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1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA


COMARCA DE RIBEIRA DO POMBAL – BAHIA

Processo nº 8000768-14.2020.8.05.0213

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA,


presentado pela Promotora de Justiça que esta subscreve, e, com fulcro no art. 994,
inciso I, art. 996 e art. 1009, todos do Código de Processo Civil, vem, respeitosamente,
à presença de V. Exa., interpor RECURSO DE APELAÇÃO contra a r. sentença ID
58922454, pelas razões de fato e de direito em anexo.

Tendo em vista que o Recorrente goza da isenção do


preparo, nos termos do § 1º do art. 1.007 do CPC, requer digne-se Vossa Excelência a
receber o presente recurso, remetendo os autos à segunda instância, cumpridas as
formalidades legais.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Ribeira do Pombal-BA, 08 de junho de 2020.

Alan Cedraz Carneiro Santiago


Promotor de Justiça
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Origem: Vara Cível da Comarca de Ribeira do Pombal-BA


Processo n. 8000768-14.2020.8.05.0213
Apelante: Ministério Público do Estado da Bahia
Apelado: MUNICÍPIO DE RIBEIRA DO POMBAL-BA

RAZÕES DE APELAÇÃO

Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,


Ínclitos Desembargadores,
Colenda Câmara,
Douta Procuradoria,

1. DA EXPOSIÇÃO FÁTICA (art. 1.010, II, CPC):

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério


Público do Estado da Bahia, objetivando condenar o Município de Ribeira do Pombal
a: a) invalidar o Decreto Municipal n. 44/2020, editando nova norma proibitiva acerca
do funcionamento das atividades de natureza não-essenciais, entendendo-se como
essenciais aqueles indicados pelo Município através do art. 4º, do Decreto Municipal
Nº 42/2020, sendo eles: I. serviços e comércio relativos à atividade de saúde; II.
Oficinas automotivas e borracharias; III. Farmácias, supermercados, açougues,
verdurões e padarias; IV. postos de combustíveis e distribuidoras de água e gás. VI.
Clínicas médicas, odontológica, fisioterapêuticas e veterinárias em consultas com hora
marcada e atendimentos de urgência, acrescido dos demais serviços indicados na Lei
7.783/1989, a exemplo do funcionamento dos serviços funerários, bem como
autorizando-se a abertura das casas lotéricas e instituições bancárias, dada a sua
evidente imprescindibilidade, desde que adotem as medidas de segurança sanitárias
cabíveis; b) promover o fechamento dos estabelecimentos e a suspensão de todas as
atividades entendidas como não-essenciais, enquanto persistir a necessidade de
medidas mais restritivas; c) condicionar a reabertura do comércio, ou, por outro lado,
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

a imposição de restrições mais severas, à análise da fase epidêmica, a estudos


epidemiológicos e ao implemento de medidas que garantam maior segurança na
transição entre as medidas de isolamento social, com atenção aos parâmetros fixados
pelo Ministério da Saúde (BE 08), e d) adotar medidas efetivas relacionadas à
fiscalização para garantir o cumprimento das normas proibitivas.

Em breve resumo, pleito autoral fundamentava-se no fato


de que o Município de Ribeira do Pombal-BA flexibilizou a abertura do comércio,
permitindo o funcionamento das atividades não-essenciais, no momento em que o
município apresenta curva ascendente de infectados pelo COVID-19, com taxa média
de crescimento de 6% nos últimos cinco dias, sem que demonstrasse os critérios
técnicos que serviram de subsídio para tomada da decisão de afrouxamento das regras
de distanciamento social ampliado, bem assim por não estar conforme com as
orientações técnicas existentes, mormente aquelas expostas no Boletim
Epidemiológico nº 8, do Ministério da Saúde.

A inicial restou devidamente instruída com os autos


Procedimento Administrativo n. 249.9.57238/2020 – instaurado para acompanhar as
medidas adotadas pelos municípios de Ribeira do Pombal-BA e Banzaê-BA, para
prevenir a propagação do coronavírus e preparar os sistemas de saúde locais para o
seu enfrentamento -, em que se observa que o Município de Ribeira do Pombal-BA
estava se omitindo em apresentar os critérios e estudos técnicos que subsidiavam as
decisões de flexibilização das regras de distanciamento social ampliado; bem assim,
apresentou ainda cópias dos decretos municipais expedidos, nota e orientação
técnicas apresentados pelo Centro de Apoio e Defesa da Saúde – CESAU do Ministério
Público do Estado da Bahia, do Boletim Epidemiológico Nº 08, expedido pelo
Ministério da Saúde, Nota Pública emitida pela Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão – PFDC/MPF e uma análise dos boletim epidemiológicos produzidos pela
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia em que se observa que, ao tempo do
ajuizamento da ação, 01 de junho de 2020, existiam 21 (vinte e um) casos confirmados
na cidade1.

O MM. Juiz de Direito, no entanto, assim decidiu:


“EXTINGO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com fulcro no art. 487, I,
do Código de Processo Civil, para REJEITAR “PRIMA FACIE” A PRESENTE AÇÃO
CIVIL PÚBLICA e JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS AUTORAIS.”
1 HOJE ESSE NÚMERO JÁ SUBIU PARA 27 (VINTE E SETE), conforme se observa do Boletim
Epidemiológico Nº 71 - 03/06/2020, disponível em:
<http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/BOLETIM_ELETRONICO_BAHIAN_71___03
062020.pdf >, Acesso em 04 de junho de 2020
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Em breve resumo, verifica-se que tal decisão fora


fundamentada na “absoluta impossibilidade de o Poder Judiciário substituir o Poder
Executivo e o Poder Legislativo – instâncias estas adequadas para a discussão da
questão da flexibilização ou não das medidas de combate ao COVID-19 – no processo
de elaboração e execução de políticas públicas de defesa da saúde no que se refere à
pandemia do COVID-19”, tratando-se, assim, de nítida hipótese de error in
procedendo e in judicando, como será doravante especificado.

