2014DiegoMacieldeOliveira

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU


MESTRADO EM AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

SANEAMENTO BÁSICO E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM


ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE IMPERATRIZ/MA A PARTIR
DA ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES

Diego Maciel de Oliveira

Lajeado, junho de 2014


Diego Maciel de Oliveira

SANEAMENTO BÁSICO E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM


ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE IMPERATRIZ/MA A PARTIR
DA ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós


Graduação em Ambiente e Desenvolvimento,
do Centro Universitário UNIVATES, como
parte de exigência para obtenção do grau de
Mestre em Ambiente e Desenvolvimento.

Linha de pesquisa: Espaço e problemas


socioambientais

Orientadora: Prof. Dra. Júlia Elisabete Barden


Coorientador: Prof. Dr. Odorico Konrad

Lajeado, junho de 2014


Diego Maciel de Oliveira

SANEAMENTO BÁSICO E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM


ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE IMPERATRIZ/MA A PARTIR
DA ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES

A Banca examinadora abaixo aprova a Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Ambiente e Desenvolvimento, do Centro Universitário Univates, como parte
de exigência para a obtenção do grau de Mestre em Ambiente e Desenvolvimento, na área de
concentração espaço e problemas socioambientais.

Prof. Dra. Júlia Elisabete Barden


PPGAD/Univates

Prof. Dr. Odorico Konrad


PPGAD/Univates

Prof. Dra. Claudete Rempel


PPGAD/Univates

Prof. Dra. Ioná Carreno


UNIVATES

Prof. Dra. Dra. Izete Pengo Bagolin


PPGE/PUC-RS

Lajeado, junho de 2014


2,5 bilhões de pessoas não tem acesso ao saneamento básico no
mundo. Não posso resolver todos os problemas de vocês, mas estou
buscando compreendê-los. Dedico este trabalho a vocês.
AGRADECIMENTOS

Acredito que existe alguém mais poderoso que eu e que governa todas as coisas, por
isso agradeço a você, Deus Supremo dos Céus e da Terra, por me permitir concluir este
mestrado. Também agradeço a várias pessoas que estiveram juntas a mim nesta jornada tão
pesada, mas tão gratificante.
À minha esposa Janira que sempre me entendeu e me apoiou durante esses dois anos, e
ao Gustavo, meu filho, que aprendeu a andar e falar me vendo sentado à frente do computador
escrevendo. Também aos meus pais e meus irmãos. Giovanna e Alex, falar o que de vocês?
Vocês foram demais. Receberam-me durante todo esse tempo. Obrigado pelo suporte, pelos
churrascos, pizzas e pelos papos. Sou muito grato por ter amigos assim, verdadeiros.
À UNIVATES, uma das melhores instituições de ensino do país, em especial a equipe
do PPGAD. Aos professores do curso, com os quais eu aprendi com vocês que alguém pode
ser inteligente sem ser chato. A todos os colegas de turma. Aprendi um pouco com cada um.
Em especial à Elizangela, Claudionor, Rodrigo, Silvana, Patrícia, Zenicleia e Fernanda pelos
momentos de descontração.
Ao Marcelo, meu amigo e grande parceiro nessa caminhada. Te plagiando: fizemos
em dupla as duas dissertações! Você foi parceiro não só na etapa da pesquisa, mas durante
todo o curso, principalmente nas idas e vindas ao Sul.
Ao meu amigo Wellensohn que me ajudou bastante nas visitas de campo.
Finalmente, aos meus orientadores, Júlia e Odorico. Júlia o que você me ensinou vai
além da Abordagem das Capacitações. Obrigado pelos puxões de orelha. Odorico, sempre que
eu conversava com você minha mente se abria!
A todos vocês só tenho a dizer: Muito obrigado!
“Não basta conhecer a realidade é preciso transformá-la”
(Karl Marx)
RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar como a falta de saneamento básico priva a vida das
pessoas e como essas privações afetam suas liberdades. Para tal, foi realizado um estudo de
caso na Vila João Castelo, cidade de Imperatriz/Maranhão/Brasil. Foram entrevistadas 11
famílias e os dados foram analisados através da técnica de análise de conteúdo. Também se
fez uso da técnica de observação não participante para descrever a situação sanitária do bairro.
Investigou-se como as condições sanitárias nas quais os moradores vivem afetam capacitações
representativas do bem-estar, tais como saúde, educação, valores sociais, segurança e acesso
aos materiais básicos para a vida. O estudo permite considerar que as famílias estão sendo
privadas em todas as capacitações analisadas. A segurança pessoal tem sido muito afetada,
uma vez que as pessoas não são capazes de controlar o próprio ambiente nem ter segurança na
posse de seus bens. Observou-se que a falta de saneamento no bairro priva as pessoas do
acesso à educação, de exercerem seus valores sociais, de terem acesso a bens materiais
básicos para a vida e de terem autoestima elevada. A condição de agente delas também foi
prejudicada. Em relação à política pública como forma de expandir as liberdades das pessoas,
no caso analisado esta agiu de forma contrária, restringindo ainda mais as liberdades das
famílias quando da realização da obra de saneamento realizada pela prefeitura no bairro.
Verificou-se que, quando a situação do bairro é analisada a partir da lista de capacitações
humanas centrais de Nussbaum, pode-se afirmar que os moradores não estão sendo
verdadeiramente humanos, pois todas as dez capacitações estão sendo afetadas. Quando se
analisa o saneamento a partir da Abordagem das Capacitações amplia-se a compreensão de
seus efeitos na vida das pessoas para além da análise de presença ou ausência de doenças
causadas pela falta de drenagem, esgoto, água potável e coleta de lixo.

