Conceitos de Participação Infantil Na Sociologia Da

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - PPGE

CONCEITOS DE PARTICIPAÇÃO INFANTIL NA SOCIOLOGIA DA


INFÂNCIA: DIÁLOGOS ENTRE CATEGORIAS

MARIA EDUARDA MEDEIROS DA SILVEIRA

Orientadora: Julice Dias, Dra.

FLORIANÓPOLIS, 2019
MARIA EDUARDA MEDEIROS DA SILVEIRA

CONCEITOS DE PARTICIPAÇÃO INFANTIL NA SOCIOLOGIA DA


INFÂNCIA: DIÁLOGOS ENTRE CATEGORIAS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em Educação do Centro de
Ciências Humanas e da Educação, da
Universidade do Estado de Santa
Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Orientadora: Julice Dias, Dra.

FLORIANÓPOLIS
2019
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca central da UDESC
AGRADECIMENTOS

Muito mais do que um percurso acadêmico para a obtenção de um título de mestre


essa trajetória de dois anos e um mês e pouquinho traçou um divisor de águas em minha
vida. Posso dizer que entrei uma Maria Eduarda e saio outra, completamente diferente,
mais madura, menos ingênua, mais forte, mais consciente e mais feliz até. Então eu
agradeço a mim por não ter desistido e por ter me firmado em minha fé e confiança na
vida, crente de que nunca, nunca mesmo, estou só. Nunca estamos.
Bom, eu tenho um pouco de dificuldade com a objetividade, não tenho problemas
de memória e nem tampouco me furtarei em agradecer por medo de esquecimentos ou de
cometimento de injustiças. Quero aproveitar esse momento porque há muito, muito o que
agradecer e muitos, muitos a agradecer. Em uma dissertação que tematizou a participação
infantil em última e primeira análise falei de relações, relações humanas. E esses dois
anos falaram muito sobre isso para mim. A importância das relações, das pessoas, e dos
acontecimentos que, inicialmente, não fazem sentido algum mas que, depois de algum
tempo, percebemos que foram peças fundamentais nesse quebra-cabeças chamado vida.
E que vida! E quanta cabeça quebrada nesse quebra-cabeças! Haha!
Sou grata à minha mãe, Irene Medeiros Brognolli, não somente por ter, junto com
o meu pai, dado a mim essa oportunidade de vida, mas por ter aguentado comigo esses
dois anos que, ora pareciam passar voando, ora se arrastavam no tempo. Obrigada pelo
sustento afetivo, material e moral. Sem você ao meu lado eu certamente já teria padecido,
talvez até de fome. Obrigada por todo amor, carinho, casa e comida. Amo te sem alcance
com palavras. Perdão também, por todas as angústias compartilhadas. Eu sei que não foi
fácil para ti. Você viveu comigo essa dissertação, e eu sei que foi pesado para o teu
coração essa escolha. Obrigada, obrigada mesmo, por mais essa e por ser a mãe perfeita
para esse meu processo de aprendizado. Mais uma vez, escrevo nessas linhas aquela frase
que adoro: o só sei que nada sei comporta ao menos uma exceção, sei que te amo, ou
melhor, sinto, e muito. És uma mulher incrível e a bordadeira mais criativa e dedicada
que eu conheço. Espero que possamos alinhavar muitas outras histórias por essa vida...
Sou grata ao meu pai, pela torcida e incentivo, por todo crédito que deposita em
mim e por me lembrar da força da nossa família, dos meus ancestrais e ascendentes, tendo
a consciência de onde eu vim e do privilégio por ter cursado o mestrado em um Programa
de Pós- Graduação em uma Universidade pública, gratuita e de qualidade. Passamos por
vários processos nesse período também, processos nem sempre fáceis, nem sempre
tranquilos, mas todos muito importantes para reforçarmos a nossa relação e o nosso
entendimento um sobre o outro. Posso dizer que vem dessa parte da família o meu gosto
pela escola, pela docência. Minha avó, Erothildes, queria ser professora. Foi barrada pelo
pai, que preferiu que ela casasse. Depois o meu pai, autodidata e excelente comunicador,
dava aula em cursos para os técnicos da CELESC e cooperativas Santa Catarina afora...
“O fruto não cai muito longe do pé”, dizem... E acho que é verdade esse “bom senso do
senso comum”. E que bom.
Agradeço aos meus avós e padrinhos, Vó Tida e vô Dedeca, por tudo. Pela infância
abundante, pelos carinhos, chazinhos, abraços e colinhos. Sou pequena diante da força de
vocês e sem essa força eu não teria inspiração para continuar. Vocês são os meus
verdadeiros heróis. Agradeço à minha tia Cleide, professora da Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis, por todo amparo com suas cucas e questionamentos sobre como ia a
vida no mestrado. À minha tia Clea, pela importância inenarrável que tem em minha vida,
não saberia explicar em palavras.
Indo agora para a família por parte de mãe, agradeço à minha tia Regina, por todos
os cristais, orações ao universo, aurículos e acupunturas para manter o equilíbrio ou para
recuperá-lo durante este período. “Estás muito ansiosa, Duda?” era uma pergunta
constante. Obrigada Universo por ter dado a mim a oportunidade de ter caído na mesma
constelação que a sua! Amo- te!
Partindo para um contexto “escolar”, obrigadas sem fim a essa escola que é a
FAED. Encontrei amigos para a vida lá e não posso deixar de nominar alguns deles. À
Elizandra Flores que floriu minha vida, que me emprestou seus ouvidos nas inúmeras
“terapias de carro” nas voltas para a casa depois da aula. Obrigada amiga por ser um e
estar presente em minha vida. Obrigada Laura Pereira Durão, por todos os conselhos
vindos dos altos dos seus 19 anos, dignos dos anciãos. Adoro sua praticidade e senso de
justiça. Obrigada mesmo. Obrigada Luísa Pereira, pelas risadas gostosas, pelas discussões
e desentendimentos que muito me fizeram crescer. Obrigada Rebeca Torres! Ela me dizia:
“Duda, você agora tá [sic] com cara de mestre, sabia? Mais mulher, mais adulta, sua
postura mudou!” E acho que sim também, hehe... Obrigada Joana, pela voz doce, pelo
sorriso fácil, pelas notícias “bomba”... Obrigada por entenderem minhas ausências,
minhas desculpas...
Agradeço a toda turma da graduação que entrou no vestibular do ano 2016/1. Que
turma potente! Aprendo tanto com vocês! Obrigada por serem fortes do jeito que são,
teremos ótimos pedagogos saindo daqui.
Obrigada aos bolsistas do LABOREI, Laboratório de Educação e Infância, e aos
bolsistas do GEDIN, Grupo de Pesquisa em Educação e Infância, e aos Girandoleiros do
Girândola, onde essa história começou. Portanto, Diogo Daniel, Raíza, João Pedro (in
memoriam), Larissa, Yoyo (Yohana). Obrigada por ser com vocês, vocês fortaleceram e
encheram de graça esse caminho. Obrigada pela força, incentivo, rezas, risadas, choros,
abraços. Obrigada por tudo mesmo... Amo vocês.
Agradeço aos professores e professoras que me atravessaram o caminho e a alma.
Nossa, essa parte será difícil, há tanto e tanto para agradecer que é complicado começar
por um. Mas começarei pelo professor Adilson de Ângelo. Sem ele esse trabalho não
existiria. Talvez sem ele não existisse Duda na Educação. O que falar dessa pessoa. Ele
foi além de professor, foi pai, foi amigo, foi conselheiro. Ele co-orientou este trabalho.
Foi uma coautoria afetiva e efetiva. Enquanto cursava o Núcleo de Aprofundamento em
Educação e Infância com ele, sentia que a escolha dos textos era feita levando o meu
trabalho em consideração. Grande parte do referencial teórico aqui presente vem dele,
vem desse núcleo. Obrigada por ter sido o primeiro a me ligar dando os parabéns quando
soube da minha aprovação. Obrigada pelas feijoadas e por todas as outras delícias
compartilhadas. Pelas viagens, pelos abraços, pelos choros. Jamais esquecerei do dia em
que você me disse: “Duda, dizem que a vida acadêmica é um percurso solitário, mas não
precisa ser assim”, enquanto segurava a minha mão. Choro agora o tanto que chorei
naquele dia.
Agradeço sem fim à minha querida orientadora Julice Dias. Como eu te admiro!
Obrigada e perdão, por todos os textos enviados com atraso, por toda angústia que fiz
você passar durante os períodos de “sumiço”, obrigada por toda a paciência. Eu não
estaria na pós se não fosse por você. Eu não teria esse tema se não fosse por você.
Obrigada por não ter desistido de mim, mesmo tendo tido todos os motivos para fazê-lo.
Obrigada por ser um enorme exemplo de ser humano, de profissional e de generosidade.
Minha gratidão por ti ultrapassa os muros dessa vida. Obrigada, do fundo do meu coração.
Agradeço às professoras Maria Conceição Copette, Geysa Spitz Alcoforado de
Abreu, por todas as acolhidas, por todos os aprendizados e conselhos. Vocês são
inspiradoras e maravilhosas!
Agradeço ao professor Norberto Dallabrida esse ser humano incrível que ensina
para além da sala de aula. É bom considerá-lo um amigo. Sou grata demais por esse
encontro. Obrigada pela força, pelos conselhos, puxões de orelha e pela paciência sem
fim que você tem comigo. Você tem morada especial em meu coração.
Às amigas e professoras Gisele e Fernanda Gonçalves e Letícia Cunha. Essas três
são as responsáveis por eu estar na educação hoje. Foi por conta das nossas conversas que
me senti estimulada a seguir nessa empreitada, foi por meio de vocês que consegui
vislumbrar as possibilidades que teria pela frente e aquelas que nem fazia ideia que
poderiam surgir. Obrigada. Vocês são inspiração hoje e sempre. Amo vocês e sinto
saudades também. E isso também se aplica aos respectivos esposos, Tássio, Gustavo
Menor e Gustavo Tomaz, vocês fazem falta em minha vida. Obrigada por todos os
momentos de risadas. Torço para que tenhamos mais momentos juntos.
Obrigada aos professores da pós: além do professor Norberto, professor Lourival,
professora Mariléia, professora Ana Paula, professora Alba e Marcelo Zapelini, da
ESAG. Obrigada a todos vocês por ensinarem tanto, pela disponibilidade e carinho com
que empreendem seus ofícios. Vocês são seres humanos valiosos!
Obrigada às professoras da Banca de qualificação, Kátia Adair Agostinho e
Roselaine Ripa e às professoras da banca de defesa, Josiane Rose Petry Veronese, Kátia
Adair agostinho, Rosa Martins. Vocês foram valentes em ler meu texto até o final.
Obrigada por todos os ensinamentos, críticas e sugestões. O trabalho não seria o mesmo
sem a expertise de vocês. Admiro-as.
Não posso deixar de nominar aqui alguns colegas do mestrado: Tales, Letícia,
Rodrigo, Elaine, Kênia, Wil, Bárbara, Cris, Beatriz, Larissa, e ao meu grande presente,
essa amizade que tenho certeza, será para a vida: Flora Bazzo, minha marida! Obrigada
pelas caminhadas, pelos almoços, pelas terapias transversais, pelo Rodrigo, por tu ser
poesia em forma de vida humana. Amo- te sem fim! Obrigada, obrigada, por tanto e por
tudo! Por certo as caminhantes são as melhores escritoras...
Obrigada aos amigos do MPT Forever e dos encontros acalentadores: Tales, Gabí,
Isabel, Arthur, Lana, Elysa. Vocês são especiais para mim!
Obrigada à minha amiga Ana Paula, tão ou nem sempre paciente com as minhas
ausências. Obrigada por me levar para bailar quando era necessário. Amo- te!
Obrigada às partes de mim que estão longe: meus irmãos Ana Clara Medeiros da
Silveira, meu irmão Fernando Medeiros de Azevedo e minha irmã Júlia Wolf. Meus
amores, minha família! Sou tão grata por ter nascido nesse seio. Vocês me alegram, me
estimulam e me enchem de orgulho. Esse trabalho é também para vocês. Obrigada ao
meu irmão que está pertinho, o Rafael, à minha sobrinha inspiração, Rafaela, à minha
cunhada querida Emanoella. Obrigada à ex cunhada, para sempre amiga, Sandrine,
professora, por tanta querideza. És uma irmã que a vida me deu.
Aos queridos da ONG Arte de Viver. As respirações e meditações que aprendi
nela foram imprescindíveis para esse percurso. Não teria chegado até o final sem sérias
perturbações mentais sem a ajuda deles. Agradeço especialmente à Ju Moraes, ao Jonas,
à Ângela, à Dinara, ao meu amigo Davide, à Amanda, à Bruna Rigo, ao André, ao
Marcelo, à Jana, ao Auri, à Aline, à Bi, ao Dani, à Débora, ao Zico, à Moriani, à Ana, aos
satsangs e a todos que estiveram presentes e, claro, ao Guruji por ter criado esse ambiente
maravilhoso e as técnicas igualmente maravilhosas.
Obrigada a Deus, ao universo por essa oportunidade de vida. Que eu possa ainda
escrever muito mais, sobre muitas outras coisas. Eu gosto disso. Agradeço a todos que
leram e lerão este trabalho, espero que ele seja de alguma forma útil.
Agradeço às crianças do mundo. Vocês são o que de melhor há nessa humanidade
e são a razão da existência deste trabalho. Vocês são existência e resistência. Vocês são
poesia e proza. São música. São alegria e diversão. São cem, são mil, são um milhão de
motivos para que escrevamos mais e mais. Para vocês e com vocês. Sempre foi por vocês.
Que meu coração sempre esteja conectado às crianças de toda parte. Somos UM e somos
MÚLTIPLOS.
.
“Ah, as crianças são traidoras!”, pensou. “Surpreendem
com o melhor e mais puro de si mesmas! Conseguem dar
afeto com uma facilidade que chega a assustar!” E, num
mundo sempre a ponto de naufragar, que se movia no fio
do egoísmo, da incerteza e da crueldade humana, todos
sabiam que isso era perigoso. Uma criança tanto podia
matar com a sua sinceridade como atravessar com seu
desembaraço os espessos muros da consciência”. (Jordi
Sierra e Fabra, Kafka e a Boneca Viajante, 2009, p.68).
RESUMO
A dissertação ora apresentada segue a abordagem qualitativa, de caráter exploratório, na
modalidade de pesquisa bibliográfica, assumindo a reflexividade como norteadora
metodológica e a análise de conteúdo de variante categorial e de avaliação enquanto
método de análise. Está inserida no contexto do Grupo de Estudos Sobre Educação e
Infâncias- GEDIN e do Laboratório Sobre Educação e Infância- LABOREI, inscritos no
âmbito institucional da Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC. O objetivo é
o de mapear os entendimentos discursivos, teóricos e empíricos sobre a temática da
participação infantil desenvolvidos por pesquisadores que lançam mão do aporte
referencial, dentre outros, da Sociologia da Infância e que utilizam métodos de pesquisa
em nível macro, ou seja, que seguem uma abordagem estrutural a respeito da Infância,
tomando-a enquanto macro-fenômeno, assim como os contributos dos pesquisadores que
fazem uso do método em nível micro- orientado, mormente aqueles que seguem a
abordagem social psicológica ou sob a perspectiva da ação, na condução de investigações
sobre e com crianças. Optamos pelo recorte temporal de cinco anos, através da seleção
de trabalhos incluídos no período entre 2013 e 2018. Enquanto eixos teóricos
norteadores, optamos pela compreensão esposada pela nova Sociologia da Infância que,
a um só tempo, conceitua as crianças enquanto agentes sociais, atores na produção das
culturas infantis, capazes de reinterpretar inventivamente o contexto concreto em que
vivem, onde participam por meio de múltiplas expressões, ao passo em que a Infância é
conceituada enquanto categoria estrutural permanente da sociedade e período socialmente
construído, em que as crianças vivem suas vidas por um determinado período
cronologicamente determinado. Esses conceitos são articulados com o enfoque dos
direitos, no que concerne à assunção das crianças enquanto sujeitos de direitos e a
participação infantil enquanto Direito Humano Fundamental. Enquanto resultado da
pesquisa, mostrou-se latente a complexidade da temática da participação infantil e a
necessidade de compreendê-la em conjunto com outras categorias, abordadas neste
trabalho. Outrossim, verificou-se, no levantamento bibliográfico realizado, a inexistência
de teses e dissertações com o aporte macro e da eleição do tema da participação em
pesquisas sobre e com bebês, o que aponta para índices profícuos para trabalhos futuros.

Palavras-chave: Participação das crianças. Participação Infantil. Sujeitos de Direitos.


Sociologia da Infância. Direitos Humanos.
RESUMEN

La tesis presentada aquí sigue el enfoque cualitativo de carácter exploratorio, en la


modalidad de investigación bibliográfica, asumiendo la reflexividad como guía
metodológica y el análisis de contenido de la variante categórica y la evaluación como
método de análisis. Se inserta en el contexto del Grupo de Estudio sobre Educación e
Infancia - GEDIN y el Laboratorio de Educación e Infancia - LABOREI, registrado en el
ámbito institucional de la Universidad Estatal de Santa Catarina - UDESC. El objetivo es
mapear los entendimientos discursivos, teóricos y empíricos sobre el tema de la
participación infantil desarrollados por investigadores que utilizan el marco de referencia,
entre otros, de la sociología infantil y que utilizan métodos de investigación a nivel macro,
es decir, que seguir un enfoque estructural de la Infancia, tomándolo como un macro-
fenómeno, así como las contribuciones de los investigadores que usan el método a nivel
microorientado, especialmente aquellos que siguen el enfoque psicológico social o desde
la perspectiva de la acción, en realizar investigaciones sobre y con niños. Optamos por el
plazo de cinco años, seleccionando documentos incluidos en el período comprendido
entre 2013 y 2018. Como ejes teóricos orientadores, optamos por la comprensión
adoptada por la nueva Sociología de la Infancia que, al mismo tiempo, conceptualiza a
los niños como agentes sociales, actores en la producción de culturas infantiles, capaces
de reinterpretar de manera inventiva el contexto concreto en el que viven, donde
participan a través de múltiples expresiones, mientras que la infancia se conceptualiza
como una categoría estructural permanente de la sociedad y un período socialmente
construido, en el que los niños viven sus vidas. vive por un cierto período
cronológicamente determinado. Estos conceptos se articulan con el enfoque de derechos,
considerando la asunción de los niños como sujetos de derechos y la participación infantil
como un derecho humano fundamental. Como resultado de la investigación, la
complejidad del tema de la participación infantil estaba latente y la necesidad de
comprenderlo en conjunto con otras categorías abordadas en este documento. Además, se
encontró en la encuesta bibliográfica, la ausencia de tesis y disertaciones con la
contribución macro y la elección del tema de participación en la investigación sobre y
con bebés, que apunta a índices fructíferos para el trabajo futuro.

Palabras clave: Participación de los niños. Participación infantil. Derechos sujetos.


Sociología de la infancia. Derechos humanos.
ABSTRACT

The dissertation presented here follows the qualitative approach of exploratory character,
in the modality of bibliographic research, assuming reflexivity as a methodological guide
and content analysis of categorical variant and evaluation as a method of analysis. It is
inserted in the context of the Study Group on Education and Childhood - GEDIN and the
Laboratory on Education and Childhood - LABOREI, registered in the institutional scope
of the State University of Santa Catarina - UDESC. The objective is to map the discursive,
theoretical and empirical understandings on the theme of child participation developed
by researchers who use the referential support, among others, of the Sociology of
Childhood and that use research methods at the macro level, ie, that follow a structural
approach to Childhood, taking it as a macro-phenomenon, as well as the contributions of
researchers who use the method at the micro-oriented level, especially those who follow
the social psychological approach or from the perspective of action, in conducting
research on and with children. We opted for the five-year timeframe, by selecting papers
included in the period between 2013 and 2018. As guiding theoretical axes, we opted for
the understanding espoused by the new Sociology of Childhood that, at the same time,
conceptualizes children as social agents, actors in the production of children's cultures,
capable of inventively reinterpreting the concrete context in which they live, where they
participate through multiple expressions, whereas childhood is conceptualized as a
permanent structural category of society and a socially constructed period, in which
children live their lives. lives for a certain chronologically determined period. These
concepts are articulated with the rights approach, regarding the assumption of children as
subjects of rights and child participation as a fundamental human right. As a result of the
research, the complexity of the theme of child participation was latent and the need to
understand it in conjunction with other categories addressed in this paper. Moreover, it
was found in the bibliographic survey, the absence of theses and dissertations with the
macro contribution and the election of the theme of participation in research on and with
babies, which points to fruitful indexes for future work.

Keywords: Children's participation. Child Participation. Rights Subjects. Sociology of


Childhood. Human rights.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1: Diferenças Internas ao campo da SI .................................................. 51


Quadro 2: Esquema das análises dos dados obtidos ......................................... 120
Figura 1: Escada de Hart (1992)........................................................................134
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AISFL Association International Des Sociologues de Langue Française


CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDC/1989 Convenção dos Direitos da Criança de 1989
CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
DCNEI Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
EFA Educational for All
FAED Centro de Ciências Humanas e da Educação
FURG Universidade Federal do Rio Grande
GEDIN Grupo de Estudos em Educação e Infância
IEC Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho
ISA International Sociology Association
LABOREI Laboratório de Educação e Infância
PUC- Goiás Pontifícia Universidade Católica de Goiás
PUC- SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SI Sociologia da Infância
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina
UNCRC Union Nations Convention on the Rights of the Child
SUMÁRIO

1 EXERCÍCIO DE SÍNTESE NÃO TOTALIZANTE DO “SI-MESMO”:


EXPERIÊNCIAS ENTRECRUZADAS ....................................................................... 8

1.1 DO DIREITO À EDUCAÇÃO E O DIREITO NA PEDAGOGIA: PERCURSOS DE


UMA CURIOSIDADE INQUIETANTE SOBRE O DIÁLOGO E O HUMANO ....... 17

2 METODOLOGIA...................................................................................................... 27

2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE PESQUISA ................................... 27

2.2 PRESSUPOSTOS DE ANÁLISE ............................................................................ 33

3 SOCIOLOGIA[S] DA INFÂNCIA: CONTEXTUALIZANDO O CAMPO,


IDENTIFICANDO PARADIGMAS ........................................................................... 35

3.1 TEORIAS TRADICIONAIS DA SOCIALIZAÇÃO .............................................. 55

3.1.1 Processo de socialização do modelo determinista ............................................. 56

3.2 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DOS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO


INFANTIL ...................................................................................................................... 62

3.3 A TESE DA “REPRODUÇÃO INTERPRETATIVA” DE WILLIAM CORSARO


........................................................................................................................................ 67

3.4 AGÊNCIA DA CRIANÇA ...................................................................................... 72

3.5 A INFÂNCIA ENQUANTO ESTRUTURA E FENÔMENO SOCIAL ................. 77

4 PARTICIPAÇÃO INFANTIL E SUAS IMBRICAÇÕES: CONCEITO


MULTIFACETADO .................................................................................................... 84

4.1 A PARTICIPAÇÃO INFANTIL EM ESTUDO MACRO- ORIENTADO SOB A


PERSPECTIVA ESTRUTURAL ................................................................................. 108

4.2 A PARTICIPAÇÃO INFANTIL EM ESTUDO MICRO-ORIENTADO NA


PERPSPECTIVA DA AÇÃO OU DOS ESTUDOS INTERPRETATIVOS .............. 111

4.4 PARTICIPAÇÃO INFANTIL NAS TESES E DISSERTAÇÕES BRASILEIRAS


...................................................................................................................................... 117

5 STANDARTS DA PARTICIPAÇÃO INFANTIL: COTEJAMENTO ENTRE


CONCEITOS, TEORIAS, ABORDAGENS E EMPIRIAS ................................... 144
4.1 DIMENSÕES ÉTICAS, POLÍTICAS E ESTÉTICAS DA PARTIPAÇÃO
INFANTIL NA EDUCAÇÃO, COM ÊNFASE NA EDUCAÇÃO INFANTIL ......... 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 156

APÊNDICES ............................................................................................................... 166

APÊNDICE A ─ Protocolos Dos Levantamentos Bibliográficos ................................ 166

1 RESULTADOS DAS PESQUISAS POR TIPOLOGIA DOS DOCUMENTOS E


BASES DE DADOS UTILIZADAS .......................................................................... 166

1.1 TESES E DISSERTAÇÕES................................................................................... 166

1.1.1 Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento e


Pessoal de Nível Superior- CTD/CAPES .................................................................. 166

1.1.2 Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de


Informação em Ciência e Tecnologia- BDBT/IBICT .............................................. 169

1.1.3 Total de Teses e Dissertações nas bases de dados exclusivamente brasileiras


...................................................................................................................................... 171

1.2 SELEÇÃO DE TRABALHOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE


TIPOLOGIAS VARIADAS COM ÊNFASE EM ARTIGOS CIENTÍFICOS ............ 171

1.2.1 Portal de Periódicos da CAPES ....................................................................... 171

1.2.2 SciELO – Scientific Eletronic Library Online – Brasil .................................. 175

1.2.3 LAReferencia- Rede Federada de Repositórios Institucionais de Publicações


Científicas .................................................................................................................... 177

1.3 TRABALHOS DE TIPOLOGIA VARIADA COM ENFASE EM ARTIGOS


CIENTIFICOS EM LINGUA INGLESA .................................................................... 181

1.3.1 Scopus ................................................................................................................. 181

1.3.2 Mendeley ............................................................................................................ 182

1.3.3 Web of Science ................................................................................................... 184

1.3.4 Total de Artigos Científicos Selecionados ....................................................... 191

1.4 TRABALHOS DISPONIVEIS NA BIBLIOTECA VIRTUAL DA ANPED ....... 192

1.4.1 Total de trabalhos em anais selecionados ........................................................ 194

1.2 QUANTITATIVO GERAL DE TRABALHOS SELECIONADOS ..................... 194


8

1 EXERCÍCIO DE SÍNTESE NÃO TOTALIZANTE DO “SI-MESMO”:


EXPERIÊNCIAS ENTRECRUZADAS

Escrevo este introito tendo em mente que, a tentativa inicial de investigar com
aprofundamento, na intenção ou desejo de chegar próximo às raízes sócio- históricas, às
origens, aos possíveis nascedouros de algo − e nesse algo estão incluídos os conceitos −,
não só mobiliza a necessidade de um perscrutamento intenso e criterioso, mas,
principalmente, denota o que agora percebo como a manifestação de uma ingenuidade
acadêmica. Isso porque, neste momento, com os pés mais fincados no chão, dou-me conta
das variadas implicações, não só na percepção do que está implícito, subjacente na
construção de uma pesquisa, mas das condicionantes da exequibilidade, imperiosa no
decurso temporal de dois anos do curso de mestrado.
Aquelas inquietações, às vezes angustiantes, que circundam de incógnitas nossas
mentes e corações, tão primárias, podem, talvez, continuar sendo as mesmas de outrora:
será possível conhecer a verdade das coisas? Será que existe essa verdade? Pode-se falar
em verdades? O que torna algo verdadeiro ou minimamente verossímil? Será possível, ao
menos, obter uma fresta plausível que nos afague a dúvida, por meio do cotejamento de
indícios históricos, filosóficos, sociológicos, culturais? Ciente da ingenuidade
imaginativa que me habita e, espero, longe dos cânones das verdades absolutas, acerco-
me da noção de que essa engrenagem continua, para além de mim, porque faz parte da
lógica do inacabamento da ciência, inserida na dinâmica da própria vida, mutável por si
só.
Depois da feitura de levantamentos bibliográficos extensivos, de mergulhos
intensos nas leituras, da necessidade ─ muitas vezes desafiadora de ser conduzida ─ no
sentido de canalizar a tendência da curiosidade para interesses acadêmicos diversos para
focar, de forma coesa, no encaminhamento e construção de um relatório de pesquisa
coerente, tenho em mente a não pretensão de querer dar conta de oferecer respostas
àquelas perguntas anunciadas no parágrafo antecedente, porque sei também que, mesmo
com a contextualização necessária sobre o tema, que lança mão de aporte teórico
sociológico aliado ao enfoque dos direitos, somada com uma seleção cuidadosa da
literatura e da posterior leitura analítica dos dados de pesquisa gerados e cotejados, que
ofereceram e oferecem espectros distintos sobre o referente escolhido, percebo que não
há como relatar, na sua inteireza, os traços culturais, societários, políticos e históricos que
emolduram um assunto, temática e tema objetos de interesse.
9

Há, no entanto, a possibilidade interpretativa dos dados, partindo de apoios


múltiplos dentro do “espaço do saber sociológico”. (LAHIRE, 2002, p.13). Há, portanto,
considerando as condições objetivas e subjetivas que me permeiam enquanto ser humano
mulher que está mestranda no Programa de Pós- Graduação em Educação do Centro de
Ciências Humanas e da Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina-
FAED/UDESC, a leitura do possível. Leitura essa que opera com o uso de algumas lentes
que ajudam a interpretar os sentidos e percepções. Isso significa dizer que existem
limitações várias que implicam não encontrar uma raiz, sobretudo, pela temporalidade
abarcada pelo curso de mestrado, mas, talvez, o que pode ser uma raiz que sustenta as
definições sobre participação infantil, a partir da mobilização de “referências e pontos
de apoio que [...] não são homogêneos nem sequer inscritos num único campo do saber”
(LAHIRE, 2002, p. 13) os, quais, ainda assim, subsidiam as atividades de pesquisa que
se inscrevem no “espaço do saber sociológico” (LAHIRE, 2002, p. 13).
Metafórica ou alegoricamente, entendo as possibilidades da pesquisa ─ e dos
olhares do e da pesquisadora ─ e as possibilidades conceituais e seus enraizamentos,
assim como são as raízes de uma árvore: são variadas as ramificações, as espessuras, e
até há o entrelaçamento com raízes de árvores alheias...Ou mais múltiplas do que alheias
entre si. Por essa mesma razão, até mesmo com certa imposição ─ porque, neste caso,
não vislumbro possibilidade de dissociação─, autorizo-me ao diálogo com o Direito.
Nessa empreitada múltipla, ao passo em que os conceitos são produções históricas
e culturais, demarcados pela não linearidade e informados por inúmeras referências,
guardadas as proporções, as ramificações que incidiram nesse percurso acadêmico ─
considerando as intenções de pesquisa e os ensaios para sua concretização ─, tenho por
certo, agora analisando o percurso como um filme, que foram também variados e não
lineares.
Um dos tantos caminhos possíveis que me inquietaram assentava-se no estudo
sobre a participação infantil na estrutura macro-societária. Por meio da análise da
participação infantil no ciclo das políticas públicas e, mais especificamente, no que
concerne à gestão democrática da cidade, tinha como pressuposto que as intervenções das
crianças, para além de modos de efetivação do direito à participação, positivado mais
recentemente pela Lei nº 13.257/20161 são, sobretudo, uma forma de imprimir, no

1
O direito à participação infantil, na Lei citada, encontra-se expressamente previsto no Parágrafo Único do
artigo 4º e no artigo 6º.
10

contexto urbano, uma cidadania experienciada e uma forma de consubstanciar o objetivo


da promoção do bem-estar aos habitantes de uma cidade.
A hipótese central estava assentada na ideia inicial de que, se uma política urbana
é pensada para e com as crianças, seriam atingidos boa parte dos objetivos centrais da
política de desenvolvimento urbano, dispostos no caput do art. 182 da Constituição
Federal de 1988, que são a ordenação “do pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade” e a garantia do bem estar de seus habitantes (BRASIL, 1988). Essa correlação
básica foi traçada ao tomar as crianças enquanto critérios balizadores para o que se
considera “bem-estar”, por meio da noção simples de que, se uma cidade é boa para se
viver a infância, mais facilmente assim poderá ser para quaisquer outras etapas
geracionais.
Desta forma, por meio de processos participativos, centrados na escuta das
crianças na fase de formulação de políticas sobre questões concernentes à construção e
reformulação dos espaços urbanos, poder-se-ia obter um incremento ou potencialização
da noção de cidade garantidora do bem-estar aos habitantes e, concomitantemente, da
noção de cidade enquanto instância educativa.
No entanto, diante das formulações ainda embrionárias sobre o projeto e com o
passar do tempo, tomando consciência, mais uma vez, da ingenuidade dos pensamentos
atrelados às noções lineares de causa e efeito, eis que, compartilhando das impressões
registradas por Grüm, à época jovem pesquisador de iniciação científica, assinalo, com
ele, a percepção de que “havia [há] um enorme espaço contingencial que se abria [abre]
silenciosamente a cada tentativa de cercar o objeto de estudo. Um espaço não
necessariamente lógico (o que é muito diferente de ilógico) na atividade de pesquisa”
(1996, p. 9 apud COSTA, 2007, p. 140).
Alguns desses espaços contingenciais, no presente caso, estão atrelados às
condições objetivas circunscritas 1) ao tempo relativamente curto do mestrado e 2) à
recente contribuição2 e heterogeneidade das formulações epistemológicas, teóricas e
metodológicas da Sociologia da Infância, campo3 disciplinar do conhecimento que

2
Embora haja referência de uso da expressão “Sociologia da Infância” datada dos anos 30. (SARMENTO,
2008, p. 02; SIROTA, 2001; MAUSS, 2010).
3
São reconhecidos alguns standarts conceituais e metodológicos que conferem à Sociologia da Infância
especificidade suficiente para se afirmar o que ela não é: não é disciplina da Sociologia da Educação nem
tampouco da Sociologia da Família, embora o diálogo entre elas seja constante. Há, outrossim, um esforço
epistemológico, teórico e empírico para o afastamento da ideia que marcou o início do pensamento
sociológico, que considerava a infância enquanto geração destinatária de processos de socialização, a serem
efetivados em formatos de “transmissão” cultural dos adultos para as crianças. Trabalhos acadêmicos
(QVORTRUP, 2011; SIROTA, 2001) e encontros científicos de ampla repercussão, datados sobretudo do
11

oferece, junto com a teoria de ator plural de Lahire (2002), as lentes com as quais se
pretende compreender a unidade referencial “participação infantil” e que se pretendia
lançar mão para a consecução daquela pretensão de pesquisa anteriormente anunciada.
Estando aquela intenção analítica de pesquisa circunscrita, sobretudo, aos estudos
sociológicos da infância da corrente estrutural, de premente importância, todavia, de
construção recente4 e, também, com nossos parcos subsídios referenciais, não foi
vislumbrada segurança teórica e empírica suficientes para que se empreendesse, nesse
nível de pesquisa, uma análise macroestrutural. Isso porque, conforme indica Sarmento
(2008), para efetivação de um trabalho com esse aporte, os diálogos interdisciplinares
devem alcançar áreas do conhecimento como a Economia, a Geografia, a Ciência Política,
a Demografia e a Sociologia Geral, o que transborda ao que é operacionalizável nesse
momento da pesquisa.
Diante desse cenário, considerando também as motivações temáticas que me
mobilizam e minha trajetória formativa, em orientação, entendemos interessante fazer
uma pesquisa bibliográfica para efetivar um mapeamento que identificasse as categorias
e os conceitos mobilizados para compreender as variadas acepções sobre o que é
participação infantil, sobretudo na Sociologia da Infância. A proposta foi a de promover
um cotejamento entre os variados esforços teóricos e empíricos empreendidos para a
compreensão da participação infantil no campo citado, tendo como interesse central a
sistematização das categorias, das ancoragens conceituais utilizadas e dos caminhos
teóricos que culminaram na utilização do tema da participação voltado às crianças e às
infâncias, naquele campo do conhecimento, por meio da elaboração de um inventário
epistemológico capaz de clarificar a rede de imbricações teóricas e das categorias nelas
presentes para a formulação de conceitos.
Levantamos enquanto hipótese que o tema não emergiu da Sociologia da Infância,
mas vem sendo empregado e defendido por esta por meio de variados enfoques e, ao
mesmo tempo, a partir de pressupostos de análise muito peculiares a esse campo
disciplinar. Uma dessas peculiaridades consiste em compreender a sociedade
empreendendo um viés de investigação que parte do fenômeno social da infância,

final da década de 1980 e início da década de 1990, conferiram relevo ao reconhecimento da “infância
enquanto fenômeno social”, o que sugere a compreensão da sociedade a partir do fenômeno social da
infância. (QVORTRUP, 2011; SARMENTO, 2008). Estes esforços acadêmico-científicos legitimam a
existência de uma nova Sociologia da Infância, já que reorientam o campo sociológico a partir da
proposição de uma “distinção analítica” sobre as crianças e a infância.
4
Qvortrup é um dos principais expoentes da corrente estrutural, abordagem com publicações mais
substanciais datadas a partir da década de 1990.
12

tomando as crianças enquanto sujeitos passíveis de análise sociológica e a infância


enquanto categoria social. (QVORTRUP, 2010a). Desse duplo alicerce desdobra-se a
noção de que, “ao estudar a infância não é apenas com as crianças que a disciplina se
ocupa, é com a totalidade da realidade social o que se ocupa a Sociologia da Infância”.
(SARMENTO, 2008, p.3).
Nesse sentido, o que confere coerência interna ao campo parece estar assente: os
seus objetos de estudo, que são as crianças e a infância. Ambas são fonte de ocupação
primeira da Sociologia da Infância e, mesmo nas diferentes perspectivas analíticas, há a
compreensão de que são as crianças atores sociais, sujeitos concretos, nos seus “mundos
de vida”, e a infância se constitui em “categoria social do tipo geracional, socialmente
construída.” (SARMENTO, 2008, p.3).
Tais percepções também convergem para outras ocorrências verificadas e tratadas
enquanto paradoxos sobre a “abordagem sociológica da infância” (SARMENTO, 2008,
p. 1). Tratam-se de antinomias que o autor esclarece não se referirem às “diferenças
internas ao próprio campo”. Estas, por comporem uma gama de diversificações afetas à
área sociológica de estudos, para o pesquisador citado, podem ser traduzidas “a partir de
três fatores de diferenciação: tradição cultural e linguística do trabalho sociológico, a
perspectiva paradigmática em que se situam os estudos sociológicos e o tipo de
abordagem”. As diferentes abordagens dentro do próprio campo da Sociologia da Infância
demarcam, por seu turno, muito mais o aspecto multifacetado e dialógico da disciplina e
os caracteres que a complexificam, na medida em que se constituem em rede, em
imbricações conceituais, teóricas, empíricas e epistemológicas diversificadas, do que são
reveladoras de divergências ou antagonismos entre elas.
E é justamente em virtude da constatação desse caleidoscópio, tratado muitas das
vezes enquanto característico de uma área de estudos interdisciplinares, que motivou a
escolha da participação infantil como unidade temática e referencial, tomada a partir dos
contributos da Sociologia da Infância e do enfoque dos Direitos enquanto eixos teóricos
norteadores deste trabalho.
Partindo dessas premissas, a Sociologia da Infância objetiva analisar e
compreender o paradoxo anunciado anteriormente: a percepção de que, na
contemporaneidade, a criança tem sido destinatária de atenção e cuidado com muito mais
veemência quando se compara com outros momentos históricos e, paralelamente a isso,
a infância se configura enquanto geração que mais sofre e acumula indicadores de
exclusão. (CORSARO, 2011; QVORTRUP, 2010a, p. 641; SARMENTO, 2008, p.7).
13

Pode-se afirmar, portanto, que a Sociologia da Infância assumiu como norte para
erigir um campo a reordenação do sentido analítico sociológico sobre a infância e as
crianças concretas, ao assumi-las como as principais portas de entrada para a
compreensão da realidade social. Isso se dá por meio do esforço em representá-las como
agentes e participantes em pesquisas sobre e com as crianças. Essa reorientação analítica
e postural sobre e com as crianças e as Infâncias, consideradas como uma espécie de
“portal” referencial, é o que confere, para Sarmento (2008), ineditismo ao campo na busca
da sua autonomia (BOURDIEU, 2004).
Tomando essas concepções como basilares e entendendo que os Direitos das
Crianças ─ mormente aqueles dispostos na Convenção sobre os Direitos da Criança de
1989- CDC ─ são os alicerces sobre os quais devem ser construídas as políticas
educacionais e que estas devem fomentar ações, também pedagógicas, que sejam
contextualizadas, “socialmente atentas aos fatores de desigualdade, culturalmente
respeitadoras da diversidade e verdadeiramente centradas nas crianças concretas e nas
suas necessidades reais de viver, brincar, aprender e conviver com os outros”
(SARMENTO, 2015, p. 141), é que se compreende que o tema da participação infantil
seja uma chave para endossar o movimento que pretende ressignificar as perspectivas
sobre as crianças e as infâncias, e que a clarificação conceitual, por meio do mapeamento
das categorias que o informam, revela-se como um caminho que se contrapõe à
invisibilização da infância e à subalternização das crianças (QVORTRUP, 2010a).
O objetivo deste estudo, portanto, é o de promover um cotejamento entre os
variados esforços empreendidos para a compreensão do direito à participação infantil no
campo disciplinar citado, analisando, reflexivamente (BOURDIEU, 2004, 2007; DAVIS;
WATSON; CUNNINGHAM- BURLEY, 2005; DEWEY, 2010; JENKS, 2005;
LAHIRE, 2002), acerca dos conceitos mobilizados nos referenciais estudados e das
categorias que os informam, de modo a identificar as categorias operacionais intrínsecas
ao referente “participação”. Com isso, ao inventariar as categorias utilizadas e
desenvolvidas por autores de base da Sociologia da Infância (ALANEN, 2009, 2018;
ALDERSON, 2005; CHRISTENSEN; JAMES, 2005; JENKS, 2005; CORSARO, 2011;
CUNHA; FERNANDES, 2012; FREEMAN, 2009; HONING, 2009; HENDRICK, 2005,
2009; HENGST, 2009; JAMES, 2009; MAYALL, 2005, 2009, 2010; McKENDRICK,
2009; NIEDERBERGER, 2010; OLK, 2009; PROUT, 2010; QVORTRUP, 2010a,
2010b, 2011; ROBERTS, 2005; SARMENTO, 2008; SIROTA, 2001), entrecruzadas
com pesquisas sobre a temática ─ selecionadas por meio de levantamentos de literatura
14

com recorte temporal de cinco anos (2013- 2018) ─, entendemos que a clarificação
conceitual, com apropriação teórica, é necessária baliza para organizar a prática e para
efetuar uma reorientação paradigmática, capaz de influenciar na interação dos adultos
com as crianças, reverberando na efetivação qualitativa dos seus direitos. Nesse sentido,
argumentamos que passar a considerar as crianças como sujeitos ou agentes representa
uma mudança de paradigma, ultrapassando ideias nas quais as crianças são tratadas como
objetos a serem alterados e formados de acordo com metas predefinidas. (PROUT, 2010;
LEE, 2010). Para além desses posicionamentos, que facilmente podem redundar em uma
retórica, pretendemos facilitar o delinear de programas de ação assentados nos direitos da
criança, mormente aquele aqui tematizado, que é o da participação infantil.
Para tanto, concebê-las enquanto agentes de transformação social capazes, nos
seus modos de viver a infância, de interagir, agir, transgredir e provocar mudanças nas
realidades em que se constituem, é espectro teórico a partir do qual se pretende o
engajamento na pesquisa (CORSARO, 2011). Ao mesmo tempo, ao investigar a rede de
categorias e as diversas perspectivas conceituais na formulação de noções sobre a
participação infantil, considerando a multirreferencialidade inerente ao tema,
verificamos uma contribuição substancial da Sociologia da Infância enquanto campo
sociológico de premente importância para o campo educacional e, consequentemente,
com o esforço de sistematização teórica, vislumbramos oferecer maior ancoragem para a
efetivação da participação infantil ─ que se transfigura em direito positivado ─, também
na esfera da ação pedagógica.
Com essas lentes é que compreendemos que o tema da participação infantil,
quando encarado como um princípio norteador e basilar ─ não somente como uma
finalidade, como um ente a ser alcançado ou um direito irrefletidamente efetivado ─, pode
ser uma chave para endossar o movimento que pretende ressignificar as perspectivas
sobre as crianças e as infâncias. (QVORTRUP, 2010a).
Esta escolha também se justifica porque há uma complexidade própria ao conceito
de participação infantil, intrinsecamente amalgamado por inúmeras categorias, tais quais
a de criança enquanto sujeito de direitos (FALCÃO; VERONESE; 2017); criança
enquanto ator social (CORSARO, 2011; LAHIRE, 2002); agência da criança (JAMES,
2009); infância enquanto fenômeno social do tipo estrutural (QVORTRUP, 2010a);
direitos políticos da infância (FERNANDES, 2005; SARMENTO; FERNANDES,
TOMÁS, 2007; TOMÁS, 2007); cidadania da infância (SARMENTO, 2005; TOMÁS,
SOARES, 2004), democracia (BAE, 2015), justiça social e distributiva (FRASER, 2002)
15

e outras tantas que perpassam as representações sobre os direitos das crianças e à inscrição
destas nos seus respectivos mundos sociais (AGOSTINHO, 2014). Portanto, o objeto
deste estudo está sendo tratado no seu entrelaçamento com aquelas outras categorias, tão
caras para a Sociologia da Infância e primordiais para um agir reflexivo, tomando a
participação, a um só tempo, enquanto princípio norteador e direito positivado.
Entendemos que essa rede de categorias presentes nas conceituações sobre a
participação infantil merece ser analisada, compreendida e discutida porque a
superficialidade no seu tratamento pode acarretar um tensionamento tanto teórico quanto
empírico sobre o assunto, justificado por possíveis traduções aligeiradas sobre o[s]
significado[s] de participação infantil. Sendo assim, é possível conceber que a
incompreensão ou a falta de profundidade nas questões conceituais afetas à temática,
podem gerar alguns atravessamentos que, por vezes, incorrem em tratamento raso, tanto
do que se entende, quanto do que se oferta em termos de participação às crianças, o que
pode redundar, inclusive, em um impeditivo para que efetiva e qualitativamente
participem.
Estes pontos estão situados e convergem com reflexões sobre os usos teóricos e
empíricos sobre a participação infantil, no sentido de questionar a utilização e reprodução
indiscriminada de conceitos já bastante estabelecidos, “com o objetivo de mostrar sua
relevância em vários cenários, mas sem refletir o suficiente sobre seu uso.” (BARALDI,
2018, p. 132).
Diante do exposto, elaboramos a seguinte questão de pesquisa: quais categorias
são mobilizadas nas formulações conceituais para compreender a participação infantil a
partir das definições presentes em estudos que seguiram abordagens metodológicas micro
e macro, existentes no campo disciplinar da Sociologia da Infância?
Para responder a esta questão, elaboramos o seguinte objetivo geral: Compreender
e analisar as categorias e alocações conceituais sobre a participação infantil nas diferentes
ancoragens teóricas e metodológicas que sustentam a Sociologia da Infância,
nomeadamente a partir de representantes das abordagens micro e macro deste campo
disciplinar.
Os objetivos específicos desdobram-se dessa forma:
- Identificar, por meio de pesquisa bibliográfica, o contexto de sinalização de
interesse pelo tema “participação infantil” e o fundamento de incorporação dele pela
Sociologia da Infância;
16

- Mapear as categorias que o informam e consubstanciam as formulações


conceituais sobre participação infantil que estão em debate em estudos de abordagens
macrossociológicas e microssociológicas;
- Cotejar as diferentes concepções, discutindo-as sob o viés do efetivo lugar da
criança enquanto sujeito de direitos nos trabalhos acadêmicos;
- Analisar criticamente o tratamento dos conceitos e categorias mobilizados nos
trabalhos que tomaram a participação infantil enquanto unidade referencial.
Para suprir fundamentadamente a escolha do objeto de estudo, como ponto de
partida para uma análise sobre os arranjos dos novos estudos sociais da infância,
adotamos aqui o conceito de Randall Collins a partir da leitura de Dias (2009) sobre a
raiz do conceito micro e macro, considerando a definição de “cadeias ritualísticas de
interação”, que são:

o conjunto de práticas sociais, reguladas por regras e estruturas de sentimentos


tácitas ou declaradamente aceitas. No entanto, não representam toda e qualquer
prática social, senão aquelas que reiteradas ao longo do tempo, adquirem certa
natureza ritual e simbólica, porque valoradas e normatizadas por
comportamentos repetidos, implicam socialmente, a continuidade dos
processos culturais vividos materialmente, em relação, e que são apropriados
na trama das relações sociais.
Para Collins, a estrutura social é constituída por um rol de ações, de
comportamentos repetidos, encadeados, em lugares particulares, nos quais as
pessoas comunicam-se pelo uso dos mesmos recursos simbólicos, pelas
mesmas experiências, repetidamente, numa cadeia interativa. Essa cadeia se
estrutura em microrelações na macroestrutura, e compõem o que ele denomina
de cadeias ritualísticas de interação. (DIAS, 2009, p. 30).

É possível também entender o micro e o macro a partir da distinção operada pelos


alemães Hengst e Zeiher (2004), compreendendo-se enquanto microanálise as
perspectivas centradas no sujeito, que colocam as crianças no centro da pesquisa como
atores sociais e, enquanto macroanálises, as perspectivas de estudo contextual,
representadas na investigação da infância como um conjunto de condições econômicas,
políticas, sociais e simbólico-culturais que afetam as vidas das crianças e nas quais as
crianças agem.
Esse esforço reflexivo e integrativo das crianças enquanto atores e da infância
enquanto categoria social do tipo estrutural, são os objetos sobre os quais circundam as
práticas sociológicas da Sociologia da Infância, fortes no intento da superação das
dicotomias, na medida em que está assente que as ações das crianças são consideradas
como elementos constitutivos e peculiares da própria infância, da mesma forma que as
17

estruturas institucionais e modelos culturais nos quais as crianças agem, operam sobre e
são afetadas por elas. (HENGST; ZEIHER, 2004).
Com essas premissas esclarecidas entendemos que, antes de fundamentar a parte
metodológica e teórica deste estudo, não podemos prescindir da anunciação de uma
ligeira autobiografia, apresentada na subseção que segue.

1.1 DO DIREITO À EDUCAÇÃO E O DIREITO NA PEDAGOGIA: PERCURSOS DE


UMA CURIOSIDADE INQUIETANTE SOBRE O DIÁLOGO E O HUMANO

Partindo de uma motivação reflexiva e autorreflexiva que se dá por uma


necessidade em atribuir sentido e significado ─ em um primeiro momento e a todo
instante ─, ao próprio ato de pesquisar, nesta seção descrevo algumas experiências que
marcaram minha trajetória até este ponto de escrita. Julgo este ato enquanto necessário,
na medida em que se transfigura, em uma perspectiva pessoal, como uma forma de
justificar a coerência de um caminho e um projeto de vida ─ que também é acadêmico ─,
na relação entre e com o tema a ser investigado, além de situar e possibilitar ao leitor e à
leitora o reconhecimento de parte de um universo subjetivo por meio de relatos
memorialísticos entrecruzados com as escolhas de pesquisa.
Isso pode parecer um exagero, um preciosismo que corre o risco de ser
interpretado como um conteúdo ensimesmado ou até mesmo como um devaneio
narcísico, mas, tendo consciência de que a pesquisa é uma jornada que se inicia sem tanta
clareza sobre o que será construído e que o sentido se consubstancia no processo em si ─
e menos em um resultado previamente circunscrito─, é que, a fim de dar coesão ao
percurso, incluo-me neste entremeio.
É preciso ressaltar, no entanto que, também em termos teóricos, para fazer este
esboço autorreflexivo com pinceladas memorialísticas, sinto-me inspirada pelos
fragmentos textuais de Jenks (2005), pelas pesquisas de Davis; Watson e Cunningham-
Burley (2005) e pelo “pensar reflexivo” de Dewey (2010, p.111). O primeiro autor, em
um capítulo intitulado “Investigação Zeitgeist na Infância”, discorrendo sobre o
amadurecimento sociológico a respeito da infância e sobre as bases teóricas que devem
andar lado a lado com o método que se pretende lançar mão na investigação, acabou por
apresentar uma perspectiva crítica, analítica e não dicotômica que, não somente auxiliou
na elaboração da presente dissertação, ao apresentar focos de análise interessantes para o
18

estudo criterioso do tema participação infantil, dentro da Sociologia da Infância (JENKS,


2005, p.55), mas auxiliou também na guiança para dentro de mim mesma.
Pois bem. De uma pesquisa com intenções etnográficas, em que me vi sufocada
por incertezas ─ inclusive quanto à minha própria capacidade ─, ao clamor quase
desesperado ─ embora não exatamente assim anunciado ─, por um mínimo de segurança
sobre os caminhos a serem percorridos, foi desvelada, por um lado, uma parcela
amedrontada de mim que eu acreditava, em outros tempos, ter manejo o suficiente para
manter em equilíbrio ─ e percebi que nem tanto ─ e, por outro lado, revelou, por meio da
orientadora, uma possibilidade de pesquisa que sintetizou muito dos meus anseios,
buscas e necessidades.
Escancarado estava, então, o movimento de inconstância comum na dança sutil
entre o mundo interno e o externo, o que também pode revelar que, se a ação de pesquisar
diz muito mais sobre o processo “de” do que ao resultado em si, conforme escrevi em
linhas anteriores, nessa ação, desejosamente, é importante a elaboração e reelaboração
dos sentidos de quem pesquisa, no reconhecimento das relações, dos conceitos,
inconsistências, saberes, preconceitos, aberturas e julgamentos que operam. É nessa
tarefa, cíclica e intermitente, que se faz e se dá de forma não linear que, pouco a pouco,
alimenta-se uma bagagem.
Neste aspecto, valho-me das palavras de Oliveira-Formosinho, que afirma que
“ignorar o passado e começar tudo de novo, a cada momento, é ignorar a natureza humana
que constrói identidade(s) e cultura(s) a partir da memória” (2007, p. 6). Partindo, então,
desse movimento de construção e reconstrução, de significação e ressignificação das
experiências e memórias, é que enuncio alguns passos que marcaram e marcam essa
jornada.
O primeiro diz respeito às minhas trajetórias acadêmicas e experiências
profissionais iniciadas no ano de 2008, quando adentrei no curso de bacharelado em
Direito. Entre as vivências nos estágios curriculares supervisionados obrigatórios
realizados no escritório modelo da Universidade5 e àquelas obtidas nos estágios
curriculares supervisionados não obrigatórios empreendidos durante a formação, ─ e aqui
dou destaque ao que se deu no Poder Judiciário de Santa Catarina, em gabinete junto com
uma, à época, juíza substituta que atuava na Comarca de Florianópolis─, fui engendrando
as problemáticas que redundaram na produção do Trabalho de Conclusão de Curso- TCC

5
Universidade do Sul de Santa Catarina- UNISUL.
19

intitulado: “Justiça Restaurativa como espaço de humanização no tratamento das relações


conflituosas.” (SILVEIRA, 2012).
Mobilizei-me a partir da percepção de que o processo judicial, não raro, se reduz
em um amontoado de papéis em que as pessoas ─ as subjetividades que batem às portas
do Poder Judiciário ─, são obscurecidas por um sistema que se vê desumanizado e que
também desumaniza, seguindo também um complexo sistema na própria compreensão
das pessoas sobre seus conflitos, os quais, comumente, na busca pelo reconhecimento de
necessidades implícitas, são transmutados de questões inter e intrapessoais para lides
judiciais, muitas vezes marcadas pelo caracter beligerante.
A partir disso, mais especificamente no ano de 2011, enquanto construía o meu
projeto de TCC, foi quando ouvi falar, por meio da professora de Introdução ao Direito
e, naquele momento, orientadora de TCC, sobre a Comunicação Não- Violenta
sistematizada a partir de Marshall Rosemberg e desenvolvida por Dominic Barter. Entre
processos judiciais e no processo de escrita sobre conflito, sistema de justiça e Justiça
Restaurativa, estava presenciando uma inquietação sendo regada. Entre choros de alegria
pela descoberta do que fazia meu coração vibrar, entre idas e vindas, círculos
restaurativos, medos, buscas, pesquisas, novos espaços, coragem, relações e mais
relações, pessoas e mais pessoas, muito mais marcadas por significâncias do que pela
quantidade, entre uma infinidade de “não seis”, sentia em mim essa fixação em torno do
diálogo, da comunicação e uma atração pelo universo das crianças e tudo o que se
relacionava a elas e com elas.
Inundada por essas experiências que orientam em muito o meu espectro de visão
e, diante da percepção sobre a grande carência enquanto humanos no sentido de reordenar
as relações interpessoais disfuncionais, marcadas por exclusões e sofrimentos, para um
caminho recíproco e construído em conjunto no sentido de [re]humanização, cicatrização
de feridas e exposição de sentimentos e necessidades, a temática do diálogo, ou a cultura
que o faz estigmatizante ou alienante6, tomou ressonância no meu ser e encontrou eco na
Educação e, mais especificamente, na Pedagogia.
De que forma se estrutura uma cultura? Como se estrutura uma cultura tendo como
base o diálogo? Quais possibilidades existem ou precisam ser construídas ou
implementadas para uma sociedade mais colaborativa e responsável, com pessoas menos
tendenciosas à triangularização dos conflitos e mais abertas à escuta de si e do outro? De

6
A Comunicação Não Violenta, a partir dos contributos desenvolvidos por Marshall B. Rosenberg, aliados
à postura de vida adotada por Dominic Barter, dão conta deste aspecto.
20

que forma o diálogo pode também atuar como uma ferramenta política, democrática e
cidadã a partir de relações construtivas? Todas essas inquietações me moveram para e
aumentaram ainda mais quando adentrei, no segundo semestre do ano de 2015, na
licenciatura em Pedagogia da FAED-UDESC. E é aqui que se delineia o outro, ou os
outros passos deste processo.
Embora esse percurso, o da escolha pela Pedagogia, tenha se iniciado antes da
entrada no curso citado, por meio dos encontros e relações com pessoas inspiradoras ─
e mais uma vez dou-me conta de que aos poucos é que os acontecimentos da vida vão
sendo entrecruzados ─, foi naquele curso, mais especificamente em 2016, enquanto
acadêmica matriculada no componente curricular “Educação e Infância”, ministrado pela
professora, ora orientadora, Julice Dias e, concomitantemente, enquanto bolsista no
Projeto de Extensão coordenado pelo professor Adilson De Angelo, também integrado
pela professora Julice Dias, intitulado “Girândola de Saberes e Práticas: Infância,
Cidadania e Formação Docente”, é que o caminho foi ganhando corpo.
Tal Programa, inscrito no âmbito do Laboratório de Educação e Infância-
LABOREI e do Grupo de Estudos em Educação Infantil- GEDIN, dos quais faço parte,
contempla três ações, dentre elas a denominada “As crianças, a creche e a Cidade:
participação infantil e cidadania ativa”, que tem como enfoque, em linhas breves,
compreender e discutir sobre os espaços da Cidade na interrelação com os Direitos das
Crianças, assumindo o protagonismo e participação infantis enquanto palavras-chave e a
Sociologia da Infância e a Curiosidade Epistemológica de Paulo Freire como principais
referenciais teóricos e metodológicos.
É nesse contexto que está inserida minha experiência prática com crianças. De
forma sincrônica, na disciplina “Educação e Infância”, é que foi se consubstanciando o
contato com os conceitos de Infância e com as noções sobre a criança concreta, o que
ocorreu em conjunto com a minha participação, enquanto bolsista em outra frente de ação
daquele programa citado, nas formações de professores e professoras de instituições de
Educação Infantil conveniadas à e da Rede Municipal de Educação de Florianópolis,
ministradas pelo professor Adilson De Ângelo. Isto significa dizer, portanto que, no
percurso acadêmico, foram nesses momentos em que efetivamente fui ao encontro dos
mundos das crianças e fui apresentada à leitura possível sobre a história da Infância
enquanto construção social.
Já no mestrado, com os estudos iniciais sobre a teoria da formação de conceitos
em Vigotski, em algumas empreitadas etnográficas ensaísticas a fim de investigar as
21

relações de uma criança com a cidade de Florianópolis, a partir das compreensões sobre
o que é esse espaço para ela, ficavam cada vez mais evidentes os tensionamentos e
complexidades da entrada no campo, quer seja pelas inúmeras e às vezes intrincadas
relações estabelecidas, quer seja pelos imprevistos incontáveis que emergem, indicando
a necessidade de um movimento de orientação e reorientação no trabalho de decifrar
intencionalidades, inclinações e influências, que perpassam o desenvolvimento da
pesquisa a partir do que é experienciado.
Isso tudo era sentido, passível de captação e, muito embora já houvesse entrado
em contato com a importância da reflexão sobre a ação, seja com Dewey7, seja com Paulo
Freire, foi na pós-graduação, lendo e analisando textos imprescindíveis para a
compreensão metodológica da pesquisa e para o ajustamento do foco de investigação é
que, por meio do estudo sobre a “abordagem reflexiva”, aquelas percepções advindas das
empreitadas iniciais de pesquisa até o alcance do atual objeto, transfiguraram-se de
sentido. (DAVIS; WATSON; CUNNINGHAM- BURLEY, 2005).
Interpenetrando essa perspectiva com o percurso acadêmico/formativo, as
metamorfoses metodológicas e de abordagens, intencionalmente articuladas e veiculadas
também pelas mudanças sobre o tema privilegiado na pesquisa, foram sendo corroboradas
em conjunto com a trajetória de Jenks (2005). Com ele, mais claramente, foi possível
perceber que “o amadurecimento sociológico da infância”, bastante marcado pelo
abandono do imperialismo dos cânones sociológicos sem, contudo, deixar de imiscuir-se
dos contributos de Durkheim e, mais ainda, dos postulados da “teoria implícita da
consciência social” de seu “herdeiro vivo”, Basil Bernstein, (2005, p.59), veio
acompanhado ─ ou só foi possibilitado ─, porque os pesquisadores e pesquisadoras
interessados nas crianças e no tema infância, também amadureceram, e o fazem em
processo contínuo. Inclusive no que concerne à percepção do quanto são indesejáveis e
prejudiciais as dicotomias. Neste caso, mais especificamente, aquelas afetas à tradição
versus inovação, teoria versus prática e mesmo, conforme indica Sarmento, da estrutura
versus ação e da sociedade versus indivíduo. (2008, p. 23).
Porque ilustra bem essa mudança que visa superar essas dicotomias, ao mesmo
tempo que simboliza uma abertura, ao seu turno, em uma breve autobiografia, Jenks
escreve, em retrospectiva, sobre a “viagem [também metodológica] em direção aos
rigores não específicos da reflexividade”. Em um dado momento, adotou “perversamente,

7
Sobretudo na obra “Como pensamos. Como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo
educativo: uma reexposição” e, mais especificamente, o seu capítulo 2. (DEWEY, 2010).
22

e de forma moderna, uma perspectiva fenomenológica radical” (2005, p.57) para, mais
tarde, ao alcançar as crianças e a infância, afirmar que “se a fenomenologia exige
intencionalidade dos seus teorizadores, exige, também, reflexivamente, que os seus
teorizadores considerem a intencionalidade de seus sujeitos”. Com isso, assumiu uma
postura receptiva para “confrontar a contradição entre a articulação necessária das
crianças em termos de sistemas sociais e o que ‘são’ como ação”. (2005, p.57/58).
Veja-se que o campo teórico-epistemológico que permeia a Sociologia da
Infância é tão complexo, que autoriza o reconhecimento e a apropriação dos problemas
estabelecidos por Durkheim8, embora não na sua integralidade e nem tampouco nas suas
formulações originais, na mesma medida em que se operam, a partir dele, negações de
suas premissas, o que acaba por fomentar índices contemporâneos variados de pesquisas
sobre as infâncias e as crianças. Portanto, não há como discorrer sobre aquele campo
disciplinar sem que se perpasse, indubitavelmente, pelo estruturalismo durkheimiano, já
que, muito do que hoje se consubstancia na chamada “Nova Sociologia da Infância” se
desenvolveu em contraponto às teorias sociais de Durkheim, centradas, no que concerne
à infância, no conceito de socialização.
Émile Durkheim estruturou nas suas bases epistemológicas a premissa de que “o
social deveria ser sempre explicado nos termos do social” e, norteado por ela, lançou
críticas ferrenhas ao idealismo e ao empirismo. Tal pressuposto anunciava um cânone
sociológico caracterizado por um “imperialismo epistemológico que abarca todos os
fenômenos em seu território e não deixa nenhum estado natural das coisas livres de
explicação, fora de e apesar das estruturas sociais.” (JENKS, 2005, p. 55).
Sob essas bases epistemológicas, inseridas em um quadro estrutural- utilitarista e,
acrescento, determinista, a Infância passou a ser considerada no campo sociológico a
partir do enfoque nas instâncias voltadas ao seu processo de socialização. (SIROTA,
2001). Comumente os vieses de análise sociológica consideravam as crianças enquanto
futuros adultos, de “forma prospectiva”, e a produção teórica sobre o que é ser criança e
o que é a Infância estava fortemente ligada àquelas teorias tradicionais sociológicas que
se ocupavam da socialização, que é o “processo pelo qual as crianças se adaptam e
internalizam a sociedade”, tomada, inicialmente, dentro da instância familiar e da
instituição escola: era a criança não analisada “por si”, mas enquanto aluna ou filha que
necessitava de uma transmissão de uma cultura adulta para a obtenção de subsídios para

8
Jenks afirma “que o problema mais claramente estabelecido por Durkheim” foi o de “tentar explicar a
relação entre a ordem simbólica e a estrutura social”. (2005, p.58/59).
23

“vir a ser” um adulto com os caracteres desejáveis e competências esperadas para que
funcione e produza em uma sociedade marcada por um viés utilitarista. (CORSARO,
2011, p. 19).
O interesse estava centrado, portanto, na apreensão institucional do objeto social
infância, já que, tomados os atributos de imaturidade e incompetência entendidos, naquele
contexto, como correlatos e inerentes a ela, precisava haver sua regência por meio de
instituições socializadoras com vias à [con]formação de um ser social. (SIROTA, 2001,
p.9). Pela perspectiva de Jenks, citando o antropólogo Levi Strauss, é no movimento da
sociologia voltado a “buscar novas razões e novos métodos de transformação do natural
em cultural”, datado sobretudo do último quarto do século XX, que foi, e ainda é marcado
por “inversões analíticas e transformações” ─ consideradas, em um sentido amplo, como
próprias ao e centrais no “projeto sociológico” ─, que se principia o processo de
amadurecimento sociológico sobre a infância. (JENKS, 2005, p. 55; SARMENTO, 2008).
Nos caminhos desse amadurecimento, salta aos olhos, contudo, a crítica afirmação
do sociólogo Jenks no sentido de que “tanto Durkheim como as nossas iniciativas
metodológicas, aparentemente modernas”, seguem um positivismo Comtiano, “ao
assegurar que a sociologia deverá transcender todas as outras formas de explicação.”
(2005, p. 55/56). Partindo dessa análise, o autor pretendeu demonstrar:

A significância central da teoria social para qualquer discussão do método [...]


aspira a revelar a unificação essencial da teoria e do método no estudo da
infância e, mais importante, luta contra a visão fora de moda de que existem
métodos (em forma de técnicas) livres de disposição teórica, que são
apropriados de forma peculiar para o estudo de certas formações sociais e
culturais substantivas. (JENKS, 2005, p. 56).

