Sistematica III - Teologia Dos Sacramentos

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Sistemática III: Teologia

dos Sacramentos
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Organizado por Universidade Luterana do Brasil

Sistemática III: Teologia


dos Sacramentos

Paulo Gerhard Pietzsch

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Canoas, RS
2016
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick
Ângela da Rocha Rolla
Astomiro Romais
Claudiane Ramos Furtado
Dóris Gedrat
Honor de Almeida Neto
Maria Cleidia Klein Oliveira
Maria Lizete Schneider
Luiz Carlos Specht Filho
Vinicius Martins Flores

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da
ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados técnicos do livro


Diagramação: Marcelo Ferreira
Revisão: Igor Campos Dutra
Apresentação

O “Batismo não é apenas água simples, mas é água compreendida no


mandamento de Deus e ligada à Palavra de Deus” e a “Santa Ceia é
o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o
vinho, dado a nós cristãos para comer e beber, instituído pelo próprio Cris-
to”. Com tais palavras, o reformador Dr. Martinho Lutero, no Catecismo
Menor (LUTERO, Martinho. Catecismo Menor. In, Obras Selecionadas
vol. 7. Porto Alegre/ São Leopoldo: Concórdia / Sinodal, 2000.), introduz
as suas definições, biblicamente fundamentadas, a respeito desses dois im-
portantes meios da graça, os quais são dados por Cristo à sua Igreja, para
perdão, vida em abundância e salvação.

A presente obra é resultado de ampla pesquisa a respeito da Teologia


dos Sacramentos: Batismo e Santa Ceia. Nele, são apresentadas detalha-
damente definições teológicas, referências históricas e questões práticas
que envolvem esses dois sacramentos.

Objetiva-se com essa publicação aprofundar os conhecimentos sobre


o Batismo e sobre a Santa Ceia, conhecer as concepções das pessoas so-
bre esses assuntos e reconhecer tais concepções como manifestações legí-
timas e relevantes para a vida da igreja. Igualmente, procura-se identificar
as principais concepções acerca dos sacramentos a partir de um estudo
dos mesmos nas origens do culto cristão, procura-se enumerar critérios e
elementos imprescindíveis para a sua prática.

Ao longo deste material de Teologia Sistemática, são apresentados os


seguintes tópicos: Definições de Sacramentos, Sacramentos a partir das
origens do Culto Cristão, questões bíblico-teológicas e questões práticas,
sejam elas referentes à liturgia ou à pastoral. São no total dez capítulos que
Apresentação  v

procuram informar, provocar a curiosidade e desafiar à pesquisa sobre esse


tema tão relevante para a Teologia: Os Sacramentos.

Paulo Gerhard Pietzsch


Sobre o Autor

PAULO GERHARD PIETZSCH é bacharel em Teologia pelo


Seminário Concórdia de São Leopoldo (1987), Especialista
em Educação Musical pela Universidade de Passo Fundo (UPF,
1999) e Mestre em Teologia Prática pelo Instituto de Pós-Gra-
duação da Escola Superior de Teologia (IEPG-EST, 2002) de
São Leopoldo, RS e Doutor em Teologia Prática pela mesma
instituição de Ensino Superior (2008). Atualmente, é professor
adjunto da ULBRA e professor convidado no Seminário Con-
córdia. Experiência na área de Música Sacra, Culto Cristão e
Liturgia, Teologia Sistemática, História da Igreja Cristã, Teolo-
gia e Prática da Ação Social e Cultura Religiosa.
Sumário

1 O Que é um Sacramento.......................................................1
2 Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus................19
3 Batismo: Raízes e Origens do Batismo..................................36
4 Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional...........57
5 Batismo: Aplicações Práticas................................................79
6 Raízes e Origens da Santa Ceia...........................................95
7 O Testemunho dos Pais Apostólicos....................................117
8 Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional.....141
9 Eucaristia na Idade Média, na Reforma Luterana e
no Período Pós-reforma.....................................................164
10 Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo......................188
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 1

O Que é um
Sacramento
2    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

O termo “sacramento” não se encontra nas Escrituras e não


foi cunhado por Jesus Cristo. Significava originalmente, para
os romanos, o juramento que um soldado fazia ao assumir o
seu solene compromisso de defender o Império e de ser fiel ao
Imperador. Os cristãos, na Igreja Primitiva, ao renunciarem à
idolatria e ao prometerem inteira fidelidade a Cristo por oca-
sião do seu Batismo, faziam desse ato o seu “sacramentum”,
termo que passou a ser aplicado ao próprio Batismo e, mais
tarde, também à Santa Ceia.1

Sendo assim, torna-se relevante para compreendermos a


importância que os sacramentos têm para a igreja, conhecer-
mos o seu significado e a sua dimensão.

1.1 Definindo sacramentos

Na Apologia da Confissão de Augsburgo, os sacramentos são


apresentados como “sinais e testemunhos da vontade de Deus
para conosco, (...) são ritos que têm mandamento de Deus e
a que se adicionou a promessa da graça”.2 Nessa compreen-
são, torna-se muito importante a distinção entre sacramento
e sacrifício. Por sacramento, entende-se um rito instituído por
Deus, que oferece graça, fortalecimento para a fé, perdão dos

1 KOEHLER, Edward W. A. Sumário da doutrina cristã. Porto Alegre: Concórdia,


2002, p. 146.
2 Apol 13, 1 [LC 223].
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    3

pecados e comunhão.3 Neste, a palavra de Deus está ligada a


um ato concreto e a meios visíveis, a água no Batismo e o pão
e o vinho na Santa Ceia.4 No sacramento, a iniciativa sempre
será de Deus:

O sacramento é cerimônia ou obra na qual Deus nos


apresenta aquilo que a promessa anexa à cerimônia ofe-
rece, como o Batismo não é obra que nós oferecemos
a Deus, mas obra na qual Deus nos batiza, isto é, o mi-
nistro em lugar de Deus, e aqui Deus oferece e exibe a
remissão de pecados etc. (...) sacrifício, ao contrário, é
cerimônia ou obra que nós rendemos a Deus, a fim de
honrá-lo.5

Os sacramentos não são simples sinais externos para


promover comunhão entre os irmãos ou simplesmente para
simbolizar algo que Deus tenha realizado pelas pessoas, mas
são meios pelos quais Deus oferece e garante a sua graça ao
ser humano.6 Os sacramentos, de acordo com o Reformador
Martinho Lutero, são o Batismo e a Santa Ceia, pois, além da
instituição divina e do fato de oferecer a graça de Deus ao ser
humano, vêm acompanhados de elementos visíveis e ações
concretas.

3 SCHULER, 2002, p. 408.


4 MUELLER, 2004, p. 475-476. A frase atribuída a Agostinho é “Accedit verbum
ad elementum et fit sacramentum” (Acresça o verbo ao elemento, e assim se torna
sacramento).
5 Apol 24, 18 [LC 269].
6 Apol 13, 1 [LC 223].
4    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

O cristianismo centraliza-se na iniciativa de Deus em salvar


a humanidade. Esse é o testemunho claro, que Deus em Cristo
veio salvar os pecadores. O culto da igreja, por isso, certa-
mente também pode ser caracterizado da mesma maneira.7
A iniciativa sempre será de Deus, pois, conforme as palavras
de Lutero, “creio que por minha própria razão ou força não
posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele, mas o
Espírito Santo me chamou pelo evangelho”.8 A própria Igreja
é criação de Deus, pois quando o evangelho é comunicado
ou os sacramentos usados, Deus faz coisas milagrosas. Pelo
poder do Espírito Santo, ele opera através desses instrumentos,
fazendo santos dentre os pecadores ao criar e manter neles a
fé em Jesus Cristo. Essa Igreja é chamada e reconhecida pelo
uso do evangelho e dos sacramentos.9

No culto e, de forma especial, no Batismo e na Santa Ceia,


Deus vem às pessoas com seus dons de perdão, vida e sal-
vação. A fé recebe esses dons com agradecimento e louva
e exalta o Doador por sua graciosa bondade. Na liturgia, os
dons de Deus são distribuídos ao seu povo através da leitura e
exposição da palavra e através da administração do Batismo e
celebração da Santa Ceia.10

7 COMISSION ON WORSHIP. Reflections on contemporary / alternative wor-


ship. St. Louis: The Lutheran Church Missouri Synod, 1996, p. 2, 3.
8 CMen, 2 [LC 371].
9 BOHLMANN, Ralph. CTCR. In: Theologians’ Convocation – Formula of Con-
cord. St. Louis: Concordia Publishing House, 1977, p. 60.
10 COMISSION ON WORSHIP, 1996, p. 11.
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    5

Assim como o Batismo não é um ato de iniciativa ou poder


humano, a Santa Ceia também não é um sacrifício realizado
pelas pessoas a fim de obter méritos diante de Deus, mas é,
antes de tudo, iniciativa e ação perfeita de Deus em Cristo.
Hermann Sasse, na sua teologia dos sacramentos, refuta a
ideia da missa como sacrifício ao dizer que “devíamos prestar
atenção cuidadosa a esta palavra ‘sacrifício’, a fim de não
presumirmos que damos algo a Deus no sacramento, quando
é ele quem nos dá todas as coisas”.11 Se há sacrifícios da par-
te do crente, esses são denominados sacrifícios espirituais, de
louvor e gratidão a Deus por seus grandes feitos, pois o crente
aprende que não é ele quem oferece Cristo como sacrifício,
mas Cristo se lhe oferece. É lícito e proveitoso denominar a
missa um sacrifício, não por sua própria causa, mas porque o
crente se oferece a si próprio como sacrifício com Cristo; isto
é, ele apega-se firmemente a Cristo pela fé em seu testamento
e aparece diante de Deus com sua oração, louvor, serviço e
sacrifício pessoal só mediante Cristo e através de sua media-
ção.12

Insiste-se que não são os comungantes, nem mesmo o


ministro, que prepara a refeição: Cristo arrumou a mesa e
preparou o alimento. O comungante precisa apenas receber,
comer e beber em fé.13 A mesma lógica aplica-se ao Batismo,
ou seja, a iniciativa e ação salvífica sempre será de Deus e não
a consequência de um sacrifício realizado por pessoas. No

11 SASSE, 2003, p. 74.


12 SASSE, 2003, p. 75,76.
13 KOEHLER, 2002, p. 165.
6    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Novo Testamento, a Igreja como povo sacerdotal de Deus ofe-


rece seus sacrifícios. Essas oferendas, segundo Sasse, são os
próprios corpos dos cristãos, isto é, suas vidas inteiras, orações
e confissão de fé e as dádivas do amor fraternal, que sempre
estiveram intimamente ligadas à Santa Ceia. O que Cristo fez
agora é da humanidade, e esta pode regozijar-se na salvação
que é somente obra de Cristo. A obra da salvação é executada
pelo sacrifício de Cristo, é o seu sacrifício, seu corpo e sangue
e somente sua obra em favor da humanidade. Isto já aconte-
ceu na cruz, “sob Pôncio Pilatos”, por isso vale destacar que a
sua obra está feita, que “tudo está completado”14.

1.2 Os Sete Sacramentos na visão da


Igreja Católica

1.2.1 Definições
O catecismo católico define sacramento como um sinal ex-
terior instituído por Cristo para produzir uma graça interna. A
Igreja Católica administra sete sacramentos, e os discutiremos
na ordem em que uma pessoa normalmente os receberia:

1.2.2 Batismo
Batismo é um sacramento que a maioria dos católicos recebe
logo após o nascimento. Aos católicos, é ensinado que esse

14 NAGEl, Norman E. Holy Communion. In: Lutheran Worship – History and


Practice. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1997, p. 297.
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    7

sacramento lava o pecado, pelo derramamento de água so-


bre a cabeça do batizando e a invocação do nome do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. É nesse ponto que a pessoa recebe
graça, torna-se filho de Deus, herdeiro do céu, e membro da
Igreja Católica. Os católicos creem que esse batismo remove
o pecado original herdado de Adão e Eva e, no caso de um
adulto ser batizado, remove também os pecados cometidos
por esse indivíduo.

A maioria dos batismos católicos ocorre como parte de


uma cerimônia formal, dirigida por um padre. Quando uma
criança nasce, os pais escolhem um homem e uma mulher
para serem padrinhos da criança. Essas pessoas concordam
em ajudar os pais no treinamento espiritual da criança e, na
eventualidade de morte dos pais, eles concordam em criar a
criança como um católico fiel. Os pais também escolhem um
nome de santo para a criança. Além da água derramada so-
bre a cabeça da criança, o padre também coloca sal na boca
da criança para representar purificação e preservação. Outros
atos tradicionais incluem ungir com crisma e óleo, segurando
uma vela acesa, e a profissão de fé, que é dita pelos pais e
padrinhos da criança.

Em certas instâncias, o sacramento do batismo é ministra-


do de modo diferente. Em uma emergência médica, qualquer
pessoa leiga pode efetuar um batismo.

1.2.3 Confissão
O sacramento da Confissão é também chamado Penitência.
Esse sacramento, segundo a visão católica, concede ao cris-
8    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

tão perdão por aqueles pecados que ele tiver cometido depois
do Batismo. A confissão compreende três aspectos: a) contri-
ção ou tristeza pelos pecados cometidos (contritio cordis); b)
confissão desses pecados a um sacerdote (confessio oris) e c)
Penitência ou “satisfação”, que envolve certas preces ou outros
atos determinados pelo sacerdote, com a intenção de fazer
expiação a Deus (satisfatio operibus).

1.2.4 Santa Comunhão


O sacramento da Santa Comunhão também é conhecido
como Santa Eucaristia. Tal sacramento é a parte mais signifi-
cativa da celebração da Missa. Dá-se ênfase ao sacrifício que
Cristo fez por sua igreja e os católicos acreditam que recebem
graça quando recebem o corpo e o sangue de Jesus Cristo
na aparência de pão e vinho. Transubstanciação é o termo
usado para descrever a mudança do pão e do vinho no verda-
deiro corpo e sangue de Cristo. Esse sacramento comemora
a união do povo de Deus com seu Salvador. Na maioria das
paróquias, é prática comum ministrar somente a hóstia na co-
munhão. O cálice de vinho é ministrado muito raramente aos
leigos, somente em dias santos especiais. Nas demais celebra-
ções, apenas o sacerdote ordenado toma do cálice.

1.2.5 Crisma
Aos doze anos de idade ou mais, o católico recebe o sacra-
mento do Crisma ou Confirmação, que é ministrado usual-
mente por um bispo. A pessoa que recebe esse sacramento
escolhe um nome de santo e um fiel católico como padrinho.
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    9

O bispo concede graça ao jovem ungindo com o crisma na


testa e batendo-lhe levemente no rosto. O propósito desse sa-
cramento é reforçar a fé da pessoa.

1.2.6 Ordens Sacras


Ordens Sacras é o sacramento pelo qual padres e bispos são
ordenados. Homens que frequentaram o seminário recebem o
poder do sacerdócio e lhes é conferida graça que os capacita
a praticar as responsabilidades de oficiar a Missa, conduzir as
paróquias da Igreja Católica, e outros deveres especiais.

1.2.7 Matrimônio
O sacramento do Matrimônio é dado a um homem e uma
mulher quando são unidos como esposo e esposa e a graça
é recebida por eles para cumprirem as responsabilidades que
essa nova relação cria. Na maioria dos casos, um padre oficia
a cerimônia de casamento, contudo, com permissão especial,
um católico pode ser casado por um ministro de outra deno-
minação.

1.2.8 Unção dos Enfermos


O sacramento da Unção dos Enfermos é ministrado àqueles
católicos que estão em perigo de morte. O propósito do sacra-
mento é restaurar a saúde da pessoa e absolver o indivíduo de
qualquer pecado remanescente. Ele também serve como pre-
paração para a morte. Um padre ora e unge a pessoa doente
com azeite que foi benzido (abençoado) por um bispo. O sa-
10    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

cramento também é conhecido como Extrema Unção, Últimos


Ritos ou Última Bênção. A bênção é dada a uma pessoa que
está morrendo e que tenha feito um Ato de Contrição e que
tenha confessado o Nome Santo. É usada a fórmula do Papa
Bento XIV; a bênção não pode ser dada a um moribundo que
foi excomungado, a um impenitente, ou quem quer que esteja
morrendo em pecados mortais.

1.3 Os Sacramentos nas igrejas calvinistas


e reformadas

O calvinismo admite os sacramentos do batismo e da Ceia.


Batistas e Reformados algumas vezes argumentam que assim
como às crianças não é permitido participar da ceia do Senhor,
assim também elas não devem ser batizadas. Uma condição
para participação na ceia do Senhor é a fé; por conseguinte,
a fé deve ser uma condição para o batismo.

Na Ceia, Calvino afirma a transignificação: nela o fiel co-


munga, com a carne de Cristo, um alimento espiritual real.
O Pão não é o Corpo do Senhor, mas significa sua presença,
“alimento celeste” para os predestinados e “pão e vinho” para
os condenados.

A primeira pergunta da seção sobre Sacramentos, do Cate-


cismo de Genebra, de 1537, de João Calvino, é se há outros
meios senão a Palavra, para que Deus se comunique a nós,
que tem a resposta: “Ele acrescenta os sacramentos à prega-
ção de sua Palavra”. Essa primeira afirmação sobre sacramen-
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    11

tos do Catecismo de João Calvino mostra que o reformador


de Genebra os considera como comunicação de Deus a nós,
ao lado da Palavra. Em outras palavras, a Palavra de Deus e
os Sacramentos são “meios de graça”. A resposta à segunda
pergunta afirma que um sacramento “é uma marca exterior da
graça de Deus que, por um sinal visível, nos representa coisas
espirituais, por imprimir as promessas de Deus mais fortemente
em nossos corações, e por nos tornar mais seguros delas”.

São significativas as palavras “promessas de Deus” e “nos-


sos corações”, que indicam a importância dada aos sacra-
mentos para a vida do cristão.

1.4 Os Sacramentos na Reforma Luterana

Nos primeiros anos da obra reformatória, pelo menos até


1519, o Dr. Martinho Lutero ainda considerava a penitência
como um sacramento,15 mesmo que não houvesse um ele-
mento visível que confirmasse a célebre frase de Agostinho:
Accedit verbum ad elementum et fit sacramentum.16 Mesmo
com a publicação do tratado Do cativeiro babilônico da Igreja,
em 1520, em que considerou a penitência como assunto da
Disciplina Eclesiástica, e a denominou de “confissão e absol-
vição”, continuou a atribuir uma grande importância a ela,17

15 Martim Carlos WARTH, Introdução a “Um Sermão sobre o Sacramento da Peni-


tência”, in: Martinho LUTERO, Obras Selecionadas, V. I, p. 401.
16 “Acresça o verbo ao elemento, e assim se torna sacramento”.
17 Martin Carlos WARTH, op. cit., p. 401.
12    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

no entanto, vinculou-a com o Batismo, a vivência diária do


Batismo, o afogar diário do velho homem. Confessar os peca-
dos alivia o sentimento da culpa e inquietação interna; alivia a
consciência sobrecarregada com o pecado. Mas a verdadeira
razão para se confessar a culpa é a certeza da absolvição (1
Jo 1.9). Melanchthon afirma essa convicção nas palavras que
seguem: “ (...) nós também mantemos a confissão, mormente
por causa da absolvição, a qual é palavra de Deus que o po-
der das chaves pronuncia, por autoridade divina (...)”.18

A absolvição está baseada na obra reconciliatória de Cris-


to, que morreu para garantir ao ser humano a vida, a salvação
e o perdão dos pecados. Assim, fica claro que a absolvição
não se justifica por meio de obra ou satisfação humana, atra-
vés de arrependimento, contrição ou a própria confissão como
pensam algumas pessoas.19 A Lei, portanto, não serve para
redimir, mas para acusar o pecado e condenar o pecador.
Lutero afirma que devemos considerar o estado em que nos
encontramos à luz dos dez mandamentos.20 Isto é importan-
te dizer, pois muitas pessoas consideram pecados somente as
transgressões que são punidas com tormentos públicos, mas
de pecados de coração nada conhecem. Talvez seria isto, a
amenização do pecado, um motivo para que a confissão ca-
ísse em desuso? Quem sente a necessidade de perdão, senão

18 Filipe MELANCHTHON, Apologia da Confissão, Artigo XII – Do arrependimento,


p. 208.
19 Phillip MELANCHTHON, Loci Communes, p. 162.
20 Martinho LUTERO, Catecismo Menor – Como se deve ensinar as pessoas sim-
ples a se confessarem, p. 377.
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    13

aquele que reconhece o pecado como ofensa e transgressão


a Deus e sua vontade revelada?

Acredita-se que a confissão não pode ser separada da


absolvição, mesmo que do ponto de vista sacramental e sa-
crificial sejam diferentes. Confissão de pecados é responsabi-
lidade do homem pecador, e é impulsionada pela Lei; a ab-
solvição é obra de Deus, é graça e Evangelho, é o verdadeiro
centro do ato da confissão. Em resumo, poder-se-ia dizer que
a pessoa recebe absolvição mesmo que seja pela boca de um
homem, pois Deus perdoa pecados também por intermédio de
homens que lhe servem de instrumento. E, ainda, que não há
necessidade de oprimir as consciências com enumeração de
pecados ou com satisfação e penas, visto que Cristo selou o
perdão com a sua morte e Deus o confirmou ao ressuscitá-lo
dentre os mortos.

Quando é dirigida a pergunta aos fiéis se estão arrepen-


didos dos pecados, se creem em Cristo e se querem corrigir
a sua vida pelo auxílio do Espírito Santo,21 fica claro que os
benefícios da absolvição são dados somente aos que creem,
conforme diz Lutero:

“Tudo depende da fé: somente ela faz com que os sa-


cramentos efetuem o que significam e que tudo o que o
sacerdote diz se torne verdade, pois conforme crês, assim
te sucede. Sem essa fé, toda a absolvição e todos os

21 HINÁRIO LUTERANO, Edição de 1986, p. 34-35.


14    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

sacramentos são em vão, e até prejudicam mais do que


aproveitam”.22

O pensamento de Lutero sobre sacramentos é bem diferen-


te do catolicismo medieval. Em sua obra “Do Cativeiro Babi-
lônico da Igreja” (1520), ele desenvolve o tema. Em primeiro
lugar, ele limitou os sacramentos a apenas dois: Batismo e
Ceia. No início, chegou a manter a confissão também, mas
logo abandonou esse pensamento. Batismo e Ceia eram os
únicos cerimoniais que possuíam uma palavra clara de institui-
ção por Jesus e também possuíam uma promessa de Deus[15].
Para ele “sacramentos são uma palavra dirigida por Deus”.
Na verdade, são sinais visíveis da graça de Deus. A Ceia e o
Batismo revestem-se de importância, pois: 1) ambos procla-
mam o perdão de Deus; 2) não são eficazes em si, mas na fé
que se tem; 3) são extensões da palavra de Deus.[16] Ao fazer
a ligação de Sacramento com a Palavra, “Lutero destrói o lado
mágico do pensamento sacramental”.[17]

A princípio, Lutero chegou a admitir a penitência como sa-


cramento, mas depois abandonou essa posição. A verdadeira
contrição é a fé, e não o confessar para um sacerdote. A con-
fissão a um sacerdote não é bíblica, mas pode ser útil, desde
que não seja obrigatória ou considerada como um sacramen-
to. Na verdade, ensinaria Lutero, a confissão dos pecados é
uma volta ao batismo. Para Lutero, não são os sacramentos o
centro da Igreja, mas o evangelho.

22 Martinho LUTERO, Um Sermão sobre o Sacramento da Penitência, in: Obras


Selecionadas, v. I, p. 405.
Capítulo 1    O Que é um Sacramento    15

Cremos, ensinamos e confessamos que o sacramento do


santo Batismo foi ordenado por Jesus como meio da graça
pelo qual o Espírito Santo “opera a remissão dos pecados,
livra da morte e dá a vida eterna a quantos creem.” Pelo Ba-
tismo, as crianças recebem a fé e se tornam filhos de Deus e,
aos adultos, o Batismo sela o perdão dos pecados. Enquanto
alguém permanece na fé, desfruta as bênçãos do Batismo. O
Batismo deve ser administrado uma vez só, em nome do Deus
triúno: Pai, Filho e Espírito Santo.

Cremos, ensinamos e confessamos que, na Santa Ceia, o


Senhor Jesus Cristo, de acordo com sua palavra, nos dá o
seu corpo e sangue para remissão dos pecados. Os elemen-
tos materiais, pão e vinho, não se transformam em corpo e
sangue. Mas, por ordem e promessa de Deus, recebemos na
Santa Ceia em, com e sob o pão e o vinho, o verdadeiro corpo
e sangue de Cristo. Os que creem, recebem-no para fortaleci-
mento da fé. Os que participam sem arrependimento e fé, re-
cebem igualmente o verdadeiro corpo e sangue de Cristo, mas
para juízo. A Santa Ceia é a mesa do Senhor onde recebemos
conforto e consolo. Ela nos dá o perdão dos pecados e nos
fortalece na esperança da ressurreição. Cabe ressaltar que, o
que motivou Lutero a defender com tanto zelo a Eucaristia, era
a sua certeza de que ela é “o sagrado sacramento do corpo e
sangue do nosso Senhor”,23 pois “trata-se de um sacramento
cheio de graça, de grande proveito e ventura, além de inú-
meros e inefáveis bens. Por isso, não se deve desprezá-lo nem

23 Martinho LUTERO, Exortação ao Sacramento, p. 224.


16    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

esquecê-lo; ao contrário, ele deve ser sumamente honrado e


usado o mais assiduamente possível”.24

Atividades

1) Qual o sentido original da palavra “sacramentum”.

2) A Igreja Romana define sacramento como um sinal exterior


instituído por Cristo para produzir uma graça interna. Iden-
tifique os sete sacramentos da Igreja Católica:

a) ( ) Peregrinações, caridade, Batismo, Eucaristia, ma-


ternidade, confissão e ordenação.

b) ( ) Unção dos enfermos, matrimônio, ordens sacras,


crisma, Santa Comunhão, confissão e Batismo.

c) ( ) Votos sagrados, peregrinações, paternidade res-


ponsável, Batismo, Eucaristia, Leitura bíblica, devoção.

d) ( ) Confissão de fé, credo, testemunho, adoração, lou-


vor, Batismo, comunhão.

3) Lutero considerou inicialmente em sua teologia a existência


de três sacramentos. Marque a alternativa que correspon-
de a esse pensamento de Lutero quanto aos sacramentos:

a) ( ) Batismo, Ordenação e Matrimônio.

b) ( ) Ordenação, Crisma e Comunhão.

24 Martinho LUTERO, Exortação ao Sacramento, p. 229.


Capítulo 1    O Que é um Sacramento    17

c) ( ) Batismo, Confissão e Santa Ceia.

d) ( ) Santa Ceia, Crisma e Matrimônio.

e) ( ) Unção dos enfermos, Sacrifício, Ordenação.

4) Assinale as alternativas corretas. De acordo com o pensa-


mento do reformador Martinho Lutero, é possível afirmar
que:

a) ( ) Os sacramentos são o Batismo e a Santa Ceia,


pois, além da instituição divina e do fato de oferecer a
graça de Deus ao ser humano, vêm acompanhados de
elementos visíveis e ações concretas.

b) ( ) No Batismo e na Santa Ceia, Deus vem às pessoas


com seus dons de perdão, vida e salvação.

c) ( ) Uma condição para participação na ceia do Senhor


é a fé; por conseguinte, a fé deve ser uma condição
para o batismo.

d) ( ) O comungante que participa da Santa Ceia precisa


apenas receber, comer e beber em fé. A mesma lógica
aplica-se ao Batismo, ou seja, a iniciativa e ação salví-
fica sempre será de Deus e não a consequência de um
sacrifício realizado por pessoas.

e) ( )Para que o sacramento tenha valor perante Deus,


o crente deverá seguir os seguintes passos: contrição,
confissão e satisfação.
18    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Gabarito
2) b   3) c   4) a, b, d
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 2

Batismo: Sacramento
que Revela o Amor de
Deus
20    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

O presente capítulo aborda questões referentes ao batismo


enquanto sacramento que revela o amor de Deus, o seu signi-
ficado e importância e os seus principais temas.

Junto ao significado de morte e ressurreição com Jesus


Cristo (Romanos 6), o batismo também possui a dimensão de
purificação e lavagem regeneradora. A água como o símbolo
principal do ato regenerador do batismo (Tito 3.4-7), aponta
para o surgimento, nascimento até, de uma nova existência.
Tem-se, então, no batismo, a água como sinal da purificação,
da morte e da nova vida em Cristo.

1.1 O Lavar Regenerador

O batismo é lavagem, é banho purificador e regenerador. Tra-


ta-se de um ato eminentemente tátil que sugere que a água
seja vista, ouvida e de fato sentida por toda a comunidade. O
sacramento do batismo é celebrado com água, muita água.
Sendo intenção da comunidade celebrante comunicar e ex-
pressar, na realização do ato batismal, a grandiosidade do
gesto do amor e doação de Deus, é significativo que a água
seja também “grandiosa”, abundante. Isso é importante, pois
é necessário marcar a ação que Deus está realizando em favor
do seu povo. Para que essa lavagem comunique toda a sua
dimensão regeneradora, é significativo o uso das mãos e de
muita água para que a comunidade possa ver, ouvir e sentir a
grandiosidade desse gesto amoroso de Deus em favor do seu
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    21

povo. Não deveria ser apenas água em um “conta-gotas” ou


em “tigelas batismais”. Seria formidável uma fonte, fonte de
água viva!1

Junto ao significado de morte e ressurreição com Jesus


Cristo (Romanos 6), o batismo também possui a dimensão de
purificação e lavagem regeneradora. A água como o símbolo
principal do ato regenerador do batismo (Tito 3.4-7), aponta
para o surgimento, nascimento até, de uma nova existência.
Tem-se, então, no batismo, a água como sinal da purificação,
da morte e da nova vida em Cristo.

A imersão na água remete à volta ao caos, à morte. E a


emersão, por sua vez, remete à purificação, ao nascimento e à
plenitude da vida. O sacramento do Batismo é celebrado com
água, muita água.

1.2 Principais temas do Batismo

Pelo Batismo, conforme o apóstolo Paulo, nos tornamos parti-


cipantes na morte e ressurreição de Cristo. A participação na
morte e ressurreição de Cristo é apontada como um dos gran-
des significados do batismo. O batismo cristão está enraizado
na ação redentora de Jesus Cristo, relacionado ao evento pas-
cal e visto como nova aliança de Deus com os seres humanos:

1 Martinho Lutero, segundo notas publicadas no seu Manual do batismo revisado,


in: Obras Selecionadas, v. 7, p. 221, manifesta seu apreço pelo uso abundante de
água no batismo: “Então, tome a criança e a mergulhe no batismo e diga: Eu te
batizo em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”.
22    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Jesus é o messias anunciado por João Batista, é o “Cordeiro


de Deus que tira o pecado do mundo”2 e o “que batiza com o
Espírito Santo”.3 Com Cristo, pelo Batismo, também morremos
para o pecado e vida ímpia, e com ele também ressuscitamos
para uma nova vida renovada de amor a Deus e ao próximo.4

No batismo, a morte para o pecado não significa que dei-


xamos de ser pecadores, mas somos “capacitados” pelo Espíri-
to Santo a vivermos uma vida de arrependimento e volta cons-
tante a Deus, sendo perdoados dos nossos erros e pecados.
Pelo batismo, ingressamos em um novo contexto de relações,
não vivendo mais para nós mesmos, mas para Aquele que nos
salvou e por aqueles que foram salvos por ele (ação diaconal).

Pelo batismo, o Espírito Santo juntamente com seus dons,


é concedido às pessoas. No batismo, o Espírito Santo nos é
dado, e é esse Espírito que dá vida ao corpo de Cristo, a San-
ta Igreja Católica. Feito de acordo com a ordem e promessa
de Cristo, com ou na água e em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo, o batismo é o selo e sinal do nosso discipula-
do. É importante destacar, porém, que o batismo cristão é um
só, não dois, ou seja, um em água e outro no Espírito: água
e Espírito fazem parte do mesmo batismo.5 O Espírito dá e é
dado no batismo. O batismo é uma dádiva do amor redentor
de Deus à Igreja, e é recebido por aqueles que creem em Jesus
Cristo.

2 Jo 1.35.
3 Mc 1.8.
4 Rm 6.1-14.
5 Orígenes, op. cit, p. 157.
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    23

Pelo batismo somos incorporados no Corpo de Cristo, a


Santa Igreja Católica, colocando-nos em comunidade com
Cristo e de uns com os outros, assim que passamos a viver em
uma comunidade de iguais, sem restrições a classes, raças,
cultura, sexo etc. Desde o início, o batismo foi o rito da ad-
missão na igreja universalmente aceito, tanto que somente os
batizados podiam compartilhar da oração de intercessão e do
gesto da paz e participar na ceia do Senhor.

Pelo batismo, nós somos incorporados ao reino que estava


preparado para nós antes da fundação do mundo e que se
tornou realidade na obra de Jesus Cristo. Pela fé batismal, esse
reino não apenas está próximo de nós, mas está dentro de
nós, e, por Cristo, que nos foi dado no batismo, temos acesso
constante a este “reino escatológico”. Os que creem e estão
em união com Cristo não serão julgados,6 não morrerão eter-
namente, mas terão a vida eterna.7

Em Atos 22.16 há um conjunto de temas que se repete


(sem que se tenha uma formulação sistemática da doutrina
ou um ritual uniforme de iniciação cristã): proclamação do
evangelho, arrependimento, fé, o nome do Senhor Jesus Cris-
to, lavar com água, perdão de pecados, imposição de mãos,
recebimento do Espírito Santo, glossolalia, vida e salvação,
entrada na comunidade cristã. Seis afirmações sobre batismo
nas epístolas e em Atos:

6 Jo 3.18.
7 Jo 3.16.
24    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

1. O batismo nos une à morte e ressurreição de Cristo. (Rm


6.1-11: ver esse texto em conexão com Rm 5. Paulo não
deixa tão claro que ressuscitamos com Cristo no batismo,
ao menos não com a mesma ênfase que dá à morte e ao
sepultamento. Nossa ressurreição, a exemplo da restaura-
ção de todas as coisas ainda está no futuro.)

2. Batismo em Cristo nos insere em uma nova sociedade, a


igreja. O batismo define nossa identidade social, nos co-
loca em uma nova comunidade. Gl 3.27-29: a referência
a gentio... escravo… mulher talvez se deve ao fato de os
judeus usarem em uma das bênçãos do começo do dia
o agradecimento porque Deus não o fez um gentio, um
escravo ou uma mulher.

3. O batismo opera pela fé. Cl 2.12: Paulo coloca batismo e


fé lado a lado. Ele praticamente pode substituir Cristo, fé e
batismo um pelo outro.

4. Batismo em Cristo significa a remoção (lavagem) do peca-


do. At 22.16; Mc 1.4; At 2.38; 1Co 6.11.

5. Batismo e regeneração andam de mãos dadas. Tt 3.5; Jo


3.5; 2Co 5.17.

6. Batismo e o dom do Espírito não podem ser separados. Tt


3.5; 1Co 6.11; 1Co 12.13. Em Atos, o Espírito pode ser
dado depois do batismo (At 2.38; 8.15), antes do batismo
(At 10.44-48) e com o batismo (At 9.17-18; 19.5-6).
Schlink: os batizados não podem ficar sem os efeitos do
Espírito e a pessoa cheia do Espírito não pode ficar sem
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    25

o batismo. Aqui entram também os textos do selo: 2Co


1.21-22; Ef 1.13-14.

1.3 A natureza da igreja e a postura em


relação ao Batismo

A igreja administra o Batismo por ordem de Deus, e, mediante


o Batismo, a pessoa batizada torna-se membro da igreja. Por
isso, uma compreensão da igreja é também de grande impor-
tância para a questão do Batismo.

1. Se o Batismo é entendido como obra salvadora de Deus,


a igreja confronta o batizado como um instrumento da
obra divina. Agindo em obediência ao mandamento de
seu Senhor, a ação da igreja é ação de Deus. As pala-
vras “aquele que vos ouve, ouve-me a mim” (Lc 10.16),
aplicam-se também ao Batismo. Quando a igreja batiza,
Cristo está agindo, e o Deus triúno está batizando. Embora
a regeneração seja a obra do Espírito de Deus, Paulo pode
escrever aos Gálatas que ele os gerara e estava novamen-
te sofrendo por eles (Gl 4.19). No mesmo contexto, ele
também chamou atenção para a “Jerusalém lá do alto”.
Ela é “livre, a qual é nossa mãe” (v.26). “E assim, irmãos,
somos filhos não da escrava, e, sim, da livre”.

A igreja é a comunidade de crentes divinamente chamada


e ao mesmo tempo o órgão por cuja palavra Deus chama
homens à fé e por cujo batizar Deus torna os crentes membros
do corpo de Cristo. Nesse sentido, a igreja existe antes do
26    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

crente individual. A igreja não começa a existir pela associa-


ção dos crentes, mas é criada por Deus e cresce na medida em
que Deus, mediante o serviço dela, constantemente inclui mais
pessoas e as alimenta pela Palavra e a Ceia do Senhor. Nesse
sentido, também Lutero chamou a igreja de “mãe dos crentes”.

