Destinada Ao Alfa - Priscila Veiga

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Título original: Destinada ao Alfa

Copyright © 2024 por Priscila Veiga.


Revisão: Barbara Pinheiro
Capa: Maria Clara (Snake Designer)
Diagramação: Priscila Veiga
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por
qualquer forma e/ou quaisquer meios existentes sem
prévia autorização por escrito da autora.
Os direitos morais foram assegurados.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
pela lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do
Código Penal.
Versão Digital — 2024.
Sumário
Sumário
Sinopse
Hierarquia da Alcateia Névoa
Clãs da alcateia Névoa
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Epílogo
Agradecimento
Sobre a autora
Sinopse
O alfa da alcateia Névoa enfrenta problemas que colocam em risco a
existência de seu povo. Por anos, Stefan sonha com uma mulher desconhecida,
envolta em sombras, seu aroma e silhueta estão gravados em sua mente. Até que
a hora de encontrá-la finalmente chega.

Maeve não sabia que seu destino estava traçado muito além do que ela
conhecia sobre sua origem. Ao completar 21 anos, os sonhos com um lobo
misterioso a consomem, despertando um chamado irresistível para buscá-lo,
custe o que custar.

À espreita, uma força sombria ameaça impedir que esse destino se cumpra.
Uma antiga profecia entrelaça suas vidas, e o futuro da alcateia depende do
encontro dessas almas predestinadas.
Hierarquia da Alcateia Névoa
• Alfa - O comandante supremo, líder da Alcateia, responsável por todas
as decisões e pela proteção de seu povo. Stefan Mihailov, com sua aura hipnótica
e intensa, ocupa essa posição.
• Beta - O segundo em comando, o braço direito do Alfa, responsável por
ajudar a liderar e tomar decisões em sua ausência. Eles são os conselheiros mais
próximos do Alfa.
• Gamma - Responsáveis pela segurança e treinamento dos guerreiros da
Alcateia. Eles coordenam as patrulhas e garantem que todos estejam preparados
para defender a Alcateia.
• Delta - Os estrategistas e táticos da alcateia, encarregados de planejar
ações defensivas e ofensivas. Eles analisam ameaças e oportunidades, auxiliando
o Alfa e o Beta em questões de guerra e defesa.
• Epsilon - Os curandeiros e místicos da matilha, responsáveis pela saúde
física e espiritual dos membros. Eles utilizam conhecimentos ancestrais e
naturais para curar feridas e doenças.
• Zeta - Os embaixadores e negociadores da alcateia, encarregados de lidar
com outras alcateias e facções. Eles são diplomatas habilidosos, assegurando
alianças e resolvendo conflitos externos.
• Omega - Os membros comuns da alcateia, que desempenham diversas
funções necessárias para o funcionamento diário. Embora ocupem o nível mais
baixo na hierarquia, são essenciais para a coesão e o bem-estar da comunidade.
• Líderes de Clã - Dentro da matilha, existem clãs familiares, cada um
liderado por um chefe que responde diretamente ao Alfa. Eles garantem a ordem
e a lealdade dentro de suas próprias linhagens.
• Guardiões da Névoa - Guerreiros de elite, escolhidos a dedo pelo Alfa,
encarregados da proteção direta do líder e das missões mais perigosas. Eles são
conhecidos por sua lealdade inabalável e habilidades excepcionais.
• Anciãos - Os mais velhos e sábios da alcateia, que servem como
conselheiros e mantenedores das tradições. Eles possuem uma vasta experiência
e conhecimento, oferecendo orientação em tempos de necessidade.
Clãs da alcateia Névoa
• Clanul Inimilor de Fier (Clã dos Corações de Ferro) - Conhecidos por
sua lealdade inabalável e coragem imensa, sempre prontos para proteger a
matilha com ferocidade. Líder: Dacian Irimia.
• Clanul Ochilor de Lup (Clã dos Olhos de Lobo) - Mestres da vigilância
e da percepção, com uma habilidade aguçada para detectar ameaças e
oportunidades. Líder: Bogdan Iliescu.
• Clanul Ghearelor de Foc (Clã das Garras de Fogo) - Famosos por sua
bravura e espírito ardente, sempre prontos para lutar com intensidade e paixão.
Líder: Nicolae Dragomir.
• Clanul Vânturilor Tăcute (Clã dos Ventos Silenciosos) - Especialistas
em espionagem e movimento furtivo, se movem com uma graça quase etérea.
Líder: Vasile Dumitrescu.
• Clanul Lamelor de Argint (Clã das Lâminas de Prata) - Guerreiros de
elite com habilidades excepcionais em combate, conhecidos pela precisão e
eficácia. Líder: Victor Fierar.
• Clanul Rădăcinilor Adânci (Clã das Raízes Profundas) -
Profundamente conectados à terra e às tradições, guardiões das antigas
sabedorias e práticas curativas. Líder: Gabriel Pământ.
• Clanul Ecourilor Strămoșești (Clã dos Ecos Ancestrais) - Portadores
das histórias e lendas da matilha, mantendo viva a memória e a cultura da
matilha. Líder: Cirpian Negru.
• Clanul Spinilor Tăioși (Clã dos Espinhos Cortantes) - Defensores
ferozes do território, conhecidos por suas táticas defensivas e capacidade de
proteger a matilha de invasões. Líder: Petru Damian.
• Clanul Apelor Liniștite (Clã das Águas Serenas) - Pacientes e sábios,
especializados em estratégias a longo prazo e na manutenção da paz dentro da
matilha. Líder: Florin Bãlan.
• Clanul Umbrelor Nocturne (Clã das Sombras Noturnas) - Hábiles em
manobras durante a noite e na escuridão, trazendo um ar de mistério e segredo à
matilha. Líder: Andrei Cazacu.
Prólogo
Ando por entre as árvores ainda tentando descobrir como vim parar neste
lugar, não parece nada que eu já tenha visto, uma neblina densa se espalha
deixando o local ainda mais sombrio. Como se andar no meio de uma floresta à
noite não fosse bastante assustador.
Olho para todos os lados tentando encontrar a melhor direção para
seguir, mas o medo me paralisa, acabo escolhendo um lado e sigo acreditando
que vai dar certo e vou encontrar uma casa, ou qualquer coisa que me ajude a
descobrir onde estou. Um barulho de galhos quebrando como se fossem pisados,
seguido de um rosnado baixo são suficientes para causar um arrepio na
espinha, nessa altura já estou apavorada e pronta para correr.
“Minha.”
A palavra é sussurrada na minha mente, como se alguém tentasse se
comunicar comigo usando telepatia, pode ser o animal que rosnou para mim,
mas não estou disposta a descobrir se ele está em missão de paz ou pretende me
devorar. Abro um sorriso ao me lembrar da velha história da Chapeuzinho
Vermelho e do Lobo Mau, totalmente fora de hora, mas estou tão assustada
quanto a pobre Chapéu.
O rosnado ecoa novamente e, por mais que eu esteja curiosa para saber se
o animal é um lobo mesmo, o medo é mais forte e me mantém andando para trás
enquanto olho para o local de onde acho ter vindo o barulho. Dois globos
prateados, intensos como a luz da lua em noite de cheia. Parecem olhos.
“Minha.”

Meus olhos se abrem e acordo assustada, lembrando cada detalhe, cada


sensação e me sinto estranha, conheço essa voz, mas não entendo por que dessa
vez ele não se aproximou, será que eu estava apavorada demais para ele querer
chegar perto?
― Foi só um sonho! ― Reviro os olhos, espantando os pensamentos sem
sentido.
Sonho com um lobo desde que completei 21 anos, no começo pareciam
lembranças, eu brincava com ele quando era criança, conversava quando
adolescente e, meses depois, já sou adulta nos sonhos que se tornaram mais
sombrios e não consigo mais ver o lobo e nem ter certeza se é ele mesmo de
novo.
No começo, os sonhos eram espaçados, mas agora, com quase 22 anos,
estão mais frequentes e me causando uma sensação de que preciso ir a algum
lugar, mas não sei que lugar é esse, já que nunca sequer saí da vila onde moro,
no interior da Irlanda.
Gleann Bríde é um lugar pequeno e acolhedor, sempre me senti segura
vivendo aqui, todos se conhecem e se protegem, não tenho motivos para querer
sair. Então por que essa vontade maluca de ir embora o quanto antes?
Me levanto, desistindo de tentar dormir e preparo uma infusão de ervas
calmantes para ajudar a acalmar essa angústia que venho sentindo. Sempre fui
muito boa em entender a minha intuição, mas agora me sinto muito confusa
sobre o que devo fazer.
― O que te aflige, minha filha? ― Dou um pulo ao ouvir a voz da minha
tia muito perto, ela tem essa mania de não fazer barulho que, às vezes, é muito
irritante.
― Nada.
― Eu troquei suas fraldas. ― Reviro os olhos para o que ela sempre joga
na minha cara quando não quero lhe contar algo, não tenho direito à privacidade
nesta casa. ― Acha que não sei quando tem algo te incomodando?
― Sim, e como me conhece tão bem deveria saber quando não quero
conversar.
― Estava perto daqueles turistas de novo? ― Ela sempre reclama que o
meu comportamento muda quando fico muito tempo perto de forasteiros ou
turistas, mas eles todos têm histórias muito interessantes e, não estou reclamando
da vila, aqui nunca acontece nada diferente.
― Não, tia, acabei de acordar.
― Teve aquele sonho de novo? ― pergunta com expressão preocupada.
― Sim, o mesmo de sempre ― digo, sabendo que ela vai entender que é o
sonho que tenho desde que completei 21 anos.
― Encontrou o lugar do sonho?
― Não, só sei que tem muitas árvores. ― Minha tia revira os olhos me
fazendo rir.
― Como se não existissem milhares de lugares no mundo com muitas
árvores juntas. ― Encolho os ombros enquanto tomo a mistura calmante.
― Mais um motivo para não fazer ideia de onde fica, nunca saí da vila,
não é como se eu conhecesse o mundo inteiro.
― Deve ter um jeito.
― Vou tentar andar mais no próximo sonho, o dia ontem foi muito
cansativo e isso pode ter me feito ficar tão paralisada. ― Lavo a caneca na pia e
coloco de lado para escorrer a água.
― Conseguiu identificar o animal? ― pergunta e noto um tom receoso na
sua voz.
― Estava escondido, mas acho que era um lobo.
― Vou procurar nas minhas anotações se tem algo sobre o significado
desse sonho. ― Franzo a testa, confusa.
― Para quê?
― Pode ter um motivo para ter o mesmo sonho com tanta frequência, sei
que em algum lugar tenho guardado o significado dos sonhos, mas são tantas
anotações que não lembro onde guardei. ― Dou risada quando ela começa a
andar pela nossa cabana, procurando suas anotações perdidas em todos os
lugares, até pular com um maço de folhas na mão. ― Achei!
― Vamos, me diga.
― Vamos ver ― diz, lendo suas anotações. ― Aqui! ― diz parando em
uma folha e apontando com o dedo. ― Pode significar que você precisa se
conectar com suas raízes ancestrais e tradições antigas.
― Tia, moramos em uma cabana em uma vila afastada da civilização e
vivemos sem nenhum tipo de tecnologia, se eu me conectar mais às raízes, acabo
virando uma. ― Levo um tapa pela brincadeira.
― Isso é sério, você está se afastando das tradições. ― Reviro os olhos. ―
Lembra se o lobo parecia ameaçador?
― Ele rosnou, isso conta?
― Bom, então pode significar conflitos internos ou externos. Brigou com
a sua tia Brid?
― Claro que não, a tia não me fez nada.
― Então foi a Caoimhe?
― Tia, eu não briguei com ninguém.
― Está brigando comigo agora.
― Porque a senhora está me irritando ― respondo, perdendo a paciência
para adivinhar o significado do bendito sonho.
― Também pode ser um bom momento para explorar suas emoções e
instintos, o que sua intuição diz para fazer? ― pergunta e, por um momento,
penso em não lhe contar, mas a minha tia sempre me ajudou, não terá problema
dividir o que sinto que devo fazer.
― Sinto a necessidade de buscar o lobo, descobrir o motivo desses sonhos,
mas não sei para onde devo ir.
― Você vai descobrir o que fazer e sabe que tem o meu apoio e das suas
outras tias, somos uma família e sempre cuidaremos de você ― diz, segurando
as minhas mãos.
― Eu sei, tia, obrigada. ― A abraço me sentindo um pouco mais leve
depois de conversar com ela.
O dia passa normalmente, comigo ajudando as minhas tias com as tarefas
de casa e o cuidado com a nossa horta, à noite me sinto ansiosa para dormir,
querendo sonhar com o lobo, ir atrás dele e arriscar, afinal, é um sonho e ele não
pode me machucar, certo?
Capítulo 1
Desde que o meu pai assumiu como alfa da alcateia Névoa, eu sabia que o
meu destino seria cuidar do meu povo e o proteger visando a preservação da
nossa espécie. E assim o fiz, por mais de 300 anos.
Porém, há alguns anos, venho sentindo um incômodo, quando durmo
tenho sonhos estranhos com alguém que nunca vi o rosto, pelo menos não me
lembro de ter visto. Sinto a necessidade de buscá-la, mas não sei onde está.
Sempre que a vejo no sonho o meu instinto é protegê-la, mas algumas vezes
parece muito amedrontada e me mantenho afastado, por mais que seja um sonho
não consigo controlar a forma que assumo ao sentir o seu cheiro. O lobo domina,
ele sabe o que fazer, mas não podemos deixar a alcateia vulnerável para ir atrás
de um sonho. Flor de laranjeira e sálvia, me lembrando um jardim de ervas ao
amanhecer e, por mais que eu esteja impaciente para conhecer o seu rosto, me
acalmo toda vez que sinto seu cheiro.
Minha.
Estamos predestinados a ficar juntos, sinto que ela é o meu destino e eu
sou o dela, não temos como fugir. E esse mesmo destino se encarregará de nos
apresentar, tenho certeza.
― Com licença, alfa. ― Ouço o beta Calin bater na porta do meu quarto e
sei que o dever me chama.
― Um momento ― respondo, já me levantando.
Mesmo o sonho já tendo passado, ainda me lembro do cheiro, da silhueta e
resmungo outra vez por não me aproximar para ver seu rosto.
Visto uma camisa leve de manga comprida, uma calça social e um sapato
também social, não coloco uma blusa de frio porque aqui não preciso fingir que
o sinto. O nosso organismo lupino consegue conservar a temperatura e raramente
sentimos frio.
Abro a porta do quarto dando de cara com o segundo no comando da
alcateia e meu melhor amigo, Calin.
― Qual o motivo da urgência?
― Está atrasado para a reunião semanal. ― Reviro os olhos para a sua
expressão divertida.
― Eu poderia te matar por ter me acordado.
― Já estava acordado e sei que me ama, então não vai me matar. Vamos
logo que os anciões parecem mais ansiosos do que o normal e os líderes dos clãs
estão agitados hoje. ― Respiro fundo e caminho ao seu lado para a sala de
reuniões que mantenho no andar térreo do castelo.
Entro na sala vendo todos ocuparem seus lugares e me sento na ponta da
mesa, ao meu lado o meu beta.
― Bom dia, senhores. Podem começar. ― Assim que essas palavras
deixam meus lábios, a sala vira um caos, todos falando ao mesmo tempo e em
nenhum momento parecem os adultos que, teoricamente, são. ― SILÊNCIO! ―
ordeno, os fazendo se calarem imediatamente. ― Quando eu disse para
começarem, não era para agirem como filhotes, pelo amor de Deus! Todos são
adultos, acho que conseguem falar de forma ordenada.
― Me desculpe, meu senhor, estamos ansiosos.
― Conte-me você, senhor Victor Fierar, por que a ansiedade? ― pergunto
ao líder do Clã Lamelor de Argint, nossos melhores ferreiros.
― As plantações, senhor, esperamos o tempo certo para colher, mas quase
nada serve para ser consumido e ainda precisamos separar o suficiente para
atender às cidades próximas. ― Respiro fundo, tentando manter a mente limpa e
calma para conseguir encontrar alguma solução para esse novo problema.
― Além disso, meu senhor, algumas cidades próximas fizeram bloqueios
que nos impedem de comprar alguns suprimentos faltantes aqui ― diz Gabriel
Pământ, líder do clã Rădăcinilor Adânc, com uma conexão profunda com a terra
e suas propriedades.
― Por que não fui informado sobre o bloqueio? ― A irritação que estava
contida começa a se alimentar das informações que me passam.
Tenho acordos com as cidades próximas, por conta da região afastada onde
estamos, precisamos de suprimentos com frequência e, principalmente, no
inverno que não conseguimos sair daqui devido à neve, precisamos estocar
comida por meses e esse tipo de bloqueio impede os responsáveis de ir às vilas
vizinhas comprarem o que precisamos.
― É por isso que todos estamos aqui, meu jovem. ― Olho para um dos
anciões que me encara sereno. ― Esses fatos são recentes, aconteceram esta
semana e, por isso, são informados na reunião semanal, ainda em tempo de
tomar atitudes racionais e corretas para que não sejamos prejudicados no inverno
que se aproxima. ― Ele para um momento e olha nos meus olhos. ― Se sente
bem, meu senhor? ― Franzo a testa, sem entender a pergunta.
― Perfeitamente.
― Tem dormido bem? ― Imediatamente entendo a pergunta, ele e,
provavelmente, os outros anciões sabem a respeito dos meus sonhos.
Isso e que eu não tinha nenhuma pretensão de contar a ninguém sobre o
que vem acontecendo.
― Sim, como pode ver.
― Temo que estejamos nos aproximando de tempos difíceis, mas há uma
forma de contornar esses problemas. ― Ele olha para os outros como se não
tivesse mudado de um assunto para outro sem um mínimo intervalo, ou um
aviso. Eles sempre foram assim e eu devia já estar acostumado.
― O que quer dizer com isso? ― Só agora consegui digerir que ele falou
sobre tempos difíceis e isso não parece nada bom.
― O senhor precisa de uma companheira para a continuidade do legado
Mihailov, não sente nada pelas ômegas solteiras da alcateia?
― Se sentisse algo, não teríamos essa conversa, não acha? ― retruco,
incomodado com a invasão.
― Eu sei, meu senhor. ― Um sorriso curto se abre no seu rosto, então ele
me encara e seus olhos mudam, ficam totalmente brancos indicando que está em
transe.
― Saiam todos daqui, agora! ― ordeno por não querer que mais ninguém
escute o que o ancião tem a me dizer e agradeço por ele aguardar que a sala
fique quase vazia. Somente o beta permanece comigo e o ancião. Depois me
reúno com cada um individualmente, para buscar soluções para os nossos
problemas.
― As estrelas têm falado, e os sinais são claros. Sua companheira está
próxima. Aquela destinada a liderar essa alcateia ao seu lado será encontrada em
uma noite de lua cheia, quando estiver em seu momento mais brilhante. Sua
alma sentirá a presença dela, seu lobo a reconhecerá. Aquela que vem de terras
distantes, com dons inigualáveis caminhará ao seu lado, unindo forças e
corações para enfrentar os desafios que se aproximam. ― Um arrepio percorre
minha espinha, ele não descreveu muito, mas sei que a lua cheia não está longe,
em torno de duas semanas para sua chegada.
Isso significa que encontrarei aquela que ficará ao meu lado, não sei se
estou ansioso ou preocupado, talvez os dois, mas apenas agradeço ao ancião
pelas palavras e peço ao beta para ajudá-lo a chegar ao guarda que o levará para
a casa ao encontro dos outros anciões.
O dia transcorre normalmente, entro em contato com as vilas próximas
para entender os motivos para os bloqueios e descubro que todos estão com
escassez de suprimentos, então estão evitando vender o que tem para não faltar
para o próprio povo.
À noite, ainda preocupado sobre como resolver esse problema de falta de
comida, e estressado pelas reuniões com os líderes dos clãs, tomo um banho
rápido e me deito na minha cama, relembrando aos poucos alguns detalhes dos
últimos sonhos.
São sempre iguais, mas de alguma forma, diferentes, comecei a ter sonhos
estranhos há quase duas décadas, e sempre quem dominava o sonho era o lobo
que se apresentava e conversava com uma garotinha que foi crescendo. Será?
Afasto esses pensamentos e fecho os olhos tentando dormir, preciso
descansar para cuidar adequadamente da minha alcateia.

Corro livre pela floresta nos arredores de Aurímia, mas em determinado


momento paro bruscamente farejando o ar de forma frenética.
“Minha.”
O animal sente essa possessividade sempre que inala esse cheiro de flor de
laranjeira e sálvia, nós dois sabemos que é ela. Ando devagar, tentando não a
amedrontar e paro novamente quando a vejo.
― Aí está você, por que demorou tanto? ― Se estivesse na minha forma
humana, com certeza franziria a testa, mas agora só consigo inclinar a cabeça
para o lado. ― Vamos, venha logo, estou cansada disso e sei que não consegue
me machucar porque estou dormindo. Pelo menos, espero que esteja.
Rosno baixo, incerto sobre o que fazer, mas acabo atendendo ao seu
pedido, porque não parece estar com medo. Ela dá um passo para trás e sinto
vontade de sorrir vendo a sua coragem oscilar.
― Onde estamos? ― A pergunta me surpreende, mas olho em volta para
confirmar a floresta e volto a encará-la.
“Romênia.”
Seus olhos expandem em surpresa.
― Vamos, se consegue falar na minha cabeça, sei que consegue me dar
mais detalhes, preciso saber que lugar é este! ― A determinação dela me atrai
ao ponto de me aproximar mais de onde está, tremendo levemente pelo vento
gelado que sopra, com o vestido esvoaçando e parecendo um anjo ou uma fada.
“Aurímia.”
Sei que é arriscado essa informação não ter nenhuma serventia, mas é
tudo que vou dizer. É a porra de um sonho, só eu posso estar tendo e toda essa
conversa maluca ser fruto da minha imaginação influenciada pelo que o ancião
falou, mas o máximo que pode acontecer é nada mudar, então que se dane.
― Estamos muito longe ― ela comenta e olha para cima, me fazendo
olhar na mesma direção e vejo a lua, cheia, enorme, luminosa, transmitindo um
brilho prateado por entre as árvores, mágica, linda, irreal.
“Minha.”
O lobo toma a frente, reafirmando sua posse e fazendo a humana revirar
os olhos, que são lindos, me lembrando agora uma elfa, ou será uma feiticeira?
― Por que fala isso o tempo todo? Não sou uma coisa para ser de
alguém. ― Um sentimento diferente me toma, entendendo o que o ancião disse,
que eu saberia quando ela aparecesse, que sentiria. Mas será?
Nos olhamos por muito tempo e, então, de repente tudo some.

