecido no Brasil, porque confundido com tradio jurdica supostamente refratria nossa, o realismo jurdico norteamericano no assunto que tem preocupado a indagao jusfilosfica brasileira, vtima de monoglossia crnica e patolgica, e centrada em tradues de textos europeus. Somos ainda refns da filosofia analtica, da metafsica alem, do fundacionalismo francs e de um incipiente constitucionalismo portugus. lugar comum a associao do entorno cultural dos Estados Unidos com o imperialismo que matiza o capitalismo daquele pas e com produtos miditicos de consumo. Por isso, o descaso para com um pensamento substancialmente muito denso, que o presente trabalho pretende resgatar. o realismo jurdico norte-americano que estimula as reflexes vindouras. No h aqui nenhuma preocupao com o realismo jurdico escandinavo ou com qualquer outra percepo convergente desenvolvida na Europa, e eu me refiro ao historicismo alemo. No que toca realidade jurdica brasileira, o livro no dissimula que admite que todas as crticas que os realistas lanaram ao formalismo podem, e devem, ser aplicadas atuao do judicirio nacional, presentemente. Denuncia-se nas entrelinhas que o pensamento jurdico brasileiro atual vive crise, mais outra, patinando na transio de formalismo

de feio positivista para neoformalismo pretensamente crtico, porm incapaz de transcender neodogmtica de teorias sistmicas, neocontratualistas e aliciadoras de suposta razo comunicativa, pilares de discurso vazio, agente de neokantismo que no se tem coragem de abandonar. Com base em literatura estrangeira ainda no traduzida no Brasil os aspectos conceituais do realismo jurdico norte-americano so indicados, com especial ateno nas ncoras epistemolgicas do movimento que, alis, no se via como tal, organizado e orquestrado em torno de objetivo comum. Os ataques ao formalismo, educao baseada em modelo que pretendia que o direito fosse cincia, distino entre pblico e privado, as relaes com o progressivismo, com o New Deal e com a prtica judiciria, do os contornos dessa primeira seo do trabalho. Porque fatos determinariam decises, percebe-se crtica apropriao que o direito da faria da lgica; o direito no lgica, experincia, sentena de Oliver Wendell Holmes Jr., que ser o mote dos realistas. Concentradas na primeira parte do texto, essas reflexes consistem no insumo de toda a reflexo que o livro pretende desencadear. As relaes do realismo jurdico com o pragmatismo do continuidade pesquisa. O pragmatismo tido como a filosofia nacional norte-americana, como a nica colaborao genuna daquele pas tradio filosfica ocidental. Centrado na percepo de que o que as pessoas acreditam ser verdade apenas o que acham que bom acreditar s-la, o pragmatismo reviveu o utilitarismo da tradio inglesa, promovendo ajuste entre concepes relativistas de verdade e intenes ortodoxas de utilidade. Os textos clssicos e seminais do pragmatismo so revistados pelo presente trabalho. Charles Sanders Peirce, rara combinao entre cientista natural e estudioso da histria da filosofia, reputado como o antepassado comum da escola pragmtica, d incio a essa seo que faz arqueologia do pensamento pragmtico.

William James o grande divulgador do pragmatismo, e com ele o livro segue. James, que resgatou e canonizou Peirce, e que teria utilizado pela primeira vez o termo pragmatismo, lembrado e estudado, a partir de anlise de seus ensaios, que proclamam o relativismo da verdade e o niilismo das crenas metafsicas. John Dewey, o filsofo nacional norte-americano, pedagogo, para quem a reflexo instrumento para realizaes prticas, para o avano, d continuidade ao trabalho, especialmente por conta de seus textos ligados teoria democrtica. Em seguida, investigo os antecedentes jurdicos do realismo norte-americano, com demorada estao na chamada jurisprudncia sociolgica. Oliver Wendell Holmes Jr., autor das mais recorrentes passagens do realismo, suscita bosquejo em sua trajetria de magistrado, especialmente em relao a seus votos vencidos, que iluminavam uma jurisprudncia de inconformismo. Roscoe Pound, que dirigiu a Harvard Law School, e que protagonizou postura dbia quanto ao realismo jurdico, primeiramente dispensando apoio encomistico, e posteriormente deduzindo crticas pesadas, d continuidade a essa seo. Para Pound havia grande diferena entre o direito encontrado nos livros e o direito em ao, o que enseja a antinomia entre law in books e law in action. Benjamin Natan Cardozo, que judicou na Suprema Corte NorteAmericana, e que julgou casos emblemticos, ilustra o realismo em sua feio mais funcional; para Cardozo h vrias maneiras de se resolver uma mesma questo jurdica. A seo se encerra com Louis Brandeis, advogado em Boston e posteriormente juiz na Suprema Corte em Washington, que ainda no incio da profisso inovara com suas peties, o Brandeis Brief, que insistiam em aspectos sociais e instrumentais das questes abordadas. Charles Beard, historiador do direito que denunciou o elitismo dos founding fathers, dos pais da ptria, dos criadores da constituio

norte-americana, ilustra o brao historiogrfico do realismo jurdico, com sua leitura econmica do texto constitucional de 1787. Lon Fuller, que debateu com H.L. Hart, impugnando o positivismo, matiza o antiformalismo que o trabalho aprecia, na continuidade das reflexes. O trabalho introduo para posterior estudo dos realistas mais expressivos dessa corrente norte-americana, a exemplo de Karl Llewellyn, Jerome Frank, Thurman Arnold e Felix Cohen. A herana e as influncias do realismo jurdico norte-americano tambm ensejam pesquisa a ser posteriormente apresentada. Trata-se da teoria da ferradura, para a qual o realismo jurdico norte-americano oxigenou tendncias que se identificam com a direita e com a esquerda do pensamento jurdico. Mais direita, so evidentes os vnculos do realismo com o movimento law and economics, direito e economia, especialmente em sua primeira verso, como enunciada por Richard Posner, juiz federal norte-americano e autor de vasta obra de filosofia do direito. Mais esquerda, so claras as relaes do realismo jurdico norte-americano com o movimento critical legal studies, em sua percepo originria, como desenhada por Roberto Mangabeira Unger, brasileiro que leciona em Harvard, e por Mark Tushnet, Duncan Kennedy, Elizabeth Mensch, Mark Kelman, entre outros representantes do movimento. H convergncia atual entre os remanescentes do critical legal studies, a exemplo de Mangabeira Unger, e do avatar do law and economics, Richard Posner, em torno do pragmatismo, o que faz de Richard Rorty a sntese do pensamento norte-americano da contemporaneidade, afastando-se, bem entendido, percepo mais popular e estatstica do que se entenderia por pensamento norteamericano. O presente trabalho d continuidade a sistemtica pesquisa antifundacionalista que tenho desenvolvido, e que ensejou livros anteriores que relacionam direito e literatura, direito e histria, direito e

historiografia, bem como introdues que preparei sobre o movimento critical legal studies e sobre o ps-modernismo jurdico. Pretendo propiciar insumo reflexo jurdica brasileira, em indisfarvel passo epistemolgico que radica em Jacques Derrida, pensador francs, cujo trabalho me estimulou a ensaiar tcnicas de desconstruo para com a tradio jusfilosfica brasileira. Baseio-me tambm no inconformismo de Roberto Mangabeira Unger. Paradoxalmente, invoco o pensamento jurdico norte-americano, para indiretamente questionar e criticar o pensamento jurdico brasileiro, cuja arrogncia conceitual chega ao extremo de eleger inimigos onde no os h, e cuja suprema apostasia consiste em criticar o que no se conhece, o que no se quer conhecer e o que no se tem condies intelectuais e glotolgicas para se compreender. 2. CONCEITOS E EIXOS TEMTICOS O realismo jurdico norte-americano desenvolveu-se a partir de professores que lecionavam em Johns Hopkins, Columbia e Yale. Surgiu na academia, revolucionando tribunais e bancas de advocacia. Potencializou-se no perodo entre-guerras, captou material conceitual no intervencionismo do governo Franklyn Delano Roosevelt, matizando o plano governamental, o New Deal, perdendo flego durante os anos mais problemticos da luta contra o perigo vermelho, na dcada de 1950. Karl Llewellyn, Thurman Arnold e Felix Cohen estavam entre esses professores revolucionrios (cf. SCHLEGEL, 2002, p. 501). Das salas de aula combatia-se o colapso do movimento progressista, que se enfraqueceu com a primeira guerra mundial. Demonstrava-se mal estar com as decises da Suprema Corte que invalidavam regulamentao estadual e federal em matria econmica, e que enfatizavam a substancialidade do processo e os direitos adquiridos, em matria contratual. O fim da primeira guerra anunciava uma guinada da jurisprudncia norte-americana para o conservadorismo de direita (cf. SCHLEGEL, 2002, p. 501). O caso Lochner v. New York (198 U.S. 45), de 1905, com o famoso voto vencido de Oliver Wendell Holmes Jr., emblemtico de uma era

que se pretendia esquecer e combater. Lei estadual havia proibido que se contratassem padeiros para que trabalhassem mais de sessenta horas semanais, ou mais de dez horas dirias. A lei do estado de Nova Iorque foi pensada a partir do poder de polcia, por meio do qual justificaria-se o intervencionismo, em nome da defesa de quem economicamente hipossuficiente, alm de razes de sade pblica; que no se poderia confiar alimento bsico a trabalhador que atuasse em regime de horas excessivas. Tomou-se a lei como abuso da interveno do Estado, em relao ao direito de contratar, que sociedade liberal entendia como ilimitado. Questionou-se se lei estadual regulamentadora de horas de trabalho em padarias exerceria poder de polcia validamente implementado pelo Estado. No se concebia direito do Estado interferir em matria de direito de trabalho e no campo sagrado da liberdade contratual. A Suprema Corte enfatizou, na deciso, que a limitao das horas de trabalho em padaria no era alcance de poder de polcia (cf. CHEMERINSKY, 2002, p. 591). A deciso em Lochner v. New York consubstanciava resposta firme s campanhas populares e aos movimentos socialistas que desde a dcada de 1890 defendiam legislao protetora do trabalho. Esses movimentos pregavam melhores salrios, proteo contra condies insalubres de trabalho e se desenvolviam mediante a utilizao de tticas que incluam greves, lobbies, alm de uma maior atuao sindical, protagonizada pela American Federation of Labor (cf. IRONS, 1999, p. 254). Por outro lado, Joseph Lochner era o proprietrio de pequena padaria especializada em bolos e tortas, na cidade de Utica, no estado de Nova Iorque. Porque contratou padeiros em regime que excedia o nmero de horas estipulado pela legislao estadual, foi multado primeiramente em cinqenta dlares, e numa segunda vez, dois anos depois, no dobro dessa quantia. Nessa ltima oportunidade, Lochner levou a questo ao judicirio.

Perdeu em Nova Iorque, porm uma bateria de advogados de Wall Street defendeu a posio de Lochner na Suprema Corte em Washington. Ironicamente, o advogado principal era Henry Weismann, que havia feito lobby pela lei limitadora de horas de trabalho em padarias, como defensor do sindicato, contra o qual agora lutava. Triunfou a doutrina da liberdade absoluta do contrato, em sua verso mais superlativa (cf. IRONS, 1999, p. 255). Reduziu-se o poder de polcia a posio de neutralidade absoluta (cf. HORWITZ, 1992, p. 27). A deciso em favor de Lochner contou com cinco votos, e insistiu-se na inconstitucionalidade de lei estadual que limitava a liberdade contratual (cf. REHNQUIST, 2001, p. 107); cristalizou-se a doutrina do laissez-faire jurdico (cf. McCLOSKEY, 2000, p. 119). O voto vencido de Oliver Wendell Holmes Jr., de quem se cuidar na segunda seo do trabalho, anuncia o realismo jurdico e d os contornos da jurisprudncia sociolgica norte-americana. Segue excerto da mesma, em traduo minha, como minhas so tambm as demais tradues e verses que aparecero ao longo do presente texto, exceto alguns fragmentos de William James, mais tarde indicados, tomados de verso em lngua portuguesa; sigo com Holmes:
Eu me arrependo sinceramente pelo fato de que no consigo concordar com o julgamento dado a esse caso, e acho que minha obrigao expressar os porqus do meu pensamento. Esse caso decidido com base em uma teoria econmica com a qual no concorda uma parte das pessoas desse pas. Se fosse uma questo de saber se eu concordo (ou no) com essa teoria, eu deveria estud-la, e deveria estud-la profundamente, antes de firmar minha posio. Porm no acredito que seja minha obrigao faz-lo, porque acredito firmemente que minha concordncia ou discordncia nada se relaciona com o fato de que a maioria possa incorporar sua opinio no direito (HOLMES, in FISHER et alli, 1993, p. 25).

O voto simples, direto, redigido na primeira pessoa, contesta a doutrina do liberalismo e do formalismo jurdicos, e d indcios de ataque ao uso da lgica e das proposies gerais pelo direito, o que freqente em Oliver Wendell Holmes Jr. Para Holmes, o direito em geral e a 14. Emenda constituio norte-americana em especial no teriam

abraado o iderio de Herbert Spencer (cf. HOLMES, in FISHER et alli, 1993, p. 26), pensador ingls que incorporou o darwinismo s cincias sociais, numa srie de ensaios que marcou o liberalismo vitoriano (SPENCER, 2001). Alm do que, para Holmes, a constituio no tinha como objetivo assumir determinada teoria econmica, seja paternalista que caracterize uma relao orgnica do cidado com o Estado, seja a doutrina do laissez-faire (HOLMES, in FISHER et alli, 1993, p. 26). O voto traz uma das mais conhecidas passagens do magistrado norteamericano, que na parte conclusiva afirmou que proposies gerais no decidem casos concretos (HOLMES, in FISHER et alli, 1993, p. 26). A era do realismo jurdico norte-americano foi antecedida juridicamente por casos marcantes do formalismo forense naquele pas. Exemplifico. Em 1886 julgou-se famosa ao referente ao radicalismo do sindicalismo em Chicago, quando se condenaram pena de morte diversos rus, no Haymarket Trial. Os rus, que eram sindicalistas, foram acusados e condenados pela morte de oito policiais por causa de uma bomba que fora colocada (pelos rus, dizia-se) em local prximo de onde estaria a polcia, em Chicago (cf. KNAPPMAN, 1994). Em 1895 julgou-se e condenou-se a seis meses de priso a Eugene Debs, lder sindicalista tambm de Chicago. Em 1896 sancionou-se legislao discriminatria, no caso Plessy vs. Ferguson, que sufragou o racismo norte-americano; a doutrina que emergiu do julgado somente ser revertida em meados da dcada de 1950. Em 1911 os irmos McNamara foram condenados por participao no movimento sindicalista na costa oeste. O caso arruinou a carreira do advogado Clarence Darrow, depois da confisso dos rus. Em 1911, em Nova Iorque, absolveram-se patres que no se responsabilizaram por incndio que matou 146 jovens trabalhadores, cristalizando-se a irresponsabilidade do patro por danos sofridos pelos empregados, no caso Triangle Shirtwaist Fire. Em 1914 a condenao por fuzilamento do lder sindicalista Joe Hill propiciou um mrtir para o movimento (cf. KNAPPMAN, 1994).

Os Estados Unidos da Amrica viviam ameaa socialista, condimentada pelo iderio anarquista, importado da Itlia (cf. ZINN, 1995, p. 314). A literatura da poca dava conta tambm dessa tendncia, como se l em Upton Sinclair, Jack London, Theodore Dreiser e Frank Norris (cf. ZINN, 1984, p. 25). Por outro lado, triunfava a receita liberal, tnica de aventura progressista (cf. BROGAN, 1999, p. 435). Definia-se o american way of life, captado na literatura de Sinclair Lewis, criador do inesquecvel Babbit (LEWIS, 1998). Essa tenso o pano de fundo que caracterizar o realismo jurdico norte-americano. No h relao de convergncia entre o realismo jurdico e o realismo no plano esttico, a menos que outorguemos quele primeiro caractersticas do naturalismo. Assim, proximidade poderia ser sentida na medida em que naturalismo e realismo jurdico descrevem a realidade de acordo com o olhar do cotidiano, distante de representao tpica e particular de sociologia, ou de qualquer outra cincia social aplicada (cf. SCHLEGEL, 2002). Diversas percepes de atuao judicial decorrem desse naturalismo forense. Para Benjamin Cardozo, como j dito, h mais de uma forma para se decidir um mesmo caso. Conceitos legais no produzem resultados necessrios, porm permitem que juzes tenham vrios resultados disponveis para escolha. Para Jerome Frank, a deciso judicial seria mecanismo de racionalizao de deciso pessoal, obtida por outros modos, marcados pelo planisfrio psicolgico do julgador. Juzes obscureceriam os fatores reais que operam e que incidem em casos particulares, escondendo-os junto a emaranhado retrico, repleto de proposies lgicas e de lugares comuns de interesse social. Julgadores manipulariam teorias econmicas para apreciar contratos de trabalho e transaes comerciais, do mesmo modo que trabalhariam com teorias psicolgicas para entenderem testemunhas ou ainda manipulariam teorias polticas para limitarem (ou estenderem) a regulamentao econmica dos governos (cf. SCHLEGEL, 2002).

O realismo jurdico aproxima-se de conjunto de transformaes que marcavam a primeira parte do sculo XX. contemporneo do pragmatismo na filosofia, da geometria no-euclidiana, da teoria da relatividade de Albert Einstein, de novos mtodos e abordagens na psicologia, como o freudismo e a psicanlise. O momento era de dvida em relao a sistemas de axiomas e de teoremas, bem como do valor de raciocnios indutivos e dedutivos e da possibilidade de que regras formais pudessem organizar as relaes humanas (cf. FISHER et alii, 1993, p. xiii). Percebe-se nos textos dos realistas que o formalismo convencional, baseado na concepo de resultado lgico a partir da natureza de dada categoria, migrou para justificativa do direito a partir do conhecimento das condies sociais junto s quais se aplica a lei, na busca de poltica social supostamente aceita como resultado desejado. Nesse sentido, os realistas falavam a linguagem dos burocratas de Washington (cf. SCHLEGEL, 2002) e prestaram favor inestimvel ao governo norte-americano, nas administraes que mediaram as guerras mundiais, especialmente no interregno que foi balanado pela grande crise que o capitalismo viveu em 1929. O realismo jurdico timbre da administrao Franklyn Delano Roosevelt, perodo ascensional do partido democrata, marcado pela integrao entre burocracia e poltica (cf. BURNS, 1956, p. 47). O realismo jurdico movimento prioritariamente intelectual que ganhou dimenso nos Estados Unidos, nas dcadas de 1920 e de 1930. Certo olhar ctico problematizava como os juzes decidem os casos e o que as cortes de justia verdadeiramente fazem. Para o realismo, magistrados decidem de acordo com o que os fatos provocam em seus iderios, e no em funo de regras gerais que levariam a resultados particulares. Assim, juzes responderiam muito mais aos fatos (factresponsives) do que s leis (rule-responsives). Vrios so os fatores que marcam a atuao dos juzes; e so fatores de fundo consciente e inconsciente (cf. LEITER, 1996). A deciso final no seria resultado exclusivo da aplicao da norma (que geralmente permite mais de um resultado), mas de vrios

fatores psico-sociais, que variam da ideologia do magistrado a seu papel institucional, com estao inegvel em sua personalidade. Advogados sabem que juzes so influenciados por outros aspectos que no so necessariamente jurdicos. Juzes, advogados e promotores abertamente consideram as implicaes polticas das regras jurdicas e das decises. Os textos doutrinrios, no direito norte-americano, bem entendido, rotineiramente consideram o contexto econmico, poltico e histrico das decises judiciais; nesse sentido, todos seriam contemporaneamente realistas (cf. LEITER, 1996). O realismo jurdico procurava definir e descredibilizar as teorias jurdicas ento dominantes, formalistas e objetivas, oferecendo em troca jurisprudncia com maior embasamento filosfico, mais iluminada e potencialmente orientada para realidade inesperada que se descortinava. O realismo jurdico problematizou trs dogmas do direito tradicional norte-americano. Duvidou-se que as regras jurdicas seriam escolhidas por representao popular. Zombou-se da concepo de que o controle de constitucionalidade de leis pelo judicirio refora o jogo democrtico. Derrubou-se o mito de que os Estados Unidos seriam governados por leis, e no por homens. Os efeitos do realismo jurdico so duradouros. Muito mais do que em qualquer outro pas os juzes norte-americanos tm auto-imagem de criadores da lei (cf. FISHER et alii, 1993). Percebe-se no realismo jurdico uma hostilizao perene teorizao sistemtica, tpica do modelo alemo e do direito de ndole romana. Por exemplo, a suposta teoria brasileira do direito tributrio, centrada no delrio da regra matriz de incidncia, seria motejada pelos realistas, que descortinariam que toda essa verborragia sem sentido encobre interesses de advocacia elitista, preocupada to somente com lucros de grupos empresarias que manipulam a normatividade fiscal em nome de suposta legalidade abstrata.

As categorias de direito civil, ainda prenhes de romanismo descoberto e maquiado pelo pandectismo alemo, seriam identificadas como embelezamento retrico e oco, vazio e maneirista. O realismo jurdico desconfia do uso da lgica em ambiente forense, porque bem sabe que julgadores primeiro decidem e depois fundamentam e ornamentam as decises com rudimentos de silogismos, premissas, maiores e menores, concluses, promovendo uma lgica abelardiana macarrnica que se sustenta com a ignorncia dos administrados e com a cumplicidade dos iniciados. Nesse sentido, o realismo anunciava elemento vetor no pensamento ps-moderno, criticando-se o instrumentalismo da razo e o afastamento entre fatos e regras. Por exemplo, e apenas tomando um ndice de livro de lgica jurdica como referencial, percebe-se conjunto expressivo de contextualizao metafsica que o realismo jurdico despreza, a propsito de temas como formalizao e generalizao, formalizao e simbolismo, linguagem formalizada, linguagem lgica e objetividade, formalizao da linguagem jurdica, modos altico e dentico, funo sinttica de negao, apenas para citar alguns itens. Ao realismo jurdico repugna tambm qualquer construo sistemtica do direito, a partir mesmo da aceitao de um direito natural. Trata-se de tentativa de se projetar o pensamento pessoal em modelo universal; admitir-se o direito natural atitude conceitual idntica de quem afirme que fale sem sotaque. meio de se universalizar o pessoal, e disso o realismo jurdico tinha conscincia. Rejeitava-se o paroquialismo, a convergncia do iderio em igrejinhas; os realistas negavam a existncia de uma escola realista de direito. No entanto, a despeito deles mesmos, e das prprias trincheiras do pensamento realista, os realistas desenvolveram poderosa e coerente viso terica do direito e das decises judiciais. Usou-se metodologia marcada por passos epistmicos que no reproduziam a circunspeo tradicional.