Importante essa contextualização porque, diante dos predicados dessas leituras,


alarmes ressoaram e o quebra-cabeça, antes embaralhado, começou a tomar forma. O
excerto de Jenks (2005), citado literalmente, despertou mais uma vez para a conexão
intrínseca entre a teoria e a prática, e serviu como alerta no sentido de que as bases teóricas
se transfiguram em elementos essenciais na tarefa de clarificar e qualificar o pensamento
sobre certo tema, orientando para um agir responsável, que se dá, também e de forma não
dissociada, pelo método. (DEWEY, 2010). Tanto uma como a outra ─ a teoria e a prática
─, não devem conformarem-se nelas mesmas nem tampouco serem lançadas a esmo,
porque, mesmo as teorias tidas como “novas”, que suscitam diferentes tipos de
abordagens e métodos de investigação, foram impulsionadas, anteriormente, pela
apropriação dos referentes teóricos e experiências do pesquisador e da pesquisadora. Quer
24

dizer, não surgiram “do nada”, porque, muito embora o processo criativo na apropriação
seja premente, essa criação não prescinde de uma bagagem posta ao crivo reflexivo.
Neste sentido, lembrando que a Sociologia da Infância é um campo disciplinar
marcado por confluências teóricas e metodológicas em um fluxo e refluxo aparentemente
infindável (SARMENTO, 2008), os quais abordamos no capítulo 3 deste trabalho, é de
se esperar que, tomando cuidado para não cair na tentação das generalizações, os temas
abordados em seu interior não poderiam seguir um caminho diferente. Logo, com o tema
da “participação infantil”, essa noção heterogênea também vigora. Por isso, atentando
para não incidir no risco de uma “fragmentação infinita” (LAHIERE, 2002, p. 22) diante
dessa diversidade correlata à Sociologia da Infância e, de modo semelhante, percebendo
os inúmeros aspectos que constituem o objeto da presente pesquisa, com as lentes daquele
campo disciplinar, bastante orientada pela leitura de Bernard Lahire, sobretudo nas
interpretações do autor no desenho de uma teoria do “ator plural” (2002) é que, para
melhor pensar e agir, movidas por uma interpretação reflexiva, optamos por partir das e
para o reforço das bases teóricas por meio de estudos reflexivos, interpretativos e plurais.
Diante disso é que se pretende mapear o tema da “participação infantil”
identificando, analisando, compreendendo e sistematizando “as diferentes correntes,
abordagens e teorias presentes na Sociologia da Infância [que] confluem num conjunto
de aspectos que constituem marcadores do campo teórico” (SARMENTO, 2008, p.19),
concernentes à participação, com a finalidade de identificar as categorias mobilizadas na
estruturação das bases conceituais, que se constituem nas contribuições teóricas sobre o
tema.
Soma-se a isso o fato de que, no cerne da abordagem reflexiva, o conhecimento
teórico e as respectivas ancoragens conceituais são postas à prova a partir do
questionamento aberto sobre aquelas próprias bases conceituais e teóricas, a fim de que,
aquela mesma análise crítica e reflexiva, aplicada ao questionamento sobre como as
relações de poder estão colocadas, também se aplique ao que se acredita saber. (DAVIS;
WATSON; CUNNINGHAM- BURLEY, 2005). Diante dessas constatações é que,
optando pelo tema participação infantil, inclinei-me para os questionamentos: o que
entendo sobre participação? Essa pergunta levou-me inexoravelmente a indagar: como eu
participo? Por que eu participo? E, por último, qual a relevância, pontos de intersecção e
dissonâncias entre essas questões e suas respostas para uma pesquisa sobre o tema
“participação infantil”?
25

Aqui, portanto, coloco-me enquanto mulher adulta, com o curso de licenciatura


em Pedagogia em andamento e que está pesquisando sobre a participação infantil a partir
de outras pesquisas. Portanto, os dados dessa pesquisa bibliográfica serão os mediadores
deste processo de escrita e a reflexão sobre o modo como eu enxergo as crianças e as
formas relacionais nos momentos de convívio com elas, também serão postos à prova.
Diante da constatação de um grande número de trabalhos sobre a participação
infantil ─ e o levantamento da literatura que efetuei deu conta disso ─, fica a dúvida se o
anunciado receio de que os discursos sobre a participação infantil caíram em uma retórica,
sejam eles mesmos retóricos e eivados de reflexividade sobre os conceitos e categorias
mobilizados. Esse questionamento caminha lado a lado com a hipótese de que tenha sido
o direito à participação infantil tomado por uma ânsia de implementá-los, fazendo-os
valer, mesmo que à sua própria custa, em virtude de um imperativo jurídico normativo
que reflete e se desdobra, também, nas funções sociopolíticas e pedagógicas da Educação
Básica.
Veja-se que, se se trata de um conceito que pode ser classificado como sendo
“multi-camadas” (HERBOTS; PUT, 2015), que está estritamente correlacionado, e aqui
citarei apenas algumas outras categorias e conceitos a título ilustrativo, pois são descritos
e desenvolvidos no decorrer desta pesquisa, tais como o do status da criança enquanto
sujeito de direitos, criança enquanto cidadã e ator social, agência da criança, infância
enquanto categoria estrutural do tipo geracional, com conexões que reverberam em
concepções de democracia, cidadania e política, com as relações de poder e
generatividade, dentre outras tantas. Diante disso, questiono: em que medida a retórica
atribuída ao discurso que gravita em torno da participação das crianças está relacionada
ao fato de que nós, adultos, não sabemos, ou sabemos de forma insuficiente sobre todos
esses conceitos e categorias acima mencionados?
Ao refletir sobre as nossas próprias condições de adultos, sujeitos de direitos
plenamente capazes civilmente, dotados de pleno direito de participar, de exercermos a
nossa cidadania em todas as suas dimensões e vivermos, no plano legal, em um Estado
Democrático de Direito, em que medida estamos (I) informados sobre a existência de e
da nossa titularidade no exercício desses direitos e; em sendo afirmativa a resposta de (I),
coloca-se a questão (II) temos uma segura apropriação no que tange às possibilidades e
formas para exercitá-los?
Disso, de plano, desdobram-se dois aspectos: um que está relacionado com uma
complexidade teórico- conceitual para a compreensão própria do conceito de participação
26

infantil, considerando as diversas categorias amalgamadas a ele e por se tratar de objeto


analisado sob diferentes pontos de vista teóricos e epistemológicos; outro aspecto, refere-
se às abordagens teóricas e metodológicas voltadas às implicações para a implementação
da participação infantil no plano empírico.
Por todo exposto, diante dessas questões e das leituras empreendidas, para uma
construção analítica de um mapeamento sobre as ancoragens teóricas, categorias
mobilizadas para conceituar a “participação infantil” na Sociologia da Infância e de suas
possíveis raízes, é que se decidiu, no capítulo intitulado “Sociologia[s] da Infância:
contextualizando o campo, identificando paradigmas”, explicitar as “confluências e
fluxos epistemológicos” do campo, a partir, sobretudo, das contribuições de Sarmento
(2008; 2013).
No capítulo seguinte, o quarto, discorremos sobre os conceitos de participação
infantil partindo das Ciências Sociais, mormente a partir da Sociologia e do Direito,
perpassando pela historicidade do termo, suas ambivalências e etimologia. Além disso,
fizemos uma análise do tema tomando como base um estudo macro-orientado e outro
micro-orientado, além de tomá-lo à luz das teses e dissertações brasileiras defendidas nos
Programas de Pós-Graduação em Educação nos últimos cinco anos (2013-2018).
No último capítulo, o quinto, foram entrecruzados as categorias e conceitos
desvelados nos capítulos antecedentes. Questionamos em que medida os conceitos de
socialização, desenvolvimento infantil, agência, reprodução interpretativa e infância
enquanto categoria estrutural dialogam com o tema deste trabalho. Além disso,
consideramos a compreensão da participação enquanto princípio em conjunto com os
princípios éticos, políticos e estéticos dispostos nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil do ano de 2009, seguido das considerações finais.
Na sequência, para dar conta dos objetivos anunciados, apresentamos a
Metodologia para o estudo e os métodos de pesquisa.
27

2 METODOLOGIA

2.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE PESQUISA

A presente pesquisa segue a abordagem qualitativa, de caráter exploratório, na


modalidade de pesquisa bibliográfica. Para tanto, a revisão de literatura é etapa
imprescindível para a consecução não somente deste trabalho, mas de toda pesquisa
acadêmica, independentemente da metodologia escolhida, já que os resultados obtidos
por meio dela servem para situar o tópico de pesquisa dentro de uma área de
conhecimento, além de ser, em momento prévio, elemento indispensável para a
construção da questão de pesquisa.
O método específico utilizado nesta dissertação é o da pesquisa bibliográfica,
método este próprio das ciências humanas (LEITE, 2006, p.122). Severino (2007, p.122),
a respeito da citada técnica de pesquisa, assinala:
A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível,
decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros,
artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados
por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se
fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das
contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes nos textos.

Por meio da “escavação” que se efetivou nos levantamentos foi possível mapear
a produção, ou o “registro disponível”, conforme expressão utilizada por Severino (2007)
acerca do tema e do problema, permitindo o contato com os resultados obtidos em outros
estudos correlacionados, proporcionando a inserção da pesquisa em um diálogo maior e
pré-existente no campo de estudos. É por meio dela que se verifica a necessidade do
preenchimento de lacunas, a ampliação da discussão e, consequentemente, fomenta-se a
continuidade, a atualização e o incremento do campo científico. (ALVES-MAZZOTTI,
2002; CRESWELL, 2010).
Tendo em vista que a presente pesquisa é de natureza básica, já que poderá
conceber novos conhecimentos, com objetivos exploratórios, a técnica de pesquisa que
servirá como procedimento operacional para a sua realização, será documental e
bibliográfica, e far-se-á uso das regulamentações, leis, tratados e convenções
internacionais concernentes ao tema abordado. Destarte, baseando-se em conceitos
teóricos, “a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos
textos” (SEVERINO, 2008, p.122), a pesquisa será desenvolvida de forma lógica. Se
28

buscará informações em outras fontes documentais, não somente impressos, sobretudo de


documentos legais que regulamentam o direito à participação infantil, dentre outros
direitos correlatos à educação.
Afora a verificação de todos esses elementos, no presente caso, a revisão de
literatura se transfigura em componente estrutural para justificar a importância do estudo
sobre o tema escolhido e se traduz enquanto fonte de produção dos dados, já que revela
as referências de base para uma análise extensiva, essencial para o mapeamento que se
pretende efetivar. (CRESWELL, 2010; GIL, 2010). Além disso, está sendo considerada
a hipótese de que “as discussões acerca da participação têm vindo nos últimos tempos a
argumentar acerca da necessidade de atribuir ao seu conceito uma dimensão mais
substantiva, quer no plano teórico, quer no plano vivido.” (CUNHA; FERNANDES,
2012, p. 5).
Por esses motivos, nesta pesquisa, entende-se que a realização de uma revisão de
literatura mais ampla e extensiva possível é condição primordial para que se garanta um
posicionamento dentro do corpo maior da pesquisa e, posteriormente, uma contribuição
para aquelas discussões. As fontes de pesquisa serão, portanto, as teses, dissertações,
artigos de periódicos que se referem ao tema, para além da literatura de ponta que hoje
constitui a base da Sociologia da Infância, e a leitura crítica, com densidade analítica, se
consubstancia, então, em técnica de pesquisa que proporcionará a feitura de um mapa
com múltiplas perspectivas conceituais, a partir dos diferentes enfoques encontrados,
demonstrando-se, ao final, como esse “estudo pode se constituir em um acréscimo à
literatura” e ao campo educacional, sobretudo. (CRESWELL, 2010, p.57).
Para construir esta pesquisa, em momento denominado de pré- análise, foram
realizados levantamentos bibliográficos, via processo sistemático, que pode ser descrito
a partir dos seguintes procedimentos:
1ª etapa: inicialmente, foi efetivada uma busca exploratória com o uso da
expressão chave “participação infantil” ─ tema principal da pesquisa ─, por meio do
acesso CAFe- Comunidade Acadêmica Federada, no Catálogo de Teses e Dissertações
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CTDC- CAPES e no
Portal de Periódicos da mesma fundação. A busca por assunto via CAFe oportunizou o
contato com uma gama de periódicos e bases de dados somente disponibilizados em
virtude dos convênios firmados entre aquela fundação e a Universidade do Estado de
Santa Catarina- UDESC. A partir dos resultados obtidos, aliados, também, ao estudo
prévio de algumas das bibliografias de base do campo teórico da Sociologia da Infância
29

(CHRISTENSEN; JAMES, 2005; CORSARO, 2011; CUNHA; FERNANDES, 2012;


QVORTRUP, 2010a, 2010b, 2011; SARMENTO, 2008; SIROTA, 2001), foi possível
uma aproximação à delimitação do tema, à questão de pesquisa e à formulação de outros
descritores, ou palavras-chave e seus equivalentes, para o acesso a resultados mais
assertivos e coerentes com os objetivos da pesquisa.
Os descritores eleitos para proceder à pesquisa de teses, dissertações e artigos
foram, por um lado: “participação infantil”, “participação da criança”, “protagonismo
infantil”; “voz da criança”; “cidadania infantil” e, por outro, “Sociologia da Infância” e
“estudos soci* da infância”. A busca foi feita pelos termos do primeiro grupo e do
segundo grupo isoladamente e depois de forma casada, com estratégias diferenciadas de
acordo com as especificidades de cada base de dados, que são explicitadas no momento
da exposição dos resultados do levantamento em cada base, constantes no Apêndice 1
deste trabalho. De forma geral, a pesquisa se estruturou a partir dos descritores e de
operadores booleanos do seguinte modo:

“participação infantil” OR “participação da criança” OR “participação das


crianças” OR “protagonismo infantil” OR “voz da criança” OR “cidadania infantil”
AND “sociologia da infância” OR “estudos soci* da infância”

Nas bases de dados internacionais, optamos pela utilização de menos descritores


e pela tradução idiomática nas línguas inglesa e espanhola, assim estruturadas:

child* participation OR child* voice OR child* protagonism AND Sociology of


Childhood

"participacion infantil" OR "participacion de los ninos" OR "participacion


ciudadana de los ninos"

Em momento posterior, decidimos ampliar as pesquisas em bases de dados


internacionais, incluindo a Web of Science e a Science Direct, com a utilização de mais
tópicos, quais sejam:

("child* participation") OR ("child* agency") OR ("child* actor*") OR ("child*


voice") OR ("child* protag*") AND ("sociology of childhood")
30

Ainda nessas bases de dados, considerando o avanço nas leituras sobre o tema
“participação infantil” e a necessidade de solidificação teórica sobre a infância e as
crianças, decidimos por fazer uma busca somente com o uso do tópico ("childhood
studies"). No momento de sistematização dos trabalhos encontrados, optamos, contudo,
em não incluir aqueles provenientes das buscas empreendidas na base de dados Science
Direct, isto porque os artigos de periódicos lá constantes constituem a chamada “literatura
cinzenta”, que inclui artigos no prelo, trabalhos aceitos para publicação, mas ainda não
na sua versão final. Além disso, junto com a Scopus, a Science Direct faz parte da
Elsevier, incorrendo em duplicidade dos dados nelas disponíveis. (FERENHOF,
FERNANDES, 2016).
Diante disso, partiu-se para a 2ª etapa: depois das buscas empreendidas naquelas
bases anteriormente citadas, justificamos que a escolha por elas foi feita levando-se em
consideração a variedade, quantidade, confiabilidade e relevância do acervo
disponibilizado. Assim como as palavras-chave variaram conforme a base de dados
consultada, o mesmo ocorreu com os filtros aplicados, que seguiram as especificações de
cada portal. Com essas justificativas, as produções brasileiras foram levantadas nas bases:
Teses e Dissertações: 1. Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenadoria de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES e; 2. Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(BDBT/IBICT);
Trabalhos em anais de eventos: 3. Biblioteca Virtual da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação- ANPEd.
As produções acadêmicas internacionais e brasileiras foram pesquisadas nas
bases:
Acervo de tipologia variada: 4. Portal de Periódicos da CAPES; 5. SciELO-
Scientific Eletronic Library Online- Brasil e; 6. LAReferencia- Rede Federada de
Repositórios Institucionais de Publicações Científicas9.
As produções exclusivamente estrangeiras, mormente aquelas publicadas em
língua inglesa, foram levantadas nos seguintes portais:

9
Trata-se de uma rede latinoamericana de repositórios de acesso aberto. São disponibilizados artigos
científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado oriundas de mais de uma centena de universidades
e instituições de pesquisa dos países que a constituem: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, El
Salvador, México, Perú e Costa Rica. Mais informações disponíveis em <http://www.lareferencia.info/pt/>.
31

Acervo de tipologia variada: 7. Scopus10; 8. Mendeley11, ambas da Elsevier e 9.


Web of Science12.
A partir dos resultados das pesquisas, partimos para a 3ª etapa, que consistiu na
seleção dos textos que compõem o balanço, por meio do seguinte procedimento:
1. Primeira triagem: pela área de conhecimento13;
2. Segunda triagem: pela leitura dos títulos, resumos e sumários;
3. Terceira triagem: pelo contato inicial com o texto completo;
4. Seleção final: pelo contato aprofundado com o texto completo.
Na 4ª etapa foram definidos os critérios de inclusão finais:
a) Tema: que tenha como enfoque central as discussões teóricas e empíricas
afetas à “participação infantil” a partir dos contributos da Sociologia da Infância. Os
trabalhos que objetivam efetivar uma revisão teórica ou levantar o “estado da arte” sobre
o tema, são os que mais interessam;
b) Recorte etário: considerando que a essência do trabalho consiste na melhor
compreensão teórica sobre o tema “participação infantil” por meio de uma revisão ampla,
não foi feito um delimitador etário específico, embora tenha sido considerado o marco
legal estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente14 e o pressuposto de que a
base epistemológica é a da Sociologia da Infância, e não a da Sociologia da Juventude;
c) Marco temporal: inicialmente, não foi especificado marco temporal,
porque pretendemos identificar o momento em que o meio acadêmico sinalizou interesse
sobre o tema “participação infantil”. Por isso a devida contextualização histórica é
imprescindível e até mesmo inevitável na pesquisa e, estabelecer um limitador nessa etapa
do estudo, seria um impeditivo para esse alcance. Por outro lado, interessa muito a

10
É considerado o maior banco de dados com resumos, citações da literatura com revisão de pares, livros,
revistas científicas e demais produções acadêmicas. Mais informações disponíveis em
<https://www.scopus.com/>. (ELSEVIER, 2018).
11
Dentre outras ferramentas, a “Solução Mendeley”, permite o acesso às pesquisas mais recentes do meio
científico, além de ser um “gerenciador de referências e uma rede social acadêmica”. Mais informações
disponíveis em:< https://www.mendeley.com/homepage7/?switchedFrom=>. (ELSEVIER, 2018).
12
A Web of Science é atualmente mantida pela Clarivate Analytics e, por meio do acesso CAFe
institucional, foi possível a realização de pesquisa na ferramenta “Principal Coleção do Web of Science”,
que contém dez índices com informações coletadas de milhares de periódicos, livros, séries de livros,
relatórios, conferências e outros materiais acadêmicos. Essa ferramenta oportuniza o acesso aos artigos que
citam um trabalho publicado anteriormente. Ela cobre totalmente mais de 12.000 periódicos de alto impacto
global. Mais informações disponíveis em:
<https://images.webofknowledge.com/WOKRS523R4/help/pt_BR/WOS/hp_database.html>
(CLARIVATE, 2018).
13
Item da triagem bastante relativizado, considerando a multirreferencialidade do tema “participação
infantil.”
14
De acordo com o art. 2º da Lei 8.069 de 1990, considera-se criança a pessoa com até doze anos de idade
incompletos e adolescente aquela com idade entre doze e dezoito.
32

alocação do tema nas pesquisas contemporâneas para que sejam traçadas perspectivas
para novos estudos. Somente para a seleção das teses e dissertações é que optamos por
selecionar as pesquisas realizadas nos últimos 5 (cinco) anos, compreendendo o período
entre os anos de 2013 até 2018.
d) Disponibilidade: mesmo os trabalhos que, a priori, não obtivemos acesso
aberto, seja porque não foram encontrados na sua íntegra na rede mundial de
computadores, seja porque são conteúdos pagos, devidamente destacada essa condição,
foram incluídos na seleção porque preenchidos todos os critérios anteriores.
E, ainda na 4ª etapa, como critérios de exclusão, para além dos que fazem oposição
aos de inclusão, foram definidos:
e) repetição: quando já considerados no levantamento pela presença em
outra(s) base(s) de dados;
f) aspectos metodológicos: que tenham como enfoque único a participação
das e com crianças enquanto caminhos investigativos e metodológicos sem menção da
Sociologia da Infância ou com a adoção de critérios metodológicos advindos de uma
abordagem disciplinar única ou exclusivista;
g) questões atreladas à pertinência temática e abordagens disciplinares: o
tema “participação infantil” tomado em contextos específicos e sem menção à Sociologia
da Infância15: que tenham a base fundada em abordagens oriundas especificamente da
Psicologia, da Medicina e da Educação Física, dentre outras. Os estudos que se refiram
exclusivamente à “participação infantil” na ação pedagógica, em âmbito familiar, na
relação com a cidade ou em contextos de grupos específicos, que enfoquem o tema da
participação a partir dos traços étnicos ou de gênero, por exemplo, são de suma
importância, mas para operacionalização da pesquisa foram selecionados com parcimônia
e excluídos aqueles que não citam o referencial da Sociologia da Infância ou mesmo da
Sociologia Geral ou, ainda, que não adotem um sistema de análise multidisciplinar.
Os procedimentos de pesquisa, onde estão identificadas as bases de dados
consultadas, a tipologia dos documentos resultantes das buscas e as especificações, em
quadros, sobre informações básicas dos materiais selecionados para compor o relatório
de pesquisa bem como o arquivo levantado, compõem o Apêndice 1 deste trabalho.

15
Embora a eleição deste critério de exclusão, importa salientar que foram selecionados trabalhos com os
enfoques contextuais descritos na alínea “g”, desde que a Sociologia da Infância tenha sido utilizada ou que
tenham trabalhado com os conceitos de estrutura, agência e ator, seja a partir de abordagens filosóficas ou
sociológicas. Isso porque os conceitos citados são de suma importância para a construção do relatório de
pesquisa.
33

2.2 PRESSUPOSTOS DE ANÁLISE

Enquanto pressupostos analíticos, para a consecução do que se convencionou


denominar de mapeamento sobre a “participação infantil”, as bibliografias selecionadas
foram analisadas e sistematizadas seguindo o método da análise de conteúdo da variante
temática categorial e da avaliação (QUIVY; CAMPENHOUDT, 2008), em que nos
ativemos aos seguintes alicerces de estudo, lidos em consideração, enquanto elemento
estrutural e objetivo de análise, à compreensão da problemática do conhecimento em sua
articulação com a intervenção na sociedade, considerando, junto a isso, o intento do
programa científico da Sociologia da Infância, o qual, segundo Sarmento:
só poderá se concretizar [...] se assumir a participação da criança (exercício
efetivo da decisão no espaço individual e coletivo) como referente, a um só
tempo, social e metodológico, se tomar a criança como sujeito de
conhecimento e fizer de si própria uma verdadeira Sociologia: isto é, a ciência
que busca o conhecimento dos fatos sociais, através das e com as crianças.
(2008, p. 24).

Isto posto, nas bibliografias selecionadas, são analisados e sistematizados:


1. Aspectos atinentes à metodologia científica: as alocações das pesquisas
levantadas, que são classificadas, no que se refere às abordagens da problemática do
conhecimento que seus autores optaram por seguir. As questões de fundo atinentes à
epistemologia, também são objeto de análise;
2. Partindo da primeira alocação, tentando identificar os fundamentos das
relações sociais estabelecidas sobre e também com as crianças, que redundaram, a partir
de diferentes correntes e abordagens, na produção de conhecimento sobre a “participação
infantil”, são extraídas as categorias, os conceitos e as teorias elencadas nas bibliografias
analisadas;
3. Por meio das análises de 1 e 2, pretendemos identificar, no processo
histórico, os fundamentos que ocasionaram a positivação legal da “participação infantil”
e os pressupostos de incorporação deste tema pela Sociologia da Infância, por meio do
mapeamento das raízes conceituais que o informam e dos marcadores teóricos, com as
respectivas correntes e abordagens que estão em debate dentro do campo disciplinar
citado, para, em seguida, sistematizar as diferentes concepções do termo em conjunto com
as imbricações conceituais amalgamadas àquelas acepções, sem a pretensão de
formulação de proposições taxativas (SARMENTO, 2008);
34

4. Enquanto bases teóricas, optamos, nesta pesquisa, pela primazia aos


estudos da infância empreendidos no âmbito da Sociologia da Infância em articulação
com o enfoque dos direitos, contudo, sobre os trabalhos selecionados por meio do
levantamento bibliográfico, sobretudo as teses e dissertações e os dois artigos, um de
abordagem micro e outra de abordagem macro, não podemos afirmar que todos estão
inscritos dentro deste campo teórico, apesar de todos eles terem citado tal aporte
referencial.
35

3 SOCIOLOGIA[S] DA INFÂNCIA: CONTEXTUALIZANDO O CAMPO,


IDENTIFICANDO PARADIGMAS

“Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem


com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”
(SAINT-EXUPÉRY, 2000, p.72)

De partida, entendemos que seja necessário para a articulação deste estudo a


delimitação dos fundamentos epistemológicos que serviram de baliza para o erigir do que
hoje se convencionou chamar de “Nova Sociologia da Infância” (JAMES; PROUT, 2015;
PROUT, 2010; HENGST; ZEIHER, 2004). Iniciamos a partir do que Alanen (2009);
Corsaro (2009, 2011); Honing (2009); James (2009); Jenks (2002); Sarmento (2008;
2013); Qvortrup (1994, 2009); Woodhead (2009) descreveram ou citaram, dentro dos
diversos “pontos de vista” a respeito do mundo social das crianças, tomando-os como
sendo alguns dos fundantes das práticas de pesquisa sobre e com crianças e Infâncias e
que redundaram no que agora se estuda como sendo Sociologia da Infância e,
contemporaneamente, uma “Nova Sociologia da Infância”.
Diante desses estudos, são descritas algumas das chamadas teorias sociais
clássicas, já que muito do que constitui atualmente aquele campo disciplinar foi
construído a partir da reanálise dos fundamentos teóricos sociológicos, mormente aqueles
assentados na teoria da socialização, formulada por Emile Durkheim, considerada o
marco inicial do pensamento sociológico moderno ocidental.
Tal escolha se justifica em decorrência dos objetivos deste estudo, dentre os quais
está o de compreender algumas raízes epistemológicas que estão no cerne do erigir da
chamada “Nova Sociologia da Infância”, anunciadas por aqueles autores citados em
parágrafo precedente. Deste modo, a partir dos predicados teórico-epistemológicos que
estão na base da SI anunciados por eles, partimos para uma sintetização guiada pelas
seguintes indagações: ao que veio a Sociologia da Infância e quais são as suas premissas?
O campo disciplinar que recebe o nome de Sociologia da Infância, como há de
supor de sua leitura, está inscrito em um corpo maior da Ciência, qual seja, o das Ciências
Sociais e, dentro deste, mais especificamente, o da Sociologia. Isso significa que as
pesquisas desenvolvidas por seus agentes estão inscritas no espaço do saber sociológico,
o que não significa dizer, por outro lado, que o produto de suas atividades seja indistinto
ou pleiteie unicidade, muito pelo contrário. Assim como descreve Bernard Lahire na
elaboração de sua teoria do ator plural, “as referências ou os pontos de apoio que
36

solicitamos não são homogêneos, nem sequer inscritos num único campo do saber.”
(2002, p. 13). Diante disso, pode-se dizer que o mesmo ocorre na Sociologia da Infância
que, desde o seu início, que aponta a década de 1980 como marco inicial e a década de
1990 como a da emergência de sua consolidação, lança mão de aportes teóricos e
empíricos multifacetados, encarando seus objetos de estudo sob prismas diversos.
Essa data pode ser considerada controvertida, haja vista que, já no ano de 1937,
Marcel Mauss utilizou tal nomenclatura em exposição oral. Tomamos aquela indicação
de marco inicial, contudo, pois é a encontrada na maior parte das publicações
consideradas como referência na área e porque foi, de fato, período em que houve
interesse científico, com organização e produção acadêmicas voltadas ao seu erigir, com
emergência (SIROTA, 2001) fertilizada sobretudo, na década de 1990, conforme
explicitado anteriormente.
Tomamos cuidado em afirmar que a Sociologia da Infância é um campo de
conhecimentos interdisciplinar, multidisciplinar, transdisciplinar ou pluridisciplinar,
porque, as “aparentes misturas, sempre são postas a serviço da construção coerente da
reflexão sociológica” (LAHIRE, 2002, p. 13), embora assim possa ser descrita por alguns
de seus estudiosos (SARMENTO, 2013). As Ciências Sociais e sociológicas não estão
aí para gerarem consensos, “a controvérsia é-lhe co-inerente, e esse é um dos seus traços
definitórios” (SARMENTO, 2008, p.11) e, assim como muitos pesquisadores do campo
vem fazendo, entendemos importante para a melhor compreensão dos arranjos nele
contidos, expor “as diferenças internas ao próprio campo da Sociologia da Infância.”
(SARMENTO, 2008, p. 11).
Começamos por dois textos de Manuel Jacinto Sarmento, do Instituto de Estudos
da Criança, da Universidade do Minho. O primeiro deles, intitulado “Sociologia da
Infância: Correntes e Confluências”16, em linhas gerais, contextualiza o interesse
acadêmico no estudo sobre a vida das crianças e sobre o conceito de Infância, ressaltando,
no que tange ao campo disciplinar da SI, as especificidades com que são tomados os seus
objetos de estudo. É foco do autor inventariar as variadas disposições e bases teóricas e

16
O texto utilizado como base para essa escrita foi dividido e publicado em partes, com modificações, no
livro “Estudos da Infância: educação e práticas sociais”, organizado pelo autor citado e por Maria Cristina
Soares de Gouvêa, com publicação, pela editora Vozes, datada do ano de 2008. Foi também publicado no
periódico “O Social em Questão”, Revista da PUC- Rio de Janeiro, XX, nº 21. Para esta produção,
referenciamos com a data da primeira publicação do ano de 2008, mas utilizou-se o texto completo
disponível em:
http://www2.fct.unesp.br/simposios/sociologiainfancia/T1%20Sociologia%20da%20Inf%E2ncia%20Corr
entes%20e%20Conflu%EAncias.pdf . Acesso em: 13 Ago. 2018.
37

metodológicas nas pesquisas sobre e com esses “objetos” de estudo e, ao mesmo tempo,
destacar a peculiaridade analítica da SI, assentada nos pressupostos de que a “infância é
uma categoria social do tipo geracional, socialmente construída” (2008, p.7) e de que as
crianças são “atores sociais” (2008, p.7). É nesse ponto, segundo Sarmento, que fica clara
a diferenciação da Sociologia da Infância em relação aos outros campos do conhecimento
sociológico, mormente os da Sociologia da Família e da Sociologia da Educação, assim
como o da própria Sociologia Geral, embora o diálogo constante entre elas seja premente.
Essas distinções analíticas também destacam a SI em relação aos outros tipos de
abordagens efetivadas pelas ciências do indivíduo, de que são exemplo a Psicologia e a
Psicopedagogia.
O autor faz um destaque para a emergência de um “novo” estudo sociológico da
infância e assinala como um marco que põe em relevo essa novidade no cenário científico,
a elaboração e sistematização do conjunto de relatórios nacionais do Centro Europeu para
a Investigação e a Política Social de Viena sobre a situação da infância, um dos trabalhos
oriundos do Projeto “Infância como um Fenômeno Social”, coordenado por Jans
Qvortrup, com publicações decorrentes lançadas em 1991 e anos seguintes.
(SARMENTO, 2008).
Esse movimento novel ocorrido na Europa, serviu de mote propulsor para a
efervescência do campo, culminando e constituindo um momento marcante na revelação
da maturidade do Projeto Científico da Sociologia da Infância, com a consagração
institucional refletida na criação de comitês científicos integrantes de grandes
organizações científicas internacionais, tais como a International Sociology Association
(ISA) e a Association International Des Sociologues de Langue Française (AISFL).
(SARMENTO, 2008, p. 1).
Afora essas constatações, o autor classifica como “paradoxal” a situação da
abordagem sociológica da infância, assinalando que há um crescente quantitativo de
trabalhos que assumem um viés interdisciplinar micro analítico, mormente aqueles
oriundos das vertentes antropológica , psicológica e pedagógica, que podem reforçar a
ideia de confinamento da infância em seus “pequenos mundos”, fazendo uso de expressão
utilizada por Qvortrup. (SARMENTO, 2008, p.2). Junto a isso, há uma percepção de que
são escassas as produções que dialogam e se articulam com disciplinas como a Economia,
a Ciência Política, a Geografia e com a própria Sociologia Geral, capazes, no espectro de
Sarmento, de incrementar a visão estrutural da infância. Há, para esse estudioso, a
premência dos estudos da criança e da infância na perspectiva da macro análise, porque,
38

em primeira e última instância, o sentido da Sociologia da Infância reside em


compreender a sociedade a partir do fenômeno social da infância, tomando as crianças
enquanto objetos sociológicos e considerando a infância enquanto categoria social, capaz
de fornecer um viés de análise sobre a realidade social. (SARMENTO, 2008).
Diante disso, embora haja uma renovação dos estudos sociológicos voltados a essa
categoria, as crianças ainda não são reconhecidas, efetivamente falando, enquanto atores
ou agentes sociais. Exemplifica esse fato citando um recente manual internacional de
Sociologia, que só dedicou à infância “discretas referências no capítulo dedicado à
pobreza”. É como se a Sociologia da Infância estivesse em um limbo, ainda bastante
demarcado pela invisibilidade das crianças e das infâncias. (SARMENTO, 2008, p. 2).
Nesse diapasão, criticamente Sarmento estabelece um quadro ilustrativo sobre a
situação das crianças e da infância enquanto constructos sociais à luz de muitos dos
problemas que as assolam, problemas estes que, em certa medida, ainda não são tratados
com a atenção devida também pela Ciências Sociais e pela própria Sociologia da Infância.
Citando Thomas Kuhn, assinala que a Sociologia da Infância ainda não superou alguns
estigmas fortemente atrelados à ideia de socialização da Sociologia da Educação de
matriz durkheimiana, por exemplo, o que a faz permanecer na esfera da “ciência normal”,
ainda no caminho de conferir substância aos paradigmas que propõe. Critica o modelo
construtivista assumido por uma corrente sociológica da SI, na medida em que “apesar
de considerar o papel das crianças na reprodução social, não analisa adequadamente as
crianças enquanto co-construtoras das realidades sociais.” (SARMENTO, 2008, p. 16).
Consequentemente, às crianças foi atribuído um estatuto pré-social, ou seja, são
invisibilizadas “porque não são consideradas como seres sociais de pleno direito”, não
estão presentes no discurso social e, mais do que isso, são destinatárias de uma
institucionalização voltada ao seu confinamento, seja no seio familiar privado, seja em
instituições sociais, tais como orfanatos, infantários, creches, dentre outros espaços.
(SARMENTO, 2008, p.4).
Outro ponto ressaltado por Sarmento diz respeito à falta de presença dos cidadãos
mais jovens da arena pública, o que acarretou na falta de criação de uma agenda ou de
um olhar sociológico que levantasse como questão a ação social ou econômica das
crianças. Tendo sido confinadas em espaços institucionalizados, quer seja na instituição
família, quer seja em instituições com finalidades sociais, principalmente naquelas
destinadas às crianças que escapavam aos enquadramentos da “normalidade”, a infância
39

acabou por ser “privatizada”, o que redundou, ou alimentou o ciclo de abafamento da


infância ou da “condição social da infância”. (SARMENTO, 2008, p.4)
O autor comparou essa situação àquela que ocorre em relação ao trabalho
doméstico da mulher, menos reconhecido, ou não reconhecido enquanto atividade social
ou econômica. Também por este motivo, o viés de análise da infância e das crianças foi
aquele empreendido pelos cientistas do indivíduo, do âmbito privado, sobretudo, das
áreas da Psicologia e suas subáreas. (SARMENTO, 2008, p.4).
Diante deste cenário, Sarmento sobreleva a necessária desconstrução da
“produção pericial da infância pelas ciências do indivíduo”, o que não prescinde das
necessárias escolhas teóricas e epistemológicas para a construção científica do objeto
social infância. Essas escolhas teóricas e epistemológicas, na visão do autor, são tão
necessárias quanto o entendimento [ou “promoção”, fazendo uso do termo constante no
texto] da infância enquanto objeto sociológico e das crianças enquanto atores sociais. O
que implica reconfigurar o olhar científico que até então vem sido empregado para a
produção do conhecimento sobre ambas, sem excluir a importância dos aportes teóricos
da área da Psicologia ou da Pedopsicologia, utilizados por alguns sociólogos da infância
─ de que é exemplo o norte americano William Corsaro ─, assim como o trabalho da
Psicologia crítica, empreendido por psicólogos desconstrucionistas. (SARMENTO, 2008,
p.4).
Apesar dessa apropriação das crianças e da infância enquanto objetos de estudo
pelo olhar das ciências do indivíduo, a Sociologia também se ocupou com este público,
mas sob o viés da inserção social das crianças. O conceito de socialização, consagrado a
partir de Durkheim, perpassando Parsons e Bales, alcançando Bourdieu e Passeron com
a teoria da reprodução e pela “abordagem construtivista” de Berger e Luckman é, para
Sarmento, em suas diferentes versões e revisões, o responsável pelo “domínio exato da
hipostasia da infância como condição social suscetível de ser estudada em si própria.”
(SARMENTO, 2008, p.5).
Compreendendo a criança enquanto um “vir a ser”, sem que seja reconhecida sua
plenitude enquanto ser social interativo, racional, com capacidade de fazer escolhas, o
conceito de socialização acabou não somente por oferecer um viés de análise
interpretativa sobre a condição social da infância mas, sobretudo, é para Sarmento, o
motivo da sua ocultação. Neste sentido, se as crianças são um devir, não são legitimadas
como entes sociais reconhecíveis em suas características, não adquirindo um “estatuto
ontológico social pleno”, em decorrência disto, também não se constituem enquanto
40

“objeto epistemologicamente válido, na medida em que são sempre a expressão de uma


relação de transição, incompletude e dependência”. (SARMENTO, 2008, p. 5).
Por este motivo, a criança passou a ser analisada cientificamente por meio do
marcador “aluno”, justamente porque havia a compreensão de que era por meio deste
status que a socialização seria, ou não, promovida. Esse fato também explica a opção
científica por estudar a criança pelo viés da socialização que não ocorreu, ou que não
ocorreu conforme as expectativas. Ou seja, estuda-se a criança que se constitui em uma
condição de anomia ou de desvio, ou de auto exclusão ─ em situação de rua ou
delinquência, por exemplo ─ em detrimento dos estudos que tomam a condição
geracional e social das crianças e da infância enquanto objetos de análise. Essa tradição
sociológica é que autoriza Qvortrup (1995) a afirmar que as crianças não são somente
invisibilizadas, mas são marginalizadas pelo discurso sociológico. (SARMENTO, 2008,
p.5).
Somada a todos estes fatores, a complexidade em que está inserida a Sociologia
da Infância salta aos olhos ao se verificar que, ao mesmo tempo, o campo sociológico se
reorienta para o privado e subjetivo, partindo para uma “sociologia dos indivíduos sociais
ao analisar a “construção dos laços sociais e as dimensões subjetivas de existência em
sociedade”, por exemplo. Este fato reverbera “na redefinição da pertinência analítica da
Sociologia da Infância” e é explicado pela crítica à Sociologia Holística, resultado da
imposição pela individualização enquanto processo de socialização da modernidade.
(SARMENTO, 2008, p.6).
Neste cenário em que o centro é o indivíduo social, Sarmento destaca as duas
linhas de orientação para uma nova Sociologia da Infância, segundo Bernard Lahire: 1)
“estudo das socializações”, em variados contextos, privados ou não, e os processos de
assimilação das relações de autoridade, “das disposições socio-políticas, das disposições
culturais cognitivas, dos quadros de valores culturais e morais”; 2) o grau de
transferibilidade das disposições mentais e comportamentais em contextos/ambientes
variados de inserção de crianças e adolescentes e os “fenômenos de tensão de disposições
contraditórias entre quadros socializadores” total ou parcialmente incompatíveis.
(SARMENTO, 2008, p.6).
Fica claro, por todo exposto, a complexidade do campo da Sociologia da Infância,
marcada, conforme o próprio título do artigo anuncia, por inúmeras “correntes e
confluências”. Diante desta constatação e, seguindo a ordem do texto, Sarmento presta-
se: I) a clarificar as bases, ou “gêneses e afiliações da SI” (2008, p. 2-6); II) a pontuar a
41

proposta analítica da SI a partir da especificação do seu “duplo objeto de estudo”, que são
a “infância como categoria social e as crianças como atores sociais”, conforme
anteriormente anunciado (2008, p. 7- 11); III) a ressaltar a existência de “Sociologia (s)
da Infância”, com “declinação no plural”, delineando os dissensos inerentes às Ciências
Sociais e pontuando “as diferenças internas ao próprio campo da SI” (2008, p.11), que
podem variar de: a) tipo; b) intensidade e; c) consequência, a depender da “ênfase, foco
privilegiado, método ou problemáticas selecionadas, como da escola de pensamento
sociológico em que se filiam” (2008, p.11, grifos meus), que foram sistematizadas, por
Sarmento, por meio de três fatores de diferenciação: 1) “a tradição cultural e linguística
do trabalho sociológico; 2) a perspectiva paradigmática em que se situam os estudos
sociológicos e 3) o tipo de abordagem.” (SARMENTO, 2008, p. 11, grifos meus).
Em (1), quer dizer, a partir da tradição cultural e linguística do trabalho
sociológico, Sarmento destaca a SI de expressão anglo-saxônica, ou seja, dos trabalhos
publicados em língua inglesa, apontando suas origens multirreferenciais de influências de
campos disciplinares variados, tais como da Economia, Demografia, Sociologia da Saúde,
Sociologia da Família, Sociologia da Educação e a Sociologia Geral. Há, nesse contexto,
uma forte influência dos estudos historiográficos de Philippe Ariès, sobretudo, no
“História Social da Criança e da Família” e mais recentemente, destacam-se os estudos
feministas. (SARMENTO, 2008, p.12). Qvortrup é um nome que se destaca nesse
cenário, por sua vasta produção acadêmica e na coordenação de importantes projetos de
amplitude mundial, que culminaram na produção de relatórios sobre a situação da infância
em vários países ao redor do globo. É um campo que abarca “praticamente todas as áreas
de inscrição das crianças nos seus respectivos mundos sociais” (SARMENTO, 2008,
p.12), perpassando à família, às culturas de pares, às políticas públicas, à sociologia dos
direitos, dentre tantas outras. Sarmento cita certa carência nos estudos sobre a instituição
escolar e das práticas sociais das crianças neste contexto, o que para ele simboliza um
paradoxo quando se tem em vista a variedade de áreas de inscrição nos estudos anglo-
saxônicos sobre as crianças e a infância. (SARMENTO, 2008, p.12).
Ainda dentro da tradição cultural e linguística do trabalho sociológico (1),
Sarmento destaca a SI de expressão francófona, onde também há grande influência da
historiografia contemporânea e, em especial, da obra de Ariès. A Sociologia Geral
Francesa, nomeadamente com as bases de Alan Touraine e Bourdieu, assim como a
Psicanálise, a Psicologia Infantil e a Filosofia Política, demarcam o caracter
interdisciplinar da SI na França. Os estudos historiográficos se entrelaçam à Sociologia
42

da Família e também aos trabalhos de sociólogos da educação que, em uma perspectiva


interpretativa, desvelam as condições das crianças como atores sociais, antes mesmo da
condição de alunos, sendo essa vertente de análise, com foco nas crianças e suas
condições sociais enquanto alunos, no ambiente escolar, bastante engajada na SI de
expressão francófona. Regine Sirota é um nome de destaque nesse âmbito por ter, já em
1998 e 1999, organizado a publicação de edições temáticas da Éducacion et Sociétes
sobre o estado da arte da SI na França. (SARMENTO, 2008, p. 13; SIROTA, 2001).
Neste trabalho, Sirota (2001), analisando o nascimento da criança enquanto objeto
de estudo e as diferentes proposições, paradigmas, problemáticas engendradas por
estudiosos de campos variados de tradição de língua francesa, de um lado e, de outro, de
tradição de língua inglesa, em um primeiro recorte, identifica certo “estancamento e
paralelismo.” (2001, p. 10). No esboço inicial do quadro teórico sobre a infância, a autora
cita a noção do “ofício de criança” [métier d’enfant] enquanto predominante. Nele,
exsurge tomar a sério a criança reservando-lhe um lugar de um objeto sociológico em
sentido pleno, que seria “o primeiro desafio da noção de ‘ofício de criança’”. (2001, p.
14).
Esta noção foi empregada de diferentes modos, em variados contextos e
momentos históricos, inicialmente mais atrelada ao ofício de aluno na primeira infância
do que propriamente ao ofício de criança, tomados em um emprego sociológico dos
termos. A expressão alcançou então uma perspectiva sócio antropológica, que ultrapassa
a sociologia da escolarização para alcançar uma sociologia da socialização. Pouco a
pouco alguns pontos de intersecção conectam o conjunto da literatura francesa e inglesa,
sendo possível elencar alguns deles, tais quais:
a criança é uma construção social; a desnaturalização da definição de criança;
a infância é, pois, considerada não simplesmente como um momento precursor,
mas como um componente da cultura e da sociedade; as crianças devem ser
consideradas como atores em sentido pleno e não simplesmente como seres em
devir; a infância é uma varável da análise sociológica que se deve considerar
em sentido pleno. (SIROTA, 2001, p. 19)

Por outro lado, juntamente com o recorte científico, exsurge o recorte social em
torno da criança, mormente após a adoção da Convenção Internacional dos Direitos da
Criança de 1989, “momento que simboliza o acesso da criança, no final de uma longa
história de emancipação, ao estatuto de sujeito e à dignidade da pessoa.” Esse debate
também não é homogêneo e gerou duas posições distintas: o da tradição da proteção e
outro, fundado “nos direitos do homem na criança.” (SIROTA, 2001, p. 19).
43

A autora segue elencando as tendências atuais da pesquisa sobre Sociologia da


Infância e cita a noção de criança como ator, que toma a socialização política e a
aprendizagem da cidadania como objetos que demarcam a renovação da pesquisa. Outros
estudos recentes indicam dois pontos de vista distintos acerca da construção social da
infância, aquele oriundo da esfera pública e outro advindo da esfera privada, “a fim de
analisar os dispositivos de responsabilização institucional em relação à infância e de
delegação do trabalho de socialização fora da família.” (SIROTA, 2001, p. 22).
Sirota (2001, p.27) mostra uma gama bastante diversa que endossa a variedade do
quadro teórico sobre Sociologia da Infância na França e nos países que publicam em
língua inglesa, “demonstrando quantos vaivéns teóricos entre sociologia geral e campo
especializado são necessários” para a construção de um campo. À época da escrita de seu
texto, com publicação na revista Éducation et Societés datada de 1998, a autora via uma
certa nebulosidade pairando sobre a Sociologia da Infância, visto que há uma dificuldade
em institucionalizar o campo, na medida em que não se sabia se “a categoria infância se
tornará uma categoria analítica ou um objeto empírico de análise”, ressaltando, contudo,
que é “necessário desescolarizar a abordagem da criança” e que, afinal, “trata-se de
compreender aquilo que a criança faz de si e aquilo que se faz dela e não simplesmente
aquilo que as instituições inventam para ela.” (SIROTA, 2001, p.27/28).
Já em Portugal no erigir bastante recente da SI, outras tradições de pesquisa são
desenvolvidas. Partindo, então, para os trabalhos dessa expressão a partir da classificação
da tradição cultural e linguística do trabalho sociológico empreendida por Sarmento, o
autor destaca que, embora tenha menos de 20 anos de desenvolvimento, como acontece
no geral com todas as ciências sociais nas terras Lusitanas, verifica-se o campo fértil em
termos teóricos e vasto em produções empíricas, centrados no desenvolvimento de uma
Sociologia da Juventude. O autor acentua ser tardia a emergência do campo internacional
da SI em Portugal, considerando o “Congresso Internacional sobre os Mundos Culturais
e Sociais da Infância, promovido pelo Instituto de Estudos da Criança da Universidade
do Minho (IEC)” (SARMENTO, 2008, p.13), realizado no ano de 2000, o marco inicial
que incrementou o diálogo entre investigadores portugueses e “muitos dos sociólogos da
infância de referência mundial.” (SARMENTO, 2008, p.14). Marca forte da SI
portuguesa é a sua articulação com as políticas públicas, principalmente no campo da
Educação e das Políticas Sociais. Investigações advindas de áreas mais consolidadas, tais
como a Sociologia da Família, a Sociologia da Educação e a Sociologia da Comunicação,
44

tem fertilizado e endossado o desenvolvimento de estudos entrecruzados com a SI


portuguesa. (SARMENTO, 2008, p.14).
Em (2), ou seja, na perspectiva paradigmática em que se situam os estudos,
Sarmento faz uso da classificação proposta pelo sociólogo norte americano William
Corsaro, que sistematiza as correntes sociológicas entre dois grupos: I) as que seguem as
correntes tradicionais da socialização e II) as teorias da “reprodução interpretativa”.
Corsaro opera ainda várias subdivisões no cerne dessas teorias, como se verá mais
adiante, mas usou como ponto de partida as apropriações que giram em torno do conceito
de “reprodução”, afirmando que é neste ponto em que estão contidas as maiores
dissenções da SI. (SARMENTO, 2008, p. 15; CORSARO, 2011).
Sobre a “reprodução interpretativa”, trata-se de categoria multifacetada,
decorrente de uma perspectiva analítica de abordagem interpretativa, que claramente se
distancia dos enfoques da socialização até então empreendidos no campo sociológico. A
tese que a explica não pode ser analisada destacada da cultura de pares de crianças.
Corsaro discorre sobre infância, as atividades infantis e a reprodução interpretativa na
cultura de pares. Estas produções infantis não se confundem com a imitação e a
apropriação das crianças do mundo adulto. Para o autor, essa apropriação de informações
dos mundos dos adultos pelas crianças não é uma mera recepção, mas tem a marca da
criatividade, na medida em que amplia, desenvolve e transforma as informações do
mundo adulto com a finalidade de “responder às preocupações de seu mundo”, na sua
cultura de pares. (CORSARO, 2011, p. 53). Acrescenta o autor que, “dessa forma, [as
crianças] contribuem simultaneamente para a reprodução da cultura adulta. Assim, as
culturas de pares infantis têm uma autonomia que as tornam dignas de documentação e
estudos por si”. (CORSARO, 2011, p. 53). Portanto, o processo de apropriação criativa
das crianças, pelo autor, é nomeado como sendo uma “reprodução interpretativa”.
Pela leitura de Sarmento, a reprodução, em Corsaro, apresenta um duplo sentido,
já que é composta por um “âmbito estrutural e um âmbito geracional”, que se encontram
no modelo da “teia global”, desenvolvida pelo norte americano. (SARMENTO, 2008,
p.15). Diante disso, aquela distinção operada por Corsaro (2011), assentada no grupo das
teorias da socialização, subdividem-se entre i) modelo determinístico de socialização, de
corrente funcionalista, e ii) modelo construtivista de socialização. Em (i), há um relevo
de faceta crítica assumida por meio dos contributos de Bourdieu na teoria da reprodução,
sobretudo, com o conceito de “‘habitus’ como processo de reprodução social”, além dos
referenciais de Foucault, nos conceitos de disciplina e institucionalização da infância,
45

subordinada a mecanismos de controle simbólicos. Em (ii), no modelo construtivista, a


principal referência está assentada na Psicologia de Piaget e, mais tarde, nos contributos
de Vygotsky. (SARMENTO, 2008, p.16; CORSARO, 2011). Por fim, as teorias que
inauguram e informam a nova Sociologia da Infância, dentre as quais encontra-se a teoria
da reprodução interpretativa de Corsaro, podem ser classificadas em duas correntes: a
estrutural e a construtivista. (SARMENTO, 2008, p.16, CORSARO, 2011, p.22).
Sarmento optou por “classificar as diferentes orientações em “correntes” ou
“abordagens” por entender que correspondem às afinidades conceituais, teóricas e
metodológicas assumidas por seus expoentes. Além disso, dizem respeito às diferentes
opções epistemológicas e, mais ainda, às intenções analíticas e suas respectivas questões
de pesquisa e orientações metodológicas. Esclarece Sarmento um ponto bastante
importante: no interior dessas “correntes” não haverá necessariamente uma coerência
teórica ou uma unidade paradigmática, mas sobressaltam as distinções empíricas, com
formas de operar a investigação e temáticas diferenciadas. (SARMENTO, 2008, p.17).
Sarmento enumera os pontos de confluência teórica entre as diferentes correntes,
abordagens e teorias inscritas na Sociologia da Infância. São de suma importância, porque
é o conjunto desses pontos que estabelece as bases conceituais da disciplina e eles
constituem a súmula dos contributos teóricos produzidos. Apesar de confluentes, a partir
deles se estabelecem linhas de fuga, que assinalam a heterogeneidade do campo e definem
as rupturas teóricas entre paradigmas, teorias e abordagens. (SARMENTO, 2008, p.19).
De forma sintética, Sarmento elenca 10 (dez) proposições que, embora não sejam
taxativas, são centrais dentro dos debates teóricos que operam no campo da SI, por se
constituírem alicerces referenciais. São as seguintes:
1. A infância deve ser estudada em si própria (ou a partir de seu próprio
campo): deve ser tomado como ponto de partida aquilo que é distintivo no
grupo geracional da infância face a outros grupos geracionais, assumindo a
autonomia analítica da ação social das crianças, rompendo com a visão e
postura adultocêntricas; (SARMENTO, 2008, p.19/20);
2. A infância é uma categoria geracional que necessita ser estudada de
modo a articular os elementos de homogeneidade com os elementos de
heterogeneidade, quer dizer, devem ser postas em diálogo as características
comuns a todas as crianças, independentemente de sua origem social e aquelas
características que correspondem aos elementos distintivos, ou seja, aquelas
que dizem respeito à sua distribuição entre as diferentes categorias sociais
(classe social, gênero, etnia, subgrupos etários). (SARMENTO, 2008, p. 20).
3. Centralidade do conceito de geração para a configuração sociológica da
infância: porque permite resgatar, quer no plano da análise da estrutura social,
quer no plano da análise da ação social das crianças, aquilo que é distintivo.
Dentro deste conceito ainda há a necessidade do entrecruzamento entre as suas
variadas dimensões: 1º como conceito que compreende um grupo social
constituído, intemporalmente, por indivíduos do mesmo escalão etário; 2º
como conceito que compreende, no plano histórico, um grupo de pessoas do
46

mesmo escalão etário que viveu uma experiência semelhante; 3º como conceito
que compreende a diferença da experiência de um grupo etário, formado em
condições históricas precisas, ao longo de seu trajeto de vida. (SARMENTO,
2008, p. 20/21).
4. A construção social da infância historicamente consolidada, realizou-
se segundo o princípio da negatividade, conceito que diz respeito ao processo
social de negação de determinadas características ou condições de um grupo,
categoria ou aspecto da sociedade. Em contraposição a isto, a Sociologia da
Infância estrutura-se em torno da ideia ou paradigma da competência infantil.
(SARMENTO, 2008, p.21).
5. A infância não é uma idade de transição, mas sim, uma condição social
que corresponde a uma fase etária com características distintas na relação com
outras fases etárias, em cada momento histórico e social. As crianças se
exprimem na alteridade geracional. É da ordem da diferença e não da grandeza,
incompletude ou imperfeição, que a Sociologia da Infância trata quando
estabelece a distinção face aos adultos. (SARMENTO, 2008, p.21).
6. As condições de vida das crianças necessitam, igualmente, serem
estudadas considerando a especificidade da infância perante as esferas sociais
da produção e da cidadania, isto é, a divisão social do trabalho, a repartição da
riqueza, as práticas de consumo, por um lado, e a organização política, os
direitos de participação eleitoral e as estruturas de poder e autoridade na
comunidade, em geral, por outro. (SARMENTO, 2008, p. 22)
7. As crianças são produtoras culturais. A diferença das culturas da infância
decorre do modo específico com que as crianças, como seres biopsicossociais
com características próprias, simbolizam o mundo, nomeadamente pela
conjugação que fazem de processos e dimensões como o jogo, a fantasia, a
referência, face aos outros e a circularidade temporal; (SARMENTO, 2008, p.
22)
8. As instituições para crianças simbolizam o “ofício de criança”17, isto é
o modo “normalizado do desempenho social das crianças”. As instituições
desenvolvem processos de socialização vertical, isto é, de transmissão de
normas, valores, ideias e crenças sociais dos adultos às gerações mais jovens,
mas também nessas instituições são preenchidas pela ação das crianças, seja
de forma direta e participativa, seja através de um protagonismo infantil, seja
como modo de resistência, nos espaços ocultos ou livres de influência adulta,
onde se realizam processos de socialização horizontal. (SARMENTO, 2008,
p. 23);
9. As mutações da modernidade tem implicações nas condições de vida
das crianças e no estatuto social da infância. As crianças exprimem fortemente
as mudanças sociais, quer porque as recebem sob a forma de condições sociais
e culturais de existência em transformação, quer porque elas próprias mudam,
enquanto atores sociais contextualmente inseridos. A interpretação dessas
mudanças, para além de um desafio teórico, envolve a Sociologia da Infância
num projeto social mais amplo de promoção dos direitos de cidadania da
infância. (SARMENTO, 2008, p.23);
10. A sociologia da infância só poderá se desenvolver se for capaz de se
articular com um programa em renovação na própria sociologia, [...]
articulando o estudo das crianças como indivíduos sociais com a influência das
estruturas sociais (em processo contínuo de reestruturação) na configuração da
categoria geracional infância. A SI precisa dar conta da defasagem do
programa institucional com os processos contemporâneos de subjetivação e
precisa constituir-se como uma sociologia da construção discursiva da
infância, ampliando-se através do trabalho interdisciplinar capaz de
compreender as redes simbólicas de articulação da infância. Finalmente, a SI
só poderá concretizar o seu programa científico se assumir a participação da
criança como referente, a um só tempo, social e metodológico, se tomar a
criança como sujeito do conhecimento e se fizer de si própria uma verdadeira