Abro os olhos, ofegante, surpreso e irritado por acordar, pareceu tudo


muito rápido, mas olhando pela janela, vejo que já amanheceu. Será que ela
vem?
Capítulo 2
Acordo do sonho, assustada com o quanto pareceu real, eu quase podia
sentir o os aromas do local, até senti o frio que estava fazendo por não me vestir
de forma apropriada. Essa coisa de estar com um vestido no sonho sempre me
faz acordar com muito frio. Mal tenho tempo de me levantar e a minha tia
aparece no meu quarto, me dando um susto.
― E então, sonhou de novo? O mesmo sonho? ― pergunta, parecendo
nervosa e muito ansiosa.
― Praticamente, mas algumas coisas foram diferentes, por exemplo, dessa
vez eu conversei com ele. ― Me borrando de medo, mas falei com o tal lobo.
― E o que ele disse?
― Romênia, aquela floresta fica na Romênia ― digo e a minha tia paralisa
e me encara com uma expressão assustada.
― Ai, meu Deus! ― ela grita e sai correndo de um lado para o outro,
murmurando coisas que não consigo entender direito.
― O que foi? Faz sentido esse lugar? Conhece ou já foi lá? ― disparo em
fazer perguntas, esquecendo totalmente do frio e mais preocupada em como a
minha tia está.
― Tem uma profecia.
― O quê?
Sei que o nosso povo é antigo, que a minha família descende dos Celtas
que viveram aqui muitos séculos atrás, temos muitas profecias ancestrais, mas
nunca fizemos questão de dar importância a elas justamente pelo tempo em que
foram feitas, provavelmente a maioria nunca se cumpriria.
― Achei! ― grita, me assustando.
― O quê? ― repito a pergunta.
― Nos anais do tempo, quando a lua cheia banhar a terra com seu brilho
prateado, uma descendente da antiga linhagem dos curandeiros surgirá. Vindas
das brumas das terras ancestrais, onde os ventos sussurram segredos e as colinas
guardam histórias esquecidas, ela trará consigo dons inigualáveis, passados de
geração em geração. Ela carregará em suas mãos o poder de curar e em sua
alma, a sabedoria das eras. Destinada a ser a companheira do líder de uma raça
poderosa e dominante em uma terra de seres lendários, sua união não será apenas
de amor, mas de forças combinadas que nenhum mal poderá derrotar. Juntos,
serão capazes de enfrentar os tempos difíceis que se aproximam, protegendo o
povo com a combinação de fúria e ternura. Sob o brilho da lua, suas almas
estarão entrelaçadas, criando uma harmonia que ecoará por todas as futuras
gerações ― minha tia termina de recitar a profecia me deixando sem palavras.
Me afasto e ando de um lado para o outro, sem deixar de sentir a
necessidade de ir atrás daquele que aparece nos meus sonhos. Destinado? Eles
devem ter errado em algo, não é possível uma coisa dessas. Como eu, uma
garota comum que mal sabe ferver água para as infusões, seria essa pessoa com
dons inigualáveis? E pior, como seria companheira de um lobo? Como seria a
concepção de um herdeiro?
São tantas perguntas, uma mais apavorante que a outra e não escuto
quando a minha tia me chama novamente.
― Maeve! ― me chama de forma mais enérgica. ― Se acalma, seu
destinado provavelmente é quem está te atraindo para a Romênia e, segundo a
profecia, tem que acontecer senão o resultado pode não ser muito agradável.
― Claro, algumas pessoas milhares de anos atrás decidiram que seria
ótimo me unir com um animal, naquela época já existiam essas drogas de hoje
em dia? Sei que existia algo que causava alucinações, deve ser usando algo
assim que criaram esse monte de baboseira.
― Respeite nossos ancestrais, eram pessoas sábias e sabiam o que estavam
fazendo, deve haver um motivo para a sua ligação com o tal lobo.
― Claro, servir de alimento para seu estômago vazio, deve ser muito
difícil encontrar algo para comer no inverno que está chegando, eu talvez seria
um bom aperitivo. ― Minha tia explode em uma gargalhada com o meu ataque
de pavor.
Estou morrendo de medo de sair da minha vila segura no fim do mundo e
ir até uma floresta em outro país, um lugar totalmente desconhecido. Posso nem
ser devorada por um lobo, mas não existe apenas essa espécie em florestas.
À noite, quando minhas outras tias retornam das suas atividades, nos
reunimos para decidir o que fazer, sim, eu sei para onde preciso ir, mas quero
mais opiniões além das da tia Aislínn.
― Vamos, qual o motivo para essas caras? ― pergunta tia Brid.
― A nossa queria Maeve terá que fazer uma longa viagem. ― Não sei se
de propósito, provavelmente sim, mas tia Aislínn omite a parte que a chance de
retorno é praticamente nula.
― Para onde? ― pergunta tia Caoimhe.
― Romênia. ― As duas se entreolham como se soubessem de algo que
não quisessem dividir.
― Soube da profecia, minha querida? ― pergunta tia Caoimhe.
― A tia Aislínn me contou por causa dos meus sonhos, ela só me falou
quando citei a Romênia. Por quê?
― Não devia ter contado sem nos consultar, irmã. ― As duas olham para
tia Aislínn com expressões severas.
― E vocês deviam parar de segredinho e compartilhar o que sabem
comigo, aliás, ela ia acabar descobrindo de qualquer forma.
― E de que sonhos ela está falando? ― pergunta tia Brid me encarando.
― Os sonhos que tenho desde que completei 21 anos.
― Aqueles sonhos? ― Aceno a cabeça concordando. ― Não eram sempre
iguais?
― Eram sempre com o mesmo lobo, mas não eram iguais.
― Quais as mudanças? ― pergunta nervosamente.
― Agora consigo conversar com o lobo.
― Pode ser apenas coisa da sua imaginação, sua tia não tinha que encher
sua cabeça com uma profecia antiga, nem deve se cumprir. ― Tia Aislínn encara
a irmã com a testa franzida, bem indignada.
― Bom, se vocês não pretendem fazer nada para que a nossa sobrinha pare
de ser perturbada por esses sonhos eternamente, então eu faço. Vamos, menina,
deixa essas velhas com os medos delas. ― Tia Aislínn segura a minha mão e me
puxa para o quarto. ― Prepare uma mochila com algumas peças de roupa,
iremos amanhã assim que aquelas duas saírem de casa.
Fico sozinha olhando para a porta que ela fechou ao sair do quarto e faço o
que ela pede, pego uma mochila e coloco algumas mudas de roupa, quentes e
uma capa com capuz.
Amanhã uma aventura me espera.
Capítulo 3
Na manhã seguinte, tomamos café bem cedo, todas juntas e minhas tias se
encaram desconfiadas, mas não falam com a tia Aislínn porque ela simplesmente
está ignorando as irmãs.
Digamos que esse é um problema antigo, tia Caoimhe é a mais velha das
três e a tia Brid é a do meio, pela Aislínn ser a caçula, as outras duas sempre
subestimaram a capacidade dela, tanto quanto aos rituais de cura quanto aos
demais dons e ela mesma começou a acreditar não ter nada especial, mas
conheço as três bem o suficiente para entender que ela tem tanto talento quanto
as outras.
Nos despedimos delas e, assim que estão longe o suficiente para não nos
impedirem de ir embora, pegamos nossas mochilas e saímos. Tanto a minha
quanto a da tia Aislínn estão um pouco mais cheias do que esperávamos porque
tivemos a ideia de pegar uma manta cada uma, apenas para garantir que não
morreremos congeladas, pois ouvimos falar que para onde vamos é muito frio.
Caminhamos até a vila seguinte, onde conseguimos um transporte para nos
levar até o aeroporto. Chegando lá, perguntamos para um funcionário sobre
como comprar as passagens e seguimos para o guichê da companhia aérea, por
sorte conseguimos um voo em poucas horas e, logo, estamos em um avião pela
primeira vez.
Mesmo sem acesso à muita tecnologia, sempre tivemos passaportes e isso
facilitou muito a viagem, mesmo sem a necessidade de um visto, que
complicaria e atrasaria tudo.
Em algumas horas, desembarcamos na Romênia, sem ter a menor ideia de
para onde devemos ir.
― Vamos procurar um hotel aqui perto e passar a noite, não vamos
conseguir ir a lugar nenhum agora, é melhor esperar amanhecer ― digo para a
minha tia que olha para todos os lados encantada com a novidade.
― Pode ser.
Perguntamos para funcionários do aeroporto e seguimos até um hotel que
fica alguns metros dali, pedimos um quarto com duas camas e, após o
pagamento, subimos para a modesta, porém moderna, suíte onde descansaremos.
― Suas tias devem estar doidas atrás de nós.
― Elas sabem para onde viemos ― respondo para ela.
― Sim, mas não sabem em qual região nos encontrar. ― Encolho os
ombros tentando não me importar com minhas outras tias.
Lembro-me do que ele disse no sonho, Aurímia era o nome do lugar,
alguém deve conhecer, amanhã vou contar para a minha tia.
Uma de cada vez, tomamos banho e nos preparamos para descansar,
pedimos o jantar e comemos antes de deitarmos nas nossas camas e dormirmos.
Parece que por estar no território dele, é como se sentisse sua presença a
todo momento, mesmo ele não estando aqui e no sonho não é diferente.

Corro por entre as árvores, de tantas vezes andando por essa floresta já
me sinto familiarizada com o local, em outros sonhos passei pelos mesmos
lugares. Chego a uma clareira ampla e iluminada pela luz da lua de forma que
parece mágica, vejo uma fogueira acesa exatamente no meio da clareira e ando
até ela.
Olho para os lados procurando o lobo para perguntar qual direção devo
seguir, mas agora que estou tão perto me sinto com medo do que vou encontrar.
O lobo que visita os meus sonhos pode realmente ser um animal selvagem e não
tenho nenhuma intenção de me relacionar com um animal, por mais que não
pareça tão irracional.
Quando ouço o costumeiro som de galhos quebrando, me viro na direção,
mas não vejo um lobo e sim um homem alto, de cabelos escuros e o rosto
encoberto pela sombra que as árvores fazem.
― Você está mais perto, pequena.
― Eu já ouvi essa voz.
― Não tenha medo. Confie no seu instinto.
― Quem é você? ― pergunto e consigo ver a sombra de um sorriso no
seu rosto.
Você não se lembra?
― Mas...
Franzo a testa tentando enxergar os detalhes, mas nem a cor dos olhos
consigo ver, é como se algo não estivesse certo, ou de alguma forma não fosse o
momento para vê-lo.
― Eu sou… ― O fogo parece se intensificar na fogueira, me jogo no chão
por instinto, sem querer me machucar, mas sinto o calor no meu pulso como se o
fogo quisesse me mandar para longe.

Acordo mais assustada do que das outras vezes, meu braço arde levemente
e xingo ao ver o vermelho da pequena queimadura.
― Como pode? ― pergunto para o nada, mas acho que acordei minha tia.
― O que foi, minha filha?
― Tia, tem algo estranho, pensei que o sonho não pudesse me machucar
por não ser real, mas sonhei com uma fogueira que parecia tentar me afastar do
lobo e acordo com isso. ― Mostro a queimadura no braço e seus olhos
expandem de surpresa.
― O que aconteceu de diferente?
― Bom, não era exatamente um lobo que eu vi nesse sonho, mas um
homem.
― Homem-lobo? ― Aceno com a cabeça confirmando. ― Então é isso,
ele sempre se apresentou apenas na sua forma animal, dessa vez se apresentou na
sua forma habitual. Era bonito?
― A única coisa que consegui perceber é que ele é alto e tem cabelo
escuro.
― Só tem mais da metade da população mundial com esse biotipo,
querida. ― Rimos juntas e reviro os olhos tentando tirar o sonho da cabeça.
Arrumamos nossas mochilas e fazemos o checkout no hotel, rumando em
direção ao meu possível destino. Conseguimos um ônibus para nos levar mais
perto de Aurímia, mas demoraremos algumas horas para chegar, então paramos
em uma lanchonete para comer antes de seguirmos.
No fim do dia, sinto que estamos muito perto dele, mas ainda não é o local
que vou encontrá-lo. Perguntamos em uma lanchonete se há alguma cabana onde
podemos ficar e a dona do lugar nos informa de uma que o proprietário está
alugando, não temos muito dinheiro, mas dá para pagar pelo menos alguns dias
em uma cabana.
Usamos o telefone da lanchonete e minha tia negocia um valor justo por
algumas semanas, pois não sabemos exatamente quanto tempo ficaremos lá.
― Se o dinheiro que temos não for suficiente, podemos procurar trabalhos
em lanchonetes ou hotéis, não sei, qualquer coisa que nos ajude a ganhar
dinheiro e mais tempo por aqui ― digo para a minha tia que concorda com a
cabeça, mas não fala nada.
― Talvez seja a hora de tentar contatar minhas irmãs.
― Elas não têm telefone, tia, e não sabemos o número de ninguém
próximo, fica tranquila que logo elas terão notícias. ― Minha tia me encara
rindo por causa da clara mentira que acabei de soltar, já que o único jeito de falar
com minhas tias é mandando uma carta, e nós não mandamos nenhuma até
agora.
A dona da lanchonete pede para um rapaz nos levar até a cabana,
compramos algumas coisas para comermos e seguimos para o nosso lar
provisório.
Capítulo 4
A cada noite os sonhos estão mais intensos, e agora passo o dia sentindo o
cheiro dela. Devo estar enlouquecendo por causa do que o ancião disse, não
devia acreditar nessas besteiras, mas acreditei. Impossível não acreditar
sonhando com a mesma mulher há anos.
― Alfa! ― Levanto a cabeça e encaro o beta que me olha irritado. ― Está
bem? Parece distraído.
― Sente esse cheiro? ― Ele fareja o ar e me encara como se eu fosse
doido.
― De qual cheiro está falando, especificamente?
― Flor de laranjeira e sálvia. ― Ele franze a testa e fareja novamente.
― Estou sentindo o cheiro do assado que a Irina está preparando e não tem
nenhuma dessas coisas que falou.
― Mas que merda! ― reclamo, passando a mão no rosto.
Como se todos os problemas que tenho na alcateia não fossem o bastante,
preciso acrescentar perda da sanidade à imensa lista. Preciso me concentrar em
resolver a escassez de comida que não parece ter uma solução fácil e, muito
menos, barata, se considerar que esperamos um inverno bastante rigoroso este
ano e precisamos de comida para sobreviver a ele.
― Esquece, vamos ao que importa ― digo ao beta e continuamos
discutindo sobre o que podemos fazer e, o mais indicado, é escolher alguns
gammas ou deltas para caçarem animais grandes e dividirmos entre os clãs para
alimentar a todos. Depois nos preocupamos com o quanto conseguimos mandar
para ajudar as outras cidades, a prioridade é o nosso povo.
Levando em conta que todos são, essencialmente, carnívoros, conseguimos
aguentar algum tempo até resolvermos o problema diplomático que enfrentamos
com as cidades próximas.
― Escolha os melhores caçadores, montaremos duas equipes e sairemos
todos os dias para caçar, se alguns clãs quiserem mandar representantes para
participar das caçadas, está autorizado. ― O beta acena concordando e se
levanta, pronto para encerrar a reunião. ― Quanto falta para a lua cheia? ―
pergunto o fazendo parar antes de chegar até a porta.
― Uns três dias, mais ou menos ― diz me encarando uma última vez
antes de sair.
― Deve ser por isso que estou sentindo essas coisas.
Ou ela está realmente perto.
Passo os dias seguintes ajudando meu povo a caçar, mas hoje em especial
me sinto mais agitado, mesmo depois da caçada, como se o meu animal
desejasse ser libertado, correr livre pela floresta.
― Parece uma fera enjaulada, alfa ― diz o beta, sorrindo.
― Me sinto assim mesmo, preciso sair um pouco.
― Mas já escureceu, senhor, deseja que eu o acompanhe?
― Não, vai descansar, vou pedir para alguns guardas me acompanharem.
― Ele acena concordando com a minha escolha e me deixa sozinho.
Saio do castelo e encontro alguns guardiões nos seus postos, os chamo e
peço para avisarem aos outros para se reposicionarem e manter a proteção do
local.
Andamos em silêncio por alguns quilômetros dentro da floresta, só então
permito que o meu lobo desperte. Imediatamente, sinto a mudança nos meus
olhos, a visão mais aguçada do que o normal me dizendo que minhas íris
mudaram de azul para o prata do lobo. A pelagem branca começa a tomar conta
de todo o meu corpo, fecho os olhos sentindo o tremor causado pela força do
lobo ao se libertar, ossos estalam, moldando-se à nova forma, enquanto os
músculos se expandem e se contorcem.
Meu rosto se alonga, os dentes se tornando mais afiados e logo me apoio
sobre as quatro patas, com a transformação completa. Uivo ao olhar para a lua
cheia, luminosa, no céu.
Ergo o focinho farejando e o forte aroma de flor de cerejeira e sálvia quase
me derruba, rosno, sentindo o chamado da minha predestinada.
“Minha.”
Sinto a possessividade do lobo que se põe a correr, ansioso para encontrar
sua fêmea. Sei que os guardiões estão comigo, mesmo que eu não os esteja
vendo, sinto suas presenças.
Um vulto chama a minha atenção e corro na direção para onde está indo,
reduzindo a velocidade ao me aproximar e rosnando para os guardiões, os
avisando que devem esperar o meu comando para qualquer ação.
Cabelos ao vento, em vez dos vestidos claros e esvoaçantes dos sonhos,
uma capa vermelha a deixando como a personagem de um conto antigo. O lobo
se encanta pela figura feminina, o homem suspeita que possa não ser a nossa
companheira.
Caminho lentamente, tentando não fazer barulho, mas acabo pisando em
alguns galhos, o que chama a atenção dela. Se vira na minha direção e parece
encarar diretamente os meus olhos, arregalando os seus em surpresa.
― Você. ― Uma única palavra é o suficiente para ter certeza de que essa
mulher é aquela que habita os meus sonhos, a fêmea destinada a ser a minha
companheira.
Só tem um problema, pelo cheiro que sinto não é da minha raça, é muito
diferente, também não parece totalmente humana. Afinal, o que ela é?
Dou mais alguns passos na sua direção, ainda permanecendo mais afastado
do que eu gostaria, mas tentando não a assustar. Não estamos mais em um
sonho, isso aqui é real.
― Que tal voltar a ser um homem? ― pergunta e me recordo de alguns
dos últimos sonhos, em que não era o lobo, mas o homem quem a encontrava.
Respiro fundo, controlando os impulsos do lobo, sentindo o meu corpo
mudar novamente e, logo, um dos guardas está ao meu lado estendendo as
roupas para que eu me vista. Coloco a camisa sem me preocupar em abotoar e a
calça, sem me importar com sapatos.
― Melhor? ― pergunto a olhando.
― Um pouco. ― Sorrio, sentindo o meu lobo inquieto por eu me manter
ainda afastado dela, quando nós dois a queremos muito perto.
Me surpreendo por ser ela a tomar a atitude de se aproximar, mesmo
conseguindo sentir o cheiro do seu medo, sua coragem me deixa admirado.
― Qual o seu nome? ― pergunto.
― Maeve, e o seu?
― Stefan. ― Ela sorri e abaixa a cabeça ligeiramente.
― Bom, já nos conhecemos, acho que é hora de voltar. ― Ela se vira e eu
ando rapidamente para alcançá-la.
― Não pode ir, não agora que finalmente te encontrei. ― Ela se vira e
olha nos meus olhos.
― Eu sinto que estamos conectados, de alguma forma, mas não faço ideia
de como isso funcionaria, eu não sou como você.
― Preciso saber mais sobre você, podemos nos conhecer melhor, mas não
pode se afastar. ― A minha voz engrossa por conta do lobo que quer dominar,
mas esse não é o momento para impulsos e sim para ser racional.
Se ela correr será ainda mais difícil de controlar o animal, e Maeve parece
muito inclinada a fazer exatamente isso.
Capítulo 5
Eu estou completamente apavorada, apesar de querer estar mais
agasalhada, a minha tia fez questão que eu saísse com essa capa vermelha que
me deixa parecida com uma personagem de conto de fadas antigo, mas o que eu
conheço não acaba muito bem para a moça.
O meu primeiro impulso vendo o homem na minha frente que não parece
se importar com o vento gelado que bate nessa clareira, seria correr o mais
rápido que eu puder de volta para a cabana. Mas pelo que eu conheço de
histórias com lobos, eles correm muito mais do que os humanos em sua melhor
forma, então essa pode ser considerada uma ideia muito estúpida.
Ficar do lado de um homem desse tamanho que se transforma em um lobo,
também não parece uma ideia muito inteligente, imagina ser companheira dele,
como será a noite de núpcias?
Levanto a cabeça e olho nos seus olhos, esse é o meu erro, no sonho não
consegui ver seu rosto direito, mas ele é o homem mais lindo que já vi,
considerando todos os que passaram pela vila onde cresci. Seus olhos são de um
azul intenso profundo e hipnótico, parecem capazes de penetrar a alma de quem
cruzar seu caminho, inclusive parece estar tentando ler a minha.
Sinto nesse olhar uma intensidade que parece guardar segredos antigos,
uma sabedoria adquirida através de, quem sabe, séculos, sei que esses homens
têm uma longevidade impressionante. Ao me olhar diretamente, tenho a
sensação de que o tempo para e sua presença se torna mais avassaladora para a
minha frágil figura.
Stefan é alto e imponente, aparenta ter quase dois metros de altura, ombros
largos e um físico esculpido com precisão, lhe conferindo uma aura de poder. O
cabelo, de um preto profundo, cai em ondas suaves até a altura dos ombros,
parecendo encantadoramente desalinhado. Feições marcantes com maçãs do
rosto altas, maxilar bem-definido e lábios firmes que agora esboçam um sorriso,
revelando uma beleza perigosa e quase irresistível.
― Gosta do que vê, pequena? ― Sinto o meu rosto esquentar pela sua
pergunta, só então me dou conta de que o estou encarando por tempo demais,
conferindo todo o seu corpo como se fosse algum tipo de mercadoria.
Quero que o chão se abra, ai que vergonha!
― Sabe que é bonito, senhor. ― Abaixo a cabeça e o sinto se aproximar
mais.
Todo o meu corpo estremece com a sua proximidade, me dando a certeza
de que tudo o que sentia nos sonhos era mais real do que aparentava.
― Fico satisfeito que goste, você também é muito bela e graciosa. ―
Sinto o meu rosto esquentar mais, só que agora de irritação.
Sei que está tentando me elogiar, mas esse tipo de elogio é como se falasse
de uma criança ou bebê, e eu sou uma mulher, provavelmente jovem demais para
ele, ainda assim uma adulta.
― Agradeço, mas agora preciso voltar, a minha tia deve estar preocupada.
― Ele franze a testa.
― Vocês duas são bem-vindas para se hospedarem na minha casa, tenho
certeza de que estarão mais seguras e confortáveis.
Agora me sinto a Chapeuzinho sendo enganada pelo lobo mau. Que
trocadilho péssimo!
― Podemos nos ver amanhã novamente? ― pergunta, parecendo ter medo
de que eu desapareça e não volte mais.
O grande problema é que, eu continuaria tendo sonhos e ele poderia vir
atrás de mim, não sei se quero testar a paciência de um homem-lobo.
― Não posso garantir, mas vou falar com a minha tia.
― Onde está hospedada?
― Longe ― respondo, sem querer dizer exatamente o local.
― Até amanhã, micuta[1]. ― Franzo a testa sem entender do que ele me
chamou, mas não perco tempo perguntando, me afasto para a cabana sabendo
que ele pode me seguir se quiser.
Eu ainda estou em conflito se quero ou não que ele saiba exatamente onde
me encontrar, o meu corpo aquece só de me lembrar da forma como ele me
olhou, mas a minha mente grita pedindo cautela.
Entro na cabana e me encosto na porta fechada, minha tia levanta a cabeça
e se aproxima ao ver a minha expressão.
― O que aconteceu?
― Encontrei o lobo do sonho. ― Seus olhos expandem.
― E como foi? O que ele fez? Você está bem? ― Ela confere o meu corpo
para ter certeza de que não estou machucada.
― Só conversamos um pouco, ele quer que nós vamos passar um tempo
com ele, nos convidou para nos hospedarmos onde vive e quer me ver amanhã
de novo.
― Você sonha com esse lobo há meses, vocês parecem se conhecer há
muito tempo, talvez não tenha perigo, mas acho melhor conversarem mais antes
de decidirmos ir nos hospedar com ele.
― Então eu posso ver ele amanhã? ― Ela sorri.
― Minha criança, eu te amo e jurei te proteger quando seus pais se foram,
mas não adiantaria te prender dentro desta cabana depois de vir até aqui
encontrar o seu destino.
― Como funcionaria um relacionamento com ele? É um homem que se
transforma em lobo, é meio assustador pensar em como seria estar com ele,
considerando as circunstâncias.
― Você só vai descobrir se seguir a sua intuição, como sempre fez, se for
mesmo você a cumprir a profecia, o destino seguirá o curso independente dos
nossos medos.
― Eu vou amanhã, mas não vou usar a capa, fiquei parecendo a
Chapeuzinho Vermelho, chegando perto do lobo, pareço ainda mais uma
personagem de conto de fadas.
Minha tia sorri de forma carinhosa enquanto coloca um pouco de chá em
uma caneca antes de me entregar.
― Tome isso, vai ajudar a acalmar os ânimos e dormir mais tranquila. ―
Tomo o chá que minha tia fez, logo sentindo o sono me alcançar, então vou para
a minha cama e me deito, caindo no sono rapidamente.

