Destinada Ao Alfa - Priscila Veiga
Destinada Ao Alfa - Priscila Veiga
Destinada Ao Alfa - Priscila Veiga
Maeve não sabia que seu destino estava traçado muito além do que ela
conhecia sobre sua origem. Ao completar 21 anos, os sonhos com um lobo
misterioso a consomem, despertando um chamado irresistível para buscá-lo,
custe o que custar.
À espreita, uma força sombria ameaça impedir que esse destino se cumpra.
Uma antiga profecia entrelaça suas vidas, e o futuro da alcateia depende do
encontro dessas almas predestinadas.
Hierarquia da Alcateia Névoa
• Alfa - O comandante supremo, líder da Alcateia, responsável por todas
as decisões e pela proteção de seu povo. Stefan Mihailov, com sua aura hipnótica
e intensa, ocupa essa posição.
• Beta - O segundo em comando, o braço direito do Alfa, responsável por
ajudar a liderar e tomar decisões em sua ausência. Eles são os conselheiros mais
próximos do Alfa.
• Gamma - Responsáveis pela segurança e treinamento dos guerreiros da
Alcateia. Eles coordenam as patrulhas e garantem que todos estejam preparados
para defender a Alcateia.
• Delta - Os estrategistas e táticos da alcateia, encarregados de planejar
ações defensivas e ofensivas. Eles analisam ameaças e oportunidades, auxiliando
o Alfa e o Beta em questões de guerra e defesa.
• Epsilon - Os curandeiros e místicos da matilha, responsáveis pela saúde
física e espiritual dos membros. Eles utilizam conhecimentos ancestrais e
naturais para curar feridas e doenças.
• Zeta - Os embaixadores e negociadores da alcateia, encarregados de lidar
com outras alcateias e facções. Eles são diplomatas habilidosos, assegurando
alianças e resolvendo conflitos externos.
• Omega - Os membros comuns da alcateia, que desempenham diversas
funções necessárias para o funcionamento diário. Embora ocupem o nível mais
baixo na hierarquia, são essenciais para a coesão e o bem-estar da comunidade.
• Líderes de Clã - Dentro da matilha, existem clãs familiares, cada um
liderado por um chefe que responde diretamente ao Alfa. Eles garantem a ordem
e a lealdade dentro de suas próprias linhagens.
• Guardiões da Névoa - Guerreiros de elite, escolhidos a dedo pelo Alfa,
encarregados da proteção direta do líder e das missões mais perigosas. Eles são
conhecidos por sua lealdade inabalável e habilidades excepcionais.
• Anciãos - Os mais velhos e sábios da alcateia, que servem como
conselheiros e mantenedores das tradições. Eles possuem uma vasta experiência
e conhecimento, oferecendo orientação em tempos de necessidade.
Clãs da alcateia Névoa
• Clanul Inimilor de Fier (Clã dos Corações de Ferro) - Conhecidos por
sua lealdade inabalável e coragem imensa, sempre prontos para proteger a
matilha com ferocidade. Líder: Dacian Irimia.
• Clanul Ochilor de Lup (Clã dos Olhos de Lobo) - Mestres da vigilância
e da percepção, com uma habilidade aguçada para detectar ameaças e
oportunidades. Líder: Bogdan Iliescu.
• Clanul Ghearelor de Foc (Clã das Garras de Fogo) - Famosos por sua
bravura e espírito ardente, sempre prontos para lutar com intensidade e paixão.
Líder: Nicolae Dragomir.
• Clanul Vânturilor Tăcute (Clã dos Ventos Silenciosos) - Especialistas
em espionagem e movimento furtivo, se movem com uma graça quase etérea.
Líder: Vasile Dumitrescu.
• Clanul Lamelor de Argint (Clã das Lâminas de Prata) - Guerreiros de
elite com habilidades excepcionais em combate, conhecidos pela precisão e
eficácia. Líder: Victor Fierar.
• Clanul Rădăcinilor Adânci (Clã das Raízes Profundas) -
Profundamente conectados à terra e às tradições, guardiões das antigas
sabedorias e práticas curativas. Líder: Gabriel Pământ.
• Clanul Ecourilor Strămoșești (Clã dos Ecos Ancestrais) - Portadores
das histórias e lendas da matilha, mantendo viva a memória e a cultura da
matilha. Líder: Cirpian Negru.
