SEDUZIDA PELO FAZENDEIRO ARROGANTE - Valderes F. S

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Copyright © 2024 VALDERÊS F.

SANTOS
Todos os direitos reservados.
Criado no Brasil.

DESIGN DE CAPA: JÉSSICA CHRISTINE


REVISÃO: MARGARETH ANTEQUERA
DIAGRAMAÇÃO DIGITAL: VALDERÊS F. SANTOS
BETAGEM: LARI BATISTA

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua


Portuguesa.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer


parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível —
sem o consentimento por escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.


9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
ÍNDICE
ÍNDICE
SINOPSE
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
EPÍLOGO
SINOPSE
Dante Castellamare está de volta à sua cidade natal, abalado pela
perda do pai e por um divórcio recente. Com a fazenda da família afundada
em dívidas e à beira de ser vendida, ele precisa agir rápido para salvar seu
legado e encontrar um novo rumo para sua vida.
Larissa Leão, uma empresária determinada e de espírito acolhedor,
tem seus próprios planos: comprar a fazenda ao lado para expandir seus
negócios. O problema? Dante, seu novo e teimoso vizinho, que rapidamente
se torna um obstáculo inesperado em seu caminho.
Em meio a constantes discussões e disputas acirradas, a rivalidade
entre eles começa a se transformar em uma atração irresistível. Mas com o
futuro das fazendas em jogo e seus corações na linha de frente, ambos
precisam decidir: será que vale a pena arriscar tudo por esse sentimento
crescente?
Entre tensão, competição e desejo, Dante e Larissa terão que
descobrir se o que começou como rivalidade pode evoluir para
algo muito maior.
REDES SOCIAIS DA AUTORA
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TikTok: @valderesfsantos
Facebook: Autora Valderês F. Santos
AVISOS
Este livro contém diálogos com linguagem coloquial, informal e
regional proporcionando uma imersão autêntica no dialeto e na cultura local
dos personagens
CAPÍTULO 01

Assim que o avião se aproxima da cidade de Preciosa, que fica entre


as cidades de Três Pontas e Varginha em Minas Gerais me remexo na
poltrona e me aproximo da janela para poder ver a fazenda Florescer e toda
a sua extensa plantação de café.
Logo que ela aparece, um sorriso enorme brota em meus lábios me
causando uma enorme sensação agradável de finalmente estar em casa
depois de longos três dias.
O encontro de grandes produtores de café que ocorreu em São Paulo
foi de certa forma gratificante, pois nele fiz contatos, troquei experiências, e
foi muito proveitoso, mas nada se compara a chegar em casa.
Poderia muito bem ter ficado lá durante o restante da tarde, passado
a noite e só vindo amanhã de manhã, mas quero estar em casa o mais rápido
possível, pois preciso acompanhar de perto cada etapa da colheita do café
que se aproxima.
Assim que o avião pousa na pista da fazenda, logo estranho que
quem veio me buscar foi Ferreira e não meu capataz Josué.
Franzo as minhas sobrancelhas depois de me despedir do piloto e
caminho a passos rápidos até a caminhonete branca estacionada a alguns
metros de distância.
― Boa tarde, Ferreira. Como estão as coisas?
― Tarde, patroa ― ele responde com seu sotaque mineiro bem
carregado correndo pegar a mala de mão que estou puxando. ― Aqui tudo
bem...
― Ah, é? ― pergunto, pois ele ainda nem me olhou nos olhos e
mantém o semblante abaixado sob o chapéu de palha. ― Onde está o
Josué?
― Ele tá fazendo a manutenção de uma das colheitadeiras...
― Ué?! E por que ele não chamou os rapazes da oficina da cidade?
― Ele chamou uai, mas os rapazes só têm tempo para vim na
semana que vem...
― Que história é essa, Ferreira? A oficina sempre vem fazer as
manutenções necessárias, assim que a gente pede. Estão fazendo corpo
mole agora por quê?
― Sei não, patroa.
― Me leve até a cidade.
― A sinhora mal chegou... não vai nem trocar de roupa?
Olho para meu vestido preto e sapatos de salto alto.
― Não temos tempo a perder, Ferreira.
Subo na caminhonete no banco do passageiro e ajeito meus longos
cabelos negros num coque baixo e despenteado atrás da cabeça. Se deixar
os fios soltos como estavam, ficarão todos emaranhados com o vento e a
poeira da estrada que nos leva até a cidade.
Me olho rapidamente no retrovisor da caminhonete e vejo que
minha maquiagem ainda está boa, mesmo depois de um dia todo no
encontro anual de produtores.
A minha sorte é que não deixei para vir amanhã.
Imagina só? Um dia de atraso nas manutenções das máquinas?
― Desde quando estão empenhados na manutenção das
colheitadeiras?
― Desde ontem, patroa.
― E por que eu só fico sabendo quando chego em casa?
― Josué disse que dava conta... e ele disse que se tivesse falado
para a sinhora, teria abandonado tudo em São Paulo e vindo correndo para
cá.
Bufo irritada com meu capataz por ele ter escondido isso de mim e,
imediatamente levo meu polegar até a boca onde o mordo com raiva numa
mania terrível que tenho desde a adolescência, onde passei a fazer isso para
não confrontar meu pai, que Deus o tenha.
Inácio Leão conquistou cada palmo desse chão com muita garra e
suor. Desde muito novo trabalhou em pequenas fazendas da região e aos
poucos foi juntando dinheiro para comprar a sua própria fazenda.
Conseguiu com muito esforço comprar um pequeno pedaço de terra
e começou a plantar alguns pés de café, mas ainda trabalhava para grandes
fazendeiros da região. Devagar passou a ganhar dinheiro e seguir
comprando terras vizinhas, então se casou com minha mãe e os dois
viraram pequenos produtores de café.
Em poucos anos já tinham uma grande área e uma vasta plantação
cafeeira e eram um dos principais produtores da região, então minha mãe
ficou grávida... eu nasci e ela morreu.
Meu pai se viu com uma fazenda grande para cuidar, responsável
por centenas de funcionários e com uma bebê recém-nascida nos braços.
Tenho um orgulho enorme dele, pois podia muito bem se deixar
sucumbir pelo luto e a dor da perda, mas não, lutou bravamente por anos
para me criar e fazer a fazenda conquistada gradativamente crescer ainda
mais, até se tornar no império que é hoje.
Senhor Inácio Leão foi um grande homem e eu tenho a obrigação de
levar adiante o seu legado.
Então é por isso que estou irritada com o que está acontecendo.
Atraso nas manutenções, significa atraso na colheita e isso tudo no final
vira uma bola de neve difícil de controlar, pois tenho muitos funcionários
que precisam de mim e não posso demorar e nem me distrair com nada no
meio do caminho.
Ferreira dá a volta na praça do centro da cidade e encosta a
caminhonete do outro lado da rua. Salto do veículo antes mesmo de ele
desligar o motor, cruzo a rua rapidamente e entro a toda velocidade na
oficina anexa à loja de venda de implementos agrícolas, fazendo com que o
barulho dos meus saltos chame a atenção de todos que estão presentes.
O gerente vem me atender todo sorridente e pelo meu semblante
irritado, seu sorriso morre.
― Boa tarde, senhora Leão... em que posso lhe ajudar?
― Boa tarde, Milton. ― Tento soar de forma simpática. ― Vim
aqui para saber por que os meninos não foram fazer as manutenções das
colheitadeiras, já que antes de toda colheita que fazemos na Florescer é
feito uma manutenção no maquinário.
A cor some do seu rosto e ele engole em seco.
― Nós estamos com pouco pessoal que realiza essas manutenções e
os que estavam aqui, foram até a fazenda Castellamare a pedido do senhor
Dante...
― De quem?
― O senhor Dante Castellamare, senhora...
― Mas a fazenda não estava nas mãos dos funcionários e advogados
desde que o Álvaro morreu há quase um ano?
― Sim, senhora. Mas o filho voltou na semana passada e vai
assumir a fazenda do pai.
Mas que merda!
Logo agora que eu estava quase convencendo os advogados a
fecharem o negócio e venderem a fazenda para mim, depois do velho
morrer?!
― E ele simplesmente estala os dedos e vocês vão correndo mexer
nas máquinas dele?
― Ele chegou antes da senhora e...
― Nós temos um combinado, Milton, de que sejam feitas as
manutenções das suas máquinas em minha fazenda antes de todas as
colheitas, por que logo agora você deu para trás? Sabe muito bem que prezo
ao escolher funcionários e fornecedores da região, mas não me custa
encomendar máquinas que venham de São Paulo...
― Não, senhora... ― ele se apavora ― garanto à senhora que
amanhã bem cedo os rapazes estarão em sua fazenda.
― Sem atrasos, Milton? ― pergunto confirmando de que ele
cumprirá a sua parte.
― Sem atrasos, senhora Leão e me desculpe pelo inconveniente.
― Espero que não volte a acontecer. Tenha uma boa tarde.
Giro nos calcanhares e sigo para fora da oficina de máquinas, anexa
à loja da marca de quem meu pai e eu sempre fomos clientes.
Era só o que faltava mesmo!
Eu estava crente de que conseguiria comprar a fazenda ao lado da
minha e, assim aumentar ainda mais minha produção e, agora esse
Castellamare surge não sei de onde para atrapalhar meu negócio.
Já estava convencendo o time de advogados que o velho Álvaro
deixou responsável pelas terras e, agora sinto como se estivesse perdendo
tudo por entre meus dedos.
Ao cruzar a rua ainda soltando fogo pelo nariz, ouço o galope de um
cavalo se aproximando rápido demais de onde estou e mal tenho tempo de
raciocinar direito e ver de onde o barulho está vindo, quando quase sou
atropelada pelo cavalo e seu cavaleiro.
― Mas que p... ― Começo a gritar, mas me contenho a tempo de
soltar um palavrão em alto e bom som para todos de Preciosa ouvirem.
Olho ao redor e o maldito homem retorna todo arrogante em cima
do seu cavalo.
Ele usa uma camisa branca de mangas arregaçadas até os cotovelos,
jeans gasto, botas e um chapéu na cabeça. De longe posso ver o quanto ele é
alto e forte.
― Não olha por onde anda, madame? ― ele pergunta em voz alta
de forma zombeteira, meu sangue ferve e, eu tenho vontade de tirá-lo de
cima do cavalo e socar a sua cara.
Ferreira desceu da caminhonete e está do meu lado apenas
observando a cena.
― Eu não olho por onde ando? E que ideia mais idiota é essa sua de
andar a toda velocidade com esse cavalo? Aqui é o centro da cidade, há a
praça e a escola próximas daqui, onde transitam crianças a toda hora e se
você acaba pegando uma delas, seu irresponsável?
Ele fica em silêncio e para seu cavalo a apenas alguns metros de
mim. Quando levanta a aba do chapéu com a ponta do dedo, eu o reconheço
de imediato, é Dante Castellamare quem está na minha frente.
Não posso negar que o tempo fez bem a ele, pois continua bonito
como sempre foi. Sua pele bronzeada em contraste com seus olhos azuis,
causam um efeito único em seu semblante sério e sua barba de dois ou mais
dias completa o conjunto o deixando sexy demais.
Meus olhos percorrem seu peitoral largo e musculoso até seus
braços, um deles coberto por tatuagens e em seguida até suas mãos
segurando as rédeas do animal. As veias grossas aparentes quase me faltam
o ar e um arrepio passa pelo meu corpo ao imaginar suas mãos em contato
com a minha pele.
O cavalo dá um passo à frente e instintivamente dou um passo atrás,
o que faz o maldito soltar um riso de escárnio.
― Pelo visto a madame tem medo de animais.
― Muito pelo contrário, não tenho medo dos animais. ― Passo a
mão delicadamente pelo focinho do cavalo que inclina a cabeça para
receber meu toque. ― E esse animal é dócil e amável. O que estraga
mesmo é o dono dele. Que não passa de um xucro e selvagem.
Digo a ele em alto e bom som, depois simplesmente o deixo parado
no meio da rua em cima do seu cavalo e, ando até a caminhonete junto com
Ferreira que sai depressa pegando o caminho de volta para a fazenda.
Eu sabia que iria me encontrar com Dante Castellamare mais cedo
ou mais tarde, só que não imaginaria que seria cedo demais assim e muito
menos que ele despertaria sensações estranhas em mim.
DANTE
Quando meu bisavô imigrou com a família da Itália há mais de cem
anos, se fixaram aqui em Preciosa e o velho Castellamare resolveu ir contra
as raízes italianas e ao invés de plantar um vinhedo teve a brilhante ideia de
plantar o grão que se torna o precioso líquido preto.
E deu muito certo. Durante as décadas que se seguiram, nosso café
sempre foi referência em todo o país e também fora dele, quando meu avô
assumiu, o legado Castellamare prosseguiu e assim que meu pai começou a
cuidar das terras e da plantação, tinha tudo para dar continuidade a
sucessão, mas depois da apunhalada que minha mãe deu nele, o homem
perdeu o gosto pela vida.
Eu me lembro muito bem do dia em que ela foi embora. Eu tinha
quinze anos e não sabia de quase nada da vida. Depois que ela se foi com o
amante levando a minha irmãzinha, a fazenda que antes era referência na
região, se transformou em apenas mais uma entre tantas outras do estado na
produção de café.
Logo que terminei o ensino médio, fui para São Paulo para estudar e
fazer faculdade. Foi então que conheci Rúbia Novaes, me apaixonei
perdidamente e me casei. Mas assim como meu pai, a nova geração de
homens Castellamare não foram feitos para serem felizes no amor e do
mesmo modo que o amor e fogo da paixão surgiu, ele sumiu de repente e
assim me divorciei de Rúbia, depois de quase quinze anos completamente
infelizes de casamento.
Mesmo estando longe por anos, sabia que meu pai ficou amargurado
e acabou deixando a fazenda de lado. Passou apenas viajar e gastar a
fortuna acumulada de gerações, sem nem pensar no amanhã.
A partida da minha mãe, me fez ter um sentimento de frustração
dessa cidade e então foi por isso que nunca mais coloquei os pés aqui
novamente, mas quando o advogado do meu pai ligou e me informou sobre
a sua morte repentina no ano passado, algo em mim mudou e então me dei
conta de que eu sou o último Castellamare vivo e não poderei deixar que o
legado morra comigo.
Me desfiz de tudo o que tinha em São Paulo, o que não era muito, já
que Rúbia levou tudo com ela no divórcio e voltei para Preciosa.
Assim que coloquei meus pés na fazenda a cerca de uma semana
atrás, vi que há muita coisa a se fazer aqui e, eu simplesmente não sei nem
por onde começar e pelo visto a continuidade no legado dos Castellamare
vai ser mais difícil do que eu pensava.
A toda hora aparece um problema diferente. Ora é a irrigação que
não funciona, funcionários que não receberam, advogados com honorários
atrasados, lixo por toda parte, a casa está em completa sujeira e
decadência... um completo caos, é isso que está a fazenda Castellamare.
Eu sabia que meu pai havia deixado tudo de lado, só não imaginava
que tivesse abandonado completamente. Ele não cuidou do negócio como
devia e ainda se enfiou em dívidas e empréstimos.
Desde o dia seguinte que cheguei, tenho resolvido muitos problemas
e não tenho tido sossego nem para dormir.
“A fazenda está atolada em dívidas, Dante. Pense se não seria bom
vendê-la e com o valor que pegar, você quita as dívidas e ainda te sobrará
uma boa quantia.” Um dos advogados que meu pai havia contratado foi
sincero comigo.
Juro que queria chegar aqui e assumir a fazenda. Continuar de onde
meu pai parou, mas para que isso acontecesse, eu precisaria ter voltado uns
dez anos antes.
Passei horas e horas a fio reunido com advogados e o gerente do
banco e como a fazenda vizinha da minha é administrada pela herdeira de
Inácio Leão, chegamos a um consenso de que será uma boa venda, visto
que ela quer comprar as terras há muito tempo.
Fiquei sabendo pelos funcionários do banco que a senhora Leão está
em São Paulo num encontro anual de produtores, por um lado até é bom,
pois não queria tomar nenhuma decisão precipitada.
Deve ser uma velha amargurada cheia da grana essa herdeira, penso
e como os advogados garantem que a venda será bem vantajosa para mim,
fico de pensar e dar uma resposta a eles em breve.
Vindo para cá, passei pelo centro e vi as incríveis melhorias que
foram feitas na cidade e por onde eu passe, vejo o quanto os moradores
admiram o tal do Inácio Leão, visto que até uma escola municipal e mais
moderna o homem construiu e como homenagem, a cidade deu o nome dele
à escola.
Depois de sair do banco um pouco frustrado por ver o legado da
família se esvaindo sem eu poder fazer nada, monto no cavalo e saio
galopando como se a velocidade pudesse me levar para longe dos
problemas.
E então ela aparece.
Uma mulher linda e em todos esses dias que estou aqui em Preciosa
nunca vi uma mulher tão elegante e sofisticada.
Quase a atropelo com o cavalo e assim que ela abre a boca para me
ofender, um misto de sentimentos toma conta de mim, pois nunca nenhuma
mulher falou assim comigo antes.
Tenho a vontade de descer do cavalo e mostrar a ela quem é o xucro
e selvagem a quem ela chamou, mas ela simplesmente se afasta de forma
rápida subindo numa caminhonete de luxo e branca de doer os olhos saindo
dali em seguida.
O homem que dirige a caminhonete deve ser marido dela e pelo
visto um tremendo de um bunda-mole já que nem se deu ao trabalho de
abrir a boca ficando imóvel ao nosso lado, enquanto ela discutia comigo.
Ainda fico parado no mesmo lugar olhando a caminhonete se
afastar, as pessoas que pararam para ver a cena continuam a me olhar e eu
engulo em seco antes de me afastar, dessa vez devagar.
Ela é linda, mas o que tem de beleza, tem de arrogância.
Estou por um fio de vender a propriedade da minha família e ir
embora de vez desse lugar, mas agora estou tentado a ficar um pouco mais
de tempo por aqui e descobrir quem é essa mulher prepotente e que se acha
dona do mundo.
CAPÍTULO 02

Só depois que Ferreira passa pela porteira da fazenda com a


caminhonete é que minhas emoções se acalmam, pois é aqui que eu me
sinto em casa e consigo ser eu mesma.
― Deus! Como eu estava com saudade de casa ― exclamo abrindo
o sorriso.
― Mas a patroa só ficou fora três dias ― Ferreira comenta.
― Já foi para São Paulo, Ferreira?
― Nuuu... uma vez só pra nunca mais. ― Ele ri fazendo o sinal da
cruz em frente ao corpo.
― Então sabe do que eu estou falando ― digo apoiando o braço na
janela da caminhonete.
Já avisto o casarão colonial de dois andares onde moro e mal me
contenho em mim de felicidade ao ver Vera aparecer na porta, usando um
de seus tantos vestidos floridos que chegam até o chão.
― A madrinha Vera tava doida de saudade da sinhora ― Ferreira
fala olhando para a mulher mais incrível que eu já conheci nesse mundo
todo e que cuida de mim desde que nasci.
― E eu de saudades dela! ― exclamo saltando da caminhonete
assim que Ferreira a encosta em frente à casa. ― Oi, Verinha! ― Sorrio
subindo os degraus que levam até a varanda.
― Oi, menina! ― ela exclama feliz vindo até mim para me abraçar.
Acaricio seu rosto rechonchudo com as bochechas vermelhas e seus cabelos
já brancos. ― Fez boa viagem? Está mais magra ― comenta tocando em
meu rosto e braços com as mãos enrugadas.
― Fiz boa viagem e se estou mais magra é por saudade da sua
comida.
― Valha-me, Nossa Senhora, menina. Então passe direto para a
cozinha que eu acabei de passar um café fresquinho e tem uma fornada de
pão de queijo que está quase pronto.
― E pra um simples peão tem pão de queijo também, madrinha? ―
Ferreira pergunta colocando minha mala na varanda.
― É claro que tem, uai ― ela diz rindo com a mão na boca.
Nós rimos e a seguimos pela casa com nossos passos ecoando pelo
chão de madeira lustroso até a cozinha.
Assim que chegamos no cômodo, a porta dos fundos se abre e Josué
entra.
― Boa tarde, patroa ― ele diz retirando o chapéu de cowboy da
cabeça.
― Oi, Josué. ― Cruzo os braços. ― Por que não me ligou avisando
que os rapazes não iriam vir fazer a manutenção das máquinas?
― Se eu ligasse, iria abandonar tudo e voltar para casa.
Olho de soslaio para Ferreira que contém um sorriso, pois foi
exatamente o que ele me disse quando estávamos indo para a cidade.
― Eu poderia ter ligado para a oficina. ― Dou de ombros me
sentando à enorme mesa de madeira maciça que há na cozinha onde eu faço
questão de fazer as refeições durante os dias junto com Vera, Josué e
Ferreira, afilhado de Vera.
Ferreira e Josué se sentam rindo.
― Iria somente ligar para eles? ― Josué pergunta. ― Pois eu vi
quando o avião pousou horas atrás e você foi direto para a cidade só para
tirar satisfações cara a cara com o Milton.
― E acredita que eles não vieram só porque decidiram ir fazer a
manutenção do maquinário dos Castellamare?
Josué franze o cenho e me encara com os olhos azuis debaixo das
sobrancelhas espessas e douradas. O vejo engolir em seco e coçar a barba.
― Eu soube que o filho do velho Álvaro havia voltado, mas ...
também já sabíamos que os advogados estavam certos de que em breve a
venda da fazenda para você ia se concretizar... e agora essa de ele estar
arrumando o maquinário para a colheita...
― Acha que ele pode interferir e não aceitar a proposta? ―
pergunto antes de beber um gole de café preto que Vera me serve na xícara.
― Eu achei ele bem metido à besta ― Ferreira diz com a boca
cheia. ― Desses que parece que tem o rei na barriga. Encontramos com ele
na cidade hoje e ele quase atropelou a patroa com o Marechal, cavalo do
velho Álvaro.
― Jesus Cristo! ― Vera exclama assustada levando as mãos à boca.
― Mas como foi isso?
― Eu estava saindo da loja e ele estava andando pela rua montado
no cavalo correndo a toda velocidade. Não me atropelou por pouco.
― Ele nem desceu do cavalo pra ver se a patroa tava bem e ainda
fez piadinhas com ela ― Ferreira comenta, Josué e Vera me encaram
horrorizados. ― Eu ia tirar ele do cavalo e descer o braço, mas a patroa
colocou ele no lugar dele. Deu um sermão daqueles que a praça toda parou
pra ver.
― Se esse menino tiver puxado o pai... é mais um asqueroso que
teremos como vizinho ― Vera diz se servindo de mais uma xícara de café.
― Ele ficou anos fora... ― Josué fala ― viveu em São Paulo, me
parece que se casou com uma mulher lá... talvez tenha vindo só para vender
as terras dos Castellamare e volte para lá. E quanto à manutenção das
máquinas, vai ver quer deixar tudo arrumado para valorizar mais...
― Deus te ouça ― digo já sentindo a alegria de que em breve terei
minha fazenda aumentada consideravelmente.
― Eu conversei com peão que está cuidando da fazenda desde que o
velho bateu as botas e, ele me garantiu que o velho deixou um monte de
dívidas ― Josué fala.
― Como que pode uma fazenda daquele tamanho ser perdida em
dívida? ― Ferreira pergunta.
― Somente uma má administração causa isso ― falo.
― Depois que a dona Graça foi embora com o capataz e levou a
menina mais nova, o Álvaro enlouqueceu ― Vera comenta. ― Demitiu
todas as mulheres da fazenda, e largou nas mãos dos funcionários. Eu me
lembro que o menino era bem novinho, uns meses depois ele foi embora
para estudar e nunca mais voltou. Enquanto isso o Álvaro só torrava o
dinheiro. Saía de avião e só voltava semanas depois... enquanto isso a
fazenda sem ninguém para cuidar. O tempo foi passando e ele foi perdendo
as coisas, avião, caminhonete cara, a casa foi decaindo, funcionários que
não recebiam e iam embora... até que ele ficou doente e morreu meses
depois. E de tão ruim que o filho é que nem no velório do pai, ele veio. ―
Vera se levanta da mesa e vai até o armário de onde tira algumas panelas e
começa a dispor sobre o fogão a lenha. ― Seu pai foi no velório do Álvaro.
― Ela continua. ― Disse que tinha meia dúzia de gato pingado[1].
― O homem era tão ruim que no velório e enterro só foram o padre
e o coveiro ― Ferreira fala rindo.
― Para de rir dessas coisas, menino. ― Vera o repreende.
― Não tô mentindo, madrinha. E não é porque o infeliz morreu que
virou santo! ― Ele se levanta da mesa. ― Vou pro alojamento. Já está
quase anoitecendo e amanhã os mecânicos chegam cedo. O Milton mesmo
garantiu depois da pressão da patroa. ― Ele sorri e deixa a cozinha. ― Até
amanhã.
Ele sai e Josué cruza os braços e me encara.
― Fechou algum contrato no evento?
― Não. Apenas o mesmo de sempre, troca de experiências,
demonstrações de maquetes, protótipos de máquinas, palestras...
― Seu pai odiava esses eventos e sempre te mandava.
― Foi aí que eu peguei gosto pela coisa. ― Sorrio me levantando.
― Eu vou para meu quarto tomar um banho e trocar de roupas.
― Vai sim, menina ― Vera diz mexendo em seus vidros de
temperos ao lado do fogão. ― Vou começar a janta e vou preparar o
franguinho com quiabo que você tanto gosta.
― Obrigada, Vera. ― Agradeço e sorrio saindo da cozinha, mas
ainda escuto Josué dizendo que ficará para o jantar.
Caminho pelo longo corredor até a sala aconchegante e paro atrás do
sofá de couro marrom onde está o aparador com os porta-retratos com fotos
da minha infância junto com meu pai.
Numa delas estamos sorrindo para a câmera quando finalizamos
uma colheita muito proveitosa. Em outra foto estamos eu e Josué ao lado da
primeira colheitadeira que compramos.
Josué Montenegro começou a trabalhar para meu pai quando ainda
era adolescente. Ele era maltratado pelos pais e então perambulava pelas
fazendas da região buscando algum serviço em troca de comida. Meu pai
sempre foi um homem bom e logo se solidarizou com ele, então o contratou
para ser seu ajudante. Quando eu nasci, Josué já trabalhava aqui e era o
braço direito do meu pai.
Josué e eu fomos criados como irmãos e mesmo ele sendo o capataz
da fazenda, eu o respeito muito e ele a mim. Juntos temos uma forte ligação
de amizade e nos anos em que estive fora estudando, sempre mantivemos
contato.
Meu pai até quis que ele estudasse, mas Josué nunca quis. Terminou
somente o ensino médio com muita insistência do meu pai. Anos atrás, meu
pai deu a ele um pedaço de terra para que construísse uma casa e morasse
nela quando se casasse. Sorrio ao pensar que mesmo tendo uma casa aqui
na fazenda, Josué vive mais aqui no casarão do que lá, mas talvez isso
mude quando decidir se casar.
Pego outro porta-retrato na mão e nele estou sentada na varanda ao
lado de Vera, a mulher que tenho como mãe e que cuida de todos com
muito carinho.
Sorrio e deixo-o sobre o aparador e após suspirar, me encaminho
para a escada que leva ao segundo andar onde ficam os quartos.

DANTE
Bufo irritado ao saber por um dos poucos funcionários que ainda
estão por aqui que os mecânicos não virão amanhã continuar o trabalho da
manutenção no maquinário, pois irão até a fazenda vizinha.
― Então, ela chega em casa e os mecânicos correm para fazer o que
ela pede? ― pergunto irritado e o homem me olha dando de ombros.
― A dona Leão é bem exigente, patrão ― o homem diz apertando a
aba do chapéu com os dedos calejados. ― Tudo o que ela fala é lei aqui em
Preciosa.
Torço a boca e solto o ar pelo nariz.
― Típica mulher que sempre teve de tudo... deve pisotear sobre os
funcionários.
― Mas quem trabalha lá na Florescer diz que ela é muito boa...
― Claro. Devem ter medo de perder os empregos. ― Coço a cabeça
com raiva. ― Amanhã eu mesmo irei até lá para tirar satisfações e saber o
porquê de ela mandar e todos correrem para fazer.
O homem assente e se despede de mim indo até o galpão onde fica o
alojamento dos funcionários.
Entro em casa e bato a porta com raiva.
Um pedaço do reboco da parede cai no chão e eu solto um riso sem
humor.
― Ah, velho! Como deixou a casa chegar nesse estado?
Olho ao redor e há muita coisa a se fazer.
Sofá rasgado, paredes encardidas, cortinas puídas, tapete e chão
sujos...
Balanço a cabeça em negação e sigo até o quarto que era dele que
por incrível que pareça é um dos únicos que estava habitável, já que era
aqui que ele dormia.
Lembro que quando cheguei tudo estava sujo e empoeirado e levei
quase um dia inteiro para conseguir limpar. Joguei fora lençóis, cobertas e
cortinas velhas. Lavei o chão e o banheiro e somente quando a noite caiu é
que consegui deixá-lo limpo para que eu pudesse dormir.
O restante da casa está igual ao quarto. Tudo sujo e abandonado e na
cozinha tinha até galinhas, já que o vidro da janela estava quebrado.
Respiro fundo soltando o ar pela boca e me encaminho para o
banheiro pensando no confronto de amanhã com a herdeira do Leão.
Fiquei muito irado em saber que ela mandou que os mecânicos que
estavam aqui fossem até a fazenda dela.
Quem ela pensa que é? Só porque o marido morreu, pode assumir o
lugar dele? Se essa velha acha que pode conseguir tudo o que quer, está
redondamente enganada.
Ela não é tudo isso para simplesmente ordenar e todos obedecerem e
amanhã quando estiver cara a cara com ela, vou dizer umas boas verdades
já que ninguém nessa cidade é homem suficiente para isso.
CAPÍTULO 03

Levanto bem cedo todos os dias, mas excepcionalmente hoje pulei


da cama mais cedo do que o normal, tomei banho, me arrumei e ao me
olhar no espelho é Dante Castellamare quem surge na minha memória.
Mesmo sendo ridículo montado em seu cavalo, o idiota ainda é
incrivelmente bonito. As tatuagens subindo pelo seu braço me deixam
curiosa para saber até onde elas vão... será que ele tem mais desenhos
espalhados pelo corpo?
Meu Deus, Larissa! Que horror ficar pensando nesse arrogante!
― Você não pode se deixar levar por um rosto e corpo bonitos.
Dante Castellamare não presta e você não pode se sentir atraída por ele ―
digo para meu reflexo no espelho.
Já estava na cozinha quando Vera chegou usando o seu casaco de lã
todo colorido que comprei para ela na minha última viagem para a Europa.
Um sobretudo de cor preta com bolsos de cores diferentes e os botões
coloridos de formas geométricas.
Sorrio ao dar bom-dia a ela e me lembrar dela perguntando onde iria
usar um casaco tão elegante quanto aquele, já que só saía da fazenda para ir
à missa aos domingos.
Disse a ela que usasse aqui mesmo na fazenda e é exatamente isso
que ela fez. Usa-o todas as manhãs ao preparar o café da manhã para nós.
― Caiu da cama, Lari? ― ela pergunta enquanto começa a coar o
café.
― Sabe que eu fico ansiosa nessa época do ano... ― comento
olhando para fora pela janela da cozinha.
― Precisa se preocupar não, menina. Sabe que vai dar tudo certo.
Sempre deu...
― Eu sei, mas... algo me diz que essa colheita será diferente.
― E por quê?
― Porque teremos o filho do Castellamare como vizinho... e ele
parece ser bem difícil de lidar.
Vera gargalha atrás de mim enquanto coloca o café na garrafa
térmica. Isso me chama a atenção e lhe pergunto o porquê de ela estar rindo.
― Mais difícil do que lidar com você? ― Ela é sincera comigo. ―
Te conheci no dia em que você nasceu. Era só uma menininha chorona de
dar dó, mas... foi só crescer um pouquinho que já começou a mostrar o
porquê veio nesse mundão... batia de frente com seu pai, que Deus o
tenha... chegava a sair faísca quando vocês dois discutiam e sabe por quê?
― Não.
― Porque vocês dois eram iguaizinhos, Lari ― ela diz chegando
perto de mim com uma xícara de café nas mãos. ― Pensavam do mesmo
jeito, por isso sempre tinha arranca-rabo. ― Sorrio. ― Você tem a beleza da
sua mãe, mas o gênio forte é do seu Inácio. O homem que veio de baixo e
se tornou um dos maiores produtores de café desse Brasilzão. E você está
seguindo os passos dele. Acha mesmo que um Castellamare que apareceu
aqui ontem vai conseguir te dobrar, menina?
― Mas não vai mesmo! ― exclamo convicta e estufo o peito. ―
Meu pai foi um dos maiores produtores de café desse país e eu vou
continuar o que ele começou. E para que isso aconteça, preciso comprar a
fazenda Castellamare.
― Mas será que ele vai querer vender?
― É claro que vai. Ele nunca esteve nem aí para os negócios do pai
dele. Desde que foi embora quando ainda era jovem, nunca mais voltou. Se
transformou em um playboy metido e não vai querer se fixar aqui em
Preciosa.
― Mas e se ele quiser dar continuidade no que o velho deixou? ―
Vera pergunta e eu mordo o meu dedo de forma nervosa.
― Não vai. ― Afirmo. ― Vou oferecer dinheiro e ele vai vendê-la a
mim. Antes da colheita terminar a fazenda Castellamare vai ser minha ―
digo já profetizando, enquanto sinto o coração bater forte dentro do peito.

DANTE
Me levanto bem cedo antes mesmo do sol nascer e bufo irritado
depois de sair do banheiro e me vestir.
Quando morava em São Paulo, tinha tudo à mão. Um apartamento
de alto padrão, água quente, cafeteira, uma diarista que deixava tudo limpo
e organizado e, principalmente tinha restaurantes e fast-foods em todo lugar
que eu fosse e eles estavam a um toque de tela no meu celular e aqui? Bem,
faz exatamente uma semana que estou aqui e em todos esses dias tomei
banho em água morna para fria, estou me alimentando muito mal, vivendo
numa casa imunda e mesmo sendo filho de um dos maiores produtores de
café do país, não consegui tomar uma xícara de café que preste.
Ironia não é mesmo?
Rúbia rolaria no chão de tanto rir da minha desgraça e decadência,
já que nossas últimas conversas não foram nada boas e terminaram em
discussão.
Ao me lembrar dela, olho para meu celular juntando poeira sobre a
mesa de cabeceira e até sinto falta de escutar o toque insistente dele
avisando que ela está ligando pela milésima vez no dia apenas para
perturbar meu juízo.
Aqui na fazenda não tem internet, pois meu pai deixou de pagar a
rede e ela foi cortada. Fecho meus olhos por alguns segundos.
São tantas coisas para resolver!
As palavras do advogado me aconselhando a vender as terras me
vem à mente e, eu respiro fundo pensando se essa não seria mesmo uma
ótima opção para me ver livre de tudo isso. Com o dinheiro que sobraria
depois de pagar todas as dívidas, poderia ir embora daqui e me fixar em
qualquer lugar, podendo até ir embora do país.
Mas ao mesmo tempo que penso em me livrar da fazenda, penso em
meu bisavô que a comprou e com muito trabalho duro, a fez crescer sendo
sucedido pelo meu avô, que prosperou igualmente...
Respiro fundo e saio do quarto disposto a tentar.
É isso. Vou tentar até que todas as minhas chances se acabem.
Saio de casa sem tomar café já que cada vez que eu o passo, fica
parecendo uma água de batatas e o pão que comprei na cidade já acabou.
Pego meu chapéu, o coloco na cabeça e rumo para o estábulo onde encontro
um funcionário cuidando da alimentação dos cavalos.
― Dia, patrão.
― Bom dia. Sele o Marechal para mim, por favor.
― É para já.
Enquanto ele sela o animal, eu me afasto das baias e ando até a porta
do estábulo que dá para a plantação de pés de café. É lindo demais tudo
isso, sinto algo dentro de mim quando olho para as terras da minha família e
isso só reforça ainda mais o quanto estou disposto a lutar, para que a
fazenda tenha novamente seus dias de glória.
Após o cavalo estar com a sela, monto nele e saio galopando até a
fazenda vizinha disposto a confrontar a mulher que está atrapalhando meus
negócios.
Ao passar pela porteira da Florescer, percebo a diferença enorme
entre as propriedades. Aqui é tudo limpo, bem-organizado, muitos
funcionários ao redor da propriedade mesmo sendo bem cedo e, eu me
admiro com a organização de tudo.
O cavalo anda mais devagar ao se aproximar do casarão majestoso e
na varanda vejo uma mulher mais velha usando um vestido florido e um
coque no alto da cabeça cantarolando uma música antiga, enquanto rega um
vaso de plantas.
― Bom dia ― digo para que ela perceba a minha presença.
Ela se vira sorrindo e o sorriso morre em sua boca. Um mau sinal.
― Bom dia ― ela responde educadamente, coloca o regador sobre o
banco de madeira que há na varanda e espera que eu fale.
Limpo a garganta antes de continuar.
― Eu vim falar com a senhora Leão...
― Ah, que pena, ela saiu agorinha...
― E onde ela foi?
― Foi no galpão onde ficam as máquinas... ― aponta com a mão
para o lado e ao longe vejo o tal galpão que ela falou. ― Eu posso pedir
para que um dos meninos vá chamar ela, se o senhor quiser esperar aqui.
― Não. Eu vou até lá ― digo. ― Obrigado.
― Disponha ― ela diz baixinho e cruza os braços na frente do
peito.
Olho mais uma vez para a varanda de piso bruto e brilhante e a
escada de piso igual e não posso deixar de observar nas flores bem cuidadas
do pequeno jardim em frente à casa.
A mulher pode até ser arrogante, mas tem bom gosto já que tanto a
propriedade quanto o casarão estão muito bem cuidados.
Guio o cavalo pela estrada de pedras bem conservada e assim que
me aproximo, já vejo a caminhonete da oficina da cidade e os mesmos
rapazes que estavam em minha fazenda ontem, estão trabalhando em uma
das colheitadeiras que está no galpão.
― Bom dia ― digo alto e alguns deles me olham, mas outros nem
se viram para me ver. ― Eu quero falar com a senhora Leão.
Uma mulher sai de trás da máquina e olha na minha direção. Ela
tem um chapéu na cabeça que cobre parte do seu rosto, usa jeans, botas e
camisa de flanela. Suas roupas simples são iguais a da maioria dos
funcionários e, eu imagino que ela deva ser assistente ou algo assim da
herdeira Leão.
― Pois, não? ― ela diz e eu franzo minhas sobrancelhas, eu já a vi
antes, mas onde?
― Eu vim para falar com a senhora Leão ― repito e com o canto do
olho percebo um dos peões se aproximar da mulher e se posicionar ao lado
dela.
Ela olha para o homem sem entender, depois olha ao redor para
todos que estão parados assistindo à cena e volta a me encarar.
― Sou eu ― ela diz levantando a aba do seu chapéu para que eu
tenha uma visão clara do seu rosto. ― Larissa Leão.
Puta merda!
Aperto o cabresto em minhas mãos até meus dedos doerem me
trazendo de volta à realidade.
Não pode ser!
É a mulher com quem eu me encontrei na praça.
Agora ela não está usando seu vestido e seus sapatos de salto alto,
mas ainda assim está linda e usando roupas comuns de dia a dia, meus olhos
insistem em se fixar nela. Ela tinha mesmo que ser a herdeira Leão?!
Um pouco mais adiante vejo o homem que estava com ela ontem e,
a caminhonete branca estacionada no canto do galpão.
Respiro fundo tentando me segurar para não rir desse destino filho
da puta que está zombando da minha cara e limpo a garganta.
― E então? ― ela pergunta. ― No que posso ajudá-lo?
Toda educadinha. Nem parece a mesma mulher que me passou um
sermão ontem, na frente de praticamente toda a cidade.
― Eu quero conversar com você... em particular.
― Claro ― ela diz e olha para o homem ao seu lado. ― Cuida de
tudo aqui enquanto converso com o senhor Castellamare. ― O homem
assente e ela caminha na minha direção.
Ela me conhece?
Larissa faz um sinal para que eu a siga e quando coloco o cavalo em
movimento, ela para e me encara.
― Pode deixar o cavalo aqui mesmo. Um dos rapazes irá cuidar
dele. ― Sua voz é calma e doce e, eu contenho o riso ao descer do cavalo.
Com ela falando assim, nem parece a mesma de ontem, que só
faltou me arrancar do cavalo com as próprias mãos.
― Então me conhece? ― pergunto andando ao seu lado na direção
do casarão.
― É claro ― ela afirma. ― Conheço todos aqui em Preciosa e fica
fácil conhecer cada pessoa que chega.
― Como sabia quem eu era?
Ela respira fundo.
― Fui informada que você havia chegado na cidade e estava na
fazenda do seu pai. E eu te conheço desde quando ainda estudávamos na
mesma escola.
― Estudamos juntos? ― pergunto achando estranho, pois não me
lembro dela.
― Na mesma escola, mas em séries diferentes... ― chegamos em
frente ao casarão e ela faz sinal com a mão para que eu prossiga.
― Eu não me lembro de você ― digo chegando à varanda.
Ela morde o canto da boca e me encara.
― Você tinha outras prioridades na época ― ela diz tirando o
chapéu da sua cabeça e entra em casa me convidando para entrar. ―
Verinha? ― Ela chama por alguém e logo a mesma mulher que me recebeu
quando cheguei aparece. ― Pode levar uma bandeja com café até o
escritório, por favor? Eu vou conversar com o senhor Castellamare.
― Claro que sim, querida ― a mulher diz com um sorriso amável
no rosto, mas igual da outra vez, ele morre ao olhar para mim. Seu olhar me
percorre de cima a baixo antes de ela se virar e voltar para onde imagino
que seja a cozinha.
Larissa remexe os fios do seu cabelo para que eles se ajeitem e passa
por mim deixando um rastro de perfume doce e marcante. Engulo em seco
quando meu pau pulsa ao vê-la se movimentar pela casa. Enquanto eu a
sigo, procuro observar a decoração da casa me distraindo e tentando
acalmar meu pau traiçoeiro. Noto o chão de madeira brilhando, sofás de
couro, mesa de centro de madeira polida e cortinas de renda nas janelas de
madeira.
Entramos no escritório e ela se encaminha para trás da mesa de
madeira escura onde se senta em uma cadeira imponente de couro preto e
aponta para a cadeira almofadada e confortável a minha frente.
― O que quis dizer com “eu tinha outras prioridades na época” ―
pergunto curioso.
Larissa leva o polegar à boca e o prende entre os dentes.
― Me desculpe... ― ela diz colocando as mãos pequenas sobre a
mesa ― eu não quis ser indelicada. ― Limpa a garganta. ― Me referi à
época em que sua mãe foi embora, a cidade toda só falava disso e quase
todos os dias você brigava com um ou outro menino na escola.
Baixo a cabeça e encaro minhas botas. Engulo em seco e penso que
ela irá fazer um comentário ácido sobre minha mãe ter fugido com o
capataz da fazenda do meu pai, mas ao olhar em seus olhos novamente, não
é isso que vejo.
― Eu sinto muito ― ela diz me parecendo sincera.
― Eu não preciso da sua falsa piedade ― digo e ela parece se
assustar com minhas palavras. ― Não precisa fingir que se compadece com
a minha história. Sei bem como você age. ― Ela franze as sobrancelhas. ―
Na frente dos seus empregados é toda delicadinha, boazinha e de fala
mansa, mas longe deles mostra quem realmente é. Uma mulher arrogante,
mesquinha e que acha que o dinheiro pode comprar tudo, mas a mim você
não me engana Larissa Leão.
― Baixe o tom para falar comigo, pois, além de estar sendo mal-
educado, você ainda está na minha casa e não pode chegar aqui e me
ofender! ― Ela se levanta da sua cadeira e fica em pé com as mãos
apoiadas na mesa. ― O que eu lhe fiz para que viesse até aqui e me dissesse
essas palavras?
― Está tentando comprar a minha fazenda, mas vou logo avisando,
no que depender de mim, não irá conseguir! Pode parar com esses seus
joguinhos de poder, tentando comprar todo mundo, pois nem todos aqui de
Preciosa fazem o que você manda.
― Do que está falando?
― Conheço o seu tipo. ― Aponto o dedo para ela. ― Acha que é só
abanar um leque de dinheiro para que corram para fazer o que pede, como
fez com os mecânicos da oficina da cidade. Eles estavam trabalhando para
mim, mas foi só a poderosa baronesa do café chegar, para que eles
largassem o que estavam fazendo lá e corressem para a sua fazenda.
― Saia já da minha casa! ― ela diz em voz alta e eu me levanto. ―
Se colocar os pés aqui novamente irá se arrepender!
― Vai fazer o quê? ― Cruzo os braços enfrentando-a. ― Mandar
um dos seus empregados me tirar daqui a pontapés?
― Não ouviu o que ela falou? ― Uma voz masculina e bastante
irada surge atrás de mim. ― O que deu na sua cabeça ao entrar aqui e
agredi-la com palavras desse jeito?
Engulo em seco quando o homem visivelmente transtornado vem
até mim e me agarra pelo colarinho da camisa. Seguro seus punhos tentando
me livrar dele, mas então ele começa a me arrastar para fora do escritório,
enquanto eu tento lutar contra ele.
― Me solte! ― digo, mas ele só faz isso quando estamos na
varanda onde cambaleio para trás quase caindo escada abaixo.
― Suma daqui seu playboy metido à besta e nunca mais se atreva a
pôr os pés aqui de novo. Entendeu?
― Isso não vai ficar assim ― grito apontando o dedo na direção
dela que ainda me encara assustada praticamente escondida atrás do
homem. ― Você vai se arrepender de ter feito isso!
Bufo irritado e desço as escadas indo até meu cavalo que bebe água
num balde de metal que foi servido a ele.
Desamarro a corda que o prende à cerca e monto nele na velocidade
da luz saindo o mais depressa dali.
Mesmo sem a conhecer eu sabia exatamente como ela era e pelo
visto não me enganei a seu respeito.
Se prepare Larissa Leão, se é briga que quer, é briga que terá!
CAPÍTULO 04

Ainda estou tremendo enquanto vejo Dante se afastar com o cavalo


do casarão.
― Mas o que foi que deu nele? ― Vera pergunta se aproximando de
mim e tocando em meu braço.
― Eu não sei... ― digo com sinceridade.
― Sobre o que ele queria conversar com você? ― Josué pergunta
me encarando.
― Ele não disse nada, apenas entramos e eu comentei que havíamos
estudado na mesma escola... ele disse que não se lembrava de mim, então
comentei que foi na mesma época em que a mãe dele havia ido embora... a
cidade só falava disso e ele brigava com os meninos na escola porque eles
faziam comentários a respeito... então ele simplesmente surtou. Saiu me
acusando de ser falsa, disse que na frente dos meus funcionários sou uma e
por trás sou outra e falou que uso meu dinheiro para que as pessoas façam
as coisas para mim.
― Diacho de homem mais louco! ― Vera solta uma expressão.
― E finalizou dizendo que nunca venderá a fazenda para mim.
― É mesmo igualzinho o pai dele! ― Josué finaliza. ― Você está
bem? ― Me lança um olhar preocupado.
― Sim. ― Afirmo e seus olhos azuis se suavizam. ― Já enfrentei
todo tipo de homem nos negócios e não vai ser um Castellamare que me
desestabilizará. ― Afirmo respirando fundo. ― Ele ainda vai se arrepender
de tudo o que disse para mim e me pedirá desculpas.
― Do jeito que o playboy é metido, o inferno congela antes que ele
faça isso. ― Josué solta de bom humor.
― Você vai ver, Josué. E ele ainda vai me pedir desculpas na frente
de toda a cidade.
Um sorriso brota na boca do meu capataz e ele esfrega as mãos.
― Pois espero estar junto quando isso acontecer ― ele diz e Vera dá
risada. ― Imagine, Vera, o playboyzinho do Castellamare pedindo desculpa
para a patroinha?
Os dois riem, mas eu fico séria olhando para a plantação de café a
nossa frente... ah, Dante Castellamare, você não devia me provocar desse
jeito, sem antes saber que eu não fujo de uma boa briga.

DANTE
Depois de andar com Marechal por quase toda Preciosa tentando me
acalmar em vão, desço do cavalo em frente à loja responsável pela venda e
manutenção das máquinas colheitadeiras de café e procuro pelo gerente.
― Bom dia, senhor Castellamare...
O tal Milton vem falar comigo todo sorridente e a minha vontade é
de dizer umas verdades na cara dele, mas por fim me controlo.
― Bom dia, Milton ― respondo. ― Eu vim até aqui para saber o
porquê que os mecânicos não foram trabalhar hoje na minha fazenda.
― Eles foram na fazenda Florescer hoje, senhor.
― Quero fazer mais uma pergunta, Milton.
― Diga, senhor. ― Ele se aproxima um pouco mais de mim e passa
a mão pelo cabelo loiro coberto de gel.
― O dinheiro da senhora Leão vale mais do que o meu? ― Seu
rosto fica pálido e ele claramente fica desconcertado e começa a gaguejar
procurando por uma resposta.
― De forma alguma, senhor Castellamare... é que a nossa loja tem
um contrato com a fazenda Florescer, desde quando o senhor Leão ainda era
vivo... o contrato é que nós prestaremos toda a manutenção antes das
colheitas de café na fazenda e eles compram as máquinas e os acessórios
conosco como se fosse um contrato de fidelidade, entende?
― E quanto as outras fazendas que também compram com vocês?
Eles também precisam de assistência, não?
― Sim... é que... veja bem, senhor, nós estamos com pouca mão de
obra aqui na oficina e como a colheita se aproxima, estamos tentando dar
conta de tudo sozinhos...
― E por que não contratam mais pessoas? Agora deixaram de ir
trabalhar para mim para irem até a fazenda vizinha, e amanhã? Irão para
onde?
― Os mecânicos trabalharão até terminar o serviço na fazenda da
senhora Leão e assim que isso acontecer, eles voltarão até a fazenda do
senhor para finalizar o que eles começaram.
Lembro de ter visto maquinário somente da loja de Milton na
fazenda Florescer e agora vejo o porquê dessa fidelidade deles com a
Larissa.
― Meu pai comprava de outras marcas também, não é?
― Sim, senhor.
― E diante disso não tinham um contrato de fidelidade?
― Isso mesmo ― ele diz meio envergonhado.
― Entendi. ― Afirmo com a cabeça e ele sorri sem jeito. ― Tudo
bem, Milton. Vou aguardar o pessoal lá na fazenda amanhã.
Ele concorda e eu me afasto. Minha barriga ronca de fome e eu me
volto para ele.
― Sabe onde tem um bom restaurante aqui na cidade?
― Tem o restaurante na estrada na saída da cidade apenas, senhor.
― Sabe se eles fazem serviço de entrega?
― Entrega?
― Delivery, nas fazendas...
― Ah, não. Não fazem, senhor.
― Tudo bem, então. Obrigado, Milton.
Saio da loja com mais raiva do que quando entrei.
A maldita tem um contrato de exclusividade com a loja que fornece
implementos agrícolas aqui de Preciosa.
De todo jeito ela tem a cidade nas mãos.
Cerro meus punhos ao lembrar que ela usou a minha mãe para me
desestabilizar e, fico ainda mais irado ao me lembrar dela.
Tiro meu chapéu e coço a cabeça ao atravessar a rua.
Paro por um instante em frente a praça e vejo o pipoqueiro
entregando pipoca às crianças e suas mães. Ele não recebe quando entrega o
alimento e isso de certo modo me deixa curioso.
Me aproximo lentamente e vejo que ele já é um senhor de idade, usa
roupas simples, sandálias de couro nos pés e tem a pele bronzeada.
Sorridente, puxa conversa com as crianças e elas parecem gostar dele.
― Aceita uma pipoquinha, senhor? ― ele pergunta para mim e eu
aceito já que estou morrendo de fome.
― Sim. ― Me aproximo dele um pouco mais e assim que ele me
entrega o pacote de pipoca vejo que ele me reconhece, pois solta um sorriso
mostrando um dente de ouro.
― Como vai, Dante?
― O senhor me conhece?
― Todo mundo conhece todo mundo aqui em Preciosa.
― Isso eu percebi ― digo ranzinza enquanto como a pipoca que por
sinal está muito gostosa.
Mais uma criança chega, pega pipoca e sai correndo na direção da
mãe.
― O senhor cobra por mês das crianças? ― pergunto por
curiosidade.
― Não entendi.
― Estou aqui há um tempo observando e vi as crianças vindo,
pegam a pipoca e não lhe pagam... o senhor vende por um preço fixo por
mês ou algo assim?
― Ah, não. ― Ele ri com gosto. ― Eu não cobro as pipocas.
― E por que não?
― Faço porque gosto. ― Franzo as minhas sobrancelhas. ― Eu
trabalhava nas fazendas da região... e acabei indo trabalhar para o seu
Inácio, que Deus o tenha. Ele me deu um terreno e me aposentou já tem
quase dez anos. Pra não ficar sem fazer nada, comprei esse carrinho de
pipoca e passo os dias aqui enquanto a muié fica em casa. Ela faz pão, bolo
e biscoitos para vender. ― Aponta uma cesta sobre um banco de madeira ao
lado do carrinho de pipoca onde há pães e pacotes com biscoitos que fazem
a minha boca salivar. ― Mas fazemos mais pra passar o tempo mesmo,
sabe?
― Entendi.
― Aceita mais um saquinho? ― ele pergunta ao perceber que eu já
comi toda a pipoca que ele me deu e me entrega mais um saquinho de
pipoca.
― Obrigado. ― Limpo a garganta. ― Qual é o nome do senhor?
― José da Silva ― ele responde orgulhoso.
― Então, o senhor trabalhou na fazenda do Inácio Leão?
― Por muitos anos. ― Ele sorri. ― Seu Inácio foi o melhor homem
que já pisou nessa terra. Pense num homem bom. E a menina dele? Uma
moça bonita, estudada, querida que só... ela sempre vem aqui comer pipoca
e conversar comigo, nem que seja por uns minutinhos. Formei meus três
filhos trabalhando na Florescer.
Engulo em seco ao ouvir ele tecer elogios para os Leão.
Eles são muito bem-vistos pela cidade de Preciosa e, todos têm algo
de bom a falar deles.
― O senhor entende de café, então... ― constato e ele ri.
― Nasci e me criei plantando e colhendo café. Se tem alguém que
conhece de café em Preciosa sou eu ― ele diz orgulhoso e eu sorrio.
― Eu acho que o senhor ouviu por aí que eu vim para assumir a
fazenda do meu pai. ― Ele fica em silêncio como se estivesse me
estudando.
― E tem coisa pro senhor fazer lá, hein?! ― Ele solta a
exclamação.
― Acha que eu consigo, seu José?
― Depende... ― me olha no fundo dos meus olhos ― o que o
senhor quer fazer com a Castellamare?
Respiro fundo e penso que estava prestes a vendê-la para Larissa
Leão, mas depois da discussão de hoje, ela não terá as minhas terras e então
sou sincero.
― Quero que ela volte a ser como era antes de meu pai afundá-la.
Seu sorriso é verdadeiro.
― Ela não tá afundada não, senhor Dante. Tá só descuidada. Precisa
de alguém que cuide dela.
Me aproximo mais dele.
― Ela tem muitas dívidas.
― Mas também tem muito pé de café. ― Ele solta o ar. ― Eu
trabalhei pro seu avô por muitos anos... ainda era menino. Conheço bem a
Castellamare e me desculpe se estiver sendo grosso com o senhor, mas a
fazenda só está assim por má administração do seu pai.
― Eu vim disposto a vendê-la...
― Venda não, seu Dante. O senhor consegue levantar ela e
rapidinho...
Respiro fundo e solto o ar pela boca.
Seu José parece ser um homem bom, trabalhou para meu avô e com
certeza conheceu bem meu pai, pois ele mesmo disse que meu pai não
soube administrar o que era dele e ainda assim está sendo gentil comigo.
― Eu sei tudo de administração, mas não entendo nada de café. ―
Solto e seus olhos brilham de forma diferente.
― Mas eu entendo. ― Ele ri. ― E se quiser a minha ajuda... faço
muito gosto em ajudar o senhor.
― Eu não tenho dinheiro para lhe pagar...
― Não tô pedindo dinheiro seu Dante... ― ele parece ofendido ―
só quero ajudar. O senhor não está mais em São Paulo, a terra que nunca
para. Aqui todos são unidos e ajudamos os nossos. Por ter ficado anos fora,
o senhor desaprendeu, mas... aqui em Preciosa levamos a sério o ditado de
“fazer o bem sem olhar a quem”. ― Ele ri e eu o acompanho.
Pela primeira vez desde que coloquei meus pés em Preciosa
novamente, sinto minhas forças se renovarem e uma ponta de esperança de
que logo tudo ficará bem, pois conseguirei reerguer a fazenda.
CAPÍTULO 05

Depois de conversar por mais de uma hora com o seu José, volto
para a fazenda e simplesmente espero, pois ele me garantiu que me faria
uma visita a fim de conversarmos como deveremos agir de agora em diante.
Suspiro irritado ao parar na varanda onde coloco as mãos na cintura
e olho ao redor para a bagunça que está a propriedade. Completamente
diferente da fazenda vizinha onde tudo é limpo e organizado.
E ao lembrar da vizinha, lembro dela levando o polegar até a boca e
o mordendo.
― Puta que pariu! Tinha que ser tão gostosa? ― Solto o ar irritado e
entro em casa.
Tento ajeitar como posso a bagunça da sala juntando papéis velhos,
varrendo a sujeira e minutos depois ouço o barulho de um carro chegando.
Saio na varanda para ver quem é, e vejo uma caminhonete antiga
estacionando em frente à casa de onde descem seu José e uma senhorinha
que eu imagino que seja a sua esposa.
Ele sorri para mim e olha ao redor com a mão na cintura. Respiro
fundo envergonhado em receber ele e a esposa com a casa e, a propriedade
nesse estado deplorável.
Seu José caminha até os degraus da varanda e a mulher o
acompanha, assim que eles sobem os degraus e ficam a minha frente, seu
José a apresenta para mim.
― Seu Dante, essa é Esmeralda, minha muié. ― Ela sorri e estende
a mão para mim.
A cumprimento e então os convido para entrar.
― Bem, meu pai deixou a casa numa situação um tanto caótica e
estou tentando ajeitar como posso com o meu tempo livre, entendem?
― Claro que sim, meu fio... ― dona Esmeralda diz passando por
mim e entrando na casa ― nem se preocupe.
Quando passo pela porta a vejo com um terço numa das mãos e
passando a outra pela parede enquanto anda pela sala. Da parede ela vai
para o sofá e continua a andar pelo cômodo e a passar as mãos pelos
móveis.
― ... Santa Maria mãe de Deus, rogai por nós pecadores...
― Ela faz parte do grupo das senhoras que se reúnem toda semana
para rezarem o terço... ― seu José me explica ― aonde ela vai, ela leva
junto e reza.
Observo a senhorinha de pele morena, magrinha e baixinha andando
por minha casa e sorrio. Ela usa um vestido florido pouco abaixo do joelho,
sapatilhas nos pés e um lenço na cabeça que esconde quase todo o seu
cabelo já branco.
― Eu nem me lembro qual foi a última vez que ouvi alguém
rezando...
― O senhor se importa?
― De forma alguma, seu José ― digo e olho em seus olhos. ― É
bom que alguém faça isso aqui em casa, assim deve espantar a energia
negativa que meu pai deixou.
Comento e ele concorda comigo.
― Vamos lá ver seus pés de café e o que podemos fazer para
começar? ― ele pergunta e eu assinto.
Deixamos dona Esmeralda em minha casa e saímos em direção ao
galpão com o teto quase caindo em cima das máquinas. Respiro fundo e
fecho meus olhos por alguns segundos.
― Mas o senhor tem bastante maquinário, que nem vai ser usado,
senhor Dante ― Seu José comenta. ― Por que não vende esses e fica só
com as colheitadeiras mais novas?
― Mas não será preciso as outras máquinas?
― Não... o senhor pode ficar só com essa mais nova. ― Ele aponta
para uma colheitadeira. ― Assim terá que fazer uma manutenção só e as
outras o senhor pode vender e juntar um dinheiro...
Pode funcionar, penso.
― E onde eu as venderia? ― pergunto, pois aqui todos têm seus
próprios maquinários.
― Coloca nessa internet que o povo fala. Lá vende de tudo, fruta,
grãos e até galinha... acho que vende rapidinho umas máquinas dessas.
Sorrio com a simplicidade de seu José e mesmo sendo um homem
humilde, é sincero, verdadeiro e disposto a tudo para me ajudar.
― Eu vim pensando no caminho para cá e então me dei conta... por
que o senhor não vende o seu café um pouco mais barato para os grandes
produtores? ― Ele continua.
― Mas eu poderia lucrar mais se o vendesse direto, não?
― Sim... mas o senhor tem que ver se os clientes ainda são os
mesmos que seu pai tinha. Tem que se reunir com produtores, se inteirar
dos assuntos e preços do mercado... bem, se o senhor quiser meu conselho...
conserta a máquina mais nova e colha os grãos... venda eles mais barato e
com venda garantida para os grandes produtores. Enquanto isso vende as
outras máquinas, e com o dinheiro paga um tanto das suas dívidas, e assim
o senhor vai se reerguer rapidinho.
Engulo em seco com medo do novo e olho ao redor pensando em
tudo o que ele me falou.
Por fim dou de ombros e o encaro.
― Vamos tentar então, seu José ― digo e ele sorri tocando em meu
ombro.
Ao voltarmos para casa, sinto um cheiro de comida sendo preparada
assim que passamos pela porta da entrada.
― Sabia que minha véia tava preparando uma comidinha caseira. ―
Seu José comenta enquanto seguimos para a cozinha.
― Ah, ocês voltaram. ― Dona Esmeralda comenta olhando por
cima do ombro quando entramos na cozinha. ― Seu Dante, revirei seus
armários e não encontrei nada que estivesse bom. Joguei tudo fora e já
limpei tudo. A maioria das coisas foi pro lixo. Ainda bem que eu trouxe
uma comidinha lá de casa. O Zé disse que tem bastante coisa pra fazer aqui
na fazenda, então trouxe comida pronta, porque saco vazio não para em pé,
não é? ― Ela sorri e eu acompanho.
Engulo o nó que se forma em minha garganta ao tê-los aqui fazendo
tudo isso por um completo estranho.
― Obrigado ― digo olhando de um para o outro. ― Muito
obrigado por tudo o que estão fazendo aqui.
― O senhor chegou aqui perdido, seu Dante ― seu José diz. ― Mas
nós vamos ajudar o senhor a se encontrar.
Respiro fundo totalmente agradecido por eles estarem fazendo tudo
isso por mim e, agora mais do que nunca sei que vou conseguir o que quero.