O Batismo é administrado pela igreja local, no entanto, o


batizado, por esse meio, torna-se membro da igreja universal.
Muito embora a igreja local seja entendida como um órgão da
obra salvadora de Deus, devemos prestar atenção à localida-
de. O Novo Testamento usa a mesma palavra “eclesia”, para
designar ambas, a congregação local e a igreja universal. A
última está presente em cada igreja local, pois o mesmo Deus
reúne Seu povo em cada congregação. Tanto a igreja local
como a igreja toda são chamadas de corpo de Cristo. Pois
Cristo está presente em cada igreja local.

Assim, também pelo mesmo Espírito Santo, o cristão indivi-


dual, assim como a congregação local e como toda a cristan-
dade são o templo de Deus. A validade e eficácia do Batismo
não dependem da pequenez ou caráter dúbio da igreja local,
pois mediante o batismo Deus faz do homem um membro da
sua única santa, católica e apostólica igreja, a comunhão que
abarca o espaço e o tempo e inclui a todos os que vivem ao
mesmo tempo e àqueles que na fé os precederam – a comu-
nhão dos irmãos e dos pais. A universalidade que inclui todas
as igrejas na terra ao mesmo tempo abarca a continuidade do
povo de Deus em peregrinação através dos séculos. O cristão
individual é gerado e alimentado com todos os dons que Deus
tem concedido à igreja no passado e no presente – não ape-
nas pela igreja local, mas pela igreja universal.
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    27

Portanto, a igreja confronta a pessoa individual a ser ba-


tizada como a esfera universal existente do poder de Jesus
Cristo. Deus tornou toda a criação sujeita ao Cristo exaltado,
quer ela o reconheça como Senhor, ou não. Com uma dinâ-
mica irresistível, esse domínio de Cristo acontece no mundo
mediante a Palavra e os Sacramentos. Entregue ao serviço de
Cristo como o veículo do seu domínio, a igreja dirige-se ao
indivíduo, abarca-o com o amor com que Cristo a amou, gera
o novo homem, o erige e alimenta de tal maneira que possa
crescer na compreensão da fé e tornar-se um instrumento do
Cristo presente e ativo.

A compreensão da igreja impede que se olhe apenas para


aquilo que o batizado pode ou não pode ser capaz de fazer
no momento do Batismo. Ela permite, antes, a confiança que
Deus age no batizado de variadas maneiras, não somente no
momento do Batismo, mas também após ele por meio do ser-
viço da igreja, através da proclamação, instrução, da Ceia
do Senhor e da intercessão. Assim Deus fortalece, admoesta
e adverte ao batizado a reconhecer e confessar o Senhor a
quem passaram a pertencer por meio do Batismo. Dessa for-
ma, o indivíduo é cercado, gerado e guiado pela fé da igreja
no Batismo e após o Batismo.

Essa compreensão da igreja, que também é apresentada


nas epístolas de Paulo, especialmente na carta aos Efésios, nos
ajuda a entender por que o Batismo infantil se firmou de forma
tão autoevidente na igreja antiga. A partir dessa perspectiva,
também a sequência exclusiva fé – Batismo sai pela beira da
estrada. Agora, a conexão entre fé e Batismo deve em todos os
casos ser decisivamente mantida, porém aqui a fé é esperada
28    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

também como um fruto do Batismo e a atividade posterior de


Deus através da igreja. Por isso, Agostinho ensinou que o sa-
cramento do Batismo, como algo administrado pela igreja que
crê, toma o lugar da fé da criança.

T. Aquino apontou enfaticamente para a fé vicária dos pais


e padrinhos e, por meio daquela, para a fé da igreja que po-
deria suprir até mesmo a fé perdida dos pais. Lutero rejeitou
a ideia de uma fé vicária, porém em sua Ordem do Batismo,
exortou firmemente aos pais e padrinhos a fazerem interces-
são pela criança a ser batizada e a crer que essa prece seria
ouvida.

2. Se Batismo é entendido como um ato de obediência da


parte do batizado, a igreja não confronta a pessoa a ser
batizada como o veículo pelo qual o Deus que batiza o
justifica, santifica e regenera. Ao contrário, o candidato ao
Batismo aparece como alguém já justificado, santificado e
renascido e se junta a si próprio àqueles que por meio do
Batismo confessaram a sua fé e se comprometeram à vida
dos justificados, santificados e renascidos. A incorporação
passiva ao corpo de Cristo mediante o Batismo é substituí-
da pelo evento ativo do vir ao Batismo e à igreja. O ato de
ser reunido e unido por meio da obra salvadora de Deus
no Batismo é substituído pelo ato subjetivo do reunir e unir
por meio do ato de confessar no momento do Batismo.
Aqui, a igreja não confronta o pecador como a mãe que
o gera por meio do Batismo, antes, porém, os crentes se
formam a si mesmos dentro de uma igreja por meio de
uma obrigação batismal.
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    29

1.4 Questões antropológicas relacionadas


ao batismo

Ritos marcam momentos significativos na vida dos povos. Em


todos os povos, a partir de aspectos culturais bem peculiares,
criam-se ritos para marcar e celebrar momentos importantes
na vida das pessoas e da própria comunidade. Esses ritos, pen-
sados e celebrados a partir de raízes bem próprias, podem ser
agrupados como ritos de iniciação, de integração, de passa-
gem. Por meio de símbolos, festa, música, expressão corporal
e uma série de outros elementos, os ritos são marcados como
momentos muito especiais na vida cotidiana das pessoas.

Antigas e distintas civilizações já possuíram cerimônias es-


pecíficas para acompanhar as pessoas em seus ritos. As pes-
quisas de cunho antropológico ajudam a compreender o quão
significativo e importante são os ritos de passagem na vida das
pessoas. Nos ritos de passagem, são encontradas três fases
distintas:

ÂÂO rito de separação, fase em que a pessoa é retirada do


convívio familiar.

ÂÂO rito de margem, fase em que as pessoas ficam sepa-


radas em um ambiente especial onde se processa uma
série de rituais de purificação e de separação, por exem-
plo.

ÂÂO rito de agregação, fase onde as pessoas são integra-


das, ou reintegradas, ao convívio social e comunitário,
agora em nova condição.
30    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Os ritos, por serem especiais, não acontecem a qualquer


tempo. O momento em que o rito é celebrado está predefinido
a partir do modo de vida de cada povo, pois ele traz consigo
uma valiosa memória cultural. E, por ser tão valioso, não quer
ser esvaziado, bagatelizado, barateado.

O ritual é repetitivo e leva em conta o contexto e a reali-


dade do momento. É interessante perceber que uma carac-
terística essencial dos ritos é a repetição de canções, gestos,
palavras, danças. Com isso, fomenta-se a íntima ligação do
passado com o presente, onde a identidade cultural do povo
é preservada através do rito celebrado em um momento di-
ferente e novo. Nesse sentido, o rito não é um recurso para
atrelar-se ao passado na possibilidade de manter-se alheio ao
cotidiano. Pelo contrário, o rito é celebrado em meio a uma
realidade na perspectiva da vida.

No rito, encontram-se a afetividade e a espiritualidade im-


prescindíveis no ser humano. É forte a presença do corpo nos
ritos: canções, gestos, danças, atos-sinal... O sentimento das
pessoas é externado de forma muito natural. E o mistério divi-
no se torna presente no ritual do povo reunido.

É importante ser batizado, ser batizada; é importante a


bênção da igreja, o “derramar água”. A importância do ba-
tismo se evidencia no caráter festivo que o cerca; é uma festa
ímpar em todas as comunidades cristãs, em todas as culturas.
Tem um forte aspecto familiar, mas não deixa de ser coletivo,
popular, comunitário. Mas o ritual do batismo, com o decorrer
do tempo, passou a englobar muitos outros rituais valiosos
na vida das pessoas. Quando se pergunta pelos motivos que
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    31

levam ao batismo, destacam-se, a partir da reação e da pers-


pectiva popular, observações como:

ÂÂMotivos religiosos: para que a criança seja membro da


igreja, seja abençoada por Deus, seja liberta do pecado
original, para que mais tarde ela possa casar na igreja,
prevenção ou cura de doenças, preparar para a morte,
possa ter um sepultamento cristão, possa ser educada
de forma cristã.8

ÂÂMotivos sociais: mostrar que os pais e as mães querem


educar suas crianças de forma responsável, tenha um
nome, possa se integrar à sociedade, obter padrinhos e
madrinhas, reciprocidade ou dependência em relação
ao compadrio, que não tenha dificuldade na escola e
na vocação, seja uma pessoa boa.

ÂÂMotivos tradicionais: porque é costume, porque é uma


tradição religiosa.9

O batismo traz consigo, portanto, a partir do ponto de vis-


ta popular, uma dupla intencionalidade de proteção contra o
mal (físico, psicológico, moral, social) e de bênção para viver
como Deus quer.

É significativo que a comunidade lembre-se de celebrar


outros momentos (além do batismo) que são importantes às
pessoas quando da geração de uma nova vida. Com a finali-
dade de valorizar aspectos que são importantes para a comu-

8 A partir de uma pesquisa social realizada com pessoas de diversas denomina-


ções religiosas, obteve-se uma variedade de respostas aqui relacionadas.
9 Ibid.
32    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

nidade religiosa e resgatar o que é essencial do batismo em


si, é oportuno buscar na história e na antropologia formas de
acompanhar as diferentes etapas da vida das pessoas.

“Ser mãe”, uma nova condição da mulher que precisa


ser preparada, acolhida e celebrada pela Comunidade. Por
exemplo, em certos contextos culturais, ocorrem cerimônias
religiosas específicas para a gravidez, comunitariamente. Ob-
serva-se que há, em determinado momento, um afastamento
da gestante do convívio social e comunitário, com o objetivo
de haver uma preparação para o parto. E tanto para a mãe
quanto para o pai é um tempo em que os sentimentos mani-
festam-se ambiguamente, entre alegria e medo, expectativa e
apreensão. É importante que a Comunidade crie um espaço
para lembrar dessa situação específica. Por isso, é interessante
que ele seja desvinculado do batismo, naquilo que tradicional-
mente se coloca como “bênção à mãe e ao pai”, pois possi-
bilitará a valorização do batismo em si, enquanto sacramento,
e resgatará a dimensão pastoral da Comunidade enquanto
lugar de acompanhamento e acolhimento de irmãos e irmãs
em seus ritos de passagem.

O nascimento de uma criança alegra e embeleza a vida da


Comunidade. E a novidade precisa ser apresentada e celebra-
da! Após o nascimento do bebê, o retorno da mãe e a apre-
sentação da criança é algo sobremodo especial tanto para o
convívio familiar quanto comunitário. A partir disso, um rito de
acolhida e de integração encontra seu espaço próprio na vida
da Comunidade.
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    33

Atividades

1) Marque com X as alternativas que contêm afirmações cor-


retas. Dentre os principais temas presentes no Batismo, po-
demos destacar os que seguem:

a) ( ) pelo batismo, morremos para o pecado;

b) ( ) pelo batismo, morremos para a fé e a comunhão;

c) ( ) pelo batismo, recebemos o Espírito Santo e seus


dons;

d) ( ) pelo batismo, somos integrados à Igreja Católica


Apostólica Romana;

e) ( ) pelo batismo, somos incorporados no corpo de


Cristo;

f) ( ) pelo batismo, somos incorporados ao reino que es-


tava preparado antes da fundação do mundo.

2) Assinale a única afirmação incorreta:

a) ( ) Se o batismo é entendido como obra salvadora de


Deus, batizar é agir em obediência ou mandamento
do Senhor e a ação da Igreja torna-se ação de Deus.

b) ( ) O batismo realizado pela igreja local deve ser re-


petido quando essa pessoa mudar de residência, para
outra cidade.

c) ( ) A igreja, como comunidade de crentes divinamente


chamada, é ao mesmo tempo meio pelo qual Deus
34    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

chama homens à fé e pelo batismo torna os crentes


membros do corpo de Cristo.

d) ( ) Mesmo sendo batizado na igreja local, pelo batis-


mo, o crente se torna membro da igreja universal.

3) Dentre as principais questões antropológicas envolvidas


no Batismo, podem ser listados os diversos ritos de pas-
sagem. Nos ritos de passagem, são encontradas três fases
distintas. Relacione-as:

I – O rito de separação.

II – O rito de margem.

III – O rito de agregação.

a) ( ) fase onde as pessoas são integradas, ou reintegra-


das, ao convívio social e comunitário, agora em nova
condição.

b) ( ) fase em que as pessoas ficam separadas em um


ambiente especial onde se processa uma série de ri-
tuais de purificação e de separação, por exemplo.

c) ( ) fase em que a pessoa é retirada do convívio fami-


liar.

4) Quando a igreja batiza, Cristo está agindo e o Deus triúno


está batizando. Comente essa frase e, a partir dela, aponte
para a importância e significado do Batismo.
Capítulo 2    Batismo: Sacramento que Revela o Amor de Deus    35

Gabarito
1) a, c, e, f   2) 2b

3) a (III), b (II), c (I)


Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 3

Batismo: Raízes e
Origens do Batismo
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    37

Introdução

O batismo cristão pode ter tomado “por empréstimo” de ci-


vilizações antigas símbolos e gestos para realizar seu rito ba-
tismal, porém com um significado novo e único para quem o
recebe. O Cristianismo primitivo não estruturou a cerimônia
batismal do nada, mas assimilou e introduziu elementos da
iniciação religiosa de outros povos. Aliás, o Antigo Testamento
reflete já uma variedade de ritos de purificação que envolvem
banhos. No entanto, a novidade está na “ressignificação” do
símbolo da água usada no batismo. E isso se torna evidente na
cruz da morte de Jesus Cristo e na sua ressurreição. Em com-
paração com os povos vizinhos, o batismo instituído por Cristo
aponta para uma diferença fundamental: enquanto que para
os outros povos os “batismos” estavam centrados na iniciativa
humana e com grande ênfase na magia, o batismo cristão
aponta para a completa falta de iniciativa dos seres humanos
e a total dependência de Deus.

O ato-sinal antecedente mais evidente do batismo era a


circuncisão praticada pelo povo de Israel. A circuncisão era
o ato-sinal, aplicado aos meninos, que colocava as pessoas
dentro da relação de aliança entre Deus e Israel. Era o sacra-
mento da antiga lei. Para Israel, a circuncisão era o autêntico
rito de iniciação religiosa que introduzia as pessoas no con-
vívio do Povo de Deus. No período pós-exílico praticava-se
o batismo de prosélitos para pessoas dos sexos masculino e
feminino. Isso acontecia por meio de rituais de purificação en-
volvendo banhos. Porém, esse ritual era considerado apenas
38    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

como de purificação, sendo mantido o ritual da circuncisão


para o sexo masculino, considerado como ritual de iniciação.

1.1 Antecedentes do batismo cristão

Assim como acontece com outros ritos da Igreja, o Batismo


cristão também encontra alguns paralelos ou mesmo alguns
antecedentes que apontam para a sua direção.

1.1.1 Água em um contexto cultural ou religioso


mais amplo
Para limpar o corpo, usa-se água; por extensão, a água pas-
sou a ter um uso simbólico no âmbito religioso. O uso ritual
ou cultual da água não se restringe ao contexto cristão. Os
hindus se banham no Ganges, os egípcios purificavam crian-
ças recém-nascidas, os mistérios eleusianos usavam o termo
“batizar” etc.

O que esses rituais têm em comum (com a prática cristã) é


o uso de água (exceto quando batismo tem sentido figurado)
e a conexão do rito com a remoção da culpa, a purificação, e
um novo início.

1.1.2 A
 ntecedentes no mundo greco-romano?
Seria possível dizer que o batismo cristão tem antecedentes
não cristãos? Essa pergunta preocupa aqueles, especialmen-
te os adeptos do método histórico-crítico, que se dedicam a
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    39

procurar pela origem das coisas, ou, melhor, que procuram


entender as coisas a partir de sua origem (princípio genético).

Houve um tempo em que se pensava que o batismo cristão


tinha sido copiado dos cultos de mistério no mundo helenís-
tico. Hoje, sabe-se que esses rituais de morte e renascimento
datam do segundo século de nossa era. Assim, busca-se um
paralelo judaico.

1.2 Abluções na Antiga Aliança e a


promessa da purificação escatológica

Pode-se buscar as origens do batismo cristão no AT? Sim e


não.

Na visão de mundo do AT, a água é o âmbito do caos (Gn


1.2). A ordem foi retirada do caos aquoso por ordem de Deus.
A criação estava cercada e ameaçada pela água, contida pela
mão de Deus. Mais adiante, as águas destrutivas do dilúvio se
tornaram águas de salvação para a família de Noé. A água
também aparece na história do êxodo (Ex 15.1,5; 1Co 10.1-
2): a água que afoga se tornou instrumento de redenção.

No Antigo Testamento, a água também é importante por


suas qualidades purificadoras. Limpeza era uma questão tanto
de higiene quanto moral e espiritual. Há várias abluções pres-
critas para diferentes pessoas em diferentes ocasiões. Exem-
plo: Naamã (2 Rs5.14). Também existem lavagens rituais: Êx
40.12; Lv 11.32; 15.11,13; 16.4 [Lv 11-15; Nm 19]. Só que
estes não eram ritos de iniciação análogos ao batismo cristão.
40    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Importante, nesse contexto, é a promessa da purificação no


fim dos tempos: Is 1.15-16; 4.4; 44.3; Jr 2.22; Jr 4.14; Ez
36.25-27; Zc 13.1; Sl 51.2,7.

Leis do Antigo Testamento contém inúmeras prescrições so-


bre purificação por meio de lavagem ou aspersão (Lv 11- 15;
6.20; 16.24,ss; 17.15s; Nm 19). São indicados também o
tempo de duração do estado de impureza e o tempo necessá-
rio para a purificação. Nesses casos, toda a pessoa ou apenas
partes afetadas do corpo, ou também as vestes e seus objetos
pessoais deviam ser lavadas em água (Lv 6.28). Havia também
uma purificação pelo fogo (Nm 31.22,ss). O doente excluído
da comunhão da congregação era readmitido pela purifica-
ção. Ligado ao rito havia uma oferta pelo pecado e uma oferta
queimada (Lv 14.8,19,ss).

As lavagens aconteciam com qualquer tipo de água (Lv


15.13; 14.5; Nm 19.17). Em duas ocasiões, usava-se água
especialmente preparada. No caso de impureza pelo contato
com mortos e túmulos, a pessoa devia ser aspergida com água
misturada com cinzas de uma oferta queimada (Nm 19.17).
Os leprosos deviam ser borrifados com água misturada ao
sangue de uma ave sacrificada (Lv 14.5,s).

Cada sacrifício e cada lavagem era combinado em um


único ato de purificação. Algumas palavras proféticas impor-
tantes seriam incompreensíveis caso as abluções com água
não fossem um costume geral (veja, por exemplo, Is 1.15,16;
Jr 4.14). Esses imperativos proféticos obviamente pressupõem
abluções rituais. Contudo, eles não exigem lavagens físicas
com água, porém a limpeza do mal do coração, a saber, o
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    41

arrependimento (Is 1.16,17). Em razão da impenitência da na-


ção, um futuro ato divino soberano de lavagem e purificação
foi proclamado: “quando o Senhor lavar as imundícias das
filhas de Sião, e limpar Jerusalém da culpa do sangue do meio
dela, com o Espírito de justiça e com o Espírito purificador” (Is
4.4, ARA). Ezequiel afirmou que essa lavagem escatológica
será uma obra salvadora de Deus, uma nova criação de Deus:
“Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados;
de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos
purificarei. Dar-vos-ei coração novo, e porei dentro em vós
espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei
coração de carne. Porei dentro em vós o meu Espírito, e fa-
rei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e
os observeis” (Ez 36.25-27, ARA, Cf. Ez 47.1-12; Zc 13.1; Sl
51.2,7,16,17).

No decurso da história do judaísmo pós-exílico até a vinda


de Jesus, essas lavagens rituais adquiriram grande importân-
cia. Quando as tentativas de cumprir a Lei e para ser purifi-
cado como condição pela esperada obra salvadora de Deus
tornaram-se mais radicais, as lavagens não estavam mais res-
tritas aos casos explicitamente prescritos pela Lei. Eram exigi-
das de todos os judeus e deviam ser repetidas com frequência.
Seu único objetivo era a pureza ritual. As purificações eram
entendidas basicamente como atos de cumprimento dos pre-
ceitos da lei divina. Dentro do judaísmo oficial, os Fariseus em
especial estabeleceram rigorosas regras de purificação. Eles
tinham de purificar-se sempre, mediante um banho por imer-
são, quando um não fariseu os tocasse.
42    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Contudo, mesmo fora do judaísmo oficial, as lavagens e


banhos espalharam-se nas seitas judaicas que se separavam
a si mesmas com vistas a um cumprimento mais rigoroso da
lei. De significado especial é a comunidade dos Essênios. Estes
afastaram-se do culto e sacerdócio do templo de Jerusalém
que, para muitos judeus, tornaram-se suspeitos desde a época
dos hasmoneus.

Os Essênios apelavam para Is 40.3, indo ao deserto com


o objetivo de prepararem-se como “casa de Israel” para após
as guerras escatológicas entre os “filhos da luz” e os “filhos
das trevas” oferecerem o serviço sacerdotal no templo de Deus
purificado. Essa preparação acontecia mediante o arrependi-
mento, o ascetismo e uma disciplina rígida na vida em comu-
nidade. Os banhos de purificação assumiram um papel muito
importante, maior até do que entre os Fariseus. A partir do mo-
mento de aceitação do indivíduo na ordem, essas purificações
acompanhavam-no por toda a sua vida. Mesmo quando o
essênio fosse tocado por outro essênio de classe inferior, essa
deficiência devia ser removida por um banho.

Dentro do judaísmo, surgiu também o Batismo de proséli-


tos. Surgiu antes mesmo do ministério de João Batista. O tal-
mude estabelece três requisitos para a aceitação de um prosé-
lito na comunidade judaica: 1) A circuncisão, 2) Uma imersão
para purificação levítica, 3) Um sacrifício com derramamento
de sangue para fazer expiação por ele. A fé no Deus único e o
conhecimento do principal mandamento da Lei eram pressu-
postos. Em razão desse Batismo, o prosélito era considerado
cerimonialmente limpo e, por isso, tinha acesso à comunidade
de adoração e sacrifício.
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    43

No período do NT propriamente dito, existem as abluções


dos fariseus (Mc 6.1-8).

1.3 Algum paralelo em Qumran?

Passado o perigo do que alguém chamou de “qumranite” (a


tentativa de explicar tudo no NT a partir de Qumran), fica o
detalhe de que 70 A.D. (Nesse caso, poderia ser ’derivado‘
do batismo cristão, ao invés do processo inverso.) O Mishná
relata que os rabinos Hillel e Shamai (séc. I) debatiam assuntos
ligados ao batismo de prosélitos. Tal batismo de prosélitos não
é mencionado no AT nem por Filo ou Josefo.

No século III A.D., os prosélitos eram batizados na presen-


ça de testemunhas, sete dias depois da circuncisão. Esse era o
único rito para mulheres e meninas.

1.4 O batismo de João Batista

O batismo de João Batista é considerado como o ponto de


contato com o batismo do Novo Testamento, por apontar para
a era escatológica que se inicia com Jesus Cristo. No deserto,
João Batista aparece como um profeta dos últimos tempos. Vi-
vendo asceticamente, prega a conversão, a prática da justiça e
da partilha (Lucas 3.10-14). Essa pregação era acompanhada
de um rito de ablução, o batismo no rio Jordão. O batismo
de João foi visto pelos setores social e religiosamente margi-
nalizados de Israel como autêntica libertação do ritualismo e
44    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

legalismo a que os sacerdotes e fariseus do período neo-testa-


mentário haviam submetido ao povo. Era uma pregação e um
ritual popular que contrastava com a religiosidade oficial liga-
da ao templo e à casa sacerdotal. Ao ligar, em sua pregação,
a temática da conversão, da justiça e da partilha, João Batista
aponta para o “Reino de Deus que está próximo”.

Ao receber o batismo de João, Jesus colocou-se na condi-


ção de igual a todas as pessoas e iniciou ali o seu ministério.
Ao ordenar, após a sua ressurreição, que seus discípulos tam-
bém batizassem, Jesus conferiu grande autoridade ao batis-
mo. Ao identificar o batismo com a sua paixão e morte, Jesus
confere a este o enfoque da graça e da misericórdia de Deus.
Assim, promove um sentido novo, diferente daquele trabalha-
do por João Batista. O ponto central para a realização do
batismo não está mais na esfera do julgamento de Deus, como
João Batista entendia, mas, sim, passa a ser vivido a partir da
graça e da misericórdia salvífica de Jesus.

Em meio aos vários banhos e lavagens de sua época, João


Batista proclamou a sua mensagem. Na situação radical de
expectativa iminente, ele reviveu a mensagem profética do
dia da ira do Senhor e do julgamento por meio do fogo (Mt
3.9,10). Foi especialmente crítico dos Fariseus e dos Saduceus.

Consciente de ser ele o porta voz e preparador do caminho


para Aquele que estava para vir, o “mais poderoso” (Mc 1.7),
João o proclamou como o executor do julgamento divino. Ao
mesmo tempo, João via nele o cumprimento da promessa pro-
fética sobre a outorga do Espírito (Mc 1.8).
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    45

Visto o juízo de Deus ser iminente, é exigido o imediato


arrependimento. João não exigia apenas a confissão do pe-
cado, mas também um afastamento do mesmo (Mt 3.8,10).
Baseado nessa pregação de arrependimento, João convidava
as pessoas para o Batismo.

Qual o significado do “Batismo de arrependimento”?

Não se tratava apenas de uma limpeza exterior do cor-


po, nem de uma purificação cultual-cerimonial. Era antes uma
preparação do homem todo para o seu encontro com o juiz
vindouro. Esse Batismo relacionava-se com uma conversão to-
tal, a única maneira de livrar-se do julgamento. Através desse
Batismo, o pecador penitente era inserido no arrependimento
e, por causa dele, produzia frutos do arrependimento e aguar-
dava a salvação no juízo vindouro. Para Mateus, o Batismo
de João não era apenas de arrependimento, mas também um
Batismo para arrependimento (eis metánoian, Mt 3.11).

O batismo de João não efetuava o perdão, mas prepara-


va o arrependimento no qual o perdão futuro era esperado.
Mateus provavelmente evitou a expressão “batismo de arre-
pendimento para a remissão de pecados” para não gerar in-
compreensões. Seus ouvintes poderiam pensar que o batismo
de João já estivesse oferecendo aquilo que caberia exclusiva-
mente a Jesus Cristo. Marcos e Lucas usam as mesmas pre-
posições em relação ao Batismo, para designá-lo como um
“batismo de arrependimento para a remissão de pecados”,
como Mateus fez quando relatou sobre um batismo “para ar-
rependimento” (Mt 3.11).
46    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Não coube a João, mas, sim, ao que viria após ele, operar
a purificação e renovação escatológica mediante o Espírito
Santo, conforme prometido pelos profetas (Mc 1.8; Mt 3.11;
Lc 3.16; At 1.5).

O batismo de João exige arrependimento, dirige ao arre-


pendimento e reconhece o arrependimento como escatologi-
camente válido. Nesse aspecto, o batismo de João pode ser
caracterizado como um selo eficaz do arrependimento. O Ba-
tismo de João contém elementos que também são conhecidos
de outros banhos e abluções judaicos. Ele compartilha com
os mesmos temas da preparação para o encontro com Deus.
Mesmo assim, o Batismo de João foi de maneira decisiva uma
inovação. A despeito de várias similaridades, ele não provém
de outros ritos existentes. Se os contemporâneos de João não
tivessem considerado seu batismo como algo completamente
novo, não o teriam denominado de “Batista”, e não teriam
destacado seu batismo como o elemento decisivo do seu mi-
nistério.

O batismo de João distinguia-se de outras imersões e ablu-


ções judaicas pelo fato de não se repetir. Possuía uma finali-
dade escatológica. Não era autoadministrado, mas aplicado
por João. Esse batismo distinguia-se dos ritos de purificação
nisso que ele estava ligado ao anúncio do julgamento iminente
e era administrado “para arrependimento”. Outra diferença
importante era que João convocava todo o povo judeu ao
Batismo, enquanto os banhos dos Essênios eram oferecidos
apenas a um pequeno grupo, àqueles que fizeram seus votos
e demonstraram seus esforços de santidade.
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    47

O batismo de João era como o dos prosélitos nisso que


era aplicado somente uma única vez. Contudo, diferia deles
no fato de não ser autoaplicável. O batismo de prosélitos pos-
suía apenas o sentido ritual de estabelecer a pureza levítica
que então devia ser acompanhada de uma expiação por meio
de um sacrifício. O de João estava em visível contraste ao de
prosélitos pelo fato de o Batista o aplicar aos judeus e não a
gentios convertidos.

O novo do batismo de João, em contraste com as outras


lavagens e imersões da sua época, está na sua comissão para
proclamar o juízo iminente. Por causa dessa mensagem, ele é
o último em uma série de profetas do Antigo Testamento e o
precursor daquele que virá. Na expectativa do juízo iminente,
o homem não pode salvar-se por seus próprios esforços. Ele
pode ser preparado para a salvação somente por Deus e por
aquele que Ele enviou. Nesse sentido, devemos entender a
pergunta de Jesus: “O batismo de João era do céu ou dos
homens?” (Mc 11.30).

João é precursor de Jesus, e seu batismo é precursor do


batismo cristão. O fato de Jesus ter sido batizado por João
endossou, por assim dizer, o batismo de João. Mt 3.9-10. Não
tem paralelos exatos no judaísmo. Há semelhança com o ba-
tismo de prosélitos na medida em que servia para limpar o
convertido de impureza moral e cultual. Não era repetido, era
para judeus, não resultava em comunidade.

O batismo de João tem os seguintes paralelos com o batis-


mo cristão: caráter escatológico; ligado à conversão e perdão
48    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

de pecados; era passivo, isto é, as pessoas eram batizadas e


não batizavam-se a si mesmas.

Resultado: Panos de fundo semelhantes e paralelos não


explicam origens. Muitos adeptos do método genético (leia-se
histórico-crítico) pensam que, achado um paralelo extrabíbli-
co, tem-se a origem do fenômeno. Samuel Sandmell, teólo-
go judeu, denominou isso de “paralelomania”. Na verdade, o
máximo que um paralelo mostra é que existe um paralelo. Se
as linhas se tocam, ou se uma dá origem à outra, isso é uma
questão de interpretação.

1.5 Batismo no Novo Testamento

O Novo Testamento tem mais a dizer sobre Batismo do que


sobre Santa Ceia. Quanto ao batismo, os escritores do Novo
Testamento não dão uma explicação coerente e completa do
mesmo (isto é, não existe uma extensa teologia do batismo).
Eles partem do pressuposto que o batismo é administrado e
que é importante. Eles falam de pessoas batizadas e corrigem
noções errôneas a respeito do mesmo.

Há vários significados atribuídos ao batismo: morte e nova


vida, purificação do pecado, regeneração, unção. No Novo
Testamento, é subentendido em muitos momentos. Os escri-
tores neo-testamentários partem do pressuposto que todos os
cristãos foram batizados.

Por outro lado, embora as referências à santa ceia sejam


mais escassas, existe um aspecto da ceia que não tem paralelo
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    49

no batismo: a certeza quanto ao momento de sua instituição.


Enquanto se discute quando exatamente foi instituído o batis-
mo cristão (no batismo de João? No momento em que Jesus
foi traído?). Ainda comparando batismo e ceia, pode-se dizer
que o batismo é passado que se atualiza no presente. Está fir-
memente ancorado no passado. A Ceia, em um certo sentido,
sempre é futura. Ela é celebrada até que Ele venha.

1.6 Terminologia relacionada ao Batismo

a) No AT, isto é, na LXX, o verbo aparece duas vezes:

Isaías 21.4 – (Meu coração vagueia, e a transgressão me


sufoca [“inunda”]; minha alma está tomada de medo.)

Siraque 34.25 – (se alguém lava depois de tocar um ca-


dáver e volta a tocar nele...)

b) Estatística no Novo Testamento:

baptw – 3 vezes (Lc 16.24, Jo 13.26, Ap 19.13) em senti-


do literal: (“molhar”, “tingir”).

baptizw – 77 vezes, sempre ou quase sempre em um sen-


tido cultual (abluções religiosas ou batismo).

baptisma – 19 vezes (termo que, em grego, só é usado por


escritores cristãos).

c) Na literatura grega, em geral, pôr dentro de água ou


entrar debaixo da água em vários sentidos, também o
figurado, como, por exemplo, “embeber” (em vinho);
50    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

em nossa literatura [NT e textos cristãos antigos] ape-


nas em sentido ritual ou cerimonial.

1. Lavar cerimonialmente com vistas à purificação, lavar, pu-


rificar, de um amplo espectro de lavagens rituais repetiti-
vas e que tem suas raízes na tradição israelita (Mc 7.4; Lc
11.38).

2. Usar água em um rito que tem o objetivo de renovar ou


estabelecer um relacionamento com Deus, mergulhar, mo-
lhar, lavar, batizar. A transliteração “batizar” expressa o ca-
ráter cerimonial que as narrativas do NT atribuem a essa
purificação, mas a necessidade de se qualificar o termo e
o colorido contextual nos documentos [do NT] indica que
o termo “baptizw” não era nem de longe um termo tão
técnico quanto a transliteração poderia sugerir.

a. de uma purificação de dedicação associada com o


ministério de João Batista (Jo 1.25,28).

b. da purificação realizada por Jesus (Jo 3.22,26; 4.1; cf.


4.2).

c. do sacramento cristão de iniciação após a morte de


Jesus (muitas vezes na voz passiva) (Mc 16.16; At
2.41; etc. Didaquê 7 [onde se permite o batismo por
aspersão em caso de necessidade]. – batizar alguém
em ou com referência ao nome de alguém (At 8.16;
19.5; 1Co 1.13; Mt 28.19); – batizar “eis Christón”:
para Paulo, é um envolvimento na morte de Cristo e
suas implicações para aquele que crê; – batizar “hyper
ton nekron” (1Co 15.29) é algo obscuro para nós
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    51

devido ao conhecimento limitado que temos de uma


prática que era sem dúvida óbvia para os leitores da
carta de Paulo; foi interpretada como 1) em lugar dos
mortos, isto é, vicariamente; 2) para o benefício dos
mortos, em uma variedade de sentidos; 3) em sentido
local, sobre (os túmulos) dos mortos; 4) por causa dos
mortos, isto é, influenciados pelo bom exemplo deles.
Destes, os últimos dois são os menos prováveis.

3. Fazer com que alguém tenha uma experiência extraordi-


nária semelhante a um rito de iniciação com água, mergu-
lhar, batizar.

a. tipologicamente, da passagem de Israel pelo Mar Ver-


melho (1Co 10.2).

b. do Espírito Santo (Mc 1.8; Jo 1.33; At 1.5; etc.). Tam-


bém com fogo (Mt 3.11 e Lc 3.16), o que se caracteri-
za como um oximoro (palavras aparentemente contra-
ditórias: Ex.: Batizar com fogo).

c. do martírio (Mc 10.38; Mt 20.22; Lc 12.50).

4. Jesus

4.1. Jesus foi batizado

Jesus precisou se arrepender? Os textos jamais dizem isso.


Jesus pede o batismo de João por uma razão diferente: cum-
prir a dikaiosune. (Mt 3.15; cf. 5.17).’Justiça’ se refere, em Mt,
àqueles que são corretos e obedecem à lei, que são obedien-
tes e fiéis aos mandamentos de Deus. Mateus nos apresentou
Jesus cumprindo profecias específicas bem como temas bíbli-
52    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

cos mais amplos. Agora, Jesus cumpre as exigências morais da


vontade de Deus.

4.2. Inicialmente, ao menos, os discípulos de Jesus


batizavam (Jo 3.22, 4.2). Batizar não fez parte do ministério de
Jesus.

4.3. O batismo com que Jesus será batizado – Mc


10.38-40, Lc 12.50.

4.4. Mt 28.19 – Aqui está a origem do batismo cris-


tão. Notar que a comissão missionária (“grande comissão”)
tem, nos 4 evangelhos, conexão com temas batismais: Lc
24.47, Mc 16.16, Jo 20.22, Mt 28.19. A comissão é fazer
discípulos. Batizar e ensinar são os dois procedimentos asso-
ciados com a execução desse mandato ou dessa tarefa. A dis-
cussão gira em torno do relacionamento exato entre o que
está expresso nos particípios (batizando, ensinando) e o que
é dito no verbo principal (discipular, fazer discípulos). Não um
batismo em os nomes de..., mas em um só nome. A Trindade,
presente em Mt 3, tem menção expressa em Mt 28. (A fórmula
trinitária se torna comum no segundo século: Didaquê 7.1-3;
Justino, Apologia 1.61; Tertuliano).