• Clanul Spinilor Tăioși (Clã dos Espinhos Cortantes) - Defensores
ferozes do território, conhecidos por suas táticas defensivas e capacidade de
proteger a matilha de invasões. Líder: Petru Damian.
• Clanul Apelor Liniștite (Clã das Águas Serenas) - Pacientes e sábios,
especializados em estratégias a longo prazo e na manutenção da paz dentro da
matilha. Líder: Florin Bãlan.
• Clanul Umbrelor Nocturne (Clã das Sombras Noturnas) - Hábiles em
manobras durante a noite e na escuridão, trazendo um ar de mistério e segredo à
matilha. Líder: Andrei Cazacu.
Prólogo
Ando por entre as árvores ainda tentando descobrir como vim parar neste
lugar, não parece nada que eu já tenha visto, uma neblina densa se espalha
deixando o local ainda mais sombrio. Como se andar no meio de uma floresta à
noite não fosse bastante assustador.
Olho para todos os lados tentando encontrar a melhor direção para
seguir, mas o medo me paralisa, acabo escolhendo um lado e sigo acreditando
que vai dar certo e vou encontrar uma casa, ou qualquer coisa que me ajude a
descobrir onde estou. Um barulho de galhos quebrando como se fossem pisados,
seguido de um rosnado baixo são suficientes para causar um arrepio na
espinha, nessa altura já estou apavorada e pronta para correr.
“Minha.”
A palavra é sussurrada na minha mente, como se alguém tentasse se
comunicar comigo usando telepatia, pode ser o animal que rosnou para mim,
mas não estou disposta a descobrir se ele está em missão de paz ou pretende me
devorar. Abro um sorriso ao me lembrar da velha história da Chapeuzinho
Vermelho e do Lobo Mau, totalmente fora de hora, mas estou tão assustada
quanto a pobre Chapéu.
O rosnado ecoa novamente e, por mais que eu esteja curiosa para saber se
o animal é um lobo mesmo, o medo é mais forte e me mantém andando para trás
enquanto olho para o local de onde acho ter vindo o barulho. Dois globos
prateados, intensos como a luz da lua em noite de cheia. Parecem olhos.
“Minha.”
Corro por entre as árvores, de tantas vezes andando por essa floresta já
me sinto familiarizada com o local, em outros sonhos passei pelos mesmos
lugares. Chego a uma clareira ampla e iluminada pela luz da lua de forma que
parece mágica, vejo uma fogueira acesa exatamente no meio da clareira e ando
até ela.
Olho para os lados procurando o lobo para perguntar qual direção devo
seguir, mas agora que estou tão perto me sinto com medo do que vou encontrar.
O lobo que visita os meus sonhos pode realmente ser um animal selvagem e não
tenho nenhuma intenção de me relacionar com um animal, por mais que não
pareça tão irracional.
Quando ouço o costumeiro som de galhos quebrando, me viro na direção,
mas não vejo um lobo e sim um homem alto, de cabelos escuros e o rosto
encoberto pela sombra que as árvores fazem.
― Você está mais perto, pequena.
― Eu já ouvi essa voz.
― Não tenha medo. Confie no seu instinto.
― Quem é você? ― pergunto e consigo ver a sombra de um sorriso no
seu rosto.
Você não se lembra?
― Mas...
Franzo a testa tentando enxergar os detalhes, mas nem a cor dos olhos
consigo ver, é como se algo não estivesse certo, ou de alguma forma não fosse o
momento para vê-lo.
― Eu sou… ― O fogo parece se intensificar na fogueira, me jogo no chão
por instinto, sem querer me machucar, mas sinto o calor no meu pulso como se o
fogo quisesse me mandar para longe.
Acordo mais assustada do que das outras vezes, meu braço arde levemente
e xingo ao ver o vermelho da pequena queimadura.
― Como pode? ― pergunto para o nada, mas acho que acordei minha tia.
― O que foi, minha filha?
― Tia, tem algo estranho, pensei que o sonho não pudesse me machucar
por não ser real, mas sonhei com uma fogueira que parecia tentar me afastar do
lobo e acordo com isso. ― Mostro a queimadura no braço e seus olhos
expandem de surpresa.
― O que aconteceu de diferente?
― Bom, não era exatamente um lobo que eu vi nesse sonho, mas um
homem.