3. DAS RAZÕES DO PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA (art.


1.010, III)
Inicialmente cabe apontar que, ao rejeitar “prima facie” a
presente ação, o Juízo de primeiro grau, em que pese ter fundamentado sua sentença
apenas no art. 487, I do CPC, que trata das hipóteses de extinção do processo com
julgamento do mérito, utilizou-se também, data venia, equivocadamente, do instituto
jurídico da improcedência liminar do pedido.

Este instituto, previsto no art. 332 do CPC, permite ao


órgão julgador que antecipe o julgamento definitivo do mérito a momento anterior à
citação do réu da ação, nas causas que dispensem a fase instrutória, em cognição
exauriente do pedido principal do demandante, pela ocorrência das hipóteses
previstas taxativamente no mencionado dispositivo, a saber: pedido contrário a
precedente obrigatório e reconhecimento ex officio de prescrição ou decadência.
Vejamos:

Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz,


independentemente da citação do réu, julgará liminarmente
improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do
Superior Tribunal de Justiça;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos
repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de
demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito
local.
§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o
pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou
de prescrição.
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Veja-se que, da intelecção dos autos, percebe-se, ao


mesmo tempo, a ausência de citação do demandado e a pretensão exauriente da
sentença ora impugnada: o juízo a quo, ao rejeitar o pedido do ora apelante “prima
facie”, decretou a improcedência liminar do pedido.

Ocorre, entretanto, que uma breve análise da exordial


revela facilmente que na presente causa não incide qualquer das hipóteses acima
indicadas: inexiste qualquer enunciado sumular expedido pelo STF, STJ ou TJBA
acerca do tema, muito menos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou
pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, ou ainda
entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência, bem como decadência ou prescrição.

Como sobredito, o rol de hipóteses para a ocorrência da


improcedência liminar do pedido é taxativo, não cabendo ao magistrado, data venia,
utilizar-se do instituto com base em hipótese não prevista em lei. Ao juiz não é dado
nem mesmo fazê-lo em casos de manifesta improcedência da ação, como bem
apontado pela doutrina de Fredie Didier Jr.2:

O art. 332 do CPC não prevê expressamente a possibilidade de


rejeição liminar do pedido em situação atípica.
Surge, então, a seguinte dúvida: pode o juiz, antes de citar o
réu, julgar liminarmente improcedente pedido, em situações
atípicas, consideradas como de manifesta improcedência? Alguns
exemplos: demanda para reconhecimento de usucapião de bem
público, pedir autorização para matar alguém ou determinar que
o Brasil declare guerra aos EUA; também serve de exemplo o
pedido que contrarie expressamente texto normativo não
reputado inconstitucional.
O CPC atual não possui um dispositivo que permita,
genericamente, que o juiz rejeite liminarmente demandas assim.
Em casos tais, teria o juiz de determinar a citação do réu, e, no
julgamento antecipado do (art. 355, CPC), resolver o mérito da
causa. Não há uma válvula de escape. [grifamos]

Este é, também, o entendimento dos tribunais pátrios.


Vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA - IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO


PEDIDO - IMPOSSIBILIDADE FORA DAS HIPOTESES LEGAIS. 1-
O mandado de segurança é meio processual adequado à
proteção de direito líquido e certo, violado ou na iminência de
ser violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública, não

2 DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e
processo de conhecimento. 19 ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017, pp. 679/680.
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amparado por "habeas corpus" ou "habeas data", cuja


comprovação não dependa de dilação probatória; 2- Direito
líquido e certo deve ser entendido como aquele que
independerá de dilação probatória, ou seja, cujos fatos restarem
comprovados documentalmente na inicial; 3- Inadmite-se a
improcedência liminar do pedido fora das hipóteses previstas na
Lei (CPC/73, art. 285-A e CPC/15, art. 332), sobretudo quando
há questão de fato a ser apreciada; 4- Sentença cassada.(TJ-MG -
AC: 10479150189336001 MG, Relator: Renato Dresch, Data de
Julgamento: 16/02/2017, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 21/02/2017) [grifamos]
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---
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO -
INTIMAÇÃO PARA APRESENTAR COMPROVANTE DE
PAGAMENTO DO CUSTO DO SERVIÇO BANCÁRIO - INÉRCIA
DA PARTE AUTORA - AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR -
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO -
IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DO PEDIDO - ERRO DA SENTENÇA
- ENTENDIMENTO DO STJ. 1- A orientação da jurisprudência do
STJ, consolidada no REsp 1.349.453/MS, julgado sob a ótica de
recurso repetitivo (art. 543-C, do CPC), é que para a propositura
de ação cautelar de exibição de documentos é necessário que a
parte autora comprove, concomitantemente: a) a existência de
relação jurídica entre as partes; b) o prévio pedido à instituição
financeira não atendido em prazo razoável ; c) pagamento do
custo do serviço conforme previsão contratual e normatização
da autoridade monetária. 2- Ausentes os requisitos para
propositura da ação de exibição de documento, a extinção do
processo, sem resolução do mérito, por ausência de interesse de
agir é à medida que se impõe. 3- A improcedência liminar do
pedido somente ocorre nos casos previstos em lei, não cabendo
ao magistrado ampliar o rol estabelecido ou reinterpretar o
entendimento dos tribunais superiores.(TJ-MG - AC:
10000180958522001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data
de Julgamento: 10/12/0018, Data de Publicação: 18/01/2019)
[grifamos]
---------------------------------------------------------------------------------------
---
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE
RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. AFIRMAÇÃO DE COBRANÇA
INDEVIDA A TÍTULO DE TARIFAS, JUROS REMUNERATÓRIOS
E CAPITALIZAÇÃO. TESE DE INÉPCIA DA INICIAL. NÃO
CONHECIDA. INTERESSE AUSENTE. IMPROCEDÊNCIA
LIMINAR DO PEDIDO. NÃO CABIMENTO NO CASO
CONCRETO. REQUISITOS DO ART. 332 DO CPC. NÃO
PREENCHIDOS. ROL TAXATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA.
CONFIGURADO. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS
AO JUÍZO DE ORIGEM. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E,
NA PARTE CONHECIDA, PROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível -
0003890-96.2018.8.16.0194 - Curitiba - Rel.: Desembargador
Fernando Ferreira de Moraes - J. 25.11.2019)(TJ-PR - APL:
00038909620188160194 PR 0003890-96.2018.8.16.0194 (Acórdão),
Relator: Desembargador Fernando Ferreira de Moraes, Data de
Julgamento: 25/11/2019, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação:
25/11/2019) [grifamos]
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Ademais, cumpre ainda apontar que, ainda que o


