Conceitos de Participação Infantil Na Sociologia Da
Conceitos de Participação Infantil Na Sociologia Da
Conceitos de Participação Infantil Na Sociologia Da
FLORIANÓPOLIS, 2019
MARIA EDUARDA MEDEIROS DA SILVEIRA
FLORIANÓPOLIS
2019
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca central da UDESC
AGRADECIMENTOS
The dissertation presented here follows the qualitative approach of exploratory character,
in the modality of bibliographic research, assuming reflexivity as a methodological guide
and content analysis of categorical variant and evaluation as a method of analysis. It is
inserted in the context of the Study Group on Education and Childhood - GEDIN and the
Laboratory on Education and Childhood - LABOREI, registered in the institutional scope
of the State University of Santa Catarina - UDESC. The objective is to map the discursive,
theoretical and empirical understandings on the theme of child participation developed
by researchers who use the referential support, among others, of the Sociology of
Childhood and that use research methods at the macro level, ie, that follow a structural
approach to Childhood, taking it as a macro-phenomenon, as well as the contributions of
researchers who use the method at the micro-oriented level, especially those who follow
the social psychological approach or from the perspective of action, in conducting
research on and with children. We opted for the five-year timeframe, by selecting papers
included in the period between 2013 and 2018. As guiding theoretical axes, we opted for
the understanding espoused by the new Sociology of Childhood that, at the same time,
conceptualizes children as social agents, actors in the production of children's cultures,
capable of inventively reinterpreting the concrete context in which they live, where they
participate through multiple expressions, whereas childhood is conceptualized as a
permanent structural category of society and a socially constructed period, in which
children live their lives. lives for a certain chronologically determined period. These
concepts are articulated with the rights approach, regarding the assumption of children as
subjects of rights and child participation as a fundamental human right. As a result of the
research, the complexity of the theme of child participation was latent and the need to
understand it in conjunction with other categories addressed in this paper. Moreover, it
was found in the bibliographic survey, the absence of theses and dissertations with the
macro contribution and the election of the theme of participation in research on and with
babies, which points to fruitful indexes for future work.
2 METODOLOGIA...................................................................................................... 27
Escrevo este introito tendo em mente que, a tentativa inicial de investigar com
aprofundamento, na intenção ou desejo de chegar próximo às raízes sócio- históricas, às
origens, aos possíveis nascedouros de algo − e nesse algo estão incluídos os conceitos −,
não só mobiliza a necessidade de um perscrutamento intenso e criterioso, mas,
principalmente, denota o que agora percebo como a manifestação de uma ingenuidade
acadêmica. Isso porque, neste momento, com os pés mais fincados no chão, dou-me conta
das variadas implicações, não só na percepção do que está implícito, subjacente na
construção de uma pesquisa, mas das condicionantes da exequibilidade, imperiosa no
decurso temporal de dois anos do curso de mestrado.
Aquelas inquietações, às vezes angustiantes, que circundam de incógnitas nossas
mentes e corações, tão primárias, podem, talvez, continuar sendo as mesmas de outrora:
será possível conhecer a verdade das coisas? Será que existe essa verdade? Pode-se falar
em verdades? O que torna algo verdadeiro ou minimamente verossímil? Será possível, ao
menos, obter uma fresta plausível que nos afague a dúvida, por meio do cotejamento de
indícios históricos, filosóficos, sociológicos, culturais? Ciente da ingenuidade
imaginativa que me habita e, espero, longe dos cânones das verdades absolutas, acerco-
me da noção de que essa engrenagem continua, para além de mim, porque faz parte da
lógica do inacabamento da ciência, inserida na dinâmica da própria vida, mutável por si
só.
Depois da feitura de levantamentos bibliográficos extensivos, de mergulhos
intensos nas leituras, da necessidade ─ muitas vezes desafiadora de ser conduzida ─ no
sentido de canalizar a tendência da curiosidade para interesses acadêmicos diversos para
focar, de forma coesa, no encaminhamento e construção de um relatório de pesquisa
coerente, tenho em mente a não pretensão de querer dar conta de oferecer respostas
àquelas perguntas anunciadas no parágrafo antecedente, porque sei também que, mesmo
com a contextualização necessária sobre o tema, que lança mão de aporte teórico
sociológico aliado ao enfoque dos direitos, somada com uma seleção cuidadosa da
literatura e da posterior leitura analítica dos dados de pesquisa gerados e cotejados, que
ofereceram e oferecem espectros distintos sobre o referente escolhido, percebo que não
há como relatar, na sua inteireza, os traços culturais, societários, políticos e históricos que
emolduram um assunto, temática e tema objetos de interesse.
9
1
O direito à participação infantil, na Lei citada, encontra-se expressamente previsto no Parágrafo Único do
artigo 4º e no artigo 6º.
10
2
Embora haja referência de uso da expressão “Sociologia da Infância” datada dos anos 30. (SARMENTO,
2008, p. 02; SIROTA, 2001; MAUSS, 2010).
3
São reconhecidos alguns standarts conceituais e metodológicos que conferem à Sociologia da Infância
especificidade suficiente para se afirmar o que ela não é: não é disciplina da Sociologia da Educação nem
tampouco da Sociologia da Família, embora o diálogo entre elas seja constante. Há, outrossim, um esforço
epistemológico, teórico e empírico para o afastamento da ideia que marcou o início do pensamento
sociológico, que considerava a infância enquanto geração destinatária de processos de socialização, a serem
efetivados em formatos de “transmissão” cultural dos adultos para as crianças. Trabalhos acadêmicos
(QVORTRUP, 2011; SIROTA, 2001) e encontros científicos de ampla repercussão, datados sobretudo do
11
oferece, junto com a teoria de ator plural de Lahire (2002), as lentes com as quais se
pretende compreender a unidade referencial “participação infantil” e que se pretendia
lançar mão para a consecução daquela pretensão de pesquisa anteriormente anunciada.
Estando aquela intenção analítica de pesquisa circunscrita, sobretudo, aos estudos
sociológicos da infância da corrente estrutural, de premente importância, todavia, de
construção recente4 e, também, com nossos parcos subsídios referenciais, não foi
vislumbrada segurança teórica e empírica suficientes para que se empreendesse, nesse
nível de pesquisa, uma análise macroestrutural. Isso porque, conforme indica Sarmento
(2008), para efetivação de um trabalho com esse aporte, os diálogos interdisciplinares
devem alcançar áreas do conhecimento como a Economia, a Geografia, a Ciência Política,
a Demografia e a Sociologia Geral, o que transborda ao que é operacionalizável nesse
momento da pesquisa.
Diante desse cenário, considerando também as motivações temáticas que me
mobilizam e minha trajetória formativa, em orientação, entendemos interessante fazer
uma pesquisa bibliográfica para efetivar um mapeamento que identificasse as categorias
e os conceitos mobilizados para compreender as variadas acepções sobre o que é
participação infantil, sobretudo na Sociologia da Infância. A proposta foi a de promover
um cotejamento entre os variados esforços teóricos e empíricos empreendidos para a
compreensão da participação infantil no campo citado, tendo como interesse central a
sistematização das categorias, das ancoragens conceituais utilizadas e dos caminhos
teóricos que culminaram na utilização do tema da participação voltado às crianças e às
infâncias, naquele campo do conhecimento, por meio da elaboração de um inventário
epistemológico capaz de clarificar a rede de imbricações teóricas e das categorias nelas
presentes para a formulação de conceitos.
Levantamos enquanto hipótese que o tema não emergiu da Sociologia da Infância,
mas vem sendo empregado e defendido por esta por meio de variados enfoques e, ao
mesmo tempo, a partir de pressupostos de análise muito peculiares a esse campo
disciplinar. Uma dessas peculiaridades consiste em compreender a sociedade
empreendendo um viés de investigação que parte do fenômeno social da infância,
final da década de 1980 e início da década de 1990, conferiram relevo ao reconhecimento da “infância
enquanto fenômeno social”, o que sugere a compreensão da sociedade a partir do fenômeno social da
infância. (QVORTRUP, 2011; SARMENTO, 2008). Estes esforços acadêmico-científicos legitimam a
existência de uma nova Sociologia da Infância, já que reorientam o campo sociológico a partir da
proposição de uma “distinção analítica” sobre as crianças e a infância.
4
Qvortrup é um dos principais expoentes da corrente estrutural, abordagem com publicações mais
substanciais datadas a partir da década de 1990.
12
Pode-se afirmar, portanto, que a Sociologia da Infância assumiu como norte para
erigir um campo a reordenação do sentido analítico sociológico sobre a infância e as
crianças concretas, ao assumi-las como as principais portas de entrada para a
compreensão da realidade social. Isso se dá por meio do esforço em representá-las como
agentes e participantes em pesquisas sobre e com as crianças. Essa reorientação analítica
e postural sobre e com as crianças e as Infâncias, consideradas como uma espécie de
“portal” referencial, é o que confere, para Sarmento (2008), ineditismo ao campo na busca
da sua autonomia (BOURDIEU, 2004).
Tomando essas concepções como basilares e entendendo que os Direitos das
Crianças ─ mormente aqueles dispostos na Convenção sobre os Direitos da Criança de
1989- CDC ─ são os alicerces sobre os quais devem ser construídas as políticas
educacionais e que estas devem fomentar ações, também pedagógicas, que sejam
contextualizadas, “socialmente atentas aos fatores de desigualdade, culturalmente
respeitadoras da diversidade e verdadeiramente centradas nas crianças concretas e nas
suas necessidades reais de viver, brincar, aprender e conviver com os outros”
(SARMENTO, 2015, p. 141), é que se compreende que o tema da participação infantil
seja uma chave para endossar o movimento que pretende ressignificar as perspectivas
sobre as crianças e as infâncias, e que a clarificação conceitual, por meio do mapeamento
das categorias que o informam, revela-se como um caminho que se contrapõe à
invisibilização da infância e à subalternização das crianças (QVORTRUP, 2010a).
O objetivo deste estudo, portanto, é o de promover um cotejamento entre os
variados esforços empreendidos para a compreensão do direito à participação infantil no
campo disciplinar citado, analisando, reflexivamente (BOURDIEU, 2004, 2007; DAVIS;
WATSON; CUNNINGHAM- BURLEY, 2005; DEWEY, 2010; JENKS, 2005;
LAHIRE, 2002), acerca dos conceitos mobilizados nos referenciais estudados e das
categorias que os informam, de modo a identificar as categorias operacionais intrínsecas
ao referente “participação”. Com isso, ao inventariar as categorias utilizadas e
desenvolvidas por autores de base da Sociologia da Infância (ALANEN, 2009, 2018;
ALDERSON, 2005; CHRISTENSEN; JAMES, 2005; JENKS, 2005; CORSARO, 2011;
CUNHA; FERNANDES, 2012; FREEMAN, 2009; HONING, 2009; HENDRICK, 2005,
2009; HENGST, 2009; JAMES, 2009; MAYALL, 2005, 2009, 2010; McKENDRICK,
2009; NIEDERBERGER, 2010; OLK, 2009; PROUT, 2010; QVORTRUP, 2010a,
2010b, 2011; ROBERTS, 2005; SARMENTO, 2008; SIROTA, 2001), entrecruzadas
com pesquisas sobre a temática ─ selecionadas por meio de levantamentos de literatura
14
com recorte temporal de cinco anos (2013- 2018) ─, entendemos que a clarificação
conceitual, com apropriação teórica, é necessária baliza para organizar a prática e para
efetuar uma reorientação paradigmática, capaz de influenciar na interação dos adultos
com as crianças, reverberando na efetivação qualitativa dos seus direitos. Nesse sentido,
argumentamos que passar a considerar as crianças como sujeitos ou agentes representa
uma mudança de paradigma, ultrapassando ideias nas quais as crianças são tratadas como
objetos a serem alterados e formados de acordo com metas predefinidas. (PROUT, 2010;
LEE, 2010). Para além desses posicionamentos, que facilmente podem redundar em uma
retórica, pretendemos facilitar o delinear de programas de ação assentados nos direitos da
criança, mormente aquele aqui tematizado, que é o da participação infantil.
Para tanto, concebê-las enquanto agentes de transformação social capazes, nos
seus modos de viver a infância, de interagir, agir, transgredir e provocar mudanças nas
realidades em que se constituem, é espectro teórico a partir do qual se pretende o
engajamento na pesquisa (CORSARO, 2011). Ao mesmo tempo, ao investigar a rede de
categorias e as diversas perspectivas conceituais na formulação de noções sobre a
participação infantil, considerando a multirreferencialidade inerente ao tema,
verificamos uma contribuição substancial da Sociologia da Infância enquanto campo
sociológico de premente importância para o campo educacional e, consequentemente,
com o esforço de sistematização teórica, vislumbramos oferecer maior ancoragem para a
efetivação da participação infantil ─ que se transfigura em direito positivado ─, também
na esfera da ação pedagógica.
Com essas lentes é que compreendemos que o tema da participação infantil,
quando encarado como um princípio norteador e basilar ─ não somente como uma
finalidade, como um ente a ser alcançado ou um direito irrefletidamente efetivado ─, pode
ser uma chave para endossar o movimento que pretende ressignificar as perspectivas
sobre as crianças e as infâncias. (QVORTRUP, 2010a).
Esta escolha também se justifica porque há uma complexidade própria ao conceito
de participação infantil, intrinsecamente amalgamado por inúmeras categorias, tais quais
a de criança enquanto sujeito de direitos (FALCÃO; VERONESE; 2017); criança
enquanto ator social (CORSARO, 2011; LAHIRE, 2002); agência da criança (JAMES,
2009); infância enquanto fenômeno social do tipo estrutural (QVORTRUP, 2010a);
direitos políticos da infância (FERNANDES, 2005; SARMENTO; FERNANDES,
TOMÁS, 2007; TOMÁS, 2007); cidadania da infância (SARMENTO, 2005; TOMÁS,
SOARES, 2004), democracia (BAE, 2015), justiça social e distributiva (FRASER, 2002)
15
e outras tantas que perpassam as representações sobre os direitos das crianças e à inscrição
destas nos seus respectivos mundos sociais (AGOSTINHO, 2014). Portanto, o objeto
deste estudo está sendo tratado no seu entrelaçamento com aquelas outras categorias, tão
caras para a Sociologia da Infância e primordiais para um agir reflexivo, tomando a
participação, a um só tempo, enquanto princípio norteador e direito positivado.
Entendemos que essa rede de categorias presentes nas conceituações sobre a
participação infantil merece ser analisada, compreendida e discutida porque a
superficialidade no seu tratamento pode acarretar um tensionamento tanto teórico quanto
empírico sobre o assunto, justificado por possíveis traduções aligeiradas sobre o[s]
significado[s] de participação infantil. Sendo assim, é possível conceber que a
incompreensão ou a falta de profundidade nas questões conceituais afetas à temática,
podem gerar alguns atravessamentos que, por vezes, incorrem em tratamento raso, tanto
do que se entende, quanto do que se oferta em termos de participação às crianças, o que
pode redundar, inclusive, em um impeditivo para que efetiva e qualitativamente
participem.
Estes pontos estão situados e convergem com reflexões sobre os usos teóricos e
empíricos sobre a participação infantil, no sentido de questionar a utilização e reprodução
indiscriminada de conceitos já bastante estabelecidos, “com o objetivo de mostrar sua
relevância em vários cenários, mas sem refletir o suficiente sobre seu uso.” (BARALDI,
2018, p. 132).
Diante do exposto, elaboramos a seguinte questão de pesquisa: quais categorias
são mobilizadas nas formulações conceituais para compreender a participação infantil a
partir das definições presentes em estudos que seguiram abordagens metodológicas micro
e macro, existentes no campo disciplinar da Sociologia da Infância?
Para responder a esta questão, elaboramos o seguinte objetivo geral: Compreender
e analisar as categorias e alocações conceituais sobre a participação infantil nas diferentes
ancoragens teóricas e metodológicas que sustentam a Sociologia da Infância,
nomeadamente a partir de representantes das abordagens micro e macro deste campo
disciplinar.
Os objetivos específicos desdobram-se dessa forma:
- Identificar, por meio de pesquisa bibliográfica, o contexto de sinalização de
interesse pelo tema “participação infantil” e o fundamento de incorporação dele pela
Sociologia da Infância;
16
estruturas institucionais e modelos culturais nos quais as crianças agem, operam sobre e
são afetadas por elas. (HENGST; ZEIHER, 2004).
Com essas premissas esclarecidas entendemos que, antes de fundamentar a parte
metodológica e teórica deste estudo, não podemos prescindir da anunciação de uma
ligeira autobiografia, apresentada na subseção que segue.
5
Universidade do Sul de Santa Catarina- UNISUL.
19
6
A Comunicação Não Violenta, a partir dos contributos desenvolvidos por Marshall B. Rosenberg, aliados
à postura de vida adotada por Dominic Barter, dão conta deste aspecto.
20
que forma o diálogo pode também atuar como uma ferramenta política, democrática e
cidadã a partir de relações construtivas? Todas essas inquietações me moveram para e
aumentaram ainda mais quando adentrei, no segundo semestre do ano de 2015, na
licenciatura em Pedagogia da FAED-UDESC. E é aqui que se delineia o outro, ou os
outros passos deste processo.
Embora esse percurso, o da escolha pela Pedagogia, tenha se iniciado antes da
entrada no curso citado, por meio dos encontros e relações com pessoas inspiradoras ─
e mais uma vez dou-me conta de que aos poucos é que os acontecimentos da vida vão
sendo entrecruzados ─, foi naquele curso, mais especificamente em 2016, enquanto
acadêmica matriculada no componente curricular “Educação e Infância”, ministrado pela
professora, ora orientadora, Julice Dias e, concomitantemente, enquanto bolsista no
Projeto de Extensão coordenado pelo professor Adilson De Angelo, também integrado
pela professora Julice Dias, intitulado “Girândola de Saberes e Práticas: Infância,
Cidadania e Formação Docente”, é que o caminho foi ganhando corpo.
Tal Programa, inscrito no âmbito do Laboratório de Educação e Infância-
LABOREI e do Grupo de Estudos em Educação Infantil- GEDIN, dos quais faço parte,
contempla três ações, dentre elas a denominada “As crianças, a creche e a Cidade:
participação infantil e cidadania ativa”, que tem como enfoque, em linhas breves,
compreender e discutir sobre os espaços da Cidade na interrelação com os Direitos das
Crianças, assumindo o protagonismo e participação infantis enquanto palavras-chave e a
Sociologia da Infância e a Curiosidade Epistemológica de Paulo Freire como principais
referenciais teóricos e metodológicos.
É nesse contexto que está inserida minha experiência prática com crianças. De
forma sincrônica, na disciplina “Educação e Infância”, é que foi se consubstanciando o
contato com os conceitos de Infância e com as noções sobre a criança concreta, o que
ocorreu em conjunto com a minha participação, enquanto bolsista em outra frente de ação
daquele programa citado, nas formações de professores e professoras de instituições de
Educação Infantil conveniadas à e da Rede Municipal de Educação de Florianópolis,
ministradas pelo professor Adilson De Ângelo. Isto significa dizer, portanto que, no
percurso acadêmico, foram nesses momentos em que efetivamente fui ao encontro dos
mundos das crianças e fui apresentada à leitura possível sobre a história da Infância
enquanto construção social.
Já no mestrado, com os estudos iniciais sobre a teoria da formação de conceitos
em Vigotski, em algumas empreitadas etnográficas ensaísticas a fim de investigar as
21
relações de uma criança com a cidade de Florianópolis, a partir das compreensões sobre
o que é esse espaço para ela, ficavam cada vez mais evidentes os tensionamentos e
complexidades da entrada no campo, quer seja pelas inúmeras e às vezes intrincadas
relações estabelecidas, quer seja pelos imprevistos incontáveis que emergem, indicando
a necessidade de um movimento de orientação e reorientação no trabalho de decifrar
intencionalidades, inclinações e influências, que perpassam o desenvolvimento da
pesquisa a partir do que é experienciado.