Tradicionalmente, a metodologia centra-se na anlise conceitual, o que alis d o ttulo do livro mais importante desse gnero de investigao, The Concept of Law, de H.L.A. Hart, texto publicado em 1961, e que revigorou o positivismo que remonta a Hobbes, a Bentham e a Austin. Nos termos da metodologia tradicional o juiz deve buscar conceitos, a exemplo de moralidade, conhecimento, lei, e a partir deles fundamentar juzos de subsuno. Trata-se de uma armchair inquiry, de jurisprudncia de gabinete, de anlise fria e conceitual, tpica de suposta aplicao neutra de princpios e normas (cf. LEITER, 1996). Ao conceitualismo os realistas contrapunham uma teoria predicativa. Uma regra regra de direito somente quando constitua previso acurada em relao a como um juiz julgar caso especfico. A norma que preside determinado contrato a previso real do que o judicirio far se o contrato no for cumprido por uma das partes. Para essa teoria predicativa o critrio de legalidade consiste no que o judicirio far quando exposto a um caso concreto e particular. Descrio acurada e real do direito corresponde a previso do que e como o judicirio ir se comportar, quando e se provocado (cf. LEITER, 1996). A percepo dos realistas corresponde a viso interna do direito, segundo as duas categorias imaginadas pelas teorias jurdicas norteamericanas. A viso interna tpica dos operadores do direito, a usarmos expresso surrada e de mau gosto estilstico. a viso de advogados, juzes e promotores, supostamente marcada por experincia prtica e funcionalista. Contrape-se a uma viso externa, produzida pela sociologia e pela filosofia. Weber, Marx, Foucault, Nietzsche, Derrida, Rorty, Mangabeira Unger, Habermas, por exemplo, comungariam de viso jurdica externa. Dworkin, Posner, Holmes, Pound, Cardozo, Brandeis, Frank, Llewellyn, Cohen, por outro lado, exporiam viso interna, dado que envolvidos no cotidiano forense, mesmo sob prisma acadmico. Crticas h ao realismo e teoria predicativa. Essa ltima no conseguiria explicar o erro judicial. Ainda, do ponto do vista do juiz, o

direito seria a previso do que ele vai fazer, o que enceta monstruosidade conceitual. Alm do que, como ser visto em seo mais pormenorizada, Holmes estaria preocupado em explicar a um cliente o que poderia ser feito tendo-se em vista a expectativa de determinada deciso judicial; enquanto que Jerome Frank estaria preocupado com conselhos a um interessado, do ponto de vista da psicologia do judicirio (cf. LEITER, 1996). O realismo jurdico vale-se de epistemologia naturalista, como anunciada por W. Quine. Esse modelo insistia na relao entre prova (sensory input) e as vrias teorias que explicam o mundo (cognitive output). Quine contrapunha-se a epistemologia tradicional, que visa a relao normativa e fundacional entre prova e teoria. Essa ltima pretende demonstrar como a teoria realmente comprovada pela realidade. Para aquela primeira o modelo tradicional imprestvel e impossvel; que a prova influenciaria a teoria, e no a justificaria. Uma nica possibilidade de estudo profcuo residiria na insistncia da relao entre prova e teoria, como considerado pela psicologia, o que faria da epistemologia captulo das preocupaes psicolgicas. A cincia da conduta humana substituiria a epistemologia de gabinete (cf. LEITER, 1996). Para os realistas a filosofia do direito embarcaria no mesmo mdulo conceitual: a jurisprudncia tambm seria objeto da psicologia. Ao decidir, juzes decidem primariamente ao estmulo dos fatos. A indeterminao dos fatos, e dos magistrados que deliberam impressionados por essas circunstncias, promovem a indeterminao do direito, a legal indeterminacy, percepo que ser retomada e fortalecida pelos crticos da dcada de 1970, a exemplo de Duncan Kennedy. Em princpio, admite-se que juzes sejam racionais, honestos e que nunca se enganam. Porm, o magistrado pode chegar a mais de um resultado, dependendo de como ele reaja aos fatos (cf. LEITER, 1996). o caso de Hrcules, o juiz imaginrio de Ronald Dworkin. A unicidade do que se espera do direito, e do que comumente se acredita como inerente ao direito ocidental, radica no racionalismo fundacionalista da tradio jurdica europia, que cogitava de um

legislador onisciente. O conceitualismo jurdico que acompanhou o movimento de codificao das legislaes europias defendia a incorporao do direito em cdigos planejados e estveis, como primeiramente se viu na ustria e na Prssia, e posteriormente na Frana (cf. KELLY, 1999, p. 311). Ao que o realismo respondia com a percepo pragmtica da multiplicidade, do relativismo e da ausncia de monotonia comportamental, realidades tpicas da existncia humana. A aproximao conceitual entre epistemologia naturalista, que denuncia que o pensamento tradicional centra-se na condio de que as provas determinam as teorias, em relao ao realismo jurdico que defende que os fatos determinam as decises, com aceitao desse ltimo, promove questo essencial: como os juzes respondem aos fatos? Duas concepes se desenham. A teoria idiossincrtica, baseada em Jerome Frank, centra-se no juiz como indivduo. A teoria sociolgica, fundamentada em Karl Llewellyn, centra-se prioritariamente na apreenso e na determinao dos fatos sociais. Verificou-se o triunfo da tese de Jerome Frank, mediante a adeso dos realistas concepo idiossincrtica, que se preocupa hegemonicamente com a individualidade do juiz (cf. LEITER, 1996). essa tese idiossincrtica que substancializou a premonio de que o direito o que o juiz diz que ele seja. E nada mais. Para a ala idiossincrtica a deciso judicial seria resultado direto da personalidade do juiz. A personalidade do juiz seria o epicentro da administrao da justia. Exagera-se, e combate-se o realismo, na premissa jocosa de que a deciso judicial fora determinada pelo que o juiz tomara no caf da manh. Gastronomia seria razo determinante da atuao burocrtica judiciria. O pensamento idiossincrtico deriva de Jerome Frank, como j observado. Discpulo de Sigmund Freud, Jerome Frank identificava que a busca judicial do correto, da verdade e do jurdico seria representao contingencial da busca do pai perdido. O que no deixa de ser a continuidade de desejo infantil pelo pai ideal (cf. LEITER, 1996). Para a ala sociolgica no se deve negar que juzes sejam seres humanos, dotados de personalidades individuais. Acrescentava-se, no

entanto, que os magistrados so produtos de determinantes sociais. O juiz julga de acordo com os valores culturais e sociais de seu tempo (cf. LEITER, 1996). As duas teorias tm em comum a aceitao de que o relativismo marca estrutural da ao judicial. De qualquer modo fixa-se na subjetividade do julgador, marcada por sua estrutura psicolgica ou por seu entorno social, de onde partem e ricocheteiam valores e referenciais. No h justia neutra, objetiva e assptica, como defendido pelo formalismo jurdico, que pregava jurisprudncia mecnica. A luta contra o formalismo unia os realistas. O formalismo consiste na crena na possibilidade de um mtodo dedutivo ou quase-dedutivo que seja capaz de oferecer solues determinadas para problemas particulares de escolha jurdica (UNGER, 1986, p. 1). Nesse sentido, o formalismo identifica-se com o compromisso e com a f na possibilidade de um mtodo de justificao legal que se possa contrastar com as disputas abertas e interminveis da vida social. Assumem-se propsitos, polticas e princpios supostamente impessoais. O formalismo, convencionalmente, a busca de um mtodo dedutivo decorrente de sistema normativo que no tenha e que no admita lacunas (cf. UNGER, 1986). O vetor do formalismo jurdico Cristopher Columbus Langdell, que dirigiu por muitos anos a Harvard Law School. Para Langdell, o direito cincia e deveria ser estudado do mesmo modo como se estudam as cincias naturais. O veculo para a realizao desse projeto seria o mtodo do case law. Baseado em estudo de casos, por meio dos quais o professor conduz o aluno a alcanar os princpios que regem as decises judiciais, o mtodo de Langdell procurava traar o desenvolvimento dos princpios superiores que regeriam o direito. Tambm chamado de mtodo socrtico, o sistema de Langdell ainda hoje o mtodo das faculdades de direito nos Estados Unidos. Cristopher Columbus Langdell publicou o primeiro livro de direito nos Estados Unidos baseado no case law. Trata-se de obra sobre direito contratual, primeiramente publicada em 1871, com o ttulo de A Selection of Cases on the Law of Contracts. Esse tipo de livro, que usado por todas as faculdades de direito nos Estados Unidos at hoje,

composto de decises judiciais, longos votos, excertos de doutrina, e acompanhados por perguntas e questes prticas. Aos alunos se determinam as leituras, especialmente dos casos, que devero reproduzir oralmente em sala de aula. Os professores so implacveis nas perguntas; um ambiente de terror ronda a academia. A partir dos casos espera-se que os alunos compreendam as razes formais das decises, a rationale dos casos, com as quais espera-se que o estudante se familiarize no treinamento que recebe para raciocinar como um advogado. Para Cristopher Columbus Langdell a cincia jurdica seria informada por quatro elementos que se relacionariam ininterruptamente. Primeiramente, deveria se prestar reverncia e respeito absoluto ao precedente, ao modelo de stare decisis. O precedente seria a chave fundamental para a compreenso da cincia jurdica. Em segundo lugar, deveria se compreender que decises jurdicas seriam meras repeties de decises pretritas. Em terceiro lugar, deveria se reconhecer que um nmero relevante de casos jurdicos indicaria limites de alcance entre as vrias e factveis doutrinas jurdicas. Por fim, a tarefa do cientista do direito seria a classificao dessas doutrinas fundamentais, de modo a se demonstrar a conexo lgica que haveria entre elas, bem como se desconstruir o mito de que essas doutrinas e decises formariam nmero formidvel e ilimitado (cf. DUXBURY, 2001, p. 15). O realismo jurdico vai combater duramente a jurisprudncia mecnica que resultou do modelo pedaggico de Langdell. Exemplo de jurisprudncia mecnica plasmado no caso United States v. E. C. Knight Co. (156 U.S. 1), julgado em 1895. Tratou-se de discusso em matria de lei antitruste, que teve como r empresa que adquiriu monoplio do refinamento do acar. A empresa American Sugar Refining Company havia comprado vrias refinarias de acar, obtendo praticamente o controle de todo o refinamento nos Estados Unidos. A reao do governo federal fez-

se sentir por meio de ao ajuizada contra a referida companhia. Nos termos do Sherman Antitrust Act as aquisies seriam irregulares. A r defendeu tese que consistia na afirmao de que a clusula de livre comrcio, como escrita na constituio norte-americana, no autorizava o Congresso a regulamentar a produo de acar. A Suprema Corte adotou esta tese, revelando preconceito e hostilidade para com a regulamentao econmica. A deciso fez-se com base em percepo formalista, que dava conta de que o comrcio de acar se dava em momento posterior refinao, que corresponde a processo de industrializao. Do ponto de vista lgico, se o Congresso no estava autorizado a regulamentar a industrializao do que quer que fosse, no poderia, conseqentemente, regulamentar, nesse caso, o comrcio decorrente. Porque a comercializao era instncia posterior industrializao, a vedao de regulamentao dessa ltima impediria a regulamentao daquela primeira. Os realistas usaram esse julgado para demonstrar a imprestabilidade ftica das anlises lgicas do direito. Indiretamente, pode-se imaginar como percepes lgicas seriam instrumentos retricos de proteo do capital. O realismo jurdico norte-americano abordagem pragmtica e comportamental das instituies sociais (cf. SINHA, 1993, p. 255). Assume-se atitude emprica, rejeita-se o raciocnio a priori e vai-se direto aos fatos. O principal dever do juiz no seria o de declarar a lei, porm o de manter a paz decidindo controvrsias. Do direito esperam-se solues razoveis para as disputas que lhes so levadas. Criao judicial em movimento constante, o direito supe reexame perene de propsitos e efeitos. A sociedade marcha em velocidade que transcende a lei. No h crena geral nas regras e solues tradicionais. Por outro lado, e o que mais importante, a racionalizao da deciso d-se depois da tomada de deciso, tornando-a plausvel. Categorias gerais so utilizadas como subsdios para fatos especficos.

De forma mais realista: a personalidade dos juzes deve ser estudada para se compreender o direito (cf. SINHA, 1993). O direito generalizao de efeito legal e potencial de consideraes judiciais nas decises de casos concretos. O direito incerto, indefinido, sujeito a mudanas incalculveis e imprevisveis. O direito s existe quando aplicado por juzes. A personalidade do juiz, nesse sentido, seria o fator mais importante para o direito (cf. SINHA, 1993). Essa projeo do direito na vida real suscitou instantes de muita tenso entre os representantes do realismo. O caso Sacco e Vanzetti ilustrativo dessa premissa. Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti eram italianos que viviam no estado de Massachusetts. Foram acusados de terem assassinado um homem chamado Frederick Parmenter. Teriam tambm matado a um guarda cujo nome era Alessandro Berardelli. Foram ainda acusados de terem roubado 15 mil dlares. O dinheiro seria utilizado pelas vtimas para o pagamento dos salrios dos empregados de uma fbrica de sapatos. No houve testemunhas oculares do crime. Circulava boato que dizia que dois italianos teriam cometido os delitos. Houve suspeitas em relao a um sujeito chamado Mike Boda; em seu carro foram encontrados livros relativos ao comunismo e muito material de propaganda subversiva. Posteriormente o carro foi encontrado na posse de Sacco e Vanzetti. O primeiro portava uma pistola calibre 32 com nove balas, e esse ltimo levava um revlver 38. Em poder de Sacco encontrou-se pedao de papel, que continha nota redigida em italiano, que pregava a luta pela resistncia. As armas no estavam regularizadas. Sacco defendeu-se dizendo que trabalhava em uma fbrica de sapatos no momento em que os crimes teriam ocorrido.Vanzetti insistia que estava ento vendendo enguias. Uma histeria tomou conta da acusao, que usava de todos os artifcios para condenar os italianos, que eram tidos como anarquistas. Um comit internacional organizou movimento para a defesa de Sacco e Vanzetti, mediante contatos com autoridades. Vrios protestos ocorreram junto s embaixadas americanas na Frana, na Blgica, na Itlia, na Sua. Felix Frankfurter (que mais tarde ser juiz da Suprema

Corte norte-americana) saiu em defesa dos italianos, no que foi apoiado por Karl Llewellyn, que fez impressionante pronunciamento no rdio, em favor dos rus. Roscoe Pound manteve-se em silncio, preferindo no se manifestar. Oliver Wendell Holmes Jr., j juiz em Washington, manteve a condenao. Em 23 de agosto de 1927, Sacco e Vanzetti foram executados. Cinqenta anos depois, Michael Dukakis, ento governador de Massachusetts, reabilitou os dois italianos. O caso Sacco e Vanzetti exps a falta de unidade conceitual entre os representantes do realismo jurdico norte-americano. Frankfurter e Llewellyn fizeram campanha pela absolvio dos italianos. Pound ficou calado. Holmes, que na qualidade de juiz da Suprema Corte poderia ter participao mais ativa, votou pela condenao dos rus. Llewellyn e Pound tambm sustentaram debate em torno do significado do realismo, como ser visto mais tarde. A partir do incio da dcada de 1930 Roscoe Pound passou a adotar posies mais conservadoras, o que o colocou em conflito com os outros realistas clssicos. O realismo jurdico norte-americano criticou a distino entre direito pblico e privado. Se for o direito pblico o detentor do poder para determinar o que direito privado, no h por que se aceitar que o direito privado seja esfera livre do direito pblico. Conceito tpico do direito norte-americano do sculo XIX, embora desprovido da nfase e da canonizao que lhe d a tradio europia, a dicotomia entre direito pblico e privado foi motivo de preconceito por parte do realismo jurdico, que em todas as instncias percebia a interferncia estatal. O referencial de autonomia da vontade, que supostamente informaria o direito privado, determinado pelo direito pblico, e nesse sentido esse ltimo assumiria e assimilaria aquele primeiro. Denunciava-se suposto fundamento metafsico do direito, recorrente na tradio clssica, em prol de juzo de premonio. As percepes de preconceitos, juzos de valor e comportamento dos magistrados passam a orientar as reflexes normativas, de que modo que se desconsideram contornos de objetividade que o formalismo jurdico tinha como ponto indiscutvel.

O realismo jurdico, resumindo, criticava o formalismo jurdico, a tendncia do direito de se reputar como cincia, o objetivismo, a utilizao da lgica e a busca da certeza jurdica. Defendeu-se o relativismo da verdade e ponderou-se que juzes carregam para as decises suas idiossincrasias, que so determinadas pelo entorno cultural no qual vivem. O direito definido como a possibilidade de se fazer previso segura de como o judicirio lidar com os casos que julga. Os contornos do realismo so informados pela filosofia do pragmatismo, tema do prximo passo. 3. FUNDAMENTOS FILOSFICOS 3.1 O Pragmatismo

O pragmatismo o pano de fundo filosfico do realismo jurdico norte-americano. Preocupa-se em investigar como as pessoas pensam. No se questiona por que motivos as pessoas pensam. Por que precisaramos saber algo que j fazemos naturalmente? Segundo os pensadores ligados ao pragmatismo, perde-se muito tempo com questes do pensamento, de pequeno resultado prtico (cf. MENAND, 1997). Filosofia tipicamente americana, o pragmatismo conta com alguns ensaios clssicos que o presente trabalho vai resenhar. Entre eles, textos de Charles Sanders Peirce (How to make our ideas clear), de William James (The will to believe), de Oliver Wendell Holmes Jr. (The path of law) e muito posteriormente de Richard Rorty (Philosophy as a kind of writing). Em linhas gerais, o pragmatismo abandona modelos tradicionais de objetividade, verdade e racionalidade, promovendo niilismo e ceticismo que subvertem a democracia liberal, a cogitarmos de imagem crtica para com essa corrente do pensamento norte-americano (cf. MENAND, 1997). O pragmatismo centra-se na questo da verdade e assume que o que se toma por verdadeiro apenas o que se admite como tal. O pragmatismo identifica modo norte-americano de se pensar e de se fazer filosofia. Sob forte influncia de Charles Darwin e do pensamento utilitarista de John Stuart Mill, o pragmatismo tambm filosofia que se

desenvolveu nos meios acadmicos. Comeou em Harvard com Charles Sanders Peirce e com William James. Emigrou para Chicago e Nova Iorque, quando se tornou filosofia nacional, sob forte influncia de John Dewey. Influenciou o realismo de Thomas Kuhn, que criticou a objetividade das cincias sociais, e que em 1962 publicou The Structure of Scientific Revolutions, um dos livros mais influentes do sculo XX. Thomas Kuhn (que faleceu em 1996) era fsico por formao acadmica originria. Uma bolsa de estudos o conduziu ao posto de Junior Fellow em Harvard. Passou a estudar a histria da cincia, intuindo que cada revoluo cientfica provoca mudanas nas perspectivas histricas da comunidade cientfica que protagoniza essa revoluo; tal mudana afeta a estrutura dos textos cientficos ps-revolucionrios e das publicaes de pesquisa acadmica (KUHN, 1996, p. xi). Kuhn impugnou o conceito clssico de que o desenvolvimento cientfico seria o resultado linear de uma srie de avanos historicamente concatenados. Tal percepo integrante de um modelo cientfico hegemnico, que se assume como dominante, normal, o que qualifica um paradigma, expresso cunhada por Kuhn e de uso trivial nas cincias sociais. Especialmente no direito, a expresso paradigma de uso recorrente; lugar comum falar-se em mudanas de paradigmas, locuo que apaixona jusambientalistas. A revoluo cientfica para Kuhn consiste na passagem de um paradigma para outro, isto , de um modelo hegemnico de epistemologia para outro, o que reflete o falibilismo e o relativismo do pensamento cientfico, premissa que os pensadores do pragmatismo tornaram conhecida e debatida. O ncleo original do pragmatismo formava grupo de discusses, que se reunia em Boston e em Cambridge. Seus membros nominavam a confraria intelectual de The Metaphisical Club, o Clube Metafsico. Os temas debatidos influenciaro juzes, professores, polticos e profetas sociais nos Estados Unidos. O Clube Metafsico viveu suas reunies por volta do incio da dcada de 1870. O ncleo do grupo era formado por

William James (ento professor em Harvard), Oliver Wendell Holmes Jr. (que ser juiz na Suprema Corte norte-americana), Chauncey Wright (filsofo), Charles Sanders Peirce (ento conhecido como cientista e terico da cincia), bem como os advogados Nicholas St John Green e Joseph Bangs Warner. James ser reputado como o maior divulgador do pragmatismo, Holmes como o maior nome da sociologia jurdica e Peirce como o fundador da teoria dos signos, que tambm ser explorada na Europa, especialmente com Saussure (KUKLICK, 2001, p. 146). Peirce alegava que o uso dos signos atitude interminvel; no conseguimos sair de um dicionrio (pois uma palavra leva a outra), assim como no conseguimos escapar do universo, pois cada um dos smbolos que nos envolve nos conduz a outras referncias (cf. MENAND, 2001, p. 364). O pragmatismo percebido em textos de autores to dspares como Benjamin Natan Cardozo (de quem se falar mais adiante), Artur Scheslinger Jr. (ligado administrao Kennedy) e Harold Bloom (crtico literrio autor de O Cnon Ocidental). Holmes formulou conceito que plasma a idia central do pragmatismo do ponto de vista jurdico. Definiu-se que first we decide, than we deduce, isto , o juiz primeiramente decide e em seguida formula mecanismos lgicos de deduo (cf. MENAND, 2001, p. 353). De tal modo,
Uma determinada questo jurdica apreciada em juzo como se fosse uma situao de fato nica e singular. Imediatamente inserese numa mirade de discursos imperativos. H imperativo em se encontrar uma soluo justa para esse caso particular. H imperativo em se encontrar resultado que seja consistente e coerente para com os resultados alcanados no passado em casos idnticos. H imperativo de se encontrar um resultado que, generalizado como soluo em casos idnticos anteriores, ser mais adequado e til para toda a sociedade. H imperativo em se encontrar resultado que emita mensagem comportamental que seja til. H tambm, embora reconhecidamente de forma menos explcita, desejo em se assegurar resultado que seja o mais simptico possvel s idias polticas do juiz que o anuncia. H imperativo de se usar o resultado desse caso particular de forma convergente com a doutrina jurdica, de modo a adapt-lo a mudanas nos modelos e condies sociais. H imperativo que radica no desejo de se punir o pecaminoso e perverso

e de se perdoar o bom. H imperativo em se redistriburem os custos, aliviando vtimas de acidentes, responsabilizando-se fabricantes e companhias de seguro (MENAND, 2001, p. 339).

Inverte-se a lgica convencional que at ento pretendia esclarecer o comportamento humano, a partir do desenvolvimento das idias. Para o pragmatismo, no agimos porque temos idias; temos idias porque precisamos agir, e agimos de acordo com os fins que perseguimos (cf. MENAND, 2001, p. 364). O pragmatismo impugna qualquer idia de neutralidade, insistindo no comprometimento do pensamento, na relao existente entre fins e meios. De tal modo, quando se diz a uma criana que o mundo assim mesmo, no se est fazendo observao neutra ou vazia de inteno prtica. Apenas se ajusta a criana a uma relao mais adequada e menos conflituosa com o mundo, porque sinceramente at se demonstra o quanto o mundo seria insatisfatrio (cf. MENAND, 1997). A expresso pragmatismo teria sido pela primeira vez utilizada por William James em 1898, em Berkeley, em aula cujo ttulo era Conceitos Filosficos e Resultados Prticos. A pretenso de resultados prticos para conceitos fundamentalmente tericos que marcava o movimento, justificou a ampla aceitao e simpatia da audincia norte-americana. J se afirmou que o pragmatismo seria a tica protestante (como sentida por Max Weber) em termos singularmente sociais (cf. MENAND, 2001, p. 439). Em homenagem direta a Peirce, que ento amargava ostracismo (tema que o presente trabalho posteriormente retomar), James nominou o pragmatismo de princpio de Peirce. Ao que consta, James preferia a expresso humanismo para designar o conjunto de idias de que ento cogitava. Peirce, ao se ver subitamente lembrado por James, passou a usar pragmaticismo. Dewey preferia instrumentalismo (cf. MENAND, 2001, p. 350). Humanismo, pragmatismo, pragmaticismo e instrumentalismo so expresses que convergiam para o ncleo conceitual do movimento, para o qual todo o conhecimento o para alguma coisa.

Consequentemente, os objetivos e resultados prticos do conhecimento que se busca que devem ser substancializados. Peirce, por sua vez, teria tomado o termo pragmatismo de passagem de Kant, que na Kritik der Reinem Vernunf (Crtica da Razo Pura) mencionava uma crena pragmtica (cf. MENAND, 2001, p. 227). De modo a buscarmos (e obtermos) clareza em relao ao conhecimento de determinado objeto devemos levar em conta quais so os efeitos prticos que esse conhecimento propicia, que sensaes nos aguardam, e para que tipo de reao devemos estar preparados (cf. MENAND, 1997). Insiste-se que a busca do conhecimento decorre da suposio dos resultados que a apreenso de suposta verdade pode nos garantir. Para William James, a verdade seria determinada pelas condutas que promove e pelas atitudes que inspira. Por isso, o significado concreto das proposies filosficas consiste na resposta que se d a uma desejada e planejada conseqncia particular (cf. MENAND, 1997). Ainda em campo epistemolgico, se queremos o conhecimento de algo, devemos localizar esse conhecimento e seus resultados no mundo real. A partir de textos de Peirce, um estudioso do movimento lembra-nos que quando dizemos que algo duro, nos referimos a algo que quebra o vidro, que resiste a colises, e assim identificamos os efeitos prticos do que se concebe como a caracterstica do detentor do qualificativo de dureza. Assim, esse qualificativo no percepo abstrata, imaginria, metafsica, ou mesmo enunciado de uma essncia. Trata-se da soma de tudo o que os objetos duros realmente representam na vida real (cf. MENAND, 1997). A reflexo acima conduz a incontornvel questo; afinal, o que faz com que determinada crena seja verdadeira? O pragmatismo insistia nos resultados dessa crena, e diria que verdadeiro aquilo que nos revela uma melhor e mais adequada relao com o mundo no qual vivemos. Tome-se como exemplo a questo da f religiosa. O pragmatismo deixa de lado as reflexes teolgicas e os problemas metafsicos. Assume a questo moral como principal. Preocupa-se com os resultados que a f provoca nas pessoas.

Na medida em que a pessoa religiosa passa a viver melhor, com ela mesma e com os outros, a f justificada. O pragmatismo no se ocupa com problemas essencialistas. Assume que h aspectos do conhecimento que no se pode alcanar. Preocupa-se com os resultados do conhecimento que a f reputa como verdadeiro. No se interessa pelo que se admite como verdadeiro, e nem mesmo com a prpria verdade; preocupa-se com os resultados que a verdade provoca em cada um de ns. Para o pragmatismo, a filosofia perde muito tempo na tentativa de deduzir verdades de princpios gerais e supostamente universais. Os filsofos, ainda para o pragmatismo, deveriam investigar os efeitos prticos da aceitao de verdades, especialmente em mbito de reflexo moral. Verdade seria o nome que se d ao que til e bom, no sentido de ser definido como vlido. Voltando-se ao problema de fundo teolgico acima identificado, no se questiona se a existncia de Deus pode ser comprovada. Questionam-se os efeitos prticos que essa crena possa exercer sobre as pessoas, particularmente tomadas. Para o pragmatismo, se esperarmos por prova absoluta referente existncia de Deus, iramos esperar a vida toda; assim, critrio prtico orientaria a opo, que qualifica a f (cf. MENAND, 1997). Ampliando-se o raciocnio e os contornos do problema, o pragmatismo admite que no podemos esperar pela prova absoluta de alguma coisa. Nossas decises seriam apostas em relao ao que o mundo hoje, e no que imaginamos que o mundo ser amanh (cf. MENAND, 1997). Somos agentes de nossos destinos (cf. MENAND, 2001, p. 371). O que produzimos no mundo, a cultura, mera resposta para nossa condio de vida; geramos cultura exatamente como produzimos dixido de carbono (cf. MENDAND, 2001, p. 407). Nossa crena mera f em nossa habilidade individual e em nosso poder criativo (cf. MENAND, 1997).