magistrado de primeiro grau intentasse julgar antecipadamente o mérito com base no
art. 355, I, do CPC, por entender desnecessária a produção de outras provas, tal
medida se revelaria igualmente equivocada.

A uma, porque teria sido proferida em fase inoportuna, eis


que a referida faculdade é aplicável ao fim da fase postulatória; a duas, porque a
citada hipótese traz como requisito a desnecessidade de instrução probatória, o que
também se revela inapropriado, dada a necessidade de comprovação dos fatos
trazidos à apreciação judicial, especificamente no que se refere à existência, ou não,
de critérios técnicos científicos na tomada da decisão da administração pública, os
quais deveriam ser apresentados pela parte ré ao ser acionada.

De se ver, portanto, que não há qualquer base legal que


ampare a decisão de extinção prima facie da presente ação, que não tem amparo em
nenhuma hipótese normativa, sem ter exercido o controle do ato administrativo
guerreado – o qual, tal como demonstrado, é lesivo à saúde pública do município de
Ribeira do Pombal-BA –, a fim de verificar se aquele está em conformidade aos
ditames constitucionais acerca da matéria.

Logo, observa-se que o decisum ora guerreado, ao julgar


precocemente a demanda, extinguindo-a em situação não prevista legalmente, acaba
por incorrer em error in procedendo, fazendo surgir a necessidade de decretação de
nulidade da sentença, o que de logo já se pede, ao ferir o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional e o princípio do direito de ação (art. 5º,
XXXV, CF), bem como o princípio do devido processo legal.

4. DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA

Elencados os motivos pelos quais a sentença ora


vergastada merece ter sua nulidade declarada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado da Bahia, cabe-nos tecer os fundamentos pelos quais, subsidiariamente, em
mero atendimento ao princípio da eventualidade, pede-se também a reforma do
decisum, caso o douto Tribunal não lhe reconheça seus vícios, hipótese distintamente
remota.
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Pois bem. O Ministério Público comunga das preocupações


tecidas pelo juízo de piso no que se refere aos excessos do que se convencionou
conceituar de “ativismo judicial”, representada pela interferência indevida do judiciário
em questões de natureza que seriam eminentemente de cunho político.

No entanto, conforme demonstra a seguir, a presente ação


pretende a tutela judicial de um direito fundamental de cunho coletivo, ou seja,
buscou cessar a lesão à saúde coletiva dos munícipes de Ribeira do Pombal-BA a
qual, aparentemente, decorreu de um ato administrativo tomado sem qualquer
embasamento técnico-científico.

Desse modo, por certo que a prestação judicial pretendida


em nada fere a separação dos poderes, vez que é função inerente do Poder Judiciário,
mormente diante do desenho constitucional que lhe foi traçado pela Constituição
Federal vigente, a de garantir a proteção efetiva dos direitos fundamentais.

Nesse ponto, cabe trazer à baila o próprio excerto


doutrinário utilizado como fundamento na sentença terminativa:

No constitucionalismo contemporâneo, a significativa mudança


no papel do Estado, que passou a intervir de forma muito mais
intensa nas relações sociais e econômicas, levou a uma crise no
princípio da separação dos poderes. Afinal, conter ao máximo o
Estado pode não ser a melhor estratégia, se o que se pretende
não é o Estado mínimo e absenteísta, mas sim poderes públicos
que atuem energicamente em prol dos direitos fundamentais e
interesses sociais relevantes. Porém, ao invés de simplesmente
abandoná-lo, o novo constitucionalismo adotou leitura renovada
do princípio da separação de poderes, aberta a arranjos
institucionais alternativos, desde que compatíveis com os valores
que justificam tal princípio. Tais valores, por outro lado, foram
enriquecidos por novas preocupações, que vão além da
contenção do poder, envolvendo a legitimação democrática do
governo, A EFICIÊNCIA DA AÇÃO ESTATAL E A SUA APTIDÃO
PARA A PROTEÇÃO EFETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
(grifos nossos).

Tal concepção, por sua vez, é acolhida pelo Supremo


Tribunal Federal que, por reiteradas vezes, reconheceu a possibilidade de controle
dos atos administrativos, nas hipóteses em que estes violarem qualquer direito de
natureza fundamental. Vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM


AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE
FAZER. TRANSPORTE ESCOLAR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE
DE REEXAME DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

OFENSA REFLEXA AO TEXTO CONSTITUCIONAL.