― Homem-lobo? ― Aceno com a cabeça confirmando. ― Então é isso,
ele sempre se apresentou apenas na sua forma animal, dessa vez se apresentou na
sua forma habitual. Era bonito?
― A única coisa que consegui perceber é que ele é alto e tem cabelo
escuro.
― Só tem mais da metade da população mundial com esse biotipo,
querida. ― Rimos juntas e reviro os olhos tentando tirar o sonho da cabeça.
Arrumamos nossas mochilas e fazemos o checkout no hotel, rumando em
direção ao meu possível destino. Conseguimos um ônibus para nos levar mais
perto de Aurímia, mas demoraremos algumas horas para chegar, então paramos
em uma lanchonete para comer antes de seguirmos.
No fim do dia, sinto que estamos muito perto dele, mas ainda não é o local
que vou encontrá-lo. Perguntamos em uma lanchonete se há alguma cabana onde
podemos ficar e a dona do lugar nos informa de uma que o proprietário está
alugando, não temos muito dinheiro, mas dá para pagar pelo menos alguns dias
em uma cabana.
Usamos o telefone da lanchonete e minha tia negocia um valor justo por
algumas semanas, pois não sabemos exatamente quanto tempo ficaremos lá.
― Se o dinheiro que temos não for suficiente, podemos procurar trabalhos
em lanchonetes ou hotéis, não sei, qualquer coisa que nos ajude a ganhar
dinheiro e mais tempo por aqui ― digo para a minha tia que concorda com a
cabeça, mas não fala nada.
― Talvez seja a hora de tentar contatar minhas irmãs.
― Elas não têm telefone, tia, e não sabemos o número de ninguém
próximo, fica tranquila que logo elas terão notícias. ― Minha tia me encara
rindo por causa da clara mentira que acabei de soltar, já que o único jeito de falar
com minhas tias é mandando uma carta, e nós não mandamos nenhuma até
agora.
A dona da lanchonete pede para um rapaz nos levar até a cabana,
compramos algumas coisas para comermos e seguimos para o nosso lar
provisório.
Capítulo 4
A cada noite os sonhos estão mais intensos, e agora passo o dia sentindo o
cheiro dela. Devo estar enlouquecendo por causa do que o ancião disse, não
devia acreditar nessas besteiras, mas acreditei. Impossível não acreditar
sonhando com a mesma mulher há anos.
― Alfa! ― Levanto a cabeça e encaro o beta que me olha irritado. ― Está
bem? Parece distraído.
― Sente esse cheiro? ― Ele fareja o ar e me encara como se eu fosse
doido.
― De qual cheiro está falando, especificamente?
― Flor de laranjeira e sálvia. ― Ele franze a testa e fareja novamente.
― Estou sentindo o cheiro do assado que a Irina está preparando e não tem
nenhuma dessas coisas que falou.
― Mas que merda! ― reclamo, passando a mão no rosto.
Como se todos os problemas que tenho na alcateia não fossem o bastante,
preciso acrescentar perda da sanidade à imensa lista. Preciso me concentrar em
resolver a escassez de comida que não parece ter uma solução fácil e, muito
menos, barata, se considerar que esperamos um inverno bastante rigoroso este
ano e precisamos de comida para sobreviver a ele.
― Esquece, vamos ao que importa ― digo ao beta e continuamos
discutindo sobre o que podemos fazer e, o mais indicado, é escolher alguns
gammas ou deltas para caçarem animais grandes e dividirmos entre os clãs para
alimentar a todos. Depois nos preocupamos com o quanto conseguimos mandar
para ajudar as outras cidades, a prioridade é o nosso povo.
Levando em conta que todos são, essencialmente, carnívoros, conseguimos
aguentar algum tempo até resolvermos o problema diplomático que enfrentamos
com as cidades próximas.
― Escolha os melhores caçadores, montaremos duas equipes e sairemos
todos os dias para caçar, se alguns clãs quiserem mandar representantes para
participar das caçadas, está autorizado. ― O beta acena concordando e se
levanta, pronto para encerrar a reunião. ― Quanto falta para a lua cheia? ―
pergunto o fazendo parar antes de chegar até a porta.
― Uns três dias, mais ou menos ― diz me encarando uma última vez
antes de sair.
― Deve ser por isso que estou sentindo essas coisas.