Caminho por uma floresta densa, reconheço um pouco do caminho que fiz
para conhecer Stefan, a névoa mais espessa do que o normal, como se a
natureza estivesse em expectativa e os ventos sussurrassem contando histórias.
A cada passo, as árvores parecem ganhar vida, tentando dar um recado, uma
advertência que não consigo compreender. O chão sob os meus pés está frio e
coberto por folhas murchas, como se a vida estivesse a ponto de se esvair dessa
terra.
Um arrepio corre pelo meu corpo quando o vento se agita, uivando ao
meu redor e trazendo consigo o cheiro de sangue e cinzas. Avisto uma clareira à
minha frente com uma visão horrível nela. Lobos ferozes lutando uns contra os
outros, garras afiadas rasgando o ar com fúria. Procuro no meio dessa luta pelo
meu lobo, por Stefan, mas não o encontro liderando a sua alcateia.
Me escondo atrás de um tronco, procurando não ser vista e, em meio à
luta, uma figura sombria surge ao longe, envolta em um manto preto, seu rosto
coberto, mas o frio que emana é possível sentir de onde estou. O desconhecido
caminha entre os lobos, observando a batalha esperando, talvez, o momento
certo para agir. Reconheço nele uma força antiga, sombria, que não parece
estar presente para trazer a paz, mas sim a destruição.
De repente, a voz etérea se eleva, quase me causando dor física.
― O alfa será desafiado, não por força, mas por traição. O sangue dos
antigos será testado e a companheira destinada é a chave, mas também o alvo.
O que está por vir será além de garras e dentes. Uma trama se ergue nas
sombras, e o lobo solitário espreita entre aliados.
Afinal, essa voz é do desconhecido? É de outro lugar? A quem pertence?
Antes que eu possa cogitar fugir correndo, a luta para e os lobos me
encaram, ferozes, rosnando e mostrando as presas afiadas. O chão treme sob os
meus pés e sinto raízes roçarem meus calcanhares, como se tentassem me
prender. Tento pular, correr, escapar, mas sou capturada, então o desconhecido
age e, em um piscar de olhos, está na minha frente, me olhando com as íris
brancas, frias, me dando a certeza de que eu não tenho como fugir. Está tudo
acabado.

Acordo em um sobressalto, com o coração disparado e suando frio, o


sonho ainda fresco na minha mente, me aterrorizando com o significado do
recado que ouvi. Sinto que algo terrível se aproxima, algo com o poder de
destruir a alcateia, mas como lutar contra um inimigo que não tem rosto?
Eu sei que a minha tia me disse para conhecer melhor o Stefan, mas se eu
entendi certo, alguém não quer que a profecia se cumpra e eu me tornei um alvo,
então ficar nesta cabana no meio do nada sem grande proteção não é mais uma
ideia tão boa.
As sombras estão se movendo, precisamos nos preparar e avisar ao Stefan,
mas como vou me comunicar com ele agora se nem sei onde fica a bendita
alcateia?
Capítulo 6
Acordo depois da primeira noite em anos que não tenho nenhum sonho,
mas sinto um sobressalto como se algo estivesse errado ou fora de lugar.
― Calin! ― chamo pelo beta, sabendo que logo entrará no meu quarto.
― Chamou, alfa? ― Como esperado, em poucos minutos ele está na
minha frente.
― Os guardas seguiram Maeve até a sua cabana ontem? ― Ele franze a
testa.
― Sim, ela chegou em segurança.
― Me mande a localização, vou até ela.
― Agora? ― pergunta, quando já estou de pé, vestindo a roupa.
― Se fosse para depois, não tinha te chamado. ― Ele faz um aceno breve
antes de se retirar à procura de um dos guardas que seguiu Maeve na noite
passada.
Desço para a sala de jantar onde o café da manhã está servido e começo a
me alimentar, ainda com o pensamento na pequena garota encantadora que
povoa meus sonhos há tanto tempo que sinto como se sempre a conhecesse,
mesmo não sabendo muita coisa sobre ela.
― Meu senhor, queira me acompanhar. ― Me levanto assim que ouço a
voz de Calin.
― Vamos.
Sigo o beta até a localização que o guarda lhe passou, chegando a uma
pequena cabana no meio da floresta, mais perto do nosso território do que eu
imaginei.
― O que pretende fazer agora?
― Tentar convencê-la a sair desse lugar e se hospedar conosco por um
tempo. ― Ele sorri de lado.
― Um tempo?
― Você entendeu, vigie enquanto converso com ela e a tia.
― Sim, meu senhor. ― Me volto para a porta e bato algumas vezes,
ouvindo uma movimentação do lado de dentro antes de passos se aproximando.
― Quem é? ― Sorrio ao ouvir a voz que, provavelmente, pertence à tia da
Maeve.
― Stefan. ― Mesmo tentado a fazer uma brincadeira, me seguro por ora.
― Quem?
― Tia, deixa que eu atendo. ― Ouço a voz da Maeve pouco antes da porta
abrir. ― O que faz aqui? ― Franzo a testa para sua expressão agitada.
― Tem algo errado?
― É que me assusta um pouco que, em um minuto estava pensando em
você e, no outro, apareceu na minha casa, sendo que eu nem disse onde ficava.
― Você está em minhas terras, micuta, é esperado que eu as conheça bem.
― Ela me olha fixamente por um instante, olha para trás, provavelmente para
sua tia e me encara novamente.
― Entra, preciso mesmo falar com você.
Entro na pequena cabana e cumprimento a tia da minha destinada, me
sento em uma cadeira conforme pede Maeve e aguardo que me diga o que
precisa.
Essa ligação com ela ainda é algo misterioso e assustador ao mesmo
tempo, eu sabia que havia alguma coisa errada com ela assim que acordei, mas
não esperava que me contasse algo tão preocupante.
― Vocês precisam arrumar suas coisas, vamos para minha casa, agora ―
digo me levantando e olhando em volta, procurando o jeito mais rápido de
sairmos da cabana.
― Se acalma, eu sei que não vai acontecer nada agora, mas em breve,
ainda temos tempo para nos conhecermos. Além disso, tudo pode ser fruto da
nossa imaginação, ou algo plantado para nos enganar e desviar do que realmente
devemos fazer. ― A encaro de cenho franzido.
― Os meus instintos não se enganam, vamos. ― Minha voz engrossa um
pouco devido ao lobo querer me dominar, mas o controlo e respiro fundo
algumas vezes, aguardando que elas estejam prontas.
Logo suas malas já estão arrumadas e elas saem da cabana comigo.
― Calin, ajude com as malas, vamos levá-las conosco ― digo, entregando
a mala da senhora mais velha, enquanto carrego a da Maeve.
― Me permita, senhor.
― Não ― respondo e ele se afasta, indico para Maeve nos seguir e assim
ela e a tia fazem.
Caminhamos alguns minutos até estarmos na vila onde vivo com a
alcateia, as levo diretamente ao castelo, mostrando seus aposentos. A tia coloco
no fim do corredor do outro lado da escada, Maeve no quarto ao lado do meu, o
arranjo perfeito para nos aproximarmos.
― Se me permitem, tenho trabalho a fazer, mas retorno antes do jantar,
com exceção do porão, podem explorar o castelo para se localizarem melhor.
― Obrigada, Stefan. ― Estendo a mão e acaricio o rosto de Maeve antes
de me afastar e iniciar as tarefas do dia.
É difícil me concentrar enquanto penso em Maeve sozinha com a tia no
castelo, além dos problemas com a alcateia que deixei para Calin verificar se as
soluções discutidas com os líderes dos clãs estão funcionando.
Próximo do fim da tarde, Bogdan, que cresceu comigo na alcateia, entra no
meu escritório.
― Alfa, soube que trouxe forasteiras para a alcateia, todos estão
assustados porque você nunca fez algo assim, nunca trouxe estranhos para perto
de nós. ― Encaro meu amigo de infância.
― Ninguém precisa saber os meus motivos, apenas confiar que eu não
faria nada que colocasse meu povo em risco.
― Eles confiam em você, não confiam nelas. As ômegas que trabalham no
castelo comentaram que viram as forasteiras andando pelo lugar como se fosse
delas, quase entraram no porão. ― Um arrepio sobe pela minha coluna, mas me
dou conta que disse que não poderiam entrar no porão, mas não onde ficava para
que evitassem se aproximar.
― Eu autorizei que explorassem o lugar para se familiarizarem, e falhei ao
não explicar onde fica o porão para que evitassem, foi bom que me informou
agora, assim, quando chegar em casa converso com elas e explico exatamente
qual o lugar não podem se aproximar.
― Não tem medo do que elas podem fazer? Você ao menos conhece essas
mulheres? Sabe de onde vieram ou quem são? O que eu perdi?
― Você ouviu falar sobre a profecia? ― retruco vendo a sua expressão
mudar para surpresa.
― Claro que sim, quando um dos anciões falou sobre ela, todos ficaram
ansiosos para que se cumprisse.
― A companheira destinada de que a profecia fala, é uma das mulheres
que está agora na minha casa. ― Seus olhos expandem e a boca se abre de forma
engraçada.
― Tem certeza de que é ela? ― Rosno pela sua pergunta.
― Quando os meus instintos falharam? ― pergunto sério.
― Nunca.
― Então tem a sua resposta.
― E a outra mulher? A profecia falava sobre apenas uma e tem duas na
sua casa. ― Encolho os ombros.
― É parente da minha parceira, não vou deixar alguém importante para ela
desamparada. ― Ele se aproxima e coloca a mão no meu ombro.
― Vou tentar tranquilizar as pessoas, sempre poderá contar comigo.
― Não espalhe que ela é minha destinada, estamos nos conhecendo e
ainda tem outro problema para resolver ― digo, sem intenção de contar sobre o
sonho da Maeve.
― Qual?
― Ela não é uma loba, é humana.
― Mas pensei que fosse impossível uma humana ser parceira de um lobo.
― Encolho os ombros.
― Essa história tem mais perguntas do que respostas, por enquanto, mas
conforme for descobrindo, pode ter certeza que compartilho contigo, além do
mais, vou precisar de mais alguém para conversar enquanto Calin está ocupado
com as tarefas que lhe dei. ― Ele acena concordando.
― Conte comigo, meu amigo, se precisar de alguém para proteger a sua
parceira e a outra mulher, conte comigo.
― Por enquanto não será necessário, mas não vou esquecer da sua oferta.
Obrigado por isso.
― O que precisar, meu alfa. ― Bogdan se retira do meu escritório e
decido encerrar o trabalho e voltar para casa, esperando que ele tranquilize o
povo enquanto não posso revelar muito sobre a Maeve e sua tia.
Capítulo 7
Passo grande parte do dia no quarto junto com a minha tia, depois que
quase entramos no porão sem querer e fomos impedidas por funcionárias do
Stefan, achei melhor ficarmos um pouco quietas por aqui.
― Não se preocupe, criança, não conhecíamos o lugar, agora já sabemos
onde não podemos entrar. ― Respiro fundo.
― Me sinto estranha aqui ― digo olhando em volta, toda a decoração que
lembra castelos de livros que já li, antigos e sombrios.
― Querida, nós nunca tivemos esse tipo de luxo, aproveita o que o destino
te dá e não reclama, pelo menos uma vez na vida se dê esse benefício. ― Sorrio
pelo que minha tia diz, já que está deitada na minha cama e elogia de tempos em
tempos o conforto do colchão.
― Prometo que vou tentar.
Ouço batidas na porta e autorizo a entrada da pessoa, que se mostra ser
uma das funcionárias do lugar.
― Meu senhor solicita sua presença para o jantar, das duas. ― Sem
esperar uma resposta, ela sai e bate a porta.
― Acho que ela não gosta muito de mim. ― Minha tia me olha e ri.
― Você acha? Eu tenho certeza, mas quem não teme o novo, o diferente?
Descemos para a sala de jantar, onde encontramos Stefan e Calin já
acomodados.
― Sintam-se à vontade ― diz Stefan. ― Peço desculpas pela confusão
hoje, avisei que não deviam entrar no porão e me esqueci que não sabiam onde
ficava.
― Tudo bem, já descobrimos onde não podemos entrar e não acontecerá
novamente, não tem problema. ― O encaro brevemente depois de responder, me
sentindo incomodada.
― Algo errado?
― Não, só é tudo novo e muito estranho. ― Ele ri.
― Se não se importar, senhora, peço sua autorização para passear com
Maeve e conhecê-la melhor.
― Claro, podem passear. ― Minha tia sorri, derretida pelo dono da casa.
― Aproveitem a refeição.
As mulheres entram com algumas travessas e nos servem, meu estômago
ronca e meus olhos brilham pela aparência apetitosa da comida. Começo a
comer suspirando de apreciação pelo sabor, logo estendo a mão para tomar um
gole do vinho servido na minha taça, mas algo parece me travar.
“NÃO!”
Respiro fundo e encaro a taça, de aparência normal, começando a sentir
muita sede.
― Algo errado? ― Levanto a cabeça e encontro os olhos atentos de Stefan
em mim.
― Eu não sei. ― Ele se levanta com a própria taça na mão e caminha na
minha direção.
― Tome. ― Seguro a sua taça e bebo um gole, sentindo o líquido descer
suavemente pela minha garganta, para depois aquecer o meu corpo. ― Melhor?
― Sim, obrigada. ― Ele acena com a cabeça e pega a minha taça,
aproximando do nariz e parece farejar algo.
― Adela, Lavinia, venham aqui! ― As duas moças que brigaram conosco
por quase entrar na porcaria do porão entram na sala de jantar correndo.
― O que aconteceu, alfa?
― Qual as duas serviu a taça da Maeve? ― pergunta Stefan sem olhar
para o outro homem, ou lobo, ou sei lá como chamá-lo.
― Eu coloquei a louça na mesa, senhor ― responde a moça que se
apresentou para nós como Adela.
― Vou perguntar uma vez e espero que me diga a verdade. ― Stefan se
aproxima da moça que se encolhe a cada passo seu. ― Você colocou algo na
taça dela?
― Não, meu senhor, apenas coloquei a louça na mesa e voltei mais tarde
para servir o jantar.
― Olhe nos meus olhos. ― Ela levanta a cabeça como se não conseguisse
se controlar. ― Diga a verdade ― ordena, olhando nos olhos dela.
― Dispus a louça na mesa, mas não mexi ou coloquei nada dentro de
nenhuma das taças, a mesa permaneceu posta por um tempo antes que eu
retornasse para servir a comida. ― Um minuto de tensão se segue e consigo
sentir o medo da moça quando ouço um rosnado baixo vindo do Stefan.
― Saiam ― ordena baixo, a voz grossa me causando um arrepio.
― Sim, meu senhor. ― As duas se retiram depois de responderem em
uníssono.
Stefan retorna ao seu lugar e volta a comer, como se nada tivesse
acontecido e ele não tivesse acabado de ameaçar uma das moças que trabalha
para ele. Fico curiosa para perguntar o que foi aquilo, mas me seguro e apenas
sigo comendo e bebendo, após minha taça ser trocada.
O restante do jantar segue em silêncio e, quando terminamos, Stefan
estende a mão me convidando para o passeio que minha tia autorizou, sinto o
calor da sua pele ao ter minha mão envolvida pela sua e um sorriso discreto se
estende no seu rosto.
― O que acha daqui? ― pergunta enquanto caminhamos próximos da vila
onde mora.
― É tudo muito novo, totalmente diferente de onde eu morava.
― Onde era? ― pergunta, parecendo realmente interessado.
― Irlanda. ― Sua expressão surpresa é divertida.
― Eu estava disposto a ir atrás de você, caso não sentisse sua presença
logo.
― A minha intuição estava me deixando ansiosa, eu sentia que precisava
vir e a minha tia me ajudou a fugir, veio comigo para que eu não me perdesse ou
ficasse sozinha. ― Ele sorri de lado.
― Ela veio cuidar de você, micuta, e eu agradeço a ela por isso.
― Ela sempre foi com quem mais conversei, mas minhas outras tias são
incríveis também, só não aprovavam a ideia de que eu viesse para um país
desconhecido atrás de um sonho, uma ilusão. ― Ele bufa.
― O ancião me falou da profecia, mas eu já sentia que os sonhos
significavam algo mais do que parecia. ― Eu o encaro assombrada.
― Tem anciões aqui? ― pergunto e ele ri.
― Sim, são os mais sábios e com mais conhecimento sobre a minha
espécie, passado, presente e, algumas vezes, futuro.
― E por que esses senhores não falaram nada sobre um inimigo?
― Assim como para você, alguns fatos só se revelam no momento certo,
por exemplo, os sonhos que tenho há anos e que, só recentemente, descobri
estarem me mostrando a minha companheira predestinada.
Capítulo 8
A curiosidade da Maeve sobre os anciões e todo o meu povo aquece o meu
coração, meu lobo está totalmente rendido por ela. Enquanto caminhamos, me
mantenho atento a todos os sons da mata, esperando que nenhum inimigo
estrague esse momento. Ouço um barulho de galhos quebrando longe e aguço
mais a audição, descobrindo ser um cervo e me tranquilizando. O animal se
aproxima de nós, alheio à nossa presença, quando está perto o suficiente para
Maeve ouvir, ela toma um susto e grita, assustando o cervo e aproximando o
corpo do meu, buscando segurança.
― Calma, micuta, é só um cervo. ― Ela levanta a cabeça e olha nos meus
olhos.
― Como sabe? ― Sorrio, encantado com a sua inocência.
― Boa audição. ― Ela tenta se afastar, mas não permito, sem querer
perder o contato. ― Não precisa ter medo, eu sempre vou te proteger.
Nos olhamos intensamente, meu lobo parecendo andar de um lado para o
outro dentro de mim, impaciente para ver a nossa marca em Maeve, que todos
sintam o meu cheiro nela, mas me controlo, sem intenção de amedrontar a minha
parceira.
Outro ponto que me preocupa e que parece não fazer diferença para o meu
lobo é a transformação dela, eu não conseguirei ter um filhote com Maeve sendo
humana, ela precisaria se transformar na minha espécie para que isso seja
possível, mas as histórias que contam sobre experiências transformando
humanos em lobos não deram muito certo ao longo dos anos.
“Confie no seu instinto, eu sei o que estou fazendo.”
Sinto meu lobo tentar acalmar as minhas preocupações e decido retornar
para o castelo para descansarmos, amanhã falo com um dos anciões sobre as
minhas preocupações.
Acompanho Maeve até a porta do seu quarto, onde me despeço deixando
um beijo casto em sua testa. Entro no meu quarto e vou direto para o banheiro
tomar um banho relaxante, depois de me enxugar vou para a cama e me deito,
dormindo em poucos minutos, novamente sem nenhum sonho.
Na manhã seguinte, não preciso que ninguém me acorde, apenas me
levanto rapidamente e vou até a casa onde ficam os anciões, sou recepcionado
pelo que estava na última reunião.
― Esperava que viesse, meu senhor.
― Preciso de um conselho ― digo, me sentando na sua frente.
― Eu posso dizer as palavras mais sábias, usando todo o conhecimento
adquirido ao longo dos séculos, mas as verdadeiras respostas estão dentro do
senhor. ― Ignoro as suas palavras que são alfinetadas, e sinto o meu lobo rindo
dentro de mim.
― Minha companheira está no meu castelo, estamos nos conhecendo e
tudo caminha bem, mas ela é humana.
― Já se sabia que não seria lupina, qual a dúvida, rapaz?
― As transformações de humanos nunca funcionaram.
― Porque não foram feitas nas pessoas certas e nem no momento correto,
foram medidas desesperadas para lidar com os problemas da nossa raça ao longo
dos anos. O desespero faz com que deixemos de raciocinar e nos guiamos pelo
medo, sem seguir os verdadeiros instintos. ― Franzo a testa para as suas
palavras.
― Então posso transformá-la?
― Não. ― Bufo irritado, o fazendo sorrir. ― Paciência, meu senhor, ela é
a pessoa certa, mas se for feito no momento errado, corre o risco de perder sua
parceira.
― E como eu saberei o momento certo se o meu lobo quer marcá-la cada
vez que sinto seu perfume mais forte?
― Ele está apenas te testando, mas quando for o momento certo, saberá.
Saio da casa dos anciões mais confuso do que quando entrei, com o bônus
de agora estar também irritado. Vou direto para o escritório trabalhar e tentar
tirar Maeve da cabeça, mas tenho a impressão de ser seguido por ela porque
assim que me viro para fechar a porta vejo uma mulher que lembra muito sua
aparência. Me tranco e tento me forçar a manter a concentração durante o dia
todo, por sorte muitos representantes dos clãs precisaram falar comigo, resolver
algo importante para eles, Calin me trouxe algumas novidades sobre as cidades
vizinhas, e isso me ajudou a manter a mente no lugar.
No fim da tarde, volto para casa e busco Calin, novamente, para saber
como foi o dia da Maeve.
― Ela não está muito confortável, meu senhor.
― Por quê? ― pergunto, sem entender como alguém doce como ela tenha
dificuldade de se dar bem com o meu povo, com certeza todos sem encantariam
por ela.
― Quando eu estava no seu escritório, ela saiu com a tia para conhecer a
vila, mandei alguns guardas saírem com elas, caso quisessem conhecer a vila e
para que não se perdessem, mas Maeve retornou chorando e a tia não quer dizer
o motivo para ela estar desse jeito. Ela passou a tarde inteira trancada no quarto e
não desceu nem para almoçar. ― Me sinto tenso ao saber que alguém pode não a
ter tratado da forma como deveria, mas eu tenho uma parcela de culpa por ainda
não contar para a alcateia como ela é importante para o nosso futuro.
― Vou falar com ela.
Subo as escadas envolto em um silêncio pesado, apenas os meus passos
fazendo barulho nos degraus e no piso conforme caminho em direção ao quarto
dela, minha destinada. Meu peito pesa por não ter sentido sua perturbação,
incomodado demais em descobrir como fazê-la irremediavelmente minha, para
sempre. Mas preciso que Maeve me conte o que aconteceu para que eu possa
corrigir.
Bato suavemente na porta, sem resposta, respiro fundo e giro a maçaneta
sem encontrar resistência, a abro e encontro o quarto escuro, apenas a luz da lua
iluminando sombriamente o lugar. Vejo Maeve encolhida na cabeceira da cama,
abraçando os joelhos junto ao peito, a cabeça baixa e os ombros chacoalhando
com os soluços. Meu coração se aperta ao sentir sua tristeza.
― Maeve ― chamo baixo, mas ela não responde. ― O que aconteceu?
Por que está chorando?
― Isso não vai dar certo, nunca vai funcionar. ― Meu lobo desgosta
imediatamente do que ela diz. ― Somos diferentes, não tem como isso dar certo,
não sei como alguém pode achar que isso funcionaria, seu povo nunca vai me
aceitar, não sou como vocês.
― Tenho os mesmos receios que você, agora que encontrei minha
companheira não quero te perder, mas se a profecia existe é por um motivo
maior do que nós. O futuro do meu povo depende de nós, micuta, e vou falar
com todos para que te aceitem, eles precisam aceitar que você é minha
companheira, a destinada que esperei a vida inteira para conhecer.
― Stefan, o que você fala é muito bonito, mas não muda o que aconteceu,
ninguém aqui confia ou gosta de mim, os únicos que parecem aceitar a minha
presença são você e seus homens de confiança, nenhuma das mulheres me trata
nem com educação. ― Respiro fundo, controlando a minha irritação por ela ter
que passar por isso. Seguro o seu rosto e o acaricio, limpando as lágrimas e a
ouvindo suspirar pesadamente.
― Eles não gostam de mudanças ou novidades, são poucos os que
conhecem a profecia, quem não conhece pensa que você pode me fazer algum
mal.
― Sou uma intrusa, por mais que eu tente, não serei aceita. Fui ignorada,
rejeitada e, quando pensei que alguém falaria comigo, ofendida. ― Solta uma
risada sem humor. ― Do que adianta ser sua companheira se eles sequer me
respeitam como uma pessoa?
― Quem te desrespeitou?
― Não conheço as pessoas aqui, mas uma entre elas me chamou de bruxa
impura e disse que o enfeiticei para que me trouxesse até aqui, que não sou bem-
vinda entre eles. ― Sua voz quebra no final, despedaçando o meu coração.
Meu sangue ferve, o lobo desejando sair para castigar uma das pessoas que
a ofendeu. Eu imaginei que a sua transição não seria fácil, mas não vou aceitar
que a tratem como uma pária. O destino a escolheu como minha destinada,
minha fêmea, eu vou protegê-la, mesmo que precise castigar um dos meus para
dar o exemplo, para que todos a respeitem.
― Você faz parte da minha vida, de mim, e da minha alcateia, ninguém vai
te tratar com desrespeito, eu juro.
Ela me olha em uma mistura de gratidão e hesitação, tento demonstrar
através do meu olhar que pode confiar em mim. A envolvo em meus braços,
puxando seu corpo para perto do meu, suas mãos pequenas se apoiam no meu
peito e a minha pele se arrepia ao toque.
― Você não está sozinha, micuta. Sempre te protegerei.
Aproximo meu rosto do seu, sem conseguir resistir mais tempo sem provar
o seu gosto. Sua respiração se agita, a tensão é demais para suportar então desço
os lábios sobre os dela, me embriagando com sua doçura e inocência. Controlo o
ímpeto do lobo, sendo o mais suave que consigo, aproveitando o momento.
Mesmo assim, um pouco da selvageria escapa quando a puxo para o meu colo, a
abraçando forte e invadindo sua boca com a minha língua.
Ela suspira, me incendiando, minhas mãos sobem para o seu rosto, os
dedos deslizando gentilmente pelas bochechas. Maeve corresponde ao beijo,
hesitante, mas logo seus braços envolvem o meu pescoço, se segurando em mim
como se fosse um porto seguro.
Sinto como se fios invisíveis nos unissem mais forte, como se nossas
almas conversassem. Me afasto a contragosto, ofegante, mantendo a testa
encostada à dela, nossos olhos se encontrando novamente e, nesse momento, sei
que não importa o que aconteça daqui para frente, sou capaz de qualquer coisa
para protegê-la.
― Minha micuta.
Capítulo 9
Tenho dificuldade em dormir depois que Stefan sai do meu quarto, meus
lábios sensíveis formigam depois do beijo. Na manhã seguinte, acordo com a
minha tia entrando no quarto.
― Acho que vou começar a trancar a porta, está muito fácil acabar com a
minha recém-apreciada privacidade. ― Tia Aislínn ri.
― Criança, está com a expressão melhor hoje. ― Reparo na bandeja que
carrega. ― Trouxe um pouco de chá, tive que brigar com aquelas moças para
poder preparar o seu café da manhã e trazer na cama.
― Não precisava, tia.
― Deixa de besteira e come logo, aproveita e toma esse chá que vai te
animar.
― Stefan conversou comigo ontem. ― Seu sorriso aumenta.
― Então está explicada a sua expressão leve, ele vai conversar com as
pessoas daqui?
― Ele prometeu me proteger e resolver o problema com seu povo, mas
não queria forçar minha presença.
― É necessário, criança. E logo eles entendem que você não fará mal a
eles, então te aceitarão. ― Respiro fundo novamente.
― Assim espero. ― Tomo um gole do chá, me sentindo mais animada. ―
Estou com medo.
― Se não tivesse medo do desconhecido, seria uma tola. ― Ri da sua
própria frase. ― O importante é não se deixar dominar pelo medo e seguir em
frente.
― Vou tentar novamente hoje. ― Me levanto decidida a fazer uma
segunda tentativa de socialização, me troco e, depois de terminar de comer, saio
do quarto seguida pela minha tia.
Conforme ando pelas ruas, as pessoas comentam entre si e se afastam, hoje
parecendo mais curiosas do que hostis.
― Bom dia, senhoras. ― Me viro para ver quem falou conosco e sorrio
para o homem educado.
― Bom dia, senhor.
― A senhorita deve ser a Maeve, certo? ― Franzo a testa para sua mão
estendida, mas concordo com a cabeça. ― Sou Bogdan, conheço Stefan desde
sempre. ― Aceito o cumprimento depois da explicação e sinto algo estranho,
como um tipo de repulsa ou um instinto que me ordena afastamento imediato
dele.
― Prazer em conhecê-lo, Bogdan. Essa é Aislínn, minha tia ― apresento e
eles se cumprimentam brevemente.
― Posso fazer companhia enquanto passeiam, as pessoas não as ofenderão
mais.
― Como tem tanta certeza?
― Antes que a senhorita acordasse, Stefan convocou os líderes de todos os
clãs para uma reunião, ele fez o comunicado informando sobre você e parte do
motivo para estar aqui. ― Ele se abaixa e passa a sussurrar perto do meu ouvido:
― Ele ainda não contou para todos sobre a profecia, mas garantiu que você é
hóspede dele e que todos devem tratá-la bem.
― Hóspede, claro. ― Ao mesmo tempo em que sinto um gosto amargo na
boca pelo termo usado para me apresentar a essas pessoas, uma brisa gelada
passa por nós, causando um arrepio terrível, combinado com uma sensação de
medo. ― Tia.
― Eu senti também. ― Ela olha para Bogdan, mas balança a cabeça em
seguida, provavelmente descartando a possibilidade do que eu também pensei.
Se o Stefan confia nele e se conhecem há tanto tempo, não poderia ser ele
o traidor, e devem ter mais possibilidades dentro de uma alcateia grande como
essa.
Me despeço de Bogdan e puxo minha tia de volta para o castelo, sinto que
ainda tenho um longo caminho até estar totalmente adaptada a este lugar.
Jantamos novamente com Stefan e seu braço-direito, depois me uno a ele na
biblioteca e conversamos sobre nossos gostos de livros e música. Stefan ri do
meu pouco conhecimento de música moderna, já que as minhas tias preferiam as
músicas antigas e, no máximo, clássica.
Sou apresentada a um ritmo que me faz ter vontade de dançar, já ouvi
alguns turistas que iam na minha cidade escutarem. Ele também tem televisão e
aparelhos eletrônicos por toda parte.
― Quando vim para cá, imaginei algo mais parecido com o lugar onde eu
morava, mas acho que vocês gostam de modernidades. ― Sorrio, sendo
acompanhada pelo Stefan.
― Fomos nos adaptando aos humanos com o passar dos séculos, claro que
não podemos ir nos seus hospitais e temos como nos cuidarmos por aqui, mas
não vejo problema algum nos confortos do mundo moderno.
― As pessoas visitam o lugar onde eu cresci justamente por parecer
parado no tempo, claro que sei como o mundo é diferente de onde eu vivia, mas
sinto uma estranheza com tudo isso. ― Olho em volta, ainda encantada com a
quantidade de livros que ele tem por aqui.
― Gosta muito de ler?
― Demais, era o que mais fazia, além de ajudar minhas tias. Sempre
gostei da forma como os livros nos transportam para mundos fantásticos sem
sairmos do lugar, isso sim é mágica de verdade. ― Ele ri e se aproxima.
― Sim, é bom, mas quero te mostrar algo tão bom quanto. ― Ele estende
a mão e nos leva até uma outra sala onde tem um sofá enorme o suficiente para
esticar as pernas, uma tela grande na parede e caixas de som penduradas.
― O que é isso?
― Uma extravagância minha, não gosto muito de socializar com humanos,
apesar de nos darmos bem e eles nem desconfiarem do que somos, um dia visitei
a capital e fui em um lugar que tinha uma tela muito maior do que essa e várias
poltronas espalhadas, o cinema.
― Eu pareço meio perdida, mas sei o que é um cinema. ― Rimos juntos.
― Você que perguntou o que é isso. ― Encolhe os ombros. ― Bom, este é
o meu cinema particular e eu quero assistir a um filme com você.
Ele coloca um filme para assistirmos, mas no meio começa a reclamar.
― Pensei que você pudesse gostar desse filme, mas é irritante a forma
como os humanos pensam que minha espécie poderia ser. ― Franzo a testa,
confusa, mas sorrio da indignação dele. ― É sério que ele acha que nós
andaríamos por todos os lugares sem camisa e de bermuda, por mais frio que
esteja? Eu sei que meu corpo tem maior tolerância ao frio, mas isso é ridículo,
ninguém conseguiria se misturar chamando atenção desse jeito.
― Mas acho que fizeram isso para chamar atenção do público, por causa
do físico deles. ― Stefan rosna baixo ao meu lado.
― Não sei se gosto que você repare no físico de outros homens. ― Rio
mais, me sentindo à vontade com ele, quase totalmente recuperada da decepção
de ontem.
Capítulo 10
Deixo Maeve no seu quarto e volto para o meu, vou para o banheiro e
tomo um banho refrescante e deito na cama, sem estar totalmente seco, sentindo
a brisa diminuir minha temperatura corporal. Pego no sono depois de algumas
horas rolando de um lado para o outro, preocupado com os assuntos da alcateia.