LARISSA
Já é quase noite e a manutenção está quase no fim.
― É, vai precisar de mais um cilindro de gás para a solda. ― Um
dos mecânicos diz.
― Vou pegar na caminhonete. ― Ele sai do galpão e volta segundos
depois.
― Hein, chefe, duas notícias ruins. ― Olhamos todos para ele. ―
Tem um pneu furado e não tem um cilindro de gás para a solda.
― Certo, troquem o pneu e busquem o cilindro na oficina.
― Eu ia fazer isso, mas estamos sem estepe.
― Mas e onde está o estepe?
Eles se entreolham e um deles coça a cabeça.
― Eu acho que foi tirado para colocar a máquina de solda...
― E não foi colocado de novo? ― Outro mecânico fala.
― É que era muita coisa para colocar na caçamba e...
― E agora, o que fazemos?
Observo a pequena discussão entre eles e limpo a garganta.
― Eu posso levá-los até a cidade ― digo e Josué olha para mim.
― Eu levo, patroa.
― Você fica e ajuda no que pode, enquanto vamos rápido. É só
pegarmos o estepe e o cilindro de gás, enquanto isso vocês podem adiantar
outra coisa. Já está ficando tarde e assim terminamos as manutenções ainda
hoje.
Josué solta o ar e apenas concorda.
Sigo com um dos mecânicos até a minha caminhonete e segundos
depois, estamos deixando a fazenda.
Em um curto espaço de tempo chegamos em frente à oficina e
enquanto o rapaz desce e corre para lá, eu fico esperando na caminhonete.
Ele volta segundos depois com o semblante preocupado.
― Senhora Leão, vai demorar um pouco, estão enchendo o cilindro
de gás.
― Não tem problema ― digo. ― Enquanto isso vou ali no mercado
conversar com a Amanda.
― Quando ficar pronto, vou lá chamar a senhora.
Sorrio e desço da caminhonete. Atravesso a praça, cumprimento um
ou outro morador que está por ali e entro no mercado procurando pela
Amanda que trabalha no caixa. Ela estava grávida e a data do parto estava
próxima.
Ao entrar no mercado o proprietário vem ao meu encontro e me
informa que Amanda teve o bebê e está em casa de licença maternidade.
Fico feliz em saber que correu tudo bem e que ambos estão em casa e como
ela não está aqui, decido andar pelos corredores do estabelecimento. Ficar
sem fazer nada me deixa entediada e andando talvez o tempo passe mais
rápido.
Ao virar no corredor das bebidas, distraída observando rótulos, me
choco com um corpo alto e forte e por pouco não caio de bunda no chão já
que o homem estava vindo rápido na direção contrária. Por sorte ele me
segura firme em seus braços.
― Me desculpe... ― digo, mas ao levantar meus olhos, cruzo com
Dante Castellamare.
― Olha só, se não é a poderosa baronesa do café fazendo compras
no mercado da cidade ― ele diz de forma ácida e eu me solto dos seus
braços. ― Pensei que mandasse seus funcionários fazerem compras para
você, enquanto ficasse somente ditando ordens em seu trono.
Abro a boca para retrucar, mas sei que ele não merece um segundo
do meu tempo já que sempre vai ter algo de ruim a falar ao meu respeito,
então por fim decido sair dali e deixá-lo sozinho com a sua amargura.
Ao me virar para sair, ele segura meu braço e me puxa para ele.
― Não vai retrucar? ― pergunta olhando em meus olhos. ― Pensei
que tivesse a língua afiada para me ofender, mas pelo visto gosta de fazer
isso somente quando tem plateia.
― Me solte! ― digo entredentes e ele continua segurando
firmemente em meu braço. ― Me diga o que eu te fiz para que seja tão rude
comigo?
Ele apenas continua me encarando e desce o olhar para a minha
boca. Minhas pernas fraquejam e eu me seguro nele, pois o ar aqui fica
denso demais e difícil de respirar com ele me encarando assim.
Minha respiração acelera e seu toque em meu braço queima a minha
pele.
Dante se aproxima ficando a centímetros do meu rosto e quando
entreabro meus lábios, ele desce os seus e então me beija.
O seu beijo é quente e úmido e sua língua explora a minha boca de
forma sensual. Minhas mãos seguram firme em sua camiseta, enquanto as
suas rodeiam meu corpo e me puxam ainda mais para ele. O beijo se torna
mais profundo em questão de segundos, como se fosse a mais pura reação
de gasolina sendo jogada no fogo.
Dante desliza a mão por minhas costas na direção da minha bunda e
a aperta de forma descarada. Subo a mão por seu peito e pescoço chegando
em seguida até seu cabelo e por debaixo do chapéu, pego uma porção dos
fios sedosos em minhas mãos e puxo. Dante ri e geme com meu gesto e eu
sinto minha boceta pulsar ao ouvir seu gemido rouco no meio do nosso
beijo.
Esquecemos completamente onde estamos e só saio do meu transe
de puro desejo e luxúria, quando ele me encosta na prateleira e ela se move
para trás fazendo com que várias garrafas caiam no chão num barulho
estrondoso.
Abro meus olhos assustada e o empurro. Nos afastamos e nos
encaramos com a respiração acelerada. No corredor aparecem algumas
pessoas e eu engulo em seco.
Será que alguém nos viu?
― O que aconteceu, senhora Leão? ― O rapaz com a camiseta com
a logo do mercado chega até onde estou e eu umedeço meus lábios sem
saber o que dizer.
― Eu... é... ― Limpo a garganta ― esbarrei sem querer na
prateleira e ela acabou caindo ― digo e quando olho para Dante, vejo ele se
divertindo com a situação enquanto tem as mãos à frente do corpo
escondendo o volume em sua calça.
Meu rosto queima de vergonha em quase ser pega aos beijos com
um homem que está visivelmente excitado nos corredores do mercado.
― Deve ter baixado a sua pressão, senhora Leão ― Dante diz e
todos me encaram. O fuzilo com os olhos sem perceber que ele está
zombando da minha cara.
― Está tudo bem, senhora? ― Uma mulher pergunta.
― Si... sim ― digo gaguejando.
― Mas que prejuízo! ― Ouço um senhor de idade dizer baixinho e
engulo em seco.
― Eu pago! ― digo tentando sair daqui o mais depressa possível.
― Podemos ir até o caixa e...
― Tudo bem. Não se preocupe... ― O funcionário diz olhando de
mim para Dante. ― Eu vou pedir para alguém limpar aqui e, a senhora
pode me acompanhar...
― Claro ― digo o seguindo rapidamente pelo corredor, mas antes
de sumir de vista, olho para trás e Dante está parado no mesmo lugar me
olhando ir embora. A minha vontade é de dizer umas boas para ele, mas se
eu fizer isso, o mercado inteiro ficará sabendo sobre o beijo.
Depois de pagar pelas garrafas de bebidas que quebrei, me desculpo
com o pessoal do mercado e saio de lá a tempo de ver o mecânico
colocando o estepe e o cilindro de gás na caçamba da caminhonete.
― Podemos ir? ― pergunto a ele quando me aproximo.
― Sim, senhora. ― Ele limpa as mãos na calça e eu sigo para o lado
do motorista onde subo e espero que ele entre, para que possamos voltar
para a fazenda.
CAPÍTULO 06

Conforme dirijo de volta para a fazenda, ainda sinto o gosto dos


lábios de Dante nos meus e seu perfume impregnado em minha roupa.
Mas que merda, Larissa! Tinha mesmo que cair na tentação de beijar
aquele idiota? Me repreendo mentalmente e bufo irritada.
― A gente termina hoje, senhora... fique tranquila. ― O homem ao
meu lado na caminhonete diz como se estivesse testando o terreno e só
então é que me dou conta de que ele pensa que estou brava por causa do
atraso na manutenção das máquinas.
― Tudo bem... ― sorrio disfarçadamente ― acontece, não é?
Ele concorda e então seguimos adiante.
Assim que chegamos na fazenda, deixo a caminhonete no galpão,
me despeço de todos e sigo para casa.
― Aconteceu alguma coisa, Lari? ― Josué aparece do meu lado
durante o trajeto.
― Não. Está tudo bem. ― Afirmo e forço um sorriso.
― Deixa de ser mentirosa! ― Rio, pois Josué me conhece. ― O que
aconteceu?
― Dante Castellamare aconteceu. ― Chegamos na varanda e entro
em casa com ele em meu encalço. ― Eu fui até o mercado para falar com a
Amanda sobre o nascimento do bebê e ver se estava tudo bem com ela e,
ele estava lá.
― Ele discutiu com você?
― Não foi nada de mais... eu esbarrei na prateleira do mercado e
acabei derrubando algumas garrafas de bebidas no chão.
Josué para no meio da sala e cruza os braços.
― Como assim? ― Mordo meu polegar de forma nervosa e penso
rápido uma desculpa para dar a ele. ― O que ele fez com você? ― Josué
trinca o maxilar preocupado.
― Nada. Só discutimos... alguns clientes ficaram observando e
então ele se calou.
― Mas é um playboy mesmo! ― Josué resmunga. ― Ele se
aproveitou que você estava sozinha. Duvido que abriria a boca se eu ou
algum dos rapazes estivesse por perto.
― Está tudo bem, Josué. ― O tranquilizo. ― Já passou ― suspiro
cansada. ― Eu vou tomar um banho e já desço para jantar.
― Eu vou ficar com os mecânicos até eles irem embora e, depois
vou pra casa.
― Tudo bem. ― Me encaminho para a escada. ― Até amanhã.
Me despeço dele e subo as escadas em direção ao meu quarto.
Sigo direto para o banheiro e enquanto tiro a roupa lembro das mãos
de Dante passeando pelo meu corpo em direção à minha bunda. Minha pele
se arrepia ao lembrar do seu gemido quando puxei seu cabelo.
Olho para meu reflexo no espelho e me surpreendo com um sorriso
em meus lábios. Fecho a cara imediatamente e bufo irritada.
― Ridículo! ― exclamo entrando no box do banheiro. ― É isso que
você é Dante Castellamare. Um ridículo!
Suspiro soltando o ar pela boca enquanto penteio meu cabelo e ao
encarar-me no espelho, ainda estou com o beijo que aconteceu entre Dante
e eu na cabeça, que nem me dou conta de que Vera está me chamando.
― Oi? ― pergunto a ela que franze o cenho e entra no quarto.
― Eu vim ver o que aconteceu com você.
― Por quê?
― Você ainda não desceu para jantar. Fiquei preocupada...
― É que... eu me distraí...
― Aconteceu alguma coisa? ― Umedeço os lábios e a encaro.
― O Dante. Ele...
― Mas o que aquele infeliz fez com você?! ― ela pergunta
visivelmente irritada.
― Ele me beijou.
― Beijou? ― ela pergunta e faz uma cara assustada como se eu
tivesse acabado de contar que uma aeronave de extraterrestres tivesse
acabado de pousar aqui na fazenda.
Vera leva as mãos à boca, arregala os olhos e eu começo a temer a
sua reação.
― Jesus amado, Larissa! E agora?!
Dou de ombros e solto o ar, deixando meus ombros caírem para
frente.
― Bem... eu não sei. ― Limpo a garganta. ― Nos encontramos no
mercado, ele já foi me dizendo coisas, tentei me afastar e então ele segurou
meu braço e quando eu vi já estávamos nos beijando.
― Misericórdia! ― Acho graça do seu espanto e rio.
― Nos encostamos na prateleira e algumas garrafas de bebidas
caíram no chão... tive que pagar mais de setecentos reais ao mercado.
― Valha-me, Nossa Senhora! ― Ela leva as mãos à cabeça. ― E ele
ajudou a pagar?
― Não.
― Mas é um sem-vergonha igualzinho o pai dele! ― Vera se irrita.
― Ele que não me apareça aqui na fazenda sem ser convidado, se não
espanto ele a vassouradas!
― Está tudo bem, Vera. ― Sorrio a tranquilizando.
Ela se cala e me observa atentamente.
― Você gostou! ― ela diz afirmando com a cabeça. ― Larissa do
céu. Não pode!
― Ué, e por que não?
― Esse homem que te beijou e que você está toda derretida, é o
mesmo que veio aqui ontem e saiu enxotado pelo Josué, enquanto te dizia
um monte de desaforos! ― ela diz chocada e eu nem me movo. ― É pior
do que eu pensava! ― Ela diz e eu rio. ― Larissa Leão, um homem não
pode tratar uma mulher assim. Se é assim agora, imagina depois que se
casarem?
― E quem está falando em casar, Vera? ― pergunto irritada. ―
Deus me livre de me casar com aquele idiota. ― Ela faz o sinal da cruz e eu
contenho um riso. ― Foi só um beijo. ― Dou de ombros tentando acreditar
no que eu acabei de dizer.
― E espero que fique só nesse beijo. ― Ela diz se encaminhando
para a porta do quarto. ― Você é uma mulher bonita, estudada e boa
pessoa. Não quero que se iluda. Esse tipo de homem não presta, Larissa. ―
Ela bufa irritada. ― Só vim avisar que o jantar está pronto.
― Já estou descendo ― digo e ela sai do quarto.
Conforme ela se afasta ainda escuto-a falando sozinha dizendo que
irá acender uma vela para Nossa Senhora para a minha proteção.
Respiro fundo e engulo em seco. O gemido rouco de Dante aparece
em minha mente e eu passo a mão pelo meu rosto de forma nervosa.
― Para de pensar nisso, Larissa! ― Me repreendo e saio do quarto.
DANTE
Quando entro em casa encontro tudo limpo e brilhando. Nem parece
que é a mesma casa de hoje de manhã.
Sorrio ao entrar na cozinha com as compras que fiz no mercado.
Tudo está perfeito. Sem nem uma poeira ou sujeira.
Dona Esmeralda chamou algumas amigas delas para uma limpeza
pesada em minha casa, depois que viu a situação em que ela se encontrava e
quando vi as mais de dez mulheres chegarem em seus carros e começarem
limpar, lavar e organizar, resolvi sair com seu José para ver o que poderia
ser feito na propriedade.
Depois de resolvermos tudo, seguimos na direção da velha
caminhonete do meu pai e ali perdemos um pouco mais de tempo tentando
fazê-la funcionar, já que ficou por mais de meses parada sem uso.
Após colocarmos uma bateria nova que seu José foi buscar na
cidade, ela voltou a funcionar e assim pude ir até a cidade para resolver
assuntos que precisam de urgência como a instalação de um telefone e
internet em minha casa e também ir ao mercado para abastecer a despensa
da cozinha.
A operadora ficou de vir instalar tudo amanhã pela manhã e
enquanto guardo as compras na despensa, pego uma garrafa nas mãos e me
lembro de Larissa e da forma que ela se enroscou em mim no mercado.
Dou risada sozinho e engulo em seco ao me lembrar do seu cheiro
delicioso e dos seus lábios macios.
Ela é arrogante e cheia de si, mas quando estava em meus braços, se
derretendo toda, parecia outra mulher...
Apoio a mão na parede e fecho meus olhos por alguns segundos.
A forma como ela puxou meu cabelo, sua pele cheirosa e macia, sua
bunda redondinha em minha mão...
Meu pau pulsa dentro do jeans e eu abro os olhos irritado.
A beijei só para que ela tivesse a certeza de que não pode comigo. E
sei que de agora em diante, ela vai pensar duas vezes antes de me
confrontar.

Acordo pela manhã e antes mesmo de sair da cama, é Larissa Leão


quem aparece em minha mente.
― O diacho de mulher! ― Me levanto irritado jogando as cobertas
para o lado. ― Preciso ocupar a minha cabeça, isso sim.
Me encaminho para o banheiro e depois de um banho rápido estou
completamente pronto para começar o dia.
Me visto rapidamente, pois escuto vozes lá fora e me dou conta de
que os homens da companhia telefônica já chegaram e estão instalando tudo
finalmente.
Abro a porta da frente e saio na varanda, os cumprimento e mostro o
local que eles podem instalar o telefone e o modem e sigo para a cozinha.
Ontem comprei café fresco no mercado, quem sabe assim agora a
bebida não fique decente.
Conforme a água esquenta, preparo ovos mexidos e fatio o pão que
dona Esmeralda trouxe. Corto também duas fatias de bolo de fubá com
goiabada e assim que termino de passar o café, me sento para comer.
Puta que pariu!
Ainda bem que os ovos, o pão e o bolo não estão ruins, porque o
café está horrível!
― Como que pode uma cidade que é referência na produção de
café, ter uma bebida tão ruim assim?
Me levanto, jogo a bebida da minha xícara na pia e abro a geladeira.
― Não acredito que vou ter que beber leite no café da manhã tendo
uma fazenda com plantação de café.
Sirvo o leite na minha xícara e volto para mesa.
Após comer, lavo a louça suja e guardo tudo o que usei e quando
chego na sala, vejo o técnico testando o telefone.
― Oi, seu Dante, o seu telefone já está funcionando.
― Ah, é? ― Sorrio satisfeito. ― Foi bem rápido ― digo e ele
assente.
― A instalação é rápida. ― Ele coloca o aparelho no local e junta as
suas coisas. ― Os meninos estão terminando de colocar os cabos da
internet e daqui a pouco eles entram para regular o modem e passar as
informações para o senhor.
― Tudo bem. Obrigado. ― Agradeço e ele sai da casa.
Me sento no sofá para esperar e passo a mão sobre a manta de
retalhos que Esmeralda e as amigas dela colocaram sobre os rasgos do
couro do estofado.
Vejo a minha foto no porta-retratos que está sobre a mesa de centro
e respiro fundo.
Eu devia ter uns dez anos quando ela foi tirada e a Ana está no meu
colo.
Engulo em seco e o pego nas minhas mãos. Me levanto e o guardo
dentro da gaveta.
Ainda me lembro do dia em que a minha mãe foi embora levando
minha irmã junto com ela. Cerro os punhos e passo as mãos pelos meus
cabelos.
Faz tantos anos desde a última vez que as vi.
Onde será que elas estão?
Será que se eu visse Ana hoje, eu a reconheceria?
― Seu Dante Castellamare? ― Um homem me chama da porta e eu
balanço a cabeça afastando esses pensamentos.
― Sim.
― Eu vim para instalar o modem...
― Claro. ― Aponto para o canto da sala. ― Pode instalar aqui
mesmo.
Enquanto ele instala o aparelho, caminho até a porta e observo o dia
lá fora.
― Prontinho, seu Dante... ― o homem diz depois de alguns minutos
enquanto guarda as ferramentas depois de instalar a minha internet ― aqui
está a senha da internet.
Pego o papel das suas mãos e procuro pelo meu celular, conecto a
internet e imediatamente uma enxurrada de mensagens chega.
― Agora com a internet, o senhor vai ter um trabalhão pra
responder esse monte de mensagem que tá chegando. ― O homem ri. ―
Bem, meu trabalho está feito... agora preciso dar uma passada lá na fazenda
Florescer. Parece que a internet lá está oscilando... preciso ver o que está
acontecendo...
― Na fazenda da Larissa?
― Isso. ― Ele concorda colocando a mochila no ombro.
― Você tem o telefone de lá? ― pergunto e ele estranha. ― É que...
bem, somos vizinhos e é bom que tenhamos os contatos um do outro...
― Ah, claro. Tenho sim... ― ele pega o telefone e procura o contato
da casa da Larissa e, após ele me passar, vai embora.
Assim que ele sai da minha casa, sigo até o telefone e teclo o
número dela. Espero que me atendam e só quando isso acontece é que me
dou conta do que estou fazendo.
― Alô? ― Ouço a sua voz rouca e sensual do outro lado e meu
corpo reage imediatamente.
― Larissa?
― Sim. Quem é?
― Já esqueceu de mim?
― Quem está falando?
― Jura que não lembra da minha voz? ― A provoco.
― E como eu vou lembrar se nem sei quem está falando? ― Solto
um riso e ela desliga na minha cara.
Dou risada e ligo novamente.
― Alô? ― Ela atende de forma nervosa.
― Larissa, é o Dante.
― Ah, tinha que ser você, não é? ― Ela pergunta irritada. ― O que
você quer? Como conseguiu o número da minha casa?
― Você é bem curiosa, não?
― Eu? ― Ela pergunta alterando o tom da voz. ― Você liga para a
minha casa, faz um monte de gracinhas e me tira do sério, como quer que
eu reaja?
― Eu te tiro do sério, Larissa?
Ela bufa do outro lado.
― O que você quer, hein?
― Só liguei para dizer que eu instalei o telefone e a internet em
minha casa hoje e também para ouvir o som da sua voz.
― Babaca! ― ela diz e desliga novamente.
Gargalho por conseguir tirá-la do sério tão facilmente e, imagino ela
bufando irritada com aquele rostinho lindo ficando vermelho de raiva.
Ouço o barulho da caminhonete do seu José chegando e sigo até a
porta da entrada.
Até que foi divertido brincar com a Larissa, mas agora o dever me
chama.
CAPÍTULO 07

Bato o aparelho de telefone na mesa e solto um grunhido irritada.


― Mas que idiota! ― Solto e saio do escritório, ao passar pela sala
encontro Vera tirando o pó dos móveis.
― O que aconteceu, menina?
― Aquele babaca... me ligou só para me atormentar!
― Quem?
― O Dante Castellamare!
Ela me encara com o cenho franzido sem entender uma só palavra
do que eu estou dizendo.
― Ele ligou só para dizer que instalaram o telefone e a internet na
casa dele! ― digo agora com a voz mansa depois de um suspiro.
― E só de ele ligar avisando, você já ficou assim?
― Ele me tira do sério, Vera! ― Choramingo e ela me lança um
olhar atravessado, mas fica em silêncio. ― Eu vou trabalhar ― digo por
fim e me encaminho para fora da casa.
Caminho a passos rápidos até o galpão onde estão os maquinários e
ao chegar, vejo Josué conferindo as máquinas.
― Bom dia, Lari. ― Ele me encara por alguns segundos. ― O que
aconteceu?
― Nada ― falo e resolvo mudar de assunto, pois sei que Josué é
observador e sabe ser insistente. ― Deu tudo certo com a manutenção?
― Sim ― ele fala e sorri ajeitando o chapéu. ― Eles deixaram a
nota fiscal comigo. ― Me entrega a folha com o valor cobrado pelos
mecânicos.
― Ótimo ― digo passando os olhos rapidamente pelo papel,
enquanto seguimos para fora do galpão. ― A tarde eu passo na loja para
acertar.
― Eu estava indo pegar o drone para sobrevoar a plantação...
― Então, vamos ― digo animada, pois faz somente alguns meses
que adquirimos um drone de última geração para nos auxiliar na
fiscalização dos pés de café.
Antes tudo era feito manualmente e pessoalmente, agora podemos
sobrevoar a plantação e verificar em menos tempo se os grãos estão prontos
para a colheita.
― Hoje o pessoal da oficina vai na fazenda do Castellamare. ―
Josué fala e eu levo o polegar à boca, mas fico em silêncio. ― Ele vai
mesmo se fixar aqui em Preciosa. Será que consegue levantar a fazenda do
pai? ― Dou de ombros.
― Ele já instalou telefone e internet na casa. ― Deixo escapar.
― Como você sabe?
Fico vermelha e desvio o olhar.
― Ele ligou mais cedo enquanto eu ainda estava no escritório.
― E como conseguiu seu número?
― Não sei.
― Sujeitinho abusado ― Josué resmunga assim que subimos os
degraus da varanda.
Sigo até o escritório, deixo a nota fiscal dentro da gaveta e abro a
porta do armário para pegar a mochila do drone.
― Quer um cafezinho, Josué? ― Vera aparece na porta do
escritório. ― Tem bolo de fubá fresquinho.
― Eu quero, Vera. ― Ele diz e sorri.
― Você também, menina. ― Ela diz olhando para mim. ― Comeu
tão pouquinho hoje no café da manhã.
― Está bom, Verinha. Aceito um pedacinho do seu bolo ― digo me
rendendo, enquanto a seguimos até a cozinha onde a mesa já está posta com
pães de queijo e bolo de fubá.
Enquanto comemos, Josué pergunta se irei ao Congresso dos
cafeicultores na cidade vizinha no final da semana.
― Eu esqueci completamente! ― Fecho os olhos por alguns
segundos.
― Mas você vai?
― Sim. ― Mordo o polegar. ― Dependendo de como estarão os
grãos de café, começaremos a colheita ainda essa semana, irei ao congresso
somente no sábado, pois não quero ficar fora da fazenda por um fim de
semana todo em época de colheita. Ou você pode ir em meu lugar. ― Tento
sorrindo e, ele fecha a cara.
― Nem a pau! ― Damos risada. ― Sabe que eu odeio ficar o dia
todo trancado em um único lugar. Pode ir tranquila que eu cuido de tudo
aqui na fazenda.
Respiro fundo e solto o ar pela boca, enquanto termino de tomar
meu café.
Após sairmos da casa, eu e Josué nos embrenhamos na plantação e
subimos o drone, ficamos o restante da manhã captando imagens e olhamos
atentamente para a pequena tela do controle em nossas mãos.
― Ainda precisa de mais alguns dias... o que acha? ― pergunto a
ele.
― Eu não sei, você é a dona da fazenda e, é você quem estudou para
isso ― ele diz rindo.
― Josué! ― O repreendo. ― Sabe que só por eu ter estudado
agronomia, isso não me torna profissional e, eu sempre pedi a sua opinião
para tudo o que é feito aqui na fazenda. Trabalhamos juntos desde que eu
assumi a administração daqui.
Ele ri, pois adora me provocar.
― Eu sei, Lari. ― Ele ri e passa o braço por meu ombro enquanto
andamos para fora da plantação.
Ao chegarmos na estrada, baixo o drone e ele o guarda novamente
na mochila.
― Acredito que podemos começar a colheita no final da semana ―
falo animada.
― E o Congresso? ― Ele me lembra.
― Ah, é ― suspiro. ― Ficarei fora somente no sábado, saio pela
manhã e volto à noite. No domingo podemos continuar.
― Tem previsão de chuva no final da semana ― ele fala e eu
murcho. ― Sábado à noite...
― Se no domingo não estiver chovendo, nós continuamos.
― Combinado. ― Ele assente e nós seguimos para casa. ― Vamos
passar as imagens para o computador antes de ir almoçar?
― Sim. ― Afirmo ansiosa com mais uma colheita que se aproxima.

DANTE
Seu José falou ontem sobre o Congresso de cafeicultores que terá na
cidade vizinha no final da semana e, disse que acha uma ótima ideia que eu
participe, já que pretendo assumir de vez a fazenda Castellamare.
― Pensou sobre o Congresso? ― ele pergunta enquanto
organizamos o galpão das ferramentas e insumos da fazenda.
― Pensei ― digo juntando todos os sacos vazios numa pilha só. ―
Eu vou. Vai ser bom conversar com outros produtores, trocar ideias, ver o
que eles fazem em suas plantações...
― Claro. ― Ele faz uma pausa depois de empilhar três caixas no
canto do galpão. ― A Lari sempre vai.
― Quem?
― Larissa Leão. ― Ele repete e só de ouvir o nome dela já entro em
alerta.
― Vai, é?
― Sim, mas... ― ele pensa um pouco ― encontrei o Ferreira na
estrada e ele disse que começam a colheita no final de semana. A Lari gosta
de estar perto quando colhem, então não sei se ela vai nesse. Mas o senhor
deve ir, seu Dante, é bom que sempre aprende uma coisa nova.
― Isso é verdade, seu José.
― A Lari dá até palestra nesses Congressos...
― Sabe se ela vai palestrar nesse Congresso? ― pergunto já
imaginando que poderei assisti-la demoradamente enquanto palestra sem
que ela saia e me deixe sozinho como quis fazer no mercado.
― Não sei, pois é como disse, né, seu Dante... ela gosta de estar
perto quando a colheita começa...
― O senhor consegue descobrir se ela vai?
Ele ajeita o chapéu de palha na cabeça e cruza os braços me
encarando com o cenho franzido.
― O senhor até que tá bem interessado se ela vai mesmo, seu
Dante... ― engulo em seco e limpo a garganta, ele sorri de canto e continua
― se eu encontrar algum peão da fazenda pela estrada ou na cidade, eu
pergunto ― ele diz em voz baixa antes de voltar ao trabalho.
Mas para que demonstrar tanto interesse assim nela, Dante?
Me repreendo mentalmente.
Que merda!
Preciso me conter e não deixar transparecer tão na cara assim.
Se eu não a tivesse beijado, não estaria pensando tanto nela assim.
Vou é enfiar a cara no trabalho, isso sim, vai me fazer esquecer dela.

DIAS DEPOIS
Dona Esmeralda tem vindo todos os dias até a minha fazenda com
as mulheres que rezam o terço na igreja e, juntas têm cuidado da minha
casa, fizeram jardim e até plantaram uma horta.
Sei que eu quase não sou um morador de Preciosa, pois passei boa
parte da minha vida morando fora, e me ofereci para pagar a elas, mas todas
disseram que fazem isso como caridade e se eu realmente quero pagar,
posso fazer uma doação para a igreja.
A minha propriedade está completamente diferente de quando eu
cheguei e me surpreendo a cada dia com a beleza que está ficando. Irei
comprar tinta para pintar a casa na próxima semana e materiais para
reformar a varanda e a cerca de madeira.
Ainda há muito a se fazer no local, mas aos poucos temos
conseguido dar conta de tudo.
Os grãos de café ainda não estão no ponto para serem colhidos, mas
a colheitadeira já está com a manutenção feita e pronta para quando a
colheita começar.
Coloquei as máquinas que não usarei à venda na internet como seu
José sugeriu e até já negociei algumas.
Confesso que pensei que seria difícil começar a cuidar de tudo sem
saber nada de fazenda e plantação de café, mas com a ajuda do seu José e a
esposa, até que tenho me saído bem.
Saio ainda de madrugada da minha casa e mais uma vez tomei
apenas leite pela manhã, pois não consegui fazer um café que prestasse.
Dona Esmeralda passa um café delicioso quando vem pela manhã e eu o
bebo admirado em como ela consegue e eu não, sendo que ela usa as
mesmas coisas que eu, já que está na minha cozinha.
Já desisti de aprender a fazer um café decente e me contendo em
beber leite e suco pela manhã.
Hoje é sábado e estou seguindo para a cidade vizinha para
comparecer ao tal Congresso de cafeicultores a fim de aprender alguma
coisa que me ajude a entrar de vez nesse meio.
Em Preciosa a única grande produtora de café é a Larissa Leão e,
Deus me livre ter que conversar com ela para tentar entender algo sobre o
café.
Entro no estacionamento do local onde será o evento e a primeira
coisa que vejo é a caminhonete dela estacionada próxima à porta.
Solto um riso irônico e desço da minha caminhonete.
Até pensei que esse seria um evento chato e sem graça, mas agora
começo a pensar o contrário já que Larissa estará nele e, eu vou gostar de
provocá-la em um lugar em que ela se sente à vontade.

LARISSA
Estou conversando com Romário Montenegro e a esposa quando o
vejo passar pela porta.
Respiro fundo e solto o ar devagar enquanto sorrio de algo que a
senhora Montenegro comenta.
Dante adentra o local devagar, analisando tudo e todos e ao me ver,
vejo um pequeno sorriso brotar em seus lábios e, é em minha direção que
ele vem.
Droga! Precisava estar tão bonito?
Botas escuras, jeans claro e camisa preta com os punhos arregaçados
até os cotovelos e por incrível que pareça, hoje ele está sem o seu
inseparável chapéu e isso o deixa ainda mais bonito, já que seu rosto não
está escondido.
Desvio o olhar dele e continuo a conversar com os Montenegro, mas
então ele para ao meu lado e nos cumprimenta.
― Bom dia. ― O encaro e respondo de forma polida e o senhor
Romário espera que eu os apresente. ― Senhor e senhora Montenegro, esse
é Dante Castellamare, as nossas fazendas são vizinhas em Preciosa.
― Ah, é mesmo? ― A esposa de Romário diz sorrindo. ― É um
prazer conhecê-lo, Dante... é a primeira vez que o vejo em um evento de
cafeicultores...
― Sim, assumi a fazenda que era do meu pai, depois da sua morte.
― Ah eu sinto muito pela sua perda ― ela diz tocando em seu braço
e eu franzo o cenho achando estranho a sua atitude. ― Meu marido é
produtor de café há muitos anos e eu posso te ajudar no que precisar... vou
passar meu contato a você e se quiser pode me ligar a qualquer hora do dia
para sanar qualquer dúvida... estarei a sua inteira disposição...
Levanto as sobrancelhas completamente perplexa ao vê-la flertar
com Dante na frente do marido e, ele não fazer absolutamente nada para
impedir a mulher.
Limpo a garganta e peço licença dizendo que preciso ir ao banheiro
e saio dali o mais depressa possível.
No caminho, Sérgio Medeiros me cerca para me parabenizar pelo
prêmio que ganhei no ano anterior como melhor café do estado e, então
engatamos uma conversa sobre quem ganhará o prêmio desse ano, já que
ele está investindo num novo tipo de grão em sua fazenda.
― Pretendo ganhar esse ano, Larissa. Estou investindo pesado para
que isso aconteça. ― Ele sorri. ― A única coisa que me consola é ter
perdido para uma mulher tão bela como você. ― Sorrio com seu elogio e
sei que ele o faz de forma carinhosa, já que era muito amigo do meu pai e
ele me trata como uma das suas filhas.
― Posso apostar que está fazendo o seu melhor, Sérgio ― digo a ele
que ri com gosto.
― Isso é papo de vencedora nata. Só falta me dar um tapinha nas
costas e dizer “na próxima você tenta de novo”.
Dou risada e nego.
― Eu nunca tripudiaria sobre os meus concorrentes.
― Não mesmo... ― ele me garante ― seu pai a criou muito bem e
isso você jamais faria.
Sinto uma presença do meu lado e sei perfeitamente de quem se
trata. Me viro somente para ver Dante encarando Sérgio e então os
apresento. Sérgio troca algumas palavras conosco e então o anfitrião do
evento sobe no palco chamando a nossa atenção.
Nos encaminhamos para lá e, Dante caminha atrás de mim. Me viro
irritada e ele quase se choca contra meu corpo.
― Quer parar de me seguir?! ― digo entredentes.
― Não estou te seguindo.
― Ah, não? E o que está fazendo ao chegar junto a mim com cada
pessoa que estou conversando?
Ele abre um sorriso de canto e eu engulo em seco.
― Isso te incomoda?
― E por que me incomodaria?
― Não sei... percebi que você não gostou quando a senhora
Montenegro tocou o meu braço...
― Você é louco! ― Reviro os olhos e me viro para deixá-lo
sozinho, mas ele segura meu braço.
― Você fica brava muito fácil, Larissa Leão... seu nome faz jus a
sua personalidade... parece uma fera quando eu a provoco. ― Engulo em
seco e olho para sua boca por um milésimo de segundos. Ele não vai ter
coragem de me beijar aqui. Não na frente de todas essas pessoas. ― Está
pensando se irei te beijar, leoazinha?
― Do que me chamou? ― pergunto com raiva em vê-lo usar meu
sobrenome de forma depreciativa.
― Leoazinha... ― ele repete ― seu sobrenome é Leão e ele
combina perfeitamente com você.
― Babaca! ― digo em voz alta chamando a atenção de algumas
pessoas.
Me livro do seu toque e adianto meus passos me afastando dele.
Ando pelas fileiras de cadeiras e me sento onde quase todas estão
ocupadas, sem deixar chance de que ele se sente ao meu lado para me
perturbar o resto do dia.
Respiro fundo diversas vezes tentando me acalmar. Dante
Castellamare me tira do sério somente com poucas palavras.
Agora já está passando dos limites em me dar apelido.
Mordo meu polegar tentando fazer com que a raiva passe e
conforme o anfitrião fala ao microfone, ela vai se dissipando.
Disfarçadamente olho ao redor e vejo Dante sentado algumas
fileiras atrás com os olhos cravados em mim. Me viro para frente
novamente e peço a Deus que não tenhamos que nos cruzar pelo resto do
dia, pois não sei se serei forte o bastante para aguentar suas provocações.
CAPÍTULO 08

Não vi Dante na hora do almoço, pois passei todo o tempo


conversando a respeito de um novo grão criado em laboratório com Charles
Silva, engenheiro agrônomo responsável pela pesquisa desse novo grão de
café e quando voltamos para o saguão, as palestras recomeçaram e eu me vi
completamente absorvida pelo palestrante que me esqueci completamente
de Dante.
No final do dia, pego a minha bolsa e me encaminho na direção da
saída e assim que coloco meus pés para fora, vejo Dante e a senhora
Montenegro conversando.
Ela o toca enquanto ri de algo que ele falou e meus olhos reviram de
forma automática conforme sigo até a minha caminhonete.
― Lari... ― Alguém me chama e eu me viro para ver Charles vindo
até mim com uma pasta nas mãos. ― Quero deixar com você alguns folders
sobre a pesquisa que estou fazendo.
― Ah, claro Charles...
Ele coloca a pasta sobre o capô da caminhonete e começa a procurar
os papéis para me entregar.
O vento está forte e acaba espalhando meu cabelo, Charles percebe
e coloca uma mecha dele atrás da minha orelha.
― Se quiser podemos ir para outro lugar, um restaurante talvez, o
que acha? ― ele sugere.
― Um outro dia talvez, Charles. ― Declino do seu convite e ele
assume um semblante chateado.
Ouço o ronco alto da caminhonete de Dante passar por nós em alta
velocidade e desvio meus olhos de Charles por alguns segundos apenas para
ver a caminhonete saindo do estacionamento.
Charles me entrega os papéis e explica um pouco mais do assunto e
somente quando percebemos os primeiros pingos de chuva caindo sobre nós
é que resolvemos ir embora.
Olho ao redor para o estacionamento quase vazio e Charles ri.
― Acho que tomei tempo demais de você, Lari.
― Não tem problema ― digo. ― A sua pesquisa é muito
interessante.
― Que bom que gostou. Meu telefone está aí, depois de ler, ficarei
feliz em trocar ideias com você. Podemos marcar um jantar para que eu
explique melhor tudo sobre a pesquisa.
― Está bem. ― Sorrio sem jeito pela sua insistência. ― Pode ter a
certeza de que lerei com muita atenção.
― Obrigado, Lari e bom final de semana.
― Para você também, até a próxima ― digo e entro rapidamente na
caminhonete quando a chuva já está caindo torrencialmente.
Saio do estacionamento quando já está escurecendo e chovendo
bastante. Pego a estrada que leva até Preciosa e pelos meus cálculos,
chegarei lá depois das 22h se tudo correr bem.
No caminho, vejo ao longe a caminhonete de Dante parada no
acostamento com todas as luzes desligadas.
Reduzo a velocidade e como se trata de uma reta deserta, pois não
há casas por perto, paro do lado da caminhonete dele e o vejo mexendo no
motor com o capô aberto. Buzino chamando a sua atenção e ele vem até a
janela do passageiro quando eu abro o vidro.
― Precisa de ajuda? ― pergunto solícita e ele ri.
― Acredito que não. Ela parou do nada. Seu José até me disse que
ela precisava de uma revisão por ter ficado muito tempo parada, mas eu não
dei ouvidos a ele. Acho que agora só rebocando mesmo.
― Eu devo ter uma corda na caçamba da caminhonete... ― digo já
descendo do meu carro sob os protestos de Dante.
― Você vai se molhar, Larissa...
― Não tem problema ― grito já indo até a traseira da caminhonete,
mas quando baixo a tampa, ela está totalmente vazia. ― Droga! Esqueci
que o Josué a lavou ontem e tirou tudo o que estava aqui atrás.
― Está tudo bem, Larissa. ― Dante grita do meu lado para ser
ouvido na chuva. ― Volta para dentro... você está se molhando inteira.
― Mas e você? ― pergunto olhando para ele enquanto tiro meu
cabelo molhado do rosto. ― O que vai fazer?
― Eu dou um jeito. ― Ele me encara ficando próximo de mim. ―
Pode ir embora.
― Eu não vou te deixar aqui sozinho, Dante. A próxima
cidadezinha fica a uns cinco quilômetros daqui...
― Pode me levar até lá?
― Claro que sim, mas acredito que não fará diferença já que
amanhã é domingo e tudo estará fechado. Vamos até Preciosa e quando
chegarmos, peço para Josué vir com a caminhonete da fazenda te ajudar ou
te rebocar até sua casa. ― Ele puxa o ar com força pensando em minha
proposta. ― Anda, homem! Vamos ficar doentes se continuarmos aqui
nessa chuva...
― Tudo bem. ― Ele se rende e corre até a sua caminhonete, fecha o
capô, pega seus pertences e tranca o veículo. Em seguida corre até o lado do
passageiro da minha caminhonete onde eu já o espero enquanto coloco o ar-
condicionado no quente para que não fiquemos gelados, já que nós dois
estamos molhados dos pés à cabeça.
― Está chovendo demais, Larissa ― ele diz e eu aperto ainda mais
o volante com as mãos.
― Eu sei ― digo respirando pesadamente.
― Quer que eu dirija? ― Ele se oferece e eu nego. ― Talvez seria
melhor que parássemos até a chuva passar um pouco...
― É isso que eu estava pensando em fazer... ― Assim que viro a
curva de forma cuidadosa, vejo o letreiro da pousada de beira de estrada na
entrada da cidade e aponto. ― Podemos parar ali, o que acha?
― Por mim tudo bem ― ele diz enquanto eu saio da estrada e paro
em frente ao estabelecimento.
A chuva e o vento chacoalham a caminhonete e eu olho ao redor
com o polegar na boca enquanto o mordo para passar meu nervosismo.
― Você está tremendo ― ele diz e eu desvio o olhar lá de fora para
encará-lo. ― Está com frio?
― Um pouco ― digo.
― Podemos entrar e ver se eles não têm algumas toalhas secas para
que possamos nos secar...
Olho para a pousada pequena, indecisa e por fim assinto.
― Essa chuva não vai passar assim tão rápido mesmo ― digo
destravando a porta para descer.
Assim que coloco meus pés no chão pedregoso, Dante já está do
meu lado com a mão estendida para mim.
― Te ajudo a andar com seus saltos nessas pedras...
― Obrigada.
Pego sua mão e corremos para a varanda da pousada. Assim que
entramos, a atendente, uma senhora de meia-idade nos olha assustada.
― Jesus amado! ― ela diz. ― Vocês estão encharcados!
― Boa noite ― digo indo até o balcão. ― A chuva está muito forte
e resolvemos parar e esperar que ela diminua e queríamos ver se não tem
umas toalhas para que possamos nos secar...
― Vou fazer mais que isso ― ela diz pegando o caderno de capa
preta de cima do balcão. ― Vou levá-los até um quarto onde podem tomar
um banho quente enquanto eu coloco suas roupas para lavar e secar. E antes
do amanhecer, elas estarão limpas e secas para seguirem viagem.
― Mas não é preciso um quarto... ― tento argumentar, mas ela
estende a mão para que eu pare de falar.
― Sim, façam isso...
― Então pode nos arrumar dois quartos? ― pergunto.
― Vocês não estão juntos?
― Não... quer dizer, estamos, mas não somos um casal... ― digo
envergonhada e ela assente.
― Tudo bem. ― Sorri sem mostrar os dentes. ― Tenho dois quartos
disponíveis apenas.
― É perfeito. ― Ela folheia as folhas do caderno. ― Você fica no
quarto três e ele pode ficar com o quarto quatro...
― Ótimo. ― Dou meu nome a ela e quando Dante se aproxima do
balcão para poder dar seu nome, um carro para no estacionamento ao lado
da minha caminhonete.
― Meu nome é Dante Castellamare. ― Ela começa a anotar quando
um casal entra na recepção, a mulher carrega um bebê nos braços, eu e
Dante nos entreolhamos.
― A senhora tem um quarto disponível para que possamos passar a
noite? ― O homem pergunta e a senhora olha de mim para Dante.
Eles têm um bebê!
Mordo o polegar.
― Pode dar o meu quarto a eles ― Dante diz de prontidão. ― Eu
durmo na caminhonete, se você não se importar.
― Não me importo, mas... você vai ficar desconfortável... ― tento
alertá-lo.
― Não tem problema. ― Ele garante.
― Nós podemos dividir o quarto. ― Sugiro e ele levanta uma
sobrancelha. ― Não pode tomar um banho quente e sair nessa chuva só
para dormir lá...
― Se estiverem de acordo, vou fazer o registro. ― A senhora da
pousada diz e eu concordo.
Após fazermos o check-in, ela nos dá a chave do quarto e seguimos
para lá.
Mas que ideia foi essa, Larissa? Me recrimino em pensamentos.
Dividir um quarto com Dante Castellamare?
Eu só posso ter ficado louca!
Mas também, que mal há em dividir um quarto com ele?
Somos dois adultos e ele não me afeta em nada.
Será só uma noite apenas e nada vai acontecer.
Assim que entramos, percebo que só há uma cama no centro do
quarto e imediatamente me arrependo.
Dante solta um riso irônico e eu o encaro.
― Não me olhe assim, Larissa. A ideia de dividirmos o quarto, foi
sua.
― Sim, mas... pensei que fossem duas camas de solteiro! ― Ele dá
de ombros e começa a desabotoar a camisa. ― O que está fazendo? ―
pergunto escandalizada.
― Tirando a roupa.
― Eu sei, mas aqui?!
― E onde mais?
― No banheiro?!
Ele ri de canto e coça o queixo.
― Já esteve com um homem antes, Larissa?
― Mas que pergunta é essa? O que interessa a você saber se já
estive com um homem antes?
― Ei, calma! ― Ele levanta as mãos. ― Não precisa pôr as garras
para fora, leoazinha.
― Não me chame assim!
O maldito ri se divertindo as minhas custas.
― Tudo bem... ― ele se encaminha para o banheiro ― vou tirar a
roupa no banheiro, se prefere assim.
― Você vai tomar banho primeiro?
― Sim, por quê?
― E onde está o seu cavalheirismo? Nem me perguntou se eu queria
ir antes...
― Você estava ocupada demais ficando assustada com uma cama
apenas... ― ele diz entrando no banheiro e fechando a porta na minha cara.
― Pois fique sabendo que irá dormir no tapete! ― digo e ele ri de lá
de dentro.
Bufo irritada enquanto tiro as sandálias dos meus pés.
Enquanto Dante toma banho, aproveito para tirar meu vestido e ficar
somente de roupão, mas não consigo alcançar o zíper do vestido nas minhas
costas.
― Droga! ― Me lembro que pela manhã, foi Vera quem o fechou
para mim e seria ela a abri-lo quando chegasse em casa hoje à noite. Solto o
ar resignada quando a porta do banheiro se abre e, Dante sai de lá usando
apenas uma toalha branca enrolada na cintura.
Não é somente seu braço que é coberto por tatuagens, seu ombro e
as pernas também têm muitos desenhos espalhados e, eu me perco por
alguns segundos observando a todos com atenção.
― Gosta do que vê, leoazinha? ― ele pergunta e eu fecho a cara.
― Eu preciso de ajuda ― digo em voz baixa.
― Do que precisa? ― Sua voz é rouca.
― Preciso que abra o zíper do meu vestido.
― Mas assim? Sem nem um beijinho antes? ― Ele provoca e meu
rosto arde em brasa.
― Não seja ridículo! ― digo marchando até a porta do quarto. ―
Eu vou pedir para que alguém me ajude...
Ele agarra meu braço e me puxa para ele.
― Ei! Calma estressadinha. ― Solta um risinho. ― Eu faço isso...
Puxo meus cabelos para frente e ele se posiciona atrás de mim. Com
uma mão, toca de leve meu ombro e desliza o dedo até minha nuca me
causando um arrepio involuntário que faz meu corpo estremecer sob o
mínimo toque dele.
Sinto o zíper sendo aberto de forma lenta e fecho meus olhos por
alguns segundos apenas. Minha respiração acelera e enquanto abre o zíper
com uma mão, com a outra segura minha cintura com delicadeza fazendo
uma corrente elétrica passar pelos seus dedos.
― Pronto... ― ele diz num sussurro ao meu ouvido e eu desperto
totalmente.
Dou um passo à frente e me afasto do seu toque.
― Obrigada ― digo, e rapidamente me tranco no banheiro me
apoiando na porta.
Ah, meu Deus! O que foi isso?
Respiro fundo tentando fazer com que meu corpo pare de tremer,
mas isso é quase impossível.
De forma rápida tiro meu vestido e minha lingerie e os deixo junto
com a roupa dele que está sobre a bancada e entro debaixo do jato quente
do chuveiro.
Conforme tomo banho, ainda pareço estar sentindo o toque dele em
minha pele.
Minha Nossa Senhora... o que é isso?
Me pergunto enquanto tomo banho.
Como vou passar a noite ao lado dele se ao menor toque das suas
mãos em minha pele, eu fico praticamente entregue a ele?
Após terminar o banho, me seco e visto o roupão branco e felpudo
que está pendurado atrás da porta. Penteio meus cabelos e quando saio do
banheiro, Dante está deitado na cama.
― Eu vou dormir na cama! ― digo e ele desvia o olhar do celular
para mim.
― Tem espaço suficiente para você aqui. ― Volta a atenção para o
aparelho em suas mãos.
― Mas não vou me deitar ao seu lado!
― Eu não mordo, Larissa ― ele diz e me encara. ― A não ser que
me peça. ― Respiro fundo e solto o ar, irritada. ― Você quer?
Quando vou responder, alguém bate à porta e eu me obrigo a ficar
quieta para atender.
― Oi, querida. ― A senhora da recepção diz ao me ver. ― Vim
buscar as roupas de vocês. ― Ela me entrega uma sacola de tecido.
― Ah, claro. ― Pego a sacola das suas mãos, vou até o banheiro,
coloco nossas roupas dentro e volto até a porta para entregar a ela.
― Eu não sirvo almoço e nem jantar, apenas café da manhã. Mas há
uma máquina de salgadinhos, amendoins e refrigerantes na sala ao lado da
recepção se quiserem algo fiquem à vontade. Sei que estão sem as roupas,
então podem ir até lá de roupão mesmo.
― Ah, muito obrigada. ― Agradeço.
― Amanhã bem cedo trago as suas roupas. Tenham uma boa noite.
― Boa noite ― digo sorrindo e fecho a porta quando ela sai.
Me viro e vejo Dante vestindo um roupão.
― Vou até lá buscar algo para comer ― ele diz. ― Quer alguma
coisa?
― Não. ― Nego e me encaminho para a cama.
― Não durma antes que eu volte ― ele diz e eu me viro para
encará-lo.
― Por que, não?
― Temos toda a noite pela frente, leoazinha...
Pego o travesseiro em minhas mãos e atiro nele que sai fechando a
porta em seguida para não ser atingido.
Babaca!
Respiro fundo e solto o ar com raiva.
― Eu tento ser boa e ajudar os outros e olha só o que recebo em
troca? Piadinhas e provocações! ― reclamo em voz alta enquanto me deito.
― Como pode um único homem me tirar tanto assim do sério?!
Pego meu celular e ligo para Josué. Explico a ele o que aconteceu e
onde estou. Peço para que venha até aqui amanhã pela manhã e encerro a
ligação na mesma hora que Dante abre a porta de volta.
Ele coloca muitos pacotes de salgadinhos e latas de refrigerante aos
pés da cama e eu franzo meu cenho. Também coloca sobre a cama, um
prato grande com frutas picadas e pãezinhos.
― Você não roubou tudo isso, roubou?
Ele ri de canto e se senta na cama pegando um dos pacotes na mão.
― Claro que não ― ele diz abrindo o pacote de salgadinhos. ―
Apenas joguei meu charme para a senhora da recepção e ela me deu tudo.
― Igual estava jogando charme para a senhora Montenegro mais
cedo?
― Estava com ciúmes, Larissa? ― pergunta comendo um
salgadinho.
― Claro que não! ― digo e me inclino para pegar um pacote de
amendoins. ― Não seja ridículo, Castellamare!
Ele ri com gosto.
― Gosto do meu sobrenome saindo da sua boca.
Reviro os olhos diante a sua provocação e começo a comer.
A noite vai ser mais longa do que pensei.
CAPÍTULO 09

Enquanto comemos os aperitivos que Dante trouxe, observo-o


comendo e não consigo conter meus olhos que insistem em percorrer por
seu peito todo desenhado e, só agora posso ver que as costas também têm
desenhos.
― O que tanto olha para mim, Larissa?
― Eu não estou olhando ― digo desviando o olhar para o outro
lado do quarto e ele ri.
Quando pego uma lata de refrigerante e a abro, o líquido todo se
espalha pelas minhas mãos, peito, braços e pernas, sujando todo o roupão.
Dante corre até o banheiro e pega a toalha para me ajudar a me
secar.
― Você veio chutando essa lata, Dante? ― Ele ri e seca o líquido
das minhas mãos, enquanto se abaixa na minha frente.
― Foi você quem não soube abrir, pois quando abri a minha não fiz
essa lambança toda ― fala debochando enquanto passa a toalha em meu
pescoço.
Dante está próximo demais, nossos olhares se cruzam e eu engulo
em seco.
― Está tudo bem, Dante... obrigada ― digo soando um tanto ríspida
para que ele se afaste.
Sua mão vem até meu rosto e ele coloca meu cabelo atrás da orelha.
O ar se torna denso e minha respiração acelera.
Limpo a garganta e ele se levanta.
Bebo um gole da minha bebida e pego um pedaço de abacaxi do
prato que ele deixou ao meu lado. O mordo e o suco escorre pelo meu
queixo.
― Mas que coisa! ― exclamo e ele ri. ― Eu não sou assim...
estabanada desse jeito... ― digo baixinho.
― Está sem jeito em estar perto de mim, Larissa?
― Não seja idiota! ― exclamo sentindo meu rosto arder em brasa.
― Eu só...
― Está desconcertada na minha presença?! ― Ele complementa e
eu tenho vontade de jogar essa lata na cabeça dele.
Fico em silêncio para não cair nas suas provocações e, respiro fundo
antes de pegar dessa vez a metade de um pêssego que para meu azar está
suculento e bem maduro.
Dante mantém os olhos em mim enquanto come seus salgadinhos e
quando mordo a fruta, ela assim como o abacaxi, escorre, mas eu
rapidamente pego o guardanapo e limpo.
Dante ri baixinho e eu apenas o ignoro.
― Aqui ainda tem um pouco ― ele diz e aponta para a própria
bochecha como se mostrasse o local em que está sujo em mim.
Passo o guardanapo pela minha pele e ele nega. Passo mais uma vez
e ele vem até mim. Segura meu pulso de forma firme, inclina a cabeça na
minha direção e lambe a minha bochecha.
― Você me lambeu! ― exclamo passando o guardanapo no local.
Dante se abaixa na minha frente, pega um morango do prato e o
coloca na boca.
― Está bem docinho, quer provar? ― ele pergunta e eu olho para o
prato. ― Assim não... assim olha... ― ele avança sobre mim e me beija.
Tento me desvencilhar dos seus braços, mas acabo me rendendo e o
beijo de volta.
Levo minhas mãos até seu pescoço e o puxo para mim. Dante me
enlaça pela cintura, abro minhas pernas e ele se encaixa entre elas, enquanto
ainda fico sentada na cama e ele agachado a minha frente.
Seu beijo é exigente, sua língua explora a minha boca de um jeito
avassalador e eu esqueço completamente de onde estamos e do quão babaca
Dante Castellamare é.
A sua mão sobe até a gola do meu roupão e a abaixa deixando meu
ombro nu, Dante para de me beijar e desce a boca pelo meu rosto, pescoço
até chegar em meu ombro.
Seguro sua cabeça entre as mãos e ele continua trilhando um
caminho de beijos até meus seios. Me afasto um pouco dele e abro o cinto
do meu roupão, deslizo o tecido felpudo pelos meus ombros e deixo meus
seios completamente expostos para Dante. Ele se afasta alguns centímetros
e me observa por completo.
― Você é tão linda, leoazinha.
― Para de me chamar assim... ― sussurro e ele sorri de canto.
― Não resisto. ― Ele umedece os lábios e me beija novamente.
Sua mão desliza pelo meu ombro seguindo até meu seio onde ele o
pega por inteiro na mão, seu polegar passa pelo meu mamilo e meu corpo
arrepia inteiro.
No momento seguinte, seu polegar dá lugar aos seus lábios e ele
abocanha meu mamilo fazendo meu ar ficar preso na garganta. Sua língua
áspera desliza pela minha pele e eu arfo me agarrando ainda mais a ele.
Passo meus dedos pelos seus cabelos sedosos e seguro os fios nas
mãos.
― Larissa? ― Ele sobe o rosto chamando por meu nome e eu saio
do transe em que estava completamente embevecida por seus beijos.
Desperto totalmente e o encaro.
― Antes de continuarmos, preciso saber se realmente é isso o que
quer...
Engulo em seco e mordo meu lábio. Dante passa o polegar por ele e
me olha fundo em meus olhos esperando por uma resposta.
Assinto com a cabeça e ele levanta as sobrancelhas como se
estivesse esperando uma resposta em voz alta.
― Diga, Larissa. ― Ele pede.
― Eu quero ― falo e o beijo.
Enlaço seu pescoço com meus braços e, Dante segura minha bunda
com as mãos. Sua boca desce beijando meu pescoço até chegar em meus
seios.
Uma mão segura firmemente um deles enquanto sua língua castiga
meu mamilo sem dó me fazendo me contorcer em seus braços.
Dante chupa minha pele fazendo o barulho se misturar ao som da
chuva caindo lá fora.
Deixo minha cabeça tombar para trás enquanto seguro seus cabelos
em minhas mãos, então ele para de beijar meus seios e se levanta. Me
pergunto o porquê de ele ter parado de repente, Dante pega um travesseiro e
o coloca na lateral da cama.
― Quero que se sente aqui, Larissa ― ele diz apontando para o
travesseiro.
― Me sentar?! ― pergunto sem entender.
― Sim. ― Ele ri e me estende a mão para que eu me levante.
Me sento sobre o travesseiro como ele pediu e então sua mão vem
até meu peito e me empurra para trás.
― O que está fazendo?! ― pergunto para ele.
― Quero que se deite na cama.
Me deito de costas na cama e a minha pélvis fica mais alta que meu
corpo. Dante se ajoelha no chão e abaixa a sua cabeça dando pequenos
beijos nas partes internas das minhas coxas.
Suas mãos afastam as minhas pernas deixando a minha boceta
completamente exposta para ele.
Dante desliza a língua em torno dos lábios, com movimentos de
baixo para cima, bem devagar intercalando com beijos em minhas coxas.
Sinto algo gelado em minha pele e levanto a minha cabeça para ver
ele com a metade de um pêssego deslizando por meu ponto mais sensível.
― Dante! O que você está fazendo?!
Ele ri e chupa a minha pele me causando uma onda de prazer
misturada à surpresa de ter uma fruta em minha boceta.
― Estou comendo uma fruta de um jeito diferente... ― desliza
novamente o pedaço de pêssego sobre meu clitóris e o deixa lá por alguns
segundos só para abocanhar a minha pele junto com a fruta.
― Ahh... ― solto um gemido surpreso e ao mesmo tempo cheio de
desejo.
Minha boceta pulsa conforme Dante a chupa e essa é uma das
maiores e melhores sensações que eu já senti na vida.
Dante suga os lábios da minha boceta se deliciando como se
estivesse num banquete e quando eu acho que estou a ponto de gozar em
sua boca, ele para e passa a somente deslizar os dedos pelas minhas pernas
em formas circulares.
― Dante... ― choramingo sentindo a sua falta no meio das minhas
pernas e ele olha para mim.
― Estava quase gozando, não é? ― ele pergunta e eu concordo. Ele
ri. ― Você não vai gozar agora, leoazinha.
― E quando então? ― pergunto ansiosa e ele ri olhando para o
prato ao nosso lado.
― Ainda tenho bastante frutas aqui e quero provar cada uma delas
em seu corpo. ― Mordo meu lábio e um trovão ecoa lá fora. ― É como eu
disse... temos a noite toda, Larissa.
Dessa vez ele pega uma fatia de abacaxi e trilha um caminho desde
pouco acima do meu joelho, pela parte interna da coxa até a minha boceta
se demorando um pouco mais sobre meu clitóris.
A fruta está gelada e minha pele se arrepia. Em seguida ele vem
com a língua quente e úmida lambendo todo o trajeto que fez com a fruta e
quando chega a minha boceta, ele abocanha meu clitóris fazendo-me arfar.
― Ah, meu Deus! ― exclamo agarrando o lençol com as mãos.
Dante continua a alternar entre beijos molhados e chupadas em
minha boceta e quando acho que meu corpo irá entrar em combustão, ele
para com seus movimentos e eu bufo irritada.
― Dante! ― exclamo e ouço a sua risada baixinha.
Levo minhas mãos aos meus cabelos e umedeço meus lábios.
Quando estou prestes a me levantar, o maldito recomeça com a tortura e
dessa vez abocanha meu clitóris e o suga me fazendo ver estrelas.
Ao mesmo tempo em que continua a sugar de forma forte, ele
introduz um dedo dentro de mim e o mexe lá dentro atingindo um ponto até
então completamente desconhecido por mim.
― Ah, Dante... por favor... não pare! ― Solto um gritinho quando
ele continua dessa vez de forma repetida e acelerada e quando sinto meu
gozo chegando, me contorço por inteira fechando os olhos.
Múltiplos pontos coloridos aparecem a minha frente e eu mordo
meu polegar para não gritar, já que a onda de prazer que me atinge é tão
intensa que me faz quase esquecer onde estamos.
Minhas mãos vão até a sua cabeça ainda no meio das minhas pernas,
puxo seus cabelos enquanto gemo e meu corpo estremece.
Quando os espasmos ainda estão se espalhando por todo o meu
corpo, Dante se levanta e me puxa pelos braços me colocando sentada na
cama.
― Está toda molinha... ― ele brinca rindo enquanto me beija
esfregando a barba pelo meu rosto. Dante suga a minha língua e desce
beijando meu rosto e pescoço. ― Deliciosa!
Me ajuda a me levantar e se coloca atrás de mim. Sua mão agarra os
cabelos da minha nuca e me puxa para ele colando a sua boca na minha
orelha.
― Sabe, leoazinha... já comi todo tipo de fruta, mas... nenhuma
delas é tão gostosa quanto provada na sua boceta. ― Finaliza sussurrando e
a minha pele se arrepia.
Ah, meu Deus... eu vou enlouquecer...
Penso e levanto as minhas mãos acima da minha cabeça para tocá-
lo.
― Quero que fique de quatro nessa cama, Larissa. ― Engulo em
seco. ― Você vai ficar com essa bunda bem arrebitada para cima, enquanto
eu te como e sabe o que mais eu vou fazer? ― Nego com a cabeça e a
minha respiração acelera. ― Vou dar tapas em sua bunda... e sabe o que
mais? ― Suga o lóbulo da minha orelha e o sangue circula cada vez mais
rápido em minhas veias. ― Vou passar o dedo pelo seu cuzinho. ―
Engasgo e ele ri. ― Já fez anal, leoazinha? ― Nego engolindo em seco. ―
Relaxe... não vou passar disso hoje, Larissa, mas ... da próxima vez, você
não me escapa e, é bom que já esteja avisada.
Dizendo isso ele me solta e então sua mão desliza por minhas costas
suadas fazendo com que eu me incline sobre a cama na posição que ele
disse para eu ficar.
Colo meu rosto no colchão e espero... ouço ele se movendo pelo
quarto e então um barulho de um pacote sendo aberto.
Levanto um pouco a minha cabeça e olho para trás a ponto de vê-lo
desenrolar a camisinha sobre seu pau grande e grosso.
Dante sobe na cama e se posiciona atrás de mim com as duas mãos
em minha bunda.
Ele se afasta e então sinto a sua língua passar pela minha boceta de
forma lenta. Puxo o ar com força e junto um punhado de lençol em minha
mão o segurando com força.
Sua mão desliza pela minha bunda e então eu sinto seu pau sendo
colocado na minha entrada.
Aos poucos ele vai entrando, centímetro a centímetro e quando está
todo dentro de mim, Dante começa a se mover de forma ritmada
preenchendo cada pequeno espaço do meu canal.
Como disse que faria, sua mão passeia pela minha bunda e então ele
dá o primeiro tapa.
― Ah! ― grito assustada e ele ri.
Com uma das mãos ele continua a repetir o movimento e com a
outra faz exatamente o que falou, colocando o polegar em meu ânus.
Seguro a minha respiração e enquanto estoca repetidas vezes fazendo
nossos corpos se chocarem, seu dedo fica imóvel dentro de mim.
― Quero que se toque, Larissa. ― Ele diz gemendo e eu engulo em
seco levando a minha mão até a minha boceta e faço o que ele me pede.
O meu prazer aumenta consideravelmente e conforme Dante avança
com seus movimentos e mantém o polegar parado no mesmo lugar, eu
continuo a estimular meu clitóris e não demora muito para que mais uma
vez o meu gozo se aproxime já que estou sendo estimulada de todas as
maneiras possíveis.
― Ah... Dante...
― Diga, leoazinha... está quase gozando no meu pau?
― Si... sim... ― gaguejo quando sinto o prazer tomando conta de
mim novamente e tapo a minha boca no colchão enquanto solto um grito de
prazer vindo do fundo da garganta.
Dante segura a minha bunda com as duas mãos e continua a socar
sem parar até me segurar com força e gozar em seguida.
Ele me puxa para cima e cola as minhas costas em seu peito se
mantendo ainda dentro de mim.
Sua mão vem até meu cabelo e o afasta do meu pescoço depositando
um beijo ali.
― Você é gostosa pra caralho, Larissa ― diz num sussurro em
minha orelha.
Umedeço meus lábios e ele segura meu queixo virando a minha
cabeça para que eu o beije e então enquanto nos beijamos de forma lenta,
ele vai saindo de dentro de mim.
Dante se joga na cama me levando junto com ele e me prende em
seus braços.
Queria muito dizer alguma coisa agora, mas tenho medo de estragar
o clima e então acabo ficando quieta com a cabeça deitada em seu peito.
A sua respiração se normalizando, vai me embalando e eu fecho
meus olhos dormindo quase imediatamente.