DESPROVIMENTO. 1. É firme o entendimento deste Tribunal de
que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada
violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a
implementação de políticas públicas em defesa de direitos
fundamentais. 2. Para se chegar a conclusão diversa daquela a
que chegou o Tribunal de origem, quanto à responsabilidade do
Estado na regularização do transporte escolar na zona rural,
seria necessário o reexame da legislação aplicável à espécie,
providência inviável em sede de apelo extremo. 3. Agravo
regimental a que se nega provimento, com previsão de
aplicação da multa prevista nos arts. 81, § 2º e 1.021, § 4º, do
CPC. (STF - AgR ARE: 1071451 AC - ACRE 0000162-
59.2012.8.01.0005, Relator: Min. EDSON FACHIN, Data de
Julgamento: 24/05/2019, Segunda Turma, Data de Publicação:
DJe-142 01-07-2019)
---------------------------------------------------------------------------------------
---
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. ENSINO ESPECIAL.
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. OFENSA AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA.
NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA
279 DO STF. DESPROVIMENTO. 1. É firme o entendimento
deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique
configurada violação ao princípio da separação dos Poderes,
determinar a implementação de políticas públicas em defesa de
direitos fundamentais. 2. Para se chegar a conclusão diversa
daquela a que chegou o Tribunal de origem, quanto às
necessidades especiais dos autores e à fixação da proporção
numérica de professor/aluno por sala de aula, seria necessário o
reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da
Súmula 279 do STF. 3. Agravo regimental a que se nega
provimento, com previsão de aplicação da multa prevista nos
arts. 81, § 2º e 1.021, § 4º, do CPC. (STF - AgR RE: 1060961 DF -
DISTRITO FEDERAL 0046369-05.2008.8.07.0001, Relator: Min.
EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 29/04/2019, Segunda
Turma, Data de Publicação: DJe-093 07-05-2019)

Pelo que se observa, portanto, a leitura contemporânea do


princípio da separação dos poderes, mormente em face de um Estado Democrático de
Direito, autoriza a atuação judicial nas hipóteses em que o ato administrativo viole
determinado direito fundamental, como forma de dar plena eficácia a estes.

Dito isso, observa-se que, tal como demonstrado nos autos


do procedimento anexo à exordial, o Município de Ribeira do Pombal-BA, diante do
aumento exponencial dos casos de contaminados por COVID-19 em seu território,
não tem demonstrado que as medidas de enfrentamento até então adotadas foram
tomadas com base em fundamentos técnicos e evidências científicas que garantissem
um razoável grau de segurança sanitária aos seus munícipes.
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Em sendo assim, não obstante tenham os Municípios a


competência para adotar a disciplina das medidas de enfrentamento à pandemia do
novo coronavírus que mais se adequem às características locais, a adoção de tais
providências não prescinde de fundamentação técnico-científica.

Neste sentido, dispõe o §1º do art.º 3 da Lei Federal nº


13.979/2020, in verbis:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de


importância internacional decorrente do coronavírus, as
autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências,
dentre outras, as seguintes medidas:
[...]
§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser
determinadas com base em evidências científicas e em análises
sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser
limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à
promoção e à preservação da saúde pública. [grifamos]

Vê-se, portanto, que os decretos municipais que


disciplinam as medidas de enfrentamento da pandemia de COVID-19 - especialmente
aqueles que contenham medidas de flexibilização do distanciamento social - devem
ter por espeque evidências técnicas, ainda que se observe ao gestor local a
prerrogativa da discricionariedade do mérito administrativo.

Tal condicionante, entretanto, não é desacompanhada. A


ela se conjuga ainda outra, corolário do princípio da proporcionalidade: as medidas
adotadas devem guardar pertinência com a situação epidemiológica vivenciada pelo
Município.

É como determina o §3º do art. 3º do Decreto Estadual nº


19.529/2020, literal:

Art. 3º - Para o enfrentamento da emergência de saúde a que se


refere o art. 1º deste Decreto, poderão ser adotadas as seguintes
medidas:
[...]
§ 3º - A adoção das medidas para viabilizar o tratamento ou
obstar a contaminação ou a propagação do coronavírus deverá
guardar proporcionalidade com a extensão da situação de
emergência. [grifamos]
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Neste passo, indaga-se: quais foram as evidências


científicas e as informações estratégicas em saúde adotadas pelo Município de Ribeira
do Pombal-BA para tomada de decisão em relaxar as medidas de distanciamento
social ampliado? Quais os fundamentos e parâmetros técnicos que tem amparado tais
decisões?

Veja-se que, antes do ajuizamento da presente ação, este


órgão ministerial por reiteradas vezes questionou o citado ente administrativo
solicitando-lhes os fundamentos técnicos de sua decisão, tendo como resposta apenas
o silêncio.

Resta claro que o objetivo da presente ação não é o de


adentrar no mérito administrativo da decisão do poder executivo municipal em relaxar
ou recrudescer as medidas de enfrentamento à pandemia de COVID-19, mas sim
garantir que estas sejam tomadas de acordo com critérios científicos e técnicos e que
não sejam fruto de pressões políticas exercidas a partir de interesses privados,
mormente diante da magnitude dos interesses coletivos em jogo.

Desse modo, foi como reconheceu o Supremo Tribunal


Federal, ao definir as diretrizes a serem adotadas pelos entes federativos no que se
refere às medidas de combate ao COVID-19:

1 – cuidar da saúde pública é competência comum da União,


dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por força do
art. 23, II, da Constituição Federal.3
2 – legislar sobre defesa da saúde é competência concorrente da
União, dos Estados e do Distrito Federal, por força do art. 24,
“caput” e XII, da Constituição Federal.4
3 – a competência dos municípios para legislar sobre assuntos
de interesse local, prevista no art. 30, I, está constitucionalmente
garantida, mas não afasta a incidência das normas estaduais e
federais expedidas com base na competência concorrente.5
4 – a competência da União para tratar de transporte
internacional e interestadual, bem como a dos municípios, no
caso do transporte local. De forma residual, compete aos
estados explorar serviços de transporte intermunicipal,
autorizando, assim, a Carta que cada ente federado regule a
matéria de maneira a atender suas peculiaridades, não de forma
linear, não havendo que se falar em concorrência, hierarquia ou
subordinação entre eles (modelo horizontal). 6
5 - a adoção de medidas restritivas relativas à locomoção e ao
transporte, por qualquer dos entes federativos, DEVE ESTAR
3 RE 855.178/SE
4 ADI 2.875/DF
5 RE 474.922/SC
6 Referendo na MC da ADI 6.43/DF (voto-vista do Ministro Dias Toffoli)
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