Me sinto inquieto, homem e fera preocupados, o campo aberto onde estou


cercado pela escuridão da noite, como o anúncio de um mau presságio. Levanto
a cabeça e encaro a lua cheia iluminando de forma sobrenatural tudo à minha
volta, mas sinto algo errado. Meu coração bate descompassado no peito e olho
para todos os lados procurando o que me ameaça.
Farejo e sinto o tão conhecido aroma de flor de laranjeira e sálvia.
Maeve. Caminho apressado, seguindo seu cheiro e meus olhos expandem com o
que vejo. Travo com a cena que encontro na minha frente, a garganta seca e
muda, os pés grudados ao chão.
Uma figura sombria se move até minha fêmea e a agarra com brutalidade,
arrancando um gemido de dor que reverbera no meu peito. Maeve se debate e
tenta lutar, mas o captor é mais forte. Meu lobo quer sair, mas parece uma fera
enjaulada, sem conseguir escapar, assim como eu que permaneço preso no
lugar, incapaz de salvá-la.
Seu grito de dor rasga a noite, ecoando no meu coração como uma lâmina
afiada, só então consigo me mover, meio homem e meio lobo, correndo na
direção dela, cheio de angústia. Meus olhos se fixam no desconhecido que
segura Maeve antes de encarar minha destinada e reconhecer o medo em seus
olhos.
Quando estou perto o suficiente para alcançá-la e lutar com o maldito,
travo no lugar, caindo de joelhos. Abaixo os olhos e encaro a lâmina
atravessada, sangue escorrendo do meu peito. Minha visão começa a escurecer,
mas ainda tento levantar, preciso salvar Maeve, porém a última coisa que vejo
antes da vida se extinguir dentro de mim é Maeve sendo arrastada para longe,
seu grito desesperado desaparecendo antes de tudo escurecer.

Acordo sobressaltado, assustado com o pesadelo, sentindo o coração


pesado e ouço no quarto ao lado a voz de Maeve. Levanto e corro para ela,
precisando sentir sua proximidade e, quando invado seu quarto, a vejo tomada
por um pesadelo. Maeve se debate furiosamente e corro para ela, reagindo
instintivamente, precisando protegê-la.
Me deito ao seu lado e puxo o pequeno corpo para o meu, a abraçando
forte, ela tenta me afastar, se debate, mas mantenho o aperto firme ao seu redor,
tentando transmitir segurança.
― Sunt aici, mica mea. Nimeni nu te va răni cât timp sunt lângă tine[2] ―
sussurro no seu ouvido, tentando acalmá-la e parece funcionar. ― E doar un vis
urât. Deschide ochii, mica mea, sunt aici[3]. ― Afasto o medo do meu próprio
pesadelo, deixando para me preocupar com isso mais tarde, sei que não era
apenas um sonho ruim, nunca é.
Maeve respira pesadamente, mas parece acalmar, então seus olhos se
abrem e eu prendo a minha respiração. Sinto seu movimento e a cabeça se
levanta para me olhar, encaro seus olhos e é como se tudo se alinhasse, estar com
Maeve nos meus braços é o certo e se estivermos juntos, nada poderá nos atingir.
― Eu, você, como? O que faz aqui? ― pergunta em um fio de voz.
― Eu tive um sonho ruim e senti que não estava bem, vim para te proteger
do seu pesadelo ― digo, ficando mais consciente da nossa situação.
Saí do meu quarto vestindo apenas uma cueca boxer, estou abraçando
Maeve, seu corpo reagindo à nossa proximidade assim como o meu. Seus seios
pequenos roçando meu peito através do tecido fino da camisola que veste.
― Stefan ― sussurra com o rosto próximo ao meu e me deixo levar pela
necessidade urgente que sinto.
Encosto os lábios nos dela com mais força do que na primeira vez,
deixando o lobo assumir, mas ainda o controlando. Nossas línguas se enroscam,
atrevidas, desejosas, minhas mãos ganham vida, explorando, conhecendo. Me
sinto como se queimasse por dentro, e ela estivesse seguindo pelo mesmo
caminho.
A empurro de costas na cama e a pressiono no colchão com meu corpo,
suas pernas se abrem levemente me permitindo uma fricção enquanto espalho
beijos pelo seu rosto, venerando a fêmea que o destino me presenteou. Dou
atenção para seu pescoço e ombros, a sentindo se arrepiar quando distribui beijos
pelo seu colo e afasto as alças da camisola, desnudando os seios de aréolas
rosadas e mamilos rijos.
Minhas presas se alongam um pouco quando arranho a pele sensível com
os dentes arrancando um gemido de pura entrega de Maeve, minhas mãos
acariciam suas pernas enquanto o cheiro da sua excitação me embriaga. Dou
atenção para os dois seios, sentindo cada reação dela, antes de descer pelo seu
ventre.
― Preciso sentir o seu gosto, mica mea.
Desço o tecido da camisola pelo seu corpo, revelando o ventre plano e meu
lobo se agita com a ideia de um filhote crescendo dentro dela. Beijo sua barriga,
mordisco e abaixo até alcançar a tira que protege sua intimidade.
― Se quiser que eu pare, só precisa dizer, eu paro a qualquer momento se
for o que quer ― digo, levantando a cabeça para olhar nos seus olhos, para que
entenda que, por mais que eu deseje muito estar dentro dela, sentir seu gosto, só
avançarei até onde ela permitir.
― Não quero que pare. ― Sorrio para a afirmação ofegante e continuo a
desnudá-la.
Prendo a respiração ao terminar de tirar suas roupas, afasto suas pernas
para encarar sua intimidade encharcada, pingando, meu membro engrossa na
prisão da cueca, mas ainda não é a hora dele. Farejo o aroma doce da sua
excitação e me aproximo, salivando para sentir o sabor. Passo a língua
delicadamente pela fenda úmida, embriagado pelo seu cheiro e agora me
esforçando mais para me controlar, depois de sentir seu gosto.
Pressiono a língua no nervo inchado e Maeve parece tomar um choque,
seu corpo se agitando, ela diz palavras desconexas, sem nenhuma resistência,
totalmente entregue. Me banqueteio com sua intimidade, seus grandes e
pequenos lábios, seu nervo inchado, duro, sugando, lambendo e mordendo,
aumentando seu prazer e o meu até que esteja derretendo na minha boca. Bebo
seu gozo ouvindo seus gemidos como se fosse a sinfonia mais perfeita.
Meu corpo cobre o seu novamente, afasto suas pernas e me encaixo na sua
entrada, depois de afastar a cueca que já estava me incomodando. Sinto sua
tensão quando seu corpo trava.
― Eu paro a qualquer momento, é só dizer e eu me afasto. Podemos ficar
apenas abraçados a noite inteira e não precisa fazer nada que não queira. Fale
comigo, mica mea.
― Eu nunca, bem, eu não sei como, é, sabe, nenhum homem nunca… ―
A compreensão me atinge e se torna mais difícil controlar a possessividade do
lobo. Minha.
― Quer que eu me afaste? Temos a vida inteira para nos conhecermos
intimamente, não precisa ter pressa para isso. ― Seu corpo pequeno se agita
embaixo do meu, entendo como um sinal para me afastar, mas um rosnado
escapa dos meus lábios quando sinto seu calor em volta da minha glande.
Estou parado, chocado com a ação da Maeve e com medo de machucá-la.
― Eu, você, bem, ouvi dizer que se eu ficar por cima, pode ser melhor. ―
Um sorriso se estende no meu rosto e, em um movimento rápido, inverto nossas
posições.
― Como queira ― digo, segurando sua nuca e a puxando para um beijo
apaixonado.
Sinto as mãos pequenas passeando pelo meu corpo até envolverem minha
ereção, reprimo um uivo me segurando para deixá-la confortável. Maeve me
encaixa em sua entrada apertada e se move para baixo, nos fazendo gemer
juntos. Seguro sua cintura para lhe dar apoio e segurar, caso a sinta muito
desconfortável.
― Ah, acho melhor tirar o band-aid. ― Franzo a testa sem entender o que
ela quer dizer, até ela soltar o corpo e eu estar profundamente enterrado nela. ―
Ah!
― Porra! ― Seu grito de dor se une à minha exclamação.
Seu corpo tomba na minha direção e a acaricio, segurando seu rosto e
tomando seus lábios, logo a tensão começa a lhe deixar e seu quadril se esfrega
ao meu. Seguro seu quadril com força e levanto um pouco, para depois descer,
repito o movimento algumas vezes até senti-la começar a se mover sozinha.
Maeve levanta o tronco e se apoia no meu peito, cavalgando no meu pau
devagar. Quando sinto seu incômodo, inverto nossas posições novamente,
estocando fundo e movimentando o meu quadril, buscando o seu ponto de
prazer, seu grito quando o encontro é delicioso e trabalho torturando esse local
até tê-la ordenhando meu membro, enquanto goza, seu interior me apertando,
forte. Me permito gozar junto com ela, liberando a minha porra e grunhindo
enquanto perfuro a lateral do seu seio com as presas, sentindo o gosto do seu
sangue, doce e viciante, estendendo o meu orgasmo e o dela.
Passo a língua pela marca, de forma a conter o sangramento, mas deixando
visível apenas para nós que ela é minha, e eu sou dela. Apenas depois que o
frenesi passa, saio do seu interior e me deito ao seu lado, puxando seu corpo para
o meu, sua cabeça no meu peito e tudo parece estar no lugar, noto algo diferente.
O entendimento do que eu fiz me alcança, estourando a bolha que estamos.
Eu marquei Maeve.
La dracu![4]
Capítulo 11
Senti a tensão em Stefan logo que nos deitamos, ele ainda me abraça forte,
mas sei que tem algo o incomodando. Entretanto, prefiro perguntar depois sobre
isso, meus olhos começam a pesar e o sono logo me alcança enquanto escuto as
batidas do seu coração.
Na manhã seguinte, acordo sentindo uma brisa fria no meu corpo e tateio a
cama procurando por Stefan, apenas para descobrir que ele não está aqui. Abro
os olhos e me sento, olhando pelo quarto para ter certeza de que estou sozinha. A
mordida que Stefan deu no meu seio arde, parece querer sempre me lembrar que
estou ligada a ele. Ao mesmo tempo sinto algo diferente no meu corpo, mas não
sei explicar direito o que pode ser.
Balanço a cabeça, afastando esses pensamentos e visto uma roupa para
descer e tomar café da manhã, olho para fora pela janela, vendo o sol e sentindo
a brisa fresca da manhã, não deve ser muito tarde. Olho para a cama e, nos
lençóis claros, encontro a evidência do que aconteceu. Os retiro apressadamente
e escondo no armário, irão estranhar não encontrar o lençol para lavar, mas não
quero que ninguém veja.
Desço usando um vestido que encontrei e vejo a minha tia sentada à mesa,
tomando o que eu imagino ser um dos seus chás.
― Pensei que dormiria até mais tarde hoje, criança, Stefan pediu que
ninguém te incomodasse.
― Não consigo acordar muito tarde. ― Encolho os ombros. ― Hábito.
― E o que aconteceu para o senhor da casa ordenar que ninguém se
aproximasse do seu quarto? ― Sinto meu rosto esquentar ao me recordar da
noite passada e minha tia sorri. ― Então não quis esperar o casamento, ou
qualquer que seja a cerimônia que eles façam aqui, para se entregar ao seu
destinado?
― Aconteceu, tia, eu tive um pesadelo horrível e quando acordei o Stefan
estava me abraçando e dizendo palavras carinhosas, ele me acalmou e eu senti
que era o momento certo.
― Se você sentiu, então era mesmo. Verá que tudo entrará no eixo de
agora em diante. ― Franzo a testa.
― Como assim?
― O destino segue seu curso e a profecia se fortalece. ― Sua voz rouca
causa um arrepio em todo o meu corpo. ― Eu vi em meus sonhos, a lua cheia
ilumina uma clareira na floresta, e lá, você e Stefan estão juntos, mas as sombras
ao redor não são apenas de inimigos, são antigos, forças que vocês não
conhecem ainda. O destino de vocês está entrelaçado, mas ainda terão desafios.
Liderarão tempos difíceis, serão forjados em batalha, interna e externa. A sua
união será a chave para a sobrevivência da alcateia, mais do que isso, para algo
maior que se aproxima.
Medo e curiosidade se misturam ao ouvir a fala da minha tia, sei que
quando entra em transe dessa forma, está tendo uma visão, ela segura a minha
mão e a aperta suavemente, seus olhos voltando ao presente e se fixando nos
meus.
― Ele te marcou, despertando algo antigo. ― Meus olhos expandem por
ela saber da marca, mas eu não devia estar surpresa. ― Você já não é apenas
humana, minha criança. O caminho a percorrer é incerto, mas não se esqueça de
que cada passo ao lado do Stefan a levará para o destino que está escrito para
ambos.
― Tia, o que eu faço? ― pergunto, apavorada.
― Viva, minha querida, intensamente e aproveite todos os momentos de
paz e tranquilidade.
― Acha que vai acontecer alguma coisa comigo depois do Stefan ter me
marcado?
― Querida, já está acontecendo. ― Franzo a testa sem entender e me
desconcentro ao sentir o aroma do bacon sendo frito junto com os ovos, fazendo
meu estômago roncar. ― Melhor matar essa fome, meu bem. ― Ela ri e logo as
funcionárias trazem a comida e nos servem, uma sorri enquanto a outra
permanece séria, se retiram em seguida e começo a comer, apreciando o sabor.
― Sabe se tem algum lugar por aqui onde eu possa mandar uma carta para suas
tias?
― Podemos ir na vila assim que eu terminar, vai ser bom dar um passeio e
conhecer melhor tudo por aqui.
― Sim.
Comemos e conversamos tranquilamente, mesmo com uma sensação
estranha que ignoro preferindo acreditar que não mudei nada, além de ter
perdido a minha virgindade.
Nos dias seguintes entro em estado de negação e fujo da presença de
Stefan, não querendo que ele me veja desse jeito. Alguns dias sinto meu corpo
queimar, como se fosse entrar em combustão espontânea e passo horas em uma
banheira cheia de água gelada.
Em outros sinto um frio insuportável e uma febre terrível, dores no corpo
dando a impressão de que os meus ossos podem se quebrar se eu fizer um
movimento brusco. Todas as vezes que Stefan tentou se aproximar, gritei
ensandecida para que me deixasse sozinha, nesses momentos não reconhecia
minha própria voz.
Depois de um chá preparado pela minha tia, finalmente peguei no sono,
mas as visões que tenho me assustam e me prendem em uma teia aterrorizante,
vejo um lobo desconhecido, que nunca vi em todos esses anos, mas que não
parece ameaçador, sinto como se o conhecesse, mesmo sem nunca o ter visto.
Como Stefan.
Acordo sobressaltada com a minha tia colocando um pano frio na minha
testa.
― Calma, criança, o seu corpo e sua mente estão entrando em sintonia
com a nova condição, creio que em alguns dias já deve estar completo o
processo. ― Respiro fundo, cansada demais para as mensagens da minha tia.
― Que processo? Podia simplesmente me dar um chá ou alguma infusão
de ervas para que tudo se resolva e essa enfermidade deixe o meu sistema.
― Não está doente, querida.
― Então por que me sinto tão miserável? ― Ela ri e começo a me irritar.
― Pedi para o Stefan chamar um curandeiro do seu povo, um ancião e um
feiticeiro experiente.
― Você é uma feiticeira experiente.
― Obrigada, criança, mas a minha experiência não se aplica no seu caso,
estou fazendo o meu melhor para que não se sinta tão mal, mas esse é o meu
limite, nos próximos dias seus sintomas irão piorar e já não serei de grande
ajuda.
― Ninguém se aproximará de mim! ― Minha mente fica em branco e a
escuridão me alcança em seguida com a dor que atravessa todo o meu corpo.
Capítulo 12
Deixo Calin responsável pelos assuntos da alcateia e me concentro em
fazer o melhor para cuidar da Maeve, por mais que ela não deixe que eu me
aproxime.
Meu coração pesa cada vez que ela me expulsa do seu quarto e meu lobo
ameaça se revoltar, insatisfeito por ter que acatar a ordem da fêmea. Sua tia,
Aislínn, pediu que eu buscasse mais ajuda e assim o faço. Não tenho nenhum
feiticeiro, então busco o ancião para me ajudar, como sábio e antigo deve
conhecer alguém de confiança.
― Meu senhor, não temos muito tempo. ― Assim que entro na casa dos
anciões, sou surpreendido por um deles vindo na minha direção.
― O que aconteceu?
― Busque na aldeia que compartilha terras conosco pelo antigo que pode
ajudar a completar o processo em segurança, uma semitransformação pode
causar a morte da sua destinada e a desgraça de toda alcateia.
― Preciso que vá até o castelo e ajude Maeve enquanto não volto com o
feiticeiro, tem certeza de que é seguro? ― pergunto devido às informações que
tivemos da profecia e pelas características do desconhecido que nos ameaça
serem de um feiticeiro.
― Sim, meu senhor. ― Aceno com a cabeça, confiando no ancião e saio
da sua casa, sabendo que irá até Maeve o mais rápido possível, no caminho para
fora da vila encontro Bogdan.
― Bogdan! Preciso de ajuda ― digo assim que o vejo.
― O que precisa?
― Leve o líder do clã de curandeiros até Maeve, preciso ir até a vila
vizinha, mas ela não pode esperar. ― Ele franze a testa.
― O que ela tem?
― Sem perguntas, só faça! ― digo, sem querer explicar sobre a porcaria
da transformação.
O medo percorre o meu corpo enquanto corro até a vila, pergunto para
alguns moradores que encontro e chego à cabana do homem que é conhecido
como feiticeiro, aquele que conhece os segredos do mundo e conta lendas de
várias espécies que viviam harmonicamente com os humanos há muito tempo.
Bato na porta e logo ela se abre, revelando um homem que parece
surpreendentemente jovem, veste uma roupa antiquada para a época em que
vivemos e uma capa, como um feiticeiro.
― Estava te esperando, meu rapaz, vamos logo, eu não sabia aonde ir
senão já o teria encontrado.
― Meu povo prefere permanecer escondido, fora do alcance de olhos
estranhos. ― Eu prefiro não dizer que não gostamos de ficar muito próximos de
humanos pelo histórico que eles possuem de condenar e executar o que não
compreendem ou conhecem.
― Eu te entendo, jovem, em muitos dos locais onde vivi me fingia de
charlatão, apenas para que acreditassem que o que eu fazia não era nada
diferente do que já tinham visto, fazemos esse tipo de coisa para sobreviver.
― Vamos logo, teremos tempo para conversar depois.
Guio o homem até a alcateia, diretamente para o castelo e, assim que
entramos no quarto de Maeve, vemos os outros dois junto com a Aislínn ao lado
da cama da fêmea.
― Como ela está? ― pergunto.
― Riremos disso assim que tudo passar, mas é uma tortura ver a minha
Maeve com dores insuportáveis. ― Eu sei como é porque sinto tudo o que
Maeve está sentindo, desde preocupação até a dor visceral da transformação.
― Vocês podem ajudar?
― Eu preparei algumas infusões de ervas para que ela tome, vai ajudar
com as dores.
― A coloque na banheira com água fria para abaixar a temperatura e
aliviar quando sentir muito calor. ― Olho para o ancião depois da sua
recomendação.
― Preciso de algumas ervas para acalmar o ambiente e de bastante
silêncio para poder ajudar no processo. ― Ele se aproxima de Maeve e toca sua
testa, ela se retesa um pouco e a expressão do homem se altera brevemente antes
de ficar impassível outra vez. ― Falta pouco para completar, vamos começar.
Todos se movem rapidamente para que tudo esteja pronto, seguro Maeve
no colo e a levo para a banheira que mandei trazerem até o seu quarto, não tem
espaço suficiente para todos no banheiro. A coloco dentro da água gelada e seu
corpo se arrepia.
― Por que tão fria? Estou com frio, me tira daqui ― diz em um fio de voz.
― Precisamos abaixar a sua temperatura, conter a febre ― respondo. ―
Não se preocupe, estarei aqui. ― Libero feromônios na tentativa de acalmá-la,
de ajudar como não pude antes, assustado como estava pelo que eu causei.
O feiticeiro se aproxima e coloca as duas mãos próximas da cabeça de
Maeve, mas sem realmente encostar e suas palavras ecoam pelo ambiente:
“Corpus humanum, relinque carnem fragili,
Nova forma in te oritur, robusta et fera.
Ex ossibus tuis, lupi fortitudo surgat,
Ex sanguine tuo, lunae potestas floreat.