17
Mais sobre esse sentido em Sirota (2001).
47

Sociologia: isto é, a ciência que busca o conhecimento dos fatos sociais,


através das e com as crianças. (SARMENTO, 2008, p.24)

Sarmento conclui que a SI tem como proposta colocar a infância no centro da


reflexão das Ciências Sociais, por entender que a condição social das crianças é espelho
da realidade social do seu conjunto. “As sociedades são aquilo que propõe como
possibilidade de vida, no presente e para o futuro, às suas crianças”, servindo o trabalho
analítico sobre a infância uma forma de conhecer a sociedade. Nesse sentido, o campo
disciplinar em comento deve se constituir enquanto área de conhecimento pautada na
emancipação das crianças dos processos simbólicos e políticos de dominação.
(SARMENTO, 2008, p.24).
No seu desenvolvimento, para Sarmento, a SI deve estar assentada: 1) como
ciência social e campo de aplicação no diálogo entre o trabalho teórico e analítico em
curso, trabalhando com a “reflexividade reflexa” proposta por Bourdieu, como um modo
não escolástico de produzir ciência, permitindo pensar a SI ultrapassando dicotomias
polarizantes (PROUT; JAMES, 2015); 2) como estudo focado no conhecimento das
crianças enquanto objetivo científico, trabalhando em diálogos teóricos interdisciplinares,
como campo estruturante dos Estudos da Infância, em construção. (SARMENTO, 2008,
p.24/25). Ao final, Sarmento deixa clara a sua defesa política: “mais sociologia e uma
Infância melhor compreendida e socialmente emancipada.” (SARMENTO, 2008, p.25).
Em estudo mais recente, datado do ano de 2013, Sarmento reafirma muitos dos
argumentos esposados no texto em comento, acrescenta outros e sintetiza mais a sua
tentativa de “arrumação” do campo da SI. Fazendo uma breve contextualização sobre as
tradições de pesquisa que elegeram a infância e a criança enquanto objetos de análise, que
perpassaram e perpassam por diversos campos do conhecimento, tais quais os estudos da
área médica, os da área da Psicologia e os da Pedagogia, já amplamente comentados nos
parágrafos precedentes, pouco a pouco, pesquisadores de outras áreas, como da
Antropologia e da Sociologia, por exemplo, reorientaram suas análises no que se
convencionou chamar de Estudos da Criança ou Estudos da Infância, ambos conhecidos
internacionalmente com os equivalentes em inglês, ora designados enquanto Childhood
Studies, ora como Children Studies. (SARMENTO, 2013, p.14).
Tais estudos, fortes no intento consistente na apreensão da criança “como ser
biopsicossocial e a infância como categoria estrutural da sociedade (no âmbito das
categorias geracionais)” (SARMENTO, 2013, p.15), procurando captá-las de modo a
entender sua heterogeneidade e pluralidade, sem cair na fragmentação nem no seu oposto
48

unificador e homogeneizador, a partir de múltiplas perspectivas analíticas, o que, para o


autor, é característica que inscreve os Estudos da Infância em uma perspectiva
interdisciplinar.
Nesse sentido, esse campo do conhecimento, para firmar sua autonomia e
reivindicar sua importância, refuta:
[...] o estatuto da criança como ser-em-devir (na verdade, todos os seres
humanos são seres-em-devir, independentemente da idade), para se centrarem
nas características atuais, presentes, sincrônicas da criança como ser-que-é na
completude de suas competências e disposições. Esse centramento no ser-
criança, em detrimento da visão tradicional da criança como ser em trânsito
para a adultez, tem como forte consequência a análise dos mundos da criança
a partir de sua própria realidade, a auscultação da voz da criança como entrada
na significação de seus mundos de vida e a aceitação da criança como ser
completo e competente, isto é, compreensível apenas a partir da aceitação de
sua diferença face ao adulto.(SARMENTO, 2013, p. 15, grifos no original).

Ocupado em fazer com que os programas investigativos que partam das crianças
e das infâncias a partir dessas premissas assumam “efeitos sociais, políticos e
pedagógicos” (SARMENTO, 2013, p. 15/16), o autor entende que, em estando na
Sociologia da Infância a gênese dos Estudos da Infância, está nela também a primazia na
concretização daqueles intentos. Argumenta atribuindo razões sociais para tanto, razões
complexas e paradoxais que pululam nesse século XXI, e que giram em torno de
interpretações que envolvem valores e noções afetas à “autonomia” e à “cidadania”,
bandeiras altamente defendidas mas que, antagonicamente, convivem, paralelamente,
com a restrição do espaço-tempo das crianças, sob os auspícios da proteção e da
adequação da rotina das crianças às rotinas e controle do adulto, o que faz com que, cada
vez mais, estejam as crianças ocupadas em inúmeros afazeres, restritas em sua liberdade
de usufruto dos espaços urbanos, limitadas pelos produtos da indústria “cultural” e
midiática voltadas para elas enquanto consumidoras. (SARMENTO, 2013).
Tudo isso segue conjuntamente com a proclamação alargada da
“desinstitucionalização da infância, em nome da liberdade de crescer e aprender, e nunca
como hoje se observou a presença quase obsidiante de organizações, empresas, e
instituições no quotidiano infantil, para se ocuparem dos seus “tempos livres”.
(SARMENTO, 2013, p. 17). Tais fatos sociais marcam o contexto histórico e social
contemporâneo e fazem fomentar outras perspectivas epistemológicas para compreendê-
los. No cerne dos Estudos da Infância, desponta então a Sociologia da Infância, descrita
como a “gênese” daqueles, a partir, como já expusemos, da crítica às concepções de
criança, sobretudo, da Psicologia do desenvolvimento, com destaque para a epistemologia
genética formulada por Jean Piaget. Tal crítica acabou por se constituir:
49

o objeto central da crítica sociológica: a criança é, certamente, um ser em


desenvolvimento, mas é errado assumir que é, por excelência, o ser em
desenvolvimento; o processo de transformação e maturação é
incondicionalmente humano e faz pouco sentido confiná-lo exclusivamente a
uma etapa da vida. [...]
A criança não é, definitivamente, o adulto imperfeito e imaturo, mas é o outro
do adulto, isto é, entre a criança e o adulto há uma relação não de incompletude,
mas de alteridade. Por outro lado, o desenvolvimento é sempre social e
culturalmente produzido. (SARMENTO, 2013, p. 18/19).

A partir disso, a Sociologia da Infância assumiu como uma de suas tarefas a de:
procurar interpretar o modo como a sociedade produz as gerações, ou, nas
palavras de M. Honning (2009), produz a ‘generatividade’, isto é, constrói os
diferentes grupos de idade através do estabelecimento de relações de
diferenciação entre eles. Esta diferenciação incide nos domínios das
representações sociais mútuas (por exemplo, quando se afirma: ‘brincar é coisa
de criança’, ‘o trabalho está reservado para os adultos’ etc), tem implicações
na construção de programas institucionais diferenciados [...] e exprime-se
numa normatividade específica, ou seja, um conjunto de regras e de
prescrições, algumas formais – ou seja, formuladas como normas jurídicas –
outras expressas através de orientações morais e comportamentais assumidas
pelo senso comum e que incidem, umas e outras, no que é permitido fazer às
crianças, no que é suposto que elas façam e no que lhes é interdito [...].
(SARMENTO, 2013, p.19/20)

Conjuntamente com essas noções, claro está que a Sociologia da Infância é parte
não totalizante de um corpo mais abrangente, qual seja, os Estudos da Infância. E tanto
neste quanto naquela estão incluídas outras orientações epistemológicas, oriundas de
tradições teóricas, empíricas e abordagens advindas de diferentes campos do saber. Tal
abertura e interlocução, para Sarmento, é condição sine qua non para que a SI cumpra
seus objetivos teóricos, o que pressupõe a interdisciplinaridade18, conceituada, pelo autor,
como sendo:

o encontro de teorias e abordagens teóricas, de diferentes proveniências


disciplinares, que se conjugam numa lógica de múltipla interpelação. Há, deste
modo, uma procura de complementaridades que é conduzida, em larga medida,
pelos interesses do autor. A interdisciplinaridade é, de algum modo, o resultado
das afinidades eletivas entre teorias e autores. (SARMENTO, 2013, p.21).

Tendo apontado as variações das correntes e teorias da SI nas diferentes


expressões linguísticas, “nacionais ou regionais”, as preferências temáticas e
metodológicas e os autores de referência na oportunidade de escrita anteriormente
descrita nesta dissertação e, entendendo que a diferenciação do campo a partir da

18
Esse entendimento não é uníssono dentro do campo sociológico, conforme entendimento já explicitado
neste trabalho advindo da leitura de Lahire, que não chama de interdisciplinaridade o que enxerga enquanto
“misturas, que sempre são postas a serviço da construção coerente da reflexão sociológica.” (LAHIRE,
2002, p. 13).
50

nacionalidade de seus autores e respectiva língua de publicação de seus trabalhos “não


permitem estabelecer os nexos de relação com opções epistemológicas e teóricas
distintas” (SARMENTO, 2013, p.24), procurando transversalizar o conteúdo das
produções acadêmicas na tentativa de desvelar suas raízes, “perspectivas teóricas e
metodológicas” na investigação das crianças e infâncias a partir de variados olhares e
enfoques, é que o autor enfoca três correntes fundamentais em Sociologia da Infância,
guiando sua perspectiva a partir da “questão da relação entre identidade e diversidade e a
questão dos graus de envolvimento político e social da pesquisa”, das quais emergem
controvérsias dentro do campo e suscitam espectros que são “não apenas fator de
diferenciação, como também importantes para a produção de diferentes resultados no
conhecimento da infância contemporânea”. (SARMENTO, 2013, p. 25.)
Neste trabalho, não adentramos nas formas com que cada uma das correntes se
apropria das questões anunciadas no parágrafo antecedente, ocupamo-nos neste
momento, apenas em anunciar não somente a classificação efetivada por Sarmento, mas
em explicitar o que compreende como sendo objeto de apreensão por cada uma delas. A
sistematização sobre os quais se apoiam diferentes ancoragens teóricas, epistemológicas
e metodológicas, que suscitam diferentes pontos de apoio e perspectivas sobre as crianças
e as infâncias podem ser entendidas a partir das correntes: 1) estruturalista; 2)
interpretativa e; 3) de orientação crítica.
Quanto à primeira:

Assume como objeto a infância enquanto categoria estrutural da sociedade. É


essa dimensão macroestrutural que procura esclarecer, relevando dimensões
como o peso demográfico da infância, numa perspectiva sincrônica e
diacrônica, os processos legislativos e políticos da regulação social, o impacto
da infância na economia, o ‘custo’ da infância e as relações com o mercado de
trabalho, a proteção social e a sustentabilidade do estado social. As crianças e
as suas práticas sociais não são relevantes nessa abordagem. Os seus recursos
metodológicos principais são, consequentemente, as estatísticas, a análise
documental (especialmente de leis e normativas, bem como de relatórios e
informações periciais e políticas sobre a infância). Os temas principais são as
imagens históricas da infância, a infância e a lei, a demografia, a economia e
as desigualdades geracionais, geração e desigualdades de gênero, as políticas
públicas da infância. (SARMENTO, 2013, p. 25).

No que tange à segunda:

A corrente interpretativa, [...] não ignorando a dimensão estrutural da infância,


enfatiza o processo da construção social e o papel da criança como sujeito ativo
nessa construção. Nesse sentido, busca prioritariamente analisar a ação ou
‘agência’ das crianças, na sua concretude e diversidade. A ênfase é colocada
51

na [...] capacidade das crianças em receberem a tradição cultural transmitida


pela família e pela escola e em transformá-la, adequando-a às suas práticas
sociais, no âmbito das relações entre pares. Seguir a ação das crianças implica
o uso de metodologias atentas ao quotidiano, ao interativo, aos fenômenos e
acontecimentos concretos, sendo a etnografia com crianças largamente
predominante nestes estudos. Os temas privilegiados são, desde logo, as
relações de pares, mas também com os adultos, as culturas da infância, os
rituais e as práticas sociais, as brincadeiras e os jogos, em contextos tão
variados como a escola, a família, a cidade, os lugares de entretenimento, e
ainda, face aos media. (SARMENTO, 2013, p. 26).

No que concerne à terceira:


A orientação crítica, por seu turno, preocupa-se em analisar a infância
enquanto categoria social sobre a qual se exprime a dominação social, pondo
em relevo os dispositivos e processos em que essa dominação tem lugar, os
efeitos das desigualdades sociais na infância e também as formas de recepção
e de resistência das crianças (enquanto indivíduos e em grupos mais ou menos
informais) às formas de dominação. Esta corrente partilha, com a perspectiva
estruturalista, a análise macrossocial, e com a corrente interpretativa, a análise
concreta das práticas sociais das crianças, consideradas isoladamente ou em
grupo. Assim, as metodologias tanto podem ser a análise histórica e
documental quanto a etnografia. Acresce, nesta orientação, uma intenção
transformadora da realidade social que frequentemente mobiliza metodologias
como a investigação-ação ou as metodologias participativas com crianças,
especialmente nas escolas, nos centros de acolhimento ou no espaço urbano. A
denúncia das formas de dominação patriarcal, paternalista e de classe exprime-
se em temas que destacam a condição das crianças em posição subalterna: as
crianças pobres, o trabalho infantil, os meninos de rua, as crianças
institucionalizadas, as crianças migrantes ou pertencentes a grupos étnicos
minoritários. (SARMENTO, 2013, p. 26/27).

Por fim, Sarmento ainda destaca a porosidade das três correntes, pela partilha de
metodologias, pressupostos teóricos e epistemológicos, sendo possível falar de forma
coerente da existência de um “interpretativismo crítico ou em estruturalismo crítico”,
sendo mais inusitada e rara a mistura “estruturalista-interpretativa” (SARMENTO, p.
2013, p.27).
Para sintetizar, elaboramos o seguinte quadro para facilitar a visualização do leitor
e da leitora das possíveis arrumações do campo efetivadas por Sarmento:

Quadro 1: Diferenças Internas ao campo da SI

QUANTO ÀS DIFERENÇAS INTERNAS AO PRÓPRIO CAMPO DA SI,


PODEM SER, ENQUANTO FATORES DIFERENCIADORES:
1. DE TRADIÇÃO CULTURAL E 1.1 Anglo-saxônica
LINGUÍSTICA DO TRABALHO 1.2 Francófona
SOCIOLÓGICO 1.3 Portuguesa
52

2. PERSPECTIVA 2.1 Teorias tradicionais da


PARADIGMÁTICA EM QUE SE Socialização
SITUAM OS ESTUDOS 2.2 Teorias da “reprodução
SOCIOLÓGICOS interpretativa”, a partir de Corsaro
(2011).
3. TIPO DE ABORDAGEM 3.1 Estudos Estruturais
3.2 Estudos Interpretativos
3.3 Estudos de Intervenção

Há ainda a possibilidade de analisar essas diferenças a partir dos tipos de


abordagem. Quer dizer, na Sociologia da Infância, segundo Hengst e Zeiher, o campo
pode ser configurado: 1) pelos estudos micro-sociológicos e etnográficos, 2) estudos de
sociologia desconstrucionista e 3) estudos sociológicos da infância como estrutura social.
Sarmento, contudo, prefere operar as distinções entre os “estudos estruturais,
interpretativos e de intervenção”, classificadas no texto enquanto “correntes”, podendo
ainda haver trabalhos cujas fronteiras são fluidas. (SARMENTO, 2008, p. 17-19).
Para Corsaro (2011), já citado anteriormente, os estudos sociológicos sobre as
crianças e as infâncias não fazem mais parte das pesquisas subalternas do campo, embora
ainda sejam parcos o interesse em estudá-las, é possível falar no estabelecimento de uma
tradição de estudo voltada às crianças ou à infância e sua autonomia analítica e conceitual,
independentemente de outras categorias sociais de análise. Outro ponto que acresce à
consolidação do campo da SI é a organização da “seção de pesquisa da ‘Sociologia da
Infância e da Juventude’ da Associação Americana de Sociologia e de um grupo temático
sobre ‘Sociologia da Infância’ na Associação Internacional de Sociologia.” (CORSARO,
2001, p. 9).
A construção de uma “Nova Sociologia da Infância” se processa em dois pilares
simultâneos: “as crianças são agentes sociais, ativos e criativos que produzem suas
próprias e exclusivas culturas infantis, enquanto simultaneamente, contribuem para a
produção das sociedades adultas” (CORSARO, 2011, p. 15). Quer dizer que, inseridas no
mundo, as crianças se apropriam do que as cerca, significando e ressignificando suas
culturas de pares nas relações criança-criança, agindo, também e inventivamente, a partir
de e nas relações com os adultos.
53

Embora intrinsecamente amalgamados, percebemos que as crianças e as infâncias


assumem conceitos distintos. Nota-se, outrossim, que só há razão para essas formulações
conceituais pela tomada das crianças enquanto agentes [ou atores] e a infância enquanto
feição estrutural da sociedade. Discorremos mais sobre este conceito neste trabalho.
Junto com o conceito-pilar de crianças, sem que se confundam, está o outro
conceito basilar, que é o de infância: trata-se de um lapso temporal socialmente formulado
e erigido – podendo ser entendido, por isso mesmo, como uma abstração conceitual que
opera na materialidade das coisas –, em que as crianças, seres humanos concretos, vivem
as suas experiências. Tal período socialmente construído, a infância, assume uma forma
estrutural. Ou seja, trata-se de uma categoria “ou uma parte da sociedade, como classes
sociais e grupos de idade”. (CORSARO, 2011, p.15). As crianças são, então, membros
partícipes que agem ao operar as suas infâncias, durante um decurso limitado
cronologicamente. Quer dizer que as crianças vivem na infância por um período
temporário. Ao mesmo tempo, a forma estrutural da infância continua para a sociedade,
alterando apenas os membros que a compõe. Nesse sentido, embora seja categoria
permanente na sociedade, a natureza e concepção da infância variam historicamente,
refletindo marcadores sociais, culturais, políticos etc.
Ambas, crianças e infâncias, já estão lá, já nascem as primeiras enquanto membros
da sociedade e a segunda enquanto categoria social imperene. Desta forma, não operam
isoladamente, estão intra e inter-relacionadas com outros seres humanos concretos e com
outras categorias sociais estruturais. “Assim, o arranjo estrutural dessas categorias e as
suas alterações afetarão a natureza da infância”. (CORSARO, 2011, p. 16).
Essas concepções contrastam com outras teorias sociais da infância e é sobre elas
que tratamos a partir de agora, por meio da revisão de teorias tradicionais de socialização
e de desenvolvimento infantil efetivadas por Corsaro (2011).
Já comentamos neste trabalho sobre a noção de que as crianças são marginalizadas
na sociologia e na sociedade (QVORTRUP), e muito se atribui a isso ao fator
subordinação adultocêntrica que eram expostas as crianças e, também, à consolidação das
teorias de infância sedimentadas nas concepções tradicionais de socialização.
Essa marginalização se explica não somente pelas relações de poder
verticalmente19 hierarquizadas na relação adulto-criança, fielmente ilustrada na charge de

19
Quando nos referimos a essa verticalização das relações temos em mente a noção de autoritarismo adulto
que concebe as crianças enquanto incompetentes, a partir de uma noção evolucionista ultrapassada de que
o desenvolvimento racional atinge seu ápice na vida adulta. (JAMES; PROUT, 2015).
54

Tonucci (2007, p.7) sob a legenda “criança, aquela que é sempre vista de cima”, mas
também por concepções enraizadas de que as crianças só serão alguém no futuro e, por
isso, enquanto “potenciais e ameaças” são tidas a partir do que serão ou se tornarão –
“futuros adultos, com um lugar na ordem social e as contribuições que a ela darão”.
(CORSARO, 2011, p. 18).
Contra essas noções, e outras entendidas como insuficientes, é que ressurgiu o
interesse na infância e nas crianças. Elas foram – e estão sendo – redescobertas, e isso
muito se deve aos estudos feministas, os quais, ao pesquisarem outros grupos
subordinados, de que são exemplos as minorias e mulheres, percebendo que,
diferentemente deles, as crianças não tinham nenhum representante, entre os sociólogos,
que as estudassem por elas mesmas. Diante disto, “o trabalho de feministas e de
acadêmicos sobre minorias sociais, ao menos indiretamente, chamou a atenção para o
abandono das crianças. Barrie Thorne (1987), citada por Corsaro, (2011, p. 18), foi uma
das estudiosas que voltou o seu olhar para as crianças, a partir das [des]construções
ideológicas que pairavam sobre o ser mulher, sobre a feminilidade e sobre a maternidade.
Uma tríade quase que inseparável no imaginário social. Thorne, portanto, partiu para o
que chamou de “reenquadramento infantil”, que fez despontar estudos que integram
crianças, gênero, identidade e geração. (CORSARO, 2011, p. 18).
Outras conceitualizações de crianças vieram com o intento de conhecê-las mais a
partir delas mesmas e da aproximação com seus mundos. Na Sociologia, esse intento se
desdobra nas abordagens “teóricas interpretativas e construtivistas”. (CORSARO, 2011,
p. 18/19).
Por esse prisma, não se aceita sem ressalvas as sequências biológicas ou os fatos
sociais evidentes atribuídos às infâncias. De modo diferente, examinam-se infância e
todos os objetos sociais como construções sociais, passíveis de apropriação,
interpretação, discussão e definição “nos processos de ação social.” (CORSARO, 2011,
p. 19). Nesse sentido:

Quando aplicadas à Sociologia da Infância, as perspectivas interpretativas e


construtivistas argumentam que as crianças, assim como os adultos, são
participantes ativos na construção social da infância e na reprodução
interpretativa de sua cultura compartilhada. Em contraste, as teorias
tradicionais veem as crianças como ‘consumidores’ da cultura estabelecida por
adultos. (CORSARO, 2011, p. 19).

Seguindo a sistematização de Corsaro (2011), dividiremos essa exposição da


seguinte forma nas próximas subseções: 3.1 Teorias tradicionais da socialização; 3.1.1
55

Processo de Socialização do Modelo Determinista; 3.1.1.1 Processo de Socialização do


modelo determinista- funcionalista; 3.1.1.2 Processo de socialização do modelo
determinista-reprodutivista; 3.2 Processo de Socialização do Modelo Construtivista; 3.2.1
Teoria de Piaget sobre o desenvolvimento intelectual; 3.2.2 Teoria Sociocultural do
desenvolvimento humano de Vygotsky.

3.1 TEORIAS TRADICIONAIS DA SOCIALIZAÇÃO

O solo sobre os quais cresceram grande parte dos trabalhos sociológicos sobre as
crianças e a infância está assentado nas teorias sobre socialização, que, em simples
palavras, significa “o processo pelo qual as crianças se adaptam e internalizam a
sociedade”. (CORSARO, 2011, p. 19).
Nesse ponto, importante trazer algumas considerações advindas de Durkheim
(1978). Veja-se que, entendendo os sociólogos que a instância primeira da socialização
dá-se na família e, analisando os meios que a educação poderia ter eficiência e os modos
para atingir os seus fins, dá indícios daquela socialização inicial quando assevera que “a
educação não tira o homem do nada” (DURKHEIM, 1978, p. 50). Ora, se não tira do
nada, há alguma coisa precedente à educação. Para Durkheim, existem tendências
congênitas e outras disposições na criança sobre as quais se aplica a educação.
Discorrendo sobre essas predisposições inatas, “fixa[s], rígida[s], invariável[eis]
que não permite ação das causas exteriores, será o instinto.” (DURKHEIM, 1978, p. 51),
sobre essas tendências que se manifestam de forma diferente de acordo com os indivíduos
e situações vividas e sobre o que sobra, para além dessas predisposições tidas como
instintivas, é um “futuro que não se acha estritamente predeterminado por nossa
constituição.” (DURKHEIM, 1978, p. 51). A influência da educação dá-se, pois, depois
que o indivíduo nasce e, por essa razão, Durkheim acentua que:
As únicas formas de atividade, que poderiam ser transmitidas
hereditariamente, seriam aquelas que se repetissem sempre de modo
perfeitamente idêntico, para poder fixar-se de forma rígida no organismo. Ora,
a vida humana depende de condições múltiplas e complexas, por isso mesmo,
mutáveis. [...] Logo, é impossível que a vida se cristalize sob forma definida e
definitiva. Só disposições muito gerais, muito vagas, que exprimam caracteres
comuns a todas as experiências particulares, poderão sobreviver e passar de
uma geração a outra.
Afirmar que os caracteres inatos são, na maior parte, de ordem geral, é afirmar
que eles se apresentam maleáveis, flexíveis, muito dóceis, podendo receber
determinações muito variadas. Entre as virtualidades indecisas que
constituem o homem ao nascer e a personalidade definida que ele deve
tornar-se, para o desempenho na sociedade de um papel útil – a distância
é muito grande. Essa distância é a educação que leva a criança a percorrer.
56

Vê-se, daí, quão vasta é a sua função. (DURKHEIM, 1978, p. 21/52, grifos
nossos).

Esse excerto com destaques deixa clara a noção da ação da educação no molde da
personalidade, em formação, com vias a treinar uma criança para tornar-se alguém, um
adulto, que desempenha um papel de mais valia na sociedade. Disso se depreende que a
criança:

[...] por condição natural, em estado de passividade perfeitamente comparável


àquele em que o hipnotizador é artificialmente colocado. A consciência não
contém ainda senão pequeno número de representações, capazes de lutar contra
as que lhe são sugeridas, - a vontade é ainda rudimentar. Por isso, é a criança
facilmente sugestionável. Pela mesma razão, torna-se muito sensível ao
contágio do exemplo, muito propensa à imitação. (DURKHEIM, 1978, p. 53).

Essa concepção de criança explicitamente comungada por Durkheim e tão


amplamente aceita, até os dias atuais, tão diferente daquela outra que a Sociologia da
Infância trabalha, enquanto sujeito social ativo, criativo e inventivo e, inclusive,
transgressor da ordem adulta (CORSARO, 2011), encontra eco naquilo que seria o seu
oposto, o adulto, justamente portador das características que faltam aquela. Nesse
diapasão, entendendo “que a educação deve ser um trabalho de autoridade”
(DURKHEIM, 1978, p. 53), enxerga os adultos em posição de supremacia em relação às
crianças e, neste sentido, expressa sobre os educadores-mestres : “o ascendente que o
mestre naturalmente possui sobre o discípulo, em razão da superioridade da experiência
e cultura, dar-lhe-á o poder necessário à eficácia de sua atividade.” (DURKHEIM, 1978,
p.53).
São essas noções, esposadas pelo modelo de socialização determinista, que
autorizam enxergar a criança que assume um papel passivo e receptivo, alguém “que deve
ser moldada e guiada por forças externas, a fim de se tornar um membro totalmente
funcional.” (CORSARO, 2011, p. 19).

3.1.1 Processo de socialização do modelo determinista

Nesse modelo atuam duas concepções de criança assentadas sobre a sua suposta
sujeição passiva: uma em que seu estatuto de imaturidade impera, como vimos no subitem
anterior, o que a torna uma legítima massa de modelar para, posteriormente, quando
adulta, funcione para fazer a marcha da sociedade continuar na sua engrenagem. Ao
mesmo tempo, como possui algumas tendências inatas, na parte passível de ação, deverá
57

ser cuidadosa, intencionalmente e de modo determinado ser treinada e controlada com


autoridade.
Os precursores da teoria da socialização estavam imersos em um momento
histórico em que “a filosofia do individualismo era rígida; era comum focalizar o como
as pessoas se relacionam com a sociedade”. (CORSARO, 2011, p. 20). Da mesma forma,
supunha-se que havia uma interlocução constante da sociedade com o sujeito, o que fazia
com que aquela fosse um meio reconhecidamente “determinante no comportamento do
indivíduo.” (CORSARO, 2011, p.21). Para melhor compreender tanto as relações do
indivíduo na interlocução com a sociedade, mais ainda, da sociedade no indivíduo, foi
desenvolvida “uma concepção teórica que descrevesse a apropriação da criança pela
sociedade.” (CORSARO, 2011, p. 20).
A apropriação é uma forma de conceber, de tomar a criança pela sociedade. Ao
tomar a criança como um ser passivo, esse modelo determinista de socialização visa o seu
treinamento, para que se torne “um membro competente e contribuinte.” (CORSARO,
2011, p. 20). Por existirem diferentes formas para conceber a sociedade, esse modelo
determinista assumiu duas diferentes feições: o modelo funcionalista e o modelo de
reprodução. Vejamos sobre cada um deles nos subitens que seguem.

3.1.1.1 Processo de socialização do modelo determinista funcionalista

O francês Émile Durkheim (1858-1917), com o objetivo de promover à sociologia


o status de cientificidade, buscou desenvolver um método de análise exclusivamente
sociológico. Tendo em seu contexto social e intelectual as raízes da ‘belle époque’, em
que pululavam as complexidades das ‘questões sociais’ de formas nunca experimentadas,
partindo das influências das correntes de pensamento do Positivismo, do Evolucionismo
e do Conservadorismo, é que foram erigidas as produções acadêmicas e intelectuais de
Durkheim. Nesse sentido, com o Positivismo, assentado nos fundamentos de Augusto
Comte, com influência do iluminismo, em que a racionalidade era suprema, e do
positivismo, por meio da superioridade da ciência, é a partir desses predicados que
Durkheim pretende “fundar uma sociologia verdadeiramente científica, capaz de
descrever as leis de funcionamento da sociedade e orientar o seu comportamento” (SELL.
2002, p. 62).
Influenciado pelo Evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882) e replicando as
noções de Herbert Spencer, que pretendia aplicar à sociedade as mesmas leis
58

evolucionistas estudadas por Darwin, por meio da noção de que os corpos evoluem
gradativamente, por meio de estágios, de modo a superar a simples primitividade para
atingir patamares mais complexos e heterogêneos. (SELL, 2002, p.62). Com o
conservadorismo, bastante presente no pensamento político de Durkheim, as maiores
influências estão nos filósofos Edmund Burke (1729-1797), Joseph de Maistre (1754-
1821) e Louis de Bonald (1754-1840), opositores das “transformações trazidas pela
Revolução Francesa de 1789. Esses filósofos criticavam o racionalismo e a agitação do
mundo moderno. Pregavam o retorno da estabilidade da Idade Média e sua ênfase na
religião.” (SELL, 2002, p. 62). Embora Durkheim não coadunasse na íntegra com esses
pensamentos, é possível perceber em suas obras a influência conservadora desses
filósofos.
Diante disso, Durkheim cria a teoria sociológica funcionalista, em que se ocupa
da criação de um método capaz de estudar adequadamente a natureza dos fenômenos
sociais. Em termos epistemológicos, antes de criar o método em si, Durkheim partiu da
premissa das duas questões primordiais da epistemologia sociológica: “como ele concebia
a relação entre o indivíduo e a sociedade e também como ele entendia o papel do método
científico na explicação dos fenômenos sociais.” (SELL, 2002, p. 63). Com forte
demarcação positivista, entendendo que é o objeto, e não o sujeito, que condiciona a
realidade, Durkheim vai construir seu pensamento sob essa base: “a sociedade (objeto)
tem precedência sobre o indivíduo (sujeito). Em outros termos, Durkheim afirmava que
a explicação da vida social tem seu fundamento na sociedade, e não no indivíduo.”
(SELL, 2002, p. 63/64). Quanto ao método, partindo da influência comtiana, Durkheim
tomava os fenômenos sociais como ‘coisas’. Partindo do pressuposto de que “a realidade
social é idêntica à realidade da natureza e que, portanto, equipara-se aos fenômenos por
ela estudados”, Durkheim acabou seguindo os pressupostos de Darwin, apropriados por
Spencer, assumindo como método para estudar a sociedade a mesma lei assumida pela
natureza, a da evolução. (SELL, 2002, p. 65). Nesse sentido:

O papel da sociologia consiste em ‘registar’ da forma mais imparcial possível


a realidade pesquisada (o objeto), tal como naquelas ciências [da natureza, ou
seja, as ciências físicas, químicas ou biológicas]. Cabe ao pesquisador apenas
fazer um retrato da realidade pesquisada, pois ela é uma realidade objetiva, tão
objetiva como qualquer ‘coisa’ da natureza. (SELL, 2002, p. 65/66).
59

Considerando que a sociedade é que explica o indivíduo, o objeto de estudo formal


de Durkheim passa a ser o fato social, de forma que “o modo como o homem age é sempre
condicionado pela sociedade”, entendendo que:

É um fato social toda a maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior, ou ainda; que é geral no conjunto de uma dada
sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independentemente
de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1978, p. 93 apud SELL,
2002, p. 67)

Quer dizer que, com a tríade dos fatos sociais assentada sobre a exterioridade,
significando que tem origem na sociedade, coercitividade, ou seja, são imperativos, e de
existência objetiva, quer dizer, existem de forma independente do indivíduo, Durkheim
postula “o que” do seu principal pensamento: “a sociedade é que explica o indivíduo”.
(SELL, 2002, p. 67), estando o como, ou seja, o método, com base no modelo
funcionalista, ou seja:
explicar os fatos sociais significa demonstrar a função que eles exercem.
Todavia, essa explicação não se encontra no futuro (a utilidade que nós
projetamos nas coisas), mas se encontra no passado: primeiro é preciso
investigar a razão pela qual surgiu aquela prática social (sua causa eficiente),
para depois determinar a sua função. [...]
Em relação a este método, devemos assinalar ainda duas coisas. Em primeiro
lugar que Durkheim compara a sociedade com um ‘corpo vivo’, em que cada
órgão cumpre uma função. Daí o nome de metodologia funcionalista para seu
método de análise. Em segundo lugar, como se repete novamente a ideia de
que o todo predomina sobre as partes. Para Durkheim, isso implica afirmar que
as partes (fatos sociais) existem em função do todo (sociedade). E é justamente
isso que a ideia de ‘função social’ mostra: a ligação que existe entre as partes
e o todo. (SELL, 2002, p. 68/69).

Esse modelo funcionalista teve muitos adeptos, sobretudo, na Sociologia, sendo


que Corsaro (2011) assume Talcott Parsons como um de seus principais expoentes, depois
de Durkheim, que entendia que a sociedade deveria funcionar por meio de um sistema
que visasse a estabilidade, a ordem e o equilíbrio. Desta forma, as crianças devem ser
instruídas de modo a compartilhar e contribuir com esses valores e finalidades.
(CORSARO, 2011, p. 20).
Esses modelos funcionalistas repaginados ganharam popularidade entre as
décadas de 1950 e 1960 e estavam focados em responder a duas perguntas básicas sobre
o processo de socialização, centrados no “que” e no “qual”. Perguntas mais complexas
sobre o porquê e “como as crianças se tornam integradas à sociedade” eram preteridas,
assim, indagavam: “o que as crianças precisavam internalizar? Qual a educação dada
pelos pais e quais estratégias de formação deveriam ser utilizadas para garantir tal
60

internalização?” (CORSARO, 2011, p. 20). Parsons via a criança quase que como um
objeto estranho que, até ser socializado, diga-se, moldado, representava uma ameaça em
potencial. (CORSARO, 2011, p. 20).
A criança era alguém em potencial que deveria ser desenvolvida para ser útil. Essa
utilidade deveria ser formulada, segundo Corsaro, em leitura de Parsons, “em um
processo cíclico, para lidar com problemas, e por meio de um treinamento formal, para
aceitar e seguir normas sociais, a criança internaliza, por fim, o sistema social.”
(CORSARO, 2011, p. 21). Como veremos mais adiante, esse modelo funcionalista
perpassa as teorias democráticas contemporâneas analisadas por Carole Pateman (1992)
e influenciaram o conceito de “participação”, reverberando na sua extensão às crianças.

3.1.1.2 Processo de socialização do modelo determinista reprodutivista

Os modelos reprodutivistas se explicam porque, em termos de teoria social, a


vertente funcionalista perdeu força. Tendo em Bourdieu o sociólogo de maior expressão
e suas teorias muito voltadas para “ilustrar modelos macrossociológicos” (LAHIRE,
2002, p. 18), segue uma teoria de ação que toma o autor enquanto uma lógica da unicidade
e homogeneidade. Bourdieu, adepto dessa acepção, desenvolve a sua teoria do habitus na
medida em que “permite ‘construir e compreender de maneira unitária as dimensões da
prática que frequentemente são estudadas em ordem dispersa’”. (BOURDIEU, 1992, p.
107 apud LAHIRE, 2002, p. 18). Essa ideia unitária ora diz respeito a uma construção
cientifica, ora à ideia de que a unicidade está na realidade social. “Então, o conceito de
habitus tem a função de ‘dar conta da unidade de estilo que une as práticas e os bens de
um agente singular ou de uma classe de agentes.” (BOURDIEU, 1994, p. 23 apud
LAHIRE, 2002, p. 18).
Bourdieu, portanto, procurava “ ‘a’ fórmula geradora das práticas de um ator”,
buscava “reconstituir “o” estilo (‘cognitivo’ ou ‘de vida’), que perdura e se manifesta nos
domínios mais diferentes de atividades”, o que, para Lahire (2002, p. 21) é compartilhar
a ilusão comum da unicidade e da invariabilidade. Quando Lahire, ao explicar a
concepção de ator presente na teoria de habitus de Bourdieu, afirma quais são os objetivos
e objeto da procura deste, o faz a partir de afirmações do próprio Bourdieu, senão
vejamos:

Ele afirmava, ao declarar que queria ‘encontrar o que há de verdade na


aproximação característica do conhecimento comum, a saber, a intuição da
61

sistematicidade dos estilos de vida e do conjunto que os constituem. Para isso,


é preciso voltar ao princípio unificador e criador da prática, isto é, ao habitus
de colocar como forma incorporada da condição de classe e dos
condicionamentos que ela impõe, portanto, construir a classe objetiva como
conjunto de agentes que são postos em condição de existência homogênea e
produzem sistemas de disposições homogêneas, próprias para criar práticas
semelhantes’. (BOURDIEU, 1979, p. 112 apud LAHIRE, 2002, p. 21).

Portanto, do que se depreende desses excertos citados literalmente, compreende-


se que, ao citar Bourdieu e os modelos reprodutivistas, Corsaro (2011) tem em mente os
constructos formulados – e não se pode afirmar aqui que esta seja a única raíz, a única
fonte –, a partir da teoria do habitus de Bourdieu. É o que se entende quando Corsaro
afirma que os modelos reprodutivistas:

[...] são centrados nas vantagens usufruídas por aqueles com maior acesso aos
recursos culturais. Por exemplo, os pais oriundos de grupos de classe social
mais elevada podem garantir que seus filhos recebam educação de qualidade
em prestigiadas instituições acadêmicas. Teóricos reprodutivistas também
apontam para um tratamento diferenciado dos indivíduos nas instituições
sociais (especialmente no sistema educativo) que reflete e apoia o sistema de
classe dominante. (CORSARO, 2011, p. 21).

Corsaro se limita a citar Bernstein, Bourdieu e Passeron como sendo os teóricos


dos modelos reprodutivistas e não desenvolve o tópico para muito além do exposto nos
parágrafos antecedentes. Tece críticas às duas abordagens do modelo determinista e, de
modo semelhante a Lahire (2002), argumenta que negligenciam ou diminuem a
importância “das capacidades ativas e inovadoras de todos os membros da sociedade”
(CORSARO, 2011, p. 21), fazendo desses teóricos omissos “em relação à natureza
histórica e contingente da ação social e da reprodução. Em suma, esses modelos abstratos
simplificam processos altamente complexos e, no seu erigir, ignoram a importância das
crianças e da infância na sociedade.” (CORSARO, 2011, p. 21). Tudo porque os efeitos
da socialização, da desigualdade social e do conflito social são postos em primazia, em
detrimento da diversidade plural dos atores (LAHIRE, 2002; CORSARO, 2011).
Corsaro cita a importância de Bourdieu para a construção de sua própria tese, a
“reprodução interpretativa” das crianças, mas, por entender que falta um elo construtivista
na compreensão do habitus em Bourdieu – que não é determinista, na visão de Corsaro
─, que vá além da socialização que “limita o envolvimento das crianças na participação
e reprodução cultural” para alcançar “as contribuições infantis para o refinamento e
mudança cultural” (CORSARO, 2011, p. 22), é necessário um modelo que emergiu do
construtivismo, que inclua a criança como ator. É sobre esse modelo que as próximas
subseções tratarão.
62

3.2 PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DOS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO


INFANTIL

Outra importante fonte das teorias sobre socialização na infância é oriunda das
teorias advindas da Psicologia do Desenvolvimento, sobretudo, a partir do
Construtivismo de Piaget e do Sócio - Construtivismo de Vygotsky. Há sociólogos que
mobilizavam teorias que eram variantes do comportamentalismo, as quais, no geral,
enxergavam a criança como ser passivo. Há outros, contudo, que seguiram a abordagem
construtivista piagetiana. O psicólogo suíço, por meio de vasta pesquisa empírica com
crianças, revelou que, desde o nascimento, os bebês e crianças “interpretam, organizam e
usam informações do ambiente, vindo a construir concepções (conhecidas como
estruturas mentais) de seus mundos físicos e sociais”. (CORSARO, 2011, p. 23). Tal
noção leva a crer na ideia de nível de desenvolvimento cognitivo da criança.
Com a sua Epistemologia Genética, que une saberes da Biologia com a
Epistemologia, Piaget afirmava que:
o desenvolvimento intelectual não é simplesmente uma acumulação de fatos
ou habilidades, mas, na verdade, uma progressão da capacidade intelectual ao
longo de uma série de estágios qualitativamente distintos. A noção piagetiana
de estágios é importante para a sociologia das crianças porque nos lembra que
elas percebem e organizam seus mundos de maneira qualitativamente diferente
dos adultos. (CORSARO, 2011, p. 23).

Essa progressão não necessariamente cumulativa, inexoravelmente, leva ao


entendimento de que, por assinalar uma ideia de desenvolvimento, está amalgamada a
algo que se relaciona à mudança, como afirmou Woodhead (2009). Essas mudanças se
dariam sempre em níveis mais avançados, progredindo do bebê, para a criança, a
adolescência e depois para a vida adulta, na compreensão de que, seguindo um plano
ordenado, alcança-se estágios mais complexos, avançados e organizados em termos de
racionalidade, cognição, autonomia e moral. (WOODHEAD, 2009).
Junto com a noção de progresso, subjacentes estão as relações de poder colocadas
nos discursos de desenvolvimento, cabendo aos mecanismos que operam sobre esses
seres, nomeadamente às instituições família, escola, religião, política etc, ordenar e
moldar o curso desse desenvolvimento, de modo a tornar a criança alguém com
sociabilidade o suficiente para seguir a marcha social. Era esse paradigma do
63

desenvolvimento o mais influente nas pesquisas sobre crianças nas sociedades modernas
ocidentais. (WOODHEAD, 2009).
Ao analisar sobre a influência da teorização do desenvolvimento infantil nos
modos como a infância foi entendida e modelada nas sociedades contemporâneas,
Woodhead vai até as origens desse paradigma, que data do século XIX, quando a
Revolução Industrial, juntamente com uma revolução no campo acadêmico biológico,
começou a ganhar força:
Os estudos científicos sobre o desenvolvimento das crianças começaram a
atrair a atenção durante as últimas décadas do século XIX, devido à sua
capacidade de oferecer soluções para as questões da infância enfrentadas pelas
sociedades industrializadoras e urbanizadoras (Cunningham, 1991; Hendrick,
1997). [...] Mais do que nunca, as infâncias urbanas eram sobre crianças em
massa, nas fábricas, nas favelas superlotadas, nas ruas e nas escolas. A
educação em massa contribuiu para que as crianças se tornassem um subgrupo
distinto dentro da sociedade, suas vidas separadas e institucionalizadas,
especialmente dentro da educação (compulsória na Inglaterra desde 1880).
[...] a infância estava sendo construída - e as crianças conhecidas - não apenas
pelo nome, gênero, religião, classe e outras categorias sociais. Elas também
foram cada vez mais marcadas e organizadas de acordo com sua idade (mais
precisamente possível, uma vez estabelecido o registro universal de
nascimento, na Inglaterra, a partir de 1837). Pela primeira vez, a grande massa
de crianças poderia ser regulada usando a idade como uma métrica, para
identificar o fim e o início de suas infâncias, juntamente com todas as
subdivisões e transições ao longo do caminho (principalmente idade escolar,
responsabilidade criminal, emprego em período integral, casamento, direito de
voto, etc). Uma nova geração de profissionais da infância foi encarregada de
identificar as necessidades específicas de cuidados, disciplina e ensino das
crianças (Kellmer-Pringle, 1975; Woodhead, 1997), protegendo o bem-estar
das crianças e promovendo sua aprendizagem. Como as crianças eram agora
organizadas - e pensadas - em termos de classes ou turmas escolares vinculadas
à idade, tornou-se uma prioridade conhecer os tipos de instrução apropriados
para cada série. Também eram necessárias ferramentas que permitissem aos
profissionais classificar e selecionar crianças de acordo com suas habilidades
e potencialidades (Rose, 1985; Burman, 1994; Woodhead, 2003a). Em suma,
a implicação das políticas de "educação para todos" do século XIX nas
sociedades industriais era que, pela primeira vez, as vidas de todas as crianças
eram reguladas em termos de expectativas normativas; um precursor dos
padrões universais aplicados agora através de iniciativas globais de Educação
para Todos (EFA) (Woodhead, 2003a). (WOODHEAD, 2009, p. 47/48,
tradução nossa).20

20
Tais excertos foram traduzidos diretamente do texto original em inglês, que seguem, literalmente:
Scientific studies of children’s development began to attract attention during the latter decades of the
nineteenth century, because of their ability to offer solutions to the childhood issues confronting
industrializing, urbanizing societies (Cunningham, 1991; Hendrick, 1997). [...] More than ever before,
urban childhoods were about children en masse, in factories, in overcrowded slums, in the streets and in
schools. Mass education contributed to children becoming a distinctive subgroup within society, their lives
separated off and institutionalized, especially within education (compulsory in England from 1880).
(WOODHEAD, 2009, p. 47).
[...] childhood was being constructed – and children known – not only by their name, gender, religion,
class and other social categories. They were also increasingly marked off and organized according to their
age (made more precisely possible once universal birth registration was established, in England from
1837). For the first time, the great mass of children could be regulated using age as a metric, to identify
the end as well as the beginning of their childhoods, along with all the subdivisions and transitions along
the way (notably school starting age, criminal responsibility, full-time employment, marriage, right to vote,
64

Na área da pesquisa acadêmica sobre o desenvolvimento infantil, havia uma tríade


de prioridade nos estudos desse campo, que estavam centrados em: “descrever os
principais marcos do desenvolvimento; explicar os processos subjacentes ao
desenvolvimento; e identificar as causas e significância de fatores ambientais na
modelagem de desvios da norma”. (WOODHEAD, 2009, p. 48, tradução nossa21).
Estando entre os polos das teorias maturacionistas (o desenvolvimento se dá em
um processo genético de maturação progressiva) e das teorias ambientalistas (a
aprendizagem e a experiência na interação com o mundo está em relevo), estão as teorias
construtivistas de Piaget e sócio – construtivistas de Vygotsky. A partir da década de
1970, críticas ao modelo desenvolvimentista de Piaget começaram a surgir, no mesmo
momento em que as obras de Vygotsky foram traduzidas para o inglês. Dentro da própria
Psicologia, uma reordenação paradigmática foi sendo processada e, junto com ela, novos
desafios relacionados à questão do desenvolvimento infantil, dentre eles, Woodhead
enumera a questão da pluralidade das crianças e infâncias de contextos culturais variados,
não autorizando que se fale em singularidade da criança ou infância, nem tampouco de
modelos replicáveis indiscriminadamente, pois:
O primeiro desafio foi que a singularidade implícita na frase
"desenvolvimento infantil" serve para naturalizar, essencializar e universalizar
formas culturais particulares da infância. Essa crítica chama a atenção para a
especificidade cultural de muitas coisas que são apresentadas como ortodoxia
do desenvolvimento infantil, no conhecimento de livros didáticos, nas políticas
e na prática, especialmente nas declarações sobre as necessidades
fundamentais das crianças (Woodhead, 1997). O desafio é especialmente
importante no início do século XXI, quando a pesquisa desenvolvimentista se
tornou uma atividade vibrante, eclética e global, e os conceitos de
desenvolvimento são difundidos, incluindo a interpretação da Convenção da
ONU sobre os Direitos da Criança (UNCRC, 1989), que afirma que as crianças
têm direito ao desenvolvimento (artigo 6), e refere-se a proteger "o
desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social da criança" (por
exemplo, artigos 27 e 32) (Hodgkin e Newell, 1998; Woodhead, 2005).
Construir a UNCRC em torno de conceitos de desenvolvimento tem sido
desafiado como convidando à supergeneralização de teorias e evidências do

etc.). A new breed of childhood professionals was now charged with identifying children’s distinctive needs
for care, discipline and teaching (Kellmer- Pringle, 1975; Woodhead, 1997), protecting children’s welfare,
and promotingtheir learning. Since children were now organized – and thought about – in terms of age-
linked school grades or classes, it became a priority to know the kinds of instruction that was appropriate
for each grade. Tools were also needed that could enable professionals to sort and select children
according to their abilities and potential (Rose, 1985; Burman, 1994; Woodhead, 2003a). In short, the
implication of nineteenth-century ‘education for all’ policies in industrial societies was that for the first
time the lives of all children were regulated in terms of normative expectations; a forerunner to the
universal standards now being applied through global Educational for All (EFA) initiatives (Woodhead,
2003a). (WOODHEAD, 2009, p. 48).
21
Traduzido do texto original em inglês: [...] “to describe the major developmental milestones; to explain
the processes underlying development; and to identify the causes and significance of environmental factors
in shaping deviations from the norm.” (WOODHEAD, 2009, p. 48)
65

desenvolvimento, promovendo padrões globalizados para julgar a infância de


outras pessoas (Burman, 1996; Boyden, 1997). De acordo com alguns
comentaristas, é um caso de "pensar localmente, agindo globalmente" (Gergen
et al., 1996). (WOODHEAD, 2009, p. 51, tradução livre)22.

Neste sentido, o autor acentua a importância dos estudos culturais, para além dos
marcadores de idade, entendendo que outras categorias como a de etnia, gênero etc podem
ser mais precisas para conhecer as subjetividades das crianças, sobretudo, quando se leva
em conta que, em muitos países ao redor do globo, as crianças não são registradas no
momento de seu nascimento. Outrossim, o autor destaca a relação pesquisador - criança,
atentando para que não se efetivem pesquisas com crianças por meio de sua objetificação,
à semelhança de estudos da área química, em que as crianças são analisadas em
‘laboratórios’ para confirmar hipóteses de pesquisa previamente circunscritas.
(WOODHEAD, 2009).
Nesse sentido, não somente nas pesquisas psicológicas, mas também das do
campo sociológico, é preciso ter em mente que, na articulação com qualquer tipo de
pesquisa em que figurem crianças, “relaciona-se, estreitamente, com a forma como a
infância é teorizada.” Por isso a necessária mudança paradigmática em nível de
metodologia e de atitude, no que concerne em não tomar a criança enquanto objeto de
pesquisa, e sim enquanto participante da pesquisa. (WOODHEAD; FAULKNER, 2005,
p. 4).
Em nível teórico e metodológico, portanto, a tarefa em efetivar uma investigação
com crianças é sempre crítica, tomando em consideração todas as “implicações teóricas
e políticas no tratamento das crianças como atores sociais de pleno direito em contextos
onde, tradicionalmente, lhes tem sido negados esses direitos de participação e as suas
vozes tem sido apagadas”. (CHRISTENSEN; JAMES, 2005, p. 14). Muito ainda há de
ser feito para a efetivação dos direitos das crianças, inclusive em termos conceituais e na

22
Tradução feita do texto original em inglês: The first challenge has been that the singularity implied by
the phrase ‘child development’ serves to naturalize, essentialize and universalize particular cultural forms
of childhood. This critique draws attention to the cultural specificity of much that is presented as child
development orthodoxy, in textbook knowledge, in policies and practice, notably in statements about
children’s fundamental needs (Woodhead, 1997). The challenge is especially salient at the start of the
twenty-first century, when developmental research has become a vibrant, eclectic, global activity, and
developmental concepts are pervasive, including within the interpretation of the UN Convention on the
Rights of the Child (UNCRC, 1989) which affirms that children have a right to development (Article 6),
and refers to protecting ‘the child’s physical, mental, spiritual, moral and social development’ (e.g.,
Articles 27 and 32) (Hodgkin and Newell, 1998; Woodhead, 2005).
Building the UNCRC around concepts of development has been challenged as inviting overgeneralization
of developmental theories and evidence, promo ting globalized standards for judging other people’s
childhoods, (Burman, 1996; Boyden, 1997). According to some commentators, it is a case of ‘thinking
locally, acting globally’ (Gergen et al., 1996). (WOODHEAD, 2009, p. 51).
66

criação de ferramentas para que as crianças participem ampla e qualitativamente. Isso não
significa desconsiderar as teorias de desenvolvimento infantil, mas atentar para não
utilizá-las de modo homogeneizador e rígido, inibindo a consciência cultural e social da
qual as crianças são portadoras, já no presente. Nesse sentido:

[...] A infância é transicional, no entanto, é culturalmente construída (Hockey


e James, 1993, 2003). Este período da vida humana é marcado por grandes
mudanças no tamanho físico e maturidade, relacionamentos e identidades,
interesses, atividades, habilidades e perspectivas, incluindo perspectivas sobre
o desenvolvimento. Essas mudanças são, é claro, expressas de maneira muito
diferente dentro de contextos culturais específicos e contextos
socioeconômicos. No entanto, a imaturidade continua sendo uma das
características mais distintivas dos jovens da espécie humana (Bruner, 1972),
seja ela construída em termos de nutrição e vulnerabilidade, ensino e
aprendizagem, socialização e desenvolvimento ou respeito pelos seus direitos.
[...] Reconhecer a agência das crianças, competência e direitos participativos é
o começo, não o fim da história. Versões mais rígidas da teoria do
desenvolvimento indubitavelmente subvalorizaram a consciência social das
crianças e suas capacidades de compreensão e empatia (Dunn, 1988) - e
implicitamente superestimaram a posse desses atributos entre a comunidade
adulta. No entanto, ainda são necessários conceitos e ferramentas que
reconheçam que as crianças são, na maior parte do tempo e em muitos
contextos, relativamente mais vulneráveis, dependentes e inexperientes. Elas
exigem (e frequentemente buscam) orientação, apoio e ensino de membros
mais experientes da sociedade - através da capacitação de estruturas e
pedagogias para participação. Conceitos e ferramentas relevantes são
fornecidos por ramos mais recentes de pesquisa de desenvolvimento: por
exemplo, 'andaimes', 'zona de desenvolvimento proximal', 'participação
guiada', 'ferramentas culturais', 'comunidades de prática' (por exemplo, Wood,
1988; Rogoff 1990, Lave e Wenger, 1991, ver também Woodhead, 1999b e
Smith, 2002). É claro que essas relações de aprendizagem são muito mais
fluidas e variadas do que um modelo de desenvolvimento bruto pode sugerir,
e elas não são inevitavelmente baseadas em hierarquias rígidas baseadas na
idade. (WOODHEAD, 2009, p. 57, tradução livre23).