O pensamento promove o ajuste de ns mesmos com nossas condies de vida. O pragmatismo insiste no sentido prtico da atitude filosfica. Holmes afirmava que a filosofia para nossa cultura o que um traje de festas e uma gravata borboleta seriam para ns quando temos de tir-los para trocarmos o pneu de um carro. H momentos em que a reflexo filosfica deve ser deixada de lado, porque a vida nos exige atitude firme, prtica, de resultado, que resolva problema que nos foi colocado, e para o qual devemos estar em estado de preparo perene (cf. MENAND, 1997). Experincia, para o pragmatismo, seria o resultado do que surge da interveno do organismo humano em relao ao meio ambiente. Crenas, valores, intuies, costumes, preconceitos, os elementos que informam a cultura, refletem nossa interao com o meio em que vivemos (cf. MENAND, 1997). A pedagogia do pragmatismo (definida nos textos de Dewey) indica-nos que aprendemos fazendo (learning by doing). Radica a a obsesso de Dewey com o cozinhar como mtodo de aprendizagem (cf. MENAND, 2001, p. 323). O conhecimento se circunstancia em situaes concretas. O conhecimento no mera cpia mental de realidade externa; instrumento e rgo de ao de sucesso. O processo de aprendizagem seria atividade de celebrao, a escola a comunidade em miniatura, campo de treinamento para a vida democrtica; o habitat natural dos pequenos profetas, na imagem de Mangabeira Unger. A ateno, essencial aprendizagem, o processo de mediao entre hbito e novas condies (cf. MENAND, 2001, p. 327). O pragmatismo aceita diferenas, que incentiva, e assim antecedente comum do pluralismo cultural. Para James, o pragmatismo deixa de ser filosofia e passa a ser uma maneira de se fazer filosofia (cf. MENAND, 1997). Por isso, prega-se ao invs do universo um multiverso, algo que jamais se encontra completo e que nunca se percebe sintetizvel em uma totalidade estvel. O pragmatismo pretende impugnar todas as formas de

abstrao inteis. Finca-se em experimentalismo permanente, insistindo que devemos continuar experimentando coisas novas. O conhecimento progride, em regime de adaptao. Rejeita-se o formalismo. O pragmatismo repudia quem quer que tente impor ao conhecimento um modelo e um sistema formal e inquestionvel. Nesse sentido, o pragmatismo estimula para que acreditemos que estamos fazendo as coisas certas, mesmo assumindo a falibilidade e o erro de nossos julgamentos; a metafsica no deve ser objeto de nossas preocupaes. Ela tomar conta de si mesma e um dia qualquer desses vai acabar resolvendo o problema de todo o mundo... (cf. MENAND, 1997). As teorias, segundo o pragmatismo, apenas do sentido para nossas necessidades. O pragmatismo promove, mais uma vez, inverso conceitual, ao localizar o mbito terico como conseqncia do desejo ftico. Certo determinismo matiza o pragmatismo, na medida em que se defende que nossas decises seriam determinadas pelas regras culturais dos grupos sociais aos quais pertencemos (cf. MENAND, 1997). Explicita-se melhor a premissa com a metfora da escada. Suponha que acordemos pela manh e nos encontremos em um novo lugar, que nunca imaginamos, e no qual no estivramos antes. Em seguida, construmos uma escada para tentarmos reconstruir o caminho de ida. Tentamos explicar como chegamos l. O pragmtico a pessoa que pergunta se esse um lugar ideal para se estar. O no pragmtico fica admirando a escada... (cf. MENAND, 1997). O pragmatismo, ento, condena atitudes contemplativas, de admirao, daqueles para quem a vida deve ser vista como a um palcio, como se fosse objeto de constante apreciao esttica. O pragmatismo exige pensamento rpido, direto, objetivo, concreto. No se admira que a mentalidade norte-americana, tambm moldada na tica capitalista e na pr-destinao calvinista, tenha outorgado ao pragmatismo a feio de filosofia nacional. Imagina-se lmina pragmtica, um pragmatic razor, um golpe certeiro que d fim irrelevncia concreta dos problemas da metafsica.

Tudo o que fazemos, fazemos com algum interesse (MENAND, 2001, p. 101). Assim, em termos mais especficos, no a resposta que vem do estmulo. S h estmulo porque j existe a resposta. Do mesmo modo, no h o indivduo e depois a sociedade, porque no h indivduo sem sociedade (cf. MENAND, 2001, p. 330). O pragmatismo antifundacionalista. Adianta-se em temas que sero retomados pelo pensamento ps-moderno no sculo XX. O pragmatismo criticava distines entre mente e realidade, meios e fins, natureza e cultura (cf. MENAND, 2001, p. 330). A verso contempornea do pragmatismo o faz da mesma maneira. Richard Rorty, em livro seminal, demonstrou que Dewey, Wittgenstein, Heidegger, e Derrida tm muito em comum, ligando pragmatismo e ps-modernismo (cf. RORTY, 1980). A distino metafsica entre mente e realidade no sentir do pragmatismo um falso problema. A verdade emerge como consenso comunitrio (e nesse sentido percebe-se influncia do pragmatismo em Habermas) e no como crena individual. Concebe-se teoria do conhecimento holstica, teoria poltica democrtica, teoria pedaggica progressista e teoria jurdica realista. O pragmatismo torna sem sentido o problema kantiano, referente natureza do conhecimento (DURANT, 1961, p. 382). O realismo jurdico norte-americano a verso forense do pragmatismo. Pretende ler a vida jurdica sob o ngulo do relativismo, do experimentalismo e do otimismo, caractersticas do pragmatismo filosfico. A reflexo do pragmatismo ser conduzida para uma dimenso jurdica. O jogo da justia ser dissecado. A verdade dos autos ceder verdade da circunstncia, dada a prpria inadmissibilidade de verdade que possa ser reputada como protagonista de verdade real. No prximo passo o trabalho procura sintetizar o pensamento de Charles Sanders Peirce, reputado como o primeiro dos pragmticos.

3.2 Charles Sanders Peirce Peirce admitia que a filosofia atitude prioritria de construo e de reparao. Divulgador de empirismo idiossincrtico, Peirce substituiu o ceticismo pelo falibilismo e o positivismo pelo prprio pragmatismo. Durante sua vida Peirce contou com audincia pequena e inconsistente. Peirce jamais deteve ctedra por longos anos, como fizeram James e Dewey. Peirce estudou tambm lgica, influenciando Bertrand Russell, o filsofo ingls que criticou os pragmticos. Para Peirce a filosofia seria menos arte e muito mais ramo de pesquisa progressiva. Seu pensamento no se limita ao verbalismo e ao hipottico. Em sua dimenso mais popular o pragmatismo vai se mostrar como reao anti-intelectualista, e nesse aspecto o pragmatismo de Peirce, por ser anti-intelectualista, conhecer certa oposio. A contrrio de seus sucessores (especialmente de John Dewey) Peirce admite o pragmatismo como regra de lgica, e no como metafsica. Para Dewey, James e Holmes, o pragmatismo no seria nem lgica e muito menos metafsica (BUCHLER, in PEIRCE, s.d., p. ix). Charles Sanders Peirce nasceu em Cambridge, Massachusetts, em 10 de setembro de 1839. Seu pai, Benjamin Peirce, era reputado como sbio nos meios acadmicos. Em 1855 comeou seus estudos sistemticos de Kant. Em 1859 graduou-se em Harvard. Suas notas o colocaram em septuagsimo-nono lugar, entre noventa alunos. No ano seguinte, em 1860, Peirce viveu episdios manaco-depressivos, que o acompanharam at o fim da vida. No mesmo ano, realizou estudos em Harvard, sob orientao de Louis Agassiz. Em 1861 comeou a trabalhar no servio costeiro dos Estados Unidos. Tambm em 1861 entabulou amizade e correspondncia com Willliam James. Essa amizade alastrou-se at 1910, data do falecimento de William James. Peirce casou-se em 1863 com Harriet Melusina Fay, a quem chamava de Zina. Peirce estudou Aristteles com verticalidade impressionante. Em 1865 comeou a lecionar lgica. Dedicou o ano de 1867 para o estudo de Descartes e de Leibnitz.

No ano de 1869 redigiu cerca de 300 resenhas de livros para o jornal The Nation. Em 1872 comeou a freqentar o Clube Metafsico, em Boston e em Cambridge, relacionando-se com Holmes e com os demais membros daquele sodalcio intelectual. Separou-se da primeira esposa em 1876, passando a viver com Juliette Annette Pourtalai. O caso e o escndalo lhe custaram o emprego de professor em Johns Hopkins e lhe fecharam as portas da academia norte-americana. Depresso e problemas econmicos lhe atormentaram. Inmeros ataques nervosos tornaram sua sade precria. Peirce tentou o suicdio algumas vezes. Morreu de cncer em 19 de abril de 1914. Peirce viveu seus ltimos anos na pobreza e na doena. No fim da vida Peirce se dizia um misto de idealista objetivo (locuo que tomou de Schelling) e de realista lgico (BRENT, 1998, p. 362). Some Consequences of Four Incapacities (Algumas conseqncias de quatro incapacidades) ensaio de 1868, seminal para a formulao das linhas gerais do pragmatismo, na medida em que lanou ataque fulminante na metafsica. Peirce comea o ensaio nominando Descartes de o pai da filosofia moderna, lembrando que o esprito do cartesianismo ensina que devemos comear a inteleco do mundo com uma dvida universal. Com essa premissa, Peirce afirma que todos os filsofos de sua poca eram, em certa medida, cartesianos. Porm Peirce rebatia a dvida cartesiana e escrevia que:
No podemos comear com uma dvida absoluta. Devemos principiar nosso raciocnio com todos os preconceitos que efetivamente possumos quando comeamos a estudar filosofia. Tais preconceitos no podem ser deixados de lado por conta de uma mxima. que h coisas em ns que devemos questionar. Conclui-se que esse ceticismo inicial ser apenas decepo pessoal e no dvida real; e ningum que siga o mtodo cartesiano jamais se dar por satisfeito at que tenha se curado das crenas que um dia teve. A dvida cartesiana, de tal modo, to intil como se ir ao Plo Norte como parte do caminho para Constantinopla. Pode-se, em verdade, ter-se razo em se duvidar do que anteriormente se acreditou; mas nesse caso se duvida porque se teve razo positiva para tal, e no como resultado de mxima cartesiana. No se pode fingir que se duvida em filosofia daquilo que no se duvida verdadeiramente (PEIRCE, s.d., p. 228).

A dvida cartesiana, centrada na concluso de que no se pode duvidar apenas do que se existe, porque se pensa, e que d incio a um conjunto de regras para direo do pensamento (cf. DESCARTES, 1952) fundamentaria modelo de raciocnio desprovido de praticidade e de realidade. Para Descartes a dvida seria o primeiro passo de todo o conhecimento (cf. TARNAS, 1993, p. 277). Peirce criticava essa filosofia metafsica e idealista, ponderando que a dvida no pode ser o resultado de uma mxima filosfica. A dvida seria estado de vacilo conceitual real. E nada mais. E disparava:
Toda filosofia no idealista supe algo absolutamente inexplicvel e efetivamente no passvel de anlise. Em resumo, algo que resulte da prpria mediao, porm no suscetvel a essa mesma mediao. Agora que todas as coisas se tornaram efetivamente inexplicveis, tudo s pode ser conhecido mediante o raciocnio simblico. Porm a nica justificativa para inferncia a partir de smbolos que a concluso explica o fato que se pretende conhecer. Supor-se que um fato seja absolutamente inexplicvel no forma de explic-lo, e conseqentemente tal suposio jamais pode ser aceita (PEIRCE, s.d., p. 229).

No ensaio The Fixation of Belief (A fixao de uma crena), que de 1877, Peirce moteja da lgica, embora ele mesmo fosse um professor da disciplina de Abelardo:
Para Rogrio Bacon, essa inteligncia brilhante que em meados do sculo XIII j era quase homem de cincia, a concepo escolstica de raciocnio surgira apenas como obstculo verdade. Ele previa que a experincia isolada no ensina nada, proposio que para ns hoje em dia parece fcil de ser compreendida. que outra concepo de experincia nos tm sido legada pelas geraes passadas. Aquela concepo era para Bacon perfeitamente inteligvel, porque as dificuldades que tinha ainda no haviam se desdobrado nas dvidas que elas mesmas traziam. De todos os tipos e formas de experincia, a melhor, ele pensava, era a luz interior. Essa luz que nos ensina muitas coisas sobre a natureza. Coisas que os sentidos externos jamais podero descobrir, como, por exemplo, a transubstanciao da hstia (PEIRCE, s.d., p. 5).

A transubstanciao da hstia, tema teolgico, remete-nos ao problema da hstia ser ou representar Cristo. A validade da lgica, para essa tarefa de investigao teolgica, circunstanciava e atestava a atitude ctica de Peirce para com o estudo dos silogismos. Nesse mesmo ensaio,

The Fixation of Belief, Peirce problematizou a relatividade da verdade, tema que clssico no iderio pragmtico:
H coisas reais, cuja natureza inteiramente independente das opinies que temos sobre elas. Essas coisas reais afetam nossos sentidos de acordo com leis que agem com certa regularidade e, embora nossas sensaes sejam distintas das relaes que temos com os objetos, ainda, usando-se das vantagens das leis de percepo, podemos nos assegurar na medida em que refletimos sobre como as coisas verdadeiramente so. E cada um de ns, com suficiente experincia e bom senso, pode chegar a uma concluso Verdadeira. A nova concepo que aqui surge a concepo de realidade (PEIRCE, s.d., p. 18).

O falibilismo do conceito de verdade tema essencial no pensamento de Peirce, para quem est em pssimo estado mental quem admite a existncia de verdade absoluta e no contestvel (cf. PEIRCE, s.d., p. 21). No ensaio How to Make our Ideas Clear (Como fazer com que nossas idias sejam claras), de 1878, Peirce indicou que uma idia clara definida como aquela que assim reconhecida, sempre [...] e que se falha na clareza, ser tida como obscura (PEIRCE, s.d., p. 23). Esse aparente trusmo serve de pano de fundo conceitual para a concluso do ensaio, que nos lembra que as idias podem ser claras, mesmo no sendo verdadeiras (cf. PEIRCE, s.d., p. 41). O pensador norte-americano cindiu os conceitos de clareza lgica e de verdade. No exigncia de clareza de raciocnio que esse conceito seja verdadeiro, mesmo porque a essncia de uma crena radica na formao de um hbito (PEIRCE, s.d, p. 29). E desprezou a lgica clssica:
O to admirado ornamento da lgica, que decorre de doutrina que proclama a clareza e a distino, pode at ser muito elegante e interessante. Porm, chegou a hora de relegarmos tal ornamento e antiga jia a nosso armrio de curiosidades, deixando para usar algo melhor e mais til aos dias de hoje (PEIRCE, s.d., p. 25).

Peirce criticava o uso de recursos retricos, lembrando que h pedras no fundo do mar, flores em desertos que jamais foram viajados, etc., que so proposies que, como aquela que nos lembra que um diamante duro quando no pressionado, ligam-se muito mais a arranjos de nossa lngua do que ao significado de nossas idias (PEIRCE, s.d., p. 40).

Peirce reiterava a crtica a metafsica. Escrevia com a mesma agressividade com que Nietzsche praguejava contra a metafsica na Europa. Para Peirce, a metafsica um assunto muito mais curioso do que til; seu conhecimento, tal como o conhecimento de um recife debaixo da gua, serve-nos a mantermo-nos livre dele (PEIRCE, s.d., p. 47). Peirce acreditava que entre os elementos do mundo teramos o acaso e o hbito. Peirce tambm o fundador da semitica. Concentrou-se na diferena entre idia e signo. Para o pensador norte-americano, o signo tambm pensamento, idia, porm carrega significado que no autoevidente. Alm de ponto de partida para o pragmatismo, Peirce deu incio a amplo campo de pesquisas, que radicam nos problemas que decorrem das relaes entre smbolos. Tema de inmeros trabalhos acadmicos, Peirce tornou-se epicentro de uma indstria de problematizao e de reflexo filosfica. O local no qual passou os ltimos anos de sua vida tornou-se ponto turstico de peregrinao nacional (cf. KUKLICK, 2001, p. 149). Para os efeitos das reflexes do presente trabalho, que se ocupa do realismo jurdico norte-americano, Charles Sanders Peirce o primeiro referencial conceitual, na medida em que relativizou a verdade, a lgica e a metafsica. Peirce protagonizou o anti-essencialismo filosfico que informou o realismo jurdico nos Estados Unidos. Nesse sentido, sua importncia iguala-se a de William James, tema do prximo passo. 3.3 William James William James nasceu em Nova Iorque no ano de 1842. Estudou nos Estados Unidos e na Europa.Graduou-se em Harvard, em 1869, quando terminou o curso de medicina. Travou slidas relaes de amizade com Charles Sanders Peirce e com Oliver Wendell Holmes Jr., com os quais se reunia no Metaphysical Club. Viveu muitos anos atormentado pela ansiedade e pela depresso. Lecionou fisiologia, psicologia e filosofia, sempre em Harvard, alm de ter feito vrias palestras em Boston. James comeou a sofrer do corao

em 1898, morrendo em 1910. Quadros depressivos eram recorrentes na famlia de William James (cf. SIMON, 1999). talvez esse pano de fundo que tanto tenha colaborado na formao de William James, como fino observador da alma humana (cf. BARZUN, 1984, p.142). William James reputava a filosofia como a mais sublime e a mais trivial das empreitadas humanas. Admitindo a insero do pensamento filosfico em todos os campos da experincia, James afirmou que a filosofia opera nas brechas mais estreitas e se abre para os mais vastos horizontes (JAMES, 1979, p.4). Realista, ponderou que a filosofia no enche barriga [...] mas pode inspirar nossas almas com coragem (JAMES, 1979, loc. cit.). Necessitamos da filosofia na medida em que repelente como suas maneiras, suas dvidas e desafios, seus sofismas e dialticas freqentemente o so para gente comum, nenhum de ns pode prosseguir sem a luz longnqua que espraia pelas perspectivas do mundo (JAMES, 1979, loc.cit.). Em tom apocalptico acrescentou que esses clares, pelo menos, e os efeitos contrastantes de mistrio e escurido que os acompanham, emprestam ao que diz um interesse que muito mais do que profissional (JAMES, 1979, loc.cit.). William James em reflexo feita em famosa conferncia explicitou medida lcida para o que o pragmatismo entende por filosofia e por narrativa histrica que a acompanha. Para o pensador norte-americano:
A histria da filosofia , em grande parte, a de uma certa coliso de temperamentos humanos. Indigno que possa parecer a alguns de meus colegas um tal tratamento, terei que levar em conta esses choques e explicar por seu intermdio grande parte das divergncias filosficas. Qualquer que seja o temperamento de um filsofo profissional, trata, quando filosofando, de encobrir o fato de seu temperamento (JAMES, 1979, loc.cit.).

A filosofia procura verdades ou pelo menos tenta explicar porque est atrs dessas supostas exatides e realidades. A soluo que James pretende oferecer uma coisa singularmente chamada de pragmatismo como uma filosofia que pode satisfazer a ambas as espcies de procuras (JAMES, 1979, p. 13).

Espremido entre as tradies do racionalismo e do empirismo, da teologia ortodoxa e do ceticismo que remonta tradio aportica inglesa, cuja linhagem radica em Hume, essa filosofia pragmtica pode permanecer religiosa como os racionalismos, mas, ao mesmo tempo, como os empirismos, pode preservar a intimidade mais rica dos fatos (JAMES, 1979, p.13). O pragmatismo sugere um mtodo. Para o pensador norteamericano, o mtodo pragmtico , primariamente, um mtodo de assentar disputas metafsicas que, de outro modo, se estenderiam interminavelmente (JAMES, 1979, p. 18). E James em seguida moteja de questes metafsicas, que oxigenam discusses interminveis e improdutivas. Assim, o mundo um ou muitos? predestinado ou livre?material ou espiritual?- eis aqui noes, quaisquer das quais podem ou no ser verdadeiras para o mundo; e as disputadas em relao a tais noes so interminveis (JAMES, 1979, loc.cit.). James preocupou-se com o resultado ftico e com a prestabilidade concreta dos problemas com os quais a filosofia lida. E de tal modo, o mtodo pragmtico nesses casos tentar interpretar cada noo traando as suas conseqncias prticas respectivas (JAMES, 1979, loc.cit.). O sentido de conseqncia prtica o eixo sobre o qual se orienta o modelo pragmtico e a prpria cultura norte-americana, de modo mais amplo, e de forma mais especfica no que tange ao realismo jurdico. Por isso, que diferena prtica haveria para algum se essa noo, de preferncia quela outra, fosse verdadeira? (JAMES, 1979, loc.cit.). A percepo do que seja prtico fundamenta o pragmatismo e para William James se no pode ser traada nenhuma diferena prtica qualquer, ento as alternativas significam praticamente a mesma coisa, e toda disputa v (JAMES, 1979, loc.cit.). Conseqentemente, sempre que uma disputa sria, devemos estar em condies de mostrar alguma diferena prtica que decorra necessariamente de que um lado, ou o outro est correto (JAMES, 1979, loc.cit.).

A expresso pragmatismo explicada por William James, que o fez inclusive mediante explcita homenagem a Pierce, que se encontrava no ostracismo e a quem James promove subida reabilitao:
Uma olhada histria da idia mostrar ainda melhor o que significa pragmatismo. O termo deriva da palavra grega prgma, que significa ao, do qual vm as nossas palavras prtica e prtico. Foi introduzido pela primeira vez em filosofia por Charles Peirce, em 1878. Em um artigo intitulado Como tornar claras nossas idias, em Popular Science Monthly de janeiro daquele ano, Peirce, aps salientar que nossas crenas so, realmente, regras de ao, dizia que, para desenvolver o significado de um pensamento, necessitamos apenas determinar que conduta est apto a produzir: aquilo para ns o seu nico significado. E o fato tangvel na raiz de todas as nossas distines de pensamento, embora sutil, que no seja seno uma diferena possvel de prtica. Para atingir uma clareza perfeita em nossos pensamentos em relao a um objeto, pois, precisamos apenas considerar quais os efeitos concebveis de natureza prtica que o objeto pode envolver- que sensaes devemos esperar da, e que reaes podemos preparar (JAMES, 1979, loc.cit.).

E discursando como co-fundador de um campo de pesquisas e de ao, que sempre vinculava a Pierce, James continuava:
Esse o princpio de Peirce, o princpio do pragmatismo. Permaneceu inteiramente despercebido por vinte anos, at que eu, em uma alocuo perante a reunio filosfica do Professor Howison, na Universidade da Califrnia, trouxe-o baila novamente e dei-lhe uma aplicao especial na religio. Por essa poca (1898), o tempo parecia propcio sua acolhida. A palavra pragmatismo espalhouse, e, atualmente, transparece em grau razovel nas pginas das publicaes filosficas. Em todas as bandas damo-nos conta do movimento pragmtico, falando s vezes com respeito, s vezes com contumlia, raramente com perfeito conhecimento de causa. evidente que o termo se aplica convenientemente a um nmero de tendncias que at aqui tm carecido de um nome geral e que veio para ficar (JAMES, 1979, loc.cit.).

William James questionou e preocupou-se com aspectos concretos e realistas das pesquisas cientficas e da indagao filosfica e nessa postura tem-se o ncleo do pensamento pragmtico. Era recorrente sua indignao em relao metafsica e discusso estril, Segundo James, espantoso de ver-se quantas e quantas disputas filosficas do em nada no momento em que as submetemos ao simples teste de traar uma conseqncia concreta (JAMES, 1979, p. 19).

O referido teste de conseqncia concreta o referencial mais comum do pragmatismo, que a toda reflexo antepe questo aparentemente ingnua, mas de realidade eloqente, perguntando-se para qu? O pragmatismo, segundo James, freqenta o pensamento ocidental h muito tempo. Estaria em Scrates, em Aristteles (que o teria aplicado metodicamente), em Locke, em Berkeley e em Hume, que mediante o uso do modelo pragmtico teriam, de acordo com James, propiciado incomensurveis contribuies causa da verdade. Embora, bem entendido, e ainda segundo James, esses provveis precursores do pragmatismo o teriam utilizado de maneira fragmentria. que no foi seno em nossa poca que se generalizou [o pragmatismo], tornou-se consciente de sua misso universal, aspirou a um destino conquistador (JAMES, 1979, loc.cit.). Teorizar cnon intelectual que deve ter propsitos. Para James, a teoria um instrumento, e no uma resposta aos enigmas. Nesse sentido, tem-se inesperada convergncia entre o pragmatismo de William James e algumas concepes epistemolgicas ps-modernas, especialmente se temos em mira o pensamento de Michel Foucault, e os torneios de pensamento do filsofo francs, principalmente em entrevistas, de modo a encetar a teoria enquanto meio para si mesma e no como instrumento para quaisquer propsitos, fundamentalmente a servio do poder, e do conhecimento, tambm a servio do poder. Para James, o pragmatista agarra-se aos fatos e coisas concretas, observa como a verdade opera em casos particulares, e generaliza (JAMES, 1979, p. 26). O pragmatismo no sucumbiria nem mesmo metafsica que informa a investigao teolgica. No haveria antinomia entre pensamento pragmtico e religio. que as prticas religiosas tambm suscitam resultados concretos, comportamentais, cujos pontos principais no escapam ateno do pensador pragmtico. E assim:
O pragmatismo est disposto a tomar tudo, a seguir ou a lgica ou os sentidos e a contar com as experincias mais pessoais e mais humildes. Levar em conta as experincias msticas se tiverem conseqncias prticas. Acolher a um Deus que viva no mago mesmo do fato privado se esse lhe parecer um lugar provvel para encontr-lo (JAMES, 1979, p. 30).

Uma viso pragmtica promove releitura de todos os conceitos e de todo o repertrio filosfico da tradio ocidental. assim que James ponderou que o livre-arbtrio, por exemplo, significa novidades no mundo, o direito de esperar que em seus elementos mais profundos, como em seus fenmenos superficiais, o futuro no possa repetir-se identicamente e imitar o passado (JAMES, 1979, p. 43). William James pretendia transitar do vago para o definido, do abstrato para o concreto (JAMES, 1979, p. 47). Essa transio j existiria no plano ftico at porque talvez pensamos de modo parecido como pensariam nossos ancestrais. Para James, as nossas maneiras fundamentais de pensar a respeito das coisas so descobertas de ancestrais incrivelmente remotos, que foram capazes de preservarse ao longo da experincia dos tempos subseqentes (JAMES, 1979, p. 61). Senso prtico e senso comum so realidades convergentes. E para James, o senso comum de um homem significa o seu bom julgamento, a sua liberdade em relao excentricidade (JAMES, 1979, loc. cit.). Categorias como coisa, o mesmo, diferente, tipos, espritos, corpos, tempo, espao, sujeitos e atribudos, influncias causais, imaginados, reais, formatam ordem de coisas com as quais estamos familiarizados, e que remontariam experincia reflexiva de nossos ancestrais (cf. JAMES, 1979, loc.cit.). Emerge novamente a questo da verdade, uma propriedade de certas idias nossas (JAMES, 1979, p.71). A verdade seria constituda em grande parte de verdades prvias (JAMES, 1979, p. 81). Para James a verdade circunstncia de decorre um merecimento, reflexo axiolgico e no antecedente ontolgico. E assim: [...] o pragmatismo prega a noo geral de verdade como alguma coisa essencialmente ligada maneira pela qual um momento em nossa experincia pode levar-nos a outros momentos aos quais valer a pena ser levado. Primariamente, e ao nvel do senso comum, a verdade de um estado de esprito significa a funo de uma conduo que vale a pena. Quando um momento em nossa experincia, seja l de que tipo for, inspira-nos com um pensamento que verdadeiro, isso quer dizer que, mais tarde ou mais cedo, baixaremos com a guia daquele pensamento s particularidades da experincia, de novo, e estabeleceremos vantajosas conexes com as mesmas (JAMES, 1979, p. 74). E ainda, A verdade de uma idia no uma propriedade estagnada inerente a ela. A verdade acontece a uma idia. A idia se tornou verdadeira, feita verdadeira pelos eventos. Sua verdade de fato um evento,

um processo, o processo notadamente de se verificar a si mesmo, sua verificao. Sua validade o processo de sua validao (JAMES, 1979, p. 113).