Acordo sobressaltada sentindo algo deslizar por minha perna e


quando levanto a cabeça, vejo Dante beijando e passando a língua sobre ela.
― O que está fazendo? ― pergunto rindo do modo com que ele me
acorda e afundo a cabeça no travesseiro novamente.
― Vem tomar banho comigo? ― ele pergunta. ― Ou prefere que eu
te dê um banho de gato aqui mesmo?
― Banho de gato? ― pergunto de olhos fechados enquanto ainda
rio dele.
― Sim... posso passar a minha língua pelo seu corpo a noite toda... e
ainda temos frutas ali... ― ele diz e sua mão vem até a minha barriga. ―
Ou posso fazer cócegas em você e te forçar a levantar da cama.
― Não! ― grito me sentando na cama completamente desperta. ―
Cócegas não. ― Ele ri. ― Não queria tomar banho?
― Claro que quero... e com você do meu lado. ― Ele se inclina
sobre a cama e me pega no colo.
― Dante! ― exclamo enquanto ele ri caminhando comigo para o
banheiro onde transamos mais uma vez e tomamos banho antes de
voltarmos para o quarto.
Nos deitamos para dormir por poucas horas até que amanheça e
quando acho que Dante dormiu, ele solta uma sonora risada em meio ao
quarto escuro.
― Do que está rindo? ― pergunto.
― No primeiro dia em que nos encontramos em Preciosa, você me
chamou de xucro e selvagem... então queria te perguntar se gostou do modo
como o xucro e selvagem aqui te tratou. ― Dou risada e umedeço meus
lábios. ― E então, leoazinha? ― Continuo a rir e ele rola por cima de mim
me prendendo debaixo dele. ― Está rindo de mim, leoazinha? ― Nego
enquanto dou risada e depois de quase me faltar o ar, finalmente meu riso
cessa e então ele me beija para recomeçarmos tudo de novo.
É claro que eu gostei, mas não vou dizer, pois senão Dante
Castellamare vai ficar ainda mais convencido do que já é.
CAPÍTULO 10

Antes mesmo de abrir os olhos, já sei que ela não está mais na cama
comigo e ao abri-los e levantar a cabeça do travesseiro, constato que ela não
está no quarto.
Me sento na cama e olho ao redor. O dia já está claro, pois o sol
adentra o quarto pela fresta da cortina. Vejo minhas roupas dobradas numa
pilha ao pé da cama e me levanto.
Onde será que ela foi?
Após ir ao banheiro, volto para o quarto onde me visto e como ela
ainda não apareceu, saio a sua procura.
Caminho pelo corredor indo na direção do saguão onde é servido o
café da manhã e de onde ouço barulho de louça e vozes e ao adentrar o
ambiente, eu a vejo.
Tão linda com os cabelos presos numa trança lateral e sentada tão
elegantemente à mesa.
Juro que se não a tivesse visto usando roupas simples enquanto está
compenetrada nos afazeres da sua fazenda, poderia dizer que ela passasse o
dia assim, em cima dos seus saltos e usando vestidos elegantes.
Me aproximo devagar da sua mesa e quando ela percebe a minha
presença, seu rosto cora violentamente e isso tem uma reação imediata em
meu corpo, pois lembro dela ofegante chamando pelo meu nome enquanto
gozava no meu pau.
― Bom dia, leoazinha. ― Puxo uma cadeira e me sento ao lado
dela.
A observo sussurrar um bom dia enquanto tenta disfarçadamente se
concentrar no café a sua frente.
― Josué me mandou uma mensagem e disse que está quase
chegando. ― Sua voz é baixa e eu me inclino um pouco mais para perto
dela.
― Fiquei magoado em acordar sozinho... não me esperou, nem
depois da nossa noite...
― Esquece isso, Dante! ― Me olha com os olhos arregalados e eu
me divirto em vê-la envergonhada.
O tal Josué entra no saguão acompanhado da dona da pousada e ela
aponta para onde nós estamos.
Larissa quase salta da cadeira ao vê-lo e se ela não estivesse tão
tensa, seria até engraçado.
― Como vou esquecer dos arranhões que deixou em minhas costas?
― digo.
Seu rosto fica branco e ela perde a fala.
― Tudo bem por aqui? ― Josué pergunta olhando dela para mim.
― Melhor impossível, não é, Larissa? ― digo e ela se engasga
tossindo em seguida.
Nós a olhamos preocupados e ela faz sinal com a mão dizendo que
está tudo bem.
― Vocês já estão prontos? ― Josué pergunta depois de vê-la
melhor.
― Estou terminando e Dante ainda não tomou o café da manhã ―
Larissa fala. ― Pode nos esperar alguns minutos, Josué?
― Claro ― ele diz e sorri para ela. ― Espero lá fora. ― Ele pede
licença e sai nos deixando a sós.
― Eu vou tomar meu café bem rápido para podermos ir, mas... você
sabe que eu não gosto de fazer as coisas de forma apressada, não é? Gosto
mesmo é de degustar bem devagar...
― Pode por favor parar com essas piadinhas? ― Ela se vira para
mim dizendo entredentes e eu rio.
― Se acalme, leoazinha ― digo passando o polegar por seu rosto,
mas ela se esquiva do meu toque. ― Você tem algo com ele?
― Com quem? Josué? ― ela pergunta e eu aguardo a sua resposta.
― Não acha que deveria ter me perguntado isso ontem? Acha mesmo que
se eu tivesse um namorado, noivo ou marido iria para cama com você? ―
Fico em silêncio. ― É bom tomar o seu café logo, Dante ― ela diz e leva a
xícara aos lábios.
É a minha deixa para que eu me levante e siga até a mesa para me
servir.
Mas é claro que ela não teria ninguém. Conhecendo Larissa mesmo
que por pouco tempo sei o quão certa ela é e não iria para cama comigo
tendo compromisso com outro homem.

LARISSA
Deixo Dante tomando café no saguão e sigo até a recepção para
acertar a conta e após pagar tudo, agradeço e me despeço da dona e digo
que irei aguardar lá fora.
― Eu trouxe uma cinta rebocadora para rebocar a caminhonete do
playboy ― Josué diz de braços cruzados quando me aproximo.
― Não o chame assim ― falo parando do seu lado e seu semblante
muda.
Josué apenas me encara em silêncio e eu respiro fundo.
― Sei que não é da minha conta, mas... vocês passaram a noite
juntos? ― Levo o polegar à boca e o mordo. ― Está tudo bem, Lari. Não
precisa me responder se não quiser... é só... bem, a gente não conhece ele,
não é? Soube pelos peões que ele era casado em São Paulo e se tratando de
ser um Castellamare, precisamos ter a atenção redobrada.
Umedeço os lábios e limpo a garganta quando Dante passa pela
porta da pensão.
― É como você disse, não é mesmo da sua conta ― digo e limpo a
garganta. Não devia ter dito isso, pois sei que só está preocupado com meu
bem. ― Me desculpe por ter sido grossa com você... eu vou me cuidar.
Podemos ir? ― pergunto a Dante e ele concorda.
― Podia ter deixado para que eu pagasse a pensão... ― diz de forma
enfezada.
― Está tudo bem ― digo me encaminhando para a minha
caminhonete enquanto Josué segue para a caminhonete da fazenda.
Dante vem atrás de mim e entramos juntos no veículo.
― Por que gosta de esfregar na cara dos outros quão rica você é? ―
Estranho a sua pergunta.
― Não entendi.
― No mercado assumiu o prejuízo das bebidas sozinha e hoje pagou
a pensão sem nem me perguntar se queria ao menos dividir...
― Pelo que me lembre, no mercado você ficou mudo quando eu
disse que pagaria tudo e dividir o quarto e dormir aqui a noite passada foi
uma ideia mais minha do que sua...
― Eu sei, mas eu sou homem e deveria ser eu a pagar por tudo.
O encaro e percebo que ele está falando sério.
Ligo a caminhonete e a coloco em movimento seguindo Josué pela
estrada.
― Estamos no século XXI, Dante Castellamare. E se eu tenho
dinheiro, por que não pagar?
― Eu sei, mas...
― Você era casado? ― Mudo de assunto e ele solta o ar pela boca
visivelmente incomodado.
― Sim. ― Silêncio. Tenho vontade de perguntar por quanto tempo,
como foi e porque terminou, mas me calo, pois acredito que isso não seja
um assunto que ele goste de falar. ― Fui casado por quase quinze anos...
― É muito tempo ― digo e ele fica em silêncio apenas olhando
para a paisagem pelo vidro. ― Posso perguntar o por que de ter acabado?
Dante continua calado e não diz nada.
E eu me arrependo de ter feito a pergunta.
Só quando estamos chegando na sua caminhonete é que ele fala.
― Tudo nessa vida acaba, Larissa. Nada dura para sempre. ―
Finaliza de forma amarga quando eu desligo o motor, olha para mim e
quando eu penso que ele dirá algo mais, ele abre a porta e desce.

Josué e Dante engatam a cinta rebocadora na caminhonete e eu me


pergunto se ele está chateado comigo com as perguntas que fiz, já que ele
nem me olhou desde que chegamos aqui.
Após tudo pronto, ele agradece a nós e se encaminha para a sua
caminhonete, Josué acena com a cabeça e sobe na caminhonete da fazenda
e só após ele sair puxando a caminhonete de Dante é que eu ando até meu
veículo e os sigo.
O restante da viagem é feita de forma lenta e chegamos em Preciosa
já perto da hora do almoço. Eles seguem até a oficina no centro da cidade
para deixar a caminhonete de Dante lá e, eu aguardo para perguntar se ele
precisa de mais alguma coisa.
Como é domingo, o centro da cidade está quase vazio e silencioso e
depois que o mecânico os ajuda a colocarem o carro para dentro da oficina,
Josué e Dante saem de lá e eu me pergunto como ele irá embora.
― Quer uma carona até sua casa? ― pergunto e ele olha para onde
estou estacionada do outro lado da rua.
Josué segue até o veículo da fazenda e Dante atravessa a rua para
falar comigo.
― Eu já abusei demais da sua boa vontade, Larissa.
― Nossas propriedades são vizinhas, Dante... anda, sobe aí que eu
te levo.
Ele sorri de canto e dá a volta na caminhonete para subir no lado do
passageiro.
Josué passa por nós e buzina e eu coloco a caminhonete em
movimento.
Ao passar pela praça, ouço a risada de Dante.
― O que foi? ― pergunto achando graça.
― Lembra do nosso primeiro encontro?
Sorrio ao me lembrar.
― Você quase me atropelou!
― Você atravessou a rua sem olhar!
― Quem olha para atravessar a rua aqui em Preciosa? ― pergunto
chocada. ― Os carros andam quase parando e ao menos aqui no centro
ninguém anda montado em cavalos. Ainda mais na velocidade em que você
estava!
Dante fica calado por alguns segundos.
― Eu assumo que estava errado.
― Como é? Um Castellamare admitindo que estava errado?
― Sim! Eu assumo meus erros.
― Estou impressionada. ― Tiro sarro dele.
― Eu não sou como meu pai, Larissa ― ele fala sério.
― Desculpe... eu não quis dizer isso ― digo envergonhada.
― Eu sei. E está tudo bem. ― Faz uma pausa. ― Sei que meu pai
foi uma pessoa difícil de lidar, acabou afastando as pessoas que gostavam
dele, mas... hoje de certa forma eu o entendo.
Continuo em silêncio enquanto dirijo.
― A Vera me contou o que aconteceu...
― Que a minha mãe abandonou a mim e a ele e fugiu com o capataz
levando a minha irmã junto com ela? ― ele diz de forma ríspida.
Limpo a garganta e umedeço os lábios.
― Desculpe, Dante... eu não quis ser indelicada...
― Eu sei, Larissa. ― Ele me corta. ― O dia em que fui até a sua
casa, perdi a cabeça quando você trouxe à tona esse assunto. ― Respira
fundo soltando o ar pela boca. ― Depois que elas se foram, meu pai virou
outra pessoa, acabou me afastando, eu fui embora e nunca mais voltei... ele
não cuidou de nada e bem, você sabe mais do que eu o que aconteceu com a
fazenda...
― Por que não quis vendê-la?
― Meus antepassados chegaram aqui sem nada e levaram décadas
para fazer a Castellamare uma grande fazenda. Meu pai quase acabou com
tudo e mesmo que eu quisesse, ele nunca me deixaria reerguê-la... então
agora que ele se foi, eu quero tentar.
Concordo com a cabeça enquanto passamos pela porteira da sua
fazenda e eu me espanto com a arrumação do lugar.
― Está fazendo um ótimo trabalho, Dante.
Ele sorri quando estaciono em frente à sua casa.
― Eu estou tendo bastante ajuda. ― Ele assume. ― Seu José e dona
Esmeralda vêm quase todos os dias e, enquanto eu e ele andamos pela
propriedade, conversamos a respeito da plantação, maquinário, contratação
de mão de obra... ela ficou aqui na casa com as amigas da igreja cuidando
da limpeza de tudo.
― Eles são incríveis. Ano passado a Vera precisou fazer um
procedimento cirúrgico e, a dona Esmeralda ia todos os dias até a minha
casa para que Vera não precisasse nem levantar da cama.
― Eu morei por anos em São Paulo e nem sequer sabia o nome dos
meus vizinhos. ― Dou risada. ― Quando cheguei, estava tão perdido que
nem sabia por onde começar... e então eles apareceram. Tudo ficou tão
fácil... vou ser eternamente grato a eles.
― É bom saber que tudo está dando certo para você. ― Coloco a
minha mão sobre a sua.
― Quer entrar? ― ele pergunta e eu mordo meu lábio. ― Hoje é
domingo, podemos almoçar juntos... quer dizer, não sou cozinheiro de mão
cheia, mas me viro e é uma forma de agradecimento pela ajuda que me
deu...
Qual é Larissa? Já teve a sua dose de Dante Castellamare. Agora é
hora de ir para casa e esquecer tudo o que aconteceu, mas... o que teria de
mau se eu almoçasse com ele? Nós passamos a noite juntos...
― Tudo bem. ― Me pego dizendo e ele sorri saindo do carro e
novamente antes que eu desça, ele já está do meu lado para me ajudar.
Contenho um sorriso enquanto ele segura a minha mão e me guia
até os degraus da varanda.
Dante abre a porta e entramos.
― Deixa a porta trancada? ― pergunto.
― Sim.
― Estamos em Preciosa, Dante.
― Esqueceu que morei em São Paulo por muitos anos?
Dou risada e ele pede para que eu o siga até a cozinha.
Enquanto adentramos, percebo que a sua casa está bem limpa,
cheirosa, com as paredes recém-pintadas, chão brilhoso e assim que
entramos na cozinha, vejo que está igualmente limpa e organizada.
Dante abre a geladeira e fica indeciso com o que fazer.
― Frango ou carne? ― Me pergunta.
― Frango.
― E de acompanhamento? ― Dou de ombros. ― Eu sou um
péssimo anfitrião. ― Damos risada.
― Arroz e salada está ótimo para mim ― digo e ele concorda então
passa a tirar tudo o que precisa da geladeira.
― Precisa de ajuda? ― Me ofereço e ele nega.
― Pode se sentar aqui. ― Ele puxa a cadeira para que eu me sente
ao lado da bancada e depois que estou acomodada, ele se inclina ficando
com seu rosto a centímetros do meu. Engulo em seco e então ele beija meus
lábios de forma rápida. ― Aceita uma bebida, leoazinha?
― Uma água apenas... ― digo contendo um sorriso por ele me
chamar pelo apelido que me deu.
Depois que ele me serve um copo de água, volta a preparar o
almoço e enquanto ele cozinha, eu o observo.
Dante Castellamare é um homem bonito, muito bonito na verdade.
Arrogante muitas das vezes e me tira do sério com poucas palavras, mas
ontem... nós nos demos tão bem na cama que parecia que nos conhecíamos
há anos...
Os pensamentos da noite anterior cruzam a minha mente e, eu sorrio
ao lembrar do quanto ele foi diferente comigo.
Seus beijos, suas mãos me dando prazer, seus gemidos roucos...
E agora aqui, preparando o almoço para mim.
Respiro fundo soltando o ar devagar.
Nunca tive um namorado, apenas alguns encontros passageiros, pois
todos os homens com quem saí, não moravam em Preciosa, mas... depois
desse final de semana, não sei como será, já que Dante é meu vizinho e eu o
verei quase todos os dias.
CAPÍTULO 11

― E então? ― ele pergunta depois que eu dou a primeira garfada


esperando ansiosamente que eu diga o que achei da refeição que ele
preparou.
― Está ótimo ― digo comendo mais uma porção. Seu olhar é
incrédulo e ele observa atentamente cada milímetro do meu rosto. ― É
sério! Está muito bom de verdade. ― Sou sincera e ele ri. ― Do que está
rindo?
― Nem está tão bom assim, Larissa.
― Dante, se eu estou falando que está ótimo, é porque está. ― Bebo
um gole da minha água. ― Eu por exemplo, não sei quase nada na
cozinha... ― dou de ombros ― só sei passar café. ― Acabo rindo e ele fica
sério de repente.
― Sabe mesmo passar café? ― Me pergunta e eu acho estranho,
mas por fim concordo. ― Pois assim que terminarmos nosso almoço, é
exatamente isso que você irá fazer.
― Café?
― É. ― Franzo as minhas sobrancelhas. ― O meu café fica
horrível!
O encaro em silêncio esperando que ele diga se tratar de uma
brincadeira, mas não.
― Está mesmo falando sério! ― Constato e ele sorri de canto. ―
Como pode?
― O quê?
― Dante, você agora é um produtor de café! É sua obrigação saber
preparar a bebida...
Ele gargalha olhando para o teto da cozinha onde estamos
almoçando e eu o acompanho.
― Eu sou a vergonha da família ― ele diz. ― Não sei cultivar um
pé de café, não entendo nada de clima, de solo, de manutenção de
maquinários, não faço ideia de quando o grão de café está ou não maduro e
pronto para a colheita... se meus antepassados estivessem vivos, me
deserdariam...
― Não é para tanto. ― Afirmo terminando de comer. ― Ninguém
nasce sabendo, não é o que dizem? A pergunta é: está disposto a aprender?
― Eu tenho que aprender, Larissa ― ele diz sério. ― A fazenda é
tudo o que me resta. ― Meu coração acelera ao ouvi-lo dizendo isso. ― E
eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para não a perder...
O encaro em silêncio e então me dou conta de que eu e Dante somos
opostos e ao mesmo tempo tão parecidos.
A fazenda Florescer é a minha vida e, eu não me vejo fazendo outra
coisa que não seja administrando-a e cuidando do que meu pai deixou.
Queria e muito comprar a fazenda Castellamare, mas depois do
brilho que vi nos olhos dele... não posso fazer isso. Não sem antes deixá-lo
tentar.
― O assunto ficou pesado de repente. ― Ele ri tentando disfarçar o
clima. ― Mas e então, irá me mostrar que sabe preparar um bom café? ―
pergunta se levantando.
― Mas é claro ― digo animada e o ajudo a tirar a louça da mesa.
Após o ajudar com a louça, ele coloca tudo o que eu precisarei para
passar o café e assim que a bebida começa a ser coada, o cheiro delicioso se
espalha pelo ambiente e ele sorri.
― Eu juro que faço tudo isso... até fico alegre quando sinto o cheiro,
mas o gosto é terrível. ― Dante confessa parado do meu lado, enquanto
sirvo uma xícara de café para ele.
― Pois, então prove ― falo entregando a xícara em suas mãos.
Ele sorve um gole da bebida e fecha os olhos gemendo.
Engulo em seco.
Seria terminantemente proibido de um homem gemer assim desse
jeito.
Limpo a garganta e cruzo os braços para que ele não veja o que o
som do seu gemido faz com meu corpo.
Dante abre os olhos e me encara.
― Está muito bom, leoazinha...
Engulo em seco e minhas pernas tremem. Levo o polegar à minha
boca e o mordo.
Dante coloca a xícara sobre a bancada e se aproxima parando na
minha frente.
― Percebi que tem a mania de sempre morder o polegar ― ele diz
com a voz rouca e baixa, pegando a minha mão entre as suas. Minha
respiração acelera e o ar me falta. ― Então queria saber o que sente
quando faz isso. ― Ele fala levando meu polegar até seus lábios. Um
arrepio passa por meu corpo fazendo-me estremecer quando Dante passa a
língua pelo meu dedo. Em seguida ele o suga e morde de leve.
― Dante... ― acabo falando seu nome num sussurro.
― Sim? ― ele pergunta me enlaçando com a mão livre e me
puxando para si.
Estou presa em seus braços e completamente inebriada pela onda de
prazer que atingiu meu corpo assim que ele colocou meu dedo em sua boca.
Sua língua faz pequenos círculos em meu dedo e eu me lembro da
noite de ontem quando ele fez esses mesmos movimentos em meu clitóris.
Mordo meu lábio e engulo em seco.
Um brilho de divertimento passa por seus olhos e um pequeno
sorriso brota em seus lábios.
Dante solta meu dedo e enfia a mão em meus cabelos puxando a
minha cabeça para mais perto da dele.
― Ah, leoazinha... o que você fez comigo? ― pergunta antes de me
beijar de forma feroz.
Seu beijo é exigente, sedento e em poucos segundos, ele desabotoa a
camisa e a tira me deixando passar as mãos por seu peito e abdômen.
Me vejo sendo levantada por ele, que me coloca sentada sobre a
bancada e continua a me beijar.
Dante se posiciona no meio das minhas pernas e eu enlaço a sua
cintura. Levo minhas mãos até seus cabelos e os puxo com força.
Dante ri no meio do nosso beijo e me segura firme pela cintura com
um dos braços, com a mão livre, ele sobe a barra do meu vestido me
colocando sentada sobre a bancada gelada somente de calcinha.
― Uh! ― Solto um gemido abafado me assustando com o gelado
em contato com a minha pele.
Suas mãos grandes passeiam por minhas coxas e, eu me enrosco
ainda mais nele.
Cravo minhas unhas em suas costas quando ele começa a beijar meu
pescoço e ele passa a sugar a minha pele.
― Dante! ― exclamo tentando interrompê-lo. ― Assim você vai
deixar uma marca aí ― digo empurrando seu peito.
Ele se afasta e ri. Em seguida segura meu pescoço com uma mão
apenas.
― Então vou deixar marcas em sua bunda, leoazinha ― ele fala e
eu sinto um tapa em minha bunda.
― Ah! ― grito assustada, mas ele mantém a mão firme em meu
pescoço e me puxa para ele.
Dá um beijo quase possessivo em meus lábios e me afasta.
― O que acha de ficar com a sua bunda com o sinal da minha mão?
― Não se atreva! ― digo num fio de voz e, ele ri de canto antes de
me beijar mais uma vez e, enquanto está me beijando, me desfere outro
tapa.
Meu grito fica preso na garganta.
Sua mão segura meu queixo de modo firme e ele me olha nos olhos.
― Se não gostar, é só pedir para parar que eu paro... imediatamente,
entendeu? ― Mas por incrível que pareça, ao invés de dizer algo que o
impeça, fico em silêncio apenas aguardando o que vem a seguir e apenas
concordo com a cabeça fazendo um sorriso sacana brotar em seus lábios. ―
Ah, Larissa... o que eu faço com você?
Meu coração parece escola de samba dentro do peito e, eu só quero
saber até onde ele pretende ir fazendo tudo isso comigo.
Dante procura o zíper do meu vestido em minhas costas e quando
ele o desce, sei que já não tem mais volta e eu estou completamente
entregue em seus braços.
Já livre do meu vestido e apenas de calcinha sentada em sua
bancada, Dante desabotoa a sua calça e tira seu pau grande e volumoso para
fora da cueca.
Levo minhas mãos até ele e o seguro entre elas. Faço movimento de
vai e vem e, Dante apenas fecha os olhos e geme.
― Você sabe que mexe comigo quando faz isso, não sabe? ―
pergunto segurando suas bolas fortemente com uma mão apenas. Devagar
vou apertando, ele abre os olhos e o vejo engolir em seco.
― O que eu faço? ― Pergunta baixinho.
― Geme de olhos fechados...
― Não gosta? ― pergunta trazendo uma mão até meu rosto e a leva
até a minha nuca onde segura meu cabelo e o puxa para trás fazendo meu
corpo se arquear.
Solto seu pau e inclino minha cabeça. Meus seios ficam totalmente a
sua mercê e ele passa a língua sobre um dos mamilos fazendo com que eu
puxe o ar com força.
― Não me respondeu, Larissa... ― sua língua passeia de um
mamilo a outro.
― O que quer que eu responda?
― O que sente quando eu gemo de olhos fechados?
Fico em silêncio apenas me deliciando com os beijos e chupadas
que ele está dando em meus seios e, então Dante para de repente e me puxa
para ele.
Olha firme em meus olhos e cola nossas testas segurando minha
cabeça entre as suas mãos.
― Diga! ― Ordena e eu umedeço meus lábios.
― Meu corpo todo se acende quando faz isso.
― Deixe-me ver ― ele diz e sua mão desce pelo meu rosto,
pescoço, segue trilhando um caminho que passa pela minha barriga até a
minha calcinha.
Dante afasta o tecido para o lado e passa o dedo pela minha boceta.
― Ah, Larissa... sua boceta está completamente pronta para mim...
― Começo a mover minhas mãos por seu peito e ele as segura com uma
mão apenas, as coloca para trás do meu corpo e as prende às minhas costas.
― Quero você assim... presa e entregue a mim.
― Dante... ― choramingo tentando me livrar do seu aperto.
― Shiii ― ele diz baixinho. ― Só vou te soltar quando estiver
completamente saciado de você. ― Sua boca vem até minha orelha. ―
Entendeu, leoazinha? ― A última frase é dita num gemido e eu fecho meus
olhos me contorcendo em seus braços.
Dante me puxa para a beirada da bancada e guia seu pau até a minha
boceta entrando duro e forte de uma só vez.
― Humm... ― Solto quando ele começa as suas estocadas ritmadas.
― Está gostando? ― ele pergunta enquanto ainda segura minhas
mãos atrás do meu corpo. ― Abre seus olhos, Larissa! Quero você olhando
para mim enquanto eu a fodo!
Faço o que ele pede e suas estocadas se tornam intensas e cada vez
mais rápidas.
Com a mão livre, ele a leva até meu clitóris e começa a massageá-lo.
Puta merda! Se continuar assim, não vou aguentar por muito tempo
e irei me desmanchar em seus braços.
― Olha para mim, Larissa!
Seu polegar desliza de forma frenética sobre meu clitóris, enquanto
suas estocadas firmes e fortes chacoalham meu corpo.
Sinto o prazer cada vez mais perto e mordo meu lábio.
O suor brota na minha testa e escorre por minhas costas.
― Dante... ― digo chegando ao ápice e então ele solta meus braços
e me puxa para ele sem parar seus movimentos.
Suas mãos seguram minha bunda e, eu enlaço seu pescoço num
abraço apertado.
Dante me aperta ainda mais e solta um urro do fundo da garganta
quando goza e isso me deixa extasiada já que disse a ele que gosto de ouvir
o seu gemido.
Ficamos abraçados por algum tempo até que nossas respirações se
acalmem e só então é que ele sai de dentro de mim.
Seus olhos azuis estão confusos e após me dar um beijo rápido nos
lábios, ele coloca a minha calcinha no lugar e me ajuda a colocar o vestido.
Suas mãos seguram firmemente a minha cintura e ele me desce da
bancada me deixando em pé a sua frente.
― Consegue ficar em pé sozinha? ― pergunta segurando meu
queixo com o polegar.
― Sim.
Sorri de canto e deposita um beijo em meus lábios antes de erguer
ajeitar a sua cueca e calça.
Em seguida pega a sua camisa do chão e a veste.
Limpo a garganta e sirvo uma xícara de café para mim.
Minhas pernas estão trêmulas e meu coração está aos saltos dentro
do peito.
O silêncio toma conta do ambiente e então eu sei que é hora de ir
embora.
Respiro fundo terminando de beber meu café.
― Eu preciso ir para casa ― digo me afastando da bancada.
Dante segura meu braço e me puxa para ele.
Seus braços enlaçam meu corpo num abraço apertado e eu o sinto
aspirar o cheiro do meu cabelo.
― Eu quero te ver mais vezes ― ele diz depois de se afastar
olhando em meus olhos e o ar me falta. ― Agora que provei de você, não
vou ficar afastado.
Engulo em seco sem saber o que responder.
― Diga alguma coisa, Larissa... um sinal, uma piscada... qualquer
coisa que prove que também quer me ver. ― Sua respiração está acelerada.
Ele assente com a cabeça e ri me soltando. ― Entendi. ― Limpa a
garganta. ― É claro que você não quer nada comigo... eu é que pensei e,
bem... ― ri mais uma vez sem humor. ― Está certo. ― Respira fundo. ―
Tudo bem...
― Você fala demais, Dante Castellamare ― digo agarrando a sua
camisa e a puxo para baixo dando um beijo em sua boca. ― É claro que eu
também quero te ver. ― Dou risada quando ele me levanta no ar e me beija.
― Te espero amanhã para jantar comigo ― ele diz e eu ergo minhas
sobrancelhas.
― Eu tenho a colheita para supervisionar... não sei se será possível
― falo e ele me coloca no chão.
― A hora que for, pode ser até de madrugada, mas... vou ficar te
esperando. ― Abro um sorriso e ele me beija mais uma vez. ― Você vem?
― Sim. ― Sorrio e ele me beija mais uma vez. ― Agora preciso ir.
Me acompanha até a porta?
Ele assente e caminha comigo de mãos dadas pela casa até a porta.
Nos despedimos, desço os degraus da varanda até a minha caminhonete e
assim que coloco o carro em movimento na direção da saída, respiro fundo
e penso no que estou fazendo.
Mordo meu dedo com tanta força que sinto gosto de sangue na boca.
Eu não estou me reconhecendo.
Sempre fui centrada, focada e tenho meus planos todos traçados,
mas... é só Dante Castellamare chegar, a menos de um metro de distância
que eu mando tudo isso para o ar.
Dou risada sozinha enquanto vou embora.
― Eu tô é perdida. Isso sim! ― digo em voz alta.
Mas que mal tem de passar um tempo ao lado dele? Dante é alegre,
faz umas piadinhas sem graça, mas que sempre me arranca risos e tem um
humor excepcional.
Estar na sua presença é bom e talvez ele não seja como o pai, afinal.
Bem... vamos ver até onde isso nos leva.
CAPÍTULO 12

DIAS DEPOIS
A colheita do café da fazenda Florescer está atrasada pois começou
a chover no domingo à tarde e até agora não deu trégua, então não podemos
fazer nada que não seja esperar e essa espera sem previsão de parada, me
deixa nervosa e estressada.
No meio disso tudo resolvi dar um pouco mais de atenção à cidade e
tudo o que ela precisa e tenho me reunido com o prefeito e os líderes da
comunidade durante esses dias, buscando melhorias para a cidade e também
para a população, pois como meu pai fazia, procuro auxiliar a todos e sendo
uma figura pública aqui, muitos me pedem ajuda e não vejo o porquê não
ajudar sendo que tenho condições para isso.
Hoje é sexta-feira já no fim da tarde e pelo visto a chuva deu uma
trégua já que a última gota caiu do céu perto da hora do almoço.
Josué e eu descemos da caminhonete em frente à minha casa e
caminhamos conversando e desviando das poças de água até os degraus da
varanda. Assim que coloco meus pés na sala, vejo uma cesta de produtos
sobre a mesa de centro.
Franzo as minhas sobrancelhas e caminho lentamente até ela curiosa
para saber quem mandou e assim que me abaixo, vejo a pelúcia de leão com
laço rosa no pescoço e então eu sorrio, pois sei imediatamente quem
mandou.
― Uma cesta de frutas, vinho, queijos e um urso de pelúcia? ―
Josué pergunta do meu lado. ― Quem mandou?
― É um leão ― digo apontando para a pelúcia.
― Uma leoazinha, na verdade, não? ― Meu rosto cora.
― O que disse?
― O laço é rosa, Lari... é uma leoa.
― É... ― Limpo a garganta e endireito o corpo.
― Tem ideia de quem te mandou isso? ― Umedeço os lábios e
desvio o olhar dele. ― Eu faço uma ideia de quem seja ― ele diz de forma
zangada, mas não diz mais nada. ― Eu vou procurar a Vera.
Fala e sai da sala me deixando sozinha de frente a cesta cheia de
coisas.
Desfaço o laço e pego a leoazinha nas mãos.
Um sorriso brota em meus lábios e eu me sinto uma adolescente
recebendo uma cartinha do menino que gosto. Respiro fundo e a levo até o
escritório onde pego o telefone e ligo para ele.
Eu e Dante estivemos juntos na terça-feira e combinamos de passar
o sábado juntos, acaso ainda estivesse chovendo, o que acredito que não
seja possível já que parou de chover hoje e provavelmente a colheita
começará amanhã se o tempo continuar firme.
Depois que saí da sua casa na terça à noite, não nos falamos mais,
pois ele deve estar ocupado com os assuntos da sua fazenda assim como eu
também me ocupei a semana toda.
Combinamos e nos vermos amanhã, mas como o tempo melhorou e
a cesta que ele me mandou chegou hoje, resolvo ligar para sua casa e assim
marcarmos um jantar, talvez.
― Alô. ― Ele me atende no final do quarto toque e pelo visto algo o
está preocupando, pois a sua voz está bem irritada.
― Te liguei em uma má hora? ― pergunto e ele solta o ar.
― Oi... ― silêncio e segundos depois ele volta a falar ― eu preciso
conversar com você...
― Estou ouvindo ― digo já com o coração batendo na garganta
preocupada com o que possa estar acontecendo com ele. ― Aconteceu
alguma coisa?
― Sim...
― Eu posso ajudar?
― Não...
― O que está acontecendo, Dante?
― Larissa, eu... ― ouço uma voz feminina próxima dele e penso
estar ouvindo coisas.
Eu liguei para o telefone fixo da sua casa... então é lá que ele está.
― Tem alguém com você em sua casa, Dante? ― pergunto num fio
de voz e do outro lado há apenas silêncio.
Penso que a ligação talvez possa ter caído, mas então ele volta a
falar.
― Aconteceram muitas coisas desde a última vez que nos vimos,
mas eu vou te explicar tudo...
― Por telefone, Dante? É sério isso?!
Silêncio.
― A minha ex-mulher apareceu aqui em minha casa na quarta-feira
e...
― E? ― pergunto com o coração batendo na garganta.
― Ela está grávida. ― Ele solta como se fosse um suspiro cansado.
Engulo em seco e me sento na cadeira atrás da minha mesa.
― E o filho é seu?! ― digo e ele apenas fica em silêncio. Respiro
fundo soltando o ar devagar. ― Tudo bem... ― digo mordendo o polegar
com força. ― Que bom para você, não é? ― Meus olhos ardem. ― Desejo
tudo de bom para vocês e para o bebê...
― Larissa, espera... ― ele me chama desesperado.
― Tchau, Dante. ― Encerro a ligação e olho para a pelúcia sobre a
mesa.
Mordo meu lábio e meu corpo todo é tomado por um frio repentino.
Pego a pelúcia, volto para a sala, a coloco na cesta novamente e levo
tudo para a cozinha.
Vera, Ferreira e Josué estão conversando sobre a colheita quando
entro e eles se calam.
― Ferreira, leve essa cesta para o alojamento e partilhe com os
meninos.
― Nuu, patroa... fico muito agradecido. ― Ele sorri pegando a cesta
das minhas mãos. ― E esse ursinho?
― Pode dá-lo para qualquer um deles que tenha uma filhinha... ―
digo e ele continua a olhar para a cesta com os olhos brilhando.
― O Godói tem uma menininha... ela vai gostar de ganhar um
ursinho... ― ele diz se encaminhando para a porta dos fundos. ―
Agradecido, patroa... ― Ele diz e sai da cozinha levando o presente que
Dante me deu.
― Ótimo ― digo já com o ar me faltando dentro do peito. ― Vera,
se por um acaso o senhor Castellamare ligar e pedir para falar comigo, diga
a ele que eu não estou e se por acaso ele vier até a fazenda, pode recebê-lo,
Josué?
― Claro que sim ― ele diz de cara fechada e cruza os braços de
forma defensiva.
― Obrigada. ― Umedeço meus lábios e engulo em seco. ― Eu vou
tomar banho e me deitar... estou com um pouco de dor de cabeça... não
precisa me chamar para jantar.
― Está tudo bem, menina? ― Vera me pergunta com semblante
preocupado.
― Vai ficar ― digo e saio da cozinha antes que me debulhe em
lágrimas.
Subo as escadas correndo e entro em meu quarto fechando a porta
em seguida.
Mas que droga!
Por que fui me interessar logo por um homem que não tinha o
passado resolvido?
E tinha que ser logo Dante Castellamare?
E tínhamos que ser vizinhos?
Uma lágrima escorre pelo meu rosto.
Morando na mesma cidade, com nossas propriedades fazendo divisa
com a outra, eu sempre vou vê-lo por aí... com a mulher e o filho deles...
Olho para o teto.
Por que tinha que terminar assim?

DANTE
DIAS ANTES
Já é quarta-feira e a chuva continua a cair forte sem sinais de parar.
Estou pensando em Larissa desde que acordei e então resolvo fazer
uma surpresa para ela.
Entro no escritório e ligo para a casa do seu José, com a ajuda dele e
dona Esmeralda, encontro um presente personalizado e que ela irá gostar.
Uma moça faz cestas de café da manhã aqui em Preciosa, então ligo
no contato que eles me passaram e peço a ela que entregue uma cesta
personalizada na fazenda Florescer.
Depois de finalizar o pedido, me sento e sorrio ao imaginar Larissa
recebendo e vendo o bichinho de pelúcia que fiz questão de que tivesse um
significado especial.
Dou risada sozinho no escritório que era do meu pai e balanço a
cabeça me dando conta de que estou completamente caidinho pela
leoazinha.
Uma buzina soa lá fora me tirando dos meus devaneios e eu saio do
escritório indo ver quem possa ser.
Ao abrir a porta da frente e sair na varanda, vejo o carro de Sálvio
Costa, um dos três taxistas que prestam serviços aqui em Preciosa.
― Bom dia, seu Dante Castellamare... ― ele grita para ser ouvido
em meio a chuva saindo do carro e indo até a porta de trás onde abre um
guarda-chuvas. ― O senhor tem visita ― diz de forma animada.
Assim que a porta se abre e eu vejo os cabelos platinados de Rúbia,
sinto o chão sendo tirado debaixo dos meus pés.
― Mas que porra... ― murmuro sem entender o que está
acontecendo.
― Oi, querido... ― Rúbia fala subindo os degraus da varanda
enquanto limpa as gotas de chuva da sua roupa.
― Rúbia?! O que está fazendo aqui?
― Você não atende os meus telefonemas e não responde as minhas
mensagens... então vim pessoalmente. ― Ela sorri e se afasta para que
Sálvio coloque as duas malas dela ao seu lado na varanda. ― Pode pagar a
corrida a ele, por favor? ― Ela pede com a voz manhosa e eu solto o ar sem
reação nenhuma.
Pago a corrida para Sálvio e assim que ele sobe em seu carro, me
viro e ela não está mais aqui. Penso que talvez tenha sido apenas minha
imaginação, mas as duas malas dela estão aqui, então é mesmo verdade.
Entro em minha casa e ela está fazendo um tour pela minha sala
olhando atentamente para tudo. Rúbia olha de relance para mim e revira os
olhos como sempre fez quando está entediada.
― As minhas malas, querido... ― ela diz em tom de deboche e eu
me obrigo a voltar para fora e pegar as malas dela.
Assim que fecho as portas da casa, cruzo meus braços a frente do
peito.
― O que veio fazer aqui, Rúbia?!
― Eu já disse... tentei falar com você, mas como não me atendia...
― Corta essa! ― Ela se cala. ― O que é tão importante que fez
você se arrancar de São Paulo e vir parar aqui em Preciosa?
― Nossa, por Deus! ― Ela muda de assunto. ― Essa cidade
precisava de um aeroporto, não acha? Onde já se viu, ter que passar mais de
cinco horas sacolejando dentro de um ônibus desde Belo Horizonte até esse
fim de mundo? E quase meia hora dentro de um carro minúsculo igual esse
que me trouxe que ainda se diz ser um táxi...
― Eu vou te perguntar novamente... o que veio fazer aqui, Rúbia?
― Ela se cala e levanta o queixo como se estivesse me desafiando. Por fim,
seu semblante se suaviza e ela sorri.
― Eu estou grávida ― ela diz e agora sim parece que o chão foi
tirado debaixo dos meus pés.
― Como é?
― É... ― ela diz vindo até mim e para a apenas alguns centímetros
de distância de onde estou. ― Tem um bebezinho aqui dentro... nosso filho,
Dante... não está feliz?
― Rúbia, eu... como isso é possível? ― pergunto sem acreditar.
― Ora, Dante! ― Ela ri. ― Não quer que eu te explique a essa
altura como os bebês são feitos, não é mesmo.
Sua mão vem até a minha e ela me puxa para que eu toque sua
barriga.
― É claro que ele ainda é bem pequenininho e tem cerca de doze
semanas, mas... eu fiquei radiante. Não está feliz, meu amor?
― Rúbia... depois que você perdeu nosso bebê logo que nos
casamos... sempre tentamos, mas você nunca engravidou...
― E você mais do que ninguém sabe que sempre fizemos exames
anuais que comprovavam que tanto você quanto eu éramos saudáveis e
aptos a termos um bebê.
― Nós não estamos mais juntos, Rúbia...
― Eu sei, mas ... não é uma coisa do destino? Quer dizer, nós
dormimos juntos e logo depois você veio com a ideia do divórcio...
― Você disse que iria passar uma temporada na casa dos seus pais!
Eu era casado com você, mas quase não te via.
― Mas isso agora irá mudar. ― Ela ri emocionada. ― Parece que
estamos tendo mais uma chance... ― Vem até mim e me abraça.
Só me faltava essa.
Rúbia me olha e se afasta.
― Você odiou saber, não é? ― Me acusa. ― Sempre quis ter um
filho e agora que isso aconteceu, é assim que reage?!
― Não é isso. É que bem... eu fui pego completamente de surpresa.
De todas as notícias do mundo, essa era a menos provável de acontecer...
Rúbia, você tem ideia de tudo o que está acontecendo? ― pergunto chocado
sem acreditar.
― Sim, meu amor. ― Ela sorri, pega meu rosto entre as suas mãos e
me beija. ― Não é um milagre? ― Me abraça. ― Agora... a mãe do seu
bebê precisa descansar, pode me mostrar onde fica seu quarto?
― Meu quarto?
― Sim... preciso me deitar, pôr os pés para cima... de São Paulo até
aqui foram longas horas e eu estou exausta.
― Tudo bem ― digo suspirando enquanto me encaminho para o
corredor com ela em meu encalço. ― Você pode ficar aqui ― digo abrindo
a porta do meu quarto. ― Esse é o melhor quarto da casa, único que é
suíte... vai ficar bem confortável aqui.
― É bem... pitoresco, mas vai ter que servir... afinal serão só alguns
dias, não é mesmo?
― Você vai voltar para São Paulo? ― O medo de crescer longe do
meu filho começa a se formar dentro do meu peito.
― Nós vamos, querido. ― Ela se enlaça em meu pescoço. ― Não
quero que meu filho cresça numa cidadezinha que precise dar zoom para ser
encontrada no mapa.
― Mas Rúbia... ― tiro suas mãos de mim ― a minha fazenda fica
aqui e eu não posso ficar longe.
― É só colocar alguém para administrar... ― dá de ombros.
― Porque não pensa melhor... vai ser bom ficar aqui... Preciosa é
uma cidade boa, com pessoas boas... passar a gravidez aqui pode ser bom...
― Mas nem morta, Dante! ― Ela ri. ― Olhe para mim... acha
mesmo que eu ficarei enfurnada no meio do mato? Essa cidade não tem
sequer uma boutique, quem dirá um shopping. ― Gargalha. ― Acredito
que se perguntar para as pessoas daqui o que é um shopping, a maioria nem
vai saber responder...
― Está sendo preconceituosa na escolha das suas palavras! ― A
repreendo e ela se cala ficando séria.
― Desculpe, não quis ofender o lugarzinho que você nasceu ― diz
passando as mãos pela minha camisa. ― Mas está fora de cogitação que eu
tenha a minha gravidez aqui e nem em hipótese alguma, meu filho nascerá
aqui.
― Rúbia...
― Está decidido, Dante. ― Ela finaliza. ― Ficaremos aqui até que
você encontre alguém para cuidar de tudo para você e assim que tudo
estiver encaminhado, voltaremos para São Paulo.
A encaro sem piscar e minha cabeça dá um nó.
Justo agora que estava tudo se encaminhando?
Estou conseguindo administrar a minha fazenda... a casa e a
propriedade estavam tomando forma e estava até começando a ter um
relacionamento com a Larissa.
Penso nela e fecho meus olhos.
Puta merda!
Como ela reagirá diante dessa notícia?
Quero muito ter um filho... sempre foi meu sonho, mas nas
condições que Rúbia está impondo fica impossível!
Eu preciso encontrar um modo de conciliar tudo isso. Administrar a
fazenda sem ter que ir embora de Preciosa e ter meu filho e Larissa comigo.
CAPÍTULO 13

O mundo literalmente desabou sobre a minha cabeça nesses últimos


dias.
Meu Deus do céu! Como pode tudo estar dando errado?!
Não parou de chover um só minuto nesse lugar desde o final de
semana e sendo assim, não conseguimos verificar se o café está ou não
pronto para a colheita.
A ansiedade toma conta de mim e desde que Rúbia chegou, tudo
piorou consideravelmente.
Ela simplesmente tem odiado estar aqui e tem reclamado de tudo.
Seu José e a esposa estiveram aqui ontem, quinta-feira e eu os
apresentei. Minha ex-mulher nos deixou falando sozinhos e simplesmente
voltou para o quarto.
Fiquei sem ter onde enfiar a cara envergonhado com o seu
comportamento.
Preparei as refeições nesses dias, todas saudáveis e nutritivas já que
ela está grávida e ela simplesmente não come nada, só olha para tudo com
cara de nojo e quando tento tocar sua barriga para me aproximar do meu
filho desde o ventre, ela me afasta.
Nesse exato momento estou sentado em frente à mesa do escritório
com o telefone fixo nas mãos e com uma vontade tremenda de sair por aí
sem rumo.
Acabei de falar com Larissa e contei a ela que Rúbia está aqui e que
ela está grávida.
Respiro fundo, sem saber o que pensar e como agir daqui para
frente.
Larissa desligou na minha cara depois de me desejar felicidades e
desde então estou parado no mesmo lugar como se fosse uma estátua.
― Até que enfim parou de chover! ― Rúbia aparece novamente na
porta do escritório. ― Agora pode sair para encontrar o tal administrador.
― Quer por favor me deixar sozinho por alguns minutos, Rúbia?
Ela fica em silêncio apenas me encarando com os olhos
semicerrados.
― Quem é Larissa? ― ela pergunta e eu respiro fundo. ― É alguma
mulher daqui que está mexendo com a sua cabeça? Está tendo um caso,
Dante?
― Olha, Rúbia... isso não é da sua conta ― digo perdendo a
paciência e ela arregala os olhos. ― Eu vou até a cidade, pois preciso
resolver alguns assuntos.
― Como encontrar o tal administrador?! ― ela pergunta e eu bufo
irritado. Saio do escritório com ela em meu encalço. ― A que horas você
volta?
― Eu não sei ― digo pegando meu chapéu pendurado ao lado da
porta e saio para a varanda.
― Não pode me deixar sozinha aqui, Dante. O que vou ficar
fazendo até você voltar? Nem televisão você tem e a internet aqui é
horrível!
Eu a deixo falando sozinha e desço os degraus da varanda indo até o
galpão onde estão os maquinários e a minha caminhonete, que o mecânico
trouxe da oficina na segunda-feira à tarde.
Subo nela e dou a partida e conforme me afasto da minha casa, vou
me sentindo mais aliviado.
Preciso respirar, espairecer e principalmente me encontrar com
Larissa.
Ela ficou chateada em saber que Rúbia está em minha casa e eu a
entendo. Eu no lugar dela estaria uma fera. Nunca que deixaria um homem
estar em sua casa, ainda mais se fosse um ex dela, nem que para isso eu me
mudasse para lá.
Minutos depois passo pela porteira da sua fazenda e assim que desço
da caminhonete, a primeira pessoa que vejo é o tal Josué que é a sombra da
Larissa.
Ele sai na varanda, me encara com os braços cruzados e cara de
poucos amigos.
Me encaminho até o primeiro degrau e ele desce um degrau com
cara ameaçadora.
― O que quer aqui? ― A sua voz soa agressiva.
― Eu vim falar com a Larissa. ― Subo mais um degrau e ele desce
mais um. Agora somente dois degraus nos separam.
― Ela não está.
― E onde ela foi? ― pergunto frustrado.
― Não é da sua conta, Castellamare.
Meu sangue ferve e subo os últimos dois degraus ficando agora
frente a frente com ele.
― Está mentindo! ― Afirmo e ele levanta uma sobrancelha me
encarando de forma ameaçadora. ― Vá chamá-la. Preciso falar com ela.
― Te dou dez segundos para você virar as costas e sair andando
daqui por conta própria antes que eu faça isso por você.
― Experimenta encostar um dedo em mim para você ver o que te
acontece. ― O ameaço já que foi ele quem começou. Limpo a garganta. ―
É importante que eu fale com ela...
― Ela mesma me pediu para que quando você viesse até aqui, não
deixasse perturbá-la... não faço ideia de qual merda você fez, mas para seu
bem, é bom dar meia-volta e sair daqui.
Engulo em seco.
Ela não vai mesmo me atender. E o capataz não vai me deixar entrar
para esperar.
Solto o ar resignado e desço os degraus voltando para a
caminhonete.
Saio de lá com raiva e no caminho soco o volante diversas vezes.
Preciso encontrar uma maneira de falar com ela, mas para isso
preciso ter um plano já que chegar na sua casa e conversar não vai ser
possível.

LARISSA
Estou sentada em minha cama lendo os folders que Charles me deu
no sábado, sobre os novos grãos de café criados em laboratório quando
alguém bate à porta.
― Entre ― digo prestando atenção em quem está do outro lado.
― Lari... ― Vera aparece na porta. ― O Josué quer falar com você.
― Já estou descendo, Vera.
Ela sai e eu me levanto. Passo as mãos pelos cabelos e ajeito as
minhas roupas.
Saio do quarto e quando estou descendo os últimos degraus da
escada, vejo Josué parado na porta do escritório. Sigo para lá e assim que
entro, percebo que o assunto é sério, pois Josué está com a cara fechada.
― O que aconteceu? ― pergunto dando a volta na mesa e me
sentando na cadeira. Josué se senta na cadeira a minha frente e limpa a
garganta.
― O playboy esteve aqui. ― Meu coração acelera.
― O Dante? ― Josué confirma. ― Quando?
― Faz uns cinco minutos.
― O que ele queria? ― pergunto apoiando meus cotovelos sobre a
mesa.
― Falar com você. ― Fico em silêncio e baixo o olhar. ― O que
aconteceu entre vocês?
Respiro fundo e o encaro. Josué sempre foi um irmão mais velho
para mim e nós sempre conversamos sobre todos os assuntos. Nós dois
sabemos tudo da vida um do outro e sinto que ele precisa saber o que está
acontecendo.
― A ex-mulher do Dante está na casa dele. ― Solto e Josué levanta
as sobrancelhas impressionado com o que acabou de ouvir. ― Ela veio até
aqui porque está esperando um filho dele.
Josué se recosta em sua cadeira e assovia baixinho.
― Mas isso foi de zero a cem muito rápido Lari ― diz e eu dou de
ombros concordando mordendo o polegar. ― Vocês estavam tendo algo,
não é? ― Concordo. ― Estava gostando dele? ― Fico em silêncio e vejo
Josué engolir em seco e fechar os punhos com raiva. ― E agora você vai
retirar o seu time de campo. ― Ele constata e eu afirmo.
― Eu não tenho nada a fazer que não me retirar, Josué ― falo
sinceramente. ― Eu não posso ficar no meio disso tudo. A ex-mulher dele
está aqui e grávida... imagina só ele a deixar em casa para sair comigo? Isso
está fora de cogitação... não quero ser a mulher que cause brigas na relação
deles... e quando a criança nascer? Ele vai ter que se dedicar à família que
está formando e o que tivemos acabou. Simples assim.
― Eu só não sei se ele vai entender... o homem parecia disposto a
plantar os pés aqui e não sair até que você o recebesse.
― Ele vai ter que entender, Josué! ― digo com autoridade. ―
Somos adultos e devemos agir como tal. ― Respiro fundo. ― E a colheita?
― pergunto mudando de assunto.
― Bem, agora temos que esperar e ver se a chuva não vai voltar.
― Esperamos o fim de semana todo e se o sol permanecer,
começaremos na segunda-feira bem cedo.
― Está certo.
Ele se levanta e encaminha para a porta, mas para ao me ouvir
chamá-lo.
― Obrigada. ― Agradeço por ele ter cuidado do assunto de Dante.
― Sempre às ordens, patroa. ― Sorri e me deixa no escritório.
Olho para o telefone e suspiro. Mordo o polegar. Como queria que
tudo isso fosse um sonho ruim apenas.