“Em nome...” – implica comprometer-se com aquele


nome. “O nome fornece uma definição, uma frase que indica
a referência básica do batismo cristão e que o distingue de
todos os outros batismos”. Comum nos documentos do tempo
do NT em linguagem comercial: “para a conta de...” Logo,
no batismo, estabelece-se uma relação de pertencer a Jesus.
O batismo estabelece uma relação entre o Deus trino e o ba-
tizado. Ser batizado em nome do Pai é ter Deus como Pai (Mt
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    53

6.9); ser batizado em nome do Filho é receber os benefícios


daquilo que o Filho de Deus fez pela humanidade (At 2.38);
ser batizado em nome do Espírito Santo é ter a presença e o
poder do Espírito de Deus que dá vida.

5. Atos: At 2.38, 41; cf. 10.48 – Já no Pentecoste, assim


“meio de surpresa”, Pedro conclama ao batismo. É Batis-
mo em nome de Jesus. Atos descreve a prática do batismo,
sem dar uma teologia do batismo. Batismo e conversão
estão intimamente relacionados em Atos, a ponto de as
pessoas serem batizadas tão logo convertidas. Em muitos
casos, a primeira coisa que se faz com um convertido é
batizá-lo (não há registro de um período de instrução).

Outro detalhe que se destaca em Atos é o batismo de casas


inteiras (Cornélio, At 11.14; Lídia, 16.15; o carcereiro, 16.31;
Crispo, 18.8). Da casa faziam parte escravos etc. Aqui, teve in-
fluência a visão judaica: o relacionamento com Deus nunca é
puramente individual, mas tem também uma dimensão social.
O batismo muitas vezes envolve grupos inteiros.

Em Atos, há pouca informação sobre como as pessoas


eram batizadas. É um pouco forçado pensar que havia uma
piscina funda em todas as ocasiões e em todas as casas.

Falar em línguas: 3 vezes em Atos (2; 10; Éfeso). De sur-


presa (sem preparo anterior) sobre grupos (não indivíduos.)
Detalhe interessante é que Lucas pode referir-se ao fato de
pessoas se tornarem cristãs mencionando apenas um aspecto,
como, por exemplo, “ser acrescentado à igreja”, “crer”, ou
“ser batizado”.
54    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

6. Paulo pressupõe que todos os cristãos tenham sido batiza-


dos. (Rm 6 etc.) ”Em Paulo, ser batizado é apropriar-se da
nova vida, e a nova vida é apropriação do batismo”.

6.1. Textos claros

“As metáforas mais importantes para o batismo, no NT, são


de três tipos: morrer e ressuscitar, lavar, renascer.” Gl 3.26-27
(metáfora do vestir Cristo); 1 Co 12.13; Rm 6.1-14 – objetivo
maior não é dar explicação teológica da natureza do batismo,
mas explicar seu significado para a vida. Aqui, Cristo não é
nosso substituto, mas nosso representante. Cl 2.11-12 – não
amplia Rm 6, apenas esclarece o que lá está.

6.2. Possíveis alusões

Selo e garantia: 2 Co 1.21-22, Ef 1.13-14, Ef 4.30


[Gado, escravos recebiam o selo do dono. Também soldados
eram tatuados (filme Gladiador). “Recebe o sinal da cruz...”;
Adoção e nova criação: Rm 8.29-30, 2 Co 5.17; La-
var: 1 Co 6.11, Ef 5.25-27; en Cristw – (164 x) “... estão ‘em
Cristo’ todos os que pelo Batismo foram incorporados em
seu corpo, a Igreja, sendo assim expostos à ação de seu Espí-
rito através da palavra”.

7. Epístolas Católicas

Hb 6.3-4, Hb 10.22; 1 Pe 1.3-4,22-23; 1 Pe 3.20 (batismo


é antítipo do dilúvio. Uma das mais explícitas referências, no
NT, ao benefício salvífico do batismo.; 1 Jo 2.20,27,29; 3.9;
4.7; 5.1,18. Fica claro que o batismo é o começo de uma
nova vida.
Capítulo 3    Batismo: Raízes e Origens do Batismo    55

Atividades

1) Enumere os principais ritos de purificação do Antigo Tes-


tamento que envolviam aplicação de água e fale dos seus
significados.

2) Particularidades do Batismo de João e seu significado.

a) ( ) Era aplicado aos prosélitos e repetido várias vezes.

b) ( ) Era aplicado para arrependimento dos pecados e


preparo para o reino de Deus que estava próximo e
não era repetido.

c) ( ) Efetuava o perdão dos pecados.

d) ( ) É o mesmo que o batismo cristão.

3) Marque com um X as alternativas que apontam para o


significado do Batismo no Novo Testamento.

a) ( ) Comemoração da libertação do Egito.

b) ( ) Morte e nova vida em Cristo.

c) ( ) Recordação das bênçãos e da proteção de Deus.

d) ( ) Garantia de saúde física e mental.

e) ( ) Purificação do pecado e regeneração.

4) O verbo “batizar” (baptizw) pode ter vários significados,


relacionados com a água. Assinale as alternativas corre-
tas.

a) ( ) inundar
56    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

b) ( ) lavar ou purificar

c) ( ) correr

d ( ) molhar ou tingir

e) ( ) amaciar

f) ( ) pôr dentro da água

g) ( ) entrar debaixo da água

h) ( ) aspergir

Gabarito
2) b   3) b, e;   4) a, b, d, f, g, h
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 4

Batismo: Dimensão
Bíblica, Teológica e
Confessional
58    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

A abordagem do batismo nas dimensões bíblica, teológica e


confessional pressupõe que o tema precisa estar bem funda-
mentado e que, enquanto sacramento, o mesmo é considera-
do de fundamental importância para a vida e crescimento da
igreja cristã.

1.1 Necessidade do Batismo

O batismo é uma instituição divina e uma dádiva de Cristo


para a sua Igreja. Reconhecemos que Cristo instituiu o batis-
mo, pois há diversas evidências no Novo Testamento, através
do que foi dito e feito por Jesus, de que o batismo é uma práti-
ca agradável a Deus. Por isso tem ocupado lugar de destaque
na vida da igreja cristã desde os primórdios, fundamentando
a sua prática batismal na ordem e promessa de Cristo (Mt 28;
Mc 10 e Jo 3).

O batismo é ministrado em nome do Deus Triúno: Pai, Filho


e Espírito Santo. Mesmo que em certo período o batismo tenha
sido ministrado apenas em nome de Jesus, o relato da sua
instituição declara que o mesmo já era ministrado com água e
em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Sendo ou não
ministrados em nome de Jesus, o contexto indica que desde o
início, batismo em nome de Jesus e batismo em nome do Pai
e do Filho e do Espírito Santo é a mesma coisa, como atestam
as confissões trinitárias por ocasião dos batismos.
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    59

O batismo é um meio da graça, da autodoação de Deus à


humanidade, que opera e é recebido em fé para a salvação,1
não estando limitado aos fatores “limitantes” do ser humano.
Para sermos salvos, é necessário que tenhamos fé Naquele
que foi enviado para nos salvar. Essa fé está contida e é con-
cedida no batismo. Não se trata de uma experiência momen-
tânea e passageira, mas uma constante luta e uma contínua
experiência da graça. A vida no batismo, portanto, é uma vida
de fé, esperanças e obediências a Cristo e amor ao próximo.

Pelo Batismo (e no permanecer na fé batismal), somos per-


doados dos nossos pecados. A pecaminosidade inata é atesta-
da pela Escritura, tanto pelo salmista Davi como por Paulo, e a
consequência do pecado é a morte. Deus em sua misericórdia
quer salvar a todos das consequências do pecado. Pedro em
sua carta diz que o batismo salva. Nas águas do batismo,
Deus mais uma vez livra o homem do mundo dominado pelo
pecado, levando-o para dentro da nova criação que Cristo
traz. Orígenes (184-254), falando sobre o Batismo de crian-
ças, declara: “Segundo o costume da igreja, o batismo é apli-
cado às crianças pequenas. Se elas não tivessem algo em sua
natureza que necessitasse de perdão e misericórdia, a graça
do batismo não lhes seria necessária... Por essa razão, a igre-
ja, desde os tempos dos apóstolos, tem a tradição de batizar,
também as crianças, porque aqueles aos quais os mistérios
divinos foram confiados sabiam que toda criatura humana é
poluída pelo pecado, e que deve ser purificada com a água
e o Espírito; por isso também o corpo é chamado um corpo

1 1 Pe 3.21-22.
60    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

pecaminoso. (...) Crianças pequenas devem ser batizadas para


a remissão dos pecados.”2

O rito é necessário porque ele é e articula a ação das pes-


soas envolvidas no batismo, e transmite seu significado. Como
os ritos de outras celebrações na comunidade, o rito batismal
permite realizar o batismo e articular as dimensões teológicas
que o fundamentam. O rito permite expressar a fé que leva
pessoas a batizar. Através da ação ritual, estruturada e orde-
nada, as pessoas envolvidas no batismo experimentam sacra-
mentalmente o que ele significa.

O rito declara que a comunidade é constituída de pessoas


capacitadas pelo Espírito Santo, integrantes do sacerdócio ge-
ral. Libertadas das forças opressoras do mundo, podem viver
nova vida, em justiça, que é articulada na comunhão euca-
rística. Ali, inclui os ausentes (enfermos, desprezados, machu-
cados) e realiza gestos que regam os sinais do Reino (como a
assistência mútua). Essa ação ritual possibilita que a comuni-
dade experimente de maneira celebrativa a ação redentora de
Deus através do batismo e se fortaleça para seu testemunho
no mundo.

2 Orígenes, in: J. N. D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã, p. 157.


Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    61

1.2 O Batismo Infantil

Trataremos aqui não apenas com a relação entre fé e Batismo,


mas também da relação entre o Batismo e a obra de Deus,
bem como entre o Batismo e a igreja.

1.2.1 A origem do Batismo infantil e sua


rejeição
Há disputa sobre a época em que começou o Batismo infantil.
Na escola históricocrítica, no começo deste século, a convic-
ção geral era que a igreja primitiva não praticava o Batismo
infantil. Desde a década de 20, porém, essa opinião foi con-
testada por Albrecht Oepke, Johannes Leipold, Joachim Jere-
mias e Oscar Cullmann. Jeremias avançou nos argumentos
em favor de se assumir a prática do Batismo infantil na igreja
primitiva e defendeu a tese que desde o começo as crianças
nascidas antes do Batismo dos seus pais eram batizadas com
eles, embora isso ainda não se aplique a crianças nascidas
de pais cristãos. Contestando os argumentos individuais de
Jeremias, Kurt Aland chegou à conclusão que a igreja primiti-
va não batizava nenhum infante, e que o Batismo de crianças
não surgiu antes do segundo século, enquanto o Batismo de
infantes não foi praticado antes do ano 200.

Seguindo o método de Aland, começaremos com os pri-


meiros testemunhos e buscaremos por traços mais antigos a
partir deles.

(1) As confirmações mais antigas para o Batismo infantil apa-


recem por volta do ano 200.
62    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

No seu tratado “Contra os hereges” (após 180), Irineu faz


uma exposição da afirmação que Jesus veio para salvar, acres-
centando, “todos, eu afirmo, os que por meio Dele são gera-
dos de novo – infantes e crianças (parvulos), meninos, jovens e
velhos”. “Nascer de novo” (renasci) é um termo técnico para o
Batismo. É válida a conclusão que na área da igreja Galicana
os infantes eram batizados já no segundo século.

A ordem eclesiástica de Hipólito, que surgiu em Roma, cer-


ca de 215 A.D., contém a orientação: “Primeiro os pequeninos
devem ser batizados. Todos os que podem responder por si
mesmos, respondam. Para aqueles, porém, que não o podem
fazer, seus pais ou outros familiares deverão responder”. Essas
sentenças apareceram no texto latino e nas traduções orientais
da ordem eclesiástica. Em razão do caráter de uma ordem
eclesiástica, deve ser considerado plausível que o Batismo in-
fantil tenha sido praticado por um período considerável antes
de Hipólito. Pois as ordens da época, como regra, não impu-
nham novas ordens, porém faziam ajustes para a sua época
comparando outras ordens existentes.

Está claro, a partir do tratado de Tertuliano, que o Batismo


de infantes era praticado na igreja da África por volta do ano
200. Ele se opunha à prática do mesmo. Segundo ele, os in-
fantes eram incapazes para compreender e fazer sua própria
opção. Outro argumento contra o Batismo infantil é o peri-
go para os padrinhos, os quais podem estar impedidos pela
morte de cumprir sua promessa ou estar decepcionados pela
maneira como se desenvolvem as crianças enquanto crescem.
Tertuliano também adverte às virgens e noivas a adiarem o
Batismo por causa das tentações. Contudo, Tertuliano não diz
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    63

sequer uma palavra para sugerir que essa oposição ao Ba-


tismo infantil se baseia no fato de ser ele uma inovação. Sua
oposição parece antes prognosticar um rigor ético que poste-
riormente levou-o ao Montanismo.

Tertuliano entendia o Batismo não como um auxílio na luta


contra as tentações, mas, sim, como um fardo pesado. Note-
se, porém, que, apesar de toda a sua crítica, Tertuliano de
modo algum contestava a validade do Batismo infantil. Apenas
considerava mais benéfico o adiamento do mesmo. A questão
sobre o Batismo infantil levou a igreja à separação. Naquela
época o Batismo infantil não era ainda obrigatório na África.
Isso aconteceu nos dias de Cipriano. Na sua carta a Fido, Ci-
priano se refere ao sínodo de Cartago, por volta de 251, que
decretara que as crianças deviam ser batizadas logo após o
seu nascimento, não somente oito dias após.

Cerca de 240 AD, Orígines, em suas homilias sobre Lucas


e seu comentário de Romanos, menciona três vezes o Batismo
de infantes. Segundo ele, a igreja recebera uma tradição dos
apóstolos para administrar o Batismo também aos infantes.
Orígines também destaca que mesmo uma pessoa de idade
avançada não está livre do pecado. Sendo que os seus escritos
foram compostos na Palestina, é discutível se suas afirmações
sobre o Batismo infantil se referem apenas a essa área ou tam-
bém a outras regiões da igreja por ele visitadas. A última possi-
bilidade é mais provável, pois ele apela à tradição apostólica.

Portanto, o Batismo infantil tem sido documentado de dife-


rentes áreas da igreja, em torno de 200 A.D. É notável o quan-
to essa prática é considerada como autoevidente. Em parte
64    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

alguma há qualquer referência ao argumento calculista que


o Batismo infantil foi uma inovação. É certo que essa prática
não surgiu apenas nessa época. Mesmo Tertuliano reconheceu
esse Batismo como válido, embora ele se posicionasse contra.
No entanto, não pode ser afirmado que essa prática foi igual-
mente assumida em todas as áreas da igreja. Não pode ser
pressuposto que ela fosse obrigatória em todos os lugares.

Na controvérsia entre Agostinho e Pelágio, o Batismo in-


fantil já fora algo geralmente assumido, aceito por ambos os
lados.

(2) Se nos voltarmos desses testemunhos certos para dentro


do segundo século, não encontraremos nenhum apoio
convincente para a prática do Batismo infantil. A Dida-
quê e a primeira Apologia de Justino, não fazem nenhuma
menção ao Batismo infantil, embora não o excluam. O
mesmo é verdade em relação aos textos batismais rema-
nescentes do período pós-apostólico e patrístico antigo.
A Apologia de Aristides é uma exceção. Dela, porém, so-
mente obtemos a confirmação que as crianças eram bati-
zadas em uma idade em que já pudessem ser ensinadas.
As afirmações de Policarpo e outros Atos dos Mártires com
respeito ao grande número de anos durante os quais es-
sas testemunhas serviram a Cristo desde a infância, não
permite qualquer conclusão certa “a posteriori” que eles
foram batizados já quando infantes.

Nem o Novo Testamento contém qualquer afirmação explí-


cita a favor ou contra o Batismo de criancinhas. Apenas pode-
mos tirar alguma conclusão “a posteriori”. São de significado
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    65

especial os textos de Paulo (1Co 1.16) e de Lucas (At 11.14;


16.15,33; 18.8) sobre o Batismo de casas inteiras. Porém, o
termo “casa” no Antigo Testamento e no Novo pode significar
coisas tão diferentes que não é próprio falar em uma “fór-
mula óikos” estabelecida. Essas passagens deixam claro, no
entanto, que a totalidade da família está envolvida, e isso, em
princípio, inclui crianças, os escravos e suas crianças. Porém,
os textos não dizem que lá haviam crianças ou mesmo infantes
nas famílias mencionadas por Paulo e Lucas.

Ainda mais incertas são as conclusões tiradas do Batismo


de prosélitos, que incluía as crianças. De um lado, não pode
ser provado sem alguma dúvida que esse Batismo já era uma
prática disseminada no tempo em que a primeira comunidade
cristã surgira e, de outro lado, não pode ser demonstrado con-
clusivamente que a igreja cristã recebeu a prática do Batismo
infantil do Batismo de prosélitos. Nenhuma conclusão pode
ser buscada dos ritos de iniciação dos cultos de mistério por-
que eles não envolviam infantes. Outros argumentos extraídos
do Novo Testamento também não são convincentes, como por
exemplo, referência à relação entre Mt 18.3; Mc 10.15 (Lc
18.17) e Jo 3.5, ou a interpretação de At 2.38,s, aplicada às
crianças do povo endereçado, enquanto precisamente no en-
sino de Lucas isso pode bem referir-se à sucessão de gerações.

Do mesmo modo, nem a prática cristã primitiva do Batis-


mo infantil pode ser convincentemente derivada do fato que a
palavra “embaraçar” é encontrada em vários relatos do Novo
Testamento sobre o Batismo, como também na tradição sinóti-
ca sobre Jesus abençoando as crianças. E 1Co 7.14 não pode
ser usado como um argumento para o Batismo infantil, uma
66    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

vez que a passagem fala não apenas de uma santificação das


crianças, mas também do marido pagão. Esse texto envolve
um conceito adicional de uma santificação que não é conce-
dida somente pelo Batismo, e por isso fala contra o Batismo
infantil, ao invés de falar a seu favor.

Portanto, com base no Novo Testamento, o Batismo infantil


não pode nem ser excluído nem provado, e a questão perma-
nece se o fato que nós não temos testemunhos reais para essa
prática batismal até cerca de 200 A.D., deve ser explicado pela
origem tardia dessa prática ou pelo começo tardio da reflexão
teológica sobre ela, ou pelo acidente com as fontes que foram
preservadas. É certo que o Batismo de crianças pequenas já
era comum no segundo século, sem ser uma obrigação geral.

(3) O alerta de Tertuliano contra o Batismo infantil e o adia-


mento do Batismo no quarto século conforme apresentado por
Bizâncio e Capadócia são fundamentalmente diferentes de
uma rejeição da validade do Batismo infantil e a exigência de
rebatizar aqueles que foram batizados quando crianças. Essa
rejeição não pode ser documentada com certeza até o século
dezesseis. É uma das mais importantes características do movi-
mento Batista que começou de Zurique e, então, após a poste-
rior eliminação dos seus líderes, continuou entre os Menonitas
e, mais tarde, de uma maneira um tanto diferente, nas igrejas
Batistas. Esses movimentos faziam seu apelo não apenas ao
Novo Testamento à igreja antiga, mas também às separações
posteriores da igreja geral, especialmente aos Albigenses e os
Valdenses.
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    67

No entanto, os Albigenses rejeitaram o Batismo com água,


e os Valdenses negavam a validade dos batismos efetuados
pela Igreja Romana. Eles podem ter sido influenciados por
ideias Donatistas que não eram especificamente direcionadas
contra o Batismo infantil. A pré-história do movimento Batista é
difícil de ser elucidada desde que os documentos das várias se-
parações antigas e medievais da igreja imperial foram na sua
maioria destruídos. Há muito a favor da ideia que a rejeição do
Batismo infantil como um assunto de princípio surgiu somente
no século 16 como um resultado de uma nova compreensão
da pessoa individual e sua responsabilidade pela santificação.

1.2.2 Argumentos a favor e contra o Batismo


infantil
A questão sobre as bases teológicas para o Batismo infantil
deve ser distinguida da questão histórica sobre a sua origem.
Mesmo se pudesse ser provado historicamente que o Batismo
infantil foi praticado na cristandade primitiva, isso ainda não
constituiria uma base teológica para a prática. Por outro lado,
o fato dele ter se estabelecido universalmente nos primeiros
séculos por um processo gradual não é nenhuma prova contra
a sua legitimidade. Mesmo se pudesse ser provado que na
situação missionária da cristandade primitiva as crianças não
eram em parte alguma batizadas, isso não refutaria a legiti-
midade do Batismo infantil. Havia outras questões de ordem,
por exemplo, questões sobre o culto e os ofícios da igreja. Por
essa razão devemos buscar os argumentos teológicos a favor
ou contra o Batismo infantil.
68    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

É surpreendente quão tarde e esparsamente apareceram,


na história da teologia do Batismo, documentos a favor do
Batismo infantil. A conclusão é óbvia que o Batismo infantil era
tão autoevidente e sem problemas que qualquer justificação
da prática era supérflua.

Nos seus breves comentários sobre o Batismo infantil, T.


Aquino evitou os argumentos individuais do Novo e Antigo
Testamentos (como, por exemplo, o Batismo de casas e a cir-
cuncisão) e limitou-se essencialmente às referências ao peca-
do original e a fé da igreja. Ele respondeu a pergunta sobre
a fé das crianças distinguindo entre “habitus fidei” e “actus
fidei”. Os argumentos individuais em defesa do Batismo in-
fantil foram levantados somente a partir dos debates entre os
reformadores e os anabatistas.

A seguir, dentro de uma perspectiva sistemática, oferecere-


mos algumas das referências bíblicas mais utilizadas.

A favor do Batismo de criancinhas, tem sido seguidamen-


te citado o mandamento de Mt 28.19. Ele é universal. Cristo
envia seus discípulos para fazerem discípulos do mundo gen-
tílico, de “todas as nações”. Não é mencionada nenhuma ex-
ceção. Por isso a inferência que as crianças estão incluídas
na ordem batismal. Esse “fazer discípulos” acontece por meio
do Batismo e do ensino. Essa sequência também tem levado
à conclusão que a comissão de Jesus inclui o Batismo de in-
fantes, seguindo-se a instrução destes. Contudo, no manda-
mento batismal, as crianças são tão explicitamente excluídas
por serem pequenas como são explicitamente mencionadas.
A sequência batizar – ensinar não precisa ser entendida como
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    69

uma sequência temporal. Mesmo que o ensino deva seguir ao


Batismo, a proclamação precedendo o Batismo e a aceitação
pela fé dessa proclamação poderia ser pressuposta como uma
norma.

Defendendo o Batismo infantil, é acrescentado, em parte,


também na liturgia batismal, a história de Jesus abençoando
as criancinhas (Mc 10.13-16; Mt 19.13-15; Lc 18.15-17). A
palavra de Jesus “dos tais é o reino de Deus”, poderiam talvez
ser dispostas como um juízo sintético ao invés de analítico,
ou seja, Jesus garante a essas crianças o reino de Deus e por
meio da Sua “bênção” concede-lhes a participação nele (Mc
10.16). Porquanto, ser recebido no reino de Deus e comunhão
com Jesus não podem ser separados um do outro, é tirada a
conclusão desse texto que se Jesus trouxe as crianças a Ele e
lhes deu a participação no reino de Deus, a igreja tem o direito
e o dever de tornar os infantes propriedade de Cristo mediante
o Batismo. Porém, o texto não contém qualquer ordem aos
discípulos para continuarem a bênção das crianças nem um
mandamento para batizar as crianças. O texto nada diz direta-
mente sobre o Batismo.

Uma referência à circuncisão desempenha um papel im-


portante especialmente na tradição da Reforma. Cl 2.11,ss,
chama o Batismo cristão de circuncisão. A conclusão a que se
chegou é que, se a circuncisão era aplicada a infantes na Anti-
ga Aliança, então a igreja tem o direito e o dever de batizar as
crianças nascidas nela. Uma vez que há uma diferença entre
a circuncisão e o Batismo apenas na forma cerimonial, porém
não na divina promessa da aliança, também são permitidas
e exigidas conclusões por analogia quanto ao momento da
70    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

circuncisão e o do Batismo. Porém, é além da dúvida que a di-


ferença entre a Nova e a Antiga Aliança bem como a antítese
paulina entre o Batismo e a circuncisão não foram suficiente-
mente notadas.

Lutero corretamente empregou o argumento da circuncisão


de modo periférico, tendo em vista a diferença entre os dois
testamentos e os seus sinais. T. Aquino não usou essa referên-
cia. Enquanto reconheceu o significado preparatório e típico
da circuncisão, ele enfatiza ou o aspecto novo do Batismo,
dado pela vinda de Cristo, superando a circuncisão.

Porquanto, na visão de Calvino, a forma externa, econo-


mia e administração, porém não a substância da Antiga Alian-
ça foi mudada na Nova Aliança, o Antigo Testamento pode
ser usado também de outro modo para defender o Batismo
infantil. A partir da doutrina da unidade da aliança, é tirada
a conclusão que uma vez que as crianças da Antiga Aliança
eram uma semente santa, também as crianças de cristãos são
consideradas como santas, e por isso elas não devem ser pri-
vadas do batismo que é o sinal da Nova Aliança.

Contra o Batismo infantil, o primeiro argumento é que nos


registros do Novo Testamento o arrependimento, fé e o desejo
pelo Batismo precedem o Batismo e que o candidato deve to-
mar por si mesmo a iniciativa de vir a ele. Além disso, a expe-
riência do Batismo no Espírito é com certa frequência exigido
como um pré requisito para a administração do Batismo em
água. Muito embora nos relatos no livro de Atos a aceitação
do Evangelho, o arrependimento e a fé precediam a recepção
do Batismo, nos relatos batismais das epístolas, raramente é
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    71

feita referencia à fé que precede o Batismo, e antes à sequên-


cia fé – Batismo. Eles não estão tratando da experiência ba-
tismal como tal, mas, sim, da obra (re)criadora de Deus que
aconteceu uma vez por todas e que deve ser tomada a sério na
fé e conduta constante. Por outro, os relatos sobre o Batismo
no Novo Testamento raramente mencionam o dom do Espírito
Santo como que precedendo ao Batismo. Como regra, esse
dom é verificado como um efeito do Batismo.

Contra o Batismo infantil, também se afirma que ele é ge-


ralmente administrado na cristandade ocidental pelo derramar
ou borrifar d’água, mas não por imersão, e por isso o ato de
ser crucificado e ressuscitado com Cristo não é demonstrado.
Contudo, a imersão, na igreja primitiva, não pode ser assumi-
da de modo geral. A interpretação simbólica do ato batismal
provavelmente não se tornou regra na igreja primitiva como é
aqui assumida.

A decisão a favor ou contra o Batismo infantil não pode ser


tomada com base na pesquisa histórica sobre seu tempo de
vigência, nem na apresentação de argumentos bíblicos indi-
viduais. Precisamos perscrutar os contextos teológicos dentro
dos quais esses argumentos se tornam válidos. A afirmação e
a negação do Batismo infantil é condicionada primeiramente
por exposições compreensíveis e não por argumentos indivi-
duais dessa espécie. Quais são esses pressupostos fundamen-
tais?

Deve-se considerar que na luta sobre o Batismo infantil ma-


nifestam-se, em parte, as próprias diferenças antropológicas.
Isso é evidente especialmente na afirmação do Batismo infantil
72    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

por Orígines, Cipriano e Agostinho nas suas referências ao


pecado original, enquanto Tertuliano falava sobre uma “ida-
de inocente” na sua crítica ao Batismo infantil. No entanto, a
antropologia não pode ser reconhecida como o pré-requisito
decisivo para a afirmação ou negação do Batismo infantil. Ele
já era praticado antes da doutrina do pecado original ter sido
estabelecida, e Crisóstomo ainda batizava crianças na con-
vicção de que elas eram sem pecado. A doutrina do pecado
original nunca firmou seu rumo no Oriente com a mesma con-
sistência como no Ocidente, e mesmo assim o Batismo infantil
tornou-se prática geral também no Oriente. Por outro lado,
a negação do pecado original não é de forma nenhuma ca-
racterística do movimento Batismal. Por mais importantes que
sejam as conexões entre o Batismo e a antropologia, os pré-re-
quisitos decisivos para defender ou rejeitar o Batismo infantil
devem ser procurados na compreensão do próprio Batismo e,
intimamente relacionado a ele, na compreensão da igreja.

1.2.3 A justificativa dogmática para o Batismo


Infantil
Precisamos distinguir entre o problema dogmático e o proble-
ma prático do Batismo infantil. Como o último depende do pri-
meiro, começaremos com este oferecendo fundamento para
a defesa do Batismo infantil por meio das seguintes 12 teses:

1. Embora não haja nenhuma palavra explícita do Senhor


ou de algum apóstolo que ordene ou proíba o Batismo
infantil, a questão sobre o mesmo de maneira alguma é
entregue à decisão arbitrária da igreja. Pelo contrário, a
igreja batizará as crianças somente se ela tiver certeza que
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    73

esta é a forma de agir em obediência da fé à tarefa divina


que lhe foi entregue.

2. Batizando as crianças que crescerão no seu meio, a igreja


reconhece que todos os homens são gerados sob o do-
mínio do pecado e da morte. Mesmo que os infantes não
tenham se rebelado contra Deus por sua própria decisão
e são diferentes dos pecadores adultos nesse aspecto, elas
não podem por sua própria decisão livrar-se dessa escravi-
dão enquanto crescem (Jo 3.3-6). Não é pelo nascimento
físico que o homem entra no Reino de Deus, mas, sim,
pelo seu renascimento.

3. Batizando crianças, a igreja reconhece a vontade salva-


dora revelada de Deus que todos os homens são salvos
por Jesus Cristo e pelo poder do Espírito Santo. A partir de
Mc 10.13-16, a igreja sabe que essa vontade salvadora é
estendida também às crianças. Embora aquele texto nada
diga sobre o Batismo das crianças, ele, no entanto, afirma
que, ao abençoá-las, Jesus lhes concede participação no
Reino de Deus por meio do Batismo.

4. A igreja batiza crianças na convicção que, por meio do


Batismo, Deus as entrega a Jesus Cristo, crucificado e res-
surreto, como seu Senhor. A igreja crê que por meio do
Batismo Deus abarca toda a vida posterior da criança de
maneira salvadora entregando-a à morte de Cristo para
que possa participar da Sua vida da ressurreição.

5. A igreja batiza crianças na convicção de que através do


Batismo Deus lhes concede o Espírito Santo que as conduz
à verdade. O começo da ação do Espírito no homem não
74    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

está preso ao pressuposto do reconhecimento e confissão


humanos, mas o Espírito Santo é o dom por meio do qual
somente o homem pode ser despertado ao conhecimento
da fé.

6. A igreja batiza suas crianças na convicção de que median-


te o Batismo, Deus as torna membros da igreja, do corpo
de Cristo, e do sacerdócio real do povo de Deus (p. 158).
Mesmo que as criancinhas ainda não possam lutar a luta
da fé, dar testemunho de Cristo perante o mundo e inter-
ceder pelo mundo, no entanto, elas são testemunhas de
uma maneira diferente, a saber, na sua necessidade não
disfarçada e sua dependência sem fingimento de Cristo,
de quem receberam a vida. Nesse sentido, Jesus exaltou
as crianças diante de Seus discípulos como exemplos (Mt
18.3).

7. Batizando as crianças, a igreja está confiando que Deus


ouvirá as preces com as quais as crianças são trazidas ao
Batismo e pelas quais o seu desenvolvimento será acom-
panhado. Há petições por dons terrenos que apenas po-
dem ser oradas sob a condição: “Seja feita a tua vontade,
não a minha”. Não há dúvidas quanto à vontade de Deus
de conceder o seu Espírito Santo sempre que for pedido.
Por isso, o batizante, os pais e os padrinhos, junto à con-
gregação, devem orar sem cessar que Deus despertará o
batizando ao arrependimento e à fé.

8. Batizando as crianças, a igreja confia que Deus provará


seu poder por meio do Evangelho com o qual a igreja
acompanhará a vida das crianças batizadas. O Evangelho
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    75

é uma Palavra divina de ação, um poder de Deus, e a


Ceia do Senhor é a comunhão do corpo e do sangue de
Jesus Cristo. De olho no crescimento das crianças em seu
meio, a igreja deve ter a confiança que pela afirmação,
admoestação e instrução, bem como pela absolvição, a
Ceia do Senhor e a bênção, Cristo provará ser seu Senhor
e Salvador e que o Espírito Santo as enriquecerá com os
Seus dons e as guiará.

9. Batizando crianças, a igreja reconhece que não somente a


salvação dos crentes, mas também a origem e a preserva-
ção da sua fé são obra de Deus que Ele realiza mediante
o Evangelho e os sacramentos no poder do Espírito Santo.

10. Batizando crianças, a igreja reconhece que fé e Batismo


andam juntos. A igreja batiza as crianças que crescerão
em seu meio, e ela faz assim pela fé na obra salvadora
de Deus que, por meio do Batismo as entrega a Cristo, e
por meio do Evangelho Deus continua chamando à fé e
fortalecendo a fé. Portanto, a igreja batiza de fé em fé.

11. Batizando as crianças, a igreja sabe que a sequência tem-


poral da fé e do Batismo tem sido relativizada pela ativi-
dade escatológica de Deus. Pois no Batismo Deus envolve
toda a vida passada do batizado bem como aquela que
ainda pertence ao futuro. A sequência temporal de eventos
no decurso da vida tem sido escatologicamente anulada
no Batismo. O batizado já experimentou em Cristo sua fu-
tura morte, e a vida de quem ressuscitou dentre os mortos
já se abriu para ele. Nessa irrupção escatológica, a ques-
tão se a fé da pessoa a ser batizada deve necessariamente
76    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

preceder o Batismo se torna inútil, e a sequência temporal


entre fé e Batismo não pode ser a norma de validade. Con-
tudo, a conexão entre a fé e o Batismo que abarca o curso
da vida é decisiva: aquele que não crer não participará
na salvação, a despeito do Batismo que recebera. Uma
vez que a fé e o Batismo andam juntos, a igreja batizará
somente àquelas crianças que crescerão sob o testemunho
da fé.

12. Portanto, a igreja, batizando as crianças geradas e cresci-


das em seu meio, está ciente de que ela atua em obediên-
cia de fé à comissão de seu Senhor, que a enviou a fazer
discípulos de todas as nações, pelo batizar e ensiná-los
(Mt 28.19,20). Batizando as crianças antes delas mesmas
poderem conhecer e confessar a Cristo, a igreja não está
negligenciando a sua decisão de fé, mas está antes au-
xiliando-as a chegarem ao Sim da fé. A igreja não está
violando a sua liberdade, mas ajudando-as a usar da li-
berdade da fé.

Atividades

1) A respeito do Batismo, pode-se afirmar que:

a) ( ) a Igreja cristã batiza por causa da ordem e promes-


sa de Cristo;

b) ( ) o batismo deve ser ministrado apenas em nome do


Espírito Santo;
Capítulo 4    Batismo: Dimensão Bíblica, Teológica e Confessional    77

c) ( ) é um meio da graça que opera a fé, concede o


perdão e é recebido para a salvação;

d) ( ) conduz o crente para uma nova vida de amor e


serviço a Deus e ao próximo.

2) Três argumentos em favor do Batismo de crianças:

a) ( ) Cristo não exclui as crianças do seu reino quando


ordenou que todas as nações sejam batizadas;

b) ( ) crianças são concebidas e nascem em pecado, por


isso precisam da regeneração;

c) ( ) crianças podem decidir por si se querem ou não


receber o batismo;

d) ( ) não há qualquer argumento favorável ao batismo


de crianças;

e) ( ) Cristo várias vezes faz referência à fé das crianças,


a qual deve servir de modelo para os adultos.

3) Argumentos dogmáticos acerca do Batismo infantil. Mar-


que a opção correta.

a) ( ) Batizando crianças, a igreja reconhece que fé e Ba-


tismo andam juntos. A igreja batiza as crianças que
crescerão em seu meio, e ela faz assim pela fé na obra
salvadora de Deus que, por meio do Batismo, as en-
trega a Cristo.

b) ( ) A igreja batiza crianças por acreditar que elas são


inocentes e que merecem estar no reino de Deus.
78    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

c) ( ) A igreja nega que o pecado faça parte da vida das


crianças, por reconhecer a importância do batismo.

d) ( ) A igreja nega o batismo infantil, por acreditar que


este não tem nenhum valor.

4) O que se recebe no Batismo e em que o mesmo se funda-


menta?

Gabarito
1) a, c, d   2) a, b, e   3) a
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 5

Batismo: Aplicações
Práticas
80    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

Batismo é um tema que tem sido estudado e apresentado sob


diversos enfoques da teologia, tanto a partir da Exegese Bíbli-
ca quanto da Sistemática e História da Igreja. Ocupar-se do
tema a partir do enfoque prático e, consequentemente, levar
em consideração elementos antropológicos e sociológicos,
além de uma abordagem pastoral, parece ser um novo desa-
fio para a Teologia.