Verdade e realidade se encontram e se concordam. Em primeiro lugar, as realidades significam, ento, fatos concretos ou espcies abstratas de coisas e relaes percebidas intuitivamente entre elas (JAMES, 1979, p. 76). Concordar com a realidade medida de ajuste da qual no se pode afastar. assim que a realidade pode ser apreendida, em favor de quem a conhea, ou em benefcio de quem a admita. Segundo James, concordar com a realidade s pode significar ser guiado diretamente a ela ou aos seus arredores, ou ser colocado em tal relao de trabalho de modo a poder oper-la ou a alguma coisa que lhe esteja ligada, melhor do que se tivesse concordado (JAMES, 1979, loc.cit.). Admitir-se a realidade chega ser tautolgico. James ilustra essa concepo com excerto do pensamento popular alemo que nos d conta de que exatamente so os mais ricos do mundo aqueles que possuem a maior quantidade de dinheiro (JAMES, 1979, p.79). Assim, para James, [...] a riqueza apenas um nome para processos concretos que desempenham uma parte nas vidas de certos homens, e no uma excelncia natural encontrada em Rockfeller e Carnegie, mas no nos demais homens (JAMES, 1979, loc.cit.). A referncia com a verdade e com os fatos projeta-se no prprio direito, relegado categoria de experincia, percepo retomada em desenvolvida ao limite por Oliver Wendell Holmes Jr. Para James, a legalidade ditada, bem como o apuro e o acerto no uso da lngua tambm o so:
Os juzes falam, s vezes, a respeito da lei, e os mestres falam a respeito da lngua latina, em um sentido que visa fazer seus ouvintes pensar que eles tm em mente entidades preexistentes s decises ou s palavras e sintaxe, determinando-as inequivocadamente e requerendo obedincia. Mas o mais ligeiro exerccio de reflexo faznos ver, que ao invs de serem princpios dessa espcie, tanto a lei quanto o latim so resultados. As distines entre legal e ilegal em conduta, e entre o correto e incorreto na fala, tm-se desenvolvido

incidentalmente entre as interaes das experincias detalhadas dos homens; e em nenhum outro sentido as distines entre o verdadeiro e o falso em crena jamais se desenvolveram. A verdade enxerta-se na verdade prvia, modificando-a no processo, do mesmo modo que a lngua enxerta-se no idioma anterior, e a lei na lei anterior. Dada uma lei prvia e um novo caso, o juiz transforma-los- em nova lei. Idioma anterior; nova gria ou metfora ou idiotismo que atinja o gosto do pblico; e pronto, uma nova lngua feita. Verdade prvia; fatos recentes; e em nossos espritos uma nova verdade (JAMES, 1979, p. 87).

A aproximao conceitual entre lei e lngua aponta para fato central no pragmatismo que as considera como coisas de feitura humana (JAMES, 1979, p. 88). Essa compreenso de instncias humanas, lei e lngua, como experincias, aprofunda as divergncias entre o pragmatismo e o racionalismo. Para James, o contraste essencial {entre pragmatismo e racionalismo] que, para o racionalismo, a realidade j est pronta e completa desde toda a eternidade, enquanto para o pragmatismo ainda est sendo feita, e espera parte de seu aspecto do futuro (JAMES, 1979, p. 93). Um mundo est pronto e acabado, um outro se desdobra diante de nossos olhos, ou na linguagem de William James por um lado, o universo est absolutamente firme; por outro, est ainda perseguindo suas aventuras (JAMES, 1979, p.93). Mas so mundos que identificam e que substancializam apenas um mundo s. Acusou-se o pragmatismo de materialismo e de agnosticismo (cf. JAMES, 1979, p. 97). William James argia que o pragmatismo visava o meliorismo, isto , propiciar melhores condies para entendimento e concepo de mundo (cf. JAMES, 1979, p. 104). James ocupou-se em identificar as caractersticas do pensamento, ao longo de esforo orientado para a consecuo desse noticiado meliorismo. Cinco caractersticas matizariam o pensamento. Para James, todo pensamento tende a ser parte de uma conscincia pessoal, dentro de cada conscincia pessoal, o pensamento est sempre mudando,

bem como tambm dentro de cada conscincia pessoal o pensamento sensivelmente contnuo (JAMES, 1979, p. 121). Ainda, ele [o pensamento] sempre parece lidar com objetos independentes de si prprio, e alm do que est interessado em algumas partes desses objetos com excluso de outras partes, e acolhe ou rejeita escolhe dentre elas, em uma palavra o tempo todo (JAMES, 1979, p. 122). Centrado no pensamento, definindo-o, analisando-o, pensando-o, observou James que
O objeto de todo pensamento, ento, no nem mais nem menos do que tudo que o pensamento pensa, exatamente como o pensamento o pensa, por mais complicada que seja a matria e por mais simblica que seja maneira que o pensamento possa ter. desnecessrio dizer que a memria pode raramente reproduzir apuradamente tal objeto, quando ela tenha passado uma vez diante da mente. O pensamento ou faz muito pouco ou faz muito alm do objeto. Seu melhor plano repetir a sentena verbal, se existia uma, em que o objeto era expressado. Mas para pensamentos inarticulados no existe nem mesmo esta fonte, e a introspeco deve confessar que a tarefa excede seus poderes. A massa de nosso pensamento se desvanece para sempre, alm de esperana de recuperao, e psicologia somente recolhe um pouco das migalhas que cem do banquete (JAMES, 1979, p. 159).

William James colocou em dvida a existncia da conscincia, a partir de aparente oposio entre pensamento e coisa. Trata-se de dicotomia de fundamento metafsico, que um certo sentido ativo da vida afasta desapontamentos e incertezas, que no seriam contradies intelectuais (cf. JAMES, 1979, p. 206). Todas essas questes conduzem para a apreenso do significado de pragmatismo, que James bem coloca ao narrar fato que teria ocorrido quando ele participara de uma festa campestre nas montanhas. James contou que encontrou os colegas em feroz disputa metafsica, e que
O corpus da disputa era um esquilo um esquilo vivo que se supunha estar agarrado a um lado de uma rvore; enquanto do outro lado, oposto da rvore, imaginava-se estar um ser humano. Essa testemunha humana tenta ver o esquilo movendo-se rapidamente em

torno da rvore, mas, no importa quo rpido se mova, o esquilo se movimenta tambm rapidamente na direo oposta, e sempre mantm a rvore entre si e o homem, de maneira que jamais o tem em vista. O problema metafsico resultante agora este: O homem ainda em torno do esquilo ou no? (JAMES, 1979, p. 18).

Segundo James, a discusso se acalorou, todos tomaram partido e quando instado a se manifestar ele teria explicado que o referencial tomado faria com que todos os lados estivessem corretos. Isto , o homem ou o esquilo estariam girando em torno um do outro. Acusado de responder evasivamente, James teria replicado que discusses precisam ter um fim, e que a resposta que dera, certa ou errada, e especificamente certa e errada, dava cabo a episdio to banal (cf. JAMES, 1979, p. 17). Pragmatismo deciso, medida que implica em soluo prtica e imediata para problema que se desdobra no tempo. A verdade que revela, ortodoxa ou no, o referencial de continuidade e deve ser aceita para que o mundo continue marchando panglossianamente para o melhor dos mundos possveis. 3.4 John Dewey John Dewey nasceu em Burlington, no estado de Vermont, nos Estados Unidos, em 1859. Estudou na universidade da cidade natal e posteriormente seguiu para cursos de ps-graduao em Johns Hopkins, onde lecionava Charles Sanders Peirce. Trabalhou por dez anos na Universidade de Michigan, de 1894 a 1994. Em Michigan, John Dewey cultivou amizade com George Herbert Mead, que 1912 publicou texto seminal do pragmatismo, O Mecanismo da Conscincia Social. A partir de 1894 Dewey ensinou na Universidade de Chicago. Casou-se em 1896 com Alice Chipman. De 1904 a 1930 lecionou filosofia na Universidade de Colmbia, em Nova Iorque, aposentando-se naquela instituio. Dewey deu cursos e palestras no Japo (1919), na China (19191921), visitou escolas na Turquia, no Mxico e na antiga Unio Sovitica. Ficou vivo em 1927 e casou-se novamente em 1946 com

Roberta Lowitz Grant. Chefiou uma comisso que no Mxico investigou as acusaes de Stalin contra Trotsky. Dewey morreu em Nova Iorque, em 1952. John Dewey associou definitivamente o pragmatismo a concepes instrumentalistas e experimentalistas. Colaborou na definitiva substantivao do conceito de pragmtico, vinculando-o ao que se prope como prtico, til e funcional. Reconhecia seu dbito para com Charles Sanders Peirce e para com William James, dos quais via-se como um continuador (cf. DEWEY, 1998). Ao pensamento Dewey procurava outorgar uma funo positiva, instrumental, ancilar na consecuo da felicidade humana. Para o filsofo norte-americano, o pensamento tem uma esttica, que confere valor e alegria a vida (cf. DEWEY, 1998). John Dewey foi prioritariamente um educador. E como pedagogo Dewey foi um profeta, levando ao limite o pensamento liberal norteamericano, do qual o mais conhecido representante (cf. RYAN, 1995, p. 118). Autor de obra imensa, Dewey formatou o pragmatismo na filosofia, no direito, na psicologia e em quase todos os nichos das cincias sociais. Para Dewey a educao se d com a participao do educando na conscincia social, da qual faz parte, e para qual colaborar. Esse processo de integrao inicia-se com o nascimento da criana, que herdeira do capital cultural que informa nossa civilizao. A nica e verdadeira educao emergiria dos estmulos aos poderes da criana, que deve reagir para demandas e situaes que marcam as contingncias da vida. O processo educacional seria marcado, segundo Dewey, por dois segmentos: um psicolgico (sua base) e outro sociolgico (cf. DEWEY, 1998, p. 229). O ponto inicial do processo educativo radicaria no desenvolvimento dos instintos e poderes das crianas. A preparao de um educando consistiria em se propiciar que ele alcanasse o equilbrio sobre si mesmo. O aluno deveria, segundo Dewey, receber treinamento para o pleno uso de todas as suas capacidades.

Deve-se concentrar em fatores sociais, porque do contrrio o processo educativo deita-se letrgico, perdido e suspenso na abstrao. E assim a educao deveria ter incio com um estudo das capacidades, interesses e hbitos dos educandos. A escola, para Dewey, instituio social. em seu ambiente que o educando ir participar na diviso dos recursos herdados pela humanidade. na escola que o aluno ir valer-se de seus poderes pessoais, dirigidos aos fins sociais (cf. DEWEY, 1998). A educao decorre de um processo de vida e no de uma preparao para a vida. Conseqentemente, escola cabe a representao da vida presente, simplificando a vida social, qual nos remete, embora em seu modo embrionrio. A escola seria uma continuidade das atividades com as quais o educando j desenvolveria intimidade no ambiente domstico. A vida deveria ser reproduzida gradualmente para o aluno. O educando passa a tomar conhecimento dos fatos da vida, paulatinamente, fazendo opes e concebendo escolhas. Para Dewey a escola de seu tempo falhava na medida em que concentraria em valores que informam futuro remoto. E sendo meramente preparativa, a escola no se consubstanciaria como verdadeiramente educativa (cf. DEWEY, 1998). Segundo o pensador norte-americano:
O professor no est na escola para impor idias ou hbitos nas crianas. Est l como um membro da comunidade. O professor seleciona influncias que afetaro a criana. O professor tambm deve assistir o educando, auxiliando-o na resposta essas influncias (DEWEY, 1998, p. 231).]

Provas e exames deveriam, nos termos do pragmatismo educacional, avaliar se o examinando se integra na vida social. Violaramos a natureza das crianas e prejudicaramos resultados ticos, na medida em que os educandos fossem abruptamente conduzidos para estudos de muita especialidade e de exagerado pormenor, a exemplo de leituras e lies de geografia que guardam relao irrelevante com a vida social. Dewey insistia que a educao deveria estar centrada nas atividades sociais da criana. A escola deveria ensinar s crianas cozinharem, plantarem, costurarem. E tal medida pedaggica no seria

mera orientao tcnica para a formao de mo-de-obra de reserva para a indstria. Ter-se-ia uma real insero do educando com o mundo do qual faz parte (cf. DEWEY, 1988). A linguagem seria o fim condutor desse mecanismo de insero, dado que pela articulao do pensamento pela linguagem o educando apreenderia sua percepo de mundo. Para John Dewey a linguagem deveria ser tratada como instrumento social e no como ferramenta do pensamento. A linguagem instrumento de comunicao. criana no se poderia relegar uma atitude passiva. Formalismo, rotinas e sentimentalismo seriam as maiores ameaas ao processo de aprendizagem. E a educao, de tal modo, seria o instrumento fundamental para a reforma e o progresso sociais. Para Dewey, reformas educacionais calcadas em penalidades seriam transitrias e fteis. O professor deveria levar ao limite a dignidade de seu chamado. um servidor social que deve se manter distncia da ordem social propriamente dita, mas que deve participar em esforo comunitrio para a realizao do mais adequado crescimento social (cf. DEWEY, 1998). A linguagem ento substancializa a ao social. Dewey condenava orientaes analticas da filosofia, criticando entornos conceituais desprovidos de utilidade ftica. o caso de sua preveno contra a lgica formal. John Dewey hostilizava a lgica que os formalistas teimavam em santificar. que a conduta humana repleta de casos particulares que se cruzam, mas cujas diferenas ficam ntidas na medida em que esses casos se multiplicam. Deve se desconfiar das regras gerais. Nossa ao pode eventualmente se dar sem nenhuma previso. No examinamos, eventualmente, as conseqncias provveis de nossas atitudes. O instinto por vezes preferido em detrimento da deliberao racional. Mas erro acreditarmos que o comportamento instintivo seja ineficiente ou inadequado. Esse comportamento tambm apresenta resultados. O que se passa que os resultados do agir intuitivo no nos deixam to efusivos quanto deveramos ficar. Dewey lembra a velha

anedota (ou instncia da vida real) passada na ndia, quando a um leigo foi dito que seria um grande juiz se dissesse o direito sem justificarse. Suas decises certamente seriam as mais corretas, porm sua fundamentao seria muito provavelmente equivocada (cf. DEWEY, 1998). Para Dewey, chamamos de razes as consideraes que reputamos influir em nossas decises. E se essas consideraes no podem ser fixadas em termos gerais, ns as chamamos de princpios. Quando a operao mental aqui relatada se realiza de modo compacto, a chamamos de concluso. E num ltimo passo denominamos as consideraes iniciais com o ttulo de premissas. A lgica seria ento uma prestao de contas que segue s decises de qualquer outro modo alcanadas. No entanto, para Dewey, a lgica deveria substancializar um meio e no um fim. E poderia oxigenar meios para facilitarmos as pesquisas que nos conduzem a decises concretas (cf. DEWEY, 1988). Cogitando da lgica em termos mais forenses, Dewey acreditava que regras de direito formassem sistema generalizado, coerente, lgico at, e da melhor maneira possvel. Porm, constava que esse modelo lgico seria subserviente aos resultados prticos. Elementos concretos e econmicos realmente informariam s decises que casos particulares e concretos sugerem. Para Dewey a lgica deveria ser uma disciplina emprica e concreta. No entanto, do ponto de vista prtico, a lgica parecia ser um mtodo de validade aferida para um determinado procedimento adequado. E exatamente como as formas de falar produziriam nas conscincias regras de sintaxe e recomendaes de retrica, o comportamento cotidiano matizaria como lgico aquilo que afervel e comprovado (cf. DEWEY, 1998). Dewey recomendava uma investigao mais verticalizada, em relao disparidade entre o mundo jurdico real e as exigncias especficas da lgica. Lgica no seria um mtodo do bom senso, prenhe daquela substncia da vida, referente a conflitos que exigem boas solues, e com respeito especfico a matrias concretas. Fia-se genericamente na deciso ou na opo pretrita e isso no lgica.

Tratar-se-ia do uso reiterado de conceitos familiares, previamente elaborados, que acenariam com sentidos possveis de estabilidade. Para Dewey, a experincia mostraria que um grupo fixo de conceitos outorgaria aos homens um certo sentido de proteo, de segurana e de abrigo em relao aos problemas da vida (cf. DEWEY, 1998). Dewey motejava da lgica clssica a partir do clebre silogismo que se reporta a Scrates.Todo homem mortal. Scrates homem. Logo, todo homem mortal. As duas premissas e a concluso no apontariam, jamais, para casos concretos e da vida real. E com relao ao prprio Scrates, o tribunal de Atenas no estava disputando se Scrates era mortal. O que se debatia, de fato, a forma como o filsofo seria executado. Silogismos apenas alimentariam uma jurisprudncia mecnica. A questo que o mundo nos pe no de operao no pensamento; de resultado nesse mesmo pensamento (cf. DEWEY, 1998). O lado real da proposio que nos d conta da mortalidade de Scrates encontra-se nos balces e escritrios das companhias de seguros. No se iniciaria o pensamento com premissas. Sempre se comearia a partir de uma vaga antecipao sobre a concluso. Subseqentemente, buscam-se princpios e informaes que substancializam e do vida a essas concluses, que so apenas aferies de reflexes primeiramente concebidas. Essa situao, denunciada por Dewey, d-nos chances para que escolhamos ardilosamente entre concluses rivais ou pelo menos alternativas (cf. DEWEY, 1998). Analisando a lgica formal e o tirocnio do advogado, Dewey afirmou que
Jamais um advogado teria pensado no caso de seu cliente em termos de silogismos. O advogado certamente comea com a concluso que pretende alcanar, e que , naturalmente, favorvel a seu cliente. Em seguida, o advogado analisa os fatos, de modo a encontrar material a partir do qual ele constri narrativa que demonstra a prestabilidade da tese com a qual defende seu cliente. Est formada a premissa menor. Ao mesmo tempo, o advogado procura casos antigos, na busca de regras e precedentes que tenham sido aplicadas em casos similares; so regras que tornam definitivas certas interpretaes. E

na medida em que seu conhecimento dessas regras e precedentes favorveis se amplia, o advogado provavelmente altera a perspectiva, dando nfase a uma seleo de fatos que corroboram sua prova e suas informaes. E na medida em que o advogado mais domina os fatos do causa que cuida, ele pode modificar a seleo das regras e precedentes, a partir dos quais baseia sua argumentao (DEWEY, 1998, p. 359).

Para Dewey a lgica no seria mtodo cientfico, seria modelo de argumentao. As concluses estariam nas premissas, sutilmente. Embora, de um outro ponto de vista, que no deixa de ser paradoxal e estritamente lgico, a concluso no seguiria as premissas. que concluso e premissa seriam duas maneiras de se dizer a mesma coisa. Fazendo um pouco de antropologia epistemolgica, Dewey afirmava que se poderia admitir que se ningum tivesse de dar conta aos outros das decises que toma, as operaes lgicas jamais teriam se desenvolvido. Os homens teriam usado apenas mtodos de intuio no articulados, bem como atitudes baseadas na impresso e de sentimento (cf. DEWEY, 1998). por isso que, segundo Dewey, nas decises judiciais a nica alternativa s sentenas arbitrrias seria a confeco de determinao dotada de lgica, que so aceitas apenas por causa da autoridade ou do suposto prestgio do magistrado, como se fosse uma declarao racional que formula bases e que expe conexes e ligaes lgicas. Assim, tanto quanto possvel, a deciso judicial deve apresentar-se como impessoal, objetiva, desenhada com racionalidade, o que nos faria refns de uma lgica potencialmente vital, que confere autorizao e credibilidade concluso (cf. DEWEY, 1998). Porm, para Dewey, princpios de interpretao no significam regras rgidas e ditas de modo definitivo, que nos constranjam a adeses mecnicas, rituais e literais. Ou se abandona a lgica ou ento se concebe uma lgica relativa aos conseqentes e no aos antecedentes; essa a questo colocada pelo filsofo norte-americano. Dewey protestava por uma lgica de previso de probabilidades no lugar de uma lgica dedutiva de certezas. Para Dewey, a lgica,

como outros instrumentos, deveria ser repensada, adequada a novas condies e resultados. A lgica formal santificaria o velho, o vetusto, o ultrapassado. Como resultado do uso indiscriminado da lgica convencional alimentar-se-ia a irritao, o desrespeito para com o direito (cf. DEWEY, 1998). Para Dewey a lgica absolutista do silogismo jurdico teria infectado a evoluo do direito, suscitando antinomias entre desenvolvimento industrial, direito de propriedade e outras nuances da normatividade que se desdobrou no modelo capitalista e acumulacionista. E de modo radical, insistiu que a lgica seria to obstaculizadora quanto um direito feudal imutvel nos dias em que o filsofo norte-americano viveu. Dewey apontava necessidades inerentes justia social e aos fatos da vida. A lgica deveria ser teorizao sobre fatos empricos, sujeita ao crescimento, ao desenvolvimento e melhora, como qualquer outra disciplina, tambm emprica. E a questo no seria meramente especulativa, por causa de sua decorrncia ftica (cf. DEWEY, 1998). De forma explcita, Dewey hostilizou a lgica formal:
Eu de fato no hesito em afirmar que a santificao de princpios universais junto a mtodos de pensamento seja o principal obstculo para um modelo de raciocnio que indispensvel para reformas sociais seguras e inteligentes, que busquem o avano social por intermdio do direito. necessidade social e intelectual que o direito seja marcado por uma lgica mais experimental e mais flexvel (DEWEY, 1998, p. 361).

Dewey queixava-se do vnculo das cincias sociais com as cincias fsicas. Tal devoo no seria razovel. As cincias sociais tomariam modelos das cincias fsicas. Os fatos, fisicamente falando, seriam os ltimos resduos do que sobraram dos propsitos, desejos, emoes e idias que marcam a experincia humana, ento sistematicamente excludos. Os fatos, sob tica social, no entanto, seriam a concretude de formas externas a esses fatores humanos. Fatos fsicos no dependem da vontade humana. Mosquitos carregam a malria, gostemos ou no (cf. DEWEY, 1998).

Dewey centrava seu pensamento pragmtico no problema do conhecimento, que percebia como fruto da tecnologia, e que pode alimentar mais tecnologia. Lembrando Alexander Hamilton, Dewey ponderava que ao invs de esperarmos algo para sabermos que medida tomar, deveramos tomar providncias para levarmos o evento para o passado (cf. DEWEY, 1998). A atitude decorrente do conhecimento e da ao prtica seria sempre prospectiva. Dewey era um liberal, isto , se o liberalismo significasse algo de concreto, para o filsofo norte-americano o liberalismo representaria a mais completa e corajosa liberdade de pesquisa e de busca do conhecimento (cf. DEWEY, in MORRIS, 1997, p. 506). A suspeio de Dewey para com noes absolutas e generalizaes tambm muito clara quando se estuda o seu pensamento jurdico. Fontes, finalidade e aplicaes do direito sugeriam para Dewey problemas que marcavam a busca de princpios para a justificativa ou para a crtica das prticas jurdicas de sua poca. A necessidade de noes absolutas e de generalizaes totalizantes vinha marcando, segundo Dewey, a tradio jusfilosfica que cindia a experincia jurdica em categorias de direito positivo e de direito natural. E assim, a reflexo que deveria investigar o que o direito , ficara reduzida na busca do que o direito deveria ser (cf. DEWEY, in MORRIS, 1997). Restaria uma matria genuna na jusfilosofia que seria relativa ao fato da avaliao legtima das formas e prticas jurdicas. Para Dewey, as vrias escolas de direito manifestavam um conflito to intransponvel que se tinha a impresso de que buscavam o impossvel. O direito, no entanto, deveria ser pensado a partir da constatao de que um fenmeno social, na origem, nos propsitos, nos fins, na aplicao. O problema ganha novo realce quando se discute a palavra social, prenhe que de ambigidades e de controvrsias. Para Dewey, o direito no podia ser pensado como uma unidade fenomenolgica distinta e apartada da vida. Deveria ser discutido apenas em termos de condies

sociais, s quais ele pertence, nas quais se desenvolve e pelas quais existe (cf. DEWEY, in MORRIS, 1997). A aplicao do direito, ao que contrrio do que recorrentemente se afirmava no incio do sculo XX seria, para Dewey, no o que acontece aps a confeco e veiculao de uma lei. A aplicao da norma seria uma frao necessria e nsita no prprio direito, substancializando todas as leis, em todos os passos que marcam a engenharia normativa. Porm, sem a aplicao do direito, esse ltimo se reduz a pedaos de papel (imagem que pode nos lembrar Lassalle) ou a vozes no ar. Para Dewey, embora a aplicao do direito fosse o prprio direito, sem a conseqente e decorrente aplicao, o direito, por sua vez, no seria direito (cf. DEWEY, in MORRIS, 1997). Dewey imputava ao costume um papel prioritrio na formao do direito, e a afirmao no mero resultado do fato de que o filsofo norteamericano vivia em ambiente jurdico do commnon law. Metafrica, ou analogicamente, Dewey valia-se de uma figura conceitual curiosa, para indicar e situar o costume. Imaginava um vale, cuja topografia marcava a relao com o espao no qual se desenvolve a experincia humana. Pelo vale correria um rio, que representaria o processo social, contnuo, perene e sinuoso. As margens do rio lembrariam condies estveis e durveis, que limitariam e dirigiriam o curso das guas. Porm Dewey lembrava que a permanncia das margens relativa. Comparadas com o correr das guas, as margens acabam por essas delimitadas e especificadas. O processo social, sintetizado nos costumes, altera as prprias condies s quais inicialmente tinha-se a impresso de que obedecia (cf. DEWEY, in MORRIS, 1997). O pensador norte-americano referia-se aos primeiros filsofos empricos e aderia revolta contra verdades universais e adeso a princpios que se diziam ser imutveis e eternos. o caso do conceito de soberania, expresso de aceitao de uma fonte do direito externa ao social, congelada no isolamento.