Palavras-chave: Saúde. Liberdades. Desenvolvimento Humano. Saneamento Básico.


ABSTRACT

This study aimed to examine how the lack of sanitation deprives people's lives and how these
deprivations affect their freedoms. To this end, a case study was conducted in Vila João
Castelo, Imperatriz/Maranhão/Brasil. Eleven families were interviewed and the data analyzed
using the technique of content analysis. Also made use of the technique of non-participant
observation to describe the health of the neighborhood residents. This research examined how
the sanitary conditions in which people live affect welfare representative capabilities, such as
health, education, social values, security and access to basic materials for life. The study
suggests that families are being deprived in all capabilities analyzed. Personal security is the
most affected, since people are not able to control their own environment and not have secure
possession of their property.It was observed that the lack of sanitation in the neighborhood
deprives people of access to education, to exercise their social values, to have access to basic
material goods for life and have high self-esteem. The agent condition of these was also
impaired.Regarding public policy, as a way of expanding the freedoms of individuals, in this
case analyzed it has acted contrary, further restricting the freedoms of families, when the city
hall performed the sanitation job in the neighborhood.It was found that when the situation is
analyzed in the neighborhood from The Nussbaum's List of the Central Capabilities, it can be
stated that residents are not being truly humans, because all ten capabilities are being affected.
When analyzing the sanitation from the Capability Approach expands the understanding of its
effects on people's lives beyond the analysis of the presence or absence of diseases caused by
poor drainage, sewage, drinking water and garbage collection.

Keywords: Health. Freedoms. Human Development. Sanitation.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Interação entre valores no conceito de capacitação ....................................... 32
Figura 02 – Componentes do IDH ................................................................................... 42
Figura 03 – As quatro dimensões do saneamento básico no Brasil ................................... 53
Figura 04 – Esquema conceitual dos efeitos diretos e indiretos do abastecimento de
água e do esgotamento sanitário sobre a saúde .............................................. 62
Figura 05 – Categorias definidas para agrupamento das URs........................................... 84
Figura 06 – Nuvem de palavras: condições de saúde ....................................................... 96
Figura 07 – Resumo das falas dos entrevistados sobre os diversos efeitos da falta de
saneamento ................................................................................................... 109
Figura 08 – Inter-relações entre os diversos efeitos da falta de saneamento identificados
no grupo pesquisado ..................................................................................... 110
Figura 09 – Capacitações representativas de bem-estar.................................................... 112

LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Conceitos chave da AC ............................................................................... 33
Quadro 02 – As cinco liberdades instrumentais de Sen .................................................... 34
Quadro 03 – A lista das capacitações humanas centrais ................................................... 37
Quadro 04 – Os quatro princípios do DH ........................................................................ 44
Quadro 05 – Dimensões mencionadas nos diferentes RDHs de 1990 a 2009 ................... 45
Quadro 06 – Evolução histórica dos aspectos de saúde pública e meio
ambiente no setor de saneamento no Brasil ..................................................................... 49
Quadro 07 – Principais programas federais em saneamento na década de 1990 ............... 51
Quadro 08 – Classificação ambiental das infecções por via de transmissão ..................... 57
Quadro 09 – Definições selecionadas de vulnerabilidade ................................................. 63
Quadro 10 – Condições sanitárias do bairro estudado na visão dos entrevistados............. 99
Quadro 11 – Os componentes do conceito de saúde e os problemas encontrados no grupo
Quadro 12 – Outros efeitos da falta de saneamento relatados pelos moradores ................ 106

LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 01 – Trecho do Riacho Bacuri ................................................................................. 89
Foto 02 – Esgoto a céu aberto ......................................................................................... 90
Foto 03 – Vala feita pelos moradores para passagem do esgoto ....................................... 90
Foto 04 – Área alagada do bairro .................................................................................... 92
Foto 05 – Quintal alagado ............................................................................................... 92

LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Localização geográfica do bairro estudado..................................................... 75
Mapa 02 – Vila João Castelo ........................................................................................... 76
LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – Carga estimada de doenças em ambientes domésticos pobres em países


demograficamente desenvolvidos e suas potenciais reduções através de
melhores serviços domésticos (1990) ............................................................ 60
Tabela 02 – Brasil: cobertura de serviços de saneamento de 1970 a 2000 ........................ 69
Tabela 03 – Brasil: cobertura de serviços de saneamento por classe (2000) ..................... 70
Tabela 04 – Níveis de atendimento com água e esgotos dos prestadores de serviços
participantes do SNIS em 2010, segundo região geográfica........................... 70
Tabela 05 – Investimentos necessários para universalizar os serviços de água e
esgoto no Brasil, 2010, 2015 e 2020.............................................................. 71
Tabela 06 – IDH Imperatriz e Maranhão para 1991, 2000, 2010...................................... 74
Tabela 07 – Perfil dos participantes ................................................................................. 87
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC – Abordagem das Capacitações


ACS – Agentes Comunitários de Saúde
ADH – Abordagem do Desenvolvimento Humano
CAEMA – Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão
DH – Desenvolvimento Humano
FCP/SAN – Programa de Financiamento a Concessionárias Privadas de Saneamento
FNS – Fundação Nacional de Saúde
FUNASA – Fundação Nacional da Saúde
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IHDP – International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
ONU – Organização das Nações Unidas
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PASS – Programa de Ação Social em Saneamento
PIB – Produto Interno Bruto
PLANASA – Plano Nacional de Saneamento
PMSS – Programa Nacional de Informação sobre Saneamento
PNCDA – Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRONURB – Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos
PROPAR – Programa de Assistência Técnica à Parceria Público-Privado em Saneamento
PROSAB – Programa de Pesquisa em Saneamento Básico
PROSEGE – Programa de Ação Social em Saneamento
RDH – Relatório do Desenvolvimento Humano
SNIS – Sistema Nacional de Informações do Saneamento
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UBS – Unidade Básica de Saúde
UNDP – United Nations Development Programme
URs – Unidades de registro
WHO – World Health Organization
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 16

2 DESENVOLVIMENTO HUMANO............................................................................... 20
2.1 Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento sob a visão econômica ............. 20
2.2 Amartya Sen e a perspectiva da liberdade .................................................................. 24
2.3 A Abordagem das Capacitações .................................................................................. 29
2.4 Martha Nussbaum e a lista de capacitações humanas centrais .................................. 36
2.5 O desenvolvimento humano ......................................................................................... 40

3 SANEAMENTO BÁSICO E DESENVOLVIMENTO HUMANO ............................... 47


3.1 Breve histórico do saneamento básico no Brasil ......................................................... 48
3.2 As dimensões do saneamento básico no Brasil ............................................................ 52
3.3 Saneamento básico e sua relação com a saúde ............................................................ 55
3.4 Vulnerabilidade socioambiental e o direito ao saneamento ........................................ 63

4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......... 73


4.1 O contexto do local ....................................................................................................... 73
4.2 Tipo de pesquisa ........................................................................................................... 77
4.3 Participantes do estudo ................................................................................................ 79
4.4 Método, técnicas e procedimentos de pesquisa ........................................................... 80
4.5 Estratégia de análise dos dados ................................................................................... 82
4.6 Considerações éticas ..................................................................................................... 85