Duo corda in unum pulsant,


Duo animae in unam ligantur.
Vis lupi, spiritus ferox,
Lupus et homo, unum corpus, unum cor.

In tenebris vagasti, nunc lucem amplecteris,


Lux lunae vires tibi praestat,
Mutatio complenda est!
Fatum impletur, nova vita nascitur![5]”
Maeve estremece dentro da banheira, se debate, contorce e geme de agonia
antes de desmaiar de exaustão.
― A leve para a cama, seu corpo precisa descansar e se recuperar, ainda
não é o fim, ela terá que passar pela primeira transformação. ― Todos se
afastam e eu a ergo no colo novamente, Aislínn me estende uma toalha com a
qual enrolo Maeve e a seco rapidamente.
― Saiam ― digo, querendo tirar a camisola molhada do seu corpo, mas de
jeito nenhum farei isso com plateia.
― Vamos, tem um quarto sobrando na casa dos anciões, é simples, mas
confortável, pode retornar para a vila pela manhã, o que acha?
― Agradeço a hospitalidade, se precisar de mim novamente, meu rapaz,
peça que me chamem e venho imediatamente ― responde o feiticeiro se
retirando.
O curandeiro do meu povo se retira junto e ficamos apenas Aislínn, Maeve
e eu no quarto. Aislínn me ajuda a tirar a roupa molhada de Maeve e vesti-la
com algo seco, depois a deito na cama e me deito ao seu lado, segurando o seu
corpo perto do meu, sentindo seu coração batendo forte e sua respiração contra a
minha pele tendo um efeito calmante.
― Vou para o meu quarto, se precisar de algo, pode me chamar.
― Obrigado pela sua ajuda. ― Aislínn sorri.
― Eu amo essa menina desde sempre, não precisa me agradecer, daria a
minha vida por ela. ― Aceno com a cabeça e ela se retira, fechando a porta e
nos deixando a sós.
Respiro fundo algumas vezes, olhando a luz da lua iluminando o quarto,
esperando que, finalmente, tenha dado certo, ela possa se transformar em loba e
possamos viver juntos e em paz. Eu já não ligo a mínima para a profecia, tudo o
que me importa é Maeve e a alcateia.
Capítulo 13
Começo a despertar, sentindo um corpo quente colado ao meu, me atento
aos sons e cheiros, e tudo parece mais intenso. Ouço animais distantes, o
farfalhar das folhas a quilômetros de distância. Minha pele mais sensível onde
Stefan encosta.
― Como se sente, mica mea? ― Me arrepio com a sua voz rouca
sussurrada no meu ouvido.
― Estranha, mas não sinto nenhuma dor.
― Isso é bom, se sentir algum mal-estar, me avise imediatamente. ― Me
viro, ficando de frente para Stefan e olho nos seus olhos.
Inspiro fundo sentindo seu cheiro, é como a floresta após a chuva, terra
molhada e madeira antiga, combinando com ele. Um sorriso sedutor se abre no
seu rosto e meu coração se agita no peito, meu corpo se aquecendo sem que ele
precise encostar em mim, então o sorriso se amplia porque ele sabe o que está
fazendo.
― O que é isso? ― pergunto ao sentir minha intimidade umedecendo
quando Stefan passa as mãos suavemente pelos meus braços em uma carícia
falsamente inocente.
Sinto algo mais dentro de mim, algo mais primitivo, selvagem e que deseja
Stefan tanto quanto o desejava quando era apenas humana. Avanço na sua
direção, montando seu quadril e me esfregando em seu membro grosso.
― Ah, mica mea, seu corpo ainda precisa de descanso. ― Um rosnado
baixo escapa dos meus lábios, sinto meus dentes se modificarem.
― Meu. ― Abaixo a cabeça e capturo seus lábios com os meus, as mãos
de Stefan apertam minha cintura, movimentando meu corpo para frente e para
trás.
Desço beijos pelo seu pescoço, vejo a veia saltada e raspo os dentes pelo
local o sentindo se sacudir embaixo de mim. Arrasto os lábios pelo seu peitoral
definido, chegando ao abdome onde me esfrego.
― Vem aqui, me deixa sentir o seu gosto, mica mea. ― Atendo ao seu
pedido e levo o quadril para perto do seu rosto.
Stefan me coloca sentada no seu rosto e afasta a minha calcinha para o
lado, lambendo a minha intimidade, bebendo minha excitação e me deixando
mais selvagem. Abaixo a sua cueca e liberto o membro inchado, passo a língua
por toda a extensão, sigo as veias saltadas, sugo a glande antes de colocá-lo na
boca e sugar como um sorvete gostoso.
Seu gosto domina minha boca, me fazendo salivar mais, o levo cada vez
mais fundo, chegando até a garganta, engasgando e o soltando em seguida,
apenas para repetir tudo. Começo a movimentar a minha cabeça para cima e para
baixo, e sinto um arrepio passar pelo meu corpo quando o orgasmo me alcança.
Sou surpreendida pelo Stefan me tirando de cima dele e me posicionando
apoiada nos joelhos e cotovelos, com meu quadril inclinado para cima, minha
intimidade totalmente exposta.
Seu membro inchado é colocado na minha entrada apertada, me invadindo
lentamente. Reviro os olhos pela invasão e empurro o corpo na sua direção,
colando a bunda no seu quadril, totalmente entregue. Stefan segura um punhado
do meu cabelo e me puxa, grudando minhas costas no seu peito e investindo
forte enquanto lambe o meu pescoço.
― Minha. ― Algo se remexe dentro de mim, se sacudindo com a sua
possessividade, me sinto mais selvagem, preciso que ele me morda, preciso que
me marque, que me faça sua novamente.
― Me morda ― peço, ofegante, acompanhando suas estocadas e
precisando de mais. ― Me marca, me faça sua.
― Porra! ― Sua boca se fecha no meu pescoço, mordendo forte.
O orgasmo atravessa o meu corpo com força, me arrancando um grito de
puro prazer, mas ainda não é o suficiente. Depois de Stefan lamber o meu
pescoço para parar de sangrar, me afasto e o empurro para a cama, montando seu
corpo e voltando a tê-lo dentro de mim. Aproximo a boca do seu pescoço,
curiosa, desejosa, meus dentes se alongam e mordo, perfurando a pele, sentindo
o gosto do sangue, forte, picante, me embriagando.
Faço como ele e passo a língua para conter o sangramento e vejo que não
está fechando. Stefan segura meu quadril, aproveitando-se da minha distração e
aumenta a velocidade das estocadas, em um ritmo punitivo que me faz gozar
novamente quando ele se enterra profundamente dentro de mim e goza forte.
Desabo em cima dele, ofegante e muito satisfeita. Stefan começa a rir, seu
corpo sacudindo o meu e me fazendo rir também, sem saber o motivo do seu
riso, mas é leve, é contagiante, apaixonante.
Stefan se levanta e me leva no colo até o banheiro, mesmo sob os meus
protestos. Enche a banheira com água morna e me ajuda a entrar, me
acompanhando e entrando atrás de mim, deixando minhas costas apoiadas no seu
peito.
― O que foi aquilo que eu senti? ― pergunto, confusa e curiosa.
― Tesão? ― retruca rindo e dou um tapa no seu braço.
― Não isso, mas a necessidade de te morder, a necessidade de você ser
meu, parecia primitivo.
― E era, sua loba está mostrando que está aí, dentro de você, em breve
passará pela primeira transformação e estarei ao seu lado para que não doa
muito.
― Então aquela tortura não foi o suficiente? Precisa doer mais? ―
pergunto pensando ser injusto sentir mais dor do que já aconteceu.
― Todos que te ajudaram a passar pelo processo também me disseram que
a transformação para loba não deve doer tanto. ― Franzo a testa e me afasto
para poder olhar nos seus olhos, buscando algum sinal de que mente para me
fazer sentir melhor. ― Você saberia se eu mentisse, assim como saberá quando
eu estiver em perigo ou ferido.
― Quando? ― Ele encolhe os ombros.
― Uma parte da profecia se cumpriu, mas ainda preciso te manter em
segurança para que o destino siga seu curso.
― Minha tia me falou algo antes de tudo acontecer, isso ficou na minha
cabeça.
― O que ela disse?
― O destino segue seu curso e a profecia se fortalece. Ela nos viu juntos,
ao nosso redor forças antigas que desconhecemos, mesmo tendo os destinos
ligados ainda teremos dificuldades para ficarmos juntos e passaremos por
tempos difíceis. Acho que tem uma guerra chegando e a sobrevivência da
alcateia depende da nossa união, mais ou menos isso.
Capítulo 14
Depois de deixar Maeve tomando café da manhã com a tia, vou para o
escritório resolver o que ficou pendente e Calin não conseguiu resolver ontem.
Mal começo a trabalhar e ouço batidas na porta, autorizo a entrada e encontro o
feiticeiro.
― Bom dia, jovem, como está a moça?
― Bom dia. Ela está bem, obrigado pela ajuda. ― Seus olhos brilham
brevemente.
― Ela ainda não passou pela primeira transformação para loba, pode não
ter dado certo o nosso esforço, só saberemos quando acontecer. ― Eu sei que
primeiro ela passa pela mudança no organismo, deixando de ser apenas humana
para se tornar uma híbrida, como todos na alcateia, mas nessa etapa a maioria
dos humanos não sobrevive e eu sinto que ela é diferente, estou mais confiante.
― E sabe que o que eu fiz tem um preço.
― Quanto? ― Um sorriso se abre no seu rosto e tenho uma sensação
estranha.
― Não quero seu dinheiro, jovem, preciso da sua ajuda.
― Desde que não coloque meu povo em risco, quando precisar de mim é
só mandar alguém me chamar. ― Ele acena brevemente.
― Chamarei.
O feiticeiro sai do meu escritório e, mais tarde, Bogdan me conta que ele
saiu da vila e retornou para a cidade vizinha.
― Pensei que nunca te veria procurar por um bruxo antes, mas essa
humana realmente conseguiu isso. ― Reviro os olhos.
― A tia dela me disse o que seria preciso para aumentar as chances de
sobrevivência dela, eu apenas cumpri com a minha obrigação com a fêmea.
― Todos ficaram surpresos, ainda mais por ela sobreviver, ao que parece
ela não é tão frágil quanto faz parecer. ― Franzo a testa, sem entender aonde
meu amigo quer chegar.
― Como assim?
― E o cheiro dela está impregnado em você, deixou até que ela te
marcasse, incrível. Nenhuma fêmea conseguiu te marcar antes dela. ― Levanto
uma sobrancelha.
― Você deixaria uma fêmea que não é sua destinada te marcar? Ter sua
vida eternamente ligada à dela? ― Ele nega. ― Eu também nunca marquei outra
fêmea, só saciava minhas necessidades.
― Te entendo, meu amigo, eu apenas não perderia a oportunidade de te
provocar. ― Ele respira fundo. ― E todos já estão comentando sobre o alfa
aparecer marcado do nada.
― Não é do nada e na próxima festa apresentarei oficialmente Maeve
como minha fêmea, minha mulher, minha parceira destinada. ― Levanto, me
aproximando de Bogdan. ― E deveria saber que não preciso de conselhos de
liderança.
― O povo não gosta de mudanças.
― Eles irão se acostumar, e se tiver algum problema, é melhor que seja
direto em vez de dar voltas ou mensagens subliminares. ― Emito feromônios
que o deixam em alerta, temeroso do que posso fazer.
Bogdan é meu amigo, mas não permito que coloque em dúvida minha
liderança com o meu povo.
― Sabe que sou leal a você, sempre fui. ― Ele dá uma risada baixa e
franzo a testa. ― Só estou sendo a voz da razão aqui, te dando conselhos como
sempre fiz e te avisando que as mudanças podem ter consequências inesperadas.
― Guarde seus conselhos para quando forem solicitados, o que não foi o
caso. ― Volto para a minha mesa. ― Não tem um trabalho para fazer ou algo
para se ocupar?
― Sim, já estou indo.
Espero meu velho amigo sair do escritório para começar a trabalhar,
tentando não me deixar dominar pelas suas palavras. Em dado momento, não
consigo mais me concentrar nos documentos que preciso revisar e relembro
nossos anos de amizade, crescemos juntos porque o seu pai, antigo líder do clã
Olhos de Lobo, era o beta do meu pai.
A ordem natural seria que Bogdan fosse o meu beta quando eu assumisse a
alcateia, mas o seu clã teve alguns problemas que exigiram a sua total atenção
assim que seu pai se foi. Eu precisava de um beta e o meu amigo não estava
disponível, escolhi então Calin que também cresceu conosco, o conheço desde
sempre e confio nele totalmente.
Bogdan sempre demonstrou um pouco de mágoa por não ser escolhido
como beta, mas a princípio pareceu entender, não senti nele raiva ou algo mais
profundo e sombrio a esse respeito. Então por que o meu amigo parece tão
estranho ultimamente? Em um momento parece feliz por eu ter encontrado
minha parceira, em outro parece esperar pelo pior.
Um pensamento perigoso passa pela minha cabeça, mas afasto
rapidamente. Bogdan não seria capaz de me trair, seria?
Volto para casa no fim da tarde, depois de visitar alguns líderes de clãs, ver
como estão e o que precisam, converso brevemente com os anciões e quando
entro no castelo tenho uma sensação estranha, mas sei que não tem como a
Maeve estar em perigo porque eu sentiria.
De repente, sinto a dor de ossos se modificando, transmutando e corro para
o seu quarto, olho para fora e vejo a lua cheia subir no céu, grande, brilhante
trazendo consigo a primeira transformação da minha parceira.
― Por que não fui chamado? Quando começou? ― pergunto para a tia
dela, que tenta controlar os tremores do seu corpo.
― Agora, estávamos conversando tranquilamente quando ela começou a
se contorcer e rosnou pra mim.
Me aproximo de Maeve e abraço seu corpo, liberando feromônios para
acalmá-la e diminuir a dor.
Normalmente, a primeira transformação leva horas para acontecer em um
nascido híbrido, mas no caso da Maeve não tenho como dizer quanto tempo irá
demorar. Vejo os dentes alongarem, seu corpo adquirir uma pelagem em um tom
castanho-acobreado, os olhos mudarem para um tom dourado lembrando ouro.
Sua cabeça se altera, as feições delicadas dando lugar ao focinho longo, presas
fortes, mãos e braços dando lugar para patas e a sua loba logo está na minha
frente, me encarando.
― Você conseguiu ― digo antes de deixar o meu lobo dominar e tomar o
seu lugar, me transformo rapidamente e me aproximo dela, roçando meu corpo
robusto no dela um pouco menor.
“Não acredito que sou uma loba!”
Sua animação inunda minha mente, dou lambidas no seu focinho e ela dá
um pulo, avançando na minha direção, me surpreendendo e nos fazendo rolar
para fora da cama, mas consigo impedir que seu corpo bata no chão a
protegendo com o meu.
“Cuidado! Pode se machucar!”
“Deixa de ser chato!”
Ela ri novamente e se desvencilha de mim.
“Melhor irmos para um espaço mais aberto, consegue voltar para a sua
forma humana?”
Ela me encara com a cabeça tombada para o lado, como se agora
percebesse que não sabe como voltar à sua forma normal.
“Se concentre em fazer o seu corpo voltar ao normal, imagine suas
pernas, braços, o rosto e volte para sua forma.”
“Ela não quer.”
Como para demonstrar sua contrariedade, a loba rosna.
“É só para podermos ir para fora, prometo que corro junto com você pela
floresta, podemos até caçar, se quiser.”
A loba demonstra sua apreciação lambendo meu focinho antes de fechar os
olhos e acompanho a transformação de Maeve em humana novamente, a sigo
voltando à minha forma humana também.
― Estou orgulhoso de você, conseguiu, mica mea. ― A levanto do chão e
abraço forte, beijando seus lábios delicadamente. ― Inima mea[6].
Olho pelo quarto e não encontro mais sua tia, o que é um alívio, já que
estamos os dois nus. Nos visto com roupões, para sermos práticos e vamos para
uma parte da floresta que ainda é meu território. Retiro seu roupão e aguardo que
se transforme, tirando o meu apenas quando Maeve já é uma loba. Os coloco
pendurados em um tronco e me transformo, me permitindo apenas correr com a
minha companheira, me divertindo com a sua companhia, sua curiosidade.
Tornando tudo momentaneamente mais leve.
Capítulo 15
Reúno os líderes de todos os clãs para informar que Maeve é a minha
companheira destinada, que a profecia está se cumprindo e podemos ter mais
esperança de salvarmos a alcateia.
Pensei que seria um momento de alívio e alegria, mas o que eles me
apresentam é totalmente diferente.
― Meu senhor, os sensores de movimento têm detectado uma
movimentação anormal próxima dos nossos limites ― diz Bogdan.
― Animais? ― Seus olhos encontram os meus e ele nega.
― A terra parece doente, meu senhor, os alimentos que estamos plantando
não estão sobrevivendo ― Gabriel Pământ, líder do clã Rădăcinilor Adânci, diz.
― Ancião, conhece algo para curar a terra? ― pergunto, me dirigindo ao
senhor que me ajudou com Maeve.
― A paz e a vida, infelizmente ainda teremos momentos mais difíceis para
enfrentarmos. ― Engulo em seco, mas Ion não se mantém calado, preocupado
com sua plantação.
― Com todo respeito, senhor, paz e vida não resolvem o problema das
nossas plantações, precisamos de algum adubo ou remédio para a terra se
curar.
― Vamos conseguir encontrar um meio ― diz Florin Bãlan, líder do clã
Apelor Liniștite.
― O sombrio se aproxima. ― Todos param com a declaração do ancião, de
repente um dos guardas invade a reunião, ofegante e com os olhos
arregalados.
― Senhor, fomos atacados! ― Todos se levantam ao mesmo tempo e se
instaura o caos.
Líderes discutindo a melhor forma de deter o ataque, discordando.
― CHEGA! ― Todos se calam ao meu comando. ― Victor e Nicolae,
reúnam seus melhores homens e organizem a nossa defesa.
― Pelos ventos e pela névoa, lutamos como um só! ― grita Victor.
― O alfa guia, a alcateia vence! ― grita Nicolae.
Juntos eles saem rapidamente para organizarem os guerreiros para a
batalha, o ancião se aproxima de mim e toca o meu ombro.
― Chegou o momento, meu senhor.
Corro para a sala de vigilância, onde guerreiros do clã de Bogdan vigiam e
protegem nossas terras, vejo que o ataque ocorre do lado oeste, próximo das
criações de ovelhas e porcos.
Saio furioso da sala, a transformação já iniciada, e corro para os limites a
oeste, chegando lá totalmente lobo e atacando nossos inimigos. São
amaldiçoados, os chamados lobisomens, que não fazem uma transformação
completa para lobo e nem se mantêm na forma humana, não controlam suas
transformações, simplesmente acontece. Todos possuem marcas pelo corpo,
símbolos que desconheço e não me importo.
Desvio de garras e presas, estraçalhando quem oferece risco. Os guerreiros
ao meu lado nada dizem sobre a minha participação na luta, sabem que eu não
seria capaz de permanecer escondido no castelo.
Bogdan surge ao meu lado, lutando com habilidade, com um olhar
diferente, uma satisfação estranha que prefiro não buscar o significado agora.
Preciso prestar atenção na batalha para que não me peguem desprevenido.
Um maldito consegue desviar do meu ataque e enterra as garras nos meus
ombros, fazendo sangue jorrar e um rugido de dor escapar de mim. Com os
olhos em chamas, ardendo de puro ódio, desvinculo do maldito e abocanho seu
ombro, puxando feroz, separando o braço do corpo e cuspindo o membro no
chão, satisfeito em ouvir seu rugido de dor.
Outro maldito ataca as minhas costas, mas o tiro e seguro sua cabeça,
torcendo e arrancando, jogando no maldito que arranquei o braço, arrancando a
sua cabeça em seguida e jogando no chão
A batalha está brutal. Os malditos têm muita energia e se movem com
precisão quase mortal, por sorte meus guerreiros são bem-treinados e bem-
preparados, eliminam a maioria sem muita dificuldade. Algo não sai da minha
cabeça: alguém os avisou quando atacar.
Uivo, chamando os guerreiros para alterarem a formação, se mantendo na
defensiva. Os líderes dos clãs respondem com seus próprios comandos,
organizando as tropas, o cheiro de sangue intenso no ar enquanto corpos e mais
corpos caem. Para o meu desespero, de ambos os lados.
Lutando ensandecido, termino de matar outro amaldiçoado quando, em
meio ao caos, vislumbro algo que faz o meu coração quase parar. Uma figura
encapuzada, espreitando à distância, observando tudo com olhos sem vida,
parece dar ordens silenciosas. Não consigo vê-lo claramente, mas a sua presença
me diz que ele é a mente por trás do ataque, o feiticeiro da profecia.
Avanço na sua direção, decidido a confrontá-lo e acabar logo com essa
luta, mas assim que me aproximo, com a boca aberta, as garras à mostra, pronto
para destroçar o filho da puta, o desgraçado desaparece da minha frente e,
novamente, sou atacado pelas costas.
Volto para a batalha, deixando o feiticeiro de lado, a hora do nosso embate
chegará e terei o prazer de matá-lo. Os amaldiçoados parecem perder força, uma
eternidade depois do início dessa merda toda, correm, fugindo e se protegendo
do nosso ataque organizado.
― Parem! ― ordeno, voltando em parte para a minha forma humana,
encarando a direção para onde os inimigos fogem e sabendo a direção que estão
tomando. ― Malditos desgraçados! ― rosno, furioso. ― Voltem para a vila!
Retornamos carregando alguns corpos que terão um funeral digno, lutaram
com honra e morreram defendendo a alcateia.
― Peçam para o clã Rădăcinilor Adânci cuidar dos feridos, vou tomar um
banho. ― Um guarda aparece com uma bermuda e o agradeço, cobrindo minha
nudez.