Dewey constatava tendncia de se captar nas atividades polticas em sua conexo com fatos econmicos uma percepo realista que deveria orientar toda a problematizao do direito. Dewey consagrou tendncia de se discutir o direito em ambiente social concreto e no no vcuo comparativo das relaes normativas endgenas e despreocupadas com a vida social. essa a contribuio, o grande passo e a mais importante influncia de John Dewey no realismo jurdico norte-americano. 4. ANTECEDENTES E JURISPRUDNCIA SOCIOLGICA 4.1 Oliver Wendell Holmes Jr.

Oliver Wendell Holmes Jr. a referncia mais recorrente no realismo jurdico norte-americano. Jurista militante e filsofo diletante, Holmes levou o pragmatismo jurdico ao limite, atuando como juiz da Suprema Corte norte-americana, de 1902 a 1932, discordando freqentemente de opinies formalistas, o que lhe valeu o epteto de great dissenter, o que vertido para nossa linguagem forense indica algo prximo de prolatador de votos vencidos. Suas opinies foram com o tempo confirmadas e, nesse sentido, Holmes antecipou as grandes mudanas da jurisprudncia norte-americana, que marcaram o sculo XX. Paradoxos e ambigidades marcam sua trajetria. Holmes nasceu em 1841 e faleceu em 1935, trs anos depois de ter se aposentado da Suprema Corte. Seu pai, Oliver Wendell Holmes Sr., lecionou medicina na Universidade Harvard e foi um dos mais conhecidos escritores norte-americanos do sculo XIX. Vivendo em Boston, Holmes Jr. freqentou e conviveu com a elite do pensamento norte-americano, a exemplo de Charles Sanders Peirce e de William James, com quem se reunia freqentemente, em agremiao filosfica que fundaram, o Clube Metafsico. O pai de Holmes tambm havia estudado direito, embora, ao que consta, odiasse o estudo de leis e de antecedentes jurisprudenciais, tendo abandonado o curso, justificando sinceramente a atitude, ao afirmar que lhe era desagradvel estudar direito (cf. BOWEN, 1944, p. 59); a opo

subseqente foi a medicina, embora a literatura representasse seu maior interesse. Em carta de 1831 o pai de Holmes havia escrito que a advocacia a profisso daqueles que querem a selvageria, enquanto que a medicina a ocupao de comedores de pio que amam as desiluses (cf. BOWEN, 1944, p. 61). Holmes viveu com o pai at os 30 anos, e dele dependeu financeiramente at essa idade (cf. BOWEN, 1944, p. 258). E foi na casa do pai que ele foi residir assim que se casou (cf. BOWEN, 1944, p. 261), embora nora e sogro no se dessem muito bem (cf. BOWEN, 1944, p. 263). Holmes lutou na guerra civil norte-americana, experincia que lhe marcou profundamente. Serviu como tenente. Foi ferido vrias vezes, quase perdeu um dos ps, caiu preso entre os confederados, conseguiu retornar a Boston, graduou-se em direito; a partir de ento, desenvolvese sua prolfica carreira. Sentiu medo da guerra, e teria desde ento desenvolvido percepo de profunda desconfiana para com a bondade humana (cf. BOWEN, 1944, p. 154). No ltimo ferimento, quase perdeu a perna. Ficou por nove meses distante dos sangrentos campos de batalha. O retorno famlia foi triunfal (cf. BOWEN, 1944, p. 184). Holmes era um abolicionista (cf. ALSCHULER, 2000, p. 42). Freqentou Harvard por tradio familiar, fazendo-o como seu pai, tios e primos fizeram antes dele (cf. BOWEN, 1944, p. 115). indiscutivelmente o maior nome do pensamento jurdico norte-americano, ao qual imprimiu percepes e solues prticas e pragmticas, distanciando-se de problemas conceituais e metafsicos que marcavam (e marcam) o pensamento jurdico europeu. Holmes o primeiro juiz moderno a adquirir status de celebridade. Desde sua morte Holmes tem sido festejado por muitos e condenado e criticado por outros tantos. Passado mais de meio sculo de sua morte, Holmes ainda tema de biografias e de estudos analticos (cf. HOEFLICH, 2002, p. 398).

Depois de concluir o curso de direito, Holmes advogou, fez pesquisas de histria jurdica e foi convidado para lecionar em Harvard. Charles Eliot estava frente da faculdade de Direito em Harvard. Convidou uma srie de jovens talentosos para lecionar: Holmes, John Gray, Henry Adams, John Fiske (cf. BOWEN, 1944, p. 255). Holmes aceitou a proposta, porm deixou bem claro que abandonaria o magistrio se eventualmente fosse apontado para a magistratura, carreira que havia escolhido. No modelo norte-americano, no h concursos para o recrutamento de juzes. Trata-se de indicao poltica. Juzes estaduais so apontados pelos governadores. Juzes federais e de tribunais federais superiores, a exemplo da Suprema Corte, so indicados pelo presidente da repblica, e posteriormente so sabatinados pelo senado. Em 8 de dezembro de 1882 Holmes foi indicado para uma vaga na Suprema Corte de Massachusetts. Holmes estava lecionando em Harvard por apenas dois meses. Deixou os alunos no meio das aulas, no teria consultado ou informado seus colegas de magistrio superior. O diretor da faculdade de direito teria tido notcia da ida de Holmes para a Suprema Corte de Massachusetts pelos jornais (cf. ALSCHULER, 2000, p. 37). Holmes deixou a faculdade sem tomar o cuidado de aguardar a contratao de um sucessor, como era hbito (cf. BOWEN, 1944, p. 297). Segundo os detratores de Holmes, seu plano era o de ser reconhecido como o maior jurista do mundo (the greatest jurist in the world) (cf. ALSCHULER, 2000, p. 34). Contraditrio, Holmes professava certa simpatia por prticas de eugenia, bem como refutava a validade do direito natural, o que lhe granjeou a desconfiana e a antipatia de segmentos catlicos (cf. POSNER, in HOLMES, 1992, p. xvii). Por outro lado, manteve casamento de 60 anos com Fanny Dixwell, convivncia que os americanos vem como um monumento ao matrimnio, o que provoca em um admirador a observao de que Holmes no fora apenas um grande jurista; ele teria sido tambm um grande intelectual, uma grande pessoa, um grande americano, um homem de uma grande vida (cf. POSNER, in HOLMES, 1992, p. xv). Holmes

visitava semanalmente o tmulo da esposa; conta-se que quando Fanny morreu, Holmes teria escrito que ela por 60 anos havia feito da vida uma poesia para ele (cf. ALSCHULER, 2000, p. 35). Porm nem tudo pode se confirmar como imaculadamente perfeito. H suspeitas de que Holmes tivera uma amante inglesa, aristocrtica, conhecida como Lady Castledown (cf. cf. ALSCHULER, 2000, p. 20). Ao que consta, Holmes teria escrito 103 cartas para Lady Castledown, cartas que ainda existem, conforme intrigante ensaio escrito por David Seipp, professor de histria do direito na Universidade de Boston, de quem fui aluno, e que defendeu que Holmes teria escrito seu trabalho The Path of the Law em estado de grande paixo e euforia amorosa, e que o texto fornece indcios de redao apaixonada, romanticizada (cf. SEIPP, 1997, p. 535). Holmes o heri do direito norte-americano (the hero of American law). Benjamin Cardozo o reputava de senhor de todo o direito e da filosofia do direito, o mais perfeito jurista de seu tempo. Felix Frankfurter teria dito que Holmes era o filsofo que se tornou rei. Frankfurter ainda dizia que por sculos homens que jamais teriam ouvido falar de Holmes estaria se movimentado na extenso de seu pensamento. Charles Wyzanski afirmara que como a esttua A Vitria de Samotrcia, Holmes era o pice de cem anos de civilizao. Thomas Grey afirmara que Holmes fora o maior orculo do pensamento jurdico norte-americano. Karl Llewellyn tinha Holmes como a mente mais distinta de seu tempo. Morton Horwitz reputava Holmes o nico pensador jurdico nos Estados Unidos. Para Richard Posner, Holmes a mais ilustre figura do direito norte-americano. Para Harry Kalven e Hans Zeisel, Holmes seria o mais perfeito ideal buscado por um advogado norte-americano. Declarou-se que a indstria automobilstica teve Henry Ford, que o jazz contou com Louis Armstrong, que Hollywood teve Marilyn Monroe, que o baseball contou com Babe Ruth e que o direito orgulhavase de Oliver Wendell Holmes Jr. (cf. ALSCHULER, 2000, p. 15). Holmes foi beatificado, o que ensejou questo intrigante. Afinal, como

um homem brutalizado pela guerra civil tornou-se o grande orculo do direito norte-americano? Sem dvidas, ele era brilhante, trabalhava duro e com seriedade, escrevia prosa cativante e ao que consta era pessoa de charme extraordinrio (cf. ALSCHULER, 2000, p. 181), um causeur. Para autora entusiasta, a histria de Holmes confunde-se com a histria dos Estados Unidos (cf. BOWEN, 1944, p. xi). A trajetria jurdica e filosfica de Holmes dividida em trs fases. A primeira delas refere-se a Holmes exercendo a advocacia, em relao a qual muito pouco se interessa; ele advogou com seu irmo Ned, por pouco tempo (cf. BOWEN, 1944, p. 255). Holmes desencantou-se com a advocacia (cf. BOWEN, 1944, p. 270). A segunda fase marca momento matizado pela pesquisa que propiciou seus dois livros, The Common Law e The Path of the Law. Nessas obras encontram-se os pontos principais de seu pensamento, bem como do realismo jurdico, que h quem prefira chamar de movimento de pragmatismo jurdico (cf. POSNER, in HOLMES, 1992, p. xi). A viso de Holmes em relao a matria contratual indicativa bem eloqente do pragmatismo normativo. No h, para Holmes, obrigao absoluta e potestativa do contratante cumprir o pactuado, no que se refere a seus elementos intrnsecos. Dado que contratos fazem previso de perdas e danos, alm de clusulas que estipulam multas e penalidades pela no adimplncia do pactuado, o recolhimento de valores, para Holmes, pura e simplesmente, anula qualquer obrigao moral subjacente. Para Holmes, quando se diz que um contrato anulvel, assumese que um contrato foi celebrado, mas que tambm pode ser destratado, dependendo da escolha de uma das partes contratantes (HOLMES, 1991, p.315). Nesse sentido, o de interpretao do direito luz de opes que possibilitem a maximizao da riqueza, que Holmes reputado como o antecessor mais ilustre do movimento law and economics, direito e economia.

Holmes incitava aos juzes a estudarem economia e estatstica, bem como pregava que as motivaes polticas, sociais e econmicas das decises deveriam ser claramente identificadas (cf. SEIPP, 1997, p. 517). nesses dois livros que Holmes fundamenta concepes seminais para o realismo jurdico, propugnando que o direito no lgica, experincia, e disseminando a metfora do bad man, do bandido. Segundo esta ltima idia, que retomarei mais a frente, o bandido est apenas interessado nas conseqncias que viver se violar a lei. E nada mais. assim que pensaramos em relao ao direito, isto , o que acontecer se no cumprirmos a lei. Nessas obras se compreende a proposta fundamental de Holmes, que d conta de que conhecer o direito saber de antemo como os juzes vo julgar determinados casos. O juzo de previsibilidade, por parte do advogado, especialmente, para Holmes o ncleo do exerccio da profisso, que no esconderia tantos segredos assim; a advocacia seria um ofcio prtico, como outro qualquer; nada de cincia, de epistemologia, de problematizaes metafsicas, de cogitaes transcendentes, de lgica binria, de conjuntos aporticos (cf. POSNER, in HOLMES, 1992, p. xi). Holmes rejeitava a lgica e a histria, porque ambas forneciam apenas disfarces retricos para as decises jurdicas (cf. SEIPP, 1997, p. 517). No livro The Common Law Holmes criticou o formalismo, corajosamente afirmando que a deciso judicial no a mera aplicao de um precedente. Embora, bem entendido, insinuasse que um bom juiz inconscientemente julgava de acordo com os padres mdios da sociedade em que vivia (cf. BOWEN, 1944, p.275). Holmes hostilizou o pensamento de Cristopher Columbus Langdell, antigo diretor de Harvard, que havia firmado o formalismo jurdico nos Estados Unidos (cf. BOWEN, 1944, p. 281). The Path of the Law texto cuja abertura antolgica. A retrica de Holmes emerge com todo esplendor:

Quando estudamos direito no estamos tratando de um mistrio, porm de uma profisso muito conhecida. Estudamos o que devemos buscar ao falarmos com um juiz, ou como aconselhar as pessoas de modo que elas evitem problemas e fiquem distantes dos tribunais. A razo pela qual o direito uma profisso, os motivos pelos quais as pessoas paguem advogados que as representem junto aos juzes, reside no fato de que em sociedades como a nossa o comando da fora pblica est concentrado em juzes, que movimentam toda fora do Estado, se necessrio, para o implemento das decises judiciais. As pessoas querem saber sob quais circunstncias e at onde elas correm riscos de se encontrarem em face do que muito mais forte do que elas, e conseqentemente isso se torna um negcio a resolver, quando tal perigo fonte de temor. O objeto de nosso estudo, ento, previso, a previso da incidncia da fora pblica como instrumento das cortes de justia (HOLMES, 1992, p.160).

O direito enquanto mecanismo conceitual de previso tema central nas reflexes de Holmes. E ele esforava-se para no confundir a previso jurdica com base nas tendncias e no comportamento de quem diz o direito, da mera leitura e do simples exerccio estatstico dos precedentes judiciais:
Boa parte de nossas previses quando generalizadas e reduzidas a um sistema no formam um todo to grande ou de difcil manejo. Elas se apresentam como um corpo finito de dogmas que pode ser dominado dentro de um lapso razovel de tempo. Trata-se de um grande engano quando nos assustamos com o crescimento do nmero de julgados e de precedentes judiciais. Os julgados de uma determinada jurisdio ao longo de uma gerao levam em conta o conjunto do direito disponvel, interpretando esse conjunto a partir dos pontos de vista da poca na qual o direito aplicado. Podemos reconstruir esse conjunto [...] a utilizao de julgados antigos prioritariamente histrica [...] (HOLMES, 1992, p. 161).

nesse livro, The Path of Law, que Holmes evidencia quem o consumidor do direito; o bandido, o fora da lei, o bad man, para usarmos a figura de linguagem que ele criou. para ele, o bad man, que o direito foi criado; ele o consumidor do direito (cf. ALSCHULER, 2000, p.144). O criminoso, o bad man, anunciado, da forma seguinte:
Pode se ver que um criminoso tem tanta razo quanto tem um homem correto para evitar as foras pblicas, que representam a justia, e disso conseqentemente pode se deduzir a importncia prtica da distino entre moralidade e direito. Um homem que no liga nada para uma regra tica praticada por seus vizinhos, provavelmente no

ligar muito para evitar ser forado a pagar alguma coisa na tentativa de ficar fora da cadeia, se isso conseguir (HOLMES, 1992, p. 161).

Holmes desconfiava da separao entre direito e moral (cf. ALSCHULER, 2000, p. 150). David Seipp investigou as provveis fontes literrias do bad man de Holmes, identificando-o em um livro de 1896, que Holmes certamente teria lido, de autoria de Melville Davisson Post, com o ttulo The Strange Schemes of Randolph Mason. Para Seipp, o bad man de Holmes pode ser qualquer advogado, ou qualquer advogado que aconselhe um bandido, e que pode se tornar to mau quanto o criminoso que ajuda (cf. SEIPP, 1997, p. 543). Holmes teria sido abalado na infncia pelas notcias de um crime horrvel que ocorreu em Boston, e que consistiu no assassinato e no esquartejamento de um certo Dr. George Parkman, que ouviu falar em casa, porque seu pai havia testemunhado no caso. Para Seipp, Holmes percebia que eventuais distines entre direito e moral no devem emergir de generalizaes abstratas, porm devem surgir de representaes concretas, como as que teve na infncia, e com a concepo do criminoso que nominou de bad man (cf. SEIPP, 1997, p. 545). O bad man serviria a um propsito pragmtico. Para Holmes,
se voc quer conhecer o direito [...] basta olhar para a situao como um criminoso, que liga apenas para as conseqncias materiais que tal conhecimento propicia a ele prever, e no como uma pessoa correta, que encontra razes para sua conduta, tanto no direito como fora do direito, nas vagas sanes ditadas por sua conscincia (HOLMES, 1992, p. 162).

Uma ltima fase mostra-nos Holmes exercendo a magistraturas nas cortes supremas, em Massachusetts, e depois em Washington. Holmes trabalhava freneticamente e redigia seus votos com espantosa velocidade e preciso (cf. BOWEN, 1944, p. 316). Holmes criou e desenvolveu a teoria moderna do federalismo, distanciando-se de idias formalistas que fracionavam o modelo em feies verticais e horizontais. Holmes percebia que o federalismo deveria ser convergente, prospectivo, e que o regime que fundamenta o pacto federativo centra-se menos na repartio convencional de

competncias abstratas e mais em engenharias constitucionais prenhes de criatividade, na mira do bem comum. Holmes concebeu projeto de limitao de intervenes do judicirio, o judicial self-restraint, idia que ser apropriada pela guinada direita que a Suprema Corte norte-americana vem desenvolvendo, desde a ascenso dos conservadores republicanos, a partir da administrao Ronald Reagan, condicionante de um minimalismo judicial preocupante. Holmes tambm insistia na flexibilidade da interpretao constitucional. Para Holmes, a constituio no necessariamente um ser vivo e mutante; no entanto, geraes presentes no so prisioneiras do passado. Solues pretritas no so necessariamente as mais adequadas para os dias em que vivemos. Holmes desconfiava do tradicionalismo como justificador da autoridade, a usarmos concepo weberiana. Holmes tambm desenvolveu princpio exegtico relativo a questes de liberdade de expresso, garantindo-a, de modo relativo, na medida em que critrio de perigo claro e eminente (clear and present danger) deveria ser o nico a orientar o intrprete. Holmes posicionava-se ao lado do trabalhador em questes trabalhistas (cf. BOWEN, 1944, p. 317). Holmes rejeitava tambm o jargo dos especialistas, escrevendo do modo menos formal possvel (cf. BOWEN, 1944, p. 274). Embora recorrentemente discordando de seus colegas da Suprema Corte, Holmes fazia-o com retrica impressionante, elegante. Seu voto no caso Commonwealth v. Perry (115 Mass. 117, 28 N.E. 11261891) principia da forma como segue, colocada em portugus, com os prejuzos naturais da inexistncia de uma hermenutica diatpica, que propicie esperanto jurdico incontestvel:
Eu tenho o desprazer de discordar de meus pares. Tenho submetido extensivamente meus pontos de vista e, considerando-se a importncia da questo trazida a juzo, sinto-me obrigado a tornar pblica, por meio de breve passagem, as razes de minha discordncia, no obstante o respeito e a deferncia que tenho para com o julgamento daqueles em face de quem eu discordo (HOLMES, 1992, p. 123).

No caso Northern Securities Company v. United States (193 U.S. 197- 1904), um elegante exrdio anuncia a discordncia:
No consigo concordar com o julgamento da maioria desta Corte, e embora eu pense que seja desnecessrio e indesejvel, como regra, anunciar um voto vencido, sinto-me obrigado a faz-lo nesse caso e ento explico as minhas razes. Grandes questes e questes complicadas fazem um pssimo direito. Porque os grandes julgamentos so chamados de grandes, no tanto pela importncia que tm em delinear a jurisprudncia a ser seguida, mas prioritariamente porque um acidente qualquer provocou um demasiado interesse no caso, apelando para sentimentos que distorcem o julgamento. Interesses imediatos exercem uma presso hidrulica no julgador, fazendo aquilo que era claro parecer duvidoso [...] ( HOLMES, 1992, p. 130).

Em carta endereada a Harold Laski, Holmes dizia no gostar de ser maculado como o discordante, o homem do voto vencido, dizendo que estava expressando suas expresses jurdicas e no lutando numa rinha (cf. HOLMES, 1992, p. 218). No seu mais famoso voto vencido, no caso Lochner v. New York (198 U.S. 45- 1905), Holmes principiou de modo epigramtico:
Eu sinto muito em no poder concordar com o julgamento que est sendo proferido no presente caso, e sinto que minha obrigao de express-lo. Este caso est sendo julgado a partir de uma teoria econmica com a qual uma boa parcela da populao deste pas certamente no concorda. Se consistisse a questo meramente em se saber se eu concordo com essa teoria, eu deveria estud-la muito mais a fundo antes de expressar minha opinio. Porm realmente sinto no ser essa a minha obrigao, porque acredito que minha concordncia ou minha discordncia em nada se relacionam com o direito que a maioria tem de expressar suas opinies jurdicas (HOLMES, 1992, p. 306).

Nesse mesmo julgado, que tratava de proibio de que donos de padaria contratassem padeiros para jornadas de trabalho superiores a dez horas, Holmes condenou o liberalismo econmico, observando que a constituio norte-americana no sufragava as estatsticas sociais de Herbert Spencer, pensador ingls que pregava o darwinismo social (cf. ALSCHULER, 2000, p. 62).

Holmes preferia ouvir e julgar a partir das sustentaes orais dos advogados norte-americanos, desprezando peties e memoriais que lhe eram enviados (cf. BOWEN, 1944, p. 316). Holmes cunhou epigramas mais recorrentes e frases mais famosas do linguajar jurdico norte-americano. Segundo Holmes, proposies gerais no decidem casos concretos (HOLMES, 1992, p. 306). sua a mais eloqente passagem do realismo jurdico norte-americano:
A vida do direito no tem sido lgica: tem sido experincia. As necessidades sentidas em todas as pocas, as teorias morais e polticas que prevalecem, as intuies das polticas pblicas, claras ou inconscientes, e at mesmo os preconceitos com os quais os juzes julgam, tm importncia muito maior do que silogismos na determinao das regras pelas quais os homens devem ser governados. O direito incorpora a histria do desenvolvimento de uma nao atravs dos sculos e no pode ser tratado como se compreendesse to somente axiomas e corolrios de livros de matemtica. De modo a se saber o que o direito, deve se saber o que ele tem sido e qual a tendncia que h de se transformar. Deve se consultar alternativamente a histria e as teorias jurdicas existentes (HOLMES, 1991, p. 1).

A imagem de que o direito no lgica, experincia, no sentir de Richard Posner a mais famosa sentena que Holmes jamais teria escrito (cf. ALSCHULER, 2000, p. 92). Para Holmes, at cachorros sabem a diferena entre tropear e levar um chute (cf. HOLMES, 1991, p.2), passagem desconcertante, que revela simplicidade provocante. Excertos de Holmes influenciaram, inegavelmente, o modo como os advogados norte-americanos pensam sobre o direito (cf. ALSCHULER, 2000, p. 85). No entanto, no dizer dos crticos de Holmes, com exceo de cinco pargrafos, o livro The Common Law seria confuso, trgido, no obstante reputado como o melhor acabado trabalho sobre teoria do direito nos Estados Unidos (cf. ALSCHULER, 2000, p. 125). Por outro lado, Holmes transitava em campos conceituais distintos do que o pensamento jurdico de sua poca havia assentado como correto (cf. SEIPP, 1997, p. 550). Holmes liderou uma revolta contra o formalismo jurdico, atacando o conceitualismo que havia triunfado em Harvard, no tempo

de Cristopher Columbus Langdell (cf. ALSCHULER, 2000, p. 113). De qualquer modo, em Holmes que a esquerda e a direita do pensamento jurdico norte-americano paradoxalmente radicam seus pontos de vista. Trata-se da teoria da ferradura, e que percebe em Holmes as razes do pragmatismo do movimento law and economics, bem como o antiformalismo do grupo radical do critical legal studies. Em relao esse ltimo grupo, Holmes vincula-se na medida em que anunciava que juzes decidem mais ou menos de acordo com as preferncias e preconceitos pessoais (cf. ALSCHULER, 2000, p. 1). que para Holmes o direito acaba redundando no exerccio de um poder orientado para a satisfao de interesses pessoais (cf. ALSCHULER, 2000, p. 2). O pragmatismo jurdico que Holmes concebeu persiste na concepo de direito ensinado nas escolas norte-americanas. O ceticismo que marca seu pensamento influencia crticos e neoliberais. Holmes preocupava-se com questo pedaggica central na experincia jurdica. O que deve estudar o aluno de direito? O que deve estudar o advogado, o juiz? Qual o sentido de uma preparao especializada? Qual a importncia de uma educao jurdica generalista? A citao longa, porm provocante e atual:
Por vezes ouo um desejo expresso por um impaciente, dizendo que o ensino tem que ser mais prtico. Lembro-me ento de um sbio que dissera a um amigo meu quando este ltimo comeava a sua vida profissional: No estude muito direito no, e eu penso que possamos imaginar momentos em que esse conselho seja til. Porm ainda algo muito mais til foi a mim dito [...] quando algum no menos sbio me falava que o negcio do advogado conhecer o direito. Era propsito daquele professor de Harvard que seus alunos estudassem e conhecessem direito [...] E penso que o professor estava totalmente correto, no apenas em relao aos fins que perseguia, porm tambm no que toca aos meios que propunha para que tais fins fossem alcanados. Sim, esta faculdade tem sido, e espero que continue, um grande centro no qual advogados ganham e aperfeioam conhecimentos, e do qual os jovens, muito mais inspirados pelos exemplos do que pelos ensinamentos, continuam avanando, no para imitar o que seus mestres tm feito, porm para viverem livremente suas vidas [...] As pessoas formadas por esta faculdade [Harvard] podem nem sempre ser os que mais conhecem

o modo de avanar na profisso [...] porm so orgulhosos na convico de que o conhecimento para o qual consagraram suas vidas consagrados para assuntos que realmente interessam ao mundo. Trata-se do conhecimento do pensamento abstrato, da cincia, do belo, da poesia e da arte, de cada flor da civilizao, na busca de um solo generoso que as abrigue e alimente. Se no encontram esse solo, as flores morrem. Porm o mundo precisa muito mais das flores do que as flores precisam de vida (HOLMES, 1992, p. 223).