Ou ela está realmente perto.
Passo os dias seguintes ajudando meu povo a caçar, mas hoje em especial
me sinto mais agitado, mesmo depois da caçada, como se o meu animal
desejasse ser libertado, correr livre pela floresta.
― Parece uma fera enjaulada, alfa ― diz o beta, sorrindo.
― Me sinto assim mesmo, preciso sair um pouco.
― Mas já escureceu, senhor, deseja que eu o acompanhe?
― Não, vai descansar, vou pedir para alguns guardas me acompanharem.
― Ele acena concordando com a minha escolha e me deixa sozinho.
Saio do castelo e encontro alguns guardiões nos seus postos, os chamo e
peço para avisarem aos outros para se reposicionarem e manter a proteção do
local.
Andamos em silêncio por alguns quilômetros dentro da floresta, só então
permito que o meu lobo desperte. Imediatamente, sinto a mudança nos meus
olhos, a visão mais aguçada do que o normal me dizendo que minhas íris
mudaram de azul para o prata do lobo. A pelagem branca começa a tomar conta
de todo o meu corpo, fecho os olhos sentindo o tremor causado pela força do
lobo ao se libertar, ossos estalam, moldando-se à nova forma, enquanto os
músculos se expandem e se contorcem.
Meu rosto se alonga, os dentes se tornando mais afiados e logo me apoio
sobre as quatro patas, com a transformação completa. Uivo ao olhar para a lua
cheia, luminosa, no céu.
Ergo o focinho farejando e o forte aroma de flor de cerejeira e sálvia quase
me derruba, rosno, sentindo o chamado da minha predestinada.
“Minha.”
Sinto a possessividade do lobo que se põe a correr, ansioso para encontrar
sua fêmea. Sei que os guardiões estão comigo, mesmo que eu não os esteja
vendo, sinto suas presenças.
Um vulto chama a minha atenção e corro na direção para onde está indo,
reduzindo a velocidade ao me aproximar e rosnando para os guardiões, os
avisando que devem esperar o meu comando para qualquer ação.
Cabelos ao vento, em vez dos vestidos claros e esvoaçantes dos sonhos,
uma capa vermelha a deixando como a personagem de um conto antigo. O lobo
se encanta pela figura feminina, o homem suspeita que possa não ser a nossa
companheira.
Caminho lentamente, tentando não fazer barulho, mas acabo pisando em
alguns galhos, o que chama a atenção dela. Se vira na minha direção e parece
encarar diretamente os meus olhos, arregalando os seus em surpresa.
― Você. ― Uma única palavra é o suficiente para ter certeza de que essa
mulher é aquela que habita os meus sonhos, a fêmea destinada a ser a minha
companheira.
Só tem um problema, pelo cheiro que sinto não é da minha raça, é muito
diferente, também não parece totalmente humana. Afinal, o que ela é?
Dou mais alguns passos na sua direção, ainda permanecendo mais afastado
do que eu gostaria, mas tentando não a assustar. Não estamos mais em um
sonho, isso aqui é real.
― Que tal voltar a ser um homem? ― pergunta e me recordo de alguns
dos últimos sonhos, em que não era o lobo, mas o homem quem a encontrava.
Respiro fundo, controlando os impulsos do lobo, sentindo o meu corpo
mudar novamente e, logo, um dos guardas está ao meu lado estendendo as
roupas para que eu me vista. Coloco a camisa sem me preocupar em abotoar e a
calça, sem me importar com sapatos.
― Melhor? ― pergunto a olhando.
― Um pouco. ― Sorrio, sentindo o meu lobo inquieto por eu me manter
ainda afastado dela, quando nós dois a queremos muito perto.
Me surpreendo por ser ela a tomar a atitude de se aproximar, mesmo
conseguindo sentir o cheiro do seu medo, sua coragem me deixa admirado.
― Qual o seu nome? ― pergunto.
― Maeve, e o seu?
― Stefan. ― Ela sorri e abaixa a cabeça ligeiramente.
― Bom, já nos conhecemos, acho que é hora de voltar. ― Ela se vira e eu
ando rapidamente para alcançá-la.
― Não pode ir, não agora que finalmente te encontrei. ― Ela se vira e
olha nos meus olhos.
― Eu sinto que estamos conectados, de alguma forma, mas não faço ideia
de como isso funcionaria, eu não sou como você.