Ando rapidamente na direção do castelo e subo para o quarto de Maeve,
entrando e a encontrando em pé, olhando pela janela.
― Pensei que lobisomens só pudessem se transformar em noite de lua
cheia, não em plena luz do dia. O que você acha que… ai, meu Deus! O que
aconteceu com você? Era por isso que eu sentia coisas estranhas? ― Ela corre na
minha direção ao ver o meu estado. ― Está ferido.
― Já estou me curando, só preciso de um banho, comida e descanso. Mais
tarde teremos um funeral para ir. ― Sigo para o banheiro e me enfio debaixo da
ducha, depois de tirar a bermuda.
O piso se torna vermelho com o sangue que escorre, respiro fundo, irritado
demais com o que ocorreu. Eu sabia da porra da profecia, sabia que tinha uma
guerra chegando, a minha obrigação era me preparar e tentei, mas não foi o
suficiente. Permiti que o meu povo morresse.
― Porra! ― A primeira lágrima de culpa escorre e se junta à outra e mais
outra.
Aquelas pessoas são parte de mim, meu povo, minha gente, eu tenho a
obrigação de protegê-los.
― Eu falhei.
Capítulo 16
O meu coração se aperta ao ouvir os lamentos do Stefan, tenho vontade de
entrar no banheiro e me juntar a ele no banho, mas não sei se ele me quer ali, se
quer companhia, se quer ser consolado.
― Que se dane! ― Tiro toda a roupa e entro no banheiro, me juntando a
Stefan no chuveiro e passo as mãos pela sua cintura, me encostando nas suas
costas.
― Eu falhei. ― Sinto meu coração se partir com o seu lamento.
― Não, você lutou ao lado deles, podia ter morrido também. Infelizmente
sabíamos que teríamos que lutar contra o sombrio, que tempos difíceis estavam
chegando.
― Acha que pode ter sido o feiticeiro que ajudou na sua transformação?
― Não sei, pode ser qualquer pessoa, inclusive ele.
― Teve mais algum sonho? ― pergunta, se virando para olhar nos meus
olhos.
― Não, desde que me transformei não tenho nenhum sonho, e minha tia
não me contou de mais nenhum também.
― E se eu não conseguir te proteger?
― Vai conseguir, meu amor, vamos vencer juntos e cumprir a profecia.
― Antes eu queria ir atrás de você apenas para cumprir a profecia, agora
eu quero que se foda a profecia, só quero proteger você e a alcateia. ― Sorrio.
― Vamos conseguir. ― Me estico na ponta dos pés e beijo seus lábios
delicadamente.
Sou pega desprevenida pelo seu ataque, quando me levanta e encosta na
parede fria, invadindo o meu corpo com seu membro duro, pronto. Arfo nos seus
braços, me deixando levar pelas suas estocadas, sentindo que é disso que ele
precisa. A fricção me deixa mais quente, deixo escapar gemidos até derreter nos
seus braços enquanto Stefan me beija com voracidade, me dominando
totalmente.
― Porra ― geme, gozando dentro de mim, sinto uma mudança nesse
momento, como se o meu corpo e o dele conversassem, guardassem um segredo.
Minutos depois, Stefan se afasta, ainda ofegante, beija carinhosamente a
minha testa e me ajuda a tomar banho.
― Eu precisava disso, obrigado, Inima mea.
Nos enxugamos e voltamos para o quarto, nos deitando nus, Stefan puxa o
meu corpo para se acomodar ao seu e acabo cochilando com a cabeça em seu
peito, com algumas das minhas preocupações sanadas apenas por estar ao seu
lado.
Mais tarde, Stefan me acorda e nos arrumamos para ir ao centro da vila,
onde foi organizado o ritual de despedida para os guerreiros que perderam suas
vidas na batalha de hoje, todos são colocados lado a lado em uma cama de
galhos e palha.
Stefan solta a minha mão e se aproxima do local com uma expressão de
pesar.
― Hoje, nos reunimos para prestar as últimas homenagens aos irmãos que
deram suas vidas em defesa da nossa alcateia. Cada um deles lutou com
coragem, honra e o coração cheio de lealdade. Eles sabiam os riscos, mas em
nenhum momento recuaram. Lutaram não apenas por si mesmos, mas por todos
nós, com a esperança de um futuro melhor. ― Ele respira fundo, encarando os
corpos. ― Suas perdas são sentidas por todos nós, jamais permitiremos que suas
mortes sejam em vão. A força deles corre em nossas veias e sua coragem se
reflete em cada um de nós que permanece em pé. ― Sua voz se torna embargada
e ele precisa de mais um momento antes de continuar: ― Seu sacrifício jamais
será esquecido. Continuaremos a lutar com a mesma determinação e coragem
que eles demonstraram. Não descansaremos até que a ameaça que tirou essas
vidas seja destruída. Que a lua os guie em sua jornada além deste mundo para a
caçada eterna, onde não há dor nem medo, apenas paz. ― Stefan pega uma tocha
estendida por Calin e a aproxima da madeira, que se incendeia rapidamente. ―
Que essa chama continue a iluminar o caminho para todos nós. Que seus
espíritos vivam para sempre em nossas memórias e em nossos corações. Eu juro,
em nome de nossa alcateia, que faremos o que for preciso para honrar suas vidas.
Várias pessoas estão chorando, desoladas com as perdas e lágrimas
escapam dos meus olhos, ao sentir a tristeza que Stefan sente, e pelas perdas
dessas vidas. Assim que o ritual se encerra, a cama vira uma grande fogueira
iluminando toda a vila, retorno ao castelo com Stefan, e durmo enroscada no seu
corpo, precisando do seu calor e sentindo sua necessidade do meu.
Na manhã seguinte, acordo sentindo falta de Stefan ao meu lado, me dando
conta de que ele já saiu e me sentindo profundamente decepcionada por acordar
sozinha. Me visto com uma roupa leve e desço para tomar o café da manhã,
encontrando minha tia na companhia de Bogdan.
― Bom dia, criança.
― Bom dia, senhora. ― Franzo a testa pelo tratamento dele, mas não
contesto.
― Bom dia. Viram Stefan? ― pergunto, sem aguentar a curiosidade.
― Está em reunião com os líderes dos clãs, me pediu para mantê-la em
segurança.
― Eu não preciso de uma babá e minha tia pode cuidar de mim. ― Ela
sorri, me olhando.
― Eu tenho diversos conhecimentos de ervas para muitas finalidades, mas
não consigo aumentar a minha força o suficiente para lutar contra a ameaça que
te cerca, meu bem. ― Reviro os olhos.
― Vamos dar uma volta? Estou me sentindo sufocada.
― Faço companhia para vocês, prometo que não perceberão a minha
presença. ― O encaro firme e sorrio.
― Difícil não perceber alguém do seu tamanho. ― Ele sorri de volta, mas
ainda sinto certa estranheza no seu jeito de me olhar.
Balanço a cabeça para espantar o pensamento sem sentido e termino meu
café para poder ir até a vila. O caminho é feito com calma, conversando com
minha tia sobre amenidades. Andamos entre as lojas, pequenas e simples e
decido parar em uma que parece me chamar, as ervas me atraindo. Sinto o aroma
da sálvia e sorrio, me sentindo em casa.
― Deseja algo, senhora? ― Franzo a testa, estranhando a forma como me
chamam.
― Essa sálvia, quanto é?
― Pode levar, depois acerto com o alfa. ― Cerro os olhos, contrariada,
por não querer depender do Stefan para comprar algo tão simples.
― Não precisa, tenho algum dinheiro aqui ― digo, me lembrando do
dinheiro guardado.
― Mas, senhora… ― Ele para de argumentar com o olhar que o lanço,
irritada. ― Seus olhos.
― Vou aproveitar e comprar mais algumas ervas para fazermos chás, não
é, tia?
― Sim, filha, chás. ― Estranho a forma como me olha, mas ignoro.
Pego mais algumas mudas de ervas, sentindo os aromas e pensando em
tudo que poderia fazer, faço questão de pagar o vendedor e saio levando uma
sacola de papel.
― Deixa que eu carrego. ― Encaro Bogdan.
― Sou perfeitamente capaz de carregar uma sacola.
― Mas Stefan…
― Ai, meu Deus, que se dane! Estou cansada de todos pisarem em ovos
comigo depois de me tratarem daquela forma quando cheguei, parecem ter medo
de mim ou que eu tenho algum tipo de doença que me faz incapaz de pagar
minhas despesas ou carregar a porcaria de uma sacola! ― Respiro fundo
tentando me acalmar, uma irritação poderosa surgindo dentro de mim e tomando
conta.
― Maeve! ― Olho para minha tia que tem os olhos arregalados.
― O que foi agora? ― pergunto.
― Você está…
― Peluda ― completa Bogdan rindo e olho baixo vendo a pelagem
castanha começando a cobrir o meu corpo.
― Ai, meu Deus! ― Respiro algumas vezes, procurando me acalmar para
conter a loba que quer sair, mostrar para essa gente que faço parte do seu povo.
― Isso pode acontecer no começo, quando a loba e você não estão em
total harmonia ainda.
― Como faço para ficar em harmonia com ela? ― pergunto, precisando
saber como conter o meu temperamento, que sempre foi controlado, mas parece
ter havido uma mudança com a transformação.
― Conforme for se transformando, correndo por aí e conhecendo sua loba,
se conectam mais do que já são e entram em harmonia, em situações como raiva
ou medo, ela pode tentar dominar até para te proteger.
― Entendi. ― Na verdade, não entendi muito bem, porque a loba está
dentro de mim, faz parte de mim, mas não me transformei mais depois da
primeira vez e sinto como se não tivesse levado meu cachorro para passear.
Uma ponta de irritação surge na minha mente, mas a afasto.
Passeamos mais pela vila e, no fim da tarde, retornamos para o castelo,
corro para o meu quarto e jogo as sacolas na cama antes de arrancar a roupa e
entrar no banheiro para tomar um banho. Planejo esperar Stefan chegar para
pedir que me leve para um passeio noturno, para nos transformarmos e eu poder
conhecer melhor meu corpo de loba.
Capítulo 17
O dia foi infernal, milhares de problemas diferentes para resolver, mas
sentir a irritação de Maeve e vê-la rosnando para Bogdan e sua tia foi a parte
mais divertida do meu dia, pensei que precisaria intervir, mas Bogdan soube
lidar bem com a pequena fera.
Me sinto um pouco culpado por duvidar de Bogdan e ele cuidar tão bem da
Maeve, mas seu comportamento é, por vezes, muito estranho e me deixa
desconfiado.
Volto para casa cansado e com a cabeça cheia, tudo o que eu quero é
descansar, mas encontro Maeve cheia de energia, curiosa para estar mais tempo
na forma de loba, se familiarizar com o corpo diferente e a velocidade
sobrenatural do seu animal.
Por mais que esteja tentado a recusar, meu lobo assume e aceita sair para
brincar. A levo para uma parte mais afastada da vila, longe de onde ocorreu a
luta, uma parte que ainda pertence ao território da alcateia e considero seguro,
mas distante o suficiente para que os guardas não vejam seu corpo nu.
Tiramos nossas roupas e deixamos perto de um lago que tem ali, me
transformo em lobo e aguardo a sua transformação, muito mais rápida do que a
primeira vez. Sua loba se joga em cima do meu lobo e ouço seu riso na minha
mente, me transmitindo uma euforia quase infantil.
Rolo nossos corpos ficando por cima e ela lambe a minha cara, me
desvencilho dela e começo a correr, a desafiando a me alcançar. Brincamos
trombando um com o outro, por vezes ela desequilibra um pouco, mas logo
continua a correr, decidida a me superar.
Maeve para perto do lago e bebe um pouco da sua água pura, depois deita
na grama e volta para sua forma humana, nua e linda. Faço como ela e me sento
ao seu lado, confortável com a minha nudez na sua frente.
― Melhor? ― pergunto, porque a senti desconfortável quando pediu para
sairmos.
― Muito.
― Se sente mais conectada com sua outra parte?
― Sim, ela quase me fez perder o controle, e eu nunca perdi a paciência
em toda a minha vida. ― Sorrio.
― No começo, você fica mais, digamos, selvagem, mas aos poucos
consegue controlar.
― Bogdan me disse quase a mesma coisa, por isso pedi para sairmos um
pouco, eu não tenho coragem de andar por aqui sozinha, só conheço o caminho
da cabana até aqui.
― Assim que for seguro, prometo te levar para conhecer tudo por aqui. ―
Ela sorri e me abraça, começando a tremer. Deixo um beijo delicado em seus
lábios. ― Você está com frio, se vista e vamos voltar.
Vestimos nossas roupas e voltamos para o castelo, para o quarto dela, que
praticamente se tornou meu também. Passo a noite venerando o seu corpo com o
meu até cairmos no sono devido ao cansaço.
Os dias seguintes se passam de forma tensa, todos esperando o próximo
ataque e eu investigando quem pode ser o maldito traidor. Certo dia, mando
levarem as roupas de Maeve para o meu quarto e, assim que ela saísse para seu
passeio diário pela vila, trancarem o seu. Ela não precisa mais daquele quarto, e
eu não aguento ter que levantar mais cedo do que preciso para voltar ao meu
para me vestir. Em algumas semanas, será lua cheia novamente e providenciarei
uma festa para comemorar a chegada de Maeve à alcateia, apesar do que ouço o
meu povo dizer sobre ela, quero que a respeitem mais do que a temem. Eu sei
que ela não ficará como os amaldiçoados que enfrentamos, não pode ficar.
Calin acompanha todas as reuniões do dia, e me ajuda a negociar com
produtores de cidades próximas para comprarmos alimento, para evitar que falte
na vila. Com o prazo de entrega curto, parto para a resolução de problemas
comerciais devido à nossa produção estar prejudicada, procuro com os líderes
algumas soluções e tenho boas notícias, a chegada de ervas que podem ajudar a
curar a terra para que as plantações voltem a se desenvolver a tempo de termos
comida para estocar para o inverno.
Mais notícias dos animais procriando me animam e dão esperança de que
estamos próximos de dias melhores. Quase um mês se passa desde o ataque que
sofremos e temo que esse silêncio seja o prenúncio de algo maior, mesmo que
todos estejam ocupados com a festa que daremos hoje, comemorando a chegada
da lua cheia e apresentando minha companheira Maeve.
Saio do escritório no fim da tarde e corro para o castelo, entrando no
quarto e sigo direto para o banheiro onde arranco a roupa e tomo um banho
rápido. Saio com a toalha enrolada na cintura e estaco no lugar, mandei
entregarem uma roupa para Maeve usar hoje, sabia que ficaria linda, mas parece
um anjo.
Assim que vi o vestido, sabia que ficaria perfeito nela, fluido e longo, em
um tom prateado como se fosse feito à luz da lua. O tecido leve e delicado tem
um brilho suave, semelhante ao brilho das estrelas, o caimento é ideal, molda sua
silhueta de forma sensual, me dando água na boca e muita vontade de tirá-lo e
revelar o que está por baixo. A saia tem camadas esvoaçantes, criando uma
ilusão de movimento constante, parece que Maeve está flutuando.
As mangas longas são transparentes, com detalhes bordados que lembram
padrões de constelações, a cintura marcada por uma fina fita de seda e um decote
em coração a deixando com aparência delicada. Nos pés usa sandálias de tiras
prateadas sem salto, e um colar com um pingente de lua crescente cai em seu
peito. Para finalizar o meu sofrimento, o cabelo preso em uma trança entrelaçada
com pequenos fios prateados, dando-lhe a aparência de uma deusa ancestral,
serena e poderosa. Linda como um anjo, mas com a força e a presença de uma
rainha.
A porra da minha rainha.
― Não sei mais se gosto da ideia de que todos te vejam vestida assim,
podem ficar enfeitiçados pela sua beleza e eu serei obrigado a arrancar os olhos
dos homens do meu povo. ― Ela sorri de forma doce, parecendo envergonhada.
― Me sinto estranha vestida assim.
― Parece com um dos vestidos dos nossos sonhos ― digo e ela acena,
sorrindo.
Me visto rapidamente, uma calça social e uma camisa branca com os dois
primeiros botões abertos.
Quando estou pronto, estendo a mão para ela que a segura, puxo seu corpo
para o meu e beijo sua boca, aprofundando ao passar minha língua entre seus
lábios e esfregar na sua, sentindo seu gemido baixo me aquecer por dentro,
causando uma ereção que não tenho como resolver agora.
― Vamos antes que eu desista dessa festa. ― Não vou desistir, é preciso
apresentá-la ao meu povo para que a respeitem pelo que ela representa a todos
nós, mas a vontade é não sair do quarto.
Descemos as escadas com cuidado e saímos do castelo para a festa,
caminhamos devagar entre as pessoas que param o que estão fazendo apenas
para nos olhar. Cumprimento todos ao passar e Maeve segue o meu exemplo, me
enchendo de orgulho.
Foi acesa uma grande fogueira que nos aquece e ilumina. Me aproximo da
fogueira com Maeve ao meu lado e paro.
― Meu povo, meus irmãos e irmãs, hoje celebramos a chegada da lua
cheia, o símbolo da nossa força e união. A lua sempre nos guiou em momentos
de glória assim como em tempos de dificuldade, e sabemos que se aproximam
tempos difíceis. Enfrentaremos tempos sombrios, mas assim como a lua que
ressurge plena a cada ciclo, nós nos levantaremos, mais forte e unidos. ―
Respiro fundo, deixando minhas palavras ecoarem no silêncio que está ao nosso
redor, todos parecem até prender a respiração para me ouvir. Olho para Maeve
que me encara com uma admiração que enche o meu coração de alegria. ―
Hoje, além de comemorarmos nossa força como alcateia, tenho a honra de
apresentar a vocês a mulher que o destino escolheu para caminhar ao meu lado.
Maeve é mais do que minha companheira destinada. Ela é a luz que encontrei
em meio à escuridão, uma bênção que me foi concedida, sua força, sua bondade
e seus dons inigualáveis são um presente para todos nós. ― Tomo a sua mão e a
ergo levemente, para que todos olhem para sua figura delicada ao meu lado. ―
Com Maeve ao meu lado, podemos enfrentar qualquer ameaça e vencer qualquer
inimigo. Juntos, salvaremos a nossa alcateia e a conduziremos a uma nova era de
paz e prosperidade. Sei que com vocês, meu povo, ao nosso lado, nada poderá
nos destruir.
Todos aplaudem e gritam palavras de felicitações e apoio, sorrio olhando
para Maeve, mas agora preciso me dirigir aos líderes dos clãs.
― Esta noite não celebramos apenas a chegada de mais uma lua cheia,
mas a esperança de tempos de paz. Que a lua brilhe sempre sobre nós, e que o
espírito de nossos ancestrais nos guie em cada batalha, em cada vitória. Por
nossa alcateia e por todos nós.
A vila é tomada por uma onda forte de aplausos e uivos, reconhecendo a
minha força e a importância de Maeve ao meu lado.
Mas a felicidade dura apenas alguns minutos, bebemos e comemos,
tranquilos, até um guerreiro chegar até mim.
― Meu senhor, estamos sendo atacados no lado sul da vila, mandei
guerreiros para lá, mas temo que não seja o suficiente, são muitos desta vez.
― Os malditos se prepararam. ― Me levanto novamente e me dirijo aos
que estão comemorando. ― Os amaldiçoados decidiram interromper nossa
comemoração, então se querem guerra, que assim seja, sob a luz da lua seremos
guiados para mais uma vitória. Todos os guerreiros, venham comigo agora!
Olho para Maeve que parece travada no lugar, consigo sentir o seu medo.
― Vou te levar de volta para o castelo.
― Deixa comigo, alfa, protegerei a sua destinada com a minha vida. ―
Encaro Bogdan por um instante antes de acenar com a cabeça e me voltar
novamente para a minha fêmea.
― Bogdan vai te levar, logo estarei contigo, não saia do nosso quarto por
nada no mundo e diga para sua tia fazer o mesmo. ― Beijo seus lábios
rapidamente e me afasto correndo.
Se eu soubesse o que estava prestes a acontecer, jamais me afastaria de
Maeve.
Capítulo 18
Pensei que a noite seria de festa, tranquilidade, mas estamos sendo
atacados e eu preciso me esconder, quando sinto que preciso estar em outro
lugar, no meio da luta, ajudando Stefan. Me esforço muito para controlar a
minha loba que insiste que eu tenho que ir para o outro lado, mas sigo Bogdan
para o castelo.
Subimos as escadas correndo e, quando penso que estarei segura no meu
quarto, uma mão segura firme o meu braço, olho para o meu lado e vejo Bogdan
caído no chão, olho para quem me tem sob seu agarre e meus olhos expandem
em surpresa.
É ele o traidor.
Reconheço seus olhos mesmo que seu rosto esteja parcialmente coberto
por um capuz.
― Umbra ficará satisfeito com o que levarei para ele. ― Coloca um pano
no meu rosto e me esforço para não respirar, mas a escuridão me alcança e
apenas peço mentalmente que Stefan me encontre logo.
Desperto sentindo a cabeça pesada, olho em volta para conseguir alguma
indicação de onde estou. O lugar é frio e úmido, o cheiro de mofo e terra
molhada invade minhas narinas antes que meus olhos se acostumem com a
escuridão. Passo as mãos pelo chão, sentindo a textura da pedra, fria e irregular,
me lembrando uma caverna. Tateio a parede ao meu lado sentindo o que parece
ser rocha bruta coberta de um musgo pegajoso.
Algumas tochas estão presas às paredes e iluminam parcamente, sem fazer
grande diferença ou espantar as sombras, não consigo distinguir bem o teto, mas
deduzo ser da mesma forma que o resto, com a diferença que vejo água
pingando dele em um gotejar constante.
Me levanto e tento apoiar um pouco na parede, tateando para encontrar