Holmes lembrou algum que lhe disse que na Rssia havia muitos especialistas na classe mdia, enquanto nas classes mais altas havia muito mais gente civilizada (cf. HOLMES, 1992, p. 224). Holmes imaginava professores de direito que fossem recrutados entre os que melhor produzissem nas respectivas geraes. Para Holmes, os professores de direito deveriam oxigenar a produo de seus alunos (cf. HOLMES, 1992, p. 226). Holmes de um tempo em que a Amrica ainda desprezava advogados, em benefcio de comerciantes, que no obstante ganhavam a vida de modo questionvel, segundo estudo biogrfico de Holmes (cf. BOWEN, 1944, p. 202). Quando Holmes estudou direito, ele complementou a educao pessoal com interminveis leituras que incluam Montesquieu, Plato, Hume, Locke, Hobbes, Mill, Spencer. E ainda, lembra-se, Thomas Jefferson havia aconselhado que estudantes de direito fizessem de todos os campos do conhecimento uma esfera de aprendizado pessoal; bacharis, segundo o conselho de Thomas Jefferson (orientao que Holmes seguiu fielmente), deveriam ler cincias naturais, histria, belles-lettres, crtica literria, retrica, oratria, e deveriam ler do nascer do sol hora de dormir, o tempo todo (cf. BOWEN, 1944, p. 203). No tempo em que Holmes foi para a faculdade de direito vivia-se o ocaso e a decadncia do generalismo pregado por Jefferson, assistia-se o desenvolvimento do pensamento especializado e formal, que Holmes criticou ao longo de sua vida (cf. BOWEN, 1944, p. 214). Holmes recusou outras oportunidades de trabalho, como chefiar uma embaixada. Holmes adorava o que fazia, gostava do direito,

e pretendia transformar suas idias em jurisprudncia, no sentido americano do termo, isto , em filosofia do direito. Holmes pretendia demonstrar como solues particulares decorrem e envolvem teoria geral, e pretendia faz-lo com estilo (cf. HOLMES, 1992, p. 29). Holmes dizia admirar um conhecido advogado de Boston, Charles Lorging. que a sogra de Holmes reputava Lorging como um grande homem e como um advogado excepcional, porque ele jamais teria aceitado uma causa na qual no acreditasse. Holmes arrematava dizendo que isso se devia ao modo sardnico como Lorging via suas causas... (cf. HOLMES, 1992, p. 45). Holmes era um realista, no sentido prprio e pessoal da prpria conduta. Em artigo publicado em revista jurdica escreveu que sempre perguntava pelo preo das coisas, que procurava o quanto custava qualquer interesse que tinha, especialmente quando estava obstinado com algo mais luxuoso (cf. HOLMES, 1992, p. 119). Individualista, Holmes acreditava que uma aceitao tcita de que os interesses sociais so comuns indicava falsidade (cf. HOLMES, 1992, p. 122). Para Holmes leis circunstanciam aspectos empricos da vida social. Em passagem canonizada pelo movimento critical legal studies, Holmes escreveu que a lei instncia por meio da qual um grupo que detm o poder impe aos menos poderosos nus e obrigaes desagradveis (cf. HOLMES, 1992, loc.cit.). O individualismo de Holmes bem explicitado em carta a Harold Laski, na qual Holmes escreveu que no via nenhum direito de seu vizinho ter parte do po que ele Holmes havia ganho. E tambm escreveu para Laski, na mesma carta, que os direitos de um determinado grupo so aqueles pelos quais o grupo tem lutado (cf. HOLMES, 1992, p. 141). Para Holmes os juzes tm tendncia ingenuidade, eram pessoas de mentalidade mdia, quando deveriam assumir um pouco de Mefistfeles. que todos precisaramos ser educados para o bvio, isto , para aprendermos a transcender de nossas prprias condies e circunstncias, de modo a deixarmos espao para coisas que acreditamos, a fim de

que realizemos nossas idias com pequenas revolues, que se fariam ordeiramente, mediante mudana bem comportada do direito que nos rege (cf. HOLMES, 1992, p. 147). Holmes definia o direito como um corpo de crenas triunfantes na batalha das idias, traduzidas em ao (cf. HOLMES, 1992, loc.cit.). Em discurso feito em banquete entre advogados em 1902, Holmes dizia ver o direito como um todo orgnico, como uma reao da tradio em face de tendncia, desejos e necessidades da comunidade (cf. HOLMES, 1992, p. 151). E com muita simplicidade, embora com imenso sentido realista, Holmes observou que a profecia do que juzes e cortes fazem e decidem de fato, e nada mais do que isso, e nada mais pretensioso, que deve se entender por direito (cf. HOLMES, 1992, p. 163). No entanto, recorrente tambm em Holmes atitude de venerao para com o direito, e particularmente para com o direito norte-americano. E o excerto seguinte parece comprovar a assertiva:
Eu venero o direito, especialmente o nosso modelo jurdico [o norteamericano], que reputo como um dos mais vastos produtos da mente humana. Ningum sabe melhor do que eu o incontvel nmero de grandes intelectos que tem se dedicado em melhorar ainda mais esse modelo jurdico [...] no se trata de um sonho hegeliano, porm uma parte da vida dos homens. Mas pode se criticar tambm aquilo que se reverencia (HOLMES, 1992, p. 173).

Outro suposto paradoxo revelado por surpreende afirmao de Holmes, para quem a teoria o meu tema e no pormenores prticos [...] a teoria a mais importante parte do dogma do direito, como o arquiteto a figura mais importante na construo de uma casa (HOLMES, 1992, p. 176). E ainda, Holmes curva-se tradio, ao passado, ao pacto que a cultura jurdica norte-americana tem com o precedente, com a jurisprudncia. que em discurso proferido em Harvard, em 25 de junho de 1895, Holmes afirmava que o direito, tanto quanto dependa de seu estudo, , de fato, como tem sido dito, o governo dos vivos por meio dos mortos (HOLMES, 1992, p. 184).

Para Holmes, o direito no campo de estudo para artistas ou poetas; um chamado para pensadores (HOLMES, 1992, p. 218). Certo sentido de interdisciplinariedade tambm revelado, em nota conclusiva a palestra dada em Harvard, em 17 de fevereiro de 1886:
Se o seu tema de estudo o direito, o caminho exige o estudo da antropologia, da cincia do homem, da economia poltica, da teoria da legislao, da tica e de vrias sendas que conduzem a uma viso de vida [...] Para dominar qualquer campo do conhecimento, voc deve dominar todos aqueles que se aproximam de seu tema principal; de modo que para conhecer alguma coisa voc deve conhecer tudo (HOLMES, 1992, p. 219).

A definio de cultura em Holmes assustadoramente pragmtica. Para Holmes, cultura evidentemente significa ter mais madeira em estoque do que madeira na fornalha, uma quantidade suficiente para que voc no seja obrigado a ir cortar mais madeira (HOLMES, 1992, p. 23). Holmes repudiava a lgica, e sua eventual utilidade na concepo e na prtica do direito, observando que falcia se imaginar que o desenvolvimento do direito seria o resultado da utilizao de mtodos lgicos (cf. HOLMES, 1992, p. 166). Para Holmes, os juizes primeiro decidem; e depois encontram a razo e a justificativa lgica para o julgamento feito e para a deciso tomada (cf. HOLMES, 1991, p. xiii). E de modo mais conclusivo:
[...] A preparao de advogados um treinamento em lgica. Os processos de analogia, separao e deduo so aqueles nos quais o advogado se sente com maior familiaridade. A linguagem das decises judiciais basicamente uma linguagem lgica [...] Porm a certeza lgica uma iluso e certamente no marca do destino humano. Por detrs da lgica reside um juzo de relativo valor e importncia, referente a leis e teses que esto competindo, marcando com freqncia um julgamento desarticulado e inconsciente [...] Pode se dar para qualquer concluso uma forma lgica. Pode-se sempre se encontrar uma condio implcita em um determinado contrato. Mas, por que essa especfica condio foi escolhida? (HOLMES, 1992, p. 167).

Holmes insistia que os parmetros de uma deciso so puramente prticos, e que jamais poderiam ser apreendidos da gramtica ou da lgica (cf. HOLMES, 1991, p. 338). O pragmatismo de Holmes o afasta

do culto ao passado e a venerao para com sutilezas dos raciocnios silogsticos. Holmes pretende-se um prtico. E o seguinte excerto ilustrativo desta imagem:
Devemos tomar cautela para com as ciladas da reverncia ao passado. Devemos nos lembrar que nosso interesse no passado reside to somente nas luzes que eventualmente ele poderia jogar em nosso presente. Eu espero o tempo em que o papel protagonizado pela histria na explicao dos dogmas do direito seja muito pequeno, e ao invs de uma pesquisa ingnua, deveramos gastar nossas energias nos fins que buscamos e na indagao as razes pelas quais desejamos tais fins. Um passo nesse sentido d-se com a recomendao para que todo advogado estude economia. O presente divrcio entre as correntes da economia poltica e da teoria do direito parece-me uma prova do quanto ainda devemos progredir em nossos estudos de filosofia. No presente estado da economia poltica, de fato, aproxima-se de novo da histria [...] porm na verdade se exige que sopesemos os objetivos das leis que temos, os meios para que possamos conquist-los, bem como os custos que tudo isso envolve. Aprendemos que para que possamos obter algo devemos abrir mo de outras coisas. Nos ensinam que devemos comparar as vantagens que obtemos com as desvantagens decorrentes daquilo que perdemos. Devemos saber bem o que fazemos quando escolhemos (HOLMES, 1992, p. 174).

Nas decises que redigia Holmes explicitava sua viso de mundo, de cincia, mostrando-se muitas vezes alm de seu tempo e das discusses que agitavam a sua poca. No caso Towne v. Eisner (245 U.S. 418-1918) Holmes escreveu que no necessariamente verdade que a palavra renda signifique a mesma coisa na constituio e nas leis [...] uma palavra no um cristal, transparente e imutvel; a pele que encobre um pensamento vivo e pode variar muito de tamanho e de contedo de acordo com a circunstncia e com o tempo em que seja utilizada (HOLMES, 1992, p. 287). que, para Holmes, na teoria da fala, o seu nome significa voc e o meu nome significa eu, e os dois nomes so diferentes [...] eles so palavras diferentes (HOLMES, 1992, p. 298). Holmes possua referencial prprio para questes de criminologia. Criticava as escolas criminolgicas da poca que se concentravam no criminoso e no no crime. Afirmou que se o criminoso sujeito doente, movido por necessidade orgnica, a exemplo dos motivos que

impulsionam uma cascavel para que morda, seria mais doentio ainda falar-se nos mtodos tradicionais de encarceramento, para controle do marginal. Por outro lado, segundo Holmes, se o crime, como uma conduta humana normal, questo de imitao, a punio bem poderia servir para diminuir a criminalidade (cf. HOLMES, 1992, p. 171). Outro passo sugere uma criminologia prpria em Holmes:
Tem sido pensado que o motivo determinante da punio seja a reabilitao do criminoso; isto , o objetivo de impedir que o criminoso cometa outros crimes e que as pessoas em geral cometam crimes similares; e isto uma retribuio. Poucos iriam sustentar que o primeiro destes propsitos apenas um. E se fosse assim, todo prisioneiro deveria ser colocado em liberdade assim que ficasse claro que ele jamais voltaria a cometer o mesmo crime, e se no h cura nem remdio para o prisioneiro, ele nem mesmo deveria ser punido. Certamente seria difcil conciliarmos a pena de morte com essa doutrina (HOLMES, 1991, p. 42).

E ainda no mesmo assunto:


Deve ser levado em conta, por outro lado, que, se o objeto da punio a preveno, a mais pesada punio deve ser usada como ameaa quando os mais fortes motivos determinam sua utilizao; e as leis primitivas parecem ter s vezes aderido esse princpio. Porm se alguma ameaa ir barrar um homem que age sob a paixo e o calor do momento, uma ameaa inferior pena de morte seria suficiente, e conseqentemente a pena de morte tem sido, no entanto, excessiva (HOLMES, 1991, p. 61).

Para Holmes, um ato sempre uma contrao muscular voluntria, e nada mais (HOLMES, 1991, p. 91). Holmes lembranos Spencer ou Darwin, ao perceber no ato criminoso contraes musculares espasmdicas (cf. HOLMES, 1991, p. 94). Holmes j foi indicado como o Nietzsche norte-americano (cf. POSNER in HOLMES, 1992, p. xxviii). Holmes era um ctico, como Nietzsche, e Holmes bem sabia que o direito no consiste na busca de um maior bem para um maior nmero de pessoas, como quer a grande narrativa utilitarista; o direito questo de quem leva o qu, o interesse prprio na busca do poder (cf. ALSCHULER, 2000, p. 2).

Em carta para Felix Frankfurter, Holmes escreveu que concordava plenamente que o direito deveria ser um bem se refletisse a vontade das foras dominantes em uma determinada comunidade, mesmo que se nos mandasse diretamente para o inferno (cf. ALSCHULER, 2000, p. 59). Holmes sugere-nos que o direito poltica, e que juzes e advogados defendem a neutralidade apenas quando o resultado os interessa (cf. ALSCHULER, 2000, p. 63). A eugenia questo freqente no tempo de Holmes que sobre o assunto manifestou-se diversas vezes. A crena na eugenia sinal de pensamento progressivo no tempo em que Holmes viveu (cf. POSNER in HOLMES, 192, p. xxix). Difcil julg-lo com os olhos de hoje, a usarmos o modelo de Thomas Kuhn, que em seu livro seminal escreveu que cada revoluo cientfica altera a perspectiva histrica de uma comunidade que a experimente (KUHN, 1996, p. xi). Embora tenha confessado no ter lido Darwin ou Spencer, em carta a Morris Cohen, datada de 5 de fevereiro de 1919, Holmes afirmou que indiretamente conhecia esses autores, que estavam no ar (HOLMES, 1992, p. 110). Tendente a autorizar a esterilizao de doentes mentais, no caso Buck v. Bell (274 U.S. 200- 1927), Holmes escreveu que a experincia tem mostrado que a hereditariedade protagoniza importante papel na transmisso da insanidade e da imbecilidade (HOLMES, 1992, p. 103). Em passagem hoje assustadora, no mesmo julgado, Holmes escreveu que:
melhor para todo o mundo que ao invs de esperarmos que se executem descendentes de criminosos, ou deixar que eles morram de fome por conta da imbecilidade, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que so manifestamente inadequados para a continuidade da espcie humana. O princpio que justifica a vacinao compulsria da populao amplo o suficiente para que se cortem as trompas de Falpio. Trs geraes de imbecis j demais (HOLMES, 1992, p. 104).

Holmes percebia a vida como uma competio (cf. ALSCHULER, 2000, p. 21), concepo que transborda Spencer e Darwin, pensamento dominante na virada do sculo XIX para o sculo XX. A vida lembraria

uma corrida de cavalo, de barco, uma expedio para o Plo Norte, um mergulho nas cataratas do Nigara, um duelo de espadas (cf. ALSCHULER, 2000, p. 22). Inadequados para a competio deveriam ser exterminados, e a afirmao, colhida diretamente de um crtico constrangedora para o leitor contemporneo (cf. ALSCHULER, 2000, p. 27). Foi Holmes quem cogitou da esterilizao de imbecis, em julgado de 1927 que sustentou legislao nesse sentido (cf. ALSCHULER, 2000, p. 28). Holmes aproximar-se-ia de um darwinismo social, que defendia que a pobreza, o sofrimento e a fome, bem como a guerra, seriam mtodos que a natureza estaria utilizando para eliminar os inadequados sobrevivncia (cf. ALSCHULER, 2000, p. 49). O ceticismo tico de Holmes manifestado na venerao que seus julgados refletem em relao luta e s metforas da advindas (cf. ALSCHULER, 2000, 52). O crtico de Holmes afirma que seus julgados revelam falta de simpatia para com direitos e pretenses de estrangeiros (cf. ALSCHULER, 2000, p. 64). Holmes tambm parece ps-moderno para o leitor atual, na medida em que firmemente rejeitava a metafsica, especialmente mediante sistemtico repdio s abstraes jurdicas totalizantes. Embora, ainda ambiguamente, tivesse escrito que civilizao a reduo do infinito para o finito (HOLMES, 1992, p. 143). Em missiva para Harold Laski, datada de 1 de agosto de 1925, Holmes escreveu que no ligava para direitos abstratos, bem como abertamente escreveu que falhava em respeito pelo conceito de igualdade (cf. HOLMES, 1992, p. 142). Isto torna muito ambgua sua posio em relao questo social, e aceitao de que o capitalismo aceitaria a luta de classes como um indicativo de competio, em sentido antpoda ao conceito do marxismo, e em relao convergente com o darwinismo social que marcava seu modo de pensar.

exatamente o que se percebe na leitura de voto de Holmes no caso Vegelahn v. Guntner (167 Mass. 92, N.E. 1077- 1896). No referido julgado Holmes escreveu que
Tenho visto sugesto dando conta de que o conflito entre patres e empregados no uma competio. Porm eu corro o risco de afirmar que nenhum de meus colegas nesta corte iria se basear nessa sugesto. Se a poltica sobre a qual se baseia nosso direito centrada na expresso bem definida livre competio, poderamos substitula por livre luta pela vida. Certamente esta poltica no limitada por lutas entre pessoas da mesma classe competindo pelos mesmos objetivos. Ela se aplica a todos os conflitos de interesses na vida (HOLMES, 1992, p. 126).

Holmes defendia o direito de greve e o fez em voto vencido no caso Plant v. Woods (176 Mass. 492, 57 N.E. 1011- 1900), da seguinte forma:
Embora eu ache que a greve seja um instrumento legal na luta universal pela vida, eu tambm que tambm pura fantasia supormos que por esse mtodo o trabalho asseguraria uma maior parcela de produo no capital [...] acho que seja legal um grupo de trabalhadores tente ganhar mais, embora o faam s custas de alguns colegas, e que com essa finalidade fortaleam os sindicatos pelos boicotes e pelas greves (HOLMES, 1992, p. 127).

Holmes tambm defendia a funo social da propriedade, e o fez de modo enftico:


Se um homem detm metade do trigo no pas e anuncia sua inteno de queim-lo, tal abuso de propriedade no seria tolerado. O povo iria mat-lo antes que ele queimasse o trigo (HOLMES, 1992, p. 128).

A posio de Holmes quanto tributao era firme no sentido de vincular exaes com resultados sociais:
Tributos, quando pensamos em termos de resultados, significam tomada de parte do produto anual de um pas para os propsitos do governo, e no pode significar nada mais do que isso. Qualquer que seja o modo de imposio tributos devem ser suportados pelo consumidor, isto , especialmente pelos que trabalham e lutam pela comunidade [...] HOLMES, 1992, p. 129).

Retornando-se relao de Holmes com a metafsica, em epstola dirigida a Harold Laski, datada de 27 de janeiro de 1929, Holmes lembrou um fato de sua infncia que bem ilustra sua rusga contra o abstrato:
Quando eu era ainda um garoto meu pai ensinou uma lio filosfica perguntando-me que gosto tem o sal. Ele me disse que eu no poderia respond-lo, do mesmo modo que eu no conseguiria ensinar a um cego como so as cores. H muitas questes em relao s quais deve se saber a resposta de antemo, ou jamais se poder saber algo sobre elas (HOLMES, 1992, p. 107).

Holmes tambm repudiava a histria, que deve ser recontada na medida em que o tempo passa, e que por essa razo voltil e pouco confivel. Em carta tambm escrita para Harold Laski, e datada de 11 de maro de 1922, Holmes comentou Edward Gibbon e Foustel de Coulanges para concluir que a histria deve ser reescrita porque a seleo de tendncias de causas ou de antecedentes pelos quais nos interessamos, e que mudam a cada 50 anos (HOLMES, 1992, p. 56). Bem entendido, Holmes criticava a histria enquanto referencial de verdade absoluta. Acreditava, porm, que a histria adequadamente fomentava a compreenso do direito. Escreve que o estudo racional do direito ainda em grande parte o estudo da histria [...] a histria deve ser componente do estudo do direito, porque sem ela no conseguimos entender o objetivo preciso das normas jurdicas, que nossa obrigao conhecer (HOLMES, 1992, p. 170). Porm, insistia, no futuro deveria se estudar estatstica e economia (cf. HOLMES, 1992, loc.cit.). A percepo que Holmes tinha da histria paradoxal e ambgua. Em outra passagem:
Devo usar a histria do direito tanto quanto seja necessrio para se explicar uma concepo ou para se interpretar uma regra, mas nada alm disso [...] Outro engano [...] consiste em se pedir muito da histria. Comeamos com um homem completamente maduro. Deve ser levado em conta que os mais antigos brbaros cujos costumes so considerados tm muitos dos mesmos sentimentos e paixes que presentemente possumos (HOLMES, 1991, p. 2).

Holmes incentivava a leitura desinteressada. Para ele, no lemos romances para ganharmos informao ou instruo [...] lemos porque queremos divertimento, porque queremos emoo, porque queremos nos sentir mais elevados [...] (HOLMES, 1992, p. 48). A leitura dos clssicos, para Holmes, consistia grande conquista de uma vida dedicada ao estudo (cf. HOLMES, 1992, p. 52). Holmes leu Hemingway, a quem referiu-se como um jovem americano que vive em Paris (HOLMES, 1992, p. 53). Holmes lia muito, e em lnguas originais, a exemplo de Tuicdides, que estudo em grego (cf. HOLMES, 1992, p. 60). Conhecia tambm Shakespeare, Mellville, Balzac e toda a literatura erudita e elegante de seu tempo (cf. HOLMES, 1992, p. 61 e ss.). Holmes filosofava constantemente. Em um programa de rdio, levado ao ar em 1931, Holmes explicava sua longevidade e sua tenacidade em viver. Segundo ele, a morte, com freqncia, se aproximava de seus ouvidos e sussurrava: estou chegando... (cf. HOLMES, 1992, p. 21). Conhecia Hume e Kant, a quem imputava responsabilidade por seu despertar de um sono dogmtico (cf. HOLMES, 1992, p. 51). Holmes teria lido com prazer Aristteles, e essa alegria ele descreveu em carta para Lewis Einstein, datada de 23 de julho de 1906, na qual confidenciou o bem estar que a leitura do estagirita lhe causava (cf. HOLMES, 1992, p. 58). Holmes tambm se interessou por Hegel, cujos pormenores no pensamento, no entanto, no lhe cativaram (cf. HOLMES, 1992, p. 63). Dizia que nosso obrigao uma dedicao total vida, uma aceitao de nossas obrigaes, de nossas limitaes e de nossa ignorncia; devemos oferecer nossos coraes ao destino (cf. HOLMES, 1992, p. 6). Simplesmente, quando se chega ao topo de uma colina no h nada mais a ser feito do que descermos... (cf. HOLMES, 1992, p. 10). Insistia que devemos nos dedicar com seriedade ao trabalho, e nos entregarmos nas horas de divertimento, quando no se exige muito

de nossa conduta (cf. HOLMES, 1992, p. 17). Sempre cheio de energia, Holmes na velhice afirmava que a corrida se encerrou, porm o trabalho no est completo quando ainda se tem energia para lutar (HOLMES, 1992, p. 21). Em outra carta a Harold Laski, entre tantas que escreveu, datada de 20 de agosto de 1926, Holmes lembrou que o exrcito o havia ensinado algumas grandes e importantes lies. Estar preparado para a catstrofe. Resistir firmemente aos aborrecimentos. Alm disso, por mais experincia de vida que se acredite possuir, sempre h vezes em que se aprende com aqueles que reputamos jovens e inexperientes (cf. HOLMES, 1992, p. 77). O pragmatismo em Holmes fica definitivamente desenhado em discurso proferido em 7 de maro de 1900, em Boston, quando Holmes afirmou solenemente que o fim da vida a vida em si, que a vida ao, e que a vida consiste na utilizao perene de nossos poderes e foras (cf. HOLMES, 1992, p. 79). Alguns anos antes, em 1884, em cerimnia militar, Holmes afirmara que a guerra e a luta exigem que o combatente acredite em seus propsitos, e que se empenhe totalmente (cf. HOLMES, 1992, p. 81). E o direito seria a incorporao institucional de idias que triunfaram no embate do pensamento (cf. HOLMES, 1992, p. 147). Holmes era a favor da pena de morte, e nesse sentido seu voto no caso Storti v. Commonwealth (175 Mass. 549, 60 N.E. 210- 1901), quando suscitou uma execuo to rpida e to indolor quando possvel (as swiftly and painlessly as possible), o que, no seu entendimento, no contrariava a constituio norte-americana, que veda penas cruis (cf. HOLMES, 1992, p. 301). Na noite em que os anarquistas italianos Sacco e Vanzetti foram executados Holmes negou um ltimo hbeas corpus em favor dos rus (cf. ALSCHULER, 2000, p. 73). Trata-se de mais um paradoxo, que plasma personalidade centrada na realidade, e que a reflete, em todas suas ambigidades e aporias.