Isso tudo era sentido, passível de captação e, muito embora já houvesse entrado
em contato com a importância da reflexão sobre a ação, seja com Dewey7, seja com Paulo
Freire, foi na pós-graduação, lendo e analisando textos imprescindíveis para a
compreensão metodológica da pesquisa e para o ajustamento do foco de investigação é
que, por meio do estudo sobre a “abordagem reflexiva”, aquelas percepções advindas das
empreitadas iniciais de pesquisa até o alcance do atual objeto, transfiguraram-se de
sentido. (DAVIS; WATSON; CUNNINGHAM- BURLEY, 2005).
Interpenetrando essa perspectiva com o percurso acadêmico/formativo, as
metamorfoses metodológicas e de abordagens, intencionalmente articuladas e veiculadas
também pelas mudanças sobre o tema privilegiado na pesquisa, foram sendo corroboradas
em conjunto com a trajetória de Jenks (2005). Com ele, mais claramente, foi possível
perceber que “o amadurecimento sociológico da infância”, bastante marcado pelo
abandono do imperialismo dos cânones sociológicos sem, contudo, deixar de imiscuir-se
dos contributos de Durkheim e, mais ainda, dos postulados da “teoria implícita da
consciência social” de seu “herdeiro vivo”, Basil Bernstein, (2005, p.59), veio
acompanhado ─ ou só foi possibilitado ─, porque os pesquisadores e pesquisadoras
interessados nas crianças e no tema infância, também amadureceram, e o fazem em
processo contínuo. Inclusive no que concerne à percepção do quanto são indesejáveis e
prejudiciais as dicotomias. Neste caso, mais especificamente, aquelas afetas à tradição
versus inovação, teoria versus prática e mesmo, conforme indica Sarmento, da estrutura
versus ação e da sociedade versus indivíduo. (2008, p. 23).
Porque ilustra bem essa mudança que visa superar essas dicotomias, ao mesmo
tempo que simboliza uma abertura, ao seu turno, em uma breve autobiografia, Jenks
escreve, em retrospectiva, sobre a “viagem [também metodológica] em direção aos
rigores não específicos da reflexividade”. Em um dado momento, adotou “perversamente,
7
Sobretudo na obra “Como pensamos. Como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo
educativo: uma reexposição” e, mais especificamente, o seu capítulo 2. (DEWEY, 2010).
22
e de forma moderna, uma perspectiva fenomenológica radical” (2005, p.57) para, mais
tarde, ao alcançar as crianças e a infância, afirmar que “se a fenomenologia exige
intencionalidade dos seus teorizadores, exige, também, reflexivamente, que os seus
teorizadores considerem a intencionalidade de seus sujeitos”. Com isso, assumiu uma
postura receptiva para “confrontar a contradição entre a articulação necessária das
crianças em termos de sistemas sociais e o que ‘são’ como ação”. (2005, p.57/58).
Veja-se que o campo teórico-epistemológico que permeia a Sociologia da
Infância é tão complexo, que autoriza o reconhecimento e a apropriação dos problemas
estabelecidos por Durkheim8, embora não na sua integralidade e nem tampouco nas suas
formulações originais, na mesma medida em que se operam, a partir dele, negações de
suas premissas, o que acaba por fomentar índices contemporâneos variados de pesquisas
sobre as infâncias e as crianças. Portanto, não há como discorrer sobre aquele campo
disciplinar sem que se perpasse, indubitavelmente, pelo estruturalismo durkheimiano, já
que, muito do que hoje se consubstancia na chamada “Nova Sociologia da Infância” se
desenvolveu em contraponto às teorias sociais de Durkheim, centradas, no que concerne
à infância, no conceito de socialização.
Émile Durkheim estruturou nas suas bases epistemológicas a premissa de que “o
social deveria ser sempre explicado nos termos do social” e, norteado por ela, lançou
críticas ferrenhas ao idealismo e ao empirismo. Tal pressuposto anunciava um cânone
sociológico caracterizado por um “imperialismo epistemológico que abarca todos os
fenômenos em seu território e não deixa nenhum estado natural das coisas livres de
explicação, fora de e apesar das estruturas sociais.” (JENKS, 2005, p. 55).
Sob essas bases epistemológicas, inseridas em um quadro estrutural- utilitarista e,
acrescento, determinista, a Infância passou a ser considerada no campo sociológico a
partir do enfoque nas instâncias voltadas ao seu processo de socialização. (SIROTA,
2001). Comumente os vieses de análise sociológica consideravam as crianças enquanto
futuros adultos, de “forma prospectiva”, e a produção teórica sobre o que é ser criança e
o que é a Infância estava fortemente ligada àquelas teorias tradicionais sociológicas que
se ocupavam da socialização, que é o “processo pelo qual as crianças se adaptam e
internalizam a sociedade”, tomada, inicialmente, dentro da instância familiar e da
instituição escola: era a criança não analisada “por si”, mas enquanto aluna ou filha que
necessitava de uma transmissão de uma cultura adulta para a obtenção de subsídios para
8
Jenks afirma “que o problema mais claramente estabelecido por Durkheim” foi o de “tentar explicar a
relação entre a ordem simbólica e a estrutura social”. (2005, p.58/59).
23
“vir a ser” um adulto com os caracteres desejáveis e competências esperadas para que
funcione e produza em uma sociedade marcada por um viés utilitarista. (CORSARO,
2011, p. 19).
O interesse estava centrado, portanto, na apreensão institucional do objeto social
infância, já que, tomados os atributos de imaturidade e incompetência entendidos, naquele
contexto, como correlatos e inerentes a ela, precisava haver sua regência por meio de
instituições socializadoras com vias à [con]formação de um ser social. (SIROTA, 2001,
p.9). Pela perspectiva de Jenks, citando o antropólogo Levi Strauss, é no movimento da
sociologia voltado a “buscar novas razões e novos métodos de transformação do natural
em cultural”, datado sobretudo do último quarto do século XX, que foi, e ainda é marcado
por “inversões analíticas e transformações” ─ consideradas, em um sentido amplo, como
próprias ao e centrais no “projeto sociológico” ─, que se principia o processo de
amadurecimento sociológico sobre a infância. (JENKS, 2005, p. 55; SARMENTO, 2008).
Nos caminhos desse amadurecimento, salta aos olhos, contudo, a crítica afirmação
do sociólogo Jenks no sentido de que “tanto Durkheim como as nossas iniciativas
metodológicas, aparentemente modernas”, seguem um positivismo Comtiano, “ao
assegurar que a sociologia deverá transcender todas as outras formas de explicação.”
(2005, p. 55/56). Partindo dessa análise, o autor pretendeu demonstrar:
dizer, não surgiram “do nada”, porque, muito embora o processo criativo na apropriação
seja premente, essa criação não prescinde de uma bagagem posta ao crivo reflexivo.
Neste sentido, lembrando que a Sociologia da Infância é um campo disciplinar
marcado por confluências teóricas e metodológicas em um fluxo e refluxo aparentemente
infindável (SARMENTO, 2008), os quais abordamos no capítulo 3 deste trabalho, é de
se esperar que, tomando cuidado para não cair na tentação das generalizações, os temas
abordados em seu interior não poderiam seguir um caminho diferente. Logo, com o tema
da “participação infantil”, essa noção heterogênea também vigora. Por isso, atentando
para não incidir no risco de uma “fragmentação infinita” (LAHIERE, 2002, p. 22) diante
dessa diversidade correlata à Sociologia da Infância e, de modo semelhante, percebendo
os inúmeros aspectos que constituem o objeto da presente pesquisa, com as lentes daquele
campo disciplinar, bastante orientada pela leitura de Bernard Lahire, sobretudo nas
interpretações do autor no desenho de uma teoria do “ator plural” (2002) é que, para
melhor pensar e agir, movidas por uma interpretação reflexiva, optamos por partir das e
para o reforço das bases teóricas por meio de estudos reflexivos, interpretativos e plurais.
Diante disso é que se pretende mapear o tema da “participação infantil”
identificando, analisando, compreendendo e sistematizando “as diferentes correntes,
abordagens e teorias presentes na Sociologia da Infância [que] confluem num conjunto
de aspectos que constituem marcadores do campo teórico” (SARMENTO, 2008, p.19),
concernentes à participação, com a finalidade de identificar as categorias mobilizadas na
estruturação das bases conceituais, que se constituem nas contribuições teóricas sobre o
tema.
Soma-se a isso o fato de que, no cerne da abordagem reflexiva, o conhecimento
teórico e as respectivas ancoragens conceituais são postas à prova a partir do
questionamento aberto sobre aquelas próprias bases conceituais e teóricas, a fim de que,
aquela mesma análise crítica e reflexiva, aplicada ao questionamento sobre como as
relações de poder estão colocadas, também se aplique ao que se acredita saber. (DAVIS;
WATSON; CUNNINGHAM- BURLEY, 2005). Diante dessas constatações é que,
optando pelo tema participação infantil, inclinei-me para os questionamentos: o que
entendo sobre participação? Essa pergunta levou-me inexoravelmente a indagar: como eu
participo? Por que eu participo? E, por último, qual a relevância, pontos de intersecção e
dissonâncias entre essas questões e suas respostas para uma pesquisa sobre o tema
“participação infantil”?
25
2 METODOLOGIA
Por meio da “escavação” que se efetivou nos levantamentos foi possível mapear
a produção, ou o “registro disponível”, conforme expressão utilizada por Severino (2007)
acerca do tema e do problema, permitindo o contato com os resultados obtidos em outros
estudos correlacionados, proporcionando a inserção da pesquisa em um diálogo maior e
pré-existente no campo de estudos. É por meio dela que se verifica a necessidade do
preenchimento de lacunas, a ampliação da discussão e, consequentemente, fomenta-se a
continuidade, a atualização e o incremento do campo científico. (ALVES-MAZZOTTI,
2002; CRESWELL, 2010).
Tendo em vista que a presente pesquisa é de natureza básica, já que poderá
conceber novos conhecimentos, com objetivos exploratórios, a técnica de pesquisa que
servirá como procedimento operacional para a sua realização, será documental e
bibliográfica, e far-se-á uso das regulamentações, leis, tratados e convenções
internacionais concernentes ao tema abordado. Destarte, baseando-se em conceitos
teóricos, “a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos
textos” (SEVERINO, 2008, p.122), a pesquisa será desenvolvida de forma lógica. Se
28
Ainda nessas bases de dados, considerando o avanço nas leituras sobre o tema
“participação infantil” e a necessidade de solidificação teórica sobre a infância e as
crianças, decidimos por fazer uma busca somente com o uso do tópico ("childhood
studies"). No momento de sistematização dos trabalhos encontrados, optamos, contudo,
em não incluir aqueles provenientes das buscas empreendidas na base de dados Science
Direct, isto porque os artigos de periódicos lá constantes constituem a chamada “literatura
cinzenta”, que inclui artigos no prelo, trabalhos aceitos para publicação, mas ainda não
na sua versão final. Além disso, junto com a Scopus, a Science Direct faz parte da
Elsevier, incorrendo em duplicidade dos dados nelas disponíveis. (FERENHOF,
FERNANDES, 2016).
Diante disso, partiu-se para a 2ª etapa: depois das buscas empreendidas naquelas
bases anteriormente citadas, justificamos que a escolha por elas foi feita levando-se em
consideração a variedade, quantidade, confiabilidade e relevância do acervo
disponibilizado. Assim como as palavras-chave variaram conforme a base de dados
consultada, o mesmo ocorreu com os filtros aplicados, que seguiram as especificações de
cada portal. Com essas justificativas, as produções brasileiras foram levantadas nas bases:
Teses e Dissertações: 1. Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenadoria de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES e; 2. Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(BDBT/IBICT);
Trabalhos em anais de eventos: 3. Biblioteca Virtual da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação- ANPEd.
As produções acadêmicas internacionais e brasileiras foram pesquisadas nas
bases:
Acervo de tipologia variada: 4. Portal de Periódicos da CAPES; 5. SciELO-
Scientific Eletronic Library Online- Brasil e; 6. LAReferencia- Rede Federada de
Repositórios Institucionais de Publicações Científicas9.
As produções exclusivamente estrangeiras, mormente aquelas publicadas em
língua inglesa, foram levantadas nos seguintes portais:
9
Trata-se de uma rede latinoamericana de repositórios de acesso aberto. São disponibilizados artigos
científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado oriundas de mais de uma centena de universidades
e instituições de pesquisa dos países que a constituem: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, El
Salvador, México, Perú e Costa Rica. Mais informações disponíveis em <http://www.lareferencia.info/pt/>.
31
10
É considerado o maior banco de dados com resumos, citações da literatura com revisão de pares, livros,
revistas científicas e demais produções acadêmicas. Mais informações disponíveis em
<https://www.scopus.com/>. (ELSEVIER, 2018).
11
Dentre outras ferramentas, a “Solução Mendeley”, permite o acesso às pesquisas mais recentes do meio
científico, além de ser um “gerenciador de referências e uma rede social acadêmica”. Mais informações
disponíveis em:< https://www.mendeley.com/homepage7/?switchedFrom=>. (ELSEVIER, 2018).
12
A Web of Science é atualmente mantida pela Clarivate Analytics e, por meio do acesso CAFe
institucional, foi possível a realização de pesquisa na ferramenta “Principal Coleção do Web of Science”,
que contém dez índices com informações coletadas de milhares de periódicos, livros, séries de livros,
relatórios, conferências e outros materiais acadêmicos. Essa ferramenta oportuniza o acesso aos artigos que
citam um trabalho publicado anteriormente. Ela cobre totalmente mais de 12.000 periódicos de alto impacto
global. Mais informações disponíveis em:
<https://images.webofknowledge.com/WOKRS523R4/help/pt_BR/WOS/hp_database.html>
(CLARIVATE, 2018).
13
Item da triagem bastante relativizado, considerando a multirreferencialidade do tema “participação
infantil.”
14
De acordo com o art. 2º da Lei 8.069 de 1990, considera-se criança a pessoa com até doze anos de idade
incompletos e adolescente aquela com idade entre doze e dezoito.
32
alocação do tema nas pesquisas contemporâneas para que sejam traçadas perspectivas
para novos estudos. Somente para a seleção das teses e dissertações é que optamos por
selecionar as pesquisas realizadas nos últimos 5 (cinco) anos, compreendendo o período
entre os anos de 2013 até 2018.
d) Disponibilidade: mesmo os trabalhos que, a priori, não obtivemos acesso
aberto, seja porque não foram encontrados na sua íntegra na rede mundial de
computadores, seja porque são conteúdos pagos, devidamente destacada essa condição,
foram incluídos na seleção porque preenchidos todos os critérios anteriores.
E, ainda na 4ª etapa, como critérios de exclusão, para além dos que fazem oposição
aos de inclusão, foram definidos:
e) repetição: quando já considerados no levantamento pela presença em
outra(s) base(s) de dados;
f) aspectos metodológicos: que tenham como enfoque único a participação
das e com crianças enquanto caminhos investigativos e metodológicos sem menção da
Sociologia da Infância ou com a adoção de critérios metodológicos advindos de uma
abordagem disciplinar única ou exclusivista;
g) questões atreladas à pertinência temática e abordagens disciplinares: o
tema “participação infantil” tomado em contextos específicos e sem menção à Sociologia
da Infância15: que tenham a base fundada em abordagens oriundas especificamente da
Psicologia, da Medicina e da Educação Física, dentre outras. Os estudos que se refiram
exclusivamente à “participação infantil” na ação pedagógica, em âmbito familiar, na
relação com a cidade ou em contextos de grupos específicos, que enfoquem o tema da
participação a partir dos traços étnicos ou de gênero, por exemplo, são de suma
importância, mas para operacionalização da pesquisa foram selecionados com parcimônia
e excluídos aqueles que não citam o referencial da Sociologia da Infância ou mesmo da
Sociologia Geral ou, ainda, que não adotem um sistema de análise multidisciplinar.
Os procedimentos de pesquisa, onde estão identificadas as bases de dados
consultadas, a tipologia dos documentos resultantes das buscas e as especificações, em
quadros, sobre informações básicas dos materiais selecionados para compor o relatório
de pesquisa bem como o arquivo levantado, compõem o Apêndice 1 deste trabalho.
15
Embora a eleição deste critério de exclusão, importa salientar que foram selecionados trabalhos com os
enfoques contextuais descritos na alínea “g”, desde que a Sociologia da Infância tenha sido utilizada ou que
tenham trabalhado com os conceitos de estrutura, agência e ator, seja a partir de abordagens filosóficas ou
sociológicas. Isso porque os conceitos citados são de suma importância para a construção do relatório de
pesquisa.
33
solicitamos não são homogêneos, nem sequer inscritos num único campo do saber.”
(2002, p. 13). Diante disso, pode-se dizer que o mesmo ocorre na Sociologia da Infância
que, desde o seu início, que aponta a década de 1980 como marco inicial e a década de
1990 como a da emergência de sua consolidação, lança mão de aportes teóricos e
empíricos multifacetados, encarando seus objetos de estudo sob prismas diversos.
Essa data pode ser considerada controvertida, haja vista que, já no ano de 1937,
Marcel Mauss utilizou tal nomenclatura em exposição oral. Tomamos aquela indicação
de marco inicial, contudo, pois é a encontrada na maior parte das publicações
consideradas como referência na área e porque foi, de fato, período em que houve
interesse científico, com organização e produção acadêmicas voltadas ao seu erigir, com
emergência (SIROTA, 2001) fertilizada sobretudo, na década de 1990, conforme
explicitado anteriormente.
Tomamos cuidado em afirmar que a Sociologia da Infância é um campo de
conhecimentos interdisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar ou pluridisciplinar,
porque, as “aparentes misturas, sempre são postas a serviço da construção coerente da
reflexão sociológica” (LAHIRE, 2002, p. 13), embora assim possa ser descrita por alguns
de seus estudiosos (SARMENTO, 2013). As Ciências Sociais e sociológicas não estão
aí para gerarem consensos, “a controvérsia é-lhe co-inerente, e esse é um dos seus traços
definitórios” (SARMENTO, 2008, p.11) e, assim como muitos pesquisadores do campo
vem fazendo, entendemos importante para a melhor compreensão dos arranjos nele
contidos, expor “as diferenças internas ao próprio campo da Sociologia da Infância.”
(SARMENTO, 2008, p. 11).
Começamos por dois textos de Manuel Jacinto Sarmento, do Instituto de Estudos
da Criança, da Universidade do Minho. O primeiro deles, intitulado “Sociologia da
Infância: Correntes e Confluências”16, em linhas gerais, contextualiza o interesse
acadêmico no estudo sobre a vida das crianças e sobre o conceito de Infância, ressaltando,
no que tange ao campo disciplinar da SI, as especificidades com que são tomados os seus
objetos de estudo. É foco do autor inventariar as variadas disposições e bases teóricas e
16
O texto utilizado como base para essa escrita foi dividido e publicado em partes, com modificações, no
livro “Estudos da Infância: educação e práticas sociais”, organizado pelo autor citado e por Maria Cristina
Soares de Gouvêa, com publicação, pela editora Vozes, datada do ano de 2008. Foi também publicado no
periódico “O Social em Questão”, Revista da PUC- Rio de Janeiro, XX, nº 21. Para esta produção,
referenciamos com a data da primeira publicação do ano de 2008, mas utilizou-se o texto completo
disponível em:
http://www2.fct.unesp.br/simposios/sociologiainfancia/T1%20Sociologia%20da%20Inf%E2ncia%20Corr
entes%20e%20Conflu%EAncias.pdf . Acesso em: 13 Ago. 2018.