uma porta, sinto a textura diferente da madeira e tento encontrar a maçaneta que
viro e suspiro desanimada quando descubro estar trancada.
― Mas que droga!
Minha loba quer sair, mas de jeito nenhum vou ficar pelada em um lugar
que não conheço. Meu estômago ronca, me lembrando que mal consegui comer
antes de sermos atacados, sei que logo vai começar a doer de fome, assim como
meus lábios devem rachar por causa da sede que me domina.
O pavor cresce por dentro ao ouvir correntes sendo arrastadas, tento
conseguir mais alguma dica do lugar onde estou presa, mas a última coisa que
me lembro é do traidor. Talvez se eu dormir e tiver mais algum sonho com
Stefan, possa contar para ele quem é o verdadeiro traidor, se ele já não souber,
mas adormecida estarei vulnerável.
Volto a me sentar e encosto na parede, tentando encontrar um jeito de
fugir, quando estou quase desistindo e assumindo a minha derrota, a porta se
abre e uma figura sombria encapuzada passa por ela.
O meu corpo gela ao ver os olhos brancos, quando tira o capuz vejo o seu
rosto e o sorriso cruel que se estende nele. O nariz pontudo e fino, olhos cruéis,
cabelos brancos.
― Finalmente acordou, querida. ― Meu estômago retorce ao ouvir como
me chama.
Por um momento, pensei que pudesse ser o feiticeiro que ajudou Stefan
com a minha transformação, mas não, esse é o feiticeiro que apareceu nos meus
sonhos, aquele que deseja a destruição da alcateia e que a profecia não se
cumpra.
― O que quer de mim? ― Minha voz sai mais forte do que eu esperava,
meu coração acelerado.
Ele sorri novamente, avançando alguns passos e as sombras ao seu redor
se esticando, como se respondessem à sua presença.
― Você tem algo que me pode ser útil. ― Ele para, me observando com
olhos penetrantes. ― O poder da sua linhagem, a conexão com a magia antiga
dos curandeiros e, claro, o vínculo com o alfa ― ele pronuncia a última palavra
fazendo uma expressão de desprezo.
― Não tenho nada pra você. ― Respiro algumas vezes para manter a
calma. ― Pode me deixar livre agora.
― Livre? ― Ele ri, frio. ― Nenhum de nós é verdadeiramente livre,
estamos todos presos ao destino, às forças que moldam o mundo. E o seu
destino, querida Maeve, é se dobrar à minha vontade.
― Nunca! Eu vou lutar por aqueles que amo!
― Amor? ― ele zomba, seus olhos brilhando com malícia. ― Aquele que
te marcou? ― Inclina sua cabeça para o lado, avaliando as minhas reações e
expressões. ― Acha que ele pode te salvar? Que a força dele será suficiente
contra o meu poder?
― Ele vai me encontrar, e quando isso acontecer, você pagará por todo o
mal que, com certeza, fez ao longo dos anos.
― Deixe-me corrigi-la, minha jovem inocente, ou nem tanto, são séculos
de experiência em magia, aquele vira-lata não pode contra mim. ― Se aproxima
e o aroma que exala do seu corpo me deixa enjoada. ― O alfa pode ser forte,
mas também tem suas fraquezas e, para a minha sorte, eu conheço todas.
Um arrepio percorre minha espinha, mas me forço a permanecer firme e
não deixar o medo transparecer, muito.
― Subestima o poder do meu vínculo com ele, não poderá nos separar por
mais que tente.
O feiticeiro se vira, a capa esvoaçando ao seu redor como uma sombra
viva.
― Veremos, minha querida, se ele irá te querer depois que os meus planos
se concretizarem. ― Se aproxima, nivelando o rosto com o meu e olhando
diretamente nos meus olhos. ― Ele sente o cheiro do seu corpo, se eu deixar o
meu cheiro em você, ele sentirá a mudança e te rejeitará, seguirá o instinto. Mais
ainda se for um filho meu a crescer no seu ventre.
Um novo arrepio atravessa o meu corpo com a ameaça real, desejo com
todas as minhas forças que ele não consiga cumprir, mas se conseguir não só
impedirá que a profecia se cumpra, como me quebrará de uma forma que não sei
se conseguirei juntar os cacos.
― Não vou permitir que me toque ― digo em um fio de voz, sem
conseguir impedir que saia um pouco tremida.
― Não preciso que permita, no momento certo tomarei seu corpo para
mim até que meu filho seja concebido, meu herdeiro, a continuação da minha
linhagem e combinada perfeitamente com a sua. Um feiticeiro com a capacidade
de se transformar em lobo, forte e poderoso como nenhum outro.
― Não. ― Minha voz não é mais do que um sussurro.
Ele sai novamente, me deixando sozinha com o medo do que está por
acontecer, a esperança querendo me deixar pouco a pouco, mas me agarro ao
mínimo fio dela para me manter firme. Não posso fraquejar, não agora.
― Stefan, me encontre logo.
Com esse pensamento, sou vencida pelo cansaço e caio em um sono
conturbado.
Capítulo 19
― O quê? ― Meu rugido faz os guerreiros se encolherem.
Fui traído como previsto, mas não por quem eu pensei que me trairia,
assim que senti haver algo de errado com Maeve tentei voltar para ela, mas a luta
foi intensa, fui atacado de diversos lados e atrasado, quando cheguei ao castelo
Bogdan estava caído no corredor do meu quarto com um dardo de tranquilizante
em seu pescoço.
Ordenei que o levassem para um quarto de hóspedes e alguém aguardasse
com ele até acordar, uma varredura foi feita em todo o castelo e os guardas
questionados.
A fúria me dominou de tal forma quando soube que o meu beta, o homem
em quem confiava com a porra da minha vida, que deveria proteger a alcateia
tanto quanto eu, me traiu levando Maeve sabe-se lá para onde e, dizendo que
ordenei que mudasse seu esconderijo em caso de uma invasão ao castelo,
enganou os guardas.
― Maldito filho de uma cadela!
― Meu senhor, a sua ligação com ela é forte, consegue ter uma ideia de
qual direção devemos seguir para procurarmos. ― Ouço Andrei Cazacu, líder do
clã Umbrelor Nocturne.
― Eu sei disso, mas não consigo me acalmar o suficiente para saber aonde
ir, porra, ela tem que estar bem, eu sentiria se a tivessem machucado ― digo
mais para me tranquilizar do que qualquer outra coisa.
Com todos os líderes dos clãs me encarando, respiro fundo algumas vezes
para me acalmar, o suficiente para sentir bem fraco o aroma de Maeve, flor de
laranjeira e sálvia. Farejo sentindo o efeito calmante que seu cheiro tem em mim.
― Prepare os homens, não vou esperar nenhum minuto para procurar
minha destinada.
― Claro, senhor. ― Todos se retiram, sabendo que precisaremos de todos
os homens para a luta que ainda temos pela frente.
Vou encontrar o desgraçado do Calin, faço questão de arrancar cada
pedaço do maldito, e enterrar bem longe um do outro. Os guerreiros se preparam
com armas de prata e mais algumas para humanos, na tentativa de alguma dessas
deter o feiticeiro.
Me preparo e me armo, sabendo que apenas a força do lobo não será
suficiente desta vez, direciono meus guerreiros a seguirem o rastro mais intenso
do cheiro da Maeve até uma clareira onde pareço sentir seu aroma em todas as
direções.
― Filho da puta!
― Para onde vamos, meu senhor? ― Nicolae pergunta.
― O desgraçado espalhou o cheiro dela por toda a clareira. ― Fecho os
olhos e me concentro.
Homem e lobo se unindo, seguindo o vínculo que temos com nossa
parceira destinada para tirá-la das mãos do maldito feiticeiro que a sequestrou.
Só o pensamento de não chegar a tempo me faz estremecer.
Fecho os olhos e respiro fundo, acalmando meu desespero, precisando
mais do que tudo confiar no nosso vínculo. Me ajoelho, colocando as mãos no
chão, sentindo a terra fria sob meus dedos, tentando sentir algo além do seu
aroma, algo mais íntimo, nosso, profundo.
Então, como um leve sussurro, no fundo da minha mente, sinto uma
pulsação fraca, como um chamado silencioso. Abro os olhos, decidido, me viro
para a esquerda sentindo que essa é a direção certa, mesmo que o meu lobo
insista que corremos muito risco indo para lá.
― Por aqui ― digo com a voz firme.
Os guerreiros me seguem, sem questionar o meu julgamento, avançando
pela floresta densa, estou determinado a não perder mais tempo. Sei que estou
certo, nossa conexão, nosso vínculo me chamando, vou salvar a minha fêmea e
matar o maldito feiticeiro.
Sigo o rastro da minha ligação com Maeve até estarmos próximos do que
parece ser uma caverna, onde suspeito que ela esteja. As sombras dançam ao
redor da entrada, como se o lugar estivesse envolto em energia maligna, e não
duvido disso.
― Ali ― digo, avançando determinado para a entrada, mas antes que
possa me aproximar mais, amaldiçoados surgem da entrada.
Corpos grotescos, cobertos de cicatrizes, olhos brilhando avermelhados, a
marca do feiticeiro em todos eles.
― Malditos sentinelas… ― um dos guerreiros ao meu lado murmura,
observando os lobisomens avançarem com passos pesados.
Ergo uma mão, sinalizando que se preparem e aguardem o meu sinal para
atacar, sei que essas criaturas não são como nós, obedecem a um mestre, estão
totalmente dominados por magia maligna. Será mais uma luta brutal.
Troco um olhar com meus guerreiros, e todos assentem, os olhos
brilhando, com a força dos seus lobos pronta para os ajudarem.
Rosno ao ver que estão próximos e me posiciono, começando uma
transformação, as garras se projetam, preparando-me para o confronto. Todos
seguem meu exemplo e, quando os malditos estão perto o suficiente, urro
ordenando o ataque, o primeiro sentinela se lança sobre mim, mas sou mais
rápido e desvio do seu ataque com um movimento ágil, e rasgando o flanco da
criatura com minhas garras afiadas. O sangue negro espirra no chão, mas o
maldito não recua, como se não sentisse dor, avança com uma fúria cega.
― Eles só vão parar se estiverem mortos ou o feiticeiro ordenar ― um
guerreiro grita perto de onde estou.
― Que seja a morte então a acabar com eles! ― retruco, conseguindo
lançar um dos sentinelas ao chão, apoio o pé no seu peito e, mesmo com ele me
arranhando, seguro sua cabeça com força sobrenatural, a arrancando do corpo,
cada vez mais furioso com o atraso, mas com a certeza de que estamos na porra
do lugar certo.
Em uma luta sangrenta, começamos a abrir o caminho entre os sentinelas,
nos aproximando da entrada da caverna onde começo a sentir o aroma de Maeve
mais forte e se misturando com o fedor dos lobisomens, a energia é pesada desde
a entrada.
― Preparem-se para encontrar mais desses malditos lá dentro.
― Pelos ventos e pela névoa, lutamos como um só! O alfa guia, a alcateia
vence! ― gritam, me dando mais forças para enfrentar o que estiver dentro desse
lugar.
Capítulo 20
A porta de madeira abre novamente com um estrondo e Calin aparece na
soleira, com um olhar de dar medo.
― Vamos logo, tem que acontecer agora. ― Franzo a testa sem entender.
― O quê?
― Vou te levar para o feiticeiro, e acho bom não tentar nenhuma gracinha
senão será pior para você e seu querido alfa. ― Seu sorriso é puro desdém.
― Ele é o seu alfa também. ― Seu rosnado me causa um arrepio na
espinha.
― Não. ― Ele segura meu braço e me levanta sem cuidado, junta meus
pulsos nas costas para que eu não tente reagir.
Andamos pela caverna escura, ouço a água pingando do teto e algo mais
que não sei identificar por estar muito longe. Chegamos em outra porta que
Calin abre e, imaginei que teria uma cama ou algo do tipo, levando em conta o
que o feiticeiro falou, mas tem uma mesa de pedra no meio, o feiticeiro está no
canto recitando algum encantamento e, nesse momento, quando Calin solta os
meus braços e se aproxima do feiticeiro, minha loba assume o comando, levada
por um instinto de preservação.
Corro para fora do local, ou tento, porque quando estou para passar da
porta sinto bater em uma parede invisível, me levando a cair no chão.
― Não tente, pode se machucar e não queremos isso. ― A voz do
feiticeiro me causa raiva e medo, paralisando o meu corpo no lugar, quando
Calin se aproxima novamente e me joga sobre os seus ombros antes de me
colocar na mesa. ― Será feito agora o ritual para concepção do meu herdeiro,
pode levantar o vestido dela e prender braços e pernas.
Calin obedece, prendendo meus punhos e tornozelos nas correntes fixadas
ao chão, meu vestido é levantado e minha calcinha rasgada. Me debato feroz,
deixando a loba me emprestar sua força para nos liberar e fugir, todo o meu
corpo sente que isso é errado e me concentro em encontrar uma forma de
impedi-lo de chegar ao fim.
O barulho que ouvia mais distante, agora está mais perto e minha mente
me leva a Stefan.
― Preciso verificar se está em condições de gerar meu herdeiro. ― Umbra
se aproxima e, para piorar a minha humilhação, toca desde a minha intimidade
até o meu ventre, em cima do útero, se afasta com o rosto contraído pela raiva.
― Já gera um mestiço, vadia! ― Desfere um tapa em meu rosto, que aumenta a
raiva da minha loba.
Sinto uma onda de desespero ao descobrir algo que eu já sentia, mas me
negava a compreender, estou grávida, um filho meu com Stefan, e sinto que sua
vida está em grave perigo. Em um rompante de fúria, Umbra puxa uma adaga,
seu cabo adornado com runas antigas e sinto que não corta apenas carne.
― Se eu não posso ter o meu herdeiro, ele também não o terá! ― grita, se
preparando para desferir um golpe que será fatal para o meu bebê.
Me debato com todas as forças, lutando contra as correntes, tentando
proteger a vida que cresce dentro de mim, meus gritos ecoam pelas paredes da
caverna, mas antes que a lâmina encontre o meu ventre, o som de um engasgo
preenche o lugar. O feiticeiro para e olha para trás, vendo Calin, o maldito
traidor, com um buraco no peito, sangue jorrando da ferida aberta e, ao seu corpo
cair, o contorno de Stefan é revelado na soleira.
Seus olhos brilham, prateados, com uma fúria assassina, parcialmente
transformado, tenso e atento a cada movimento de Umbra. Ele está pronto para
matar.
― Chegou tarde demais, ela carrega sua maldição, mas vou resolver esse
problema e logo gerará o meu herdeiro, o feiticeiro mais poderoso já visto pela
humanidade.
Stefan rosna, furioso avança em uma velocidade sobrenatural, punhos
cerrados e garras à mostra, Umbra ergue a mão livre, conjurando uma onda de
energia que lança Stefan para trás, o fazendo colidir contra a parede da caverna,
com um impacto ensurdecedor.
Um grito explode dentro do meu peito ecoando pelo lugar, mas sinto algo
mudando dentro de mim. Uma energia desconhecida parece despertar, meu
corpo formiga com uma sensação estranha, algo que não é apenas adrenalina ou
medo.
Umbra levanta a mão novamente para atacar Stefan, pronto para lançar
outra rajada de magia, mas antes de desferir o golpe, eu estendo a mão em sua
direção, instintivamente. Vejo um brilho suave emanando dos meus dedos e uma
barreira se ergue entre Umbra e Stefan.
Umbra recua e me encara, surpreso.
― O que é isso? ― rosna, me olhando com raiva. ― Você… não pode ser!
Estou ofegante, sentindo a força pulsando nas minhas veias, é como se
cada fibra do meu ser estivesse se conectando a uma fonte de poder que eu
nunca soube possuir. As correntes que me prendem parecem enfraquecer,
reagindo à energia que agora emana de mim.
― Não sou mais uma simples humana ― murmuro, sentindo minha loba
ainda mais forte dentro de mim ―, eu sou a parceira de Stefan e vou proteger o
que é meu!
Umbra, furioso, lança um feitiço direto contra mim, mas meu recém-
descoberto poder bloqueia o ataque, dissipando sua magia no ar. Fecho os olhos
para me concentrar, canalizando toda a minha força, e as correntes se rompem ao
meu redor com um estalo alto.
Me levanto e corro para o lado de Stefan, que já está de pé, recuperado do
impacto. Umbra recua, seus olhos cheios de ódio, mas antes que possa conjurar
um novo ataque, Stefan o atinge com um golpe brutal, jogando-o contra a parede
da caverna. A batalha entre os dois é feroz, uso o meu poder para bloquear os
ataques do feiticeiro enquanto Stefan luta com força física.
Com um último golpe poderoso, Stefan lança o feiticeiro ao chão, sua
respiração pesada, meu corpo treme ao seu lado enquanto mantenho uma
barreira mágica ao nosso redor. O feiticeiro, sangrando e enfraquecido, olha para
nós cheio de ódio.
― Isso não acabou… ― sibila antes de desaparecer em uma nuvem de
sombras, seu corpo se desmaterializando no ar.
Stefan, ainda ofegante, olha para mim, eu continuo de pé, tremendo, mas
forte. Ele me envolve em seus braços, me segurando com firmeza, me deixando
sentir o calor do seu corpo junto ao meu.
― Você me salvou ― murmura, seus olhos brilhando de orgulho e amor.
― Nós nos salvamos, somos uma equipe e tanto. ― Minha voz sai firme,
de alguma forma.
Eu sei que agora tudo será diferente, não sou apenas humana, ou loba, sou
parceria de Stefan, mãe de seu herdeiro e uma feiticeira.
Se o feiticeiro voltar a nos atacar, estaremos prontos para ele.
Capítulo 21
Ando com Maeve ao meu lado, sentindo ainda a adrenalina das últimas
batalhas. A lua cheia ilumina nosso caminho ao sair da caverna, encontrando os
guerreiros que ficaram para trás para eliminar os amaldiçoados restantes. Meu
instinto permanece em alerta, sabendo que o feiticeiro não desistirá, a ameaça lá
dentro foi bem clara.
Chegamos a uma clareira e Maeve trava ao meu lado, respirando fundo e
sinto seu receio, o ar fica pesado, quase sufocante e uma sensação de maldade
latente latejando pela minha espinha. Meu faro capta o cheiro de sangue e sinto a
presença de magia, encaro Maeve que me olha assentindo, confirmando que
sentiu o mesmo que eu. Levanto a mão, sinalizando para os guerreiros que
parem.
― Preparem-se, ainda não acabou. ― Minha voz é baixa, carregada de
autoridade.
Vemos as sombras ganharem vida, se moverem rapidamente, logo são
revelados pela lua os amaldiçoados, olhos brilhando em vermelho, deformados,
maiores do que os últimos e com aparência mais violenta.
― Protejam Maeve! ― ordeno, ouvindo o rosnado dela, contrariada por
não querer ser afastada totalmente da luta.
Avanço sem hesitar, atacando os sentinelas mais próximos, meio
transformado, com força brutal. Viro uma confusão de garras e presas,
dilacerando qualquer um que se atreva a cruzar o meu caminho. Miro
diretamente no feiticeiro, tentando me aproximar o máximo possível dele. Eu sei
que esses malditos são apenas distrações, que o filho da puta está espreitando,
aguardando o momento para atacar.
Ouço uma risada baixa ecoar pela clareira, vejo o feiticeiro emergindo das
trevas, o rosto pálido pelo dano que Maeve e eu causamos, os olhos brilhando de
ódio e uma determinação doentia.
― Achou que seria fácil? ― Seu sussurro faz o meu sangue ferver. ―
Maeve me pertence!
Rosno, meus olhos cravados no feiticeiro. Sinto seu poder crescendo ao
meu redor, ele levanta as mãos, como se invocasse algo e o chão começa a
tremer.
― Filho da puta, não terá Maeve, nunca! ― Avanço, furioso, entre os
sentinelas, destruindo cada um, mas antes que possa alcançar o desgraçado, uma
rajada de magia me atinge em cheio no peito.
Sou jogado para trás com força, sentindo uma dor lancinante se espalhar
pelo meu corpo, essa porra de magia parece queimar, como se tivesse fogo
correndo nas minhas veias, não consigo levantar, ofegante.
― Stefan! ― A voz de Maeve chega até mim, desesperada, tentando se
aproximar, mas sendo contida pelos guerreiros, atendendo a ordens minhas e a
protegendo.
― Adeus, alfa. ― As palavras do feiticeiro não são mais do que um
sussurro, enquanto invoca seu poder para me eliminar.
― Você não vai me deixar, Stefan! ― Maeve grita, sua voz carregada da
mesma força que nos salvou na caverna.
Antes que o feiticeiro consiga completar o feitiço, Maeve cria uma barreira
de energia luminosa entre mim e o desgraçado. A magia sombria é engolida pela
luz, e o choque de poder faz o ar vibrar. Maeve avança, os olhos brilhando
dourados, suas mãos estendidas em direção ao feiticeiro, que recua surpreso.
Nenhum dos guerreiros se atreve a se colocar na sua frente.
― Como você.. ― começa a frase, mas é interrompido por Maeve que o
atinge em cheio.
O grito dele é de pura agonia, sua magia sendo desfeita e corroída pela luz
de Maeve. O desgraçado se contorce, sua figura se fragmentando, sendo
consumido pouco a pouco pela sua própria escuridão. Até que com um último
grito de ódio, ele desaparece, levando seus sentinelas junto.
Maeve cai de joelhos, ofegante, sua energia totalmente drenada pelo poder
que usou, ela me olha e me desespero ao ver seu nariz sangrando. Um sorriso é
tudo o que ela me oferece antes de desmaiar, sendo segurada pelos guerreiros.
― Vencemos, senhor. ― Nicolae se aproxima e arfa ao ver meu estado. ―
Consegue se levantar?
― Eu acho que… ― O último resquício de energia me abandona e a
escuridão me alcança, não vejo mais nada.