Além da oportunidade para a reflexão em torno desse ar-


tigo da fé da Igreja Cristã, o presente trabalho apresenta su-
gestões e material prático para ser estudado e debatido pelos
teólogos, por aqueles que se preparam para o exercício da
função pastoral e por todos que se interessam pelo assunto.

1.1 Tempo batismal

O batismo, pela sua importância como meio da graça, também


poderia ser inserido no Ano da Igreja, vinculando-o ao tempo
litúrgico, e não ao tempo biológico e social. Pela tradição exis-
tente, o batismo é realizado o quanto mais cedo possível ou
quando a “família quer”. Essa prática pode, e até mesmo deve
continuar. A reflexão que segue tem por finalidade apresentar
mais uma possibilidade, aliás, comum nos primeiros séculos
da Igreja cristã. A Vigília Pascal era tida como a melhor oca-
sião para o batismo, após longo período de preparo. Para res-
gatar a centralidade do batismo na vida da Igreja e possibilitar
a realização de cultos inteiramente moldados em torno desse
Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   81

tema, sugere-se que algumas datas especiais sejam reserva-


das como preferenciais para a realização do mesmo. Caso
não haja nenhum batizando, pode-se celebrar cultos abordan-
do temáticas batismais, reconsagração etc.

Algumas datas poderiam ser sugeridas como preferenciais


para a realização do batismo ao longo do Ano Litúrgico. Essas
datas poderiam estar vinculadas à vida de Jesus: a Páscoa ou
Vigília Pascal; Pentecoste, Epifania, Domingo da Trindade. O
Batismo também poderia acontecer em um dia de importância
para a comunidade, como sua fundação. Nesses dias, desde
a liturgia de entrada, liturgia da palavra etc., haveriam de estar
relacionadas à temática do batismo.

Evidentemente que a prática atual, de batizar em qualquer


domingo (que é uma “pequena Páscoa”), deverá continuar.
No entanto, nesses casos, a liturgia batismal será normalmente
muito breve.

1.2 Espaço batismal

A possibilidade de devolver ao batismo o seu significado bíbli-


co e teológico mais abrangente implica criar um espaço litúr-
gico condizente para sua realização. A realização de um rito
requer espaço para o acolhimento e a mobilidade das pessoas
nele envolvidas. No caso do Batismo, é necessário que o lu-
gar para ele reservado tenha as características que ajudem a
expressar significativa e integralmente o ato-doação de Deus.
Por isso, segundo White, a fonte batismal deve ficar destacada
82    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

como um dos centros litúrgicos no espaço consagrado para o


encontro da comunidade com Deus, e a realização do batismo
exige espaço batismal.

1.3 Simbologia presente no rito

Batismo é fonte ou vertente da qual emana toda a vida cristã. É


o evento base da vida cristã. É do batismo que nasce a comu-
nidade. Nesse rito, a comunidade de fé percebe o seu evento
central e também o articula de forma plena e celebrável. O rito
poderia ser moldado de tal forma que a comunidade o pudes-
se experimentar, sentindo. Não só ouvindo. Seria interessante
usar todos os sentidos: visão, audição, tato, olfato, paladar,
pois o rito do batismo é uma ação da comunidade toda e com
todos os seus sentidos.

No Batismo, Deus age plenamente. É importante, pois,


moldar a liturgia de tal forma que o batismo seja experimen-
tado pela comunidade litúrgica. Para isso, necessitamos de
uma estrutura básica – ordo – para moldar a liturgia batis-
mal, que expresse significativamente esse ato-doação de Deus
– seus mistérios. Eis, agora, alguns passos na moldagem do
ordo litúrgico para uma celebração comunitária com sentido,
mobilidade, envolvimento, graça e profundidade. Propomos,
agora, uma sequência de passos para a efetivação de um rito
de batismo infantil.1

1 Caso fosse de adultos, necessitaria de algumas adaptações.


Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   83

1.4 Questões Litúrgicas Relacionadas ao


Batismo

1.4.1 L iturgia de Entrada


A comunidade litúrgica está reunida. Essa reunião cultual é
manifestação visível e acontecimento histórico. É reunião de
gente que foi acolhida pelo batismo, e que passa também a
acolher. É a assembleia litúrgica reunida com o seu Senhor. O
acolhimento mútuo cria um clima de motivação, hospitalida-
de, aconchego e fraternidade entre os participantes, ou seja,
um espaço propício para as pessoas visualizarem e celebrarem
calorosamente a vida.

Em procissão, o pai, a mãe, os padrinhos e as madrinhas


entram na igreja. Eles trazem em grupos a criança que será
batizada. A procissão é feita durante a entoação de hinos pró-
prios para a ocasião. A procissão demonstra ser o batismo
não um ato estático, mas um ato dinâmico, que continua por
toda a vida. Descarta-se, assim, a ideia de que o batismo seja
uma experiência momentânea que logo será deixada para
trás. A comunidade litúrgica expressa o acolhimento com ges-
tos, palavras próprias ou textos de acolhimento, seguindo o
ensinamento bíblico: “Acolhei-vos uns aos outros, como Cristo
vos acolheu”.2 O oficiante acolhe a comunidade através da
saudação apostólica seguida de uma oração e um cântico
comunitário.

2 Rm 18.7.
84    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

1.4.2 L iturgia da Palavra


A leitura da Palavra pode ser feita de duas formas:

a) Leituras bíblicas e Salmos responsivos, com admoesta-


ções e orações da comunidade. A leitura pode ser feita
pelo pai, mãe, padrinho ou madrinha.

b) Leituras bíblicas e a alocução ou homilia batismal. O


oficiante faz uma breve homilia, aprofundando o mis-
tério do batismo a partir da Palavra proclamada. Fala
das razões do batismo: é obediência ao Senhor; é afir-
mado que somos propriedade de Deus e somos sela-
dos como tais; Deus nos liberta da morte e do pecado;
une-nos com Cristo na sua morte e ressurreição; pela
água e o Espírito somos tornados membros do Corpo
de Cristo e unidos ao mistério do amor, da paz e da
justiça de Cristo. As leituras de textos bíblicos trans-
mitem e esboçam uma “doutrina batismal”. Também
textos e hinos confessionais confirmam e relembram a
temática: Batismo. Por exemplo, Batismo não é o ato
estático, mas dinâmico, que se renova diariamente –
conforme Lutero, um processo – um continuum.

O oficiante pode envolver nesse ato a participação da co-


munidade e também o pai, a mãe, os padrinhos e as madri-
nhas, através de perguntas ou de testemunhos. Após homilia,
dá-se a abertura da liturgia do batismo, através de um hino
batismal.
Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   85

1.4.3 L iturgia do Batismo


a. Apresentação da criança e o pedido do batismo: a
criança é apresentada pelos pais ou pelos padrinhos e
madrinhas. Os padrinhos e as madrinhas representam
a própria comunidade envolvida no ato do batismo.
Eles personificam o esmero e a dedicação da comuni-
dade para com o batizado. Aqui, pode ser criado um
diálogo entre: pai, mãe, padrinhos, madrinhas e ofi-
ciante, que representa a comunidade litúrgica. Nessa
ocasião, é dito o nome da criança (nome de batismo)
e o desejo expresso de querer batizar a criança.

b. O compromisso: é expresso através da afirmação de


comprometimento do pai, da mãe, dos padrinhos, das
madrinhas e da própria comunidade em relação à
educação e auxílio nos passos da fé da criança. Eles se
comprometem em testemunhar, acompanhar e auxiliar
a criança na vivência comunitária – com Cristo. Esse
ato pode ser feito através de cânticos, gestos e pala-
vras. Através do comprometimento e intercessões, os
pais, padrinhos, madrinhas e comunidade assumem
publicamente a tarefa missionária do agir cristão, ou
seja, viver um estilo de vida de acordo com os ensina-
mentos de Cristo. Comprometem-se publicamente em
continuarem na vivência da fé. Essa adoção coletiva
fortalece e expressa, através de gestos e palavras, a
meta e o propósito da comunidade viver em palavras
e ações aquilo que creem e ritualizam. Após essa de-
claração, ocorre um cântico comunitário. Os pais, pa-
86    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

drinhos e madrinhas se aproximam da fonte batismal,


onde o oficiante dirigirá a ação de graças.

c. Ação de Graça ou Oração das Águas: o centro da


liturgia do batismo é o ato de batizar com água. E a
oração de Ação de Graças é a oração preparatória
para o batismo. É uma grande oração de graças so-
bre a própria água. A água é um dos símbolos mais
profundos na vida da humanidade: o ser humano não
pode viver sem água, a terra é o planeta “água”, a
maior parte do nosso corpo é constituída de água.
Assim como o ser humano não pode viver se água,
também o cristão não pode viver sem a comunidade
e a água da vida (Jesus Cristo). A comunidade, ao
ouvir o som da água, ver a sua transparência, limpi-
dez, sem odor, desperta referencial de rico conteúdo
reflexivo. A Bíblia realça a importância da água para
o ser humano e ressalta o seu simbolismo na história
da salvação. Na oração em Ação de Graças, pode
ser relatado, detalhadamente, os grandes eventos de
água que estão presentes na Bíblia e textos da tradi-
ção, que descrevem o conteúdo teológico presente no
batismo. Reconta-se, portanto, a história da salvação.
Imagens, tais como as águas do Jordão, fazem um
contínuo paralelo entre a vida e a morte, a liberdade e
a escravidão. No batismo, a água significa: vida nova,
libertação, transformação.

d. A Renúncia: através do ato público de fé, a comuni-


dade de fiéis renuncia ao reino do mal e volta-se para
Cristo. Não só renunciam, mas também: lutam contra,
Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   87

desistem dele, combatem ao mesmo e não querem


nada com ele. É enfaticamente negada a adoração
divina a qualquer senhor deste mundo. São renegados
os poderes malignos deste mundo, ao mal e todas as
suas obras, cerimônias e opressões. Em contrapartida:
dedica-se a favor do Reino de Deus. Após a renúncia
ao mal, segue a profissão de fé.

e. Profissão de fé: pais, padrinhos e madrinhas se unem


com a comunidade e confessam a fé através do Credo
Apostólico: o credo de batismo. Confessam, por meio
desse credo, a fé cristã na qual desejam viver e tam-
bém batizar a criança.

f. O ato do batismo – o lavar regenerador: a criança é


levada até a fonte ou pia batismal, onde é lavada. A
fonte se encontra em um lugar visível e de fácil acesso.
Sua visualização nos faz recordar que somos integran-
tes do povo de Deus, da Igreja e do sacerdócio santo.

Na fonte batismal, a criança é batizada em nome do Pai,


e do Filho e do Espírito Santo (fórmula trinitária). O Batismo
é lavagem. Há várias formas de fazer esse ato. Através da
aspersão são respingadas ou borrifadas gotas de água sobre
a criança, através da infusão ela é colocada dentro da água
durante um breve tempo, através da imersão é colocada den-
tre da água até o peito e através da submersão ela submerge
totalmente na água.

No Batismo, ocorre um lavar. E lavar é um ato tátil, que


exige que água seja ouvida, vista e sentida. A imersão é o sinal
pleno e completo daquilo que o batismo significa. Caso não
88    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

seja possível a imersão, pelo menos um derramamento abun-


dante de água deveria ocorrer. Jamais um “lavar a seco”. Isso
seria reduzir o valor simbólico desse ato pleno. Nos primórdios
da Igreja, após o ato de renúncia do mal e confissão de fé,
o neófito descia uma escadaria de uma piscina e submergia;
ia para o outro lado, onde subia outra escadaria e recebia,
então, uma nova vestimenta.

g. A imposição de mãos e a ação de selar: durante o


ato do batismo, é proferida uma oração, com impo-
sição de mãos, e a selagem da criança. Significa o
recebimento do Espírito Santo no batismo.

O batismo integral ocorre com água e no Espírito Santo.


Ao impor as mãos e dando um toque físico sobre a cabeça da
criança, acentua-se o aspecto do tato, não só o aspecto da
palavra sobre os ouvidos. Durante esse ato, ocorre a unção
com óleo (selagem) – mediante o sinal da cruz, feito na fronte
(e/ou no peito) da criança – em que esta é marcada ou selada
para sempre pelo Espírito Santo com o sinal da cruz de Cris-
to. Com óleo, os reis são ungidos. O ato de selar com óleo
reforça a questão do sacerdócio real de todos os batizados. A
selagem é feita com o polegar sobre a fonte, enquanto a mão
descansa sobre a cabeça da criança. O assinalar ou marcar
com o sinal da cruz é uma forma de selar ou dar identidade ao
batizando. Tu pertences a Cristo.

h. A veste batismal: a criança recebe uma nova vesti-


menta (é revestido com uma alba), doada pelos pa-
drinhos e madrinhas ou pela comunidade. Significa o
revestir-se de Cristo e também o símbolo da dignidade
Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   89

humana, da alegria, de vitória e relação de pureza


com Deus. Também simboliza o ser servo de Cristo.
A criança é nova criatura mediante o batismo. Nesse
ato, é concretizada a palavra do apóstolo Paulo, que
diz: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus”.

i. Rito da luz: a vela é sinal de doação e disposição


ao serviço ou diaconia, simboliza a luz de Cristo que
brilha no mundo através do serviço cristão. Jesus é a
luz do mundo. A vela batismal, que é acesa no círio
pascal, se encontra junto à fonte batismal.

O círio Pascal é aceso solenemente no sábado de Aleluia,


na noite de Páscoa. Nessa ocasião, acendemos nossas velas
no círio pascal, simbolizando nossa união ao Cristo Ressusci-
tado e nosso compromisso com ele, simbolizando que com ele
nós também ressuscitaremos. Para expressar o caráter pascal
do Batismo, seria incompreensível que a celebração do Batis-
mo fosse realizado na Vigília Pascal ou em domingos especiais
do Calendário Litúrgico ou da comunidade. A vela batismal é
presenteada pela comunidade. As palavras que acompanham
a entrega da vela expressam a missão e a tarefa de deixar que
a luz de Cristo brilhe em nós e diante das outras pessoas. Jesus
Cristo diz: “Vocês são a luz para o mundo” (Mt 5.14). A vela
batismal poderá ser conservada e acendida no aniversário de
batismo, na ocasião onde é feita uma oração de gratidão.

Ainda podem ser feitos outros ritos, por exemplo, a entrega


do sal, que é colocado na boca da criança e que significa:
sabedoria e conversão; e o efatá, que consiste em o oficiante
tocar nos ouvidos e na boca da criança batizada e dizer pala-
90    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

vras, tais como: “O Senhor Jesus, que fez os surdos ouvirem e


os mudos falarem, te conceda que possas ouvir sua Palavra e
professar a fé para o louvor e a Glória de Deus Pai”.

k. A recepção pela comunidade: ocorre com a entrega


da Certidão de Batismo, livro de orações, distintivo da
comunidade ou outras lembranças.

l. Gesto de Paz: pode ser lido um texto de boas-vindas,


onde a comunidade recebe a criança na família de
Deus como novo herdeiro do Reino. Então, a totalida-
de da comunidade é motivada a praticar o gesto entre
os participantes da comunidade. Segue, então, as...

m. Intercessões comunitárias: a comunidade realiza


intercessões pela missão da Igreja no mundo: seguir
o discipulado, ou seja, viver o batismo diariamente,
sendo um pequeno Cristo para o próximo. Através do
serviço diaconal, promoção da vida, ajuda mútua, so-
lidariedade aos pobres e fracos etc., pede forças para
a jornada do batizando e de todos os fiéis etc. Segue,
então, a Liturgia da Eucaristia. Caso não houver a Eu-
caristia, segue: Pai-Nosso e despedida.

1.4.4 L iturgia de Despedida


Bênção e Envio: com a bênção de Deus, a comunidade de
batizados é enviada para o serviço cristão no mundo. Dá res-
posta através de sua incumbência e resposta de gratidão pelo
que Deus oferta.
Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   91

1.5 Dimensão diaconal

O batismo é sinal e selo do discipulado cristão. A pessoa ba-


tizada é incorporada no Corpo de Cristo – na comunhão dos
batizados – e passa a integrar o diaconato de todos os crentes.
O batismo é, entre outras coisas, habilitação para o serviço.
Sendo o batismo início dessa caminhada, é necessário estar
incluído na instrução cristã também a perspectiva diaconal: o
batizado vai conhecer e ensaiar a solidariedade, a generosi-
dade, a hospitalidade, a reciprocidade, a visitação, a comuni-
dade de iguais na e a partir da comunidade cristã. A diaconia
cristã não deve terminar na soleira da porta, mas deve ir para
além das fronteiras do grupo de batizados.

A comunhão dos santos – a família dos batizados é com-


posta de irmãos e irmãs. O batizado não é filho único de Deus,
mas tem irmãos e irmãs e aprenderá a viver a reciprocidade no
apoio, consolo e amparo mútuos. Trata-se aqui das “implica-
ções horizontais” do batismo.

A perspectiva diaconal deveria se fazer presente de forma


explícita no ordo batismal. A perspectiva do serviço está sim-
bolizada na vela batismal, do rito do lava-pés realizado no ba-
tismo e em fórmulas ditas pelo batizado ou pela comunidade,
entre outros.
92    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

1.6 Dimensão pastoral

Todo serviço que a Igreja Cristã planeja, promove, oferece e


concretiza é, em última análise, desincumbir-se da tarefa de
acompanhar, promover e fomentar o crescimento no batismo
da comunidade. É responsabilidade da comunidade (não so-
mente dos pais e padrinhos) ajudar e dar condições à pessoa
batizada de viver o seu batismo durante toda a vida, para o
crescimento na fé, na esperança e, especialmente, no amor
para com o seu semelhante.

A perspectiva batismal determinou muitos gestos que foram


incluídos no rito do sepultamento cristão. O corpo era ungido
com óleo, assim como o foi no batismo; o corpo recebia o
ósculo da paz, da mesma maneira como recebeu o ósculo da
paz quando de sua integração à família de Deus, a pessoa é
referida pelo nome, do mesmo modo como o foi no batismo, e
sobre o esquife é lançada terra por três vezes, repetindo o nú-
mero de vezes em que foi lavada. Assim, os cristãos reafirmam
a realidade de que a pessoa pertence à comunhão de Deus e
igualmente à comunhão da grande família de Deus, realidade
a qual não se encontra ameaçada pela morte.

Atividades

1) A respeito das questões práticas envolvidas no batismo,


podemos afirmar:
Capítulo 5   Batismo: Aplicações Práticas   93

a) ( ) Vincular o batismo a certas datas comemorativas


do calendário cristão pode reforçar ainda mais o sig-
nificado desse sacramento.

b) ( ) Com respeito ao lugar do batismo, é importante


que o mesmo tenha características que ajudem a ex-
pressar de forma significativa o sacramento da auto-
doação de Deus.

c) ( ) O batismo é o fim de uma jornada, que poderia ser


comparado a uma formatura.

d) ( ) A perspectiva diaconal é manifesta no rito através


da vela batismal e através do lava-pés.

2) Os símbolos não fazem necessariamente parte da insti-


tuição do batismo, no entanto, acrescentam importante
significado ao mesmo. Identifique os principais símbolos
batismais, marcando com X as alternativas corretas:

a) ( ) o compromisso, expresso através dos pais, mães,


padrinhos e da própria comunidade expressam com-
prometimento e auxílio para a caminhada cristã;

b) ( ) a imposição de mãos e o ato de selar, significando


o recebimento do Espírito Santo;

c) ( ) ramos de arruda para espantar os maus espíritos e


trazer boa sorte;

d) ( ) a água, como elemento de purificação e lavagem


dos pecados;
94    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

e) ( ) luz e sal, indicando que a função do discípulo é


iluminar e de dar tempero para a vida das pessoas.

3) De que maneira se poderia organizar a comunidade tendo


por pressuposto o fato de todos serem batizados. Identifi-
que nas alternativas abaixo o que for pertinente ao enun-
ciado da questão:

a) ( ) A comunidade elegerá uma equipe batismal.

b) ( ) Todas as ações da comunidade partem do pressu-


posto de que ela é a junção de pessoas batizadas.

c) ( ) O aconselhamento pastoral terá no batismo um


grande aliado para o consolo aos abatidos.

d) ( ) Todos os demais ritos da comunidade levarão em


conta que se trata de um grupo de pessoas batizadas.

4) Comente a relação batismo e diaconia.

Gabarito
1) a, b, d   2) a, b, d, e   3) a, b, c, d
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 6

Raízes e Origens da
Santa Ceia
96    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

Discorrer a respeito da Eucaristia e de seu significado para


a Igreja Cristã, sem levar em conta as origens do culto cris-
tão, o que influenciou na sua estruturação e os séculos de de-
senvolvimento do mesmo, seria, no mínimo, como erigir uma
construção sem o devido fundamento. Por isso, este capítulo
estudará o contexto religioso, social e cultural do povo judeu
da época em que a Eucaristia foi instituída.

1.1 As influências do povo de Deus do


Antigo Testamento

Não é de se admirar que o culto cristão tenha sofrido forte


influência hebreia na sua forma, na sua estrutura e (também)
na sua doutrina, pois o cristianismo “nasceu” em meio a um
povo que guardava a Lei e os Profetas e que mantinha em
suas tradições a frequência ao templo com toda a sua ênfase
nos sacrifícios. Do ofício da sinagoga, além da leitura pública
das Escrituras e subsequente explicação (ver exemplo de Jesus
em Lucas 4.16-21), as orações de ação de graças judaicas se
tornaram padrão para as orações eucarísticas, sendo ao mes-
mo tempo um credo e uma bendição. Também das refeições
familiares (assunto que será mais amplamente abordado na
sequência deste trabalho) o culto cristão e, mais especifica-
mente, a Eucaristia, receberam influências consideráveis.
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    97

1.1.1 A
 s refeições do povo judeu
Nas religiões antigas, o comer e o beber eram elementos
importantes para promover a união das pessoas entre si e a
união das pessoas com Deus. Tal é a sua importância, que
no Antigo Testamento há referência a acordos seculares que
foram concluídos com refeições, sendo que os envolvidos
comprometiam-se, sob juramento, cumprir com a sua parte
do acordo; alianças entre Deus e seu povo, como é o caso
do Sinai, igualmente foram seladas com uma refeição, que foi
uma verdadeira festa religiosa.

As refeições eram momentos especiais de comunhão e fes-


ta. Através delas, muito se sabe da própria cultura e identidade
do povo de Israel. Nota-se, a partir desses exemplos, que a
comida (e a bebida) não era apenas elemento para o sustento
corporal, físico, mas, e acima de tudo, elemento de comunhão
com Deus e com o semelhante.

O pão, elemento muito comum na vida do povo hebreu,


representa o essencial para o corpo, de modo que o mesmo
passou a ser sinônimo de tudo o que era necessário para a
preservação da vida. O pão era visto como fortificante e sus-
tento para as pessoas e símbolo de todas as dádivas de Deus,
a ponto de, quando aquele veio a faltar para o povo de Israel
no deserto, Deus lhes enviou o Maná, o pão que veio do céu.
Esse pode ser considerado um dos principais “antecedentes”
da Ceia do Senhor. Em todas as refeições, o pão figurava
como elemento insubstituível, especialmente para os pobres.

Assim, pode-se entender por que Jesus, fazendo referência


à sua missão de salvar a humanidade, diz: “Eu sou o pão da
98    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

vida; o que vem a mim jamais terá fome...”, pois sabia que, tal
como sem o pão (de trigo) o povo não tinha perspectivas de
vida, sem a Sua obra não haveria perspectivas de vida eterna.

Quase tão comum quanto o pão era o vinho na vida do


povo judeu. Na Palestina, pão e vinho eram componentes bá-
sicos na alimentação dos hebreus que deveriam fazer uma lon-
ga viagem ou enfrentar a guerra. O vinho era também utiliza-
do como remédio e alívio nas aflições e importante no serviço
de Deus. John Davis destaca que, na Palestina, havia carência
de carne e vegetais e que o vinho ajudava a suprir essas faltas.

Não causa, portanto, admiração que Jesus tenha consa-


grado, ou seja, separado do uso comum para Deus, o pão e
o vinho utilizados na última ceia, e que a Igreja Cristã tenha
seguido a ordem de fazer isso em sua memória, pois tais ele-
mentos, além de familiares ao povo, representavam sustento e
fonte de vida, símbolo de hospitalidade e fraternidade, alívio
para a dor e motivo de alegria.

As refeições do povo judeu eram consideradas momentos


sagrados, um lugar santo, pois, toda comida devia ser tomada
com ação de graças, e isso criava o sentimento de que toda a
comida é tomada na presença de Deus. Diante disso, a ritua-
lização se torna importante, havendo regras detalhadas para
a alimentação, e um grupo específico que delas participa: a
família ou um grupo de amigos. Muitos detalhes poderiam ser
descritos, porém o autor deste trabalho optou em descrever
alguns gestos, palavras e alguns elementos das três principais
refeições do povo judeu, juntamente aos seus significados.
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    99

Destaca-se, primeiramente, o jantar do Shabat, como refei-


ção semanal de renovação, que festejava as delícias do dia de
Sábado na contemplação das obras do Senhor, celebrando-o
como Criador. Nessa refeição, como em qualquer outra, as
mãos eram lavadas, a esposa abençoava e acendia as velas
na mesa já posta e o marido era responsável pela bênção do
vinho e o cortar do pão especial do Shabat. As orações, como
ação de graças, eram momento significativo durante essa re-
feição familiar, sendo esta uma das formas de santificação do
Sábado.

A Habûrah, segundo Gregory Dix, era uma refeição bas-


tante frequente, podendo ser semanal (no início do sábado
ou outro dia santo), na qual um grupo privado ou sociedades
informais reuniam-se para a devoção e a caridade, e os seus
participantes sempre contribuíam com provisões para a mes-
ma.1 Dix é da opinião de que a última ceia de Jesus era uma
Habûrah, pelas semelhanças de ambas e pelo fato de Jesus e
seus discípulos estarem acostumados a essa refeição. Martini
é da opinião que, se de fato a última ceia foi uma Habûrah,
então é muito provável que a oração de agradecimento pro-
ferida nesses encontros esteja na origem do que veio a ser a
Oração Eucarística, parte central da estrutura da Eucaristia.

A Pesah, palavra hebraica que significa “passar por cima”,


“saltar por cima”, lembra que Deus é Redentor. A festa anual
da Páscoa, “instituída no Egito para comemorar o aconteci-
mento culminante da redenção de Israel”, convidava o adora-

1 Gregory DIX, The Shape of the Liturgy, p. 50-51; ver Romeu Ruben MARTINI, op.
cit., p. 35.
100    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

dor a relembrar e reviver de modo muito realista a misericórdia


do Senhor para com Seu povo na terra da escravidão. Os
elementos dessa refeição incluíam, entre outras coisas, alguns
cálices de vinho, o pão ázimo e o cordeiro pascal. Além dos
elementos, dois dos quais utilizados na Eucaristia cristã, algu-
mas palavras e gestos também merecem destaque, pois serão
igualmente “incorporados” na tradição da liturgia cristã, como
é o caso da ação de graças pelas misericórdias passadas de
Deus, a anamnese (recordação) no recontar e reviver a histó-
ria da libertação e a esperança escatológica, manifestada na
expectativa da restauração futura do Reino de Israel.

As refeições familiares judaicas contribuíram com valiosos


elementos que mais tarde puderam ser identificados no culto
cristão, como, por exemplo, as orações de ação de graças,
o costume de comer e beber com um grupo de amigos ou
familiares (a Eucaristia é para pessoas batizadas) e a refeição
experimentada na perspectiva de lembrança e reatualização
(anamnese) e de expectativa de libertação futura (elemento es-
catológico).

1.1.2 A
 sinagoga e seus ritos
Ao se falar das influências judaicas da Eucaristia, é de vital
importância verificar até que ponto estas interferiram em toda
a liturgia do culto eucarístico. Verificando as origens do cul-
to cristão, descobre-se que da sinagoga judaica originou-se
aquela parte do culto denominada Liturgia da Palavra, que
envolvia a leitura da Torah e sua interpretação (ensino e exor-
tação ao povo), orações (que além de ação de graças, tinham
função de credo, proclamação, súplica por novos prodígios
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    101

e intercessões), salmos, bênçãos e o “Shemá”. A liturgia da


Palavra e a Eucaristia foram pouco a pouco combinados em
uma mesma celebração, chegando ao que hoje é conhecido
como culto eucarístico.

1.1.3 O
 templo e seu caráter sacrificial
O templo de Jerusalém também teve papel significativo na his-
tória do culto cristão, pois, além de ter sido lugar de adora-
ção no tempo de Cristo e no princípio da atividade da Igreja
Cristã, as imagens sacrificiais encontradas no templo podem
ser identificadas com as palavras da instituição “sangue da
aliança” e “derramado em favor de muitos”. O cantar de Sal-
mos responsivamente e as orações, seguidas dos “améns” da
congregação também têm sua origem no culto do templo. O
templo era considerado lugar sagrado, e sob todos os pontos
de vista o centro de Israel, pois era o lugar da presença do
Senhor. Vale destacar também que Jesus dava valor ao templo
como “a casa de meu Pai” e “casa de oração para todas as
nações”, pois este oferecia instalações para a comunhão com
Deus e para as orações.

O templo e os seus sacrifícios desapareceram, a linguagem


dos seus cultos e rituais, porém, permanece: sacrifícios, ofer-
tas, sacerdotes e santuário são termos comuns, no entanto, a
presença de Cristo é determinada pela sua promessa “eis que
estou convosco todos os dias”, pela sua Palavra e pela Santa
Ceia.

Do templo, portanto, tornam-se significativos para o cul-


to cristão e, especificamente, para a Eucaristia, a linguagem
102    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

sacrificial e as ofertas (ofertório), o cantar de salmos (salmó-


dia) que passaram para a liturgia cristã, o lugar como ma-
nifestação da presença de Deus e os benefícios: certeza da
comunhão com Deus e recepção de suas bênçãos, perdão e
expectativa pelos seus favores futuros.

1.2 A última ceia

A última ceia de Jesus com seus discípulos torna-se significa-


tiva para o presente estudo, pois ali está a origem da liturgia
eucarística com uma série de elementos, palavras e ações,2
ditas e feitas por Jesus. Não se quer aqui discutir se tratava-se
de uma celebração da Pesah ou se era uma Habûrah, mas
destacar que “essa foi uma refeição sem igual” em que Jesus
fez uma nova aliança, diferente da primeira, porque agora o
novo é o proprium de Jesus, “meu sangue”.

1.2.1 A
 s palavras e as ações de Jesus
Os relatos da instituição da Eucaristia apontam para uma série
de ações e de palavras de Jesus que devem ser consideradas,
pois nelas Ele declara a sua presença, identificando o pão
e o vinho com seu corpo e sangue, “dado e derramado em
favor de muitos para remissão dos pecados”. Das palavras e
ações de Jesus, confrontando os diversos relatos da institui-
ção, destacam-se as ações “tomar pão e cálice”, “abençoar
ou dar graças”, “quebrar o pão [e apresentar o cálice]” e “dar

2 James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 178-179.


Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    103

aos seus discípulos”. Estes são denominados por Gregory Dix


como “Esquema de quatro ações”, que são centrais na cele-
bração.

Os discípulos, ao verem o Mestre com um pão diante de


si sobre a mesa e um cálice de vinho na mão, ouviram de
Jesus as “Palavras da Instituição”. As palavras e as ações de
Jesus naquela ocasião tornaram-se significativas, pois, “o cul-
to principal da igreja foi instituído por nosso Senhor na noite
em que foi traído” e a “liturgia cristã começou no cenáculo em
uma reunião privada, durante uma refeição entre amigos”. “O
central na celebração da Igreja da Ceia do Senhor é a Pala-
vra e promessa do Senhor que a instituiu”. Maraschin afirma
que “a tradição mais antiga não estabelece nenhuma relação
de interpretação com a aceitação das palavras de Jesus, pois
nenhum dos discípulos quis saber de que maneira o pão era
o corpo e o vinho era o sangue, apenas comeram e beberam,
pois a confissão de que ele era o Cristo era o suficiente”.

Mesmo que há quem não considere a última ceia como Eu-


caristia no sentido que a Igreja Primitiva dá à palavra, é certo
que ali está a sua instituição e as palavras e ações que fazem
parte da celebração.

1.2.2 A
 nova aliança
Jesus Cristo, ao instituir a Ceia do Senhor, fez uso, além do
pão, do cálice, dizendo: “Este é o cálice da nova aliança no
meu sangue”. Subentende-se que, se há uma nova aliança, é
porque primeiramente houve uma velha aliança, feita por Deus
com Israel através de Moisés, selada com derramamento de
104    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

sangue sobre um altar e sobre o povo (o sacrifício de animais


seria, a partir de então, repetido constantemente), baseada na
observância dos preceitos da Lei: Se Israel permanecesse nos
mandamentos do Senhor e ouvisse a sua voz, assim Ele seria
um Deus gracioso e Pai. De acordo com Ralph Martin, o cálice
está associado com a aliança feita por Deus com Israel, e, por
causa da rebeldia deste,3 fala-se de “uma nova aliança que
o Senhor fará”, o que é exatamente referido por Jesus, não
mais pensando no sangue de animais, mas, pelo seu próprio
sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo
obtido eterna redenção... por isso mesmo ele é o Mediador
da nova aliança. Jesus, ofereceu-se a si mesmo, em carne e
sangue, para restaurar a relação das pessoas com Deus, ani-
quilando o pecado, abrindo assim acesso a Deus.

Enquanto a velha aliança era restrita e imperfeita, porque


dependia em parte das obras humanas, a nova aliança é per-
feita, porque feita inteiramente por Deus; enquanto que, na
velha aliança os sacrifícios deveriam ser constantemente re-
petidos, na nova aliança o sacrifício de Cristo foi de uma vez
por todas; a primeira aliança restringia-se a Israel e dependia
do cumprimento da lei para obter perdão e favores de Deus,
a nova aliança é para o mundo inteiro, para que todo “o que
nele crê”, tenha a vida eterna. Essa nova aliança, diante do ex-
posto, é chamada de aliança de paz, promovendo a paz com
Deus e, em consequência, a paz com o semelhante.

3 Ralph MARTIN. Adoração na Igreja Primitiva, p. 136, fazendo referência a Êxodo


24.3-11.
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    105

1.2.3 O
 mandamento sobre a repetição
“Anamnesis” ou memorial é algo muito diferente do que ape-
nas relembrar fatos do passado. No contexto da cultura bíbli-
ca, ela é uma atitude de re-atualização ou reconstrução do
passado,”a possibilidade de participar da história que se re-
corda”, de forma a torná-la presente e operante aqui e agora.
“Ao repetir essas ações, a pessoa torna a vivenciar a realidade
do próprio Jesus presente”.

Ao relembrar, reviver e comemorar através da Eucaristia, o


que é central na obra da salvação (que a pessoa foi compra-
da, redimida e reconciliada com Deus e “levada de volta ao
Cenáculo e ao Monte), o comungante participa daquela obra
salvífica que conhece como realidade presente – porque seu
Autor é Aquele que vive no meio de seu povo redimido”. Na
Eucaristia, atualiza-se não apenas aquilo que aconteceu na
última ceia, ou seja, uma refeição entre amigos, mas recapi-
tula-se a história da salvação,4 proclama-se através da Ceia a
morte do Senhor, faz-se anamnese da cruz, do Cristo crucifica-
do e ressuscitado.

Cristo, ao dizer “fazei isto em memória de mim”, apon-


ta para uma dimensão especial do culto, pois, segundo von
Allmen, com tais palavras Jesus instituiu o culto cristão,5 que
inclui a proclamação oral da Palavra juntamente à celebração
da sua Ceia. Nesse sentido, a Eucaristia é necessária para o
culto simplesmente porque Cristo a instituiu e deu à igreja a

4 Cf. J. J. Von ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 38.


5 J. J. Von ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 33.
106    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

ordem de celebrá-la. Portanto, as palavras e os gestos de Cris-


to na instituição da Eucaristia estão no coração da celebração:
a refeição eucarística é o sacramento do corpo e do sangue de
Cristo, o sacramento da sua presença.

A discussão acerca da anamnese poderia estender-se muito


mais, porém, optou-se por destacar que houve uma instituição
da Eucaristia por Jesus, houve a ordem de celebrá-la, e que,
nessa ordem de repeti-la em sua memória, está incluída toda
a obra de Cristo para a salvação da humanidade e a garantia
de sua presença entre o seu povo redimido através do culto,
mais especificamente, da Eucaristia. A partir dessas afirma-
ções, considera-se a Eucaristia essencial para o culto cristão.