EMBASADA EM RECOMENDAÇÃO TÉCNICA FUNDAMENTADA


DE ÓRGÃOS DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA E TEM DE
PRESERVAR O TRANSPORTE DE PRODUTOS E SERVIÇOS
ESSENCIAIS, assim definidos nos decretos da autoridade
federativa competente.7
6 – está assegurada a COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS
GOVERNOS ESTADUAIS E DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS
GOVERNOS MUNICIPAIS, cada qual no exercício de suas
atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a
adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente
permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de
distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de
atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais
e à circulação de pessoas, entre outras, INDEPENDENTEMENTE
DE SUPERVENIENCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO
CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA
UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território
nacional, caso entenda necessário (grifos nossos). 8
Desse modo, no cenário atual de pandemia, no qual pouco
se sabe a respeito do novo coronavírus, agente etiológico causador de COVID-19, mas
muito a respeito de seus efeitos danosos à saúde do ser humano, a discricionariedade
do mérito administrativo acaba sendo mitigada na ponderação com a necessidade de
fundamentação técnica para a edição de atos normativos, procedimento realizado
abstratamente em lei, conforme demonstrado nas linhas acima.

Se os gestores públicos emitem atos administrativos em


desconformidade com a mencionada exigência, prevista no art. 3º, §1º da Lei Federal
nº 13.979/2020, os limites da discricionariedade administrativa acabam sendo
extrapolados, tornando ilegais as disposições decorrentes desta extrapolação, o que
faz surgir, consequentemente, a possibilidade de controle jurisdicional. Assim sendo,
os representantes do Poder Executivo devem se guiar sobretudo pelas orientações de
autoridades sanitárias ao editar atos decisórios, ou poderão tomar decisões
flagrantemente prejudiciais à saúde pública.

Neste sentido, indica-se que, para além da patente


ilegalidade dos atos normativos que não observam as recomendações técnico-
científicas a respeito da pandemia, a flexibilização irrefreada das medidas de
enfrentamento, como a contida no Decreto ora impugnado, desrespeita duas normas
cuja aplicação se revela especialmente necessária na presente situação de calamidade
na saúde pública e coletiva: os princípios da prevenção e da precaução.

Estes princípios, considerados conjuntamente, indicam, em


breve resumo, que, sabendo-se da prejudicialidade de certas atividades para a saúde

7 ADI 6.343
8 ADPF 672
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

pública, ou havendo incerteza científica a respeito da adoção de qualquer medida


potencialmente danosa ao meio ambiente e à saúde coletiva, a questão posta em
análise deve ser decidida em favor do bem estar social, oferecendo-se a proteção aos
bens jurídicos mais ampla possível, evitando-se, então, a realização de tais práticas.

Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal,


inclusive em casos relativos à pandemia de COVID-19:

DIREITO CONSTITUCIONAL E SANITÁRIO. ARGUIÇÕES DE


DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. SAÚDE
PÚBLICA E COVID-19. CAMPANHA PUBLICITÁRIA APTA A GERAR
GRAVE RISCO À VIDA E À SAÚDE DOS CIDADÃOS. PRINCÍPIOS
DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO. CAUTELAR DEFERIDA. 1.
Arguições de descumprimento de preceito fundamental contra a contratação
e veiculação de campanha publicitária, pela União, afirmando que “O Brasil
Não Pode Parar”, conclamando a população a retomar as suas atividades e,
por conseguinte, transmitindo-lhe a impressão de que a pandemia mundial
(COVID-19) não representa grave ameaça à vida e à saúde de todos os
brasileiros. 2. As orientações da Organização Mundial de Saúde, do
Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina, da Sociedade
Brasileira de Infectologia, entre outros, assim como a experiência dos
demais países que estão enfrentando o vírus, apontam para a
imprescindibilidade de medidas de distanciamento social voltadas a
reduzir a velocidade de contágio e a permitir que o sistema de saúde seja
capaz de progressivamente absorver o quantitativo de pessoas infectadas. 3.
Plausibilidade do direito alegado. Proteção do direito à vida, à saúde e à
informação da população (art. 5º, caput, XIV e XXXIII, art. 6º e art. 196,
CF). Incidência dos princípios da prevenção e da precaução (art. 225,
CF), que determinam, na forma da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, que, na dúvida quanto à adoção de uma medida sanitária, deve
prevalecer a escolha que ofereça proteção mais ampla à saúde. (STF.
ADPF nº 669, Relator: Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, Data de
Julgamento: 31/03/2020. Publicação: 03/04/2020) [grifamos]

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADMINISTRATIVO


E AMBIENTAL. MEDIDAS DE CONTENÇÃO DAS DOENÇAS
CAUSADAS PELO AEDES AEGYPTI. [...] ARTIGO 1º, §3º, INCISO IV
DA LEI N. 13.301, DE 27 DE JUNHO DE 2016. PERMISSÃO DA
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