DANTE
Chego em casa irritado e sigo direto para o quarto de hóspedes onde
estou desde que Rúbia chegou e ficou com o quarto principal. Entro e fecho
a porta com força.
Caminho até a janela, apoio as mãos no parapeito e encaro a
plantação de café alguns metros aos fundos da casa com o céu já
escurecendo.
Segundo seu José, assim que a chuva cessar, poderemos começar a
colheita e eu estou muito ansioso para que isso aconteça.
Ele veio até aqui com a mulher e conversamos a respeito da
contratação de mão de obra e me tranquilizou dizendo que é ele quem vai
cuidar de tudo, mas eu tenho que acompanhar cada passo, já que como ele
mesmo disse “vai me ensinar uma vez apenas”.
Sorrio ao me lembrar dele e de como ele e dona Esmeralda têm me
ajudado desde que cheguei aqui. É notável a melhora que eles fizeram em
minha propriedade e simplesmente sem eu pedir.
Sou muito grato por ter encontrado pessoas boas em meu caminho
logo que coloquei meus pés de volta em Preciosa.
Uma batida na porta me tira dos meus pensamentos e quando me
viro, vejo Rúbia entrando em meu quarto.
― E então? ― ela pergunta e eu a encaro sem entender. ―
Conseguiu encontrar o tal administrador?
― Eu nem fui atrás disso Rúbia ― digo irritado me voltando para a
janela.
― E onde foi então? ― Respiro fundo soltando o ar com força. ―
Foi atrás dela, não foi? ― Fecho meus olhos tentando me controlar para
não retrucar e acabar gritando com ela. ― Você não pode me deixar aqui
nesse fim de mundo esperando um filho seu enquanto vai se encontrar com
essazinha...
Me viro lentamente e acredito que eu tenha um semblante nada
amigável, já que ela se cala imediatamente.
― Nós não somos mais casados, Rúbia e eu não lhe devo mais
satisfações da minha vida a você.
― Mas eu estou grávida de um filho seu... precisamos ficar juntos
para que nosso filho cresça num lar cheio de amor e...
― Um lar cheio de amor? ― Zombo das suas palavras. ― Ficamos
casados por quinze anos e nosso lar tinha de tudo, menos amor! Eram dias e
dias de discussões sem cessar, dormíamos em quartos separados, pois
segundo você, eu roncava e não te deixava dormir. E sem falar quando você
ia para a casa dos seus pais e ficava meses sem aparecer em casa e quando
aparecia as discussões e brigas recomeçavam... nós vivíamos sempre em pé
de guerra, Rúbia.
― Mas quando fazíamos as pazes era bom, não era? ― ela pergunta
se referindo ao sexo que fazíamos. ― E por algumas vezes tivemos alarmes
falsos de gravidezes... e era tão boa a nossa expectativa esperando que fosse
para valer, mas então fazíamos o teste e era jogado um balde de água fria
sobre as nossas cabeças, mas agora Dante, é real. Podemos tentar mais uma
vez. ― Sorri com os olhos cheios de lágrimas.
― O divórcio e a assinatura nos papéis foi só um jeito formal de
dizer que chegou ao fim, mas acredito que o nosso casamento já tenha
acabado tão logo como começou, Rúbia ― digo com os ombros caídos.
― Não, Dante! ― ela grita. ― Eu me recuso a entregar os pontos
assim. ― Respira fundo repetidas vezes e coloca as mãos na barriga. ―
Nós vamos voltar para São Paulo e reataremos nosso casamento. Nosso
filho nascerá e tudo então vai entrar nos eixos.
― Não vai, Rúbia. ― Nego com a cabeça e seu rosto fica vermelho
de raiva. ― Sabe que não vamos voltar a ser o que éramos, até porque
nenhum de nós tem vontade de que isso aconteça. Ninguém quer viver um
inferno com brigas todos os dias.
― Mas isso vai mudar! A partir do momento em que colocarmos os
pés em nosso apartamento, tudo vai ser diferente...
― Sabemos que não vai.
― Eu não vou ficar aqui nesse lixo de cidade para o resto da minha
vida Dante Castellamare! ― Soa ameaçadora.
― A minha vida agora é aqui. Tenho a fazenda para cuidar, pessoas
que dependem de que isso dê certo, funcionários e amigos que estão
confiando em mim. ― Sou sincero com ela e vejo suas narinas delicadas se
dilatarem. ― Não posso te prender aqui, Rúbia... se quiser voltar para São
Paulo, pode ir. Sei que ficar afastado de você durante a sua gravidez e ter
meu filho ou filha crescendo a quilômetros de distância de mim vai ser
doloroso demais, mas ... vocês precisarão de coisas, daqui a algum tempo
terá escola, cursos, viagens... em seguida a faculdade e eu preciso trabalhar
para que ele ou ela tenha esse conforto. Pois assim como meu pai pagou
meus estudos e me manteve em São Paulo até que eu pudesse caminhar
com as minhas próprias pernas, também quero proporcionar isso ao meu
filho.
― É a sua palavra final? ― ela pergunta e eu assinto. ― Tudo
bem... se é assim que quer, assim será! Amanhã mesmo eu vou embora e
você nunca mais vai ter notícias minhas ou dessa criança.
― Não pode fazer isso! Eu sou o pai dessa criança e tenho o direito
de acompanhar já que irei dar toda a assistência a ela.
― Isso se eu ainda continuar com essa gravidez!
― Não diga loucuras, Rúbia!
― Digo, sim! ― ela grita. ― Me recuso a cuidar de uma criança
para o resto da minha vida em São Paulo, enquanto o pai dela brinca de
fazendeiro aqui nesse buraco. E quando ele perguntar por que você não está
presente na vida dele sabe o que vou dizer? Que escolheu ficar enfurnado
nesse fim de mundo só porque conheceu uma piranha roceira que virou a
sua cabeça e que o trocou por ela.
― Cala a boca, Rúbia! ― grito perdendo o pouco de paciência que
me resta. ― Não tem o direito de falar assim comigo, pois está em minha
casa e eu exijo respeito!
― Sempre enchendo a boca para dizer que tudo o que tínhamos é
seu! Sempre foi um arrogante e metido a besta. Mas não passa de um
ignorante que não sabe nem como tratar uma mulher já que nunca teve uma
em sua vida!
― Saia daqui Rúbia. ― Grito e avanço sobre ela que dá alguns
passos para trás indo parar na porta.
― Sabe como será o seu fim, Dante Castellamare? ― Ela pergunta
num fio de voz. ― Terminará igual ao seu pai. Sozinho e sem ninguém para
chorar sobre o seu caixão quando morrer.
A empurro para fora do quarto e bato a porta com força, fazendo a
parede tremer.
― Maldita! ― grito com raiva e ando até a cômoda varrendo tudo o
que está sobre ela com o braço.
Em seguida ando até a mesa de cabeceira e repito o gesto, depois me
jogo na cama e fecho meus olhos com as mãos.
Respiro fundo soltando o ar pela boca por diversas vezes tentando
me acalmar.
Olho para o teto e passo as mãos pelos meus cabelos negando com a
cabeça repetida vezes.
― Eu não vou ser igual meu pai ― digo afirmando. ― Farei tudo
diferente e meu filho se orgulhará de mim.
A imagem de Larissa tentando esconder o riso das minhas piadas
sem graça aparece em minha mente e, a minha vontade de estar com ela só
aumenta.
Eu preciso encontrar com ela e preciso que ela me ouça... quem sabe
seu José não possa me ajudar?
― É isso! ― Me sento na cama e um sorriso brota em meus lábios e
tenho a certeza de que tudo irá se resolver.
CAPÍTULO 14

Espero seu José encostar o carro e antes mesmo de ele descer do


veículo, eu já estou do seu lado.
Assim que ele coloca os pés no chão e fecha a porta, lança um olhar
para a minha casa e depois foca em mim.
― Tá tudo bem, seu Dante? ― ele pergunta de cenho franzido.
― Sim. ― Limpo a garganta.
― E a dona Rúbia? ― ele pergunta e eu solto o ar.
― Ainda dormindo. ― Umedeço os lábios. ― Eu quero conversar
com o senhor a sós ― digo pedindo para que ele me acompanhe até o
galpão onde estão os maquinários da fazenda.
― Pois diga então.
Caminho ao seu lado e cumprimento um ou outro funcionário que
foi contratado nesses últimos dias para trabalhar aqui na fazenda.
Assim que entramos no galpão, encaro seu José que virou uma
figura paterna que eu nunca tive e ele somente espera que eu fale.
― Eu preciso de ajuda ― digo e ele se encosta no pneu do trator
esperando que eu continue. ― É sobre a Larissa...
― O que tem a menina? ― ele pergunta sem entender.
― Bem... eu não sei nem por onde começar... o senhor pode até
achar meio estranho o que vou dizer, mas... ― ele cruza os braços ― eu não
consigo falar com ela...
― E o que o senhor quer falar com ela?
Limpo a garganta e engulo em seco.
Porra que merda de ideia eu fui ter?!
― Pode tentar falar com o Josué ― ele continua ― ele é o capataz
da fazenda Florescer e tudo passa por ele... se não conseguir falar com ela,
pode tentar com ele...
― O senhor não está entendendo, seu José...
― Mas então o que acha de ser mais claro seu Dante?
Respiro fundo e solto o ar pela boca.
― Eu e a Lari... bem, nós estávamos... nos conhecendo melhor e...
― Engulo em seco tentando encontrar as palavras certas ― então a Rúbia
apareceu, a Larissa se afastou e bem... não me deixou nem explicar como a
Rúbia apareceu aqui e...
― Olha, seu Dante, vou ser bem sincero com o senhor. ― Seu José
me corta. ― Eu não tenho nada a ver com isso, mas a menina fez o que é
certo.
― Mas...
― O senhor agora vai ser pai. Não é certo ficar correndo atrás da
moça. Tem é que assumir essa criança e dar tudo o que ela e a dona Rúbia
precisarem.
― Eu sei. Vou prestar assistência para ela e meu filho, mas quero
que a Larissa me escute ao menos...
― Não é certo, seu Dante. Ela é uma moça solteira e querida aqui
na cidade... e agora a sua mulher está aqui. Se o povo souber que anda
correndo atrás da menina Leão, ela pode ficar mal falada... sabe como é
cidade pequena. Isso de ter uma ex-mulher e filho ao mesmo tempo que
namora com outra mulher pode ser normal na cidade grande, mas aqui não
é bem-visto. A Larissa é uma boa menina... conheço ela desde bebezinha e
não acho certo isso que o senhor está pensando em fazer.
― Mas eu só queria conversar com ela... ― tento mais uma vez.
― Deixe como está, seu Dante. Quanto mais mexer nisso, pior vai
ficar.
Olho em seus olhos e cerro os punhos. Lá se vai a minha última
chance de que Larissa me escute.
― Não vai mesmo me ajudar a falar com ela?
― Não. E se o senhor quiser que eu continue a ajudar aqui na
Castellamare, é melhor esquecer esse assunto. Agora tudo mudou e tem que
deixar a menina e dar atenção somente para a dona Rúbia e o filho que
estão esperando. O pobrezinho não tem culpa de tudo o que está
acontecendo e não vai ser bom que ele venha ao mundo nessas condições.
― Fico em silêncio apenas absorvendo tudo o que ele me falou e respiro
fundo soltando o ar devagar. ― O senhor me entende, não é? ― Concordo
com a cabeça. ― É melhor esquecer esse assunto, seu Dante.
Coloco minhas mãos nos bolsos da frente da calça e olho para fora
do galpão.
Os novos funcionários andam de lá para cá cada um com seus
afazeres e depois de quase uma semana inteira de chuva intensa, tem muito
a se fazer aqui na fazenda.
Engulo em seco mais uma vez, mas o nó em minha garganta ainda
continua lá como se pudesse me sufocar a qualquer hora.
― Bem... vamos trabalhar então, seu José ― digo e ele concorda
mantendo a boca numa linha fina.
― Tem muito a se fazer, seu Dante ― ele diz me acompanhando
para fora do galpão. ― Ainda mais agora que tem um herdeiro a caminho.
― Me sorri e eu forço um sorriso.
Vou deixar para contar a ele que Rúbia quer ir embora, outro dia.
São muitos assuntos ruins para um dia só, então acho melhor dividi-
los e focar num problema de cada vez.
Já quase no fim da tarde, seu José vai embora logo após o
comprador da máquina que coloquei a venda sair satisfeito em fecharmos
negócio e, só então eu sigo para a minha casa.
Não vi Rúbia hoje, mas quando fomos almoçar, vi sinais de que ela
esteve na cozinha, já que havia louça suja na pia.
Assim que entro, coloco meu chapéu pendurado na parede ao lado
da porta e estico minhas costas cansado de um dia intenso de trabalho.
Caminho até o escritório para guardar os documentos da venda da
máquina e sorrio satisfeito em finalmente ter vendido a última máquina que
estava à venda.
Com o dinheiro dela, conseguirei pagar os funcionários que
contratamos para ajudar na colheita e como amanhã é domingo,
começaremos na segunda-feira bem cedo a colher os grãos.
Me jogo na cadeira e fecho os olhos.
Quando os abro, foco no telefone a minha frente.
Preciso ligar para ela.
Ouvir a sua voz...
Nem que seja para que desligue na minha cara em seguida.
Me rendo e pego o aparelho em minhas mãos. Teclo o número e
aguardo com o coração acelerado dentro do peito.
― Fazenda Florescer. ― Sua voz soa do outro lado e a minha boca
seca.
― Lari...
― Dante?
― Não desliga por favor. ― Peço e do outro lado há apenas
silêncio. ― Eu preciso muito falar com você...
― É algum assunto profissional, Dante?
― Não, mas por favor...
― Então peço que não me ligue mais e se tiver algum assunto sobre
negócios a tratar, fale com o Josué.
― Lari, por favor...
― Tchau, Dante. ― Ela encerra a ligação e eu sinto como se
estivesse perdendo tudo pelos vãos dos meus dedos mesmo segurando com
toda a força que tenho.
― Mas que porra! ― grito irritado.
Jogo o telefone na parede e apoio os cotovelos sobre a mesa
colocando a cabeça entre as mãos.
Fecho os olhos com força e então ouço passos se aproximando.
― Dante? ― Rúbia me chama e eu bufo com raiva e com uma
tremenda vontade de sumir daqui.
― Agora não, Rúbia ― digo cansado.
― Eu não trouxe o vidro do meu shampoo e o que tem no seu
banheiro está acabando com o meu cabelo...
Levanto meus olhos e a encaro.
― E o que quer que eu faça? ― pergunto exausto depois de um dia
intenso resolvendo os negócios da fazenda.
― Não há um mercado ou farmácia aqui nessa cidade onde venda
produtos importados?
Me recosto a cadeira e observo seu cabelo.
― Passar química no cabelo não faz mal à criança? ― pergunto e a
cor some do seu rosto.
― Eu não sabia que estava grávida quando retoquei a raiz pela
última vez... e agora eu preciso de alguns produtos que acabei esquecendo
de pôr na mala, pois pensei que seria uma viagem rápida... fiz uma lista
aqui para que compre para mim.
Ela adentra o escritório e coloca a lista sobre a minha mesa.
A pego em minhas mãos e leio.
― Shampoo para cabelos quimicamente tratados, esfoliante
corporal, hidratante... olha, Rúbia... eu não sei se irei encontrar isso aqui em
Preciosa.
Ela revira os olhos.
― Então pode pedir para vir de São Paulo, ou até mesmo de Belo
Horizonte, não sei. ― Dá de ombros. ― Só sei que não posso ficar aqui
sem meus produtos, Dante.
― Pensei que tivesse dito ontem que iria embora.
― Eu... pensei melhor e resolvi ficar por mais alguns dias. Você não
se importa, não é?
― De forma alguma. ― Me levanto. ― Pode esperar até amanhã?
Já está anoitecendo e o mercado da cidade já deve estar fechando, mas...
amanhã bem cedo eu vou até lá para tentar encontrar o que me pediu. Se
não encontrar, peço para vir da capital ou de São Paulo.
Ela sorri e vem até mim, me abraça pegando-me de surpresa.
― Obrigada, Dante. ― Beija meu rosto e antes mesmo que eu tente
tocar sua barriga, ela se afasta saindo do escritório em seguida.
Balanço a cabeça sem entender.
Rúbia sempre agiu assim.
Numa hora está me atirando aos lobos e no minuto seguinte age
como se nada tivesse acontecido e toda a sua ira se dissipa como passe de
mágica.
É preciso ter um saco de paciência para lidar com ela.
Mas pelo menos a ideia ridícula de ela ir embora já passou e ao
menos por hoje ela irá ficar em Preciosa.
Saio do escritório e sigo para meu quarto onde pego uma muda de
roupa e a toalha e me encaminho para o banheiro a fim de tomar um banho
demorado, para relaxar depois do dia de hoje.
Me levanto bem cedo e ao abrir a janela, percebo que o dia ainda
não amanheceu.
Me visto e quando passo pelo quarto principal onde Rúbia está
acomodada, abro a porta devagar e a vejo dormindo.
Fecho a porta lentamente e sigo para a cozinha onde preparo meu
café da manhã.
Bebo leite mais uma vez, pois já desisti de tentar fazer um café
decente e depois de ter me alimentado, lavo a louça e me encaminho para a
porta onde pego o chapéu e o coloco em minha cabeça.
Sigo para fora de casa, pois como é domingo, o mercado fecha ao
meio-dia e eu preciso encontrar o que Rúbia me pediu.
Contorno a praça do centro da cidade e encosto em frente ao
mercado, salto da caminhonete e entro no estabelecimento.
Ando pelos corredores do mercado e ao entrar no corredor das
bebidas, é nela que eu penso.
Não consigo deixar de sorrir ao lembrar do dia em que beijei Larissa
Leão e acabamos derrubando algumas garrafas de bebidas no chão.
Afasto meus pensamentos e entro no corredor de produtos de
higiene. Procuro pelo que Rúbia me pediu e encontro apenas o tal shampoo
da sua lista.
Peço ajuda para uma moça que trabalha aqui e ela consegue
encontrar o restante dos produtos, não da marca que ela pediu, mas até que
os produtos cheguem, ela vai ter que se contentar com esses. Após pagar
tudo no caixa, saio do mercado e guardo tudo na caminhonete.
Há crianças brincando na praça e uma menininha de vestido florido
e botas de cowgirl vermelhas acaba chamando a minha atenção, pois ela
tem nas mãos uma pelúcia de leão igual a que dei para Larissa na cesta que
mandei entregar em sua casa.
Me vejo atravessando a rua e indo até onde as crianças brincam e é
sim a mesma pelúcia, pois a moça que faz as cestas me mandou fotos dos
ursinhos que ela tinha e foi esse que eu escolhi.
― Oi ― digo me aproximando do grupo de crianças que param de
correr para falar comigo. ― Que bonito o seu ursinho...
― Foi meu pai quem me deu. ― Ela sorri mostrando os dentes da
frente faltando.
― Ah, é? E quem é seu pai? ― pergunto e assim que ela aponta
com o dedo para o canto da praça, vejo um homem se aproximando de onde
estou.
― O que está acontecendo, florzinha? ― O homem pergunta
preocupado com a filha, mas mantém os olhos fixos em mim.
― Eu só queria saber onde ela conseguiu o ursinho de pelúcia... ―
digo antes que ele entenda tudo errado por ter um homem estranho
perguntando coisas a sua filha.
― Ah... foi a patroa quem deu para a minha filha. ― Ele ajeita o
chapéu na cabeça.
― Sua patroa? ― pergunto e ele concorda.
― Sim. Eu trabalho na Florescer e a foi a dona Larissa Leão quem
mandou o presente para a minha pequena.
― E foi somente a pelúcia que ela mandou?
O homem franze o cenho e coça a cabeça por debaixo do chapéu.
― Ela mandou uma cesta cheia de coisas lá pro alojamento.
― Uma cesta é?
― Sim. ― Dá de ombros. ― Se o senhor quiser posso perguntar
onde encontrar um ursinho desses aqui na cidade...
― Não. Está tudo bem. ― Sinto como se o ar fosse drenado dos
meus pulmões.
Aceno com a cabeça e me afasto voltando para a caminhonete
estacionada em frente ao mercado.
Ela mandou para o alojamento a cesta e a leoazinha que eu mandei
para a sua casa.
Subo na caminhonete e soco o volante irritado.
Larissa não quer nada que venha de mim, nem mesmo a porra de um
leão de pelúcia.
Enquanto dirijo de volta para a fazenda, sinto vontade de ir até lá.
Penso bem e resolvo deixar a poeira baixar.
Ela está ressentida comigo e, é melhor que eu mantenha distância
pelo menos por algum tempo.
Mas assim que esse tempo passar, tentarei de novo falar com ela
nem que para isso precise entrar de modo sorrateiro em sua casa.
CAPÍTULO 15

O final de semana passou se arrastando e assim que boto meus pés


na cozinha na segunda-feira de madrugada, Josué já está lá passando o café.
― Se a Vera te pega mexendo nas panelas dela... ― digo e ele dá
risada.
― Não consegui pregar o olho essa noite ― ele diz se apoiando na
bancada.
― Eu também não ― digo num misto de sentimentos que mais tem
a ver com Dante Castellamare do que com a colheita.
Ouvimos os passos de Vera pelo corredor e nos entreolhamos.
― Uai! ― ela exclama assim que aparece na cozinha. ― Caíram da
cama, foi? ― Damos risada. ― Essas horas mexendo nas minhas panelas,
Josué?
― Eu disse. ― Aviso e ele encolhe os ombros.
― Só estou passando um cafezinho, Verinha.
― Arreda o pé daí, menino ― ela fala acenando com a mão para
que ele se afaste da pia e ela possa terminar o café.
Em poucos minutos, o café está pronto e estamos tomando a bebida
sentados à mesa, quando a porta da cozinha se abre e Ferreira entra dando
risada.
― Dia ― ele fala. ― Bença, madrinha. ― Se encaminha até Vera e
dá um beijo em seu rosto. ― Pensei que fosse só eu que tivesse madrugado.
― Essa época é a mais esperada por nós ― digo respirando fundo.
― A colheita na fazenda Castellamare também começa hoje ― ele
diz e Josué me lança um olhar. ― O seu Dante contratou uns rapazes da
cidade para ajudarem na colheita. Até o Ulisses sobrinho do padre vai
trabalhar lá, vai operar a colheitadeira...
― Tomara que tudo corra bem ― digo me levantando. ― Tanto
para a Florescer quanto para a Castellamare.
― Que tenhamos uma colheita bem proveitosa ― Josué fala
erguendo a sua xícara de café numa espécie de brinde.
― Proveitosa? ― Ferreira pergunta rindo. ― Deu pra falar palavra
difícil agora, Josué?
― Que palavra difícil, Ferreira? ― Josué pergunta irritado. ― Eu
posso não ter feito cursos e nem faculdade, mas o tempo que frequentei a
escola aproveitei o máximo tudo o que foi ensinado... diferente de você que
ia só para comer a merenda.
― E tem coisa melhor do que a merenda da escola? ― ele pergunta
rindo e nós o acompanhamos. ― Só mesmo a comida da madrinha.
Nos despedimos de Vera e saímos da cozinha pela porta dos fundos.
Nos encaminhamos para o galpão, onde estão as colheitadeiras e ao
chegar, já vemos os funcionários se reunindo para começar o trabalho. O
dia está amanhecendo e eu olho para o céu. Faço uma prece silenciosa
pedindo para que tudo corra bem, pois temos semanas de trabalho intenso
aqui na fazenda.

DANTE
DIAS DEPOIS
Sorrio satisfeito com a colheita quase chegando ao fim e segundo
seu José, ela tem sido ótima, mesmo que a fazenda tenha sido negligenciada
por tanto tempo, ainda está tendo um bom desempenho.
Devido ao trabalho intenso de colher os grãos de café, tenho saído
de madrugada de casa e chegado ao anoitecer. Não tenho tido tanto contato
com Rúbia, mas pelo tanto de caixas que tem chegado até a fazenda, ela
arrumou um hobby: o das compras.
São compras de diversas coisas, que vão de roupas e sapatos a
produtos importados. Comprando, ela me deixa em paz para poder
trabalhar, mas o único problema é que ela está gastando o dinheiro da venda
das máquinas que está na minha conta de forma desenfreada, e até que a
colheita termine, preciso economizar, pois tenho funcionários, empréstimos
e outras coisas para pagar.
Hoje está sendo um dia como todos os outros e assim que
encerramos o expediente, me despeço dos rapazes e me encaminho para
casa.
Ao entrar, vejo mais algumas caixas sobre o sofá e por curiosidade
me aproximo de uma delas e leio o remetente.
Todas elas são de produtos femininos.
Rúbia aparece vinda do corredor usando um vestido vermelho justo
ao corpo e com decote que chega quase ao seu umbigo e para ao me ver.
― Ah, já chegou. ― Sorri.
― Que bom que tem estado ocupada ― digo apontando para as
caixas.
― São apenas algumas comprinhas... ficar o dia todo aqui me deixa
entediada...
― Deixei meu cartão com você para que comprasse o que
precisasse enquanto estivesse aqui e você não precisa de sapatos de salto
morando aqui na fazenda se nem sai de casa. Precisa frear seus impulsos...
não pode sair gastando como se não houvesse amanhã, pois agora tenho que
usar o dinheiro para honrar meus compromissos.
― Ah, Dante... já disse que são poucas coisas...
― Mas até que a colheita acabe, peço que pare. Já tem compras
suficientes para o restante do ano. ― Ela fecha a cara e eu cruzo os braços.
― Uma ideia me ocorreu hoje.
― Que ideia? ― ela pergunta se apoiando no braço do sofá.
― Não acha que já está na hora de irmos ao médico?
― Médico? ― pergunta sem entender.
― Sim... um ginecologista obstetra... você está aqui já tem alguns
dias e segundo você me disse já tinha mais de doze semanas de gravidez
quando chegou aqui...
― Sim, mas... não acho necessário.
― Como não, Rúbia? É estritamente necessário que faça visitas
mensais ao obstetra para verificar se está tudo bem com o bebê...
― Ora, Dante. Está tudo bem com o bebê. ― Ela me garante.
― Rúbia, você já passou dos trinta e cinco anos. Uma gravidez na
sua idade precisa ter mais atenção... ainda mais se já tenha tido um aborto
anterior como sabemos que já aconteceu anos atrás...
― Não é necessário, Dante! ― ela diz nervosa e eu franzo minhas
sobrancelhas diante ao seu nervosismo exagerado. ― O meu obstetra me
garantiu que estava tudo bem e que meu útero é capaz de gerar nosso filho
sem complicações.
― Tem certeza?
― Sim.
― Trouxe os exames para que eu possa ver?
Ela engole em seco e nega.
― Esqueci em São Paulo...
― Podemos ligar para seu obstetra e pedir a ele... queria ao menos
ver meu filho, Rúbia já que senti-lo em sua barriga você não deixa.
― Se te deixa calmo, posso marcar uma consulta com o médico
daqui. Fazemos um ultrassom e você pode tirar todas as suas dúvidas...
― Por mim está ótimo. ― Limpo a garganta. ― Não posso me
ausentar agora da fazenda, mas assim que a colheita acabar, iremos sim ao
médico.
― Perfeito.
― Enquanto isso... ― olho para as caixas ― não acha que já pode
comprar coisas para o bebê?
― Ainda é cedo, Dante.
― Rúbia, o tempo passa rápido. Ainda mais aqui em Preciosa...
encomendas demoram a chegar e é preciso comprar tudo com calma.
― Eu vou começar a comprar coisas para o bebê... assim que
soubermos o sexo. ― Sorri. ― Não acha melhor? Aí podemos comprar
tudo com a cor que escolhi para o enxoval... ainda precisamos ver a cor que
pintaremos o quarto em que ele vai ficar aqui...
― Então irá tê-lo aqui em Preciosa?
― Bem... ainda não me decidi. ― Engole em seco. ― Preciso
visitar o hospital, equipe de médicos... é o nosso filho. Quero dar a ele tudo
do bom e do melhor...
Concordo com a cabeça.
― Aqui não temos hospital. Somente uma clínica. Casos mais
graves e nascimento de bebês são feitos na cidade mais próxima. ―
Informo e ela arregala os olhos.
― Como é?!
Uma batida na porta desvia a minha atenção e eu sigo até lá para ver
quem é.
Assim que abro a porta, Ulisses está na varanda e me olha com
semblante preocupado.
― Seu Dante, desculpe incomodar, mas fui verificar a colheitadeira
agora e uma mangueira hidráulica está partida.
― Está vazando óleo? ― pergunto.
― Com ela desligada não, mas... se ligar, ela pode esguichar óleo e
se trabalhar sem lubrificar pode ter um prejuízo grande.
― Já ligou na oficina?
― Sim. ― Ele afirma. ― O Milton disse que estão sem essa
mangueira no estoque, mas vai pedir com o fornecedor amanhã bem cedo.
― Quanto tempo pra chegar até Preciosa?
― Um ou dois dias.
― Mas que merda! Não podemos ficar com a colheitadeira parada
todo esse tempo.
― Na Florescer talvez tenham uma mangueira hidráulica para
emprestar... o senhor podia ligar lá e falar com o Josué... ― ele diz e eu
cerro os punhos ao me lembrar da última conversa que tive com o capataz
da Larissa.
― Eu vou fazer isso ― digo por fim. ― Obrigado por avisar
Ulisses.
Ele se vai e eu entro em casa. Rúbia já sumiu de vista e então sigo
direto para o escritório.
Me sento na cadeira e pego o telefone em minhas mãos, teclo o
número da casa de Larissa e aguardo.
― Fazenda Florescer. ― A voz dela soa do outro lado e é como se
ela estivesse em minha frente.
― Lari...
― Oi, Dante. ― Sua voz é suave e meu coração acelera, pois da
última vez que nos falamos, ela foi hostil comigo.
― Eu preciso da sua ajuda... ― digo.
― Diga. ― Ela solta o ar e eu consigo me lembrar do seu perfume.
― Uma mangueira hidráulica da colheitadeira partiu agora a tarde, o
Milton disse que outra igual só chega em Preciosa daqui um ou dois dias...
então quero perguntar se pode me emprestar uma até que a nova chegue.
― Claro ― ela diz. ― Vou pedir ao Josué para que entre em
contato com você e pode tratar com ele sobre esse assunto.
Faço uma longa pausa e ela continua na linha.
― Larissa? ― Chamo por ela e me dou conta de que tenho tanto
para lhe falar.
― Sim? ― ela pergunta do outro lado.
― Obrigado. ― Agradeço somente, pois o que preciso dizer, tem
que ser dito pessoalmente.
― Por nada, Dante. Até mais.
Ela desliga e um sorriso idiota brota em meus lábios.
“Até mais.”
Ela não foi sucinta e nem rude comigo como das outras vezes e isso
de certa forma me reconforta, pois sei que nem tudo está perdido, afinal.

Depois que Ulisses tira a mangueira, a pego em minhas mãos e trago


para perto da luz da lanterna e vejo a parte em que está partida.
― É, não dá mesmo para trabalhar com ela assim ― digo forçando
meus olhos dentro do galpão iluminado apenas pela luz fraca do teto e pelas
nossas lanternas.
Um barulho de carro se aproxima e quando olhamos para fora, Josué
passa pela porta.
― Boa noite ― ele diz assim que chega próximo de mim e de
Ulisses. ― Trouxe a mangueira. ― Ele aponta para a caminhonete.
Pego a lanterna e o sigo para fora do barracão. Na caçamba da
caminhonete estão algumas mangueiras, chaves e ferramentas que ele
trouxe da Florescer.
― Essa daqui deve servir ― ele diz me entregando a mangueira que
trouxe.
― Sim. Obrigado por trazer até aqui.
― Precisa de ajuda para colocar no lugar? ― pergunta e eu e
Ulisses nos entreolhamos já que levamos mais de uma hora para tirar a
mangueira da máquina.
― Bem, se pudesse nos ajudar seria ótimo ― digo com sinceridade,
ele pega a caixa de ferramentas e salta da caçamba da caminhonete.
Menos de meia hora depois, a mangueira já está no lugar e a
máquina funciona perfeitamente.
Ulisses vai até a sala fechada do galpão onde guardamos as peças
sobressalentes e os baldes de óleo para buscar um galão de óleo novo para
completar o tanque hidráulico da máquina e eu e Josué esperamos.
― Como está a colheita na Florescer? ― pergunto tentando puxar
assunto com ele que apenas me encara de braços cruzados.
― Indo bem ― ele fala. ― Mais uma semana ou duas, terminamos
tudo.
― E a Larissa?
― O que tem ela? ― ele pergunta sem me encarar.
― Como ela está?
― Bem.
― Josué... eu e a Larissa precisamos conversar sobre...
― Sobre o que, Castellamare? ― ele pergunta com raiva na voz. ―
Não acha que já fez merda suficiente? ― Ele se aproxima e para a
centímetros de distância de mim. ― Eu não quero ter que lidar com você se
ousar pôr os pés na Florescer, entendeu?
― Eu a e Larissa...
― Não tem você e a Larissa!
― Isso não é você quem decide!
― Por que não esquece dela e continua a brincar de casinha como
tem feito nos últimos dias? ― Sua voz é carregada de ódio. ― Não tem
vergonha em ter a sua mulher grávida do seu filho morando debaixo do seu
teto, enquanto corre atrás de outra mulher?! ― Engulo em seco e ele
mantém o olhar ameaçador. ― A mangueira está no lugar. Agora é só
completar o óleo e seguir com a colheita.
Ele diz e se afasta. Pega a caixa de ferramentas do chão e segue para
fora do galpão.
Chuto o pneu da colheitadeira com raiva e assim que o motor da
caminhonete de Josué se afasta, Ulisses aparece trazendo o galão de óleo.
― O Josué já foi?
― Já. Vamos colocar o óleo e funcionar para ver se está tudo certo.
Já passa das dez da noite e precisamos descansar para começar amanhã bem
cedo.
― Claro, patrão. ― Ulisses concorda já se posicionando para o
trabalho.
Menos de dez minutos depois sorrimos satisfeitos com a
colheitadeira funcionando perfeitamente.
Nos despedimos na porta do galpão e, enquanto Ulisses segue para o
alojamento, eu ando devagar até a minha casa.
Devia estar feliz, satisfeito com o progresso que tudo está tomando,
mas por incrível que pareça, estou com um vazio dentro do peito.
Subo os degraus da varanda e entro em casa.
Queria muito estar radiante com a colheita chegando ao fim, mas
sem Larissa, não consigo encontrar graça nas coisas.
Tenho tentado a todo custo falar com ela de diversas formas
diferentes, mas tudo conspira contra.
Acredito que deva mesmo me conformar com o rumo que tudo
tomou e tentar esquecê-la.
Entro no banheiro e me encaro no espelho.
O que eu faço se meu coração quer uma coisa e a razão me manda
fazer totalmente o oposto?
CAPÍTULO 16

DIAS DEPOIS
Encerro minha conversa com Milton e caminho até a caminhonete
estacionada na frente da loja.
A colheita está quase no fim e assim que ela terminar, já quero
deixar agendada a revisão das colheitadeiras, pois não gosto de deixar tudo
para a última hora.
Assim que abro a porta do motorista, ouço meu nome sendo
chamado de longe.
Paro e me viro e então vejo Dante cruzar a praça correndo na minha
direção.
Droga!
Não estava preparada para vê-lo.
Não tão lindo assim.
Com seus jeans, botas, camisa de flanela e chapéu.
Um fazendeiro que me tira o fôlego.
Engulo em seco, fecho a porta da caminhonete e continuo plantada
no mesmo lugar, esperando que ele atravesse a rua para falar comigo.
A minha vontade é de sumir, mas... não posso fugir dele por muito
tempo e é claro que morando no mesmo lugar, uma hora ou outra nossos
caminhos iriam se cruzar.
― Oi ― ele diz parando na minha frente. Seus olhos passeiam pelo
meu rosto e em seus lábios está um pequeno sorriso que me desarma
completamente.
― Oi ― respondo num fio de voz.
― Já faz três semanas que não nos vemos... ― ele diz e eu desvio
meus olhos ― aconteceram tantas coisas e... porra, Larissa! ― O encaro.
Sua mão alcança a minha e nossos dedos se entrelaçam. Imediatamente é
como se ondas eletrizantes fossem transmitidas através do nosso toque. ―
Eu senti sua falta. ― Ele confessa e a minha respiração se acelera.
Dante dá um passo à frente e imediatamente meu corpo acende.
Antes que o pouco de razão vá embora, ergo a mão e coloco em seu
peito mantendo-o afastado.
― Não, Dante ― digo num sussurro e abaixo a cabeça.
Seu polegar levanta meu queixo para que eu o encare e eu engulo
em seco olhando para o azul dos seus olhos.
― Precisamos conversar, leoazinha... ― ele diz e meu peito se
aperta ao ouvi-lo chamar pelo apelido que me deu.
― Não temos nada para conversar, Dante ― digo de forma firme,
mas por dentro estou me despedaçando.
Ele segura a minha mão em seu peito e meu coração bate ainda mais
forte.
― Não me afaste. ― Ele pede. ― Não agora que estávamos tendo
algo bom entre a gente...
― Coisas aconteceram, Dante... e não podemos mais continuar.
― Por quê?
― Sua ex-mulher está em sua casa e ela está esperando um filho
seu.
― Você disse certo, ex-mulher. Ela não significa mais nada para
mim. Nosso casamento nunca foi um mar de rosas...
― Eu não quero saber sobre isso.
― Precisa sim saber! ― ele diz de um jeito brusco. ― Ela nunca foi
uma doce esposa como deve estar pensando e, eu só preciso que me dê uma
chance e me ouça... podemos continuar de onde paramos...
― Não me peça para ficar com você, pois eu não quero estar no
meio disso tudo... e quando seu filho nascer? Você vai ter que fazer a sua
escolha e um filho é muito importante para se deixar de lado.
― Não sabe o quanto está acabando comigo ouvir você dizer isso.
Meus olhos se enchem de lágrimas e sorrio a fim de afastá-las.
― É melhor assim, Dante... vai ver não era para ser...
― Nem parece a leoazinha que eu conheço dizendo isso... ― Dou
risada. ― Por favor, Lari...
Nego com a cabeça.
― Acabou, Dante ― digo firme. ― Vai ser melhor para todos.
Ele afirma com a cabeça e solta minhas mãos.
Vejo-o engolir em seco e seus olhos se tornam tristes.
― E agora? Como fazemos? ― ele pergunta. ― Quando te
encontrar na rua, no mercado... no corredor das bebidas...
Pressiono os lábios contendo um riso.
― Agimos normalmente como duas pessoas civilizadas... nos
cumprimentamos e seguimos nossas vidas ― digo, limpo a garganta e dou
um passo para trás. ― Até mais, Dante.
Finalizo e ele se afasta para que eu entre na caminhonete.
Ligo o motor e olho uma última vez para ele antes de sair dali o
mais depressa possível.
Faço o caminho até a Florescer da forma mais lenta o possível já
que as minhas lágrimas não param de rolar pelo meu rosto e assim que
minha fazenda se aproxima, tento me controlar ao máximo para que chegue
em casa sem essa cara de velório.
Respiro fundo assim que passo pela porteira e quando estaciono a
caminhonete no galpão agradeço aos céus por não ter ninguém por perto.
Assim que coloco meus pés para fora do galpão, Josué aparece e
estranha ao olhar para mim.
― O que aconteceu, Lari?
― Nada ― digo desviando o olhar.
― Seus olhos...
― É a poeira da estrada... vim com os vidros abertos.
― Sei ― ele diz cruzando os braços sem acreditar no que eu disse
enquanto caminha ao meu lado na direção da casa.
― Eu vou ficar no escritório pelo resto da tarde. Pode ficar de olho
em tudo para mim, por favor? ― pergunto subindo os degraus da varanda.
― Claro. ― Entramos em casa e eu o deixo sozinho na sala.
Me tranco no escritório e me recosto na porta.
Mordo o polegar com tanta força que sinto o gosto de sangue na
boca.
Por que dói tanto?
Limpo as lágrimas que insistem em cair.
Preciso me concentrar e enfiar a cara no trabalho. Só assim vou
esquecer tudo o que aconteceu...
Passo as mãos pelo rosto e ajeito o cabelo.
Dou a volta na mesa e ligo o computador. Vou checar os e-mails,
responder quem entrou em contato comigo, retornar ligações... se me
mantiver bastante ocupada tenho a certeza de que esquecerei de Dante
Castellamare.
DANTE
Não consigo me conformar de que a Larissa terminou tudo comigo.
Justo agora que tudo estava indo tão bem entre a gente?
Pensei que após esse tempo separados, ela voltaria atrás e nós
continuaríamos de onde paramos, mas não... ela bateu o pé e manteve a
mesma opinião de que é melhor deixar tudo como está.
Respiro fundo cansado enquanto reviro a comida em meu prato.
― Está tendo problemas? ― Rúbia pergunta e eu lanço um rápido
olhar para ela. ― Já é a quinta vez que respira fundo desde que nos
sentamos para jantar.
― Está contabilizando minha respiração? ― pergunto com raiva em
não poder sofrer em paz dentro da minha própria casa.
― Não precisa me atacar! ― Ela retruca. ― Se está com problemas,
então os resolva. Eu não tenho culpa de estar tendo um dia ruim!
― É só não se meter onde não é chamada.
― Grosso! ― Ela se irrita e lá está a mesma Rúbia de sempre. ―
Quando saiu estava tudo bem e quando voltou, chegou assim. Mas eu sei o
que aconteceu quando esteve fora.
― Ah, sabe? ― pergunto afastando o prato com o meu jantar quase
intocado. ― Então me diga o que aconteceu!
― Com certeza se encontrou com a roceira e o encontro não foi
como pensava, por isso está aí todo bravo. Simplesmente porque não
conseguiu o que queria!
― Ah, cale a boca, Rúbia! ― Me levanto e pego o prato em minhas
mãos para levá-lo até a cozinha.
― Ficou nervoso porque sabe que é verdade! ― Ela ri. ― Eu só
queria conhecer essa mulher! Queria saber o tipinho que te atraiu e fez você
virar a cabeça. Com certeza é uma piranhazinha que está acostumada com
esses roceiros daqui e está fazendo de tudo para te prender na teia dela.
― Chega, Rúbia ― grito atirando o prato contra a parede fazendo a
comida se espalhar por todo lugar. ― Eu não admito que esteja em minha
casa e fale assim.
― Por que defende tanto essa mulher?! ― ela pergunta se
levantando depressa fazendo a cadeira que estava sentada, cair para trás. ―
O que ela fez para que ficasse cego desse jeito? Você costumava ser mais
inteligente, Dante. Não vê que ela está te envolvendo só porque está de olho
no que você tem?
― Assim como você fez anos atrás? Ficou comigo só pelo que eu
tinha! Eu estava em ascensão na minha carreira e já tinha um apartamento
em meu nome e carro próprio...
― Está ficando louco? ― ela pergunta com a voz esganiçada e eu
rio sem humor, pois sei que atingi seu ponto fraco. ― Fiquei com você
porque te amava.
Dou risada.
― Que conveniente. E já te ocorreu que ela talvez goste de mim?
― Fala sério, Dante... olhe só para você... um fazendeiro falido que
mal sabe diferenciar um pé de café no meio do mato alto.
― Foi você mesma que disse que talvez ela esteja interessada no
que eu tenho...
― Mas é a verdade e você como todos os homens burros caem no
papinho dessas piranhas só porque abrem as pernas para vocês e dizem que
são os homens mais importantes das vidas delas, mas todos sabemos que o
que elas querem mesmo é dinheiro!
― Se está generalizando, então é só se olhar no espelho, Rúbia.
Quem foi que veio de São Paulo para esse buraco como você mesma disse
só para ter de volta todo o luxo que tinha quando ainda éramos casados?
― Mas eu estou grávida!
― Está mesmo Rúbia? ― pergunto e a cor do seu rosto some.
― Como ousa duvidar da minha palavra?!
― Eu não sei... ― dou de ombros ― até agora não vi exame
nenhum e nem sinal da sua barriga começar a aparecer, coisa que já devia
ter acontecido já que me disse que estava de doze semanas quando chegou
aqui... já se passaram mais quatro semanas... a sua barriga já devia estar em
evidência, mas até agora nada.
― Você não entende nada desse assunto... nenhuma gravidez é igual
e...
― A colheita termina no final dessa semana. ― A corto. ― E
quando ela acabar, nós iremos ao médico.
― Mas eu tenho meu médico em São Paulo...
― Que seja até no quinto dos infernos! ― Explodo. ― Por mim
tanto faz se for aqui em Preciosa, Belo Horizonte ou São Paulo... assim que
finalizar o processo da colheita, nós iremos ao obstetra e isso já está
decidido.
A deixo sozinha e sigo para meu quarto.
O dia de hoje teve muitas emoções e eu preciso esquecer que ele
existiu, pois foi um dos piores da minha vida.
CAPÍTULO 17

Me sento em frente ao computador para verificar e-mails de


fornecedores e possíveis clientes e me deparo com um e-mail de Leônidas
Guimarães, produtor de cacau do nordeste do país.
O e-mail me chama a atenção, pois nele Leônidas oferece uma
espécie de parceria entre seus chocolates e o café da fazenda Florescer.
Ligo para ele imediatamente, sua assistente me atende e diz que
Leônidas está em uma reunião importante com clientes internacionais, mas
diz que me retornará assim que estiver livre.
Aguardo ansiosamente para ouvir o que ele tem a me dizer e
enquanto isso afundo ainda mais no trabalho, pois preciso esquecer os
últimos acontecimentos.
Engulo em seco quando meus pensamentos me traem e me vejo
pensando em Dante. Respiro fundo e quando o telefone da minha mesa
toca, levo um susto.
― Fazenda Florescer. ― Atendo.
― Por favor, senhora Larissa Leão? ― Uma voz masculina e
grossa soa do outro lado.
― Sou eu mesma.
Ele solta um risinho e os pelos da minha nuca se arrepiam.
― Aqui é Leônidas Guimarães, e estou retornando a sua ligação...
― Boa tarde, senhor Leônidas. Recebi seu e-mail e entrei em
contato com sua assistente ― digo me interessando pelo assunto. ― Me
fale mais sobre essa parceria.
― Então, senhora Leão, além de plantar o melhor cacau do país, eu
fabrico chocolates a partir deles e estou disposto a fazer uma mistura do
mais puro chocolate com o café. E durante a minha pesquisa, vi que o seu
café se destaca na sua região. Estava determinado a ir até você para uma
reunião para podermos conversar melhor sobre o assunto. O que me diz?
Percebo o quanto ele é bem decidido.
― Eu estou pronta para ouvi-lo, senhor Leônidas.
― Quando poderemos fazer essa reunião?
― Estamos na época da colheita aqui na fazenda e ela dura algumas
semanas. Se estiver disponível, pode nos visitar e assim pode acompanhar
tudo de perto e então conversamos mais sobre essa possível parceria.
― Ótimo ― ele diz se animando. ― Pode me passar maiores
informações sobre a sua cidade por e-mail como lugares para
hospedagem?
― Senhor Leônidas, Preciosa é uma cidade muito pequena e não
dispõe de hotéis. Ofereço a minha casa para que o senhor e sua equipe se
hospedem.
― Agradeço, senhora. Somente eu e meu piloto ficaremos
hospedados. Tenho uma convenção na Argentina onde farei uma palestra
no final dessa semana, então tenho um ou dois dias livres em que posso
encaixar uma visita até a sua fazenda...
― Entendi. Aguardo ansiosamente pela sua visita. Vou pedir para
meu assistente lhe mandar todas as informações sobre a nossa fazenda e,
também as coordenadas para que seu piloto faça o pouso aqui na
propriedade.
― Certo. Obrigado pela oportunidade, senhora Leão.
― Disponha, senhor Leônidas, até mais.
Ele se despede e encerra a ligação e quando me vejo novamente
mergulhada no silêncio do escritório, meu coração acelera e eu salto da
cadeira correndo para fora do escritório atrás de Vera para lhe contar sobre a
novidade.

Josué bate à porta do escritório onde eu estou desde que o dia de


hoje começou e eu faço sinal para que ele entre.
― O piloto do Leônidas Guimarães confirmou o pouso para daqui a
algumas horas ― ele diz animado.
― Ah, perfeito. ― Sorrio sentindo um frio na barriga, pois desde
que Leônidas ligou anteontem e me propôs uma possível parceria, todos
aqui na fazenda não falam de outra coisa.
― Quem diria, hein? ― ele pergunta se sentando a minha frente. ―
Café com chocolate...
― Eu já comi na Europa, e aqui no Brasil já existem marcas que já
fazem essa mistura... não é novidade, mas estou bem animada.
― E eu estou bem curioso. ― Dou risada. ― Seu pai ia ficar
orgulhoso de você. ― Penso em meu pai e engulo em seco. ― No começo
ele ia ficar um tanto acanhado, mas de mansinho você ia dobrar ele. ―
Sorrio.
― Era assim, não era? ― Josué concorda. ― Sempre quando surgia
uma novidade, ele ficava retraído, mas depois de todas as explicações...
― No final das contas ele sempre fazia o que você sugeria. Ele me
dizia que ia ficar tudo para você quando ele se fosse... então tinha que te
deixar tocar do seu jeito. ― Meu peito sobe e desce numa respiração
emocionada.
― Meu pai foi um ser humano incrível.
― O melhor de todos. ― Josué engole em seco. ― O que ele fez
por mim, ninguém mais o faria... tudo o que sou, devo a ele.
― Nunca me falou sobre seu passado, Josué. ― Ele disfarça e tira o
chapéu, passa a mão sobre o cabelo e o coloca na cabeça novamente.
― Meu passado está onde deve estar, Lari. ― Sua voz é carregada
de amargura.
― Desculpe, não quis ser indelicada...
― Tudo bem. ― Josué se levanta, pede licença e me deixa sozinha
no escritório.
Sempre quando tento conversar com ele sobre esse assunto, Josué
foge. Nem com Vera que é como se fosse uma mãe para todos nós, ele se
abre. Então simplesmente o deixamos em seu canto.

Eu e Josué aguardamos ao lado da caminhonete na pista de pouso da


fazenda e quando o avião de Leônidas Guimarães aparece ao longe, Josué
assovia baixinho.
― É um jato de luxo ― ele comenta.
― O homem é considerado o imperador do cacau do nordeste
brasileiro... influente e conhecido mundialmente.
― Pesquisou sobre ele. ― Josué constata me olhando de canto.
― É claro! Não vou fechar negócios com qualquer pessoa... antes
preciso saber de quem se trata, ainda mais se for recebê-lo em minha casa.
― Quantos anos ele tem? ― Josué cruza os braços na defensiva.
― Quarenta e três eu acho...
― Casado?
― Viúvo ― respondo.
― Tem filhos?
― Não que me lembre de ter visto na internet.
Enquanto o avião taxia pela pista, percebo Josué olhando para mim.
― O que foi? ― pergunto e ele levanta uma sobrancelha.
― E o que achou dele?
― Eu não sei, ainda não o conheci...
― Digo sobre a aparência do sujeito.
― Quer saber se achei ele bonito? ― pergunto e Josué aguarda a
minha resposta. Meu rosto esquenta e eu observo o avião taxiando pela
pista até parar a alguns metros de onde estamos.
A porta do avião se abre e Leônidas desce pela escada.
Ele é alto e forte. Tem a pele bronzeada e usa jeans justos nas
pernas, camisa preta, blazer e sapatos. Mas só quando ele se aproxima de
mim é que posso ver seu rosto com mais calma.
Sua barba e seus cabelos são curtos e tem alguns fios grisalhos, ele
tem o andar elegante e quando me cumprimenta com um aperto de mão
firme, seu perfume chega até mim de forma marcante.
― É um prazer conhecê-la, senhora.
― Larissa apenas, senhor Leônidas.
― Então deixemos as formalidades de lado e me chame apenas de
Leo. Pois, só a minha falecida mãe, que Deus a tenha, me chamava assim.
― Ele sorri depois de dar uma piscada. O gesto não passa despercebido por
Josué que fecha a cara e pigarreia ao nosso lado.
― Esse é Josué Montenegro, meu amigo e braço direito aqui na
Florescer.
Eles se cumprimentam e Leo pede licença para voltar ao avião e
pegar a sua bagagem. Ele coloca no chão ao lado da escada, uma pasta de
couro, uma caixa pequena de madeira e também uma mala de viagem. A
escada é recolhida e a porta se fecha. Josué vai até ele e o ajuda com a
bagagem que trouxe.
― Seu piloto não irá ficar?
― Ele precisa levar o avião para uma pequena revisão antes de
irmos para a Argentina.
― Entendo ― digo.
― Trouxe alguns dos meus produtos para que pudesse experimentar.
― Ele diz abrindo a caixa elegante de madeira e me mostra um fruto do
cacaueiro e também diversos tabletes de chocolate com várias porcentagens
de cacau.
― Mas que maravilha ― digo em êxtase, pois sou uma apreciadora
de chocolates e só em olhar para o colorido das embalagens, fico admirada.
― Muito obrigada, Leo. É muita gentileza sua.
― Fico feliz que tenha gostado. ― Ele sorri de forma genuína e
orgulhoso de apresentar-me seu produto.
― Eu adorei! ― digo sorrindo passando as mãos sobre seus
produtos dentro da caixa. ― Bem, então vamos, antes que o calor afete
meus chocolates. ― Rimos e aponto para a caminhonete para onde nos
encaminhamos.
― Lá de cima pude ver a colheita sendo feita ― ele comenta. ― A
sua propriedade é bem extensa e seu cafezal é muito bonito.
― Obrigada.
― Não vejo a hora de ver tudo de perto.
Sorrio e durante o trajeto da pista até a casa, conversamos sobre a
colheita e Leo fica admirado com a beleza da propriedade.
Assim que Josué encosta em frente à casa, Leo fica em silêncio e só
quando desce é que ele volta a falar.
― É uma casa muito bonita, Larissa.
― Obrigada. Foi meu falecido pai que a reformou.
― É mesmo?
― Sim. ― Afirmo enquanto nos encaminhamos para as escadas da
varanda. ― Quando ele comprou a propriedade, a casa estava em ruínas...
com o passar dos anos ele a reformou e ela se tornou o que é hoje.
― Ficou perfeita.
Entramos em casa e Vera está na sala ajeitando a toalha de crochê
que ela fez sobre a mesa, que usamos quando recebemos visita.
― Leo, essa é a Vera a mulher que cuida de mim desde que nasci e
que eu considero como mãe. ― Vera sorri para mim de forma amorosa e
Leo a cumprimenta com um aperto de mão.
― É um prazer te conhecer, Vera.
― Seja bem-vindo a Florescer ― Vera diz um tanto envergonhada
em estar recebendo visitas.
― Eu vou lhe mostrar o quarto em que ficará e então poderá
descansar ― digo e Leo me encara.
― Se não for muito incômodo, gostaria de me reunir com você o
mais rápido possível. O assunto é extenso e temos que discutir todos os
detalhes e sanar todas as dúvidas.
― Como você quiser ― digo. ― Meu escritório fica ali. ― Aponto
para a porta de madeira no canto da sala. ― Nos acompanha, Josué?
― Preciso voltar para a colheita. Onde deixo a caixa?
― Pode deixar aqui mesmo na mesa de centro. ― Ele a coloca de
forma delicada sobre o tampo da mesa e eu agradeço. ― Assim que
finalizarmos a nossa reunião iremos te encontrar ― digo e o rosto de Leo se
ilumina. Josué se despede de nós e sai da sala. ― Pode por favor nos levar
um café e água até lá, Vera?
― Claro que sim.
O levo até meu escritório e assim que entramos, ele tira o notebook
de dentro da pasta e o coloca sobre a mesa.
Me sento em minha cadeira e ele assume a outra de frente para a
mesa.
Leo respira fundo e me encara.
― Vou enviar tudo para o seu e-mail e assim enquanto
conversamos, podemos acompanhar os gráficos e as planilhas.
― Ótimo.
Leo é muito organizado e me explica detalhadamente, onde se
mostra um perfeito entendedor e palestrante, pois em poucos minutos
reunidos, ele me deixa a par de todos os detalhes que preciso saber sobre a
nossa possível parceria.
― Gostei e muito de tudo o que me apresentou, Leo.
― Então podemos dizer que estamos a um passo de finalizarmos a
nossa parceria?
― Por mim tudo bem. ― Sorrio e então seu telefone toca. ― Pode
ficar à vontade para atender enquanto leio a última matéria sobre seu
produto no jornal.
― Com licença.
Ele se levanta e fica parado em frente a janela que dá para a frente
da casa. Enquanto leio a matéria sobre ele e sua plantação de cacau no
jornal, percebo que sua voz se torna suave e não passa de um sussurro ao
telefone.
― Tudo bem, Sofia. ― Ele diz com um sorriso nos lábios. ― Nos
encontramos lá. Até mais.
Ele encerra a ligação e volta para a cadeira de frente a minha mesa.
― Era a minha assistente. ― Ele diz guardando o celular no bolso
da calça jeans. Sem querer ser intrometida, eu podia jurar que ele estava
falando com uma namorada já que ele a tratou com tanta intimidade na
ligação. ― E então? O que está achando?
― Muito bom, Leo... você é bem conhecido aqui no país e até a
nível mundial.
― Foi tudo conquistado com trabalho árduo, Larissa ― ele diz
orgulhoso. ― Meu peito se enche de orgulho ao ver cada cacau sendo
colhido, cada fruto sendo transformado em chocolate e quando o vejo em
mercados e feiras até internacionais, fico muito emocionado em saber que o
sacrifício enfim valeu a pena.
― É muito recompensador, não é mesmo?
― Sim. ― Ele faz uma pausa e seu semblante se torna triste. ―
Quando minha esposa morreu cinco anos atrás, eu não tinha vontade de
viver... então me vi perdido. Eu precisava continuar, mas não encontrava
um jeito de fazer dar certo. Sofia Rosa, minha assistente hoje, era apenas a
minha secretária na época e se não fosse por ela, nada disso seria possível.
― Um sorriso surge em seus lábios. ― Foi ela quem assumiu tudo quando
eu fiquei afastado por quase um ano... dei carta branca a ela e mesmo sendo
muito jovem, ela comandou a minha fazenda e a fábrica com mãos de ferro.
― Eu adoraria conhecê-la ― digo sorrindo.
― E vai. ― Ele me encara. ― O grupo Guimarães só é o império
que é hoje por causa de Sofia Rosa e seus punhos de aço. Até hoje minha
equipe morre de medo dela, pois no tempo em que esteve à frente, ela se
tornou uma verdadeira carrasca e isso são palavras da minha equipe e não
minhas.
Gargalho achando o máximo que ele tenha deixado tudo nas mãos
da secretária e ela honrou o compromisso.
― Admiro e muito a força dela e não perco a oportunidade em tecer
elogios para ela. Sofia é uma jovem delicada, feminina e de aparência
inocente, mas tenho até pena do coitado que cruzar o seu caminho, pois
assim como eu, ela também é casada com o trabalho.
Sorrio.
― Gosta muito dela ― digo e ele concorda.
― Não tem como não gostar dela e quando a conhecer vai entender
o porquê.
― Podemos conhecer a propriedade e ver a colheita antes do jantar?
― pergunto e ele se levanta animado.
― É claro.
Guardamos nossas coisas e eu o guio para fora da casa até a
plantação onde a colheita está sendo feita.
Leo observa tudo com admiração e presta atenção a cada detalhe
tomando nota em seu celular onde grava vídeos e tira fotos.
Já no fim da tarde quando seguimos para casa, ele ainda está
extasiado com tudo o que viu e aprendeu.
Vera nos serve um delicioso jantar e depois dele ainda ficamos na
sala conversando com Josué sobre a produção do chocolate e, como será
feita a junção do nosso café a ele.
Já é quase meia-noite quando damos o dia por encerrado e nos
encaminhamos cada um para seu quarto.
CAPÍTULO 18

Pouco depois do almoço, estamos no meio do cafezal fazendo a


colheita quando vemos um jato particular se aproximar da propriedade da
Larissa.
Todos viram a cabeça e observam o avião passar pouco acima das
nossas cabeças.
― Deve ser o tal imperador do cacau que tá chegando na fazenda
Florescer. ― Ouço um dos homens falar.
― Imperador? ― pergunto curioso enquanto observo o avião preto
e dourado se preparar para o pouso.
― É, uai. ― O homem diz cruzando os braços ao se aproximar de
mim. ― O Ferreira que comentou ontem na praça. Parece que esse
imperador quer fazer uma junção com o chocolate dele e o café da
Florescer.
― Nuu, chocolate com café? ― Outro funcionário pergunta dando
risada ouvindo a nossa conversa.
― É, uai. ― O que puxou a conversa diz ― diz a minha muié que
já tem no Brasil e é bastante procurado... coisa de gente rica. ― Ele dá de
ombros. ― Vai entender esse povo, sô?!
― E sabe o nome desse tal imperador? ― pergunto tentando obter
informações sobre esse cara que acaba de chegar na casa da Larissa.
― Sei não, seu Dante ― ele diz. ― Só sei que ele é lá do Nordeste,
mas deve ter o nome dele na internet, uai. O homem ganhou até prêmio lá
fora... se a dona Larissa aceitar uma parceria com ele, Preciosa vai ficar
conhecida demais da conta.
Cerro os punhos e ajeito o chapéu em minha cabeça tentando conter
a curiosidade de pegar meu celular e procurar pelo tal imperador que acaba
de chegar em Preciosa.
A tarde passa e com ela meu mau humor aumenta
consideravelmente, pois só em saber que Larissa esteja recebendo um
homem em sua casa me deixa visivelmente irritado e, me afasto dos
funcionários para não descontar a minha ira sobre eles que não tem nada a
ver com o assunto.
Caminho de volta para casa pouco antes do anoitecer e deixo os
funcionários cuidando do encerramento do turno.
Assim que coloco meus pés dentro de casa, sigo direto para o
escritório onde me sento sozinho e só então pego meu celular para procurar
pelo tal imperador do cacau.
Digito exatamente isso no campo de pesquisa e logo a foto do
sujeito aparece na tela junto com inúmeras reportagens sobre ele e todo seu
império.
Leônidas Guimarães tem mais de quarenta anos, é viúvo e é líder de
mercado quando se trata de chocolate e tudo o que envolve esse meio.
O maldito não é casado.
E vai estar sozinho com a Larissa por sei lá quanto tempo.
Respiro fundo soltando o ar pela boca.
Eu não tenho nada a ver com isso.
Ela se afastou de mim.
Fecho meus olhos e cerro os punhos até sentir meus dedos
dormentes.
Ele é rico, influente e conhecido internacionalmente... Larissa pode
se apaixonar por ele assim que ele abrir a boca.
Não posso ligar para ela, pois ela não vai me atender. Isso ela deixou
claro na praça quando nos falamos pela última vez.
Meu peito arde de um jeito que nunca senti antes e, eu sinto como se
estivesse perdendo tudo pelos vãos dos dedos.
― Porra! ― Me levanto com raiva e sigo para meu quarto. No
caminho passo por Rúbia que abre a boca para falar comigo. ― Agora não,
Rúbia!
Entro em meu quarto e bato a porta irritado.
A minha vontade é de ir até lá e ver de perto qual é a intenção desse
babaca em se aproximar de Larissa. Os rapazes disseram que ele está
interessado numa parceria de produtos, mas... por que justo Larissa sendo
que há outros produtores de café espalhados por todo o Brasil?
Bufo irritado e decido tomar um banho gelado, quem sabe assim
minha raiva não passe.

Levanto antes do sol raiar, pois tive uma noite de merda onde nem
dormi direito.
Assim que chego na cozinha e começo a preparar o café da manhã,
Rúbia aparece e isso me causa estranheza já que eu nunca a vi acordar tão
cedo assim.
― Aconteceu alguma coisa? ― pergunto quando ela se senta à mesa
sem dizer nada.
― Você vai até a cidade hoje? ― pergunta com a voz mansa e nem
parece a mesma mulher que me disse um milhão de insultos dias atrás.
― Não. Por quê? Precisa de algo?
― Sim. Quero ir até a farmácia, pois preciso de itens de higiene
feminina.
― Não pode pedir pela internet como tem feito com as muitas
coisas que têm chegado aqui na fazenda?
Ela revira os olhos entediada.
― É urgente... ― franzo o cenho e ela limpa a garganta. ― Meus
pés estão ressecados e eu quero um hidratante específico...
― Pede pela internet ― digo dando as costas a ela.
― Custa me levar até a cidade?
― Sabe que estou ocupado com a colheita.
― Serão só algumas horas, o mundo não vai acabar!
― Está bem ― digo suspirando cansado. ― Te levo lá. Mas se
apresse, pois não quero demorar e quanto antes sairmos, antes voltamos.
― Mas agora?!
― Se quiser ir...
― Eu quero... ― ela diz saindo correndo da cozinha.
Tomo meu café de forma tranquila e bufo irritado em passar mais
um dia sem beber café, pois não me atrevo mais em preparar a bebida já
que ela sempre fica ruim. Então me contento apenas em beber leite ou suco
pela manhã.
Meu pensamento voa para o dia em que trouxe Larissa até a minha
casa e ela preparou café para nós dois.
Deslizo a mão sobre a bancada onde a coloquei sentada e o cheiro
da sua pele ainda está guardado em minha memória como se ela estivesse
acabado de sair daqui...
― Estou pronta. Vamos?! ― A voz de Rúbia ecoa na cozinha me
tirando dos meus pensamentos.
― Sim ― digo a contragosto me encaminhando para o corredor que
leva até a sala onde pego meu chapéu e o coloco sobre a cabeça.
― Vai usar isso? ― Rúbia pergunta me seguindo para fora da casa.
― Sim. Alguma coisa contra?
― Não. ― Ela faz uma careta.
Ando de forma apressada até o galpão, pois não quero perder tanto
tempo e Rúbia me chama.
― Pode andar mais devagar? ― Ela pede.
― Espere aí que vou pegar a caminhonete e quando passar por aqui
você sobe.
Ela bufa, mas concorda.
Balanço a cabeça e conto até dez tentando me acalmar.
Odeio ter uma noite maldormida, pois o dia seguinte fico
insuportável.
Saio do galpão com a caminhonete e pego Rúbia no caminho. Ela
olha para tudo com cara enojada e a minha vontade é de explodir, mas me
controlo.
Durante o trajeto ela reclama da poeira, do sol quente mesmo sendo
de manhã, dos buracos na estrada e até dos insetos que entram dentro do
veículo.
Finjo não a ouvir e apenas bloqueio o som da sua voz como aprendi
a fazer com o passar do tempo em que ficamos casados.
Nunca uma viagem até a cidade foi tão longa como essa e assim que
contorno a praça e encosto em frente a farmácia, dou graças a Deus, pois
agora só temos a viagem de volta.
Rúbia salta da caminhonete e segue até a farmácia e eu fico parado
apenas observando o comércio local abrir as portas e os habitantes andando
de um lado para o outro.
Vejo seu José começar a preparar a sua pipoca e saio da
caminhonete para conversar com ele.
Desde que Rúbia chegou em minha casa e eles se encontraram, seu
José nunca mais foi até a fazenda e nem sua esposa.
Me sinto envergonhado em saber que ela foi mal-educada com o
casal que me estendeu a mão e quando me aproximo de seu José, ele me
olha e lança um dos seus maiores sorrisos.
― Ah, seu Dante... arrumou um tempinho no meio da colheita para
visitar os amigos.
― Bom dia, seu José... como vai?
― Eu vou bem. ― Ele volta a atenção para a pipoqueira. ― E a
colheita?
― A todo vapor. ― Seu José me encara sério.
― Parece meio desanimado...
― É que eu imaginava que a colheita seria um pouco melhor.
― Mas vai ser, seu Dante. O cafezal tava abandonado no meio do
mato, uai. Alguns pés tavam secos, outros sem produzir... agora aprendeu
como cuidar deles, garanto que a próxima colheita vai ser maior. ― Ele
pigarreia. ― E sua esposa?
Respiro fundo e tenho vontade de corrigi-lo, mas por fim acabo
respondendo.
― Eu a trouxe até a farmácia... ela precisava de um produto
específico.
― Entendo.
― Dona Esmeralda como está? ― pergunto pela mulher que trouxe
vida à minha casa junto com as amigas.
― Ela foi para a casa do nosso filho mais velho. A mãe da nossa
nora fez uma cirurgia e a muié foi lá ficar com nossos netos, enquanto a
Priscila cuida da mãe... por que, seu Dante? Tá precisando de alguma coisa
na sua casa? Aqui em Preciosa tem as mulheres que fazem faxina... se o
senhor quiser posso ver com alguma delas...
― Não, não é isso, seu José ― digo sem jeito. ― Eu tenho cuidado
de tudo na medida do possível. Me viro bem preparando as refeições e
cuidando para que a casa não fique como estava quando dona Esmeralda
chegou lá com as amigas. ― Sorrio. ― Era só para saber dela mesmo, pois
senti falta dela lá. ― Seu José dá risada. ― E o senhor não tem vontade de
acompanhá-la?
― Ah, não, uai. ― Ele ri com gosto. ― Minha raiz é aqui em
Preciosa. Acho que morro se ficar longe, nem que seja por uns dias.
Sorrio e quando me viro, eu a vejo.
Tão linda.
Jeans, botas de salto e camisa azul-marinho. Cabelos soltos e com
seu chapéu preto na cabeça.
Puta que pariu!
Seus lábios vermelhos e lindos, estão sorrindo e quando vejo o tal
sujeito ao seu lado, percebo que ela está rindo de algo que ele disse.
A raiva me domina e a minha vontade é de partir para cima dele e
acabar com esse risinho idiota que ele tem no rosto enquanto fala com ela.
― Ah, deve ser o tal imperador que Preciosa inteira está falando. ―
Ouço seu José comentar ao meu lado. ― Estão dizendo que ele faz uns
chocolates diferentes e agora quer colocar o café da Larissa junto. Pode
isso, seu Dante? ― ele pergunta sem acreditar que a mistura possa dar
certo.
― É. ― Engulo em seco. ― Eu soube ― digo entredentes.
― Vai ser bom pra menina, uai. ― Seu José fala voltando a prestar
atenção na pipoqueira. ― Dizem que ele vende até lá fora... imagina só, seu
Dante. O café aqui de Preciosa lá pra fora do Brasil?
Engulo em seco quando o vejo colocar a mão nas costas dela ao
atravessarem a rua e quando dou por mim, já estou de frente para os dois.
― Oi, Larissa ― digo e quando ela olha para mim, a cor some do
seu rosto.
― Dante ― ela diz depois de um tempo. ― Leo, esse é Dante
Castellamare, nossas propriedades são vizinhas e ele também é produtor de
café aqui de Preciosa.
― É um prazer, senhor Castellamare, meu nome é Leônidas
Guimarães ― ele diz estendendo a mão para mim.
O cumprimento com meu peito dominado pela raiva em ver Larissa
me tratando com tanta frieza, que nem me dou conta de que ela não está
olhando para mim, mas sim para algo atrás de onde estou.
― Ah, você está aí, querido... ― ouço a voz melosa de Rúbia e
meus olhos cravam em Larissa que somente observa a cena calada e sem
mover um músculo.
Nem ela e nem o tal imperador se movem quando Rúbia se
posiciona do meu lado e coloca a mão em meu braço. Me afasto alguns
centímetros como se o seu toque me queimasse.
― Não vai me apresentar, Dante? ― Rúbia pergunta e observo
Larissa engolir em seco.
― Esses são Leônidas Guimarães e Larissa Leão... e essa é Rúbia
Novaes. Minha ex-mulher. ― Friso a última frase, mas acho que ninguém
ouviu.
― Larissa Leão. ― Rúbia diz pausadamente e então Larissa a
encara e seus olhos vão direto para a barriga de Rúbia. ― Ah... Dante te
falou que estamos esperando um filho?!
― É. Ele me falou ― Larissa responde. ― Por telefone inclusive.
― Sua voz é carregada de amargura, mas por incrível que possa parecer, ela
sorri. ― Desejo felicidades a vocês e muita saúde para o bebê. Agora se nos
derem licença, precisamos ir. Vamos, Leo?!
― Claro. Foi um prazer conhecer vocês e também desejo saúde para
o bebê. Com licença. ― O tal imperador diz sorrindo e acompanha Larissa
com a mão cheia de dedos pousada em suas costas enquanto caminham pela
praça.
― Podia ao menos disfarçar seu ciúme ridículo! ― Rúbia diz em
voz alta e isso chama a atenção de algumas mães que estão na praça.
A seguro pelo braço e praticamente a puxo pela praça na direção da
caminhonete.
― Não diga bobagens, Rúbia!
― Eu dizendo bobagens?! ― ela grita quando chegamos até a
caminhonete. ― Eu vi a hora que atravessou bufando a praça e foi até onde
aquela vagabunda estava...
― Se não calar essa sua boca agora, te deixo aqui sozinha e irá ter
que voltar a pé para a fazenda, ou pode ir para São Paulo daqui mesmo! ―
digo segurando firme em seu braço, enquanto a encaro de forma
ameaçadora com nossos rostos a centímetros de distância.
Ela não fala nada e eu agradeço aos céus por isso.
Abro a porta da caminhonete, ela sobe e eu bato a porta com força.
Enquanto dou a volta na caminhonete para assumir o volante, me
xingo mentalmente de todos os nomes possíveis e a minha vontade é de
sumir daqui, depois do papel ridículo que fiz.
Assim que me posiciono atrás do volante, vejo Larissa e o tal
imperador conversando com seu José e aperto o volante com força.
― Então era com ela que estava tendo um caso? ― Rúbia pergunta.
― Não começa! ― A ameaço e ligo o motor para sair daqui o mais
depressa possível.
CAPÍTULO 19

Saio a toda velocidade do centro de Preciosa e só então me dou


conta do quanto estou correndo quando ouço os gritos de Rúbia.
― Está ficando louco?! ― ela grita comigo. ― Quer matar a nós
dois correndo assim? ― Diminuo a velocidade e dirijo com mais calma. ―
O que deu em você? ― ela pergunta com raiva. ― Está assim só porque viu
aquela vadia com um homem do lado?
― Para de falar da Larissa assim!
― Vai defender sua amante na minha frente?
― Ela não é minha amante. Para se ter uma eu tenho que estar
casado e eu não estou casado, muito menos com você, já que nos
divorciamos faz tempo. Então se não parar de falar dela desse jeito, te deixo
aqui na estrada!
O restante do trajeto é feito em silêncio de ambos os lados, mas a
minha mente está fervilhando de raiva em ter visto aquele miserável
sorrindo e tocando em Larissa.
Assim que encosto a caminhonete em frente à minha casa, Rúbia
desce dela feito um foguete e corre para dentro.
Respiro fundo entrando também.
Preciso ir até o escritório e verificar se não tem nenhum e-mail ou
mensagem.
Assim que me sento em minha cadeira, Rúbia aparece na porta do
escritório.
― Quem sabe agora que a viu com um homem, você crie vergonha
na sua cara e pare de correr atrás dela.
― Rúbia, por favor... eu não quero mais falar sobre isso.
― Ela até que te esqueceu rapidinho já que estava pendurada em
outro, mas... não vou negar, ela tem bom gosto. Primeiro você, depois ele e
sabe-se lá mais quantos outros...
― Chega, Rúbia! ― digo me levantando.
― O quê? Acha mesmo que você foi o primeiro e único da vida
dela? Se toca, Dante!
Saio do escritório e sigo na direção da porta da frente, mas Rúbia
está disposta a me infernizar a qualquer custo.
― Ela é uma interesseira, isso sim! Você mesmo viu com seus
próprios olhos, aquele homem é rico e é claro que uma piranha gananciosa
como ela, ia agarrar ele rapidinho.
― Cale a boca, Rúbia! ― grito me virando para ela que fecha os
olhos se assustando com a minha ira. ― Já disse e não vou repetir, não fale
assim da Larissa, pois você não a conhece.
― Não conheço?! ― Ela ri de um jeito debochado. ― Pelo visto
quem não a conhece é você já que está cego por ela. Bem-feito que ela não
o quis mais. Nada me deixa mais satisfeita do que ver você rastejar por uma
mulher e ela te desprezar como a sua Larissa fez.
Travo a minha mandíbula e cerro os punhos. A minha vontade é de
explodir com ela, mas simplesmente dou as costas e saio de casa.
Respiro fundo enquanto ando o mais rápido que consigo até sentir
meu peito arder e então paro.
Me encosto na parede do galpão e respiro fundo várias vezes até
sentir a raiva sair de dentro de mim, mas quanto mais eu quero que isso
aconteça, mais raiva eu sinto.
Raiva por Larissa ter terminado tudo comigo, raiva por Rúbia me
provocar de todas as formas, raiva por ver aquele filho da puta ao lado da
Larissa...
Fecho os olhos, mas tudo o que me vem à mente é o som da risada
dela ouvindo minhas piadas ruins, seu cheiro, a maciez dos seus cabelos
entre meus dedos...
― Porra! ― grito e chuto a caixa de ferramentas que foi deixada no
canto do galpão.
Eu preciso falar com Larissa se não vou enlouquecer.
Tiro meu chapéu e passo a mão pelos cabelos. Vejo a caixa da
oficina com a mangueira que eu encomendei e, então a ideia de ir até a
fazenda Florescer devolvê-la me ocorre.
A pego em minhas mãos e sorrio.
É isso!
Essa é a oportunidade que eu queria para poder conversar com
Larissa.
Hoje à noite vou até sua casa e só sairei de lá quando ela me ouvir.