1.3 O “partir do pão” no tempo dos


apóstolos

O testemunho que temos dos primeiros cristãos a respeito de


sua vida de culto é que os mesmos “perseveravam na doutrina
dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas ora-
ções”. Nas primeiras décadas da igreja primitiva, a Eucaristia
foi denominada pela expressão “partir do pão”, devido ao fato
de Jesus a ter instituído à mesa com seus discípulos e por-
que através desse sinal foi diversas vezes identificado. Parece
“tratar-se de um termo proposital, o qual escondia o alimento
típico da Igreja, um alimento para a vida eterna”. É um termo
técnico para a refeição inteira, a parte pelo todo. Abordar-se-á
sob esse título o período de Pentecostes até o início da segun-
da metade do século I.
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    107

1.3.1 A
 frequência, o dia e a unanimidade
A partir dos relatos bíblicos de Atos dos Apóstolos e 1 Coríntios,
pode-se deduzir que a reunião dos cristãos para o “partir do
pão” era muito frequente, podendo acontecer, nos primeiros
tempos, diariamente. Com base nos textos supracitados, von
Allmen diz que na era apostólica “a Ceia era celebrada regu-
larmente”,6 “no primeiro dia da semana”, também chamado
“dia do Senhor”.7 O texto de Atos 20.7, “parece demonstrar
a existência de um vínculo quase automático entre "o dia do
Senhor" e o "partir do pão". “A Ceia é parte integrante da as-
sembleia dominical”, que celebra a presença de seu Senhor e
Salvador ressuscitado.

Pode-se concluir, pois, que a Eucaristia não era apenas


parte integrante, mas a base e objetivo de cada reunião dos
cristãos, o ponto culminante do culto cristão, tanto que “em
toda a Igreja Primitiva não há o menor indício da celebração
do Domingo sem a Ceia do Senhor”.

1.3.2 A
 estrutura do culto
Como ou de que maneira os primeiros cristãos celebravam
o seu culto? A resposta a essa pergunta poderia, quem sabe,
ajudar a “moldar a liturgia”? Seria a doutrina dos apóstolos,
a comunhão, o partir do pão e as orações, conforme Atos dos
Apóstolos 2.42, uma estrutura do culto da Igreja Primitiva?

6 J. J. Von ALLMEN, O Culto Cristão..., p. 175.


7 Cf. Apocalipse 1.10.
108    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Siegmund Wanke aceita essa possibilidade ao descrever as


características do culto: a “doutrina dos apóstolos” refere-se à
proclamação da Palavra de Deus, a “comunhão” equivale à
convivência dos irmãos, o “partir do pão” refere-se à Eucaris-
tia, e as “orações” são as súplicas e ações de graças. J. Rott-
mann, em seu comentário a respeito de Atos 2.42, denominou
-o de “quatro pilares da vida espiritual” da Igreja Primitiva, e a
falta de um deles compromete toda a estrutura da igreja cristã.

Essa “koinonía” na qual perseveravam, não há dúvidas,


trata-se de ofertas para ajuda aos pobres, além das exorta-
ções, admoestações mútuas e ósculo da paz. J. J. von Allmen,
menciona ainda, como um eco de Atos 2.42, “o Catecismo
de Heidelberg [que] ao enumerar os elementos componentes
do culto, fala de uma contribuição cristã para o sustento dos
pobres, ao lado da pregação, da Santa Ceia e das orações”.

Todas as evidências supracitadas concordam que Atos 2.42


é a primeira estrutura conhecida do culto cristão. Essa “litur-
gia”, nesse caso, poderia ter a seguinte construção: Liturgia da
Palavra, Ofertório (= Comunhão), celebração da Eucaristia e
Orações.

1.3.3 Os locais, o significado e as


consequências das celebrações
Os primeiros locais utilizados pela Igreja Primitiva para a cele-
bração da ressurreição do Senhor, assim como o significado e
a maneira como os cristãos celebravam o amor que Deus lhes
manifestara em Jesus Cristo e também o resultado prático na
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    109

vida dos cristãos, tornam-se relevantes ao se falar das origens


do culto e da Eucaristia.

De acordo com os relatos bíblicos, mesmo que, inicialmen-


te, os convertidos ainda, “unânimes”, frequentavam o templo
para orar e adorar a Deus, os locais próprios para as celebra-
ções eucarísticas eram as casas.

Além disso, o cristianismo muito cedo tornou-se religião


ilegal no Império Romano, o que impossibilitava aos cristãos
primitivos erguer estruturas que fossem especialmente designa-
das para o culto. Como não podiam professar publicamente
a sua fé, não havia possibilidade de grandes aglomerações
de pessoas, de modo que lugares mais espaçosos não eram
necessários. O que, no entanto, parece ter acontecido muito
cedo, foi a escolha de uma casa, de um local específico para
as reuniões e cultos na Igreja Primitiva, “uma casa particular
ou uma casa adquirida pela comunidade. A casa da igreja,
com mais propriedade do que o templo, significa o acolhi-
mento e a hospitalidade que a comunidade eucarística mostra
para com os estranhos e pobres, com os quais compartilha a
mesma fé em Cristo”. Na verdade, a fé cristã e o culto cristão
não estão restritos a locais específicos, poderiam acontecer
“em qualquer lugar. O fato de ter começado em uma espécie
de sala de jantar e, depois, continuado no interior de casas
particulares, mostra que o lugar da liturgia é o lugar onde as
pessoas se encontram para a liturgia”.

Quanto ao “partir o pão de casa em casa”, há quem in-


terprete essa referência como uma simples alusão à Eucaristia,
que nas origens poderia ser celebrada em qualquer casa, a
110    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

combinar e diariamente. De “casa em casa”, também poderia


demonstrar de forma clara e inconfundível que a atividade dos
cristãos não se restringia ao culto público, mas, como uma ex-
tensão deste, também estendia-se aos ausentes, fossem estes
doentes ou pobres, pessoas que necessitavam da caridade e
do amor da comunidade.

A essa altura, torna-se relevante perguntar: como era a


postura e a conduta dos participantes? Qual era o significado
das celebrações? Inicialmente, chama-se a atenção ao fato de
que “o propósito principal do culto não era chamar os fiéis à
penitência, nem fazê-los sentir o peso dos seus pecados, mas
celebrar a ressurreição do Senhor e as promessas das quais
essa ressurreição era a garantia”. Esse propósito fazia com
que o partir do pão acontecesse em um clima de “alegria e
singeleza de coração”, pois era uma celebração, tendo como
tom característico o “gozo e a gratidão e não a dor ou a com-
punção”, tudo isso como fruto de um coração cheio de paz
com Deus. Tais características só poderiam transformar-se em
“bênção também para os que conviviam” com os converti-
dos. A Bíblia na Linguagem de Hoje traduz a expressão grega
“afelóteti kardías” por “humildade”, isto é, o relacionamento
entre todos era de igualdade, de comunidade. Era como se os
seus pensamentos estivessem “sintonizados em uma mesma
frequência”, e formavam um acorde harmonioso, afinado pela
mesma fé, onde “um era o coração e a alma” e “tudo lhes era
comum”.

No “partir do pão” os cristãos consideravam-se unidos a


Cristo, pois os elementos distribuídos efetuavam a participa-
ção no seu sangue e corpo, o que pode ser denominado de
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    111

comunhão ou união vertical; no entanto, ela não criava ape-


nas a “comunhão com o Senhor, mas também dos celebrantes
entre si”, a comunhão horizontal. Daí porque o apóstolo Pau-
lo, ao falar da “comunhão no sangue e no corpo de Cristo”,
conclui seu pensamento com a afirmação: “Porque nós, em-
bora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque
todos participamos do único pão”. Por isso, desprezar alguém
a quem o Senhor deu seu corpo e sangue é desprezar o corpo
e sangue do Senhor e, consequentemente, negar que Cristo
cria comunhão entre os celebrantes, é receber a ceia para a
própria desgraça.

Finalmente, na celebração da Ceia do Senhor, destaca-


se a reunião do passado, presente e futuro, em uma só festa
sagrada e alegre da mesa do Senhor, conforme diz Richard H.
Feucht: “A Ceia do Senhor também comprime o tempo dentro
de um só evento. O passado, presente e futuro são conduzi-
dos para dentro de uma ação – a sentença redentora de Deus
para o mundo. Desse modo, a Ceia do Senhor é recordação
do passado, realidade presente e esperança futura, todos ao
mesmo tempo”. A dimensão que aponta para o passado lem-
bra as palavras “fazei isto em memória de mim”, e é come-
morada com ação de graças; o presente é atestado pela cren-
ça na presença de Cristo na Ceia, e confronta o participante
enquanto está à mesa com tudo quanto a morte do Filho de
Deus significava então e significa agora. Na Ceia do Senhor,
o cristão participa do seu corpo e sangue e, recebendo pão e
vinho em resposta à fé, é unido ao sacrifício de Cristo, tornan-
112    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

do-o presente8 pela participação “do amor, da graça e da co-


munhão com os irmãos”. A expectativa do futuro, a dimensão
escatológica, é atestada pela expressão “até que ele venha”,
pois “o rito simples apontava para além de si mesmo, para
uma esperança futura no reino de Deus”, onde a alegria e a
comunhão com o Senhor vivo serão plenamente consumadas.
Por isso a expressão Maranatha passou a ocupar naturalmente
o seu lugar no culto da Igreja Primitiva.

Essas assembleias comunitárias para a celebração do culto


eram regidas pela alegria (um júbilo intenso que procurava
estender-se e comunicar-se) e pureza de coração (uma atitu-
de que se abre para Deus em absoluta confiança, e para o
próximo na comunhão9). Na refeição comemorativa, a pessoa
confessava e participava dos bens espirituais que a morte de
Cristo e sua ressurreição providenciaram, e também participa-
va da solidariedade que foi dada “à comunidade através da
comunicação da vida do Cristo ressurreto”. Essas caracterís-
ticas cativavam a simpatia do povo,10 e a comunidade cristã,
“fazendo sua luz brilhar diante dos homens...”, viu como “o
Senhor acrescentou-lhes, dia a dia, os que iam sendo salvos” e
viu “os prodígios e sinais feitos por intermédio dos apóstolos”.

Olhando para todos esses resultados, poder-se-ia pensar


que a igreja do tempo dos apóstolos era o modelo perfeito de
cristianismo. No entanto, nem tudo era tão perfeito. Quando
essa unidade foi quebrada, seja pela idolatria, seja pela hipo-

8 François AMIOT, A Missa e sua História, p. 11-12.


9 Leonhard GOPPELT, Teologia do Novo Testamento, p. 414.
10 Josef KURZINGER, Atos dos Apóstolos, Vol. I, p. 83.
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    113

crisia,11 ou ainda pelos abusos egoístas e individualistas (na


congregação de Corinto havia até quem se embriagasse nessa
refeição, enquanto os pobres passavam fome), a comunidade
foi afetada e a união destruída.

A indignidade, da qual Paulo fala aos coríntios, foi cau-


sada por aqueles que em sua conduta na Santa Comunhão
esqueceram de sua unidade com seus irmãos e com Cristo e
deixaram de reconhecer que participar da Ceia do Senhor não
é participar meramente de Cristo, mas também de seus irmãos
que são um em Cristo.

Ao falar da Ceia do Senhor, o apóstolo não tinha em mente


a visão individualista e personalista, centrada no perdão de
pecados individuais, mas queria apontar para as divisões cau-
sadas pelo egoísmo e falta de amor, quando “algumas pessoas
vinham mais cedo para o local da reunião e comiam e bebiam
antes dos outros; quando chegavam estas, que são caracteri-
zadas no v. 22 como as que nada têm, passavam fome. So-
brava para elas a participação na liturgia da Ceia do Senhor,
destituída do seu caráter solidário”. Paulo, em 1 Coríntios
11.24-26, apelou para o próprio relato da instituição da Ceia
para tentar reunir a comunidade, pois tinha a ciência de que a
união era determinante para a sobrevivência da comunidade,
especialmente em meio aos revezes pelos quais passou. É pre-
ciso, pois, demonstrar que a primeira preocupação de Paulo
quando ao falar da Ceia usa a expressão “indignamente”, não
se refere a pecado individual (sequer é mencionada a palavra
pecado no texto), mas ao desvirtuamento de algo essencial na

11 Cf. Atos dos Apóstolos 5.


114    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

celebração eucarística, o seu sentido comunitário. Manter a


unidade da comunidade, da Igreja, foi o objetivo do apóstolo
Paulo, porque “esta unidade é santa – decretada por Deus – e
quebrar essa unidade é cair sob o julgamento de Deus, pe-
car contra os irmãos e contra o próprio Cristo”. Segundo Sch-
neider, “para as primeiras comunidades cristãs, a comunhão
de fé na celebração eucarística implicava necessariamente a
comunhão de vida como um todo. Não há comunhão euca-
rística verdadeira onde as divisões comuns à nossa realidade
perduram”.

A questão da unidade e comunidade tornou-se tão impor-


tante para o apóstolo que ele continua o seu discurso sobre
a Igreja, vendo nela o corpo de Cristo e habitação ou meio
de atuação do Espírito Santo, e culmina o seu discurso com o
grande capítulo acerca do amor, que é o maior de todos os
dons.

Atividades

1) Marque com X a única alternativa correta. A primeira es-


trutura básica do Culto Cristão, registrada em Atos 2.42:

a) ( ) era bastante desenvolvida e cheia de detalhes e


simbologia;

b) ( ) era dividida em duas partes, denominadas de lou-


vor e adoração;
Capítulo 6    Raízes e Origens da Santa Ceia    115

c) ( ) era bem rudimentar e dividia-se em quatro partes,


ou seja, a proclamação da palavra, a celebração da
santa ceia, as manifestações de comunhão fraterna e
as orações;

d) ( ) trazia consigo uma série de orientações para os


oficiantes e diáconos.

2) Assinale a alternativa que corresponde ao conjunto de


afirmações corretas. As principais festividades do povo de
Israel, que envolviam refeições eram:

a) ( ) Seder, Chanukah, Lehem;

b ( ) Shabat, Haburah, Pesah;

c) ( ) Matzah, Lehem, Manah;

d) ( ) Ketubim, Eliakim, Elohim.

3) O “esquema de quatro ações” de Jesus, ao instituir a San-


ta Ceia, são os seguintes:

a) ( ) reuniu os discípulos, deu-lhes a ordem de evange-


lizar, instituiu o ofício, ordenou que se perdoassem;

b) ( ) chamou os apóstolos, instruiu-os, enviou-os, pro-


meteu o espírito Santo;

c) ( ) tomou pão e cálice, deu graças sobre ambos, par-


tiu o pão e apresentou o cálice, deu-os aos discípulos;

d) ( ) disse que era uma nova aliança, juntou os discípu-


los ao redor da mesa, deu a ordem de que comessem
a páscoa, cantou um hino.
116    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

4) Nos primórdios, com que frequência os cristãos se reuniam


para a celebração da Ceia e, com o passar do tempo,
qual se tornou o dia preferencial para a sua celebração?

Gabarito
1) c  2) b  3) c
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 7

O Testemunho dos Pais


Apostólicos
118    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

Abordar-se-á sob este título o período que vai do final do pri-


meiro século até o início do terceiro século A.D. Não se tem a
pretensão de esgotar o assunto, nem de relatar o que cada um
dos Pais Apostólicos1 testemunhou sobre a Eucaristia, mas de
destacar o que for relevante para os objetivos deste trabalho.

1.1 A Centralidade da Eucaristia

É em Inácio, pastor e bispo, de Antioquia,2 martirizado por


volta de 107 A.D.,3 que encontra-se a primeira referência à
expressão “Eucaristia“ (ação de graças) para designar a ce-
rimônia,4 e Justino testemunha que “este alimento chama-se

1 Cf. André BENOIT, A Atualidade dos Pais da Igreja, p. 43, 57: “... os pais são...
os autores dos primeiros séculos cristãos universalmente invocados como teste-
munhas diretas ou indiretas da doutrina cristã ou da vida da igreja da época...
A Patrística adquire assim dimensões de ciência histórica, objetiva, independente,
recusando-se a passar julgamento sobre o passado cristão e sobre o valor dos
documentos por este legado. Os Pais são as testemunhas da compreensão que os
primeiros séculos do cristianismo tiveram da Bíblia Sagrada”.
2 J. Reis PEREIRA, Da Ceia do Senhor à Transubstanciação., p. 34; cf. Inácio de
Antioquia, Aos Efésios 20.2: “...vos reunis na mesma fé e em Jesus Cristo... partindo
um mesmo pão, que é o remédio da imortalidade, antídoto contra a morte, mas
vida em Jesus Cristo para sempre.
3 Cf. Justo GONZALEZ, A era dos mártires., p. 66 e cf. D. Paulo Evaristo ARNS,
Cartas de Santo Inácio, p. 12; Williston WALKER, História da Igreja Cristã, p. 70,
situa a morte de Inácio por volta de 117 A.D.
4 Cf. Inácio de Antioquia, aos Efésios 13.1: “Cuidai pois de reunir-vos com mais
frequência, para dar a Deus ação de graças [eucaristia] e louvor”.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    119

entre nós Eucaristia”.5 A participação na Ceia era decisiva e


necessária para demonstrar se alguém era ou não cristão6. Eu-
caristia, portanto, era central na vida da igreja pós-apostólica7
e o ponto culminante do culto.8 É também a solene manifes-
tação de fé e o culto perfeito,9 “realizado em todos os lugares
da terra pelos cristãos”,10 de forma tal, que não se conhece
qualquer referência em toda a Igreja Primitiva de celebração
do domingo sem a Eucaristia.11 É importante ressaltar que a
falta da Eucaristia comprometeria outro sacramento, o Batis-
mo, pois consideraria os batizados ainda como catecúmenos
em fase de preparação, sem o direito de participar do corpo
e sangue de Cristo, o que seria um desprezo de um meio da
graça.12

5 Cf. Justino, Apologia 1.65: “... os que chamamos diáconos convidam os pre-
sentes a participar do pão e do vinho, e da água eucaristizados... Este alimento se
chama entre nós de Eucaristia...”
6 Cf. Inácio de Antioquia, Aos Efésios 5.12: “Não se iluda ninguém. Se não se
encontrar no interior do recinto do altar, ver-se-á privado do pão de Deus”. Cf.
D. Paulo E. ARNS, p. 42, nota 25: “O altar levará a comunidade à união mais
profunda. Faltar à celebração eucarística significa excluir-se do pão eucarístico, da
verdadeira oração e dos sentimentos fraternais”.
7 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 29.
8 Cf. José Gonçalves SALVADOR, O Didaquê ou Ensino do Senhor Através dos
Doze Apóstolos, p. 57.
9 Cf. Maucyr GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de S. Justino, p. 76.
10 Cf. Justino, Diálogo com o Judeu Trifão, 117.
11 Cf. J. J. von ALLMEN, O Culto Cristão, p. 176.
12 Id. Ibid., p. 182.
120    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

A crença de que o corpo e sangue de Cristo eram recebi-


dos na Eucaristia é mais uma das ênfases da Igreja Antiga.13
No entanto, acreditava-se que não era apenas no rito que a
presença do Senhor se manifestava. “Buscarás a cada dia a
presença dos santos”,14 recomenda o catequista, pois onde os
irmãos estiverem reunidos para ouvir a palavra de Deus, “ali
está o Senhor”.15

Quanto ao dia da semana escolhido para o culto euca-


rístico, o testemunho dos pais é que este acontecia no dia do
Senhor.16 A expressão “dia do Senhor”17 já era usada no Novo
Testamento, ou seja, “o primeiro dia da semana”, data do
encontro semanal da comunidade para o “partir do pão”.18
Os cristãos do período que vai além do Novo Testamento,
do segundo século em diante, mantiveram o mesmo dia para
seus encontros eucarísticos. O que se sabe é que “no dia do
sol”,19 a liturgia é celebrada em memória da ressurreição do

13 François AMIOT, A missa e sua história, p. 13-14.


14 Cf. Didaqué IV:2.
15 Cf. Didaqué IV:1.
16 Cf. Didaqué XIV.
17 Cf. Apocalipse 1.10.
18 Cf. Cap. 1.1.4: “A frequência, o dia e a unanimidade”.
19 Cf. Justino, Apologia I: Falando da liturgia dominical, Justino diz que “fazemos
a reunião todos juntos no dia do sol, por que é o primeiro dia, em que Deus,
transformando as trevas e a matéria, fez o cosmos, e Jesus Cristo, nosso Salvador
no mesmo dia ressuscitou de entre os mortos, pois na véspera do dia de Saturno o
crucificaram, e um dia depois do de Saturno, que é o dia do sol, tendo aparecido
aos seus Apóstolos e discípulos, ensinou-lhes precisamente o que propusemos tam-
bém à vossa consideração”.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    121

Senhor,20 pois os cristãos faziam do domingo o seu dia da


guarda, e denominavam-no “dia do Senhor”.21 Inácio de An-
tioquia, referindo-se ao dia da celebração, diz que o cristão
“não mais observa o sábado, mas vivendo segundo o dia do
Senhor, no qual nossa vida se levantou por Ele e por Sua mor-
te”.22 Hipólito ainda acrescenta que a reunião acontecia “no
domingo de manhã”.23 Os cristãos dessa época viam no do-
mingo o seu dia mais solene, porque era o dia de “partir o pão
e dar graças”.24

O domingo, portanto, tornou-se para os cristãos dos pri-


meiros séculos o dia de culto e celebração eucarística, lem-
brava que no primeiro dia da Criação, Deus criou o mundo, e
no primeiro dia da semana Cristo ressuscitou (simbolizando a
Nova Criação) Ao mesmo tempo, os cristãos acreditavam que
através da Ceia e da comunhão fraterna para ouvir o Evange-
lho, Cristo se fazia presente em meio ao seu povo.

1.2 O ordo da Eucaristia

No primeiro século, as referências a um ordo do culto euca-


rístico restringem-se25 à menção de algumas palavras, como

20 Cf. Justino, Apologia I.


21 Didaqué, XIV.
22 Inácio de Antioquia, Aos Magnésios IX.1
23 Hipólito, Tradição Apostólica, Parte III: A Comunhão Dominical.
24 Didaqué, XIV:1.
25 J. J. von ALLMEN, O Culto Cristão, p. 354.
122    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

“doutrina dos apóstolos, comunhão, partir do pão e ora-


ções”.26 Somam-se a estas as palavras de Paulo, “louvando
a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão
em vossos corações”,27 ou ainda expressões como “Marana-
tha”.28 A adoração neotestamentária, “regida” pelo Espírito de
Deus, garantiu, apesar da diversidade de formas,29 a união
dos primeiros cristãos.30

É somente a partir do segundo século31 que se poderá ver


o início de uma padronização do culto cristão.32 Optou-se
pela abordagem de três documentos que fornecem maior nú-
mero de informações a esse respeito: A Didaqué,33 os textos
catequético-litúrgicos de Justino34 e a Tradição Apostólica de

26 Cf. Capítulo 1.4.2: “A Estrutura do Culto”.


27 Cf. Colossenses 3.16.
28 Cf. 1 Coríntios 16.22.
29 Cf. Ralph MARTIN, A Adoração na Igreja Primitiva, p. 152-153.
30 Cf. Leonhard GOPPELDT, Teologia do Novo Testamento p. 415.
31 Cf. André BENOIT, A Atualidade dos Pais da Igreja, p. 78: “Os pais também vi-
veram sua fé no culto e nos sacramentos. A sua época foi de considerável formação
litúrgica. Praticamente inexistente nos primeiros anos da vida cristã – ou, para ser
mais preciso, fundamentando-se apenas em algumas tradições judaicas – a liturgia
cristã foi elaborada no correr dos primeiros séculos... É interessante observar que
essa tradição litúrgica não se desenvolveu independentemente da Escritura... está
repleta de conteúdo bíblico. A sua atmosfera ressalta notadamente a Escritura. A
liturgia não passa de uma adaptação da Escritura às necessidades do culto”.
32 Cf. Justo GONZALEZ, A Era dos Mártires, p. 150-151.
33 Ralph MARTIN, A Adoração na Igreja Primitiva, p. 159, situa este importante
documento da Igreja Antiga entre o final do primeiro século e início do segundo sé-
culo AD. Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 8, este é o documento
que contém a mais antiga coleção de liturgia do período após o Novo Testamento.
34 Cf. Williston WALKER, História da Igreja Cristã, p. 65, Justino Mártir escreveu
sua Apologia, em Roma, por volta do ano 153 A.D.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    123

Hipólito de Roma.35 Justo Gonzalez, ao citar depoimentos de


Justino Mártir, menciona que (referindo-se à celebração domi-
nical) neles há apenas referência ao culto com a Eucaristia.36

Nas primeiras décadas da Igreja Cristã, a Eucaristia é apre-


sentada, primeiramente, no contexto de uma refeição comple-
ta;37 depois passou a ser integrada com uma refeição comu-
nitária, denominada ágape38 e, finalmente, como celebração
matutina separada da refeição vespertina (cf. Plínio; Justino:
Apologia 1 e Hipólito).39 Gregory Dix acrescenta que, por al-
gum tempo, o termo Eucaristia foi usado com referência à ce-
lebração litúrgica e também à refeição.40

A estrutura do culto eucarístico, conforme a Didaqué, pode


ser vista através da abordagem dos capítulos IX, X e XIV,41 que
apontam para uma possível ordem litúrgica, “a primeira etapa

35 Cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 44, a Tradição Apostólica é situada por


volta do ano 225 A.D.
36 Justo GONZALEZ, A Era dos Mártires, p. 151.
37 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 179-180.
38 Cf. Ralph MARTIN, A Adoração na Igreja Primitiva, p. 159; Cf. DIDAQUÉ X.1:
“E depois de satisfeitos”.
39 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 179; Cf. Urbano ZILLES, Di-
daqué: Catecismo dos Primeiros Cristãos, p. 64-65: “A forma externa da celebração
eucarística desenvolveu-se em fases sucessivas: a) Última ceia de Jesus: bênção ou
consagração do pão, depois ágape e no fim a bênção ou consagração do cálice;
b) No tempo apostólico: ágape, seguido da Eucaristia, isto é, da bênção sobre o
pão e o cálice; c) Depois ágape e Eucaristia separam-se completamente”. Ver tam-
bém W. WALKER, Op. cit., p. 126.
40 Cf. Gregory DIX, The Shape of the Liturgy, p. 99; veja-se Romeu Ruben MARTI-
NI, Eucaristia e Conflitos Comunitários, p. 94.
41 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 180-181.
124    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

na elaboração da liturgia da missa”.42 Identificou-se a seguinte


estrutura do culto eucarístico: ósculo da paz,43 não especifica-
mente mencionado na Didaqué, mas comum já no tempo dos
apóstolos,44 ação de graças sobre o primeiro cálice,45 oração
de graças sobre o pão,46 oração pedindo pela comunhão cristã,
seguida de uma doxologia,47 alerta para que os não batizados
não participem da Eucaristia48 e, finalmente, uma oração pós-
comunhão de bendição ou agradecimento pela revelação de
Cristo,49 pela bênção da criação e redenção50 e súplica pela
união da igreja.51 O referido ordo conclui com uma fórmula,

42 Cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 36.


43 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 181.
44 Cf. Romanos 16.16; 1 Pedro 5.14.
45 Cf. Didaqué, IX.2.
46 Ibid. IX.3.
47 Ibid. IX.4.
48 Ibid. IX.5.
49 Ibid. X.2.
50 Ibid. X.3.
51 Ibid. X.4.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    125

que poderia ser responsiva,52 e Maranatha.53 Finalmente, os


profetas ainda podiam bendizer à vontade.54

A respeito dessa estrutura, algumas considerações. As ora-


ções de ação de graças ou bendição ao final das celebrações
eram livres, adaptadas às circunstâncias pelos “profetas”,55
enquanto que as orações dadas como modelo, com caracte-
rísticas judaicas,56 antes do cálice e antes de quebrar o pão,57
já demonstravam alguma preocupação litúrgica.58 Quanto ao
uso da Oração do Senhor, há fortes indícios de que nessa
época já era utilizada no culto eucarístico,59 o que é funda-
mentado pelo uso da doxologia final “pois teu é o poder e a

52 Cf. H. LIETZMANN, Messe und Herrenmahl, p. 237, sugere-se que Didaqué


X.6 fosse utilizado na forma de diálogo, assim: Líder: Venha a tua graça e passe
este mundo.

Comunidade: Hosana ao Filho de Davi.

Líder: Se alguém é santo, aproxime-se; se não o é, arrependa-se. Maranatha. Co-


munidade: Amém.
53 Didaqué, X.6.
54 Ibid. X.7.
55 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 12.
56 Cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, In: A Igreja em Oração, p. 43.
57 Cf. Didaqué, IX.2-3.
58 Cf. J. Reis PEREIRA, Da Ceia do Senhor à Transubstanciação, p. 40.
59 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 12.
126    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

glória”.60 Portanto, é provável que no tempo da Didaqué, pelo


menos três tipos de oração fossem utilizados no culto eucarís-
tico: as orações livres, as orações eucarísticas elaboradas e
usadas como modelo, e a Oração do Senhor.

Quanto à expressão “Maranatha”, Didaqué refere-se ao


uso particular da palavra ao final da Ceia e em conexão com
a liturgia eucarística.61 O fato de não ter sido traduzida, pois
já é mencionada pelo apóstolo Paulo aos Coríntios,62 mas sim-
plesmente utilizada pela comunidade cristã primitiva, reforça
ainda mais o seu significado, e aponta para um elemento es-
pecificamente cristão da oração litúrgica, elemento que co-
necta estritamente o dia do culto cristão com a ressurreição
de Cristo.63 Seriam essas evidências de que Maranatha fizesse
parte da oração eucarística da Igreja Primitiva? Oscar Cull-
mann é favorável a essa conclusão ao dizer que

60 Cf. Didaqué, VIII.2; Didaqué IX. 4, mesmo não mencionando especificamente


o Pai Nosso, utiliza a doxologia final “Pois tua é a glória e o poder pelos séculos.
Amém”. Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 12, o uso litúrgico da
Oração do Senhor é claramente indicado pela presença da pequena doxologia
final em Didaqué VIII, representando o eco litúrgico da comunidade. As palavras
“Pois teu é o reino etc.” não foram, certamente, ditas por Jesus, mas introduzidas
mais tarde por influência da liturgia cristã primitiva. Cf. E. LOHMEYER, Das Vate-
runser, p. 173, há uma suspeita de que a Oração do Senhor era originalmente dita
na celebração da Ceia e, por essa razão a fórmula de louvor teria sido adicionada.
Cullmann ainda argumenta que o uso da expressão Abba-Pai em Gálatas 4.6 e
Romanos 8.15, aponta para o uso litúrgico da oração do Pai Nosso.
61 Cf. Didaqué, X.6.
62 1 Coríntios 16.22.
63 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 13-14, a oração de ação
de graças alemã “Komm Herr Jesu, sei unser Gast” (“Vem, Senhor Jesus, sê nosso
hóspede [ou „comensal']”) pode ser considerada como uma tradução fiel de “Ma-
ranatha”.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    127

“esta antiga oração aponta ao mesmo tempo para trás,


para a aparição de Cristo no dia da sua ressurreição,
para o seu presente comparecimento à refeição comuni-
tária da comunidade e antecipa a sua aparição no final,
o que é representado frequentemente no quadro da ceia
Messiânica. Em todos os três casos uma refeição está
envolvida. Por essa razão o Maranatha é acima de tudo
uma oração da Eucaristia” (tradução do autor).64

A ideia de união e fraternidade realizada através da presen-


ça de Cristo foi trazida para a liturgia da comunhão e recebeu
ênfase na oração registrada pela Didaqué.65 Essa fraternidade
é ainda reforçada em Didaqué XIV. 1, que ensina a respeito
da confissão de pecados, não caracterizada como penitên-
cia, mas como reconciliação com o próximo, com quem há
alguma desavença. Isso é atestado pelas palavras: “Mas todo
aquele que vive em discórdia com o outro, não se ajunte a
vós antes de ser reconciliado, a fim de que o vosso sacrifício

64 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 14: “This ancient prayer
thus points at the same time backwards to Christ's appearance on the day of his
resurrection, to his present appearance at the common meal of the community and
forwards to his appearance at the End, which is often represented by the picture of
a Messianic meal. In all three cases a meal is involved. Therefore the Maranatha is
above all a eucharistic prayer”.
65 Cf. Didaqué, IX. 4; Cf. J. J. von ALLMEN, Estudo Sobre a Ceia do Senhor, p.
79: “Como o pão, que é santificado para o uso comum de todos nós, é feito de
vários grãos tão misturados juntos que não se poderia discernir um do outro, assim
devemos ser unidos entre nós com uma amizade indissolúvel. Além disso todos
recebemos lá o mesmo corpo de Cristo, a fim de sermos membros”.
128    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

não seja profanado”.66 O beijo ou ósculo santo, obteve nesse


mesmo contexto também o seu uso litúrgico como sinal de
amor fraterno e mútua reconciliação.67 E, como resultado des-
sa união (com Deus e com os irmãos), a participação de todos
na liturgia era afirmada com o amém dito pela congregação.68

Parcialmente contemporâneo ao Didaqué,69 Justino Mártir70


faz a primeira descrição mais completa sobre a reunião do-
minical da comunidade.71 O culto eucarístico continua sendo

66 Cf. Didaqué, XIV. 2; cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 22-23,
fórmulas de confissão eram recitadas no culto da Igreja Primitiva: assim “omologein
e exomologeistai” (confissão), (Roma-nos 10.10 e Filipenses 2.11) em conexão
com a confissão de que Cristo é o Senhor; na mesma direção aponta a primitiva
oração litúrgica Maranatha, relacionada com o segundo advento. Todas essas fór-
mulas de confissão têm em comum o aspecto cristocêntrico, o que testemunha a
força do Senhorio de Cristo (O Cristo ressurreto e elevado ao céu está no centro).
Em Didaqué XIV. 1, encontra-se o conceito “confissão” relacionado à confissão
de pecados, e esta, como nos primeiros tempos, ao lado da confissão de fé e em
conexão com a Ceia do Senhor.”
67 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 20; Cf. J. J. von ALLMENN,
Estudo Sobre a Ceia do Senhor, p. 79-80: “A outra antiga atestação litúrgica dessa
mesma comunhão fraternal é o beijo da paz. Ele precede a comunhão. De prática
apostólica, esse beijo quer provar que os que vão comungar aceitam alcançar sua
situação batismal e portanto estar acima de tudo o que neste mundo é ocasião de
oposição ou divisão, que eles aceitem em particular serem reconciliados entre si
como e porque eles o são de fato com Deus”.
68 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 25.
69 Cf. François AMIOT, A missa e sua história., p. 12.
70 Cf. Oscar CULLMANN, Early Christian Worship, p. 27, suas obras foram escritas
em torno do ano 150 A.D.
71 Id. ibid., p. 27-28: Cullmann demonstrou que os dois supostos cultos da épo-
ca, referidos por Plínio (sendo um da palavra e outro com a Ceia do Senhor), na
verdade estavam unidos em um só.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    129

uma reunião exclusiva de pessoas batizadas,72 onde o ósculo


santo marca seu início (depois da leitura da palavra, admoes-
tações, exortações e orações).73 Na sequência, são apresen-
tados o pão e um cálice de vinho misturado com água;74 é o
momento do ofertório.75 Ao receber das mãos do povo o pão
e o vinho misturado com água, o que preside, “na medida de
seu poder, eleva orações e igualmente ações de graças”.76
Justino, “ao invés de fornecer um texto formulado para a aná-
fora, nos dá indicações de um esquema que aponta para o
conteúdo essencial de toda a oração eucarística”.77

O povo responde com a aclamação “amém”78e manifesta


dessa forma a sua participação.79 Ao término da oração euca-
rística, os diáconos são encarregados de dar “a cada um dos
presentes parte do pão, do vinho e da água eucaristizados”,

72 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 181; Cf. Justino, Apologia
1. 65: “Nós, porém, depois de assim lavado, conduzimos o que creu e se agregou
a nós, para junto dos que se chamam irmãos...”.
73 Justino, Apologia 1. 65.; cf. Maucyr GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de São
Justino, p. 76.
74 Justino, Apologia 1. 65; cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 35-36.
75 Cf. Sissi Georg RIEFF, Ofertório, p. 8-9: No ofertório, além dos elementos da
ceia, eram trazidos alimentos para suprir as necessidades dos que tinham menos
recursos.
76 Cf. Justino, Apologia 1. 67 e 1.65: “ Recebendo-os [o pão e o cálice de vinho
misturado com água], ele [o que preside] eleva um hino de louvor e glória ao Pai
de todas as coisas, pelo nome do Filho e do Espírito Santo, pronuncia uma longa
eucaristia por ele se ter dignado de conceder-nos estas coisas”.
77 Cf. Maucyr GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de São Justino, p. 76.
78 f. Justino, Apologia 1. 65: “Pois o amém, na língua hebraica, significa: assim
seja”.
79 Cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 35.
130    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

que também eram levados para os ausentes, provando que o


serviço do domingo não estava restrito à liturgia eucarística,
mas que a reunião da comunidade também acontecia para
uma troca de bens e consequente distribuição aos menos favo-
recidos ou que tinham impedimento de estar no culto.