INCORPORAÇÃO DE MECANISMOS DE CONTROLE VETORIAL POR


MEIO DE DISPERSÃO POR AERONAVES MEDIANTE APROVAÇÃO
DAS AUTORIDADES SANITÁRIAS E DA COMPROVAÇÃO
CIENTÍFICA DA EFICÁCIA DA MEDIDA. POSSIBILIDADE DE
INSUFICIÊNCIA DA PROTEÇÃO À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE.
VOTO MÉDIO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.
ARTIGOS 225, §1º, INCISOS V E VII, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. INAFASTABILIDADE DA APROVAÇÃO PRÉVIA DA
AUTORIDADE SANITÁRIA E DA AUTORIDADE AMBIENTAL
COMPETENTE. ATENDIMENTO ÀS PREVISÕES
CONSTITUCIONAIS DO DIREITO À SAÚDE, AO MEIO
AMBIENTE EQUILIBRADO E AOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO
E DA PREVENÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO. 1. Apesar
de submeter a incorporação do mecanismo de dispersão de substâncias
químicas por aeronaves para combate ao mosquito transmissor do vírus da
dengue, do vírus chikungunya e do vírus da zika à autorização da autoridade
sanitária e à comprovação de eficácia da prática no combate ao mosquito, o
legislador assumiu a positivação do instrumento sem a realização prévia de
estudos em obediência ao princípio da precaução, o que pode levar à
violação à sistemática de proteção ambiental contida no artigo 225 da
Constituição Federal. 2. A previsão legal de medida sem a demonstração
prévia de sua eficácia e segurança pode violar os princípios da
precaução e da prevenção, se se mostrar insuficiente o instrumento para
a integral proteção ao meio ambiente equilibrado e ao direito de todos à
proteção da saúde. 3. [...] 4. Em atendimento aos princípios da precaução e
da prevenção, bem como do direito à proteção da saúde, portanto, confere-se
interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, ao disposto no
inciso IV do §3º do artigo 1º da Lei nº 13.301/2016, para fixar o sentido
segundo o qual a aprovação das autoridades sanitárias e ambientais
competentes e a comprovação científica da eficácia da medida são condições
prévias e inafastáveis à incorporação de mecanismos de controle vetorial por
meio de dispersão por aeronaves, em atendimento ao disposto nos artigos
225, §1º, incisos V e VII, 6º e 196 da Constituição da República. 5. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (STF. ADI
5.592. Relator do Acórdão: Ministro EDSON FACHIN. Data de Julgamento:
11/09/2019. Publicação: 10/03/2020) [grifamos]
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

E é também esta a linha de raciocínio utilizada, atualmente,


em jurisprudência, para o controle de decretos municipais que autorizam o
funcionamento de atividades econômicas indiscriminadamente:

Destarte, se no presente momento, alguma pessoa acometida de


covid-19, ou mesmo de algum acidente grave, necessitar de UTI
do Hospital Dirceu Arcoverde-HEDA, a mesma não poderá se
utilizar de tais recursos, face a indisponibilidade do sistema de
saúde. Fazendo por necessário, em face do grave quadro de
saúde pública, aplicar-se dois importantes princípios, tão já
debatidos no Direito ambiental, a saber, os princípios da
precaução e da prevenção, tudo com o fito maior de evitar o
colapso de um sistema que já encontra-se exaurido e proteger o
maior número de vidas humanas, neste momento de crise global.
Assim sendo, face a necessidade de se resguardar a saúde
pública Municipal, evitando que a mesma entre em colapso,
diante do surgimento de novos casos de covid-19, bem como,
diante da manutenção dos requisitos elencados no art. 300, do
NCPC, defiro, novamente, os pedidos de tutela de urgência para:
a) determinar a imediata suspensão da aplicação, a contar da
intimação, do Decreto Municipal nº 471/2020, de 26/03/2020,
que autorizou o funcionamento do comércio no município de
Parnaíba, até posterior disposição do Governo do Estado sobre a
matéria narrada, através de ato respectivo, devendo, durante este
período, os requeridos respeitarem as disposições do Decreto
Federal nº 10.282, de 20/03/2020 e Decreto Estadual nº 18.902,
de 23/03/2020; b) determinar, ainda, a obrigação de não fazer, a
fim de que o Município de Parnaíba abstenha-se de autorizar
nova abertura do comércio, a contar da intimação da presente
decisão; [grifos nossos e do original] (TJPI – 4ª Vara Cível da
Comarca de Parnaíba. ACP 0800930- 16.2020.8.18.0031. Decisão
Liminar. Juiza ANNA VICTORIA MUYLAERT SARAIVA
CAVALCANTI DIAS)
Em que pese de 1º grau, a decisão acima colacionada fora
mantida pela Ministra Rosa Weber na Reclamação Constitucional 40.130/PI, nos
seguintes termos:

11. Da leitura pontual da obrigação de não fazer, poder-se-ia


cogitar que o ato judicial reclamado, ao proibir o Município de
emitir decretos dissonantes da norma estadual, poderia ter
negado a competência comum administrativa do Município de
Parnaíba para legislar sobre saúde, em descompasso com o que
decidido por este Supremo Tribunal Federal no parâmetro da
ADI nº 6.341-MC, aparentemente realizando controle preventivo
e repressivo de um decreto que sequer foi editado. 12. Todavia,
diante do contexto decisório, os dois comandos exarados pelo
juízo de origem devem ser lidos conjuntamente. Dessa forma,
não há outra conclusão senão a de que a tese do aparente
controle material preventivo e repressivo - na obrigação de não
fazer imposta - cede diante da fundamentação autônoma e
suficiente da decisão reclamada, com aptidão de sobejo para
que esta seja mantida, qual seja, o caráter prematuro do retorno
às atividades comerciais sem observância de quaisquer medidas
concomitantes de saúde, à luz (i) dos princípios da precaução e
da prevenção, (ii) das recomendações da Organização Mundial
de Saúde e (iii) dos pareceres das sociedades médicas no
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

combate à disseminação comunitária da Covid-19, bem como


em razão (iv) da ausência de leitos em hospital no Município.
13. Nestes termos, a autoridade reclamada, a rigor, realizou
controle material do decreto municipal à luz das premissas
fáticas de origem, pelo que não se constata afronta ao que
decidido na ADI nº 6.341-MC. [...] 24. Ante o exposto, com
fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento à
presente reclamação, prejudicado o pedido de medida liminar.
[grifos nossos e do original]

Mesmo entendimento é esposado na decisão exarada pelo


Tribunal de Justiça de São Paulo, abaixo replicada:

Veja que, em princípio, na forma decidida pela decisão


agravada, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a
competência dos Municípios, Estados e União é concorrente.
Portanto, as disposições determinadas pelos Municípios devem
observar as normas estaduais, podendo suplementá-las. O
Decreto Estadual nº 64.946/2020 não considerou apenas as
características da capital do Estado, como afirmado, mas sim do
Estado de São Paulo como um todo. Ademais, por ora, os
argumentos deduzidos pelo Município Agravante e documentos
juntados não comprovam a necessidade premente de adoção de
medidas diversas daquelas determinadas pelo Decreto Estadual
mencionado, inexistindo perigo de lesão grave e de difícil
reparação. Por outro lado, a permissão de funcionamento dos
estabelecimentos privados de serviços e atividades não
essenciais que realizem atendimento presencial, a partir de 22
de abril de 2020, poderá representar risco à saúde pública, na
medida em que favorece a disseminação do contágio do Codiv-
19 (coronavírus), causador da pandemia enfrentada por todos,
inclusive pelo Município de Limeira. [grifamos] (TJSP. AI
2074564-18.2020.8.26.0000. 4ª Câmara de Direito Público.
Relatora: Desa. ANA LIARTE. Dje, 28/04/2020)

Também mantida pela Ministra do STF Rosa Weber, com


entendimento idêntico, na RCL 40.366/SP:

11. Da leitura pontual da obrigação de fazer, poder-se-ia cogitar


que o ato judicial reclamado, ao manter a determinação ao
Município para que cumpra a norma estadual, poderia ter
negado a competência comum administrativa para legislar sobre
saúde. 12. Todavia, diante do contexto decisório, os dois
comandos exarados pelo juízo de origem devem ser lidos
conjuntamente. Dessa forma, não há outra conclusão senão a de
que a tese da aparente negativa de competência municipal - na
obrigação de fazer imposta - cede diante da fundamentação
autônoma e suficiente da decisão reclamada, com aptidão de
sobejo para que esta seja mantida, à luz (i) da ausência de
comprovação da necessidade premente de adoção de medidas
diversas daquelas determinadas pelo Decreto Estadual
mencionado, inexistindo perigo de lesão grave e de difícil
reparação e (ii) do risco reverso no caso dos autos, que militaria
em favor da saúde pública, acaso houvesse eventual permissão
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

de funcionamento de atividades não essenciais. 13. Nestes


termos, a autoridade reclamada, a rigor, não negou a
competência municipal para dispor sobre medidas em razão da
saúde, mas sim realizou controle material do decreto municipal
à luz das premissas fáticas de origem, pelo que não se constata
afronta ao que decidido na ADI nº 6.341-MC. [...] 24. Ante o
exposto, com fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF, nego
seguimento à presente reclamação, prejudicado o pedido de
medida liminar [grifos nossos e do original]

E, ainda, em outra decisão exarada por juízo de primeiro


grau, vinculado ao Tribunal de Justiça de São Paulo:

Todavia, é fato público e notório (artigo 374, inciso I, do Código


de Processo Civil), tendo sido inclusive veiculado pela imprensa
local (fls. 79/80), que o Chefe do Poder Executivo, através de
"Comitê de Enfrentamento ao Covid-19", cogita o retorno, em
data próxima (1º de abril de 2020, como noticiado), de serviços
e atividades considerados não essenciais. Tal situação traduz o
periculum in mora que constitui o pressuposto para a concessão
da tutela de urgência almejada. O anúncio da possível
reabertura, para o público em geral, de serviços e atividades
essenciais, com os possíveis riscos à saúde e à vida da
população mariliense, motivou a subscrição de documento por
entidades marilienses e profissionais ligados à área médica e de
saúde, intitulado "Em Defesa da Vida" (fls.81/85). Não há como
negar relevância aos argumentos técnicos considerados no
documento de fls. 81/85, nem tampouco ao Protocolo de
Tratamento do Novo Coronavírus no âmbito do Ministério da
Saúde (fls.26/56), ou mesmo ao Plano de Contingência Regional
para o Enfrentamento do COVID-19 no âmbito da DRS9 –
Marília (fls.89/120). [...] Nessa linha de ideias, assiste razão ao
Ministério Público do Estado de São Paulo ao sustentar que, na
hipótese de antinomia entre as disposições do Decreto
Municipal e o Decreto editado pelo Poder Executivo Estadual,
deve prevalecer este último. [...] Permitir-se a disciplina de
quarentena e outras medidas de restrição à abertura de comércio
ao público em geral em cada um dos 645 municípios do Estado
de São Paulo significa, na prática, nulificar a tomada de ações no
combate à pandemia, que deve ser regionalizada , de sorte a
abranger toda a base territorial bandeirante. [...] (TJSP – Vara da
Fazenda Pública de Marília. ACP 1003738-19.2020.8.26.0344,
Sentença. Juiz WALMIR IDALÊNCIO DOS SANTOS CRUZ, DJe
30/04/2020) [grifamos]

Cujos efeitos manteve o STF, na RCL 40.426/SP, de


relatoria da Ministra Cármen Lúcia:

RECLAMAÇÃO. DECRETO DO ESTADO DE SÃO PAULO N.


64.881/2020: MEDIDAS RESTRITIVAS A SEREM ADOTADAS NO
COMBATE À COVID-19. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA
MUNICÍPIO: ALEGADA RETOMADA DE SERVIÇOS E
ATIVIDADES NÃO ESSENCIAIS. APONTADO
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

DESCUMPRIMENTO DE DECISÕES PROFERIDAS NA


ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL N. 672/DF E NAS AÇÕES DIRETAS DE
INCONSTITUCIONALIDADE NS. 6.341/DF E 4.102/RJ E DA
SÚMULA VINCULANTE N. 38 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. TEORIA
DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES: INAPLICABILIDADE.
IMPOSSIBILIDADE DE SE UTILIZAR RECLAMAÇÃO COMO
SUCEDÂNEO DE RECURSO: PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO À
QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Por certo, face à linha de raciocínio acima exposta, tem-se


por plenamente cabível a tutela jurisdicional pretendida, diante da existência de ato
administrativo lesivo ao direito fundamental à saúde da população pombalense
praticado pelo Município de Ribeira do Pombal-BA, o qual, violando os princípios da
prevenção e precaução, tem adotado medidas de relaxamento do distanciamento
social ampliado sem apresentar qualquer embasamento técnico científico, o que revela
sua ilegalidade, e demonstra-se especialmente preocupante no preciso momento em
que os casos de contaminação de COVID-19 em seu território tem aumentado
exponencialmente.