LARISSA
Logo após o almoço, Leo se despede de nós na pista da fazenda e
assim que ele embarca em seu avião, Josué chama pelo meu nome e eu o
encaro.
― O que aconteceu na cidade? ― ele pergunta preocupado.
― Não entendi.
― Você saiu daqui bem animada, ansiosa em mostrar ao Leônidas
toda Preciosa, e quando voltou estava quieta... ele disse alguma coisa para
você?
― Não. ― Nego enquanto caminhamos até a caminhonete. ― Leo é
um homem bom e muito respeitador... não fez nenhum comentário ou
conversa de duplo sentido comigo.
― Então por que está assim, Lari?
Subimos na caminhonete e como ele está dirigindo, abro o vidro e
coloco meu braço na janela enquanto olho para fora.
― Nós encontramos com o Dante...
― Tinha que ser! ― Josué bufa.
― Ele estava junto com a mulher e ela é tão bonita. ― Mordo meu
polegar. ― Loira, bem-vestida, parece uma modelo...
― Esquece isso, Lari.
― Eu sei que preciso esquecer, Josué. Mas só em pensar que de
agora em diante nos veremos sempre... ele ao lado da mulher e do filho que
terão...
Respiro fundo e assim que ele encosta a caminhonete dentro do
galpão, eu desço e ele me encara sem saber o que dizer, por fim lanço a ele
um sorriso triste.
― Eu vou superar. ― Garanto a ele. ― Vamos para a colheita?
― Claro ― ele diz caminhando do meu lado, enquanto seguimos
para o cafezal.

Estamos somente eu e Vera hoje sentadas à mesa da cozinha para o


jantar, pois Josué precisou verificar a colheitadeira com os funcionários e,
eu me pego pensando no passeio que fiz com Leo pelo centro de Preciosa e
me lembro exatamente de quando estava dentro da farmácia com Leo
conversando com seu Edgar, dono do estabelecimento, quando vi Rúbia
descer da caminhonete de Dante e entrar na farmácia de modo apressado.
Na hora percebi que ela era a ex-mulher dele e então pude observá-
la com calma enquanto ouvia seu Edgar conversar com Leo sobre as
paisagens do Nordeste já que o dono da farmácia também é de lá.
Rúbia foi direto para as prateleiras e parecia desesperada para
encontrar determinado produto.
Ouvi ela perguntando para a atendente onde ficavam os absorventes
e isso me despertou uma curiosidade extrema já que se ela está grávida, não
usa esse produto.
Encerramos a nossa conversa com seu Edgar e saímos da farmácia,
Leo comentou comigo como as pessoas daqui são receptivas e simpáticas
com ele e perguntou se poderíamos ir até a igreja, pois ele gosta e muito da
história de cidades pequenas e quando eu disse que a igreja de Preciosa tem
quase cem anos, ele ficou ainda mais curioso.
Então Dante apareceu e depois Rúbia com seu corpo esbelto e
curvilíneo e foi então que a dúvida se instaurou na minha cabeça.
Ela está mesmo grávida de Dante?
― A comida tá tão ruim, menina? ― Ouço a pergunta de Vera e
então desperto dos meus pensamentos. ― Não comeu quase nada e tá aí
virando a comida de um lado pro outro dentro do prato...
― Desculpe, Vera. ― Respiro fundo. ― Estava aqui pensando
numa coisa.
― É sobre os chocolates?
― Não. É sobre o Dante.
― Uai! O que tem ele?
― Hoje encontrei com ele e a mulher na cidade... ela foi até a
farmácia onde eu estava conversando com o seu Edgar e o Leo. E ela estava
procurando por absorventes.
Vera franze o cenho e se recosta no encosto da cadeira.
― Mas ela não tá grávida, Larissa? Que diacho ela quer com
absorvente?
― É aí que tudo fica estranho... quando nos encontramos na praça e
ele nos apresentou, eu olhei para seu corpo e não há sinal nenhum de
barriga de gestante nela. ― Vera apoia o cotovelo sobre a mesa me espera
falar. ― Bem, eu não sei de quanto tempo ela está grávida, mas... acho que
devia aparecer, ou não?
― Ela é magrinha? ― Concordo. ― Então deve ser isso, Lari. Em
algumas mulheres a barriga demora mesmo pra aparecer.
― Mas e os absorventes?
Vera apenas dá de ombros.
― Deixa isso pra lá, menina. Eles não merecem a sua preocupação.
Um barulho de carro se ouve lá fora e eu franzo o cenho.
― Quem pode ser a uma hora dessa da noite? ― pergunto me
levantando e ela vem atrás de mim.
― Não sei, mas boa coisa não deve ser, já que vem a esse horário na
casa dos outros.
Afasto a cortina da janela da sala, vejo a caminhonete de Dante e
engulo em seco ao olhar para Vera parada ao meu lado.
― Eu disse que boa coisa não era ― ela fala fechando a cara. ―
Quer que eu chame o Josué?
― Não é preciso, Vera. Eu falo com ele.
― Vou ficar na cozinha ― ela diz. ― Qualquer coisa é só gritar que
eu venho correndo e trago a vassoura.
― Obrigada ― digo sorrindo achando graça das suas palavras.
Dante Castellamare é enorme e a vassoura de Vera não o assustaria,
mas não vou dizer isso a ela, pois aprecio o seu cuidado comigo.
Ela se vai e eu abro a porta. Dante está subindo os degraus da
varanda e para ao me ver.
― Oi, Lari...
― Dante. ― Engulo em seco esperando que ele diga o que veio
fazer aqui.
― Eu vim trazer a mangueira que me emprestou... bem, devia ter
trazido já tem alguns dias.
― Obrigada. ― Ele me entrega a caixa em minhas mãos.
Dante continua parado na minha frente sem menção nenhuma de ir
embora.
― Lari, eu preciso conversar com você. ― Respiro fundo. ― Eu e a
Rúbia não temos mais nada e...
― Dante, eu não tenho nada a ver com a sua vida. ― Dou alguns
passos para dentro de casa, deixo a caixa com a mangueira ao lado da porta
e ele adentra a casa junto comigo. ― Se veio até aqui para me falar sobre
isso, peço que vá embora, pois...
― Não! ― Ele me interrompe parando bem a minha frente. ― Me
deixe falar... depois eu vou embora se quiser, mas por favor, me ouça.
― Estou ouvindo ― digo e ele umedece os lábios antes de
continuar.
― Como ia dizendo, eu e ela estamos divorciados. Nosso casamento
nunca foi normal e já havia acabado faz tempo, só estávamos prolongando o
fim... o divórcio era inevitável e quando isso aconteceu, eu vim para
Preciosa e ela seguiu com a vida dela. Eu não odeio a Rúbia, nossas ideias
apenas não batem, nunca bateram eu acho. ― Ele dá de ombros. ― Ela é de
família rica, nunca trabalhou e sempre foi acostumada a ter tudo o que
quis... desde que ela chegou na fazenda, não faz nada em minha casa e sou
eu quem tem feito tudo lá, pois como te falei, pensamos de modo diferente
e eu evito ao máximo conversar com ela para não acabar discutindo como
sempre. Antes da chegada dela eu e você nos conhecemos e eu fui pego de
surpresa quando Rúbia chegou aqui dizendo estar grávida...
― De quanto tempo exatamente ela está? ― pergunto e ele se cala.
― Pouco mais de quinze semanas, eu acho. Nós não fomos até o
médico daqui de Preciosa, pois eu estou envolvido com a colheita e...
― São quase quatro meses de gestação, Dante! ― Ele se cala e eu
mordo meu polegar. ― Eu a conheci hoje e... bem, achei que a barriga dela
estivesse aparecendo, mas como ela é magra, talvez demore algum tempo
e... ― Me calo e acabo dando de ombros, pois me acho ridícula agora
levantando suposições sobre a gravidez da ex-mulher dele.
Dante apenas me encara em silêncio. Por fim ele sorri e toca meu
braço com a mão. Minha respiração acelera.
― Como você está, leoazinha? ― Ele muda de assunto e agora a
sua voz não passa de um sussurro.
Meu coração bate forte ao ouvi-lo me chamar pelo apelido.
― Bem ― digo e o vejo engolir em seco.
― Eu sinto a sua falta. ― Respiro fundo desviando o olhar, quando
volto a olhar para ele, seus olhos estão fixos na caixa que Leo me deu que
está sobre a mesa de centro. Ela está aberta e revirada já que eu comi alguns
dos chocolates que ele trouxe. ― Ficou com a caixa que aquele cara te deu.
― Ele diz numa afirmação e olha para mim. ― Enquanto a cesta que eu
mandei, você entregou para seus funcionários. Junto com a pelúcia... ―
Engulo em seco. ― Por quê? ― Minha respiração está acelerada. ― Não
quer ter nada que lembre de mim? E o que vai fazer com os momentos que
passamos juntos? Não me diga que irá esquecer, porque não vai. A cada
segundo que viver, se lembrará de mim e do que vivemos e sabe como eu
sei? Porque eu também vou me lembrar, leoazinha.
Uma lágrima escorre pelo meu rosto e eu a seco com raiva por estar
chorando aqui na frente dele.
― Chega, Dante! ― digo e me afasto dele. ― Já disse o que queria
dizer, então agora pode ir embora. ― Passo por ele e paro ao lado da porta
esperando que ele passe por ela. ― Volte para sua casa e para a mulher que
está esperando um filho seu, se é que isso seja verdade. ― Acabo soltando
na hora da raiva e me arrependo imediatamente quando o vejo se virar e
olhar de cenho franzido para mim.
― O que disse?
Agora que comecei, irei até o fim. Dou de ombros e falo.
― Eu estava na farmácia quando sua ex-mulher chegou e eu a vi
pedindo por absorventes.
― A Rúbia? ― ele pergunta vindo até mim parecendo ter levado
um soco na boca do estômago.
― A não ser que tenha outra ex-mulher aqui em Preciosa, era ela
sim. ― Resolvo ser sarcástica, pois infelizmente essa é a única defesa que
me sobrou.
Dante fica em silêncio olhando para o chão e ele parece desnorteado
com o que eu acabei de lhe dizer.
― Primeiro me diz que a barriga dela não é uma barriga normal
para uma gravidez do tempo que Rúbia diz ter e agora vem com essa?
Pensei que jogasse limpo, Larissa.
― Como é? O que está insinuando?
― Eu não sei! ― Ele dá de ombros e levanta as mãos para o alto
deixando-as cair ao lado do corpo. ― Venho aqui conversar com você
mesmo depois de te ver aos sorrisos com um cara no meio da praça, para
todo mundo ver e então você vem com essa... o que quer, Larissa Leão?
Quer ter uma fila de homens rastejando por você?
Sinto todo o ar ser sugado do meu corpo e a minha única reação é a
que eu jamais pensaria em tomar.
Levanto a mão e desfiro um tapa com toda força em seu rosto.
― Saia agora da minha casa! E nunca mais coloque os pés aqui
novamente.
― É isso mesmo que eu vou fazer!
Ele sai para a varanda e olha uma última vez para mim. Penso que
irá dizer alguma coisa, mas não dou oportunidade e fecho a porta na cara
dele.
Me sento no sofá ainda tremendo pela reação que tive e então Vera
aparece na minha frente com um copo de água.
― Você ouviu?! ― pergunto num sussurro a ela que concorda.
― Bem que você fez em dar uma bofetada naquele metido ― ela
diz com raiva. ― No fim ele é igualzinho o pai dele mesmo.

DANTE
Chego em casa e sigo direto para o quarto que Rúbia está ocupando.
Abro a porta e entro sem bater, ela pula de susto na cama onde está
sentada passando uma espécie de geleia branca em seu rosto e me olha
assustada fechando o roupão até o pescoço.
― Poucos meses vivendo nesse fim de mundo te tiraram a educação
que não bate mais antes de entrar?
― Me disseram que viram você comprando absorventes na farmácia
hoje de manhã. Que história é essa, Rúbia?
Ela arregala os olhos e abre a boca tentando articular as palavras.
― O quê? ― ela pergunta.
― Isso o que ouviu. ― Coloco as mãos na cintura esperando por
uma resposta.
― Eu não estava comprando absorventes...
― Então a pessoa que viu, mentiu?
― Eu não sei. ― Ela dá de ombros e começa a tirar a geleia do
rosto com uma toalha úmida como se eu não estivesse aqui. ― Não faço
ideia de quem possa ter falado isso a você, mas não devia acreditar em
fofoca de cidade pequena, Dante.
― E o que comprou na farmácia?
Ela ri e revira os olhos.
― Isso é sério? ― Como continuo a olhando firmemente, ela vai até
o armário e pega a sacola da farmácia e joga no meu peito. ― Foi isso que
eu fui comprar na farmácia.
Abro a sacola e lá dentro estão vários vidros de produtos específicos
para cuidados com o rosto.
― Não sei com quem anda conversando, mas devia rever essas suas
amizades já que estão fazendo fofoca sobre a mãe do seu filho. Agora se me
der licença, eu preciso dormir!
Jogo a sacola sobre a cama e sigo para a porta.
― Não me deve um pedido de desculpas, por ter entrado aqui e me
acusado?
Apenas saio do seu quarto e ela grita que sou sem educação antes de
bater à porta com força.
Sigo para meu quarto onde entro e fecho a porta.
Passo as mãos pelos meus cabelos e balanço a cabeça.
O que está acontecendo?
Por que tudo terminou tão errado hoje?
Fui até a casa de Larissa e de uma hora para outra tudo desandou e
quando chego aqui para confrontar, Rúbia, pois acreditei no que Larissa me
disse, ela me prova que eu estava errado.
Preciso o quanto antes que essa colheita acabe para que eu leve
Rúbia até o ginecologista e, assim prove de uma vez por todas que ela esteja
esperando mesmo um filho meu.
Engulo em seco e me lembro do olhar de raiva que Larissa me
lançou.
Eu fui longe demais em dizer aquilo.
Fui burro e estava dominado pela raiva.
Agora mesmo que ela não quer nem me ver, quem dirá falar comigo.
Eu tinha a oportunidade perfeita e estraguei tudo.
CAPÍTULO 20

DIAS DEPOIS
Assim que Ulisses manobra a colheitadeira para enfim guardarmos
dentro do galpão após uma revisão rápida feita por nós, acompanho com o
olhar para um grupo de rapazes que estão conversando e pelos seus
semblantes preocupados, o assunto é grave.
Me aproximo lentamente e franzo o cenho ao pegar o final da
conversa.
― ... deve ser a mesma doença do pai dela, coitada.
― Diacho! Tão nova e ter que passar por tudo isso. ― Outro
comenta.
― Mas é pra você ver que o pior acontece com qualquer pessoa, até
as melhores...
― Do que estão falando? ― pergunto curioso.
― A dona Leão... ― minha vista escurece temendo que algo possa
ter acontecido com a Larissa.
― O que aconteceu com a Larissa? ― pergunto sentindo o coração
bater na garganta.
― Uai! Ela desmaiou hoje lá no meio da colheita. ― Um dos
rapazes fala. ― O Josué levou ela correndo pra clínica. A cidade inteira tá
falando disso...
― Tão falando que ela pode ter a mesma doença que levou o seu
Inácio...
― A Larissa pode estar doente? ― Minha voz não passa de um
sussurro.
― É uai! O seu Inácio também começou assim. Primeiro foram uns
desmaios e eles falavam que era porque ele tava trabalhando demais... e
quando foram ver o que era, já não dava pra fazer mais nada... ― A voz
deles vai ficando cada vez mais longe e tudo o que ouço é meu coração
batendo forte dentro do peito. Tão forte que está difícil até para respirar.
Quando dou por mim, já estou dentro da caminhonete saindo a toda
velocidade da minha fazenda na direção da Florescer.
Preciso ver Larissa com meus próprios olhos, falar com ela,
perguntar o que aconteceu e nada nem ninguém vai me impedir de vê-la
hoje.

LARISSA
Observo a colheitadeira fazer a volta no último lote da colheita e um
sorriso brota em meus lábios.
― Mais animada agora que está acabando? ― Josué pergunta e eu
concordo.
― Foi uma boa colheita ― digo e ele assente. ― Mas ainda não
acabou. Agora vem o processo de secagem e despolpação. E eu estou me
sentindo tão cansada ultimamente...
― Foram semanas trabalhando sem parar, Lari. Normal que esteja
se sentindo assim. Você trabalha mais do que nós, principalmente nos
últimos dias. ― Umedeço os lábios e ele continua. ― Nós temos visto que
tem trabalhado de dia aqui na colheita e a noite trabalha na frente do
computador se reunindo com o Leônidas para acertar todos os detalhes da
parceria. A Vera até está preocupada com a sua saúde...
― Agradeço a preocupação de vocês, mas eu estou bem. ― Respiro
fundo sentindo minha cabeça pesada. Talvez Josué tenha razão de eu estar
trabalhando pesado, mas eu precisava focar nisso para esquecer de Dante e
da nossa última conversa...
― Você ainda é jovem, Lari... não pode trabalhar tanto assim. Uma
hora a cobrança por tanto trabalho chega. ― Fecho meus olhos por um
instante sentindo meu mundo rodar. ― Está se sentindo bem?
― Você fica falando tudo isso e acho que meu subconsciente está
dando ouvidos a você. ― Forço um sorriso e olho para o horizonte.
― Quer um copo de água? ― ele pergunta e eu assinto. ― Vem, é
melhor sair desse sol. Mesmo estando de manhã, ele está forte o bastante
para fazer qualquer um passar mal.
Nos viramos e quando vou dar um passo, meu corpo não obedece e
eu me seguro em Josué. Tento falar, mas a minha língua embola dentro da
boca. Minha vista escurece e a última coisa que me lembro é de Josué
chamando meu nome, enquanto segura firme em minha cintura para que eu
não caia igual uma fruta madura no chão.

Assim que abro meus olhos, sinto cheiro de álcool e alvejante.


Franzo meu cenho e forço meus olhos para que eles se abram.
Quando isso acontece, percebo que estou num quarto hospitalar.
Tento me levantar, mas a minha cabeça ainda está pesada e isso não
é possível.
― Ei, Lari... ― a voz de Josué soa do meu lado e então ele aparece
no meu campo de visão. ― Tudo bem?
Balanço a cabeça afirmando e tento falar, mas a minha boca está
seca e as palavras não saem.
― Onde estamos? ― pergunto com a voz baixa depois de umedecer
meus lábios.
― Na clínica. ― O encaro sem entender e ele segura a minha mão.
― Você desmaiou lá na plantação de café, então te trouxe para cá... fiquei
assustado quando vi você caindo... eu ainda tinha te alertado, lembra?
Balanço a cabeça afirmando.
Uma médica morena, alta, de cabelos grisalhos, usando um jaleco
branco sobre roupas formais entra na sala e sorri ao me ver acordada.
― Senhora Leão... como está se sentindo? ― ela pergunta.
― Bem... ― tento me levantar e ela se aproxima de mim se
posicionando ao lado de Josué.
― Pode ficar deitada, senhora ― ela diz. ― Eu sou doutora
Elisabete Medeiros e estou aqui para examiná-la. Se importa de nos esperar
lá fora por favor? ― ela pergunta para Josué que fica relutante em me
deixar sozinha.
― Pode ir, Josué ― digo e ele assente, saindo da sala em seguida
me deixando sozinha com a médica.
― Ele chegou aqui apavorado, pensei até que fosse colocar a clínica
abaixo. ― Ela ri. ― Ele gosta muito da senhora...
― Josué trabalha para o meu pai desde antes mesmo de eu nascer...
ele me viu crescer e desde que meu pai se foi, meio que assumiu o lugar
dele.
― Entendo. ― Ela sorri aferindo a minha pressão. ― Eu tenho dois
irmãos mais velhos e sei bem do que a senhora está falando. ― Fica em
silêncio por alguns segundos ― ele disse que tem trabalhado demais nos
últimos dias...
Concordo engolindo em seco.
― É época da colheita do café... precisamos estar atentos a tudo...
― dou a desculpa e ela torce a boca.
― Mas não pode negligenciar a sua saúde, senhora... sabe disso, não
sabe? ― Me repreende. ― Tem se alimentado direito? ― concordo. ― E
seu sono?
― Tenho dormido bem, por incrível que pareça...
― Tem passado por picos de estresse?
― Não... só tenho focado nos assuntos da fazenda mesmo...
― E seu ciclo menstrual, teve alterações? ― Fico em silêncio
tentando recordar quando foi a última vez que fiquei menstruada e não
consigo me lembrar. ― Teve relações sexuais sem proteção nas últimas
semanas?
― Eu... ― a noite que passei com Dante me vem à mente e eu fecho
meus olhos. Nós usamos camisinha, mas quando transamos no banheiro, foi
sem proteção e no dia seguinte em sua casa também.
― Vou trazer um teste de gravidez. Pode continuar deitada
esperando que eu volte ― ela diz e sai da sala me deixando sozinha.
Ela fala isso com tanta naturalidade como se isso fosse normal!
Levo a minha mão até a minha barriga.
Grávida!
Balanço a cabeça em negação.
Não pode ser!
Justo agora? E justo de Dante Castellamare?
A doutora volta com uma caixa nas mãos e se posiciona na minha
frente.
― Vamos levantar? ― Me estende as mãos e eu me sento na maca
com a sua ajuda. ― Tudo bem? ― Assinto ficando sentada. ― Alguma
tontura, mal-estar?
― Não. Está tudo bem ― digo e ela sorri.
― Então, pode tentar ficar em pé. ― Faço o que ela me pede. ― Já
fez um teste de gravidez antes? ― Nego. ― Dentro da caixinha há um
copinho e uma fitinha. Irá fazer xixi dentro do copo e colocará a fitinha na
urina. Aguardará alguns minutos. Uma listra é negativo, duas, positivo.
Qualquer dúvida é só me chamar. O banheiro é ali. ― Ela aponta para a
porta no canto da sala e eu ando até lá devagar.
Faço tudo o que ela me explicou e enquanto aguardo, mil coisas
passam pela minha cabeça e em nenhuma delas consigo ver uma saída.
O que Dante irá dizer quando eu lhe contar?
O que será que irá dizer agora que tem dois filhos seus vindo quase
ao mesmo tempo?
Isso se eu estiver mesmo grávida...
Meus olhos vão para a bancada da pia. Olho dentro do copinho,
duas listras.
Respiro fundo puxando o ar e ele não vem.
Meu coração bate sem ritmo dentro do peito.
Grávida...
Eu estou grávida!
Estou esperando um filho de Dante Castellamare...
Como eu vou contar para ele? E pior ainda... como ele irá reagir?
― Senhora Leão? ― A doutora me chama do outro lado da porta.
― Já estou saindo.
Jogo tudo no lixo, seco a fitinha com o papel higiênico e saio do
banheiro.
Mostro a fitinha para a médica e ela sorri apontando a cadeira na
frente da sua mesa para que eu me sente. Coloco a fitinha em meu bolso e
me acomodo na cadeira.
― Então está explicado o seu desmaio, senhora Leão. Meus
parabéns. ― Ela me cumprimenta sorrindo. ― Agora precisa marcar uma
consulta com o ginecologista obstetra aqui da clínica, para que ele lhe passe
as vitaminas que terá que tomar e também o que deve e não, ser feito.
― Acha que ele me proibirá de fazer muitas coisas?
― Ah, não senhora... somente ter mais cuidado de agora em diante,
manter uma alimentação equilibrada e se poupar de passar estresse e claro,
diminuir o ritmo de trabalho para que a sua pressão não se altere.
― Entendi. ― Me recosto na cadeira ainda sem acreditar.
― Podemos marcar uma consulta para a senhora para a próxima
semana?
Ainda estou anestesiada com tudo isso e a encaro.
― Posso pedir a senhora que mantenha segredo? ― pergunto e seu
semblante se suaviza. ― Bem, aqui na cidade todos me conhecem e não
quero que saibam, ao menos não por enquanto...
― Fique tranquila, senhora Leão. Aqui somos profissionais e
mantemos o sigilo dos pacientes. Se ficar melhor para a senhora, eu mesma
posso fazer o ultrassom e receitar algumas vitaminas, mas é imprescindível
que comece a se consultar com o doutor Gaspar que é o especialista em
ginecologia e obstetrícia aqui da clínica.
― Claro ― digo. ― Obrigada.
Ela marca uma consulta para a próxima semana e me passa mais
algumas recomendações, antes de se levantar e me acompanhar até a porta.
Assim que saio da sua sala, Josué se levanta da cadeira que estava
sentado e me olha preocupado esperando que eu diga logo o que eu tenho.
Apenas faço um sinal com a cabeça e sigo pelo corredor com ele do
meu lado.
Logo que colocamos nossos pés no estacionamento, ele olha para
mim.
― E então, Lari? ― ele pergunta. ― O que você tem?
Respiro fundo e coloco a mão no bolso pegando a fitinha. Mostro a
ele que tem o cenho franzido.
― Eu estou grávida ― digo e ele continua calado.
Caminho até a caminhonete, abro a porta do passageiro e entro me
acomodando no banco.
Assim que Josué assume o volante, me encara antes de ligar o
motor.
― Grávida, Lari? ― Concordo respirando fundo. ― Você vai contar
para o Castellamare, não vai?
Mordo meu polegar pensando em como abordar esse assunto com
Dante.
― Ele já tem um filho vindo aí... ― digo e Josué começa a andar
com a caminhonete pelo estacionamento da clínica na direção da saída.
― Sim, mas não pode esconder isso dele... ― Josué faz uma pausa.
― Mas que sujeitinho irresponsável! ― Balança a cabeça negativamente.
― Agora vai ter que se virar para poder dar tudo o que os filhos precisam.
― Meu filho não precisa de nada dele ― digo orgulhosa.
― Mas essa não é a questão, Lari. ― Josué me repreende. ― Ele
sendo pai, tem deveres a cumprir... não é só depositar o valor de uma
pensão na conta e seguir em frente. Ele tem de estar presente na vida do
filho. ― Passo as mãos no rosto num gesto de desespero.
― Está defendendo-o agora, Josué? ― pergunto irritada.
― Sabe que não é isso, Lari! ― ele diz com a voz baixa. ― Ele
precisa saber...
Como eu vou chegar nele e dizer que teremos um filho?
Respiro fundo sentindo lágrimas inundarem meus olhos.
Nunca pensei em ter um filho, quer dizer, pensar eu pensei, mas
agora... tudo é real e eu estou sem saber o que fazer!
― E a Vera? ― Josué pergunta. ― Ela vai ficar doidinha quando
souber que vai ter um netinho, já que cuida de você como se fosse uma
filha.
Fecho meus olhos por alguns segundos.
Pareço estar sonhando.
A qualquer momento irei acordar e isso tudo irá sumir como
mágica.
Abro meus olhos e foco na estrada a minha frente.
De todos os meus planos traçados em minha mente, nunca coloquei
casamento, marido e filhos. Quem dirá filho antes de marido e casamento...
― Meu Deus! ― Solto apoiando o cotovelo na janela.
― Você tem a nós, Lari... ― Josué me tranquiliza. ― Eu e a Vera
vamos cuidar de você, assim como temos feito desde que seu Inácio se foi...
― Meu pai iria surtar ― digo com um sorriso bobo nos lábios. ― A
minha mãe faleceu no parto, mas... se isso não tivesse acontecido, ele teria
tido mais uns dois ou três filhos... meu pai gostava muito de crianças. Tanto
que fez uma escola do próprio bolso, para que as crianças de Preciosa
tivessem um lugar melhor para estudarem.
― Ele iria ficar muito orgulhoso em descobrir da sua gravidez. ―
Josué garante e estaciona a caminhonete em frente de casa.
Vera desce correndo os degraus da varanda e para do lado do
passageiro esperando que eu desça da caminhonete.
― O que aconteceu, menina? ― ela pergunta preocupada tocando
em meu rosto e braços.
Respiro fundo e sorrio.
― Vamos entrar, Vera?
― O que aconteceu, Lari? ― Ela segue perguntando e só quando
entramos em casa é que eu me viro, pego a fitinha do bolso e levanto na sua
frente.
― Aconteceu o que nós nunca imaginávamos... ― ela continua em
silêncio aguardando que eu continue ― estou grávida, Vera.
― Grávida?! ― Ela me olha chocada. ― Valha-me, Nossa Senhora!
Larissa do céu! ― Ela coloca as mãos na cabeça e me olha preocupada. ―
E agora, o que vai fazer?
Dou de ombros.
― Cuidar, dar amor, educar...
― Mas e o pai? É do Castellamare, não é? ― Assinto. ― Vai contar
pra ele?
― É o certo, não é, Vera?
― Sim, mas... ele não está esperando um filho, já?
― Está!
― Virgem Santíssima! ― Vera se senta no sofá. ― O homem tem
sorte, não? Num dia é sozinho no mundo e no outro tem dois filhos vindo...
― ela sorri ― imagina só se seu pai fosse vivo?
― Foi o que pensei. ― Sorrio. ― Ele iria gostar de saber que tem
um neto a caminho.
Vera sorri e se levanta vindo até mim.
Me abraça e beija meu rosto.
― Pois, eu fiquei e muito feliz. ― A abraço. ― Se Deus abençoar,
ele virá com muita saúde e vai trazer muita alegria aqui para a Florescer.
― Assim espero, Vera. ― Beijo sua bochecha. ― Agora eu queria
me deitar um pouco para descansar.
― Claro, menina... vai lá ― ela diz andando comigo até a escada.
― Vou preparar uma comidinha caprichada pra você. Agora esperando um
bebezinho, precisa se alimentar direito, uai.
Sorrio e começo a subir as escadas enquanto ela segue para a
cozinha.
Me encaminho para meu quarto e sigo direto para o banheiro.
Antes de me deitar, preciso tomar um banho e trocar de roupas já
que estas estão cobertas de poeira da colheita.
Após o banho, visto meu pijama e sigo até a minha cama.
Fecho os olhos e adormeço imediatamente.
CAPÍTULO 21

Desligo o motor da caminhonete em frente à casa de Larissa com o


dia quase terminando.
Mais uma vez estou vindo atrás da Larissa e começo a pensar que
Rúbia pode ter razão em dizer que eu vivo correndo atrás dela, mas pouco
me importa o que Rúbia ou qualquer outra pessoa pense. Eu só preciso
saber se ela está bem.
Da última vez que estive aqui, nós discutimos e ela me deu um tapa
tão forte que me lembro até hoje.
Não sei se ela vai querer me ver ou se seus funcionários me deixarão
entrar, mas eu preciso tentar e só saio daqui quando a ver e ter a certeza de
que ela está bem, nem que para isso precise acampar em sua porta.
Salto da caminhonete e me encaminho até os degraus da varanda.
A primeira pessoa que aparece na porta é Josué.
Merda!
Com ele aqui tudo fica mais difícil.
― O que veio fazer aqui, Castellamare? ― ele pergunta com raiva.
― Vim ver a Larissa. ― Limpo a garganta. ― Soube que ela
desmaiou hoje no cafezal... é algo grave?
Ele ri e de certa forma me sinto aliviado, pois se está rindo, não é
tão grave.
― Já chegou aos seus ouvidos? ― Concordo. ― Cidade pequena é
uma porcaria mesmo!
― Posso vê-la?
Ele continua sério me olhando e então ouvimos uma voz feminina
atrás dele.
― Josué! ― Ele se vira e então consigo ver a mulher por quem
Larissa tem um carinho especial. ― É melhor deixar que ele veja a
menina...
― A senhora é a Vera, não é? ― Tiro meu chapéu da cabeça e paro
ao lado de Josué, mas não ouso entrar na casa de Larissa, pois é capaz de
ele me enxotar daqui a pontapés. ― A Lari falou muito bem da senhora e a
tem como a mãe que ela não teve... bem, eu vim aqui pois soube que ela
passou mal. Então queria vê-la se for possível... ― faço a minha melhor
cara de dar pena e então os dois se entreolham.
― Você foi muito infeliz da última vez que esteve aqui e eu devia te
bater com a minha vassoura... ― ela diz e eu engulo em seco.
― Me desculpe, dona Vera, sei que desrespeitei a Larissa, a senhora
e também a casa de vocês. Isso não vai mais se repetir. Eu só...
― Está atrás de notícias. ― Ela complementa e eu concordo
sentindo a esperança surgir dentro do peito. ― Subindo as escadas, última
porta a direita.
― Vera! ― Josué a repreende.
― Obrigado, dona Vera ― digo sorrindo entrando na casa, mas ela
coloca a mão em meu peito barrando a minha entrada.
― Nós tamo aqui embaixo e se ouvirmos a Lari falar alto, não
precisa nem gritar, te tiramos daqui e nunca mais você coloca os pés nessa
casa outra vez. Entendeu, seu Castellamare?
― Entendi ― digo concordando.
Ela abaixa a mão e abre passagem.
Me movo e sigo na direção das escadas.
Subo devagar, pois sei que eles estão de olho em meus passos e só
quando estou no segundo andar é que solto o ar.
Ando pelo corredor acarpetado agradecendo aos céus pela
oportunidade e quando me vejo parado em frente a porta do seu quarto,
respiro fundo e forço a maçaneta abrindo a porta bem devagar.
O quarto de Larissa é como eu imaginei que fosse, uma cama de
casal com cabeceira de madeira estilo imperial no centro, duas mesas de
cabeceira ao lado da cama, sobre elas abajures e um porta-retrato do lado
esquerdo da cama onde ela está sorridente numa foto ao lado de quem eu
imagino que seja seu pai, e na parede pendurado está um quadro com
pássaros coloridos. No chão há um tapete de couro de boi e ao lado da cama
uma cadeira de madeira entalhada.
Larissa está dormindo enroscada nos lençóis e eu me aproximo
devagar sentindo seu cheiro delicioso, cada vez mais perto conforme ando
até ela.
Me inclino sobre a cama, estendo a mão e sinto ela formigar
ansiando por tocá-la e quando faço isso, meu corpo todo vibra em receio de
como ela reagirá ao me ver.
Passo minha mão por seus cabelos e repito o gesto até que ela se
mexe e abre os olhos de forma preguiçosa. Pisca repetidas vezes, então se
senta na cama como se tivesse levado um choque e olha para a porta.
― Por favor não grite senão a Vera vai me expulsar daqui. ―
Suplico a ela que me encara assustada.
― Dante?! Como entrou aqui? ― Sua voz está rouca pelo sono e a
minha vontade de beijá-la e abraçá-la é enorme.
― A Vera me deixou entrar aqui.
― Deixou?
― Sim.
Ela umedece os lábios e passa as mãos pelos cabelos.
― O que veio fazer aqui?
Puxo a cadeira de madeira para mais perto da cama e me sento
ficando o mais próximo possível dela.
― Eu soube que passou mal hoje de manhã... ― seu rosto
empalidece e ela me encara parecendo que viu um fantasma ― o que
aconteceu?
― Foi somente uma queda de pressão...
― Foi só isso mesmo?
Ela concorda com a cabeça sem me olhar nos olhos e algo me diz
que tem mais nessa história do que ela está querendo contar.
― Me diria se estivesse doente? ― pergunto e ela me olha. Seu
peito sobe e desce rápido demais para ser uma simples queda de pressão
como ela disse. Toco sua mão e ela está gelada como se estivesse
mergulhada numa piscina de gelo. ― O que você tem, leoazinha?
Vejo seus olhos se encherem de lágrimas, ela leva o polegar até a
boca e o morde tão forte que a minha única reação é me levantar da cadeira
e me sentar na cama ao seu lado puxando-a para meu colo.
― Larissa, por favor... ― me afasto alguns centímetros e seguro seu
rosto forçando a me olhar nos olhos ― me fala, o que você tem?
― Eu estou grávida ― ela diz num sussurro e eu juro que se não
estivesse prestando atenção em cada gesto dela, não teria entendido.
― Grávida?! ― Agora são minhas mãos que estão geladas e eu
sinto um zumbido tão forte dentro da minha cabeça que penso que irei
perder os sentidos.
Larissa me encara e vejo as lágrimas escorrerem por seu rosto
delicado.
Apenas a encaro em silêncio e passo minha mão por suas bochechas
secando suas lágrimas.
― Não chore, leoazinha ― digo a ela que fecha os olhos e tenta
sufocar o choro fazendo com que seu corpo todo seja sacudido com esse
gesto. ― Por favor...
Ela me encara e nega com a cabeça.
Beijo seus lábios e, um gemido escapa deles.
― Dante, não podemos... ― ela diz entre soluços e eu a abraço mais
forte.
Me recosto na cabeceira e ficamos assim abraçados por nem sei
quanto tempo e só quando sinto a sua respiração se normalizar é que me
mexo novamente.
Larissa se afasta de mim e se senta do meu lado na cama.
― Quando soube? ― pergunto a ela.
― Faz poucas horas.
― Iria me contar? ― pergunto e ela fica em silêncio. Por fim apenas
concorda com a cabeça. ― Quando?
― Eu não sei. ― Dá de ombros.
― Como não sabe?
― Eu não sei, Dante! ― ela fala em voz alta e eu olho para a porta.
Ela acompanha meus olhos e continua dessa vez com a voz baixa. ― Eu
acabei de descobrir. Ainda nem absorvi a notícia.
― Quem mais sabe?
― Apenas a Vera, o Josué, a médica e agora você.
― Se eu não tivesse vindo até aqui, iria me procurar para contar? ―
Ela apenas olha para as mãos em seu colo. ― Ou ia esperar que meu filho
nascesse e não conseguisse mais esconder para só então se lembrar de me
dizer que eu sou o pai? ― Faço uma pausa e ela continua em silêncio. ―
Me responde, Larissa!
― A sua ex-mulher está na sua casa esperando um filho seu. E eu
não quis atrapalhar, pois esse é um momento de vocês dois apenas...
― Pro inferno com momento meu e da Rúbia! ― A interrompo e
ela me encara de olhos arregalados. ― Desde o dia em que estive aqui pela
última vez eu e ela não nos falamos mais e nem me aproximar dela eu
consigo já que ela vive fugindo... bem, isso é outro assunto e eu não te
perguntei isso, eu só quero saber...
― Quer saber se eu ia te contar! ― Ela me corta. ― Eu ia, mas não
sei quando, está satisfeito? ― Ela se levanta da cama fugindo de mim. ― A
nossa última conversa terminou de um jeito horrível e a única coisa que eu
não queria é ter que ir bater em sua casa e dizer “sei que não acredita numa
palavra do que digo, mas eu estou esperando um filho seu”.
― Eu não acredito em você?!
― Não! Me disse que faço jogos para ter os homens rastejando aos
meus pés!
― Eu não disse isso!
― Ah, não disse?! ― Ela cruza os braços e nega com a cabeça
visivelmente irritada.
― Eu disse. ― Me levanto e caminho até ela. ― Mas me
desculpe... por favor. Eu estava de cabeça quente e...
― Isso não justifica o monte de atrocidades que falou para mim em
minha casa.
― Não mesmo. ― Limpo a garganta e paro na sua frente. ― Eu fui
burro e um completo imbecil, peço que me perdoe... ― estendo a mão e
tento tocar em sua barriga ― posso?
Ela respira fundo e relaxa os braços, me sento aos pés da cama e a
puxo pela mão até que ela pare a minha frente. Abro minhas pernas e a
posiciono no meio delas. Enlaço sua cintura com meus braços e descanso a
cabeça em sua barriga lisa ainda sem nenhum sinal de que meu filho esteja
sendo gerado aí dentro.
Sorrio ao imaginar ela gerando meu filho, poder acompanhar seu
crescimento dentro da barriga, tê-lo em meus braços, noites em claro após o
seu nascimento, seus primeiros sorrisos e resmungos, em seguida seus
primeiros passos, suas primeiras palavras...
Respiro fundo, pois me lembro que Rúbia também está esperando
um filho meu e eu nunca senti vontade de fazer isso com ela já que toda vez
que me aproximo, ela me corta... talvez seja porque nos odiamos, mas eu
não quero que meu filho cresça sabendo que eu e a mãe não nos
suportamos. Tudo o que queria é poder conversar com Rúbia de maneira
civilizada, acariciar sua barriga, mostrar a ela que quero esse filho
independente da nossa relação.
Preciso ter uma relação amigável com ela, pelo bem do filho que
iremos ter.
Minha cabeça está um turbilhão de sentimentos, mas agora que
estou aqui quero apenas focar em Larissa e na novidade que descobrimos
no dia de hoje.
Deslizo a minha mão por sua perna e subo de volta passando por sua
bunda.
― Dante! ― ela me repreende e eu dou risada.
Me afasto para olhá-la e há um sorriso lindo em seus lábios.
― Você fica linda sorrindo, sabia?
― Ah, é? ― Concordo. ― Pena que certas pessoas me deixam
irritada e assim eu não consigo sorrir com tanta frequência.
― Prometo que vou parar ― digo e a puxo para baixo fazendo com
que ela se sente em meu colo. ― Não quero deixar você zangada. Dizem
que se a mãe se zanga com alguém, o filho nasce a cara daquela pessoa.
― Ah, é? ― Ela ri baixinho sem acreditar. ― Acredito que esteja
fazendo isso de propósito só para que nosso filho nasça a sua cara.
― Deus queira que ele ou ela nasça lindo assim como você ― digo
olhando em seus olhos. ― Com seus lábios carnudos e perfeitos, seus olhos
expressivos e vívidos e essa sua língua afiada de quem sempre tem
argumentos para tudo. ― Ela ri com gosto. ― Imagina se vier uma
menininha assim como você de gênio forte? Como eu vou aguentar?
― Se não puder nos vencer é só juntar-se a nós ― ela diz rindo.
― Eu vou adorar me juntar a vocês ― digo sem perder a
oportunidade e ela fica séria de repente.
― Eu não quis dizer isso... não quero que pense que estou te
forçando a algo que não queira...
― O quê? Ficar junto de você e acompanhar o crescimento do nosso
filho ou filha?
― Você também vai ter um filho com a Rúbia e eu não quero
atrapalhar a convivência de vocês...
Acaricio seu rosto e então me dou conta de algo extraordinário.
― Eu estava sozinho no mundo depois que meu pai morreu, agora
estou aqui a espera de dois filhos. Acredito que Deus tenha olhado para
mim e pensado “preciso mandar filhos para ele, para que quando ele morra
tenha alguém que chore ao lado do seu caixão”
― Meu Deus, Dante! Que pensamento horrível! ― Ela olha em
meus olhos e sei que sabe que estou dizendo isso, pois foi exatamente assim
o final da vida do meu pai e eu não quero terminar igual ele.
― Você é a pessoa mais incrível que eu já conheci, leoazinha.
Obrigado por me fazer o homem mais feliz do mundo no dia de hoje. ―
Dou um beijo rápido em seus lábios e deito a cabeça em seu peito querendo
a todo custo que o tempo congele e fiquemos assim para o resto da vida.
CAPÍTULO 22

Ouvimos uma batida à porta do quarto, me levanto rapidamente do


colo de Dante e ele se coloca em pé.
― Pode entrar, Vera ― digo, ela abre a porta e coloca a cabeça para
dentro do quarto.
― Lari, o jantar está pronto. Você desce ou quer que eu traga aqui?
― Eu desço, Vera. ― Ela assente com a cabeça e fecha a porta
novamente.
― Como sabia que era ela? ― Dante me pergunta.
― Ela é a única que sobe aqui.
― Então o Josué não vem até seu quarto? ― Entendo a sua
pergunta e percebo o ciúme nele, mas resolvo não entrar em seu jogo.
― Eu me lembro do Josué aqui em cima somente quando meu pai
estava acamado, depois ele nunca mais subiu... ― semicerro os olhos ―
por quê? Pensou que ele viesse até meu quarto? ― Ele dá de ombros. ―
Sabe que eu e Josué fomos criados como irmãos, não sabe? Quando nasci
ele já trabalhava para meu pai. Era quase um adolescente, não sei bem da
sua história pois ele não é de falar muito da sua vida, mas desde que meu
pai se foi, é ele quem assumiu esse papel.
― E ele desempenha muito bem esse papel ― Dante diz e eu fico
sem entender. ― O de cuidar de você.
― Ah, Josué é bem protetor ― digo rindo enquanto caminho até o
armário e pego um suéter de lá para vestir sobre o pijama.
― Eu tive algumas amostras da proteção dele. ― Dante diz
cruzando os braços e eu acho graça.
― Mas no fundo ele é uma boa pessoa...
― Só se for bem no fundo mesmo... quase achando petróleo ― ele
resmunga e eu dou risada.
― Janta conosco? ― pergunto e ele concorda.
Saímos do quarto e andamos lado a lado pelo corredor, quando
descemos as escadas, ele está um degrau na frente e só quando terminamos
de descer, é que ele fala.
― Essa escada não é um tanto perigosa? ― Olho para a escada. ―
Bem, se você tiver outro desmaio, pode cair e...
― Eu não vou cair, Dante ― digo tranquilizando-o.
― Ele tem razão, Lari ― Josué diz sentado no sofá da sala.
― Isso é sério? ― pergunto olhando de um para outro. ―
Resolveram se unir?
― É para seu bem ― Josué fala se levantando. ― E isso inclui
dirigir, trabalhar longas horas debaixo do sol, ir até altas horas na frente do
computador e principalmente andar a cavalo.
― Andar a cavalo? ― Dante pergunta visivelmente bravo. ― Não
pode mais fazer isso!
― Mas eu não vou! ― digo me sentindo como se tivesse cinco
anos. ― Meu Deus, eu descobri hoje a gravidez... podem por favor parar de
me dizer o que devo ou não fazer?! Eu sei os riscos que corro e não vou me
colocar em situações que ofereçam perigo para mim e nem para meu filho!
― Nosso filho ― Dante diz levantando as sobrancelhas.
Olho para Josué e ele não diz nada. Apenas balanço a cabeça e me
viro seguindo para a cozinha com os dois atrás de mim.
Nos sentamos à mesa, nos servimos e minha boca saliva ao sentir o
cheiro delicioso da comida de Vera.
― Agora tá explicado o porquê de você ter comido os chocolates
que o seu Leônidas trouxe com tanta vontade ― Vera comenta. ― Tem um
bebezinho aí dentro...
― Resolveram usar a noite para me tirar o sossego, não é? ―
reclamo e eles riem.
― Por falar em chocolates... ― Dante começa ― como anda a
parceria com o imperador do cacau? ― Ele se refere a Leo de um jeito
debochado.
― Leo levou nosso café até a sua fábrica e tem feito testes desde
então... todos os dias nos reunimos via chamada de vídeo e ele me deixa a
par de tudo o que está acontecendo.
― Então fala com ele todos os dias? ― ele pergunta e eu percebo
mais uma vez ciúmes em sua voz.
― Sim ― digo pousando os talheres no prato. ― São negócios e
como seremos parceiros e possivelmente futuros sócios, preciso estar por
dentro de tudo o que acontece lá.
Ele não gosta da minha resposta e para a nossa sorte, Josué percebe
e muda de assunto.
― E como vai a sua colheita?
― Terminou essa semana, mesmo não sendo tão produtiva como
pensei que seria, ela ainda foi bem proveitosa. ― Ele limpa a garganta. ―
A plantação estava abandonada... os pés de café estavam no meio do mato,
alguns sem produzir, outros estavam secos... agora é que começa o trabalho
da manutenção da plantação para que a próxima colheita seja mais
rendável.
― Eu pensei que você fosse vender a fazenda ― Josué diz.
― Eu também pensei. ― Ele é sincero. ― Era o certo a se fazer já
que tinha muitas dívidas e eu não entendia nada do assunto. ― Dante
respira fundo e olha para mim. Seus olhos azuis brilham e ele sorri de
canto. ― Mas algo me prendeu aqui e me fez querer tentar e eu não me
arrependo um só minuto de ter feito isso. Confesso que foi bem difícil,
desanimador até, mas apareceram pessoas ótimas em meu caminho que me
ajudaram, mesmo sem eu pedir. Sou grato, pois se não fosse por elas, eu
teria desistido e vendido.
O restante do jantar é feito em silêncio e quando terminamos, Josué
se despede de nós e vai embora, Vera começa a recolher a louça da mesa e
pede para que eu leve Dante para a sala.
― Eu preciso ir embora ― ele diz assim que saímos da cozinha e
assim que chegamos na sala, ele se vira para mim. ― Mas não quero te
deixar.
Me puxa para seus braços e enlaça a minha cintura.
― Dante... ― coloco minhas mãos em seu peito ― você vai ter um
filho com sua ex-mulher, ela está hospedada em sua casa...
― E o que tem demais nisso, Larissa? ― ele pergunta irritado. ―
Eu disse a você que eu e Rúbia não temos mais nada... nosso casamento
acabou e não é porque ela está hospedada em minha casa e grávida de um
filho meu que iremos reatar nosso casamento. Nós mal nos falamos desde
que ela chegou e quando trocamos meia dúzia de palavras sempre acaba em
discussão.
― Mas não é o certo, Dante! ― O afasto e dou um passo para trás.
― Aos olhos de todos você está morando com ela e estão esperando um
bebê...
― Mas nós também estamos esperando um bebê!
― Meu Deus! ― digo levando minhas mãos à cabeça
completamente desesperada com o rumo que tudo tomou. ― O que irão
dizer quando souberem?
― Não tem que se preocupar com o que irão dizer, leoazinha...
― Dante, não estamos em São Paulo onde tudo é considerado
normal. Aqui em Preciosa as pessoas comentam, cortam relações e
acusam... eu não quero ser considerada o pivô da sua separação, ainda mais
com a Rúbia estando grávida...
― Meu Deus, Larissa! ― ele diz em voz alta. ― Esquece isso. Nem
que seja por um minuto.
― Imagina todos falando que eu fui sua amante e engravidei de
você enquanto sua mulher estava em São Paulo nos primeiros meses de
gestação? ― Surto com a possibilidade de todos me acusarem e falarem de
mim enquanto ando pela cidade. ― Eu não quero que ninguém saiba.
― Ninguém saiba do quê?
― Da minha gravidez, de nós, de tudo isso... ― digo balançando os
braços.
― Quer manter a nossa relação em segredo é isso?
― Não! Não quero ter uma relação com você. ― Me embolo nas
palavras tentando explicar. ― Pelo amor de Deus! Você está dificultando as
coisas!
― Eu entendo que não queira ter nada comigo, mas agora temos um
filho vindo a caminho e eu quero estar presente.
― Mas você vai estar presente, Dante! ― digo já exausta de discutir
sem sair do lugar. ― Mas será somente como pai do meu filho.
Digo e vejo seu semblante se entristecer.
― Queria que tudo tivesse sido diferente entre a gente ― ele fala
deixando os braços caírem ao lado do corpo completamente rendido.
― Foi como tinha que ter sido, Dante.
― Se a Rúbia não tivesse aparecido...
― Mas apareceu. ― Dou de ombros e ele sorri de canto.
― E se ela não estivesse grávida? ― O encaro sem entender. ―
Você mesma desconfiou dela eu não sei o que pensar já que ela nunca quer
ir ao médico...
― Eu não quero voltar nesse assunto, Dante. ― O corto. ― Da
última vez não terminamos bem a nossa conversa e é melhor pararmos por
aqui!
― Me espera. ― Ele pede e eu fico em silêncio. ― Deixa eu
organizar a minha vida... não termina comigo assim... não coloque um
ponto final na nossa relação... ― Me compadeço ao ver seu semblante
triste. ― Posso ao menos vir te visitar com frequência?
― Pode. ― Sorrio tímida com seu pedido.
― E se eu mandar presentes para você ou para nosso filho, promete
guardar e não dar para seus funcionários? ― Meu rosto arde de vergonha.
― Prometo. ― Concordo e então uma dúvida me ocorre. ― Aliás,
como descobriu?
― Eu vi uma menininha na praça com a pelúcia que te dei. ―
Desvio o olhar envergonhada da minha atitude ― perguntei onde ela tinha
arrumado e ela me disse que a patroa do pai dela tinha mandado
especialmente para ela...
― Desculpe ― digo. ― Não quis ser rude com sua atitude...
― Eu sei. ― Ele ri. ― Você é uma leoazinha que age no calor do
momento. ― Sorrio e ele se aproxima pegando minha mão. ― Já está tarde
e eu preciso ir... me liga se algo te acontecer? ― Concordo e ele parece
aliviado. ― Boa noite, Lari.
Ele se inclina e deposita um beijo demorado em minha bochecha
próximo da minha boca.
Prendo a minha respiração e então ele simplesmente me lança um
último olhar, se vira e segue para a porta.
Só depois que ele a abre, passa por ela e a fecha novamente é que eu
solto o ar dos meus pulmões.
Respiro fundo mais uma vez tentando acalmar as batidas do meu
coração.
Ouço os passos de Vera e me viro para olhar para ela.
― Lembra que disse que ele era igualzinho o pai? ― Concordo. ―
Eu tava enganada. Hoje conhecendo ele melhor, pude ver que ele não se
parece em nada com o velho Castellamare. Coitado dele...
― Por quê?
― Tá esperando um filho com a ex-mulher que pelo visto odeia
ele... e também tá esperando um filho com você que gosta dele... o bichinho
tá sofrendo sem saber o que fazer, Lari.
Dou de ombros e ela me abraça.
― Você também tá sofrendo, não é? ― Fico em silêncio, pois ela
sabe que sim. ― Tudo vai se ajeitar, Lari. Confie em Deus.
― Obrigada por sempre estar comigo, Vera.
Ela beija meu rosto e me manda ir dormir assim como fazia quando
eu era criança.
Subo as escadas e entro em meu quarto.
Preciso mesmo dormir para tentar relaxar, já que o dia de hoje foi
intenso.