Nota-se que Justino traz alguns elementos a mais e mais


precisos na ordem do culto eucarístico. O ósculo é claramente
mencionado e, especialmente, o esquema da oração euca-
rística com suas ênfases, a menção de vinho misturado com
água e, finalmente, a reunião dos bens doados pelas pessoas
batizadas, com o fim de socorrer os necessitados.

Com o passar dos anos, pouco a pouco, serão encontra-


das fórmulas mais elaboradas da celebração eucarística. É em
Hipólito que se encontrará a primeira oração eucarística muito
semelhante às que hoje são conhecidas. O documento em
questão, situado na Tradição Apostólica de Hipólito é, pos-
sivelmente, em parte, composição do próprio Hipólito e, em
parte, compilação de outras liturgias utilizadas na sua épo-
ca. Hipólito descreve detalhadamente duas situações em que
a Eucaristia era celebrada: a primeira trata da Ordenação e
Consagração do Bispo, e a segunda acontece no contexto do
batismo.

A oração eucarística, também conhecida como anáfora,


é proferida pelo celebrante. Esta, de Hipólito, que aqui será
apreciada, encontra-se em uma ordem para eleição e consa-
gração dos bispos. Não é mencionada a liturgia da palavra
que, segundo White, em ocasião especial ainda era separável
quando outra celebração precedia a eucaristia. Após o rito de
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    131

consagração do bispo, menciona-se o ósculo da paz. Segue,


então, a liturgia eucarística. Nessa ordem, encontram-se os
seguintes elementos: a) Diálogo inicial do prefácio, seguindo
um velho costume judaico80; b) inicia-se uma ação de graças
pela encarnação do Filho de Deus e sua paixão e morte; c) são
mencionados os frutos da paixão; d) o relato da última ceia,
com as palavras da instituição; e) a afirmação de que a igreja
age de acordo com o mandamento do Senhor, fazendo isto
em memória de sua morte e ressurreição; f) oferece o pão e o
vinho consagrados e, finalmente, g) pede pelo envio do Espíri-
to Santo a fim de que todos os participantes sejam fortalecidos
na fé e, por Jesus, louvem sem fim a Trindade.

Falando sobre as características gerais da anáfora de


Hipólito, e de orações semelhantes a esta, Martimort faz as
seguintes considerações: trata-se de uma oração coletiva e
universal, e não individual; não é meramente emotiva, mas
racionalmente elaborada; o povo participa em pé e em si-

80 Cf. Rute 2.4.


132    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

lêncio, confirmando com o amém; é trinitária em seu todo e,


especialmente na doxologia.81

White considera essa oração eucarística tão importante,


pois, tanto na época de Hipólito, como por bom período de
tempo após a sua morte, ela tornou-se uma sólida declaração
da fé cristã.82 Mesmo que na sua forma continuava tendo in-
fluências judaicas, o seu conteúdo era inteiramente cristão.83

Na celebração eucarística no contexto do Batismo,84 a litur-


gia da palavra estava incluída nas exortações aos catecúme-
nos85 (“E permanecerão vigilantes durante toda a noite, e se

81 132 Cf. A. G. MARTIMORT, Princípios da Liturgia, p. 146. Cf. BECKHÄUSER,


Celebrar a Vida Cristã., p. 91-95: Beckhäuser assim resume o seu conteúdo:1)
o fato maravilhoso está sintetizado pela morte e ressurreição de Cristo, trazidos
à lembrança pelos símbolos do pão e do vinho, contemplando através daquelas
toda a realidade criada; 2) a admiração, que nasce da descoberta dos frutos, dos
benefícios; 3) a exclamação ou aclamação, brota da admiração pela descoberta
dos feitos. Originalmente, possui duas aclamações: o diálogo inicial e a aclamação
final. As aclamações são a maneira típica de a comunidade participar das orações
eucarísticas; 4) proclamação, narração e memorial, trata do mistério da encarna-
ção de Cristo, fonte de vida e acesso ao Pai amoroso; 5) pedidos ou epíclese, invo-
ca o Espírito Santo sobre as espécies do pão e do vinho em forma de intercessão;
6) a doxologia final, é uma exaltação ao Deus Triúno.

A obra atribuída ao Pai – desde a criação até o envio de Jesus Cristo; a obra atri-
buída a Cristo – sua paixão e morte e ressurreição. Nesta parte há o relato da ins-
tituição; a obra atribuída ao Espírito Santo – pede-se ao Pai que pelo Espírito Santo
atualize a obra redentora de Cristo na Igreja. A ele são dirigidas as intercessões.
82 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 182.
83 Id. Ibid., p. 183.
84 Hipólito, A Primeira Eucaristia.
85 Hipólito, Os que se aproximam da fé. 137 Hipólito., A Tradição do Santo Batis-
mo. 138 Id. ibid.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    133

lerá para eles, e serão instruídos”86), na renúncia e na profis-


são de fé87 e nas orações.88 O que foi batizado é, agora, “dig-
no, deve participar, na mesma hora da oblação”.89 O ofertório
também é mencionado, quando é dito que “os batizandi” não
deviam ter “nada em seu poder, a não ser o que trazem para
a Eucaristia”.90 Após a confirmação com óleo e sinal da cruz
em nome do Trino Deus, menciona-se o ósculo santo,91 então
inicia-se o diálogo.92 Na sequência, é mencionado o uso de
pão abençoado, vinho (imagem do sangue), leite e mel mis-
turados, para recordar a promessa da terra que mana leite e
mel, e que em Cristo essa promessa foi cumprida.93 O bispo
dará graças sobre a água como representação do batismo e,
então, conduzirá a distribuição da Eucaristia.94 Segue imedia-

86 Id. ibid.
87 Id. ibid.
88 Id. ibid.
89 Id. ibid.
90 Hipólito, A Tradição do Santo Batismo.
91 Hipólito, A Confirmação.
92 Id. ibid.: “O Senhor esteja contigo”; Responda o que foi marcado: “E com o
teu espírito”.
93 Hipólito, A Primeira Eucaristia.
94 Id. ibid.: “Partindo o pão, diga, distribuindo os pedaços: O pão celestial em Je-
sus Cristo. E o que recebe responda: Amém. Se os presbíteros não forem suficientes,
peguem os cálices os diáconos e, com dignidade, coloquem-se em ordem: primeiro
o que segura a água, em segundo lugar o que segura o leite, em terceiro, o que
segura o vinho. Provem de cada cálice os que recebem, dizendo três vezes aquele
que dá; Em Deus Pai Onipotente. Responda o que recebe. Amém. – E em nosso
Senhor Jesus Cristo. – Amém.

– E no Espírito Santo e na Santa Igreja. – E responda: Amém. Assim proceda com


cada um.
134    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

tamente a ordem para que todos, após a Ceia, apressem-se


em fazer o bem.95 Não é mencionado todo o texto da oração
eucarística, pois não se trata de uma ordem de culto, mas de
uma “concisa instrução sobre o batismo e sobre a oblação.96

Pode-se concluir, pois, que em Hipólito, a liturgia eucarís-


tica corresponde à “oração dos fiéis, beijo da paz, ofertório,
oração de consagração (apesar de haver um texto, permite-
se alguma liberdade, com regras para a improvisação, para
que seja correta e de acordo com a ortodoxia), – há menção
de bênçãos sobre a oferta para os necessitados –, a comu-
nhão celebrada com orações próprias, o rito e a despedida.97
Quanto às regras para os ágapes,98 bem como as ceias das
viúvas99 e a comunhão diária, estão todos relacionados com
os batizados, na certeza da presença de Cristo, com profundo
espírito de oração, e marcadas pela preocupação com os po-
bres, viúvas, doentes, coveiros, enfim, os ausentes.

Mesmo marcada por certo moralismo ou legalismo,100 são


preciosas as informações sobre a vida cristã encontradas em
Hipólito, especialmente sobre a estrutura do culto, em parte
ainda utilizada nos tempos presentes.

95 Id. ibid.
96 Id. ibid.
97 Maucyr GIBIN, Tradição Apostólica de Hipólito de Roma, Introdução, p. 26.
98 Hipólito, O Ágape.
99 Hipólito, A Ceia das Viúvas. 151 Hipólito, A Comunhão Diária. 152 Id.
82,84,85.
100 Cf. Bengt HÄGGLUND, História da Teologia, p. 14.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    135

1.3 Os temas centrais da Eucaristia

Os cinco temas identificados por Yngve Brilioth (ex-arcebispo


luterano da Suécia) na Eucaristia no Novo Testamento,101 po-
dem também ser identificados nos três documentos dos pais
apostólicos, seja na sua totalidade, ou em parte ao menos.
“São eles: eucaristia ou ação de graças, confraternização na
comunhão, comemoração ou elemento histórico, sacrifício, e
mistério ou presença”,102 além de outros dois temas mencio-
nados por autores mais recentes: “Obra do Espírito Santo e
evento escatológico”.103

A ação de graças está presente nas diversas bendições na


Didaqué, sobre o cálice, sobre o pão e após a celebração.104
Justino também o confirma “na longa eucaristia [que] é pro-
nunciada”105 e declara que “este alimento se chama entre nós
de eucaristia”.106 Em Hipólito, toda a temática da oração eu-
carística gira em torno desse tema, desde a expressão inicial
“Demos graças ao Senhor”.107

101 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 192-194.


102 Id. Ibid., p. 192.
103 Id. Ibid., p. 192.
104 Didaqué IX. 1-3; X. 1-4; XIV. 1.
105 Cf. Justino, Apologia 1. 65.
106 Cf. Justino, Apologia 1. 66.
107 Hipólito, Eleição e Consagração dos Bispos: Eucaristia.
136    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

A temática da confraternização fica evidente no “ósculo


santo” (mencionado especificamente em Justino108 e Hipóli-
to,109 e subentendido em Didaqué110), e também no amém co-
munitário,111 no pão único e cálice comum,112 além do mútuo
acolhimento e ajuda material.113

A comemoração ou elemento histórico é comprovado no


uso da anamnese (em memória da criação e redenção)114 e
nas palavras da instituição,115 além do uso de aleluias e sal-
mos, repetidos por todos.116

O tema do sacrifício também aparece na narrativa da ins-


tituição, nas palavras “meu corpo que por vós será destruído

108 Cf. Justino, Apologia 1. 65


109 Cf. Hipólito, Tradição Apostólica 54.
110 Didaqué XIV. 2.
111 Cf. Justino, Apologia 1. 65; Hipólito, Tradição Apostólica 16.25; Didaqué IX.
4 e X. 5.
112 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 192.; ver também Didaqué
IX. 4; X. 5; Apologia 65.3.
113 Cf. Justino, Apologia 1. 65 e 67.; Hipólito, Tradição Apostólica 58.; ver
também Didaqué 11 e 12.
114 Cf. Justino, Apologia 1. 67; Hipólito, Tradição Apostólica 12 a 16; Didaqué
IX. 2 e 3; X. 2 e 3.
115 Hipólito, Tradição Apostólica 14 a 16; Justino, Diálogo com Trifão.
116 Hipólito, Tradição Apostólica 66.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    137

e sangue por vós derramado”,117 no uso de expressões como


oblação,118 sacrifício,119 oferenda120 e raça sacerdotal.121

O tema da presença122 pode ser identificado na relação do


pão e do vinho com o corpo e sangue de Cristo na Eucaris-
tia123 (fala inclusive do pão como a carne de Jesus124) e no uso
do domingo como dia de culto, recordando que o Salvador
vive.125

A ideia de que a Eucaristia também é local da atuação do


Espírito Santo aparece especialmente na epiclese,126 ou seja,
na invocação dos frutos do sacrifício sobre os que vão comun-
gar, pedindo que sejam repletos do Espírito Santo.127

117 Hipólito, Tradição Apostólica 14-16; Justino: Diálogo com Trifão 41.
118 Hipólito, Tradição Apostólica 11.
119 Justino: Diálogo com Trifão.
120 Hipólito, Tradição Apostólica 16.
121 Justino: Diálogo com Trifão.
122 Didaqué IV. 1.
123 Cf. François AMIOT, A missa e sua história, p. 13-14.
124 Cf. Maucyr GIBIN, Textos Catequético-Litúrgicos de São Justino, p. 78.
125 Cf. Justino, Apologia 1. 67.
126 Hipólito, Tradição Apostólica 16.
127 Cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 46.
138    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Finalmente, a dimensão escatológica128 é atestada na es-


perança de ser “dignos de obter a salvação eterna”,129 nas
doxologias130 e (na Didaqué) na expressão maranatha.131

Ainda pode-se destacar que se tratava da reunião dos ir-


mãos,132 santos,133 batizados,134 reconciliados entre si135 e em
plena conexão com a Igreja.136 Destaca-se, pois, que a “Eu-
caristia é fonte de amor dos irmãos. Ela leva à prática da ca-
ridade desinteressada e constitui o fundamento da unidade da
Igreja”.137

Atividades

1) Assinale a alternativa correta. A celebração da Ceia do


Senhor, no primeiro dia da semana, deve-se ao seguinte
motivo:

128 Cf. James F. WHITE, Introdução ao Culto Cristão, p. 193.


129 Cf. Justino, Apologia 1. 65; 67.
130 Hipólito, Tradição Apostólica 16.
131 Didaqué X. 6.
132 Cf. A. G. MARTIMORT, A Eucaristia, p. 35.
133 Didaqué IV. 2.
134 Didaqué X. 6.
135 Didaqué XIV. 2.
136 Cf. José Gonçalves SALVADOR, O Didaquê ou Ensino do Senhor Através dos
Doze Apóstolos, pp. 57-58.
137 Cf. Maucyr GIBIN, Introdução aos Texto Catequético-Litúrgicos de São Justino,
p. 75.
Capítulo 7    O Testemunho dos Pais Apostólicos    139

a) ( ) Jesus ordenou que o sábado fosse substituído pelo


domingo;

b) ( ) o dia do sol, como era chamado pelos romanos,


por causa da sua crença nessa divindade, levou o im-
perador a ordenar que as celebrações acontecessem
nesse dia;

c) ( ) a lembrança de que Deus criou o mundo em seis


dias e no sétimo descansou;

d) ( ) o fato de Jesus ter ressuscitado no primeiro dia da


semana levou os cristãos a celebrarem a Santa Ceia
nesse dia em comemoração à ressurreição e a uma
nova criação.

2) De que maneira se pode atestar a centralidade da San-


ta Ceia nos cultos da Igreja Antiga? Marque a alternativa
correta.

a) ( ) Ela era considerada tão sagrada que os cristãos a


celebravam somente na semana-santa.

b) ( ) Ela era celebrada dominicalmente a tal ponto que


havia um vínculo automático entre o primeiro dia da
semana e a celebração eucarística.

c) ( ) Discutia-se muito sobre a sua importância, espe-


cialmente sobre o dogma da presença real.

d) ( ) Todos que quisessem podiam participar da santa


ceia na Igreja Antiga.
140    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

3) Os cinco principais temas presentes na Santa Ceia são os


que seguem:

a) ( ) devoção, louvor, adoração, comunhão;

b) ( ) proclamação, repetição, sacrifício incruento, doa-


ção;

c) ( ) eucaristia ou ação de graças, confraternização na


comunhão, comemoração ou elemento histórico, sa-
crifício, e mistério ou presença;

d) ( ) ofertório, diaconia, serviço, adoração;

4) O significado da expressão “Maranatha” e o seu uso no


contexto do culto eucarístico.

Gabarito
1) d  2) b  3) c
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 8

Santa Ceia: Dimensão


Bíblica, Teológica e
Confessional
142    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Introdução

O termo Eucaristia é, possivelmente, o mais utilizado para re-


ferir-se ao Sacramento do corpo e sangue de nosso Senhor
Jesus Cristo. As Confissões Luteranas denotam a preferência
ao uso de termos como Santa Ceia ou Sacramento do Altar.
Paulo, aos Coríntios, fala em Ceia do Senhor1 e os cristãos
primitivos usavam o termo Partir do Pão. Parece que todos es-
ses termos querem enfocar diferentes aspectos de um mesmo
sacramento. Partindo do princípio que o termo Eucaristia é uti-
lizado desde o final do século I A.D., e por ser “o termo mais
descritivo que temos”, é o que será mais utilizado ao longo
deste livro, sem desconsiderar os outros termos, conforme o
contexto.

A Santa Ceia ou o “sacramentum sacramentorum”, tam-


bém denominada de “Palavra visível”, é um elemento essencial
do culto dominical por ser um sacramento instituído e ordena-
do por Cristo, da mesma forma que o Batismo e a pregação
do Evangelho. Em toda a cristandade, considera-se a Santa
Ceia uma das grandes dádivas de Deus para a sua igreja.

1.1 Verdadeiro corpo e sangue de Cristo

Mesmo que a doutrina da presença real possa ser encontrada


nas Escrituras e nos pais apostólicos, a verdade é que a discus-
são em torno do assunto vem à tona no sínodo de 787. Este,

1 1 Coríntios 11.20.
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    143

ao reconhecer a veneração de imagens (ícones), incidental-


mente rejeitou a resolução do sínodo de 754 que declara que,
na igreja, não deveria haver qualquer outra imagem, além
dos elementos da Eucaristia. A decisão de 787 pressupunha a
doutrina, e assim se entendeu a questão em toda a parte, que
o pão e o vinho não são imagens, figuras ou símbolos, mas
são o verdadeiro corpo e sangue de Cristo. O dogma da pre-
sença real, no entanto, só foi formal e firmemente estabelecido
em 1079. Parece que nenhum outro mistério da fé ocupou, tão
completamente, não apenas os cérebros dos teólogos, mas
também a imaginação dos leigos. Para Lutero e seus colabo-
radores, a doutrina da presença real de Cristo na Santa Ceia,
baseada apenas nas palavras da instituição, ia ainda mais lon-
ge: era desde sempre um artigo da Cristologia.

Na Santa Ceia, pão e vinho são o corpo e sangue de Cristo


e, conforme os confessores, em, com e sob o pão e o vinho o
corpo e o sangue de Cristo são oferecidos e oralmente recebi-
dos.2 Portanto, a Santa Ceia é o verdadeiro corpo e o verda-
deiro sangue de Cristo, sob o pão e o vinho e, porque o corpo
e sangue do Senhor são dados no e sob o pão e o vinho, é
que os cristãos atendem à ordem de comer e beber. Essas
palavras têm a autoridade da Palavra de Deus no sacramento.
E quando essa Palavra de Deus é unida aos elementos pão
e vinho, ali há um sacramento. Diante dessa ênfase é que se
afirma que as palavras da instituição devem ser entendidas em
seu sentido pleno e literal, e não de forma simbólica ou sen-
tido metafórico. Segundo o dogmático John Theodor Mueller,

2 FC 7 [LC 613,614].
144    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

a afirmação da presença real de Cristo na Santa Ceia “não é


propriamente uma 'interpretação' das palavras da instituição,
mas apenas a simples e sincera apresentação da doutrina bí-
blica exposta nessas palavras”. O pão consagrado e recebido
pelo comungante é o corpo de Cristo e o vinho consagrado e
bebido é o seu sangue.

Na concepção da presença real é afirmada a presença


de Cristo com as duas naturezas, especialmente a humana,
pois a divina não estava em discussão. Afirma-se, por isso,
que não se trata meramente de uma representação, ou seja,
a Santa Ceia não é simplesmente um símbolo. O sacramento
foi instituído para ser usado. A presença de Cristo não se dá
no altar para ser apreciada ou adorada pelos fiéis, mas para
ser comida e bebida. A Ceia é um ato completo que inicia
com as palavras da instituição e estende-se até o momento
da recepção oral dos elementos. É importante ressaltar que
nenhuma palavra ou conceituação humana podem dar poder
ao sacramento. O poder também não está nos elementos em
si próprios, mas a garantia da graça nos é dada através destas
palavras: dado e derramado por vós, para remissão de peca-
dos. O corpo e sangue de Cristo servem de selo que nos torna
a promessa mais certa.

O poder é de Cristo e está nas suas palavras, pois o cen-


tral na celebração da Santa Ceia é a palavra e promessa do
Senhor que a instituiu, assim que tudo é feito com base em sua
palavra. O poder e a finalidade da Ceia não dependem da
fé ou piedade de quem a administra nem da opinião ou fé de
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    145

quem a recebe.3 Por isso, insiste-se, pelos motivos supramen-


cionados, no emprego das palavras da instituição da Santa
Ceia, as quais “devem ser faladas ou cantadas publicamente,
de maneira distinta e clara, diante da congregação, não se
devendo omiti-las de forma nenhuma”.4 A insistência nas pa-
lavras da instituição decorre da afirmação de Cristo “isto é o
meu corpo e isto é o meu sangue”.5

A verdadeira presença real do corpo e sangue de Cristo na


Santa Ceia não é efetuada pela palavra ou obra de nenhuma
pessoa, quer seja o mérito ou a recitação do ministro, o comer
e o beber ou mesmo a fé dos comungantes. Tudo isso, ao con-
trário, deve ser atribuído unicamente à virtude do onipotente
Deus e à palavra, instituição e ordenação de nosso Senhor Je-
sus Cristo. Nem a fé das pessoas, nem o poder do sacerdócio,
nem qualquer influência mágica das palavras pronunciadas,
nem gestos realizados fazem do comer e beber uma Santa
Ceia ou sacramento, mas unicamente a instituição e ordem de
Cristo: “Fazei isto”.

A ênfase na presença real pode ainda ser atestada na pró-


pria liturgia. Além do uso imprescindível das palavras da ins-
tituição, a Liturgia Luterana inclui uma fórmula de distribuição
dos elementos aos comungantes, como segue:

Tomai, comei; isto é o verdadeiro corpo de nosso Senhor


e Salvador Jesus Cristo, que é dado à morte pelos vossos

3 KOEHLER, 2002, p. 147.


4 FC-DS 7 [LC 620].
5 MUELLER, 2004, p. 496.
146    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

pecados. (...) Tomai, bebei; isto é o verdadeiro sangue de


nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, que é derramado
para remissão dos vossos pecados.6

As palavras dessa fórmula de distribuição ecoam as pala-


vras do Catecismo Menor, de Lutero e, ao mesmo tempo, são
uma reação à doutrina reformada da representação. O assun-
to também recebe ênfase na seguinte oração geral da Igreja:

Concede o teu Espírito Santo a todos os que participam


da Santa Ceia hoje para que recebam o verdadeiro cor-
po e o verdadeiro sangue de Jesus Cristo em sincero ar-
rependimento, fé confiante.7

Como acontece essa presença real de Cristo na Santa Ceia


é assunto a ser exposto a seguir.

1.2 União sacramental

Várias têm sido as tentativas humanas de explicar como se dá


a presença real de Cristo na Santa Ceia. Para a Igreja Católica
Apostólica Romana, isso acontece através da transubstancia-
ção,8 quando na consagração do pão pelo sacerdote toda a
substância do pão é transformada em corpo de Cristo, e na

6 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL, 1961, p. 19.


7 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL, Hinário Luterano. Porto Alegre:
Concórdia, 1986, p. 113.
8 SCHULER, 2002, p. 461,462.
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    147

consagração do vinho toda a substância do vinho é transfor-


mada em sangue de Cristo:

No Sacramento da Eucaristia não permanece a subs-


tância do pão e do vinho juntamente com o Corpo e
o Sangue do Senhor Jesus, mas se efetua uma admirá-
vel e singular conversão de toda a substância do pão
no Corpo e de toda a substância do vinho no Sangue,
permanecendo apenas as espécies do pão e do vinho,
conversão que a Igreja com suma propriedade chama de
transubstanciação.9

Nesse caso, para os católicos, apenas as aparências do


pão e do vinho permanecem. Tal dogma, aprovado no Con-
cílio Lateranense (1215), foi novamente afirmado no Concílio
de Trento (1546-1563).

Até 1519, Lutero entendia a presença real da mesma ma-


neira que a doutrina oficialmente reconhecida na época, ou
seja, a transubstanciação. Mais tarde, no entanto, após pro-
fundos estudos e reflexão à base das Escrituras, percebeu que
tal concepção não poderia ser aceita por alguém que defendia
o Sola Scriptura, Sola Gratia e Sola Fide.10 Nos Artigos de Es-
malcalde, Lutero assim se pronuncia sobre a transubstancia-
ção:

No que concerne à transubstanciação, temos em nada


a sutil sofistaria de ensinarem que pão e vinho aban-

9 KLOPPENBURG, Boaventura. A Eucaristia no Concílio de Trento. Revista Eclesi-


ástica Brasileira, Petrópolis, ano 54, fasc. 257, p. 135-143, 2005.
10 SASSE, 2003, p. 85-87.
148    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

donam ou perdem sua substância natural, ficando ape-


nas a aparência e cor do pão, não pão verdadeiro. Pois
harmoniza-se perfeitamente com a Escritura que o pão
esteja e permaneça presente. O próprio São Paulo assim
lhe chama: 'O pão que partimos' [1 Co 10.16], e: 'Assim
coma do pão' [1 Co 11.28].11

Na Fórmula de Concórdia, os confessores apresentam o


que no seu entender deveria ser refutado na doutrina da ICAR
concernente ao sacramento:

(...) rejeitamos e condenamos (...) a transubstanciação


papista, quando se ensina no papado que o pão e o
vinho na Santa Ceia perdem a sua substância e essên-
cia natural, sendo reduzidos a nada de modo tal, que
são transmutados para o corpo de Cristo, permanecendo
apenas a espécie externa.12

A transubstanciação, segundo o reformador Lutero, era


uma tentativa filosófica de explicar o milagre da presença real,
no entanto, nunca esse erro foi colocado no mesmo nível da
retenção do cálice aos leigos13 ou do sacrifício da missa. En-
quanto esses erros, para Lutero, destroem o sacramento, a
transubstanciação seria apenas uma tentativa equivocada de
explicar o milagre da presença real.14 Muitos entendiam que
ao sacerdote cabia o poder para transformar os elementos

11 AE 6 [LC 334,335]: Lutero chama a transubstanciação de “fantasia de São


Tomás e do Papa”.
12 FC-Ep 7 [LC 521].
13 SASSE, 2003, p. 87.
14 AE 3, 6 [LC 334].
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    149

visíveis em corpo e sangue de Cristo.15 A objeção da parte dos


reformadores era que “quanto à consagração, se crê, confessa
e se ensina que obra nenhuma de homem nem a recitação
efetuam essa presença do corpo e sangue de Cristo na Santa
Ceia; isso, ao contrário, deve ser atribuído única e exclusiva-
mente à virtude onipotente de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Enquanto a ICAR permanece com o dogma da transubs-


tanciação, as igrejas zwingliocalvinistas aceitam que pão e vi-
nho naturais estão presentes no sacramento. Mas quanto às
expressões de Cristo “isto é o meu corpo” e “isto é o meu
sangue”, interpretam-nas em sentido figurado. Para os zwin-
glianos e para os calvinistas, “pão” significa o corpo.

A forma com que se interpretam as palavras de Cristo “isto


é o meu corpo e isto é o meu sangue” também determinará a
posição doutrinária frente ao sacramento. Lutero as interpretou
de forma literal, ou seja, “cremos que pão e vinho na Ceia são
o verdadeiro corpo e sangue de Cristo”. O mesmo posiciona-
mento é mantido pelos confessores na Fórmula de Concórdia:

“Cremos, ensinamos e confessamos que na Santa Ceia


o corpo e sangue de Cristo estão verdadeira e essen-
cialmente presentes e são verdadeiramente distribuídos e
recebidos com o pão e o vinho”.

A afirmação seguinte é ainda mais direta ao afirmar:

“Cremos, ensinamos e confessamos que as palavras do


testamento de Cristo não devem ser entendidas de ne-

15 MUELLER, 2004, p. 487.


150    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

nhuma outra maneira senão em seu sentido literal, de tal


forma que o pão não significa o corpo ausente e o vinho
o sangue ausente de Cristo, mas em virtude da união
sacramental são verdadeiro corpo e sangue de Cristo”.16

Outra tentativa de explicar a presença real de Cristo é co-


nhecida por consubstanciação:

o corpo e o sangue de Cristo unem-se aos elementos


comuns sem que estes deixem de ser pão e vinho. Em-
bora esta teoria seja menos passível de objeção, a ideia
de substância ainda está presente, ocultando a presença
ativa de Cristo. A teoria da consubstanciação tornou-se
parte da teologia luterana nos séculos posteriores à Re-
forma. É de notar-se, contudo, que a palavra não é en-
contrada nos escritos de Lutero. Sua constante ênfase na
presença real de Cristo vivo e ativo era incompatível com
o conceito de substância.17

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil não ensina a con-


substanciação, teoria segundo a qual o pão e o corpo formam
uma só substância. Ou que o corpo está presente como o pão,
de maneira natural. Também não ensina a impanação, que
significa estar o corpo de Cristo localmente incluso no pão.
Rejeita-se, portanto, a afirmação de que a presença real impli-
caria uma inclusão local ou consubstanciação,18 pois

16 FC-Ep 7 [LC 518,519].


17 SCHULER, 2002, p. 130.
18 MUELLER, 2004, p. 494.
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    151

essa ordem “comei e bebei” não pode ser entendida se-


não como relativa ao comer e beber orais. Não, todavia,
de modo grosseiro, carnal, senão que de maneira sobre-
natural, incompreensível.

Se Cristo está presente no sacramento, que tipo de presen-


ça é essa? Esse assunto já foi problema para teólogos da Idade
Média, conforme supracitado. As confissões luteranas, como
se viu, definem de forma mais ampla, o modo da presença do
Senhor em termos negativos. Negam a teoria da transubstan-
ciação. Negam a mudança de essência, tanto dos elementos
terrenos quanto dos celestes. Condenam o confinamento local
para o corpo e sangue de Cristo nos elementos terrenos. Elas
condenam qualquer tipo de interpretação que sugira uma au-
sência real do corpo e do sangue do Senhor. Afirma-se a pre-
sença real. A pergunta, então, passa a ser como essa presença
é possível?

Defende-se, com base em Paulo, e nos relatos da institui-


ção que quatro coisas estão real e verdadeiramente presentes
na Santa Ceia: pão e vinho, corpo e sangue de Cristo. Tal
fenômeno é denominado de “união sacramental”. Não se tra-
ta de uma união natural física ou local dos elementos, mas
“supernatural”. Esta só acontece durante o ato sacramental.

Na “teologia oficial” da IELB, considera-se a união sacra-


mental entre o pão e o corpo e entre o vinho e o sangue tão
real e íntima que, no ato sacramental, o comungante recebe o
verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue de Cristo, em, com e
sob o pão e o vinho. O pão e o vinho, na verdade, de modo
natural, contudo o corpo e o sangue, de modo sobrenatural,
incompreensível.
152    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Quando essa presença real ou união sacramental aconte-


ce? Os livros simbólicos do luteranismo não discutem o mo-
mento em que essa união sacramental inicia ou termina, com
exceção da afirmação que se encontra na Fórmula de Con-
córdia, de que ela não acontece à parte do uso instituído do
sacramento, ou seja, a consagração, com a autoridade das
palavras da instituição, a distribuição e a recepção oral. Na
Santa Ceia, o pão e o vinho são o corpo e o sangue de Cris-
to. Para a união sacramental é necessário que os elementos
naturais sejam realmente distribuídos e recebidos efetivamente
pelos comungantes, “pois que a união sacramental se dá so-
mente no ato sacramental e não fora dele”. Por isso não se
aprovam as procissões da hóstia (corpus Christi) por conside-
rar tal ato idolatria.

A união sacramental não é realizada pelo ato de o pastor


consagrar o pão e o vinho, mas verifica-se apenas no pão e
no vinho que se come e se bebe e enquanto são comidos e
bebidos. A união sacramental, por isso, cessa com o ato sa-
cramental, ela não continua para além do comer e beber.

1.3 Os elementos da Santa Ceia

A importância atribuída aos elementos da Santa Ceia na “teo-


logia oficial” da IELB ecoa a ênfase que Lutero conferiu ao uso
das duas espécies no sacramento. Ao escrever “Do Cativeiro
Babilônico da Igreja”, Lutero relaciona diversos “cativeiros”
aos quais o sacramento foi submetido. Justamente o “primeiro
cativeiro desse sacramento” refere-se à prática da ICAR, que
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    153

por volta dos séculos XII e XIII passou a administrar o sacra-


mento aos leigos apenas sob a espécie do pão.19 O Lutera-
nismo, desde o século XVI, tem-se manifestado na defesa do
direito dos leigos também ao cálice:

Aos leigos são dadas entre nós ambas as espécies do


sacramento, porque é clara a ordem e mandamento de
Cristo em Mt 26. [27]: 'Bebei dele todos': Cristo aí orde-
na com palavras claras, a respeito do cálice, que todos
bebam dele.20

Lutero desejava uma reforma também na Santa Ceia, pois


considerava a comunhão sub una specie pecaminosa, pois
contradizia a ordem de Cristo. Argumentava-se em favor da
comunhão sob as duas espécies, pois, além das palavras da
instituição e ordem expressa de Cristo, a prática registrada nas
Escrituras foi observada na igreja durante séculos.21 O artigo
não indica exatamente quando a mudança foi feita. Aparente-
mente, esta já vem desde o séc. XII, pois em uma carta dirigi-
da aos boêmios o cardeal Cusano22 afirma que a suspensão
aos leigos vem desde o Quarto Concílio de Latrão (1215).
Na Apologia da Confissão, afirma-se que as duas espécies
na Santa Ceia pertencem à toda a Igreja.23 Tal insistência se

19 SCHULER, 2002, p. 124.


20 CA 22 [LC 41].
21 SEIBERT, Erni. Introdução às Confissões Luteranas. Porto Alegre: Concórdia,
2000, p. 77,78.
22 SCHULER, 2002, 163: Nicolas de Cusa, proeminente membro da hierarquia
romana do séc. XV.
23 AC [LC 250,251].
154    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

ampara nas palavras de Cristo, na prática da igreja apostóli-


ca,24 na prática de períodos subsequentes da igreja, conforme
o testemunho dos pais Cipriano e São Jerônimo.25 Por isso, o
cálice jamais deveria ser negado aos leigos. Sendo os elemen-
tos terrenos no sacramento pão e vinho, espera-se que todos
os comungantes recebam ambos.

As confissões não especificam o tipo de pão ou vinho. His-


toricamente, todavia, os luteranos desejaram depreciar a sim-
bólica associação do pão ao corpo de Cristo e, especialmente
do vinho tinto ao seu sangue, a qual poderia dar a impressão
que o corpo e sangue de Cristo estavam sendo meramente
simbolizados com pão e vinho. Por essa razão, manteve-se
a hóstia e se deu preferência ao vinho branco ou âmbar, ao
invés do vinho sacramental vermelho.

A Santa Ceia tem elementos visíveis que lhe são próprios.


De acordo com a CTRE, uma analogia com o Batismo pode
ser feita. Assim como a igreja não tem o direito de mudar o
elemento usado por Cristo – a água – no Batismo, também
não pode fazer em relação aos elementos:

Manter o pão e o vinho na Santa Ceia não é funda-


mentalismo, mas simplesmente fidelidade à instituição do
Senhor. Quanto aos elementos, Mt 26.26, Mc 14.22,
Lc 22.19, 1 Co 10.17,17; 11.23 falam que Jesus to-
mou 'pão' (artos). Mt 26.29, Mc 14.25 falam em fruto
da videira (genematos tes ampelou), referente ao cálice

24 1 Co 11.20 ss., Paulo demonstra que toda a assembleia da igreja de Corinto


usou de ambas as espécies.
25 CA 22 [LC 41].
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    155

(poterion) – Mt 26.27, Mc 14.23; cf. Lc 22.20; 1 Co


10.16; 11.25.26

Vale destacar que a expressão cálice refere-se ao vinho e


que Jesus utilizou-se do vinho por ser essa exatamente a bebi-
da usada na celebração da páscoa. “Vinho é, pois, legitima-
mente, o referente para a expressão 'fruto da videira', no relato
da instituição da Santa Ceia”.

Os adversários da Reforma luterana, segundo a Apologia


da Confissão de Augsburgo, eram incapazes de apresentar
qualquer argumento com base nas Escrituras para abandonar
a ordem e prática do uso dos dois elementos. A opinião dos
reformadores era que a única base para o abandono ou nega-
ção de uma das espécies aos leigos era a preferência humana
e a ambição dos sacerdotes.

Ainda sobre a questão dos elementos externos da Santa


Ceia, surge a discussão a respeito da forma de distribuição de
ambas as espécies. Uma prática antiga é a da intinção, que
é o ato em que o ministro, na Santa Ceia, molha ou coloca o
pão ou a hóstia, ou fração deles no vinho para então dá-lo ao
comungante. A CTRE, após referir-se à Fórmula de Concórdia,
declara que não existe sacramento fora do uso divinamente
instituído. Diz ainda que, para se ter verdadeiramente a Santa
Ceia, é necessária a presença dos elementos usados por Jesus:
o pão e o vinho. A intinção, como alteração do comer e do be-
ber, foge do padrão do uso instituído. Mesmo que possam ser
listados vários motivos, tais como a impossibilidade de tomar

26 LINDEN, Gerson L. Aspectos quanto à administração da Santa Ceia. Igreja


Luterana, vol. 60, n. 1, p. 10-11, 2001.
156    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

vinho, racionamento de vinho ou, o que é mais problemático,


a crença de que, derramando o vinho, estar-se-ia derramando
o sangue de Cristo que teria surgido de uma transubstancia-
ção, tal prática não se justifica.