37
metodológicas nas pesquisas sobre e com esses “objetos” de estudo e, ao mesmo tempo,
destacar a peculiaridade analítica da SI, assentada nos pressupostos de que a “infância é
uma categoria social do tipo geracional, socialmente construída” (2008, p.7) e de que as
crianças são “atores sociais” (2008, p.7). É nesse ponto, segundo Sarmento, que fica clara
a diferenciação da Sociologia da Infância em relação aos outros campos do conhecimento
sociológico, mormente os da Sociologia da Família e da Sociologia da Educação, assim
como o da própria Sociologia Geral, embora o diálogo constante entre elas seja premente.
Essas distinções analíticas também destacam a SI em relação aos outros tipos de
abordagens efetivadas pelas ciências do indivíduo, de que são exemplo a Psicologia e a
Psicopedagogia.
O autor faz um destaque para a emergência de um “novo” estudo sociológico da
infância e assinala como um marco que põe em relevo essa novidade no cenário científico,
a elaboração e sistematização do conjunto de relatórios nacionais do Centro Europeu para
a Investigação e a Política Social de Viena sobre a situação da infância, um dos trabalhos
oriundos do Projeto “Infância como um Fenômeno Social”, coordenado por Jans
Qvortrup, com publicações decorrentes lançadas em 1991 e anos seguintes.
(SARMENTO, 2008).
Esse movimento novel ocorrido na Europa, serviu de mote propulsor para a
efervescência do campo, culminando e constituindo um momento marcante na revelação
da maturidade do Projeto Científico da Sociologia da Infância, com a consagração
institucional refletida na criação de comitês científicos integrantes de grandes
organizações científicas internacionais, tais como a International Sociology Association
(ISA) e a Association International Des Sociologues de Langue Française (AISFL).
(SARMENTO, 2008, p. 1).
Afora essas constatações, o autor classifica como “paradoxal” a situação da
abordagem sociológica da infância, assinalando que há um crescente quantitativo de
trabalhos que assumem um viés interdisciplinar micro analítico, mormente aqueles
oriundos das vertentes antropológica , psicológica e pedagógica, que podem reforçar a
ideia de confinamento da infância em seus “pequenos mundos”, fazendo uso de expressão
utilizada por Qvortrup. (SARMENTO, 2008, p.2). Junto a isso, há uma percepção de que
são escassas as produções que dialogam e se articulam com disciplinas como a Economia,
a Ciência Política, a Geografia e com a própria Sociologia Geral, capazes, no espectro de
Sarmento, de incrementar a visão estrutural da infância. Há, para esse estudioso, a
premência dos estudos da criança e da infância na perspectiva da macro análise, porque,
38
proposta analítica da SI a partir da especificação do seu “duplo objeto de estudo”, que são
a “infância como categoria social e as crianças como atores sociais”, conforme
anteriormente anunciado (2008, p. 7- 11); III) a ressaltar a existência de “Sociologia (s)
da Infância”, com “declinação no plural”, delineando os dissensos inerentes às Ciências
Sociais e pontuando “as diferenças internas ao próprio campo da SI” (2008, p.11), que
podem variar de: a) tipo; b) intensidade e; c) consequência, a depender da “ênfase, foco
privilegiado, método ou problemáticas selecionadas, como da escola de pensamento
sociológico em que se filiam” (2008, p.11, grifos meus), que foram sistematizadas, por
Sarmento, por meio de três fatores de diferenciação: 1) “a tradição cultural e linguística
do trabalho sociológico; 2) a perspectiva paradigmática em que se situam os estudos
sociológicos e 3) o tipo de abordagem.” (SARMENTO, 2008, p. 11, grifos meus).
Em (1), quer dizer, a partir da tradição cultural e linguística do trabalho
sociológico, Sarmento destaca a SI de expressão anglo-saxônica, ou seja, dos trabalhos
publicados em língua inglesa, apontando suas origens multirreferenciais de influências de
campos disciplinares variados, tais como da Economia, Demografia, Sociologia da Saúde,
Sociologia da Família, Sociologia da Educação e a Sociologia Geral. Há, nesse contexto,
uma forte influência dos estudos historiográficos de Philippe Ariès, sobretudo, no
“História Social da Criança e da Família” e mais recentemente, destacam-se os estudos
feministas. (SARMENTO, 2008, p.12). Qvortrup é um nome que se destaca nesse
cenário, por sua vasta produção acadêmica e na coordenação de importantes projetos de
amplitude mundial, que culminaram na produção de relatórios sobre a situação da infância
em vários países ao redor do globo. É um campo que abarca “praticamente todas as áreas
de inscrição das crianças nos seus respectivos mundos sociais” (SARMENTO, 2008,
p.12), perpassando à família, às culturas de pares, às políticas públicas, à sociologia dos
direitos, dentre tantas outras. Sarmento cita certa carência nos estudos sobre a instituição
escolar e das práticas sociais das crianças neste contexto, o que para ele simboliza um
paradoxo quando se tem em vista a variedade de áreas de inscrição nos estudos anglo-
saxônicos sobre as crianças e a infância. (SARMENTO, 2008, p.12).
Ainda dentro da tradição cultural e linguística do trabalho sociológico (1),
Sarmento destaca a SI de expressão francófona, onde também há grande influência da
historiografia contemporânea e, em especial, da obra de Ariès. A Sociologia Geral
Francesa, nomeadamente com as bases de Alan Touraine e Bourdieu, assim como a
Psicanálise, a Psicologia Infantil e a Filosofia Política, demarcam o caracter
interdisciplinar da SI na França. Os estudos historiográficos se entrelaçam à Sociologia
42
Por outro lado, juntamente com o recorte científico, exsurge o recorte social em
torno da criança, mormente após a adoção da Convenção Internacional dos Direitos da
Criança de 1989, “momento que simboliza o acesso da criança, no final de uma longa
história de emancipação, ao estatuto de sujeito e à dignidade da pessoa.” Esse debate
também não é homogêneo e gerou duas posições distintas: o da tradição da proteção e
outro, fundado “nos direitos do homem na criança.” (SIROTA, 2001, p. 19).
43
mesmo escalão etário que viveu uma experiência semelhante; 3º como conceito
que compreende a diferença da experiência de um grupo etário, formado em
condições históricas precisas, ao longo de seu trajeto de vida. (SARMENTO,
2008, p. 20/21).
4. A construção social da infância historicamente consolidada, realizou-
se segundo o princípio da negatividade, conceito que diz respeito ao processo
social de negação de determinadas características ou condições de um grupo,
categoria ou aspecto da sociedade. Em contraposição a isto, a Sociologia da
Infância estrutura-se em torno da ideia ou paradigma da competência infantil.
(SARMENTO, 2008, p.21).
5. A infância não é uma idade de transição, mas sim, uma condição social
que corresponde a uma fase etária com características distintas na relação com
outras fases etárias, em cada momento histórico e social. As crianças se
exprimem na alteridade geracional. É da ordem da diferença e não da grandeza,
incompletude ou imperfeição, que a Sociologia da Infância trata quando
estabelece a distinção face aos adultos. (SARMENTO, 2008, p.21).
6. As condições de vida das crianças necessitam, igualmente, serem
estudadas considerando a especificidade da infância perante as esferas sociais
da produção e da cidadania, isto é, a divisão social do trabalho, a repartição da
riqueza, as práticas de consumo, por um lado, e a organização política, os
direitos de participação eleitoral e as estruturas de poder e autoridade na
comunidade, em geral, por outro. (SARMENTO, 2008, p. 22)
7. As crianças são produtoras culturais. A diferença das culturas da infância
decorre do modo específico com que as crianças, como seres biopsicossociais
com características próprias, simbolizam o mundo, nomeadamente pela
conjugação que fazem de processos e dimensões como o jogo, a fantasia, a
referência, face aos outros e a circularidade temporal; (SARMENTO, 2008, p.
22)
8. As instituições para crianças simbolizam o “ofício de criança”17, isto é
o modo “normalizado do desempenho social das crianças”. As instituições
desenvolvem processos de socialização vertical, isto é, de transmissão de
normas, valores, ideias e crenças sociais dos adultos às gerações mais jovens,
mas também nessas instituições são preenchidas pela ação das crianças, seja
de forma direta e participativa, seja através de um protagonismo infantil, seja
como modo de resistência, nos espaços ocultos ou livres de influência adulta,
onde se realizam processos de socialização horizontal. (SARMENTO, 2008,
p. 23);
9. As mutações da modernidade tem implicações nas condições de vida
das crianças e no estatuto social da infância. As crianças exprimem fortemente
as mudanças sociais, quer porque as recebem sob a forma de condições sociais
e culturais de existência em transformação, quer porque elas próprias mudam,
enquanto atores sociais contextualmente inseridos. A interpretação dessas
mudanças, para além de um desafio teórico, envolve a Sociologia da Infância
num projeto social mais amplo de promoção dos direitos de cidadania da
infância. (SARMENTO, 2008, p.23);
10. A sociologia da infância só poderá se desenvolver se for capaz de se
articular com um programa em renovação na própria sociologia, [...]
articulando o estudo das crianças como indivíduos sociais com a influência das
estruturas sociais (em processo contínuo de reestruturação) na configuração da
categoria geracional infância. A SI precisa dar conta da defasagem do
programa institucional com os processos contemporâneos de subjetivação e
precisa constituir-se como uma sociologia da construção discursiva da
infância, ampliando-se através do trabalho interdisciplinar capaz de
compreender as redes simbólicas de articulação da infância. Finalmente, a SI
só poderá concretizar o seu programa científico se assumir a participação da
criança como referente, a um só tempo, social e metodológico, se tomar a
criança como sujeito do conhecimento e se fizer de si própria uma verdadeira
17
Mais sobre esse sentido em Sirota (2001).
47
Ocupado em fazer com que os programas investigativos que partam das crianças
e das infâncias a partir dessas premissas assumam “efeitos sociais, políticos e
pedagógicos” (SARMENTO, 2013, p. 15/16), o autor entende que, em estando na
Sociologia da Infância a gênese dos Estudos da Infância, está nela também a primazia na
concretização daqueles intentos. Argumenta atribuindo razões sociais para tanto, razões
complexas e paradoxais que pululam nesse século XXI, e que giram em torno de
interpretações que envolvem valores e noções afetas à “autonomia” e à “cidadania”,
bandeiras altamente defendidas mas que, antagonicamente, convivem, paralelamente,
com a restrição do espaço-tempo das crianças, sob os auspícios da proteção e da
adequação da rotina das crianças às rotinas e controle do adulto, o que faz com que, cada
vez mais, estejam as crianças ocupadas em inúmeros afazeres, restritas em sua liberdade
de usufruto dos espaços urbanos, limitadas pelos produtos da indústria “cultural” e
midiática voltadas para elas enquanto consumidoras. (SARMENTO, 2013).
Tudo isso segue conjuntamente com a proclamação alargada da
“desinstitucionalização da infância, em nome da liberdade de crescer e aprender, e nunca
como hoje se observou a presença quase obsidiante de organizações, empresas, e
instituições no quotidiano infantil, para se ocuparem dos seus “tempos livres”.
(SARMENTO, 2013, p. 17). Tais fatos sociais marcam o contexto histórico e social
contemporâneo e fazem fomentar outras perspectivas epistemológicas para compreendê-
los. No cerne dos Estudos da Infância, desponta então a Sociologia da Infância, descrita
como a “gênese” daqueles, a partir, como já expusemos, da crítica às concepções de
criança, sobretudo, da Psicologia do desenvolvimento, com destaque para a epistemologia
genética formulada por Jean Piaget. Tal crítica acabou por se constituir:
49
A partir disso, a Sociologia da Infância assumiu como uma de suas tarefas a de:
procurar interpretar o modo como a sociedade produz as gerações, ou, nas
palavras de M. Honning (2009), produz a ‘generatividade’, isto é, constrói os
diferentes grupos de idade através do estabelecimento de relações de
diferenciação entre eles. Esta diferenciação incide nos domínios das
representações sociais mútuas (por exemplo, quando se afirma: ‘brincar é coisa
de criança’, ‘o trabalho está reservado para os adultos’ etc), tem implicações
na construção de programas institucionais diferenciados [...] e exprime-se
numa normatividade específica, ou seja, um conjunto de regras e de
prescrições, algumas formais – ou seja, formuladas como normas jurídicas –
outras expressas através de orientações morais e comportamentais assumidas
pelo senso comum e que incidem, umas e outras, no que é permitido fazer às
crianças, no que é suposto que elas façam e no que lhes é interdito [...].
(SARMENTO, 2013, p.19/20)
Conjuntamente com essas noções, claro está que a Sociologia da Infância é parte
não totalizante de um corpo mais abrangente, qual seja, os Estudos da Infância. E tanto
neste quanto naquela estão incluídas outras orientações epistemológicas, oriundas de
tradições teóricas, empíricas e abordagens advindas de diferentes campos do saber. Tal
abertura e interlocução, para Sarmento, é condição sine qua non para que a SI cumpra
seus objetivos teóricos, o que pressupõe a interdisciplinaridade18, conceituada, pelo autor,
como sendo:
18
Esse entendimento não é uníssono dentro do campo sociológico, conforme entendimento já explicitado
neste trabalho advindo da leitura de Lahire, que não chama de interdisciplinaridade o que enxerga enquanto
“misturas, que sempre são postas a serviço da construção coerente da reflexão sociológica.” (LAHIRE,
2002, p. 13).
50
Por fim, Sarmento ainda destaca a porosidade das três correntes, pela partilha de
metodologias, pressupostos teóricos e epistemológicos, sendo possível falar de forma
coerente da existência de um “interpretativismo crítico ou em estruturalismo crítico”,
sendo mais inusitada e rara a mistura “estruturalista-interpretativa” (SARMENTO, p.
2013, p.27).
Para sintetizar, elaboramos o seguinte quadro para facilitar a visualização do leitor
e da leitora das possíveis arrumações do campo efetivadas por Sarmento:
19
Quando nos referimos a essa verticalização das relações temos em mente a noção de autoritarismo adulto
que concebe as crianças enquanto incompetentes, a partir de uma noção evolucionista ultrapassada de que
o desenvolvimento racional atinge seu ápice na vida adulta. (JAMES; PROUT, 2015).
54
Tonucci (2007, p.7) sob a legenda “criança, aquela que é sempre vista de cima”, mas
também por concepções enraizadas de que as crianças só serão alguém no futuro e, por
isso, enquanto “potenciais e ameaças” são tidas a partir do que serão ou se tornarão –
“futuros adultos, com um lugar na ordem social e as contribuições que a ela darão”.
(CORSARO, 2011, p. 18).
Contra essas noções, e outras entendidas como insuficientes, é que ressurgiu o
interesse na infância e nas crianças. Elas foram – e estão sendo – redescobertas, e isso
muito se deve aos estudos feministas, os quais, ao pesquisarem outros grupos
subordinados, de que são exemplos as minorias e mulheres, percebendo que,
diferentemente deles, as crianças não tinham nenhum representante, entre os sociólogos,
que as estudassem por elas mesmas. Diante disto, “o trabalho de feministas e de
acadêmicos sobre minorias sociais, ao menos indiretamente, chamou a atenção para o
abandono das crianças. Barrie Thorne (1987), citada por Corsaro, (2011, p. 18), foi uma
das estudiosas que voltou o seu olhar para as crianças, a partir das [des]construções
ideológicas que pairavam sobre o ser mulher, sobre a feminilidade e sobre a maternidade.
Uma tríade quase que inseparável no imaginário social. Thorne, portanto, partiu para o
que chamou de “reenquadramento infantil”, que fez despontar estudos que integram
crianças, gênero, identidade e geração. (CORSARO, 2011, p. 18).
Outras conceitualizações de crianças vieram com o intento de conhecê-las mais a
partir delas mesmas e da aproximação com seus mundos. Na Sociologia, esse intento se
desdobra nas abordagens “teóricas interpretativas e construtivistas”. (CORSARO, 2011,
p. 18/19).
Por esse prisma, não se aceita sem ressalvas as sequências biológicas ou os fatos
sociais evidentes atribuídos às infâncias. De modo diferente, examinam-se infância e
todos os objetos sociais como construções sociais, passíveis de apropriação,
interpretação, discussão e definição “nos processos de ação social.” (CORSARO, 2011,
p. 19). Nesse sentido:
O solo sobre os quais cresceram grande parte dos trabalhos sociológicos sobre as
crianças e a infância está assentado nas teorias sobre socialização, que, em simples
palavras, significa “o processo pelo qual as crianças se adaptam e internalizam a
sociedade”. (CORSARO, 2011, p. 19).
Nesse ponto, importante trazer algumas considerações advindas de Durkheim
(1978). Veja-se que, entendendo os sociólogos que a instância primeira da socialização
dá-se na família e, analisando os meios que a educação poderia ter eficiência e os modos
para atingir os seus fins, dá indícios daquela socialização inicial quando assevera que “a
educação não tira o homem do nada” (DURKHEIM, 1978, p. 50). Ora, se não tira do
nada, há alguma coisa precedente à educação. Para Durkheim, existem tendências
congênitas e outras disposições na criança sobre as quais se aplica a educação.
Discorrendo sobre essas predisposições inatas, “fixa[s], rígida[s], invariável[eis]
que não permite ação das causas exteriores, será o instinto.” (DURKHEIM, 1978, p. 51),
sobre essas tendências que se manifestam de forma diferente de acordo com os indivíduos
e situações vividas e sobre o que sobra, para além dessas predisposições tidas como
instintivas, é um “futuro que não se acha estritamente predeterminado por nossa
constituição.” (DURKHEIM, 1978, p. 51). A influência da educação dá-se, pois, depois
que o indivíduo nasce e, por essa razão, Durkheim acentua que:
As únicas formas de atividade, que poderiam ser transmitidas
hereditariamente, seriam aquelas que se repetissem sempre de modo
perfeitamente idêntico, para poder fixar-se de forma rígida no organismo. Ora,
a vida humana depende de condições múltiplas e complexas, por isso mesmo,
mutáveis. [...] Logo, é impossível que a vida se cristalize sob forma definida e
definitiva. Só disposições muito gerais, muito vagas, que exprimam caracteres
comuns a todas as experiências particulares, poderão sobreviver e passar de
uma geração a outra.
Afirmar que os caracteres inatos são, na maior parte, de ordem geral, é afirmar
que eles se apresentam maleáveis, flexíveis, muito dóceis, podendo receber
determinações muito variadas. Entre as virtualidades indecisas que
constituem o homem ao nascer e a personalidade definida que ele deve
tornar-se, para o desempenho na sociedade de um papel útil – a distância
é muito grande. Essa distância é a educação que leva a criança a percorrer.
56
Vê-se, daí, quão vasta é a sua função. (DURKHEIM, 1978, p. 21/52, grifos
nossos).
Esse excerto com destaques deixa clara a noção da ação da educação no molde da
personalidade, em formação, com vias a treinar uma criança para tornar-se alguém, um
adulto, que desempenha um papel de mais valia na sociedade. Disso se depreende que a
criança:
Nesse modelo atuam duas concepções de criança assentadas sobre a sua suposta
sujeição passiva: uma em que seu estatuto de imaturidade impera, como vimos no subitem
anterior, o que a torna uma legítima massa de modelar para, posteriormente, quando
adulta, funcione para fazer a marcha da sociedade continuar na sua engrenagem. Ao
mesmo tempo, como possui algumas tendências inatas, na parte passível de ação, deverá
57
evolucionistas estudadas por Darwin, por meio da noção de que os corpos evoluem
gradativamente, por meio de estágios, de modo a superar a simples primitividade para
atingir patamares mais complexos e heterogêneos. (SELL, 2002, p.62). Com o
conservadorismo, bastante presente no pensamento político de Durkheim, as maiores
influências estão nos filósofos Edmund Burke (1729-1797), Joseph de Maistre (1754-
1821) e Louis de Bonald (1754-1840), opositores das “transformações trazidas pela
Revolução Francesa de 1789. Esses filósofos criticavam o racionalismo e a agitação do
mundo moderno. Pregavam o retorno da estabilidade da Idade Média e sua ênfase na
religião.” (SELL, 2002, p. 62). Embora Durkheim não coadunasse na íntegra com esses
pensamentos, é possível perceber em suas obras a influência conservadora desses
filósofos.