23
Traduzido do texto original em inglês: Childhood is transitional however it is culturally constructed
(Hockey and James, 1993, 2003). This period of the human lifespan is marked by major changes in physical
size and maturity, relationships and identities, interests, activities, skills and perspectives, including
perspectives on development. These changes are, of course very differently expressed within specific
cultural settings and socioeconomic contexts. Yet, immaturity remains one of the most distinctive features
of the young of the human species (Bruner, 1972), whether constructed in terms of nurturance and
vulnerability, teaching and learning, socialization and development or respect for their rights.
[...] Acknowledging children’s agency, competence and participatory rights is the beginning, not the end
of the story. More rigid versions of developmental theory undoubtedly undervalued children’s social
awareness and capacities for understanding and empathy (Dunn, 1988) – and implicitly overestimated
possession of these attributes among the adult community. Yet concepts and tools are still needed that
acknowledge children are, for much of the time and in many contexts, relatively more vulnerable, dependent
and inexperienced. They require (and often seek) guidance, support and teaching from more experienced
members of society – through enabling structures and pedagogies for participation. Relevant concepts and
tools are provided by more recent branches of developmental research: for example ‘scaffolding’, ‘zone of
proximal development’, ‘guided participation’, ‘cultural tools’, ‘communities of practice’ (e.g., Wood,
1988; Rogoff, 1990; Lave and Wenger, 1991; see also Woodhead, 1999b and Smith, 2002). Of course, these
learning relationships are much more fluid and varied than a crude developmental model might suggest,
and they are not inevitably based on rigid age-based hierarchies. (WOODHEAD, 2009, p. 57)
67

Corsaro entende, portanto que, inclusive as revisões da teoria de Piaget sobre o


desenvolvimento humano, assim como a visão sociocultural do desenvolvimento humano
de Vygotsky, continuam centradas no desenvolvimento da criança individual, no singular,
junto com a noção de que há uma linha de chegada para o desenvolvimento, em
detrimento das ações nas interações coletivas e “sugere que a participação do ator na
sociedade ocorre somente após a internalização individual.” (CORSARO, 2011, p. 29). É
voltando-se para o alargamento da abordagem construtivista que Corsaro desenvolve sua
tese da “reprodução interpretativa” [...] “para entender mais plenamente a importância da
ação coletiva e de construção pelas crianças de suas próprias culturas de pares.”
(CORSARO, 2011, p. 31).
A partir das próximas subseções abordamos sobre o conceito de “reprodução
interpretativa”, o modelo de teia global e agência das crianças para, em seguida, entendê-
las na articulação com o conceito de “estrutura da infância”.

3.3 A TESE DA “REPRODUÇÃO INTERPRETATIVA” DE WILLIAM CORSARO

Verificando a carência teórica e empírica de estudos dedicados à compreensão


das crianças e da Infância a partir delas mesmas, enquanto categorias de análise,
desatreladas dos contextos institucionais dos quais fazem parte, ou mesmo de modo não
subordinado aos marcadores de “filhos e alunos” é que, aliando contributos da Psicologia
e de métodos da Antropologia, valendo-se de teorias sociológicas, mormente daquelas
desenvolvidas por Pierre Bourdieu e, sobretudo, assumindo o compromisso em
desenvolver pesquisa não somente sobre crianças, mas com crianças, por meio da
Etnografia, Corsaro constituiu-se enquanto adulto não típico em meio às culturas das
crianças e construiu o conceito de “Reprodução Interpretativa”, o qual, segundo o autor,
serve de alicerce para uma “nova sociologia da infância”. (CORSARO, 2011, p. 40).
Trata-se de categoria multifacetada, decorrente de uma perspectiva analítica de
abordagem interpretativa, que claramente se distancia dos enfoques da socialização até
então empreendidos no campo sociológico. A tese da “reprodução interpretativa” é, por
sua vez, composta por uma tríade de ações coletivas, desencadeadas sequencialmente,
mas que não são, necessariamente, “historicamente divididas”. São elas: “(1) apropriação
criativa de informações e conhecimentos do mundo adulto pelas crianças; (2) produção e
participação de crianças em uma série de cultura de pares; (3) e contribuição infantil para
a reprodução e extensão da cultura adulta.” (CORSARO, 2011, p. 54). Fazendo alusão à
68

aquisição da linguagem, que ocorre de forma processual e paulatina pelas crianças,


também é assim na criação e na participação em cultura de pares, que, na mesma medida
que reproduz, opera mudança na cultura adulta:
As crianças se apropriam de informações do mundo adulto para criarem e
participarem da cultura de pares em momentos específicos do tempo. Essas
mesmas ações coletivas, por meio da sua repetição na cultura de pares ao longo
do tempo, contribuem para uma melhor compreensão dos aspectos da cultura
adulta que tenham sido apropriados pelas crianças. (CORSARO, 2011, p.54).

Para exemplificar essa progressão que ocorre nas ações coletivas das crianças e
as possíveis mudanças que reverberam delas para aspectos da cultura adulta, Corsaro cita
a ocorrência dos ajustes secundários, a partir dos quais as crianças “evitam regras adultas”
e permitem com que, de forma cooperativa, produzam e obtenham “certa quantidade de
controle sobre suas vidas”. (CORSARO, 2011, p. 54). O conceito dos ajustes secundários
é desenvolvido por Goffman como sendo:

qualquer disposição habitual pela qual um membro de uma organização


emprega significados não autorizados, ou obtém finalidades não autorizadas,
ou ambos, contornando assim os pressupostos da organização sobre o que ele
deve fazer e ter e, portanto, o que ele deveria ser. (1961, p. 189 apud
CORSARO, 2011, p. 54/55)

Ao longo dos mais de 20 anos de experiência etnográfica com crianças de jardins


de infância nos Estados Unidos e na Itália, William Corsaro verificou a incidência desses
ajustes secundários entre as culturas de pares e a influência deles nas regras instituídas
pelos adultos, que muitas vezes corroboram ou são permissivos em relação a essas
pequenas transgressões praticadas pelas crianças. É uma noção importante porque
desmistifica a noção de que as crianças aceitam passivamente as regras do mundo adulto
e porque “inclui a ideia de que as crianças não se limitam a internalizar a sociedade e a
cultura, mas contribuem ativamente para a produção e mudança culturais.” (CORSARO,
2011, p. 31). Além disso, aliado ao termo “interpretativa”, ele deve ser analisado em
conjunto com o termo “reprodução”, que leva ao entendimento de que:

as crianças estão, por sua própria participação na sociedade, restritas pela


estrutura social existente e pela reprodução social. Ou seja, a criança e sua
infância são afetadas pelas sociedades e culturas que integram. Essas
sociedades e culturas foram, por sua vez, moldadas e afetadas por processos de
mudanças históricas. (CORSARO, 2011, p. 31/32).

Esses conceitos são importantes para este trabalho porque denotam a interlocução
constante entre as noções de estrutura da infância e das crianças no cotidiano, nas suas
culturas de pares, que serão depois desdobrados no conceito de teia global. Nesse sentido,
69

principiando no conceito de “reprodução interpretativa”, que é desenvolvido a partir de


dois pilares: “a importância da linguagem e das rotinas culturais e a natureza reprodutiva
da participação das crianças na evolução de suas culturas” (CORSARO, 2011, p. 32),
Corsaro enfatiza a linguagem enquanto ferramenta estruturante para a participação das
crianças nas suas rotinas culturais, que interligam, por meio dos símbolos codificados da
linguagem, aspectos de apropriação, criação e interlocução das realidades sociais e
psicológicas.
O termo “rotina” está justamente conectado ao aspecto habitual, ao previsível,
sendo visto como aquilo que fornece às pessoas “a segurança e a compreensão de
pertencerem a um grupo social.” (CORSARO, 2011, p. 32). Corsaro ainda explica que
“as rotinas culturais servem como âncoras que permitem que os atores sociais lidem com
a problemática, com o inesperado e as ambiguidades, mantendo-se confortavelmente no
confinamento amigável da vida cotidiana.” (CORSARO, 2011, p. 32). São processos que,
por serem comuns, habituais, fornecem quadros seguros para a produção, exibição e
interpretação de “conhecimentos socioculturais.” (CORSARO, 2011, p. 32).
Essas noções são de enorme relevância porque estão estritamente relacionadas às
formas de interação com a criança e aos modos apropriados no estabelecimento de
relações voltadas a respeitar e garantir o direito à participação das crianças,
independentemente da faixa etária. Isso porque a participação nas rotinas culturais inicia
muito cedo, ainda quando “as habilidades comunicativas e de linguagem da criança são
limitadas, [nas sociedades ocidentais] a interação social segue em consonância com a
suposição ‘como se.’” (CORSARO, 2011, p. 32, grifos no original). Quer dizer que:
“bebês são tratados como socialmente competentes (‘como se’ fossem capazes de
intercâmbios sociais). Ao longo do tempo, devido a essa atitude de ‘como se’, as crianças
passam de uma limitada a uma plena participação nas rotinas culturais.” (CORSARO,
2011, p. 32). Isso implica não negar às crianças possibilidades de participarem por
suposto entendimento de que elas ainda não têm habilidades para entenderem
determinadas questões. O como se potencializa a criança, na medida que não pressupõe
um preconceito a respeito da capacidade de entendimento da criança.
São nessas participações nas rotinas culturais que as crianças “aprendem um
conjunto de regras previsíveis que oferecem segurança e aprendem também que variações
nas regras são possíveis e até desejáveis”. (CORSARO, 2011, p. 33). Essas noções sobre
regras podem ser aprendidas de forma prazerosa por meio dos jogos e brincadeiras nas
interações entre adultos-crianças. Veja-se que, nessa interação:
70

Dizer que adultos sempre buscam o entendimento compartilhado com crianças


e que a adoção de uma atitude ‘come se’ em jogos entre pais e filhos é crucial
para a realização de atividades conjuntas não significa que a compreensão
compartilhada seja sempre alcançada e mantida na interação entre adultos e
crianças. O importante não é que o entendimento compartilhado sempre seja
alcançado, mas que haja tentativas, tanto dos adultos como das crianças, para
chegar a tal entendimento. Muitas vezes, especialmente na interação adulto-
criança, as crianças são expostas a conhecimentos sociais e demandas
comunicativas que elas não compreendem plenamente. A interação
normalmente continua de forma ordenada, e qualquer ambiguidade persistente
deve ser trabalhada ao longo das experiências infantis com adultos e pares.
(CORSARO, 2011, p.33).

São nessas relações que acontecem os processos de reproduções coletivas, em


que se insere o “modelo de teia global” desenvolvido por Corsaro, em oposição às teorias
de desenvolvimento infantil linear e da criança isolada. (CORSARO, 2011, p. 37). A ideia
de teia global deve ser pensada a partir mesmo da imagem gráfica de uma teia de aranha:

No eixo ou centro da teia está a família de origem, que serve como uma ligação
de todas as instituições culturais para as crianças. Elas ingressam na cultura
por meio de suas famílias, ao nascerem. [...] As crianças, nas sociedades
modernas, contudo, começam a interagir em outros locais institucionais com
outras crianças e adultos que não são membros da família, em uma idade
precoce. É nesses domínios institucionais, bem como na família, que as
crianças começam a produzir e a participar de uma série de cultura de pares.
O desenvolvimento individual é incorporado na produção coletiva de uma série
de cultura de pares que, por sua vez, contribuem para a reprodução e alteração
na sociedade ou na cultura mais ampla dos adultos.
Finalmente, é a estrutura geral do modelo que é mais fundamental. Como no
caso das aranhas de jardins, cujas teias variam em termos de número de raios
e espirais, quando usamos a teia como um modelo para a reprodução
interpretativa, o número de raios (campos institucionais ou locais) e a natureza
e números de espirais (a diversidade da constituição ou idade dos grupos de
pares e amigos, a natureza dos encontros e os cruzamentos de locais
institucionais e assim por diante) variam entre culturas, entre grupos
subculturais dentro de uma determinada cultura e ao longo do período
histórico. (CORSARO, 2011, p. 38/39).

Esse modelo deve ser compreendido a partir de um movimento espiralado e


complexo que interliga as culturas de pares das crianças nas relações e interações com os
adultos. Contudo, suas culturas de pares não se confundem com as culturas dos adultos,
devendo ser entendidas como formas próprias das crianças, como sendo inventivas e
criativas, e não meramente receptivas ou responsivas nas experiências institucionais com
o mundo adulto. (CORSARO, 2011).
De tudo o que fora lido e materializado neste exercício de escrita, tomamos a
liberdade de sintetizar o objetivo deste diálogo com Corsaro, porque traduz bem o
vislumbre tático aqui operacionalizado: pode-se pensar que as crianças agem, aos seus
71

modos, seguindo as suas lógicas, a partir daquilo que os outros, geralmente os adultos,
lhes ofertam para viver e interagir. No entanto, elas vão muito além daquilo que há de
oferta, vão muito além daquilo que lhe dão para viver, pensar e interagir. Por isso,
podemos pensar que não há exatamente uma reprodução, o que fazem as crianças é um
intercâmbio entre o que são e aquilo que é apropriado por elas do mundo social e cultural
do qual fazem parte, na mesma medida que intercambiam, criam algo completamente
novo, que é específico das culturas de crianças e é compartilhado por elas.
Há uma rede, em que também está a “teia global”, fazendo uso do modelo
apresentado por Corsaro, por onde circulam, em sentidos múltiplos, os fluxos de
informação e ação. Desta forma, as crianças, seja entre pares, ou entre elas e os adultos
com os quais convivem, informadas também pela mídia que consomem [e são
consumidas] e pelos espaços e lugares por onde passam, a partir deste caldo multiforme,
muito mais do que reproduzir e interpretar, produzem criativamente, de forma que o
modus operandi adultocêntrico não consegue prever e imaginar. Se não fosse assim, não
haveria razão de ser dos próprios conceitos de cultura de pares (CORSARO, 2011), de
criança enquanto fenômeno social (QVORTRUP, 2011), ou “um grupo social em si,
como um ‘povo’ com traços específicos” (SIROTA, 2001, p.11).
Reproduzir, como a própria palavra indica, conduz a uma repetição, a um fazer
de novo, a produzir novamente sobre uma base que já está dada. E quanto à interpretação?
Ora, interpreta-se sempre a partir de algo. A etimologia latina indica que interpretar é dar
uma explicação, uma tradução, uma compreensão, uma avaliação. Entende-se, traduz-se,
compreende-se, avalia-se sempre alguma coisa ou alguém. Há uma inclinação baseada
em crenças e valores, quando se interpreta. E as crianças não fazem isso. Elas criam,
inventam. Até mesmo na linguagem elas não imitam os adultos, de acordo com os estudos
recentes da linguística de Chomsky, por exemplo.
Cada vez mais as pesquisas que tem se ocupado em empreender uma
microanálise da infância, de que é exemplo William Corsaro, tem dado conta disso. As
contribuições deste estudioso, em essência, verificam a produção inventiva das crianças.
As publicações dos estudos etnográficos que empreendeu com elas mostram de perto e
muito sensivelmente, uma dimensão muito aproximada de quem e como são as crianças.
Por isso mesmo acreditamos que as observações atentas deste “adulto não típico” sobre o
mundo das crianças já não podem ser contidas em um conceito de reprodução
interpretativa que, pela escolha das palavras “reprodução” e “interpretação” e os sentidos
72

que elas carregam, em uma leitura apressada, podem macular a potência das crianças, ou
reafirmar a crença de que imitam os adultos.
Em última análise, mesmo em uma leitura mais atenta, aquelas palavras ensejam,
a meu ver, uma limitação ao universo de táticas inimagináveis e às constelações de
inventividades múltiplas que as crianças são capazes de ser e fazer. O uso do conceito de
ajustes secundários” corrobora com essa visão. Por isso penso que basta uma adequação
de palavras, substituindo-se “reprodução interpretativa” por “integração constitutiva” ou
“integração criativa”, utilizadas por Corsaro e, a meu ver, mais coerentes com a teses
esposadas por ele. Acredito que o esforço em sintetizar em conceitos, com o uso daquelas
palavras para falar sobre o mundo das crianças e a infância seja legítimo. Talvez
sobrevenha de um imperativo acadêmico que precisa de palavras escritas, de categorias
abstratas, para que possamos nos aproximar de algo. Mas, havendo palavras mais
apropriadas, no sentido semântico, elas devem ser utilizadas, justamente para minimizar
os equívocos interpretativos, ambiguidades ou ambivalências entre o que se quer
expressar e a forma como se expressa. E imagino que Corsaro tenha isso em mente: que
as palavras e conceitos serão sempre insuficientes para apreender tudo o que as crianças
são.
No próximo subitem, analisamos outro conceito central da Sociologia da Infância,
imprescindível para as posteriores definições sobre “participação infantil”, qual seja, a
agência da criança.

3.4 AGÊNCIA DA CRIANÇA

Esta dissertação não considera o termo “agência” como uma variação que não
implica em alteração do sentido da expressão ator, advinda das teorias sociológicas do
ator. É possível, com Lahire, entender que ator é um corpo social que habita um corpo
biológico, que “passa por estados diferentes e é fatalmente portador de esquemas de ação
ou hábitos heterogêneos e até contraditórios.” (LAHIRE, 2002, p.22). Seguindo essa
linha, entendemos que “agência” é uma extensão do termo ator, como se verá mais
adiante. Não excludente a essa noção de agência que pretendemos demonstrar, está
também o conceito anunciado por Sarmento, que segue a linha Weberiana de ator:

a palavra inglesa agency não tem tradução rigorosa em português, sendo


frequentemente, traduzida por ‘agência’. Utiliza-mo-la aqui, sendo certo, no
entanto, que preferimos o conceito sociológico weberiano de ação para dar
73

conta do desempenho intencional e racional orientado para os outros”.


(SARMENTO, 2013, p.26).

Lahire contribui ao esboçar sua teoria do ator plural, delineando, entre outras
coisas, aspectos atinentes aos processos de incorporação e esclarecendo a valia, para além
do campo científico, de sua teoria social de ação e do ator. Para ele:

parece que as diversas descrições e análises da ação têm sempre – implícita ou


explicitamente — correlatos sociológicos. Segundo, se compreende desta ou
daquela maneira os determinantes, as molas da ação, as maneiras de
transformar ou de manter a situação atual das coisas, de modificar ou de
conservar os comportamentos, podem ser muito diferentes. Pois as teorias da
ação, no fundo, são sempre teorias políticas. Respondendo à pergunta “o que é
agir?”, elas preparam o terreno para a reforma das maneiras de agir. Ao se estar
em condições de captar os processos que levam os atores de uma sociedade a
agir como agem, então é possível agir sobre as suas ações e modificá-las.
Perspectiva fascinante mas também perigosa (sempre são possíveis os usos
menos democráticos do conhecimento sociológico) que merece estar aberta,
ainda que fosse só para oferecer meios de se opor aos efeitos de todas as techne
(políticas, culturais, simbólicas, educativas) de manipulação, inseparáveis dos
modos contemporâneos de exercício do poder. Tratar dos programas e das
matrizes de socialização dos atores é, como observava já o autor de Ética à
Nicômaco, leva-los a agir de outra forma, de uma maneira que se possa esperar
que seja mais virtuosa e democrática: ”Por força de enfrentarmos situações
perigosas e nos habituarmos ao medo e à audácia, tornamo-nos corajosos ou
pusilânimes. Não é diferente no tocante ao desejo e à cólera. Uns chegam à
temperança e à doçura, outros à intemperança e à irascibilidade, pois as
maneiras de uns e outros se comportarem é diferente. Numa palavra, atividades
semelhantes criam disposições correspondentes. Também precisamos exercer
nossas atividades de maneira determinada, pois as diferenças de conduta criam
hábitos diferentes” (ARISTÓTELES, 1995, p.46 apud LAHIRE, 2002, p.14).

Nesse sentido, é bom ter em mente o cuidado para não cair na tentação
homogeneizadora e unificadora dos sujeitos, ou dos atores, que levam à concepção de
haver uma constância quase que determinista dos comportamentos e atitudes, o que
também se aplica à compreensão da agência das crianças.
Discorrendo sobre a compreensão sobre crianças que imperou na Psicologia do
Desenvolvimento, Antropologia Social e Sociologia, com as noções amplamente
debatidas nas seções antecedentes, James (2009) discorre sobre a emergência de uma
mudança paradigmática ocorrida entre as décadas de 1970 e 1980. Antes desse período,
contudo, existia “pouco espaço para qualquer noção da criança agente, o modelo
radicalmente diferente da ‘criança’ que se tornaria uma característica fundamental do
‘paradigma emergente’ dentro da nova sociologia da infância.” (PROUT; JAMES, 2015).
Trata-se de uma mudança de concepção e percepção sobre as crianças, na medida
em que agora elas assumem um papel de agentes sociais. Isso significa dizer, como
Mayall (2002) aponta, que “as crianças são agora vistas como pessoas que, através de
74

suas ações individuais, podem fazer a diferença ‘para um relacionamento, uma decisão,
para o funcionamento de um conjunto de suposições ou restrições sociais’”. (2002, p. 21
apud JAMES, 2009, p. 34, tradução livre24).
Sobre as origens do termo, vieram nos movimentos de contracultura da década de
1960, junto com o turbilhão feminista e os movimentos decoloniais, ou anticoloniais, que
colocaram em pauta a verticalização dos poderes hegemônicos políticos e das relações
desiguais existentes, que assolavam, e ainda assolam, grupos minoritários da sociedade.
Os olhos das Ciências Sociais foram então voltados para esses grupos, entendidos como
subculturais, na compreensão das suas visões de mundo. (JAMES,2009).
Mais uma vez, esses trabalhos colocaram em xeque as teorias tradicionais de
socialização, ao revelarem espectros culturais e alternativos nunca antes observados sobre
o mundo social. “ E foi dentro dessa tradição que Hardman (1973) tornou-se um dos
primeiros a sugerir que as crianças também podem habitar um "mundo autorregulado e
autônomo que não necessariamente reflete o desenvolvimento inicial da cultura adulta",
no qual elas poderiam ser vistas como atores sociais. (HARDMAN, 1973, p.87 apud
JAMES, 2009, p. 38, tradução livre.25).
Contudo, James (2009) aponta que a teoria de maior significado para a
reorientação paradigmática sobre as crianças e as infâncias é aquela que olha para as
dicotomias, tentando compreendê-las e integrá-las. Trata-se do reconhecimento das
Ciências Sociais da junção essencial entre os dois polos da mesma moeda. Quer dizer, da
importância para a Ciência Social tanto das teorias que buscavam explicar a estrutura da
vida social quanto daquelas que exploravam as ações e os significados dos indivíduos.
Nesse sentido, uma primeira tentativa de reconciliação foi efetivada por Giddens (1979)
por meio da sua teoria da estruturação. Nela, ele sugeriu que os cientistas sociais tinham
que levar em conta tanto a agência quanto a estrutura em suas explicações do mundo
social, argumentando que todo ato que contribui para a reprodução de uma estrutura é
também um ato de produção e como tal pode iniciar mudanças alterando a estrutura, ao
mesmo tempo que a reproduz. (JAMES,2009). Esta noção está bastante interligada com

24
Tradução livre do texto original em inglês: Mayall (2002) points out, children are now seen as people
who, through their individual actions, can make a difference ‘to a relationship, a decision, to the workings
of a set of social assumptions or constraints’ (2002, p.21 apud JAMES, 2009, p. 34).
25
Traduzido do original em inglês: “And it was within this tradition that Hardman (1973) became one of
the first to suggest that children, too, might inhabit a ‘self-regulating, autonomous world which does not
necessarily reflect early development of adult culture’ in which they could be seen as social actors.”
(HARDMAN, 1973, p.87 apud JAMES, 2009, p.38, tradução livre
75

a tese da “reprodução interpretativa” de William Corsaro (2011), como vimos na subseção


precedente.
Nesses termos, podemos nos perguntar: quais são as implicações do conceito de
"ator social" e em que ele se relaciona e diferencia do conceito de "agência"? Neste
trabalho, percebemos que a noção de tomar as crianças como atores sociais é alargada e
até comum. No entanto, como mencionado acima, essa ideia tem suas origens nos debates
intelectuais das décadas de 1960 e 1970, que culminaram em um novo paradigma para o
estudo social da infância. Resumindo esses desenvolvimentos, em 1990, James e Prout
fornecem uma definição do que essa noção de crianças como atores sociais pode denotar:
“as crianças são e devem ser vistas como ativas na construção de suas próprias vidas, das
vidas daqueles ao seu redor e das sociedades em que vivem. As crianças não são apenas
os sujeitos passivos das estruturas e processos sociais”. (1990, p. 8 apud JAMES,2009,
p.40, tradução livre26).
Mas o que de fato introduziu as crianças na Sociologia foi o esforço coletivo para
dizer mais que as crianças tinham agência. Para Mayall (2002):

o ator é alguém que faz alguma coisa; o agente é alguém que faz algo com
outras pessoas e, ao fazê-lo, faz as coisas acontecerem, contribuindo assim para
processos mais amplos de reprodução social e cultural. Assim, estudar as
crianças como atores sociais é vê-las como "ativas na construção de suas
próprias vidas" e como vidas dirigentes que são "dignas de estudo por si
mesmas" e não apenas pelo que revelam sobre o futuro ou o desenvolvimento
da humanidade. Mas, seguindo o argumento de Mayall, ver as crianças como
agentes é considerá-las como tendo também um papel a desempenhar "nas
vidas daqueles que as rodeiam" nas "sociedades em que vivem" e como
formando "relações sociais e culturas" independentes. É então uma
concepção mais desenvolvida e arredondada do que significa agir que o
conceito de "agência" fornece, e é isso que forma o ponto de partida para
muitos estudos contemporâneos da vida cotidiana das crianças. (JAMES,2009,
p.41, tradução livre, grifos nossos).27

Ainda segundo Mayall (2002), citada por James (2009):

26
Traduzido do texto original em inglês: children’s social relationships and cultures are worthy of study
in their own right, independent of the perspective and concerns of adults. (1990, p. 8 apud JAMES,2009,
p.40, tradução livre)
27
Tradução livre do original em inglês: For Mayall (2002) the actor is someone who does something; the
agent is someone who does something with other people, and, in so doing, makes things happen, thereby
contributing to wider processes of social and cultural reproduction. Thus, to study children as social
actors is to see them as ‘active in the construction of their own lives’ and as leading lives that are ‘worthy
of study in their own right’ and not just for what they reveal about the future or about the development of
humankind. But, following Mayall’s argument, to see children as agents is to regard them as also having
a part to play ‘in the lives of those around them’ in ‘the societies in which they live’ and as forming
independent ‘social relationships and cultures’. It is then a more developed and rounded conception of
what it means to act that the concept of ‘agency’ provides, and it is this that forms the point of departure
for many contemporary studies of children’s everyday lives. (JAMES,2009, p.41, tradução livre)
76

uma visão significativa da compreensão da agência das crianças pode ser


obtida a partir do relato crítico-realista da relação entre estrutura e agência, que
dá importância à dimensão histórica da vida social. Através de sua ênfase nas
continuidades incorporadas na estrutura social, continuidades que precedem e
sobreviverão ao indivíduo, o realismo crítico ressalta o caráter transformador
de uma vida social que ocorre em e através de relações sociais de diferentes
tipos. E são essas relações sociais, que ocorrem entre pessoas que ocupam
posições sociais distintas, que pode ser, não intencionalmente (e às vezes
intencionalmente), transformadora da estrutura social. (JAMES,2009).

A esse fato dá-se o nome de “infância fragmentada”, quer dizer, transversalizada


por variáveis sociais como classe, gênero, etnia e estado de saúde. Nem todas as crianças
podem ter as mesmas oportunidades de acessar a mídia, por exemplo. Nem, de fato, todas
as crianças são igualmente competentes em seu uso. Assim, apesar da vinculação
frequente de ideias de agência de crianças a uma agenda política para expor o status de
minoria infantil em relação a adultos, a agência, no final, é um atributo de crianças
individuais, no seu processo de individuação. É algo que elas tem a discricionariedade de
poder exercer ou não e não deve ser encarado como um símbolo de seu status social
minoritário. Como acentua James, “essa observação levanta outras questões, portanto,
sobre os direitos das crianças à agência. Todas as crianças têm a mesma capacidade de
agência? O que pode inibir ou impedir que determinadas crianças o exerçam e sob que
tipos de circunstâncias?” (JAMES, 2009, p.44, tradução livre)28.
A partir dessas considerações podemos questionar: de que forma o conceito de
agência se articula com o conceito de participação infantil? Qual a diferença entre eles?
É possível falar em participação sem agência?
Entendemos que não é possível falar em participação infantil sem considerar a
agência da criança, seguindo as conceituações aqui esposadas. A diferença entre uma e
outra estaria assentada no aspecto da intencionalidade: quer dizer, a participação infantil
exige intencionalidade de quem participa, na medida em que se espera ou é sabido que
no âmbito do processo participativo há, não somente a intencionalidade de se fazer ser
ouvido, mas também de interferir em algum processo decisório importante para uma dada
coletividade. Desta forma, exerce-se agência quando se participa, mas nem todo exercício
de agência é participativo, porque a agência é uma qualidade do sujeito e condição para
a participação.

28
Tradução livre do texto original em inglês: This observation raises other questions, therefore, about
children’s rights to agency. Do all children have the same capacity for agency? What might inhibit or
prevent particular children from exercising it, and under what kinds of circumstances?
77

Tentamos examinar essas questões nos textos que foram selecionados a partir do
levantamento bibliográfico que foram analisados neste trabalho. A seguir, abordamos a
última categoria, a da infância enquanto estrutura, a partir dos contributos de Qvortrup.

3.5 A INFÂNCIA ENQUANTO ESTRUTURA E FENÔMENO SOCIAL

Jens Qvortrup, responsável pela constituição do primeiro grupo de pesquisa no


campo da Sociologia da Infância (RC53) na Associação Internacional de Sociologia
(ISA), e um dos organizadores do Handbook29, trata da infância como estrutura social.
Qvortrup apresenta a infância como segmento na estrutura social e as aplicações de uma
perspectiva estrutural, ou seja, inserido nos fundamentos teóricos dos estudos da infância,
define uma abordagem que difere tanto de pesquisas sobre socialização quanto de estudos
sobre desenvolvimento infantil, oferecendo elementos para a realização de pesquisas que
tenham como objeto a infância como categoria social, portanto, diversa e complementar
às outras categorias, perspectiva que resolvemos assumir nesta dissertação.
A pergunta reside em saber se é relevante e plausível entender as crianças como
atores competentes na sociedade e perceber a infância em termos estruturais. Embora para
os pesquisadores bem versados em estudos sociais da infância essa discussão possa
parecer ultrapassada, ela tem um significado histórico. A pergunta a ser respondida, há
um quarto de século, era como um adulto poderia interagir com as crianças de forma mais
positiva, ao invés de simplesmente tolerá-las por aquilo que elas viriam a se tornar. Como
poderíamos fazer justiça à infância e às crianças enquanto elas ainda eram crianças e
membros da infância? Não se tratava, nesse caso, de um plano revolucionário, mas apenas
se esboçava uma modesta reivindicação analítica com o intuito de prover as crianças e a
infância de “autonomia conceitual”, conforme formulou Barrie Thorne (1987, p. 103) em
um importante artigo. Essa reivindicação se refletiu em uma demanda pela concessão de
visibilidade à infância e de voz às crianças, ou, para usar outra frase típica, lidar com a
infância e as crianças por elas mesmas, ou seja, sem ter de necessariamente fazer
referência ao seu futuro, quando se tornarem adultas. (QVORTRUP, 2010a).

29
Trata-se do primeiro capítulo do The Palgrave Handbook of Childhood Studies, publicado em 2009. Nos
países do hemisfério norte, a publicação de um handbook – em português, manual ou compêndio – é um
dos símbolos da consolidação de uma área de conhecimento, cujos capítulos apresentam um breve estado
da arte de seus respectivos temas.
78

Em linguagem coloquial e no discurso científico, a infância é comumente


caracterizada como um período. O período que temos em mente é relativo ao indivíduo e
pode ter várias durações; de qualquer forma deve ser o período de tempo que demarca o
começo e o fim da infância individual de uma pessoa. Em termos estruturais, a infância
não tem um começo e um fim temporais, e não pode, portanto, ser compreendida de
maneira periódica. É compreendida, mais apropriadamente, como uma categoria
permanente de qualquer estrutura geracional. As duas noções de infância – enquanto um
período e enquanto uma categoria permanente – não se contradizem. O período ou a fase
de vida individuais da criança representa, dessa forma, a transição para a idade adulta.
(QVORTRUP, 2010a).
Os representantes dos estudos sociais sobre a infância parecem concordar que a
terminologia de antecipação da fase da vida adulta não é muito útil. A infância, enquanto
espaço social no qual as crianças vivem, transforma-se constantemente, da mesma forma
que a idade adulta e a velhice também se modificam. Essas transformações não podem
esconder, no entanto, a contínua existência e realidade da infância enquanto categoria
estrutural. Em termos estruturais, portanto, ela não é transitória e não é um período; tem
permanência. O desenvolvimento histórico da infância não acaba com a sua categoria; e
a variabilidade cultural da infância contemporânea testemunha a favor da sua presença
universal. (QVORTRUP, 2010a).
Em outras palavras, a infância tanto se transforma de maneira constante assim
como é uma categoria estrutural permanente pela qual todas as crianças passam. A
infância existe enquanto um espaço social para receber qualquer criança nascida e para
incluí-la por todo o período da sua infância. Quando essa criança crescer e se tornar um
adulto, a sua infância terá chegado ao fim, mas enquanto categoria a infância não
desaparece, ao contrário, continua a existir para receber novas gerações de crianças.
Se, por um lado, a infância enquanto período é uma fase transitória, para que cada
criança se torne um adulto, por outro, enquanto categoria estrutural, a infância não pode
nunca se transformar em algo diferente e menos ainda em idade adulta. No entanto, é
absolutamente significativo falar sobre a transição de infância de um período histórico
para outro.
Todas as categorias geracionais estão sujeitas, em princípio, aos mesmos
parâmetros – sejam eles econômicos, tecnológicos, culturais, e assim por diante. É sensato
acrescentar, no entanto, que as categorias geracionais não sofrem ou lidam com o impacto
desses parâmetros da mesma maneira. Elas estão em posições diferentes na ordem social.
79

Meios, recursos, influência e poder estão distribuídos de maneira diferente entre as


categorias, cujas habilidades para enfrentar os desafios externos consequentemente
variam. Por último, as categorias podem discutivelmente ter interesses especiais, o que
levanta a questão de como os interesses são satisfeitos, promovidos e/ou evitados, ou seja,
a questão de o que é, em termos gerais, chamado de conflito de gerações e como ele é
abordado ou solucionado. (QVORTRUP, 2010a).
As relações entre gerações não assumem necessariamente a forma de conflitos ou
divisões; elas podem simplesmente ser consideradas como diferenças ou, na realidade,
como interesses em comum. O ponto importante é que a perspectiva geracional é
indispensável para chegar a um consenso sobre a natureza da relação. (QVORTRUP,
2010a).
A principal particularidade a respeito das categorias estruturais, em termos de
gerações, – se comparadas àquelas em termos de classe e gênero – é a relativamente
rápida rotação de seus constituintes: no que diz respeito à infância, podemos dizer que ela
experiência 100% de mobilidade em direção à idade adulta – ou, se preferir, uma
substituição sempre total de geração (independentemente de como é definida: atualmente
a cada 18 anos, na lógica que segue Qvortrup, que toma a CDC como base). A princípio,
esta não é diferente de outras categorias geracionais (idade adulta, velhice) ou mesmo de
grupos de gênero. Aqui, as substituições também acontecem automaticamente, mesmo
que levem um tempo maior – lembrando outra vez que isso depende das circunstâncias
históricas e sociais. Classes sociais não preveem um automatismo similar na substituição
de seus constituintes, embora estendam a sua existência além dos membros individuais.
(QVORTRUP, 2010a).
É preciso ter em mente que, enquanto categoria estrutural, a infância é separada
da criança como indivíduo, e, por conseguinte, o método para adquirir percepções, tanto
históricas quanto geracionais, acerca da infância, não demanda necessariamente que as
crianças sejam diretamente observadas ou questionadas. O que estamos buscando é o
universo das crianças ou a estrutura em que elas vivem suas vidas. No final, é obviamente
de máxima importância distinguir como os parâmetros exercem influência sobre as
crianças – tanto as mais próximas quanto as mais distantes. No entanto, da mesma
maneira, sabemos bem que muitos parâmetros, talvez os que mais influenciam a vida das
crianças, são definidos sem sequer levar em consideração as crianças e a infância.
(QVORTRUP, 2010a).
80

A partir de um contexto histórico, o qual denominamos desenvolvimento da


infância, devemos acompanhar a princípio as mudanças da totalidade de parâmetros e
suas próprias interações. Um exemplo interessante e importante a respeito das mudanças
nas relações intergeracionais pode ser extraído dos desenvolvimentos demográficos, ou
seja, desenvolvimentos em que as crianças não podem ser causadoras, mas que, contudo,
provocaram impacto sobre elas. Primeiramente, uma pirâmide populacional nos ajuda a
visualizar como a infância tem ocupado cada vez menos espaço ao longo do tempo; por
essa razão, a sua categoria estrutural está quase literalmente minimizada. Os fatores
responsáveis por isso, ou, talvez, por melhor dizer, de acordo com essas mudanças
demográficas, são todos os que, em outras circunstâncias, influenciarão a infância, como,
por exemplo, crescimento econômico, industrialização, urbanização, aumento na
qualidade da saúde, secularização, individualização, educação, privatização da família, e
outros.(QVORTRUP, 2010a).
Refletir sobre infância enquanto categoria estrutural nos impõe uma necessária
articulação entre infância e política e no olhar crítico sobre a realidade que temos à nossa
disposição. Primeiramente, entendemos que o conceito da infância enquanto categoria
estrutural ainda permanece enclausurado entre os muros acadêmicos. Para as pessoas que
não circulam nesses espaços é muito difícil imaginar que há, inclusive, uma diferença
entre os conceitos de criança e de infância, quanto mais pensar que a infância é uma
categoria social, do tipo estrutural, geracional e, portanto, permanente na sociedade. Por
isso pleiteamos pela democratização desse conceito, ele precisa ocupar outros espaços e
outras mentes.
Isso nos leva a uma segunda questão, mais atrelada ao campo político: se estamos
assentes que o conceito de infância enquanto categoria estrutural é de conhecimento
restrito ao campo acadêmico, não podemos reivindicar que agentes políticos que hoje
estão no poder, o conheçam. Esse fato leva a um outro ponto: sabemos que as crianças
ainda não ocupam esses espaços. A elas continua sendo negado direito à voz, à
participação efetiva na formulação de políticas que as afetam diuturnamente. A quem
cabe representá-las, portanto? Cabe a nós!
Portanto, esse diálogo é também um chamamento para que ocupemos espaços de
poder e decisão políticas. Cabe a nós representarmos as crianças e abrirmos espaços para
que elas adentrem nesses campos que lhes são negados. Temos, portanto um
compromisso enquanto educadores para além dos espaços institucionalizados do
conhecimento, devemos ser agentes do conhecimento e políticos, também.
81

Os exemplos da influência dos parâmetros estruturais sobre a infância e as


crianças são enormes, por isso os estudos de Qvortrup, em uma perspectiva da
participação das crianças, podem ser analisados enquanto premissas primordiais para que
as crianças sejam incluídas nas pesquisas macroestruturais, atuando como eixos temáticos
para a formulação de políticas públicas não somente naquilo que se julga ser tema
diretamente correlacionado a elas, mas também em todos aqueles em que não é
contabilizada, mas é afetada, diretamente e de modo mais brusco. Esses outros temas
podem ser analisados à luz de outro texto do autor, analisado a seguir.
Qvortrup elencou nove teses sobre a criança enquanto fenômeno social e é a partir
desta compreensão que este estudo se desenvolve. Para o dinamarquês, as teses são as
seguintes: 1) “A infância é uma forma particular e distinta em qualquer estrutura social
da sociedade”: a particularidade estrutural da infância não é definida pelas características
individuais da criança nem tampouco pela sua idade. Em termos conceituais, compara-se
a estrutura da infância a outras estruturas, tais como o de classe, “no sentido da definição
das características pelas quais os membros [...] da infância estão organizados e pela
posição da infância assinalada por outros grupos sociais, mais dominantes.” (2011, p.
203); 2) A infância não é uma fase de transição, mas uma categoria social permanente,
do ponto de vista sociológico”: para Qvortrup, “a infância persiste: ela continua a existir
– como uma classe social, por exemplo- como forma estrutural, independentemente de
quantas crianças entram e quantas saem dela.” Interessa para ele saber como a infância se
modifica em termos qualitativos e quantitativos, quer dizer, por mudanças que possam
ser explicadas no número de parâmetros sociais. Embora não se oponha à descrição
psicológica e à tese da socialização, que defendem o desenvolvimento da criança por
fases, aduz que, do ponto de vista sociológico, não tem tanta relevância (2011, p. 204);
3) “A ideia de criança, em si mesma, é problemática, enquanto a infância é uma categoria
variável histórica e intercultural”: significa dizer “que não há somente uma concepção de
infância, mas muitas, construídas ao longo do tempo e [...] são exatamente as mudanças
de concepção que são objeto de interesse sociológico, porque presumivelmente refletem
mudanças de atitude em relação às crianças;” (2011, p.205); 4) “ Infância é uma parte
integrante da sociedade e de sua divisão de trabalho”: entende que as crianças participam
ativamente na sociedade:

porque elas ocupam espaço na divisão do trabalho, principalmente em termos


de trabalho escolar, o qual não pode ser separado em termos de trabalho da
sociedade em geral;[...] em segundo lugar, porque a presença da infância
influencia fortemente os planos e projetos não só dos pais, mas também do
82

mundo social e econômico. A Infância interage, então, estruturalmente, com


os outros setores da sociedade. (2011, p. 205/206).

Continuando com as teses, a de número 5) é aquela que já fora citada em linhas


anteriores, que toma “as crianças como co-construtoras da infância e da sociedade”: quer
dizer que “são criadoras, inventivas, porque se envolvem em ações propositivas” e não
meras reprodutoras de um sistema adulto (2011, p. 206); 6) “a infância é, em princípio,
exposta (econômica e institucionalmente) às mesmas forças sociais que os adultos,
embora de modo particular”: as crianças não vivem em um mundo especial, à parte do
dos adultos. Enquanto integrantes de um “terreno comum para todos os grupos etários”,
está exposta à influência das macro-forças, assim como os adultos. A influência ocorre
de modo distinto porque, normalmente são mediadas ou ocorrem de forma indireta, o que
mitiga a percepção das influências (2011, p.206/7) “ a dependência convencionada das
crianças tem consequências para sua invisibilidade em descrições históricas e sociais,
assim como para a sua autorização às provisões de bem-estar”: são raros os esforços em
estudar as crianças, de forma documentada e sistemática, enquanto unidade de observação
ou “a análise da infância do ponto de vista das crianças” (2011, p. 207); 8) “Não os pais,
mas a ideologia da família constitui uma barreira contra os interesses e o bem- estar das
crianças”: em uma perspectiva econômica, constatou-se que o grupo das crianças é o que
possui menor renda per capita disponível. Isso leva a crer que a sociedade não assume
uma responsabilidade social sobre a criança. Espera-se que elas sejam providas por um
padrão mínimo e básico segundo a família com quem vivem (2011, p. 209); por último,
a tese 9) “a Infância é uma categoria minoritária clássica, objeto de tendências tanto
marginalizadas quanto paternalizadoras”: Qvortrup entende que a definição de minoria
pode ser empregada à categoria Infância, guardadas algumas particularidades. Entender
a criança enquanto pertencente a uma categoria de um grupo minoritário significa dizer
que, em relação a um grupo dominante, possui tratamento diferencial e desigual. Essas
são as teses defendidas por Qvortrup, suficientes para que as crianças possam ser
encaradas com seriedade. O estudioso as tem enquanto um pontapé inicial para que
experimente “um tipo de cidadania científica”, já que a cidadania rela ainda espera pelas
crianças. (2011, p. 211).
Neste trabalho, “agência” e “estrutura” não são encaradas em termos
dicotomizantes. Escolhemos sistematizar os trabalhos de acordo com as suas orientações
macro ou micro, por entender que essa abordagem diz muito mais respeito às diferentes
83

formas de apropriação dos mundos infantis e acreditamos que, ao analisá-las, ao final,


teremos uma visão mais integralizada a respeito do tema da “participação infantil”.
Neste sentido, em diálogo com o autor, questionamos: de que forma a agência se
articula com o entendimento da infância enquanto categoria estrutural?
Primeiro é preciso considerar que, quando falamos em infância enquanto categoria
estrutural da sociedade, estamos considerando que a infância afeta e é afetada por ela,
contudo, raras vezes as crianças são incluídas nos processos macroestruturais que afetam
as suas vidas diretamente. Com isso queremos dizer que, embora as crianças sejam
reconhecidas como sujeitos de direitos e tenham assegurados seu direito à participação,
esses direitos não devem estar subsumidos às práticas de voz, no cotidiano das vidas
privadas delas. Ele exsurge enquanto não somente possibilidade, mas como necessário
reconhecimento das crianças enquanto agentes políticos, capazes sim de tomarem parte
na formulação das políticas nos assuntos que afetam diretamente as suas vidas, como por
exemplo, na formulação de políticas educacionais.
É neste sentido que o conceito de agência se articula com o de estrutura, ao
compreender que as crianças são agentes, não somente sociais, mas com capacidades
políticas e decisórias, que não podem ser comparadas com as dos adultos mas que devem,
por direito próprio, ser levadas em consideração.
Na próxima seção, seguimos discutindo a respeito da construção histórica dos
direitos das crianças e na atribuição a elas, do status jurídico de criança enquanto sujeito
de direitos e o significado dessa alteração de estatuto.
84

4 PARTICIPAÇÃO INFANTIL E SUAS IMBRICAÇÕES: CONCEITO


MULTIFACETADO

“A criança é feita de cem.


A criança tem cem mãos.
Cem pensamentos. Cem modos de pensar.
De jogar e de falar. Cem sempre cem.
Modos de escutar. De maravilhar e de
amar.
Cem alegrias. Para cantar e compreender.
Cem mundos. Para descobrir.
Cem mundos. Para inventar.
Cem mundos. Para sonhar.
A criança tem cem linguagens (e depois
cem cem cem).
Mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura lhe separam a cabeça
do corpo.
Dizem-lhe: De pensar sem a s mãos.
De fazer sem a cabeça. De escutar e de
não falar.
De compreender sem alegrias. De amar e
de maravilhar-se.
Só na páscoa e no natal.
Dizem-lhe: de descobrir um mundo que já
existe
E de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
Que o jogo e o trabalho. A realidade e a
fantasia.
A ciência e a imaginação. O céu e a terra.
A razão e o sonho. São coisas.
Que não estão juntas.
Dizem-lhe, enfim:
Que as cem não existem.
A criança diz: Ao contrário as cem
existem.”
(MALAGUZZI, 1994).

As compreensões enunciadas nas seções antecedentes reforçam a noção de que o


tema da participação das crianças não comporta uma definição hegemônica, um conceito
único e exclusivo advindo de uma disciplina específica. Por sua própria natureza é
inegavelmente multidisciplinar. Partindo desta premissa, entender o tema como
pertencente a um conceito “multi- camadas” com o uso das lentes da Sociologia da
Infância, tomando a [re]orientação paradigmática que gira em torno do seu objeto, qual
seja, a situação e posição das crianças na sociedade, é que se entende corroborar com a
tendência recente da renovação da teoria social contemporânea, bastante atrelada aos
contributos de Giddens, no sentido de tentar conceituá-la como um nexo e não como uma
dicotomia. (HENGST; ZEIHER, 2004).
85

Assim, assumimos aqui que as ações das crianças são consideradas como um
momento constitutivo da infância, da mesma forma em que são consideradas as estruturas
institucionais e modelos culturais nos quais as crianças agem. No entanto, mesmo
compreendendo que as crianças são ativas na construção de suas próprias culturas e sejam
dotadas do estatuto jurídico de sujeitos de direitos, não é desnecessário dizer que as
possibilidades concretas que lhes são asseguradas, também no que concerne à efetivação
adequada de seus direitos, dependem da maneira como aqueles que pesquisam e
convivem com elas entendem o contexto da infância e os direitos concernentes às
crianças. (HENGST; ZEIHER, 2004, p.10).
Ao pesquisar pelos termos “papel social”, “participação” e “participação política”
no “Dicionário do Pensamento Social do Século XX”, lá encontramos alguns indícios
para “encorpar” esse caminho. Com a definição de “participação”, pudemos ver
confirmado o sentido polissêmico e pouco claro para o termo, observável também para
quem escreve a partir do espectro das Ciências Sociais. Marco Diani, responsável por
conceituar a palavra naquele dicionário, acentua tratar-se de “conceito ambíguo nas
Ciências Sociais, participação pode ter um significado forte e fraco” (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 558). O significado forte quer dizer que:
Em virtude das dimensões e da complexidade das sociedades de massa
contemporâneas, de centralização do poder político, do crescimento da
burocracia e da concentração do poder econômico, as garantias tradicionais da
democracia precisam ser fortalecidas, protegidas e ampliadas a fim de
contrabalançar a tendência para um número cada vez maior de decisões a
serem tomadas por pequenos grupos e que afetam a vida das pessoas; esses
grupos são frequentemente remotos e não facilmente identificáveis ou
responsabilizados, uma vez que atuam em nome do Estado, de uma autoridade
local ou de alguma grande empresa comercial ou industrial. (OUTHWAITE;
BOTTOMORE, 1996, p. 558).

Quanto às origens do princípio participativo aplicado à política, remonta à


antiguidade da própria democracia, mas é muito mais difícil mensurá-lo e circunscrever
seu conceito em virtude “da escala e abrangência do governo moderno, bem como pela
necessidade de decisões precisas e rápidas ─ cuja omissão é motivo de protesto por parte
dos que exigem maior participação ─”. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 558).
O termo passou a se popularizar no período pós-guerra, mais especificamente na década
de 1960 e depois no final da década de 1980, quando diversos grupos, sobretudo,
estudantis, reivindicavam pela ampliação dos campos e canais de participação. No caso
dos estudantes, o pleito era por maior participação e acesso ao espaço da educação
superior. Para além disso, exigia-se maior participação no âmbito das e nas indústrias, nas
86

atividades comerciais e, mormente no final dos anos de 1970, nos governos locais.
(OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 558).
Pateman (1992) descreve que foi nesse caldo histórico e tessitura social que o
termo “participação” passou a fazer parte do vocabulário e objeto a ser perseguido por
um grande número de pessoas, assim como passou a ser referência utilizada por diversos
agentes políticos e também pelos meios de comunicação em massa, fazendo com que a
palavra se popularizasse e, junto com isso, houve um certo esvaziamento de seu conteúdo
e esmaecimento de seu significado. Quer dizer, “‘participação’ era empregada por
diferentes pessoas para se referirem a uma ampla variedade de situações.” (PATEMAN,
1992, p. 9). Naquele mesmo dicionário, consta que foi nesse momento histórico,
mormente a partir do final da década de 1970 “que o ‘significado fraco’ de participação
começou a se desenvolver”:
A prática pela qual os empregados assumem uma participação maior nas
decisões administrativas foi introduzida na década de 50 pelo governo federal
na Alemanha Ocidental; ela propagou-se, sob várias formas, a outros países da
Europa Ocidental (uma decisão semelhante da Itália data do começo dos anos
70 e na França, do final dos anos 80) e foi adotada como um objetivo, ainda
não inteiramente alcançado, pela Comunidade Europeia a fim de expressar o
que esta chama de ‘imperativo democrático’, definido como o princípio
segundo o qual ‘os que serão substancialmente afetados por decisões tomadas
por instituições sociais e políticas devem ser envolvidos na formulação dessas
decisões.’ (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 558)

Essa grande atenção voltada à participação e seu conceito, com as reivindicações


para uma maior gama de campos para a prática participativa ou pela ampliação das
possibilidades para participar, serviram de mote para que Carole Pateman elaborasse a
seguinte indagação: “qual o lugar da ‘participação’ numa teoria da democracia moderna
e viável?” (PATEMAN, 1992, p. 9). Antes de voltar ao conteúdo explorado por Pateman
(1992), vejamos excertos do conceito da expressão “participação política”, extraídos do
dicionário do Pensamento Social do Século XX:
Significa o número e a intensidade de indivíduos e grupos envolvidos na
tomada de decisões. Desde o tempo dos antigos gregos, consistiu idealmente
no encontro de cidadãos livres debatendo publicamente e votando sobre
decisões de governo. A teoria mais simples sempre foi a de que o bom governo
depende de altos níveis de participação. Mas isso é difícil de conseguir fora de
pequenas unidades, pelo que a participação ocorre em modos indiretos ─ a
distinção entre democracia representativa e direta ─ e em modos mínimos,
como a votação simples e em eleições ocasionais. A grande maioria das
decisões dos governos é tomada independentemente dos desejos de seus
cidadãos. Para tentar superar esse gigantesco abismo entre o poder do Estado
e a autenticidade do indivíduo, Jean-Jacques Rousseau propôs a sua famosa
doutrina da Vontade Geral: uma pessoa só pode ser verdadeiramente cidadã
(com todos os direitos e deveres pertinentes) quando quer o bem geral, não o
seu bem particular. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 559)
87

Vemos, portanto, que são numerosos os espectros de visão com que se pode
estudar o termo “participação”. Para teóricos liberais do século XIX, por exemplo, o
campo da educação era o locus privilegiado para operar um “treino” para a democracia,
além de ser objeto visado em pleitos participativos, a exemplo do que aconteceu na década
de 1970 no âmbito do ensino superior. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.559).
Enquanto Pateman (1992) ressalta em seu estudo, a partir dos autores que ela descreve
como representantes da “teoria contemporânea da democracia” ─ que viam a importância
de minimizar a participação popular para não desestabilizar um dado sistema político
democrático ─, no dicionário social, há também outros vieses dessa apreensão:
embora a crescente participação popular fosse vista como a força do governo
representativo, alguns preocupavam-se com o fato de tal participação das
massas estar cada vez mais vulnerável à manipulação pelas elites. A antiga
autocracia seguiu o adágio ou teoria de governo “deixem quieto o cão
adormecido” – nada mais era necessário além da obediência passiva; mas os
líderes políticos modernos, tanto de esquerda quanto de direita, exigiram
entusiasmo positivo, ‘mobilizando as massas’ para criar um poder sem
precedentes com vistas à transformação social. Assim, as teorias da
participação adotaram formas totalitárias e formas democráticas.
[...] Sindicalistas, socialistas corporativos, anarquistas, pluralistas, todos eles,
entretanto, negaram a premissa de que as sociedades são simples hierarquias
de líderes e massas, vendo-as mais como uma pluralidade de grupos que
constituem comunidades participativas e parcialmente sobrepostas.
Alguns pensadores (especialmente os da tradição federalista americana)
sustentam que a participação deve ser limitada por controles institucionais, que
só as normas legais e uma estrutura constitucional criam uma sociedade civil
justa. Outros (especialmente os da tradição revolucionária francesa) defendem
que a sociedade civil nada mais é que uma evolução desembaraçada da
participação popular. (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 559/560).

Chamou nossa atenção o fato de que ambas as conceituações ─ a de participação


e a de participação política ─, de diferentes autorias, não citaram as crianças e nem
tampouco mencionaram o termo “infância”, aliás, não havia menção nem de uma nem de
outra neste dicionário e, também, saltou aos olhos a dupla referência à obra Participatory
and Democracy Theory, de autoria da filósofa britânica Carole Pateman30, que debruça
seus esforços em produzir pesquisas sobre as teorias políticas e feminismo. Por uma
necessidade de aprofundamento teórico, diante da complexidade do tema, sentimo-nos
impelidos a referida obra. Encontramos sob o título traduzido do inglês para português
“Participação e Teoria Democrática”.