4.2 Roscoe Pound Roscoe Pound nasceu em 27 de outubro de 1870 e faleceu em 1 de julho de 1964. Estudou botnica na Universidade de Nebraska, seu estado natal. Devido a insistncia do pai, que era advogado, Pound estudo direito em Harvard e depois estagiou no escritrio do pai. Reputava a prtica do direito como fonte de muito tdio, porm apreciava a filosofia jurdica. Defendeu tese de doutorado em botnica, obtendo ttulo de Ph D em 1897. Porm, simultaneamente, comeou a lecionar direito romano na Universidade de Nebraska, sua alma mater. Posteriormente ensinou direito na Nortwestern Law School, foi contratado pela Universidade de Chicago, em seguida foi lecionar em Harvard, cuja faculdade de direito dirigiu de 1916 a 1936. Pound lecionou em Harvard at 1964, ano de sua morte (cf. HULL, 2002, p. 613). Pound capitaneou um conjunto de reflexes que levam o epteto de jurisprudncia sociolgica. de Pound a apreenso da diferena entre o direito que h nos livros e o direito que se desdobra na vida real (the law in books and the law in action), explicitada em texto seminal de 1910. Pound chamava a ateno para as discrepncias que h entre as regras que abstratamente normatizam as relaes e as normas que efetivamente governam os homens. Pound ilustrava a assertiva comentando princpio que indica presuno de constitucionalidade de todas as normas jurdicas, o que a Suprema Corte norte-americana, no incio do sculo, parecia no levar em conta como dogma absoluto. Para Pound, simplesmente, as cortes declaram inconstitucionais as leis que no aprovam (cf. POUND, in FISHER III, 1993, p. 39). A cultura norte-americana se jactava de matizar um pas governado por leis, e no por homens. A presuno indica suposta objetividade do direito, racional e prospectivo, luz de uma imagem tirada de categorias weberianas de dominao. Adiantando-se naquilo que hoje apenas ingnuos e mal intencionados no reconhecem, ou cismam em no reconhecer, Pound escreveu que o rosto da lei pode ser

salvo por um ritual elaborado, porm so os homens, e no as regras, que administram a justia...(cf. POUND, in FISHER III, 1993, p. 41). Trata-se de fixar e de adaptar os casos ao modelo, juzo de subsuno que na verdade se opera de modo invertido, na medida em que os modelos so efetivamente adaptados aos casos. o sentido pessoal de justia que marca a subjetividade caracterstica do julgamento, que o reflexo do julgador. E para Pound o problema no suscitava nada de novo (cf. POUND, in FISHER III, 1993, loc.cit.).] Pound criticava os hbitos dos juristas norte-americanos de seu tempo; preocupava-se tambm com o direito legislado, que reputava de atrasado. Desconfiava de uma filosofia do direito que era histrica e analtica, e que sempre iniciava e terminava quaisquer discusses com repertrio de casos dos direitos ingls e norte-americano. Enquanto a filosofia, a poltica, a economia e a sociologia j haviam deixado de lado as premissas naturalistas do pensamento oitocentista, queixava-se Pound, os advogados norte-americanos ainda persistiam nos mesmos paradigmas. Pound apontava problemas gravssimos na administrao da justia dos Estados Unidos, a exemplo de uma hiperdimenso individualista. Para Pound, o direito norte-americano apenas concebia doutrinas e regras de proteo ao individualismo. Pound tambm indicava uma exagerada confiana na administrao da justia (cf. POUND, in FISHER III, 1993, p. 42). O direito dos livros se distanciava do direito da vida real, segundo Pound, na medida em que aquele primeiro no havia conseguido se libertar das premissas supostamente equivocadas do direito pensado no sculo XVIII. Com firmeza, Pound sugeria que se estudasse economia e sociologia e que se parasse de se achar que o direito auto-suficiente. Em ensaio de 1910 Pound escreveu:
misso dos advogados fazer com que o direito da vida real se aproxime do direito dos livros. No mediante espasmos fteis contra a inexistncia de normas, e nem por exortaes eloqentes para que se obedea ao direito tal como ele , porm por fazer com que o

direito dos livros seja tal que o direito da vida real possa a ele se adequar, colaborando para que se obtenha um modo rpido, barato e eficiente de que se aplicar o direito (POUND, in FISHER III, 1993, p. 44).

E de modo extremamente realista Pound combatia qualquer identificao metafsica do direito:


No nos tornemos monges do direito. No deixemos que nossos textos normativos ganhem foros de santidade e que sejam considerados como todos os textos sagrados. As palavras escritas continuam, permanecem, porm os homens se transformam. Sejam as leis de Manu ou de Zaratustra ou de Moiss, ou a 14 emenda constituio norte-americana [...] ou a ltima regra jurdica do estado de Oklahoma, todas as leis tratam da mesma estria (POUND, in FISHER III, 1993, loc.cit.).

Em ensaio de 1931 Roscoe Pound propunha chamada geral para uma filosofia jurdica realista. No referido texto, de que agora cuido, Pound motejava de alguns autores, que tratavam do realismo jurdico da mesma forma que deveria se tratar o realismo em seu nicho literrio e artstico. Segundo Pound:
Primeiramente, ento, o que se entende por realismo, a partir da leitura de jovens professores de direito? Na medida em que eu os leio, esses novos realistas parecem que nunca usam a expresso realismo em seus sentidos tcnico e filosfico. Usam a palavra realismo com o significado que realismo tem nas artes. Por realismo esses jovens professores entendem a fidelidade natureza, um acurado relato das coisas como elas realmente so, em contraste com o que imaginamos que as coisas possam ser, ou que gostaramos que fossem, ou como se acha que deveriam ser. Eles entendem por realismo uma completa aderncia s realidades da ordem jurdica como base para uma cincia do direito (POUND, in FISHER III, p. 1993, p. 59).

Em seguida, Pound expe o que entende por realismo jurdico, com a autoridade intelectual de principal mentor do movimento:
Porm uma cincia do direito precisa ser algo mais do que um inventrio descritivo. Os materiais devem ser selecionados e ordenados de modo que sua utilizao seja inteligente e proveitosa. Aps que a realidade jurdica seja observada e catalogada, deve se trabalhar com o material reunido. E o que o realismo prope hoje que ns j no propusemos no passado? Quais so as caractersticas

do programa dos novos realistas que identificam efetivamente um realismo jurdico? (POUND, in FISHER III, 1993, loc.cit.).

Pound conhecia a sociologia jurdica defendida por Eugen Ehrlich, qual a se reportava, ao comentar a influncia dos detentores do capital na formao de regras jurdicas. Pound propunha sete passos a serem seguidos, com o objetivo de se redefinirem as prticas e concepes do realismo jurdico, que a seu ver tomava caminho que se distanciava do sentido inicial que o forjou. No citado ensaio de 1931 Pound sugeria: 1) uma atitude funcional, isto , o estudo no s dos preceitos e das doutrinas do direito, porm, e principalmente, um estudo de como o direito efetivamente funciona; 2) o reconhecimento de elementos irracionais, ilgicos e subjetivos nas instncias reais do direito, isto , no modo como o direito efetivamente aplicado; 3) o reconhecimento de circunstncias nicas e individualizadas, em oposio ao universalismo conceitual do sculo XVIII; 4) o abandono da idia de que h uma seqncia necessria de acontecimentos, que parte de uma causa nica e que caminha para um nico resultado possvel, no sentido de se admitir que exista apenas uma nica soluo soberana para um determinado caso levado justia; 5) a leitura do direito a partir da psicologia, sem que necessariamente se aderisse a alguma escola especfica do pensamento psicolgico; 6) a adoo de axiologia que levasse em conta o jogo de interesses a partir da psicologia e da filosofia, sem que, mais uma vez, se aderisse a qualquer dogma dominante nos campos psicolgico e filosfico e, 7) o reconhecimento de que h muitas abordagens e possibilidades para se chegar a uma verdade jurdica, sendo que todas elas so significativas em relao aos vrios problemas aos quais se referem (POUND, in FISHER III, 1993, p. 66). Esses sete itens elencam um programa. Os passos de nmero 4 e 7 sugerem que h vrias solues jurdicas para um mesmo problema, tese que ser retomada com vigor por Benjamin Cardozo. Esse relativismo jurdico o ponto central no realismo, dado que refuta o dogma da certeza que se desdobra do positivismo. Pound no era exclusivista e nem excepcionalista, na medida em que admitia

tambm o valor e a contribuio de todas as tendncias da filosofia jurdica, inclusive aquelas que ele criticava:
Na residncia da filosofia do direito h muitas manses. H espao mais do que necessrio para todos ns. H trabalho ainda mais do que necessrio. Se o trabalho e a energia gastos em polmicas fosse devotado para o trabalho que deve ser feito, a filosofia do direto estaria mais prxima de suas tarefas (POUND, in FISHER III, 1993, p. 67).

Pound problematizava ainda em 1919, quando em artigo referente liberdade contratual denunciava a falcia da igualdade, tema que tabu no entorno democrtico norte-americano, especialmente no incio do sculo XIX, quando a ingenuidade poltica era provavelmente mais acentuada. Pound citava famoso julgado que teria anunciado que a liberdade do empregado deixar o trabalho, quando quisesse, era, e deveria ser, igual liberdade do empregador dispensar o empregado. Era essa a liberdade contratual que o direito norte-americano consagrava, impregnado que estava de interesses de economia que se desenvolvia, nos moldes do regime de laissez-faire. Valendo-se de estudo de socilogo, Pound percebia que essa igualdade no detinha nenhuma sinceridade. E perguntava: at quando as cortes persistiram acreditando nessa falcia? (POUND, in FISHER III, 1993, p. 27). Criticando uma deciso da Suprema Corte, de 1908, que considerou padres e empregados partes iguais em assuntos de transporte ferrovirio, Pound lembrou de presidente norte-americano que havia afirmado que juzes projetam seus valores individuais e suas idiossincrasias sociais e econmicas quando decidem (cf. POUND, in FISHER III, 1993, loc.cit.). Pound lembrou que o modelo constitucional norte-americano fora concebido em perodo no qual a escola jurdica do direito natural estava em seu znite, bem como o momento de maior desenvolvimento

do direito nos Estados Unidos coincidia com o pice do individualismo na tica e na economia. Escreveu que ainda se citava Blackstone, jurista ingls, para quem o bem pblico no est essencialmente mais interessado em nada alm do que a proteo de todos os direitos individuais (POUND, in FISHER III, 1993, p. 29). Pound compartilha de uma holmesmania, de uma venerao pelos julgados de Oliver Wendell Holmes Jr., em tradio jusfilosfica norteamericana que at hoje persiste:
O movimento sociolgico na filosofia do direito, o movimento que defende o pragmatismo como uma filosofia jurdica, o movimento que prega que se ajustem princpios e doutrinas jurdicas s condies humanas que devem governar ao invs de princpios e teoremas supostos, o movimento que coloca o fator humano em um ponto local central, relegando a lgica a seu lugar verdadeiro, como um instrumento, tem pouco se manifestado ainda nos Estados Unidos. Talvez o voto vencido do Juiz Holmes no caso Lochner v. Nova Iorque seja a melhor exposio do que temos (POUND, in FISHER III, 1993, p. 31).

Pound criticava uma jurisprudncia mecnica que no levava em conta os fatos para os quais se dirigia. Defendia a produo de uma legislao de forte contedo social, que contrariasse as tendncias retrgradas que eram reveladas pelo judicirio norte-americano. Seu texto mais importante, An Introduction to the Philosophy of Law- Uma Introduo Sociologia do Direito, d os contornos do seu realismo jurdico. Prioritariamente, o direito, segundo Pound, deve ser ajustado s condies sociais concretas e reais. Pound repudiava jusfilosfos, juzes e advogados que se perdiam em controvrsias abstratas a propsito de temas de direito. A injustia de uma lei seria aferida por sua incapacidade para promover os interesses sociais. Pound desconfiava da tirania de um direito esttico, bem como do dogma da fico da tripartio dos poderes e da soberania popular, enquanto contedos jurdicos indiscutveis (cf. De Rosa, in POUND, 1998).

Sardonicamente, Pound argumentava que um direito distante da vida real lembra-nos o escritor a quem se encomendou que escrevesse sobre a metafsica chinesa, e que recolheu material para seu texto lendo na Enciclopdia Britnica os verbetes China e metafsica... (cf. POUND, 1998, p. xx). Pound buscava um mtodo que possibilitasse uma compreenso do direito que no se prendesse nos conceitos jusnaturalistas do sculo XVIII e nem na jusfilosofia metafsica do sculo XIX. Para Pound, o jusnaturalismo representava um dos perodos mais criativos do direito, mas que j havia se esgotado (cf. POUND, 1998, p. 19). Aps historiar a experincia jurdica da tradio ocidental Pound concebeu concluso que identifica pragmatismo e realismo:
Para os propsitos presentes eu me contento em ver a histria do direito como um apanhado de contnuo e amplo modelo para satisfao dos desejos humanos, alm da busca de controle social; um modo abrangente e efetivo de se assegurar interesses sociais; uma contnua e mais completa eliminao de perdas, para se evitar frices no gozo humano dos bens da existncia, em resumo, uma engenharia social contnua e eficaz (POUND, 1998, p. 85).

Para Pound a busca da certeza jurdica era atitude em vo. que a certeza alcanada pela aplicao mecnica de regras fixas da conduta humana meramente ilusria (POUND, 1998, p. 130). H traduo para a lngua portuguesa de texto de Roscoe Pound que investiga a histria das liberdades constitucionais, da Inglaterra medieval constituio dos Estados Unidos. Percebe-se otimismo, em que pese o realismo que marcava seu pensamento:
O governo constitucional americano, baseado na experincia dos povos de lngua inglesa, sobreviveu transio dos treze Estados juntos ao Atlntico para imprio continental, sobreviveu luta de uma sociedade de agricultores contra a de negociantes e fabricantes, sobreviveu guerra civil para sair mais forte, sobreviveu entrada nos negcios mundiais, sobreviveu transio de povo homogneo de uma s raa para o caldeiro de fuso de raas e povos. No s sobreviveu, mas fez uma terra que povos de todas as partes do mundo procuraram e procuram para gozar da liberdade e da oportunidade sob a lei. A menos que a natureza humana tenha mudado grandemente,

no existe qualquer razo para que no sobreviva s lutas inerentes ao moderno desenvolvimento industrial e unificao econmica (POUND, 1976, p. 84).

frente por muitos anos de uma das mais importantes faculdades de direito dos Estados Unidos, Roscoe Pound influenciou vrias geraes de alunos e professores, fermentando a concepo de um direito amalgamado nas circunstncias sociais, de onde surge, para onde converge e onde age. A percepo de que o direito dos livros no o mesmo direito em ao, o direito em ao, a mais recorrente contribuio intelectual de Roscoe Pound para o debate jusfilosfico norte-americano. 4.3 Benjamin Nathan Cardozo Benjamin Nathan Cardozo nasceu em 1870 e faleceu em 1938. De ascendncia judaico-sefardita, Cardozo foi juiz em Nova Iorque e posteriormente ocupou uma vaga na Suprema Corte em Washington. Estudou direito em Columbia e depois estagiou no escritrio de seu pai. O pai foi juiz em Nova Iorque, ao que parece afastado por suspeita de corrupo. Albert Cardozo, logo aps o nascimento de Benjamin, renunciou o cargo de juiz para evitar um processo de impeachment; manteve, no entanto, a prerrogativa para advogar, profisso que exerceu com razovel suscesso. copiosa a literatura especializada que investiga a luta de Benjamin Cardozo para afastar de si a sombra de desconfiana que havia em relao a seu pai (cf. POSNER, 1990). Seus antepassados teriam chegado nos Estados Unidos ainda no sculo XVIII. Cardozo tinha uma irm gmea, alm de outros seis irmos, entre os quais uma irm mais velha, Ellen, que o criou, aps a morte da me, que se deu quanto Benjamin tinha nove anos. Seu pai faleceu quando Benjamin contava com quinze anos. A herana deixada pelo pai propiciou vida confortvel, na Madison Avenue, em Nova Iorque. Cardozo destacou-se como advogado, e bons relacionamentos nos meios jurdicos lhe abriram as portas para a

judicatura (cf. POSNER, 1990).Em 1932 Cardozo foi indicado para a Suprema Corte pelo Presidente Herbert Hoover; Cardozo ocupou a vaga de Oliver Wendell Holmes Jr. (cf. KAUFMAN, 2002, p. 88). Cardozo foi um realista no sentido que adaptava as circunstncias normativas s instncias da vida real. Seu voto no caso MacPherson v. The Buick Co. (217 N.Y., 382, III N.E. 1050), ainda em 1916, quando era juiz em Nova Iorque, paradigmtico em termos de responsabilidade civil. Cardozo percebia o direito como servo das necessidades humanas e no dos desejos dos mandarins e poderosos (cf. POSNER, 1990, p. 107). poca do caso MacPherson a lei determinava que o fabricante de um produto que ferisse um consumidor no seria responsvel por danos causados, e nem culpado por negligncia, a menos que houvesse assinado contrato nesse sentido, com o consumidor. Havia exceo regra, de difcil e rara utilizao, referente a produtor anormalmente perigosos. E foi a exceo que Cardozo explorou no aludido caso, de modo a implementar sua viso jurisprudencial (cf. POSNER, 1990, p. 108). MacPherson havia comprado um automvel Buick de uma revenda de automveis. Certo dia, enquanto dirigia, um problema em uma das rodas provocou acidente, que resultou em ferimentos srios no condutor do veculo. MacPherson ajuizou uma ao contra a empresa Buick, fabricante do carro. A r havia comprado as rodas de um outro fabricante e no conseguira detectar o defeito causador do acidente, o que, ao que consta, uma razo inspeo poderia ter indicado. A r no havia inspecionado as rodas que comprou de outro fabricante, embora houvesse testado todos os automveis antes de entreg-los aos consumidores. Cardozo decidiu com um admirvel tato retrico. Ao vendedor do automvel cabia prioritariamente a responsabilidade em indenizar, dado que sua obrigao garantir a segurana do objeto que estava vendendo. Poderia, em seguida, transferir

o nus da transao buscando indenizao do fabricante do veculo, at por razes contratuais. Este, por fim, poderia argir indenizao a ser paga pelo fabricante da pea inapropriada (cf. POSNER, 1990, loc.cit.). Cardozo foi um dos mais importantes juzes ao longo da administrao Franklyn Delano Roosevelt, que sobretudo na dcada de 1930 tentou aprovar a legislao que implementou o programa antirecessivo, o New Deal, fortemente inspirado no intervencionismo de John Maynard Keynes. Ao lado de Louis Brandeis e de Harlan Fiske Stone, Cardozo votou freqentemente em favor das medidas do New Deal, que suscitavam uma abordagem mais liberal na aplicao do direito ento vigente nos Estados Unidos. A afinidade de Cardozo com as linhas gerais do programa de Roosevelt, com os objetivos sociais que oxigenavam as medidas tomadas, bem como a convico de que os tempos estavam mudando e de que a constituio necessitava de um modelo interpretativo mais flexvel marcaram a opo de Cardozo (cf. POLENBERG, 1997, p. 195). Cardozo escreveu livro seminal para a compreenso do realismo jurdico norte-americano, A Natureza do Processo Judicial- The Nature of the Judicial Process. Trata-se de opsculo no qual Cardozo demonstra conhecer o pensamento jurdico da poca, com estaes nos autores alemes, a exemplo de Eugen Ehrlich e de Rudolf Von Iehring e na sociologia francesa, a propsito da referncia a Emile Durkheim. Para Cardozo,
O trabalho de um juiz em um sentido duradouro e em outro sentido efmero. O que bem feito e bom por si mesmo vai durar. O que cheio de erros certamente vai perecer. O bom trabalho judicial permanece como uma das fundaes sobre a qual as novas estruturas sero construdas. O mau trabalho judicial ser rejeitado e relegado ao laboratrio dos anos. Pouco a pouco a velha doutrina minada. Com regularidade as intromisses so to graduais que seus significados so de incio obscuros. Finalmente, descobrimos que os contornos da paisagem tm se modificado, que os velhos mapas devem ser deixados de lado e que o campo deve ser mapeado de novo (CARDOZO, 1991, p. 178).

Adepto absoluto do pragmatismo, Cardozo vale-se de William James para desmistificar o papel dos juzes:
Somos lembrados por William James em substancial passagem de suas aulas sobre o pragmatismo, que cada um de ns possui verdadeiramente uma subjacente filosofia de vida, at mesmos aqueles de ns para quem so desconhecidos os nomes e as noes de filosofia. H em todos ns uma tendncia, chame isso de filosofia ou no, que nos confere coerncia ao nosso pensamento e s nossas aes. Os juzes no conseguem escapar desse fato que ocorre com todos os mortais (CARDOZO, 1991, p. 12).

Cardozo dessacraliza o magistrado, quem reputa como mortal, ser humano como qualquer outro, e que ao decidir imprime no ato decisrio suas idiossincrasias:
Em todas suas vidas [dos juzes] foras que eles no reconhecem e no conseguem nominar, disputam neles mesmos- instintos herdados, crenas tradicionais, convices adquiridas; e o resultado um modo de se ver a vida, uma concepo de necessidades sociais [...] a partir desse pano de fundo mental todos os problemas encontram um abrigo. Podemos tentar ver as coisas to objetivamente quando podemos. Todavia, no podemos ver as coisas com outros olhos exceto com os nossos prprios (CARDOZO, 1991, p. 12).

No entanto, Cardozo insiste na responsabilidade do magistrado, porque a sentena de hoje far o certo e o errado de amanh [...] Se o juiz pronuncia sua deciso com sabedoria, alguns princpios seletivos deve haver para gui-lo entre todas as solues que potencialmente lutam por reconhecimento [...] (CARDOZO, 1991, p. 21). A aderncia do juiz ao precedente, segundo Cardozo, indica elementos subconscientes que agem no processo judicial. Esses estados acompanham e muitas vezes refletem concepes de direito que seriam tambm adotadas pela coletividade, mesmo no caso de inexistncia de normas especficas. E assim, especialmente em circunstncias indicativas de lacunas (gaps):
[...] quando ao direito deixada uma situao no alcanada por uma regra jurdica pr-existente, no h nada a ser feito a no ser contar com um rbitro imparcial que declarar o que dever ser feito por homens justos e razoveis, que conhecem os hbitos e costumes da vida em comunidade, e que parmetros de justia e de negociao

justa prevalecero, o que dever ser feito nessas circunstncias, a partir de regras que no o costume e a conscincia que guia essas condutas. A sensao que se tem que em nove casos entre dez a conduta de razoveis no seria diferente do comportamento previsto pela lei, se norma existisse (CARDOZO, 1991, p. 143).

H vrios de se decidirem os mesmos casos levados justia e a personalidade dos magistrados que define escolhas:
A excentricidades dos juzes compensam as diferenas que h entre eles. Um determinado juiz olha para os problemas a partir de um ponto de vista histrico, outro sob um prisma filosfico, um terceiro a partir da utilidade social; um deles formalista, outro latitudinrio, um deles tem medo da mudana, outro insatisfeito com o presente; a partir do atrito de diversas mentes alcana-se algo que tenha constncia e uniformidade bem maiores do que seus componentes individuais (CARDOZO, 1991, p. 177).

Cardozo aproveitava para contrabalanar tambm os papis do legislador e do magistrado, dado que o legislador tambm criador do direito e tambm a ele falta objetividade, pelas mesmas razes apontadas em relao aos juzes:
Se perguntarmos como um interesse deve se sobrepor ao outro [entre legisladores e juzes], eu posso apenas responder que o juiz deve obter seu conhecimento do mesmo modo que o legislador obtm o seu, a partir da experincia, do estudo e da reflexo; em poucas palavras, a partir da vida mesmo. A escolha de mtodo, o peso de valores, precisam ao fim ser guiados por consideraes de ambos. Cada um deles est legislando nos limites de suas competncias. No h dvida de que os limites dos juzes so mais estreitos. O juiz s legisla onde h lacunas. Ele preenche os espaos vazios que h na lei [...] No obstante, nos limites entre os espaos livres, os precedentes e as tradies, as escolhas se movimentam com liberdade que marca a ao como criativa. O direito que se aplica no encontrado, ele feito. O processo, sendo legislativo, exige a sabedoria do legislador (CARDOSO, in FISHER III, 1993, p. 177).

Cardozo v no juiz atividade judicial criativa, positiva, produtora de normas, a exemplo da atividade do legislador propriamente dito, embora, em princpio, em espao mais fechado. Ao imputar ao juiz o papel de produtor do direito, de algum que faz a norma, e que no a encontra, Cardozo desafia a tradio que radica em Montesquieu e que

v o magistrado apenas como a boca da lei (MONTESQUIEU, 2004, p. 195). Ao afirmar que h vrias maneiras de se julgar um mesmo caso e que a personalidade do julgador o termmetro das decises que toma, Cardozo, ele mesmo um reputadssimo magistrado, oferece a prpria biografia em holocausto, para confirmar assertivas nas quais se assenta o realismo jurdico norte-americano. 4.4 Louis Brandeis Louis Dembitz Brandeis nasceu em 1856 e faleceu em 1941. Descendente de judeus de Praga, Brandeis natural da cidade de Louisville, no estado de Kentucky. Estudou em escolas pblicas de seu estado natal, deu continuidade a sua educao na Alemanha, em Dresden, e posteriormente estudou direito em Harvard. Bacharelou-se em 1877, obtendo as notas mais altas at ento outorgadas por aquela instituio. Advogou um pequeno perodo em St. Louis e posteriormente montou escritrio em Boston com um antigo colega de faculdade. A banca Warren & Brandeis concentrava-se na defesa de pequenos comerciantes (cf. STRUM, 2002, p. 70). Brandeis transitou da defesa do laissez-faire para o apoio ao intervencionismo estatal do modelo keynesiano. Brandeis aproximou-se de sindicatos. A advocacia em prol de trabalhadores comeou a tomar seu tempo e sua ateno, o que lhe suscitou permanente e crescente engajamento poltico. Desenvolveu uma srie de tarefas pelas quais nada cobrava, defendendo trabalhadores, concebendo sistemas populares de poupana, adiantando-se na proteo de recursos naturais e enfrentando judicialmente o monoplio do transporte (cf. STRUM, 2002, loc.cit.). Intensa atividade em prol de interesses populares granjearam a Brandeis o epteto de Advogado do Povo- Peoples Attorney. Em 1908, no caso Muller v. Oregon, no qual se discutia a limitao de horas de trabalho para mulheres, Louis Brandeis inovou no direito

norte-americano ao protocolar petio de mais de 600 pginas, com pouqussimo referencial jurdico tradicional, porm com denso material sociolgico e ftico; trata-se do Brandeis Brief. Brandeis concentrava-se em extensa pesquisa, suas peties consubstanciavam riqussimo material que reunia entendimentos dos mais variados campos do conhecimento. Inspetores de fbricas, mdicos, sindicalistas, economistas, assistentes sociais, todo tipo de impresses e depoimentos (cf. WOLOCH, 1996, p. 28). Brandeis inaugurou a interdisciplinariedade na prtica judicial norte-americana. As peties de Louis Brandeis representam avano na linguagem jurdica dos Estados Unidos, at ento centrada no modelo CREAC, que ainda utilizado onde no haja necessidade de incurses mais profundas sobre matria de fato. O CREAC consiste em seis passos que o advogado deve rigorosamente seguir. Em ingls, a sigla indica Conclusion, Rule, Evidence, Analysis e Conclusion. Isto , o advogado deve comear imediatamente identificando a concluso que ir alcanar. Ato contnuo, enuncia as regras de direito ou os precedentes que pretende explorar, e nos quais se baseiam sua causa de pedir e o prprio pedido. Em seguida, apresenta as provas que detm em favor das concluses que se empenha para chegar. Subseqentemente, apresenta uma anlise das matrias de fato e de direito, preparando o passo final, que se reporta primeira idia, isto , aproximando a concluso da idia lanada logo no incio do texto. Brandeis concentrava-se na anlise e encaminhava ao julgador amplo material que vinculava a regra do direito vida real. O argumento jurdico no se estendia por mais de duas pginas, a nica seo concisa da petio que protocolava. No caso especfico de que trato, Muller v. Oregon, Brandeis apresentou excerto que denominou de A Experincia Mundial- The Worlds Experience, na qual concentrou-se em demonstrar as vantagens que havia em se determinar que mulheres tenham jornadas de trabalho mais curtas.