1.4 A Santa Ceia: seus benefícios

Quando se afirma que os sacramentos são “sinais e testemu-


nhos da vontade divina para conosco”,27 está-se dizendo que
estes são meios pelos quais Deus está transmitindo, comuni-
cando e concedendo à pessoa batizada e ao comungante as
bênçãos espirituais prometidas nas palavras da instituição:
perdão, vida e salvação.28 Os sacramentos são necessários à
Igreja, pois não são meros sinais, cerimônias ou ritos vazios,
mas agem nas pessoas que deles participam, conforme as pa-
lavras e promessas de Deus.29 Aquele que crê nessas palavras,
mediante a fé tem o perdão de todos os seus pecados, é um
filho da vida e já triunfou sobre o inferno e a morte.30 Por isso,
a Santa Ceia foi instituída com a ordem de ser celebrada sem-
pre. Através de sua nova refeição de libertação, instituída para
ser celebrada frequentemente, o Senhor Jesus liberta a huma-
nidade da escravidão espiritual do pecado. É ele quem liberta
as pessoas da maldição dos seus pecados e da condenação

27 KOEHLER, 2002, p. 147.


28 BECK, Nestor L. et al. Confissão da esperança. Porto Alegre: Concórdia,
1980, p. 93.
29 MUELLER, 2004, p. 495.
30 SASSE, 2003, p. 90.
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    157

eterna que elas merecem. Lutero, ao tratar das finalidades e


dos benefícios da Santa Ceia, pergunta e, ao mesmo tempo,
indica a resposta:

Que proveito há nesse comer e beber? – Resposta: Isso


nos indicam as palavras: 'Dado em favor de vós' e, 'der-
ramado para remissão dos pecados', a saber, que por
essas palavras nos são dados no sacramento remissão
dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos
pecados, há também vida e salvação.31

O dom peculiar da Santa Ceia é, por conseguinte, na


exposição de Lutero e também na “teologia oficial” da IELB,
perdão dos pecados, vida plena e salvação, ou seja, precisa-
mente a mesma bênção que o evangelho transmite em geral,
e o Batismo em particular. O Batismo oferece o perdão dos
pecados pela aplicação da água. A Santa Ceia pela recepção,
por parte do comungante, do corpo e sangue de Cristo em,
com e sob o pão e o vinho. Edward Koehler ressalta, porém,
que o perdão e a graça não são oferecidos em porções, ou
seja, uma parte na palavra do evangelho, outra no Batismo e
outra, por fim, na Santa Ceia:

A Santa Ceia tem o poder de conferir graça e perdão, con-


forto e consolo, vida e fortalecimento para a fé, porque são
esses os dons conquistados por Cristo, que a instituiu, com sua
morte na cruz. Com o “está consumado” (Jo 19.30), todos
esses benefícios foram conquistados por Cristo para toda a
humanidade e estão à disposição desta, mas são conferidos

31 CMen [LC 379]. Na CA 13 [LC 34].


158    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

através da palavra da salvação e, de forma especial, através


da Santa Ceia aos que creem na palavra de Cristo. Isto é
atribuído unicamente ao grande poder de Deus e à palavra,
instituição e ordenança do Senhor Jesus Cristo. Pois as verda-
deiras e poderosas palavras de Cristo que ele falou na primei-
ra instituição não foram eficazes apenas na primeira Ceia. Elas
conservam sua validade, poder e eficácia em todos os lugares
em que a Ceia é observada de acordo com a instituição de
Cristo e onde suas palavras são usadas.32

1.5 A Santa Ceia: suas consequências

Das diversas consequências da participação na Santa Ceia,


destacam-se as que seguem: Crescimento no amor a Deus e
ao próximo.

Diferentemente da secção anterior, que tratou dos benefí-


cios da Santa Ceia ao próprio comungante, aqui tratar-se-á
das consequências do Sacramento na vida cristã santificada.
Aqui não se pergunta: “O que eu ganho com isso?”, mas “O
que eu posso fazer ou como vou agir a partir da participação
na Ceia?”.

Se a participação da Santa Ceia apenas trouxesse bene-


fícios ao próprio comungante, o motivo de sua participação
poderia ser considerado egoísta. A participação do crente não
é um ato individualista ou egoísta, mas o fortalece na fé e

32 SCHLINCK, 1961, p. 156-157.


Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    159

conforta o coração, a Ceia do Senhor também aumenta o


nosso amor para com Deus e o próximo, de modo tal que
fazemos maiores esforços para levar uma vida agradável a
Deus. Também nos aviva a esperança da vida eterna. Também
confessamos a nossa fé quando participamos da Ceia do Se-
nhor, pois “todas as vezes que comerdes este pão e beberdes
o cálice anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1
Co 11.26).33

Falando sobre os benefícios da Santa Ceia, em dado mo-


mento, Koehler faz referência a algumas consequências dessa
participação. A Santa Ceia “acende em nossos corações fer-
vente amor a Deus e nos ajuda a levarmos uma vida piedosa”.

Quando o pecador está seguro da graça de Deus para


consigo, sua atitude muda. Mueller, fazendo referência a 1 Jo
4.19, enfatiza que se os cristãos podem amar, é porque Deus
os amou primeiro. Isso expressa a sua atitude, a sua resposta
a Deus. No sacramento, Deus manifesta seu amor incondi-
cional e imutável às pessoas, apesar das ofensas e repetidos
erros que elas cometem. Mesmo onde o pecado acontece
reiteradamente, incansavelmente Deus assegura a sua graça
perdoadora. Como o pecado esfria o amor, mesmo na vida
dos cristãos, a participação da Santa Ceia serve para aquecer
o coração no amor divino, pois na Ceia Deus abre às pessoas
seu coração amoroso. Esse amor de Deus, na verdade, faz
com que o cristão se disponha a viver uma vida piedosa,34 pois

33 KOEHLER, 2002, p. 166.


34 MUELLER, 2004, p. 500.
160    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

a fé atua pelo amor.35 No sentido vertical, Mueller menciona,


como consequência da Santa Ceia, o fortalecimento da fé, o
aumento do amor a Deus e a união com Cristo.

Até aqui, as consequências apontadas acontecem mais no


sentido vertical, fortalecendo a relação da pessoa com Deus,
na piedade, na gratidão e no amor para com a sua palavra e
a sua obra. Há, no entanto, também, consequências horizon-
tais da participação na Santa Ceia. Quando, em fé, se parti-
cipa da Santa Ceia, há um fortalecimento do amor fraternal.
Na vida, há diferenças sociais também entre os cristãos. Mas
sempre que as pessoas se aproximam da Mesa do Senhor,
cessam essas diferenças. Diante do altar, ninguém pode exal-
tar-se acima do outro e ninguém pode pensar que é melhor
do que o próximo. O fato de serem todos igualmente culpados
diante de Deus e igualmente carentes da sua graça induz o
cristão a esquecer as diferenças e a se aproximar mais do seu
semelhante. À falta do sacramento é atribuída a timidez no
demonstrar maior clemência, bondade e caridade de uns para
com os outros. Pela frequência à Santa Ceia o cristão também
é lembrado que “mesmo sendo muitos, todos comemos do
mesmo pão, que é um só; e por isso somos um só corpo”.36

Com grande humildade e gratidão, o crente aproxima-se


da mesa cujo anfitrião é o Supremo Perdoador e partilha de
seu corpo e sangue, purificadores de pecado. Uma vez preen-
chido com ele, o comungante deve, por sua vez, ser como

35 Gl 5.16.
36 1Co 10.17.
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    161

ele. Seguindo o exemplo de Cristo, o crente também perdoará


àqueles que pecam contra ele.

O amor a Deus e ao próximo é consequência da comu-


nhão com Cristo na Santa Ceia. Através da comunhão com
Cristo, pode-se crescer na vida diária, crescer no amor a Deus,
na gratidão e na compreensão de tudo o que Deus oferece ao
crente cada vez que este participa da Santa Ceia. No amor ao
próximo, a pessoa cresce quando está consciente do que sig-
nifica participar da Santa Ceia. A pessoa cristã, ao participar
da Ceia, não se contenta simplesmente em conhecer o que é
certo e o que é errado. Ela compromete-se a viver e agir cor-
reta e coerentemente em toda a sua vida diária.

A seguir, mostrar-se-á que, tanto a participação quanto as


consequências desta, devem perpetuar-se por toda a vida dos
cristãos e em toda a vida da Igreja.

Atividades

1) Relacionar os seguintes conceitos, vinculados à Santa


Ceia, com os respectivos significados.

I – Transubstanciação

II – Consubstanciação

III – Representação

IV – União sacramental
162    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

a) ( ) Defende-se, com base em Paulo, e nos relatos da


instituição que quatro coisas estão real e verdadeira-
mente presentes na Santa Ceia: pão e vinho, corpo e
sangue de Cristo. Não se trata de uma união natural
física ou local dos elementos, mas “supernatural”. Esta
só acontece durante o ato sacramental.

b) ( ) Era uma tentativa filosófica de explicar o milagre


da presença real, em que os elementos visíveis deixa-
vam de existir, transformando-se em corpo e sangue
de Cristo.

c) ( ) Aceitam que pão e vinho naturais estão presentes


no sacramento. Mas quanto às expressões de Cristo
“isto é o meu corpo” e “isto é o meu sangue”, interpre-
tam-nas em sentido figurado, ou seja,“pão” significa o
corpo.

d) ( ) Teoria segundo a qual o pão e o corpo formam uma


só substância. Ou que o corpo está presente como o
pão, de maneira natural.

2) Assinale os principais benefícios da participação na Santa


Ceia:

a) ( ) motivação para a confissão de pecados e cumpri-


mento da penitência;

b) ( ) sucesso na vida profissional e garantia de tranquili-


dade financeira;

c) ( ) é uma boa obra realizada pelo crente que lhe ga-


rante um lugar no céu;
Capítulo 8    Santa Ceia: Dimensão Bíblica, Teológica e ...    163

d) ( ) perdão dos pecados, vida, salvação, fortalecimento


na fé, no amor e na comunhão com Deus e com o
próximo.

3) Assinale o que pode ser considerado correto:

a) ( ) Recebe-se na santa ceia pão e vinho, corpo e san-


gue de forma natural.

b) ( ) Recebe-se na santa ceia pão e vinho, corpo e san-


gue de forma sobrenatural.

c) ( ) Recebe-se na santa ceia pão e vinho de forma na-


tural e corpo e sangue de forma sobrenatural.

d) ( ) O pão e o vinho deixam de existir na santa ceia,


pois transformaram-se em corpo e sangue de Cristo.

4) O que é a presença real de Cristo na Ceia e como argu-


mentar a seu favor?

Gabarito
1) a (IV); b (I); c (III); d (II)

2) d

3) c
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 9

Eucaristia na Idade
Média, na Reforma
Luterana e no Período
Pós-reforma
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    165

Introdução

Para entender melhor o que a Igreja Evangélica Luterana do


Brasil professa sobre a Eucaristia, é necessário que se fale das
raízes ou origem da liturgia eucarística e seu desenvolvimento.
O primeiro capítulo deste trabalho já apontou as origens do
culto cristão eseu desenvolvimento até o início do século III
A.D.

1.1 Idade Média

A partir do “Edito de Tolerância”, a igreja cristã passou por


muitas transformações, conflitos doutrinários, concílios e di-
visões. Com o Edito de Milão, assinado por Constantino e
Licínio (313 A.D.), houve concordância na concessão de ple-
na liberdade ao cristianismo de exercer o status religião lí-
cita dentro do Império Romano. Houve, a partir dessa data,
enorme expansão do cristianismo, assim que até 325 A.D. já
contava alguns milhões de pessoas. Com esse crescimento,
vieram para dentro da Igreja Cristã também muitos costumes
“pagãos”, discórdia, dúvidas, heresias e divisões. É verdade
que, com a publicação de um edito religioso por Teodósio
(380 A.D.), em que foi decretada a unidade religiosa do Impé-
rio Romano e o Cristianismo tornou-se religião oficial, houve
também amplo desenvolvimento litúrgico. Até o fim do sécu-
lo VIII, a estrutura básica e os elementos do culto eucarístico
já estavam estabelecidos. No ano de 1054 A.D. aconteceu o
primeiro grande cisma dentro da igreja cristã, sendo que por
166    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

motivos doutrinários, culturais e políticos a igreja do Oriente


(Constantinopla) e do Ocidente (Roma) seguiram caminhos
próprios. Após o cisma, pouca coisa mudou na estrutura do
culto romano, a não ser a inclusão do Credo Niceno (séc. XI) e
o confiteor (séc. XIV), este carregado de conteúdo penitencial.
O período medieval foi marcado por decisões de grande peso,
importância e consequências para a vida futura da Igreja, es-
pecialmente no que concerne à Eucaristia (com a aprovação
do dogma da Transubstanciação no IV Concílio de Latrão, em
1215). O mesmo concílio tomou resoluções na área política,
tornou a confissão auricular obrigatória e decidiu pela “perse-
guição aos hereges”. Todos esses acontecimentos provocaram
reações: por um lado, tentou-se um retorno à pureza do tem-
po dos apóstolos, por outro, houve diversas tentativas fracas-
sadas de reformar a Igreja. No século XVI, mais uma ruptura
aconteceu no cristianismo ocidental, com a Reforma Luterana.
O reformador Martinho Lutero caracterizou o culto da época
como [cheio de] corrupção, idolatria e sacrilégio.

1.2 O pensamento de Lutero quanto à


Eucaristia

Antes de se falar sobre o pensamento de Lutero a respeito da


Eucaristia e do culto, convém ressaltar que ele desenvolveu
seus posicionamentos e promoveu sua reforma baseado em
material que herdou da Igreja Romana de seu tempo.

Em um panfleto, depois de explicar a sua proposta de “pu-


rificar o que está em uso”, Lutero esboçou o desenvolvimento
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    167

histórico da Missa e mencionou as porções que eram por ele


consideradas boas e que não deveriam ser censuradas. Ele
estava convencido de que somente o que fosse proibido pela
Escritura deveria ser abolido. Em 1523, satisfazendo aos pedi-
dos por um novo culto evangélico, Lutero publicou a “Ordem
do Culto na Comunidade”, para recuperar o lugar central da
pregação no culto. Não tinha com isso o propósito de criar
uma nova liturgia, substituindo a antiga, mas tão somente pro-
mover uma reforma na liturgia que herdara. Lutero rejeitou
o que por ele foi caracterizado como corrupções medievais,
especialmente as ideias: Missa como obrigação, sacrifício e
boa obra meritória. Tais ideias feriam o princípio da liberdade
cristã.

Em sua Fórmula da Missa, Lutero aprovou os Introitos (so-


mente propôs que festas aos santos sem base nas Escrituras
fossem abolidas), o Kyrie, o Gloria in Excelsis, as coletas, a lei-
tura da epístola, o gradual e a leitura do evangelho (com todo
o seu cerimonial). O Credo Niceno também foi mantido. Após
o credo, o sermão deveria ser proferido. Lutero ainda manteve
o prefácio, as palavras da instituição (recitadas em voz alta),
o Sanctus e o Hosana, a elevação, a Oração do Senhor, a
Pax e sua resposta. Seguia-se então a distribuição, enquanto o
Agnus Dei era cantado. Após, seguia-se uma Coleta, o Bene-
dicamus e a Benção.

Lutero, ao retrabalhar a Missa Latina e ao elaborar a Missa


Alemã, pediu que as mesmas fossem usadas enquanto trouxes-
sem benefícios para a comunidade. Do contrário, que outras
ordens fossem elaboradas. Em ambas, no entanto, ele inclui
a celebração da Santa Ceia, aliás, nem poderia imaginar um
168    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

culto litúrgico completo sem a Eucaristia, pois todas as vezes


que a Igreja Cristã a celebra, está festejando a Páscoa do Se-
nhor.

Diante da acusação romana de que os reformadores ha-


viam abolido a missa, Filipe Melanchthon responde na Apolo-
gia da Confissão, art. XXIV: “Devemos, inicialmente, antecipar
de novo, que não abolimos a missa, senão que a mantemos
e defendemos escrupulosamente. Pois entre nós realizam-se
missas todos os domingos e em outros dias de festa, nos quais
o sacramento é administrado aos que querem fazer uso dele,
depois de terem sido examinados e absolvidos. E observam-se
as cerimônias públicas usuais, a ordem das leituras, das ora-
ções, das vestes, e outras coisas semelhantes”.

A preocupação maior dos reformadores não estava na


estrutura da Missa, e sim no seu conteúdo. Por isso, Lutero
procurou promover uma reforma no cânon da Missa, por en-
tender que a Igreja Romana interpretava a Eucaristia como um
sacrifício propiciatório, ainda que incruento. A insistência de
Lutero está baseada no conceito de que a Eucaristia deveria
ser recebida como benefício da parte de Deus e não como um
ofício da pessoa para com Deus. Por isso, procurou eliminar
aquelas partes da oração eucarística com as quais não con-
cordava, e manteve simplesmente as palavras da instituição, o
Pai nosso, Pax Domini e Agnus Dei, o que também, por séculos
foi imitado pelos luteranos em geral.

As palavras da instituição são, para Lutero, o coração, a


coisa mais importante na celebração da Eucaristia. Para ele,
dentre as verba, as palavras essenciais são: “Isto é o meu cor-
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    169

po” e “Isto é o meu sangue”. Segundo Lutero, as palavras da


instituição são um breve sumário do Evangelho, razão pela
qual condenou a prática católica de recitá-las em voz baixa.
Para ele, as palavras são uma pregação do Evangelho, que
acordam e fortalecem a fé e a confiança, além de consolar
consciências atribuladas.

Cabe ressaltar que, o que motivou Lutero a defender com


tanto zelo a Eucaristia, era a sua certeza de que ela é ”o sa-
grado sacramento do corpo e sangue do nosso Senhor”, pois
“trata-se de um sacramento cheio de graça, de grande provei-
to e ventura, além de inúmeros e inefáveis bens. Por isso, não
se deve desprezá-lo nem esquecê-lo; ao contrário, ele deve ser
sumamente honrado e usado o mais assiduamente possível”.

Quanto à forma da celebração, Lutero defendeu desde o


início de seu trabalho da reforma a distribuição sob as duas
espécies, de acordo com a instituição. No entanto, para não
sobrecarregar as consciências dos mais fracos, orientou a que
os ministros fossem tolerantes por algum tempo e administras-
sem um só elemento, argumentando que “somente a prática
ou uso dessa doutrina é adiada temporariamente na paciên-
cia do amor cristão”. Preferiu o uso de vinho puro ao uso do
vinho misturado com água e aprovava a elevação de ambos
os elementos. Manifestou-se contrário ao quebrar da hóstia,
pois cheirava a sacrifício, e também desaprovou a intinção e a
comistura. Os elementos poderiam ser distribuídos da seguinte
forma: após a consagração do pão, todos poderiam recebê-lo
e após a consagração do vinho, todos poderiam receber este
elemento: “Parece-me ser adequado à Ceia distribuir o sacra-
170    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

mento imediatamente após a consagração do pão, antes de


abençoar o cálice”.

Para Lutero, o que se recebe na Eucaristia é o verdadeiro


corpo e sangue do Senhor Jesus Cristo, para ser comido e
bebido pelos cristãos. A presença real de Cristo, portanto, é
defendida por ele. Uma nova aliança é inaugurada com a
instituição da Eucaristia, pois o corpo e sangue, dado e derra-
mado “por vós”, é para conceder o perdão dos pecados. No
sacramento, portanto, está em jogo a salvação. Lutero defen-
dia que o participar da Ceia acarreta um testemunho de fé,
que segundo ele já vem desde o Batismo.

Lutero enfatiza tanto a verticalidade da Eucaristia, ou seja,


“que sejas lembrado desse benefício e graça, e tua fé e teu
amor sejam estimulados, renovados e fortalecidos, para que
não acabes esquecendo ou desprezando teu querido Salvador
(...)”, quanto a horizontalidade, ou seja, o serviço de amor ao
próximo: “onde quer que a fé seja assim revigorada (...) tam-
bém o coração sempre de novo é adicionalmente revigorado
para o amor ao próximo, fortalecido para todas as boas obras
(...); porque a fé não pode ficar ociosa, ela tem que praticar
frutos do amor, fazendo o bem e evitando o mal. O Espírito
Santo está presente e não nos deixa descansar (...), dá dispo-
sição e inclinação para todo o bem... Em contrapartida, onde
alguém se abstém do sacramento (...) daí resulta, ainda que
inevitavelmente, que ela [a fé] fica preguiçosa e fria no amor
ao próximo, inerte e indisposta a boas obras (...)”1

1 Martinho LUTERO, Catecismo Maior, p. 436-437.


Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    171

1.3 O declínio litúrgico após a Reforma


Luterana (Séc XVI até o começo do séc
XIX)

O vigor espiritual e intelectual, que produziu tantos textos con-


fessionais no período da Reforma Luterana, declinou muito
rapidamente. Após a morte de Lutero, surgiram muitas discus-
sões em torno da sua teologia e também sobre a interpretação
correta da Bíblia. Em 1577, para tentar amainar as acirradas
discussões dos teólogos da época, publicou-se a Fórmula de
Concórdia e em 1580, o Livro de Concórdia. Nesse período,
caracterizado como “Ortodoxia”, a grande ênfase das discus-
sões teológicas recaiu sobre a formulação e definição precisa
da fé, sobre a eficácia objetiva dos sacramentos e uma con-
ceituação legalista do culto. Um dos principais destaques na
Ortodoxia luterana estava na visão da Escritura como único
princípio da teologia ou o seu pressuposto fundamental, pois
Escritura é identificada com a Palavra de Deus. O Batismo e
a Ceia do Senhor foram considerados como réplicas dos “sa-
cramentos do Antigo Testamento”, a circuncisão e a páscoa
judaica. Estes eram considerados protótipos do Messias vin-
douro, enquanto que os sacramentos neotestamentários apre-
sentam o Cristo revelado na carne.2 Ambos os sacramentos
teriam como propósito transmitir os dons celestiais, prometidos
nas palavras da instituição, aplicando ao indivíduo a promessa
do perdão de Deus, pertencente ao evangelho. A pessoa tem
participação nas bênçãos prometidas pelo evangelho (que se

2 Bengt HÄGGLUND, História da Teologia, p. 276.


172    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

manifesta nas palavras da promessa) e recebe estas bênçãos


em, com e sob os sinais externos (a água no Batismo e pão e
vinho na Ceia do Senhor).

A Ortodoxia é considerada como período de cristalização


dogmática da doutrina e das ordens de culto. Nesse tempo,
surgiu uma liturgia própria em torno do sermão. A liturgia do
púlpito desse período consistia em: hino, Pai Nosso orado em
voz baixa, pregação, avisos do púlpito, anúncio dos que incor-
reram em culpa pública e dos que são absolvidos em função
de arrependimento, admoestações à oração e bênção do púl-
pito. Ao lado da liturgia do altar, criou-se uma liturgia própria
do púlpito, separando assim o ofício da Palavra e o ofício da
Ceia. Enfatizou-se o ensino em detrimento da adoração. A
supervalorização da palavra em detrimento dos sinais visíveis
e dos gestos levou a igreja a formular o conceito de que o
mais importante é o conteúdo e a forma assumiu um caráter
secundário.

Um dos fatores mais destrutivos para a liturgia foi a Guer-


ra dos Trinta Anos (1618-1648). A vida na Igreja, após os
amargos debates teológicos, primeiro entre romanistas e pro-
testantes, e, mais tarde, entre luteranos e calvinistas, após a
publicação do Livro de Concórdia em 1580, terminou em des-
medidas destruições e ruptura na vida da igreja, levando-a a
uma grande estagnação. A igreja na Alemanha ficou reduzida
a uma pobreza penalizante, não só em termos materiais, mas
também no que se refere à preocupação com a espiritualidade
e a sua cultura litúrgica e musical. Estima-se que a popula-
ção foi reduzida para um terço, de dezesseis para seis milhões
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    173

de habitantes, em consequência de conflitos armados, fome,


doença e emigração.

A Alemanha ficou dividida em mais de trezentos territórios,


cada um governado por um príncipe ou legislador, o qual defi-
nia a religião a ser adotada em seu território: a luterana ou re-
formada. Igreja e Estado tornam-se tão unidos, que este con-
trolava aquela, tornando-se os pastores oficiais do Estado.3 As
distinções de classe separavam de um lado os operários e cam-
poneses, e de outro a classe mais elevada dos profissionais e
burgueses ricos. Estes queriam seus batismos, casamentos, fu-
nerais e Eucaristia em regime fechado, na igreja ou em casa. A
igreja sofreu danos irreparáveis, pois muitos dos seus pastores
passaram a viver na pobreza e no exílio. Os protestantes foram
expulsos dos territórios católicos, e suas propriedades (em seu
poder desde 1552) tiveram que ser restituídas à Igreja Roma-
na. Por causa disso, a ordem da vida da igreja ficou destruída,
templos foram fechados, livros litúrgicos, hinários, vestes litúr-
gicas e bíblias em língua alemã foram destruídos. A desolação
parecia imperar. Atos litúrgicos passaram a ser oficiados por
pessoas comuns da igreja, enquanto que o clero, treinado nas
universidades, teve problemas para edificar seus ouvintes com
seus longos sermões, sendo que dormir nessa hora tornou-se
algo comum. Mesmo com tudo isso acontecendo, as pessoas
ainda frequentavam a igreja, recebendo a comunhão quando
esta era oferecida, algumas vezes durante o ano.

Outro movimento surgido dentro do próprio Luteranismo,


e que trouxe profundas transformações na vida e no culto da

3 Luther REED, The Lutheran Liturgy, p. 141.


174    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Igreja Luterana, foi o Pietismo. A obra “Pia Desideria” de Philip


Jacob Spener, editada em 1675,4 trazia propostas para uma
“segunda reforma”, agora dentro da própria Igreja Luterana
que nessa época parecia dominada por aquilo que no século
de XVII foi denominado de “Ortodoxia Morta”. Os principais
males combatidos por Spener foram “a interferência do gover-
no, o mau exemplo de alguns clérigos indignos, as controvér-
sias religiosas, as bebedices, a imoralidade e a ambição dos
leigos”. Expressões como renascimento, novo homem, homem
interior, iluminação e edificação tornaram-se linguagem co-
mum e até mesmo supervalorizada. O emocionalismo e subje-
tivismo foram colocados em evidência no culto, em detrimento
do caráter objetivo dos meios da graça.

O Pietismo, com sua ênfase na experiência pessoal, produ-


ziu um tipo de Cristianismo oposto ao da igreja estabelecida. A
devoção individual ou em grupos menores, estabeleceu-se nos
Collegia Pietatis (Escolas de Piedade), nos quais discussões so-
bre as Escrituras e sobre a vida cristã eram destaque principal.
Todos esses elementos supracitados também tiveram grande
consequência sobre a liturgia, em que o histórico e o formal
deram espaço às expressões individuais e às emoções. Liturgia
e ano eclesiástico eram por demais objetivos, as orações co-
muns da igreja pouco a pouco perderam-se, hinos baseados
em fatos objetivos da salvação foram substituídos por outros
que retratavam experiências pessoais.

O sermão baseado nas perícopes tradicionais foi substituí-


do pelo estudo da Bíblia. O “perfeitamente regenerado” não

4 Williston WALKER, História da Igreja Cristã, p. 597, 598.


Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    175

precisava de muletas, tais como a liturgia formal, observância


do ano eclesiástico e costumes cristãos. As orações formais
deram caminho à improvisação, e testemunhos pessoais pelos
ministros e leigos foram amplamente difundidos.

No entanto, alguns aspectos positivos também podem ser


destacados no Pietismo, como expressa Williston Walker: Au-
mentou a participação do laicato na vida da Igreja. Incentivou
a familiaridade do povo com a Bíblia e o estudo devocional
das escrituras.5

Por outro lado, as assembleias privadas, estimuladas pelos


líderes do movimento pietista, foram negativas para o culto
corporativo; a fé cristã passou a ser entendida como algo que
se adquire conscientemente através da luta como o único meio
normal de entrar no reino de Deus, enquanto que a pregação
da Palavra na forma de Lei e Evangelho e a consequente res-
posta das pessoas para sua justificação (temas tão enfatizados
por Lutero), foram colocados de lado e minimizados. O es-
forço dos pietistas para a conscientização pessoal da regene-
ração levou à subvalorização dos meios da graça: Palavra e
Sacramentos (o coração do culto corporativo).

Outro movimento, denominado de Iluminismo ou Ilustra-


ção, surgiu possivelmente como “eco ou acentuação” de mui-
tas ênfases pietistas: orientação para o futuro, cristianismo não
dogmático, centralidade da experiência humana, leitura histó-
rica da Bíblia. Foi um movimento do século XVIII, que teve tam-
bém ampla repercussão nos séculos subsequentes. O Iluminis-

5 Williston WALKER, História da Igreja Cristã, p. 601.


176    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

mo baseava-se no espírito crítico e racionalista, e enfatizava a


razão como melhor método para aprender a verdade.6 Olhar
para o passado não era mais interessante, antes dever-se-ia
olhar para o futuro da humanidade, vislumbrando o mundo
com uma diversidade material, analisada de forma prática e
utilitária de sabedoria, a fim de que as pessoas pudessem “en-
tender seu ambiente e gozar de felicidade neste mundo”. Esse
movimento significou transformação na Teologia, pois a razão
tornou-se mais importante do que discussões religiosas. Na
Escritura, apenas tinham valor as “verdades da religião natural
e sua moralidade, despidas do milagroso ou sobrenatural”.
A partir desses conceitos, Jesus Cristo passa a ser visto como
modelo moral a ser imitado pelas pessoas, e não como um
Redentor pessoal. A consequência é que os sermões se trans-
formaram em meros discursos morais.

Foi no período do Iluminismo que houve a mais profunda


simplificação e redução das formas litúrgicas. A visão distorci-
da da Palavra e dos Sacramentos tornou a liturgia e os grandes
hinos da igreja ininteligíveis. A ordem histórica do culto cristão
foi mutilada; a Eucaristia não era mais celebrada a cada do-
mingo e dias santos, mas realizada à feição dos reformados,
quatro vezes ao ano. A Eucaristia foi despojada de sua essên-
cia bíblica, e as palavras da instituição, assim como as fórmu-
las de distribuição, foram alteradas para refletir as nuanças
intelectuais do racionalismo. Sua exortação aos comungantes
recomendava: Nesta Mesa, consagrada ao Senhor, deixe que
todos comam e bebam com a mais profunda emoção! Deixe

6 Fred PRECHT, Worship Resources in Missouri Sinod’s History, p. 81.


Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    177

que este pão e vinho tipifiquem para você a morte de Jesus na


cruz...7

A forma utilizada para a distribuição nessa época incluía as


palavras: “Coma este pão; possa o espírito de devoção repou-
sar sobre você com todas as suas bênçãos. Tome um pouco de
vinho; nenhuma força moral reside neste vinho, mas em você,
nos ensinamentos de Deus e em Deus”.8

Para os racionalistas, o grande dia festivo passou a ser a


Sexta-Feira Santa. Nesse dia, ia-se à Eucaristia. O Ano Ecle-
siástico com suas festas maiores e menores e a revelação dos
grandes eventos de Deus em Jesus Cristo para a redenção da
humanidade pecadora pouco significou para aqueles que ne-
gavam a ressurreição.

1.4 A União Prussiana e suas


consequências para o culto

As crises surgidas após a Reforma na Alemanha (a Ortodoxia,


a Guerra dos Trinta Anos, o Pietismo e o Iluminismo), trou-
xeram consequências desastrosas para o culto “luterano”. O
século XIX iniciou com mais uma crise provocada pelas guerras
napoleônicas, causando transformações também no âmbito
das igrejas. Após o desmoronamento total da tradição litúr-
gica, ocorrido durante o período racionalista, foram necessá-

7 cf. Luther REED, The Lutheran Liturgy, p. 149.


8 Luther REED, The Lutheran Liturgy, p. 149.
178    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

rias algumas décadas para que uma renovação fosse possível.


Nesse período, a adoração pública e a vida da igreja estavam
diminuindo em toda a Europa, e, mesmo que em alguns luga-
res ainda se procurasse manter a liturgia histórica, com suas
antigas vestes, seus costumes e sua música com textos em la-
tim, ocorreu um empobrecimento e esvaziamento do culto da
comunidade. Na maior parte dos territórios, as ricas formas
litúrgicas responsivas e com ampla participação da comunida-
de deram lugar às simples ordens conduzidas exclusivamente
pelo ministro. Excessiva liberdade em matéria de culto, combi-
nada com o espírito da época, resultou em raras celebrações
da Eucaristia tendo o sermão a supremacia.

Mesmo diante de tamanha crise, tanto na igreja, como na


liturgia, o início do século XIX foi também marcado como um
período de restauração e despertamento. O espírito românti-
co, reinante na época, ajudou no resgate da herança histórica
da igreja e, contra todo o espírito racionalista, trouxe nova-
mente à luz a liturgia da igreja.

Na Prússia, desde o século XVII, a casa reinante tornara-se


calvinista, apesar da maioria luterana. No começo do século
XIX, Frederico Guilherme III assume o reinado. Como ainda
persistia o princípio definido como “cuius regio, eius religio”,
em que apenas uma fé poderia ser professada em um mesmo
território, casado com uma luterana e não podendo comun-
gar com ela, Frederico Guilherme “buscou reunir luteranos e
calvinistas em uma só igreja.” Aproveitando o tricentenário da
Reforma (1817), decretou em seu território a união da igreja
luterana e da igreja reformada, a qual passou a chamar-se
Igreja Evangélica Unida. “A maior parte do clero concordou
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    179

em abandonar os designativos ‘luterano’ ou ‘reformado/calvi-


nista’ e substituí-los por ‘evangélico’”. A “Agenda Prussiana”,
introduzida na igreja da catedral de Berlim, em 1822, foi parte
dos esforços para unir luteranos e reformados. Esta deu um
impulso para a modificação da situação litúrgica ao iniciar a
renovação do culto.

A tentativa de implantar a referida liturgia unificada não


foi aceita por todos, sofrendo forte oposição de um grupo de
luteranos ortodoxos fiéis, que, por não concordarem com a
teologia calvinista, recusaram-se a participar em tal união. In-
conformados com o decreto do Imperador da Prússia, que cul-
minou com a formação da Igreja Evangélica Unida, preferindo
a permanência em suas convicções luteranas, abandonaram
sua pátria, rumando para os Estados Unidos da América e
para a Austrália, pois lá reinava plena liberdade de culto.

1.5 A formação do Sínodo de Missouri


e sua contribuição para o culto
eucarístico

Parte dos que se opunham à unificação entre luteranos e refor-


mados optou “pela emigração para a Austrália e para os Esta-
dos Unidos da América do Norte, mormente ao Estado de Mis-
souri”. Entre eles, destacavam-se alguns teólogos importantes
como Edelmann, Boeckh e Löhe (este último não chegou a
deixar a Alemanha). Nos Estados Unidos, em 1847, sob a lide-
rança do pastor Carl Ferdinand Wilhelm Walther, fundaram a
igreja que recebeu o nome de “Sínodo Evangélico Luterano de
180    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Missouri, Ohio e outros estados”, atualmente conhecido como


Lutheran Church Missouri Synod (Igreja Luterana – Sínodo de
Missouri).

Em 1854, na reunião do Sínodo, uma comissão eleita


um ano antes (1853) apresentou um esboço para a primei-
ra agenda oficial publicada pelo Sínodo de Missouri, que foi
chamada de “Kirchen-Agende” (Agenda da Igreja), e que veio
a ser publicada em 1856. A comissão que trabalhou nessa
publicação tinha como objetivo contemplar e revisar o conteú-
do do “Livro da Igreja”, de 1771 (trazido pelos pastores imi-
grantes da Alemanha para a América do Norte), bem como o
de 18129 (também chamado de Agenda Saxônica, igualmente
levado pelos imigrantes alemães). Entendiam os liturgistas res-
ponsáveis que tais obras estavam por demais marcadas pelo
espírito racionalista e pietista, e, a partir dessas conclusões,
procuraram voltar ao espírito da Reforma do século XVI. No
entanto, o culto considerado normal passou a ser (ou conti-
nuou sendo) sem a Eucaristia, ou seja, um culto de pregação,
com a forma litúrgica da “missa catechumenorum” (missa dos
catecúmenos).