Diante disso, Durkheim cria a teoria sociológica funcionalista, em que se ocupa
da criação de um método capaz de estudar adequadamente a natureza dos fenômenos
sociais. Em termos epistemológicos, antes de criar o método em si, Durkheim partiu da
premissa das duas questões primordiais da epistemologia sociológica: “como ele concebia
a relação entre o indivíduo e a sociedade e também como ele entendia o papel do método
científico na explicação dos fenômenos sociais.” (SELL, 2002, p. 63). Com forte
demarcação positivista, entendendo que é o objeto, e não o sujeito, que condiciona a
realidade, Durkheim vai construir seu pensamento sob essa base: “a sociedade (objeto)
tem precedência sobre o indivíduo (sujeito). Em outros termos, Durkheim afirmava que
a explicação da vida social tem seu fundamento na sociedade, e não no indivíduo.”
(SELL, 2002, p. 63/64). Quanto ao método, partindo da influência comtiana, Durkheim
tomava os fenômenos sociais como ‘coisas’. Partindo do pressuposto de que “a realidade
social é idêntica à realidade da natureza e que, portanto, equipara-se aos fenômenos por
ela estudados”, Durkheim acabou seguindo os pressupostos de Darwin, apropriados por
Spencer, assumindo como método para estudar a sociedade a mesma lei assumida pela
natureza, a da evolução. (SELL, 2002, p. 65). Nesse sentido:
É um fato social toda a maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior, ou ainda; que é geral no conjunto de uma dada
sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independentemente
de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1978, p. 93 apud SELL,
2002, p. 67)
Quer dizer que, com a tríade dos fatos sociais assentada sobre a exterioridade,
significando que tem origem na sociedade, coercitividade, ou seja, são imperativos, e de
existência objetiva, quer dizer, existem de forma independente do indivíduo, Durkheim
postula “o que” do seu principal pensamento: “a sociedade é que explica o indivíduo”.
(SELL, 2002, p. 67), estando o como, ou seja, o método, com base no modelo
funcionalista, ou seja:
explicar os fatos sociais significa demonstrar a função que eles exercem.
Todavia, essa explicação não se encontra no futuro (a utilidade que nós
projetamos nas coisas), mas se encontra no passado: primeiro é preciso
investigar a razão pela qual surgiu aquela prática social (sua causa eficiente),
para depois determinar a sua função. [...]
Em relação a este método, devemos assinalar ainda duas coisas. Em primeiro
lugar que Durkheim compara a sociedade com um ‘corpo vivo’, em que cada
órgão cumpre uma função. Daí o nome de metodologia funcionalista para seu
método de análise. Em segundo lugar, como se repete novamente a ideia de
que o todo predomina sobre as partes. Para Durkheim, isso implica afirmar que
as partes (fatos sociais) existem em função do todo (sociedade). E é justamente
isso que a ideia de ‘função social’ mostra: a ligação que existe entre as partes
e o todo. (SELL, 2002, p. 68/69).
internalização?” (CORSARO, 2011, p. 20). Parsons via a criança quase que como um
objeto estranho que, até ser socializado, diga-se, moldado, representava uma ameaça em
potencial. (CORSARO, 2011, p. 20).
A criança era alguém em potencial que deveria ser desenvolvida para ser útil. Essa
utilidade deveria ser formulada, segundo Corsaro, em leitura de Parsons, “em um
processo cíclico, para lidar com problemas, e por meio de um treinamento formal, para
aceitar e seguir normas sociais, a criança internaliza, por fim, o sistema social.”
(CORSARO, 2011, p. 21). Como veremos mais adiante, esse modelo funcionalista
perpassa as teorias democráticas contemporâneas analisadas por Carole Pateman (1992)
e influenciaram o conceito de “participação”, reverberando na sua extensão às crianças.
[...] são centrados nas vantagens usufruídas por aqueles com maior acesso aos
recursos culturais. Por exemplo, os pais oriundos de grupos de classe social
mais elevada podem garantir que seus filhos recebam educação de qualidade
em prestigiadas instituições acadêmicas. Teóricos reprodutivistas também
apontam para um tratamento diferenciado dos indivíduos nas instituições
sociais (especialmente no sistema educativo) que reflete e apoia o sistema de
classe dominante. (CORSARO, 2011, p. 21).
Outra importante fonte das teorias sobre socialização na infância é oriunda das
teorias advindas da Psicologia do Desenvolvimento, sobretudo, a partir do
Construtivismo de Piaget e do Sócio - Construtivismo de Vygotsky. Há sociólogos que
mobilizavam teorias que eram variantes do comportamentalismo, as quais, no geral,
enxergavam a criança como ser passivo. Há outros, contudo, que seguiram a abordagem
construtivista piagetiana. O psicólogo suíço, por meio de vasta pesquisa empírica com
crianças, revelou que, desde o nascimento, os bebês e crianças “interpretam, organizam e
usam informações do ambiente, vindo a construir concepções (conhecidas como
estruturas mentais) de seus mundos físicos e sociais”. (CORSARO, 2011, p. 23). Tal
noção leva a crer na ideia de nível de desenvolvimento cognitivo da criança.
Com a sua Epistemologia Genética, que une saberes da Biologia com a
Epistemologia, Piaget afirmava que:
o desenvolvimento intelectual não é simplesmente uma acumulação de fatos
ou habilidades, mas, na verdade, uma progressão da capacidade intelectual ao
longo de uma série de estágios qualitativamente distintos. A noção piagetiana
de estágios é importante para a sociologia das crianças porque nos lembra que
elas percebem e organizam seus mundos de maneira qualitativamente diferente
dos adultos. (CORSARO, 2011, p. 23).
desenvolvimento o mais influente nas pesquisas sobre crianças nas sociedades modernas
ocidentais. (WOODHEAD, 2009).
Ao analisar sobre a influência da teorização do desenvolvimento infantil nos
modos como a infância foi entendida e modelada nas sociedades contemporâneas,
Woodhead vai até as origens desse paradigma, que data do século XIX, quando a
Revolução Industrial, juntamente com uma revolução no campo acadêmico biológico,
começou a ganhar força:
Os estudos científicos sobre o desenvolvimento das crianças começaram a
atrair a atenção durante as últimas décadas do século XIX, devido à sua
capacidade de oferecer soluções para as questões da infância enfrentadas pelas
sociedades industrializadoras e urbanizadoras (Cunningham, 1991; Hendrick,
1997). [...] Mais do que nunca, as infâncias urbanas eram sobre crianças em
massa, nas fábricas, nas favelas superlotadas, nas ruas e nas escolas. A
educação em massa contribuiu para que as crianças se tornassem um subgrupo
distinto dentro da sociedade, suas vidas separadas e institucionalizadas,
especialmente dentro da educação (compulsória na Inglaterra desde 1880).
[...] a infância estava sendo construída - e as crianças conhecidas - não apenas
pelo nome, gênero, religião, classe e outras categorias sociais. Elas também
foram cada vez mais marcadas e organizadas de acordo com sua idade (mais
precisamente possível, uma vez estabelecido o registro universal de
nascimento, na Inglaterra, a partir de 1837). Pela primeira vez, a grande massa
de crianças poderia ser regulada usando a idade como uma métrica, para
identificar o fim e o início de suas infâncias, juntamente com todas as
subdivisões e transições ao longo do caminho (principalmente idade escolar,
responsabilidade criminal, emprego em período integral, casamento, direito de
voto, etc). Uma nova geração de profissionais da infância foi encarregada de
identificar as necessidades específicas de cuidados, disciplina e ensino das
crianças (Kellmer-Pringle, 1975; Woodhead, 1997), protegendo o bem-estar
das crianças e promovendo sua aprendizagem. Como as crianças eram agora
organizadas - e pensadas - em termos de classes ou turmas escolares vinculadas
à idade, tornou-se uma prioridade conhecer os tipos de instrução apropriados
para cada série. Também eram necessárias ferramentas que permitissem aos
profissionais classificar e selecionar crianças de acordo com suas habilidades
e potencialidades (Rose, 1985; Burman, 1994; Woodhead, 2003a). Em suma,
a implicação das políticas de "educação para todos" do século XIX nas
sociedades industriais era que, pela primeira vez, as vidas de todas as crianças
eram reguladas em termos de expectativas normativas; um precursor dos
padrões universais aplicados agora através de iniciativas globais de Educação
para Todos (EFA) (Woodhead, 2003a). (WOODHEAD, 2009, p. 47/48,
tradução nossa).20
20
Tais excertos foram traduzidos diretamente do texto original em inglês, que seguem, literalmente:
Scientific studies of children’s development began to attract attention during the latter decades of the
nineteenth century, because of their ability to offer solutions to the childhood issues confronting
industrializing, urbanizing societies (Cunningham, 1991; Hendrick, 1997). [...] More than ever before,
urban childhoods were about children en masse, in factories, in overcrowded slums, in the streets and in
schools. Mass education contributed to children becoming a distinctive subgroup within society, their lives
separated off and institutionalized, especially within education (compulsory in England from 1880).
(WOODHEAD, 2009, p. 47).
[...] childhood was being constructed – and children known – not only by their name, gender, religion,
class and other social categories. They were also increasingly marked off and organized according to their
age (made more precisely possible once universal birth registration was established, in England from
1837). For the first time, the great mass of children could be regulated using age as a metric, to identify
the end as well as the beginning of their childhoods, along with all the subdivisions and transitions along
the way (notably school starting age, criminal responsibility, full-time employment, marriage, right to vote,
64
etc.). A new breed of childhood professionals was now charged with identifying children’s distinctive needs
for care, discipline and teaching (Kellmer- Pringle, 1975; Woodhead, 1997), protecting children’s welfare,
and promotingtheir learning. Since children were now organized – and thought about – in terms of age-
linked school grades or classes, it became a priority to know the kinds of instruction that was appropriate
for each grade. Tools were also needed that could enable professionals to sort and select children
according to their abilities and potential (Rose, 1985; Burman, 1994; Woodhead, 2003a). In short, the
implication of nineteenth-century ‘education for all’ policies in industrial societies was that for the first
time the lives of all children were regulated in terms of normative expectations; a forerunner to the
universal standards now being applied through global Educational for All (EFA) initiatives (Woodhead,
2003a). (WOODHEAD, 2009, p. 48).
21
Traduzido do texto original em inglês: [...] “to describe the major developmental milestones; to explain
the processes underlying development; and to identify the causes and significance of environmental factors
in shaping deviations from the norm.” (WOODHEAD, 2009, p. 48)
65
Neste sentido, o autor acentua a importância dos estudos culturais, para além dos
marcadores de idade, entendendo que outras categorias como a de etnia, gênero etc podem
ser mais precisas para conhecer as subjetividades das crianças, sobretudo, quando se leva
em conta que, em muitos países ao redor do globo, as crianças não são registradas no
momento de seu nascimento. Outrossim, o autor destaca a relação pesquisador - criança,
atentando para que não se efetivem pesquisas com crianças por meio de sua objetificação,
à semelhança de estudos da área química, em que as crianças são analisadas em
‘laboratórios’ para confirmar hipóteses de pesquisa previamente circunscritas.
(WOODHEAD, 2009).
Nesse sentido, não somente nas pesquisas psicológicas, mas também das do
campo sociológico, é preciso ter em mente que, na articulação com qualquer tipo de
pesquisa em que figurem crianças, “relaciona-se, estreitamente, com a forma como a
infância é teorizada.” Por isso a necessária mudança paradigmática em nível de
metodologia e de atitude, no que concerne em não tomar a criança enquanto objeto de
pesquisa, e sim enquanto participante da pesquisa. (WOODHEAD; FAULKNER, 2005,
p. 4).
Em nível teórico e metodológico, portanto, a tarefa em efetivar uma investigação
com crianças é sempre crítica, tomando em consideração todas as “implicações teóricas
e políticas no tratamento das crianças como atores sociais de pleno direito em contextos
onde, tradicionalmente, lhes tem sido negados esses direitos de participação e as suas
vozes tem sido apagadas”. (CHRISTENSEN; JAMES, 2005, p. 14). Muito ainda há de
ser feito para a efetivação dos direitos das crianças, inclusive em termos conceituais e na
22
Tradução feita do texto original em inglês: The first challenge has been that the singularity implied by
the phrase ‘child development’ serves to naturalize, essentialize and universalize particular cultural forms
of childhood. This critique draws attention to the cultural specificity of much that is presented as child
development orthodoxy, in textbook knowledge, in policies and practice, notably in statements about
children’s fundamental needs (Woodhead, 1997). The challenge is especially salient at the start of the
twenty-first century, when developmental research has become a vibrant, eclectic, global activity, and
developmental concepts are pervasive, including within the interpretation of the UN Convention on the
Rights of the Child (UNCRC, 1989) which affirms that children have a right to development (Article 6),
and refers to protecting ‘the child’s physical, mental, spiritual, moral and social development’ (e.g.,
Articles 27 and 32) (Hodgkin and Newell, 1998; Woodhead, 2005).
Building the UNCRC around concepts of development has been challenged as inviting overgeneralization
of developmental theories and evidence, promo ting globalized standards for judging other people’s
childhoods, (Burman, 1996; Boyden, 1997). According to some commentators, it is a case of ‘thinking
locally, acting globally’ (Gergen et al., 1996). (WOODHEAD, 2009, p. 51).
66
criação de ferramentas para que as crianças participem ampla e qualitativamente. Isso não
significa desconsiderar as teorias de desenvolvimento infantil, mas atentar para não
utilizá-las de modo homogeneizador e rígido, inibindo a consciência cultural e social da
qual as crianças são portadoras, já no presente. Nesse sentido:
23
Traduzido do texto original em inglês: Childhood is transitional however it is culturally constructed
(Hockey and James, 1993, 2003). This period of the human lifespan is marked by major changes in physical
size and maturity, relationships and identities, interests, activities, skills and perspectives, including
perspectives on development. These changes are, of course very differently expressed within specific
cultural settings and socioeconomic contexts. Yet, immaturity remains one of the most distinctive features
of the young of the human species (Bruner, 1972), whether constructed in terms of nurturance and
vulnerability, teaching and learning, socialization and development or respect for their rights.
[...] Acknowledging children’s agency, competence and participatory rights is the beginning, not the end
of the story. More rigid versions of developmental theory undoubtedly undervalued children’s social
awareness and capacities for understanding and empathy (Dunn, 1988) – and implicitly overestimated
possession of these attributes among the adult community. Yet concepts and tools are still needed that
acknowledge children are, for much of the time and in many contexts, relatively more vulnerable, dependent
and inexperienced. They require (and often seek) guidance, support and teaching from more experienced
members of society – through enabling structures and pedagogies for participation. Relevant concepts and
tools are provided by more recent branches of developmental research: for example ‘scaffolding’, ‘zone of
proximal development’, ‘guided participation’, ‘cultural tools’, ‘communities of practice’ (e.g., Wood,
1988; Rogoff, 1990; Lave and Wenger, 1991; see also Woodhead, 1999b and Smith, 2002). Of course, these
learning relationships are much more fluid and varied than a crude developmental model might suggest,
and they are not inevitably based on rigid age-based hierarchies. (WOODHEAD, 2009, p. 57)
67
Para exemplificar essa progressão que ocorre nas ações coletivas das crianças e
as possíveis mudanças que reverberam delas para aspectos da cultura adulta, Corsaro cita
a ocorrência dos ajustes secundários, a partir dos quais as crianças “evitam regras adultas”
e permitem com que, de forma cooperativa, produzam e obtenham “certa quantidade de
controle sobre suas vidas”. (CORSARO, 2011, p. 54). O conceito dos ajustes secundários
é desenvolvido por Goffman como sendo:
Esses conceitos são importantes para este trabalho porque denotam a interlocução
constante entre as noções de estrutura da infância e das crianças no cotidiano, nas suas
culturas de pares, que serão depois desdobrados no conceito de teia global. Nesse sentido,
69
No eixo ou centro da teia está a família de origem, que serve como uma ligação
de todas as instituições culturais para as crianças. Elas ingressam na cultura
por meio de suas famílias, ao nascerem. [...] As crianças, nas sociedades
modernas, contudo, começam a interagir em outros locais institucionais com
outras crianças e adultos que não são membros da família, em uma idade
precoce. É nesses domínios institucionais, bem como na família, que as
crianças começam a produzir e a participar de uma série de cultura de pares.
O desenvolvimento individual é incorporado na produção coletiva de uma série
de cultura de pares que, por sua vez, contribuem para a reprodução e alteração
na sociedade ou na cultura mais ampla dos adultos.
Finalmente, é a estrutura geral do modelo que é mais fundamental. Como no
caso das aranhas de jardins, cujas teias variam em termos de número de raios
e espirais, quando usamos a teia como um modelo para a reprodução
interpretativa, o número de raios (campos institucionais ou locais) e a natureza
e números de espirais (a diversidade da constituição ou idade dos grupos de
pares e amigos, a natureza dos encontros e os cruzamentos de locais
institucionais e assim por diante) variam entre culturas, entre grupos
subculturais dentro de uma determinada cultura e ao longo do período
histórico. (CORSARO, 2011, p. 38/39).
modos, seguindo as suas lógicas, a partir daquilo que os outros, geralmente os adultos,
lhes ofertam para viver e interagir. No entanto, elas vão muito além daquilo que há de
oferta, vão muito além daquilo que lhe dão para viver, pensar e interagir. Por isso,
podemos pensar que não há exatamente uma reprodução, o que fazem as crianças é um
intercâmbio entre o que são e aquilo que é apropriado por elas do mundo social e cultural
do qual fazem parte, na mesma medida que intercambiam, criam algo completamente
novo, que é específico das culturas de crianças e é compartilhado por elas.
Há uma rede, em que também está a “teia global”, fazendo uso do modelo
apresentado por Corsaro, por onde circulam, em sentidos múltiplos, os fluxos de
informação e ação. Desta forma, as crianças, seja entre pares, ou entre elas e os adultos
com os quais convivem, informadas também pela mídia que consomem [e são
consumidas] e pelos espaços e lugares por onde passam, a partir deste caldo multiforme,
muito mais do que reproduzir e interpretar, produzem criativamente, de forma que o
modus operandi adultocêntrico não consegue prever e imaginar. Se não fosse assim, não
haveria razão de ser dos próprios conceitos de cultura de pares (CORSARO, 2011), de
criança enquanto fenômeno social (QVORTRUP, 2011), ou “um grupo social em si,
como um ‘povo’ com traços específicos” (SIROTA, 2001, p.11).
Reproduzir, como a própria palavra indica, conduz a uma repetição, a um fazer
de novo, a produzir novamente sobre uma base que já está dada. E quanto à interpretação?
Ora, interpreta-se sempre a partir de algo. A etimologia latina indica que interpretar é dar
uma explicação, uma tradução, uma compreensão, uma avaliação. Entende-se, traduz-se,
compreende-se, avalia-se sempre alguma coisa ou alguém. Há uma inclinação baseada
em crenças e valores, quando se interpreta. E as crianças não fazem isso. Elas criam,
inventam. Até mesmo na linguagem elas não imitam os adultos, de acordo com os estudos
recentes da linguística de Chomsky, por exemplo.
Cada vez mais as pesquisas que tem se ocupado em empreender uma
microanálise da infância, de que é exemplo William Corsaro, tem dado conta disso. As
contribuições deste estudioso, em essência, verificam a produção inventiva das crianças.
As publicações dos estudos etnográficos que empreendeu com elas mostram de perto e
muito sensivelmente, uma dimensão muito aproximada de quem e como são as crianças.