30
Segundo consulta rápida feita no site wikipedia, Carole Patem, que doutrou-se pela Universidade de
Oxford em 1990, foi a primeira mulher a integrar o cargo de presidência da Associação Internacional de
Ciência Política (1991-94). Foi professora da Universidade da Califórrnia em Los Angeles (UCLA). Suas
obras abordam questões relativas à democracia, participação política, obrigação política, críticas ao
liberalismo e perspectivas feministas a respeito da dominação e do contrato social entre gêneros ("contrato
sexual").
https://pt.wikipedia.org/wiki/Carole_Pateman, Acesso em 02.Jul.2019.
88

Partimos do pressuposto que, embora tenhamos no Artigo1º, Parágrafo Único da


Constituição da República Federativa do Brasil- CRFB/1988, um dos fundamentos da
República, qual seja, a noção de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente” (BRASIL, 1988), assumimos enquanto hipótese
a ideia de que não basta ter esse poder prescrito constitucionalmente sem que se portem
ou conheçam os meios para exercitá-lo, de modo efetivamente democrático. Para além
dos modos de efetivação, a questão está centrada no como: como exercitar aquele poder
constitucional de forma a pautá-lo com vias à promoção do “bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”, conforme preleciona o inciso IV, do artigo 3º da CRFB/88 enquanto um
dos objetivos fundamentais do país? (BRASIL, 1988). Sendo as crianças parte do povo,
como estender e garantir a elas o direito que têm de serem ouvidas ou de serem respeitadas
as suas múltiplas formas de expressão?
Objetivando responder àquela pergunta anunciada nos parágrafos antecedentes,
Pateman inicia seu intento descrevendo as problemáticas e conteúdos do que ela
denominou de “teorias democráticas contemporâneas”. Para tanto, utilizou como base
alguns dos teóricos que ela elenca como sendo os formuladores de “doutrinas ortodoxas”
sobre “participação” e teorias democráticas, haja vista a aceitação quase que consensual
e pacificada de seus predicados pelos seus seguidores “teóricos da política e sociólogos
políticos”. (PATEMAN, 1992, p. 09).
No decorrer do primeiro capítulo, portanto, Pateman, de forma bastante crítica,
analisa as formulações das teses dos norte- americanos Mosca e Michels, os quais, para a
autora (1992, p. 10) são os “principais teóricos atuais que escreveram sobre democracia”,
considerando que seus enunciados serviram de fundamento para a atual31 teoria
democrática. Nelas, no que concerne à participação, pairam duas preocupações. A
primeira diz respeito à necessidade de revisar, no sentido de rejeitar ou interpretar de
modo distinto, as teorias dos chamados teóricos clássicos ─ sem citar nominalmente quem
são eles ─, que defendiam o ideal da máxima participação popular. A segunda
preocupação e as oposições à participação formuladas por Mosca e Michels, tomando em
consideração a estabilidade ─ condição e fim primordial para a manutenção do sistema
político democrático ─, eram aquelas advindas da oposição entre "participação" e

31
O termo atual empregado pela autora deve ser relativizado, considerando que a publicação da primeira
edição do livro Participation and Democratic Theory no original em inglês, publicado pela Cambridge
University Press, data do ano de 1970 e diz respeito, sobretudo, ao contexto anglo-americano.
89

"estabilidade". Para eles, para assegurar a estabilidade do sistema político, seria desejosa
a redução da participação popular. (PATEMAN, 1996, p. 10)
A origem dessa noção vem da comparação entre "democracia" e "totalitarismo",
consideradas como as duas alternativas políticas possíveis no mundo moderno. Não sendo
o totalitarismo uma opção plausível, para a manutenção da democracia, entendia-se que
a redução da participação do povo era necessária porque se tinha em mente a ideia
correlacional entre os sistemas políticos totalitários e a participação das massas. As
explicações históricas para essa compreensão encontram respaldo no advento da queda
da República de Weimar e nas "altas taxas de participação das massas com tendências
fascistas e a introdução de regimes totalitários no pós- guerra, baseados na participação
das massas, ainda que uma participação forçada pela intimidação e coerção."
(PATEMAN, 1996, p. 11). Elias (1997) nos ajuda a compreender o quanto, na teia de
interdependências que é a sociedade, forças centrípetas e forças centrifugas estão sempre
em busca de coalizões, as quais, dependendo das operações na estrutura social, tendem
ora a fortalecer-se, ora a enfraquecer-se, gerando ou não manutenção de determinados
status sociais. É o que podemos depreender do lugar que ocupa a criança na sociedade
ocidental contemporânea, no que toca ao seu estatuto como sujeito de direitos, com
efetiva participação nas decisões que lhe afetam.
Com base nesse pano de fundo dos assombrosos Estados totalitários, aliado às
ocorrências dos instáveis governos das chamadas “ex-colônias” no mundo pós- guerra,
“que apenas em poucos casos mantiveram um sistema político democrático nos moldes
ocidentais” (PATEMAN, 1996, p. 11), é que aqueles autores citados justificavam a ânsia
pela conquista da estabilidade no interior de um sistema democrático. Somando-se a esses
fatores, de outro norte, os estudos longitudinais empíricos empreendidos pelos sociólogos
políticos durante aquele mesmo contexto histórico do pós-guerra a respeito das atitudes e
comportamentos políticos, a partir dos dados obtidos entre os anos 1950 e 1970,
assinalavam:
[...] que a característica mais notável da maior parte dos cidadãos,
principalmente os de grupos de condição sócio-econômica baixa, é uma falta
de interesse generalizada em política e por atividades políticas. E mais:
constatou-se que existem atitudes não- democráticas ou autoritárias
amplamente difundidas também entre os grupos de condição sócio-econômica
baixa. A conclusão esboçada (quase sempre por sociólogos políticos
travestidos de teóricos de política) é a de que a visão “clássica” do homem
democrático constitui uma ilusão sem fundamento e que um aumento da
participação política dos atuais não- participantes poderia abalar a estabilidade
do sistema democrático, considerando-se a perspectiva das atitudes políticas.
(PATEMAN, 1996, p. 11).
90

Duvidando desses resultados e discordando das características do que nominou


conjuntamente de “teoria contemporânea da democracia”, partindo das análises de Joseph
Schumpeter, que embasaram os trabalhos posteriores de Berelson, Dahl, Sartori e
Eckstein, os quatro teóricos que tiveram suas pesquisas examinadas por Pateman, a autora
comparou essas formulações, as quais, segundo ela, refutavam antecipadamente32 os
“teóricos clássicos”, com aquelas que ela passou a denominar, também conjuntamente,
de “teoria da democracia participativa”. (PATEMAN, 1996, p. 33).
Diante disso, a autora primeiramente circunscreve quem são os teóricos clássicos,
revelando-os a partir da leitura da definição de democracia clássica dada por Schumpeter,
quem, ao que parece, fez uso de noções advindas dos clássicos “idealistas” que ele tanto
refuta, mesclando com o que interpreta como sendo um “método democrático clássico”,
da seguinte forma: “ [é o] arranjo institucional para se chegar a decisões políticas, o qual
realiza o bem comum, fazendo com que o próprio povo decida questões através da eleição
de indivíduos, os quais devem reunir-se em assembleias para executar a vontade desse
povo” (SCHUMPETER, 1943, p. 250 apud PATEMAN, 1992, p. 29). Considerando tais
indicações, Pateman alcançou os nomes de Rousseau, James Mill, John Stuart Mill,
Bentham e G. D. H Cole.
Antes de finalizar o capítulo I de seu livro, seção que em que se dedica à análise
dos escritos de Bentham e James Mill, clássicos que entendiam, enquanto premissa, que
“povo” era o nome dado às “classes numerosas” que poderiam obstaculizar os interesses
escusos do governo (PATEMAN, 1996, p. 29), a autora cita Sartori, um dos “teóricos
democrático contemporâneos” que esboçou uma ideia de participação do povo bastante
distinta desta noção descrita. Para este, a participação deve se dar em forma de reação
[como resposta a algo] e não como ação [no sentido de proposição]. “O povo, diz ele,
deve ‘reagir’, ele não ‘age’, isto é, deve reagir às iniciativas e políticas das elites rivais”
(SARTORI, 1962, p.77 apud PATEMAM, 1992, p.21). Para Pateman, essa defesa se
justificativa em Sartori por um medo do autor de que a participação ativa da população
no processo político redundasse em totalitarismo, receio este que permeou toda a sua
obra.

32
Antecipadamente porque, segundo Pateman, nem os teóricos da teoria contemporânea da democracia
nem os seus críticos lograram êxito, porque tanto uns quanto outros não examinaram “em detalhes aquilo
que os teóricos anteriores tinham de fato a dizer” (1996, p. 28). Portanto, para ela, críticos e formuladores
da teoria democrática atual possuem uma noção de teoria democrática que Pateman chamou de “mito”,
afirmando que “apenas quando o mito tiver sido exposto poder-se-á enfrentar a questão de saber se a revisão
normativa da democracia é ou não justificável”. (PATEMAN, 1996, p. 28).
91

Afora essas críticas, foi Sartori quem adentrou no mérito da inatividade do cidadão
médio, questionando como devemos classificar essa inatividade. Segundo ele, “não
devemos classificá-la” e Pateman acrescenta que:
Argumentos de que a apatia pode ser provocada pelo analfabetismo, pela
pobreza ou pela insuficiência de informação foram refutados pelos fatos, assim
como não foi constatada a sugestão de que ela pode resultar da falta de prática
democrática, pois ‘aprendemos que não se aprende a votar, votando’. Sartori
sustenta que a tentativa de encontrar uma resposta para essa questão é um
esforço equivocado, uma vez que as pessoas só compreendem e se interessam
de fato por assuntos dos quais tem experiência pessoal, ou por ideias que
conseguem formular para si próprias, e nada disso é possível para o cidadão
médio, em matéria de política. É preciso aceitar os fatos como eles são, porque
tentar mudá-los poria em perigo a manutenção do método democrático, e
Sartori ainda argumenta que a única maneira de se tentar mudá-los seria pela
coação dos apáticos ou pela penalização da minoria ativa, mas nenhum dos
dois métodos seria aceitável. (PATEMAN, 1992, p.21).

Para afastar esses predicados da “teoria da democracia contemporânea”, iniciando


seu aprofundamento sobre os teóricos da participação por Bentham e James Mill,
Pateman assinala, em contraposição direta à Sartori e outros, que o que mais importava
na formulação da teoria de Bentham e James Mill era a escolha de bons representantes,
pessoas a quem cabia a salvaguarda e a concretização do bem universal. Tal escolha
deveria ser feita pelo eleitorado, por meio do voto universal e secreto. Ambos acreditavam
que a política representava o mais alto interesse comum, e sendo o interesse comum a
soma dos interesses individuais, não haveria cidadão apático em termos políticos, já que,
inclusive, poderia ser educado para bem escolher seu representante. (PATEMAN, 1992).
Mill, por exemplo, colocava em relevo a importância que o eleitorado votasse de
forma socialmente responsável e pensava que o principal aspecto dessa educação residia
no fato de que as classes trabalhadoras, para formarem suas opiniões, tomavam a “sábia
e virtuosa” classe média como seu grupo de referência e, por esse motivo, votariam de
modo responsável. (PATEMAN, 1992, p. 29). Bentham, por sua vez, acreditava que “os
cidadãos menos capacitados para avaliar as qualidades morais e intelectuais de um futuro
representante pediriam conselho dos competentes.” (PATEMAN, 1992, p. 29).
Apesar dessas noções classistas e um tanto preconceituosas, esses autores
elaboraram teorias tidas como democráticas pela importância que atribuíram ao voto e
pela compreensão de que, a soma do interesse de cada um, representava o interesse
universal. A participação, portanto, travestia-se de voto e de discussão política e, tendo
Bentham e Mill se ocupado com os “arranjos institucionais nacionais” do sistema político,
92

caberia à participação a função de proteger e assegurar os “interesses privados de cada


cidadão”. (PATEMAN, 1992, p. 32).
A partir do Capítulo II, percebendo Pateman que tanto as teorias democráticas
contemporâneas como as de James Mill e Bentham eram teorias do governo
representativo, que não ilustram na totalidade a teoria democrática, a autora passa a
dissecar as teorias de Jean Jacques Rousseau, John Stuart Mill e G. D. H. Cole,
descrevendo-as como “teoria participativa da democracia”, analisando-as à semelhança
de quem encontrou um baú com tesouro e o abre para contemplar e contar
cuidadosamente as moedas de ouro. (PATEMAN, 1992, p. 35).
Para a autora, “Rousseau pode ser considerado o teórico por excelência da
participação”, tendo, sobretudo, a partir do “Contrato Social” e o sistema político lá
constante, fertilizado o que é então conhecido por “teoria da democracia participativa.”
Isso porque o alicerce da teoria política de Rousseau é a participação dos cidadãos,
individualmente, ao decidirem no processo político. Para além da função protetora “dos
arranjos institucionais: ela também provoca um efeito psicológico sobre os que
participam, assegurando uma interrelação contínua entre o funcionamento das instituições
e as qualidades e atitudes psicológicas que interagem dentro delas.” (PATEMAN, 1992,
p. 35). Esclarece a autora que é possível assimilar a teoria de Rousseau nos tempos atuais,
muito embora as estruturas institucionais, conformações dos Estados e sistemas políticos
sejam diferentes. “É em sua teoria que se podem encontrar as hipóteses básicas a respeito
da função da participação de um Estado Democrático” (PATEMAN, 1992, p. 35).
Enumerando as condições e a natureza participativa em Rousseau, a autora
alcança o elemento da interdependência em sua teoria democrática. Depois de assegurada
a existência da segurança e da independência, altamente relacionadas aos direitos de
propriedade, poderiam os cidadãos obter a igualdade e independência política porque não
haveria pobreza para que eles se vendessem, nem dinheiro em demasia para que
“comprassem” outros. Firmes nesses requisitos, haveria, para além da independência, a
igualdade entre os homens e, além disso, servindo como elemento de coesão entre ambas,
estaria a interdependência entre os cidadãos.
Este conceito é bastante importante porque fez lembrar da noção de sintropia e
colaboração verificáveis entre as plantas. A força participativa em Rousseau assume tanto
vigor que, sozinhos, os homens padeceriam impotentes, haja vista que, somente reunidos,
em assembleias, decidiriam coletivamente. Sem cooperação de todos ou da maioria, não
93

haveria poder decisório e nem tampouco de realização do que fora decidido. (PATEMAN,
1992). Nesse sentido, a engrenagem do governo é a participação:

a lógica da operação da situação política que eles mesmos [os cidadãos]


criaram, e que essa situação se constitui de tal forma que impossibilita
‘automaticamente’ a existência de governantes individuais. Isso acontece
porque os cidadãos são iguais, mas independentes, ou seja, não dependem de
ninguém para votar ou opinar. [...] A única política a ser aceita por todos é
aquela em que os benefícios e encargos são igualmente compartilhados; o
processo de participação assegura que a igualdade política seja efetivada nas
assembleias em que as decisões são tomadas. A lei “emergiu” do processo
participatório, e é a lei, e não os homens, que governa as ações individuais.
(PATEMAN, 1992, p.37).

Os aspectos e a função psicológica da participação serão mais amplamente


observados e desdobrados no Capítulo III, intitulado “O sentido de Eficácia Política e a
Participação no Local de Trabalho”. Nessa seção, Pateman principia com um paralelo
entre as teorias de democracia contemporânea e participativa, no sentido de ambas
apontarem para “o argumento de que os indivíduos deveriam receber alguma espécie de
‘treinamento’ em democracia, não limitado ao processo político nacional”. Contudo, o
“formato” desse treinamento não é explicitado, embora seja possível conceber alguns de
seus contornos. Para Pateman, soa contraditório “chamar de socialização um treinamento
explícito em democracia dentro das organizações e associações, a maioria das quais
(principalmente as indústrias) é oligárquica e hierárquica.” (PATEMAN, 1992, p. 65).
Lançando mão da tese esposada na teoria participativa, ela aduz que se educa para
a democracia em processos participativos que se desenvolvem dentro de “estruturas de
autoridade não-governamentais” (PATEMAN, 1992, p. 65), o que requer a
democratização dessas estruturas. Examinando o elemento de conexão entre a
participação na indústria, ou no local de trabalho, com a participação no âmbito político
mais abrangente e se é possível essa transposição e se há mesmo um elo, um princípio
participativo que poderia incidir de uma esfera para outra, a autora estabelece um
conectivo entre aquelas duas teorias analisadas:

ambas apontam para fatores psicológicos no desempenho de um papel de


mediação. A teoria da democracia participativa afirma que a experiência da
participação, de algum modo, torna o indivíduo psicologicamente melhor
equiparado para participar ainda mais no futuro. (PATEMAN, 1992, p.65).

Embasando o argumento psicológico a respeito da participação, Pateman cita,


inicialmente, John Stuart Mill e Cole. O primeiro ressalta os resultados psicológicos
advindos da participação, afirmando que quanto mais se participa, mais ativo seria o
94

caráter, enquanto o segundo ressalta a característica da não passividade, da não


subserviência, ou o “caráter ‘não servil’. (PATEMAN, 1992, p. 66). Transpondo essas
ideias para o universo empírico, a autora fala sobre as qualidades psicológicas que
precedem à participação. Embora o seu objeto de análise esteja focado na participação na
indústria, ela mesma enaltece a transponibilidade das noções esposadas em sua obra para
outros contextos.
Naquele sentido citado, as qualidades psicológicas “necessárias” são a convicção
para se autogovernar, o que demanda “confiança na própria capacidade de participar
responsável e efetivamente e de controlar a própria vida e o ambiente.” (PATEMAN,
1992, p. 66). A autora pondera que tais atributos psicológicos fazem parte “dos benefícios
psicológicos que resultariam da participação” e do chamado “caráter democrático”.
(PATEMAN, 1992, p. 66). Diante disso, ela passa para outro conceito, o de “eficácia
política ou sentido de competência política”, que seria “o sentimento de que ‘a ação
política do indivíduo tem, ou pode ter, um impacto sobre o processo político, ou seja, vale
a pena cumprir alguns deveres cívicos.’” (CAMPBELL et alii, 1954, p. 187 apud
PATEMAN, 1992, p. 66).
Além disso, em um âmbito mais subjetivo que se desdobra no corpo social,
verificou-se também a partir de pesquisas empíricas que:

As pessoas com o senso de eficácia política têm mais probabilidade de


participar de política do que aquelas que carecem desse sentimento, e se
descobriu também que subjacente ao senso de eficácia política está uma
sensação geral de eficiência pessoal, que envolve autoconfiança na relação do
sujeito com o mundo. ‘As pessoas que se sentem mais eficientes em suas
tarefas e desafios cotidianos tem mais probabilidade de participar em
política’”. (MILBRATH, 1965, p. 59 apud PATEMAN, 1996, p. 66).

Pateman assumiu a noção de eficiência política enquanto conceito operacional


para designar “parte dos efeitos psicológicos que se referem os teóricos da democracia
participativa” (PATEMAN, 1992, p.66), e passa a investigar “se existe alguma evidência
que sugira que a participação em esferas não-governamentais, em particular na indústria,
seja de importância significativa no desenvolvimento desse sentimento”, a partir dos
dados das pesquisas empíricas empreendidas por Almond e Verba que resultaram no livro
“A cultura cívica” (The Civic Culture), publicado no ano de 1965. Com análises colhidas
nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na Itália e no México, os autores
tinham como objeto de estudo a questão do “senso de competência política e o seu
desenvolvimento” a partir do estudo de “atitudes e comportamentos políticos.”
(PATEMAN, 1992, p. 67).
95

Os autores citados interpretaram os dados atribuindo valor positivo ao senso de


eficiência e de participação política das pessoas dos cinco países investigados, notando
ainda que esse valor era destacado nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, locais em que
os canais institucionais para a participação eram mais amplos em termos de oportunidades
para a participação política local, arena que, já em Mill, era tida como um “campo de
treinamento para a democracia: “[...] onde o governo local permite a participação, ele
pode estimular um senso de competência que então se projeta a nível nacional”
(ALMOND; VERBA, 1965, p. 145 apud PATEMAN, 1992, p. 67).
Nesse mesmo caminho, a autora generaliza essa afirmação no sentido de que, nas
pesquisas sobre a socialização política ficou evidente que, na teoria da democracia
participativa e seus teóricos, havia o entendimento mutuamente corroborado de que “o
indivíduo, a partir de suas experiências com estruturas de autoridade não-governamentais,
teria a tendência de ampliá-las à esfera mais ampla da política local (PATEMAN, 1992,
p.68).
Sobre os efeitos da participação investigados a partir de membros de organizações
voluntárias, políticas ou não, verificou-se que, em todos os países em que se deu a
pesquisa, “o senso de eficiência política era maior entre os membros da organização do
que entre os que não eram membros, e era mais alto ainda entre os membros ativos, em
particular em organizações explicitamente políticas” (PATEMAN, 1992, p.67). Traçando
correlação entre a teoria participativa com o pluralismo social, Patman, citando Almond
e Verba, anuncia a partir do livro dos autores que “o pluralismo, mesmo não sendo
explicitamente político, pode ser, de fato, um dos fundamentos mais importantes da
democracia política”. (ALMOND; VERBA, 1965, p. 145 apud PATEMAN, 1992, p. 67).
Interessante é o fato de que esses autores, a partir da interpretação de seus dados
de pesquisa a respeito das estruturas de autoridade e das relações estabelecidas com as
pessoas que ocupam espaços de poder que suscitam autoridade, fizeram com que
traçássemos um ponto de conexão ao que Almond e Verba descreveram ao conceito de
“papel social” presente no Dicionário do Pensamento Social do Século XX , que auxilia
bastante a pensar sobre os significados e reverberações comportamentais que
determinados papeis tem ao serem assumidos por seus atores. Veja que, quando os
sujeitos assumem uma postura de passividade servil na relação com outro que representa
um papel de autoridade, é possível que aqueles assumam essa mesma atuação na relação
com uma figura de autoridade do âmbito político. No entanto, em havendo canais em que
seja oportunizada a ampla participação na tomada de uma variada gama de decisões
96

sociais, “provavelmente esperará ser capaz de participar do mesmo modo das decisões
políticas. Além disso, a participação na tomada de decisões não-políticas pode dar-lhe a
destreza necessária para se engajar na participação política.” (ALMOND; VERBA, 1965,
p. 271-2 apud PATEMAN, 1992, p. 68).
Traçando um paralelo entre essa noção com aquela elaborada por Jonathan H.
Turner para desenvolver os conceitos para “papel social” no dicionário citado, pode-se
ter em vista questões relacionadas à natureza dos personagens que os indivíduos assumem
e às forças que incidem para que os sujeitos ajam de uma forma e não de outra, cuja leitura
pode variar: ora “o indivíduo é visto como alguém que se comporta dos modos
apropriados à incumbência em uma posição de status em um sistema de posições
interligadas que constituem uma estrutura social”, ora “os indivíduos são vistos como
conduzindo-se ainda quando ocupam uma clara posição de status” podendo ser
“conceituados mais como criadores ativos de um personagem do que como tendo
meramente assumido um que lhes é atribuído em virtude de ocuparem determinada
posição.” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.553). É importante ter em mente,
contudo, que:

Como o papel é considerado o ponto de interface entre a pessoa individual e a


estrutura social mais ampla, a postura assumida nessa questão subentende
concepções muito diferentes sobre os seres humanos e a sociedade (Handel,
1979). Se o papel é o comportamento associado à incumbência (e ditado por
ela) nas posições da estrutura social, então os seres humanos são menos
espontâneos e criativos, ao passo que o poder da estrutura social é proeminente.
Em contrapartida, se o papel é o comportamento expresso em negociação com
o eu, com as necessidades ou utilidades idiossincrásicas e as prescrições
posicionais de outros, então os indivíduos são ontologicamente mais
significativos do que a estrutura social. [...] (TURNER, Jonathan H, 1996, p.
553).

Essas ponderações casam, em certa medida, com aquele enunciado de Almond e


Verga citado por Pateman (1992) e indicam aspectos da importância da ampliação das
experiências participativas dos adultos para o “processo de socialização política.”
(PATEMAN, 1992, p.68). Dados de pesquisa desses autores indicaram “que o
aprendizado especificamente político de fato se dá na primeira infância”, no entanto,
Pateman não vê muita clareza a partir da leitura dos dados de Easton e Dennis quais
exatamente são as atitudes e comportamentos dos adultos na esfera política estão
correlacionados ao “tipo particular de aprendizado infantil do qual trata o livro (ou seja,
que as crianças aprendem a atribuir um sentido, e a se relacionar com a autoridade política
em grande parte por meio das personalidades do presidente da República e dos policiais)”.
97

Quer dizer, há o questionamento quanto aos efeitos das vivências do período da infância
na vida comportamental adulta. (EASTON; DENNIS, 1969, p. 75 apud PATEMAN,
1992, p. 68).
Há ainda que se relativizar qualquer correlação direta ou incidência da relação
causa e efeito neste aspecto, porque as variáveis culturais e de idade também incidem no
forte equívoco que se pode incorrer ao traçar qualquer tipo de analogia do tipo “se criança
A passou pelo tipo de experiência B, logo, quando adulta, tenderá a agir da mesma forma
como quando agiu em B”. Até porque as experiências não se repetem como num looping
infinito e, ainda assim, há de se ter muito cuidado ao afirmar que se agirá no presente e
no futuro da mesma forma com que se agiu no passado. Isso porque as diferentes e
múltiplas experiências de mundo atuam na construção e desconstrução das
subjetividades. De fato, neste sentido das incongruências e contradições próprias dos
humanos, no que tange à socialização política, “socialização secundária [fazendo uso do
termo utilizado pela autora] –, durante o período que se segue à infância, pode sob certas
circunstâncias, conduzir para uma direção oposta... cujo resultado depende de forma
nítida das situações.” (EASTON; DENNIS, 1969, p. 310 apud PATEMAN, 1992, p. 69).
Easton e Dennis, quando investigavam se as crianças internalizam as normas de
estrutura de autoridade, afirmaram que durante a infância, a “ ‘internalização’ de uma
norma que diga que devemos ter voz na vontade do governo, em si, ajuda a contrabalançar
a frustração que sentiremos mais tarde ao descobrirmos que as aparentes oportunidades
de realizarmos isso são ilusórias.” Pateman, outrossim, faz uma leitura em que o efeito
seria justamente o contrário da afirmação dos autores. (1967, p. 38 apud PATEMAN,
1992, p. 69).
Salta aos olhos nos estudos sobre eficiência política a correlação travada entre o
sentimento de competência política em seus diferentes níveis com o status sócio-
econômico: quanto mais baixo o substrato econômico, mais forte é a tendência a ter uma
baixa sensação de eficiência política e participativa. Tal conectivo também é aplicável à
infância. “Easton e Dennis sustentam que os níveis de eficiência medidos nas crianças
refletem, na verdade, a visão que a criança tem das atitudes e do comportamento dos
pais.” (1967, p. 31 apud PATEMAN, 1992, p. 69). Ainda neste sentido, os estudos
revelaram que:

área na qual uma tal explicação pode ser feita já foi indicada – nas experiências
dos indivíduos com estruturas de autoridade não- governamentais, e esta
pesquisa pode nos fornecer uma explicação das diferenças entre as crianças e
os adultos. Almond e Verba descobriram que as oportunidades (rememoradas)
98

de participar na família e na escola relacionavam-se com uma pontuação bem


alta na escala da competência política nos cinco países, sendo de particular
importância o impacto das oportunidades no nível da educação superior. São
as crianças da classe média que tendem a apresentar a pontuação mais alta na
escala de eficiência, e sabemos que as famílias de classe média tendem a
apresentar aos seus filhos uma estrutura de autoridade familiar “participativa”.
Já as famílias das classes trabalhadoras tendem a ser mais “autoritárias” ou a
exibir um padrão de autoridade sem consistência. Uma vez que as crianças de
classe média também tem mais possibilidades de receber educação superior,
começamos a perceber o surgimento de um padrão cumulativo de
oportunidades de participação. (PATEMAN, 1992, p.70)

Os estudos de Pateman (1992) e das referências utilizadas por ela, sobretudo,


aquela do livro Children in the Political System [Crianças no sistema político], de autoria
de Easton e Dennis, com edição publicada em 1967, para o estudo das motivações e
efeitos psicológicos da participação política, embora denotem uma visão de um “vir a
ser”, de uma preparação para formar um cidadão mais bem preparado para atuar no
“futuro”, paradigma já bastante questionado, é possível extrair das análises de pesquisas
empíricas sobre socialização e participação política que Pateman fez, elementos bastante
interessantes sobre os efeitos psicológicos da participação, inclusive na infância. Esse
estudo ganha bastante relevância mormente para desmistificar qualquer ideia que se possa
ter no sentido de que a discussão sobre a “participação infantil” é recente e também
porque pode-se ter uma noção sobre as bases que influenciaram na eleição da participação
como um dos princípios norteadores da Convenção sobre os Direitos das Crianças de
1989, todas as normativas dela resultantes e das práticas “participativas” empreendidas
com crianças, em variados contextos institucionais. Pode ser um indicativo do
background que permeia as construções sociais voltadas à participação, seus motivadores
e seus efeitos psicológicos.
Talvez, naquele período histórico, a noção de participação ainda estava bastante
atrelada às suas funções política, de voto e de discussão, consonante com a origem
etimológica do verbo “participar” que significa “‘fazer parte de, tomar parte em’ ‘fazer
saber, informar, anunciar’ XIV. Do lat. Participāre]. particip AÇÃO XVI Do lat.
Participati-onis participante 1525 PartícipE XVII. Do lat. Particeps- cipis [...]”.
(CUNHA, 1994, p. 584, grifos no original). De forma mais clara, em outro dicionário
datado de 1988, constam as seguintes definições para as palavras “participante”,
“participar” e “participação”: quanto à primeira, trata-se de adjetivo que se refere a “que
ou quem participa, participador, partícipe” e, ainda, “que ou quem, em política ou noutra
atividade, tem participação ativa”; para a segunda, a definição é a de “fazer saber,
informar, anunciar, comunicar; ter ou tomar parte [...]; associar-se pelo pensamento ou
99

pelo sentimento; ter traço(s) em comum, ponto(s) de contato, analogia(s)”, quanto à


terceira, o dicionário consultado limitou-se a informar tratar-se de um substantivo
feminino. (FERREIRA, 1988, p.484).
No mesmo código gramatical, à infância é atribuída a seguinte definição: “período
de crescimento, no ser humano, que vai do nascimento até a puberdade; meninice,
puerícia; as crianças”; [...] em brasileirismo popular refere-se à “ingenuidade,
simplicidade”. (FERREIRA, 1988, p.360). Naquele dicionário etimológico, consta o
adjetivo infante, palavra polissêmica para designar “‘os filhos do rei de Portugal ou da
Espanha, mas não herdeiros da coroa’ XIII. Ifante XIII etc.; ‘criança’ XIV; ‘soldado de
infantaria’ XVII; ‘infantil’ XVII. Do lat. Infāns-antis ‘que não fala, infantil, de fari ‘falar
[...]’”. (CUNHA, 1994, p. 435, grifos no original). No que tange à palavra adulto, consta
a definição: “diz-se do indivíduo que atingiu o completo desenvolvimento e chegou à
idade vigorosa; que atingiu a maioridade; próprio de pessoa adulta; diz-se do ser vivo que
atingiu o máximo do seu crescimento.” (FERREIRA, 1988, p.18).
Quanto à origem etimológica do termo infância, indica que:
é proveniente do latim infantia: do verbo fari, falar – especificamente, de seu
particípio presente fan, falante – e de sua negação in. [...] O prefixo in da
palavra infância sugere ainda algo da ordem do não exprimível, do não tratável
discursivamente; mais do que uma ausência, é uma condição dessa linguagem
e desse discurso, é o germe do pensamento que ainda não se encontra pronto
nem acabado, que ainda não se pode expressar ou comunicar em termos
lógicos, linguísticos ou pragmáticos. Assim, em sua origem etimológica, a
infância consiste no silêncio que precede a emissão das palavras e a enunciação
do discurso, designando uma condição da linguagem
e do pensamento com a qual o ser humano se defronta ao longo de sua vida,
assumindo subsequentemente o sentido que se lhe atribui com maior
frequência, no presente, de uma idade específica, diferenciada da adulta.
(PAGNI, 2010, p. 100).

Por meio desse simples exercício de verificação, embora diante de uma pequena
amostragem, é possível perceber alguns elementos sintomáticos entre o sentido semântico
das palavras “participante”, “participar”, “participação” e “infância”, advindas de uma
gramática tradicional da língua portuguesa datada do último quartel do século XX, com
a etimologia do termo “infância”. Infere-se, com bastante obviedade que, a partir desses
códigos gramaticais e linguísticos, as concepções de participação e infância são
incompatíveis, contrárias, uma nega a outra. Essas considerações extrapolam as
abstrações do campo gramatical para serem compartilhadas no âmbito da Sociologia
Geral tradicional, área disciplinar que, de forma semelhante, nos dizeres de Durkheim e
Buisson, citados por Sirota (2001, p. 9), conforme ideia já exposta em parágrafos
anteriores, definiam a infância “como um período de crescimento, quer dizer, essa época
100

em que o indivíduo, tanto do ponto de vista físico quanto moral, não existe ainda, em que
ele se faz, se desenvolve e se forma”. Nesse diapasão, “a infância representa o período
normal da educação e da instrução”, sendo “suficientemente frágil para que deva ser
educada e suficientemente móvel para poder sê-lo”. (SIROTA, 2001, p. 9).
“O século da criança”, assim anunciado em 1900 pela reformista social sueca
Ellen Key, embora pudesse levar a crer que havia um prelúdio indicativo de uma mudança
naquele espectro de visão, acabou por reforçar aquelas representações a respeito das
crianças e da infância no discurso social e cultural, ao mesmo tempo em que passou a
servir de slogan pertinente, tanto para o Estado quanto para a sociedade civil do contexto
ocidental e, mais especificamente, dos países de língua inglesa do norte do globo, para
justificar o direcionamento de recursos para os serviços voltados ao bem estar das
crianças, as quais “identificadas como um ponto de intervenção e investimento para o
futuro”, sobre quem recaíam as esperanças das nações e os investimentos estatais e, por
isso mesmo, precisava ser enfaticamente controlada, provisionada e protegida. Não que
os investimentos voltados a um estado de bem estar das crianças não fosse positivo e
desejável, não é esse aspecto que está em relevo. O que se coloca aqui é que, as
modificações que ocorreram na sociedade no decurso do século XX sob a égide daquele
aparente otimismo declarado por Key, não vieram acompanhadas por uma transformação
efetiva na reorientação analítica sobre os propósitos, intenções e representações sociais e
políticas disponíveis e direcionados à infância. (PROUT, 2003, p. 22/23).
Prout acrescenta haver nas sociedades dos continentes europeu e norte americano
uma visão cultural sobre a infância “na melhor das hipóteses, [parece ser] confusa e
angustiada, e na pior das hipóteses, hostil” (2003, p. 23). Talvez seja menos uma função
de hostilidade em relação às crianças e mais uma questão de não priorização, diante de
tantos assuntos que subtraem a atenção dos adultos, segundo ideia defendida por Qvortrup
(2011, p. 203). Nessa esteira, Qvortrup constata que, naquele “século da criança”, embora
visíveis os fenômenos que denotaram transformações na sociedade como um todo e
demarcaram a “transição para a sociedade industrial moderna”, atenta aos predicados do
progresso econômico, tais como “a industrialização, mecanização, urbanização,
secularização, individualização e democratização”, que ocorreram simultaneamente em
conjunto com eventos importantes às crianças e à infância, de que é exemplo a erradicação
do trabalho infantil, “o movimento em defesa das crianças, a escolarização em massa,
queda da fertilidade, sentimentalização e novo interesse científico”, em contrapartida,
101

embora atingidas diretamente por essas mudanças, as crianças não eram levadas em conta
enquanto crianças, “não eram o alvo como tal”. (2010b. 784).
Além de invisibilizadas, no sentido da negação ou resistência em reconhecer,
garantir e oportunizar às crianças de serem vistas e escutadas por meio de suas próprias
visões e vozes, talvez, mais ainda, eram as crianças marginalizadas, colocadas à parte de
e não como pertencentes à sociedade. Quer dizer, “a transformação da infância não foi
resultado de uma política deliberada que visasse a esse propósito explícito”, muito
embora tenha sido ─ e ainda é uma das principais afetadas ─ naquele período de
industrialização e até hoje, em termos “macroeconômicos, macropolíticos e
macrossociais.” (QVORTRUP, 2010b, p. 85).
Essa visão da corrente estrutural sobre a infância denota, dentre outras coisas, que,
afora todas as resistências e negações sobre a agência das crianças e o seu reconhecimento
como atores sociais legítimos e capazes, “a infância interage [...], estruturalmente, com
os outros setores da sociedade”, na medida em que se toma as crianças enquanto
“participantes ativas na sociedade, não somente porque realmente influenciam e são
influenciadas por pais, professores e por qualquer outra pessoa que estabeleçam contato”,
mas também porque “ocupam espaço na divisão de trabalho” e porque influenciam o
mundo social e econômico do qual fazem parte, para além do âmbito familiar. No entanto,
embora “a infância seja parte integrante da sociedade e de sua divisão de trabalho e as
crianças sejam co-construtoras da infância e da sociedade”, (QVORTRUP, 2011, p.
205/206), paira ainda, na construção social da infância enraizada historicamente, a noção
direcionada pelo “princípio da negatividade.” (SARMENTO, 2008, p.21).
Segundo este princípio, no processo social, quando tomado como referência o
grupo geracional dominante ao qual pertencem os adultos, que usufruem de mais
privilégios transfigurados em acesso, usufruto, representatividade e participação no que
tange aos direitos sociais, políticos e econômicos, pode-se afirmar que a infância
corresponde a uma fatia minoritária marcada “pela negação de determinadas
características ou condições de um grupo, categoria ou aspecto da sociedade”,
significando que “as crianças foram pensadas e reguladas, a partir da modernidade,
tomando por base um conjunto de interdições e de prescrições que sucessivamente negam
ações, capacidades ou poderes às crianças, com base na suposta incompetência”.
(QVORTRUP, 2011, p.210; SARMENTO, 2008, p. 21).
Veja-se que, a um só tempo, nesse mesmo caldo histórico do século XX em que
se deram os movimentos e processos sociais de negação, invisibilização, subalternização,
102

marginalização e vulnerabilização das crianças e das infâncias, operou-se, também, a


percepção sobre a ocorrência desses processos. Essas ambivalências da “era dos
extremos”, conforme assinalou Hobsbawm (1995), refletem também no campo dos
direitos, considerando que datam do século XX as primeiras iniciativas na elaboração de
documentos internacionais universais com intencionalidades de proteger a infância.
Destacam-se, nessa via, “a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, que previa direitos e deveres especiais à infância; a
Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 e a Convenção dos Direitos da
Criança de 1989 (CDC)”. (VERONESE; FALCÃO, 2017, p.11).
Neste trabalho, ressaltamos essa última porque muito tem se atribuído à CDC a
efervescência dos debates em diversos setores, incluído aí o meio acadêmico, sobre o
tema “participação infantil”. Muito possivelmente porque, foi somente a partir dessa
Convenção, que revestiu de natureza coercitiva o seu conteúdo, vinculando cada Estado
parte/subscritor, ao dever de observância aos seus princípios, o que fomentou a
necessidade de refletir sobre os direitos lá prescritos, muito no sentido de utilizá-los como
base, arregimentando movimentos para melhor conhecê-los e implantá-los, nas mais
variadas instâncias, que perpassam o âmbito das políticas públicas e alcançam as ações
pedagógicas, por exemplo. (SARMENTO, 2015).
Ressalta-se que os princípios que norteiam a CDCT, estão, por sua vez, inscritos
no âmbito de afirmação dos direitos humanos e no empenho dos atores estatais e não
estatais, membros da comunidade internacional, em atribuir proteção especial às crianças,
reconhecidas como sujeitos específicos de direitos, com necessidades específicas.
(VERONESE; FALCÃO, 2017, p.11).
Citada Convenção possui em seu âmago uma homenagem histórica ao médico e
educador polonês Janusz Korczak, considerado o precursor do Direito das Crianças.
Korczak é internacionalmente reconhecido como alguém que postulou e vivenciou junto
às crianças atendidas por ele no Orfanato Don Sierot, um efetivo comportamento e
educação democráticos exercidos com a participação das crianças enquanto sujeitos
ativos e capazes de falarem por si. Exemplo disso foi a implementação na instituição
idealizada por ele e pela educadora Stefa Wilczinska, dentre outras representações, de um
parlamento e um tribunal mantidos sob a égide das crianças. Além disso, tomou como
temas base de seus inúmeros livros, o amor e o respeito à infância. (VERONESE;
FALCÃO, 2017, p.15).
103

O desfecho trágico de Korczak, assassinado em campo de concentração e


extermínio nazista em 1942 junto às crianças do orfanato, que endossou o conjunto de
atrocidades cometidas no contexto da II Guerra Mundial, ensejou o governo da Polônia,
em 1978, à proposição para a elaboração de uma nova Convenção, em substituição à
Declaração Universal do Direito das Crianças de 1959, com vias à ampliação na
quantidade de dispositivos e no alargamento das possibilidades e situações de
abrangência da proteção e combate às violações aos direitos das crianças. O ano de 1979
é declarado pela Assembleia Geral da ONU como sendo o “ano internacional da criança”
e, depois de composto um Grupo de Trabalho para a elaboração de uma nova Convenção
sobre os Direitos das Crianças, dez anos depois, em 1989, foi concebido “o principal
instrumento jurídico internacional de proteção à criança”. (VERONESE; FALCÃO;
2017, p.18).
No interior da CDC de 1989 constam 54 dispositivos classificados em três
categorias, os chamados 3P:

(i) Participação: reconhecidos como os direitos civis e políticos, como


registro, nome, nacionalidade, acesso à informação, liberdade de pensamento,
consciência e credo; (ii) provisão: seriam os direitos econômicos, sociais e
culturais: saúde, previdência social, educação, lazer, recreação e atividades
culturais; e (iii) proteção: que versam sobre abuso e violência à criança
refugiada, à criança portadora de deficiência, à situação abusiva de trabalho e
à situação da criança em conflito armado. (VERONESE; FALCÃO; 2017,
p.20/21).

É no âmbito dos direitos civis e políticos, portanto, aliados aos princípios33 do


interesse superior da criança e da voz e participação dela, que estão inseridos os artigos
12, 13, que se referem, especificamente e de forma expressa, ao tema da “participação
infantil”:

Art.12
1 – Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus
próprios pontos de vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre
todos os assuntos relacionados a ela, e tais opiniões devem ser consideradas,
em função da idade e da maturidade da criança.
2 – Com tal propósito, proporcionar-se-á à criança, em particular, a
oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que
afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou
órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais de legislação
nacional.
Art.13

33
Com o objetivo de destacar e viabilizar os direitos humanos no cenário internacional, após a fundação
das Nações Unidas em 1945, optou-se pela utilização de princípios que orientam a interpretação e
aplicabilidade dos conteúdos dos documentos jurídicos de cunho universalista. (VERONESE; FALCÃO;
2017, p.22/23).
104

1 – A criança terá direito à liberdade de expressão. Esse direito incluirá a


liberdade de procurar, receber e divulgar informações e idéias de todo tipo,
independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio
das artes ou de qualquer outro meio escolhido pela criança.
2 – O exercício de tal direito poderá estar sujeito a determinadas restrições, que
serão unicamente as previstas pela lei e consideradas necessárias:
a) para o respeito dos direitos ou da reputação dos demais; ou
b) para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger
a saúde e a moral públicas. (CONVENÇÃO..., 1989).

Podem também ser incluídos neste rol os artigos 14, 30 e 3134, sendo que, nestes
dois últimos, respectivamente, estão assegurados os direitos das crianças pertencentes às
“minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, ou [...] de origem indígena o direito de [...]
ter sua própria cultura, professar ou praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio
idioma”. Quanto ao artigo 31, estabelece o direito das crianças e o dever dos Estados-
parte a promoção de “oportunidades adequadas para que a criança, em condições de
igualdade, participe plenamente da vida cultural, artística, recreativa e de lazer”.
(CONVENÇÃO..., 1989).
Observa-se, contudo que, à margem dos direitos afeitos às categorias de provisão
e proteção, ficam os direitos concernentes à “participação infantil”. É que, muito embora
seja reconhecido às crianças o estatuto de sujeito de direitos, o que implica considerar
como válidas as suas próprias manifestações, enquanto ações humanas (TOMÁS, 2007,
p. 51), em decorrência daqueles processos históricos e sociais que foram sendo
construídos e enraizados no sentido de atribuir à infância a falta dos pressupostos da
“vontade livre, pensamento racional e sentido de solidariedade”, atributos do indivíduo
apto a exercer a cidadania dentro da concepção liberal difundida por Marshall e
amplamente aceita nas sociedades ocidentais, resiste-se à aceitação e ao reconhecimento
do estatuto político às crianças ─ muito também em virtude das noções de menoridade da
infância somadas aquela concepção clássica de cidadania ─, “o que legitima a recusa da
cidadania da infância, pelo menos da totalidade da cidadania35 política e, parcialmente,
da cidadania civil”. (SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2007, p. 187).

34
Inclusive, há interpretações que põem em relevo o artigo 13 cotejado com o artigo 31 porque, a partir
deles, pode-se compreender que o direito à participação das crianças não está separado ao papel das
brincadeiras, entendendo que é por meio destas que as crianças experienciam uma “agência ativa”, já que
é o brincar a atividade vista como a de maior representatividade da cultura de pares das crianças, em que
mais fortemente se expressam e vivenciam a cidadania. Alarga-se, assim, o conceito de democracia,
principalmente quando se refere ao contexto das creches e pré-escolas, afastando-se da armadilha que a
restringe aos momentos em que as crianças podem atuar em plenários, assembleias, votações, tal qual ocorre
na democracia formal na expressão dos direitos de cidadania e de estatuto político praticados pelos adultos.
(BAE, 2015, p. 14).
35
Estão sendo consideradas, aqui, as concepções de cidadania de expressão liberal, de acordo com a
classificação evolucionista e cumulativa elaborada por Marshall, que dividiu a cidadania em três fases
105

Ao mesmo tempo, os conceitos hegemônicos de cidadania e da participação


adultocentrados estão sendo paulatinamente mitigados, muito por força do
reconhecimento dos direitos à participação das crianças pela CDC de 1989, que tem
engajado Organizações Não Governamentais- ONG’s, órgãos e entidades do governo,
instituições de atendimento à infância e famílias, a contemplarem a participação das
crianças em um nível amplo ─ na comunidade ─, quer seja em seu nível micro, operadas
por meio das práticas de comunicação. (BAE, 2015, p.11; LEE, 2010).
Do ponto de vista metodológico, tanto em nível macro quanto no nível micro, o
tema da “participação infantil” enquanto direito assegurado, vem sendo incrementado e
apropriado no âmbito das Ciências Sociais críticas enquanto “investigação participativa”,
que objetiva, por meio de “métodos e técnicas que permitam ‘conhecer transformando’”,
que envolve, a um só tempo, engajamento político e processos que integram investigação,
educação e ação. (TOMÁS, 2007, p.47).
Todas essas reorientações têm indicado para a existência de uma multiplicidade
conceitual aplicada ao tema da “participação”, cujos significados podem apontar uma
interconexão entre eles e um amálgama com outros conceitos, o que implica uma
complexidade inerente à temática. Diante disto, Tomás chama a atenção para os possíveis
estereótipos que podem surgir quando se fala em “participação”, na medida em que são
suscitados “consensos” e encorajados “defensores”:

Há uma certa unanimidade na afirmação da participação como um processo


fundamental do sistema democrático e tornou-se comum a apropriação do
nome participação e participação das crianças para qualquer forma de
“participação”. O próprio Banco Mundial considera a importância da
participação como um processo pelo qual as partes interessadas influenciam e
partilham o controle sobre o desenvolvimento de iniciativas e decisões e os
recursos que os afetam, até às perspectivas de desenvolvimento participativo.
As perspectivas participativas para o desenvolvimento, no entanto, são
justificadas pelo Banco Mundial em termos de sustentabilidade, relevância e
empowerment. (TOMÁS, 2007, p.48).

Por ensejarem o cotejamento e o debate aliado aos conceitos de “globalização,


democracia, cidadania e as imagens, concepções e paradigmas vigentes sobre a infância
e sobre as crianças” (TOMÁS, 2007, p. 49), e por estar assentado o fato de que o conteúdo
dos documentos oficiais não é transformado em garantia automática de que serão

distintas, às quais correspondem determinadas categorias de direitos. Desta forma, a “cidadania civil, diz
respeito aos direitos de liberdade individual, de expressão, de pensamento, de crença, de propriedade
individual e de acesso à justiça; cidadania política (direito de eleger e ser eleito e de participar em
organizações e partidos políticos) e cidadania social (acesso individual a bens sociais básicos).”
(SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2007, p.186/187).
106

assegurados “os espaços às crianças para participarem nos seus próprios termos, nem o
respeito pelas suas várias expressões” (BAE, 2015, p.11) é que muitos estudiosos tem se
atentado, por meio de diferentes perspectivas, a fomentar pesquisas voltadas a esclarecer
sobre as armadilhas que recaem sobre compreensões estreitas ou ultrapassadas sobre o
que seja efetivamente participar, sobre as diferentes formas de democracia e sobre os
conceitos de cidadania, essenciais para que a prática na participação com crianças seja
conduzida com ética e responsabilidade.
Quanto aos conceitos de participação, um amplamente defendido é aquele que
parte do ponto de vista da democracia participativa, nele:

participar significa influir diretamente nas decisões e no processo em que a


negociação entre adultos e crianças é fundamental, um processo que possa
integrar tanto as divergências como as convergências relativamente aos
objetivos pretendidos e que resultam num processo híbrido. (TOMÁS, 2007,
p. 49)

Isso implica considerar inúmeros elementos, tais como o da partilha de poderes


entre adultos e crianças; o desenvolvimento de métodos e técnicas que oportunizem às
crianças participar qualitativamente; a consideração atrelada ao conceito de justiça social
no sentido de que a formulação de regras, direitos e deveres é distribuída entre os
participantes no processo, dentre outros. (TOMÁS, 2007, p. 48). Tudo isso contempla a
útil classificação de Gerison Lansdown que identifica que a participação das crianças
pode ocorrer em intensidade distinta em três níveis não excludentes e que não ocorrem
por etapas:

Processos consultivos: o adulto reconhece as opiniões e experiências das


crianças. Caracterizam-se por ser processos iniciados por adultos, dirigidos e
administrados por adultos e privados de toda a possibilidade de que as crianças
controlem os resultados; processos participativos: caracterizam-se por serem
iniciados por adultos, implicarem a colaboração das crianças e atribuírem às
crianças o poder de exercer influência ou expressar dúvidas sobre o processo
e os seus resultados; e processos autónomos: nos quais as crianças têm o poder
de empreender a ação. Caracterizam-se pela identificação por parte das
crianças dos temas a tratar; os adultos atuam como facilitadores e há controlo
do processo por parte das crianças. (2005, p. 16-18, apud TOMÁS, 2007, p.
50)

As compreensões sobre esses níveis de participação das crianças são importantes


para que se evitem as cooptações ou integrações delas em atividades ou proposições de
exclusivo interesse dos adultos, o que pode transfigurar a participação em processos
ritualísticos, manipuladores e até mesmo prejudiciais às crianças. Revela-se, com isso, o
107

reconhecimento de que existem ambivalências e vulnerabilidades, tanto dos adultos


quanto das crianças, assim como ambiguidades quanto às formas de possibilitar a
“participação infantil”. Tais fatos também ensejam o reconhecimento de que é indesejável
a transposição de modelos aplicados indiscriminadamente em contextos diferenciados
(TOMÁS, 2007, p.49), sendo bastante relevante o desenvolvimento da sensibilidade na
identificação das especificidades locais e das características das crianças, o que inclui
reconhecer que, também no entendimento do que são as perspectivas das crianças, deve-
se admitir que elas, assim como os adultos, podem ser ao mesmo tempo competentes e
vulneráveis, autônomas e dependentes. (BAE, 2015, p. 13).
Acreditando na razoabilidade em atribuir aos profissionais que atuam diretamente
com as crianças, junto com pesquisadores, as tarefas de realizar e aperfeiçoar
possibilidades de participação, bem como de enfrentar e debater sobre potenciais
tensionamentos e armadilhas que podem emergir nesses processos (BAE, 2015, p.11), é
que são levantadas as seguintes considerações: no caminho voltado à inserção das
crianças nos âmbitos em que foram excluídas de participar, nomeadamente no trabalho e
na política (TOMÁS, 2007; SARMENTO; FERNANDES; TOMÁS, 2007), assim como
naqueles espaços, sobretudo, institucionais e domésticos em que a proteção e o cuidado
podem ensejar o sufocamento ou a limitação ao direito das crianças livre e
qualitativamente se expressarem e participarem efetivamente, (QVORTRUP, 2015),
torna-se premente a reflexão sobre o papel das crianças na sociedade, consideradas em
nível macro (TOMÁS, 2007; PROUT, 2010), assim como reflexão sobre como são
reconhecidos os modos de comunicação das crianças e às formas de assegurar a liberdade
de expressão nos processos espontâneos do quotidiano (BAE, 2015, p.11) e nas “práticas
de voz” (LEE, 2010).
Nada disso, contudo, poderá ser alcançado, sem que se operem reflexões acerca
das conceitualizações que podem influenciar a participação das crianças, o que envolve a
clarificação e também reflexão sobre como são vistas as crianças e a infância, seja nas
formas como são representadas politicamente, seja como são representadas nos discursos
sociais e culturais, e que reverberam nas representações políticas. (PROUT, 2010).
Nos dois próximos subitens são analisados dois textos, um deles segue uma
perspectiva macro orientada e o outro, micro orientada. A escolha deles se justifica porque
ambos dão espectros de visão distintos sobre o mesmo tema: a “participação infantil” e,
mais especificamente, a questão da participação na Educação Infantil. Com eles pretende-
108

se integralizar as visões macro e micro para que, cada vez mais, possamos nos aproximar
de uma visão global, que abrange o local, sobre o assunto aqui tematizado.

4.1 A PARTICIPAÇÃO INFANTIL EM ESTUDO MACRO- ORIENTADO SOB A


PERSPECTIVA ESTRUTURAL

Para exemplificar um estudo macro escolhemos o artigo “Participação infantil e


debate democrático: aproximações pelo campo da educação infantil”, de autoria de
Fabiana Oliveira Canavieira e Maria Carmen Silveira Barbosa, publicado no ano de 2017
na Revista Zero-a-seis, Revista eletrônica editada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas de
Educação na Pequena Infância da Universidade Federal de Santa Catarina.
O artigo faz um apanhado acadêmico e político pedagógico da Educação Infantil
tematizando a democracia e tomando como pano de fundo o contexto histórico e político-
social do Brasil atual. As autoras, a partir de um aporte multidisciplinar, que perpassa o
campo sociológico ao campo dos direitos, falam sobre as possibilidades de “democratizar
a democracia com a Educação Infantil”, abordando a democratização da e na Educação
Infantil, através da problematização e diferenciação entre algumas categorias
relacionadas com o tema da participação infantil e a democracia, almejando demonstrar
que “é possível construir pontes entre os estudos e a agenda pública da participação e
cidadania infantil e o debate político democrático contemporâneo”, através do
questionamento: “como a Educação Infantil e as crianças pequenas tomam parte do
debate democrático?” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 363).
Esboçando o cenário político contemporâneo, em que vimos o ataque veemente e
sem precedentes às instituições de educação aliado com as transformações sociais e
políticas que estão tomando forma, fatos que “tem demandado uma revisão de nosso
projeto de sociedade e de formação humana, solicitando a tomada de posição por
princípios, que a nosso ver, salvaguardem o respeito à dignidade humana, justiça social,
às relações solidárias.” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p.363).
Entendendo que “a prática da democracia em todos os campos, âmbitos e tempos
de vida, a única maneira de avançar no processo de construção da democracia”, as autoras
entendem que o conceito de democracia, enquanto valor universal, deve ser revisto e
revisitado de tempos em tempos. (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p.363). Quando
fazemos referência às crianças de 0 a 5 anos de idade, mais ainda esses conceitos precisam
ser ressignificados, haja vista que, durante longo período, entendia-se como incompatível
109

não só a prática democrática para crianças nessa faixa etária, como também lhes era
negado o próprio direito à participação. Falar em democracia e participação, como prática
democrática era, então, algo inimaginável quando se pensava em crianças, neste sentido,
as autoras questionam “é possível vislumbrar a Educação Infantil brasileira como locus
de práticas democráticas?” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p.364).
Diante disso, as autoras vão “ao encontro de pensar a participaçao infantil em
articulação direta com a sua ação pública e política de forma mais ampliada, enquanto
cidadania (BENEVIDES, 2003) ativa a ser vivenciada pelas crianças dentro da Educação
Infantil.” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p.364). As autoras buscam, por fim, dar
novo significado à democracia na sua imbricação com a Educação Infantil e de forma
mais alargada, com as políticas educacionais de forma geral. Nesse sentido, citando
Sarmento, Fernandes e Abrunhosa (2007, p. 54 apud CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017,
p. 365), argumentam que:

As políticas para a infância e as políticas educativas estão mutuamente


imbricadas, as duas integram a política social se inserindo no quadro geral de
construção do espaço público, no qual as opções fundamentais de natureza
simbólica e de prática política se baseiam no modo como o Estado se relaciona
com economia e a estrutura social, que por sua vez, refletem opções
ideológicas e interesss que se exprimem e direcionam tanto as políticas para a
infãncia quanto as políticas educacionais direcionadas às crianças, e chegam
direta ou indiretamente até as proprias crianças.

As autoras demarcam que:

construir dispositivos concretos que marquem nossa tomada de decisão no


sentido de garantir a decisão política como usufruto dos direitos políticos, já
conquistados, pode apresentar-se como uma das mais interessantes propostas
reabilitadoras do pape cívico e transformador da escola púlica.
Contudo, deixar que as crianças falem e escutar suas vozes ainda não é o
suficiente para o pleno reconhecimento de sua inteligibilidade para o exercício
de sua cidadania - ainda que nem isso tenhamos conquistado plenamente no
campo da ação -, depende-se que os processos de participação social estejam
efetivamente presentes de forma sistemática na organização do seu cotidiano,
em especial no âmbito das instituições educativas da qual fazem parte, e que
podem apresentar contextos privilegiados para o desenvolvimento de uma
cultura democrática de respeito à opinião das crianças, já que,
contemporaneamente, são os espaços “privilegiados” de vivência da infância.
(CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 365).

Mais à frente, ao teorizar de forma mais específica sobre o tema da “participação


infantil” dentro da Sociologia da Infância, as autoras citam “duas portas de entrada”
possíveis por esse caminho: um deles é a que aborda as categorias scociológicas em volta
do ator social que coloca em pauta discussões sobre os papeis sociais que os sujeitos
atuam, com vias a um protagonismo. A segunda porta seria a do enfoque dos direitos,
110

mormente os direitos das crianças. Perpassando pela primeira porta, as autoras discorrem
sobre o conceito de agency, ação social; ação coletiva; participação, consulta; visibilidade
e protagonismo. Nesta senda, se aproximam das distinções entre protagonismo e
participação a partir de Pires e Branco (2007, p. 321 apud CANAVIEIRA; BARBOSA,
2017, p. 367/368):

Para eles, o termo protagonista tem origem etimológica na palavra grega


protagonistés, que significa ator principal de uma peça teatral, ou aquele que
ocupava lugar destacado em um acontecimento (PIRES e BRANCO, 2007, p.
321). As restrições e polêmicas mais comuns ao uso do termo, nos estudos
sociológicos, se devem a fatores de ordem política, uma vez que a utilização
da palavra participação remete a uma abordagem mais democrática de ação
social, sem colocar em destaque um protagonista em especial. Os autores
destacam uma maior facilidade do uso do termo participação no emprego com
as crianças, tanto para o uso por elas próprias, por ser uma palavra de uso
corrente em nossa língua, quanto pela possibilidade explicativa do que é
participação enquanto envolvimento em processos decisórios.

A segunda porta, quer dizer, a do enfoque dos direitos das crianças, “via inclusão
delas nas políticas públicas, nas discussões de cunho político e econômico, mas,
principalmente pelo respaldo jurídico-legalista que apresenta o estatuto de cidadania das
crianças.” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 368). Ou seja, essa via apresenta uma
orientação de participação que perpassa, mas vai além da participação como prática de
voz nos cotidianos das instituições de Educação Infantil ou outros contextos em que as
crianças estejam. Diz respeito a uma esfera macro, em que seja dado lugar à “participação
infantil” inclusive na formulação das políticas públicas.
Nesse sentido, a “participação infantil” ganha contornos bastante próximos à
categoria da participação social, trazendo facetas da “socialização das crianças via
inserção direta no meio social ao qual fazem parte, assumindo papeis sociais”, incluindo
a participação das crianças e dos adultos na mesma discussão. (CANAVIEIRA;
BARBOSA, 2017, p. 368). Percebe-se, portanto, conforme já vimos discutindo neste
trabalho e conforme sistematização que será feita em seu último capítulo, que há
“diferentes tipos, níveis e maneiras de participação, e que cada uma delas condicionará a
uma significação distinta do conceito de participação”. (CANAVIEIRA, BARBOSA,
2017, p. 368).
Trazendo as conotações e diferenciações etimológicas possíveis ao termo
participação, que ora pode simbolizar “fazer saber”, “fazer parte”, “tomar parte” e “ter
parte”, o que indica diferenças qualitativas na participação. Nesse diapasão Bordenave
(1994, p. 22 apud CANAVIEIRA, BARBOSA, 2017, p. 369) afirma:
111

‘é possível fazer parte sem tomar parte e é que a segunda expressão representa
um nível mais intenso de participação. Eis a diferença entre participação
passiva e participação ativa, a distância entre o cidadão inerte e o cidadão
engajado’. Ou seja, muitos de nós fazemos parte do estado democrático de
direito, mas nem por isso tomamos parte dele como cidadãos ativos. E as
crianças? Qual nível de participação e de cidadania está sendo esperado e
oportunizado para elas?
As autoras também articulam a noção de “participação infantil” com a da
consideração das crianças enquanto sujeito de direitos, tomando a consideração da
participação como um valor em si mesma, como condição para que outros direitos sejam
impulsionados e efetivados. Nesse sentido:

Visamos anunciar que, para que se aspire que o debate democrático e as


práticas democráticas façam parte do cotidiano do universo infantil, e tenha
como um de seus principais lócus a instituição dedicada à primeira infância, é
necessário que avancemos na articulação das discussões entre a Educação
Infantil enquanto política educacional, enquanto política pública e direito
social, e os princípios democráticos, entre eles a participação social.
Aprofundar no entendimento sobre a participação infantil, filosófica e
politicamente, pode ser a chave para uma transformação das relações e
práticas, ainda antidemocráticas, vivenciadas em algumas escolas de Educação
Infantil. Acreditamos que dedicar-se a construção da Pedagogia da Infância
que tenha intencionalidade democrática participativa, se inicie na reconstrução
do contexto educativo das crianças pequenas, com a participação ativa delas.
(CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 373).