Comprovou tambm as desvantagens que havia em se determinar jornadas de trabalho longas. Tocou em temas mdicos e sanitrios, a exemplo de maternidade, doenas plvicas, problemas menstruais, abortamentos, nascimentos prematuros, mortalidade infantil, problemas com a prole (cf. WOLOCH, 1996, p. 29). As peas de Brandeis eram efetivamente inovadoras. A ligao entre o direito dos livros e o direito da vida real, sob fortssima argumentao social, fornecia a tnica de suas linhas de raciocnio, o que matizam Brandeis como o grande advogado do realismo jurdico, tudo antes de sua ida para a Suprema Corte. Em 1916 Brandeis foi indicado para ocupar vaga na Suprema Corte norte-americana, posio que ocupou at 1939. Brandeis foi indicado pelo Presidente Woodrow Wilson. Como juiz, Brandeis desenvolveu extensa jurisprudncia baseada em fatos sociais. Repetidas vezes votou contra o grande capital. Defendia o poder dos estados no sentido de produzirem legislao que fosse ao encontro dos problemas sociais localizados. Defendia minimalismo judicial, na medida em que acreditava que ao judicirio no era adequado apropriar-se de todos os problemas sociais, que poderiam ser resolvidos pelo legislativo e pelo executivo (cf. STRUM, 2002, p. 71). Brandeis destacou-se tambm como sionista, embora reconhecesse que ao longo de sua trajetria vivera afastado dos problemas judaicos (cf. STRUM, 1984, p. 248). No entanto, quando fora cogitado para a Suprema Corte, para a vaga aberta como falecimento de Joseph Lamar, o fato de ser judeu lhe causou relativa oposio (cf. STRUM, 1984, p. 294). Ao que consta, a posse de Brandeis provocou deleite em Oliver Wendell Holmes Jr., outro advogado partidrio da jurisprudncia sociolgica, que iria auxili-lo no combate contra os demais juzes da Suprema Corte, que sistematicamente interferiam nos experimentos sociais que a nova legislao vinha propondo (cf. STRUM, 1984, p. 309). Holmes e Brandeis com freqncia votavam de modo igual.

A notcia de que Holmes e Brandeis foram votos vencidos tornouse caracterstica da Suprema Corte norte-americana (cf. STRUM, 1984, loc.cit.). Brandeis levou o realismo jurdico para ponto de equilbrio, na defesa de liberalismo moderado que assegurasse liberdades individuais, em prol da comunidade:
Uma das maiores contribuies de Brandeis para o direito e para a teoria poltica se deu no campo das liberdades civis. Ele entendia a liberdade de expresso e o direito privacidade como necessrios para o desenvolvimento do indivduo, bem como para a criao de cidados educados, circunstncias necessrias para um Estado democrtico. Livre expresso, privacidade, educao e democracia so elementos de um sistema poltico ideal. Conseqentemente, a democracia deve ser definida como a regra da maioria com proteo total para direitos individuais (STRUM, 1993, p. 116).

Brandeis apoiou as iniciativas legislativas de Franklyn Delano Roosevelt, ao longo do programa de intervencionismo estatal que caracterizou o New Deal (cf. MURPHEY, 1983, p. 152). A associao do realismo jurdico com o programa antidepresso econmica de Roosevelt, o New Deal, uma das marcas mais caractersticas do movimento, que, nesse sentido, deve a Brandeis a ligao que se implementou. Louis Brandeis caracteriza a insero do realismo jurdico na poltica judicial, realizando, sem traumas ou desconfianas, a previso de que o direito o que os juzes querem ou dizem que o direito seja. 5. HISTORIOGRAFIA E ANTIFORMALISMO 5.1 Charles Beard A historiografia jurdica do realismo pode ser associada com o trabalho de Charles Beard. Beard nasceu em 1874 e faleceu em 1948. A compreenso que Beard tinha da histria do direito era realista no sentido de que nada se aprende do passado. Projetamos no pretrito nossas preocupaes presentes, reinterpretando a histria freqentemente, a

partir dos pontos de vista que detemos no momento em que fazemos histria (cf. McDONALD, in BEARD, 1986, p. vii). Beard afastou-se de uma historiografia piegas e romntica, que tanto prejudica a compreenso do direito, porque baseada na falsa percepo de que o direito seria evoluo. Beard constata que a construo da histria do direito concepo discursiva, e pode se perceber em seu modo de ler e de escrever histria do direito mecanismo de compreenso que o aproximam de Antonio Hespanha, de Walter Benjamin e de Michel Foucault. O tempo comprova as teses de Beard. Livros de histria do direito norte-americano refletem vnculos ideolgicos e culturais de seus autores. Temos vrias histrias do direito, a indeterminao a nica concluso possvel. Exatamente como possumos inmeras solues jurdicas para um mesmo caso, certamente admitimos a existncia de vrias possibilidades histricas para um idntico problema historiogrfico. Peter Irons leu a Suprema Corte norte-americana a partir de presses populares. Archibald Fox percebeu o mesmo rgo a partir do realismo do poder. Bernard Schwartz, professor na Universidade de Tulsa, propiciou viso formal e otimista da ao da Corte Suprema. Kermit Hall, professor na Universidade de Utah, apropriou-se de uma passagem de Holmes e concebeu o direito norte-americano como um espelho das tendncias populares. Essa leitura foi totalmente negada por Brian Tamanaha, para quem a sociedade no se reflete no direito, este imposto. Lawrence Friedman, professor na Universidade Stanford, escreveu a mais festejada obra de histria jurdica norte-americana, aderindo a historiografia bem comportada e dominada por concepes totalizantes. Morton Horwitz, professor em Harvard, quer entender o direito norte-americano a partir do desenvolvimento do capitalismo naquele pas. Horwitz engendrou historiografia problematizadora e aproxima-se de Charles Beard.

O ndice do grande livro de Beard d-nos conta da amplido e dos nichos de interesse de sua pesquisa. Beard principia com um levantamento relativo aos fundamentos tericos justificativos de uma leitura histrica da composio da constituio dos Estados Unidos, forte em Lassalle e em Marx. Em seguida, Beard faz um levantamento dos interesses econmicos que estavam em jogo em 1787. Apresenta os passos que substancializaram o movimento que redundou no texto constitucional. Na premissa fundamental de que o poder segue a propriedade, Beard identificou os interesses econmicos dos membros da conveno constitucional norte-americana. Em captulo seminal, Beard qualificou a constituio norteamericana como um documento prioritariamente econmico. Vinculando economia e poltica, o que tema marxista, Beard reconstruiu as doutrinas polticas que animavam os membros da conveno constitucional. Ato contnuo, Beard ocupou-se do processo de ratificao. Isolou a participao popular e qualificou os limites do voto popular. O livro de Beard afasta toda a historiografia jurdica ingnua, que oxigena manuais e apostilas de histria de direito, disciplina que muitas vezes cai no domnio de escroques que admiram o passado, sem que entendam os porqus do escapismo, e que transitam do neurtico para o psictico. E ainda, tudo justificam em nome de uma suposta cultura jurdica, que no conseguem explicar para que serve. A histria do direito sem o filtro de uma historiografia crtica mecanismo retrico, barroquismo intil e conceitualismo fraudulento. pura enganao. O livro de Beard suscita uma revolta pragmtica, uma insurreio contra o formalismo. Beard minou a venerao que havia para com a Suprema Corte, que acintosamente reprimia legislao crescente de preocupao econmica e social (cf. McDONALD, in BEARD, 1986). Beard realizou obra de desconstruo, decompondo os termos da constituio dos Estados Unidos, e comprovando que se vivia sob um governo de homens, e no de leis, como defendia a historiografia jurdica

romntica, cravada no iderio popular. Beard avana-se em tcnicas de Jacques Derrida e de Mark Tushnet, lendo o texto constitucional norteamericano sob os contornos de realismo impressionante. Para Beard, quando a Suprema Corte decide sobre questes de interesse direto da populao, esta deve ser compelida a votar, anuindo ou discordando da deciso, que fora produzida por seres humanos, detentores de interesses e preconceitos, representantes de grupos de presso, de lobbies e de conjuntos especficos, circunstncia que se mascara com o ramerro da neutralidade e da cientificidade. Beard tambm despertou de um sono dogmtico, lembrando que a descoberta de que os pais da constituio percebiam que os conflitos em torno do texto constitucional eram efetivamente disputas de interesse econmico, fora o maior choque de sua vida (cf. BEARD, 1986, p. xlii) Beard pinou no texto constitucional norte-americano todas as questes econmicas que agitavam os Estados Unidos, a exemplo de proteo tarifria, comrcio internacional, transporte, indstria, comrcio, trabalho, agricultura, temas que no podem ficar merc dos falsos problemas trazidos pelas leituras analticas do direito, que se perde em formalismos, campo discursivo que engendra todos os tipos de soluo. Paradoxalmente, embora sob premissas de pensamento que negaria o iderio neoliberal, Beard aproximou-se de concluses relativas aproximao do direito com a maximizao da economia, circunstncia que ser percebida mais tarde em Hayek e em Posner, embora, bem entendido, a partir de outro instrumental terico. Em introduo que preparou em 1935 para nova edio de seu clebre livro, Beard questionava que interesses poderiam estar por detrs de todo o modelo constitucional norte-americano. Para Beard, a recusa em se pesquisar respostas para esse problema essencial nos tornava vtimas da histria, barro nas mos de seus construtores, clay in the hands of its makers (cf. BEARD, 1986, p. liii).

Beard questionava a fluidez de contedos jurdicos vagos como princpios, de entendimento abstrato, provocadores de todo o tipo de injunes conjunturais (cf. BEARD, 1986, p. 9). Beard duvidava de premissas fluidas, a exemplo de presuno normatizada dando conta de que o governo procede diretamente do povo (cf. BEARD, 1986, p. 10). Em passo convergente ao realismo jurdico Beard escreveu que:
[...] necessrio se reconhecer desde o incio que o direito no uma entidade abstrata, uma pgina impressa, um cdigo, uma deciso judicial. Tanto quanto exista alguma conseqncia para observador, o direito deve tomar uma forma real; o direito governa aes, determina relaes normativas entre as pessoas, prescreve comportamentos. Uma norma pode estar nos livros por algum tempo, porm a menos que seus preceitos sejam efetivados, esta norma existe apenas na imaginao. Separada da vida social e econmica para a qual , em parte, condicionada e em relao qual, elemento condicionante, a norma no detm vida real (BEARD, 1986, p. 12).

Beard lembra que boa parte da produo jurdica relacionada com a defesa da propriedade e que h tentativa de se isolar o direito constitucional dessa circunstncia, entre outros por causa de construo cultural que fraciona o universo normativo em contedos de direito pblico e privado. Para Beard:
Pode se tentar dizer que o direito constitucional seja um campo peculiar do direito; que no esteja prioritariamente preocupado com propriedade ou com relaes de direito de propriedade, porm, com rgos do governo, com sistema de voto, com a administrao em geral. A superficialidade desta viso torna-se aparente a partir de segunda e mais detida olhada. Na medida em que o objeto primrio de um governo seja, alm da mera represso por meio da violncia fsica, o de compor regras que determinam as relaes de propriedade entre os membros da sociedade, as classes dominantes, aqueles cujos direitos devem ser determinados, precisam agir de modo a obter de quem quer que esteja no poder as regras que se apliquem a seus interesses, de modo que se d continuidade ao processo econmico, ou ento esses grupos tomaro pessoalmente o controle do governo (BEARD, 1986, p. 13).

O interesse pelo controle da propriedade central na atuao poltica, no apenas no sentido de se mant-la, porm tambm na mira de se obt-la. E assim:

Aqueles que detm e aqueles que no detm propriedade sempre perfilaram interesses distintos na sociedade. Credores e devedores encontram-se no mesmo plano. Interesses de proprietrios de terra, de industriais, de mercadores, de banqueiros [...] crescem em necessidade nas naes civilizadas e se dividem em interesses de classe, marcados por diversos sentimentos e pontos de vista. A regulamentao destes vrios e correlatos interesses consistem na principal tarefa da legislao moderna, envolvendo esprito partidrio e sectarismos, que se projetam nas atuaes necessrias e ordinrias dos vrios governos (BEARD, 1986, p. 15).

Na abertura do captulo relativo ao estudo dos interesses econmicos que se chocavam nos Estados Unidos em 1787 Beard apresenta as razes e o sentido de sua metodologia, de inspirao inegavelmente marxista, embora ele o negasse:
A teoria da interpretao econmica da histria escora-se no conceito de que o progresso social seja o resultado geral do conflito dos interesses sociais, alguns favorveis, outros opostos, em mudana. Essa hiptese exige que pesquisemos, logo de incio, quais classes e grupos sociais havia nos Estados Unidos no momento que antecede adoo da Constituio, e quais deles, em razo do regime de propriedade que os interessava, esperavam benefcios imediatos e definitivos com a derrubada do antigo regime e com o estabelecimento de um novo modelo de governo. Por outro lado, deve se averiguar qual dos grupos poderia lutar por maior benefcio, mantido o governo anterior e o modelo jurdico antigo (BEARD, 1986, p. 19).

Beard percebe a relao que a constituio dos Estados Unidos mantm com um projeto econmico de expanso (BEARD, 1986, p. 23), avanando em anos a concluso a que chegaram Michael Hardt e Antonio Negri no monumental livro Imprio (HARDT e NEGRI, 2000, p. 164). O delicado problema da escravido no passou despercebido a Beard (cf. BEARD, 1986, p. 30), dado que a soluo que o texto constitucional norte-americano preservou, lacnica, causa concorrente para o conflito nacional que se alastrou de modo mais explcito a partir de 1861. Charles Beard pode ser inserido no planisfrio conceitual do realismo jurdico, em sentido historiogrfico, na medida em propugnou,

e demonstrou exaustivamente, a impossibilidade de se divorciar a histria do direito de seus fatores determinantes, que se localizam na economia e na poltica. 5.2 Lon Fuller

Lon Fuller conhecido pelos estudantes de direito no Brasil por causa da traduo que Plauto Faraco de Azevedo fez do ensaio O Caso dos Exploradores de Cavernas- The Case of the Speluncean Explorers. Trata-se de texto originariamente publicado na revista da faculdade de direito de Harvard, que Plauto Faraco verteu magistralmente para o portugus e que tem empolgado alunos de Introduo ao Estudo do Direito, especialmente porque o imaginrio case method promove encontro com o juspositivismo, com o jusnaturalismo, com o realismo jurdico e com circunstncia tenebrosa que exige reflexo. Em caso localizado no ano de 4300, do qual nos separamos do mesmo modo como nos distanciamos da Grcia Clssica, Fuller nos coloca em face da universalidade dos problemas da justia. O enredo simples. Cinco membros de uma sociedade espeleolgica exploram uma caverna quando alguns deslizamentos de terra vedaram a sada. No havia como deixarem o local. As autoridades foram comunicadas, novos deslizamentos ocorreram, esgotaram-se recursos da sociedade espeleolgica, de subvenes pblicas e legislativas. Dez operrios morreram na tentativa de resgatarem os exploradores. Mantendo comunicao por rdio os exploradores foram informados que o resgate ainda demoraria cerca de dez dias, caso no ocorressem mais deslizamentos e se tudo corresse bem. No havia mais alimentos. Roger Whetmore, um dos exploradores, sugere que se fizesse um sorteio, e que o perdedor fosse devorado pelos demais. O remdio inusitado poderia salvar a vida de parte do grupo. Mdicos, autoridades e sacerdotes no se manifestaram em face da consulta colocada por

Whetmore, pelo rdio, um pouco antes que o aparelho deixasse de funcionar, por falta de pilhas. Whetmore teria se arrependido da proposta. No entanto, no obstou que a sorte fosse tirada, e que um dos outros membros do grupo em seu nome lanasse seus dados. Whetmore foi o perdedor. Sua carne salvou a vida dos outros exploradores. Depois de resgatados e conduzidos para um hospital, onde se recuperam fsica e psicologicamente, os exploradores foram indiciados por crime de homicdio e em seguida foram condenados em primeira instncia. Um conselho de jurados optou pela culpabilidade e o juiz fixou a pena na morte pela forca. O conselho de jurados protocolou petio ao chefe do poder executivo, pedindo comutao da pena, indagando pela fixao da mesma em seis meses de priso. O prprio juiz que condenou recorreu do prprio ato, tambm para o chefe do executivo, que detinha competncia para rever a deciso, na forma como foi outorgada. Concomitantemente, os quatro condenados recorreram da deciso de primeira instncia para a Suprema Corte de Newgarth, local imaginrio que abrigou os interessantes normativos que o texto narra. Truepenny, juiz presidente da alta corte manteve a deciso originria, na crena de que o executivo atenderia o pedido de clemncia. Entendeu que a deciso a quo era sbia e que havia se julgado da melhor maneira possvel. um conformado. O primeiro a votar, juiz Foster, um jusnaturalista extremado. Criticou o presidente do tribunal e afirmou que o que se julgava no era o caso em si, porm, o que estava em jogo era um juzo de valor que se fazia das leis do Estado. Foster acredita que se o tribunal condenar aos exploradores o tribunal ser condenado pelo senso comum da comunidade. Foster v inocncia nos rus. No h possibilidade de aplicao de um direito positivo estrito, porque a situao aflitiva da caverna no reproduziu as condies necessrias para a utilizao de regras positivadas. Alm do que, o territrio que qualifica a incidncia de uma determinada jurisdio. No

havia ordem moral ou territorial para que o direito positivo fosse ento aplicado. que a deciso fora tomada pelos exploradores em momento em que se encontravam muito distantes da ordem jurdica que agora se lhes pretendia aplicar. O fato de que estavam sob a terra e a posio subterrnea indicavam impossibilidade de comunicao normativa. Segundo Foster, a lei no se aplicava aos espelelogos, naquela circunstncia. Alm do que, se a sociedade reputava que fora justa a perda de dez homens que tentaram salvar os cinco exploradores, por que no seria tambm justo que se perdesse um homem para que se salvasse a vida dos demais quatro exploradores? O direito, segundo Foster, exige uma exegese racional. A legtima defesa era consagrada pela jurisprudncia da corte e no caso era recurso analgico plausvel. Foster inocentou os exploradores. Tatting em seguida tomou a palavra e criticou Foster. Opsse ao direito natural, ao qual teceu duras crticas. Segundo Tatting, os criminosos teriam agido intencionalmente, aps muita discusso. Tatting afirmou que se houve dispositivo legal especfico relativo ao canibalismo, a questo seria diferente e ento ele poderia condenar os rus. Tatting absteve-se de votar, invocando que no havia precedentes. Pronunciou o seu non liquet. Em seguida vota o juiz Keen. Positivista at a medula, Keen condena os rus, mantendo a deciso da corte de primeira instncia. Como opinio pessoal, consignou que os exploradores j haviam sofrido demais e que deveriam ser perdoados. Porm, a assertiva representava uma opinio pessoal e Keen insistia que deveria julgar de acordo com a lei. No queria discutir o que era justo, injusto, bom ou mau. Deveria, no teor de seu voto, segundo a imaginao de Fuller, definir a correta aplicao do texto legal, que previa pena de morte para a prtica de homicdio. Ao insistir que ao judicirio cabia to somente a fiel aplicao

da lei escrita, Keen implementou um juzo de subsuno e votou pela mantena da sentena originria, condenando os rus. Handy Jr. proferiu o ltimo voto, inocentando os rus e reformando a deciso de primeira instncia. o representante do realismo jurdico. Apela para uma sabedoria prtica que deve ser aplicar realidade humana. Insiste que o judicirio no pode perder o contato com o homem comum. Lembra que a funo do formalismo instrumental. Pondera que a opinio pblica quer a liberdade dos rus. Argumenta que a opinio pblica deve ser levada em considerao. Objetiva a aplicao de um senso comum. Com o empate, duas condenaes (juzes Keen e Truepenny) e duas absolvies (Foster e Handy Jr.) e uma absteno (Tatting), o juiz presidente incita Tatting a se manifestar, e se for o caso a mudar de opinio. Friamente Tatting mantm sua posio e a sentena de primeira instncia foi confirmada: os rus sero enforcados. A instigante prosa literria de Fuller problematiza questo central na filosofia do direito. Ope positivismo e jusnaturalismo, realismo jurdico e conservadorismo, este ltimo modelo marcado pelo voto de Tatting, que protagonizou enervante retrica da indeciso, decidindo sob disfarce de falta de deciso. A questo da relao entre moral e direito nuclear no pensamento de Fuller, que verticalizou o problema em livro conhecido, A Moralidade da Lei-The Morality of Law. O texto acendeu polmica com H.L.A. Hart, expoente do positivismo da tradio anglo-saxnica. Fuller tem como base a idia de que no haveria necessidade do direito em um sociedade de anjos (in a society of angels there would be no need for law) (FULLER, 1979, p. 55). Fuller dois modelos de moralidade jurdica, uma interna e outra externa, cujo conflito sugere a utilizao de um juzo pragmtico ou

de um clculo econmico (cf. FULLER, 1979, p. 44). A utilizao de normas, para Fuller, circunstncia prenhe de obviedade, o primeiro objetivo de um determinado sistema (cf. FULLER, 1979, p. 46). Comandos abstratos colocam problemas que Fuller imputa questo da eficcia das normas, e nesse sentido Fuller contraria Austin, para quem todo ato governamental seria dotado de legitimidade normativa (cf. FULLER, 1979, p. 49). A clareza da norma, para Fuller ingrediente fundamental indicativo de legalidade (cf. FULLER, 1979, p. 63). Fuller retoma tema analtico e discursa sobre antinomias, sobre contradies nos comandos normativos, apontando para a dificuldade ftica de se encontrar uma contradio efetiva (cf. FULLER, 1979, p. 65). Fuller chama a ateno para leis que comandam o impossvel, o que reputa como circunstncia absurda, tpica de legislador insano ou de ditador mefistoflico. No entanto, o modelo jurdico norte-americano poderia substancializar tal hiptese, o que Fuller condena mediante figura metafrica de um ilimitado poder de se produzir norma legal sem legalidade (cf. FULLER, 1979, p. 71). A moralidade interna da lei, para Fuller, deve evitar contradies e normas de impossibilidade ftica, bem como deve contar com a constncia da lei ao longo do tempo, o que seria indicativo de estabilidade (cf. FULLER, 1979, p. 79). Esta moralidade interna do direito exige tambm perfeita congruncia e convergncia entre a determinao legal e a ao governamental (cf. FULLER, 1979, p. 81). A moralidade interna da lei, para Fuller, menos uma moral de obrigao e mais uma moral de aspirao (cf. FULLER, 1979, p. 104). Fuller ilustra seu pensamento com interessante passagem de sabor histrico, que retirou dos anais do direito ingls. Henrique VIII teria outorgado Faculdade Real de Medicina de Londres o poder de licenciar e de regulamentar a prtica de medicina na capital da Inglaterra. O Parlamento ingls havia confirmado a permisso. A faculdade poderia julgar casos de prtica mdica sem licena, aplicar multas e penas

de priso. O resultado financeiro das multas seria dividido entre o rei e a faculdade. Thomas Bonham, formado em medicina pela Universidade de Cambridge, passou a clinicar em Londres sem a requerida autorizao da Faculdade Real de Medicina. Foi preso, julgado e multado por esta faculdade. Protocolou ao invocando que a faculdade no tinha competncia para julg-lo e prend-lo (cf. FULLER, 1979, p. 99). Bonham ganhou a causa, pois se decidiu que, no obstante a autorizao do rei e do parlamento, no havia como a faculdade exercer todos os papis ao mesmo tempo, de magistrado e de acusador, de parte e de interessado. Trata-se de modo indireto de controle de constitucionalidade, sem que apelemos para uma leitura do direito antigo com os olhos contemporneos. A incongruncia entre a ao governamental e os objetivos que devem dar os contornos das normas jurdicas ficou demonstrada, evidenciando-se a inexistncia de uma moralidade interna do contedo normativo que se discutia (cf. FULLER, 1979, p. 100). O realismo jurdico em Lon Fuller marcado pela busca de uma necessria relao entre moralidade e normatividade. Fuller desenha o conceito de moralidade interna da lei, como conector desta com a moral social e com a realidade complexa que d condies experincia do direito. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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