Por isso mesmo acreditamos que as observações atentas deste “adulto não típico” sobre o
mundo das crianças já não podem ser contidas em um conceito de reprodução
interpretativa que, pela escolha das palavras “reprodução” e “interpretação” e os sentidos
72
que elas carregam, em uma leitura apressada, podem macular a potência das crianças, ou
reafirmar a crença de que imitam os adultos.
Em última análise, mesmo em uma leitura mais atenta, aquelas palavras ensejam,
a meu ver, uma limitação ao universo de táticas inimagináveis e às constelações de
inventividades múltiplas que as crianças são capazes de ser e fazer. O uso do conceito de
ajustes secundários” corrobora com essa visão. Por isso penso que basta uma adequação
de palavras, substituindo-se “reprodução interpretativa” por “integração constitutiva” ou
“integração criativa”, utilizadas por Corsaro e, a meu ver, mais coerentes com a teses
esposadas por ele. Acredito que o esforço em sintetizar em conceitos, com o uso daquelas
palavras para falar sobre o mundo das crianças e a infância seja legítimo. Talvez
sobrevenha de um imperativo acadêmico que precisa de palavras escritas, de categorias
abstratas, para que possamos nos aproximar de algo. Mas, havendo palavras mais
apropriadas, no sentido semântico, elas devem ser utilizadas, justamente para minimizar
os equívocos interpretativos, ambiguidades ou ambivalências entre o que se quer
expressar e a forma como se expressa. E imagino que Corsaro tenha isso em mente: que
as palavras e conceitos serão sempre insuficientes para apreender tudo o que as crianças
são.
No próximo subitem, analisamos outro conceito central da Sociologia da Infância,
imprescindível para as posteriores definições sobre “participação infantil”, qual seja, a
agência da criança.
Esta dissertação não considera o termo “agência” como uma variação que não
implica em alteração do sentido da expressão ator, advinda das teorias sociológicas do
ator. É possível, com Lahire, entender que ator é um corpo social que habita um corpo
biológico, que “passa por estados diferentes e é fatalmente portador de esquemas de ação
ou hábitos heterogêneos e até contraditórios.” (LAHIRE, 2002, p.22). Seguindo essa
linha, entendemos que “agência” é uma extensão do termo ator, como se verá mais
adiante. Não excludente a essa noção de agência que pretendemos demonstrar, está
também o conceito anunciado por Sarmento, que segue a linha Weberiana de ator:
Lahire contribui ao esboçar sua teoria do ator plural, delineando, entre outras
coisas, aspectos atinentes aos processos de incorporação e esclarecendo a valia, para além
do campo científico, de sua teoria social de ação e do ator. Para ele:
Nesse sentido, é bom ter em mente o cuidado para não cair na tentação
homogeneizadora e unificadora dos sujeitos, ou dos atores, que levam à concepção de
haver uma constância quase que determinista dos comportamentos e atitudes, o que
também se aplica à compreensão da agência das crianças.
Discorrendo sobre a compreensão sobre crianças que imperou na Psicologia do
Desenvolvimento, Antropologia Social e Sociologia, com as noções amplamente
debatidas nas seções antecedentes, James (2009) discorre sobre a emergência de uma
mudança paradigmática ocorrida entre as décadas de 1970 e 1980. Antes desse período,
contudo, existia “pouco espaço para qualquer noção da criança agente, o modelo
radicalmente diferente da ‘criança’ que se tornaria uma característica fundamental do
‘paradigma emergente’ dentro da nova sociologia da infância.” (PROUT; JAMES, 2015).
Trata-se de uma mudança de concepção e percepção sobre as crianças, na medida
em que agora elas assumem um papel de agentes sociais. Isso significa dizer, como
Mayall (2002) aponta, que “as crianças são agora vistas como pessoas que, através de
74
suas ações individuais, podem fazer a diferença ‘para um relacionamento, uma decisão,
para o funcionamento de um conjunto de suposições ou restrições sociais’”. (2002, p. 21
apud JAMES, 2009, p. 34, tradução livre24).
Sobre as origens do termo, vieram nos movimentos de contracultura da década de
1960, junto com o turbilhão feminista e os movimentos decoloniais, ou anticoloniais, que
colocaram em pauta a verticalização dos poderes hegemônicos políticos e das relações
desiguais existentes, que assolavam, e ainda assolam, grupos minoritários da sociedade.
Os olhos das Ciências Sociais foram então voltados para esses grupos, entendidos como
subculturais, na compreensão das suas visões de mundo. (JAMES,2009).
Mais uma vez, esses trabalhos colocaram em xeque as teorias tradicionais de
socialização, ao revelarem espectros culturais e alternativos nunca antes observados sobre
o mundo social. “ E foi dentro dessa tradição que Hardman (1973) tornou-se um dos
primeiros a sugerir que as crianças também podem habitar um "mundo autorregulado e
autônomo que não necessariamente reflete o desenvolvimento inicial da cultura adulta",
no qual elas poderiam ser vistas como atores sociais. (HARDMAN, 1973, p.87 apud
JAMES, 2009, p. 38, tradução livre.25).
Contudo, James (2009) aponta que a teoria de maior significado para a
reorientação paradigmática sobre as crianças e as infâncias é aquela que olha para as
dicotomias, tentando compreendê-las e integrá-las. Trata-se do reconhecimento das
Ciências Sociais da junção essencial entre os dois polos da mesma moeda. Quer dizer, da
importância para a Ciência Social tanto das teorias que buscavam explicar a estrutura da
vida social quanto daquelas que exploravam as ações e os significados dos indivíduos.
Nesse sentido, uma primeira tentativa de reconciliação foi efetivada por Giddens (1979)
por meio da sua teoria da estruturação. Nela, ele sugeriu que os cientistas sociais tinham
que levar em conta tanto a agência quanto a estrutura em suas explicações do mundo
social, argumentando que todo ato que contribui para a reprodução de uma estrutura é
também um ato de produção e como tal pode iniciar mudanças alterando a estrutura, ao
mesmo tempo que a reproduz. (JAMES,2009). Esta noção está bastante interligada com
24
Tradução livre do texto original em inglês: Mayall (2002) points out, children are now seen as people
who, through their individual actions, can make a difference ‘to a relationship, a decision, to the workings
of a set of social assumptions or constraints’ (2002, p.21 apud JAMES, 2009, p. 34).
25
Traduzido do original em inglês: “And it was within this tradition that Hardman (1973) became one of
the first to suggest that children, too, might inhabit a ‘self-regulating, autonomous world which does not
necessarily reflect early development of adult culture’ in which they could be seen as social actors.”
(HARDMAN, 1973, p.87 apud JAMES, 2009, p.38, tradução livre
75
o ator é alguém que faz alguma coisa; o agente é alguém que faz algo com
outras pessoas e, ao fazê-lo, faz as coisas acontecerem, contribuindo assim para
processos mais amplos de reprodução social e cultural. Assim, estudar as
crianças como atores sociais é vê-las como "ativas na construção de suas
próprias vidas" e como vidas dirigentes que são "dignas de estudo por si
mesmas" e não apenas pelo que revelam sobre o futuro ou o desenvolvimento
da humanidade. Mas, seguindo o argumento de Mayall, ver as crianças como
agentes é considerá-las como tendo também um papel a desempenhar "nas
vidas daqueles que as rodeiam" nas "sociedades em que vivem" e como
formando "relações sociais e culturas" independentes. É então uma
concepção mais desenvolvida e arredondada do que significa agir que o
conceito de "agência" fornece, e é isso que forma o ponto de partida para
muitos estudos contemporâneos da vida cotidiana das crianças. (JAMES,2009,
p.41, tradução livre, grifos nossos).27
26
Traduzido do texto original em inglês: children’s social relationships and cultures are worthy of study
in their own right, independent of the perspective and concerns of adults. (1990, p. 8 apud JAMES,2009,
p.40, tradução livre)
27
Tradução livre do original em inglês: For Mayall (2002) the actor is someone who does something; the
agent is someone who does something with other people, and, in so doing, makes things happen, thereby
contributing to wider processes of social and cultural reproduction. Thus, to study children as social
actors is to see them as ‘active in the construction of their own lives’ and as leading lives that are ‘worthy
of study in their own right’ and not just for what they reveal about the future or about the development of
humankind. But, following Mayall’s argument, to see children as agents is to regard them as also having
a part to play ‘in the lives of those around them’ in ‘the societies in which they live’ and as forming
independent ‘social relationships and cultures’. It is then a more developed and rounded conception of
what it means to act that the concept of ‘agency’ provides, and it is this that forms the point of departure
for many contemporary studies of children’s everyday lives. (JAMES,2009, p.41, tradução livre)
76
28
Tradução livre do texto original em inglês: This observation raises other questions, therefore, about
children’s rights to agency. Do all children have the same capacity for agency? What might inhibit or
prevent particular children from exercising it, and under what kinds of circumstances?
77
Tentamos examinar essas questões nos textos que foram selecionados a partir do
levantamento bibliográfico que foram analisados neste trabalho. A seguir, abordamos a
última categoria, a da infância enquanto estrutura, a partir dos contributos de Qvortrup.
29
Trata-se do primeiro capítulo do The Palgrave Handbook of Childhood Studies, publicado em 2009. Nos
países do hemisfério norte, a publicação de um handbook – em português, manual ou compêndio – é um
dos símbolos da consolidação de uma área de conhecimento, cujos capítulos apresentam um breve estado
da arte de seus respectivos temas.
78
Assim, assumimos aqui que as ações das crianças são consideradas como um
momento constitutivo da infância, da mesma forma em que são consideradas as estruturas
institucionais e modelos culturais nos quais as crianças agem. No entanto, mesmo
compreendendo que as crianças são ativas na construção de suas próprias culturas e sejam
dotadas do estatuto jurídico de sujeitos de direitos, não é desnecessário dizer que as
possibilidades concretas que lhes são asseguradas, também no que concerne à efetivação
adequada de seus direitos, dependem da maneira como aqueles que pesquisam e
convivem com elas entendem o contexto da infância e os direitos concernentes às
crianças. (HENGST; ZEIHER, 2004, p.10).
Ao pesquisar pelos termos “papel social”, “participação” e “participação política”
no “Dicionário do Pensamento Social do Século XX”, lá encontramos alguns indícios
para “encorpar” esse caminho. Com a definição de “participação”, pudemos ver
confirmado o sentido polissêmico e pouco claro para o termo, observável também para
quem escreve a partir do espectro das Ciências Sociais. Marco Diani, responsável por
conceituar a palavra naquele dicionário, acentua tratar-se de “conceito ambíguo nas
Ciências Sociais, participação pode ter um significado forte e fraco” (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 558). O significado forte quer dizer que:
Em virtude das dimensões e da complexidade das sociedades de massa
contemporâneas, de centralização do poder político, do crescimento da
burocracia e da concentração do poder econômico, as garantias tradicionais da
democracia precisam ser fortalecidas, protegidas e ampliadas a fim de
contrabalançar a tendência para um número cada vez maior de decisões a
serem tomadas por pequenos grupos e que afetam a vida das pessoas; esses
grupos são frequentemente remotos e não facilmente identificáveis ou
responsabilizados, uma vez que atuam em nome do Estado, de uma autoridade
local ou de alguma grande empresa comercial ou industrial. (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 558).
atividades comerciais e, mormente no final dos anos de 1970, nos governos locais.
(OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 558).
Pateman (1992) descreve que foi nesse caldo histórico e tessitura social que o
termo “participação” passou a fazer parte do vocabulário e objeto a ser perseguido por
um grande número de pessoas, assim como passou a ser referência utilizada por diversos
agentes políticos e também pelos meios de comunicação em massa, fazendo com que a
palavra se popularizasse e, junto com isso, houve um certo esvaziamento de seu conteúdo
e esmaecimento de seu significado. Quer dizer, “‘participação’ era empregada por
diferentes pessoas para se referirem a uma ampla variedade de situações.” (PATEMAN,
1992, p. 9). Naquele mesmo dicionário, consta que foi nesse momento histórico,
mormente a partir do final da década de 1970 “que o ‘significado fraco’ de participação
começou a se desenvolver”:
A prática pela qual os empregados assumem uma participação maior nas
decisões administrativas foi introduzida na década de 50 pelo governo federal
na Alemanha Ocidental; ela propagou-se, sob várias formas, a outros países da
Europa Ocidental (uma decisão semelhante da Itália data do começo dos anos
70 e na França, do final dos anos 80) e foi adotada como um objetivo, ainda
não inteiramente alcançado, pela Comunidade Europeia a fim de expressar o
que esta chama de ‘imperativo democrático’, definido como o princípio
segundo o qual ‘os que serão substancialmente afetados por decisões tomadas
por instituições sociais e políticas devem ser envolvidos na formulação dessas
decisões.’ (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 558)
Vemos, portanto, que são numerosos os espectros de visão com que se pode
estudar o termo “participação”. Para teóricos liberais do século XIX, por exemplo, o
campo da educação era o locus privilegiado para operar um “treino” para a democracia,
além de ser objeto visado em pleitos participativos, a exemplo do que aconteceu na década
de 1970 no âmbito do ensino superior. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.559).
Enquanto Pateman (1992) ressalta em seu estudo, a partir dos autores que ela descreve
como representantes da “teoria contemporânea da democracia” ─ que viam a importância
de minimizar a participação popular para não desestabilizar um dado sistema político
democrático ─, no dicionário social, há também outros vieses dessa apreensão:
embora a crescente participação popular fosse vista como a força do governo
representativo, alguns preocupavam-se com o fato de tal participação das
massas estar cada vez mais vulnerável à manipulação pelas elites. A antiga
autocracia seguiu o adágio ou teoria de governo “deixem quieto o cão
adormecido” – nada mais era necessário além da obediência passiva; mas os
líderes políticos modernos, tanto de esquerda quanto de direita, exigiram
entusiasmo positivo, ‘mobilizando as massas’ para criar um poder sem
precedentes com vistas à transformação social. Assim, as teorias da
participação adotaram formas totalitárias e formas democráticas.
[...] Sindicalistas, socialistas corporativos, anarquistas, pluralistas, todos eles,
entretanto, negaram a premissa de que as sociedades são simples hierarquias
de líderes e massas, vendo-as mais como uma pluralidade de grupos que
constituem comunidades participativas e parcialmente sobrepostas.
Alguns pensadores (especialmente os da tradição federalista americana)
sustentam que a participação deve ser limitada por controles institucionais, que
só as normas legais e uma estrutura constitucional criam uma sociedade civil
justa. Outros (especialmente os da tradição revolucionária francesa) defendem
que a sociedade civil nada mais é que uma evolução desembaraçada da
participação popular. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 559/560).
30
Segundo consulta rápida feita no site wikipedia, Carole Patem, que doutrou-se pela Universidade de
Oxford em 1990, foi a primeira mulher a integrar o cargo de presidência da Associação Internacional de
Ciência Política (1991-94). Foi professora da Universidade da Califórrnia em Los Angeles (UCLA). Suas
obras abordam questões relativas à democracia, participação política, obrigação política, críticas ao
liberalismo e perspectivas feministas a respeito da dominação e do contrato social entre gêneros ("contrato
sexual").
https://pt.wikipedia.org/wiki/Carole_Pateman, Acesso em 02.Jul.2019.
88
31
O termo atual empregado pela autora deve ser relativizado, considerando que a publicação da primeira
edição do livro Participation and Democratic Theory no original em inglês, publicado pela Cambridge
University Press, data do ano de 1970 e diz respeito, sobretudo, ao contexto anglo-americano.
89
"estabilidade". Para eles, para assegurar a estabilidade do sistema político, seria desejosa
a redução da participação popular. (PATEMAN, 1996, p. 10)
A origem dessa noção vem da comparação entre "democracia" e "totalitarismo",
consideradas como as duas alternativas políticas possíveis no mundo moderno. Não sendo
o totalitarismo uma opção plausível, para a manutenção da democracia, entendia-se que
a redução da participação do povo era necessária porque se tinha em mente a ideia
correlacional entre os sistemas políticos totalitários e a participação das massas. As
explicações históricas para essa compreensão encontram respaldo no advento da queda
da República de Weimar e nas "altas taxas de participação das massas com tendências
fascistas e a introdução de regimes totalitários no pós- guerra, baseados na participação
das massas, ainda que uma participação forçada pela intimidação e coerção."
(PATEMAN, 1996, p. 11). Elias (1997) nos ajuda a compreender o quanto, na teia de
interdependências que é a sociedade, forças centrípetas e forças centrifugas estão sempre
em busca de coalizões, as quais, dependendo das operações na estrutura social, tendem
ora a fortalecer-se, ora a enfraquecer-se, gerando ou não manutenção de determinados
status sociais. É o que podemos depreender do lugar que ocupa a criança na sociedade
ocidental contemporânea, no que toca ao seu estatuto como sujeito de direitos, com
efetiva participação nas decisões que lhe afetam.
Com base nesse pano de fundo dos assombrosos Estados totalitários, aliado às
ocorrências dos instáveis governos das chamadas “ex-colônias” no mundo pós- guerra,
“que apenas em poucos casos mantiveram um sistema político democrático nos moldes
ocidentais” (PATEMAN, 1996, p. 11), é que aqueles autores citados justificavam a ânsia
pela conquista da estabilidade no interior de um sistema democrático. Somando-se a esses
fatores, de outro norte, os estudos longitudinais empíricos empreendidos pelos sociólogos
políticos durante aquele mesmo contexto histórico do pós-guerra a respeito das atitudes e
comportamentos políticos, a partir dos dados obtidos entre os anos 1950 e 1970,
assinalavam:
[...] que a característica mais notável da maior parte dos cidadãos,
principalmente os de grupos de condição sócio-econômica baixa, é uma falta
de interesse generalizada em política e por atividades políticas. E mais:
constatou-se que existem atitudes não- democráticas ou autoritárias
amplamente difundidas também entre os grupos de condição sócio-econômica
baixa. A conclusão esboçada (quase sempre por sociólogos políticos
travestidos de teóricos de política) é a de que a visão “clássica” do homem
democrático constitui uma ilusão sem fundamento e que um aumento da
participação política dos atuais não- participantes poderia abalar a estabilidade
do sistema democrático, considerando-se a perspectiva das atitudes políticas.
(PATEMAN, 1996, p. 11).
90
32
Antecipadamente porque, segundo Pateman, nem os teóricos da teoria contemporânea da democracia
nem os seus críticos lograram êxito, porque tanto uns quanto outros não examinaram “em detalhes aquilo
que os teóricos anteriores tinham de fato a dizer” (1996, p. 28). Portanto, para ela, críticos e formuladores
da teoria democrática atual possuem uma noção de teoria democrática que Pateman chamou de “mito”,
afirmando que “apenas quando o mito tiver sido exposto poder-se-á enfrentar a questão de saber se a revisão
normativa da democracia é ou não justificável”. (PATEMAN, 1996, p. 28).
91
Afora essas críticas, foi Sartori quem adentrou no mérito da inatividade do cidadão
médio, questionando como devemos classificar essa inatividade. Segundo ele, “não
devemos classificá-la” e Pateman acrescenta que:
Argumentos de que a apatia pode ser provocada pelo analfabetismo, pela
pobreza ou pela insuficiência de informação foram refutados pelos fatos, assim
como não foi constatada a sugestão de que ela pode resultar da falta de prática
democrática, pois ‘aprendemos que não se aprende a votar, votando’. Sartori
sustenta que a tentativa de encontrar uma resposta para essa questão é um
esforço equivocado, uma vez que as pessoas só compreendem e se interessam
de fato por assuntos dos quais tem experiência pessoal, ou por ideias que
conseguem formular para si próprias, e nada disso é possível para o cidadão
médio, em matéria de política. É preciso aceitar os fatos como eles são, porque
tentar mudá-los poria em perigo a manutenção do método democrático, e
Sartori ainda argumenta que a única maneira de se tentar mudá-los seria pela
coação dos apáticos ou pela penalização da minoria ativa, mas nenhum dos
dois métodos seria aceitável. (PATEMAN, 1992, p.21).
haveria poder decisório e nem tampouco de realização do que fora decidido. (PATEMAN,
1992). Nesse sentido, a engrenagem do governo é a participação:
sociais, “provavelmente esperará ser capaz de participar do mesmo modo das decisões
políticas. Além disso, a participação na tomada de decisões não-políticas pode dar-lhe a
destreza necessária para se engajar na participação política.” (ALMOND; VERBA, 1965,
p. 271-2 apud PATEMAN, 1992, p. 68).