DANTE
Chego em minha fazenda, guardo a caminhonete no galpão e assim
que entro em casa, encontro Rúbia sentada no sofá me esperando.
― Onde você estava? ― ela pergunta com raiva.
― Fui à casa de uns amigos ― digo e sua boca se torna uma linha
fina.
― Foi na casa dela, não foi? ― Respiro fundo e coloco meu chapéu
pendurado ao lado da porta.
― Não te devo satisfações, Rúbia.
― Ah, não me deve satisfações?! ― Ela se levanta do sofá e bate
seus saltos no chão. ― E o que diria se eu pegasse minhas malas agora
mesmo e fosse embora daqui?
Dou de ombros e a encaro já entediado desse mesmo jogo em que
quando ela se sente acuada, ameaça ir embora.
― Faça como achar melhor, Rúbia ― digo e me encaminho para o
corredor que dá acesso aos quartos.
― Eu ainda não terminei de falar, Dante!
― Mas eu já, Rúbia. Estou exausto. O dia de hoje foi cansativo e eu
preciso descansar, pois apesar da colheita ter acabado, o serviço ainda não
terminou e acaso não tenha percebido já que vive enfurnada aqui dentro, o
trabalho de uma fazenda nunca tem fim. ― Ela cruza os braços a frente do
peito. ― A propósito, amanhã bem cedo iremos ao médico.
― Médico? Por quê?
― Porque acaso tenha se esquecido, você está grávida e precisa de
um acompanhamento profissional.
― Mas eu já tenho um médico...
― Em São Paulo e não estamos lá. Se vai parar de dar ataque
dizendo que vai embora a cada vez que conversarmos, precisa se consultar e
ver como está o bebê.
― Mas eu não quero ir!
Solto um riso sem humor já cansado de suas atitudes infantis.
― Criança que faz o que quer, Rúbia. Adultos fazem o que precisa
ser feito. Amanhã saímos daqui às 7h da manhã.
Me viro e começo a andar pelo corredor.
― Volte aqui, Dante Castellamare! Ainda estamos discutindo.
― Fique você aí discutindo sozinha, Rúbia. Eu vou dormir e
amanhã se ainda estiver disposta a continuar com a discussão recomeçamos
de onde paramos. ― Entro em meu quarto e fecho a porta.
Segundos depois ouço a porta do seu quarto bater com força.
Respiro fundo e esfrego o rosto com as mãos.
― Só queria um pouco de paz! ― resmungo. ― Não é pedir muito.
Enquanto pego a toalha para ir tomar banho, me lembro do jantar
que tive na casa de Larissa. Todos conversamos de forma civilizada à mesa
e mesmo não gostando muito de mim, Josué e Vera me trataram com
respeito.
Na última conversa que tive com Larissa, os ânimos se alteraram e
hoje depois de ela ter descoberto a gravidez, me tratou com consideração
quando a visitei, pois agora temos um bebê vindo aí e precisamos agir
civilizadamente.
Ela é muito evoluída e sabe que apesar de não estarmos juntos,
devemos nos tratar com respeito a partir de agora.
Ainda sinto o cheiro e a maciez da sua pele em meus lábios quando
a beijei agora pouco.
Me olho no espelho do banheiro, enquanto desabotoo a camisa.
Por mim ficaria grudado nela dia e noite, mas sei que não posso,
pois além dela, tenho que honrar meu compromisso com Rúbia.
Sorrio ao me lembrar de que Larissa prometeu não se desfazer de
nada que eu mande para ela ou para nosso filho de agora em diante.
― Ah, leoazinha... saiba que a primeira coisa que irá receber será
uma pelúcia de leão e ai de você se desfazer dela.
Entro debaixo do jato do chuveiro dando risada, pois sei que ela
odeia ser chamada assim por mim.
CAPÍTULO 23

Antes mesmo do dia clarear eu já estou de pé. Tomo um banho


rápido, visto meus jeans, bota e camisa, que já viraram uma espécie de
uniforme para mim e saio do quarto.
Antes de ir para a cozinha, passo pelo quarto de Rúbia e bato à
porta. Silêncio. Bato mais uma vez e chamo por ela. Como não ouço
resposta, entro e a encontro dormindo profundamente.
― Rúbia? ― A chamo, mas ela nem se move. ― Rúbia? ― Toco
em sua perna por cima da coberta para que ela acorde.
― O que é, Dante?! ― Sua voz raivosa me saúda.
― Levanta... precisamos ir até a clínica...
― Eu não vou!
― Para com isso, Rúbia! Não pode negligenciar a sua gravidez!
Ela me encara por alguns segundos para se virar de costas para mim
logo em seguida.
― Já disse que não vou! Nem um hospital decente essa porcaria de
cidade tem. E essa clínica deve ser tão ruim que os médicos mal sabem
diferenciar uma gravidez de um tumor! Nunca vou colocar meus pés lá.
― Para de ser preconceituosa! Sabe que está agindo errado e se
continuar assim, vou ser obrigado a tomar medidas drásticas.
― Vai me obrigar a ir a um hospital aonde não quero ir? ― Ela se
vira e me encara.
― Se preciso, sim ― digo irritado com sua infantilidade. Ela
sempre foi assim? Me pergunto, pois não lembro de ter passado tanta raiva
com ela enquanto ainda éramos casados. ― Vou até a cozinha preparar o
café da manhã. Quando voltar, quero que esteja pronta.
― Vai perder seu tempo!
Respiro fundo visivelmente irritado e saio do seu quarto.
Caminho a passos rápidos até a cozinha e enquanto preparo o café
da manhã, ouço uma batida à porta dos fundos.
Abro e Ulisses está do outro lado.
― Dia, patrão. ― Ele me cumprimenta e eu o convido para entrar.
― Bom dia, Ulisses.
― Vim perguntar sobre a construção do novo alojamento.
― Ah, é. ― Respiro fundo. ― Me esqueci completamente.
― Agora que a colheita terminou, podemos começar a construção,
se o senhor pretende contratar peões fixos, é bom ter um lugar para eles
ficarem, já que muitos vem de outras cidades.
― Sim. ― Penso por um minuto. ― Vou precisar me ausentar
durante a manhã... preciso levar Rúbia até a clínica.
― Uai! E tá tudo bem com a patroa?
― Sim. Consulta de rotina apenas. ― Umedeço os lábios. ― Pode
cuidar de tudo enquanto eu estiver ausente? ― Ele concorda. ― Vou passar
na loja de materiais de construção para dizer que iremos comprar os
materiais lá para a construção do alojamento e, também de outras obras que
formos fazer aqui na fazenda.
― Certo, seu Dante. ― Ele concorda. ― É só falar com o seu
Renato e a dona Diva. Eles são os donos e irão atender o senhor. Eu vou
anotando tudo o que precisa comprar...
― Obrigado, Ulisses.
Ele se vai e eu fecho meus olhos por alguns segundos.
São tantas coisas para resolver.
Preciso de alguém de confiança para cuidar de tudo, quando eu não
estiver em casa e Ulisses pode ser essa pessoa.
Quando voltar, falarei com ele e oferecerei esse cargo a ele. Tive
boas recomendações dele quando estava procurando um operador de
colheitadeira e, além de ser ótimo no que fez, ainda me ajudou com outros
assuntos.
Como uma generosa fatia de pão com manteiga e bebo meu suco de
laranja pensando que pagaria o preço que fosse para ter uma xícara de café
fumegante na minha frente agora mesmo.
Preciso resolver esse problema de não saber passar um café decente.
Não posso beber leite e suco pelas manhãs para o resto da vida.
Lavo a louça rapidamente e saio da cozinha indo na direção do
quarto que Rúbia está ocupando e assim que entro, a encontro do mesmo
jeito que a deixei.
― Anda logo, Rúbia. Antes que eu perca a paciência com você! ―
digo irritado e puxo a coberta de cima dela.
Rúbia grita e se agarra à coberta como se a sua vida dependesse
disso e eu bufo me controlando.
― O que está fazendo seu idiota?! ― ela grita de forma histérica.
― Te fazendo levantar para irmos ao médico.
― Eu já disse que não vou!
Coloco minhas mãos na cintura, respiro fundo e conto mentalmente
até cinco.
― Não quer ir à clínica e nem ao hospital da cidade vizinha? ―
pergunto com a voz baixa.
― Não ― ela diz firme.
― Tudo bem ― digo indo até a porta do quarto. ― Então arrume
suas coisas, pois iremos para Belo Horizonte. Talvez lá possamos encontrar
um hospital que a satisfaça.
― Mas...
― Mas o que, Rúbia? ― grito perdendo a paciência. ― Você
mesma disse que não iria até a clínica e nem no hospital da cidade vizinha,
então estou te informando que iremos até a capital para que possa se
consultar lá. O que mais você quer, porra?!
― Eu não vou sacolejar naquela lata velha daqui até Belo Horizonte
e de novo para cá! São horas de viagem de ida e volta, Dante...
― Ou você se consulta aqui ou vamos até lá naquela lata velha
como você mesma disse... ou então podemos viajar até São Paulo e você
fica lá para cuidar da sua gestação. Já a negligenciou por tempo demais e, é
melhor se decidir onde irá fazer o acompanhamento.
― Está expulsando a mãe do seu filho da sua casa?
― Por Deus, Rúbia! ― grito. ― Por que tudo tem que ser tão difícil
com você? Eu só quero que você tenha a gravidez acompanhada por um
profissional seja em qualquer lugar que você queira, porra! É você quem
decide.
― Eu que decido? ― ela pergunta em tom acusatório. ― Você não
está me dando alternativas!
― Não estou? ― Dou risada. ― Eu mesmo te sugeri aqui em
Preciosa, em Belo Horizonte ou em São Paulo...
― Então quero em São Paulo!
― Tudo bem. ― Respiro aliviado em simplesmente termos chegado
a um acordo.
― Mas você vai comigo. ― Concordo. ― E vamos ficar lá.
― Isso está fora de cogitação, pois sabe que não posso me ausentar
da fazenda.
― Fazenda, fazenda! ― Ela se exalta. ― Sempre colocou o seu
trabalho à frente de nós, por isso nosso casamento não deu certo!
― Rúbia! ― grito e ela se cala. ― Por que age assim? Você mais do
que ninguém sabe que a fazenda agora é tudo o que eu tenho. Preciso dela
para dar tudo o que você e nosso filho precisam! ― Ela continua calada
apenas me olhando. ― Agora quero que se levante, arrume a porra das suas
coisas pois partiremos imediatamente para São Paulo onde você se
consultará com seu médico e depois eu voltarei para Preciosa, quer você
queira vir junto ou não e isso já está decidido!
Saio do seu quarto com meu peito carregado de raiva e sigo direto
para o escritório onde ligo o computador para poder comprar as malditas
passagens aéreas.
Vou ter que gastar uma fortuna em passagens, só porque ela decidiu
que agora quer se consultar em São Paulo.
Meu Deus! A minha vontade é de sumir daqui para esquecer os
problemas e os ataques dela.
Verifico as companhias aéreas e só então me dou conta de que há
um feriado nacional chegando e junto com ele todo o caos de faltas de
passagens ou escalas sem sentido.
Ainda tenho os dados dos documentos de Rúbia salvos juntos com
os meus no bloco de notas do celular e após verificar, compro passagens de
ida para daqui cinco dias e mando para meu e-mail. Vou deixar para
comprar as passagens de volta quando chegarmos em São Paulo, pois não
sei o que ela irá decidir, se voltará comigo ou se ficará lá até o final da
gestação.
Me levanto e sigo para o seu quarto. Agora um pouco mais calmo,
bato antes de entrar.
― Comprei passagens para daqui cinco dias. ― Aviso e ela me olha
de cenho franzido.
― E por que tão longe?
― Feriado nacional chegando. ― Ela levanta as sobrancelhas. ―
Bem, agora temos que esperar. ― Dou de ombros. ― Vou trabalhar. Se
precisar de algo, basta me ligar.
Saio do quarto e suspiro cansado.
Não são nem 8h da manhã e eu já estou esgotado.
Pego meu chapéu e saio de casa.
No galpão encontro os rapazes animados conversando com Ulisses e
assim que chego perto deles, Ulisses me olha achando estranho que eu
esteja sem pressa de sair.
― Não ia para a cidade, patrão?
― Não. Decidimos ir para São Paulo após o feriado. O médico da
Rúbia é de lá e preferimos que ela continue a se consultar com ele...
― Uai! Mas o doutor Gaspar é tão bom ― Ulisses diz. ― Fez o
parto de muitos de nós aqui. Pode confiar nele de olho fechado, patrão.
― Eu sei, mas é que o médico de São Paulo é amigo da família da
Rúbia e ela quer seguir com ele.
― Sei. ― Ele me olha de um jeito estranho e é claro que percebeu
que é ela quem não quer se consultar aqui. ― Então a gente pode ir até a
loja para adiantar.
― Claro ― digo e nos encaminhamos para a caminhonete no canto
do galpão.
― A gente tava falando da festa quando o senhor chegou. ―
Ulisses comenta assim que pegamos a estrada.
― Festa? ― pergunto completamente alheio ao que ele esteja
dizendo.
― É uai! ― Ele ri. ― A gente faz uma festa durante o feriado. Os
produtores montam barracas na praça, a igreja faz a missa especial, tem até
bolo gigante!
― Ah, é? ― pergunto rindo da sua animação. ― Tinha me
esquecido completamente dessas festas.
― Sim. ― Ele afirma. ― Então precisa se reacostumar, seu Dante.
Todo feriado nacional tem festa em Preciosa.
― Isso é bom, não?
― Bom demais da conta, sô. ― Ele ri e eu o acompanho. ― Todo
mundo ajuda um dia antes na montagem das barracas... aí a gente queria
saber se o senhor libera a gente pra ajudar.
― É claro, Ulisses! ― digo. ― Eu também irei para ajudar.
Conversamos um pouco mais sobre a festa e fico animado de
verdade, pois com essa festa poderemos finalmente descansar um pouco
depois da colheita de semanas.
Poderei aproveitar, conversar com outras pessoas, espairecer e claro,
ver Larissa já que ela com certeza estará presente.

Os últimos três dias foram de intenso trabalho na fazenda onde


todos nos empenhamos para começar a construção do alojamento para os
funcionários.
O café colhido já está todo negociado com um grande produtor do
sul do estado e com o sinal de adiantamento que ele deu, pude quitar quase
todas as dívidas com o banco e finalmente respirar um pouco mais aliviado.
Seu José veio me fazer uma visita e me reuni com ele e Ulisses em
meu escritório onde discutimos os próximos passos da fazenda
Castellamare.
Ulisses aceitou ser o capataz aqui da fazenda e isso me deixou bem
aliviado, já que ele presta um ótimo trabalho cuidando de tudo aqui
enquanto eu resolvo os assuntos burocráticos da administração.
Hoje é sexta-feira e liberei os funcionários para que fossem ajudar
na montagem da festa que acontecerá nos próximos dois dias, no centro de
Preciosa e, estou terminando de tomar café para seguir até lá e ajudar no
que for preciso, pois como morador e fazendeiro da região, preciso me fazer
presente.
― Vai sair? ― Rúbia aparece na porta da cozinha.
― Sim. Passarei o dia no centro da cidade ajudando na arrumação
da praça para a festa.
― Festa?
― Sim. Amanhã é feriado em todo o país e fazemos uma festa
grande no centro de Preciosa. Não só nesse, mas em todos os feriados
nacionais.
― Bem, é o único tipo de diversão que esse povo tem...
Ela é sarcástica nas palavras e eu resolvo deixá-la sozinha antes que
uma discussão comece.
― E você vai a essa tal festa amanhã? ― Ela vem atrás de mim.
― Sim ― respondo chegando na sala onde pego meu chapéu e
coloco na cabeça. ― E depois de amanhã também!
― Eu também quero ir. ― Congelo meus movimentos e a encaro.
― Espero você se arrumar ― digo.
― Não hoje. ― Ela ri. ― Amanhã.
― Pode ir hoje nos ajudar ― digo e ela revira os olhos.
― Fiz minhas unhas ontem e não quero estragá-las.
― Mas pode fazer algo leve, ajudar na cozinha, não sei...
― Olhe bem para mim, Dante. Acha mesmo que iria me enfiar
numa cozinha cheia de mulheres e cozinhar para um bando de homens...
― As mulheres preparam as comidas e também fazem o bolo que é
servido na festa...
― Piorou. ― Ela gargalha. ― Ficar o dia todo fazendo bolo?! ―
Ela pergunta debochada. ― Prefiro ir somente amanhã quando tudo já
estiver pronto.
― Como quiser ― digo bufando antes de sair de casa e deixá-la
sozinha.
Rúbia nunca irá mudar.
Sempre será a mesma menina fútil e mimada com quem tive a
infelicidade de me casar. Uma pena ter descoberto quem ela era tarde
demais.
Conforme o dia passa, fazemos tudo o mais depressa possível.
Todos têm prática na montagem das barracas e na decoração da praça, já
que fazem isso várias vezes ao ano e eu simplesmente acabo ajudando no
que precisam, pois é a minha primeira vez aqui.
A caminhonete de Larissa está estacionada na rua lateral da igreja
desde que cheguei aqui pela manhã, mas eu não a vi por aqui. Perguntei de
forma sorrateira se ela estava aqui e me disseram que ela estava na cozinha
ajudando no preparo do bolo e dos alimentos que serão servidos na festa
nos dois dias assim como ela faz todos os anos.
Respiro fundo olhando para a praça toda decorada no final da tarde
e penso em como Larissa e Rúbia são completamente diferentes.
As mulheres começam a sair da cozinha que há no barracão que fica
na rua ao lado da igreja e de longe eu a vejo.
Calça jeans, botas, uma camisa na cor vinho e um lenço colorido em
sua cabeça escondendo seus longos cabelos.
Preciso falar com ela, mas não posso chegar de repente, pois quero
respeitar o seu pedido de que ninguém saiba sobre nós.
Pego duas caixas vazias nas mãos e sigo na direção do barracão para
guardá-las lá dentro. Me aproximo rapidamente e assim que ela me vê, para
de andar e olha para os lados enquanto tira o lenço dos cabelos os deixando
soltos.
Não há ninguém prestando atenção em nós e ela sorri me
cumprimentando.
Deixo as caixas no chão e paro na sua frente.
― Como vai, leoazinha? ― pergunto e suas bochechas coram. ― E
nosso bebê?
― Estamos bem ― ela diz e a minha vontade é de abraçá-la.
― Eu estava com saudades... ― ela sorri e o mundo parece parar de
girar. ― É seu? ― pergunto pegando o lenço das suas mãos.
― Sim. Trouxe para prender meus cabelos, para que nenhum fio
caísse no preparo dos alimentos. ― O coloco no bolso de trás do meu jeans
e ela franze as sobrancelhas. ― O que vai fazer com meu lenço?
― É para me lembrar de você quando estiver sozinho à noite.
Ela contém um sorriso e ficamos nos olhando em silêncio até
alguém chamar por ela.
Larissa dá um passo para trás se afastando de mim e olha na direção
que seu nome foi chamado.
― Preciso ir ― ela diz e eu concordo.
― Até amanhã, leoazinha.
― Até amanhã, Dante.
E ela se vai me deixando sozinho como se uma parte minha fosse
levada com ela.
CAPÍTULO 24

Chego em casa exausto e para minha sorte não vejo Rúbia em


nenhum lugar da casa. Sigo direto para o banheiro onde tiro a minha roupa
e me enfio debaixo do jato morno do chuveiro, ansiando por um banho
relaxante.
Tomo um banho demorado e depois de sair do box para me secar,
vejo a ponta do lenço de Larissa no bolso da minha calça deixada no chão.
Sorrio e me abaixo para pegá-lo. Enrolo a toalha em minha cintura e
trago o lenço até meu nariz, para aspirar o perfume da minha leoazinha.
Ao mesmo tempo em que seu cheiro invade minhas narinas, meu
pau dá sinal de vida e me lembro quão bom é estar junto dela sentindo seu
perfume, a maciez da sua pele e o calor do seu corpo.
Toco meu pau com a mão e o sinto duro como pedra.
Estou sem senti-la desde a última vez que ela esteve aqui e a partir
de então, um turbilhão de acontecimentos surgiu e não pudemos mais nos
encontrar.
A toalha escorrega da minha cintura me deixando completamente nu
parado no meio do banheiro.
Deslizo seu lenço sobre meu rosto e barba ao mesmo tempo que
queria que ele fosse o meio das suas pernas aonde eu estivesse indo na
direção mais sensível e deliciosa do seu corpo.
Ouvindo seus gemidos, sentindo suas mãos deslizarem pelo meu
cabelo enquanto sugo seu clitóris e me delicio com seu gosto.
Fecho os olhos e consigo tê-la em minha memória se desmanchando
de prazer em minha boca, enquanto com a minha mão faço movimentos
para cima e para baixo em meu pau.
Estou tão necessitado de ter seu contato que em poucos
movimentos, sinto o prazer chegando até mim enquanto penso nela.
Sinto seu cheiro tão perto e de forma tão intensa que é como se ela
estivesse mesmo aqui passando suas mãos delicadas pelo meu peito e
braços como gosta de fazer enquanto estamos na cama.
Com meus movimentos intensificados acabo gozando pensando em
Larissa e mordo meu lábio contendo um urro que vem do fundo da
garganta, mas mesmo sendo e mais silencioso possível ainda assim um
gemido escapa da minha boca e eu abro os olhos apoiando minhas mãos na
parede a minha frente.
Tombo minha cabeça para trás e respiro fundo diversas vezes,
tentando fazer com que minha respiração se normalize e meu corpo se
acalme.
Solto o ar pela boca e sinto-me relaxando.
Preciso ter minha leoazinha comigo se não sou capaz de
enlouquecer.

LARISSA
Depois do jantar, sigo para o escritório, pois recebi uma mensagem
de Leônidas pedindo uma reunião urgente e estou ansiosa para saber do que
se trata.
Leo aparece do outro lado da tela do computador e sua expressão é
de alegria.
― Boa noite, Larissa. Tenho aqui em minhas mãos o primeiro
chocolate feito com o meu cacau e o café da sua fazenda.
Ele levanta o tablete de chocolate para a câmera e eu sorrio
animada.
― Ah, meu Deus, Leo ― digo emocionada. ― E ficou bom?
― É claro! ― Ele finge estar ofendido. ― Nunca em toda a minha
vida produzi um chocolate ruim, senhora Leão. ― Dou risada dele, pois sei
que ele tem um enorme senso de humor. ― Você mesma comprovou nos
gráficos de vendas no Brasil inteiro.
― Sim. É verdade ― digo me recostando na cadeira. ― Queria
experimentar.
― Seu desejo é uma ordem. ― Ele diz e sorri. ― Amanhã mesmo
vou mandá-lo para Preciosa e poderá provar.
― Durante esse final de semana acontecerá uma festa aqui em
Preciosa já que é feriado...
― Feriado? ― ele pergunta surpreso.
― Sim. Feriado nacional.
― Droga! Me esqueci completamente. ― Leo passa a mão pelo
cabelo. ― Não vou poder trabalhar sem uma equipe... minha cabeça está
fervilhando de ideias e não vou conseguir pô-las em prática.
― E o que acha de descansar? ― Ele espera. ― Venha até Preciosa,
me traga o chocolate pessoalmente e fique aqui durante esse final de
semana. Assim pode descansar e conversamos pessoalmente.
― Até que não é uma má ideia. ― Ele sorri. ― Então amanhã pela
manhã saio da minha casa e em poucas horas pousarei na Florescer.
― Ótimo ― digo satisfeita. ― Esperarei ansiosa pela sua chegada.
― Até amanhã, Larissa. Boa noite.
― Boa noite, Leo.
Encerramos nossa chamada de vídeo e eu me levanto devagar.
Vera já foi se deitar, pois todas as luzes estão apagadas e somente a
da sala está acesa. Apago a luz e subo as escadas. Entro no quarto e após
escovar os dentes em meu banheiro, me deito e adormeço imediatamente
pois o dia de hoje foi exaustivo.

Me levanto bem cedo e sigo direto para o banheiro, pois uma onda
de náuseas me atinge de forma avassaladora e depois delas passarem, tomo
um banho rápido e volto para o quarto para me vestir.
Enquanto me visto, faço uma prece silenciosa pedindo a Deus para
que eu não passe mal na festa na frente de todos.
Depois de vestir um vestido florido e soltinho e fazer uma trança
lateral em meus cabelos, calço minhas botas e saio do quarto. Desço as
escadas e sigo para a cozinha onde encontro Vera preparando o café da
manhã. Ela olha para mim e se assusta.
― Valha-me Nossa Senhora! O que aconteceu com você, Lari?
― Enjoo matinal, Vera.
― Misericórdia ― ela exclama. ― Senta aí que vou preparar um
chá de gengibre que ajuda com enjoo de gravidez.
Faço cara feia e ela ri.
― Não quero chá, Verinha... apenas uma xícara de café.
― Então vou trazer uma fatia de bolo de fubá que eu fiz ontem à
tardinha.
― Eu não quero comer...
― Não tem que querer, Lari... precisa comer. ― Me repreende. ―
Agora com esse bebezinho aí dentro, precisa se alimentar direito.
Fecho meus olhos por alguns segundos.
― Pode preparar dois quartos de hóspedes, por favor?
― Vai receber visita?
― O Leônidas e o piloto do seu avião virão passar o feriado aqui. ―
Informo. ― Nos falamos ontem à noite e o convidei para vir. Ele disse que
já tem o primeiro chocolate feito com o nosso café.
― É mesmo? E ele vai trazer? ― Assinto e ela sorri. ― Tô doidinha
pra experimentar.
― Eu também, Vera. ― Sorrio me sentando à mesa.

Josué está parado do meu lado enquanto estamos esperando Leo


chegar na pista de pouso da fazenda, quando eu sinto mais uma onda de
náuseas.
― Está tudo bem? ― ele pergunta preocupado.
― Sim. ― Dou de ombros respirando fundo.
― Você está estranha...
― Muito obrigada pela sua gentileza. ― Finjo estar ofendida e ele
ri.
― É sério, Lari ― ele responde. ― Você está com uma cara
péssima. Vera disse que você passou mal pela manhã...
― São somente ondas de náuseas que vem e vão. ― O tranquilizo.
― Para minha sorte, elas serão só pela manhã pelo visto, já que ontem foi
igual. É normal devido ao meu estado, não?
― É. Quanto a isso, não podemos fazer nada para te ajudar... quanto
a desejos, já sentiu algum?
Penso um pouco.
― Por agora somente o chocolate que Leônidas está trazendo.
― Falando nisso, aí vem ele.
Olhamos para o céu e de longe avistamos o avião de Leo se
aproximando.
Assim que ele pousa, nos cumprimentamos e aguardamos o piloto
trancar o avião para só então subirmos na caminhonete dirigida por Josué e
ir na direção de casa.
Aguardo ansiosa para chegarmos enquanto ele me deixa a par de
todas as novidades da sua empresa.
Nessas poucas semanas que nos conhecemos, eu e Leo nos tornamos
amigos. Conversamos todos os dias, trocamos mensagens e ele se mostrou
um ser humano incrível.
Me contou sobre sua trajetória até aqui e, também me contou como
conheceu a sua mulher e como a perdeu num acidente de carro anos atrás.
Durante uma das nossas conversas, ele me confidenciou a vontade
de ser pai já que está com quase quarenta e cinco anos e eu imagino como
será a sua reação ao saber da minha gravidez.
Claro que ainda não contarei a ele, não por não confiar nele e, sim,
pois ainda não quero que ninguém além de mim e Dante, Vera e Josué
saibam. Está muito recente e eu prefiro esperar um pouco ainda mais pelas
especulações de quem seja o pai do filho que estou esperando.
Chegamos em casa e enquanto Vera vai mostrar as acomodações do
piloto do avião de Leo, ele pede para que nos reunamos rapidamente.
O levo até meu escritório e assim que entramos, ele me entrega a
pequena caixa de veludo que trouxe.
― Que embalagem linda ― comento. ― Parece uma caixa de joias.
― Foi exatamente isso que pensei quando a desenvolvi ― ele
explica. ― Como o café é daqui, resolvi dar o nome de Preciosa para a
linha. ― Abro um sorriso. ― Assim unimos o bonito ao agradável. O café é
de Preciosa, achei que combinaria. Claro que será uma linha de chocolates
com valor um pouco acima do normal, e será exclusivamente para pessoas
que possuem um gosto mais requintado...
― Eu amei, Leo ― digo ao abrir a caixa e ver os chocolates em
formatos diferentes de pedras lapidadas. ― São lindos ― digo e ele sorri
orgulhoso.
― É exatamente essa sensação que quero causar nas pessoas quando
elas abrirem as caixas.
― A sensação de estarem ganhando pedras preciosas em formato de
chocolates. ― Ele ri concordando. ― É fantástico! Meus parabéns.
― Obrigado. Você é a primeira pessoa que está recebendo a
primeira caixa feita.
― Quanta honra ― digo emocionada sentindo lágrimas brotarem
em meus olhos.
Malditos hormônios da gravidez. Agora vou parecer uma chorona
na frente do Leo.
― Experimente ― ele diz segurando a caixa para que eu consiga ter
as mãos livres. ― O meu responsável técnico sugeriu que fizéssemos
chocolates em várias porcentagens de cacau, que vão desde o branco até o
amargo e nele usaremos níveis diferentes de café.
Pego um deles em minhas mãos e lentamente o levo até a boca. O
gosto do chocolate é a primeira coisa que sinto, mas conforme mastigo, ele
vai se misturando ao sabor do café e, é aí que tudo fica ainda mais
delicioso.
― Isso é maravilhoso, Leo! ― exclamo e ele sorri.
― Sabia que ia gostar ― Leo fala. ― Trouxe também para Vera.
― Achei ótimo, já que esses daqui serão só meus. ― Fecho a caixa
e aperto contra o peito. ― Eu fiquei muito feliz em experimentar o
chocolate com café e ainda mais feliz por ter dado certo.
― É claro que daria. As matérias-primas são as melhores... óbvio
que o produto final seria excelente. ― Ele se gaba. ― Agora que trouxe
aqui em Preciosa para experimentar, o que acha de visitar a minha fábrica?
Assim nos reunimos com minha equipe e podemos assinar o contrato.
― Eu acho ótimo, Leo. E quando posso ir? ― pergunto ansiosa.
― Amanhã, pode ser? ― Nós rimos da sua pressa.
― Amanhã você ficará o dia todo aqui em Preciosa, onde
aproveitaremos a festa na cidade e só depois conversaremos sobre negócios
― digo e vejo seu brilho sumindo. ― Você precisa de uns dias de folga,
Leo. Trabalhou incansavelmente nessas últimas semanas... agora que está
aqui, quero que descanse e aproveite tudo o que a cidade tem a oferecer.
Acha que pode fazer isso?
― Eu prometo tentar. ― Ele ri soltando o ar.
― Ótimo ― digo guardando a caixa de chocolates dentro da gaveta
da minha mesa. ― Podemos ir para a cidade ou quer descansar?
― Podemos ir. Estou ansioso por essa festa.
― Então vamos.
Saímos do escritório ao mesmo tempo em que Vera aparece na sala
vinda do segundo andar.
― O piloto do senhor disse que vai descansar até a hora do almoço.
― Vera diz a ele.
― Obrigado pela sua hospitalidade, Vera ― Leo diz. ― E em
agradecimento, trouxe algo especialmente para a senhora. ― Ele lhe
entrega uma caixa igual a minha e ela sorri envergonhada em receber um
presente. ― São os chocolates feitos com meu cacau e o café da Florescer.
― Ah, minha Nossa Senhora. Que coisa mais linda, seu Leônidas
― ela diz. ― Fico muito agradecida. ― Ela abre a caixa e levanta as
sobrancelhas surpresa. ― Parecem pedras preciosas...
Eu e Leo sorrimos um para o outro, pois segundo ele, era
exatamente essa a mensagem que ele queria transmitir.
― Quero a sua opinião depois de experimentar.
― Mas só se for agora, seu Leônidas ― Vera fala e pega um dos
chocolates de dentro da caixa, o morde com cuidado e arregala os olhos
depois de mastigar. ― Virgem Santíssima! Mas esse trem é bom demais,
sô!
Leo sorri satisfeito e olha para mim.
― Aprovado? ― ele pergunta e ela concorda com a cabeça, pois
está dando mais uma mordida no chocolate.
― Eu vou levar o Leo até o centro de Preciosa para mostrar a ele a
festa ― informo a Vera. ― Quer ir conosco?
― Vou não, Lari. ― Ela nega. ― Muita gente... gosto mesmo é de ir
à missa nos domingos de manhã. É mais tranquilo. Nas festas é sempre a
Preciosa inteira no centro da cidade... minha cabeça chega a doer. Vou é
ficar aqui no meu canto. Aproveito e preparo uma janta caprichada pra
quando vocês chegarem.
― Então está bom. ― Dou de ombros um tanto decepcionada já que
ela nunca sai daqui da fazenda. ― Prometemos não comer demais para
saborear o jantar que irá preparar com tanto carinho.
A abraço e ela sussurra em meu ouvido.
― Se cuida, menina. Não fica muito tempo no sol e não coma
besteira pra não fazer mal pro bebê.
― Pode deixar, Vera. ― Me afasto dela. ― O Josué me disse que
irá só mais tarde. Ele gosta da festa no período da noite para aproveitar com
os amigos. Acaso precise de algo, é só chamar por ele.
Ela concorda e nós nos despedimos, saindo de casa em seguida.
CAPÍTULO 25

Já perdi as contas de quantas vezes apressei Rúbia depois que ela


tomou café da manhã.
Caminho já sem paciência pelo corredor que leva aos quartos, paro
em frente a porta do quarto que ela está ocupando e bato com força.
― Rúbia! Se não sair em dois minutos te deixo em casa e vou
sozinho.
Ouço o barulho dos seus saltos em passos apressados dentro do
quarto e a porta se abre a minha frente.
Rúbia está usando um vestido cinza, justo em todo o corpo e com
uma espécie de babados na cintura, sapatos de saltos altíssimos e começo a
me perguntar se ela conseguirá andar com eles pela praça de Preciosa.
― Como estou? ― Ela sorri me mostrando seus dentes brancos e
perfeitamente alinhados depois de um procedimento dental que fez quando
ainda éramos casados. Nos seus lábios está um batom vermelho e
chamativo e seus cabelos loiros platinados estão em ondas ao redor do seu
rosto.
― Você está bonita, Rúbia. ― Sou sincero, pois ela é uma mulher
muito bonita. Sempre foi, na verdade.
― Que bom, querido, que mesmo apesar de ter vindo para esse fim
de mundo ainda não perdeu o bom gosto.
Ela diz passando por mim deixando um rastro do seu perfume doce
e marcante demais.
― Está levando chinelos? ― pergunto e ela para de andar e me olha
por cima do ombro.
― Não!
― Iremos ficar boa parte do dia em pé... nesses saltos ficará cansada
em seu estado.
― Que estado? ― ela pergunta sem entender.
― Eu li uma vez que as mulheres grávidas se sentem
desconfortáveis e os pés incham durante o dia...
― Vou levar um chinelo e deixar no carro. ― Ela revira os olhos e
volta para dentro do quarto saindo de lá em seguida com um par de chinelos
nas mãos.
Finalmente podemos ir.
Pego o chapéu e o coloco na cabeça e ela bufa irritada.
― É sério que vai com essa coisa na cabeça? ― ela pergunta com
raiva.
― Sim. ― Abro a porta e saio para a varanda.
― Gostava das roupas que usava quando morávamos em São Paulo.
― Ela diz me seguindo. ― Roupas casuais, sapatos, camisas lisas... agora
você está parecendo...
― Um fazendeiro de Minas Gerais? ― pergunto e ela se cala
andando atrás de mim pelo gramado que leva até o galpão.
― É. ― Dá de ombros e suspira. ― Ande mais devagar! ― Estendo
a mão para ela que me entrega os chinelos e cruza os braços parecendo uma
criança mimada. ― Vou te esperar aqui.
Ando rápido até o galpão, subo na caminhonete soltando o ar com
força enquanto coloco seus chinelos no chão do lado do passageiro.
Saio de lá e na pequena estrada que leva até a frente da casa, paro
para ela subir e assim que se acomoda, seguimos viagem.
― Da próxima vez vou esperar na varanda ― ela diz.
― Tudo bem ― concordo e fico em silêncio.
― Essa lata velha não tem ar-condicionado? ― pergunta passando
os dedos pelo painel e depois os limpa com a outra mão.
― Somente os vidros. Abertos ou fechados.
― Se abrir, vai virar todo meu cabelo. ― Choraminga e eu bufo
cansado das suas reclamações.
Daqui até Preciosa é um longo trajeto e com ela reclamando do lado,
isso fica ainda pior.
A última meia hora foi extremamente torturante e como imaginei,
Rúbia não parou de reclamar um só minuto e como se não bastasse tortura
suficiente, assim que contornamos a praça de Preciosa, já cheia de gente,
pois está próximo da hora do almoço, a primeira pessoa que vejo é Larissa e
meu peito se enche de raiva, pois ela não está sozinha.

LARISSA
Eu e Leo caminhamos pela praça conversando com os moradores da
cidade e como aqui são todos como se fossem uma enorme família, buscam
por novidades e querem saber da parceria que estamos fazendo.
Deixo que ele responda, já que entende bem mais do assunto dos
chocolates do que eu e entre um morador e outro, vejo a caminhonete de
Dante contornando a praça.
Ele não está sozinho, Rúbia está com ele e começo a pedir a Deus
para que nossos caminhos não se cruzem, pois pelo pouco que pude
conhecer dela, pude ver o quanto é amarga na escolha das palavras.
― Aconteceu alguma coisa? ― Leo pergunta colocando a mão em
meu ombro enquanto andamos lado a lado.
― Não...
― Percebi que você ficou tensa.
― Está tudo bem. ― Sorrio fracamente e voltamos a caminhar.
― Oi, Larissa. ― Ouço a sua voz antes de vê-lo e fecho os olhos
por alguns milésimos de segundos antes de me virar com a cara mais neutra
que consigo fazer.
― Dante. ― Solto o ar e percebo o quanto sua expressão é fechada
e ele olha diretamente para a mão de Leo em meu ombro.
― Ah, senhor Castellamare ― Leo diz sorrindo. ― Como vai? ―
Estende a mão e Dante o cumprimenta a contragosto.
― Vejo que gostou de Preciosa ― Dante fala cruzando os braços.
― A cidade me encantou ― Leo responde olhando para mim e eu
sinto vontade de sair correndo.
― Só a cidade? ― Olho para Dante com os olhos arregalados e
então vejo Rúbia se posicionar ao seu lado e se agarrar nele.
Ela usa um vestido tão justo que a primeira coisa que me vem à
cabeça é se ele não fará mal ao bebê visto que ele pode ficar apertado...
― Na verdade, é um misto de coisas que me chamaram a atenção.
― Leo continua a responder. ― A localização, o clima, as pessoas, a
hospitalidade de todos... e quando Larissa e eu conversamos ontem e ela me
convidou para passar o feriado e final de semana aqui, não pude recusar.
― Ela o convidou. ― Dante afirma olhando para mim.
― Sim. Então aproveitei para trazer o primeiro teste da nossa
parceria.
― Você foi bem rápido ― Dante diz e Leo sorri.
― Sim. Tudo estava na minha cabeça, apenas precisei de pouco
tempo para colocar em prática.
O silêncio toma conta da conversa e eu olho para Rúbia que está
com o semblante totalmente entediado.
― E como vai a sua gestação, Rúbia? ― pergunto, ela desperta e
me encara pressionando os lábios numa linha fina.
― Ótima ― ela diz e olha para Dante enquanto desliza a mão pelo
seu braço. ― Não é, querido?
Vejo Dante dilatar as narinas e respirar fundo.
― Que bom ― digo.
― Estão ansiosos? ― Leo pergunta.
― Muito. ― Rúbia ri de forma escandalosa. ― É o que mais
queríamos não é, Dante? ― Ele não diz nada, apenas tem os olhos presos a
mim. ― Não poderíamos estar mais radiantes. ― Ela diz e Leo ri. ― E
você tem filhos? ― Ela pergunta e eu olho imediatamente para Leo que
assume um semblante triste.
― Não tive essa sorte. ― Sua voz é amarga. ― Minha esposa
faleceu antes que tivéssemos filhos.
Engulo em seco.
― Mas ainda pode tentar, não acha? ― Ela aponta o dedo de Leo
para mim e o sangue todo parece ter sido drenado do meu corpo.
― Rúbia! ― Dante a repreende e ela dá de ombros.
― Ah, não... ― Leo sorri ― não somos um casal, senhora.
― Que pena ― ela diz de forma ardilosa. ― Vocês são tão
bonitinhos juntos.
― Peço licença a vocês, pois preciso falar com seu José ― Dante
diz com raiva e sai apressado levando Rúbia com ele.
― Me desculpe, Leo ― digo num fio de voz. ― Sei que esse
assunto é delicado para você e...
― Está tudo bem, Lari. ― Ele diz sorrindo. ― Não se preocupe.
Vamos? ― Ele estende o braço para mim e voltamos a andar pela praça,
agora na direção das barracas de comida, já que o horário do almoço se
aproxima.
DANTE
Ando irritado pela calçada e então sinto um puxão em meu braço.
― Quer andar mais devagar?! ― Rúbia reclama e eu paro de andar
quando estamos em frente aos degraus da igreja. ― Não adianta ficar
nervosinho por ter visto a sua amante com outro homem.
― Não diga bobagens, Rúbia.
― Ah, estou dizendo bobagens? ― Ela debocha. ― Desde que os
viu, sua expressão mudou. Olha só para seus punhos fechados! Sabe que
isso é ridículo, já que você está comigo.
― Não estamos juntos! ― digo com raiva e algumas pessoas me
olham. ― Estamos morando na mesma casa simplesmente porque está
esperando um filho meu.
― Obrigada pela sua sinceridade, seu arrogante! ― ela bufa e com
os olhos procuro por Lari pela praça e a vejo na fila de uma barraca de
comida com aquele cara que parece estar grudado nela. ― Quero ir para
casa ― Rúbia diz irritada.
― Acabamos de chegar.
― Eu quero ir para casa. ― Ela diz pausadamente com raiva na voz.
― Isso aqui está cheio de gente, eu estou com calor e a sua companhia me
deixou cansada. Sem falar que estou começando a ficar com fome.
― Vou comprar algo para você comer...
― Mas nem morta que como qualquer coisa nessas barracas. Tudo
parece ser feito sem higiene e...
― Você precisa comer. Está grávida, porra! ― digo entredentes
perdendo a paciência e ela se cala. ― Me espere aqui.
Digo e saio de perto dela.
Procuro por uma barraca que está servindo sanduíches naturais e
compro um de peito de peru e uma garrafa de água e volto para perto de
Rúbia.
Andamos pela praça e visualizo um banco na sombra de uma árvore
e peço que ela se sente.
― Não vou me sentar aí ― ela diz. ― Está todo sujo e...
― Vai comer em pé? ― Ela dá de ombros.
― Não comprou nada para você?
― Não estou com fome ― digo de braços cruzados só observando a
interação de Larissa com o imperador do cacau.
Eles compraram algo que está sendo servido em pequenos
refratários e foram se sentar.
Rúbia geme do meu lado e eu a olho.
― Isso tem maionese... ― ela reclama ― sabe que não como
maionese e nem pão branco, Dante.
Respiro fundo e reviro os olhos pegando o sanduíche das suas mãos.
Ela abre a garrafa de água e bebe um gole.
― Poderia ter ao menos comprado água com gás...
― Você não cansa de reclamar? ― A corto e ela se assusta. ―
Desde que saímos de casa está reclamando sem parar.
― Você só tem olhos para a sua amante desde que chegamos aqui.
Está todo nervosinho, pois a viu com o imperador do cacau.
― Como sabe quem ele é?
― Internet, queridinho ― ela diz revirando os olhos.
Me irrito com suas palavras.
― Já disse para parar de falar essas coisas! ― digo em voz alta e
por sorte estamos próximos da igreja e, aqui não há muitas pessoas quanto
em volta da barraca.
― Ficou bravo de ver o cara com quem ela está transando?
― O que disse?
― Isso que você ouviu! Ficou bravo de ter visto que a sua ex-
amante está dormindo com outro cara e anda desfilando pela cidade
abraçada a ele... você perdeu, Dante. Olhe só para os dois, parecem
apaixonados... não posso negar, essa caipira é esperta. Estava com você só
até aparecer alguém mais interessante, mais bonito, mais rico...
― Vamos embora ― digo com raiva e começo a andar.
Ela segura meu braço, mas acaba se desequilibrando, dá um passo
para trás e tropeça no degrau da escada da igreja.
Em seguida cai de lado no chão em cima do seu braço e solta um
grito agudo.
Me abaixo imediatamente em seu socorro e ela me bate no ombro.
― Grosso! ― Ela grita. ― Não aguenta ouvir umas verdades, não é
mesmo?
― Está tudo bem, seu Dante? ― Alguém pergunta e eu movo a
minha cabeça para ver de onde está vindo a voz e me assusto com muitas
pessoas do nosso lado.
― Aiii meu braço. ― Rúbia grita e eu a encaro chocado, pois
segundos atrás, ela estava me batendo com o mesmo braço que ela diz estar
doendo.
― Oxe, mas o que foi que aconteceu? ― Uma mulher pergunta
assustada com as mãos no rosto.
― Ela caiu? ― Outra pergunta.
― Ela tá grávida! Um tombo desse pode fazer mal pro bebê. ―
Ouço uma outra voz falando em meio as pessoas.
― Precisamos ir para a clínica ― digo olhando para Rúbia que está
choramingando e ela me encara assustada.
― Eu não vou!
― Rúbia, não tem que querer. Você vai.
― Dante...
Me levanto e a pego no colo com cuidado enquanto ela grita que seu
braço está doendo.
As pessoas abrem passagem e eu caminho rapidamente com ela nos
braços até a rua atrás da igreja onde fica a clínica.
Assim que passo pelos portões da clínica já vejo um dos rapazes que
trabalham em minha fazenda sair de lá correndo juntamente com um
médico baixinho, careca, que usa óculos e ele carrega uma cadeira de rodas.
― Doutor... ela está grávida! ― digo e Rúbia grita levando a mão
ao braço, ele assente com a cabeça e a coloco sentada na cadeira de rodas.
Ele empurra com agilidade pela rampa de acesso que leva para
dentro da clínica e eu sigo de perto com a minha respiração acelerada pelo
exercício e pelo desespero.
― Por favor, doutor... ― suplico ― ela está esperando meu filho e
caiu... está reclamando de dor no braço, mas deve fazer um ultrassom para
ver se está tudo bem com meu filho...
― Senhor. ― Ele pede me encarando enquanto entra na sala comigo
em seu encalço. ― Peço que se acalme. Farei o que tem que ser feito. Fique
calmo e aguarde aqui.
― Dante! ― Rúbia grita e eu avanço até ela. ― Não me deixe aqui
sozinha. ― Ela choraminga com a mão na barriga e meu coração parece se
rasgar ao meio com medo de que algo aconteça a nosso filho.
― Eu estou aqui, Rúbia. Não vou a lugar nenhum ― digo
encarando o médico.
― Pode se levantar, senhora? ― O médico pede e ela nega
choramingando. ― Precisa se deitar na maca para que eu a examine.
― Eu não quero ser examinada! ― ela grita e o médico dá um passo
para trás.
― Vem, Rúbia. ― Me abaixo e a pego no colo colocando
delicadamente sobre a maca.
Ela se agarra ao meu braço.
― Dante. Não deixe que ele encoste em mim...
― Mas por quê? ― pergunto horrorizado sem entender o porquê de
ela não deixar o médico se aproximar.
― Eu já disse que não quero! ― ela grita e lágrimas escorrem pelo
seu rosto.
― Senhora, se acalme, por favor. ― O médico toma frente. ― Eu
preciso fazer meu trabalho... se a senhora quiser, seu marido pode esperar lá
fora. Ficamos só nós dois aqui se ficar mais confortável para a senhora...
― Não quero ninguém aqui ― ela grita. ― Não quero ser
examinada por ninguém.
― Mas e o bebê? ― Imploro. ― Não pode ficar sem saber se está
tudo bem com ele...
― Eu já disse para você que não quero ser consultada aqui! Quero ir
para São Paulo! ― ela grita e eu perco a paciência.
― Cale a boca, Rúbia! ― Ela se cala e respira fundo várias vezes
me olhando com ódio. ― Você caiu, machucou o braço e está grávida. O
doutor vai te examinar e você vai deixar porque se formos até São Paulo
pode ser tarde demais! Eu vou esperar aqui no corredor.
Digo, saio da sala e fecho a porta atrás de mim. Coloco a mão na
parede e abaixo a cabeça fechando os olhos.
― Dante? ― A voz calma e serena de Larissa chega até meus
ouvidos e eu levanto a cabeça para vê-la ao meu lado. O tal imperador do
cacau espera alguns passos distante. ― Nós estamos aqui e vimos tudo o
que aconteceu na praça e também aqui no consultório. Eu disponibilizo meu
avião para vocês se acaso preferirem ir para São Paulo para que ela se
consulte com o seu médico de confiança.
Respiro fundo e deixo meus braços caírem ao lado do corpo.
Um desespero toma conta de mim e lágrimas me inundam os olhos
com medo de perder meu filho.
Ela une as sobrancelhas e morde o polegar de forma preocupada.
― Obrigado, Lari, por estar aqui.
Sinto vontade de abraçá-la, sentir seu cheiro, mas... não posso. Não
aqui e não com Rúbia precisando de mim do outro lado da parede.
CAPÍTULO 26

Ando de um lado para outro do corredor da clínica extremamente


preocupado com o que está acontecendo lá dentro da sala, já que faz mais
de dez minutos que saí e não tive nenhuma notícia.
Respiro fundo pela milésima vez e quando me viro, vejo Larissa
sentada numa das cadeiras ao lado da porta, ela tem a cabeça encostada na
parede e os olhos fechados. Caminho até ela para pedir que vá para casa
descansar, mas assim que me aproximo dela, a porta se abre e o médico sai.
― Senhor Castellamare, pode conversar a sós comigo por favor?
Franzo as minhas sobrancelhas e o sigo pelo corredor.
― O que está acontecendo doutor? ― pergunto preocupado. ― A
Rúbia está bem? E o bebê?
― A senhora Rúbia está bem, seu braço está bem, eu mesmo
examinei e ela não tem nada... ― ele faz uma pausa e meu coração bate
acelerado dentro do peito ― o que eu quero mesmo lhe falar é que eu
suspeito que ela não esteja grávida.
― Ela perdeu o bebê? ― Sinto um zumbido em minha cabeça e ele
tem uma cara de pena.
― O senhor não me entendeu, senhor Dante...
― Como assim não entendi?!
― Ela chegou dizendo estar com dor no braço, a examinei e
constatei que ela não sofreu nada, nem ósseo e nem muscular. Então
preocupado com seu estado, tentei examiná-la, mas ela me impediu.
Perguntei coisas básicas da sua gestação e ela se contradisse em muitas
respostas... não me deixou realizar o exame de ultrassom, então vim falar
com o senhor...
O deixo falando sozinho no corredor e volto a toda velocidade pelo
corredor. Larissa se assusta e se levanta do seu lugar. O tal Leônidas vem
para perto dela e eu passo pelos dois e entro na sala escancarando a porta
com raiva.
Encontro Rúbia deitada na maca, com o braço sobre os olhos e ela
se mexe ao ouvir o estrondo da porta sendo aberta.
Me aproximo até parar na sua frente, Rúbia me encara com os olhos
arregalados e levanta a cabeça.
― Por que não deixou que o médico fizesse o ultrassom? ―
pergunto e ela tenta balbuciar palavras. ― Anda logo, Rúbia. Só iremos sair
daqui quando fizer esse exame.
― Não pode me forçar...
― Não me tente, Rúbia. ― Soo ameaçador. ― Não queira me tirar
do sério, pois não vai aguentar.
Seu peito sobe e desce rápido demais e posso ver o desespero tomar
conta do seu semblante.
― Doutor. ― O chamo e ele brota do meu lado. ― Ela vai fazer o
ultrassom ― digo a ele sem tirar os olhos de Rúbia.
O médico rapidamente fecha a porta, pega o lençol e coloca sobre
ela.
― Preciso que a senhora suba seu vestido para que possamos
examinar a sua barriga. ― O médico diz com a voz neutra e baixinha.
Ela apenas faz tudo em silêncio, sem dar nenhum pio e de forma
obediente.
Assim que ela sobe o vestido e desce o lençol, minha respiração
quase falha ao ver a sua barriga totalmente lisa.
O médico despeja um gel em sua pele e em seguida liga o pequeno
monitor que está ao lado da cama sobre uma mesa de apoio. Começa a
deslizar o aparelho por sua barriga e a imagem aparece na tela.
Ele olha para Rúbia, limpa a garganta e eu vejo o queixo dela
tremer.
― E então, doutor? ― pergunto já sabendo a resposta, pois o seu
semblante é de incredulidade.
― Bem... ― ele limpa a garganta mais uma vez sem saber como
falar ― não há sinal de gravidez...
― Eu perdi, meu filho? ― Rúbia pergunta choramingando.
O médico nega com a cabeça enquanto continua a deslizar o
aparelho sobre a pele de Rúbia e quando ele me olha e balança a cabeça, eu
entendo tudo.
― Não há sinal de gravidez recente. E aqui... ― ele aponta para a
tela e Rúbia começa a gritar.
― Ah, meu Deus! Eu perdi meu filho! Viu só o que você fez,
Dante? ― Aponta o dedo para mim. ― Me fez perder nosso filho! ― Ela
me acusa e assim que olho para o médico, ele a encara com uma expressão
horrorizada no rosto.
― Chega, Rúbia! ― A minha voz sai de forma estrondosa e ela se
cala imediatamente tendo os olhos arregalados. ― Continue, doutor. ―
Peço ao médico que apenas assente e aponta novamente para a tela.
― Aqui está o dispositivo intrauterino que ela tem e...
Rúbia chora alto agora e eu sinto meu mundo desabar.
― Que dispositivo é esse? ― Não sou idiota e sei o que significa
um dispositivo intrauterino, pergunto somente para ouvir sair da boca do
médico já que eu mesmo não consigo acreditar.
― Um DIU, senhor. ― O médico responde. ― Falando numa
linguagem fácil de entender, ele praticamente imobiliza os espermatozoides
dificultando a fecundação...
― Então, quer dizer que ela nunca esteve grávida? ― pergunto
incrédulo.
― Exatamente ― ele fala deixando os ombros caírem para frente ao
perceber que a paciente na maca mentiu sobre estar grávida. ― Eu sinto
muito.
Ele se levanta, limpa o gel da barriga de Rúbia com um lenço de
papel e suspira com ar reprovador olhando para ela.
― Quero você fora da minha casa o mais rápido possível ― digo
apontando para ela que solta o ar junto com o choro.
― Dante... ― Ela afasta o lençol e abaixa o vestido se levantando
da maca.
― Você ouviu, Rúbia ― digo indo até a porta.
― Me deixe te explicar... ― Ela se levanta.
― Explicar o que, porra? ― grito e ela pula no lugar. O médico nos
encara com olhar arregalado, mas não diz nada. ― Dizer que mentiu sobre
a gravidez? Veio de lá de São Paulo simplesmente para me enganar? O que
pensou, Rúbia? Que eu nunca descobriria? ― Solto um riso sem humor. ―
E pensar que fiz de tudo para que se sentisse bem, a acolhi em minha casa,
te proporcionei do bom e do melhor que estavam ao meu alcance... tudo
isso para quê? Para rir da minha cara pelas costas?! ― Solto o ar com raiva.
― O que queria com isso? ― pergunto. ― Era dinheiro o que queria? Te
deixei meus carros e o apartamento... o que mais queria?
― Senhor, acho melhor conversarem em sua casa... ― O médico
sugere e eu nego com a cabeça.
― Conversaremos aqui mesmo, pois assim que eu disser tudo o que
tenho para dizer, sairei por essa porta e não a verei nunca mais.
― Mas eu preciso pegar as minhas coisas...
― Você vai. ― Garanto. ― Irá até a minha casa, pegará suas coisas
e sairá de lá hoje mesmo.
― Mas é feriado e não vou conseguir ir embora...
― O problema é exclusivamente seu. Pensasse nisso antes de mentir
sobre um assunto tão delicado quanto esse, porra!
Grito com raiva e o médico está acuado no canto da sala me olhando
com os olhos arregalados.
― Senhor Castellamare... peço que não se exalte, por favor se
acalme...
― Eu estou calmo ― digo debochando da sua fala. ― Você ainda
não me viu exaltado.
Ando até a porta da sala e a abro.
― Dante... ― Rúbia me chama e vem correndo atrás de mim
enquanto ajeita o vestido ― espere, por favor...
Passo por Larissa e Leônidas no corredor e não os encaro, pois estou
completamente envergonhado com tudo o que Rúbia fez.
― Espere, Dante... preciso falar com você. ― Rúbia continua me
chamando conforme saio da clínica e ando até a rua onde há muitas pessoas
transitando.
Ela me alcança e tenta segurar meu braço, mas eu me esquivo dela.
A encaro com raiva.
― Vai embora, Rúbia! Não quero te ver nunca mais! ― digo e seus
olhos se enchem de lágrimas. ― Você mentiu para mim! Usou o meu sonho
de ser pai para se aproximar de mim novamente e tudo isso para quê? Só
para ter seus luxos e a vida que tinha ao meu lado de volta?
― Eu só queria que a gente reatasse... ― ela choraminga.
― Você foi cruel, Rúbia. A sua perversidade ultrapassou todos os
limites. Nunca imaginei que chegaria a esse ponto.
― Eu não suportei saber que você veio embora e não iria mais
voltar! ― ela grita de volta empurrando meu peito.
― E então resolveu inventar a história de que estava grávida para
poder se reaproximar de mim?
― E de que outro jeito eu faria? Você estava me odiando!
― Você deu motivos, porra! ― grito de volta. ― Nunca tivemos um
casamento perfeito e você sabe disso, você sempre olhou só para si mesma
até que eu não suportei mais. E agora, olhe aonde você chegou... inventou
uma gravidez e se dispôs a vir lá de São Paulo para Preciosa com essa
mentira. ― Faço uma pausa e ouço o burburinho de toda a cidade
acompanhando nossa discussão. ― Eu te hospedei em minha casa, te dei o
melhor quarto, deixei com você o meu cartão para que comprasse o que
estava precisando aqui... e acima de tudo aguentei você reclamando dia
após dia sobre todo e qualquer assunto. Tudo isso por quê? Porque segundo
você estava grávida, esperando um filho meu! Fiz isso pois não queria que
meu filho e a mãe dele passasse por necessidades e bem no fim essa
gravidez e esse bebê nunca existiram! ― grito com raiva.
Sinto uma mão em meu braço e olho de onde vem, vejo Larissa ao
meu lado me segurando e seus olhos estão cheios de compaixão.
― Dante, é melhor vocês conversarem em casa... ― ela diz com a
voz baixa.
― Eu não quero conversar coisa nenhuma! ― digo sem paciência
sentindo a minha cabeça latejar. ― Já disse tudo o que eu tinha para dizer.
― Olho para Rúbia. ― Você tem até a tarde para ir embora da minha casa.
Digo e saio andando deixando-a ao lado de Larissa no meio da rua
com todas as pessoas que assistiram.
Preciso sair daqui senão vou enlouquecer.

LARISSA
Respiro fundo olhando Dante sair de perto de nós. As pessoas abrem
caminho para que ele passe e só quando ele vira a esquina é que eu me
movo.
Olho para Rúbia e a única coisa que sinto é pena.
― Eu posso levar você até a fazenda Castellamare, para pegar suas
coisas... ― começo a dizer, mas ela me corta dando uma risada quase
histérica.
― Sério? De todos os moradores desse buraco você é a única que
vai me oferecer ajuda?
Dou de ombros e me viro para deixá-la. Já que não quer a minha
ajuda, então que arrume um jeito de ir para a casa do Dante sozinha.
― Espera. ― Ela pede e eu me viro novamente para encará-la. ―
Vou aceitar a sua carona. A fazenda daquele troglodita fica a quilômetros
daqui e eu não vou poder ir sozinha até lá.
― Tudo bem ― digo. ― Então vamos.
Digo me encaminhando para a rua lateral da igreja e ela me segue de
perto, pois escuto o barulho dos seus saltos no calçamento.
Entramos na caminhonete e nos acomodamos. Leônidas vai ficar
aqui a meu pedido para tentar ir atrás de Dante. Do jeito que ele está
nervoso, é capaz de cometer uma loucura e não quero que nada aconteça
com ele.
Queria muito estar ao seu lado agora, mas entendo que ele precisa
de espaço já que sofreu emoções demais por hoje.
Cerca de metade do nosso trajeto é feita em silêncio, mas a minha
vontade é de perguntar a Rúbia o porquê de ela ter feito isso já que
convivendo com Dante por anos, sempre soube que o sonho dele sempre foi
ser pai.
― Pode perguntar. ― A ouço dizer enquanto olha para fora da
janela.
― Não entendi... ― digo e ela ri recostando a cabeça no encosto do
banco da caminhonete.
― Quer saber o porquê me sujeitei a isso, não quer?
― Esse é um assunto que diz respeito somente a vocês dois...
― Você é a amante do meu marido... não se faça de sonsa pois eu
bem sei o que está pensando.
Respiro fundo contendo a minha raiva.
― Ele não é mais seu marido e você não sabe nada a meu respeito
― digo a ela. ― Então por favor, meça as suas palavras, pois está me
atacando sem motivos.
Ela fica em silêncio por alguns segundos.
― Conheci o Dante quando estávamos na faculdade. ― Rúbia
começa e eu fico quieta esperando que ela continue. ― Ele era bonito, bem,
ainda é... forte, alto, olhos azuis e com sobrenome diferente. Conversando
com nossos colegas, soube que ele era de Minhas Gerais onde a família era
produtora de café, pesquisei mais sobre as suas origens e então vi que ele
vinha de família rica. Começamos a conversar, saímos algumas vezes e em
poucos meses ele estava completamente apaixonado por mim. Todo o
desejo e paixão que ele sentia foi se desfazendo assim que ele montou a
empresa em sociedade com o amigo. A partir de então ele virou um
workaholic e só tinha cabeça para o seu futuro. Foi me deixando de lado e
eu percebi que estava perdendo-o, então disse a ele que estava grávida.
― E você estava? ― Ela revira os olhos e bufa num sinal claro de
que era mais uma mentira. ― Ele sabe que mentiu para se casar com ele?
― O que acha? ― ela pergunta de forma debochada. ― É claro que
não. ― Suspira. ― Como a mãe o abandonou, Dante sempre quis ter uma
família e tinha uma fixação em ser pai, então apenas usei isso como forma
de conseguir prendê-lo... semanas depois do nosso casamento disse a ele
que perdi o nosso filho e lá estava o velho Dante focado no trabalho e na
vontade de ser rico a qualquer custo de volta, já que ele tinha perdido o
apoio do pai...
― Como assim perdeu o apoio do pai? ― pergunto sem entender.
― A fazenda começou a falir e o velho deixou de mandar dinheiro
para o Dante. Consequentemente, ele deixou de investir na empresa que
havia sido aberta recentemente já que o dinheiro investido era vindo do pai
que mandava todos os meses. Dante não queria gastá-lo, já que conseguia
se manter sozinho com o seu trabalho, como deixou de ser o principal
investidor, o sócio ficou com tudo e desfez a sociedade.
― E Dante perdeu tudo?! ― digo sentindo meu sangue gelar ao
saber do golpe que ele levou.
― Ele não contou a você? ― Ela ri zombando. ― Há muito que não
sabe sobe o passado dele.
― Por que você não separou dele nessa época?
Ela ri de forma amarga.
― Na família Novaes não existem mulheres separadas. Não ia pegar
bem para a sociedade paulistana se tivesse uma mulher divorciada na
família. Então quando discutíamos e ele ameaçava pedir o divórcio, eu
inventava a suspeita de uma gravidez e ele se acalmava ― ela diz de um
jeito amargo. ― Consegui por anos a fio. Sempre dizia que estava grávida
quando via que iria o perder... então seu pai morreu e deixou a porcaria
dessa fazenda afundada em dívidas. Tivemos uma discussão horrível e no
dia seguinte, ele deu a entrada no divórcio. Assinei na hora da raiva, mas
ainda ficamos morando no mesmo apartamento, pois eu me recusava a sair
dali já que era meu por direito de ficar casada com ele por tantos anos.
― E de onde surgiu essa ideia de gravidez? ― pergunto pois não
faz sentido já que eles estavam brigando sem parar.
― Dante sempre foi um homem muito quente, mas isso você já
deve ter notado... ― ela debocha ― bastava só me insinuar para ele que ele
esquecia completamente de tudo e a gente acabava na cama. Então o
maldito advogado deu um ultimato nele e ele simplesmente decidiu me
deixar em São Paulo e vir para esse fim de mundo. Pensei que fosse apenas
uma visita, mas quando percebi que ele não iria voltar, resolvi agir.
― E não pensou em chegar aqui e tentar reconquistá-lo? ―
pergunto, pois para mim parece o caminho mais óbvio.
― Ele não ia nem sequer me ouvir... então simplesmente usei o que
fiz por muitos anos. A desculpa de que estava grávida.
Entramos na propriedade de Dante e, eu ainda estou sem acreditar
em tudo o que acabei de ouvir.
― E não passou pela sua cabeça que mais dia, menos dia ele iria
descobrir?
― Usaria a desculpa de um aborto espontâneo como sempre usei.
Encosto a caminhonete em frente à casa de Dante e desligo o motor.
O silêncio toma conta de tudo ao redor de nós duas e ela ri sem
humor.
― O que eu não imaginava é que ele estaria obcecado por duas
coisas: essa maldita fazenda e você. ― Fico em silêncio apenas escutando.
― Tentei a todo custo que ele me quisesse de volta, mas algo dentro dele
mudou. Agora ele parece outro homem, totalmente diferente do Dante que
eu conheci.
Ela abre a porta da caminhonete e desce.
― Rúbia? ― A chamo e ela me encara. ― Eu não sei se sabe, mas
como é feriado, a rodoviária de Preciosa deve estar fechada e o aeroporto
mais próximo onde conseguirá um voo é o de Belo Horizonte. Daqui a
pouco irá anoitecer... eu tenho meu jato particular, se quiser posso pedir ao
piloto que te leve para São Paulo...
― Quer mesmo se livrar de mim o mais rápido possível, não é? ―
ela pergunta rindo e depois fica séria me encarando. ― Eu percebi o modo
como ele te olha. Mesmo que eu estivesse realmente grávida coisa que
nunca vai acontecer pois tenho horror a crianças, ainda assim eu não teria
Dante para mim. O olhar dele é completamente diferente quando lançado a
você e eu odiaria cada segundo aqui tendo que ver vocês dois juntinhos.
Vou aceitar a ajuda que está me dando. ― Ela se afasta da caminhonete. ―
Quero ir embora dessa droga de lugar o mais rápido possível e esquecer que
fiquei por semanas presa aqui.
Respiro fundo contendo a vontade de retrucar suas palavras e
simplesmente aceno com a cabeça.
― Meu capataz, Josué virá te buscar em uma hora e a levará até a
pista de pousos e decolagens da minha fazenda. ― Lanço um último olhar
para ela. ― Adeus, Rúbia.
Ligo o motor, manobro a caminhonete e vou embora.
Pelo retrovisor a vejo entrando na casa de Dante.
Espero que um dia ela se arrependa de tudo o que fez.
A única coisa que me consola é saber que agora Dante está livre
dela.
Ao mesmo tempo que sinto alívio, fico angustiada por ele ter caído
mais uma vez na mentira de Rúbia.
Ela foi cruel e mesquinha com ele desde que o conheceu, mas agora
ele poderá seguir em frente, já que se libertou de vez das garras dela.
CAPÍTULO 27

Como pude ter sido tão idiota?