Com essa ideia em mente, Canavieira e Barbosa partem para uma síntese
importante para diferenciar a democracia na e da educação Infantil da democracia com a
Educação Infantil, em um caminho para a democratização com esse espaço. Nessa esteira,
a democratização na Educação Infantil é “das formas, das práticas, das relações cotidianas
entre os sujeitos, do direito a tomar parte e ter parte, buscando romper a lógica
hierarquizada da forma de organização e das relações pedagógicas inerentes às
instituições de Educação Infantil” (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017, p. 373).
Para a construção de outras escolas democráticas e outras instituições de educação
infantil é premente que tomemos as crianças como partícipes nessa construção, que não
pode seguir um modelo pré ordenado, haja vista estar inserida na dinâmica dos próprios
sujeitos singulares que as compõem. Para além de considerar as crianças de 0 a 5 anos
como partícipes dessa outra construção, há de toma-las enquanto sujeitos construtores da
própria sociedade, como um exercício da democracia da qual todos fazemos parte.

4.2 A PARTICIPAÇÃO INFANTIL EM ESTUDO MICRO-ORIENTADO NA


PERPSPECTIVA DA AÇÃO OU DOS ESTUDOS INTERPRETATIVOS
112

Comecemos com um texto já referenciado, que foi levantado na base de dados


SCielo e selecionado pela pertinência temática e teórica na relação com a pesquisa de
mestrado. É de autoria da professora Berit Bae, da Universidade de Oslo e o título do
artigo traduzido e publicado em 2015 por Natália Fernandes e Catarina Tomás é “O
direito das crianças a participar: desafios nas interações do quotidiano”. O texto original
foi publicado na revista European Early Childhood Education Research Journal em
2009, sob o título Children’s right to participate- challenges in everyday interactions.
Trata-se de importante ponto de vista para pensar a participação das crianças a
partir de uma microanálise da infância, seguindo a corrente interpretativa, diferenciando-
se das abordagens da corrente estrutural, que tratam da participação e da democracia num
sentido mais amplo, quer seja em um nível institucional ou na comunidade. Partindo
daquele viés, portanto, a autora contribui para o mapeamento conceitual que está sendo
construído, na medida em que seu ponto de partida é o de que todos os dias as interações
e comunicações com os adultos influenciam na realização dos direitos de participação das
crianças.
Muito embora o objetivo da autora tenha sido o de ilustrar o modo como o direito
das crianças à participação se evidencia em documentos legais que normatizam a
educação da primeira infância na Noruega, com base na análise de um estudo qualitativo
em profundidade em dois jardins de infância noruegueses (crianças entre 3-6 anos), o
artigo mostra-se pertinente porque Bae discute de forma crítica as conceitualizações
utilizadas nas práticas com crianças, no sentido de incluir, para efetivação do direito
dessas a participarem, mais do que escolhas de rotinas individualistas nas interações
diárias no jardim de infância.
Argumenta que, quer em contexto de jardim de infância, quer em contexto de
investigação, há a necessidade de autorreflexão entre os pesquisadores da área sobre os
direitos das crianças à participação. Ao refletir sobre as possibilidades dessa participação
e dos desafios ligados à sua realização na prática, a autora problematiza alguns textos
legais que sublinham a forma como as crianças devem ser respeitadas em relação ao seu
direito de se expressar e de tomar parte nos assuntos, indicando algumas armadilhas
potenciais em relação à interpretação dessas normas e sua efetivação nos cotidianos
infantis.
Por esses motivos, o estudo de Bae se apresenta como referencial essencial,
porque, além de explorar os processos em nível micro nas práticas de comunicação, ela
113

reflete sobre conceitos relevantes que podem melhorar ou prejudicar a participação e as


expressões das crianças (BAE, 2015, p. 12).
Citando as alterações legais sobre a Educação da Infância na Noruega, muito
inspiradas pelo artigo 12 da CDC, que apontam no sentido de que as crianças devem ser
vistas como sujeitos ou agentes no seu próprio direito, sendo respeitadas nas suas diversas
formas de comunicação. A autora contextualiza tais normas no âmbito da tradição da
educação na primeira infância nos países nórdicos, que se baseia numa abordagem
sociopedagógica centrada em temas relacionados à dimensão do cuidar e do brincar, e
assegura que a educação da infância é vista como parte de uma educação para a
democracia.
Interessante é o destaque feito pela autora, para a referência de Moss que, ao
cotejar os documentos curriculares dos países nórdicos, nomeadamente os da Suécia,
Noruega e Islândia, conclui: "Assim, enquanto os currículos nórdicos reconhecem
explicitamente a democracia como um valor, os currículos Ingleses não fazem”. (MOSS,
2007ª, p.10 apud BAE, 2015, p.10). Este ponto torna-se evidente no Plano-Quadro
norueguês por meio de afirmações como: "O plano enfatiza a importância das atitudes
dos adultos, o seu conhecimento e habilidade para se relacionarem com e compreenderem
as crianças, para que possam educar as crianças no sentido de estas participarem
ativamente numa sociedade democrática "(Plano-Quadro 3). (BAE, 2015, p.10).
Pesquisas empíricas das instituições nórdicas de educação infantil mostram que a
qualidade das relações e interações com crianças varia de acordo com as instituições e
com os educadores. Bae cita Johansson (2003), que analisou as opiniões das crianças em
diversas instituições e identificou três diferentes agrupamentos. As perspectivas dos
adultos foram classificadas a partir das seguintes dimensões (BAE, 2015, p.10):
(a) A criança é um sujeito;
(b) Os adultos sabem mais;
(c) A criança é vista como irracional
Na sequência destes resultados, citando Johansson (2003), Bae (2015) verificou
que os pontos de vista dos adultos acerca das crianças resultavam na atribuição de
diferentes papéis para elas no seu processo de aprendizagem. Estes variavam em função
do papel do adulto: desde o adulto que tem confiança na capacidade da criança, ao adulto
que usa a punição e a recompensa. Essas descobertas indicam que os pontos de vista dos
adultos são importantes e influenciam nas possibilidades que as crianças têm para
participar e contribuir a seu modo para as interações quotidianas. (BAE, 2015)
114

Variações qualitativas sobre os pontos de vista das crianças e práticas educativas


são naturais, uma vez que as imagens dos papéis de crianças e adultos estão em transição.
A partir de diversas fontes (por exemplo, James, Prout, & Jenks,1998; Sommer, 2003),
argumenta-se que passar a considerar as crianças como sujeitos ou agentes representa
uma mudança de paradigma, ultrapassando ideias nas quais as crianças são tratadas como
objetos a serem alterados e formados de acordo com metas predefinidas. Essas ideias
estão de acordo com as discussões dos pesquisadores acerca das implicações da
Convenção das Nações Unidas (Schulz Jørgensen 2000; Woodhead 2005; Smith 2008).
Woodhead (2005) argumenta que os direitos de participação das crianças (especialmente
os artigos 12, 13 e 14 da Convenção das Nações Unidas) em situações práticas desafiam
formas tradicionais de pensar as relações adulto-criança e exigem novas expectativas
sobre o papel dos adultos que cuidam de crianças. Woodhead conclui que a Convenção
das Nações Unidas não só altera o estatuto das crianças, mas assume que "respeitar os
direitos das crianças muda a maneira como pensamos sobre nós mesmos
"(WOODHEAD, 2005, p. 95, apud BAE, 2015, p.11).
O que é afirmado em documentos oficiais não é, no entanto, garantia de que será
assegurado nem o espaço às crianças para participar nos seus próprios termos, nem o
respeito pelas suas várias expressões. Considerando que as questões dos direitos das
crianças são tão relevantes na agenda educacional da primeira infância, tanto em termos
de declarações curriculares, como em termos de pressão sobre a implantação nos
processos, os profissionais da área podem sentir-se compelidos a começar o trabalho
prático sem uma reflexão prévia e crítica sobre conceitos relevantes. (BAE, 2015, p.12).
Armadilhas conceituais apontadas pela autora que indicam uma postura
autorreflexiva:
1. O que se entende por “perspectivas das crianças”? Conceito de “escolha”.
A autora segue outros pesquisadores, tais como Lee (2001) e Kjørholt (2008a) que
discutiram sobre a necessidade em ver as crianças – e adultos – tanto como "seres" como
"devires”.
Postura exigida na relação: se os direitos da criança para participar à sua medida
são para serem realizados na prática, é essencial que eles encontrem
educadores/funcionários sensíveis. Educadores que reconheçam as suas competências e
vontade de desenvolver e aprender e que, ao mesmo tempo, sejam abertos aos aspetos de
vulnerabilidade e dependência.
115

Armadilha: Na ânsia de implantar novas ideias, pode- se colocar muita ênfase em


perspectivas que consideram as crianças como autônomas, competentes e seres
consistentes, subestimando dimensões mais dependentes e vulneráveis. Os problemas
associados a tal posição foram formulados por vários pesquisadores citados por Bae
(Kjørholt, 2005; Eide & Winger, 2006; Seland, 2006; Kjørholt, 2008a), apontando para
práticas educativas que estimulam maneiras de ser individualistas, interpretando, desta
forma, a participação das crianças principalmente como autodeterminação e de escolha
individual.
Conceito de escolha defendido pela autora: segue entendimento de Moss (2007a),
que argumenta que os conceitos de escolha podem ter diferentes significados. Por
exemplo: há o conceito de escolha que guarda conexão com os processos de tomada de
decisão coletiva; de modo distinto, há o conceito de uso “neoliberal de ‘escolha’,
caracterizada como sendo a tomada de decisão de consumidores individuais”. A autora
critica essa concepção, aduzindo que “o que pode não estar totalmente esclarecido quando
domina a concepção de escolha do consumidor-individualista é que é importante para os
seres humanos experienciar a conexão emocional junto com o prazer de colaborar e
compartilhar”. (BAE, 2015, p.13).
Com referência ao artigo 13 da CDC, ela interpreta o brincar como um meio de
escolha da criança (BAE, 2015). Brincar é um modo por meio do qual as crianças
expressam livremente as suas intenções e experiências.
A partir de fontes que têm analisado o que a democracia pode significar no
contexto da educação infantil (Dahlberg & Moss, 2005; Rinaldi, 2005; Moss 2007a,
2007b), ou explorado questões relacionadas com educação e democracia num sentido
mais geral (Biesta, 2006, 2007), Bae assinala sobre a obviedade em conceber a
democracia a partir de diferentes perspectivas, mas destaca duas:
A) Conceito de democracia centrado em aspectos formais: escolha individual,
eleições, representação, seguindo a regra da maioria etc.;
B) Conceito de democracia enquanto fenômeno processual: a autora elege esse
ponto de vista em seu estudo, a partir das contribuições de Rinaldi (2005), que
desenvolve o conceito de democracia enquanto fenômeno democrático, que é
criado pelos participantes, como algo vivido, experienciado de forma
processual.
Democracia com foco nas crianças: quando o foco é sobre as crianças pequenas e
as suas interações com a equipe pedagógica, "a compreensão da democracia como
116

esporádica, como algo que só acontece de vez em quando e em situações muito


particulares” (BIESTA, 2007, p. 25), pode ser frutífera. A autora usa o termo "momentos
democráticos" para denotar o que acontece quando as professoras de educação infantil
deixam espaço para a participação das crianças pequenas atuarem com liberdade de
expressão.
Armadilhas: se as pessoas no campo da educação de infância automaticamente
enfatizarem os aspetos formais da vida democrática, como os procedimentos da eleição
individual, a participação em reuniões, ou seguindo regras e o princípio de que a maioria
decide. A tradução de tais ‘formalidades' nos contextos de educação da primeira infância
em que se focalizam técnicas de escolha individual, assembleias infantis ou reuniões –
tudo realizado em ambientes controlados por regras, acarreta em poucas possibilidades
para a diversidade.
Alertas: O que é subestimado, sempre que se ficar refém de tais métodos, é que a
vida comunitária é construída por meio de experiências quotidianas – em momentos de
democracia – nos quais diferentes intenções são atendidas com respeito, e onde há espaço
para que cada indivíduo mude e opere mudanças. Outro alerta diz respeito ao papel da
brincadeira, que pode ser subestimado, ou separado da questão da participação das
crianças. Com uma concepção limitada da vida em comunidade e enfatizando rotinas
controladas por regras e escolhas individuais, as interações lúdicas e a brincadeira podem
passar para segundo plano.
Inspirada pela abordagem fenomenológica, a autora se interessou por tentar
capturar qualidades experienciais de diálogos quotidianos entre crianças e os seus
educadores. As questões de investigação concentraram-se em compreender como é que
aspetos qualitativos das interações criam premissas para o reconhecimento das crianças
como sujeitos de direito próprio, demonstrando aceitação dos seus mundos experienciais.
Na pesquisa que culminou com a escrita do artigo em questão, escolheu a
conceptualização de Schibbyes (1993, 2002), de reconhecimento mútuo, como uma
ferramenta teórica orientadora, que enfatiza a ideia de que os parceiros em interação são
de igual valor, e isso canaliza a atenção para a forma como eles criam condições mútuas
para as ações de cada um nos processos relacionais. (BAE, 2015, p.15).
Um aspeto central neste enquadramento teórico, segundo a autora, é o de que a
autorreflexão, incluindo o poder ver-se a partir da perspectiva do outro, é necessária na
mediação do reconhecimento mútuo. (BAE, 2015, p.16)
117

Crítica à concepção unilateral de relacionamentos, em contrapartida, a autora


defende as conceitualizações que chamam a atenção para a intersubjetividade e processos
recíprocos nos relacionamentos, argumentando no potencial que possuem de assegurar
maior equidade para as crianças, e também de tornar os adultos mais conscientes acerca
da forma como são afetados pelas iniciativas e vozes das crianças (BAE, 2015, p.21)
Alerta final: Se os pesquisadores, irrefletidamente, construírem o seu trabalho a
partir de um paradigma dedutivo de relação teoria-prática (Lenz Taguchi, 2007; Bae,
2008, 2009a), eles facilmente cairão na armadilha de desenvolver relações top-down. A
partir dessas posições, facilmente assumirão as suas perspectivas como válidas e
apresentarão programas como "soluções" para os problemas de participação - abordagens
que contribuam para o silenciamento das vozes dos praticantes em vez de os capacitar
para a mudança dos seus papéis. (BAE, 2015, p.21).

4.4 PARTICIPAÇÃO INFANTIL NAS TESES E DISSERTAÇÕES BRASILEIRAS

Conforme se verifica no Apêndice 1 deste trabalho, foram selecionados do Portal


de Periódicos da CAPES o total de 3 (três) dissertações e 2 (duas) teses, as quais passarei,
em um primeiro momento, a descrever para, ao final, analisar criticamente, reunindo
pontos de conssonância e dissonância com destaques para algumas categorias e termos
que sintetizam as ideias de participação esposadas em cada trabalho. Como recorte
temporal, foram selecionadas as dissertações dos últimos 5 anos, quer dizer, somente
aquelas apresentadas a partir de 2013 até o ano de 2018 serão analisadas.
Seguindo a metodologia da análise de conteúdo, já mencionada neste trabalho,
nos textos escolhidos guio meus olhos na identificação das respostas às seguintes
perguntas: sob qual(is) base(s) teóricas se ancora? Qual metodologia utiliza? Quais são
as concepções de criança e infância mobilizados pelos autores? [implícita e
explicitamente]; qual definição dão para “participação infantil”? Quais são as suas
defesas/teses? Quais concepções refuta? Quais são as armadilhas apontadas no que
concerne à abordagem da criança e da infância; como aborda a questão dos direitos?
Inicio com a dissertação de autoria de Lilian Francieli Morais de Bastos, intitulada
“A participação infantil no cotidiano escolar: crianças com voz e vez”, defendida no ano
de 2014 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande- FURG, sob orientação da Dra. Vania Alves Martins Chaigar.
118

Conforme o próprio título indica, trata-se de estudo realizado no cotidiano escolar,


em Instituições de Educação Infantil, tentando apreender as formas de participação
efetivadas por crianças entre 5 e 6 anos de idade da Escola Municipal de Educação Infantil
Tia Luizinha, “buscando perceber quais são os momentos da rotina que as crianças
percebem que participam, o que elas pensam sobre esses momentos e como os
significam.” (BASTOS, 2014, p.12). O instrumental teórico- metodológico é o da
Sociologia da Infância, da Geografia da Infância e da Pedagogia da Infância, a
metodologia sobre o cotidiano lança mão de inspiração etnográfica, em um processo
investigativo com crianças e não sobre elas, efetivado ao longo de um ano letivo, no ano
de 2012. Enquanto ferramentas metodológicas, foram utilizadas: “a observação, a escuta,
os registros, os desenhos das crianças e suas falas.” Primou, enquanto categorias de
análise que emergiram dos dados “a participação das crianças na roda de conversa e no
pátio da escola” (BASTOS, 2014, p. 12), entendendo a relação “entre a infância e os
espaços por elas escolhidos como sendo o de maior participação [...]”. além disso,
percebeu o quanto “as crianças atribuem sentidos muito particulares aos espaços nos quais
se inserem.” (BASTOS, 2014, p.12).
Partindo dos contributos da Pedagogia da Infância compreende que “quando
encaramos as crianças enquanto sujeito de direitos no contexto das instituições escolares,
não podemos separá-las das propostas pedagógicas que ali se inserem.” (BASTOS, 2014,
p. 15). Em dado ponto, a autora entrecruza o entendimento sobre a participação das
crianças com a de acolhimento e ação educativa, muito a partir da perspectiva de Tonucci
e seu projeto “Cidades das Crianças”, “que pretende ouvir as crianças sobre todos os
aspectos da vida social” (BASTOS, 2014, p. 37), entendendo-as como representantes de
todas as minorias.
Citando o trabalho de Natália Soares, Bastos fala da consideração das crianças
como parceiras na investigação e como competentes na co-participação do processo de
organização da proposta pedagógica, estando ao lado das crianças, e das três formas
possíveis de participação delas nesse contexto, segundo Soares:

Patamar da mobilização – onde a criança é convidada pelo adulto, que iniciou


o processo, a ser parceira na investigação; Patamar da parceria – todo o
processo e planejamento das ações são tomados em conjunto por adultos e
crianças; Patamar do protagonismo – processo exclusivamente elaborado a
partir da ação das crianças. (BASTOS, 2014, p. 38)
Citando Sarmento, Soares e Tomás (2007), ressalta que :

quando as crianças são possibilitadas a opinar sobre as atividades realizadas


no cotidiano escolar, elas assumem o seu papel político e então lançamos olhar
119

sobre a escola como um “espaço social das crianças”. Olhar a criança na


condição de sujeito social, construtor de cultura, cidadão com direitos e
deveres, capaz de opinar sobre tudo que lhe diz respeito, requer a ruptura de
paradigmas e concepções autoritárias e hierárquicas já enraizadas em nossa
história. Para almejarmos a escola como sinônimo de espaço social
democrático, precisamos reconhecer e respeitar as diferentes culturas, valores
e crenças trazidas na bagagem de cada criança e de cada professor. (BASTOS,
2014, p. 39).

Para tanto, é essencial a sensibilidade na utilização de dois instrumentais pelo


professor pesquisador: a obsevação e a escuta, ressaltando que a escuta não comporta
apenas a escuta da voz, mas a atenção recíproca diante das variadas formas de expressão
infantil. Em um dado momento, ao expor as bases teóricas sobre as quais ancora os seus
estudos, a autora, ao colocar em conexão as concepções de criança e infância advindas da
Socioloia da Infância e da Pedagogia da Infância utiliza a palavra “protagonismo”, ao
falar sobre novas teorias interpretativas de socialização enquanto um novo paradigma
“que coloca a criança numa situação de protagonista de suas própria ações.” (BASTOS,
2014, p. 41), dando destaque para o conceito de “Culturas infantis” (BASTOS, 2014, p.
42), a partir de Sarmento e culturas de pares, a partir de Corsaro, os quais, em síntese,
significam que as crianças, além de sujeitos de direitos, “são capazes de interpretar o
mundo que está a sua volta, de emitir opiniões, de participar ativamente da vida em
sociedade.” (BASTOS, 2014, p. 42), conisderando as crianças, portanto, como atores
sociais plenos na mesma medida em que compreende a infância enquanto uma categoria
social.
Interessante é a apresentação do protagonismo infantil por meio de Abramowicz,
junto com as concepções sobre “processos de socialização, a autoria social, cultura da
infância, geração e etnografia” como conceitos fundamentais na Sociologia da Infância,
que devem estar “fundamentados numa concepção de criança cidadã, ativa, capaz de
interpretar o mundo que partilha com seus pares e com os adultos.” (BASTOS, 2014,
p.43). Desta forma, integrando os contributos de uma Pedagogia da Infância, Bastos pensa
em uma “pedagogia participativa”, em que as crianças possam ser reconhecidas enquanto
protagonistas, com o reconhecimento de sua autonomia e competências, com o fito de
superar as desigualdades geracionais. Para isso, para uma escola efetivamente
democrática, as crianças precisam ser ouvidas cotidianamente. (BASTOS, 2014, p. 45).
Após empreender a observação, a autora conseguiu destacar algumas categorias
de análise, identificadas a partir das narrativas infantis:

compreendidas como o conjunto de expressões das crianças, bem como após


os momentos de diálogo com o grupo dos pequenos e de observações contínuas
120

às nossas práticas cotidianas na escola, foi possível identificar a preferência da


maioria delas pelos ESPAÇOS e TEMPOS do nosso cotidiano. As crianças
evidenciaram, em diversos momentos, a prioridade em se mostrar mais
participativas na RODA DE CONVERSA e nos momentos de interação no
PÁTIO da escola. (BASTOS, 2014, p. 54, grifos no original).
A partir dessa prática, a autora centra seus esforços de análise, entendendo que a
roda de conversa com intencionalidade pedagógica a partir da livre expressão de Freinet:

se configura como um espaço privilegiado para a promoção da afetividade, da


socialização e da criação de vínculos de respeito e autonomia das crianças. Tal
prática está muito além de ouvir o que as crianças têm a dizer, ela está
diretamente relacionada a uma proposta pedagógica que contempla as
situações de aprendizagens das crianças de forma significativa e colaborativa
na qual são, de fato, atores cujo protagonismo pode alterar o rumo de ações
docentes (BASTOS, 2014, p. 65).
Destaco da dissertação de Bastos (2014) as seguintes categorias e termos
correlacionados com a temática da participação: interações; co-participação das crianças;
conflitos; atividade de respeito ao próximo; autonomia; atitude de acuidade e
acolhimento; coletividade; organização do cotidiano; livre escolha; relações de poder;
vínculo; papéis; acolhimento.
Por fim, a autora sistematizou a partir do seguinte quadro as questões relacionadas
à interação, participação e conflitos:

Quadro 2:Esquema das análises dos dados obtidos

Categorias de análise Roda de conversa Pátio

Entre Necessidade de intervenção A figura do adulto pouco


crianças e por parte do adulto. aparece, apenas quando
adultos convidada/autorizada pelas
crianças.
INTERAÇÃO
Entre pares As afinidades organizam o As afinidades organizam o
grupo grupo

Com o Preferência pela roda no Preferência pela pracinha


espaço tapete – maior mobilidade da escola – brinquedos
externos

PARTICIPAÇÃO Definida coletivamente Definida por regras


entre adultos e crianças próprias, construídas entre
as próprias crianças
121

CONFLITOS Exigem a intervenção direta As próprias crianças


do adulto nos conflitos entre buscam resolver entre si
as crianças

Fonte: BASTOS, 2014, p. 80


A partir disso, a autora conseguiu categorizar duas formas diferentes de
participação levantadas pelas crianças no cotidiano da escola:
de um lado, contamos com uma participação mais pautada no diálogo e na
centralidade da figura do professor – RODA DE CONVERSA, do outro, uma
atitude mais autônoma das crianças, onde elas próprias independem dos outros
para agir – PÁTIO DA ESCOLA. (BASTOS, 2014, p. 81).

Aliando os dados obtidos a partir de então, a autora pleiteia por um paradigma


escolar que tenha como interdependentes os princípio da proteção, da participação e da
provisão, entendendo as crianças, a um só tempo, como vulneráveis e competentes,
ponderando “que a participação aqui defendida diz respeito à apropriação feita, pelas
crianças da turma, dos tempos e espaços cotidianos na escola”. (BASTOS, 2014, p. 82).
Destaco, por fim, a síntese elaborada pela autora:

- Na pesquisa com crianças, o contexto, os sujeitos e os acordos definem as


estratégias investigativas.
- A relação de confiança e afeto com as crianças é ponto de sustentação da
pesquisa.
- Trocar o julgamento pela compreensão é requisito de condução e análise dos
dados neste tipo de pesquisa.
- A participação não é isenta de questões relacionadas a gênero,
territorialidades, disputas, negociações, preferências, sociabilidades, etc.
- A apropriação espacial pelas crianças e as identificações estão intimamente
ligadas à ideia de participação. Dois espaços destacaram-se nessa relação, a
roda de conversa e o pátio da escola.
A participação na roda de conversa – espaço interno da escola - requisitou da
professora o papel de condutora e mediadora das ações.
- A participação no pátio – espaço externo da escola - requisitou da professora
o papel de colaboradora e a inserção da mesma nas regras ditadas pelas
crianças. (BASTOS, 2014, p. 83/84).

Percebe-se, portanto, que o trabalho citado se refere muito mais à “participação


infantil” na relação das pesquisas com crianças. Passemos agora à descrição da segunda
dissertação, intitulada “Crianças bem pequenas no cotidiano da escola: tecendo relações
entre participação e interesses de aprendizagem”, de autoria de Queila Almeida
Vasconcelos, tendo sido defendida em 2015 pelo Programa de Pós- Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS, sob orientação da
professora Dra. Maria Carmen Silveira Barbosa. Tem como objetivo analisar a unidade
referencial participação infantil no planejamento e organização do cotidiano escolar. Em
termos teóricos, está fundamentada no conceito de aprendizagem pela vida cotidiana de
122

Brougère e Ulmann e as discussões a respeito da “participação infantil” a partir dos


Estudos da Criança, sobretudo, aqueles advindos da Sociologia da Infância. Efetivou uma
pesquisa qualitativa com treze crianças entre 17 e 27 meses de uma instituição pública de
Educação Infantil de Porto Alegre. Foi realizada a pesquisa com sete adultos também.
Para apreender os interesses de aprendizagem foram sistematizadas em:

três categorias de análise que sustentam a ideia de aprender na vida em comum,


aprender pela vida cotidiana e, por fim, aprender fora da “sala de aula”. Esses
grupos de interesse indicam que a participação infantil na organização do
cotidiano da escola está atravessada pela concepção das ações das crianças, em
busca de compreender, estar junto e fazer parte do mundo, como aprendizagens
fundamentais na primeira infância. (VASCONCELOS, 2015, resumo).

A autora é bastante clara em relação às suas intencionalidades com a pesquisa e a


escolha dos participantes da investigação dão conta do seu objetivo consistente em dar
visibilidade às crianças bem pequenas, entendendo-as “como sujeitos de direitos e autores
de suas vidas desde sua chegada ao mundo” no seu entrelaçamento relacional com os
adultos dentro de um contexto marcado por fragilidades, que é o da Educação Infantil.
(VASCONCELOS, 2015, p.13). Os interesses de aprendizagem serviriam então como
sinalizadores das intencionalidades participativas e das motivações para agir das crianças,
tomando as palavras interesse e aprendizagem como centrais no trabalho, em conjunto
com o conceito de “aprendizagem negociada na proposta pedagógica de Reggio Emilia”
(VASCONCELOS, 2015, p. 13), buscando discutir “possibilidades de considerar as
curiosidades e investigações das crianças como base da ação pedagógica, viabilizando,
assim, a construção de uma vida cotidiana na escola em que a aprendizagem possa se
constituir por meio da participação das crianças.” (VASCONCELOS, 2015, p. 13).
Atrelando a concepção de aprendizagem com a de participação a partir de Bárbara
Rogoff que, em entrevista concedida a Gilles Brougère, argumenta que:
Não se pode participar sem aprender. Em qualquer situação existem aspectos
novos. A aprendizagem é uma maneira de fazer com aquilo que não
encontramos antes, quer se trate de uma coisa bastante similar àquilo com que
já nos confrontamos ou de algo verdadeiramente diferente. (BROUGÈRE,
2012, p.318 apud VASCONCELOS, 2015, p. 14 grifo do autor).

Ao discorrer sobre um discurso autorrefernciado que os adultos fazem na


pretensão de afirmar que conhcem as crianças pelo simples fato de terem passado pela
infância, a autora cita Bernardina Leal (2004), sabendo que necessitamos: “afastarmo-nos
da segurança de nossos saberes sobre a infância, para aproximarmo-nos dos nossos
vestígios de crianças.” (LEAL, 2004, p.23 apud VASCONCELOS, 2015, p.17), e a partir
123

de Sarmento, pontua a sua concepção de infância enquanto categoria social do tipo


geracional, destacando o conceito de culturas infantis, assumindo uma postura de
alteridade perante as crianças, entendidas como seres competentes, sujeitos sociais
capazes de formularem suas próprias interpretações sobre o mundo, a sociedade sobre si
mesmas. (VASCONCELOS, 2015, p. 17).
Mais uma vez entrou em cena o conceito de protagonismo infantil, entendido
como “as possibilidades de as crianças se organizarem, de forma a pensarem, proporem
e agirem, no fundo, de terem capacidade de determinar a sua própria vida”
(FERNANDES, 2009, p.99 apud VASCONCELOS, 2015, p.18).
Foi difícil selecionar excertos dessa dissertação, porque tudo parecia ser
importante e porque o diálogo com os autores era sempre muito bem engatilhado e
ponderado com a presença da autora na escrita. Aprendi muito lendo essa dissertação que
trata do direito à participação muito mais do que uma forma de promover uma formação
cidadã, muito mais do que oportunizar momentos de pronunciamento, argumentação e
discussão, trata-se de olhar o mundo partindo da visão das crianças e das suas
necessidades “enquanto pequenos cidadãos do mundo,” (VASCONCELOS, 2015, p. 22),
na tentativa de colocar em relevo que “considerar as manifestações das crianças bem
pequenas em busca de descobertas sobre o mundo, constitui-se em um ato político à
medida que seu direito à participação seja efetivado na organização do cotidiano escolar.”
(VASCONCELOS, 2015, p. 22/23).
A autora ainda aborda uma questão bastante importante a respeito das pesquisas
sobre a participação infantil. Após realizar um levantamento no banco de teses e
dissertações da CAPES, percebeu que, além da produção ser pequena, a produção
acadêmica está centrada na participação das crianças maiores, que já articulam falam e
expressam-se oralmente. Diante disso, em que lugar estão as crianças que ainda não
falam? Como garantir o direito à participação para além da expressão oral e “como se
está pensando a participação delas na escola”? (VASCONCELOS, 2015, p. 24).
Considerando que desde que as crianças nascem o seu direito à participação deve ser
efetivado:
precisamos refletir sobre as especificidades de interação das crianças bem
pequenas para, a partir delas, garantir formas adequadas para sua participação
social. Dessa maneira, como afirma Sinclair (2004) apud Castro (2010), a
participação das crianças se torna não um “algo a mais”, mas parte integral do
modo como os adultos se relacionam com as crianças. (VASCONCELOS,
2015, p. 27).
124

Vasconcelos coloca uma questão central que adotamos neste trabalho:


para que as crianças possam provocar mudanças, nós, adultos, que no mundo
já estamos há mais tempo, precisamos viabilizar os caminhos para sua
participação, garantindo a acolhida a outras formas de pensar e fazer no
mundo, posicionando, assim, os recém chegados como sujeitos com direito à
participação. Essa ideia se relaciona também com a desconstrução necessária
aos adultos sobre o papel da escola, já discutida anteriormente, que, muitas
vezes, é significado de uma preparação para a vida adulta, para a vida do
trabalho. (VASCONCELOS, 2015, p. 28).

Destacando sobre a importância de utilização de diversos canais que possibilitem


a participação, não somente na escola, o que se torna fator imprescindível para qualificar
o grau de politização de uma sociedade, sendo que, para isso, é essencial conhecermos e
considerarmos os direitos das crianças, tendo claro que, conforme expomos neste
trabalho, se aprende a participar, participando, e a escola deve ser um lugar em que se
reproduz, em miniatura, a polis, “um lugar de aprendizagem sobre a arte da convivência
democrática.” (BORDENAVE, 1992, p. 61 apud VASCONCELOS. 2015, p. 28). Mas
para isso, para que de fato a escola seja promotora de cidadania, deve ela mesma ser
democrática, entendida aqui a democracia como sendo uma prática “habitada pelo
pluralismo” (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p.99), exige-se da escola uma postura
“oposta à do consenso e da padronização e se propõe o convite para um rompimento com
o modelo escolar vertical e colonizador que busca a mera reprodução de práticas sociais
já estabelecidas.” (VASCONCELOS, 2015, p. 29).
Entender a participação como um valor da democracia e essencial para o erigir de
uma cidadania emancipatória é a postura assumida por Vasconcelos, que sinaliza:
a possibilidade de pensar uma transformação social a respeito tanto da imagem
da infância e suas potencialidades como da função política dos educadores em
relação aos direitos das crianças pequenas, visto que são os adultos que
precisam se comprometer com a construção da cidadania da infância.
(VASCONCELOS, 2015, p. 29).

Neste sentido, a participação pode ser constituída como prática cotidiana, para
adultos e crianças e ser conceituada, de acordo com Fernandes (2009, p. 95 apud
VASCONCELOS, 2015, p.30) da seguinte forma:
Falar de participação, numa acepção imediata, é falar de uma atividade
espontânea, que etimologicamente se caracteriza como a acção de fazer parte,
tomar parte em, mas é também falar de um conceito multidimensional que faz
depender tal acção de variáveis como o contexto onde se desenvolve, as
circunstâncias que a afectam, as competências de quem a exerce ou ainda as
relações de poder que a influenciam.

Isso implica considerar todos, adultos e crianças como sujeitos plenos de


participarem, mas, ao mesmo tempo, considerando as especificidades das crianças no
125

usufruto desse direito, é necessário que os adultos estejam informados a respeito deles
para que sejam garantidos às crianças. Interessante também é a consideração de
Vasconcelos da participação enquanto experiência a partir de Larrosa e acentua os
processos de escuta e as necessárias reflexões dessa escuta “em situações e decisões que
lhes dizem respeito”. (VASCONCELOS, 2015, p. 31). Problematizamos essa questão
que relaciona a participação às questões e decisões que dizem respeito às crianças. Quem
diz o que concerne ou não a elas decidirem ou participarem? Se condicionarmos a prática
participativa ao que acreditamos ser condizente aos assuntos que tocam as crianças, mais
uma vez cairemos em uma retórica adultocêntrica. Considerar uma experiência
participativa no cotidiano, seja em que instância for – familiar, escolar, comunitária– é
incompatível com a acepção de que as crianças devem ser escutadas sobre os assuntos
que lhes dizem respeito. É, mais uma vez, colocar um muro que divide os temas dos
adultos dos temas das crianças. Aqui trazemos à tona a noção esposada por Corsaro
(2011) quando diz que as crianças devem ser tratadas “como se” já estivessem a par e
passo de decidir, sobre qualquer assunto. Neste sentido, reforçamos a citação feita por
Vasconcelos de um excerto de Angela Barozzi, pedagogista de Reggio Emilia, que alia a
ética, a cidadania e a participação, aduzindo que:
a participação é um convite e que acontece pela acolhida ao outro. As crianças
convidam a colher outros pontos de vista diferentes. Convidam a ter paciência,
escutar, dar espaço para quem se expressa de forma peculiar. Participação é
dar tempo para pensar sobre o que foi discutido, mas é também voltar a falar
sobre o que antes foi dito. (BAROZZI, 2015, em exposição oral apud
VASCONCELOS, 2015, p. 32).

Quem acolhe, não escolhe, não escolhe criança e nem escolhe assunto, apenas
acolhe. Não há como falar em alteridade, fraternidade e empatia diante de escolhas
racionais. A participação é incompatível com isso.
Vasconcelos traz à tona a teoria da “ação dialógica” de Paulo Freire (2005), na
qual, ‘os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em colaboração’” (2005,
p. 191 apud VASCONCELOS, 2015, p. 33/34) e essa colaboração deve estar ciente da
dependência das crianças em relação aos adultos, mas não uma dependência servil.
Vasconcelos propõe que “o caráter dessa dependência deve ser pautado na promoção de
uma crescente possibilidade de independência e não de uma submissão aos ideais dos
adultos”. (VASCONCELOS, 2015, p. 35).
Assim:
precisamos entender quem é essa criança que hoje se apresenta em nossas
escolas, em nossas vidas. Conhecê-la a partir das suas ideias, linguagens e
significações do mundo e não através de nossos julgamentos contaminados por
126

nossas experiências do que foi um dia ser criança ou do que pensamos


significar a infância para elas hoje. As crianças não devem depender das
expectativas dos adultos em relação ao seu futuro, pelo contrário, devem
cumprir com seu papel na sociedade enquanto grupo geracional da infância[...]
(VASCONCELOS, 2015, p. 36).

Por isso, nesse diapasão:


temos uma tarefa árdua pela frente, a de tentar descobrir o que as crianças
pensam sobre seus direitos em cada caso, em cada cultura, em cada etapa de
sua infância, pois só através da participação das crianças na elaboração de seus
direitos é que poderemos aproximar as culturas e necessidades da infância
daquilo que nós adultos estabelecemos como justiça às crianças.
(VASCONCELOS, 2015, p. 41).

Finalizamos com o seguinte excerto de Vasconcelos:


[...] ao se falar sobre as crianças, seremos sempre estrangeiros em busca de
significados que nos aproximem do que sentem, pensam, desejam, pois o olhar
das crianças para o mundo será sempre essencialmente diferente do nosso,
porque para os adultos o mundo é velho e para os pequenos o mundo é ainda
uma grande novidade.(VASCONCELOS, 2015, p. 37).

E ainda, trazemos os conceitos de criança emancipada e criança participativa,


quanto à primeira, “é aquela cujos conhecimentos e experiências sustentam suas
capacidades de participar; quanto à segunda, “é aquela que é sujeito em igualdade de
direitos com todos os demais cidadãos.” (FERNANDES, 2009, p. 47/48 apud
VASCONCELOS, 2015, p.109).
Seguindo o que fizemos com as outras dissertações, das considerações finais
extraímos as seguintes categorias e termos atrelados à noção de participação: estar
próximo; conhecer interesses e desejos; necessidades de aprendizagem sobre a vida;
ampliar repertório; pedagogia da radical novidade; brincar; realizar ações da vida
cotidiana; simplicidade-complexa; diversidade das capacidades de cada criança.
A próxima dissertação que descrevemos é a de Adriana Aparecida Rodrigues da
Silva, que apresentou em 2015 o trabalho intitulado “A Participação das Crianças na roda
de conversa: possibilidades e limites da ação educativa e pedagógica na Educação
Infantil”, perante o Programa de Pós Graduação em Educação da Pontíficia Universidade
Católica de Goiás, sob orientação do professor Dr. Romilson Martins Siqueira. Tomou
como objeto a participação das crianças nas rodas de conversa realizadas em cinco
instituições de Educação Infantil de Goiânia e suas implicações na relação pedagógica
democrática. Escolheu a roda dialógica “por se acreditar na relação dialógica entre os
sujeitos e por essa atividade ser um momento político e pedagógico cheio de
complexidades; e também por ser dinâmica e se constituir no respeito, na fala, na
127

exposição de desejos e necessidades.” (SILVA, 2015, p.12). Sua ancoragem teórica está
atrelada à Sociologia da Infância, à Pedagogia da Infância e ao Materialismo- histórico-
dialético, fazendo uma interlocução com as teorias críticas, em uma abordagem que
entende como sendo interdisciplinar. A autora pretendeu com seu estudo “ampliar a
compreensão de seus modos efetivos de participação, modos de quem vem ao mundo para
participar” (SILVA, 2015, p. 10, grifos no original). Partiu de categorias de análise para
considerar o objeto, tais quais:
trabalho (como atividade humana), movimento, papel da história, dialética e
exclusão social. Esta última, na mediação com as demais, é extremamente
importante para apreender e (des)velar os processos e os lugares pelos quais
historicamente as crianças têm sido consideradas. (SILVA, 2015, p.13).

Questionamos em certa medida a forma como a pesquisadora encara a roda de


conversas como sendo um espaço democrático. Fazemos esse questionamento porque já
presenciamos em estágios, a roda como pró forma, em que as crianças tinham a
necessidade de partilhar suas falas, suas vidas, e as professoras não estavam ali imbuídas
de uma escuta pautada na alteridade. Entendo a roda de conversa como uma oportunidade
para um momento democrático, mas, por ora, não conseguimos enxergá-la como sendo
sempre participativa. Cremos que isso dependa dos sujeitos adultos que a compõem e da
forma como se relacionam com as crianças e seus direitos.
Continuando com a dissertação de Silva e a concepção de criança sobre a qual se
embasa, reconhece esse sujeito enquanto “agente social, ser humano concreto que
vivencia a infância como processo de construção social, político e científico, e esse
processo deve considerar a pluralidade e a heterogeneidade dos sujeitos.” (SILVA, 2015,
p. 11). Citando Siqueira (2011), ressalta que:
não existem crianças e infâncias que não sejam produtos de um tempo
construído mediante as relações humanas, nas contradições de classe, nas
contradições do modelo econômico que engendram as formas de sociabilidade.
Segundo o autor, as concepções que nortearam ou têm norteado a infância
configuram-se muitas vezes a partir da ideia de que as crianças precisam ser
reguladas, normatizadas, disciplinadas e silenciadas. (SILVA, 2015, p. 11).

E ainda:

Perspectivar a participação das crianças implica lutar pela existência de


espaços de escuta, de comunicação e de diálogo para os quais confluem
intersubjetividades da realidade social desses atores. Supõe, ainda, que os
adultos as reconheçam: como sujeitos capazes de tomar decisões que afetem
suas vidas; que são hábeis comunicantes mediante utilização de uma variedade
enorme de linguagens; que são agentes ativos que influenciam o mundo e
128

interagem com ele; que elaboram e dão sentido à sua existência como seres
sociais e, principalmente, que são sujeitos. (SILVA, 2015, p. 11/12).
Sobre a concepção de participação, defende aquela fundada:

no conceito de autonomia, que significa a capacidade dos sujeitos de se


posicionar frente aos assuntos que são de seu interesse. No texto Políticas
Públicas e Participação Infantil (2007), de autoria dos professores Sarmento,
Fernandes e Tomás (2007, p. 190), a participação das crianças é considerada
como processo de interação social que acontece nos espaços coletivos e é
preciso levar em conta que as possibilidades participativas estão
consequentemente ligadas, “ora constrangidas, ora estimuladas –, pelas
relações pessoais que [as crianças] estabelecem com os outros – família,
amigos, comunidade, etc. – e pelas estruturas sócio-econômicas e culturais:
serviços educativos e sociais, estruturas políticas, dentre outras”. (apud
SILVA, 2015, p. 12).

A autora também considera o papel da brincadeira, das interações e da mediação


entendidas como elementos primordiais na construção da história humana e categorias
relevantes para a apreensão da criança/infância presentes no mundo histórico/cultural.
(SILVA, 2015, p. 13).
Por ora, pelo uso da barra separando criança/infância, a autora não deixou clara a
sua concepção de infância, dando a entender, pela leitura da introdução, que toma tanto
criança como infância como sendo conceitos sinônimos, equivalentes, o que somente se
distinguirá a partir do capítulo 1, quando diferencia os conceitos. Tematiza a participação
a partir de uma ótica marxista “que busca compreender a relação do indivíduo com a
sociedade pela distinção entre o que é aparente e o que é essencial. Ao se proceder assim,
compreende-se que o homem é um ser simultaneamente individual e universal.” (SILVA,
2015, p. 14). Neste sentido, coloca a questão de considerar a ideia de “sujeito de direitos”,
entendendo que pode-se apreender o risco de racionalizar a “ideia de criança” e ocultar
sua verdadeira constituição, sua realidade concreta e suas razões. (SILVA, 2015, p.14).
Questionamos bastante essa acepção justamente porque ela vai de encontro com
nossa defesa. Entendemos que não se pode falar em “participação infantil” sem a
consideração da criança enquanto sujeito de direitos. Encará-la como sujeito de direitos
de forma alguma nega sua realidade concreta, na medida que, inclusive, autoriza que se
pleiteie em juízo os direitos assegurados às crianças. Maior concretude que isso
impossível. Outrossim, o entendimento sociológico da criança como ator e agente social
é posterior ao erigir da criança enquanto sujeito de direitos, o que significa não somente
que o Estado passou a considerar as crianças por Direito próprio, mas as crianças
129

passaram a se constituir enquanto postulantes, com direito ao exercício de suas vozes na


condição de direito assegurado.
A autora parece contraditória ao trazer a Sociologia da Infância como referente ao
fazer a afirmação anterior. Da mesma forma, traz a definição de participação consagrada
por Hart, autor de conteúdo elaborado para a UNICEF para ser implementado em
processos participativos. Para ele a participação se define enquanto:

relação com os processos de compartilhar as decisões que afetam individual e


coletivamente as crianças. É o meio pelo qual se constrói a democracia e é um
critério com o qual se deve julgá-la. A participação, portanto, é um direito
fundamental da cidadania[..] é a força mobilizadora para a construção de ideais
de mudanças; é um elemento chave para o exercício de outros direitos; é um
pré-requisito para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade; é um direito
que se conquista por meio de um processo de construção de lutas individuais e
coletivas, com responsabilidade e organização para garantir que a opinião e
expressão de crianças sem distinção de raças, religião, capacidades físicas,
sexo, opinião política ou outros, incidam de forma propositiva na tomada de
decisões em todos os âmbitos (HART, 1992, p. 11 apud SILVA, 2015, p. 15).

A autora discute o lugar da infância, da criança e da participação em uma tensão


dialética entre sujeito-sociedade. Discorre sobre variados conceitos atribuídos à infância,
sobretudo de autores consagrados do campo da Sociologia da Infância, podendo sintetizar
a concepção enquanto tempo social da vida, como construção histórica e cultural com
traços das condições estruturais e contradições sociais, não adjetivando-a enquanto uma
fase da vida, e criança enquanto ser humano com “especificidades biopsicossociais
inerentes ao tempo de vida na infância” (SILVA, 2015, p. 26), quer dizer, enquanto sujeito
contemporâneo, é importante compreendê-la, no plural, como ator e agente sociocultural:

na sua totalidade, preocupar-se com os processos de constituição que ela


vivência e experimenta em diferentes contextos sociais e culturais e com as
capacidades intelectuais, criativas, estéticas, expressivas e emocionais que
agrega à diversidade de suas histórias familiares, sociais, culturais e
econômicas.
[...]
a representação da criança é socialmente determinada e exprime as aspirações
e recusas da sociedade e dos adultos. O adulto exerce autoridade constante
sobre a criança; portanto, esta é socialmente dependente dele. Em muitos
casos, a maneira como o adulto exerce sua autoridade reproduz, de modo geral,
as formas sociais dominantes de autoridade e ele considera esse domínio
natural, e não social, fruto das relações sociais. (SILVA, 2015, p.34).

Citando Siqueira (2011), fala do processo jurídico normativo que toma a criança
como sujeito de direitos, em superação à imagem do menor. Aquele autor “tece suas
críticas a esse movimento, ao acentuar que há um premente risco de instrumentalização
da concepção de criança pelo viés da lei” (SILVA, 2015, p. 37):
130

Para Siqueira (2011), a concepção de criança como “sujeito de direitos”


representa avanços significativos na forma de conceber a criança. Todavia,
alerta para a forma indiscriminada de como esta concepção vem sendo usada.
Segundo ele, a criança tomada apenas no aparato jurídico-legal torna-se
abstrata e instrumentalizada. (SILVA, 2015, p.37).

Entendemos que essa é uma visão rasa e insuficiente para compreender o conceito
e abrangência da criança enquanto sujeito de direitos. Pode-se falar que a criança pode
ser transformada em algo abstrato ou instrumentalizada quando referimo-nos a outros
conceitos também, inclusive da criança como ator ou agente social. Tudo depende da
forma com que os adultos se aprofundam na temática dos direitos das crianças e o
paradigma cultural e social com o qual tomam as crianças.
Silva faz um interessante retrospecto a respeito da construção histórica sobre os
direitos das crianças, até alcançar a CDC de 1989, ressaltando os 3P’s e o fato de que o
direito à participação infantil é o mais difícil de ser assegurado, porque:
implicam a consideração de uma imagem de infância ativa, à qual estão
assegurados direitos civis e políticos, nomeadamente o direito das crianças
serem consultadas e ouvidas, e o direito ao acesso à informação, à liberdade de
expressão e de opinião e à tomada de decisões em próprio benefício, que
deverão traduzir-se em ações públicas a elas direcionadas e que considerem
seus pontos de vista. (SILVA, 2015, p. 42).

Em subseção dedicada inteiramente à conceituação sobre a participação, a autora


de forma bem embasada traz diversos contributos teóricos, essenciais para que se
qualifique a implementação deste direito. Nesse sentido, importante trazer aqui algumas
noções lá encontradas, porque corroboram com as visões sobre participação esposadas
neste trabalho, senão vejamos:
O termo "participação" é utilizado para se referir, em geral, ao processo de
compartilhamento de decisões que afetam a própria vida e a vida da
comunidade em que se vive. É o meio pelo qual uma democracia é construída
e é uma norma contra a qual as democracias devem ser medidas. A participação
é o direito fundamental à cidadania.
Reconhecida como direito que se constitui cultural, jurídica e
sociologicamente, a participação ativa, consciente e livre é um fator de
reconhecimento da identidade e da igualdade. De acordo com Cussianovich
(2002), é um exercício concreto de autoria social e de construção da identidade.
(SILVA, 2015, p. 47).

Porque era inédita essa classificação para nós e porque diz respeito ao tema central
deste trabalho, importante citar aqui outra conceituação advinda de Anavitart (2003, p.
36 apud SILVA, 2015, p. 47) em texto traduzido livremente por Silva (2015). Para
Anavitart existem diferentes tipos de participação:
 uma participação em sentido progressista e em linha de participação
direta tem a ver com o poder real de decidir e, sobretudo, com as possibilidades
de controle e com os efeitos que produz nas organizações cidadãs.
131

 a participação é coisa de todos. Participar de alguma coisa ou tomar


parte em alguma coisa é reconhecer a não posição desta coisa.
 a participação real é algo mais que a consulta a respeito dos meios e dos
fins.
 é um processo em qual duas partes ou mais se influenciam mutuamente
na realização de planos, programas e objetivos. Deve haver um compromisso
de compartilhar as decisões.
 anterior a participação está a informação que a estimula, a favorece e a
promove. (ANAVITART, 2003, p. 36 apud SILVA, 2015, p. 47/48).

A participação também deve ser construída em espaços diversificados, inclusive


nas Instituições de Educação Infantil, qualquer lugar pode ser privilegiado para o
exercício de uma cidadania plena e para a prática democrática, fundada na autonomia dos
sujeitos, desta forma, citando Agostinho (2010):

a noção de criança competente nas últimas duas décadas tornou-se prevalente


nas pesquisas da infância, que passam a compreendê-las como atores sociais
capazes e com direitos próprios. O foco na competência das crianças revela a
contribuição delas, devendo ser combinado com uma atenção crítica à estrutura
na qual está imersa a vida das crianças. Essa perspectiva foca na criança como
um participante ativo na sociedade, na vida social, e exige que a voz das
crianças seja ouvida seriamente, e que elas sejam entendidas como crianças
competentes, intérpretes de sua própria vida (AGOSTINHO, 2010, p.100 apud
SILVA, 2015, p. 49).
[...] uma percepção ampla que inclui o direito das crianças de se expressarem
e, tendo impacto no seu contexto social, obtendo dos adultos apoio para fazê-
lo. Importante compreender que o conjunto de conceitos relacionados, que se
imbricam com o de participação, tais como liberdade de expressão (ideias,
sentimentos, emoções, corporeidade, afetos, humor, ludicidade, etc.); escolha;
influência são elementos que se cruzam numa rede complexa de conceitos, que
impulsionam a multiplicidade e acolhe o tempo e as vivências das crianças
para que tornem parte em seus próprios termos. Uma forma de participação
mais complexamente pensada e que acolhe as diferentes crianças e suas formas
diversas de ser e estar criança em seus modos de vida (AGOSTINHO, 2010,
p.113 apud SILVA, 2015, p. 51).

É quase impossível falar em participação sem citar a escada do psicólogo Hart


(1992), que criou uma imagem que descreve os níveis e os tipos de participação. Embora
sofra críticas, por apresentar nos níveis mais elevados de participação a presença de
adultos, o que faz alguns autores o classificarem como paternalista, a escada de Hart é um
bom instrumento para a implementação da participação e pode servir como uma espécie
de termômetro das práticas participativas. Veja-se:
Figura 1- Escada de Hart (1992)
132

Graus de Participação

Não participação

Fonte: Silva (2015, com alterações).


De acordo com Hart (1992):

os níveis de um a três referem-se à pseudoparticipação. A verdadeira começa


a partir do quarto nível e se efetiva no oitavo, pois, para o autor, só há
participação quando se respeitam as crianças como iguais ou quando pelo
menos elas são informadas antes que se faça algo acerca de sua pessoa e de seu
nome. No mínimo, precisam compreender do que se trata, ser informadas sobre
quem toma as decisões e julgar se estas são significativas, e não “decorativas”
no processo. Espera-se que tenham possibilidade de escolher se querem ou não
participar. (SILVA, 2015, p. 53).

Por fim, trazemos à baila os princípios participativos esposados por Simovska


(2006), porque também coadunam com os objetivos deste trabalho:
a) compreensão e escolha - Os fins e os objetivos do projeto bem como a sua
estrutura orgânica e dimensão internacional devem ser explicados às
crianças e aos jovens logo de início; b) ambiente seguro e capacitante,
sensível às necessidades e estética das crianças e dos jovens; c) reconhecer
o direito das crianças e dos jovens de serem protegidos contra todas as
formas de violência, de manipulação e de abuso e devem considerar os
riscos potenciais a que as crianças podem estar expostas nos processos
participativos; d) equilíbrio entre orientação e autonomia - Deve pensar-
se cuidadosamente no estabelecimento de um equilíbrio sensível entre a
orientação e o apoio por um lado e, por outro, a criação de espaço para as
crianças e os jovens fazerem um trabalho autônomo; e) relações de poder
- As relações de poder dentro da estrutura orgânica do projeto devem ser
transparentes e claras desde o princípio para que as crianças possam
identificar a verdadeira esfera da sua influência; f) regras partilhadas - As
regras de comunicação do projeto devem ser estabelecidas e negociadas
através do diálogo. Isto não significa que os professores e os adultos não
tenham de impor algumas regras; é um reflexo inevitável das relações de
poder e das diferentes responsabilidades dos professores e dos adultos em
qualquer sociedade. Contudo, o processo de criação de regras deve ser
tornado claro e qualquer membro do grupo deve poder questioná-las a
qualquer momento; g) inclusão - As crianças e os jovens devem dispor de
133

uma vasta gama de oportunidades de participação de acordo com os seus


interesses, a sua experiência e as suas capacidades. Deve dar-se uma
atenção especial para garantir que há estruturas participativas para apoio
a crianças marginalizadas ou desfavorecidas (seja qual for a razão). Deve
haver uma variedade de escolhas de participação, sensíveis às diferenças
resultantes da idade, sexo, etnia, religião, etc. da criança; h) informação
contínua e transparência - Todo o processo do projeto deve ser
transparente e atualizado com regularidade à medida que se desenvolve.
A relevância e a importância de cada fase devem ser analisadas com os
alunos. As crianças com diferentes capacidades, experiências e aptidões
podem optar por participar em diferentes fases; embora isto deva ser
respeitado, é preciso que haja um equilíbrio com outras vertentes e
objetivos pedagógicos. A transparência, os princípios democráticos e o
diálogo constituem também estratégias apropriadas para se tomarem
decisões deste tipo; i) laços com a comunidade, laços profissionais e
familiares - Os pais precisam de estar totalmente cientes dos fins e dos
objetivos dos projetos (SIMOVSKA, 2006, p. 49 apud SILVA, 2015, p.
63).

Seguindo o que foi feito com os outros trabalhos, destacamos aqui algumas
categorias e termos importantes correlacionados com o tema da participação infantil,
como uma espécie de síntese das dissertações analisadas. Na dissertação de Silva (2015)
ressaltamos: roda de conversa; contradição; protagonismo dos adultos; participação como
um meio; norma ou instrumentalização das ações; valores; constrangimentos;
possibilidades; lugar da criança e do adulto; espaço institucionalizado; situações
concretas; discurso; protagonismo das partes atuantes; processo transformador; confronto
de pontos de vista; negociação; cotidiano.
A partir de agora, passamos a analisar as duas teses selecionadas do Banco de
Teses e Dissertações da CAPES. A primeira delas será a de Viviane Aparecida da Silva,
intitulada “Participação e expressão das culturas infantis no primeiro ano do ensino
fundamental de nove anos: possibilidade de escuta das crianças”, defendida em 2014 no
Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-SP, tendo como orientadora a
professora dra. Mere Abramowicz.
A autora realiza sua pesquisa centrada nas crianças de cinco a seis anos que
adentraram no 1º ano do ensino fundamental de 9 anos, após a entrada em vigor da Lei nº
11.274/06, entendendo que há “uma ruptura de metodologias que impacta na transição da
criança e, provavelmente, em sua aprendizagem” (SILVA, 2014, p. 15), Silva elabora sua
hipótese considerando essa ideia aliada à noção de que os professores do ensino
fundamental praticam uma educação ao estilo bancário (FREIRE, 2002), sem que haja
espaço para que as crianças participem, tomem decisões ou ajam como agentes capazes
politicamente, inclusive. (SILVA, 2014, p.15).
134

No entendimento da função social da escola na formação do sujeito e como espaço


de cidadania, “a pesquisa busca desvelar em que medida ocorre a participação e a
expressão das culturas infantis numa turma do primeiro ano do ensino fundamental de 9
anos” (SILVA, 2014, p. 16). Enquanto metodologia seguiu a abordagem qualitativa,
aliada com procedimentos de escuta das crianças, entrevistas com a professora, análise
documental e observação direta do cotidiano, “considerando as culturas de pares, a
organização do espaço e do tempo, a mediação pedagógica e a participação da criança
nas atividades propostas” (SILVA, 2014, p. 16). Foi realizada em uma escola pública da
zona leste de Curitiba, no Estado do Paraná ancorando-se na Sociologia da Infância
enquanto base teórica.
No primeiro capítulo a autora apresenta algumas representações e imagens sobre
crianças, infâncias e culturas infantis, ressaltando que, na atualidade “vivemos a
possibilidade de trazer a ideia da horizontalidade nas relações entre as gerações,
colocando em relevo o diálogo e a escuta e, a partir desse ponto, a aprendizagem com
uma compreensão maior do que se aprende.” (SILVA, 2014, p. 19). Perpassando pela
concepção de infância decorrente da modernidade a partir dos estudos de Ariès,
apresentando, também a partir de outros autores, a análise acerca de um certo
“desencantamento do mundo”, ressaltando aspectos “desencadeados da separação
criança/adulto e da institucionalização, que provoca a universalização do conceito de
infância, como se ela fosse única para todas as crianças.” (SILVA, 2014, p. 23). Essa ideia
foi reforçada pela noção de que as crianças, enquanto seres vulneráveis, incompetentes e
inocentes, precisavam de “um lugar próprio e um ofício de criança, na escola e na família,
com definição de normas definidas pelos adultos, com ênfase na administração
simbólica”, e que, por isso, precisava ser protegida. (SILVA, 2014, p. 23). Essas
concepções, a partir de constatações de uma realidade empírica, acabaram por reorientar
academicamente concepções sobre infâncias, marcadas pelo desafio de constituir uma
autonomia progressiva:
Estudos de Prout (2003) afirmam que, atualmente, novas realidades
caracterizam a vida das crianças e exigem a revisão do conceito de infância,
dadas as necessidades impostas pelas transformações sociais, tais como: o
declínio da taxa de natalidade; a diversidade crescente nas circunstâncias de
vida das crianças; a scialização múltipla das crianças devido aos crescentes
fluxos transnacionais de pessoas, bens, valores e imagens; os esforços
crescentes para controlar e reglar a infância; a emergência dis direitos e voz
das crianças. (SILVA, 2014, p. 23/24).
135

A partir das pesquisas da Sociologia da Infância, a autora apresenta o conceito de


criança como categoria social, em conjunto com categorias que guiam para um novo olhar
para os estudos da infância:

como a interdisciplinaridade [alargando o diálogo com outros campos de


conhecimento a fim de eliminar com os esteriótipos sobre os conceitos de
criança e de infância], mobilidade [movimento e fluxo existente entre as
fronteiras, cada vez menos demarcadas e mais conectadas. Aqui entra a questão
do global e do local], redes e mediações [para tentar escapar das visões
polarizadas, essa questão compreende que tudo no mundo funciona em rede,
conectado, oferecendo combinações inúmeras entre os elementos da rede],
hibridismo [análise e compreensão dos fatos sociais como heterogêneos e
complexos, é o que autoriza afirmar que existem infâncias no plural] e análise
geracional [é preciso tomar as crianças e as infâncias a partir de suas
interrelações múltiplas, entre adultos e crianças, sendo importante a análise das
trajetórias de vida para a compreensão das interferências externas nos
universos e construção das vidas particulares].” (SILVA, 2014, p.25/26).