Traçando um paralelo entre essa noção com aquela elaborada por Jonathan H.
Turner para desenvolver os conceitos para “papel social” no dicionário citado, pode-se
ter em vista questões relacionadas à natureza dos personagens que os indivíduos assumem
e às forças que incidem para que os sujeitos ajam de uma forma e não de outra, cuja leitura
pode variar: ora “o indivíduo é visto como alguém que se comporta dos modos
apropriados à incumbência em uma posição de status em um sistema de posições
interligadas que constituem uma estrutura social”, ora “os indivíduos são vistos como
conduzindo-se ainda quando ocupam uma clara posição de status” podendo ser
“conceituados mais como criadores ativos de um personagem do que como tendo
meramente assumido um que lhes é atribuído em virtude de ocuparem determinada
posição.” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.553). É importante ter em mente,
contudo, que:
Quer dizer, há o questionamento quanto aos efeitos das vivências do período da infância
na vida comportamental adulta. (EASTON; DENNIS, 1969, p. 75 apud PATEMAN,
1992, p. 68).
Há ainda que se relativizar qualquer correlação direta ou incidência da relação
causa e efeito neste aspecto, porque as variáveis culturais e de idade também incidem no
forte equívoco que se pode incorrer ao traçar qualquer tipo de analogia do tipo “se criança
A passou pelo tipo de experiência B, logo, quando adulta, tenderá a agir da mesma forma
como quando agiu em B”. Até porque as experiências não se repetem como num looping
infinito e, ainda assim, há de se ter muito cuidado ao afirmar que se agirá no presente e
no futuro da mesma forma com que se agiu no passado. Isso porque as diferentes e
múltiplas experiências de mundo atuam na construção e desconstrução das
subjetividades. De fato, neste sentido das incongruências e contradições próprias dos
humanos, no que tange à socialização política, “socialização secundária [fazendo uso do
termo utilizado pela autora] –, durante o período que se segue à infância, pode sob certas
circunstâncias, conduzir para uma direção oposta... cujo resultado depende de forma
nítida das situações.” (EASTON; DENNIS, 1969, p. 310 apud PATEMAN, 1992, p. 69).
Easton e Dennis, quando investigavam se as crianças internalizam as normas de
estrutura de autoridade, afirmaram que durante a infância, a “ ‘internalização’ de uma
norma que diga que devemos ter voz na vontade do governo, em si, ajuda a contrabalançar
a frustração que sentiremos mais tarde ao descobrirmos que as aparentes oportunidades
de realizarmos isso são ilusórias.” Pateman, outrossim, faz uma leitura em que o efeito
seria justamente o contrário da afirmação dos autores. (1967, p. 38 apud PATEMAN,
1992, p. 69).
Salta aos olhos nos estudos sobre eficiência política a correlação travada entre o
sentimento de competência política em seus diferentes níveis com o status sócio-
econômico: quanto mais baixo o substrato econômico, mais forte é a tendência a ter uma
baixa sensação de eficiência política e participativa. Tal conectivo também é aplicável à
infância. “Easton e Dennis sustentam que os níveis de eficiência medidos nas crianças
refletem, na verdade, a visão que a criança tem das atitudes e do comportamento dos
pais.” (1967, p. 31 apud PATEMAN, 1992, p. 69). Ainda neste sentido, os estudos
revelaram que:
área na qual uma tal explicação pode ser feita já foi indicada – nas experiências
dos indivíduos com estruturas de autoridade não- governamentais, e esta
pesquisa pode nos fornecer uma explicação das diferenças entre as crianças e
os adultos. Almond e Verba descobriram que as oportunidades (rememoradas)
98
Por meio desse simples exercício de verificação, embora diante de uma pequena
amostragem, é possível perceber alguns elementos sintomáticos entre o sentido semântico
das palavras “participante”, “participar”, “participação” e “infância”, advindas de uma
gramática tradicional da língua portuguesa datada do último quartel do século XX, com
a etimologia do termo “infância”. Infere-se, com bastante obviedade que, a partir desses
códigos gramaticais e linguísticos, as concepções de participação e infância são
incompatíveis, contrárias, uma nega a outra. Essas considerações extrapolam as
abstrações do campo gramatical para serem compartilhadas no âmbito da Sociologia
Geral tradicional, área disciplinar que, de forma semelhante, nos dizeres de Durkheim e
Buisson, citados por Sirota (2001, p. 9), conforme ideia já exposta em parágrafos
anteriores, definiam a infância “como um período de crescimento, quer dizer, essa época
100
em que o indivíduo, tanto do ponto de vista físico quanto moral, não existe ainda, em que
ele se faz, se desenvolve e se forma”. Nesse diapasão, “a infância representa o período
normal da educação e da instrução”, sendo “suficientemente frágil para que deva ser
educada e suficientemente móvel para poder sê-lo”. (SIROTA, 2001, p. 9).
“O século da criança”, assim anunciado em 1900 pela reformista social sueca
Ellen Key, embora pudesse levar a crer que havia um prelúdio indicativo de uma mudança
naquele espectro de visão, acabou por reforçar aquelas representações a respeito das
crianças e da infância no discurso social e cultural, ao mesmo tempo em que passou a
servir de slogan pertinente, tanto para o Estado quanto para a sociedade civil do contexto
ocidental e, mais especificamente, dos países de língua inglesa do norte do globo, para
justificar o direcionamento de recursos para os serviços voltados ao bem estar das
crianças, as quais “identificadas como um ponto de intervenção e investimento para o
futuro”, sobre quem recaíam as esperanças das nações e os investimentos estatais e, por
isso mesmo, precisava ser enfaticamente controlada, provisionada e protegida. Não que
os investimentos voltados a um estado de bem estar das crianças não fosse positivo e
desejável, não é esse aspecto que está em relevo. O que se coloca aqui é que, as
modificações que ocorreram na sociedade no decurso do século XX sob a égide daquele
aparente otimismo declarado por Key, não vieram acompanhadas por uma transformação
efetiva na reorientação analítica sobre os propósitos, intenções e representações sociais e
políticas disponíveis e direcionados à infância. (PROUT, 2003, p. 22/23).
Prout acrescenta haver nas sociedades dos continentes europeu e norte americano
uma visão cultural sobre a infância “na melhor das hipóteses, [parece ser] confusa e
angustiada, e na pior das hipóteses, hostil” (2003, p. 23). Talvez seja menos uma função
de hostilidade em relação às crianças e mais uma questão de não priorização, diante de
tantos assuntos que subtraem a atenção dos adultos, segundo ideia defendida por Qvortrup
(2011, p. 203). Nessa esteira, Qvortrup constata que, naquele “século da criança”, embora
visíveis os fenômenos que denotaram transformações na sociedade como um todo e
demarcaram a “transição para a sociedade industrial moderna”, atenta aos predicados do
progresso econômico, tais como “a industrialização, mecanização, urbanização,
secularização, individualização e democratização”, que ocorreram simultaneamente em
conjunto com eventos importantes às crianças e à infância, de que é exemplo a erradicação
do trabalho infantil, “o movimento em defesa das crianças, a escolarização em massa,
queda da fertilidade, sentimentalização e novo interesse científico”, em contrapartida,
101
embora atingidas diretamente por essas mudanças, as crianças não eram levadas em conta
enquanto crianças, “não eram o alvo como tal”. (2010b. 784).
Além de invisibilizadas, no sentido da negação ou resistência em reconhecer,
garantir e oportunizar às crianças de serem vistas e escutadas por meio de suas próprias
visões e vozes, talvez, mais ainda, eram as crianças marginalizadas, colocadas à parte de
e não como pertencentes à sociedade. Quer dizer, “a transformação da infância não foi
resultado de uma política deliberada que visasse a esse propósito explícito”, muito
embora tenha sido ─ e ainda é uma das principais afetadas ─ naquele período de
industrialização e até hoje, em termos “macroeconômicos, macropolíticos e
macrossociais.” (QVORTRUP, 2010b, p. 85).
Essa visão da corrente estrutural sobre a infância denota, dentre outras coisas, que,
afora todas as resistências e negações sobre a agência das crianças e o seu reconhecimento
como atores sociais legítimos e capazes, “a infância interage [...], estruturalmente, com
os outros setores da sociedade”, na medida em que se toma as crianças enquanto
“participantes ativas na sociedade, não somente porque realmente influenciam e são
influenciadas por pais, professores e por qualquer outra pessoa que estabeleçam contato”,
mas também porque “ocupam espaço na divisão de trabalho” e porque influenciam o
mundo social e econômico do qual fazem parte, para além do âmbito familiar. No entanto,
embora “a infância seja parte integrante da sociedade e de sua divisão de trabalho e as
crianças sejam co-construtoras da infância e da sociedade”, (QVORTRUP, 2011, p.
205/206), paira ainda, na construção social da infância enraizada historicamente, a noção
direcionada pelo “princípio da negatividade.” (SARMENTO, 2008, p.21).
Segundo este princípio, no processo social, quando tomado como referência o
grupo geracional dominante ao qual pertencem os adultos, que usufruem de mais
privilégios transfigurados em acesso, usufruto, representatividade e participação no que
tange aos direitos sociais, políticos e econômicos, pode-se afirmar que a infância
corresponde a uma fatia minoritária marcada “pela negação de determinadas
características ou condições de um grupo, categoria ou aspecto da sociedade”,
significando que “as crianças foram pensadas e reguladas, a partir da modernidade,
tomando por base um conjunto de interdições e de prescrições que sucessivamente negam
ações, capacidades ou poderes às crianças, com base na suposta incompetência”.
(QVORTRUP, 2011, p.210; SARMENTO, 2008, p. 21).
Veja-se que, a um só tempo, nesse mesmo caldo histórico do século XX em que
se deram os movimentos e processos sociais de negação, invisibilização, subalternização,
102
Art.12
1 – Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus
próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre
todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas,
em função da idade e da maturidade da criança.
2 – Com tal propósito, proporcionar-se-á à criança, em particular, a
oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que
afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou
órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais de legislação
nacional.
Art.13
33
Com o objetivo de destacar e viabilizar os direitos humanos no cenário internacional, após a fundação
das Nações Unidas em 1945, optou-se pela utilização de princípios que orientam a interpretação e
aplicabilidade dos conteúdos dos documentos jurídicos de cunho universalista. (VERONESE; FALCÃO;
2017, p.22/23).
104
Podem também ser incluídos neste rol os artigos 14, 30 e 3134, sendo que, nestes
dois últimos, respectivamente, estão assegurados os direitos das crianças pertencentes às
“minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, ou [...] de origem indígena o direito de [...]
ter sua própria cultura, professar ou praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio
idioma”. Quanto ao artigo 31, estabelece o direito das crianças e o dever dos Estados-
parte a promoção de “oportunidades adequadas para que a criança, em condições de
igualdade, participe plenamente da vida cultural, artística, recreativa e de lazer”.
(CONVENÇÃO..., 1989).
Observa-se, contudo que, à margem dos direitos afeitos às categorias de provisão
e proteção, ficam os direitos concernentes à “participação infantil”. É que, muito embora
seja reconhecido às crianças o estatuto de sujeito de direitos, o que implica considerar
como válidas as suas próprias manifestações, enquanto ações humanas (TOMÁS, 2007,
p. 51), em decorrência daqueles processos históricos e sociais que foram sendo
construídos e enraizados no sentido de atribuir à infância a falta dos pressupostos da
“vontade livre, pensamento racional e sentido de solidariedade”, atributos do indivíduo
apto a exercer a cidadania dentro da concepção liberal difundida por Marshall e
amplamente aceita nas sociedades ocidentais, resiste-se à aceitação e ao reconhecimento
do estatuto político às crianças ─ muito também em virtude das noções de menoridade da
infância somadas aquela concepção clássica de cidadania ─, “o que legitima a recusa da
cidadania da infância, pelo menos da totalidade da cidadania35 política e, parcialmente,
da cidadania civil”. (SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2007, p. 187).
34
Inclusive, há interpretações que põem em relevo o artigo 13 cotejado com o artigo 31 porque, a partir
deles, pode-se compreender que o direito à participação das crianças não está separado ao papel das
brincadeiras, entendendo que é por meio destas que as crianças experienciam uma “agência ativa”, já que
é o brincar a atividade vista como a de maior representatividade da cultura de pares das crianças, em que
mais fortemente se expressam e vivenciam a cidadania. Alarga-se, assim, o conceito de democracia,
principalmente quando se refere ao contexto das creches e pré-escolas, afastando-se da armadilha que a
restringe aos momentos em que as crianças podem atuar em plenários, assembleias, votações, tal qual ocorre
na democracia formal na expressão dos direitos de cidadania e de estatuto político praticados pelos adultos.
(BAE, 2015, p. 14).
35
Estão sendo consideradas, aqui, as concepções de cidadania de expressão liberal, de acordo com a
classificação evolucionista e cumulativa elaborada por Marshall, que dividiu a cidadania em três fases
105
distintas, às quais correspondem determinadas categorias de direitos. Desta forma, a “cidadania civil, diz
respeito aos direitos de liberdade individual, de expressão, de pensamento, de crença, de propriedade
individual e de acesso à justiça; cidadania política (direito de eleger e ser eleito e de participar em
organizações e partidos políticos) e cidadania social (acesso individual a bens sociais básicos).”
(SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2007, p.186/187).
106
assegurados “os espaços às crianças para participarem nos seus próprios termos, nem o
respeito pelas suas várias expressões” (BAE, 2015, p.11) é que muitos estudiosos tem se
atentado, por meio de diferentes perspectivas, a fomentar pesquisas voltadas a esclarecer
sobre as armadilhas que recaem sobre compreensões estreitas ou ultrapassadas sobre o
que seja efetivamente participar, sobre as diferentes formas de democracia e sobre os
conceitos de cidadania, essenciais para que a prática na participação com crianças seja
conduzida com ética e responsabilidade.
Quanto aos conceitos de participação, um amplamente defendido é aquele que
parte do ponto de vista da democracia participativa, nele:
se integralizar as visões macro e micro para que, cada vez mais, possamos nos aproximar
de uma visão global, que abrange o local, sobre o assunto aqui tematizado.
não só a prática democrática para crianças nessa faixa etária, como também lhes era
negado o próprio direito à participação. Falar em democracia e participação, como prática
democrática era, então, algo inimaginável quando se pensava em crianças, neste sentido,
as autoras questionam “é possível vislumbrar a Educação Infantil brasileira como locus
de práticas democráticas?” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p.364).
Diante disso, as autoras vão “ao encontro de pensar a participaçao infantil em
articulação direta com a sua ação pública e política de forma mais ampliada, enquanto
cidadania (BENEVIDES, 2003) ativa a ser vivenciada pelas crianças dentro da Educação
Infantil.” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p.364). As autoras buscam, por fim, dar
novo significado à democracia na sua imbricação com a Educação Infantil e de forma
mais alargada, com as políticas educacionais de forma geral. Nesse sentido, citando
Sarmento, Fernandes e Abrunhosa (2007, p. 54 apud CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017,
p. 365), argumentam que:
mormente os direitos das crianças. Perpassando pela primeira porta, as autoras discorrem
sobre o conceito de agency, ação social; ação coletiva; participação, consulta; visibilidade
e protagonismo. Nesta senda, se aproximam das distinções entre protagonismo e
participação a partir de Pires e Branco (2007, p. 321 apud CANAVIEIRA; BARBOSA,
2017, p. 367/368):
A segunda porta, quer dizer, a do enfoque dos direitos das crianças, “via inclusão
delas nas políticas públicas, nas discussões de cunho político e econômico, mas,
principalmente pelo respaldo jurídico-legalista que apresenta o estatuto de cidadania das
crianças.” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 368). Ou seja, essa via apresenta uma
orientação de participação que perpassa, mas vai além da participação como prática de
voz nos cotidianos das instituições de Educação Infantil ou outros contextos em que as
crianças estejam. Diz respeito a uma esfera macro, em que seja dado lugar à “participação
infantil” inclusive na formulação das políticas públicas.
Nesse sentido, a “participação infantil” ganha contornos bastante próximos à
categoria da participação social, trazendo facetas da “socialização das crianças via
inserção direta no meio social ao qual fazem parte, assumindo papeis sociais”, incluindo
a participação das crianças e dos adultos na mesma discussão. (CANAVIEIRA;
BARBOSA, 2017, p. 368). Percebe-se, portanto, conforme já vimos discutindo neste
trabalho e conforme sistematização que será feita em seu último capítulo, que há
“diferentes tipos, níveis e maneiras de participação, e que cada uma delas condicionará a
uma significação distinta do conceito de participação”. (CANAVIEIRA, BARBOSA,
2017, p. 368).
Trazendo as conotações e diferenciações etimológicas possíveis ao termo
participação, que ora pode simbolizar “fazer saber”, “fazer parte”, “tomar parte” e “ter
parte”, o que indica diferenças qualitativas na participação. Nesse diapasão Bordenave
(1994, p. 22 apud CANAVIEIRA, BARBOSA, 2017, p. 369) afirma:
111
‘é possível fazer parte sem tomar parte e é que a segunda expressão representa
um nível mais intenso de participação. Eis a diferença entre participação
passiva e participação ativa, a distância entre o cidadão inerte e o cidadão
engajado’. Ou seja, muitos de nós fazemos parte do estado democrático de
direito, mas nem por isso tomamos parte dele como cidadãos ativos. E as
crianças? Qual nível de participação e de cidadania está sendo esperado e
oportunizado para elas?
As autoras também articulam a noção de “participação infantil” com a da
consideração das crianças enquanto sujeito de direitos, tomando a consideração da
participação como um valor em si mesma, como condição para que outros direitos sejam
impulsionados e efetivados. Nesse sentido:
Com essa ideia em mente, Canavieira e Barbosa partem para uma síntese
importante para diferenciar a democracia na e da educação Infantil da democracia com a
Educação Infantil, em um caminho para a democratização com esse espaço. Nessa esteira,
a democratização na Educação Infantil é “das formas, das práticas, das relações cotidianas
entre os sujeitos, do direito a tomar parte e ter parte, buscando romper a lógica
hierarquizada da forma de organização e das relações pedagógicas inerentes às
instituições de Educação Infantil” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 373).
Para a construção de outras escolas democráticas e outras instituições de educação
infantil é premente que tomemos as crianças como partícipes nessa construção, que não
pode seguir um modelo pré ordenado, haja vista estar inserida na dinâmica dos próprios
sujeitos singulares que as compõem. Para além de considerar as crianças de 0 a 5 anos
como partícipes dessa outra construção, há de toma-las enquanto sujeitos construtores da
própria sociedade, como um exercício da democracia da qual todos fazemos parte.