Me deixei ser enganado por Rúbia de novo...
Caminho irritado pelas ruas de Preciosa até chegar na minha
caminhonete e então ouço meu nome sendo chamado.
Me viro e vejo o tal imperador do cacau correndo na minha direção.
― Só me faltava essa! ― resmungo e espero que ele me alcance. ―
O que você quer? ― pergunto com raiva.
― A Larissa me pediu para ver como você estava...
― Pois agora está vendo! ― Ergo os braços e giro no lugar. ― Pode
dizer a ela que vou ficar bem ― digo agora sem zombar, pois não quero
preocupá-la. ― Não é o primeiro golpe que sofro.
Subo na minha caminhonete e me viro surpreso ao perceber que ele
subiu no lado do passageiro.
― O que pensa que está fazendo?! ― pergunto sem acreditar em vê-
lo sentado ao meu lado.
― Indo com você. ― Ele fecha a porta e coloca o cinto de
segurança. ― Não vou deixar você sozinho, pois posso imaginar pelo que
está passando.
― Não pode não! ― digo áspero enquanto ligo o motor da
caminhonete e saio a toda velocidade.
― Posso sim. Eu não fui enganado pela minha esposa, mas eu a
perdi. Talvez sejam dores diferentes, mas eu sei exatamente como é estar
quebrado. Na boa, Dante... ― Leônidas fala ― esse não é o melhor
caminho para esquecer dos problemas ― ele diz e se cala por alguns
segundos e sei que só veio atrás de mim com medo de que eu fosse fazer
algo impensado. ― Essa cidade não tem nenhum bar que possamos beber
para afogar as mágoas?
Ele pergunta cruzando os braços e eu acabo rindo.
― Acredito que só na cidade vizinha... ― digo dando de ombros.
― Então, toque para lá. ― Ele está animado e é exatamente isso que
faço.
Quero ficar distante de tudo e de todos e talvez indo para a cidade
vizinha onde ninguém me conhece, isso possa ajudar.
Conforme dirijo pela estrada, Leônidas começa a batucar com os
dedos na lataria da caminhonete e isso de certa forma acaba me acalmando.
― Sabe o que estive pensando? ― ele pergunta sem olhar para
mim. Como fico em silêncio, ele continua. ― Gostei demais desse lugar e
agora que a parceria com Larissa está quase consolidada, queria montar
uma filial da minha empresa aqui em Minas Gerais.
― Mas a plantação de cacau não fica no Nordeste? ― pergunto sem
entender, já que ele teria muito empenho em trazer a matéria-prima
principal para cá.
― É aí que está o X da questão... ― ele continua ― o clima daqui é
parecido com o da cidade onde fica a minha fazenda. Pensei que talvez se
pudesse encontrar uma propriedade onde pudesse plantar o cacau...
― Que tipo de propriedade pensa?
― Eu não sei. ― Ele dá de ombros. ― Preciso me reunir com a
minha equipe. Essa foi só uma ideia que me ocorreu. ― Ele ri. ― Minha
cabeça funciona 24h por dia, Dante. Tenho uma equipe a minha disposição
acaso uma ideia assim surja. O único problema é que não quero parecer um
carrasco e deixá-los sem folga. Então quando há feriados, eu sempre me
isolo em minha casa para deixá-los em paz. ― Diz rindo da sua piada.
Fico em silêncio por alguns segundos, mas ainda estou pensando na
sua ideia de plantar o cacau aqui.
― Quanto tempo um cacaueiro leva para dar frutos? ― pergunto
curioso.
― A partir do terceiro ano depois do plantio ― ele diz. ― Ali! Um
restaurante de beira de estrada. Deve haver bebidas lá. ― Ele aponta para o
caminho a nossa frente.
Encosto a caminhonete em frente ao estabelecimento e descemos.
Entramos no restaurante e como imaginei está vazio.
Começo a me arrepender de ter parado aqui quando um jovem ruivo
de avental com rosto coberto por sardas e usando um boné de uma marca e
refrigerantes vem nos atender.
― Boa tarde ― ele diz sorrindo como se a nossa visita fosse salvar
o dia.
― Boa tarde ― respondemos juntos.
― Queríamos beber algo. ― Leônidas diz. ― Você tem cerveja
gelada?
― Claro que sim ― ele responde animado. ― Vou trazer para os
senhores. Fiquem à vontade.
Ele volta para trás do balcão e nós nos sentamos. Segundos depois o
jovem volta com dois copos de vidro e uma garrafa grande de uma cerveja
bem gelada. Deixa sobre a mesa e se retira.
― E o que mais precisa para que uma plantação de cacau produza?
― pergunto bebendo um gole da minha bebida.
― Tem de ser em uma área tropical, com temperatura entre 23º e
25º, precisa ter uma ótima irrigação, boa insolação ao longo do dia, o solo
tem de ser bem drenado e rico em matéria orgânica... bem, todos os
cuidados necessários para que o cacaueiro produza bons frutos. ― Ele
afasta o copo e me encara. Percebo que ele não bebeu e me lembro de ele
me dizendo que perdeu a esposa, talvez tenha algo a ver com a bebida,
então não vou insistir.
― Acha que minha fazenda é um bom lugar para se plantar cacau?
Ele pensa por alguns minutos e considera a minha pergunta.
― Eu não sei, Dante. ― Ele é sincero. ― É como disse, estou
apenas considerando investir aqui, mas... tenho que me reunir com a
equipe, pedir para que os agrônomos façam uma análise do solo, do clima...
tudo isso leva algum tempo. ― Ele faz uma pausa e me encara com os
olhos semicerrados. ― Mas digamos que tudo dê certo e sua propriedade
seja um bom local para o plantio de novas mudas... o que fará com sua
plantação de café? A colheita foi tão ruim assim?
― Não foi ruim. Vendi toda a colheita para um produtor maior
indicado por um amigo meu. Foi um bom valor e pude pagar os
empréstimos... estou mais aliviado pois com a venda do maquinário que
estava parado sem uso e da colheita conseguimos fechar sem ficar no
vermelho. Agora preciso de tempo para estudar melhor o que fazer, pois se
for continuar com o café, preciso remover alguns pés que não produziram,
fortificar outros e plantar mais... isso leva tempo. Se começar a plantar
cacau aqui do zero também vai me exigir estudo e pesquisas... no fim as
duas terão o mesmo trabalho, então é só uma curiosidade mesmo.
― Trocar de ramo e mudar toda uma plantação exigirá bastante
empenho. Estaria disposto a entrar nessa?
― Não estaria disposto se não fizesse a oferta. ― Retruco e ele sorri
cruzando os braços.
― Gostei de você, Dante Castellamare. Mas sabe que não precisa se
livrar da plantação de café de imediato. Pode diversificar junto com o cacau
― ele diz se recostando em sua cadeira. ― E podemos acompanhar
simultaneamente cada uma das plantações. A sua fazenda é grande e você é
um homem visionário e disposto ao novo. Sabe que procuro pessoas que
tenham a mente aberta para propor sociedade. Com Larissa Leão foi
exatamente assim.
Ouvir o nome dela me causa um misto de sentimentos, pois me
lembro de tudo o que vivi nessa tarde e que até então estava num canto
isolado do meu cérebro.
― Sabe que viemos para cá justamente para esquecermos dos
problemas, não sabe? ― Leônidas pergunta pois ele percebeu que minha
expressão mudou e eu sorrio sem humor.
― Como posso esquecer que fui feito de otário para a cidade inteira
pela mulher que foi minha esposa por anos?
― É mais comum do que parece, Dante. ― Ele diz. ― Você não é o
primeiro homem a ser enganado por uma mulher. Isso acontece desde que o
mundo é mundo.
Absorvo as suas palavras e solto o ar.
― Rúbia sempre foi manipuladora ― digo. ― Ela sempre teve tudo
o que quis e para ela, as pessoas não passavam de peças no seu jogo
doentio. Ela sabe jogar perfeitamente e eu fui só mais um meio de
conseguir o que queria.
― Que seria o que exatamente?
― Dinheiro... alguém que bancasse seus luxos... status... ― digo
amargo ― eu saí daqui de Preciosa disposto a vencer a qualquer custo e
para que isso acontecesse, trabalhei duro por muitos anos, em qualquer tipo
de serviço. Lavei pratos, fui manobrista e aos finais de semana passeava
com cachorro das madames... tudo isso para pagar as mensalidades da
minha faculdade.
― Seu pai tinha dinheiro, ele não pagou seus estudos?
― Pagou. Só que o dinheiro que ele mandava, eu deixei guardado,
pois sabia que um dia encontraria um negócio certo para investir.
― E esse momento apareceu?
― Sim. Foi na faculdade que conheci meu antigo sócio. Abrimos
uma empresa juntos, eu entrei com o capital e com o nosso conhecimento
estávamos decolando. Então meu pai se deixou abater de verdade, faliu e
parou de mandar dinheiro para mim. Como não investia mais na empresa,
meu sócio me tirou da sociedade e seguiu sem mim.
― E você não procurou por seus direitos?
― Éramos amigos, não tínhamos contrato nenhum, tudo era no
nome dele... eu literalmente entrei com a bunda e ele com o pé. ― Rio de
forma amarga. ― Meu defeito sempre foi confiar demais nas pessoas.
― Você foi criado num paraíso, Dante. Em Preciosa as pessoas são
boas e de bom coração. Foi para uma cidade imensa que trabalha dia e noite
e deu azar de cruzar o caminho de pessoas egoístas.
― Obrigado por me defender. Eu acho. ― Sorrio.
― Eu sei, porque te entendo perfeitamente ― ele diz. ― No mundo
corporativo ninguém é amigo e sempre haverá um querendo puxar seu
tapete. ― Ele diz pensativo e percebe que eu bebi toda a garrafa sozinho,
então pede outra para o rapaz que nos atendeu que prontamente nos traz
mais uma garrafa. ― Tudo o que passamos por pior que possa ser, serve de
aprendizado, senhor Dante Castellamare.
Suspiro soltando o ar devagar.
Leônidas não é quem eu pensei que fosse.
Temos quase a mesma idade, o passado um pouco parecido e ele me
entende já que também sofreu perdas.
― Não se martirize, pois sei que você vai sair dessa ― ele diz
depois que o jovem se afasta.
― A cidade inteira estava lá e todos viram o que aconteceu.
Ele pensa e coça a cabeça.
― Isso foi perfeito.
― Como pode ter sido perfeito se todos viram que fui feito de otário
pela Rúbia?! ― pergunto zangado.
― É isso, Dante ― ele diz alegre. ― Toda a cidade viu.
Acompanharam e puderam ver que ela é uma mulher ardilosa, calculista e
que usou de uma mentira para te prender a ela. Você foi uma vítima, Dante.
Não teve culpa de ela ter feito o que fez.
― Eu sei. Mas estou me sentindo um idiota. ― Confesso bebendo
mais um gole da cerveja em meu copo.
― Vá para casa, tenha um tempo sozinho, remoa isso e quando se
sentir pronto poderá sair e de cabeça erguida, pois pelo pouco que conheço
dos moradores de Preciosa, todos ficarão do seu lado e logo esse assunto
será esquecido. ― Assinto e fico em silêncio. ― Na próxima semana
quando a poeira tiver baixado, volto para cá com minha equipe e poderemos
fazer uma análise do solo e do clima com mais precisão.
― Quando eu ainda era jovem, meu pai nunca deixou que me
aproximasse do processo do plantio à colheita do café. Então nunca soube
exatamente o que fazer, quando me vi com a fazenda toda para cuidar, me
bateu o desespero, já que não tinha a mínima ideia de por onde começar. ―
Sorrio sem humor. ― Então apareceram pessoas que me estenderam a mão,
tive bastante ajuda e sou grato a cada um que me ajudou. Eu aprendi muito
durante essa colheita e o que tenho para te falar é que se a minha fazenda
for propícia para o plantio do cacau, vou precisar de algum apoio até
entender tudo.
― É claro. ― Leônidas concorda. ― Eu darei todo o suporte para
você e se preciso, me mudo para cá. ― Ele sorri e me estende a mão por
cima da mesa. ― Faremos dar certo, Dante. Pode contar comigo.
Aperto a sua mão numa espécie de selo de contrato ainda não feito e
imediatamente sinto uma sensação de que tudo está prestes a mudar e pelo
visto para melhor.

LARISSA
Caminho de um lado para outro na sala de casa e quando Josué
passa pela porta de entrada, me viro para ele.
― A levou até a pista? ― pergunto, pois ele ficou de pegar Rúbia
na casa de Dante e levá-la até a pista da fazenda para embarcar em meu
jato.
― Sim. E fiquei esperando até ele decolar para ter a certeza de que
ela foi mesmo embora ― ele diz se sentando no sofá.
― Obrigada. ― Agradeço a ele e volto a andar enquanto levo o
polegar até a boca e o mordo.
― Por que está preocupada? ― Josué pergunta e eu paro de andar
me virando para ele.
― Leônidas foi atrás do Dante depois do escândalo na praça e eles
sumiram...
― Não aconteceu nada, Lari ― ele diz. ― Fique tranquila.
― Como sabe?
― As notícias ruins sempre chegam primeiro. ― Josué é frio na
escolha das palavras e eu mordo meu dedo. ― Já vai anoitecer, vai ver eles
estão conversando em algum lugar. Os dois têm o seu número de celular e o
fixo, se precisarem ou se acontecer qualquer coisa irão te ligar.
Respiro fundo e solto o ar, cansada.
― Eu sei, mas... ― Não termino de falar pois Leo bate à porta de
entrada e passa por ela. ― Leo! ― Corro até ele. ― Onde se meteu? Estava
com o Dante? ― pergunto preocupada e ele sorri me tranquilizando.
― Estava com o Dante sim, fomos até um restaurante tomar uma
cerveja e conversar.
― E como ele está? ― pergunto ansiosa.
― Ele está bem ― Leo diz. ― Dante me deixou na entrada da sua
fazenda e foi para casa. Ele vai ficar bem, Lari. Só precisa de um tempo
para processar tudo o que aconteceu.
Engulo em seco e a minha vontade é de ir correndo até sua casa para
ficar com ele, mas então apenas assinto e sigo até o sofá onde me sento.
Imagino pelo que ele está passando e eu no lugar dele também
preferiria ficar sozinha remoendo o que aconteceu. Se Dante precisa de um
tempo para absorver tudo o que sofreu, eu darei esse tempo a ele.
CAPÍTULO 28

Já é quase hora do almoço e eu ainda não me levantei da cama desde


que cheguei ontem no final da tarde.
Apenas entrei em casa e segui direto para o meu quarto que ocupava
antes da Rúbia chegar, troquei todos os lençóis, toalhas e cobertas que ela
usou e depois de tudo limpo segui até o banheiro, onde tomei um banho
demorado e finalmente depois de me sentir livre de tudo o que me lembrava
de Rúbia, me deitei na cama e adormeci quase imediatamente.
Finalmente resolvo me levantar e então me sento na cama pensando
em tudo o que aconteceu.
As imagens de Rúbia chegando até a minha casa voltam a minha
memória e me lembro de como fiquei assustado, mas de certa forma feliz ao
mesmo tempo, então veio toda a sua arrogância e sordidez de sempre e
agora me pergunto em como fui deixar que ela ficasse tanto tempo aqui me
enganando.
Me levanto e sigo para o banheiro para tomar um banho e preparar
algo para comer e só quando estou debaixo do jato do chuveiro é que me
dou conta de que deixe-me ser enganado por ela, porque de certa forma era
o que eu queria já que meu sonho sempre foi o de ser pai.
Depois do banho, me seco e sigo até a cozinha somente de toalha
enrolada na cintura já que novamente estou morando sozinho e como é
domingo e está ocorrendo a festa na cidade, ninguém virá até a minha casa.
Preparo uma macarronada rápida e quando ela fica pronta, me sento
à mesa e começo a comer.
― Humm, isso está bom demais ― digo sozinho na cozinha pois se
bem me lembro, a última vez que fiz uma refeição decente foi ontem de
manhã.
Assim que termino, lavo a louça e quando estou terminando de secar
tudo, ouço o barulho de um carro se aproximando da casa.
― Mas quem pode ser?! ― pergunto irritado já que imaginei passar
o dia todo sozinho sem ver ninguém.
Saio da cozinha e ao passar pela sala me lembro de que estou
somente com uma toalha na cintura.
― Porra! ― resmungo e corro até meu quarto. Abro o armário e
pego o primeiro jeans que vejo. O visto e volto para a sala.
Abro a porta e vejo Sálvio, o taxista prestes a bater à porta.
Merda!
Não pode ser boa coisa já que da última vez que ele esteve aqui,
trouxe Rúbia e com ela um furacão que virou a minha vida de cabeça para
baixo.
Cruzo meus braços na frente do peito e fecho a cara, receoso em
saber quem ele trouxe dessa vez.
― Boa tarde, seu Dante. ― Sálvio diz sem jeito. ― Eu trouxe uma
pessoa que queria vir até a sua fazenda...
― E traz qualquer pessoa que queira vir até aqui? ― pergunto de
mau humor e ele torce os dedos das mãos num gesto nervoso.
― Me desculpe, seu Dante... ― ele começa.
― Quem você trouxe? ― pergunto e então a porta de trás do carro
de Sálvio se abre e uma moça muito bonita desce dele.
Ela olha ao redor e depois olha para a casa. Tem o corpo esguio e
usa jeans, tênis e camiseta. Seus cabelos castanhos estão presos num coque
bagunçado no topo da cabeça e ela fica parada me olhando.
Franzo o cenho, pois tenho a plena certeza de que já a vi antes, só
não consigo me lembrar de onde.
Nossos olhares se cruzam e então vejo seu peito subir e descer como
se ela estivesse arrumando coragem para falar algo e quando sorri mesmo
que fracamente, eu a reconheço na hora.
― Ana?! ― digo e ela levanta os ombros parecendo estar
envergonhada.
A vejo caminhar e subir os degraus da varanda de forma lenta e só
quando estamos frente a frente é que ela fala:
― Oi, Dandan...
A encaro sem acreditar no que estou vendo e Sálvio é o primeiro a
falar.
― Bem, agora que a moça está entregue, eu vou indo...
Ele diz e desce os degraus indo até o porta-malas de onde tira uma
mochila e traz até a varanda. Em seguida se despede e vai embora.
Assim que ele se vai, pergunto a primeira coisa que me vem à
cabeça.
― A corrida...
― Eu já paguei ― ela diz e sua voz é suave.
Engulo em seco e a olho da cabeça aos pés quase não acreditando na
mulher que ela se tornou.
― Da última vez que te vi, era só uma menininha usando vestido
florido e botas vermelhas...
Seus olhos se enchem de lágrimas e ela baixa a cabeça.
― Eu me lembro muito pouco do dia em que fui embora ― ela diz
com a voz embargada e eu sei na hora que é mentira, pois está fazendo
exatamente igual quando ela aprontava algo e mentia dizendo que não havia
sido ela.
― Está mentindo ― digo, ela levanta os olhos e me encara.
Suspira cansada e seus olhos estão tristes.
Tenho tantas perguntas para fazer a ela.
Onde ficou todos esses anos, o que faz da vida, como foi ter sido
criada longe da fazenda e a principal de todas, onde está nossa mãe.
Travo na sua frente, pois não faço ideia do que exatamente ela veio
fazer aqui. Então simplesmente a convido para entrar comigo. Quem sabe
quando se sentar e se sentir mais à vontade poderá me contar o que a traz
até aqui.
― Vamos entrar ― digo e entro em casa.
Ela me segue, mas para na porta e olha ao redor.
― Está exatamente tudo igual... ― ela balbucia ― apenas uma
coisa ou outra que está diferente. ― Ela entra em casa e gira absorvendo
cada detalhe. ― Até o cheiro parece ser o mesmo...
Respiro fundo.
Tenho tantas perguntas a fazer, mas resolvo dar um tempo a ela, pois
eu tive a mesma sensação quando cheguei.
Ana passa a mão sobre o aparador, olha para o chão e então parece
se lembrar de uma coisa.
Anda rapidamente até a porta que dá acesso para a cozinha e desliza
a mão sobre o batente, mas vejo seu semblante se entristecer.
― As linhas sumiram. ― Ela diz e me olha. ― A mamãe media
nosso tamanho todos os anos em nossos aniversários, se lembra?
Concordo com um aperto no peito.
― O pai deve ter pintado... ― nem sei por que estou me explicando,
já que faz tanto tempo e isso já nem importa mais.
Ela concorda e volta para o centro da sala onde se senta no sofá.
Respiro fundo sem saber o que dizer, pois achei que nunca mais a
veria novamente.
― Eu vim trazer a última carta da mamãe pessoalmente já que todas
as outras foram devolvidas ― ela diz de forma amarga.
― Que cartas? ― pergunto de cenho franzido me sentando na outra
ponta do sofá.
― As cartas que ela te mandava nos seus aniversários ― ela bufa
igualzinho quando era criança.
― Eu nunca recebi carta nenhuma.
― Como não, Dandan se elas sempre voltavam dias depois de
serem enviadas?
Fico em silêncio encarando o vazio.
― O pai deve ter devolvido todas elas...
― Mas como você nunca as viu? Já que eram endereçadas a você?
― Depois que vocês se foram, eu fui embora para São Paulo e
nunca mais voltei ― digo e ela me encara surpresa. ― Cheguei em
Preciosa somente alguns meses atrás... ― Vejo lágrimas escorrerem pelo
rosto de Ana e então entendo tudo. ― A mãe... ― não termino de falar e ela
apenas assente com a cabeça chorando ainda mais.
Porra!
Me levanto respirando fundo e sigo até a varanda onde me sento
num dos degraus e observo a paisagem da fazenda a minha frente.
O jardim agora tomando forma, com flores plantadas por dona
Esmeralda e as amigas, a grama bem aparada pelos funcionários que
contratei e o piso de madeira da varanda brilhoso depois de encerado por
elas.
Meu peito se aperta ao saber que minha mãe morreu sem que nos
falássemos pela última vez.
Apoio os cotovelos nos joelhos e seguro minha cabeça entre as
mãos.
Ouço passos atrás de mim e então vejo os tênis de Ana pela minha
visão periférica. Ela cutuca meu ombro e quando levanto meus olhos, ela
tem na mão uma pilha de cartas amarradas por uma fita branca já amarelada
do tempo.
― Essas são as cartas que a mamãe te mandou ao longo dos anos e
em cima está a última que ela escreveu. ― Pego as cartas e observo que há
cerca de vinte ao todo. A encaro novamente e ela suspira. ― Bem, eu já
vou indo. ― Ela diz e dá de ombros indo até a mochila no chão da varanda.
― Vai para onde?
― Para casa ― bufa descendo um degrau.
― Onde seria sua casa exatamente?
― Juiz de Fora.
― E pretende ir embora como? A pé? ― pergunto e ela parece
reconsiderar.
― Posso chamar o táxi de novo...
― Moraram lá todos esses anos? ― pergunto e ela assente. ― E seu
pai? ― pergunto pelo capataz, pois segundo minha mãe disse antes de ir
embora, Ana era filha dele.
― Eu e você temos os mesmos pais, Dandan.
― Mas a mãe disse...
― Ela mentiu apenas para que o papai deixasse que ela me levasse...
bem, está tudo explicado na última carta. ― Ela suspira e começa a descer
os degraus lentamente. ― A letra da última carta é a minha, já que a mamãe
estava no hospital quando a escreveu. ― Ela termina de descer os degraus e
me encara. ― Foi bom ver você, Dandan...
Começa a andar pelo gramado e eu apenas continuo no mesmo lugar
sem dizer uma só palavra.
Nosso pai morreu e agora nossa mãe.
Ana assim como eu não temos mais ninguém no mundo que não
seja um ao outro.
― Ana! ― grito seu nome e ela se vira. Coloca a mão na frente do
rosto para proteger do sol e aguarda. ― Não quer entrar? Descansar um
pouco, quem sabe passar a noite aqui... amanhã você vai. Eu te levo, ou
peço a um dos meus funcionários para te levar até a cidade...
Ela pensa por menos de um minuto na ideia e depois de dar de
ombros, ela volta pelo mesmo caminho e para antes de começar a subir os
degraus da varanda.
― Nós temos muito o que conversar ― digo a ela. ― Quero saber
mais de você e de como passou todos esses anos... sei que o nosso
afastamento não foi culpa de nenhum de nós, por isso eu gostaria que
passasse alguns dias aqui junto comigo. ― Peço torcendo para que ela
aceite. ― Claro se você não puder, eu vou entender. Deve ter um emprego,
pode ser casada ou ter filhos...
Ela ri com gosto mostrando a covinha do lado direito da bochecha.
― Não sou casada e nem tenho filhos, Dandan, quanto ao emprego,
sou professora numa escola de Juiz de Fora, mas pedi alguns dias para
resolver esse assunto de família. ― Ela faz uma pausa. ― E sim, vou gostar
muito de passar alguns dias aqui com você.
Me levanto, ela sobe os degraus e juntos entramos em casa.
― Está com fome? ― pergunto e ela assente. ― Eu fiz
macarronada para o almoço e sobrou bastante. Se quiser pode comer ou
pode preparar outra coisa se quiser. A cozinha e a despensa estão
abastecidas. ― Paro por um segundo e olho para as cartas em minhas mãos.
― Pode pegar qualquer quarto da casa, estão todos limpos, com lençóis e
toalhas novos. Eu vou estar no quarto da suíte.
― No quarto que era dos nossos pais?!
Assinto e rio sem humor.
― Sou o mais velho. ― Dou de ombros e ela sorri.
― Falando nisso... bem, você irá ler de qualquer forma, mas... nós
temos uma irmã mais nova.
― Uma irmã mais nova? ― pergunto chocado.
― Sim. ― Ela assente. ― Quando a mamãe foi embora ela estava
esperando a Raquel.
― Ela também é filha do nosso pai?
Ana nega.
― Ela é filha do Jurandir.
― O capataz... ― afirmo e ela assente. ― Raquel? ― pergunto e
franzo o semblante.
― Ana Raquel ― Ana diz.
― Ana Ruth e Ana Raquel? ― Ela assente contendo o riso. ―
Ainda bem que eu nasci antes que a mãe começasse a assistir novelas.
Imagine só se meu nome fosse Tonho da Lua?
Ana gargalha enquanto segue para a cozinha.
Respiro fundo e rumo para o quarto com as cartas em minha mão.
CAPÍTULO 29

Fecho a porta do quarto e caminho até a cama onde me sento. A


pilha de cartas em minhas mãos está pesada demais e eu sinto meu coração
acelerado dentro do peito.
Pego a primeira carta e abro o envelope, respiro fundo e então de
imediato reconheço a letra da minha mãe.
“Dante
Hoje é seu aniversário de dezesseis anos e estou enviando essa
carta, pois queria te parabenizar. Peço a Deus todos os dias desde o seu
nascimento para que Ele sempre guie seus caminhos.
Antes de mais nada, quero pedir o seu perdão, pois sei que a essa
hora deve estar me odiando.
Juro que não queria ter te deixado para trás, tentei a todo custo
trazer você comigo com a sua irmã, mas Álvaro nunca iria deixar e sei que
quando crescer e se tornar um homem bom, irá me entender.
Meu casamento com o seu pai já não era mais o mesmo e com a
vontade dele de sempre crescer cada dia mais, acabou ficando ausente de
casa por muito tempo. Não vou arrumar desculpas para o que fiz, pois sei
que foi errado e quero que um dia possamos conversar pessoalmente, pois
ainda quero te pedir perdão olhando em seus olhos.
Sinto muito por ter saído tão às pressas de casa e arrancado de
você a convivência com a sua irmã, mas se não fosse assim, acho que teria
sido pior e ainda mais sofrível para todos nós.
Saiba que eu te amo com todas as minhas forças e estarei sempre
pedindo a Deus e Nossa Senhora que te protejam.
Não vou me estender mais e deixarei meu endereço aqui para que se
quiser me encontrar para conversarmos.
Estarei te esperando de coração e braços abertos.
Com amor, mamãe”
16/07/2001
Sinto meu rosto molhado e só depois de guardar a carta dentro do
envelope novamente é que me dou conta de que são minhas lágrimas
escorrendo pela minha bochecha.
Fecho os olhos e posso ver nitidamente em minha memória as
discussões que meus pais tinham.
Por muitas noites eu acordei com gritos dos dois e coisas se
quebrando dentro do quarto deles.
Não me lembro bem quando tudo começou, mas sei que o
casamento dos dois era totalmente infeliz e sem amor.
Respiro fundo e então me dou conta de que meu casamento com
Rúbia era exatamente do mesmo jeito que o casamento deles era.
Olho para as cartas espalhadas sobre a cama e pego outra, a abro e
passo meus olhos rapidamente pelo texto escrito, depois pego mais uma e
outra e em seguida outra.
Todas elas foram enviadas na data dos meus aniversários em todos
os anos e todas têm os textos parecidos onde ela me deseja os parabéns e
pede perdão pelo que fez.
Engulo em seco e deixo os ombros caírem.
Não quero mais ler nenhuma carta, pois isso só faz meu sofrimento
aumentar.
Pego o envelope mais recente. O único que tem a letra diferente e
sei que é esse ao qual Ana estava se referindo que foi ela quem escreveu.
O abro e nesse instante uma dor se instaura em meu peito ao saber
que ela não está mais aqui.
“Dante
Irei começar essa carta um pouco diferente já que hoje não é seu
aniversário, mas quero que saiba que em todos esses anos seu nome ainda
está em minhas orações pedindo que você sempre tenha saúde e proteção
divina.
Todas as cartas que escrevi a você, voltaram e eu entendo
perfeitamente que o que fiz anos atrás o magoou profundamente, por isso
essa será a última vez que te pedirei perdão, já que sei que minha vida está
chegando ao fim.
Estou nesse momento internada no hospital e é sua irmã quem está
escrevendo. Tenho câncer em estado terminal e não sei mais quanto tempo
me resta nesse mundo.
Eu tive mais uma filha com o homem a qual fui casada por mais de
dez anos. Seu nome é Ana Raquel e ela é uma moça encantadora que tem
hoje vinte anos.
Fiquei viúva quando ela completou dez anos e nunca mais me casei
novamente.
Moramos em Juiz de Fora desde a minha saída da fazenda e é onde
lecionei por todos esses anos numa escola municipal.
Ana Ruth seguiu meus passos e também é professora, Ana Raquel
terminou os estudos e tem viajado pelo Brasil procurando algo que
realmente goste de fazer, antes de voltar para casa e foi essa a nossa vida
durante os anos de forma bem resumida.
Nunca mais soube notícias suas e nem do seu pai, mas espero que
estejam bem e tenham seguidos suas vidas.
Saiba que eu queria que tudo tivesse sido diferente em nossas vidas,
mas acredito que tudo tem um por que e uma hora para cada coisa
acontecer.
Sei que não sairei viva desse hospital, mas quero que saiba que
durante os dias em que estive nesse mundo, em todos eles pensei em você.
Não sei se essa carta chegará em suas mãos, mas se chegar, quero
que saiba que te amei e te amarei por toda a eternidade.
Com amor mamãe.”
Porra!
Solto o ar que nem sabia que estava prendendo e me levanto indo
até a janela.
Olho para fora, para a mesma vista que ela deve ter olhado durante
muito tempo e me sinto impotente.
Se ao menos eu tivesse recebido apenas uma carta dela...
Teria ido ao seu encontro, pois como ela mesma disse que quando
eu crescesse iria entendê-la e hoje depois de passar por tudo o que passei
com Rúbia, entendo perfeitamente o que ela passou com meu pai.
Meus pensamentos voam para Larissa e para o filho que ela está
esperando.
Queria contar para minha mãe que ela seria avó...
As lágrimas agora escorrem de forma desenfreada pelo meu rosto e
eu não consigo as conter.
― Ah, pai... por que impediu que eu mantivesse contato com ela?
― pergunto, pois sei que com a mágoa que ele tinha dela, mandou que as
cartas voltassem ao remetente.
Seco minhas lágrimas e olho ao redor para meu quarto.
Respiro fundo e sorrio.
― Eu tenho mais uma irmã ― digo para mim mesmo.
Me apoio no batente da janela e penso em minha vida.
Quero conhecê-la e também quero continuar tendo contato com
Ana.
As adversidades nos fizeram crescer separados, mas agora que nos
encontramos novamente, quero fazer parte da vida delas.
Sigo até o banheiro onde lavo meu rosto e mãos, depois volto para o
quarto, guardo as cartas dentro da gaveta da mesa de cabeceira e respiro
fundo antes de sair a procura de Ana.
Caminho pelo corredor e quando chego na sala, a vejo sentada lá
fora na varanda olhando para a paisagem a sua frente.
Sigo até ela e me sento ao seu lado olhando o dia quase terminando.
― Já leu as cartas? ― Assinto com a cabeça. ― Tem perguntas?
― Muitas. ― Sou sincero e ela enche os olhos de lágrimas.
― Eu queria tanto ter tido você comigo... ― seu queixo treme ― é
tão cansativo ser a irmã mais velha. Ainda mais se tratando da Raquel.
― Agora você me tem de volta, Ana. ― Suas lágrimas escorrem
por suas bochechas vermelhas. ― Pode voltar a ser quem sempre foi...
deixe que eu tomo conta de vocês duas.
Ela encosta a cabeça em meu ombro e chora baixinho.
― Desde que a mamãe ficou doente, eu assumi os cuidados da casa.
Fui eu quem cuidei de tudo, da nossa mãe acamada, da Raquel
inconsequente e de manter meu emprego, pois eu precisava dele para ter
tudo funcionando. Por muitas vezes eu desabava na cama a noite e só
conseguia chorar sem ter forças para mais nada e desde que a mamãe se foi,
eu tentei ser forte Dandan, eu juro. Mas agora... ― ela não termina a frase e
eu consigo sentir a sua dor em suas palavras.
― Uma vez eu li em algum lugar que ninguém tem que ser forte o
tempo todo, Ana. Chega uma hora que não dá mais para segurar e
precisamos de ajuda. Sinto muito que tenha passado por tudo isso sozinha,
mas agora estou aqui e se quiser, pode dividir o peso comigo. ― Ela
concorda em silêncio e suspira. ― Se quiserem podem vir morar aqui
comigo... ― ela me encara ― quando cheguei aqui meses atrás, a fazenda
estava quase falida. Eu ia vendê-la, estava cheia de dívidas e não sabia
como funcionava nada... então conheci o senhor José, um ser humano de
uma humildade incrível e ele se dispôs a me ajudar sem nem mesmo me
conhecer. Quer dizer, ele me conhecia, mas eu não me lembrava dele.
Trabalhou para nosso avô e nosso pai, então ouvi a sua experiência e ainda
bem que fiz isso já que com a sua ajuda consegui sair do vermelho e agora a
fazenda Castellamare não precisará ser vendida.
― Por muito tempo tive tanta raiva desse sobrenome... ― ela me
confidencia ― me lembro muito pouco de tudo antes de irmos embora e
nossa mãe nunca me contou como era o casamento com o pai, mas eu sei
que eles não eram felizes, pois se fossem ela não teria ido e pior ainda
separado nós dois. Quando fui crescendo, percebia que ela ficava triste em
uma determinada época do ano e só quando ela já estava no hospital, me
confidenciou que as cartas que mandou para você, todas voltaram. Então
me pediu para que eu a ajudasse a escrever a última carta. ― Ela faz uma
pausa e respira fundo antes de continuar. ― Prometi a ela que mandaria a
carta pelo correio, mas no fundo eu sabia que guardaria ela comigo e
quando fosse a hora, viria entregar pessoalmente, pois queria olhar em sua
cara e perguntar o porquê de não ter lido nada do que ela escreveu.
― Eu nunca recebi nenhuma dessas cartas...
― Agora eu sei. ― Mais uma vez seu queixo treme.
― Por causa do casamento deles ser infeliz, nós crescemos
separados, eu tenho uma irmã que nem sabia que existia e sempre achei que
minha mãe foi embora e me esqueceu.
― A mágoa que o pai tinha dela fez ele devolver todas as cartas sem
nem as abrir ― ela fala tristemente.
Concordo com a cabeça e seguro sua mão entre as minhas.
― Quando a mãe resolveu ir embora com outro homem levando
você junto dela, a nossa família acabou, mas agora estamos juntos
novamente e se quiser podemos ficar unidos para sempre.
― Como? ― ela pergunta esperançosa.
― Te convidei para vir morar aqui, você e nossa irmã...
― Não sei se a Raquel vai querer. Ela sempre odiou viver em cidade
pequena, o sonho dela sempre foi viajar, passear, conhecer pessoas novas...
e desde que fez dezoito anos e terminou os estudos, caiu no mundo e só
volta para casa de tempos em tempos. Quando a mamãe adoeceu indo parar
no hospital, eu tentei encontrá-la por dias a fio e quando consegui, a mamãe
já estava nos seus últimos dias de vida. Raquel veio do Sul a contragosto,
mas ainda bem que veio, pois quando chegou já estávamos no funeral. Dias
depois do enterro, ela saiu novamente e desde então não tenho notícias suas.
― Mas se ela vive viajando, o que te impede de vir morar em
Preciosa?
Ana dá de ombros.
― Meu emprego, eu acho?
― Isso é uma pergunta ou uma afirmação? ― Ana apenas me
encara em silêncio. ― Em Preciosa tem uma escola grande agora.
Totalmente diferente da que tinha na época em que estudei aqui. Como a
cidade é pequena, sempre precisam de professores novos. Pode começar
como substituta e se não encontrar um emprego, pode trabalhar aqui
comigo...
― Assim como você, sou filha de fazendeiro dono de plantação de
café, mas não sei nada desse mundo, Dante. ― Ela ri.
― Mas eu também não sabia e olha onde estou? ― Aponto para a
propriedade ao nosso redor. ― Tenho me virado muito bem, com a ajuda de
pessoas certas. ― Vejo a indecisão em seus olhos e insisto mais uma vez.
― Quanto tempo que não tira férias? Pode ficar alguns dias a mais. Garanto
que irá gostar.
Ela ri mostrando a covinha do lado direito e eu sei que ela gostou da
ideia.
― Acho que posso tirar sim mais uns dias de férias.
― É isso aí! ― Comemoro e ela sorri satisfeita.
Em seguida entramos em casa e seguimos direto para a cozinha,
onde conto a ela tudo o que vivi nos meus últimos anos até o dia de hoje. A
minha ida para São Paulo, minha sociedade e o golpe que levei, o
aparecimento de Rúbia aqui e tudo o que ela aprontou e claro que também
lhe falei sobre Larissa.
― Acha que essa Rúbia pode voltar? ― Ana pergunta e eu dou de
ombros sem saber o que responder. ― Bem, espero que não. De qualquer
forma, agora você não está mais sozinho e se ela chegar, eu a boto para fora
daqui. ― Sorrio do seu modo protetor e então ela engole em seco. ― E a
Larissa?
― O que tem ela?
― O que sente de verdade por ela? ― A sua pergunta me faz refletir
por alguns segundos.
― Eu gosto da Lari. Gosto de estar com ela, gosto de provocá-la e
principalmente gosto de como ela é uma mulher forte e decidida.
― Está apaixonado. ― Ana diz sorrindo e eu me pego mais uma
vez pensando em minha leoazinha. ― Quando vai pedi-la em casamento?
Franzo o cenho e abro a boca tentando articular alguma frase, mas
não sai nada.
― Eu não pensei nisso ainda...
― Pois deve pensar. ― Ela se levanta, vem até mim e para a minha
frente. Tira o anel do seu dedo e me entrega.
― O que...
― Esse é o anel que o nosso pai deu a nossa mãe no dia em que
pediu para que ela viesse morar com ele.
― Mas...
― A mamãe guardou por todos esses anos e antes de morrer deu-o a
mim, pois como não tinha contato com você, não sabia se já havia casado
ou não...
― Mas ele é seu, Ana ― digo empurrando o anel para ela que nega
com a cabeça.
― Ele deve ficar com a mulher do primeiro filho que se casar, se eu
já tivesse casado, ficaria comigo, mas como é você quem irá se casar por
primeiro, ele deve ficar com a Larissa. ― Abro a boca para falar, mas ela
me interrompe. ― A mamãe teria feito assim, Dante.
Olho para o anel em minha mão e respiro fundo pensando no que
Larissa dirá quando o receber.
― Obrigado, Ana.
Ela sorri com os olhos marejados e me abraça.
Damos o dia por encerrado já que hoje foi totalmente atípico e
vamos para nossos quartos.
Tomo um banho e me deito na cama. Sorrio satisfeito já que estou
indo dormir bem diferente do que fui da última vez.
Agora me sinto feliz com minha irmã aqui e estou ansioso para que
ela conheça Larissa, pois quando lhe contei sobre ela, Ana também ficou
ansiosa por conhecê-la.
CAPÍTULO 30

Devido a tudo o que aconteceu, eu não consegui dar atenção a


Leônidas e como imagino, ele deve ter percebido já que resolveu dar uma
desculpa qualquer e voltou para casa ontem logo depois do almoço.
Assim que ele se foi, a preocupação tomou conta de mim e eu me vi
andando de um lado para o outro da casa completamente inquieta.
Fiquei tão preocupada com Dante e queria ir até sua casa, mas como
Leo mesmo disse, ele estava bem e precisaria somente de um tempo para
absorver tudo, então a contragosto, fiquei em casa.
Mas hoje já não estava mais aguentando, tentei ligar, mas seu
telefone estava desligado, então simplesmente me levantei bem cedo, tomei
banho e vesti uma camisa branca, saia florida e minhas botas. Deixei meus
cabelos soltos caindo em ondas ao redor dos ombros e escolhi meu chapéu
preto para pôr na cabeça.
Quando termino de descer as escadas, Vera está na sala e levanta as
sobrancelhas sorrindo ao me ver.
― Dia, menina. ― Eu a cumprimento com um beijo na bochecha.
― Bom dia, Vera.
― Acordou mais disposta hoje...
― Sim. ― Sorrio. ― Eu vou tomar café e vou até a fazenda do
Dante ― ela não diz nada, apenas me espera falar. ― Preciso ver como ele
está.
― Coitado do menino ― Vera diz se referindo a Dante enquanto me
acompanha até a cozinha. ― Ainda bem que não cruzei meu caminho com
o daquela cobra. Graças a Deus que ela já foi embora e espero que não volte
nunca mais pra atazanar a vida dele.
― Tomara mesmo, Vera.
Tomo meu café com ela e quando estamos terminando, Josué entra
pela porta dos fundos.
― Vai sair, Lari? ― ele pergunta se sentando à mesa enquanto se
serve de uma xícara de café.
― Sim. Vou até a casa do Dante para ver como ele está. ― Josué
concorda. ― Tentei ligar mais cedo, mas ele não me atendeu.
― Deve estar envergonhado pelo que a maluca da ex-mulher fez.
Onde já se viu, mentir e enganar daquele jeito. ― Ele fica alguns segundos
calado pensando em algo. ― Isso não se faz. Ainda mais com um homem
como ele, que cresceu sem família.
Meu coração se aperta ao pensar no quanto ele deve ter sofrido a
saber que seria pai e da noite para o dia, descobriu que era tudo mentira.
Fruto da cabeça doentia daquela mulher.
― Eu vou até lá ― digo me levantando. ― Volto em algumas horas,
pois preciso me reunir com você e meu advogado para conversarmos a
respeito da assinatura do contrato com o Leônidas.
― O doutor Cícero vem até aqui ou você vai até lá?
― Ele vem até aqui. ― Aviso. ― Já deixei marcada a reunião para
hoje à tarde. Então não devo me demorar.
― Tudo bem ― Josué diz. ― Enquanto isso vou supervisionar a
limpeza dos grãos do café.
― Certo. Até mais ― digo a ele e Vera e deixo a cozinha.
Sigo para fora de casa e caminho direto para o galpão onde
guardamos a caminhonete e os maquinários. Cumprimento alguns
funcionários no trajeto e depois de subir no carro, respiro fundo pedindo a
Deus que Dante esteja bem.
Assim que chego em frente da sua casa, encontro ela com as janelas
abertas e estranho, mas logo me lembro que dona Esmeralda, esposa do
senhor José vem de vez em quando limpar a casa de Dante.
Hoje ela e as amigas da igreja devem estar aqui e sorrio, pois,
admiro muito o cuidado de que todos aqui em Preciosa tem um com o
outro.
Desço da caminhonete e me encaminho para a varanda. Subo os
degraus e bato à porta. Aguardo e quando ouço passos se aproximando,
percebo que não são de Dante, pois o andar é leve.
Quem abre a porta é uma moça jovem e muito bonita.
Sua pele é branquinha e seus olhos são claros. Seus cabelos
castanhos estão soltos e molhados, são longos indo até quase a cintura.
Ela usa um short jeans e camiseta curta que deixa dois dedos da sua
barriga de fora e ela apenas me encara de volta sem dizer nada. Meus olhos
vão dela para casa e vejo que tudo está silencioso sem nenhum sinal de que
alguém está limpando nada.
― O Dante está? ― pergunto e ela aponta com o polegar por cima
do ombro.
― Ele está lá no quarto terminando de tomar banho ― ela diz com a
voz suave. ― Ficamos acordados quase a noite toda... ― Sorri ― Quer
falar com ele? ― Assinto e ela apenas se afasta da porta indo até o meio da
sala de onde grita. ― Dandan, você tem visita.
Dandan?
Pelo visto são íntimos e então eu acho que estou começando a
entender o que está acontecendo aqui.
Antes mesmo de que ele apareça, giro nos calcanhares e saio dali o
mais rápido possível.
Quando chego na caminhonete, já estou muito irritada com ele.
Como pode trazer uma mulher para sua casa depois de ter passado um
inferno nas últimas semanas?
E eu boba preocupada se ele estava bem. Sou muito idiota mesmo!
Ligo o motor e manobro de forma bem rápida e antes de acelerar,
Dante aparece na porta da casa terminando de vestir a camiseta e grita meu
nome.
Não ouso olhar para ele e simplesmente saio a toda velocidade dali.
Como ele pode?
Sei que não tínhamos nada, mas trazer uma mulher para sua casa
para poder ficar com ela e não atender nenhuma ligação minha quando eu
estava preocupada, foi o fim.
― Larissa! ― Ouço-o me chamar e olho pelo retrovisor para ele
correndo atrás da caminhonete. Acelero, mas o trecho é esburacado demais.
Vejo Dante subir na caçamba da caminhonete e bufo irritada.
― Larissa! ― ele grita agora em pé perto da porta traseira da
caminhonete. ― Para esse carro!
― Desce daí! ― grito de volta e o vejo dar um murro no teto.
Grosso.
Continuo a dirigir pela rua empoeirada e ele torna a me chamar.
― Para essa droga, Larissa! ― Finjo não escutar e continuo
dirigindo.
Ele se desequilibra lá em cima e me olha irritado.
Me assusto com medo dele cair e reduzo a velocidade.
― Desculpe ― digo e ele acha graça.
Contenho um sorriso, pois me lembro do motivo de eu estar
cometendo toda essa loucura.
― Eu preciso conversar com você ― ele diz em voz alta e eu aperto
o volante até os nós dos meus dedos ficarem brancos.
― Por que não volta e não conversa com a mulher que deixou na
sua casa? ― grito irritada por estar com ciúmes dele e quando olho pelo
retrovisor, o vejo rindo.
A minha vontade é de parar a caminhonete, o descer de lá arrastado
e dar uns tapas nele por estar zombando de mim.
Apenas continuo a dirigir sem me importar e então agora o maldito
me chama pelo apelido.
― Ela é minha irmã, leoazinha...
Franzo o cenho e desacelero.
― Como assim, sua irmã? ― pergunto quando a caminhonete para.
― Se eu descer daqui, promete que vai me ouvir e não vai me
deixar sozinho aqui no meio do nada? ― Fico em silêncio e então ele dá de
ombros e continua ainda em cima da caçamba. ― A Ana apareceu ontem
na hora do almoço em minha casa. ― Fico em silêncio e ao invés de olhar
pelo retrovisor, me inclino um pouco para fora da janela para poder olhá-lo.
― Eu estou falando a verdade, Lari.
Desligo a caminhonete e ele desce pulando no chão.
Aparece na janela do meu lado e sorri para mim.
― Você está tão linda ― ele diz e eu me desarmo inteira. ― Posso
entrar?
Assinto e o vejo dar a volta na frente do veículo e entrar no lado do
passageiro.
― Sua irmã? ― pergunto e ele assente com a cabeça se recostando
no encosto do banco. ― O que ela veio fazer aqui? Sua mãe também veio?
Ele nega com a cabeça e respira fundo olhando para a estrada vazia
a nossa frente.
― Minha mãe morreu ― ele diz.
― Eu sinto muito. ― Toco seu braço e ele pega a minha mão.
― Ela tinha câncer em estado terminal... morreu no hospital
algumas semanas atrás. ― Apenas fico em silêncio ouvindo-o falar. ―
Durante todos esses anos, ela me escreveu cartas. Meu pai fez todas
voltarem ao remetente e eu nunca soube de nenhuma delas. Nelas ela me
pedia perdão e dizia que mesmo estando separada de mim, ainda pedia a
Deus para que me protegesse. Na última carta que escreveu, disse que foi
professora todo esse tempo e também contou que eu tenho mais uma irmã.
― É sério? ― pergunto e ele sorri assentindo.
― Ana Raquel.
― É um bonito nome ― falo e ele ri.
― O nome da minha irmã, aquela que estava lá em casa, é Ana
Ruth...
― Não sabia ― digo. ― Pensei que era somente Ana.
Ele ri mais ainda.
― Ana Ruth e Ana Raquel. Minha mãe não tinha muita criatividade,
então apenas copiava das novelas. Já o meu nome foi meu pai quem
escolheu, ainda bem, não é? ― ele diz de bom humor e eu sorrio. ― Elas
viviam em Juiz de Fora.
― Tão perto ― digo e ele concorda.
― E ao mesmo tempo tão longe... ― sua voz é triste e eu apenas
fico em silêncio esperando que ele fale, pois não quero interrompê-lo. ―
Pensou que a Ana fosse alguma amante? ― Baixo a cabeça envergonhada
em ter feito um papel ridículo. ― Acha que depois de tudo o que passei
nessas últimas semanas, eu iria me envolver com outra mulher na primeira
oportunidade?
― Me desculpe, Dante...
Ele se remexe no banco e levanta meu rosto com o polegar.
― Você está tão linda... já falei, não? ― Assinto sorrindo. ― E tão
cheirosa. ― Chega mais perto de mim e desliza o dedo indicador por meu
rosto, pescoço, até o primeiro botão fechado da minha camisa. ― Eu só
tenho olhos para você, Lari. Desde que te vi atravessando a rua lá no centro
em nosso primeiro encontro. ― Sorrio. ― E eu estava morrendo de
saudades de você.
― Eu também ― digo sincera.
― Vem aqui. ― Ele diz passando o braço por de trás do meu corpo
e me levanta do lugar.
― O que você está fazendo?! ― Reclamo sendo puxada para ele.
― Te colocando sentada em meu colo.
Puxo minha saia longa acima das coxas e me coloco sentada sobre
ele com uma perna de cada lado das suas. Dante inclina o banco para trás e
agora estamos praticamente deitados sobre o banco do passageiro.
― Dante, e se alguém passar? ― pergunto já prevendo a vergonha
que terei se alguém nos vier aqui.
― Ninguém irá passar a essa hora, leoazinha. E se passarem, não
irão nos interromper.
― Como sabe?
― Um carro parado numa estrada deserta sem indícios nenhum de
estar estragado? Só pode ser uma coisa, não acha?
― Ah, meu Deus! ― digo entre meio o beijo que ele me dá.
Dante beija meus lábios com urgência enquanto segura minha
cabeça. Tiro meu chapéu e o jogo no banco de trás. Desabotoo a minha
camisa e a tiro de dentro da saia. Com ela aberta, Dante desliza as mãos
pelos meus seios cobertos pela renda do meu sutiã e solta um gemido do
fundo da garganta.
― Assim você me deixa louco, leoazinha... ― Dante diz me
beijando com sofreguidão,
Na urgência de tê-lo para mim, afasto um pouco nossos corpos e tiro
a minha camisa ficando somente de sutiã com a saia enrolada na cintura.
Desabotoo seu jeans enquanto ele tira a camiseta que está vestindo e
agora de peito nu, passo a língua sobre meus lábios, enquanto a minha
vontade é de deslizá-la por sua pele e é exatamente isso o que faço.
Beijo seus lábios e seguro seu queixo com minha mão fazendo com
que ele olhe para cima e logo em seguida, passo a língua por seu pescoço
arrancando um gemido de puro desejo dos lábios de Dante.
― Gosto tanto quando você geme... ― digo e ele sorri me beijando
novamente.
Enrola meus cabelos na mão e os puxa fazendo com que eu incline a
cabeça deixando meus seios completamente expostos. Dante tira um deles
para fora da renda e o abocanha com vontade me fazendo arfar em seus
braços.
― Ah, Dante... ― gemo me contorcendo de prazer enquanto ele
suga meu mamilo.
― Eu quero você, leoazinha.
― Eu também te quero! Agora! ― digo e me solto das suas mãos.
Termino de abrir o botão e zíper da sua calça e tiro seu pau duro e
pronto para fora. Deslizo o polegar pela cabecinha espalhando seu pré-gozo
e mordo meu lábio sentindo-o estremecer sob meu toque.
Me coloco de joelhos montada nele, afasto a calcinha para o lado e
num movimento único o guio até a minha entrada e desço de vez soltando
um gemido misturado a um gritinho de susto.
Assim que me acostumo com seu tamanho todo dentro de mim, abro
os olhos e encontro os olhos de Dante inebriados de paixão apenas me
observando fazer tudo sozinha.
― Estava mesmo com saudades de mim ― ele diz sorrindo e eu
rebolo em seu colo.
― Muita. ― Remexo meu quadril e ele morde o lábio.
As mãos de Dante seguram minha bunda de modo firme e ele me
ajuda a me movimentar em cima do seu pau.
Quanto mais movimentos faço, mais meu clitóris esfrega em sua
pele e eu me seguro em seus ombros sentindo o prazer cada vez mais perto.
Subo e desço enquanto cravo minhas unhas em seus ombros e assim
que o prazer me atinge, eu solto um gemido alto.
― Goza para mim, leoazinha... ― Dante diz num rosnado e
continua seus movimentos que se intensificam ainda mais e no segundo
seguinte, ele me puxa para ele e solta um urro do fundo da garganta
gozando logo em seguida.
Minha boca está seca e eu passeio a língua pelos meus lábios
tentando de alguma forma umedecê-los.
― Isso foi tão... intenso ― digo num sussurro respirando fundo
tentando fazer minha respiração voltar ao normal.
Dante me puxa ainda mais para ele e cola nossas testas suadas.
Nossa respiração está ritmada e eu olho fundo em seus olhos.
― Amo você, Larissa ― ele diz passando as mãos pelos meus
cabelos.
― Também amo você, Dante.
Dou um beijo em seus lábios enquanto o enlaço pelo pescoço.
― Você se tornou a pessoa mais importante para mim ― ele diz e
meu coração acelera. ― Quero passar mais tempo com você... o que acha
de sumirmos pelo restante do dia?
― Nós não podemos sumir. Tenho compromissos e...
― Só eu e você...
Mordo meu lábio indecisa e ele me dá vários beijos.
Me afasto alguns centímetros e me levanto. Ele sai de dentro de
mim e enquanto eu ajeito a minha calcinha de novo no lugar, ele ajeita seu
pau dentro da cueca, mas deixa o botão e zíper da calça abertos.
― E para onde iríamos? ― pergunto ainda sentada em seu colo. ―
Quer dizer, para minha casa, não dá. A Vera mora comigo e estaria a cada
minuto no quarto perguntando se queríamos algo e na sua casa, a sua irmã
está lá...
― E aquela pousada? ― Ele sugere e eu me calo.
― É longe demais, Dante...
― Eu dirijo ― ele diz rindo e eu não tenho mais nada o que fazer se
não concordar.
― Eu não era assim antes de você ― digo e ele me beija mais uma
vez. ― Era uma mulher responsável, centrada e completamente destinada a
seguir com todos os planejamentos... aí veio você e me tirou do eixo.
― Está querendo dizer que te levei para o mal caminho, senhorita
Leão? ― Sorrio.
― O problema, senhor Castellamare, é que eu estou gostando desse
mal caminho. ― Rio e ele me abraça forte.
CAPÍTULO 31

Encosto a caminhonete de Larissa em frente a pousada em que


estivemos semanas atrás e quando olho para ela, a vejo sorrir.
― Até que foi rápido ― ela comenta abrindo a porta para descer.
― Eu disse ― falo descendo para a ajudar a caminhar sobre as
pedras.
― Não precisa me ajudar ― fala rindo. ― Hoje estou de botas sem
salto.
― Gosto de ficar perto de você e poder te tocar a todo instante ―
digo e ela sorri achando graça das minhas piadas.
Enquanto andamos até a recepção, toco o anel que era da minha mãe
dentro do bolso da calça que lembrei de pegar antes de sair correndo atrás
dela feito louco, quando percebi que ela entendeu tudo errado quando viu
Ana abrir a porta.
A senhora da recepção nos sorri e se lembra de nós ao fazer nosso
check-in e nos entrega a chave do mesmo quarto que ocupamos aqui da
outra vez.
Como já é quase hora do almoço, me preocupo de Larissa ficar
muito tempo sem comer estando grávida e assim que entramos no quarto,
digo para ela se deitar na cama.
― Eu acho que vou querer sim ― ela diz se sentando na cama.
Me abaixo para ajudá-la a se livrar das botas e ela geme quando
massageio seus pés.
― Se continuar gemendo assim, não vou conseguir fazer nada do
que planejei para o dia de hoje ― digo e ela abre os olhos.
― O que você planejou?
― Pensei em algumas coisas vindo para cá.
― E o que são essas coisas?
― Surpresa.
― Dante! ― ela reclama. ― Não pode me deixar no escuro assim.
― E por que não?
Ela dá de ombros.
― Por que eu estou grávida? ― Caio na gargalhada com sua
resposta que mais parece uma pergunta.
― Não vai usar isso como arma, leoazinha. ― Me levanto e beijo
seus lábios. ― Agora, se quiser pode tomar um banho e descansar. Eu já
volto ― digo e ela semicerra os olhos desconfiada. ― Posso pegar sua
caminhonete emprestada?
― O que está aprontando, Dante Castellamare?
― Já disse que é surpresa. Eu já volto.
Beijo mais uma vez seus lábios e saio do quarto.
Caminho até a recepção onde encontro a senhora assistindo ao
noticiário na TV.
― Oi, onde posso encontrar flores e uma refeição para duas pessoas
aqui por perto?
Ela sorri, se levanta e se apoia no balcão.
― Na cidade vizinha, uns dez quilômetros naquela direção. ―
Aponta com o dedo na direção oposta a que viemos. ― Tem um restaurante
de comida muito boa, um pouco mais a frente tem um mercado, onde
encontrará flores.
― Obrigado. ― Agradeço e ela sorri.
Saio depressa da pousada e subo na caminhonete.
Ando o mais rápido que consigo, claro que dentro das normas de
segurança, pois não quero deixar Lari muito tempo sozinha e rapidamente
chego a tal cidade.
Passo pelo restaurante e um pouco mais a frente encontro o
mercado, desço e encontro as flores que procuro, próximas dos caixas. São
buquês já montados e escolho um de flores do campo com girassóis. Acho
que Larissa irá gostar.
Pago e volto para a caminhonete. Ainda bem que a minha carteira já
estava em meu bolso quando eu saí do quarto vestindo a camiseta quando
Lari chegou. Só uma pena não ter pegado o celular, assim não consigo
avisar Ana que irei demorar, agora ela está lá em casa e deve estar
preocupada.
Se me lembrar, ligo para ela da pousada e aviso que estou bem.
Volto pelo mesmo caminho e estaciono em frente ao restaurante de
comida caseira.
O cheiro gostoso que me atinge assim que entro no estabelecimento
quase lotado, faz a minha barriga roncar de fome e então me lembro de que
não comi nada hoje pela manhã.
Me apresso para fazer o pedido e depois de pedir refeição, peço que
coloquem copos, talheres e pratos descartáveis junto na embalagem.
Aproveito para comprar um pote pequeno de sorvete e em seguida volto
depressa para o carro já pensando em como vou entregar o anel a ela.
Assim que estaciono em frente a pousada, desço carregando tudo e
entrego o pote de sorvete à senhora e peço para que ela guarde para mim
por algum tempo para que não derreta.
Ela prontamente me atende com um sorriso enorme no rosto e elogia
o buquê em minhas mãos.
Caminho até o quarto e assim que abro a porta bem devagar,
encontro Larissa de banho tomado, vestindo o roupão e deitada sobre a
cama, dormindo serenamente.
Sorrio e entro fechando a porta devagar para que ela não acorde.
Deixo os recipientes de comida e o buquê sobre a mesa de cabeceira
do outro lado da cama e corro até o banheiro para tomar um banho rápido.
Assim que saio do chuveiro enrolado na toalha, a encontro do
mesmo jeito e sorrio.
Ela deve estar cansada da nossa atividade de mais cedo e da nossa
viagem até aqui.
Assim que chego perto da cama para acordá-la, alguém bate à porta
e eu me apresso para atender.
Quando abro, vejo a senhora da recepção com uma caixa de plástico
nas mãos onde estão travessas, pratos e copos de vidro.
― Trouxe para que sirva a refeição um pouco mais arrumada.
― Ah, obrigado. ― Agradeço.
― Trouxe também um vaso de vidro para as flores e quando quiser
o sorvete, é só ir até o salão onde tomaram o café naquele dia e pegar na
geladeira atrás do balcão. Deixei lá dois recipientes para servir e colheres.
― A senhora é muito gentil. ― Agradeço e ela sorri.
― Percebi que se gostam assim que coloquei meus olhos em vocês
naquele dia chuvoso e se estão aqui de novo mesmo passando tantos dias, é
porque querem comemorar. E eu agradeço por ter escolhido a minha
pousada.
― Obrigado.
Ela se retira e eu fecho a porta.
Larissa ainda está dormindo e eu não sei se estranho ou se fico
aliviado já que assim posso preparar tudo com calma.
Sirvo tudo nas travessas e pego um pouco de água no vaso onde
coloco as flores.
Ajeito tudo sobre a mesa de cabeceira agora um tanto apertada e
com o barulho das travessas e copos sendo dispostas, Larissa se remexe na
cama.
Assim que abre os olhos e me vê, abre um sorriso e eu congelo, pois
quero guardar na memória essa cena dela deitada sobre os lençóis brancos e
sorrindo para mim com os cabelos espalhados sobre o travesseiro.
― Esteve bem ocupado enquanto eu tirei um cochilo ― ela diz se
sentando.
― Cochilo? ― pergunto sorrindo. ― Você dormiu pra valer,
leoazinha. Estava até preocupado, pois desde que cheguei, tenho feito
barulho e você acordou só agora.
Ela ri.
― Eu não tive uma boa noite de sono ― ela fala se sentando a beira
da cama. ― Estava preocupada com você.
Me inclino sobre ela e beijo seus lábios de forma suave.
Meu peito dói em saber que ela se preocupou comigo.
Pego as flores com o vaso e entrego a ela.
― Obrigada, Dante ― ela diz aspirando o perfume delas. ― São
lindas.
― Comprei nosso almoço. ― Aponto para a mesa de cabeceira
lotada de louças.
― Que lindo. ― Ela se levanta e se senta mais perto da comida
aspirando o aroma que sobe das travessas. ― O cheiro está delicioso,
Dante.
Sorrio ao ver seu apetite crescer pela comida, e me apresso em
servi-la.
Coloco um pouco de salada, arroz e frango com molho em seu prato
e assim que ela o pega nas mãos, coloca uma garfada na boca e fecha os
olhos gemendo ao experimentar a comida.
― Isso está delicioso, Dante.
― Que bom que gostou, leoazinha ― digo me servindo e se
sentando ao seu lado. ― Queria te levar a um restaurante ou um hotel que
estivesse a sua altura, mas infelizmente em Preciosa não temos um lugar
assim.
Ela ri.
― Pois para mim está perfeito assim, Dante. ― Ela me encara séria.
― Não trocaria esse lugar por nenhum hotel cinco estrelas em nenhum
lugar do mundo.
Sorrio ao perceber que ela fala com sinceridade e agradeço aos céus
por ter aparecido em minha vida, uma mulher como ela.
Após terminarmos nosso almoço da forma mais improvisada
possível, junto toda a louça e coloco novamente na caixa transparente que a
senhora nos trouxe. Ando até o banheiro e visto a minha roupa para não
ficar andando de toalha pela pousada e chego próximo dela.
― Você pode esperar só alguns minutinhos? ― pergunto e ela
franze o cenho.
― O que vai fazer?
― Levar isso tudo na cozinha e buscar a sobremesa.
― Sobremesa? ― Seu rosto se ilumina como o de uma criança em
dia de Natal.
― Sorvete.
― Ah, meu Deus, sério? Faz meses que não tomo sorvete...
― Já volto.
Pego a caixa em minhas mãos e saio do quarto. No corredor,
certifico-me de que o anel está em meu bolso e sinto meu coração acelerado
com o que estou prestes a fazer.
Deixo a caixa com a louça usada sobre o balcão da pia, abro a
geladeira e pego o pote de sorvete. Sirvo nas duas taças que a senhora
deixou para mim e pego o anel em minha mão.
Respiro fundo e minha mão imediatamente fica trêmula.
Lavo o anel na torneira da pia, o seco e o coloco delicadamente
sobre o sorvete da taça que darei para Larissa.
É clichê e brega, mas se não fosse não seria eu.
Dou risada enquanto volto para o quarto com as taças nas mãos.
Abro a porta devagar e Larissa está no banheiro.
Ela sai de lá segundos depois e me sorri. Se senta na cama e eu
deixo a minha taça sobre a mesa de cabeceira e entrego a dela.
Quando ela olha, vejo seus olhos se arregalarem e sua boca se abrir
num estado totalmente surpreso.
― Dan... Dante... ― balbucia e eu sorrio ao me ajoelhar diante dela.
― Larissa Leão ― digo e ela sorri com os olhos cheios de lágrimas.
― Aceita se casar comigo? ― As lágrimas escorrem pelo seu rosto e ela
apenas sorri sem dizer nada. ― E então, leoazinha?
― Sim ― ela diz, deixa a taça sobre a cama e me abraça.
Com o seu gesto impulsivo, me desequilibro e acabo caindo sentado
no chão com ela em meu colo.
Seguro sua cintura firmemente e rolo com ela pelo tapete tomando
cuidado para não soltar muito do meu peso em cima dela.
― Amo você, leoazinha ― digo beijando sua boca.
― Também te amo, Dante.
Após nosso beijo, me levanto rapidamente, pego o anel de dentro do
sorvete e o chupo para tirar o doce dele.
Quando coloco em seu dedo, ela sorri deitada no chão olhando para
a sua mão.
A puxo para meus braços e ficamos os dois olhando um para o outro
deitados sobre o tapete.
― Eu fiquei muito feliz com o pedido. ― Ela me confessa. ― Estou
radiante, de verdade.
Franzo o cenho e a encaro.
― Por que tenho a impressão de que está querendo me dizer alguma
coisa?
Ela contém um sorriso.
― Na verdade, estou mesmo querendo te dizer algo.
― Então fale.
Ela puxa o ar e o solta pela boca.
― Será que podemos tomar o sorvete, agora?
Caio na gargalhada e ela esconde o rosto em meu peito
envergonhada com o pedido.
― Seu pedido é uma ordem, leoazinha ― digo me levantando do
chão e a ajudado a ficar em pé, enquanto ainda estamos rindo.
Larissa se senta na cama e começa a tomar seu sorvete com vontade
e eu não consigo fazer nada que não seja ficar olhando sua beleza.
― O que foi? ― ela pergunta rindo.
― Não consigo deixar de olhar para minha futura mulher e mãe do
meu filho.
― Mas também pode ser uma filha... ― ela diz achando graça da
minha cara.
― Já pensou? ― pergunto me sentando ao seu lado com a minha
taça nas mãos. ― Duas leoazinhas mandando em mim?
Ela ri com gosto e esse agora é o momento que irei guardar para
sempre na memória. Nós dois, nesse lugar simples, mas cheio de
significados e o som da sua risada.
Mesmo depois de ter passado por tudo o que passei, sinto como se a
vida estivesse novamente me dando mais uma chance, só que dessa vez
tenho a certeza de que serei feliz de verdade.
CAPÍTULO 32