Nessa “Kirchen-Agende”, na ordem do Culto Principal


(Hauptgottesdienst), quando houver celebração da Comu-
nhão, ao deixar o pastor o púlpito, a comunidade canta um
ofertório (“Cria em mim, ó Deus, um coração puro), enquanto
o pastor conduz os elementos pão (na mão esquerda) e vinho
(na mão direita) para serem consagrados. Terminado o ofer-

9 Martin N. DREHER, A Igreja Latino-americana no contexto mundial, p. 142. 239;


Martin N. DREHER, A Igreja Latino-americana no contexto mundial, p. 142. 240;
Fred PRECHT, Worship Resources in Missouri Sinod’s History, p. 92.
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    181

tório, segue-se o diálogo do Prefácio. Após o diálogo, o “vere


dignun”10 é cantado, podendo valer-se dos prefácios próprios
para dias festivos. Ao concluí-lo, a comunidade canta o “Sanc-
tus”. O pastor canta, então, o Pai Nosso e a comunidade con-
clui com a doxologia (pois teu é o reino...). Seguem as Pala-
vras da Instituição (o pastor, no momento da consagração,
faz o sinal da cruz sobre os elementos). A comunidade canta
o “Cristo, Cordeiro de Deus, que tiras o pecado do mundo”.
Durante a Comunhão, a comunidade canta um ou mais hinos.
Ao dar o pão aos comungantes, o pastor diz as palavras “To-
mai, comei, isto é o verdadeiro corpo de vosso Senhor e Sal-
vador Jesus Cristo, por vossos pecados entregue à morte; este
vos fortaleça e vos guarde na verdadeira fé para a vida eterna.
Amém”. Ao dar o cálice, o celebrante diz “Tomai e bebei, isto é
o verdadeiro sangue de vosso Senhor e Salvador Jesus Cristo,
derramado para perdão de vossos pecados; isto vos fortaleça
e vos guarde na verdadeira fé para a vida eterna”. Ao concluir
a distribuição, o pastor profere uma antífona e uma coleta de
ação de graças. A Bênção Araônica é proferida e a comuni-
dade canta: “Deus seja louvado e bendito”. Após o hino, a
comunidade deixa silenciosamente a Casa do Senhor.

O “Hauptgottesdienst” da agenda de 1856, segundo Fred


Precht, trouxe um grande avanço teológico e litúrgico. Tor-
nou-se, por isso, norma para as congregações do Sínodo de
Missouri. Com algumas modificações a “Kirchen-Agende” foi
reeditada de 1865 a 1902, e não há dúvidas de que essa foi
a liturgia trazida para o Brasil pelos missionários americanos.

10 “Verdadeiramente digno”.
182    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

1.6 A formação do Sínodo Evangélico


Luterano Brasileiro e a sua prática
eucarística

O trabalho nos primeiros tempos era difícil, especialmente por


falta de recursos humanos. Os pastores permaneciam por um
curto período de tempo em um mesmo local, o que trouxe
como consequência a vacância por longo período de tempo.
Muitos dos candidatos que receberam chamados para o Brasil
não os aceitaram ou, ao trabalhar uns poucos meses, retor-
navam aos Estados Unidos. Adicionava-se a isso a dificuldade
financeira e o elevado custo de vida no Brasil, a pobreza dos
imigrantes, muitos dos quais até passavam fome, a escassa
educação cristã e a consequente indiferença religiosa.

As práticas litúrgicas propostas pelos pastores vindos dos


Estados Unidos não foram aceitas pacificamente pelos ale-
mães do Brasil. Houve até mesmo, em alguns casos, séria re-
sistência, especialmente por parte de comunidades estabeleci-
das antes da vinda de pastores missourianos. Os imigrantes,
vindos de diversas regiões, trouxeram consigo uma variedade
de hinários e agendas, de acordo com a região da qual eram
oriundos. Isso trouxe grandes dificuldades litúrgicas nas ori-
gens do trabalho no Brasil. Práticas como a inscrição para a
Ceia do Senhor, bem como o sinal da cruz foram questionados
por muitos. O uso de hóstias em lugar de pão também encon-
trou resistência. A frequência aos cultos e também à Ceia era
muito fraca nos primeiros anos.
Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    183

A situação financeira das primeiras comunidades do Brasil,


devido à sua precariedade, também influenciou a sua prática
litúrgica, pois não havia dinheiro para a compra de sinos, os
bancos eram simples (sem encosto e sem genuflexório), uma
cruz de madeira custava bem menos do que um crucifixo e as
vestes litúrgicas mais elaboradas e dispendiosas deram lugar à
simples batina preta.

Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Igreja Lute-


rana (da Confissão de Augsburgo inalterada) realizava cultos
sempre em alemão, pois sua assistência espiritual destinava-se
exclusivamente aos imigrantes teutos. A proibição da língua
alemã em 1917, com o rompimento diplomático entre Brasil
e Alemanha, causou forte impacto sobre a igreja e sobre as
escolas. Nenhum sermão podia ser pregado em alemão. De
novembro de 1917 a abril de 1918, muitos pastores não pu-
deram exercer publicamente o seu ofício.11 Em muitos lugares,
as igrejas permaneceram vazias por algum tempo, visto que
nem os membros nem os pastores sabiam falar ou entender o
português. A partir dessa experiência dramática, surgiram as
primeiras tentativas de pregar o evangelho a pessoas de outras
origens étnicas, como é o caso da missão entre luso-brasileiros
em Lagoa Vermelha (1918) e entre negros em Solidez, municí-
pio de Canguçu (a partir de 1918). Foi a proibição da língua
alemã que levou os pastores a traduzirem os primeiros hinos,
orações e porções da liturgia para o português. Exemplares
da liturgia usada em Lagoa Vermelha ainda existem, mas não
apresentam nome do tradutor nem data e local da publicação.

11 Mário L. REHFELDT, op. cit. p. 100-102; ver também Carlos H. WARTH, op.
cit. p. 35.
184    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Terminada a guerra, os cultos de uma forma geral torna-


ram a ser celebrados em língua alemã, com algumas exceções
em vernáculo. Com o abandono da língua portuguesa ao final
da Primeira Guerra Mundial, constatou-se que daquele perío-
do até 1938, oitenta e quatro por cento das pregações ainda
eram feitas em alemão, e apenas dezesseis por cento em por-
tuguês.12

Em português, a partir de 1920, como livro oficial foi ado-


tado a coleção Hymnos e Orações, compilada por uma “Co-
missão em prol da Missão Evangélica Luterana luso-brasilei-
ra”; depois o Hinário Evangélico Luterano (para congregações
da Confissão de Augsburgo inalterada), publicado em 1938,
preparado por uma Comissão Sinodal de Hinologia e Liturgia,
contendo uma liturgia e 217 hinos. Em 1947, foi publicado
um apêndice ao hinário de 1938, disponibilizando mais 97
hinos (totalizando 314) e uma “nova” liturgia. Em 1949, foi
ampliado para 340 hinos, permanecendo assim até 1974,
quando recebeu mais um apêndice de 112 hinos. Finalmente,
em 1986, foi publicado o hinário que atualmente está em uso
na Igreja Evangélica Luterana do Brasil, contendo 573 hinos
com linhas melódicas.

Quanto à questão eucarística, a Igreja Evangélica Luterana


do Brasil prevê que as congregações a ela filiadas “estabele-
cerão em seu meio o ofício da pregação do evangelho e da
administração dos santos sacramentos”. Vale ressaltar que a
posição oficial da igreja ao longo dos seus mais de cem anos
é de que a Santa Ceia é celebrada em regime de “comunhão

12 Paulo W. BUSS, op. cit. p. 11.


Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    185

fechada”, isto é, reservada às pessoas que professam a mes-


ma doutrina. Quanto à participação de crianças na eucaristia,
está condicionada a uma prova pública após algum tempo de
instrução para a Confirmação. Ainda, no que tange à Euca-
ristia na Igreja Evangélica Luterana do Brasil, constata-se que
em muitas comunidades o culto sem a sua celebração ainda é
a regra, e não a exceção; há um desequilíbrio, com a ênfase
sobre a Palavra em detrimento do Sacramento, além de sua
grande ênfase penitencial.

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil, em tempos recentes,


parece estar se voltando para o diálogo a respeito de algumas
questões relacionadas à Eucaristia, seja no que tange a sua
essência, seus benefícios, o motivo da celebração e, especial-
mente o envio para servir.

Atividades

1) Os principais movimentos que aconteceram após a Re-


forma Luterana e que trouxeram consequências negativas
para as práticas litúrgicas, especialmente no que tange à
Santa ceia:

a) ( ) Guerra dos camponeses; Dieta de Augsburgo; Die-


ta de Worms; Edito de Tolerância.

b ( ) Ortodoxia; Guerra dos Trinta Anos; Pietismo; Ra-


cionalismo.
186    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

c) ( ) União Prussiana; Cujusregio, eius religio; Funda-


çãodo Sínodo; Ênfase missionária.

d) ( ) Liberdade Cristã; Cativeiro Babilônico da Igreja;


Reforma Zwingliana; Reforma Calvinista.

2) Quanto à forma da distribuição da Santa Ceia, Lutero de-


fendeu:

a) ( ) que os leigos recebessem somente a hóstia (pão);

b) ( ) que os leigos recebessem o pão e o vinho somente


em datas especiais, como casamentos;

c) ( ) que os leigos recebessem o pão e o vinho todas as


vezes que participassem do Sacramento;

d) ( ) que o pão (hóstia) fosse somente molhado no vinho


(intinção).

3) É correto afirmar sobre a União Prussiana:

a) ( ) aconteceu na Alemanha por decreto do Imperador


Frederico Guilherme III;

b) ( ) o Imperador decretou que Luteranos e Reformados


deixassem de se congregar separadamente e fundou a
Igreja Evangélica Unida;

c) ( ) a principal causa para essa decisão residia no fato


de que o Imperador e sua mulher eram de igrejas dife-
rentes, o que os impedia de comungar juntos;

d) ( ) Nenhuma das alternativas acima é correta.


Capítulo 9    Eucaristia na Idade Média, na Reforma...    187

4) A Igreja Luterana no Brasil e sua prática litúrgica e celebra-


ção da Santa Ceia: Comente.

Gabarito
1) b

2) c

3) a, b, c
Paulo Gerhard Pietzsch

Capítulo 10

Santa Ceia: os
Participantes e o seu
Preparo
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    189

Introdução

Desde os tempos mais remotos da história do cristianismo, há


referência de certos critérios de admissão aos participantes da
Santa Ceia. Ao longo deste capítulo, ver-se-á quem eram as
pessoas “habilitadas” ao sacramento e as condições espera-
das para a sua participação.

1.1 Afirmações de Paulo

O apóstolo Paulo não via com bons olhos o conceito de Santa


Ceia que havia em alguns cristãos de Corinto. Por isso, es-
creve-lhes no capítulo 11, mostrando-lhes como a Ceia do
SENHOR deveria ser celebrada de maneira diferente que as
refeições caseiras. Assim é que diz que deveriam discernir (dia-
kri,nw) o corpo de Cristo. A verdade é que muitos celebra-
vam aquela Ceia como outra qualquer, esquecendo-se que
aquela era a Ceia do SENHOR. Com essa falta de reconheci-
mento (discernimento) negavam a Presença Real e ignoravam
a sacralidade da Ceia e seu significado. Ou seja, comiam e
bebiam como se Cristo não estivesse presente no pão e no
vinho. E isso caracterizava, em última análise, impenitência e
incredulidade. É por isso também que o termo “indignamente”
(anazi,wj) denota não uma qualidade moral, mas uma atitude
não determinada pelo Evangelho.
190    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

1.2 A questão na Igreja Primitiva

Jesus, o instituidor da Santa Ceia, não teve a preocupação de


estabelecer quem poderia ou não poderia participar de sua
Santa Ceia. Nem mesmo a negou àquele que o estava train-
do. Nem lhe avisou de seu comer indigno e sem discernimen-
to. O Salvador simplesmente se doou de corpo e sangue, para
todos os seus discípulos.

Com a ascensão de Jesus, a Ceia se tornou um costume


dos seus seguidores. A participação era reservada aos do
“caminho”. Com o continuar dos tempos, a participação se
resumiu aos cristãos. Os outros eram excluídos. O que deter-
minava quem era cristão ou não era a passagem pelo rito do
batismo. Com o passar dos anos, ainda nos primórdios da
igreja, o batizado era aquele que já era provado, que tinha
demonstrado a sua fidelidade, que era cristão instruído e real-
mente confesso. Por isso as palavras do Didaqué:

Ninguém coma nem beba da Eucaristia, se não tiver sido


batizado em nome do Senhor, porque sobre isso o Se-
nhor disse: “Não deem as coisas santas aos cães”.

Orígenes chegou a testar a cada um de seus prospectos,


além de instruí-los. Os candidatos tinham de demonstrar que
eram de confiança e honestos. Ainda antes de serem recebi-
dos à mesa do Senhor, os prospectos (ouvintes) e catecúmenos
(aqueles que já estavam instruídos solidamente para a recep-
ção) tinham que sair à ocasião de celebração da Ceia.

Nessa época, a Santa Ceia era negada a todos os par-


ticipantes de pecados grosseiros, ou seja, idolatria, heresia,
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    191

assassinato, adultério, feitiçaria e aborto, entre outros. Basílio


chegou a condenar um assassino a 20 anos sem Santa Ceia.
Geralmente, os que estavam sob disciplina eram excomunga-
dos até que evidenciassem arrependimento.

Devido à estatização da igreja com Constantino, a discipli-


na eclesiástica começou a ser dirigida principalmente contra
as heresias e não se deu mais tanta ênfase aos aspectos práti-
cos da vida cristã.

1.3 A questão em Lutero e nas Confissões


Luteranas

De acordo com Lutero, pode e deve participar da Ceia aquele


que tem fé nas palavras “dado e derramado por vós”. Em seu
Catecismo Maior, afirma que se deve distinguir, na vida práti-
ca, as pessoas. Ou seja, aos insolentes e asselvajados cumpre
dizer que se abstenham desse sacramento, já que não estão
preparados para receber a remissão dos pecados e não dese-
jam nem gostam de ser justos. Também diz que as pessoas que
não são rudes e dissolutas e que gostariam de ser justas, não
devem se afastar da comunhão, mesmo que de resto sejam
frágeis e débeis. Lutero considera indignos os que não sen-
tem os seus defeitos e que não querem ser tidos na conta dos
pecadores, enfim, aqueles que não demonstram precisar de
perdão e que desejam corrigir-se. Segue um exemplo de como
o reformador via essa questão na prática pastoral: alguém de
Wittenberg tinha comprado uma casa por 30 florins. Depois
de usá-la por algum tempo, sem lhe acrescentar nada, apesar
192    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

de ter lambuzado as paredes de alguns quartos, quis vendê-la


por 400 florins. Após chamá-lo de patife, Lutero diz:... Se ele
quer negociar desse jeito, então eu irei bani-lo (in Bann Thun)
e excomungá-lo para que se abstenha do Sacramento e do
Cristianismo, nem imagine que terá o céu! Mais adiante diz:
Nós precisamos novamente levantar a questão da excomu-
nhão!

Lutero entendia que se autoexcluíam aqueles que viviam


em usura, glutonaria, calúnia, prostituição e alcoolismo. Certa
vez também ameaçou de excomunhão alguém que não par-
ticipava do sacramento há 15 anos. Em carta ao pastor de
Lochau, recomendou a excomunhão a um casal teimoso que
não tinha como se reconciliar.

Por outro lado, a orientação de Lutero era que o excomun-


gado não deveria ser retirado do culto antes da leitura e da
pregação do Evangelho. A Palavra de Deus deveria ser livre
para cada um. Acreditava ele que, ouvindo, o excomungado
poderia acabar por arrepender-se. Em um sermão, chegou a
afirmar que a excomunhão não serve para edificar consciên-
cias atribuladas, e seria apenas um meio para policiar a igreja,
já que muitos eram excomungados porque não tinham pago a
igreja ou não tinham condições de fazê-lo.

Na Fórmula de Concórdia, lemos a mesma afirmação de


Lutero, ou seja, que não podem participar e são indignos aque-
les que não creem, mas que devem ir à Santa Ceia justamente
os que são fracos, pois para estes é que a Ceia foi dada.
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    193

1.4 A Santa Ceia: o preparo para a


participação

Historicamente, as igrejas cristãs (A Igreja Luterana de uma for-


ma especial) dão grande ênfase no preparo para a participa-
ção da Santa Ceia. Basta verificar nas liturgias e no hinário as
exortações e as orações preparatórias para os comungantes.
Já na primeira publicação em português de um hinário e uma
liturgia havia tais exortações e orações preparatórias para os
que desejavam ir à Ceia.

Há, também, uma variedade de hinos que abordam a ques-


tão da dignidade e do preparo, como o exemplo que segue:

Concede eu digno me apresente à tua mesa celestial e


guarde sempre a ti na mente, Jesus, meu Fiador leal. (...)
As nossas transgressões aqui confessaremos, ó Senhor,
e prometemos ante ti servir-te fiéis em santo amor. (...)
Quando vens à sua mesa, guarda em mente, com cer-
teza: Digno é quem na fé chegar, vida e paz ele há de
encontrar.1

Segundo Lutero, jejuar e preparar-se corporalmente é boa


disciplina externa. Mas verdadeiramente digno e bem prepara-
do é aquele que tem fé nestas palavras: Dado em favor de vós
e derramado para remissão dos pecados. Ao contrário, quem
não crê nessas palavras ou delas duvida, é indigno e não está

1 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinário Luterano. Porto Alegre:


Concórdia, 1986, hinos: 260, 2; 261, 2 e 258, 3.
194    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

preparado. É que as palavras 'por vós' exigem corações verda-


deiramente crentes.

Quem é digno de participar? Lutero responde: Primeira-


mente os que creem nas palavras e promessas de Cristo “dado
e derramado.” Portanto, o que impede a participação, em pri-
meiro lugar é a indiferença e o desprezo, a falsa concepção
da liberdade cristã.2 No entanto, Lutero enfatiza “que nosso
sacramento não se fundamenta em nossa dignidade. Pois não
nos batizamos como tais que sejam dignos e santos; nem nos
confessamos como se fôssemos puros e sem pecado; mas, ao
contrário, como pobres e míseros homens, e precisamente por
sermos indignos”.

Quanto ao texto de 1 Co 11, Lutero o interpreta afirmando


que os coríntios “se atiravam sobre o Sacramento feito porcos
e que faziam dele uma comilança para o corpo; contra os que
lidavam com o Sacramento como se fosse seu pão e vinho
diários, além de se desprezarem mutuamente e cada um fazer
sua refeição para si”.

No Catecismo Maior, Lutero enfatiza que “os que querem


ser cristãos deveriam preparar-se para receber frequentes ve-
zes o mui venerável sacramento. Pois vemos que é de fato
relaxada e negligente a atitude nesse respeito”.3

2 Joachim H. FISCHER, Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue de nosso


Senhor: Introdução, p. 211; Martinho LUTERO, Exortação ao Sacramento, p. 224.
3 CMai 4 [LC 490].
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    195

Eis o que se entende por preparar-se dignamente. A fim


de participar de maneira digna e abençoada do sacramento,
cumpre que a pessoa possa examinar-se para saber:

se entende e crê as palavras da instituição, pois deve


discernir, distinguir e reconhecer o corpo e sangue do
Senhor em, com e sob o pão e o vinho; se reconhece a
si mesmo como pecador diante de Deus e está sincera-
mente entristecido por causa de seus pecados; se sabe
o que Cristo fez por ele, se deseja verdadeiramente o
perdão e se aplica a si mesmo a promessa de Cristo,
crendo que todos os seus pecados estão perdoados; se
está disposto a melhorar sua vida e trazer frutos dignos
do arrependimento.4

Pode-se, portanto, resumir o preparo para a participação


da Santa Ceia em verdadeira fé na obra redentora de Cristo
e sua presença real no sacramento e crer nos seus benefícios,
reconhecimento e verdadeiro arrependimento dos pecados
e sincero desejo de viver uma vida de amor e obediência a
Deus.5

Todo aquele que participa indignamente da Santa Ceia, ou


seja, sem crer nas palavras e promessas de Cristo e sem arre-
pendimento sincero dos seus pecados, torna-se réu do corpo
e do sangue do Senhor, ou seja, é culpado de profanação do
nome de Cristo e de seu corpo e sangue.6 Em outras palavras,

4 KOEHLER, 2002, p. 166, 167.


5 FC-DS 7 [LC 613].
6 KOEHLER, 2002, p. 167.
196    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

aquele que participa sem o devido preparo, come e bebe, não


para a sua justificação e fortificação na fé, mas come e bebe
para a sua própria ruína e condenação.7

Lutero, porém, ressalta que todo aquele que está fraco na


fé e que não se considera digno de participar, justamente para
este é que a Ceia foi instituída, pois “nosso Sacramento não
se fundamenta em nossa dignidade, pois não nos batizamos
como tais que sejam dignos e santos; nem nos confessamos
puros e sem pecado; mas, ao contrário, como pobres e míse-
ros homens, e precisamente por sermos indignos”.

Até aqui, verificou-se como deve acontecer o preparo para


a participação da Ceia e em que isso implica. Na sequência,
apresentar-se-á a posição oficial da IELB quanto aos partici-
pantes da Santa Ceia, quem são eles e quais as condições
ideais para uma participação proveitosa.

1.5 A Santa Ceia: quem participa

1.5.1 O
 s batizados
Quando se pergunta quem está habilitado a participar da
Santa Ceia, a prática da Igreja Evangélica Luterana do Brasil
traz várias recomendações e restrições. Os fundamentos para
essas recomendações e restrições são as Escrituras, a praxe
normativa da Igreja desde a antiguidade, além dos escritos

7 CMen 7 [LC 379].


Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    197

confessionais da Reforma luterana. A primeira dessas reco-


mendações é que os participantes sejam batizados.

O Batismo, como um dos sacramentos reconhecidos pela


IELB, é o lavar da regeneração cujo efeito é o perdão dos
pecados, libertação da morte e do inferno e garantia da vida
eterna.8 Por causa disso, esse rito não é mero sinal vazio, pois
transmite e comunica poder de Deus para a salvação. Lutero,
no Catecismo Maior, afirma que “devemos ser batizados sob
pena de não sermos salvos”,9 e que o efeito do Batismo é para
toda a vida.10

A referência ao Batismo deve-se ao fato de que “dos cris-


tãos, só se admitirão à mesa do Senhor os que já forem batiza-
dos, costume este que remonta à Igreja Antiga”.11 Tal requisito
deve-se ao fato de ser o Batismo sacramentum initiationis,12
pelo qual a fé é gerada13 e mediante o qual se é recebido na
família da fé e declarado um filho de Deus.14 Como o Batismo
opera a fé e a remissão de pecados, livra da morte e do diabo
e dá a salvação eterna a quantos creem, e por ser uma ação
do próprio Deus no ser humano,15 a “teologia oficial” da IELB,
em consonância com as afirmações supra, declara ser impres-

8 SCHLINK, 1961, p. 148.


9 CMai 4 [LC 475].
10 CMai 4 [LC 485].
11 MUELLER, 2004, p. 503.
12 Sacramento de iniciação ou de ingresso.
13 MUELLER, 2004, p. 475.
14 KOEHLER, 2002, p. 152-154.
15 CMai 4 [LC 475].
198    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

cindível à participação da Santa Ceia ser batizado e crer em


Cristo como seu Salvador pessoal.

1.5.2 O
 s que podem examinar-se sobre sua fé
“Examine-se, pois o homem”16 são palavras enfáticas na ex-
planação de Paulo sobre a Ceia do Senhor. O apóstolo diz
que se alguém não reconhece o tesouro sagrado que o Se-
nhor oferece aqui, essa pessoa o estará usando de forma ina-
dequada e desagradando ao Senhor. Se uma pessoa crê em
coisas contrárias aos ensinamentos de Cristo,17 ou está pecan-
do conscientemente ou vivendo um estilo de vida que entra
em conflito com os ensinamentos de Cristo,18 a participação
na Santa Ceia traz o julgamento de Deus.19 O autoexame,
a fim de participar dignamente do sacramento e receber as
suas bênçãos, consiste em que todo comungante seja capaz
de avaliar-se, conforme supramencionado, quando se falou
da importância do preparo para a participação.

E quem, segundo a “teologia oficial” da IELB, seriam as


pessoas não capazes de se examinarem? Mueller responde: as
crianças, as pessoas inconscientes, os doentes em estado de
coma e todas as pessoas em estado de insanidade.20

16 1 Co 11.28,29.
17 MUELLER, 2004, p. 504.
18 MUELLER, 2004, p. 503.
19 MUELLER, 2004, p. 504.
20 MUELLER, 2004, p. 503.
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    199

Ainda sobre a necessidade da fé para uma participação


proveitosa da Santa Ceia, pode-se afirmar que “os que creem
que na Santa Comunhão recebem verdadeiramente o corpo e
sangue de Cristo em, com e sob o pão e o vinho, recebem-nos
para graciosa remissão dos seus pecados”.21 Insiste-se que os
que não creem que na Santa Ceia recebem o verdadeiro cor-
po e sangue de Cristo em, com e sob o pão e o vinho para
perdão de seus pecados, não deveriam ser admitidos, pois
negam a presença real.22

São, ainda, considerados indignos de participar da Ceia

aqueles que vão a esse sacramento sem verdadeiro pesar


e contrição por seus pecados, e sem verdadeira fé e bom
propósito de melhorarem a sua vida. Com seu indigno
comer oral do corpo de Cristo, eles põem sobre os seus

21 MUELLER, 2004, p. 503.


22 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comissão de Te-
ologia e Relações Eclesiais, v. 1, p. 11: “Isto exclui todos os reformados, raciona-
listas e modernistas, que negam a presença real do corpo e sangue de Cristo bem
como os católicos romanos que creem na transubstanciação do pão em um novo
corpo de Cristo [além de administrarem somente uma das espécies]”.
200    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

próprios ombros o juízo, isto é, castigos temporais e eter-


nos, e se tornam réus do corpo e sangue de Cristo.23

Finalmente, poderão participar da Santa Ceia todos os que


querem viver a sua fé em amor, fato que exclui a todos que vi-
vem em pecados grosseiros, os quais não querem abandonar
e dos quais não se arrependem. Também é vedada a partici-
pação da Santa Ceia aos que se recusam a perdoar e a recon-
ciliar-se e aos que são culpados de unionismo e sincretismo
religioso.24

Há que se destacar, porém, que

cristãos de fé frágil, cristãos tímidos e perturbados, que


estão intimamente assombrados por causa da magni-
tude e multidão de seus pecados e pensam que nesta
sua grande impureza são indignos desse nobre tesouro
e dos benefícios de Cristo, percebem sua debilidade em
fé, e deploram, e cordialmente anseiam poder servir a

23 FC-DS [LC 523]; MUELLER, 2004, p. 503, argumenta que se pode receber
a Santa Ceia para condenação, de acordo com 1 Co 11.29 (krima) e que o mi-
nistro cristão não deve apenas insistir junto a todos os comungantes para que se
examinem, mas deve também ajudá-los em seu exame pessoal. Sugerem-se cultos
confessionais e o costume da inscrição para a santa ceia; cf. KOEHLER, 2002, p.
167, ser réu do corpo e do sangue de Cristo implica tornar-se culpado não de uma
coisa, mas de um ato, um pecado. Assim, o comungante indigno se torna culpado
de um pecado com respeito ao corpo e sangue de Cristo, culpado de profaná-lo,
de modo que está sujeito à punição de Deus. Juízo, aqui, não se refere à condena-
ção eterna ao inferno, embora possa levar a isso. O pecado de se ter participado
indignamente do sacramento será perdoado se houver arrependimento e fé, pois
também por esse pecado Cristo morreu.
24 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL. Pareceres da Comissão de Te-
ologia e Relações Eclesiais, v. 1, p. 11: “O sacramento deve ser vedado a todos
quantos se acham ligados a igrejas em erro e cultos não cristãos ou anticristãos, cf.
Ef 4.1-6; 5.7-11, 2 Co 6.14-18.
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    201

Deus com fé mais vigorosa e mais alegre e em obediên-


cia pura, esses são os convivas verdadeiramente dignos.
Especialmente para eles é que esse venerabilíssimo sa-
cramento foi instituído e ordenado.25

Por isso, enquanto que o pastor não deve admitir à Santa


Ceia nenhum comensal indigno, precisa cuidar para não im-
pedir os que têm direito a ela.26

1.5.3 C
 omunhão aberta e comunhão fechada
A participação na Santa Ceia está, de algum modo, ligada à
profissão de fé. A IELB não admite a participação de pessoas
de outras denominações da Santa Ceia, prática essa denomi-
nada de “comunhão fechada”. Em defesa da comunhão fe-
chada, Mueller argumenta:

Assim fez Cristo: deixou que a pregação fosse multidão


adentro sobre cada um, bem como depois também os apósto-
los, de sorte que todos a escutaram, crentes e incrédulos; quem
a apanhava, apanhava-a. Assim também devemos nós fazer.
Todavia não se deve atirar o sacramento multidão adentro.
Ao pregar o evangelho, não sei a quem atinge; aqui, porém,
devo ter para mim que atingiu aquele que vem ao sacramento;
aí não devo ficar em dúvida, mas ter certeza de que aquele,
a quem dou o sacramento, aprendeu e crê corretamente o
evangelho.27

25 FC-DS 7 [LC 623].


26 MUELLER, 2004, p. 503.
27 MUELLER, 2004, p. 502.
202    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

Segundo Koehler, a Santa Ceia foi instituída para cristãos,


para seus discípulos, não para o público em geral.28 Mueller
insiste que

a igreja cristã não deve praticar comunhão livre, mas pri-


vativa, visto que é da vontade de Deus que só crentes se
aproximem da Mesa do Senhor. Enquanto que o santo
Evangelho deve ser pregado indiferentemente a crentes
e incrédulos (Mc 16.15,16), a Santa Ceia se destina so-
mente aos regenerados, conforme comprovam as pa-
lavras da instituição de Cristo e a praxe normativa dos
apóstolos (1 Co 10.16; 11.26- 34).29

Linden enfatiza que a Ceia é do Senhor, não é um direito


dos homens, mas é uma dádiva de Deus.

A instrução na doutrina cristã é importante para que a


pessoa que pretende participar do sacramento esteja em
efetiva união confessional com o povo de Deus reunido.
Divisão na confissão estabelece divisão no sacramento.
Além disso, a comunhão fechada traz consigo um aspec-
to de proteção ao “visitante”. O participar indignamente,
a falta do “examinar-se” e de “discernir o corpo”, que

28 KOEHLER, 2002, p. 167: “Comunhão fechada, conforme se pratica em nos-


sa igreja, é a admissão à mesa do Senhor apenas daqueles a respeito dos quais
estamos razoavelmente certos de que estão em condições de se examinarem a si
mesmos e de que estão dispostos a fazê-lo (1 Co 11.28). Por obediência à palavra
de Deus e por amor às pessoas em questão, o sacramento é negado a todos os que
não podem ou não querem examinar-se.”
29 MUELLER, 2004, p. 503.
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    203

estão ligados à instrução na fé, trazem ao participante


juízo, ao invés de bênção.30

Algumas estrofes de hinos para a comunhão reforçam que


a fé, a piedade, o arrependimento, a crença na presença real
e a confissão daquilo que se crê são condições básicas para
quem deseja participar de maneira proveitosa da Santa Ceia:

À mesa faze-nos chegar / com fé e piedade,/ e nossas


culpas lamentar / sem falsa dignidade.31 Sedento na
alma, venho a ti, / aumenta a fé, ó Salvador; / arrependi-
do estou aqui, / buscando o teu perdão, Senhor.32 Quan-
do vens à sua mesa, / guarda em mente, com certeza: /
Digno é quem na fé chegar, / vida e paz há de encontrar.
Salvação foi consumada: / eis a mesa preparada! / Mas
terá nenhum valor, / se negares teu Salvador.33

A própria liturgia publicada pela Igreja Evangélica Luterana


do Brasil contempla a preocupação com respeito à fé dos par-
ticipantes ao prever a “exortação”34 ou “alocução confessio-
nal”.35 Mesmo que estas enfoquem mais aspectos penitenciais
e conduzam à “confissão e absolvição”,36 a verdade é que as

30 LINDEN, 2001, p. 7-8.


31 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinário Luterano, hino 255,
estrofe 6.
32 Ibid., hino 256, estrofe 3.
33 Ibid., hino 258, estrofe 3 e 6.
34 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL, Hinário Luterano, p. 13.
35 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL, Liturgia Luterana, p. 9.
36 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinário Luterano, p. 13; p. 34;
Liturgia Luterana, p. 9.
204    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

mesmas procuram levar os participantes do culto à autoanálise


e ao exame de consciência, a fim de que todos possam digna-
mente37 participar do sacramento.

Atividades

1) Segundo o Apóstolo Paulo, quem são as pessoas habilita-


das a participar da Santa Ceia:

a) ( ) qualquer pessoa pode participar, independente-


mente da fé e da idade;

b) ( ) pessoas amigas do sacerdote;

c) ( ) pessoas com discernimento, penitentes e que te-


nham a verdadeira fé nas palavras de Cristo;

d) ( ) somente as pessoas da comunidade local;

e) ( ) os que se confessaram previamente ao presbítero.

2) A Igreja Antiga tinha certas restrições quanto aos partici-


pantes da Ceia:

a) ( ) não poderiam ser estrangeiros;

b) ( ) somente pessoas inscritas ao sacramento poderiam


participar;

37 IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA DO BRASIL. Hinário Luterano, p. 109-111,


o “Questionário Cristão” – Compilado pelo Doutor Martinho Lutero para aqueles
que tencionam participar da Santa Ceia – é uma opção para o momento da exor-
tação aos possíveis comungantes.
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    205

c) ( ) os que não tivessem cumprido com os requisitos da


penitência, ou seja, que não manifestaram a contri-
ção, não confessaram seus pecados e não realizaram
obras para apagar seus pecados;

d) ( ) os não batizados ou os que viviam em pecados


grosseiros, como idolatria, heresia, assassinato, adul-
tério, feitiçaria e aborto.

3) Para Lutero, quem é digno e bem preparado para partici-


par da Ceia:

a) ( ) apenas os que se confessarem diante do padre ou


pastor;

b) ( ) os que creem nas palavras “dado e derramado em


favor de vós para remissão de pecados”;

c) ( ) os que vão todos os domingos no cultos;

d) ( ) os que estiverem em dia com suas ofertas;

e) ( ) os que dão esmolas para os pobres.

4) O que se entende por comunhão aberta e comunhão fe-


chada?

Gabarito
1) c  2) d  3) b
206    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discorrer a respeito do batismo sob os aspectos teológicos,


litúrgicos e pastorais continuará sendo um constante desafio,
especialmente em um contexto em que o mesmo tem sido es-
tudado e apresentado muito mais como um dogma, uma dou-
trina, do que como algo que é experimentado sacramental-
mente e vivido ao longo da existência humana. É verdade que
os enfoques bíblico-teológicos continuarão recebendo ênfase,
que a instituição e autoridade de Cristo jamais poderão ser
esquecidas. A ordem e promessa de Deus são fundamento e
motivo para igreja batizar. No entanto, os enfoques litúrgicos,
pastorais e até antropológicos poderão destacar ainda mais
a importância do batismo e ajudar às pessoas a experimentar
esse sacramento mais autêntica e intensamente ao longo de
toda a sua vida.

Na explanação acerca da Santa Ceia, verificou-se que se


trata de um sacramento instituído e ordenado por Cristo. Atra-
vés dele são concedidos benefícios especiais, tais como per-
dão, paz, aumento e fortalecimento para a fé, esperança nas
promessas de Deus, a esperança escatológica, a comunhão
com Deus e a comunhão com o próximo. A ênfase nos be-
nefícios parte do princípio de que o sacramento é um ato de
Deus em favor da humanidade. É o contrário do conceito de
sacrifício ou ação humana para alcançar méritos da parte de
Deus. Para tanto, em primeiro lugar, cabe reconhecer no sa-
cramento a iniciativa de Deus por um lado, e a fé que acolhe
essa iniciativa de Deus por outro.
Capítulo 10    Santa Ceia: os Participantes e o seu Preparo    207

Apontaram-se algumas consequências da participação da


Santa Ceia, tais como o fortalecimento do amor e a prática de
boas obras. Uma vez beneficiado pela ação de Deus através
do sacramento, o crente passa a viver correta e amorosamente
em relação ao próximo e ter uma vida de comprometimento
em relação a Deus. Nesse sentido, como resposta em gratidão
ao amor de Deus, até pode-se usar o termo sacrifício vincula-
do à Santa Ceia, mas com o significado de ações de graças,
sacrifícios de louvor e como oferta de si próprio como sacrifí-
cio com Cristo.

Vale destacar que a autoridade é conferida aos sacramen-


tos a partir da instituição divina. Por isso o recitar das palavras
da instituição é elemento importantíssimo quando do ofício do
batismo ou da celebração da Santa Ceia.

Resumidamente, pois, se diz que, pelo Batismo, as pessoas


são incorporadas ao reino de Deus (sacramentum initiationis)
e passam a viver na fé, enquanto que a Santa Ceia deve ser
dada aos crentes (sacramentum confirmationis), que nela se
recebe sim o corpo e sangue de Cristo e que ela fortalece e
estreita ainda mais a comunhão dos santos entre si e destes
com seu Senhor.
208    Sistemática III: Teologia dos Sacramentos

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