Neste sentido, a participação pode ser constituída como prática cotidiana, para
adultos e crianças e ser conceituada, de acordo com Fernandes (2009, p. 95 apud
VASCONCELOS, 2015, p.30) da seguinte forma:
Falar de participação, numa acepção imediata, é falar de uma atividade
espontânea, que etimologicamente se caracteriza como a acção de fazer parte,
tomar parte em, mas é também falar de um conceito multidimensional que faz
depender tal acção de variáveis como o contexto onde se desenvolve, as
circunstâncias que a afectam, as competências de quem a exerce ou ainda as
relações de poder que a influenciam.
usufruto desse direito, é necessário que os adultos estejam informados a respeito deles
para que sejam garantidos às crianças. Interessante também é a consideração de
Vasconcelos da participação enquanto experiência a partir de Larrosa e acentua os
processos de escuta e as necessárias reflexões dessa escuta “em situações e decisões que
lhes dizem respeito”. (VASCONCELOS, 2015, p. 31). Problematizamos essa questão
que relaciona a participação às questões e decisões que dizem respeito às crianças. Quem
diz o que concerne ou não a elas decidirem ou participarem? Se condicionarmos a prática
participativa ao que acreditamos ser condizente aos assuntos que tocam as crianças, mais
uma vez cairemos em uma retórica adultocêntrica. Considerar uma experiência
participativa no cotidiano, seja em que instância for – familiar, escolar, comunitária– é
incompatível com a acepção de que as crianças devem ser escutadas sobre os assuntos
que lhes dizem respeito. É, mais uma vez, colocar um muro que divide os temas dos
adultos dos temas das crianças. Aqui trazemos à tona a noção esposada por Corsaro
(2011) quando diz que as crianças devem ser tratadas “como se” já estivessem a par e
passo de decidir, sobre qualquer assunto. Neste sentido, reforçamos a citação feita por
Vasconcelos de um excerto de Angela Barozzi, pedagogista de Reggio Emilia, que alia a
ética, a cidadania e a participação, aduzindo que:
a participação é um convite e que acontece pela acolhida ao outro. As crianças
convidam a colher outros pontos de vista diferentes. Convidam a ter paciência,
escutar, dar espaço para quem se expressa de forma peculiar. Participação é
dar tempo para pensar sobre o que foi discutido, mas é também voltar a falar
sobre o que antes foi dito. (BAROZZI, 2015, em exposição oral apud
VASCONCELOS, 2015, p. 32).
Quem acolhe, não escolhe, não escolhe criança e nem escolhe assunto, apenas
acolhe. Não há como falar em alteridade, fraternidade e empatia diante de escolhas
racionais. A participação é incompatível com isso.
Vasconcelos traz à tona a teoria da “ação dialógica” de Paulo Freire (2005), na
qual, ‘os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em colaboração’” (2005,
p. 191 apud VASCONCELOS, 2015, p. 33/34) e essa colaboração deve estar ciente da
dependência das crianças em relação aos adultos, mas não uma dependência servil.
Vasconcelos propõe que “o caráter dessa dependência deve ser pautado na promoção de
uma crescente possibilidade de independência e não de uma submissão aos ideais dos
adultos”. (VASCONCELOS, 2015, p. 35).
Assim:
precisamos entender quem é essa criança que hoje se apresenta em nossas
escolas, em nossas vidas. Conhecê-la a partir das suas ideias, linguagens e
significações do mundo e não através de nossos julgamentos contaminados por
126
exposição de desejos e necessidades.” (SILVA, 2015, p.12). Sua ancoragem teórica está
atrelada à Sociologia da Infância, à Pedagogia da Infância e ao Materialismo- histórico-
dialético, fazendo uma interlocução com as teorias críticas, em uma abordagem que
entende como sendo interdisciplinar. A autora pretendeu com seu estudo “ampliar a
compreensão de seus modos efetivos de participação, modos de quem vem ao mundo para
participar” (SILVA, 2015, p. 10, grifos no original). Partiu de categorias de análise para
considerar o objeto, tais quais:
trabalho (como atividade humana), movimento, papel da história, dialética e
exclusão social. Esta última, na mediação com as demais, é extremamente
importante para apreender e (des)velar os processos e os lugares pelos quais
historicamente as crianças têm sido consideradas. (SILVA, 2015, p.13).
E ainda:
interagem com ele; que elaboram e dão sentido à sua existência como seres
sociais e, principalmente, que são sujeitos. (SILVA, 2015, p. 11/12).
Sobre a concepção de participação, defende aquela fundada:
Citando Siqueira (2011), fala do processo jurídico normativo que toma a criança
como sujeito de direitos, em superação à imagem do menor. Aquele autor “tece suas
críticas a esse movimento, ao acentuar que há um premente risco de instrumentalização
da concepção de criança pelo viés da lei” (SILVA, 2015, p. 37):
130
Entendemos que essa é uma visão rasa e insuficiente para compreender o conceito
e abrangência da criança enquanto sujeito de direitos. Pode-se falar que a criança pode
ser transformada em algo abstrato ou instrumentalizada quando referimo-nos a outros
conceitos também, inclusive da criança como ator ou agente social. Tudo depende da
forma com que os adultos se aprofundam na temática dos direitos das crianças e o
paradigma cultural e social com o qual tomam as crianças.
Silva faz um interessante retrospecto a respeito da construção histórica sobre os
direitos das crianças, até alcançar a CDC de 1989, ressaltando os 3P’s e o fato de que o
direito à participação infantil é o mais difícil de ser assegurado, porque:
implicam a consideração de uma imagem de infância ativa, à qual estão
assegurados direitos civis e políticos, nomeadamente o direito das crianças
serem consultadas e ouvidas, e o direito ao acesso à informação, à liberdade de
expressão e de opinião e à tomada de decisões em próprio benefício, que
deverão traduzir-se em ações públicas a elas direcionadas e que considerem
seus pontos de vista. (SILVA, 2015, p. 42).
Porque era inédita essa classificação para nós e porque diz respeito ao tema central
deste trabalho, importante citar aqui outra conceituação advinda de Anavitart (2003, p.
36 apud SILVA, 2015, p. 47) em texto traduzido livremente por Silva (2015). Para
Anavitart existem diferentes tipos de participação:
uma participação em sentido progressista e em linha de participação
direta tem a ver com o poder real de decidir e, sobretudo, com as possibilidades
de controle e com os efeitos que produz nas organizações cidadãs.
131
Graus de Participação
Não participação
Seguindo o que foi feito com os outros trabalhos, destacamos aqui algumas
categorias e termos importantes correlacionados com o tema da participação infantil,
como uma espécie de síntese das dissertações analisadas. Na dissertação de Silva (2015)
ressaltamos: roda de conversa; contradição; protagonismo dos adultos; participação como
um meio; norma ou instrumentalização das ações; valores; constrangimentos;
possibilidades; lugar da criança e do adulto; espaço institucionalizado; situações
concretas; discurso; protagonismo das partes atuantes; processo transformador; confronto
de pontos de vista; negociação; cotidiano.
A partir de agora, passamos a analisar as duas teses selecionadas do Banco de
Teses e Dissertações da CAPES. A primeira delas será a de Viviane Aparecida da Silva,
intitulada “Participação e expressão das culturas infantis no primeiro ano do ensino
fundamental de nove anos: possibilidade de escuta das crianças”, defendida em 2014 no
Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-SP, tendo como orientadora a
professora dra. Mere Abramowicz.
A autora realiza sua pesquisa centrada nas crianças de cinco a seis anos que
adentraram no 1º ano do ensino fundamental de 9 anos, após a entrada em vigor da Lei nº
11.274/06, entendendo que há “uma ruptura de metodologias que impacta na transição da
criança e, provavelmente, em sua aprendizagem” (SILVA, 2014, p. 15), Silva elabora sua
hipótese considerando essa ideia aliada à noção de que os professores do ensino
fundamental praticam uma educação ao estilo bancário (FREIRE, 2002), sem que haja
espaço para que as crianças participem, tomem decisões ou ajam como agentes capazes
politicamente, inclusive. (SILVA, 2014, p.15).
134
Depois de trazer alguns outros conceitos centrais na tese de Corsaro, tais como o
de cultura de pares e a importância do brincar, no capítulo 2 a autora discorre sobre o
direito à participação infantil na sua relação com a escola. Fazendo um apanhado
histórico, Silva (2014) ressalta sobre a importância do século XX no erigir desses direitos,
apontando a relevância dos direitos humanos para a vida coletiva e a da Convenção sobre
os direitos da criança (CDC) para garantir, como um compromisso dos Estados
signitários, em relação aos cuidados de saúde, educação, proteção legal, civil e social, a
partir dos quatro princípios gerais (1) participação; (2) sobrevivência e dsenvolvimento,
(3) interesse superior da criança e (4) não- discriminação, considerando que (SILVA,
2014, p. 46):
O princípio da participação infantil é a inovação desta Convenção, se
considerarmos a tradição liberal herdada da Modernidade, na qual não era
respeitada a vontade da criança por entender que ela ainda não teria condição
de escolher, sua racionalidade ainda estaria em desenvolvimento e seria
imatura socialmente, por isso lhe é negada a cidadania política e civil.[...]
A Convenção constrói um percurso inverso. Para a constituição de uma
cidadania infantil, inclui as crianças na agenda sociopolítica mundial,
orientando para a proteção integral e para o direito à participação. A
participação infantil proposta na CDC é um princípio fundamental para
assegurar o cumprimento dos direitos que as crianças possuem. (SILVA, 201,
p. 47/48).
Entendendo que participação infantil “como a ação de fazer parte, tomar parte,
como sinônimo de ‘voz, acção e construção da autonomia’” (FERNANDES, 2003, p. 95
apud SILVA, 2014, P. 48/49) a autora articula essa noção com o conceito de
protagonismo infantil a partir dos contributos de Gaitán, “que relaciona o conceito como
forma de garantir o interesse superior da criança e seu entendimento como sujeito de
136
direitos”, de uma forma um tanto quanto imbricada, não fica clara exatamente a diferença
entre o protagonismo, conceituado como “um processo social mediante o qual se pretende
que crianças e adolescentes desempenhem um papel principal no seu desenvolvimento e
no da sua comunidade para alcançar a realização plena de seus direitos”. (GAITÁN, 1998,
p. 86 apud SILVA, 2014, p. 49) e a participação infantil, sendo tratados de forma
complementar. Tanto é assim que, logo depois de citar a concepção de Gaitán, Silva
(2014) continua a discorrer sobre a participação infantil e seus critérios, a partir de Jaume
Trilla e Ana Novella, são eles: “(I) implicação; (II) informação/consciência; (III)
capacidade de decisão e (IV) compromisso/responsabilidade.” (SILVA, 2014, p. 49),
além dos patamares de participação das crianças:
Patamar da mobilização: há um processo iniciado pelo adulto, em que a
criança é convidada a participar, numa possibilidade, ainda que reduzida, de
escolhas;
Patamar da parceria: a implicação das crianças se faz desde o início do
processo entre crianças e adultos, sendo a tomada de decisão relativamente de
todos, definidos em conjunto;
Patamar do protagonismo: depende exclusivamente da ação da criança,
encarando o adulto como um consultor disponível e presente. (SILVA, 2014,
p. 49/50).
crianças estavam laá, encontrando linhas de fuga parafalar sobre si, sobre suas
opiniões, para brincar e interagir com os colegas, sob uma rígida lógica
adultocêntrica.
A liberdade para viver a plenitude da infância foi vsta várias vezes no recreio,
embora fosse num espaço e um tempo limitado a vinte ou vinte e cinco minutos
diários, sob a vigilância de crianças maiores que reproduziam a postura dos
adultos professores. (SILVA, 2014, p. 123).
E de infância:
Sobre as ações das crianças, o trabalho trata-as justamente nesta articulação: são
ações educativas que devem ser tomadas como ponto de partida para reorientar e
redimensionar as ações pedagógicas. (VASCONCELOS, 2017, p. 165).
Sobre a participação infantil, a autora também reconhece a complexidade em
conceituá-la e o faz a partir de vários autores, como Pateman (1992), Rousseau (1978),
Ammann (1977), Mendonça (1987), Alencar (2010) e Freire (2001), dentre outros.
Tomando a participação enquanto categoria que só toma corpo a partir de uma ação social,
“estando sujeito a ressignificações a partir das transformações culturais e ideológicas da
sociedade” (VASCONCELOS, 2017, p. 173), podendo ser reconhecida como prática
social concreta, com efeitos psicológicos para quem participa (PATEMAN, 1992), assim
como pode ser entendida como “estratégia de redistribuição de poder que permite aos
cidadãos excluídos dos processos políticos e econômicos serem ativamente incluídos
como participantes do planejamento de seu futuro” (VASCONCELOS, 2017, p. 173), de
acordo com Arnstein (1969), sendo reconhecida como “estratégia de inclusão social” e
um dos eixos elementares da política social. (VASCONCELOS, 2017, p. 173). Citando
Gohn, (2001) que analisou os paradigmas da participação política no Brasil classificou-
as em cinco formas:
a) A participação liberal que tem como objetivo fortalecer a sociedade civil e
reformar a estrutura da democracia representativa de modo a evitar as
ingerências do Estado. Não para participar efetivamente do Estado, mas para
fortalecê-lo. Trata-se de um paradigma que preserva a ordem social garantindo
a liberdade individual à medida que amplia os canais de informação de forma
que os cidadãos possam manifestar as preferências antes que as decisões sejam
tomadas.
b) A participação autoritária própria de regimes autoritários, mas também em
regimes democráticos representativos, utilizada como forma de persuasão e
controle da sociedade: “Nesse caso a arena participativa são as políticas
públicas, quando se estimula, de cima para baixo, a promoção de programas
que visam apenas diluir os conflitos sociais” (GOHN, 2001, p. 17 apud
VASCONCELOS, 2017, p. 174).
c) A participação revolucionária que possui o objetivo de lutar contra as
relações de dominação e pela divisão do poder político. Representa-se por
coletivos organizados em busca de uma autonomia da divisão do poder político
contra qualquer tipo de submissão e sujeição do cidadão.
d) A participação democrática que considera a participação como fenômeno
que ocorre na sociedade civil e também nas instituições formais políticas,
fundamenta-se a partir da soberania popular e da participação de movimentos
sociais e organizações da sociedade civil. Seu princípio básico é a delegação
do poder de representação, sendo assim o sistema representativo (através do
voto) é o critério supremo de organização dos indivíduos.
e) A participação democrática radical se constitui como uma combinação entre
a participação democrática e revolucionária. Da participação democrática
defende-se a soberania popular, e da participação revolucionária a divisão de
poder político. É defendida por teóricos e ativistas que não acreditam na
democracia representativa como um modelo concretamente democrático,
141
desenvolver pesquisas do aporte daquela desenvolvida por Qvortrup, por exemplo. Isso
perpassa por uma questão política dos adultos: o quanto nós estamos presentes nos
espaços de produção de políticas públicas ou, quando estamos, em que medida lutamos
para que as vozes das crianças sejam ouvidas? Como levar a sério um país que não produz,
com periodicidade, dados fidedignos sobre as infâncias e as condições em que as crianças
vivem? Isso, de fato, reverbera em um nível micro, na produção da pesquisa acadêmica,
visto que, não raras vezes nos vimos “amarrados”, sem ter onde buscar dados
demográficos, censitários etc, recentes para a construção de pesquisa de aporte macro-
analítico.
Outrossim, para finalizar, deixamos aqui registrado o nosso contentamento pelo
enfoque temático da “participação infantil” dentro do contexto da Educação Infantil e o
desejo para que as pesquisas com bebês ocorram em maior número, haja vista que, do
levantamento realizado, somente um trabalho abordou os sujeitos desta faixa etária.
144
Aprendimentos
O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o
caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada.
Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera
coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as
folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre
pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o
idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar
com as rãs.
E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior
está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha
um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os
pássaros do mundo pelo coração de seus cantos.
Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor
no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.
Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só
pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma
noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles
— esse pessoal.
Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das
origens se renova.
Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis
linguísticos que achava para renovar sua poesia. Os
mestres pregavam que o fascínio poético vem das
raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas são
donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não
haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre
Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca
(Manoel de Barros).
do fato de serem as crianças detentoras de agência, visão essa esposada, dentre outras,
pela Sociologia da Infância. Tratam-se, portanto, de uma dimensão objetiva e de outra
subjetiva.
Qual a diferença entre as duas? Bom, em primeiro lugar o fato de enxergar a
participação como um princípio norteador, para além de um direito positivado, mas que
também é um direito positivado, não garante que as crianças, de fato, usufruam de forma
qualitativa desse princípio. Isso porque esse usufruto depende da forma como os adultos
que se relacionam com as crianças as enxergam. Ou seja, o cerne da questão está na
sedimentação por parte da sociedade adulta, do paradigma da criança como ator social,
detentora de agência. Isso porque, como vimos, a forma como os adultos tomam as
crianças, a concepção que tem a respeito delas, é o que norteia as possibilidades dadas
para que as crianças participem e é o que atribui a dimensão qualitativa dessa participação,
ultrapassando rotinas pró-forma ou meramente consultivas.
Importante enfatizar que as duas dimensões expostas no primeiro parágrafo desse
capítulo não são excludentes, ao contrário, elas coexistem e se reforçam mutuamente. Na
medida em que tenho a participação como um direito e um princípio fundamental da
criança e, junto a isso, a considero como ator social e com agência, serei, não somente
uma defensora desse direito, uma espécie de advogada mesmo, que exige cumprimento
de um direito assegurado ─ inclusive lançando mão do direito de ação ─ , como escutarei
as vozes e terei percepção aguda sobre as suas múltiplas expressões na construção
conjunta de uma escola, de uma família, de um bairro, de uma igreja, de uma comunidade,
de uma Cidade e, enfim, de uma sociedade democrática.
Desta forma, levando em consideração o que fora abordado ao longo deste
trabalho, podemos sintetizar um conceito de “participação infantil” da seguinte forma: é
um direito e uma ação social concreta, intencional, relacional [acontece na interação
humana], voluntária e dialógica, em que há partilha de poder entre os sujeitos envolvidos
e os participantes sabem que exercem agência, podendo, neste sentido, influenciar
pessoas, processos decisórios ou, simplesmente, ser decorrente do exercício de uma
potência política e cidadã apreendida e experienciada ao longo da vida em ambientes ou
canais variados e com valores democráticos, pautados na alteridade e na inclusão. É
essencialmente coletiva embora, em âmbito individual, seja decorrência da autonomia e
capaz de gerar efeitos psicológicos por meio de sua prática.
146
19. Participação se articula com a ação pública e política de forma mais ampliada,
enquanto cidadania ativa (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017);
20. Está atrelada a uma abordagem mais democrática de ação social, sem que haja
um sujeito protagonizando no processo participativo;
21. Participar é assumir um papel social no meio cultural em que os sujeitos fazem
parte;
22. É um valor em si mesma;
23. É condição para que outros direitos sejam efetivados e impulsionados;
24. É romper com a forma hierarquizada de algumas formas de organização e
relações, inclusive as pedagógicas;
25. Participação é uma forma de interação e comunicação no quotidiano;
26. A participação não deve ser encarada como autodeterminação ou escolha
individual;
27. A participação é um momento democrático;
28. É uma prática de reconhecimento mútuo;
29. Participar é aprender;
30. É uma parte integral do modo como os adultos se relacionam com as crianças;
31. É atividade espontânea;
32. Participação é experiência;
33. Participação é convite que acontece pela acolhida ao outro (BAROZZI);
34. Participação é a confluência entre intersubjetividades e realidades sociais
distintas;
35. Pode ser entendida como autonomia, quer dizer, a capacidade dos sujeitos se
posicionarem frente aos assuntos de seus interesses;
36. É um fator de reconhecimento da identidade e da igualdade;
37. É um exercício concreto da autoria social e de construção da identidade;
38. É ação coletiva;
39. É debate e confronto de opiniões;
40. É a busca de um acordo em um universo plural;
41. É estratégia de redistribuição de poder;
42. É estratégia de inclusão social (ARNSTEIN);
43. É um movimento de mobilização coletiva;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que já é que desconsideramos que seja e o que ainda não sabemos que não
sabemos?
Em princípio, a participação é um princípio, e não uma finalidade.
Em princípio, as crianças já são sujeitos no mundo, antes de estarem sujeitos de
direitos.