― Preciso saber mais sobre você, podemos nos conhecer melhor, mas não
pode se afastar. ― A minha voz engrossa por conta do lobo que quer dominar,
mas esse não é o momento para impulsos e sim para ser racional.
Se ela correr será ainda mais difícil de controlar o animal, e Maeve parece
muito inclinada a fazer exatamente isso.
Capítulo 5
Eu estou completamente apavorada, apesar de querer estar mais
agasalhada, a minha tia fez questão que eu saísse com essa capa vermelha que
me deixa parecida com uma personagem de conto de fadas antigo, mas o que eu
conheço não acaba muito bem para a moça.
O meu primeiro impulso vendo o homem na minha frente que não parece
se importar com o vento gelado que bate nessa clareira, seria correr o mais
rápido que eu puder de volta para a cabana. Mas pelo que eu conheço de
histórias com lobos, eles correm muito mais do que os humanos em sua melhor
forma, então essa pode ser considerada uma ideia muito estúpida.
Ficar do lado de um homem desse tamanho que se transforma em um lobo,
também não parece uma ideia muito inteligente, imagina ser companheira dele,
como será a noite de núpcias?
Levanto a cabeça e olho nos seus olhos, esse é o meu erro, no sonho não
consegui ver seu rosto direito, mas ele é o homem mais lindo que já vi,
considerando todos os que passaram pela vila onde cresci. Seus olhos são de um
azul intenso profundo e hipnótico, parecem capazes de penetrar a alma de quem
cruzar seu caminho, inclusive parece estar tentando ler a minha.
Sinto nesse olhar uma intensidade que parece guardar segredos antigos,
uma sabedoria adquirida através de, quem sabe, séculos, sei que esses homens
têm uma longevidade impressionante. Ao me olhar diretamente, tenho a
sensação de que o tempo para e sua presença se torna mais avassaladora para a
minha frágil figura.
Stefan é alto e imponente, aparenta ter quase dois metros de altura, ombros
largos e um físico esculpido com precisão, lhe conferindo uma aura de poder. O
cabelo, de um preto profundo, cai em ondas suaves até a altura dos ombros,
parecendo encantadoramente desalinhado. Feições marcantes com maçãs do
rosto altas, maxilar bem-definido e lábios firmes que agora esboçam um sorriso,
revelando uma beleza perigosa e quase irresistível.
― Gosta do que vê, pequena? ― Sinto o meu rosto esquentar pela sua
pergunta, só então me dou conta de que o estou encarando por tempo demais,
conferindo todo o seu corpo como se fosse algum tipo de mercadoria.
Quero que o chão se abra, ai que vergonha!
― Sabe que é bonito, senhor. ― Abaixo a cabeça e o sinto se aproximar
mais.
Todo o meu corpo estremece com a sua proximidade, me dando a certeza
de que tudo o que sentia nos sonhos era mais real do que aparentava.
― Fico satisfeito que goste, você também é muito bela e graciosa. ―
Sinto o meu rosto esquentar mais, só que agora de irritação.
Sei que está tentando me elogiar, mas esse tipo de elogio é como se falasse
de uma criança ou bebê, e eu sou uma mulher, provavelmente jovem demais para
ele, ainda assim uma adulta.
― Agradeço, mas agora preciso voltar, a minha tia deve estar preocupada.
― Ele franze a testa.
― Vocês duas são bem-vindas para se hospedarem na minha casa, tenho
certeza de que estarão mais seguras e confortáveis.
Agora me sinto a Chapeuzinho sendo enganada pelo lobo mau. Que
trocadilho péssimo!
― Podemos nos ver amanhã novamente? ― pergunta, parecendo ter medo
de que eu desapareça e não volte mais.
O grande problema é que, eu continuaria tendo sonhos e ele poderia vir
atrás de mim, não sei se quero testar a paciência de um homem-lobo.
― Não posso garantir, mas vou falar com a minha tia.
― Onde está hospedada?
― Longe ― respondo, sem querer dizer exatamente o local.
― Até amanhã, micuta[1]. ― Franzo a testa sem entender do que ele me
chamou, mas não perco tempo perguntando, me afasto para a cabana sabendo
que ele pode me seguir se quiser.