Note-se, para conhecimento, que até a data de 04/06/2020


o Estado da Bahia contava com o total de 23.463 (vinte e três mil, quatrocentos e
sessenta e três) casos confirmados de COVID-19 9, dos quais 27 (vinte e sete) se deram
no Município de Ribeira do Pombal, que, inclusive, já registrou óbito em decorrência
da referida patologia. Considerando-se que impera, em todo território nacional, a
transmissão comunitária10, a flexibilização das normas de distanciamento social no
município, além de ilegal, demonstra-se da mais alta prejudicialidade.

Registre-se, outrossim, que os dados acima indicados são


aqueles oficiais, que intentam a maior aproximação possível da realidade. Ocorre,
entretanto, que, como se sabe, nem todos os casos suspeitos são confirmados, e a
possibilidade de falsos negativos é patente. Há diversas informações a respeito da
subnotificação de COVID-19 em todo território nacional, o que significa que, em
verdade, o número real de pessoas infectadas no país, e no Estado da Bahia, é muito
maior do que o contabilizado atualmente.11

9 Boletim Epidemiológico SESAB nº 72 – 04/06/2020. Disponível em: http://www.saude.ba.gov.br/wp-content/


uploads/2020/06/BOLETIM_ELETRONICO_BAHIAN_72___04062020-1.pdf. Acesso em 05/06/2020.
10 Portaria nº 454/2020, do Ministério da Saúde.
11 Neste sentido, cf.: CNN BRASIL. Mesmo com subnotificação crônica, Brasil tem a 2ª maior velocidade de
infecção: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/04/30/mesmo-com-subnotificacao-cronica-brasil-tem-2-
maior-velocidade-de-infeccao
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

Assim, a falta de embasamento técnico científico no ato


administrativo até então adotado pelo Município, e a evidente lesão ao direito à saúde
que tal ato ocasiona, autoriza o Poder Judiciário, como guardião maior da Constituição
e dos Direitos Fundamentais, a declarar a anulação do ato lesivo, determinando
concomitantemente que o ente federado adote as medidas que tem se mostrado, com
base em evidências científicas já demonstradas, as mais adequadas para o momento
vivenciado, até que sobrevenha novo ato administrativo amparado em razões técnicas
e pareceres sanitários, substituindo-o.

De outro lado, é valioso destacar ainda que, não obstante


seja relevante se perquirir posteriormente a responsabilidade do gestor por agir sem
base técnico-científica, por certo que a tutela judicial que ora se pleiteia, que em nada
fere o princípio da separação dos poderes, pode evitar ou retardar a contaminação de
várias pessoas e contribuir para que se evite a sobrecarga do sistema público de
saúde, poupando-se, por certo, inúmeras vidas, cuja proteção deve ser o objetivo
maior a ser alcançado por toda e qualquer esfera de atuação estatal, nela incluindo o
Judiciário.

Pelo exposto, pede-se, subsidiariamente ao pedido de


anulação da sentença ora guerreada, a reforma do decisum, para se declarar a
invalidade do Decreto Municipal nº 44/2020, do Município de Ribeira do Pombal,
pelas razões acima explicitadas, determinando-se, ainda, a abstenção do gestor
municipal em adotar nova disciplina que flexibilize as medidas de distanciamento
social no Município, sem o fundamento técnico-científico para tanto.

5. DO PEDIDO (art. 1.010, IV):

Destarte, resta mais do que evidenciado neste recurso que


houve máculas processuais na condução do feito capazes de invalidar, de modo
inexorável, a sentença farpeada, requerendo o Ministério Público do Estado da Bahia
INFOMONEY: Casos de Covid-19 no Brasil já passam de 5 milhões, segundo estudos; entenda por que a
subnotificação no país e tão alta: https://www.infomoney.com.br/economia/casos-de-covid-19-no-brasil-ja-
passam-de-5-milhoes-segundo-estudos-entenda-por-que-a-subnotificacao-no-pais-e-tao-alta/
FOLHA DE S. PAULO: Subnotificação de 6.000 mortes por coronavírus pode ter sido causada por falha em
testes: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/06/subnotificacao-de-6000-mortes-por-
coronavirus-pode-ter-sido-causada-por-falha-em-testes.shtml
A TARDE: Número de casos de Covid-19 na Bahia é quase 800% maior do que mostram dados oficiais, diz
estudo: http://coronavirus.atarde.com.br/numero-de-casos-de-covid-19-na-bahia-e-quase-900-maior-do-que-
mostram-dados-oficiais-diz-estudo/
CORREIO: Recorde de problemas respiratórios sugere subnotificação de coronavírus na Bahia:
https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/recorde-de-problemas-respiratorios-sugere-subnotificacao-de-
coronavirus-na-bahia/
1ª Promotoria de Justiça de Ribeira do Pombal-BA

que este Egrégio Tribunal de Justiça se digne a conhecer do presente apelo e lhe dê
provimento, anulando a sentença ID 58922454 e remetendo os autos para o juízo a
quo, para prolação de nova decisão.
Subsidiariamente, na remota hipótese de o douto Tribunal de
Justiça entender pela inexistência de mácula procedimental a ensejar a anulação do
decisum, pede o Parquet pela reforma da sentença, JULGANDO COMO
PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Nestes termos,
Pede e espera deferimento.
Ribeira do Pombal-BA, 08 de junho de 2020.

Alan Cedraz Carneiro Santiago


Promotora de Justiça

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