Tomando a participação enquanto princípio que é, e a criança enquanto sujeito no
mundo, por que negar algo que já é para as crianças que já são?
Partici-PAR: a última sílaba da palavra pressupõe uma ação que não se dá no
isolamento, mas sempre em relação a algo ou alguém.
Quando me propus a destrinchar as categorias amalgamadas aos conceitos
mobilizados para definir a PARticipAÇÃO infantil, foi também por considerar a
inteligência da própria palavra, que seja no verbo seja no substantivo é princípio e fim em
si mesma. Pressupõe um agir junto, entre seres que são. É o par em ação e a partilha da
ação, a um só tempo. Participar é perguntar: estou sujeitando a criança ou a vejo e escuto
como ser que é? Veja que de nada adianta um arcabouço conceitual e a apropriação de
categorias sem que o princípio seja tomado como princípio e os sujeitos como seres que
não são sujeitados.
Por isso, não pretendemos mapear categorias e inventariar conceitos sobre
participação para que os coloquemos em uma mochila teórica que pesa e curva as costas
a ponto de impedir de ver... Enquanto lista que deve ser verificada e decorada para que se
faça acontecer essa tal de participação. Não. Antes de tudo propusemos a reflexão sobre
o que a palavra mesma já expressa e o direito mesmo anuncia, e a criança mesma já é.
Não é algo muito além da própria relação refletida sobre tudo isto que está aí, mas que é
visto de forma muito torta, ou escutado de forma meio baixa.
É por entender que as palavras sempre vem acompanhadas, que os princípios nem
sempre são compartilhados e que a ação não se dá no nada, é que pretendemos mapear os
conceitos, ramificando as categorias, para florescer uma clarificação do que é, mas que
às vezes está meio encoberto.
E mesmo o escancaramento da palavra, que já revela uma ação em par, mais uma
vez, reflexivamente, questionamos: agir sem refletir, no que vai dar? Agir sem considerar
os outros na relação, há como sustentar? Por isso a tarefa de clarificar a palavra também
se consubstancia em par, porque se dá em contexto.
159
Criança é sujeito, e de direitos, para que quem não enxerga, veja: está na lei! É
norma! Está escrito, explícito, positivado. É um verbo deôntico que expressa um dever
ser respeitado.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
160
REFERÊNCIAS
BAE, Berit. O direito das crianças a participar: desafios nas interações do quotidiano.
2015. Da Investigação às práticas, 6 (1), 7-30. Texto original publicado na revista
European Early Childhood Education Research Journal. Traduzido por Natália
Fernandes e Catarina Tomás.
ELIAS, Norbert. Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos
XIX e XX. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.
FONSECA, Antonio Cesar Lima da. Direitos da Criança e do Adolescente. 2.ed. Saõ
Paulo: Editora Atlas, 2012.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas,
2010.
HENGST, Heinz; ZEIHER, Helga. Per una Sociologia Dell’infancia. Milano, Italy:
Franco Angeli, 2004.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o breve século XX: 1994-1991. Tradução de
Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LEE, Nick. Vozes das Crianças, tomada de decisão e mudança. In: MÜLLER, Fernanda
(Org.). Infância em perspectiva: políticas, pesquisas e instituições. São Paulo: Cortez,
2010. Cap. 2.
MARCÍLIO, Maria Luíza. A lenta construção dos direitos da criança brasileira: século
XX. Revista USP, São Paulo, v. 37, p. 46-57, mar./ mai., 1998. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/27026. Acesso em: 22. Fev. 2019.
QVORTRUP, Jens. Nove teses sobre a “infância enquanto fenômeno social”. Tradução
de Maria Letícia do Nascimento. Pro-Posições, Campinas, v. 22, n.1 (64), p. 199-211,
jan/abr. 2011. Artigo originalmente publicado em Eurosocial report Childhood as a
Social Phenomenon: lessons from na International Project, n. 47, 1993, p. 11-18.
______. Infância e Política. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 40, n. 141, p. 777-
792, set./dez, 2010b. Artigo adaptado de uma palestra feita na conferência Educação
para a cidadania na sociedade: um desafio para os países nórdicos, realizada em outubro
de 2007, na Escola de Educação de Professores da Universidade de MalmÖ, na Suécia.
164
VERONESE, Josiane Rose Petry; FALCÃO, Wanda Helena Mendes Muniz. A Criança
e o Adolescente no Marco Internacional. In: VERONESE, Josiane Rose Petry (Org.).
Direito da Criança e do Adolescente: novo curso, novos temas. 1.ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2017. Cap. 1.
APÊNDICES
36
Foram utilizadas as expressões entre aspas e sem aplicação de filtros.
167
37
Todos os trabalhos encontrados foram listados na busca com a utilização do parâmetro “participação
infantil”, por esse motivo, desde a primeira seleção, pela utilização do critério de exclusão de trabalhos
repetidos, não foram incluídos na tabela.
38
Todos os trabalhos encontrados já faziam parte dos resultados obtidos com a busca feita com a utilização
do parâmetro isolado da expressão “protagonismo infantil”, por esse motivo, desde a primeira seleção, pela
utilização do critério de exclusão de trabalhos repetidos, não foram incluídos na tabela.
168
um estudo das
relações
educativas em
um contexto de
educação
infantil pública
Fonte: tabela elaborada pela autora
Importante ressaltar que não foi realizado recorte temporal, nem tampouco fora
aplicado filtro por área de conhecimento na busca de teses e dissertações no Catálogo.
As datas de defesa dos trabalhos selecionados, ocorridas entre os anos de 2005 até
2017, revelam a atualidade do interesse na efetivação de pesquisas sobre o tema
participação ou protagonismo infantil em sede de pós-graduação strictu sensu no Brasil,
assim como a predominância na área da Educação. Os motivos que justificam a utilização
de uma expressão em detrimento de outra, ou o uso concomitante de “protagonismo” e
“participação”, sem distinção e na mesma pesquisa, serão averiguados no momento da
análise aprofundada dos trabalhos.
.
1.1.2 Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia- BDBT/IBICT
TOTAL DE
PRIMEIRA SEGUNDA TERCEIRA SELEÇÃO
RESULTAD
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO FINAL
OS
diss. teses diss. teses diss. teses diss. teses
“participação 19 6 1 3 0 3 0 03 00
infantil”
"protagonismo 28 2 2 0 1 0 1 00 01
infantil"
39
Foi utilizada a formulação dos termos assim conjugados: (Todos os campos:"participação infantil" OR
"protagonismo infantil" AND ) E (Todos os campos:“participação infantil” OR “participação da criança”
OR “participação das crianças” OR “protagonismo infantil” OR “voz da criança” OR “cidadania infantil”
AND “sociologia da infância” OR “estudos soci* da infância”)
170
"participação 540 0 0 0 0 0 0 00 00
infantil" E
"sociologia da
infância"
"protagonismo 541 0 0 0 0 0 0 00 00
infantil" E
"sociologia da
infância”
total 57 8 3 3 1 3 1 00 0042
Fonte: quadro elaborado pela autora
40
Todos os resultados obtidos já haviam sido listados na busca com a utilização do parâmetro “participação
infantil” isolado.
41
Todos os resultados obtidos já haviam sido listados na busca com a utilização do parâmetro
“protagonismo infantil” isolado.
42
Os quadros e resultados aqui obtidos foram apresentados apenas como quadro de referência para um
arquivo, mas nenhuma tese ou dissertação deste banco de dados foi selecionado para fazer parte do relatório
de pesquisa.
43
A inclusão deste trabalho foi feita levando-se em consideração não a área de conhecimento a que
pertence, mas a especificidade na abordagem do tema “participação infantil” e o fato dele ter sido
desenvolvido no âmbito do Centro de Investigação sobre o Desenvolvimento Humano e Educação Infantil
(CINDEDI/FFCLRP-USP).
171
Uchôa de
Abreu
Branco
A primeira busca em base de dados com acervo de tipologia variada, com ênfase
em artigos de periódicos acadêmicos, foi feita no portal de periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior – CAPES. As pesquisas seguiram os
mesmos parâmetros utilizados nas bases anteriormente citadas44, sem aplicação de filtros,
na opção “busca avançada”. No entanto, especifica-se que a utilização dos tópicos
conjugados ("participação infantil" OR "participação da criança" OR "participação das
crianças" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança" OR "cidadania infantil" AND
"sociologia da infância" OR "estudos soci* da infância"), resultou em 446 trabalhos, dos
quais 218 constavam em periódicos revisados por pares. Logo após, foi selecionada a
opção “expandir meus resultados”, o que redundou em 645 trabalhos. Considerando o
elevado número, optou-se por efetuar, dentre os resultados obtidos pela busca expandida,
a seleção entre os 225 trabalhos constantes em periódicos revisados por pares. Os
44
Buscas isoladas com a utilização dos tópicos “participação infantil” e, depois, “protagonismo infantil” e,
posteriormente, busca com a conjugação dos tópicos assim formulados: "participação infantil" OR
"participação da criança" OR "participação das crianças" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança"
OR "cidadania infantil" AND "sociologia da infância" OR "estudos soci* da infância".
172
trabalhos selecionados por meio deste critério estão representados no quadro 8 pela
expressão “tópicos conjugados”.
Quadro 8 – quantitativo de artigos no Portal de Periódicos CAPES
“Participação infantil” 32 15 11 11 11
“Protagonismo infantil” 63 17 12 12 11
Tópicos conjugados 225 24 10 10 10
total 320 56 33 33 32
Fonte: quadro elaborado pela autora
45
Muitos dos artigos presentes no volume da revista listada na linha 11 do quadro 9 apareceram nas buscas
feitas no Portal de periódico da CAPES, no entanto, tendo sido listado o editorial da referida revista, foi
possível ter acesso à integralidade do seu conteúdo. A partir disso, verificou-se que artigos interessantes
para o relatório de pesquisa não constaram nos resultados das pesquisas empreendidas no Portal. Com isto
em mente, incluindo o editorial neste balanço, considera-se incluída a integralidade dos artigos que
compõem o volume 14 da Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud.
46
Os trabalhos listados a partir da linha doze, incluindo-a, foram selecionados com a utilização do tópico
de busca “protagonismo infantil”.
174
47
A partir da linha 23, estão listados os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a utilização do
parâmetro “tópicos conjugados”, que são: "participação infantil" OR "participação da criança" OR
"participação das crianças" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança" OR "cidadania infantil" AND
"sociologia da infância" OR "estudos soci* da infância".
175
crianças na educação
infantil
26 Marta A 2015 Currículo
Morgade Salgado; participação das Sem Fronteira
Fernanda Muller crianças nos estudos
da inféncia e as
possibilidades da
etnografia sensorial
27 Sani, Ana Reflexões 2015 E- cadernos,
Isabel sobre infância e os CES (Centro de
direitos de Estudos Sociais da
participação da Universidade de
criança no contexto da Coimbra)
justiça
28 Sobrinho, Metodologias 2014 E- cadernos,
Roberto Sanches de investigação com CES (Centro de
Mubarac crianças: outros mapas, Estudos Sociais da
novos territórios para a Universidade de
infância Coimbra)
29 Sosenski, Dando casa 2016 Revista
Susana para as vozes das Latinoamericana de
criancas, reflexoes a Ciencias Sociales,
partir da historia Niñez y Juventud
(Universidad de
Manizales y Cinde,
Colombia)
30 Andrea A Sociologia 2011 Educação:
Braga Moruzzi da Infância: esboço de Teoria e Prática
um mapa (Unesp)
31 Angela A criança na 1998 Psicologia:
Nobre de Andrade sociedade Reflexão e Crítica
contemporânea: do (UFRGS)
‘ainda não’ ao cidadão
em exercício
32 Ribeiro, OS CABELOS 2015 Politica &
Fernanda DE JENNIFER: por Trabalho (UFPB)
etnografias da
participação de
"crianças e
adolescentes" em
contextos da "proteção
à infância"
Fonte: quadro elaborado pela autora
48
Os tópicos conjugados 1 são: "participação infantil" OR "protagonismo infantil" AND "sociologia da
infância" OR "estudos sociais da infância".
177
Quadro 12: quantitativo de teses, dissertações e artigos da LAreferencia, por etapa de triagem
178
D T A D T A D T A D T A
"participacion 35 3 54 7 0 8 7 0 7 7 7 7 0 7
infantil" OR
"participacion
de los ninos"
OR"participac
ion ciudadana
de los ninos"
total 92 15 14 14 14
Fonte: quadro elaborado pela autora
Gráfico 1
11%
11%
22%
16%
1.3.1 Scopus
1.3.2 Mendeley
A primeira tentativa de busca nesta plataforma foi feita com a utilização do tópico
“chid* participation”, isoladamente. Filtro algum foi aplicado porque não há essa
possibilidade na Mendeley, que não é exatamente uma base de dados, mas é um
gerenciador de referências que oportuniza o encontro de trabalhos relevantes e recentes
com base no(s) temas de interesse de quem pesquisa (ELSEVIER, 2018). Foram
encontrados 78.681 trabalhos. Considerando o elevadíssimo número de pesquisas das
mais variadas tipologias e áreas de estudo, optei por especificar mais a pesquisa com a
utilização do constructo assim formulado: (child* participation AND "Sociology of
Childhood"), aqui simplesmente denominado de “conjunção de tópicos 1”. Em seguida,
49
No momento da construção deste balanço o acesso a este livro era limitado. Mas diante da pertinência
temática e atualidade, verificou-se a imprescindibilidade dele para a construção da pesquisa, o que motivou
o investimento para a sua aquisição.
50
Conference Paper de acesso restrito. Ele interessa para a pesquisa, mas sua imprescindibilidade está
sendo avaliada.
183
partiu-se para uma outra busca, com a utilização da seguinte combinação de tópicos:
(child* participation OR child* social actor OR child* agency AND “sociology of
childhood”), denominada de “conjunção de tópicos 2”, conforme indicação constante
no quadro 16, com o quantitativo de artigos encontrados e selecionados de acordo com
os critérios de inclusão e exclusão.
Quadro 16: quantitativo de artigos científicos na Mendeley
Conjunção de tópicos 1 55 14 04 4 4
Conjunção de tópicos 2 41251 17 12 8 8
total 467 31 0 12 12
Fonte: quadro elaborado pela autora
As informações principais dos artigos que atenderam a todos os critérios constam
no quadro 17, que se segue:
51
A busca resultou em um quantitativo de 412 trabalhos, mas a plataforma somente permitiu acesso aos
100 primeiros.
184
52
Até a linha 4, incluindo-a, constam os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a utilização da
“conjunção de tópicos 1”: (child* participation AND "Sociology of Childhood").
53
Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=_gRTDwAAQBAJ&lpg=PA49&ots=D-
YYnzURxQ&dq=Childhood.%20Oxford%2C%20England%3A%20Polity%20Press.%20Retrieved%20fr
om&hl=pt
BR&pg=PR4#v=onepage&q=Childhood.%20Oxford,%20England:%20Polity%20Press.%20Retrieved%2
0from&f=false>
185
"child* participation" 96 03 03 03 03
Conjugação 1 154 33 13 13 13
"childhood studies" 198 57 45 45 45
total 448 93 61 61 61
54
Até a linha 3, incluindo-a, estão listados os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a utilização
do tópico "child* participation".
55
A partir da linha 4, incluindo-a, estão constam os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a
utilização da conjugação 1: ("child* participation") OR ("child* agency") OR ("child* actor*") OR ("child*
voice") OR ("child* protago*") AND ("sociology of childhood").
187
56
A partir da linha 18, incluindo-a, estão listados os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a
utilização do tópico isolado ("childhood studies").
57
Nos resultados da busca empreendida, foram listadas resenhas do livro citado na linha 18 da tabela nº 19.
Optou-se por incluir a referência do livro e não das resenhas porque, tendo acesso à página da editora, foi
possível a leitura do sumário e o dowload do Capítulo 6, intitulado “Extending agency: The merit of
relational approaches for Childhood Studies, de autoria de Eberhard Raithelhuber. As demais pesquisas
que compoem o livro são pagas, mas considerando a atualidade da sua edição, datada em 2016 e a relevância
das discussões sobre o conceito de agência, lá constantes, serão analisadas as possibilidades de aquisição
dos capítulos mais importantes para a construção da dissertação, o que também justifica a inclusão, neste
balanço, do título do livro, e não de suas partes.
188
58
Considerando que o acesso a este trabalho é limitado, sua inclusão no balanço se deu com base na leitura
do resumo disponibilizado. Ainda será avaliada sua imprescindibilidade para a dissertação.
59
Texto salvo na versão em língua portuguesa sob o título: “estudo da infância e desafios da pesquisa:
estranhamento e interdependência, complexidade e interdisciplinaridade.”
60
Texto salvo na versão em língua portuguesa sob o título: “escutando os adultos sobre proteção da infância
e crianças em situação de rua no brasil urbano”.
61
Trata-se de entrevista publicada em periódico acadêmico brasileiro em língua espanhola. Encontra-se,
também, sob as seguintes titulações traduzidas para o espanhol e para o português, respectivamente:
“Contribuciones en el campo de la Sociología de la Infancia: diálogos com Lourdes Gaitán Muñoz” e
“Contribuições sobre o campo da Sociologia da Infância: diálogos com Lourdes Gaitán Muñoz”.
62
Trata-se de publicação em língua portuguesa, constante em periódico nacional sob o título: “anarquismo
e descolonização: possibilidades para pensar a infância”.
189
63
O trabalho constante na linha 43 da tabela 19, foi incluído por tratar-se de uma resenha elaborada com
base em dois livros tidos como referência básica aos estudos da infância no âmbito acadêmico internacional,
são eles “The Agency of Children: from Family to Global Human Rights”, de autoria de David Oswell,
(Cambridge University Press: Cambridge 2013, pp. 312) e o “Childhoods Real and Imagined, Volume 1:
An Introduction to Critical Realism and Childhood Studies”, escrito por Priscilla Alderson, (Routledge:
Oxfordshire, 2013, pp. 232). Até o momento, desconhece-se sobre a tradução para o português dessas
edições, no entanto, as publicações originais em inglês estão disponíveis para compra on-line, o que será
feito, considerando a relevância para a construção da dissertação. Incluída, neste balanço, a resenha dos
livros aqui mencionados, tem-se por incluídos os próprios livros.
64
Trata-se do editorial escrito para o volume 19, n. 4, do periódico Childhood. Muitos dos artigos
publicados nessa edição não foram listados nos resultados da busca empreendida, contudo, tendo acesso ao
portal da SAGE Journals, editora responsável pelas publicações do Childhood Journal, foi possível efetuar
o download de um artigo com acesso aberto relevante para o relatório de pesquisa, intitulado “Love, rights
and solidarity: studying children's participation using Honneth's theory of recognition”, escrito por Nigel
Thomas.
191
01 32 07 9 12 61
Fonte: quadro elaborado pela autora
“Participação Infantil” 02 00 00 00 00
“Participação das Crianças” 01 00 00 00 00
“Participação” 30 03 03 03 03
“Protagonismo” 03 01 00 00 00
“Crianças” 304 16 09 09 09
Total 340 20 12 12 12
Fonte: quadro elaborado pela autora
Os dados dos trabalhos que compõem o balanço estão no quadro 22, a seguir:
Quadro 22 – trabalhos selecionados nos anais das reuniões nacionais da ANPEd
65
Essa nova pesquisa foi motivada para que fosse encontrado um trabalho específico, intitulado “Caminhos
para a participação infantil”, de autoria de Kátia Adair Agostinho, que não foi listado nas buscas anteriores
e nem tampouco nas demais.
193
66
Até a linha 3, incluindo-a, constam os trabalhos resultantes da busca feita com a utilização do tópico
“participação”. Da linha 4 em diante, incluindo-a, constam os trabalhos selecionados a partir dos resultados
obtidos pelo uso do tópico “crianças”.
194