Eu ainda estou em conflito se quero ou não que ele saiba exatamente onde
me encontrar, o meu corpo aquece só de me lembrar da forma como ele me
olhou, mas a minha mente grita pedindo cautela.
Entro na cabana e me encosto na porta fechada, minha tia levanta a cabeça
e se aproxima ao ver a minha expressão.
― O que aconteceu?
― Encontrei o lobo do sonho. ― Seus olhos expandem.
― E como foi? O que ele fez? Você está bem? ― Ela confere o meu corpo
para ter certeza de que não estou machucada.
― Só conversamos um pouco, ele quer que nós vamos passar um tempo
com ele, nos convidou para nos hospedarmos onde vive e quer me ver amanhã
de novo.
― Você sonha com esse lobo há meses, vocês parecem se conhecer há
muito tempo, talvez não tenha perigo, mas acho melhor conversarem mais antes
de decidirmos ir nos hospedar com ele.
― Então eu posso ver ele amanhã? ― Ela sorri.
― Minha criança, eu te amo e jurei te proteger quando seus pais se foram,
mas não adiantaria te prender dentro desta cabana depois de vir até aqui
encontrar o seu destino.
― Como funcionaria um relacionamento com ele? É um homem que se
transforma em lobo, é meio assustador pensar em como seria estar com ele,
considerando as circunstâncias.
― Você só vai descobrir se seguir a sua intuição, como sempre fez, se for
mesmo você a cumprir a profecia, o destino seguirá o curso independente dos
nossos medos.
― Eu vou amanhã, mas não vou usar a capa, fiquei parecendo a
Chapeuzinho Vermelho, chegando perto do lobo, pareço ainda mais uma
personagem de conto de fadas.
Minha tia sorri de forma carinhosa enquanto coloca um pouco de chá em
uma caneca antes de me entregar.
― Tome isso, vai ajudar a acalmar os ânimos e dormir mais tranquila. ―
Tomo o chá que minha tia fez, logo sentindo o sono me alcançar, então vou para
a minha cama e me deito, caindo no sono rapidamente.
Caminho por uma floresta densa, reconheço um pouco do caminho que fiz
para conhecer Stefan, a névoa mais espessa do que o normal, como se a
natureza estivesse em expectativa e os ventos sussurrassem contando histórias.
A cada passo, as árvores parecem ganhar vida, tentando dar um recado, uma
advertência que não consigo compreender. O chão sob os meus pés está frio e
coberto por folhas murchas, como se a vida estivesse a ponto de se esvair dessa
terra.
Um arrepio corre pelo meu corpo quando o vento se agita, uivando ao
meu redor e trazendo consigo o cheiro de sangue e cinzas. Avisto uma clareira à
minha frente com uma visão horrível nela. Lobos ferozes lutando uns contra os
outros, garras afiadas rasgando o ar com fúria. Procuro no meio dessa luta pelo
meu lobo, por Stefan, mas não o encontro liderando a sua alcateia.
Me escondo atrás de um tronco, procurando não ser vista e, em meio à
luta, uma figura sombria surge ao longe, envolta em um manto preto, seu rosto
coberto, mas o frio que emana é possível sentir de onde estou. O desconhecido
caminha entre os lobos, observando a batalha esperando, talvez, o momento
certo para agir. Reconheço nele uma força antiga, sombria, que não parece
estar presente para trazer a paz, mas sim a destruição.
De repente, a voz etérea se eleva, quase me causando dor física.
― O alfa será desafiado, não por força, mas por traição. O sangue dos
antigos será testado e a companheira destinada é a chave, mas também o alvo.
O que está por vir será além de garras e dentes. Uma trama se ergue nas
sombras, e o lobo solitário espreita entre aliados.
Afinal, essa voz é do desconhecido? É de outro lugar? A quem pertence?
Antes que eu possa cogitar fugir correndo, a luta para e os lobos me
encaram, ferozes, rosnando e mostrando as presas afiadas. O chão treme sob os
meus pés e sinto raízes roçarem meus calcanhares, como se tentassem me
prender. Tento pular, correr, escapar, mas sou capturada, então o desconhecido
age e, em um piscar de olhos, está na minha frente, me olhando com as íris
brancas, frias, me dando a certeza de que eu não tenho como fugir. Está tudo
acabado.
Ela carregará em seu ventre o herdeiro de um poder puro, que será tanto a
chave para a salvação quanto o alvo da escuridão.