Me vejo sozinho na floresta, próximo da mesma clareira.


― Porra, vou mandar plantarem mais árvores para acabar com essa
maldita clareira.
Procuro por Maeve e pelos guerreiros, mas não encontro ninguém, a
névoa distorce a visão do lugar, mas ainda o reconheço. Nenhum som chega aos
meus ouvidos treinados, exceto alguns passos.
― Maeve? ― chamo, mas minha voz parece baixa demais, por mais que
eu me esforce.
De repente a vejo à distância, com uma expressão de desespero, seus olhos
implorando por ajuda. Ela segura seu ventre, agora volumoso, e sei que algo
está errado. Tento correr até ela, mas é como se estivesse preso ao chão,
incapaz de me mover enquanto a escuridão a envolve lentamente.
O feiticeiro surge atrás dela, seu sorriso cruel, vitorioso, ele sussurra algo
e o olhar de Maeve se enche de dor.
― Não! ― grito, lutando para me libertar, mas o chão parece me engolir.
Estou impotente, incapaz de salvar Maeve e nosso filhote.
Sou jogado para outro momento, olho em volta e vejo o centro da vila, o
chão forrado pelos corpos dos meus guerreiros, mortos. A alcateia, meu povo,
todos mortos. O cheiro de sangue enche o ar e o uivo do vento carrega um som
de lamento. Meu povo está morto, minha alcateia destruída. Eu falhei.
O peso da culpa me deixa de joelhos, a dor da perda de tantas vidas se
tornando insuportável.
― Você falhou, Stefan. ― A voz fria e cruel ecoa ao meu redor. O maldito
feiticeiro está zombando de mim. ― Não conseguiu proteger sua fêmea, não
conseguiu proteger seu filhote e nem sua alcateia. Agora, só resta escuridão.
Sua figura se distorce, fecho os olhos lamentando e quando os abro me
vejo dentro de uma caverna escura. Estou sozinho e, ao conferir o meu corpo,
gravemente ferido. Olho para as mãos agora sujas de sangue, meus batimentos
cardíacos ficando mais fracos, sinto a vida se esvaindo do meu corpo.
Um medo profundo me envolve, preciso sobreviver para voltar para
Maeve, não posso deixar meu filhote sem pai.
De repente, e meio à escuridão, uma luz fraca começa a brilhar. É suave,
quente e familiar. Vejo o rosto de Maeve com os olhos brilhando de força e amor,
e, por um momento, a dor em meu peito diminui. Maeve sussurra algo que não
consigo ouvir, mas sei que ela está me chamando, lutando para me trazer de
volta.
O medo se fortalece. E se eu nunca conseguir voltar? E se essa luz
desaparecer, levando Maeve e o futuro que sonho ter junto com ela? O
desespero me agarra, enquanto luto me forçando a sair desse lugar sufocante.
Não posso falhar. Não posso deixá-la sozinha.
Tudo parece começar a desmoronar, a escuridão toma a luz, consumindo
tudo ao meu redor e me alcançando. Preciso lutar e voltar para minha luz,
Maeve.
Capítulo 22
Minha cabeça parece pesar uma tonelada, os olhos parecem ter areia,
queimando quando tento abri-los.
― Ela está acordando? ― Ouço a voz da minha tia, mas não tenho certeza.
― Acho que sim. ― Não reconheço essa voz.
― Ela se desgastou muito.
― Mas precisamos…
― Shhh…
Impaciente, abro os olhos, mesmo irritada com a luz, pisco algumas vezes
até que todos à minha volta fiquem nítidos.
― Aaa… ― Uma onda de tosse vem forte, a garganta seca.
Minha tia, mesmo surpresa por me ver acordada, me oferece um copo com
água e eu tomo aos poucos.
― Melhor? ― pergunta.
― Sim, onde está Stefan? ― pergunto, olhando em volta e reconhecendo o
quarto que usei assim que Stefan me trouxe para a vila.
Isso parece fazer séculos, mas aconteceu tem apenas meses.
― Ele está no quarto dele.
― Nosso quarto ― corrijo, tentando me levantar e sendo impedida. ― O
que está acontecendo? O que não estão me contando?
― Stefan foi ferido durante a batalha, mas não conseguimos encontrar os
ferimentos e você ainda está fraca demais para tentar ajudar. ― Franzo a testa.
― Por que não chamaram o feiticeiro que me ajudou, que fez a minha
transformação ser menos dolorosa?
― Porque ele sumiu. ― Minha cabeça ainda dói, mas meu coração está
apertado e sinto a necessidade de estar perto de Stefan e fazer o meu melhor para
ele se curar.
A alcateia precisa dele. Eu preciso dele.
― Me ajuda, tia, preciso ver o Stefan.
Minha tia me ajuda a levantar da cama, vejo Bogdan por perto, me
apoiando e me ajudando a chegar ao meu quarto com Stefan.
― Como você está? ― Ele abaixa a cabeça, envergonhado.
― Me sentindo um bosta por não conseguir proteger a parceira do meu
alfa, fui atingido por trás.
― Não tinha como você saber que o Calin era o traidor. ― Ele cerra os
olhos, sua expressão contorcida de raiva. ― Calma, grandão, só me leva até o
Stefan, depois pode soltar os cachorros. ― Ele ri.
Chegamos ao meu quarto e meu coração se aperta mais ao ver Stefan
parecendo tão frágil sobre a cama, ele sempre é tão forte, poderoso, mas agora
está vulnerável. Um ancião está ao seu lado, enquanto um curandeiro troca as
bandagens com ervas medicinais.
― Senhora. ― O ancião faz uma breve reverência e se afasta, me dando
passagem.
Me aproximo da cama e me sento ao lado do Stefan, seguro a sua mão e
fecho os olhos. Os abro, assustada.
― Ele está preso em sua própria mente, preciso que me ajude a continuar
firme na realidade enquanto o trago de volta. ― Olho fixamente para minha tia
que assente, já sabendo o que fazer.
Fecho os olhos novamente, me concentrando na mente de Stefan, sinto que
ele está travando uma batalha interna e a sombra da morte paira sobre sua
cabeça.
Toco seu peito, sentindo a nossa conexão como um fio de energia nos
ligando. Sinto que precisarei de mais do que palavras gentis para acordá-lo, a
magia dentro de mim começa a acordar. Nunca tentei algo assim, não sabia dos
meus dons até precisar usá-los, mas não posso perder Stefan, ou me perderei
também.
― Vou te trazer de volta, meu amor ― sussurro com determinação,
concentrando toda a minha energia na minha tarefa.
Deixo minha mente se conectar com a dele, algo que antes parecia
impossível, agora flui como se sempre tivesse estado ali. Sinto o gelo do medo e
da dor que Stefan sente, com cuidado, entro, mergulhando na escuridão que o
envolve.
Vejo exatamente o que ele vê, eu à distância, a ameaça do feiticeiro, Stefan
incapaz de me alcançar e a dor nos seus olhos, o desespero que o consome como
um veneno potente. Caminho até ele, envolta pela energia da minha magia, um
ponto de luz dentro desse pesadelo. Stefan está de joelhos, seu rosto marcado
pela culpa e pelo sentimento de fracasso. Ele nem nota a minha presença, tão
preso na própria tortura.
― Stefan ― chamo com a voz suave, mas firme. Ele não reage, apenas
olha para o chão, como se não merecesse sequer levantar os olhos. Me aproximo
mais, até estar diante dele. ― Olhe para mim.
Aos poucos, Stefan levanta o olhar. Quando seus olhos encontram os
meus, algo brilha por um breve segundo, mas logo é consumido novamente pela
dor.
― Você não falhou ― digo com convicção, estendendo a mão para ele. ―
Eu estou bem, nós estamos. E sua alcateia ainda precisa de você.
Stefan balança a cabeça, como se não acreditasse. Ele parece tão
mergulhado na sensação de fracasso que não consegue ver a verdade.
― Eu vi você lutar ― continuo, a voz carregada de emoção. ― Vi sua
força, seu sacrifício. Você não desistiu, mesmo quando parecia impossível. E
agora eu estou aqui com você, como você sempre esteve para mim.
A luz ao nosso redor se intensifica e a escuridão se afasta lentamente.
Stefan olha para mim, e algo dentro dele finalmente se quebra. Ele segura a
minha mão, sentindo o meu calor se espalhar e a energia fluir através de mim. É
como se eu fosse a âncora que ele precisava para sair desse abismo.
― Maeve ― ele murmura, a voz rouca, mas cheia de vida.
Sorrio, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
― Sim, sou eu. E nunca vou deixar você cair. Agora venha. Precisamos de
você.
Com um esforço, Stefan se levanta. A escuridão ao nosso redor desaparece
completamente, e o pesadelo termina. O puxo de volta à realidade, o fio de
magia que nos conecta vibrando com força e intensidade.
Quando Stefan abre os olhos, no mundo real, me encontra ao seu lado,
ainda segurando sua mão. A dor em seu corpo ainda é real, mas há algo mais
forte do que isso, o meu amor por ele e a força que lhe dei.
― Você me trouxe de volta ― ele diz, a voz fraca, mas cheia de gratidão.
Um sorriso se abre no meu rosto, e enxugo uma lágrima solitária que
escorre pela minha face.
― Sempre o trarei de volta, Stefan. Sempre.
Ele me puxa e beija meus lábios delicadamente, a sua outra mão vai ao
meu ventre e acaricia com ternura.
Capítulo 23
O meu corpo se recupera rapidamente, agora que a mente foi curada por
Maeve, logo volto para a minha rotina normal, acompanhando a gravidez dela.
Estou no escritório, revisando todos os documentos, principalmente aqueles que
passaram pela mão de Calin, ainda com a preocupação de escolher outro beta
para o seu lugar, já que “acidentalmente” teve o coração arrancado do peito.
Ouço batidas na porta do escritório, que se abre após a minha autorização.
― Com licença, meu senhor. ― Um ancião entra devagar no escritório,
indico que sente na cadeira à minha frente e assim ele o faz.
― A que devo a visita?
― Como se sente? ― pergunta, parecendo genuinamente interessado.
― Melhor do que eu esperava, considerando os últimos acontecimentos.
― Foi muito corajoso, se arriscando pela sua parceira e pelo nosso povo.
― Fiz o que era esperado de mim ― respondo, encolhendo os ombros.
― Agora que a ameaça passou, posso te contar toda a profecia. ― Franzo
a testa, sem entender.
― Mas já não falou completa antes?
― Havia detalhes que só me foram revelados recentemente.
― Como assim?
― Aqui está a profecia completa. ― Ele me entrega uma folha de papel
onde está escrito em uma letra cursiva:
"Quando a lua sangrar sobre a floresta de névoa, um lobo de sangue
antigo será marcado pela fêmea de luz.

A união entre a carne humana e o espírito lupino será o único caminho


para quebrar a maldição que adormece há séculos.

O alfa da Névoa encontrará sua igual, nascida do sangue de curadores,


mas com dons além da compreensão dos mortais.

Ela carregará em seu ventre o herdeiro de um poder puro, que será tanto a
chave para a salvação quanto o alvo da escuridão.

Sombras antigas se levantarão, buscando corromper o sangue sagrado e


reivindicar o poder para si.

Somente o sacrifício da união entre o lobo e a fêmea de luz poderá


dissipar a escuridão.

Mas cuidado, pois o traidor de seu próprio sangue caminhará ao lado da


sombra, e sua verdade só será revelada sob o toque da morte.

Se o alfa falhar em proteger sua fêmea e seu filho, a escuridão consumirá


tudo e os lobos cairão para sempre.

Mas se o lobo de Névoa e a curandeira de luz permanecerem unidos, não


haverá mal que possa superá-los, e um novo ciclo de paz começará, sob a
bênção da lua eterna."

Levanto os olhos e o encaro.


― Por que essas coisas não são reveladas quando precisamos? ― Ele
sorri, compreensivo.
― Porque tudo acontece no tempo certo e como o destino quer que seja,
como já sabe, não adiantaria revelar toda a profecia de uma vez se não tivesse
chance de se cumprir. Se o feiticeiro tivesse cumprido com seu plano de gerar
um herdeiro, estaríamos em grandes apuros, principalmente se fosse gerado pela
sua parceira. ― Um arrepio gelado atravessa minha espinha.
― Não fala isso nem de brincadeira, aquele maldito foi eliminado pela
minha fêmea e não nos oferece mais risco.
― Ameaças sempre aparecerão, meu senhor, mas juntos saberemos
contorná-las. ― Sorrio.
― Preciso da ajuda de vocês, aproveitando a sua visita.
― O que precisa?
― Um casamento.
Peço ajuda para preparar um casamento perfeito para Maeve, usando tudo
o que a lua cheia representa para nós, decido que a cerimônia acontecerá assim
que ela voltar, em algumas semanas, no centro da vila, com a participação de
todos os clãs, usando tochas para iluminar o caminho do castelo até a vila que
estará cercada por elas, dando um toque místico que combina muito com a
minha mulher.

Peço para deixarem o vestido que encomendei para Maeve no quarto,


enquanto me visto em outro, e mando um dos guardas avisá-la que a chamei no
quarto, onde deixo um recado em cima da caixa do vestido.
“Meu amor, hoje é um dia especial e merece ser comemorado, use esse
vestido feito especialmente para você e me encontre no centro da vila, te
esperarei.
Sempre seu.
Stefan.”
Visto roupas tradicionais, um traje preto adornado com detalhes prateados,
simbolizando minha posição de alfa, carrego um amuleto no pescoço, passado de
geração em geração, simbolizando a responsabilidade e proteção do alfa para
com meu povo e, agora, com minha nova família.
Vou ao centro da vila, sou cumprimentado por membros da alcateia,
líderes de todos os clãs e um curandeiro me aguarda para celebrar essa união
que, em realidade, já aconteceu e é eterna, mas sei que Maeve cresceu sob outras
crenças e esse tipo de ritual pode ser importante para ela. Minha missão é fazê-la
feliz.
Só não faremos de acordo com as tradições humanas, mas um ritual antigo
do meu povo. Todos silenciam quando Maeve aparece pelo caminho de tochas, o
vestido simples, mas elegante, que destaca sua beleza natural e seus laços com a
natureza. O tecido flui ao seu redor como a água, e uma coroa de flores repousa
delicadamente em seus cabelos soltos. Seus olhos brilham, refletindo a
serenidade e alegria que sente, e consigo sentir através do nosso laço.
Seguro suas mãos assim que chega à mina frente, beijo o dorso de cada
uma e depois sua testa. Na mesa entre nós e o curandeiro, um punhal antigo da
alcateia e um cálice estão aguardando o momento certo para serem usados.
― Hoje, sob a luz da lua cheia, testemunhamos a união de suas almas
destinadas a se encontrarem, a se amarem e se protegerem. O sangue que flui por
suas veias carrega mais do que vida. Ele carrega a força de seus antepassados, a
essência de seus espíritos e o vínculo inquebrável que selará este compromisso
eterno. ― Ele segura o punhal e seguro a mão de Maeve, indicando que deve
estendê-la com a palma para cima, assim como faço com a minha. Nossas
palmas são cortadas pelo punhal, nosso sangue abundante surge pelo recente
ferimento e, antes que se feche, seguro sua mão na minha, misturando nossos
sangues. ― Ao misturarem seus sangues, Stefan, alfa da alcateia Névoa, e
Maeve, sua parceira destinada, unirão seus destinos, entrelaçando suas almas e
jurando fidelidade um ao outro. Este ato, não apenas une vocês como casal, mas
também como líderes de uma nova era. ― Nosso sangue pinga e ele estende o
cálice, que seguro embaixo de nossas mãos. ― Que o sangue que hoje se
derrama, alimente a terra e a abençoe ― diz, se referindo ao pouco que pingou
no chão. ― Que seus corações batam em sintonia, e que a união de vocês traga a
força para o clã, proteção para sua família e sabedoria para os desafios futuros.
― Desde antes de nossos caminhos se cruzarem, soube que o destino
havia reservado algo muito importante para a minha vida, que minha
companheira seria especial. ― Respiro fundo, contendo a emoção que sinto. ―
Você é minha luz, minha força, minha razão. Prometo proteger você e nossos
filhotes com cada fibra do meu ser, até o meu último suspiro.
― Agora sou eu? ― pergunta, atraindo risos e aceno concordando. ― Isso
aqui foi uma surpresa, não preparei nada, mas não tem problema. ― Respira
fundo e me olha intensamente. ― Você é o meu primeiro amor, Stefan, e será o
último. Aceito todas as partes de você, o lobo e o homem. Serei sua força
quando vacilar, sua cura quando estiver ferido, e a mão dos nossos filhos, com
toda a minha alma e coração.
Depois dos votos, um uivo de todos os membros da alcateia celebra nossa
união em uma melodia ancestral.
O curandeiro serve um pouco de vinho no cálice e nos estende.
― Tomem do seu sangue unido, misturado, fortalecendo a união de vocês.
― Bebemos do cálice, primeiro Maeve e depois eu tomo o restante. ― Com a
lua e todo o nosso povo como testemunha, a união está completada, o que o
destino uniu, mal algum consegue separar.
Me aproximo de Maeve, segurando sua nuca e selando nossos lábios em
um beijo carinhoso, com a promessa de algo mais depois da festa que preparei
para nós.
Dias depois, recebo uma visita inesperada, que quase é abatida pelos
guerreiros em constante vigia.
― A que devo a honra? ― pergunto ao feiticeiro, desconfiado da sua
presença logo após tudo o que aconteceu.
― Eu ia pedir sua ajuda para eliminar uma ameaça, um feiticeiro que foi
tomado pela ganância por poder e se deixou levar pela maldade, mas vejo que
ele se adiantou e o atacou antes que eu pudesse pedir o meu pagamento. ―
Franzo a testa.
― Era esse o preço que eu teria que pagar por sua ajuda? ― Ele sorri e
acena, concordando.
― Sim, meu jovem, mas que bom que Umbra foi eliminado, não há mais
dívida então.
― Se é o que diz, então muito obrigado.
― Eu que agradeço por eliminar tal ameaça, de qualquer forma, algum dia
ele seria consumido pela própria maldade e que bom que não teve tempo de
machucar mais pessoas com suas perversidades. ― Concordo com um aceno.
― Caso precise de ajuda, me coloco à disposição. ― Estendo a minha
mão que ele aperta sorrindo.
― Agradeço, tempos de paz e prosperidade se aproximam para nossos
povos, graças ao senhor.
O feiticeiro se vai, me deixando com uma sensação boa de que tudo segue
o curso traçado pelo destino. O inverno está batendo à nossa porta e, por fim,
conseguimos uma colheita boa, as caças estão devidamente conservadas e
garantimos que ninguém passará fome. Ainda conseguimos ajudar algumas
cidades próximas, restaurando a harmonia que sempre tivemos.
Epílogo
Estamos passeando, porque eu queria um piquenique e não aguentava mais
ficar presa no castelo, ali é o meu lar agora, mas estou me sentindo sufocada e
minha loba ameaçou se revoltar, mesmo que eu não possa me transformar
estando grávida.
Chegamos perto de uma cachoeira quando sinto o primeiro incômodo e
tento disfarçar, mas Stefan me olha preocupado.
― O que está sentindo, iuribea mea[7]?
― Ele só está mais agitado hoje. ― Sorrio, acariciando o ventre.
Stefan continua andando, de mãos dadas comigo, me observando em cada
passo. O sinto em alerta, parecendo pressentir que algo vai acontecer.
Quando estamos mais perto da cachoeira, ofego, franzindo as sobrancelhas
e parando de caminhar pela pontada que sinto no ventre.
― Stefan ― chamo com a voz baixa, quase um sussurro.
Ele se vira para mim imediatamente, os olhos azuis captando as minhas
expressões, nossa ligação o fazendo sentir a minha dor. Antes que ele possa falar
algo, um líquido escorre pelas minhas pernas, a dor se tornando mais intensa.
― É agora ― digo, sentindo medo por estarmos afastados da vila, me
seguro no braço de Stefan enquanto quase dobro o corpo, gritando com a
contração que sinto.
Ele me levanta no colo, delicadamente, e me leva mais perto da água, me
deixa na grama e ergue, meu vestido, rasgando um pedaço do tecido e molhando
na água para colocar na minha testa, depois tira a minha calcinha. Respiro
profundamente, as contrações se intensificando.
― Está tudo bem, mica mea. Estou com você ― Stefan sussurra,
segurando firme a minha mão, e se coloca entre as minhas pernas.
As dores vêm em ondas menos espaçadas e eu sei que o bebê não esperará
muito mais para nascer, ofego em uma nova onda, arrancando grama do chão
conforme minhas mãos se fecham em punhos.
― Porra! Estou vendo a cabeça, empurra, meu amor ― diz Stefan, seus
olhos cheios de emoção e algo mais forte.
Me concentro nele, na sua força e respiro da forma como treinei com a
minha tia. Quando sinto a seguinte contração chegando, inspiro profundamente e
empurro com toda força. Stefan arregala os olhos e logo um choro potente ecoa
pela floresta, no mesmo momento que um alívio toma o meu corpo.
Stefan tira a camisa e o embrulha nela, embalando com mãos firmes,
lágrimas escorrem pelo meu rosto e Stefan pega uma faca afiada que estava na
cesta de piquenique para cortar o cordão umbilical.
― Nosso filhote é perfeito, nosso alfa herdeiro ― diz com a voz rouca,
enquanto entrega o bebê nos meus braços.
Sorrio exausta, mas extasiada. O calor do pequeno corpo contra o meu é
indescritível, e quando olho para Stefan, sei que tudo está exatamente como
deveria estar.
― Nós fizemos isso, Stefan ― murmuro, lágrimas de felicidade nos olhos.
― Ele é nosso. Nosso pequeno Aidan Gallagher Mihailov.
Ele se ajoelha ao meu lado, nos abraçando. O som constante da cachoeira é
agora um lembrete de que a vida, como a água, segue o seu curso, cheia de
desafios e beleza.
Stefan me ajuda a levantar e, com calma, caminhamos de volta para a vila,
onde somos recebidos com surpresa e alegria por todos, apresentando o pequeno
Aidan, futuro alfa da alcateia Névoa. A continuidade do nosso povo.
Chegando ao castelo, encontro tia Aislínn conversando com suas irmãs,
que vieram nos visitar depois que souberam de tudo o que aconteceu, a notícia
só atrasou alguns meses e a surpresa delas por nos verem chegar carregando o
novo membro da família nos braços é, no mínimo, hilária. Mas com certeza
aquece o meu coração ver minhas tias juntas, no lugar que se tornou o meu lar.
Sei que a nossa vida, terá desafios, dificuldades e mais ameaças, mas
juntos sempre conseguiremos ultrapassar todos eles.
Fim
Agradecimento
A Deus que me dá forças para seguir sem frente, à minha família que
sempre me apoia. Ao meu marido que aguenta meus surtos, me segura quando
não estou bem e me empurra quando preciso ir em frente, eu te amo!
Bah, bruxinha, sem você essa loucura de um livro por mês esse ano não
daria certo, muito obrigada pela parceria de sempre.
Minhas assessoras por estarem comigo também, pelo apoio e parceria de
sempre.
Autoras do Desafio Mari Sales, obrigada pelos puxões de orelha pelas
conversas, pela parceria e pelas trocas que sempre temos. Mari Sales, obrigada
por criar o desafio e compartilhar conosco tantas coisas maravilhosas.
Minhas leitoras, do grupo Privilegiadas e fora dele, o meu muito obrigada,
de coração, por me acompanharem até aqui e espero que continuem
acompanhando.
Sobre a autora
Guarulhense, casada, ama Harry Potter e doramas. Começou a escrever em
2018 e não vê mais a sua vida sem a escrita. Hoje possui mais de 15 títulos na
Amazon e alguns físicos publicados.
Clique aqui para conhecer mais livros da autora.
[1]
Pequena.
[2]
Estou aqui, minha pequena. Ninguém vai te machucar enquanto eu estiver ao seu lado.
[3]
É só um pesadelo. Abra os olhos, minha pequena, estou aqui.
[4]
Caralho.
[5]
“Corpo humano, abandone a carne frágil,
Uma nova forma surge em você, robusta e feroz.
Dos seus ossos, que a força do lobo se eleve,
Do seu sangue, que o poder da lua floresça.
Dois corações batem como um,
Duas almas são ligadas em uma.
Força do lobo, espírito feroz,
Lobo e humano, um corpo, um coração.
Nas trevas você vagou, agora abrace a luz,
A luz da lua te dá poder,
A transformação está completa!
O destino se cumpre, uma nova vida nasce!”
[6]
Meu coração.
[7]
Meu amor.

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