Depois de trazer alguns outros conceitos centrais na tese de Corsaro, tais como o
de cultura de pares e a importância do brincar, no capítulo 2 a autora discorre sobre o
direito à participação infantil na sua relação com a escola. Fazendo um apanhado
histórico, Silva (2014) ressalta sobre a importância do século XX no erigir desses direitos,
apontando a relevância dos direitos humanos para a vida coletiva e a da Convenção sobre
os direitos da criança (CDC) para garantir, como um compromisso dos Estados
signitários, em relação aos cuidados de saúde, educação, proteção legal, civil e social, a
partir dos quatro princípios gerais (1) participação; (2) sobrevivência e dsenvolvimento,
(3) interesse superior da criança e (4) não- discriminação, considerando que (SILVA,
2014, p. 46):
O princípio da participação infantil é a inovação desta Convenção, se
considerarmos a tradição liberal herdada da Modernidade, na qual não era
respeitada a vontade da criança por entender que ela ainda não teria condição
de escolher, sua racionalidade ainda estaria em desenvolvimento e seria
imatura socialmente, por isso lhe é negada a cidadania política e civil.[...]
A Convenção constrói um percurso inverso. Para a constituição de uma
cidadania infantil, inclui as crianças na agenda sociopolítica mundial,
orientando para a proteção integral e para o direito à participação. A
participação infantil proposta na CDC é um princípio fundamental para
assegurar o cumprimento dos direitos que as crianças possuem. (SILVA, 201,
p. 47/48).

Entendendo que participação infantil “como a ação de fazer parte, tomar parte,
como sinônimo de ‘voz, acção e construção da autonomia’” (FERNANDES, 2003, p. 95
apud SILVA, 2014, P. 48/49) a autora articula essa noção com o conceito de
protagonismo infantil a partir dos contributos de Gaitán, “que relaciona o conceito como
forma de garantir o interesse superior da criança e seu entendimento como sujeito de
136

direitos”, de uma forma um tanto quanto imbricada, não fica clara exatamente a diferença
entre o protagonismo, conceituado como “um processo social mediante o qual se pretende
que crianças e adolescentes desempenhem um papel principal no seu desenvolvimento e
no da sua comunidade para alcançar a realização plena de seus direitos”. (GAITÁN, 1998,
p. 86 apud SILVA, 2014, p. 49) e a participação infantil, sendo tratados de forma
complementar. Tanto é assim que, logo depois de citar a concepção de Gaitán, Silva
(2014) continua a discorrer sobre a participação infantil e seus critérios, a partir de Jaume
Trilla e Ana Novella, são eles: “(I) implicação; (II) informação/consciência; (III)
capacidade de decisão e (IV) compromisso/responsabilidade.” (SILVA, 2014, p. 49),
além dos patamares de participação das crianças:
Patamar da mobilização: há um processo iniciado pelo adulto, em que a
criança é convidada a participar, numa possibilidade, ainda que reduzida, de
escolhas;
Patamar da parceria: a implicação das crianças se faz desde o início do
processo entre crianças e adultos, sendo a tomada de decisão relativamente de
todos, definidos em conjunto;
Patamar do protagonismo: depende exclusivamente da ação da criança,
encarando o adulto como um consultor disponível e presente. (SILVA, 2014,
p. 49/50).

Após esse excerto, a autora deixa transparecer que o protagonismo é uma


“espécie” de participação, é como se fosse o estágio mais avançado em termos
participativos, ela acrescenta que, “na escola, esses três patamares podem depender de
possibilidades criadas pelo adulto para a criança. A participação política ainda não se dá
na maioria das nossas instituições da nossa sociedade.” (SILVA, 2014, p. 50). Além disso,
a partir de Ribeiro (2010, p.39 apud SILVA, 2014, p. 50), afirma que:
[...] não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que vozes que foram
silenciadas durante anos (para não dizer séculos) serão ‘escutadas’ pelo
simples fato de poderem ‘falar’. Isto porque estão em jogo, nesse processo,
vozes com diferentes graus de poder, o que pode conferir maior ou menor grau
de legitimidade aos discursos proferidos por elas.

Citando Freire, a autora fala de uma educação libertadora pelo diálogo:

Dizer a palavra implica em romper com a cultura do silêncio e tomar a história


nas mãos. Isso significa que é preciso reelaborar as relações na escola, dando
ênfase à coautoria das crianças e dos professores e à colaboração entre
crianças, e não o isolamento e a relação verticalizada, como se as crianças
fossem receptáculos da informação fornecida pelo adulto. (SILVA, 2014, p.
51).
No momento de apresentação dos dados, Silva (2014) fala sobre o desafio em
escutar as crianças na pesquisa:
Uma sequência de dias de busca, entre aulas que repetiam o mesmo padrão,
trocando apenas os adultos professores. Observou-se, nesses espaços, que as
137

crianças estavam laá, encontrando linhas de fuga parafalar sobre si, sobre suas
opiniões, para brincar e interagir com os colegas, sob uma rígida lógica
adultocêntrica.
A liberdade para viver a plenitude da infância foi vsta várias vezes no recreio,
embora fosse num espaço e um tempo limitado a vinte ou vinte e cinco minutos
diários, sob a vigilância de crianças maiores que reproduziam a postura dos
adultos professores. (SILVA, 2014, p. 123).

Por fim, ressaltamos aqui as categorias ou expressões que se relacionam com o


tema da “participação infantil” e que sintetizam o trabalho de Silva (2014) na relação com
aquele: peagogia da transmissão; centralidade na voz e na cultura adulta; olhar
homogêneo das professoras; ausência de diálogo; problematização do que se ensinava;
cobrança pela disciplina; rigidez do controle corporal, ênfase na participação;
problematização; comunidade de investigação; conviver e descobrir o mundo a partir de
suas linguagens; ambiguidade; expressar livremente sua opinião; a criança tem o direito
de ser escutada; a ausência de participação comprometeu o aprendizado da criança;
pedagogia da participação.
Agora passemos à descrição e análise da última tese, de autoria de Giselle Silva
Machado de Vasconcelos, intitulada “ Participação Infantil nas ações pedagógicas: um
estudo das relações educativas em um contexto de educação infantil pública”, defendida
no ano de 2017 no Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal
de Santa Catarina sob orientação da professora Dra. Eloisa Acires Candal Rocha.
A autora elabora uma pesquisa sobre a “participação infantil” em instituição de
educação infantil tomando “o papel da pedagogia (das ações, relações e intervenções)
frente à garantia do direito das crianças de participar sobre as coisas que lhes afetam”
(VASCONCELOS, 2017, p. 39). O O bjetivo da autora é o de compreender a participação
das crianças a partir da ação pedagógica em um estudo que segue a metodologia da
pesquisa participante com meninas e meninos entre 5 e 6 anos de uma Instituição de
Educação Infantil de Florianópolis, (VASCONCELOS, 2017, p. 47) considerando a
problemática da investigação a partir de três braços conceituais:
a) um conceito de criança como um ser humano com direitos e potente para
participar e da infância como um grupo geracional – que é histórico, cultural e
social; (Jenks, 1992; Sarmento, 2002; Prout, 2010; Corsaro 2009, Rocha, 2008)
b) o conceito de ação docente na perspectiva de que não é neutra e tão pouco
nasce de maneira espontânea no professor, mas se caracteriza como uma
atividade constituída historicamente, socialmente, num processo de instrução
e formação humana no cotidiano de sua carreira profissional (Freire, 2001;
Tardif & Lessard 2005; Saviani 2007; Sacristán 2005; Charlot 2000, Snyders
1974, Kramer 2003).
c) o conceito de participação compreendida como ação coletiva, no debate e
confronto de opiniões, na busca de acordo num universo plural, através de um
longo processo. Porém conjecturamos a participação como uma estratégia de
138

redistribuição de poder, ou seja, não há acordo se não houver uma relação


horizontal sobre os sujeitos. (Gonh 2001; Arnstein 1969; Demo 1999,
Mendonça 1987).
[...]
Diante estas exposições conjecturamos que a questão norteadora desta
investigação poderia ser assim explanada: Em que medida e como as crianças
são consideradas sujeitos partícipes da ação pedagógica? (VASCONCELOS,
2017, p. 50/51).

Para atender às finalidades da presente pesquisa daremos especial enfoque ao


capítulo 4, em que a autora tratou sobre as “Construções teóricas para a compreensão da
participação das crianças nas relações educativas e nas ações pedagógicas”
(VASCONCELOS, 2017, p. 53). Escolhendo trilhar o caminho da interdisciplinaridade
para compreender a produção de conhecimento acadêmico acerca de seu objeto de estudo,
analisado por meio de um prisma crítico em relação ao paradigma da modernidade,
apresentando os modelos epistemológicos instituídos sobre a infância, partindo de Cambi
(1999) e seu livro “História da Pedagogia” (VASCONCELOS, 2017, p. 132), nesse
sentido:
tomamos como pressuposto que a imagem de criança é histórica e concreta e
também cultural e simbólica tal como pontua Sacristan (2005, p.26) ao afirmar
que “as imagens das crianças são culturais e históricas e estas representações
adquirem uma magnitude sobre o modo como as percebemos e como damos
valor ao que elas são e representam para nós adultos” tal como o contributo de
Buckingham (2002) de que a história da infância não é a história das crianças,
mas das representações que elaboramos sobre elas. (apud VASCONCELOS,
2017, p. 133)

E a educação, na perspectiva do contexto histórico da Modernidade:

ocupa os canais disponíveis nos diferentes momentos políticos e geográficos


(família, orfanatos, igreja, estado, escola) para inculcar uma concepção de
educação pautada na civilidade, no homem bom, na racionalidade, na
conformação diante o status quo. A escola se firma como um aparato social
destinada a colocar em prática de forma massificada todos estes ideais, no
entanto, o seu discurso se pauta na emancipação social.
A defesa da instituição escolar como lugar da criança revestiu-se da ilusão de
que a escola seria um meio para afastá-la de uma sociedade doente, inserindo-
a num universo social específico, mas revelou-se um lugar da reprodução dos
processos sociais e culturais, assim “[...] escolarizar em nome do progresso da
humanidade; disciplinar os menores por meios mais refinados; buscar a
felicidade universal, o avanço e a mobilidade social, o desenvolvimento
econômico, a criação da identidade e o futuro da nação” (SACRISTÀN, 2005,
p.109 apud VASCONCELOS, 2017, p. 134) coisificou a criança ao inventar o
aluno. (VASCONCELOS, 2017, p. 134).

E apresenta sua concepção de Educação:

Se por um lado a educação na Modernidade se delineia como aparato social


conformador, por outro conjecturamos a educação a partir de um olhar mais
alargado. Por educação entendemos todas as possibilidades de apropriação,
139

ressignificação e produção cultural que propõem formas de pensamento e


conduta na vida de um indivíduo desde o seu nascimento. Deste modo,
atualmente a educação está em todos os âmbitos da sociedade moderna (igreja,
escola, família, movimentos populares, mídias, etc.) mas não somente na
cultura ocidental, ou seja, nesta organização social no qual estamos inseridos
e familiarizados, ela reside nas diversas culturas existentes no mundo, em
qualquer grupo humano e se configura como processo de socialização.
(VASCONCELOS, 2017, p. 135).

E de infância:

O conceito de infância, nesta direção, é pensado como “categoria social, isto


é, como componente estrutural estável e integrado na organização da vida
social, ou como estrutura permanente em qualquer sociedade, ainda que os
membros desta estrutura se renovem continuamente”74 (GAITÁN, 2006, p.
21). A infância é tomada como um conceito geracional, no qual é possível
analisar os processos de estratificação social e construção das relações sociais,
“o conceito de geração nos permite distinguir o que separa e o que une, nos
planos estrutural e simbólico, as crianças dos adultos, como variações
dinâmicas que nas relações entre as crianças e entre as crianças e adultos vai
sendo historicamente produzido e elaborado” (SARMENTO, 2005, p.366).
Assim, a infância, por estar relacionada as condições concretas de como as
crianças vivem suas vidas, nos diferentes lugares que elas ocupam na
sociedade e produzem distintas experiências, é compreendida na sua
pluralidade – infâncias. (VASCONCELOS, 2017, p. 157).

Partindo dos contributos da Sociologia da Infância sobre as concepções de


crianças e infâncias, apresenta um quadro conceitual, metodológico e as correntes
paradigmáticas sobre as quais os representantes do campo se ancoram. Não adentraremos
nestes pontos porque já foram tratados substancialmente nesta dissertação. Logo após,
traz seus contributos acerca da ação pedagógica e da ação educativa a partir de Paulo
Freire e Giddens:

A pedagogia se inaugura na Modernidade como campo de reflexão,


organização, sistematização e orientação do processo educativo. Nesta
perspectiva, a ação, ao ser pedagógica, necessariamente seria uma ação que
orienta, que explica, que educa à luz de reflexões teóricas, com vistas a
colaborar com a formação de uma sociedade específica. O termo pedagógico
remete a uma ação específica cuja centralidade se dá através de uma reflexão
sobre a maneira como a sociedade se educa.
Ao ser pedagógica, a ação é, inevitavelmente, uma ação educativa. Por outro
lado, a ação educativa nem sempre é pedagógica, uma vez que a educação se
dá no processo de socialização que é diverso e dinâmico. Isto significa que a
ação educativa é toda ação que se dá na relação com o(s) outro(s) e que emana
um processo de socialização, já a ação pedagógica é aquela que se origina a
partir de uma elaboração teórica-reflexiva sobre o processo de socialização.
Embora não seja possível conceber uma ação pedagógica destituída do viés
educativo, já que a pedagogia se fundamenta nas relações e ações humanas, é
possível afirmar que há ações educativas que não são pedagógicas.
[...] É o crivo pedagógico – o pensar sobre o desenvolvimento integral da
criança, ancorado em teorias e conceitos - que difere as ações educativas das
pedagógicas. (VASCONCELOS, 2017, p. 164/165).
140

Sobre as ações das crianças, o trabalho trata-as justamente nesta articulação: são
ações educativas que devem ser tomadas como ponto de partida para reorientar e
redimensionar as ações pedagógicas. (VASCONCELOS, 2017, p. 165).
Sobre a participação infantil, a autora também reconhece a complexidade em
conceituá-la e o faz a partir de vários autores, como Pateman (1992), Rousseau (1978),
Ammann (1977), Mendonça (1987), Alencar (2010) e Freire (2001), dentre outros.
Tomando a participação enquanto categoria que só toma corpo a partir de uma ação social,
“estando sujeito a ressignificações a partir das transformações culturais e ideológicas da
sociedade” (VASCONCELOS, 2017, p. 173), podendo ser reconhecida como prática
social concreta, com efeitos psicológicos para quem participa (PATEMAN, 1992), assim
como pode ser entendida como “estratégia de redistribuição de poder que permite aos
cidadãos excluídos dos processos políticos e econômicos serem ativamente incluídos
como participantes do planejamento de seu futuro” (VASCONCELOS, 2017, p. 173), de
acordo com Arnstein (1969), sendo reconhecida como “estratégia de inclusão social” e
um dos eixos elementares da política social. (VASCONCELOS, 2017, p. 173). Citando
Gohn, (2001) que analisou os paradigmas da participação política no Brasil classificou-
as em cinco formas:
a) A participação liberal que tem como objetivo fortalecer a sociedade civil e
reformar a estrutura da democracia representativa de modo a evitar as
ingerências do Estado. Não para participar efetivamente do Estado, mas para
fortalecê-lo. Trata-se de um paradigma que preserva a ordem social garantindo
a liberdade individual à medida que amplia os canais de informação de forma
que os cidadãos possam manifestar as preferências antes que as decisões sejam
tomadas.
b) A participação autoritária própria de regimes autoritários, mas também em
regimes democráticos representativos, utilizada como forma de persuasão e
controle da sociedade: “Nesse caso a arena participativa são as políticas
públicas, quando se estimula, de cima para baixo, a promoção de programas
que visam apenas diluir os conflitos sociais” (GOHN, 2001, p. 17 apud
VASCONCELOS, 2017, p. 174).
c) A participação revolucionária que possui o objetivo de lutar contra as
relações de dominação e pela divisão do poder político. Representa-se por
coletivos organizados em busca de uma autonomia da divisão do poder político
contra qualquer tipo de submissão e sujeição do cidadão.
d) A participação democrática que considera a participação como fenômeno
que ocorre na sociedade civil e também nas instituições formais políticas,
fundamenta-se a partir da soberania popular e da participação de movimentos
sociais e organizações da sociedade civil. Seu princípio básico é a delegação
do poder de representação, sendo assim o sistema representativo (através do
voto) é o critério supremo de organização dos indivíduos.
e) A participação democrática radical se constitui como uma combinação entre
a participação democrática e revolucionária. Da participação democrática
defende-se a soberania popular, e da participação revolucionária a divisão de
poder político. É defendida por teóricos e ativistas que não acreditam na
democracia representativa como um modelo concretamente democrático,
141

propõem sua substituição por um modelo de democracia participativa que


fortaleça a sociedade civil para a construção de uma nova realidade social.
A autora nos alerta para o fato de que estas interpretações apresentadas “não
são monolíticas; elas geraram historicamente, outras interpretações a partir de
composições como: liberal/comunitária; liberal-corporativa; autoritária (de
direita e de esquerda); revolucionária (gradual ou por ato de força);
democrática/radical etc”. (GOHN,2001p.17 apud VASCONCELOS, 2017, p.
175, grifos da autora).
Com estas considerações chegamos ao entendimento que a participação é uma
conquista processual, produto das lutas sociais no desenvolvimento da
democracia e constitutivas das relações de poder. (VASCONCELOS, 2017, p.
175).
Após essas considerações e entendendo não ser possível uma transposição direta
dessas concepções para o entendimento da “participação infantil”, a autora faz uma
incursão histórica a partir da construção da “participação infantil” como direito,
inicialmente a partir da Declaração dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas e proclamada em 1948 em que os “contornos dos direitos
específicos das crianças foram ganhando forma”. (VASCONCELOS, 2017, p. 175).
Porém a construção dos direitos das crianças havia começado seu erigir na mudança
paradigmática a respeito das crianças e das infâncias ocorrida da Idade Média para a
modernidade, que outorgaram à criança o status de cidadã. Muitas ações políticas e
sociais passaram a ser destinadas a elas já nos séculos XVII e XVIII, os quais pode-se
demarcar como os momentos históricos em que foram fertilizados os embriões dessas
criações que se distanciavam da ideia da criança como propriedade da família.
(VASCONCELOS, 2017).
Fernandes (2016), por seu turno, acredita que não se pode atribuir a qualquer ação
espontaneísta contornos participativos. Para que seja conceituada como participação
infantil deve haver intencionalidade e as crianças devem perceber que são levadas em
consideração para que pouco a pouco, atribua sentido político à sua participação, como
um movimento de mobilização coletiva. (VASCONCELOS, 2017, p. 179/180).
Por fim, seguindo a estratégia utilizada nos trabalhos anteriores, apresentamos as
categorias e termos que sintetizam o trabalho na sua articulação com o tema da
participação infantil: crianças como co-construtoras de conhecimento e cultura; poder que
cada sujeito exerce sobe uma determinada ação coletiva; relações de poder; movimento
ativo nos processos decisórios; relações sociais e intergeracionais; oposição às formas de
expressão e de injustiças; interações das crianças; repertórios lúdicos; aspectos
partilhados socialmente; sentidos próprios; espaço partilhado de atividade conjunta;
cultura de pares; criar e desenvolver significados; saberes compartilhados; interpretações
subjetivas do mundo; participação infantil enquanto respeito às manifestações,
142

formulações, indagações e competências das crianças; participação como possibilidade


de as crianças gerenciarem as suas interações; não conformação em modelos previamente
definidos; permissividade por parte dos adultos; processo de negociação; participação
como respeito à privacidade; poder sobre os corpos; cidadania ativa; exercício de
contribuir para a mudança social; transformação da sociedade; lógica não unitária de
atuação; ações múltiplas; brincadeiras; produções das crianças.
Após analisar essas teses e dissertações é possível ter mais clara a noção da
complexidade inerente à tarefa de clarificar o conceito de “participação infantil”. É
notório o seu caráter multifacetado, assim como são múltiplas as formas de apreendê-la,
tomando em consideração os variados campos do saber que se ocupam em abordá-la,
campos esses que perpassam à Ciência Política, o Direito, à Antropologia, à Sociologia,
à Filosofia e à própria Pedagogia, como deram conta de demarcar os trabalhos aqui
descritos.
Não podemos deixar de mencionar certo incômodo pela repetitividade de abordar
a temática da “participação infantil” na roda de conversa. Embora tenham sido feitas
problematizações a esse respeito, encontramos também visões romantizadas a respeito
desse momento que nem sempre se faz democrático. E aqui assumimos o compromisso
de que a participação infantil não deve ser encarada como “um momento” ritualístico,
pró-forma. Ela é um modo de viver as relações com as crianças em que enxergamos esses
sujeitos como agentes capazes de tomar parte não somente nos assuntos que lhes diga
respeito, aliás, que é que diz o que é de respeito à criança? Mas de tomar parte enquanto
convívio horizontalizado pela escuta e percepção atentas.
Sobre os conceitos de participação, entendemos que faltou, no geral, uma síntese
nos trabalhos, capaz de diferenciar o que seja a participação em si e o que seja qualidade
da participação, onde estão inseridos os níveis participativos, e as técnicas manipuladoras
e pseudo-participativas (HART, 1992). Importante que todos os trabalhos analisados
arremataram o tema com o enfoque dos direitos, trazendo à baila a questão das crianças
enquanto sujeito de direitos como conceito amalgamado ao reconhecimento da
participação enquanto direito e princípio.
Destacamos, também, a inexistência, no levantamento efetivado, de teses e
dissertações com o enfoque macrossociológico. Tal fato nos faz questionar diversos
aspectos, dentre os quais o da produção de dados gerados por órgãos governamentais e
sobre o quanto são considerados os dados produzidos academicamente. De todo modo, é
imprescindível que tenhamos dados produzidos para e por crianças para que possamos
143

desenvolver pesquisas do aporte daquela desenvolvida por Qvortrup, por exemplo. Isso
perpassa por uma questão política dos adultos: o quanto nós estamos presentes nos
espaços de produção de políticas públicas ou, quando estamos, em que medida lutamos
para que as vozes das crianças sejam ouvidas? Como levar a sério um país que não produz,
com periodicidade, dados fidedignos sobre as infâncias e as condições em que as crianças
vivem? Isso, de fato, reverbera em um nível micro, na produção da pesquisa acadêmica,
visto que, não raras vezes nos vimos “amarrados”, sem ter onde buscar dados
demográficos, censitários etc, recentes para a construção de pesquisa de aporte macro-
analítico.
Outrossim, para finalizar, deixamos aqui registrado o nosso contentamento pelo
enfoque temático da “participação infantil” dentro do contexto da Educação Infantil e o
desejo para que as pesquisas com bebês ocorram em maior número, haja vista que, do
levantamento realizado, somente um trabalho abordou os sujeitos desta faixa etária.
144

5 STANDARTS DA PARTICIPAÇÃO INFANTIL: COTEJAMENTO ENTRE


CONCEITOS, TEORIAS, ABORDAGENS E EMPIRIAS

Aprendimentos
O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o
caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada.
Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera
coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as
folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre
pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o
idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar
com as rãs.
E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior
está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha
um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os
pássaros do mundo pelo coração de seus cantos.
Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor
no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar.
Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só
pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma
noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles
— esse pessoal.
Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das
origens se renova.
Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis
linguísticos que achava para renovar sua poesia. Os
mestres pregavam que o fascínio poético vem das
raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas são
donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não
haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei sobre
Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca
(Manoel de Barros).

Neste capítulo fazemos um cotejamento entre os conceitos abordados nesta


dissertação aliados ao de “participação infantil”. Nesse sentido, questionamos em que
medida os conceitos de socialização, desenvolvimento infantil, agência, reprodução
interpretativa e infância enquanto categoria estrutural dialogam com o tema deste
trabalho. Alguns prenuncios já foram feitos no capítulo e subseções que trataram sobre
esses conceitos, aqui os retomamos e desdobramos de forma mais acurada.
De partida, após considerar tudo o que foi escrito nesta pesquisa é possível
conceber duas dimensões atreladas à “participação infantil”: a primeira delas, advinda
sobretudo, do enfoque dos direitos, é aquela que trata a participação enquanto um
princípio. A segunda delas é a que toma a participação como um exercício decorrente
145

do fato de serem as crianças detentoras de agência, visão essa esposada, dentre outras,
pela Sociologia da Infância. Tratam-se, portanto, de uma dimensão objetiva e de outra
subjetiva.
Qual a diferença entre as duas? Bom, em primeiro lugar o fato de enxergar a
participação como um princípio norteador, para além de um direito positivado, mas que
também é um direito positivado, não garante que as crianças, de fato, usufruam de forma
qualitativa desse princípio. Isso porque esse usufruto depende da forma como os adultos
que se relacionam com as crianças as enxergam. Ou seja, o cerne da questão está na
sedimentação por parte da sociedade adulta, do paradigma da criança como ator social,
detentora de agência. Isso porque, como vimos, a forma como os adultos tomam as
crianças, a concepção que tem a respeito delas, é o que norteia as possibilidades dadas
para que as crianças participem e é o que atribui a dimensão qualitativa dessa participação,
ultrapassando rotinas pró-forma ou meramente consultivas.
Importante enfatizar que as duas dimensões expostas no primeiro parágrafo desse
capítulo não são excludentes, ao contrário, elas coexistem e se reforçam mutuamente. Na
medida em que tenho a participação como um direito e um princípio fundamental da
criança e, junto a isso, a considero como ator social e com agência, serei, não somente
uma defensora desse direito, uma espécie de advogada mesmo, que exige cumprimento
de um direito assegurado ─ inclusive lançando mão do direito de ação ─ , como escutarei
as vozes e terei percepção aguda sobre as suas múltiplas expressões na construção
conjunta de uma escola, de uma família, de um bairro, de uma igreja, de uma comunidade,
de uma Cidade e, enfim, de uma sociedade democrática.
Desta forma, levando em consideração o que fora abordado ao longo deste
trabalho, podemos sintetizar um conceito de “participação infantil” da seguinte forma: é
um direito e uma ação social concreta, intencional, relacional [acontece na interação
humana], voluntária e dialógica, em que há partilha de poder entre os sujeitos envolvidos
e os participantes sabem que exercem agência, podendo, neste sentido, influenciar
pessoas, processos decisórios ou, simplesmente, ser decorrente do exercício de uma
potência política e cidadã apreendida e experienciada ao longo da vida em ambientes ou
canais variados e com valores democráticos, pautados na alteridade e na inclusão. É
essencialmente coletiva embora, em âmbito individual, seja decorrência da autonomia e
capaz de gerar efeitos psicológicos por meio de sua prática.
146

Outro ponto importante a ser considerado é que uma coisa é a participação


enquanto conceito, outra diz respeito à qualidade dos processos participativos, onde estão
incluídos os níveis de participação.
Desta forma, enquanto conceito, é possível sistematizá-lo por meio desses 43
pontos:
1. É uma garantia da democracia;
2. Diz respeito à tomada de decisões pelo maior número de sujeitos;
3. Participação enquanto resposta a algo [geralmente enquanto reação às
iniciativas autocráticas, que são contrárias aos interesses coletivos];
4. Participação enquanto ação;
5. Participação é também função: função protetora dos arranjos institucionais
democráticos;
6. Participação é colaboração e interdependência entre os sujeitos;
7. Participar é realizar o que fora decidido por todos ou pela maioria;
8. Participação é a engrenagem de sistemas democráticos;
9. A participação em si é um processo que se dá dentro de estruturas de
autoridade não governamentais (PATEMAN, 1992);
10. Em um sentido etimológico pode ser: fazer parte de; ter ou tomar parte em;
fazer saber; informar; anunciar;
11. Formulação de ponto de vista;
12. Livre expressão de opinião;
13. Liberdade de expressar ideias de todo tipo, independentemente da forma,
podendo ser escrita, oral, impressa, artística, ou qualquer outro meio escolhido
pelo sujeito;
14. Engajamento político;
15. Participar é influir diretamente nas decisões ou o envolvimento em processos
decisórios;
16. Processo em que há negociação entre criança e adultos, envolvendo partilha
de poderes;
17. É um processo integrativo entre consonâncias e dissonâncias, por isso híbrido
(TOMÁS, 2007);
18. Participar é formular regras, direitos e deveres em um processo distributivo
entre os participantes do processo;
147

19. Participação se articula com a ação pública e política de forma mais ampliada,
enquanto cidadania ativa (CANAVIEIRA; BARBOSA, 2017);
20. Está atrelada a uma abordagem mais democrática de ação social, sem que haja
um sujeito protagonizando no processo participativo;
21. Participar é assumir um papel social no meio cultural em que os sujeitos fazem
parte;
22. É um valor em si mesma;
23. É condição para que outros direitos sejam efetivados e impulsionados;
24. É romper com a forma hierarquizada de algumas formas de organização e
relações, inclusive as pedagógicas;
25. Participação é uma forma de interação e comunicação no quotidiano;
26. A participação não deve ser encarada como autodeterminação ou escolha
individual;
27. A participação é um momento democrático;
28. É uma prática de reconhecimento mútuo;
29. Participar é aprender;
30. É uma parte integral do modo como os adultos se relacionam com as crianças;
31. É atividade espontânea;
32. Participação é experiência;
33. Participação é convite que acontece pela acolhida ao outro (BAROZZI);
34. Participação é a confluência entre intersubjetividades e realidades sociais
distintas;
35. Pode ser entendida como autonomia, quer dizer, a capacidade dos sujeitos se
posicionarem frente aos assuntos de seus interesses;
36. É um fator de reconhecimento da identidade e da igualdade;
37. É um exercício concreto da autoria social e de construção da identidade;
38. É ação coletiva;
39. É debate e confronto de opiniões;
40. É a busca de um acordo em um universo plural;
41. É estratégia de redistribuição de poder;
42. É estratégia de inclusão social (ARNSTEIN);
43. É um movimento de mobilização coletiva;

Enquanto efeitos da partcipação, podemos elencar os seguintes:


148

1. Aprimora as qualidade e atitudes psicológicas dos sujeitos que interagem em


contextos participativos;
2. A participação tem um efeito mediador: a experiência participativa de alguma
forma auxilia o sujeito, também em termos psicológicos, a participar mais e
melhor, em diversas esferas;
3. A participação auxilia na formação de um caráter não subserviente;
4. Contribui para o sentimento de eficácia política (PATEMAN, 1992), que,
dentre outras coisas, significa o sentimento de que a ação do sujeito pode
impactar em termos políticos ou decisórios. É basicamente a sensação de, não
somente ser escutado, mas de verificar que a minha participação surtiu efeitos;
5. Participação gera participação, quer dizer, quanto mais se participa, maior é a
tendência de se participar em âmbitos maiores ou mais abrangentes;
Quanto aos níveis de participação, podem ser:
Segundo Gerison Landsdown:
1. Processos consultivos: reconhecimento, pelos adultos, das opiniões das
crianças. Os processos são iniciados e dirigidos por adultos, sem possibilidade
das crianças dirigirem o processo ou os resultados;
2. Processos Participativos: São iniciados pelos adultos com a colaboração das
crianças que tem o poder de exercer influência e questionar o processo e os
resultados;
3. Processos autônomos: as crianças exercem agência com intencionalidade, na
medida em que elas sabem quais serão os temas que serão tratados e elas
exercem controle sobre o processo, os adultos atuam apenas como
facilitadores do diálogo;
Segundo Bordenave (1994):
1. Participação ativa: a pessoa faz parte e toma parte em um exercício do cidadão
engajado;
2. Participação passiva: o sujeito faz parte, mas não toma parte, caracteriza o
cidadão inerte;
Segundo Natália Soares:
1. Patamar da mobilização: a criança é convidada pelo adulto, que iniciou o
processo, a ser parceira na investigação;
2. Patamar da parceria: todo o processo e planejamento das ações são tomados
em conjunto por adultos e crianças;
149

3. Patamar do protagonismo: processo exclusivamente elaborado a partir da ação


das crianças.
Segundo Hart:
Em ordem descrescente de participação:
Não Participação:
1. Manipulação: é o grau mais baixo da escada da participação. Acontece
manipulação quando as crianças não compreendem as questões e, por isso, não
entendem o por quê de suas ações. Às vezes a mnipulação decorre do
desconhecimento dos adultos sobre as habilidades das crianças. Acontece
manipulação quando as crianças são consultadas, mas não recebem nenhum
feedback, as crianças não tem ideia de como as suas ideias foram usadas, nem
para que, o processo não é transparente porque o processo de análise não é
transparente;
2. Decoração: as crianças são usadas para reforçar uma causa adulta, de forma
decorativa e indireta. Elas não tem noção sobre o que acontece e não dizem
nada na ocasião;
3. Tokenismo: As crianças aparentemente tem voz, mas tem pouca ou nenhuma
oportuidade para escolher sobre o assunto ou o estilo de comunicação ou
forma de expressão que desejam utilizar, e pouca ou nenhuma oportunidade
de formular suas opoiniões
Modelos de Participação genuína (em ordem crescente):
4. Designada, mas informada: as crianças entendem as intenções do projeto; elas
sabem quem tomou as decisões relativas ao seu envolvimento e porquê; elas
tem um papel significativo, em vez de decorativo; elas se voluntariam ao
projeto depois que este ficou claro para elas;
5. Consultado e informado: o projeto é formulado e executado por adultos, mas
as crianças entendem o processo e suas opiniões são tratadas com integridade
e seriedade;
6. Iniciado por adulto, compartilhamento das decisões com as crianças: os
adultos iniciam os projetos, dão condições de apoio e convicção às crianas,
não há direcionamento nem interferência dos adultos nos processos decisórios;
7. Crianças iniciam e direcionam: as crianças concebem e executam projetos;
8. Crianças iniciam e compartilham as decisões com os adultos: é uma
atividade em que as crianças observam o seu próprio comportamento, auxiliando
150

na resolução de conflitos e na sugestão de novas estratégias para a aorganização e


gerenciamento do que está em pauta [ pode ser a sala de aula];
Por fim, façamos uma síntese traçando um paralelo entre a participação infantil
com os conceitos de socialização, agência da criança; desenvolvimento infantil,
reprodução interpretativa e infância enquanto categroria social do tipo estrutural.
Quanto à socialização entendemos que não pode ocorrer sem a participação, haja
vista que, além de ser um processo coletivo, não se dá mediante imposição, de fora para
dentro. É inclusivo e se dá em processo: é participando que se aprende a participar e é por
meio do alrgamento da partcipação nos mais variados canais e por meio das mais vaiadas
expressões que se desenvolvem as capacidades políticas e cidadãs dos sujeitos.
Questionamos também de que forma o conceito de agência se articula com o
conceito de “participação infantil” e a diferença entre eles e se ainda é possível falar em
participação sem agência.
Anteriormente, refletimos que não é possível falar em “participação infantil” sem
considerar a agência da criança, seguindo as conceituações aqui esposadas. A diferença
entre uma e outra estaria assentada no aspecto da intencionalidade: quer dizer, a
“participação infantil” exige intencionalidade de quem participa, na medida em que se
espera ou é sabido que no âmbito do processo participativo há, não somente a
intencionalidade de se fazer ser ouvido, mas também de interferir em algum processo
decisório importante para uma dada coletividade. Desta forma, exerce-se agência quando
se participa, mas nem todo exercício de agência é participativo, porque a agência é uma
qualidade do sujeito e condição para a participação.
Também já discutimos neste trabalho “agência” e “estrutura” de forma não
dicotomizada. Primeiro é preciso considerar que, quando falamos em infância enquanto
categoria estrutural da sociedade, estamos considerando que a infância afeta e é afetada
por ela, contudo, raras vezes as crianças são incluídas nos processos macroestruturais que
interferem nas suas vidas diretamente. E aqui também entra o conceito de “reprodução
interpretativa” de Corsaro, que inclui as perspectivas micro e macro e considera as
crianças enquanto produtoras e co-produtoras de cultura. Ora, não é possível falar em
produção cultural sem que se tenha em mente a participação.
Neste sentido, o que importa ter em mente é que as crianças participam de modos
diferentes dos adultos, suas produções culturais estão bastante atreladas ao modo lúdico
de viver a infância, às brincadeiras e ao mundo imaginativo. Por isso não devemos
resumir a participação em técnicas participativas que reproduzem os modos de exercício
151

da cidadania do mundo adulto, de que são exemplo as assembleias, os votos, os processos


decisórios.
Queremos também dizer que, por seu turno, embora as crianças sejam
reconhecidas como sujeitos de direitos e tenham assegurado o seu direito à participação,
esse direito não deve estar subsumido às práticas de voz, no cotidiano das vidas privadas
das crianças. Ele exsurge enquanto, não somente possibilidade, mas como necessário
reconhecimento das crianças enquanto agentes políticos, capazes sim de tomarem parte
na formulação das políticas nos assuntos que afetam diretamente as suas vidas, como por
exemplo, na formulação de políticas educacionais.
É neste sentido que o conceito de agência se articula com o de estrutura, ao
compreender que as crianças são agentes, não somente sociais, mas com capacidades
políticas e decisórias, que não podem ser comparadas com as dos adultos mas que devem,
por direito próprio, ser levadas em consideração. No entanto, por entender que a ótica do
desenvolvimento infantil que separa as capacidades por idades ainda impera no
imaginário social é que defendemos a representatividade das crianças por meio da ação
política dos adultos. Quer dizer: se as crianças ainda não são ouvidas por suas próprias
vozes, por direito próprio, devem se fazer ser representadas. Essa é uma forma de fazer
valer a letra da lei.
No próximo subitem articulamos algumas questões fundantes presentes nos
documentos educacionais brasileiros com a “participação infantil”.

4.1 DIMENSÕES ÉTICAS, POLÍTICAS E ESTÉTICAS DA PARTIPAÇÃO


INFANTIL NA EDUCAÇÃO, COM ÊNFASE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Tendo em mente que a participação é também um imperativo pedagógico e que


ela se assume uma forma de responsabilidade social crucial no desenvolvimento e
manutenção de um estado democrático de direito, entendemos ser possível traçar uma
articulação entre o princípio participativo com os princípios éticos, políticos e estéticos
que norteiam a educação em âmbito nacional. Veja-se que o Art. 5º das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamentalde Nove anos preconiza que :
A educação, ao proporcionar o desenvolvimento do potencial humano, permite
o desenvolvimento dos direitos civis, políticos, sociais e do direito à diferença.
Sendo ela mesma também um direito social, e possibilita a formação cidadã e
o usufruto dos bens sociais e culturais. (CNE/CEB, 2010)
152

Nesse sentido, compreendemos que a ação pedagógica que toma a participação


enquanto princípio norteador e com intencionalidade, deve se “pautar numa decisão
política de reconhecimento das crianças como cidadãs de direito com especificidades
próprias, pertencentes a diferentes culturas e classes sociais”, por isso se justifica o
“direito à diferença” prescrito no artigo 5º supracitado. (VASCONCELOS, 2017, p.40).
De outro norte, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, as propostas
pedagógicas da Educação Infantil devem respeitar os princípios I) Éticos, II) Políticos e
III) Estéticos. Os primeiros são aqueles correlatos à autonomia, à autorregulação da
criança. Vimos anteriormente que esse é um dos pontos que fazem parte do conceito de
participação, portanto, estão intimamente relacionados os princípios participativos cm os
princípios éticos. Além disso, estão relacionados à responsabilidade e ao respeito ao bem
comum. Essa dimensão é a da democracia, que só se exerce na coletividade. A
participação é essencialmente coletiva e promove os valores democráticos, além de servir
de engrenagem dentro deste tipo de sistema político. Não se pode deixar de correlacionar
esses aspectos como de cuidado e educação, que se relaciona com a educação integral
pautada no questionamento: o que as crianças necessitam? Ao meio ambiente e às
diferentes culturas, identidades e singularidades.
Os segundos, quer dizer, os princípios políticos, são aqueles atrelados aos direitos
de cidadania, mais diretamente correlacionados ao princípio da participação infantil.
Significa encarar as crianças enquanto sujeitos de direitos e atores sociais com agência,
portanto, cidadãs que devem ser ouvidas e respeitadas enquanto tais. Diz respeito ao
exercício da criticidade, quer dizer, é premente dar à criança a possibilidade de ocupar o
lugar do posicionamento político e do respeito à ordem democrática [não se trata de
democratismo]. Peter Moss (2009), citado por Canavieira e Barbosa (2017) também
fazem essa correlação entre o Princípio Político da/na Educação Infantil brasileira
instituído nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI (1999,
2009), que versa sobre “dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito
à ordem democrática (BRASIL, 2009, p.8)”, pois coteja os condicionantes pautados por
esse Princípio: práticas democráticas, participação como cidadania, a garantia das
diversidades e as relações de poder inerentes à Educação Infantil. Nessa perspectiva:

Por que práticas democráticas são tão importantes, no geral e na educação


infantil? A necessidade pode ser posta em poucas palavras. Participação
democrática é um critério importante de cidadania: é um meio pelo qual
crianças e adultos podem se envolver com outros na tomada de decisões que
afetam eles mesmos, grupos dos quais eles são membros e a sociedade como
um todo. É também um meio de resistir ao poder e à sua vontade de governar,
153

e às formas de opressão e injustiça que emergem do exercício descontrolado


do poder. Por fim, mas não menos importante, a democracia permite que a
diversidade prospere. Ao fazer isso, oferece o melhor ambiente para a
produção de pensamentos e práticas novas. (MOSS, 2009, p.419 apud
CANAVIERA; BARBOSA, 2017, p. 364/365).
Os terceiros referem-se aos princípios estéticos, atinentes à sensibilidade, à
criatividade, à ludicidade, atentando que brincar é da monta da cultura e que as crianças
não aprendem só pelo caminho da ludicidade. Esta categoria da ludicidade é da espécie,
nascemos com a capacidade lúdica, de simbolizar, de jogar etc e da liberdade de expressão
nas diferentes manifestações artísticas e culturais. Vimos, portanto, que as crianças se
expressam e produzem cultura através da brincadeira e que, inclusive, há a defesa, com
Bae (2015) de que o art. 31 da CDC, concernente ao direito de brincar, deve ser
reconhecido como atinente à participação infantil.
Desta feita, o currículo voltado para as crianças de 0 a 5 anos em creches e pré-
escolas, deverá articular uma série de práticas capazes de propiciar a estes sujeitos um
desenvolvimento integral, aliando as “experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e
tecnológico”. (DCNEI, 2009, p. 12). Trata-se não de uma lista de atividades ou conteúdos,
mas de um conjunto de práticas a serem observadas na organização do trabalho
educacional. Estas diretrizes para a estruturação curricular, ao trazerem em seu texto a
preocupação com o desenvolvimento integral da criança querem dizer que, as atividades
voltadas às crianças de 0 a 5 anos deverão atentar às facetas intelectuais, psicológicas,
afetivas, biológicas, sociais e culturais correlatas à Infância complementando a ação da
família e da comunidade na qual elas estão inseridas e, ao mesmo tempo, deverão ser
apresentadas de modo a integrarem estes aspectos, por meio de um currículo menos
multifacetado. Importante, neste momento, traçar um paralelo com o conceito de criança
privilegiado pelo mesmo documento, que traz essa perspectiva do todo indivisível que
corresponde tanto ao conceito de criança como à concepção curricular.
Dentro deste arcabouço teórico contido no documento, torna-se necessário
compreender também que os tempos cognitivos, biológicos e geracionais das crianças,
assim como seus caracteres relacionados às identidades e culturas, devem ser respeitados
através da observação à formação adequada à idade própria do percurso escolar.
A educação infantil e a escola mostram-se como espaços privilegiados ao convívio
humano, à troca de experiências, a função social mostra-se como uma base pedagógica
neste panorama. Ambas fazem parte do contexto de vida das crianças e das perspectivas
154

da Infância Vivida, correlata à criança concreta, que frequenta espaços e ambientes


escolares e que tem o direito de ser escolarizada (direito social à educação).
De modo mais específico, a função social da educação infantil está atrelada ao
princípio da participação infantil, que é a de cuidar e educar as crianças ampliando o
repertório, por sua vez, a função social da escola é a de sistematizar os conteúdos e
disseminar a cultura.
Seguindo os ensinamentos retirados das Diretrizes Educacionais Pedagógicas para
a Educação Infantil, na contemporaneidade, ao menos no que concerne à produção
normativa e discursiva do âmbito pedagógico, persegue-se “consolidação de uma
pedagogia da Infância” (DCNEI, 2009, p.13) e, seguindo as orientações desta
perspectiva, a Educação Infantil, no campo das práticas, deve estar pautada na educação
e no cuidado (indissociáveis um do outro) , entendendo-se o cuidado como uma postura
profissional pautada na ética e no respeito à dignidade da criança, por meio de um fazer
pedagógico que assuma uma “atitude responsiva, de escuta e de diálogo com as crianças”,
aumentando, por via de consequência, as possibilidades da educação com a ampliação do
repertório, permitindo, dentro da vivência nos espaços escolares e na educação infantil, a
interação com a realidade que cerca a criança pequena, ampliando, consequentemente o
intercâmbio com o mundo social, com as “’coisas da vida’ reinventando sentidos por meio
de uma leitura enriquecida, ampliada, múltipla.” (DCNEI, 2009, p. 57). Vejam que “é por
tomar o espaço de educação infantil como um lugar potente para a promoção da
participação das crianças que a abordagem pedagógica deverá ser pensada de modo que
sustente uma prática pedagógica democrática”. (VASCONCELOS, 2017, p. 179).
Ao trazer o direito das crianças a participarem para o campo da educação, Rayne
e Rubio (2003), citadas por Vasconcelos (2017, p.177), em que “a partir de uma análise
teórica sobre a proposta europeia de educação, elaboram dez princípios dos quais
julgamos pertinentes incorporar em nossas análises”:

1) Acesso: como um direito da criança aos serviços públicos, neste caso à


educação infantil;
2) Financiamento: atrelado ao primeiro princípio retoma a importância de
estruturas que respeitem as condições sociais das crianças;
3) Abordagem pedagógica: que se contraponha a ideia de educação como
escolarização precoce e higienista e pautando-se em ricos e diversificados
encontros entre os sujeitos;
4) A participação como prática educativa democrática: a participação das
crianças expressas na formulação de documentos, na formação docente;
5) Uma política social para a infância: que agregue todos os serviços
destinados à elas a partir da mesma posição epistemológica de crianças como
seres humanos competentes para participar sobre estas políticas;
155

6) Escolha e diversidade: uma abordagem pluralista e acolhedora que luta


contra os estereótipos e descriminação em relação as crianças;
7) Avaliação participativa, democrática e transparente: a busca por dispositivos
que avaliem a qualidade dos serviços prestados às crianças no qual todos
possam os envolvidos (crianças, docentes, famílias) possam exprimir suas
opiniões;
8) Valorização do profissional que trabalha com as crianças: visando uma
qualificação profissional que se ancore no desenvolvimento de um pensamento
crítico, no trabalho interdisciplinar, numa práxis democrática;
9) Uma visão global de educação que respeite as crianças: romper as fronteiras
entre a educação infantil e o ensino fundamental92 com vistas garantir a
especificidade do ser criança em detrimento do ser aluno;
10) Parceria transnacional: a construção ativa e renovada de parcerias, a
participação em rede, a troca de saberes e experiências sobre participação
infantil. (VASCONCELOS, 2017, p. 178).
As autoras defendem uma gama mais alargada de direitos que perpassam o direito
à participação e são necessários para que este seja efetivado, essa plêiade de direitos diz
respeito ao acesso e ao financiamento dos serviços públicos. No âmbito educacional
“reclama um conjunto de ações sociais e políticas para além da escuta às crianças”:
Se pensarmos que as instituições sociais são mecanismos de acesso a
participação social mais alargada e no caso da educação infantil um espaço
onde as crianças possam desenvolver através de interações entre pares e na
intersubjetividade com os adultos situações nas quais precisam negociar e
tomar decisões, tais princípios são evidentemente necessários para que as
crianças participem da vida pública. (VASCONCELOS, 2017, p.178).

Por isso é importante que os adultos assumam uma postura de engajamento


político em esferas governamentais, porque, sabemos, as vozes das crianças ainda são
pouco ouvidas mas, podem se fazer ser representadas por meio das vozes adultas.
Infelizmente, conforme assevera Vasconcelos (2017), “tais princípios nos remetem ao
entendimento de que a participação das crianças ainda está muito condicionada ao poder
dos adultos, afinal, são eles que poderão se apropriar ou não destes princípios e assim
exercer políticas e organizações que assegurem tal direito”. (VASCONCELOS, 2017, p.
179).
156

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança que fui chora na estrada.


I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
II
Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.
E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu
perceba de onde vai crescendo.
Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.
III
Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.
22-9-1933
(Fernando Pessoa).

Reconhecemos, depois da feitura deste trabalho que, embora tenhamos eleito


como objetivo inventariar e cotejar os conceitos e as categorias amalgamadas às
definições de “participação infantil” dentro da Sociologia da Infância que nem sempre
nos mantivemos fieis a esta e nem tampouco foi possível englobar, por uma questão
humana, todos os conceitos existentes e possíveis dados à “participação infantil”.
Conscientes desse inacabamento, contudo, pretendemos, ao menos, ter cumprido com a
tarefa de clarificação conceitual, auxiliando na qualificação de ações pedagógicas que
pretendem seguir o princípio de “participação infantil”.
Procuramos, portanto, sobretudo a partir do enfoque das Ciências Sociais,
mormente com a Sociologia da Infância e com o enfoque dos Direitos descrever e dialogar
157

conceitos tão debatidos, tais quais o de socialização, o de agência da criança, de


reprodução interpretativa, desenvolvimento infantil, infância enquanto categoria social
do tipo estrutural, democracia, cidadania e criança enquanto sujeito de direitos na
articulação com as definições encontradas para “participação infantil” nos textos
consultados.
Nesse interim, fizemos uma inserção nesses conceitos também a partir de suas
construções históricas e percebemos que ainda hoje, pensamos com a cabeça de
antigamente sobre as crianças e as infâncias. Aliás, esboçamos aqui a nossa percepção do
quanto todos esses conceitos, inclusive de crianças e infâncias, ainda permanecem
confinados dentro dos muros da academia, sendo difícil operar uma reordenação
paradigmática quando essas definições não estão ao alcance de todos.
A partir dessas fontes e constatações, elaboramos o seguinte conceito de
“participação infantil”: é um direito e uma ação social concreta, intencional, relacional
[acontece na interação humana], voluntária e dialógica, em que há partilha de poder
entre os sujeitos envolvidos e os participantes sabem que exercem agência, podendo,
neste sentido, influenciar pessoas, processos decisórios ou, simplesmente, ser decorrente
do exercício de uma potência política e cidadã apreendida e experienciada ao longo da
vida em ambientes ou canais variados e com valores democráticos, pautados na
alteridade e na inclusão. É essencialmente coletiva embora, em âmbito individual, seja
decorrência da autonomia e capaz de gerar efeitos psicológicos por meio de sua prática.
Diante disso, mais uma vez, agora aqui nas considerações finais, reforçamos o
nosso posicionamento sobre o nosso papel de representantes dos direitos das crianças.
Nós, enquanto adultos e educadores, não podemos mais esperar que façam o que
esperamos que façam. Não podemos esperar que os agentes políticos assumam a
importância que as crianças e a infância têm na sociedade. Devemos nós ocupar esses
espaços de decisão política para abrir caminhos para que as crianças adentrem neles e se
façam ouvir.
Outrossim, acreditamos que, com essa medida, mais dados sejam produzidos para
que pesquisas em larga escala e estudos macroestruturais sejam empreendidos. Não
podemos mais conviver com a precariedade dos dados à disposição sobre a infância. Sem
órgãos responsáveis por produzí-los periodicamente, com as crianças.
Por fim, damo-nos ao direito de pedir uma licença poética nas considerações finais
para esboçar as seguintes reflexões:
158

O que já é que desconsideramos que seja e o que ainda não sabemos que não
sabemos?
Em princípio, a participação é um princípio, e não uma finalidade.
Em princípio, as crianças já são sujeitos no mundo, antes de estarem sujeitos de
direitos.
Tomando a participação enquanto princípio que é, e a criança enquanto sujeito no
mundo, por que negar algo que já é para as crianças que já são?
Partici-PAR: a última sílaba da palavra pressupõe uma ação que não se dá no
isolamento, mas sempre em relação a algo ou alguém.
Quando me propus a destrinchar as categorias amalgamadas aos conceitos
mobilizados para definir a PARticipAÇÃO infantil, foi também por considerar a
inteligência da própria palavra, que seja no verbo seja no substantivo é princípio e fim em
si mesma. Pressupõe um agir junto, entre seres que são. É o par em ação e a partilha da
ação, a um só tempo. Participar é perguntar: estou sujeitando a criança ou a vejo e escuto
como ser que é? Veja que de nada adianta um arcabouço conceitual e a apropriação de
categorias sem que o princípio seja tomado como princípio e os sujeitos como seres que
não são sujeitados.
Por isso, não pretendemos mapear categorias e inventariar conceitos sobre
participação para que os coloquemos em uma mochila teórica que pesa e curva as costas
a ponto de impedir de ver... Enquanto lista que deve ser verificada e decorada para que se
faça acontecer essa tal de participação. Não. Antes de tudo propusemos a reflexão sobre
o que a palavra mesma já expressa e o direito mesmo anuncia, e a criança mesma já é.
Não é algo muito além da própria relação refletida sobre tudo isto que está aí, mas que é
visto de forma muito torta, ou escutado de forma meio baixa.
É por entender que as palavras sempre vem acompanhadas, que os princípios nem
sempre são compartilhados e que a ação não se dá no nada, é que pretendemos mapear os
conceitos, ramificando as categorias, para florescer uma clarificação do que é, mas que
às vezes está meio encoberto.
E mesmo o escancaramento da palavra, que já revela uma ação em par, mais uma
vez, reflexivamente, questionamos: agir sem refletir, no que vai dar? Agir sem considerar
os outros na relação, há como sustentar? Por isso a tarefa de clarificar a palavra também
se consubstancia em par, porque se dá em contexto.
159

Criança é sujeito, e de direitos, para que quem não enxerga, veja: está na lei! É
norma! Está escrito, explícito, positivado. É um verbo deôntico que expressa um dever
ser respeitado.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
160

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166

APÊNDICES

APÊNDICE A ─ Protocolos Dos Levantamentos Bibliográficos

1 RESULTADOS DAS PESQUISAS POR TIPOLOGIA DOS DOCUMENTOS E


BASES DE DADOS UTILIZADAS

1.1 TESES E DISSERTAÇÕES

1.1.1 Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento e


Pessoal de Nível Superior- CTD/CAPES

As buscas no banco de teses e dissertações da CAPES se constituíram em várias


idas e vindas. Inicialmente, na revisão de literatura prévia, sem tanta clareza sobre o tema,
objetivos e pergunta de pesquisa e, consequentemente dos tópicos que seriam utilizados
para a realização do levantamento que irá compor o relatório de pesquisa, lancei mão da
expressão ─ conceito de participação infantil ─, sem aspas e sem aplicação de filtro
algum, até mesmo para a satisfação de uma intencionalidade bastante movida pela
curiosidade. O resultado foi de 1.070.577 trabalhos e, mesmo depois tendo filtrado a
busca na “grande área de conhecimento” e na “área de avaliação”, o que reduziu para
126.518 registros, tais resultados numéricos foram sintomáticos para que eu percebesse a
dupla necessidade de melhor refinar as palavras-chave e de adequar as técnicas de
pesquisa de acordo com a base de dados, para que, então, fosse efetivada nova busca.
Ainda com o assunto geral enquanto norteador, partiu-se para um outro
levantamento bibliográfico, tomando-o também como uma espécie de sondagem
panorâmica sobre a produção acadêmica recente sobre a área de interesse (ALVES-
MAZZOTTI, 2002). Para tanto, foram utilizadas as expressões-chave36 “participação
infantil” e a variante “protagonismo infantil”, isoladamente, em buscas distintas. Depois,
foi feita uma busca com os descritores ("participação infantil" AND "sociologia da
infância") e outra com ("protagonismo infantil" AND "sociologia da infância"), ambas
sem utilização de filtros.

36
Foram utilizadas as expressões entre aspas e sem aplicação de filtros.
167

Em um momento posterior, na tentativa de circunscrever os resultados aos


objetivos da pesquisa, mais delimitados, optou-se pela combinação dos tópicos:
“participação infantil” OR “participação da criança” OR “participação das crianças” OR
“protagonismo infantil” OR “voz da criança” OR “cidadania infantil” AND “sociologia
da infância” OR “estudos soci* da infância”, sem apresentação de resultados. Reduzindo
a busca somente com a utilização dos tópicos “voz da criança” OR “cidadania infantil”
AND “sociologia da infância”, também não foram encontrados trabalhos.
Para uma melhor visualização sobre os parâmetros de busca e o quantitativo de
trabalhos registrados, foi elaborado o seguinte quadro:
Quadro 1: quantitativo de dissertações e teses do CTD/CAPES, por etapa de triagem

PRIMEIRA SEGUNDA TERCEIRA SELEÇÃO


TOTAL
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO FINAL

diss. tese diss. tese diss. tese diss. tese


“participação 39 32 05 13 03 09 03 09 03
infantil”
“protagonismo 37 08 02 05 01 05 01 05 01
infantil”
"participação 0937 00 00 00 00 0 00 00 00
infantil" AND
"sociologia da
infância"
"protagonismo 0838 00 00 00 00 00 00 00 00
infantil" AND
"sociologia da
infância”
total 93
0 7 8 4 4 4 3 2
Fonte: quadro elaborado pela autora

Os números em vermelho são provisórios, considerando que o contato e estudo


aprofundado com os textos completos estão sendo feitos e se traduzem como o coração
da própria dissertação.