Voltamos para Preciosa no início da noite, deixo Larissa em casa a


pedido dela e levo a caminhonete dela comigo. Ela me convidou para entrar
e jantar, mas eu declinei pois fiquei fora o dia todo e não avisei Ana que
deve estar preocupada, pois não trouxe o celular comigo.
Assim que estaciono em frente à minha casa, a vejo sair pela porta e
ficar na varanda a minha espera.
― Onde esteve o dia todo, Dante? Saiu correndo feito um maluco
atrás da caminhonete da Larissa e não me deu notícias. Fiquei muito
preocupada e só me tranquilizei quando o capataz dela veio aqui agora a
tarde.
― O Josué esteve aqui?
― Sim. ― Ela revira os olhos.
― E o que ele queria? ― Acho estranho o modo a que ela se referiu
a Josué.
― Veio saber dela, oras. ― Ela levanta as mãos para cima. ― Vocês
dois sumiram, ela não atendia o celular, você não levou o seu... do que está
rindo? ― Ela interrompe a torrente de palavras, pois meu sorriso é o maior
de todos em meu rosto.
― Eu vou me casar.
― A Larissa aceitou? ― Seus olhos se arregalam surpresa e eu
concordo com a cabeça. ― Ah, meu Deus, que felicidade! ― Ana pula em
meus braços sorrindo e nós comemoramos.
Em seguida entramos em casa.
― E as novidades não param por aí ― digo e ela me encara de
cenho franzido depois de fechar a porta. ― Eu vou ser pai.
Ana congela e seu semblante fica sério. Seus olhos se enchem de
lágrimas e um sorriso genuíno brota em seus lábios.
― Está falando sério, Dandan? ― Assinto com a cabeça. ― Essa é
a melhor notícia de todas.
Uma lágrima escorre por sua bochecha e ela vem até mim e me dá
mais um abraço.
― Meus parabéns! A mamãe iria ficar tão feliz ao saber que seria
avó...
― Poucas pessoas sabem ― digo e ela me encara atenta. ― Então
se puder guardar segredo... Preciosa é uma cidade pequena e no minuto
seguinte todos ficariam sabendo.
Ela sorri colocando o dedo na frente dos lábios.
― Eu não vou contar a ninguém. ― Sorri mais uma vez. ― Estou
feliz demais por você, irmão. Ainda bem que fiz um bolo, assim podemos
comemorar.
― Fez um bolo?
― Eu estava ociosa e nervosa sem saber notícias suas... e cozinhar
me acalma.
― Eu fico feliz em ouvir isso ― digo aliviado. ― Sabe passar café?
― O melhor de toda Minas Gerais.
― Ah, que benção. ― Ergo as mãos para o céu. ― Eu não sei
passar café, quer dizer, saber eu sei, só que fica horrível.
― E o que bebe todas as manhãs?
― Leite, suco...
Ana arregala os olhos e cai na gargalhada.
― Como pode um produtor de café não saber preparar a bebida?
― Ironia não é mesmo? ― Dou de ombros enquanto a sigo para a
cozinha.
― Vou preparar um cafezinho para comermos com o bolo que fiz.
Ou você prefere um jantar?
― Café e bolo está ótimo para mim. ― Ela assente sorrindo.
Ana está animada e enquanto prepara o café e a mesa, tagarela sem
parar me contando como era a sua vida em Juiz de Fora.
É bom finalmente ter alguém com quem conversar no dia a dia e
ficarei triste quando ela se for.
― Já pensou se virá morar aqui? ― pergunto quando nos sentamos
para comer.
― Queria muito, mas antes preciso voltar para casa, pois tem o meu
emprego, a Raquel, a casa que o Jurandir comprou que é onde nós moramos
todos esses anos e não sei se a tranco ou a alugo, ou talvez Raquel queira
vendê-la... são muitas coisas para resolver.
― Eu entendo ― digo sincero. ― Bem, a oferta está de pé sem data
de validade. Isso aqui está delicioso, Ana ― digo sincero e ela sorri
satisfeita ao me ver comer com vontade o que ela preparou.
― Faz muito tempo que eu não fazia nada na cozinha ― ela diz
triste. ― Com a mamãe doente, tinha toda uma dieta especial e como a
Raquel não parava em casa nunca, eu acabei deixando de preparar
refeições. Mas uma das coisas que mais amo fazer, além de cuidar das
minhas crianças, é cozinhar.
― Pois agora pode cozinhar à vontade, eu prometo que me
esforçarei ao máximo para provar tudo o que preparar.
Nós rimos e continuamos a comer enquanto fazemos planos para o
futuro.
LARISSA
Assim que entro em casa, meu sorriso murcha ao ver Josué sentado
no sofá me esperando. Vera está em frente ao quadro de Nossa Senhora
pendurado na parede rezando baixinho e os dois se viram para mim.
― Onde você esteve, menina? ― Vera é quem fala.
― Eu... estava com o Dante ― digo engolindo em seco. ― Nós
fomos passar o dia juntos na cidade vizinha...
― Custava avisar, Larissa?! ― Vera está zangada. ― Todo mundo
aqui morrendo de preocupação. O Josué foi lá na casa do homem, voltou
mais bravo do que quando foi... ― encaro Josué e ele desvia o olhar ―
você não pode sumir assim, ainda mais agora grávida! O dia inteiro só me
passou coisa ruim na cabeça.
― Desculpe, Vera ― digo com sinceridade. ― Não quis deixá-la
preocupada.
― Você sempre anda com o celular, por que não ligou avisando?
― Eu errei. Me desculpem. ― Passo a mão na testa e então Vera se
aproxima de mim depressa e pega a minha mão.
― Que diacho de anel é esse? ― Meu sorriso se abre.
― O Dante me pediu em casamento. ― Ela me olha boquiaberta. ―
E eu aceitei.
― Valha, minha Nossa Senhora... ― ela exclama baixinho ― minha
menina vai casar?! ― ela sussurra e me abraça. ― Mas não vai ser agora
não, né?
― Não. Ainda temos que resolver muitos assuntos... por quê?
― A ex-mulher do homem acabou de ir embora, Lari. Vai ficar feio
de vocês se casarem agora. Vai parecer que só estavam esperando a mulher
ir embora.
― Não, Vera... nós vamos esperar. Fique tranquila. ― Contenho um
sorriso.
― Meus parabéns, Lari ― Josué diz se levantando e vindo até mim.
O abraço e meus olhos se enchem de lágrimas. ― Seu pai estaria muito
feliz ao saber dessa notícia.
As lágrimas escorrem pelo meu rosto e Vera as seca.
― Não fique triste, menina. Seu Inácio não iria gostar de ver você
assim.
― Não é tristeza, Vera ― digo. ― É saudade. Vontade de querer ele
aqui...
― Mas passe o tempo que for, ele sempre vai estar aqui. ― Ela toca
meu peito com a mão. ― Seu Inácio está vivo dentro do seu coração e nas
suas lembranças.
Ela me abraça de novo e eu respiro fundo.
Quando nos afastamos, me lembro de Ana, irmã de Dante.
― Ainda tenho mais uma novidade para contar. ― Eles esperam
ansiosos. ― A Ana, irmã do Dante, está na casa dele.
― O Josué esteve lá e quando chegou aqui me contou...
― Falando nisso, por que voltou bravo de lá? ― pergunto a Josué.
― Quando cheguei ela estava conversando com o Ulisses na
varanda.
― E? ― Insisto e ele dá de ombros.
― E que o Ulisses é casado. ― Josué se explica e eu continuo sem
entender. ― Ela é uma moça jovem, bem bonita e não fica bem estar
conversando com o Ulisses sem o Dante estar presente.
― Está sendo preconceituoso, Josué. ― O repreendo. ― Eu não
conheço a Ana, mas pelo pouco que soube dela, é uma menina encantadora
e o Ulisses além de ser casado, ama a mulher dele, isso todo mundo sabe
por que fomos no casamento dele, se lembra? ― Josué dá de ombros
contrariado e eu acho estranha essa agitação dele, pois nunca o vi assim
antes.
― E a mãe do Dante e da Ana? ― Vera pergunta. ― Veio para cá
também?
― Ela faleceu. ― Vera leva as duas mãos ao rosto chocada. ―
Algumas semanas atrás. Tinha câncer em estado terminal e quando faleceu,
Ana veio procurar Dante. Eles têm uma irmã mais nova...
― Filha do velho Castellamare?
― Não, filha do homem com quem a mãe deles se casou.
― Do capataz?! ― Vera arregala os olhos. ― E ela veio também?
― Somente a Ana estava na casa dele ― Josué diz e nós o
encaramos. ― Bem, pelo menos foi ela que me recebeu. ― Ele dá de
ombros. ― O doutor Cícero veio até aqui e eu disse que você não estava,
pois teve um compromisso de última hora fora da cidade. ― Ele muda de
assunto e eu agradeço. ― Ele leu o contrato que o Leônidas te mandou e
disse que está tudo certo.
― Perfeito. ― Sorrio. ― Então vou assinar o contrato e ligar para o
Leônidas.
― Mas vai fazer isso depois do jantar. ― Vera me repreende
enquanto me puxa para a cozinha. ― Você almoçou hoje ou só comeu
besteira?
― Dante comprou almoço para nós. E foi ele quem dirigiu na ida e
na volta. Então fique despreocupada, pois ele cuidou bem de mim.
― Gosto um pouco mais dele agora.
Ela ri e entramos na cozinha.
Após o jantar, me reúno com Leônidas em meu escritório numa
videochamada e assino o contrato de forma online.
O convido para um jantar de comemoração em minha casa no final
dessa semana e ele aceita. Encerramos a nossa conversa e então me lembro
de que preciso ir até o hospital para a consulta, onde poderei saber mais
sobre meu bebê.
Amanhã bem cedo ligo para o Dante e pergunto se ele quer me
acompanhar.
Enquanto subo as escadas penso no rumo em que minha vida está
tomando e sorrio. A minha fazenda está sendo reconhecida cada vez mais,
estou esperando um filho e vou me casar. São tantas coisas acontecendo ao
mesmo tempo que sinto um frio na barriga, mas no fundo sei que são
somente coisas boas. Então apenas vou viver e sentir tudo com calma, sem
ansiedade.

Dante disse que estaria aqui às 8h da manhã e estou terminando de


tomar café quando ele chega.
― Pode ficar aqui que eu vou lá receber ele. ― Vera pula da cadeira
antes mesmo de que eu me mexa e eu apenas dou de ombros sorrindo, pois
sei que ela quer ter pelo menos algum tempo a sós com ele.
Alguns minutos depois, os dois aparecem na cozinha e vejo Dante
sorrir ao vir até mim e me beijar nos lábios desejando um bom-dia.
― Já tomou café? ― pergunto e ele concorda.
― A Ana é uma cozinheira de mão cheia e desde que chegou
assumiu a cozinha lá de casa. Ontem fez bolo e hoje se levantou ainda de
madrugada para fazer mais um bolo e pão de queijo.
― Ah, então é uma menina prendada ― Vera diz sorrindo e Dante
concorda orgulhoso da irmã.
― Ela é sim.
― Traga ela aqui pra passar o dia comigo, faço muito gosto de
trocar receitas com ela ― Vera comenta com os olhos brilhando.
― Trago sim. Ela vai gostar de conversar com a senhora ― Dante
diz e se vira para mim. ― Podemos ir, Lari?
― Claro ― digo, pois já terminei de tomar café.
Me levanto, nos despedimos de Vera e saímos de casa na direção da
cidade para a minha primeira consulta, depois que descobri a gravidez.

DANTE
Contorno a praça do centro de Preciosa com a caminhonete e entro
na rua de trás da igreja, assim que paro no estacionamento da clínica, me
viro para Larissa.
― Quer entrar sozinha? ― Ela franze o cenho sem entender. ―
Talvez não queira ser vista junto comigo...
― De forma alguma, Dante. ― Ela solta o cinto de segurança e se
inclina na minha direção. ― Sei que a Rúbia foi embora recentemente e
você ainda deve estar pensando que as pessoas irão comentar, mas os
cidadãos de Preciosa não são assim. Quer dizer, a fofoca corre rápido, mas
ninguém vai ser grosseiro com você. Tenho certeza.
― Eles podem comentar que a Rúbia mentiu estar grávida de mim,
ao mesmo tempo em que você também está... não quero que falem de você,
leoazinha.
― Eu não me importo, Dante...
― Mas eu me importo. ― Ela engole em seco. ― Façamos o
seguinte, você entra e em seguida eu entro. Ao menos por enquanto. ― Ela
umedece os lábios e em seguida leva o polegar à boca e o morde. ― Vamos
esperar por alguns dias... depois contamos para todos.
Larissa concorda a contragosto.
― Se eu quisesse esconder a minha gravidez e o pai do meu filho,
nunca teria te contado. Simplesmente me afastaria de Preciosa até que o
bebê nascesse e depois voltaria e inventaria uma desculpa qualquer... diria
que o adotei e pronto. O problema, Dante Castellamare, é que eu lhe contei
e ainda por cima quis que você participasse da minha primeira consulta
porque além de você ser o pai, ainda me pediu em casamento no dia de
ontem, então desculpe se eu entendi tudo errado e não queira ser visto
comigo para não parecer para a cidade toda que engravidou duas mulheres
ao mesmo tempo sendo que uma delas nem estava grávida de verdade e
mentiu para você e a cidade inteira ficou sabendo! Na realidade você talvez
nem esteja se importando com o fato de todos falarem de mim, mas sim de
você. ― Ela solta a bomba e desce da caminhonete.
Sem me esperar, ela segue andando pelo estacionamento e eu a vejo
entrar na clínica.
Respiro fundo e solto o ar pela boca.
Eu mereci ouvir tudo isso. Não queria que ela ficasse mal falada,
mas nem sequer perguntei o que ela achava de tudo isso.
Devia ter perguntado a ela como queria que agíssemos daqui para
frente.
Saio da caminhonete e ando devagar até a clínica, quando entro a
vejo entrando numa sala acompanhada de uma médica. Sigo até lá e antes
que a médica feche a porta, eu coloco a mão a impedindo.
― Pois não, senhor? ― A médica pergunta.
― Eu estou com ela ― digo e tanto Larissa quanto a médica me
olham surpresas.
― Mas senhor, essa é uma consulta de... ― a médica começa e eu a
impeço de continuar.
― Eu sou o pai do bebê que a Larissa está esperando ― digo em
voz alta e vejo um pequeno sorriso se abrir nos lábios da minha leoazinha.
A médica me deixa entrar e pede para que nós nos sentemos nas
cadeiras a sua frente.
Ela começa fazendo perguntas de rotina para Larissa e quando a
vejo ficar nervosa, pego sua mão e a seguro entre as minhas transmitindo-
lhe segurança.
Agi errado querendo esconder de todos que ela estava grávida até o
assunto Rúbia ser esquecido, mas não posso negligenciar a sua gravidez e é
como ela mesma disse, agora vamos nos casar e acho melhor todos já irem
se acostumando.
Quando Larissa se deita na maca e a médica começa a se preparar
para o ultrassom, eu sinto meu corpo todo gelar.
Engulo em seco e meus olhos focam a tela ao lado da maca. Meus
ouvidos zunem e depois só há o silêncio... vejo elas conversarem, mas não
consigo ouvir nada, apenas as suas bocas mexendo... então eu escuto as
batidas apressadas do coração do meu filho e o mundo parece parar de girar.
Larissa olha para mim com os olhos marejados e eu continuo parado
em pé alguns passos mais atrás, como se tivesse me transformado numa
estátua.
― Está tudo bem com o senhor? ― Ouço a voz da médica ao longe
e só então é que saio do meu transe.
― Sim ― balbucio e sorrio para minha leoazinha.
Me aproximo e puxo uma cadeira me sentando ao seu lado.
Seguro a mão da Lari e vejo as lágrimas dela escorrerem por seu
rosto delicado.
Acredito que serei outro homem de hoje em diante.
Procurarei ser o melhor em tudo, para que diferente de mim, meu
filho se sinta orgulhoso de carregar o sobrenome Castellamare.
CAPÍTULO 33

DIAS DEPOIS
A semana passou voando e no mesmo dia em que eu e Larissa
fomos até a clínica, Leônidas mandou a sua equipe de agrônomos para
fazerem uma análise do solo e do clima.
Eles levaram amostras até o laboratório para analisar e Leônidas
entrou em contato comigo no dia seguinte dizendo que até o final dessa
semana, ele teria resultados precisos, mas até agora nada de notícias dele.
Fiquei a semana toda focado na construção do alojamento dos
funcionários e também em melhorias por toda a fazenda e nesse meio-
tempo, procurei dar o máximo de atenção a minha irmã, pois ela voltará
para sua casa na semana que vem.
Seu José e dona Esmeralda vieram até a fazenda e minha irmã
gostou muito do casal. Dona Esmeralda até voltou mais vezes durante a
semana para fazer visitas a Ana e a levou até sua casa e também a escola já
que soube que ela é professora.
As duas se deram muito bem e, Ana é tratada como filha por eles
assim como eu fui quando os conheci.
Tenho um orgulho imenso em ter feito amigos tão bons em Preciosa
e então me lembro dos colegas que tinha em São Paulo, que nunca mais
entraram em contato para saber como eu estava.
Falei com Larissa todos os dias dessa semana, mas devido aos
nossos compromissos, não consegui vê-la.
Ela dará um jantar em sua casa hoje para comemorar a parceria com
Leônidas, eu e Ana fomos convidados e minha irmã não fala em outra coisa
a não ser nesse jantar.
No final da tarde vejo o jatinho de Leônidas chegar na fazenda
Florescer, então sigo para casa para tomar banho e trocar de roupa e
encontro Ana já pronta.
Ela usa seus tradicionais jeans, mas dessa vez está com uma
sandália de salto, uma camisa azul com bordados de flores e borboletas nos
ombros e seus cabelos estão presos com uma presilha que brilha conforme
ela mexe a cabeça.
― Estou apresentável para conhecer a família da sua noiva? ― Fico
em silêncio apenas observando o fato de que ela se arrumou especialmente
para conhecer Lari e as pessoas que importam para ela. Ana passa as mãos
pela roupa num gesto nervoso. ― Se eu soubesse teria trazido um vestido
ou algo mais apropriado...
― Você está linda, Ana. ― Ela sorri e eu respiro fundo. Queria
muito estar junto dela em cada passo importante que ela deu em sua vida.
― Larissa e os outros irão gostar de você.
― Tomara. ― Ela sorri nervosamente.
― Só vou tomar um banho e trocar de roupa. Já volto para irmos.
Ela concorda e se senta no sofá para me esperar.
Corro até meu quarto onde me apresso para tomar um banho e
enquanto me visto, meu telefone toca com o código de área de São Paulo.
― Ah, meu Deus... ― pego o aparelho nas mãos e me sento na
cama, pois a única pessoa que me lembro é Rúbia. ― Alô?
― Dante? ― Uma voz masculina soa do outro lado.
― Sim.
― Oi, Dante, aqui é Hélio Novaes, pai da Rúbia.
― Oi, seu Hélio, tudo bem?
― Sim... na medida do possível. ― Meu corpo todo gela de receio
sem saber o que ele quer. ― Estou te ligando para conversar com você por
alguns minutos... está podendo falar?
― Claro. ― Acabo dizendo. Não posso simplesmente falar a ele
que estou indo para um jantar, pois estou curioso com a sua ligação.
― Dante, eu e minha esposa ficamos sabendo o que Rúbia aprontou
quando foi te visitar em Minas Gerais e tudo o que ela fez durante todos
esses anos que ficou casada com você. ― Engulo em seco e fico em
silêncio esperando que ele continue. ― Eu sinto muito, Dante. Por tudo o
que minha filha fez você passar...
― Está tudo bem, seu Hélio. Tudo ficou no passado.
― Você é um bom homem, Dante. Uma pena a minha filha ter feito
o que fez com você...
― Fique tranquilo, senhor ― digo sincero. ― Como disse
anteriormente, já é passado.
― Eu sei, mas de alguma forma sinto pelo que passou... a Rúbia foi
com a mãe para a Europa para passar uma temporada por lá. Quem sabe
assim, ela areje a cabeça e pense no mal que causou.
Como é? A Rúbia faz o inferno em minha vida e me faz passar uma
vergonha sem tamanho na frente da cidade inteira e como punição, vai para
a Europa para “arejar a cabeça”?
Respiro fundo e solto o ar irritado.
― Sei que ela fez você deixar tudo o que compraram no tempo de
casados para ela, Dante, mas como sou justo, vendi o apartamento e os
carros e a sua parte coloquei em sua conta hoje de manhã.
― Mas seu Hélio...
― Não se preocupe, filho. Já tomei conta de tudo, inclusive da
Rúbia e prometo a você que ela não vai te incomodar nunca mais.
― Não precisava ter vendido tudo o que deixei para ela...
― É injusto e mesquinho da parte dela ficar com tudo depois de ter
feito um inferno na sua vida. Mas agora ela vai aprender e irá crescer na
marra. Nós nos vimos poucas vezes em todos esses anos e agora entendo
que foi Rúbia quem cuidou para que nós não nos encontrássemos e eu
acabasse descobrindo o que ela vinha fazendo com você, mas quero que
saiba que o considerei e ainda o considero como filho e espero que você
seja feliz em sua vida.
― Obrigado, seu Hélio. ― Consigo articular as palavras depois de
tentar assimilar o que acabei de ouvir.
― Agora tem meu número, Dante e se precisar de algo, pode contar
comigo. Muito obrigado por ter cuidado da Rúbia, mesmo ela não
merecendo e... espero que realize seus sonhos, rapaz. Tenha um bom final
de semana.
― Para o senhor também. ― Ele encerra a ligação e eu encaro o
vazio.
― Mas que diabos acabou de acontecer?
Me levanto e antes de sair do quarto verifico o aplicativo do banco e
vejo a transferência de quase oitocentos mil reais feita por Hélio Novaes e
acabo me sentando na cama novamente sem acreditar.
Rúbia foi infantil e completamente manipuladora desde sempre
comigo, e como não queria e ainda não quero problemas para mim, acabei
deixando tudo com ela, mesmo sem ter a necessidade já que ela vem de
família rica.
E agora fico sabendo que o pai dela descobriu tudo o que ela
aprontou e se desfez de tudo o que deixei para ela e me deu a metade!
Balanço a cabeça sem acreditar.
Ela deve ter ficado muito brava com o que o pai fez.
Ou talvez não, já que está na Europa para colocar a cabeça no lugar.
Acabo rindo da situação inacreditável que acabou de acontecer e me
dou conta de que Rúbia nunca vai mudar, já que os pais sempre acobertam
tudo o que ela faz.
Descobriram que ela mentiu para mim por anos e veio para Minas
Gerais para mentir mais ainda e o que eles fazem? Dão a ela uma viagem
para a Europa como “castigo”.
É inacreditável!
Termino de me arrumar, saio do quarto e encontro com Ana na sala.
― Vamos?
― Sim. ― Ela me encara de cenho franzido. ― Aconteceu alguma
coisa?
― No caminho eu te conto.
Saímos de casa e nos encaminhamos para o galpão onde guardo a
caminhonete e depois que subimos no veículo, começo a contar sobre a
ligação que recebi de Hélio, enquanto seguimos para casa da Larissa.
Assim que estaciono em frente à casa de Larissa, Ana me olha
chocada.
― É bem o que dizem, que há certas coisas que você não perde e,
sim, se livra. ― Sorrio. ― Agora, vamos esquecer tudo isso, está bem?
― Eu já esqueci ― digo e ela sorri ao descer pela porta do
passageiro.
― Esta fazenda é maravilhosa, Dandan. Me lembre de dar os
parabéns para quem cuida de tudo ― Ana diz entusiasmada enquanto olha
para atentamente para todos os lados.
― Eu fico muito agradecida que você tenha gostado. ― Ouvimos
uma voz vinda da casa e nos viramos para ver Vera parada na porta.
Me apresso para apresentá-las.
― Ana, essa é a Vera, a mulher mais importante da vida da Larissa.
Vera, essa é a Ana, minha irmã.
― Você é a carinha da sua mãe. ― Vera diz abraçando-a. ― Tão
linda quanto a dona Graça era. Sinto muito pela sua perda, saiba que ela era
uma mulher muito boa e nós nunca esquecemos dela aqui em Preciosa.
― Obrigada, dona Vera ― Ana diz com os olhos cheios de
lágrimas.
― Pode me chamar de Vera, menina. ― Ri enquanto passa a mão
enrugada pelo rosto de Ana. ― Esse menino aqui disse que você é muito
boa na cozinha.
― Ah, disse? ― Ana pergunta envergonhada.
― Disse sim. Tenho um monte de receitas pra te passar.
― Eu vou adorar, Vera.
― Venham, entrem. Tá todo mundo aqui na sala esperando vocês.
Assim que entramos na casa, vejo Larissa que se levanta do sofá
para nos receber.
Ao lado dela estavam dona Esmeralda e seu José e no outro sofá,
Leônidas e Josué que se levantam para nos recepcionar.
― Ana, essa é a Larissa. Lari, Ana, minha irmã.
― Que prazer poder finalmente te conhecer direito ― Lari diz
abraçando Ana. ― Me desculpe pelo que fiz na sua frente na segunda-feira.
― Lari diz baixinho só para Ana ouvir.
― Está tudo bem. ― Ana sorri. ― Olhando agora, qualquer pessoa
pensaria o que você pensou. Eu é que tenho que te pedir desculpa por não
ter esclarecido tudo na hora.
― Mas no fim tudo terminou bem, não foi? ― pergunto e elas riem.
Apresento Ana a Leônidas já que os outros ela já conhece, então só
os cumprimenta e eu faço o mesmo.
Quando Ana cumprimenta Josué, percebo que ela fica vermelha e
baixa o olhar. Acho estranho, pois é a primeira vez que a vejo retraída perto
de alguém desde que chegou aqui.
Lari diz que o jantar está pronto para ser servido e nos encaminha
para a sala de jantar onde uma mesa grande está preparada para todos nós.
Vejo Ana pedir para trocar de lugar com seu José pois segundo ela
quer ficar ao lado de dona Esmeralda para conversarem. Meus olhos vão
direto para Josué que já estava sentado em seu lugar e ele olha para Ana de
um jeito diferente.
Mas o que está acontecendo? Tenho que me lembrar de conversar
com ela e perguntar o que acha de Josué. Talvez ela não tenha gostado do
jeito dele por ele ser direto com palavras e soe meio amedrontador. Não
quero que minha irmã fique desconfortável na sua presença e preciso
entender o que está deixando-a assim.
Assim que nos acomodamos, Lari que ainda está em pé, chama a
nossa atenção e olha para mim antes de continuar.
― Bem, eu quero agradecer a presença de todos vocês aqui essa
noite e antes que comecemos a comer, quero falar o porquê desse jantar. ―
Ela faz uma pausa. ― Eu e Leo finalmente assinamos o contrato e agora o
café da fazenda Florescer estará presente nos chocolates de Leônidas
Guimarães. ― Todos damos os parabéns e assim que o burburinho cessa,
Lari continua. ― Mas as novidades não param por aí. ― Ela está nervosa,
pois começa a esfregar as mãos uma na outra. ― Bem, como a maioria de
vocês já sabem, eu e Dante estamos juntos e no começo dessa semana ele
me pediu em casamento e eu aceitei. ― Ela sorri mostrando o anel
enquanto todos dão os parabéns, só que dessa vez para nós dois e quando
percebem que ela ainda tem mais a falar, todos ficam em silêncio
esperando. ― E agora a última novidade da noite, ao menos da minha parte
já que o Leo também tem algo a dizer... ― Ela respira fundo e sorri ― eu e
Dante estamos esperando um bebê.
Agora sim há uma confusão de vozes, risadas e choro por parte das
mulheres.
Todos nos levantamos dos nossos lugares e recebemos os parabéns,
votos de felicidade e saúde para nosso filho.
Vera nos traz uma jarra com água e uma garrafa de espumante, que
Leônidas trouxe de um dos seus clientes do Sul e quando estamos todos
servidos, Leônidas olha para mim.
― Antes que todos brindemos, tenho um comunicado para fazer. ―
Ele diz. ― Eu e Dante conversamos dias atrás e eu lhe confidenciei que
estava interessado em abrir uma filial aqui no estado. Ele então me sugeriu
que eu também plantasse o cacau aqui, para a matéria-prima ficar mais
próxima da fábrica. Conversamos por mais algum tempo e como ele
ofereceu uma parte da sua fazenda para o plantio das árvores, mandei a
minha equipe aqui para fazer uma análise do solo da sua fazenda, e hoje
vim a pedido da Larissa para esse jantar de comemoração e também para
dizer que sim, o solo da fazenda Castellamare e o clima de Preciosa são
ideais para o plantio do cacau.
Nem acredito nas palavras que saem da boca de Leônidas e só me
dou conta de que tudo é real quando Lari e Ana me abraçam enquanto me
parabenizam.
Ainda estou anestesiado quando Leônidas vem até mim e me
estende a mão. Em seguida seu José vem me cumprimentar com um abraço
forte. Ele que é meu principal incentivador, desde que botei meus pés em
Preciosa.
Depois de fazermos o brinde nos sentamos para jantar e enquanto
conversamos animados durante a refeição me dou conta de que quando
cheguei aqui, era somente eu e a fazenda quase falida e por muitas vezes
tive medo achando que morreria igual meu pai, sozinho sem ter uma pessoa
que me ame de verdade para chorar sobre meu caixão quando partisse desse
mundo.
E hoje aqui sentado à mesa com meus amigos, minha irmã e a
mulher que amo que está à espera de um filho meu, tenho a certeza de que
não poderia estar mais errado em pensamentos, pois finalmente sei que não
terminarei meus dias sozinho.

FIM
EPÍLOGO

MESES DEPOIS
Ando de um lado para outro dentro do meu quarto visivelmente
nervoso e então a porta se abre e Leônidas passa por ela.
― O que está acontecendo? ― ele pergunta assim que me vê.
― Eu estou nervoso.
― E por quê?
― Sei lá, estou com medo de que a Larissa não apareça. ― Ele ri.
― E por que não apareceria? ― Ele cruza os braços. ― Vocês estão
morando juntos na casa dela desde antes do filho de vocês nascer.
― Mas é diferente. ― Caminho até a janela e olho para a plantação
de café e os pés de cacau um pouco mais adiante. ― Eu reformei a casa e
toda a fazenda que era do meu pai, agora ela está exatamente como eu me
lembro dela. Bonita, produzindo e com funcionários satisfeitos, mas eu
ainda sinto que está faltando algo...
― Talvez seja o casamento entre vocês dois? ― Ele dá de ombros.
― É, mas seria muito egoísta da minha parte pedir ainda mais
depois de ter recebido tanto da vida?
― E o que seria esse “mais”?
― Queria que as minhas irmãs viessem para Preciosa em definitivo.
Poderiam morar aqui já que agora moro com a Lari na Florescer e essa casa
acabou ficando para visitas, clientes e pessoas que vêm até Preciosa para
fechar negócios conosco e precisam ficar por mais de um dia por aqui. A
fazenda Castellamare também é delas de alguma forma já que são minhas
irmãs e tem direito. ― Solto o ar. ― A Ana gosta daqui, quando vem passar
uns dias conosco, sinto que ela não quer mais voltar, mas acredito que ela
só não tenha vindo por causa da Raquel...
― Mas a Raquel não está morando com o namorado no Sul?
― Sim, mas ela meio que controla a Ana, talvez por ser a mais
nova... eu a conheci e a vi uma vez apenas quando fui a Juiz de Fora, assim
que soube por Ana que ela estava lá... percebi que a Raquel tem um
temperamento que é totalmente difícil de lidar.
― Mas se ela quase nem vai para a casa de Juiz de Fora, por que
Ana não vem para cá morar com vocês? Assim ela não fica sozinha lá e
você pode ter sua irmã por perto.
― Não foi por falta de convite, Leo. ― Apoio a mão no batente da
janela. ― Ana estava indecisa sobre vir ou não e de tanto eu quanto Larissa
insistirmos muito na mudança dela para cá, ela nos deu a desculpa do
contrato com a escola que ela leciona...
― E quando acaba esse contrato?
― No final do ano.
― Bem, ainda tem algumas semanas, não? ― Dou de ombros e
respiro fundo. ― Quem sabe ela não se mude de vez para cá, quando esse
contrato acabar.
― Seria uma maravilha.
Volto a andar pelo quarto e Leo ri.
― Vai abrir um buraco no chão que acabou de passar por uma
restauração?
― Pode ir até lá fora e conferir se a Larissa e o José Rafael já
chegaram?
Leo respira fundo e assente saindo do quarto e me deixando sozinho
com meus pensamentos. Somente Ana e Vera para terem tido a ideia maluca
de fazer Larissa se arrumar na casa dela.
Ele volta minutos depois e abre a porta sorrindo.
― Já chegaram. Então já pode ir.
Ele diz e eu me olho no espelho uma última vez. Ajeito a gravata e
saio do quarto o seguindo até a parte de trás da casa, onde arrumamos um
espaço grande para o nosso casamento.
Ao ir até lá, passo por diversos convidados e os cumprimento.
Todos nossos amigos estão presentes e também os funcionários das
duas fazendas e bem, na verdade, Preciosa inteira está aqui já que tanto eu
quanto Larissa conhecemos a todos.
Me posiciono no altar ao lado do padre e devagar todos vão se
acomodando nas cadeiras decoradas com flores e assim que está tudo
pronto, ouvimos uma música suave começar a tocar e então vejo Ana
carregando José Rafael nos braços entrar pelo corredor.
Sorrio ao ver meu filho nos braços da minha irmã e ele abre um
pequeno sorriso banguela ao me ver. Fico surpreso ao me dar conta de que
eles entraram carregando as alianças. Ana se posiciona ao lado de Vera que
está ao lado de Ferreira e de seu José com dona Esmeralda e, por um
segundo lembro dos meus pais e queria muito tê-los aqui comigo nesse
momento especial.
Não é a primeira vez que me caso, mas desta vez é completamente
diferente do que assinar os papéis num cartório frio somente com as
testemunhas presentes e depois voltar para casa.
Hoje é um dia que ficará marcado para sempre em minha memória.
A música muda e então todos se viram para trás. Minha respiração
acelera e eu a vejo.
Larissa está sorridente e linda demais. Caminha ao lado de Josué na
minha direção e ela parece flutuar.
Seu vestido é rendado e justo ao seu corpo que ficou ainda mais
lindo depois da gravidez. Seus cabelos estão cacheados e penteados para o
lado e deles saem pequenas flores brancas que a deixam ainda mais
deslumbrante.
Nas suas mãos está um buquê com lírios brancos e juro que se
pudesse eternizar uma memória, essa seria perfeita.
Quando eles chegam até mim, cumprimento Josué com um aperto
de mão firme e beijo a testa da minha leoazinha.
Nos viramos para o padre e ele então começa a cerimônia.

José Rafael estava inquieto durante a festa, pois não está


acostumado a tanto barulho e ficar acordado até tarde que o levei para
dentro para fazê-lo dormir, e nesse momento estou em seu quarto com ele
no colo enquanto Larissa troca o vestido da cerimônia por outro mais
confortável.
Meu pequeno já está com os olhos fechados ressonando, mas eu
ainda quero ficar embalando-o por mais alguns minutos, pois essa passou a
ser a minha hora preferida do dia.
Todos os dias quando acordo, ele ainda está dormindo e quando
volto a tarde já está na hora de colocá-lo na cama, então criei uma rotina e
passei a ser eu a fazer isso.
Me lembro do quanto fiquei nervoso andando de um lado para outro
no corredor do hospital, quando Larissa entrou em trabalho de parto. As
contrações iam e viam e a cada semblante contorcido de dor da minha
leoazinha era como se meu coração se rasgasse ao meio.
Foram horas incansáveis de trabalho de parto e Larissa já estava
exausta, mas quando ouvimos o choro do nosso filho, foi como se todas as
dores tivessem sumido num passe de mágica.
Larissa e eu choramos emocionados com a chegada dele e eu passei
a admirá-la e a amá-la ainda mais depois daquele dia.
Passo a mão por sua cabecinha pequenininha e dou um beijo de boa
noite em sua testa para só em seguida colocá-lo no berço.
Quando me viro para sair do quarto, vejo Lari parada na porta
olhando para o que eu estava fazendo.
― Você é um pai tão babão, Dante. ― Ela comenta baixinho e eu
rio. ― Nosso bebê tem uma sorte imensa em ter nascido no nosso lar.
Seremos os melhores pais que uma criança pode ter.
― Assim eu espero, leoazinha. Quero que ele sinta orgulho de ser
nosso filho.
― Ah, isso ele vai. ― Ela sorri. ― Vai crescer rodeado de amor e
bons exemplos. Sem falar que vai ser muito mimado. ― Rimos. ― Onde
ele chega é paparicado por todos... quer ver quando o levo até a cidade, a
festa que o pessoal faz.
― Eu fico feliz que a cidade toda gosta dele. ― Olho mais uma vez
para ele dormindo no berço. ― Uma criança deve crescer num lar assim.
Com pais que se amem e rodeado de pessoas boas. Comigo foi assim, pelo
menos até meus quinze anos. Depois tudo aquilo aconteceu...
― Mas você voltou, Dante. ― Ela me corta. ― E fez tudo diferente.
Agora está espalhando coisas boas pelo mundo. A história não vai se
repetir.
― No que depender de mim, não irá mesmo se repetir ― digo e ela
sorri.
― Vamos voltar para a festa. ― Me estende a mão. ― A Vera foi se
trocar e já vem para ficar com ele.
A beijo apaixonadamente nos lábios e então saímos do quarto do
nosso anjinho para voltarmos para a festa.
CENA BÔNUS
Assim que volto para a festa, vejo Ana passar na direção dos
banheiros que foram instalados ao lado do galpão dos maquinários e
segundos depois Josué passa apressado indo para o mesmo lugar.
Acho estranho e resolvo os seguir.
Quando estou me aproximando, a ouço dizer.
― Vai ficar me seguindo agora?
― Não estou te seguindo ― Josué fala e eu me escondo atrás da
parede para que não me vejam. Ana ri sem humor e parece estar irritada. ―
Só vim para te falar que está sendo simpática demais com os peões.
― Como é? ― Ana pergunta e eu franzo o cenho.
― Eles podem entender errado a sua simpatia.
Ouço passos atrás de mim e vejo Larissa se aproximando. A puxo
para mim e faço sinal para que ela fique em silêncio.
― O que está fazendo aqui? ― ela sussurra e depois que vê Josué e
Ana um pouco mais adiante, me olha com olhar reprobatório. ― Está
espionando as pessoas, Dante?
― Agora que não tem mais a Larissa para cuidar, já que meu irmão
assumiu essa posição, quer transferir sua proteção para mim? ― Ana fala
contrariada. ― Já sou bem grandinha e sei me cuidar sozinha!
― Deixa de ser mimada, Ruth. Só quero te proteger...
Ana ri com gosto.
― Proteger do que, homem?! Estamos em Preciosa, nada acontece
aqui, nem criminalidade tem, já que todo mundo conhece todo mundo.
― Deixa de ser teimosa, Ruth!
― Já disse para parar de me chamar assim! ― Ana empurra o peito
de Josué e se desequilibra. Josué a segura pela cintura e quando Ana agarra
sua roupa, os dois acabam se beijando.
Me movo para acabar com essa palhaçada, mas Larissa me segura.
― Nem pense nisso! ― ela diz e me arrasta de volta para a festa. ―
Deixe os dois lá! Você não vai se meter na vida da sua irmã. Josué é um
homem bom e muito respeitador.
― Respeitador? ― pergunto chocado. ― Eu bem vi o respeito que
ele teve enfiando a língua na boca da minha irmã.
― Dante, pelo amor de Deus! ― Larissa ri e me puxa para que
dancemos ao som da música que está tocando junto de outros casais na pista
de dança.
― Você sabia disso? ― pergunto.
― Desconfiava.
― Desde quando?
― Desde a primeira vez que vi ele falar dela. Josué sempre foi
fechado, mas ao falar da Ana, vi um jeito diferente na sua expressão...
― E por que não me contou nada?
― Porque não é da nossa conta, meu amor. ― Me beija e eu a
enlaço pela cintura. ― Deixa eles. São adultos e vão se entender.
― Tenho medo de que ela se machuque.
― Não vai. ― Ela me garante. ― Conheço Josué desde que nasci e
nunca o vi ser rude com nenhuma mulher, claro que já ouvi os rapazes
falando sobre mulheres quando achavam que eu não estava presente, mas
nessas conversas, Josué sempre se mostrou gentil. Dê um voto de confiança
a ele. ― Torço a boca e ela me beija mais uma vez. ― Não fique com essa
carinha... daqui a pouco podemos pegar nosso leãozinho e sair escondido
sem que ninguém nos veja. Então teremos duas semanas só nós três na praia
próxima da casa de Leônidas.
Sorrio do modo que ela fala do nosso filho.
― Não vejo a hora de ter você só para mim.
― Mas eu sou somente sua já faz tempo, acredito que desde quando
você quase me atropelou com seu cavalo.
― Foi você quem atravessou a rua sem olhar!
Ela gargalha da nossa discussão eterna que nunca tem um vencedor.
― Amo você, sabia? ― ela diz.
― Eu também amo você, leoazinha.
BÔNUS
RENDIDA PELO ITALIANO ARROGANTE

Capítulo 01
Elena Vasconcelos
Sorrio enquanto vejo Vinícius entrar no banheiro, depois de termos
feito o sexo mais selvagem das nossas vidas.
Me jogo na cama, puxo o lençol sobre meu corpo, fecho os olhos
por alguns segundos e então o celular dele apita com a notificação de que
uma mensagem chegou.
Como nunca tivemos segredos entre nós e ele está prestes a sair para
o trabalho, resolvo desbloquear o aparelho e verificar a mensagem torcendo
do fundo do meu coração para que seja o chefe dele avisando que Vini não
precisa ir trabalhar, já que hoje é domingo.
Enquanto me sento na cama, penso no look que usarei quando
sairmos para passear no shopping e já me imagino comendo um delicioso
hambúrguer e uma porção de batata frita com refrigerante.
Desde que compramos o apartamento no ano passado, evitamos ao
máximo sair de casa para economizar, ele além de trabalhar em uma fábrica
de produtos químicos no segundo turno, ainda pegou o terceiro turno em
outra empresa como vigia e eu tenho feito muitas campanhas para diversas
empresas para nos livrarmos das dívidas o mais rápido possível.
Não tem sido fácil, eu trabalho das 7h da manhã até quase 23h todos
os dias, tirando apenas o domingo de folga, enquanto Vini trabalha os sete
dias da semana.
Faz meses que não saímos juntos, e eu nem sei mais o que é passear
de mãos dadas com meu noivo.
Pego o celular em minhas mãos e desbloqueio a tela. Vini nunca foi
adepto a tecnologia e por ele, ainda teria um celular que só fizesse ligações,
se eu não tivesse dado esse aparelho para ele.
Abro o aplicativo de mensagens e não é seu chefe. Vini trabalha na
mesma fábrica desde que saímos da faculdade e eu conheço todas as
pessoas que trabalham lá. Quanto a outra empresa, eu não conheço
ninguém, pois o serviço dele é recente. Quem mandou mensagem não é
nenhum dos chefes e sim um número que não está salvo em seus contatos.
A foto é de uma mulher desconhecida por mim ao lado de Vini. A
minha vista fica escura por alguns segundos e meu corpo todo gela.
Olho para a porta do banheiro fechada e escuto o barulho do
chuveiro. Minhas mãos tremem e então eu faço o óbvio, clico na mensagem
para ver do que se trata.
“Oi, amor. Já comprei os ingressos para a sessão das 20h, depois
do filme podemos ir até o mercado? Preciso comprar algumas coisas aqui
para casa.”
Como é?
Minha cabeça dá um nó e eu sinto o coração bater na garganta.
Meu Deus...
Que não seja o que eu estou pensando.
Clico na foto do perfil e eles dois estão abraçados com a praia ao
fundo.
A foto é recente, pois essa camisa que ele está usando na foto foi
dada por mim a cerca de dois meses atrás, quando ele reclamou que não
tinha uma roupa elegante para sair.
Sair com ela? Já que fazia quase um ano que não saíamos mais?
Meu Deus!
Saio da mensagem, seleciono ela e marco como não lida.
O chuveiro é desligado e então eu decoro o número rapidamente e
quando ele volta para o quarto enrolado na toalha branca, eu olho no fundo
dos seus olhos.
― Nós bem que podíamos sair hoje, né? ― digo ainda sentindo o
coração batendo no pescoço.
― Eu tenho que ir para o trabalho, Lena...
― Podia dizer ao Celso que está passando mal e está indo para o
Pronto Atendimento... na internet há várias fotos de pessoas tomando soro...
podia pegar uma delas e enviar para ele e amanhã você leva um atestado. ―
Dou de ombros, pois quem nunca fez isso, não é mesmo?
― Não posso, Lena... é fim de mês e a empresa fica uma loucura
essa época.
― Tudo bem, então. ― Me levanto e sigo até o banheiro.
Enquanto tomo banho, mentalizo o número de celular e traço um
plano em minha cabeça.
Assim que ele sair de casa, eu vou montar a estratégia perfeita para
descobrir tudo e desmascará-lo.
Farei isso amanhã mesmo.

***
Depois que preparo sanduíches para comer, ele sai do quarto todo
arrumado e eu o encaro por alguns segundos.
Vinícius sempre foi lindo. Loiro, alto, olhos verdes, corpo atlético e
com um sorriso que me deixa de pernas bambas, mas depois daquela
mensagem, é como se ele se transformasse em outra pessoa e ele perdeu
todo o encanto.
― Fiz sanduíches ― digo com um sorriso congelado no rosto,
enquanto aponto para a mesa.
― Ah... eu não vou comer ― ele diz se desculpando. ― Já estou
atrasado, na verdade. ― Ele fala olhando para o relógio. ― Preciso ir.
Tchau, amor.
Vem até mim, me dá um beijo rápido nos lábios e sai me deixando
sozinha em casa.
Agora no silêncio, a minha mente fervilha, corro até o quarto e me
sento na frente do meu notebook.
Trabalho em uma empresa de marketing e propaganda, fazemos as
melhores e mais encantadoras propagandas para as mais diversas marcas
presentes no mercado, e como meu trabalho não exige a minha presença
sempre na empresa, de vez em quando trabalho em home office e posso
muito bem ligar para o número da mulher que mandou mensagem e
perguntar algumas coisas.
Como não posso ligar agora, já que segundo ela, eles irão sair, pego
a minha agenda e anoto o número dela para não esquecer.
Me recosto na cadeira e fecho meus olhos respirando fundo.
― Ah, Vinícius... se você estiver me enganando, vai se arrepender
amargamente de ter feito isso.

***
Passei a noite toda acordada e quando o celular desperta, eu apenas
o desligo e me levanto. Tomo meu banho relaxante, visto a minha melhor
roupa e depois de tomar um delicioso café da manhã, me sento em frente à
minha área de trabalho no quarto extra que temos no apartamento, quarto
esse que seria do nosso futuro bebê.
Balanço a cabeça lembrando dos nossos planos e sorrio
amargamente.
Imagina só, ter a vida toda planejada, namoro, noivado, compra de
um apartamento, economizar para o futuro, depois casamento, filhos,
estabilidade financeira...
Porra, Elena!
Para tudo isso ser arrancado de mim com uma mensagem de texto?
Uma lágrima solitária escorre por meu rosto e então ouço o barulho
da porta da entrada sendo destrancada. Vinícius chega às 8h30 da manhã,
sua hora habitual de chegar em casa, finjo já estar trabalhando, ele vai para
o quarto e logo escuto seu ronco, um sinal claro de que dormiu
imediatamente. Por mais que eu tente ser um ser humano evoluído,
confesso que ainda fico pensando nos mais diversos tipos de vingança.
Por fim, finalmente ligo o notebook, encontro o número da dita cuja
e ligo. Não me preocupo em acordá-lo já que ele praticamente desmaia toda
vez que chega do trabalho.
Aguardo e ela atende. Entro no modo profissional e falo com voz
amistosa fingindo ser uma vendedora de planos de saúde.
― Olá, bom dia. Com quem eu falo?
― Bom dia. Juliana.
― Oi, senhora Juliana, meu nome é Ana e trabalho na empresa
Planos de Saúde Vida Mais e eu estou entrando em contato para oferecer
planos de saúde. ― Invento nome e empresa falsos para que ela não
desconfie.
― Ah, eu não quero não, moça.
― Senhora Juliana, as estatísticas mostram que muitos acidentes
acontecem todos os dias e muitas doenças são descobertas... a senhora tem
marido e filhos?
― Sim, tenho marido, mas não temos filhos.
― E vocês são casados há muito tempo?
― Menos de seis meses. ― Puxo o ar com força e mordo a minha
mão contendo a vontade de gritar.
― Uau, ainda estão em lua de mel. ― Rio falsamente depois de me
recompor e ela me acompanha. ― E que tal eu oferecer um plano para
vocês dois? Posso pegar seus dados e fazer um orçamento sem
compromisso. Preciso somente do nome completo de vocês dois e as
idades...
― É... pode ser ― ela diz depois de uma pausa. ― Ele trabalha em
dois turnos e eu fico preocupada em casa...
― Nossa e esse mundo anda tão perigoso, não é? ― Solto uma
preocupação falsa e ela concorda. ― Não se sabe o que pode acontecer, não
é mesmo?
― Sim... meu nome é Juliana Oliveira, tenho vinte e dois anos e ele
é Vinícius Soares de Souza e tem trinta e dois anos.
― Anotado aqui, senhora Juliana... vou preparar um plano de saúde
ótimo e em conta e entro em contato novamente para passar o orçamento
para a senhora. Tudo bem?
― Sim. Fico no aguardo.
― Muito obrigada e tenha um bom dia.
Desligo e corro para o banheiro para vomitar.
Filho da puta!
A minha vontade é de matá-lo com as minhas próprias mãos.
Vontade de ir até a cozinha, esquentar uma panela enorme de água e
jogar na cara dele.
Convidá-lo para passear no parque, matá-lo e deixar o corpo lá
mesmo.
Empurrá-lo da janela da área de serviço, forjar uma carta de suicídio
e dizer que ele se matou.
As lágrimas grossas rolam pelo meu rosto, e eu choro feito uma
desesperada ao lembrar de tudo que eu abdiquei por causa dele.
Minha família tem uma vida confortável, eu tinha uma vida
confortável..., mas não, me encantei por ele que segundo meus pais, não
tinha futuro nenhum.
Eles queriam que eu fosse médica, advogada ou qualquer profissão
de sucesso, mas não, me entreguei para um homem que não tem nenhuma
perspectiva de vida e agora estou aqui. Com dívidas, trabalhando feito uma
condenada para juntar o mais que puder de dinheiro e morando junto com
um canalha que está casado com outra mulher além de mim.
Meu Deus...
Se eu pudesse voltar no tempo.
Teria ouvido meus pais.
Ou as minhas amigas...
Verônica e Marcela estudaram comigo desde o ensino médio e
sempre fomos inseparáveis.
Elas fizeram faculdade e estão maravilhosamente casadas com seus
belos maridos e felizes com seus filhos.
Verônica fez tecnologia da informação e hoje tem uma empresa de
sucesso na área da tecnologia com o marido e sócio.
Já Marcela fez medicina e se especializou em cirurgias plásticas.
Tem uma clínica especializada em procedimentos de estética e, é conhecida
no mundo todo por suas pesquisas.
E eu?
Pensei que tinha encontrado o amor da minha vida ainda na
faculdade, então nos juntamos, fomos morar de aluguel, terminamos a
faculdade e encontramos empregos que pagam nossas muitas contas. Não
posso reclamar da empresa em que trabalho, seria uma ingrata se fizesse
isso, a InovAção é a melhor empresa de publicidade e propaganda do estado
de São Paulo e uma das melhores do Brasil. Amo o meu trabalho e não me
vejo fazendo outra coisa que não seja o marketing de propaganda.
Não tive apoio da minha família, que achou tudo uma loucura
quando quis me casar ainda estando na faculdade.
Eu administro bem meu dinheiro. Isso é fato.
Sempre fui boa com números e tenho uma reserva boa, além de
algum dinheiro investido em ações.
Quando compramos esse apartamento, eu o mobiliei sozinha e no
decorrer dos meses, consegui reservar uma quantia suficiente para pagar
uns seis meses das parcelas, acaso eu fique desempregada, coisa que nunca
vai acontecer já que além de amar trabalhar lá, eles gostam e muito do meu
serviço.
Me levanto, lavo o rosto e me olho no espelho.
― Chega! Cansei de ser otária. Vou agir, dar a volta por cima e me
vingarei do Vinícius. Ele vai se arrepender de ter me traído e me ter feito de
palhaça.

***
No meu horário de almoço, entro em contato com uma imobiliária e
decido colocar o apartamento para venda.
Ele está no meu nome e sou eu que pago as prestações. Então, ele é
meu.
Depois de marcar um horário com um corretor em que o Vinícius
esteja “trabalhando” para ele vir tirar fotos, fazer vídeo do apartamento,
risco o primeiro item da lista.
Mando uma mensagem para Verônica e Marcela no nosso grupo e
pergunto a elas se topam se encontrar mais tarde comigo.
Preciso desabafar senão vou enlouquecer.
Após as duas me ligarem, explico tudo rapidamente e elas além de
dizerem a famosa frase “eu avisei que ele não prestava” finalmente aceitam
se encontrar comigo.
Passo um bom tempo remoendo o que descobri e quando ele sai do
quarto por volta das 13h, aparece na porta do escritório com a cara mais
deslavada do mundo.
Finjo estar no celular falando com alguém para não ter que falar
com ele, e engulo em seco quando ele tira a camisa, caminha até a minha
cadeira e para do meu lado.
Vinícius desce a cabeça até meu pescoço, afasta meus cabelos para o
lado e deposita um beijo ali.
― Tudo bem então, Cintia... ― digo fingindo encerrar a ligação
imaginária ― vou deixar tudo pronto para amanhã. Até... beijo. ― Coloco
o celular sobre a mesa com a tela para baixo. ― Para Vini... eu preciso
terminar esse trabalho ― digo para ele com a voz irritada e ele se afasta.
― Dia ruim?
― Sim. ― Dou uma resposta curta. ― Preciso terminar esse
cronograma, pois marquei de sair com as meninas hoje à tarde.
― Você vai sair? ― ele pergunta franzindo o cenho e sai de trás de
mim para me encarar.
― Vou.
― Ué, mas não estava atolada de trabalho?
― Pois, é... mas preciso de um descanso. ― Ele suspira irritado. ―
Estive contando, e faz mais de cinco meses que a gente não sai.
― A nossa vida é corrida, Lena.
― Parece que não quer sair comigo... ― digo e ele fica lívido de
raiva.
― Já disse que nosso trabalho não permite e...
― O caralho que não permite, Vinícius... ― me levanto irritada ―
uma saída, uma vez por mês... não vai cair o braço dos seus chefes em não
ter você por um dia durante o mês! Ou será que preciso conversar com eles
e pedir encarecidamente para que lhe deem a porra de um dia de folga?! ―
grito perdendo a compostura e ele fica visivelmente irritado.
― Está ficando louca, Elena? ― Ele explode. ― Você só pode estar
ficando doente se acha que pode ir lá nos meus empregos falar com meus
chefes.
― Está com medo de que eu fale com eles, por quê?
― Eu com medo? ― Ele ri nervoso. ― Você só pode estar
ficando...
― Se falar mais uma vez que estou ficando louca, eu vou partir pra
cima de você! ― Ele se cala, fecho a tela do notebook com força, pego o
meu celular e saio do escritório.
Vinícius vem atrás de mim até nosso quarto e apenas me olha pegar
a minha bolsa.
― Você vai mesmo sair?! A essa hora?
― Eu já estou saindo, Vinícius!
― E vai me deixar sozinho?
― Não tem que tomar banho e trocar de roupa para o seu emprego?
Pelo que sei você já está bem crescidinho e não precisa de ajuda.
― Por que está falando assim comigo, Lena? ― Aí está o vitimismo
de sempre. Agora ele vai tentar me fazer passar por uma pessoa ruim e fazer
de tudo para inverter o jogo. ― Eu não tenho culpa se está tendo um dia
ruim no trabalho. ― Sua voz é mansa e por um lapso de tempo, sinto meu
peito se apertar em perceber que gritei e me descontrolei com ele. ― Sabe
que eu te amo e faço de tudo por você, amor... estou trabalhando duro, em
dois turnos, cansado, para que possamos ter um futuro confortável. E tudo o
que eu queria era ver a minha mulher de bem, mas olha só o que eu
encontro quando venho até aqui? Você me esperando com quatro pedras nas
mãos. ― Seus olhos se enchem de lágrimas e eu deixo meus ombros
caírem.
Vinícius é um ótimo ator.
Qualquer um sentiria pena ao ver a sua atuação.
Até eu fiquei com pena.
Isso se não soubesse que ele se casou com outra mulher.
― Por que a gente não se casa? ― Solto e ele dá um passo para trás.
― Não podemos.
― E por que não? Estamos juntos há quase oito anos...
― Já disse que não podemos, Lena.
― Não precisa ser uma festa de arromba... só uma pequena
comemoração... para nossos amigos e famílias.
― Agora não vai dar.
― E quando então?
― Eu não sei...
― Não quer se casar comigo?
― É a coisa que eu mais quero nessa vida, Lena. Mas eu...
Já tem duas mulheres e vai ficar difícil explicar para a outra que
vai ficar ausente alguns dias para se casar e partir em lua de mel?
Essa é a minha vontade de perguntar.
― Tudo bem ― digo passando por ele. ― Tchau, Vinícius.
― Ei... vai sair assim sem se despedir? Sem nem um beijo?
Ele caminha até mim e me enlaça em seus braços. Fecho a boca e
dou apenas um selinho nele, por fim dou uma última olhada em seu rosto,
pois sinto do fundo do coração que essa vai ser a última vez que eu o vejo.
― Eu te amo, Lena.
O abraço e segundos depois me afasto e saio do quarto deixando-o
sozinho.
Quando entro no elevador, me olho no espelho.
― Acabou ― digo para mim mesma.
O elevador se abre na portaria do prédio e eu saio.
Preciso retomar o rumo da minha vida e conversando com minhas
amigas vou saber por onde começar.

***
RENDIDA PELO ITALIANO ARROGANTE – VALDERÊS F.
SANTOS

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[1]
Gato pingado é uma expressão que possui numerosas variações. Entretanto o uso dessa expressão
carrega quase sempre um significado depreciativo. Esse significado se refere a uma suposta
inferioridade, insignificância ou irrelevância. Com o passar do tempo começou a ser usada para se
referir às pessoas que formam um pequeno grupo.

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