37
Todos os trabalhos encontrados foram listados na busca com a utilização do parâmetro “participação
infantil”, por esse motivo, desde a primeira seleção, pela utilização do critério de exclusão de trabalhos
repetidos, não foram incluídos na tabela.
38
Todos os trabalhos encontrados já faziam parte dos resultados obtidos com a busca feita com a utilização
do parâmetro isolado da expressão “protagonismo infantil”, por esse motivo, desde a primeira seleção, pela
utilização do critério de exclusão de trabalhos repetidos, não foram incluídos na tabela.
168

O critério de exclusão mais frequente entre os trabalhos inicialmente selecionados


foi o do enfoque central do tema “participação infantil” em contextos específicos, sem a
utilização do aporte teórico, epistemológico ou empírico da Sociologia da Infância ou a
não utilização de um sistema multirreferencial para trabalhar com a temática. A falta do
critério “tema”, foi a segunda mais incidente. Uma dissertação não foi encontrada na
íntegra na rede mundial de computadores.
Os quadros 2 e 3, que se seguem, apresentam dados principais das dissertações e
teses que atenderam a todos os critérios estipulados
Quadro 2: dissertações selecionadas do CTD/CAPES
AUTOR TÍTULO ANO PROGRAMA IES ORIENT.
1 BASTOS, Lilian A participação 2014 Educação FURG Dra. Vania
Francieli Morais de infantil no Alves
cotidiano Martins
escolar: Chaigar
crianças com
voz e vez
2 VASCONCELOS,Queila Crianças bem 2015 Educação UFRGS Dra. Maria
Almeida pequenas no Carmen
cotidiano da Silveira
escola: tecendo Barbosa
relações entre
participação e
interesses de
aprendizagem
3 SILVA, Adriana A Participação 2015 Educação PUC- Romilson
Aparecida Rodrigues da das Crianças na Goiás Martins
roda de Siqueira
conversa:
possibilidades e
limites da ação
educativa e
pedagógica na
Educação
Infantil
Fonte: quadro elaborado pela autora

Quadro 3: Teses selecionadas do CTD/CAPES


AUTOR TÍTULO ANO PROGRAMA IES ORIENTAÇÃO
01 SILVA, Participação e 2014 Educação PUC- SP Profª Dra. Mere
Viviane expressão das Abramowicz
Aparecida da culturas
infantis no
primeiro ano do
ensino
fundamental de
nove anos:
possibilidade
de escuta das
crianças
02 MACHADO, Participação 2017 Educação UFSC Profª Dra.
Giselle Silva Infantil nas Eloisa Acires
Ações Candal Rocha
Pedagógicas:
169

um estudo das
relações
educativas em
um contexto de
educação
infantil pública
Fonte: tabela elaborada pela autora
Importante ressaltar que não foi realizado recorte temporal, nem tampouco fora
aplicado filtro por área de conhecimento na busca de teses e dissertações no Catálogo.
As datas de defesa dos trabalhos selecionados, ocorridas entre os anos de 2005 até
2017, revelam a atualidade do interesse na efetivação de pesquisas sobre o tema
participação ou protagonismo infantil em sede de pós-graduação strictu sensu no Brasil,
assim como a predominância na área da Educação. Os motivos que justificam a utilização
de uma expressão em detrimento de outra, ou o uso concomitante de “protagonismo” e
“participação”, sem distinção e na mesma pesquisa, serão averiguados no momento da
análise aprofundada dos trabalhos.
.
1.1.2 Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia- BDBT/IBICT

Nesta base de dados, os procedimentos para as buscas foram os mesmos utilizados


no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, ou seja, os tópicos “participação infantil”
e “protagonismo infantil” serviram como parâmetros isolados de pesquisa e, depois,
foram utilizados em buscas casadas, com a inclusão do tópico “sociologia da infância”.
A formulação de tópicos com utilização de mais termos e outros operadores booleanos39,
não correspondeu a registro algum. O quadro que segue mostra o quantitativo de trabalhos
registrados com a utilização dos parâmetros de buscas anteriormente explicitados.
Quadro 4: quantitativo de teses e dissertações do BDBT/IBICT, por etapa de triagem

TOTAL DE
PRIMEIRA SEGUNDA TERCEIRA SELEÇÃO
RESULTAD
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO FINAL
OS
diss. teses diss. teses diss. teses diss. teses
“participação 19 6 1 3 0 3 0 03 00
infantil”
"protagonismo 28 2 2 0 1 0 1 00 01
infantil"

39
Foi utilizada a formulação dos termos assim conjugados: (Todos os campos:"participação infantil" OR
"protagonismo infantil" AND ) E (Todos os campos:“participação infantil” OR “participação da criança”
OR “participação das crianças” OR “protagonismo infantil” OR “voz da criança” OR “cidadania infantil”
AND “sociologia da infância” OR “estudos soci* da infância”)
170

"participação 540 0 0 0 0 0 0 00 00
infantil" E
"sociologia da
infância"
"protagonismo 541 0 0 0 0 0 0 00 00
infantil" E
"sociologia da
infância”
total 57 8 3 3 1 3 1 00 0042
Fonte: quadro elaborado pela autora

O critério de exclusão mais utilizado na seleção foi o de repetição, ao todo, foram


excluídas duas teses e três dissertações por já terem figurado nas buscas feitas no Catálogo
da CAPES. De outro norte, duas dissertações foram excluídas por falta de pertinência
temática
O quadro 5, que se segue, apresenta os dados das dissertações que atenderam a
todos os critérios estipulados.
Quadro 5: dissertações selecionadas no BDBT/IBICT
Autor título ANO PROGRAMA IES ORIENT.
01 CARVALHO, Participação infantil: reflexões 2011 Psicologia43 USP Dra. Ana
Regiane Sbroion de a partir da escuta de crianças de Paula
assentamento rural e de Soares da
periferia urbana Silva
02 GOULART, Participação Infantil: 2008 Mestrado FGV-RJ Dra.
Angélica Moura experiência de pesquisa Profissional em Verena
realizada em organização Bens Culturais e Alberti;
social na Zona Oeste do Rio de Projetos Sociais Dra.
Janeiro Helena
Bomeny.
03 KARLSSON, A visão das crianças sobre sua 2012 Psicologia UFAM Dra. Iolete
Juliane Karla Freitas participação no contexto Ribeiro da
escolar: a vez e a voz da Silva
infância
Fonte: quadro elaborado pela autora

Quadro 6: tese selecionada no BDBT/IBICT


Autor título ANO PROGRAMA IES ORIENT.
01 PIRES, Sergio Protagonismo infantil e a 2007 Psicologia UNB Dra.
Fernandes Senna promoção da cultura de paz: Angela
um estudo sociocultural Maria
construtivista Cristina

40
Todos os resultados obtidos já haviam sido listados na busca com a utilização do parâmetro “participação
infantil” isolado.
41
Todos os resultados obtidos já haviam sido listados na busca com a utilização do parâmetro
“protagonismo infantil” isolado.
42
Os quadros e resultados aqui obtidos foram apresentados apenas como quadro de referência para um
arquivo, mas nenhuma tese ou dissertação deste banco de dados foi selecionado para fazer parte do relatório
de pesquisa.
43
A inclusão deste trabalho foi feita levando-se em consideração não a área de conhecimento a que
pertence, mas a especificidade na abordagem do tema “participação infantil” e o fato dele ter sido
desenvolvido no âmbito do Centro de Investigação sobre o Desenvolvimento Humano e Educação Infantil
(CINDEDI/FFCLRP-USP).
171

Uchôa de
Abreu
Branco

1.1.3 Total de Teses e Dissertações nas bases de dados exclusivamente brasileiras

O quadro 7, abaixo, revela o quantitativo de teses e dissertações que serão


analisadas no balanço de bibliografia desta pesquisa:
Quadro 7: quantitativo total de teses e dissertações brasileiras selecionadas
CTD/CAPES BDBT/IBICT total
DISSERTAÇÕES 14 03 17
TESES 4 01 05
TOTAL 18 00 05
Fonte: quadro elaborado pela autora

1.2 SELEÇÃO DE TRABALHOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE


TIPOLOGIAS VARIADAS COM ÊNFASE EM ARTIGOS CIENTÍFICOS

1.2.1 Portal de Periódicos da CAPES

A primeira busca em base de dados com acervo de tipologia variada, com ênfase
em artigos de periódicos acadêmicos, foi feita no portal de periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal e Nível Superior – CAPES. As pesquisas seguiram os
mesmos parâmetros utilizados nas bases anteriormente citadas44, sem aplicação de filtros,
na opção “busca avançada”. No entanto, especifica-se que a utilização dos tópicos
conjugados ("participação infantil" OR "participação da criança" OR "participação das
crianças" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança" OR "cidadania infantil" AND
"sociologia da infância" OR "estudos soci* da infância"), resultou em 446 trabalhos, dos
quais 218 constavam em periódicos revisados por pares. Logo após, foi selecionada a
opção “expandir meus resultados”, o que redundou em 645 trabalhos. Considerando o
elevado número, optou-se por efetuar, dentre os resultados obtidos pela busca expandida,
a seleção entre os 225 trabalhos constantes em periódicos revisados por pares. Os

44
Buscas isoladas com a utilização dos tópicos “participação infantil” e, depois, “protagonismo infantil” e,
posteriormente, busca com a conjugação dos tópicos assim formulados: "participação infantil" OR
"participação da criança" OR "participação das crianças" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança"
OR "cidadania infantil" AND "sociologia da infância" OR "estudos soci* da infância".
172

trabalhos selecionados por meio deste critério estão representados no quadro 8 pela
expressão “tópicos conjugados”.
Quadro 8 – quantitativo de artigos no Portal de Periódicos CAPES

PRIMEIR SEGUND TERCEIR


TOTAL SELEÇÃO
A A A
FINAL
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO

“Participação infantil” 32 15 11 11 11
“Protagonismo infantil” 63 17 12 12 11
Tópicos conjugados 225 24 10 10 10
total 320 56 33 33 32
Fonte: quadro elaborado pela autora

Quadro 9 – artigos selecionados no portal de periódicos da CAPES


Autor título ano periódico
01 Rubia Participação 2015 Zero-a-seis
Vicente Demetrio; infantil: a busca por (UFSC)
Saskya Caroline uma relação
Bodenmuller; Kátia democrática entre
Adair Agostinho crianças e adultos
02 Regiane A 2016 Psicologia
Sbroion de Participação Infantil em Estudo
Carvalho; Ana Paula em foco: uma (UEM,
Soares Da Silva entrevista com Natália Maringá)
Fernandes*
03 Giselle As 2015 Zero-a-seis
Silva Machado de contribuições da (UFSC)
Vasconcelos psicologia do
desenvolvimento na
perspectiva histórico
cultural para a
participação infantil
04 Participación 2015 Revista
Adriana infantil... Historia de Latinoamericana de
Gallego-Henao una relación de Ciencias Sociales,
invisibilidad Niñez y Juventud
(Universidad de
Manizales y Cinde,
Colombia)
05 Diaz- Participación 2018 Revista
Borquez, Daniela; infantil como Latinoamericana de
Contreras-Shats, aproximacion a la Ciencias Sociales,
Nicolas; Bozo- democracia: desafios Niñez y Juventud
Carrillo, Natalia de la experiencia (Universidad de
chilena Manizales y Cinde,
Colombia)
06 Gülgönen, Participación 2016 Revista
Tuline infantil a nivel legal e Latinoamericana de
institucional en Ciencias Sociales,
México¿Ciudadanos y Niñez y Juventud
ciudadanas? (Universidad de
Manizales y Cinde,
Colombia)
07 Castro, Children: 2012 Alternatives:
Lucia Rabello de democracy and Global, Local,
emancipation. Political, Sage
Publications
173

08 Cláudia Direitos que 2016 Revista de


Castro, Helga faltam... A Psicologia da Criança
Participação das e do Adolescente
crianças na Construção
Social.
09 Lazzaretti Participação 2010 Avances en
De Souza, Ana social e protagonismo: Psicología
Paula, Finkler, reflexões a partir das Latinoamericana,
Lirene, Dalbosco Conferências de Universidad
Dell'aglio, Débora, Direitos da Criança e del Rosario
Koller, Silvia Helena do Adolescente no Colombia
Brasil
10 Ospina, Infancias, 2015 Revista
Héctor; Orofino, Instituciones Sociales Latinoamericana de
Isabel; Llobet, y Contextos Políticos Ciencias Sociales,
Valeria ; Araüjo, en América Latina y El Niñez y Juventud
Sônia; Del Valle, Caribe (Universidad de
Liliana; Cardona, Manizales y Cinde,
Marta Colombia)
11 Ospina, Editorial45 2016 Revista
Héctor; Acosta, Latinoamericana de
Fabián Ciencias Sociales,
Niñez y Juventud,
Jan-Jun 2016,
Vol.14(1),
1246 Jaqueline O Princípio 2014 Revista
Silva Da Silva; do Protagonismo Contemporânea de
Mariângela Costa Infantil e o da Educação
Costa Schneider; Participação da criança (UFRJ)
Rogério José Schuck na construção do
Planejamento no
enfoque emergente
13 Sergio Cultura, self e 2008 Psicologia:
Fernandes Senna autonomia: bases para Teoria e Pesquisa
Pires; Angela Uchoa o protagonismo infantil (UNB)
Branco
14 Sergio Protagonismo 2007 Paidéia
Fernandes Senna infantil: co- (USP)
Pires; Angela Uchoa construindo
Branco significados em meio
às práticas sociais
15 Osorio La 2016 Sociológica
Ballesteros, ampliación de la Universidad
Abraham participación infantil Autónoma
en México: Una Metropolitana-
aproximación Azcapotzalco, México
sociológica a sus
razones, obstáculos y
condiciones

45
Muitos dos artigos presentes no volume da revista listada na linha 11 do quadro 9 apareceram nas buscas
feitas no Portal de periódico da CAPES, no entanto, tendo sido listado o editorial da referida revista, foi
possível ter acesso à integralidade do seu conteúdo. A partir disso, verificou-se que artigos interessantes
para o relatório de pesquisa não constaram nos resultados das pesquisas empreendidas no Portal. Com isto
em mente, incluindo o editorial neste balanço, considera-se incluída a integralidade dos artigos que
compõem o volume 14 da Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud.
46
Os trabalhos listados a partir da linha doze, incluindo-a, foram selecionados com a utilização do tópico
de busca “protagonismo infantil”.
174

16 Gonzalo Participacion 2011 Revista


Contreras, Claudio; invisible: ninez y Latinoamericana de
Javier Perez, Andres practicas participativas Ciencias Sociales,
emergentes Niñez y Juventud
(Universidad de
Manizales y Cinde,
Colombia)
17 Lazzaretti Participação 2010 Avances en
De Souza, Ana social e protagonismo: Psicologia
Paula; Finkler, reflexões a partir das Latinoamericana
Lirene; Dalbosco Conferências de (Universidad del
Dell'aglio, Debora; Direitos da Criança e Rosario, Colombia)
Koller, Silvia Helena do Adolescente no
Brasil.
18 Monique La sociología 2018 Política y
Aparecida Voltarelli de la infancia y Sociedad
Bourdieu: diálogos (Universidad
sobre el campo en los Complutense,
países hispano- Madrid, Espanha).
hablantes
19 Gomez, Perspectivas 2008 Revista
Patricia Botero; teoricas para Latinoamericana de
Hincapie, Juliana comprender la Ciencias Sociales,
Torres; Alvarado, categoria Niñez y Juventud
Sara Victoria. participacion (Universidad de
ciudadana-politica Manizales y Cinde,
juvenil en Colombia Colombia)
20 Shier, How Children 2012 Children &
Harry ; Méndez, and Young People Society (Wiley-
Marisol Hernández; Influence Policy- Blackwell on behalf
Centeno, Meyslin; Makers: Lessons from of the National
Arróliga, Ingrid; Nicaragua Children's
González, Meyling Bureau,England)
21 Liebel, Paternalism, 2007 Children,
Manfred Participation and Youth &
Children's Environments
Protagonism (University of
Cincinnati, Ohio,
EUA).
22 Burch, Child 2014 An
Greg W. Protagonism in International Journal
Transformational of Holistic Mission
Community Studies (Oxford
Development Centre, United
Kingdom)
2347 Jens A infância 2010 Educação e
Qvortrup enquanto categoria Pesquisa (USP)
estrutural
24 Rita de Gênero, 2011 Cadernos
Cássia Marchi infância e relações de Pagu (Unicamp)
poder: interrogações
epistemológicas
25 Kátia Adair A 2014 Perspectiva
Agostinho complexidade da (UFSC)
participação das

47
A partir da linha 23, estão listados os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a utilização do
parâmetro “tópicos conjugados”, que são: "participação infantil" OR "participação da criança" OR
"participação das crianças" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança" OR "cidadania infantil" AND
"sociologia da infância" OR "estudos soci* da infância".
175

crianças na educação
infantil
26 Marta A 2015 Currículo
Morgade Salgado; participação das Sem Fronteira
Fernanda Muller crianças nos estudos
da inféncia e as
possibilidades da
etnografia sensorial
27 Sani, Ana Reflexões 2015 E- cadernos,
Isabel sobre infância e os CES (Centro de
direitos de Estudos Sociais da
participação da Universidade de
criança no contexto da Coimbra)
justiça
28 Sobrinho, Metodologias 2014 E- cadernos,
Roberto Sanches de investigação com CES (Centro de
Mubarac crianças: outros mapas, Estudos Sociais da
novos territórios para a Universidade de
infância Coimbra)
29 Sosenski, Dando casa 2016 Revista
Susana para as vozes das Latinoamericana de
criancas, reflexoes a Ciencias Sociales,
partir da historia Niñez y Juventud
(Universidad de
Manizales y Cinde,
Colombia)
30 Andrea A Sociologia 2011 Educação:
Braga Moruzzi da Infância: esboço de Teoria e Prática
um mapa (Unesp)
31 Angela A criança na 1998 Psicologia:
Nobre de Andrade sociedade Reflexão e Crítica
contemporânea: do (UFRGS)
‘ainda não’ ao cidadão
em exercício
32 Ribeiro, OS CABELOS 2015 Politica &
Fernanda DE JENNIFER: por Trabalho (UFPB)
etnografias da
participação de
"crianças e
adolescentes" em
contextos da "proteção
à infância"
Fonte: quadro elaborado pela autora

Os critérios de exclusão que mais operaram foram, respectivamente, o da


repetição e o do enfoque único dos trabalhos em aspectos metodológicos da participação
infantil com crianças em pesquisas, sem necessariamente citar a Sociologia da Infância
enquanto referência.

1.2.2 SciELO – Scientific Eletronic Library Online – Brasil

A segunda base de dados em que foi realizado o levantamento de artigos


científicos foi a Scielo Brasil. Foram utilizados os tópicos de busca em ordem invertida
176

em relação às outras buscas. Primeiro, com a conjunção dos tópicos "participação


infantil" OR "participação da criança" OR "protagonismo infantil" OR "voz da criança"
OR "cidadania infantil" AND "sociologia da infância" OR "estudos sociais da infância".
O resultado foi de apenas um trabalho listado, que se revelou fora dos critérios de
inclusão, por impertinência temática.
Diante disto, optei pelo uso de outras estratégias de busca, assim definidas:
tópicos conjugados 1: ("participação infantil" OR "protagonismo infantil" AND
"sociologia da infância" OR "estudos sociais da infância"), o que resultou em 7 trabalhos,
dos quais 4 foram selecionados e, depois, pelos critérios de exclusão e inclusão, percebeu-
se que 2 já haviam sido selecionados nas pesquisas feitas no Portal de Periódicos da
CAPES e incluídos no balanço e os outros 2, repetidos, não apresentavam pertinência
temática, zerando o quantitativo presente no quadro 10.
Pelos parcos resultados, foi dada continuidade às buscas, ampliando o universo da
pesquisa pela redução dos tópicos utilizados, à semelhança do que fora feito nas outras
bases de dados. Com isso em mente, pesquisou-se com a conjugação: (“participação
infantil” AND “sociologia da infância”), o que resultou em um único trabalho listado,
fora dos critérios de inclusão. Este fato, forçosamente, direcionou para a utilização do
tópico isolado “participação infantil”, o que redundou em 11 trabalhos listados, dentre os
quais, 5 já estavam presentes na busca realizada no portal da CAPES e 5 deles não
apresentavam pertinência temática. Apenas 1 trabalho entrará no balanço.
Não foram aplicados filtros em busca alguma. O quadro 10, que se segue,
apresenta apenas este quantitativo e os resultados obtidos pela combinação dos tópicos
conjugados 1. Pela irrelevância das demais buscas, não foram incluídos seus resultados
no quadro.
Quadro 10: quantitativo de artigos científicos na Scielo

PRIMEIR SEGUND TERCEIR


TOTAL SELEÇÃO
A A A
FINAL
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO

tópicos conjugados 148 7 04 00 00 00


“participação infantil” 11 11 01 01 01
total 18 15 01 01 01
Fonte: quadro elaborado pela autora

48
Os tópicos conjugados 1 são: "participação infantil" OR "protagonismo infantil" AND "sociologia da
infância" OR "estudos sociais da infância".
177

As informações principais do artigo que atendeu a todos os critérios, constam no


quadro 11, que se segue:
Quadro 10: artigo selecionado na Scielo
Autor título ano periódico
01 Bae, Berit O direito das 2016 Da
crianças a participar: Investigação às
desafios nas interações do Práticas (Centro
quotidiano * Interdisciplinar de
Estudos
Educacionais
(CIED) da Escola
Superior de
Educação do
Instituto
Politécnico de
Lisboa)

1.2.3 LAReferencia- Rede Federada de Repositórios Institucionais de Publicações


Científicas

Depois de efetivados os levantamentos no Portal de Periódicos da CAPES e na


SciELO, percebeu-se o expressivo número de trabalhos sobre o tema participação infantil
oriundos dos países latino americanos ou de países de língua espanhola. Diante desta
constatação e percebendo também que nos trabalhos brasileiros raramente aqueles
referenciais são utilizados, entendeu-se interessante ampliar o universo de buscas para
uma aproximação àquelas produções. Partiu-se, então, para uma pesquisa em uma rede
de repositórios exclusivamente latino-americanos, em que são disponibilizados artigos
científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado provenientes de mais de uma
centena de universidades e instituições de pesquisa da Argentina, do Brasil, do Chile, da
Colômbia, do Equador, de El Salvador, do México, do Perú e da Costa Rica, países que
compõem a rede de acesso aberto LAreferencia.
Enquanto procedimento de pesquisa, em “busca avançada”, foram utilizadas as
expressões: "participacion infantil"; "participacion de los ninos" e "participacion
ciudadana de los ninos", e, para ampliar os resultados, foi selecionada a opção para que
aparecessem trabalhos com qualquer um destes tópicos, o que é equivalente à utilização
do operador booleano OR.
O quadro que segue mostra o quantitativo de trabalhos registrados. Quanto à
tipologia, foi identificada com “D” para dissertações, “T” para teses e “A” para artigos.

Quadro 12: quantitativo de teses, dissertações e artigos da LAreferencia, por etapa de triagem
178

PRIMEIRA SEGUNDA TERCEIRA SELEÇÃO


D T A SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO FINAL

D T A D T A D T A D T A
"participacion 35 3 54 7 0 8 7 0 7 7 7 7 0 7
infantil" OR
"participacion
de los ninos"
OR"participac
ion ciudadana
de los ninos"
total 92 15 14 14 14
Fonte: quadro elaborado pela autora

Do total de 92 trabalhos registrados, o Gráfico 1, abaixo, mostra o percentual de


produções por país.
179

Gráfico 1

Percentual total de trabalhos por países


4%
11%
25%

11%

11%
22%

16%

Colômbia Brasil Argentina Costa Rica Equador Perú México

O quadro 13 e 14, que se seguem, apresentam, respectivamente, os dados das


principais dissertações e artigos que atenderam a todos os critérios estipulados.
Quadro 13: dissertações selecionadas da LAReferencia
A TÍTU A PRO INSTI O
UTOR LO NO GRAMA TUIÇÃO/ RIENT.
Té El 2 Mestr Pontifi Dr
llez derecho a ser 015 ado em Política cia Universidad a. Diana
Hernández, escuchado Social Javeriana Días Soto
Ángela participación (Colombia)
Maritza de niños, niñas
y adolescentes
en Bogotá
La Partici 2 Maest Pontifi Dr
zala-Silva pación infantil 014 ría en estudios cia Universidad a. Patrícia
Vargas, extraescolar La políticos Javeriana Muñoz Yi
Raúl experiencia de (Colombia)
Ernesto los consejos de
niños y niñas en
Bogotá
Ch La 2 Mestr Univer Dr
ala participación de 017 ado em sidad Autónoma a. Liliana
Agudelo, los niños y Ensenãnza de de Manizales Mejía B.
Dora Lid; niñas del grado las Ciencias (Colombia)
Pinillo transición como
García, factor
Katherine; importante en
Castro la toma de
Cabezas, decisiones para
Gladys la construcción
Cecilia de ciudadanía
Nu Partici 2 Mestr Faculta Dr
mer, María pación infantil : 015 ado em d a. Maria
Emilia la mirada de las Desenho e Latinoamerican
180

niñas sobre su Gestão de a de Ciencias Belen


participación en Programas Sociales- Noceti
los consejos Sociais FLACSO-
comunitarios de Andes-
desarrollo de Argentina
niñez y
adolescencia,
Guatemala
Ca El 2 Mestr Faculta Dr
ballero derecho 008 ado em d a. Mónica
Alvarez, político a la Democracia e Latinoamerican González
Rafael participación y Direitos a de Ciencias Contró
su relación con Humanos Sociales-
los derechos de FLACSO-
la infancia México
Ca Sistem 2 Mestr Pontifi Dr
macho atización de la 018 ado em cia Universidad a. Adelina
Jaramillo, experiencia Assessoria Javeriana Peña
Natalia; "los niños y las Familiar (Colombia)
Durán niñas como
Herrera, sujetos de
Lizeth derecho a
Ivonne través de la
crianza familiar
en dos
institucional de
Medellín e
Ibagué - 2017"
Ne Tras el 2 Espec Univer M
lla, Jorge abandono del 014 ialização em sidad Nacional ag. María
silencio en la Novas de La Plata Eugénia
infancia Infâncias e Villa;
Juventudes Tutora:
Constanza
Pedersoli
Fonte: elaborado pela autora

Quadro 14 – artigos selecionados na LaReferencia


Autor título an periódico
o
0 Cerdas, La 20 Portal de Revistas
1 Evelyn Participación De 12 UMA (Universidad
Los Niños Y Las Nacional de Costa Rica)
Niñas Como Sujetos
De Derechos
0 Milstein, Participaci 20 SEDICI-
2 Diana; Otaso, ón política de niños 13 Repositorio de la
Alejandra y niñas en la Universidad Nacional de La
cotidianeidad de las Plata
escuelas (Argentina)
0 Quintero, La 20 Revistas
3 Juliana Paola; Gallego participación 16 Institución Universitaria de
Henao, Adriana María infantil y juvenil en Envigado (Colombia)
el aula. Una
reflexión desde las
narrativas docentes
de una institución
pública
0 La Portal de Revistas
4 Convivencia En UNED-
181

Serrano- Espacios 20 Universidad


Arenas, Denys; Escolares: Una 15 Estatal a Distancia- Costa
Victorino-Ramírez, Experiencia Para Rica
Liberio Su Mejora En La
Educación
Primaria.
0 Oliveira, A Criança 20 EDUCAÇÃO:
5 Fabiana de e os espaços 18 Teoria e Prática (Unesp)
públicos: reflexões
acerca das
implicações da
Participação
Infantil
0 Voltarelli,Mo Contribuci 20 Educar em Revista
6 nique Aparecida ones en el campo de 17 (UFPR)
la Sociología de la
Infancia: diálogos
con Lourdes Gaitán
Muñoz
0 Ceballos Los 20 Territorios(Univer
7 Ramos, Olga Lucía derechos de la 18 sidade del Rosario,
infancia y las Colombia)
políticas públicas.
Reflexiones sobre la
incidencia
del hábitat
en los
asentamientos de
origen informal en
Bogotá

1.3 TRABALHOS DE TIPOLOGIA VARIADA COM ENFASE EM ARTIGOS


CIENTIFICOS EM LINGUA INGLESA

1.3.1 Scopus

Na base de dados Scopus o parâmetro de busca utilizado foi, inicialmente, o


seguinte: ("child* participation" OR "child* voice" OR "child* protagonism" AND
"Sociology of Childhood" ). Sem aplicação de filtros, foram listados 34 documentos. Em
seguida, para refinar a busca, optei pela aplicação do filtro “Subject Area”, em que
selecionei a opção “Social Sciences”, resultando em 28 documentos no total. Dentre estes,
com a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados os títulos
elencados no quadro 15, que segue:
Quadro 15 – artigos selecionados na Scopus
Autor título ano periódico
182

01 Johnson, V., West, A. Children’s participation in 2018 Livro publicado por


global contexts: Going beyond Routledge, Londres
voice49
02 Nascimento, M.L.B.P. Como se conduz a pesquisa da 2015 Currículo sem
infância quando a educação é Fronteiras,
mais um campo a compor seus
estudos? Alguns elementos para
discussão
03 Adams, K. What is a child? Children's 2014 Cambridge Journal of
perceptions, the Cambridge Education
Primary Review and
implications for education
04 Stanciulescu, E. Children and childhood in 2010 Current Sociology
romanian society and social
research: Ideological and
market biases and
some notable contributions
05 Moran-Ellis, J. Reflections on the sociology of 2010 Current Sociology
childhood in the UK
06 Cojocaru, D. Challenges of childhood social 2009 Revista de Cercetare
research si Interventie Sociala
07 McDonald, C. The Importance of identity in 2009 Children and Society
policy: The case for and of
children
08 Smith, A.B. Children and young people's 2007 International Journal
participation rights in of Children's Rights
education50
09 Brady, B. Developing children's 2007 Children and Society
participation: Lessons from a
participatory IT project

1.3.2 Mendeley

A primeira tentativa de busca nesta plataforma foi feita com a utilização do tópico
“chid* participation”, isoladamente. Filtro algum foi aplicado porque não há essa
possibilidade na Mendeley, que não é exatamente uma base de dados, mas é um
gerenciador de referências que oportuniza o encontro de trabalhos relevantes e recentes
com base no(s) temas de interesse de quem pesquisa (ELSEVIER, 2018). Foram
encontrados 78.681 trabalhos. Considerando o elevadíssimo número de pesquisas das
mais variadas tipologias e áreas de estudo, optei por especificar mais a pesquisa com a
utilização do constructo assim formulado: (child* participation AND "Sociology of
Childhood"), aqui simplesmente denominado de “conjunção de tópicos 1”. Em seguida,

49
No momento da construção deste balanço o acesso a este livro era limitado. Mas diante da pertinência
temática e atualidade, verificou-se a imprescindibilidade dele para a construção da pesquisa, o que motivou
o investimento para a sua aquisição.
50
Conference Paper de acesso restrito. Ele interessa para a pesquisa, mas sua imprescindibilidade está
sendo avaliada.
183

partiu-se para uma outra busca, com a utilização da seguinte combinação de tópicos:
(child* participation OR child* social actor OR child* agency AND “sociology of
childhood”), denominada de “conjunção de tópicos 2”, conforme indicação constante
no quadro 16, com o quantitativo de artigos encontrados e selecionados de acordo com
os critérios de inclusão e exclusão.
Quadro 16: quantitativo de artigos científicos na Mendeley

PRIMEIR SEGUND TERCEIR


TOTAL SELEÇÃO
A A A
FINAL
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO

Conjunção de tópicos 1 55 14 04 4 4
Conjunção de tópicos 2 41251 17 12 8 8
total 467 31 0 12 12
Fonte: quadro elaborado pela autora
As informações principais dos artigos que atenderam a todos os critérios constam
no quadro 17, que se segue:

51
A busca resultou em um quantitativo de 412 trabalhos, mas a plataforma somente permitiu acesso aos
100 primeiros.
184

Quadro 17– artigos selecionados na Mendeley


Autor título ano periódico
01 Vandenbroeck M, Children's agency and 2006 Childhood
Bouverne-De Bie M. educational norms: a tensed
negotiation
02 Soares, N. F., Sarmento, Investigação da infância e 2005 Nuances, UNESP -
M. J., & Tomás, C. crianças como investigadoras: Presidente Prudente
metodologias participativas dos
mundos sociais das crianças
03 Tomás, C. “Participação não tem Idade”. 2007 Contexto &
Participação das Crianças e Educação- UNIJUÍ
Cidadania da Infância.
0452 Agostinho, K. A. A Educação Infantil com a 2016 Da investigação às
Participação das Crianças: práticas- Instituto
algumas reflexões Politécnico de
Lisboa- Escola
Superior de Educação
de Lisboa
05 Stoecklin, D. Theories of action in the field of 2013 Childhood
child participation: In search of
explicit frameworks
06 King, M The sociology of childhood as 2007 Childhood
scientific communication:
Observations from a social
systems perspective
07 Tisdall, E. K. M., & Not so “new”? Looking 2012 Children’s
Punch, S. critically at childhood studies. Geographies
08 Prout, A. Reconsiderando a nova 2010 Cadernos de Pesquisa
sociologia da infância
09 Zeiher, H. Childhood in German sociology 2010 Current Sociology
and society
10 Nieuwenhuys, O. Theorizing childhood(s): Why 2013 Childhood
we need postcolonial
perspectives
11 Matthews, S. H. Teaching and Learning Guide 2007 Sociology Compass
for: A Window on the ‘New’
Sociology of Childhood
12 Baraldi, C.; Cockburn, Theorising Childhood: 2018 E-book: Studies
Tom. Citizenship, Rights and Childhood and Youth
Participation53

1.3.3 Web of Science

As pesquisas empreendidas nessa base de dados ocorreram em vários momentos


distintos. Inicialmente, optou-se pela utilização isolada do parâmetro de busca ("child*
participation"), dentre as “categorias do Web Of Science”, optei pelas seguintes:

52
Até a linha 4, incluindo-a, constam os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a utilização da
“conjunção de tópicos 1”: (child* participation AND "Sociology of Childhood").
53
Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=_gRTDwAAQBAJ&lpg=PA49&ots=D-
YYnzURxQ&dq=Childhood.%20Oxford%2C%20England%3A%20Polity%20Press.%20Retrieved%20fr
om&hl=pt
BR&pg=PR4#v=onepage&q=Childhood.%20Oxford,%20England:%20Polity%20Press.%20Retrieved%2
0from&f=false>
185

education educational research; or social issues; or social sciences interdisciplinary; or


history philosophy of science; or multidisciplinary sciences; or sociology. Tendo sido
listados 96 trabalhos no total, sendo somente 16 de acesso aberto, foi feita uma seleção
dentre aqueles e, em seguida, partiu-se para a segunda estratégia de busca, com a
utilização dos tópicos conjugados ("child* participation") AND ("sociology of
childhood"), que redundou em apenas 3 trabalhos listados, já repetidos na busca anterior,
motivo pelo qual não serão listados no quadro 16. Este fato motivou a feitura de uma
terceira busca, desta vez com a conjugação dos tópicos assim formulados ("child*
participation") OR ("child* agency") OR ("child* actor*") OR ("child* voice") OR
("child* protago*") AND ("sociology of childhood"), indicado no quadro 16
simplesmente por conjugação 1. Sem aplicação de filtros, foram listados 635 trabalhos.
Diante deste elevado número, nas categorias disponíveis na base de dados, refinou-se a
busca para que fossem listados apenas os trabalhos das áreas education educational
research or social issues or education scientific disciplines or social sciences
interdisciplinary or multidisciplinary sciences or sociology or psychology social or
humanities multidisciplinary or communication. Disto resultaram 154 trabalhos listados,
dentre os quais foi feita a seleção, sendo somente 25 com acesso aberto.
Ainda nesta base de dados, considerando o avanço nas leituras sobre o tema
participação infantil e a necessidade de consubstanciar teoricamente os referenciais sobre
a infância e as crianças, decidiu-se por fazer uma quarta pesquisa com os seguintes
procedimentos: na ferramenta ou base de dados “Principal Coleção do Web Of Science”,
com acesso para assinantes via CAFe, em “Pesquisa Básica”, foi utilizada de forma
isolada a expressão "childhood studies", sem estipular critério temporal, o que resultou
em 286 trabalhos listados. No filtro “Categorias do Web of Science”, refinou-se a busca
para que fossem listados trabalhos de áreas de conhecimento específicas, o que resultou
em 198 trabalhos de tipologia variada, a partir dos quais foi feita a seleção para compor
esse balanço.
O quadro 18, abaixo, informa o quantitativo de artigos encontrados e selecionados
em cada busca, de acordo com cos critérios de inclusão e exclusão.
186

Quadro 18: quantitativo de artigos científicos na Web Of Science:

PRIMEIR SEGUND TERCEIR


TOTAL SELEÇÃO
A A A
FINAL
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO

"child* participation" 96 03 03 03 03
Conjugação 1 154 33 13 13 13
"childhood studies" 198 57 45 45 45
total 448 93 61 61 61

As informações principais dos artigos que atenderam a todos os critérios constam


no quadro 19, que se segue:
Quadro 19– artigos selecionados na Web of Science
Autor título ano Periódico ou
Tipologia
01 Lundy, Laura In defence of tokenism? 2018 Childhood-A Global
Implementing children's right to Journal Of Child
participate in collective Research
decision-making
02 Berrick, Jill Duerr; International Perspectives on 2018 International Journal
Dickens, J; Dickens, Child-responsive Courts Of Childrens Rights
Jonathan; Poso, Tarja;
Skivenes, Marit
03 Horgan, Deirdre54 Consultations with Children 2017 Social Inclusion
and Young People and Their
Impact on Policy in Ireland
04 Shaik, Naseema55 Teachers' beliefs about child 2016 South African Journal
participation in Grade R Of Childhood
Education
05 Serrano Arenas, Denys; Child Participation and living 2015 Revista Electronica
Victorino Ramirez, together in school space: an Calidad en la
Liberio experience of improvement in Educacion Superior
primary education Universidad Estatal a
Distancia, Costa Rica
06 Shaik, N.; Ebrahim, H. B. Children's agency in Grade R: 2015 South African Journal
A case for a child participation of Education
focus
07 Gallego Henao, Adriana Adult conceptions of child 2015 Zona Próxima-
Maria; Gutierrez Suarez, participation in relation to Universidad del
Damariz decision-making for children Norte,
Colombia
08 Theobald, Maryanne; Child participation in the early 2011 Australasian Journal
Danby, Susan; Ailwood, years: Challenges for education of Early Childhood
Jo
09 Kellett, Mary Empowering Children and 2011 Child Indicators
Young People as Researchers: Research - Springer
Overcoming Barriers and
Building Capacity
10 Henderson, Patricia C. Theorising creative expression 2011 Perspectives In
in children's participation Education, University

54
Até a linha 3, incluindo-a, estão listados os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a utilização
do tópico "child* participation".
55
A partir da linha 4, incluindo-a, estão constam os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a
utilização da conjugação 1: ("child* participation") OR ("child* agency") OR ("child* actor*") OR ("child*
voice") OR ("child* protago*") AND ("sociology of childhood").
187

of the Free State,


South Africa
11 Wyness, Michael Children Representing 2009 Childhood- A Global
Children Participation and the Journal Of Child
problem of diversity in UK Research
youth councils
12 Leinaweaver, Jessaca B. Choosing to move - child 2007 Childhood-A Global
agency on Peru's margins Journal Of Child
Research
13 Blanchet-Cohen, N; Partnership between children 2006 Childhood- A Global
Rainbow, B and adults? The experience of Journal Of Child
the International Children's Research
Conference on the Environment
14 Ben-Arieh, A; Boyer, Y Citizenship and childhood - The 2005 Childhood-A Global
state of affairs in Israel Journal Of Child
Research- SAGE
Publications.
London, Thousand
Oaks
and New Delhi
15 Jans, M Children as citizens - Towards 2004 Childhood-A Global
a contemporary notion of child Journal Of Child
participation Research- SAGE
Publications.
London, Thousand
Oaks
and New Delhi
16 Wyness, MG Childhood, agency and 1999 Childhood-A Global
education reform Journal Of Child
Research- SAGE
Publications.
London, Thousand
Oaks
and New Delhi
17 Herbots, Katrien; Put, The Participation Disc A 2015 International Journal
Johan Concept Analysis of (a) Child Of Childrens Rights-
('s Right to) Participation
1856 Florian Esser, Meike S. Reconceptualising Agency and 2016 Routledge Research
Baader, Tanja Betz, Childhood: New Perspectives in in Education Series
Beatrice Hungerland Childhood Studies57 [livro]
(Orgs.)
19 Moderator: Leena Alanen, Cross-disciplinary 2018 Childhood
Participants: Claudio conversation in childhood
Baraldi, Ning de Coninck- studies: Views, hopes,
Smith, Caitríona Ní experiences, reflections
Laoire, Kay Tisdall
20 Holmberg, Linnea The future of childhood studies? 2018 Childhood
Reconstructing childhood with

56
A partir da linha 18, incluindo-a, estão listados os trabalhos selecionados a partir da busca feita com a
utilização do tópico isolado ("childhood studies").
57
Nos resultados da busca empreendida, foram listadas resenhas do livro citado na linha 18 da tabela nº 19.
Optou-se por incluir a referência do livro e não das resenhas porque, tendo acesso à página da editora, foi
possível a leitura do sumário e o dowload do Capítulo 6, intitulado “Extending agency: The merit of
relational approaches for Childhood Studies, de autoria de Eberhard Raithelhuber. As demais pesquisas
que compoem o livro são pagas, mas considerando a atualidade da sua edição, datada em 2016 e a relevância
das discussões sobre o conceito de agência, lá constantes, serão analisadas as possibilidades de aquisição
dos capítulos mais importantes para a construção da dissertação, o que também justifica a inclusão, neste
balanço, do título do livro, e não de suas partes.
188

ideological dilemmas and


metaphorical expressions
21 Moderator: Daniel Past, present and futures of 2018 Childhood
Thomas Cook, childhood studies: A
Participants (years serving conversation with former
as Editor): Ivar Frønes, editors of Childhood
Irene Rizzini, Jens
Qvortrup, Olga
Nieuwenhuys, Virginia
Morrow

22 Salgues, Camille Bourdieu without childhood: 2018 Childhood


Methods and theoretical
postulates of a study on French
working-class children
23 Moran-Ellis, Jo; Sunker, Childhood studies, children's 2018 International Review
Heinz politics and participation: Of Sociology-Revue
perspectives for processes of Internationale De
democratisation58 Sociologie
24 Nascimento, Maria Leticia Childhood studies and research 2018 Childhood And
challenges: estrangement and Philosophy, Rio de
interdependence, complexity Janeiro.
and interdisciplinarity59
25 Libardi, Suzana Santos; Listening listening to adults 2018 Childhood And
Ursin, Marit about childhood protection and Philosophy, Rio de
children in homeless situation Janeiro.
in urban brazil 60
26 Crous, Gemma; Child social exclusion 2017 Children and Youth
Bradshaw, Jonathan Services Review
27 Voltarelli, Monique Contributions on the field of 2017 Educar em Revista,
Aparecida Sociology of childhood: Curitiba, Brasil, n.
dialogues with Lourdes Gaitán 65, p. 267-282,
Muñoz61 jul./set. 2017
28 Anarchism and decolonization: 2017 childhood &
Coelho, Olivia Pires; possibilities for thinking about philosophy, rio de
Silveira Barbosa, Maria childhood62 janeiro, v. 13, n. 27,
Carmen maio-ago. 2017, pp.
335-352
29 Alanen, Leena Childhood studies and the 2017 Childhood- a global
challenge of ontology journal of child
researchv.
24; edição: 2 p. 147-
150 [editorial]
30 Hammersley, Martyn *Childhood Studies: A 2017 Childhood-a Global
sustainable paradigm? Journal of Child
research

58
Considerando que o acesso a este trabalho é limitado, sua inclusão no balanço se deu com base na leitura
do resumo disponibilizado. Ainda será avaliada sua imprescindibilidade para a dissertação.
59
Texto salvo na versão em língua portuguesa sob o título: “estudo da infância e desafios da pesquisa:
estranhamento e interdependência, complexidade e interdisciplinaridade.”
60
Texto salvo na versão em língua portuguesa sob o título: “escutando os adultos sobre proteção da infância
e crianças em situação de rua no brasil urbano”.
61
Trata-se de entrevista publicada em periódico acadêmico brasileiro em língua espanhola. Encontra-se,
também, sob as seguintes titulações traduzidas para o espanhol e para o português, respectivamente:
“Contribuciones en el campo de la Sociología de la Infancia: diálogos com Lourdes Gaitán Muñoz” e
“Contribuições sobre o campo da Sociologia da Infância: diálogos com Lourdes Gaitán Muñoz”.
62
Trata-se de publicação em língua portuguesa, constante em periódico nacional sob o título: “anarquismo
e descolonização: possibilidades para pensar a infância”.
189

Vol. 24 ed. N. 1 pp.


113-127
31 Graham, Anne; Powell, *Reframing "well-being' in 2017 Cambridge Journal of
Mary Ann; Thomas, Nigel; schools: the potential of Education.
Anderson, Donnah recognition Vol. 47; Ed. 4. Pp.
439-455
32 Hartung, Catherine *Reconceptualising agency and 2017 Childrens
childhood: new perspectives in Geographies
childhood studies Vol.15. Ed. 6. Pp.
754-755
33 Fitzmaurice, Luke Children's voices in system 2017 Aotearoa New
reform: A case study on Zealand Social Work.
children and young people's Vol.29. Ed.1. Pp. 41-
participation within the 52
modernisation of Child, Youth
and Family
34 Anderson, Donnah L.; Improving student wellbeing: 2016 School Effectiveness
Graham, Anne P. having a say at school and School
Improvement
Vol.27. Ed.3 Pp. 348-
366
35 Meehan, Catherine *Every child mattered in 2016 Early Child
England: but what matters to Development And
children? Care. Vol. 186 Ed. 3.
Pp. 382-402
36 Mayes, Eve *Shifting research methods with 2016 Childhood-A Global
a becoming-child ontology: Co- Journal Of Child
theorising puppet production Research
with high school students Vol.23. Ed.1 Pp. 105-
122
36 Nielsen, Harriet Bjerrum * The Arrow of Time in the 2016 Children & Society.
Space of the Present: Vol. 30. Ed. 1. Pp. 1-
Temporality as Methodological 11
and Theoretical Dimension in
Child Research
37 Clausen, Sigrid Brogaard * Schoolification or early years 2015 Contemporary Issues
democracy? A cross-curricular in Early Childhood.
perspective from Denmark and Vol. 16. Ed. 4.
England Pp.355-373
38 Meloni, Francesca; *Towards a relational ethics: 2015 Anthropological
Vanthuyne, Karine; Rethinking ethics, agency and Theory. Vol.15 Ed.1.
Rousseau, Cecile dependency in research with Pp 106-123
children and youth
39 Kraftl, Peter Alter-Childhoods: Biopolitics 2015 Annals Of The
and Childhoods in Alternative Association Of
Education Spaces American
Geographers. Vol.
105. Ed. 1 Pp.219-
237
40 Andresen, Sabine **Childhood Vulnerability: 2014 Child Indicators
Systematic, Structural, and Research
Individual Dimensions Vol. 7. Ed. 4. Pp.
699-713
41 Betz, Tanja Risks in Early Childhood. 2014 Child Indicators
Reconstructing Notions of Risk Research. Vol. 7 Ed.
in Political Reports on Children 4. Pp. 769-786
and Childhood in Germany
42 Betz, Tanja **Counting What Counts. How 2013 Child Indicators
Children are Represented in Research. Vol. 6. Ed.
4 Pp. 637-657
190

National and International


Reporting Systems
43 Thomas, Nigel The Agency of Children: from 2013 The British Journal of
Family to Global Human Social Work, Vol. 43,
RightsChildhoods Real and Issue 8, 1 December
Imagined, Volume 1: An 2013, Pp. 1670–1672.
Introduction to Critical Realism [RESENHA].
and Childhood Studies63.
44 Schnoor, Oliver *Early childhood studies as 2013 Childhood-A Global
vocal studies: Examining the Journal Of Child
social practices of 'giving voice Research
to children's voices' in a creche Vol. 20. Ed. 4. Pp.
458-471
45 Tuukkanen, Terhi; Children's life world as a Childhood-A Global
Kankaanranta, Marja; perspective on their citizenship: Journal Of Child
Wilska, Terhi-Anna The case of the Finnish 2013 Research. Vol. 20.
Children's Parliament Ed. 1. Pp. 131-147.
46 Alanen, Leena Disciplinarity, 2012 Childhood-A Global
interdisciplinarity and Journal Of Child
childhood studies64 Research.
Vol. 19 Ed. 4 Pp.
419-422.
47 Ryan, Kevin William **The new wave of childhood 2012 Childhood-A Global
studies: Breaking the grip of Journal Of Child
bio-social dualism? Research. Vol. 19.
Ed. 4. Pp. 439-452
48 Tisdall, E. Kay M.; Punch, ** Not so 'new'? Looking 2012 Childrens
Samantha critically at childhood studies Geographies
Vol. 10. Ed. 3. Pp.
249-264 Edição
especial: SI
49 Bacon, Kate **'Beings in their own right'? 2012 Childrens
Exploring children and young Geographies. Vol. 10.
people's sibling and twin Ed. 3. Pp. 307-319.
relationships in the Minority Edição especial: SI
World
50 Graham, Mekada *Changing Paradigms and 2011 British Journal Of
Conditions of Childhood: Social Work. Vol. 41.
Implications for the Social Ed. 8. Pp. 1532-1547
Professions and Social Work
51 Taylor, Affrica *Reconceptualizing the 'nature' 2011 Childhood-A Global
of childhood Journal Of Child
Research. Vol. 18.
Ed. 4. Pp. 420-433

63
O trabalho constante na linha 43 da tabela 19, foi incluído por tratar-se de uma resenha elaborada com
base em dois livros tidos como referência básica aos estudos da infância no âmbito acadêmico internacional,
são eles “The Agency of Children: from Family to Global Human Rights”, de autoria de David Oswell,
(Cambridge University Press: Cambridge 2013, pp. 312) e o “Childhoods Real and Imagined, Volume 1:
An Introduction to Critical Realism and Childhood Studies”, escrito por Priscilla Alderson, (Routledge:
Oxfordshire, 2013, pp. 232). Até o momento, desconhece-se sobre a tradução para o português dessas
edições, no entanto, as publicações originais em inglês estão disponíveis para compra on-line, o que será
feito, considerando a relevância para a construção da dissertação. Incluída, neste balanço, a resenha dos
livros aqui mencionados, tem-se por incluídos os próprios livros.
64
Trata-se do editorial escrito para o volume 19, n. 4, do periódico Childhood. Muitos dos artigos
publicados nessa edição não foram listados nos resultados da busca empreendida, contudo, tendo acesso ao
portal da SAGE Journals, editora responsável pelas publicações do Childhood Journal, foi possível efetuar
o download de um artigo com acesso aberto relevante para o relatório de pesquisa, intitulado “Love, rights
and solidarity: studying children's participation using Honneth's theory of recognition”, escrito por Nigel
Thomas.
191

52 Valentine, Kylie **Accounting for Agency 2011 Children & Society.


Vol. 25 Ed. 5. Pp.
347-358
James, Adrian L. **Competition or integration? 2010 Childhood-A Global
The next step in childhood Journal Of Child
studies? Research. Vol. 17.
Ed. 4. Pp. 485-499
53 Koch, Gertraud; Sorensen, **Childish Science 2011 Science as Culture.
Estrid; Levidow, Les. Introduction Vol. 20. Ed. 4. Pp.
421-431. Edição
especial: SI
54 Moran-Ellis, Jo **Reflections on the Sociology 2010 Current Sociology.
of Childhood in the UK Vol. 58. Ed.: 2. Pp.
186-205.
55 de Castro, Lucia Rabello; **Childhood and its Regimes of 2010 Current Sociology.
Kosminsky, Ethel V. Visibility in Brazil An Analysis Vol. 58 Ed. 2. Pp.
of the Contribution of the Social 206-231
Sciences
56 Cook, Daniel Thomas **When a child is not a child, 2009 Childhood-A Global
and other conceptual hazards of Journal Of Child
childhood studies Research. Vol. 16.
Ed.1. Pp. 5-10.
57 Powell, Mary Ann; Smith, ***Children's Participation 2009 Childhood-A Global
Anne B. Rights In Research Journal Of Child
Research. Vol. 16.
Ed. 1. Pp. 124-142.
58 Hedegaard, Mariane *Children's Development from 2009 Mind Culture And
a Cultural-Historical Activity
Approach: Children's Activity
in Everyday Local Settings as Vol. 16. Ed. 1 Pp. 64-
Foundation for Their 81
Development
59 Bluebond-Langner, Myra; **Challenges and opportunities 2007 American
Korbin, Jill E. in the anthropology of Anthropologist. Vol.
childhoods: An introduction to 109. Ed. 2 Pp. 241-
"children, childhoods, and 246.
childhood studies"
60 Thorne, Barrie Crafting the interdisciplinary 2007 Childhood-A Global
field of childhood studies Journal Of Child
Research
Vol. 14. Ed. 2. Pp.
147-152
61 De Castro, LR **Otherness in me, otherness in 2004 Childhood-A Global
others: Children's and youth's Journal Of Child
constructions of self and other Research. Vol. 11.
Ed.4 Pp. 469-493

1.3.4 Total de Artigos Científicos Selecionados

O quantitativo de artigos selecionados para compor o balanço está exposto no quadro


20, abaixo:
Quadro 20: quantitativo total de artigos selecionados.
Scopus Mendeley Web of
Scielo PP/CAPES LaReferencia
Science
192

01 32 07 9 12 61
Fonte: quadro elaborado pela autora

1.4 TRABALHOS DISPONIVEIS NA BIBLIOTECA VIRTUAL DA ANPED

Foram várias as etapas de levantamento de produções submetidas e divulgadas


pelo site da ANped. Inicialmente, partiu-se para uma pesquisa exploratória diretamente
na ferramenta de busca da Biblioteca digital do site da Associação, sem especificação de
“tipo de documento”, “série” ou “grupo de trabalho”. Considerando que a busca com o
uso do descritor “Participação Infantil” redundou em apenas 2 (dois) trabalhos e
“Participação das Crianças” em 1 (um) item, decidiu-se pelo uso do termo isolado
“Participação”, para ampliação dos resultados. Depois, foi utilizado como tópico de busca
a expressão “protagonismo infantil”, sem resultados listados.
Para ampliar o universo de trabalhos, optou-se somente pelo uso do tópico
“protagonismo”, tendo sido listados 3 trabalhos. Julgando por insuficiente este
quantitativo, foi realizada uma outra pesquisa, com a utilização do tópico “crianças65”.
Com o uso deste descritor, foram listados 304 trabalhos. Após a leitura dos títulos, foram
selecionados os textos que abordavam conteúdos que pudessem contribuir para a
compreensão do tema.
O quantitativo de trabalhos listados, por descritores, encontra-se no quadro 21, a
seguir:
Quadro 21: levantamento quantitativo dos trabalhos disponíveis na Biblioteca Virtual da ANPEd, por
descritor.

DESCRITOR PRIMEIR SEGUND TERCEIR


TOTAL SELEÇÃO
A A A
FINAL
SELEÇÃO SELEÇÃO SELEÇÃO

“Participação Infantil” 02 00 00 00 00
“Participação das Crianças” 01 00 00 00 00
“Participação” 30 03 03 03 03
“Protagonismo” 03 01 00 00 00
“Crianças” 304 16 09 09 09
Total 340 20 12 12 12
Fonte: quadro elaborado pela autora
Os dados dos trabalhos que compõem o balanço estão no quadro 22, a seguir:
Quadro 22 – trabalhos selecionados nos anais das reuniões nacionais da ANPEd

65
Essa nova pesquisa foi motivada para que fosse encontrado um trabalho específico, intitulado “Caminhos
para a participação infantil”, de autoria de Kátia Adair Agostinho, que não foi listado nas buscas anteriores
e nem tampouco nas demais.
193

AUTOR TÍTULO ANO GRUPO DE


TRABALHO e
REUNIÃO
01 FREIRE, Juciley Silva Concepções de 2012 GT05 - Estado e
Evangelista Participação nas Políticas Política Educacional
Educacionais: Reunião: 35ª Reunião
Fundamentos Sócio- Anual da Anped
Históricos
02 BORBA, Angela Meyer As Culturas da infância 2006 GT07 - Educação de
nos espaços-tempos do Crianças de 0 a 6 anos
brincar: estratégias de Reunião: 29ª Reunião
participação e construção Anual da Anped
da ordem social em um
grupo de crianças de 4-6
anos
03 Oliveira, Fabiana de66 A criança e sua relação 2015 GT07 - Educação de
com a sociedade: Crianças de 0 a 6 anos
considerações sobre a Reunião: 37ª Reunião
participação infantil nos Nacional da Anped
espaços públicos
04 SENNA, Maria Teresa Telles Pesquisar a compreensão 2012 GT07 - Educação de
Ribeiro compartilhada em Crianças de 0 a 6 anos
contextos da Educação Reunião: 35ª Reunião
Infantil: (re)visitando Anual da Anped
Barbara Rogoff e Urie
Bronfenbrenner
05 BARBOSA, Ivone Garcia; Infância e Cidadania: 2008 GT07 - Educação de
ALVES, Nancy Nonato de Lima; ambiguidades e Crianças de 0 a 6 anos
MARTINS, Telma Aparecida contradições na Educação Reunião: 31ª Reunião
Teles Infantil Anual da Anped
06 CRUZ, Silvia Helena Vieira Ouvindo crianças: 2004 GT07 - Educação de
considerações sobre o Crianças de 0 a 6 anos
desejo de captar a Reunião: 27ª Reunião
perspectiva da criança Anual da Anped
acerca da sua experiência
educativa
07 BUJES, Maria Isabel Edelweiss Artes de governar a 2007 GT07 - Educação de
infância: no cruzamento Crianças de 0 a 6 anos
entre a ética e a política Reunião: 30ª Reunião
Anual da Anped
08 TAVARES, Leandro Henrique de “Meu irmão tem 3 anos e 2015 GT07 - Educação de
Jesus não estuda porque ele é Crianças de 0 a 6 anos
criancinha” - o que dizem Reunião: 37ª Reunião
as crianças sobre a Nacional da Anped
educação infantil e o
Direito?
09 SANTOS, Solange Estanislau dos Culturas Infantis e 2005 GT07 - Educação de
saberes: caminhos Crianças de 0 a 6 anos
recompostos Reunião: 28ª Reunião
Anual da Anped
10 CASTILHANO, Ana Lucia O GT 7 Da Anped: 2005 GT07 - Educação de
Direitos e Educação da Crianças de 0 a 6 anos
criança pequena Reunião: 28ª Reunião
Anual da Anped

66
Até a linha 3, incluindo-a, constam os trabalhos resultantes da busca feita com a utilização do tópico
“participação”. Da linha 4 em diante, incluindo-a, constam os trabalhos selecionados a partir dos resultados
obtidos pelo uso do tópico “crianças”.
194

11 SARAVALI, Eliane Giachetto Trabalhando os Direitos 2005 GT07 - Educação de


das crianças numa sala de Crianças de 0 a 6 anos
Educação Infantil Reunião: 28ª Reunião
Anual da Anped
12 BUJES, Maria Isabel Edelweiss Que infância é esta? 2000 GT07 - Educação de
Crianças de 0 a 6 anos
Reunião: 23ª Reunião
Anual da Anped
Fonte: quadro elaborado pela autora

1.4.1 Total de trabalhos em anais selecionados

O quantitativo de trabalhos selecionados na biblioteca virtual da ANPed encontra-


se especificado no quadro 23, abaixo:

Quadro 23 – Quantitativo de trabalhos selecionado na biblioteca virtual da ANPed


evento ANPEd total
quantidade 12 12

1.2 QUANTITATIVO GERAL DE TRABALHOS SELECIONADOS

O total geral de trabalhos selecionados para compor o balanço, incluindo as


produções acadêmicas nacionais e internacionais, distribuídos entre tipologias e as bases
de dados em que foram coletados, está exposto no quadro 24, que segue:
Quadro 24: Total geral de trabalhos selecionados, por tipologia e base de dados:
TIPOLOGIA BASE DE DADOS QUANTIDADE/BASE TOTAL TIPOLOGIA
Dissertações CAPES 05
BDBT 0 05
LAreferencia 7
Teses CAPES 4
BDBT 1 5
LAreferencia 0
Artigos Scielo 1
P. P. CAPES 32
Mendeley 12
122
Scopus 9
WOS 61
LAreferencia 7
Trabalhos em anais ANPEd 12 12
TOTAL GERAL: 144
Fonte: quadro elaborado pela autora

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