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................... 86


5.1 Perfil dos participantes ................................................................................................ 86
5.2 Condições de saneamento ............................................................................................ 88
5.3 Condições de saúde ...................................................................................................... 95
5.4 Serviços públicos ........................................................................................................ 100
5.4.1 Saúde........................................................................................................................ 100
5.4.2 Saneamento.............................................................................................................. 102
5.5 Outros efeitos do saneamento na vida dos moradores .............................................. 106
5.6 A falta de saneamento básico e sua relação com o desenvolvimento humano ......... 111

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 119


REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 122

APÊNDICES .................................................................................................................... 134


Apêndice A – Parecer do COEP/Univates ...................................................................... 135
Apêndice B - Termo de consentimento livre e esclarecido ............................................. 136
Apêndice C – Check-list entrevista ................................................................................. 137
Apêndice D – Fotos tiradas durante a pesquisa de campo ............................................. 138

ANEXOS .......................................................................................................................... 145


ANEXO 1 – Diversas definições para o termo saneamento ............................................ 146
ANEXO 2 – Estimated burden of disease from poor household environments in
demographically developing countries, 1990, and potential reduction through improved
household services ............................................................................................................ 150
ANEXO 3 – The list of the central capabilities ............................................................... 151
ANEXO 4 – Selected definitions of vulnerability ............................................................ 152
ANEXO 5 – Conceptual approaches for the study of social vulnerability ..................... 153
ANEXO 6 – Objetos e metas para o milênio ................................................................... 154
ANEXO 7 – Propostas de componentes do bem-estar humano ..................................... 155
16

1 INTRODUÇÃO

O bem-estar tem sido constantemente estudado por cientistas sociais, em especial


pelos economistas. Habitualmente ele representa o desenvolvimento de uma sociedade, porém
sua mensuração é um desafio. Considerar um país desenvolvido apenas pela ótica da
produção já não é mais aceito, pois após a Segunda Guerra Mundial, com a preocupação dos
países em se reestruturar economicamente, passou-se a entender que uma medida justa de
bem-estar não pode ser feita sem levar em conta sua natureza multidimensional, considerando
além da renda outros fatores que podem contribuir para sua aferição.

Neste contexto surge a Abordagem do Desenvolvimento Humano (ADH), uma


aplicação da Abordagem das Capacitações (AC) de Amartya Sen. Na AC o desenvolvimento
passa a ser analisado à luz das várias dimensões que afetam a vida humana. Desenvolvimento
significa proporcionar meios para que as pessoas tenham liberdades. Por sua vez, a pobreza
denota privações de liberdades, não necessariamente falta de renda.

Entre as formas de privação de liberdades está a privação de saneamento básico.


Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2005), ter liberdade de viver em um
ambiente com acesso à água potável não é a realidade de cerca de 884 milhões de pessoas no
mundo. Já 2,6 bilhões de pessoas, o que representa 40% da população mundial, são privadas
17

de ter acesso a saneamento básico. No Brasil cerca de 80% da população tem acesso à água,
porém apenas 46% tem esgoto (SNIS, 2010).

Gozar de boa saúde, ter acesso à educação e desfrutar de atividades de lazer são
funcionamentos valiosos, mas que muitas pessoas podem não realizá-los por serem privadas
de uma estrutura de esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais. Por isso o 7º
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio disseminado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) visa, entre outros, uma redução na quantidade de pessoas sem acesso à água e
melhores condições de esgotamento sanitário até 2015. Este compromisso foi assumido pelo
Brasil.

O Brasil ainda têm municípios sem rede de saneamento básico, e em outros, a rede não
atende a toda a população, como é o caso de Imperatriz/MA. A cidade de Imperatriz surgiu
nos fins do século XVIII a partir do povoamento da região de Pastos Bons, originada das
entradas de piauienses a procura de terra para criação do gado, o sul do estado foi sendo
desbravado, pois até a segunda metade do século XIX o povoamento do Maranhão se resumia
à faixa litorânea. (FRANKLIN, 2005). A cidade foi fundada por Frei Manoel Procópio, que
em 1852, a mando da Igreja Católica, fundou a povoação de Santa Teresa do Tocantins e foi
crescendo a partir da margem direita do rio Tocantins (FRANKLIN, 2008).

Segundo dados do IBGE (2010), Imperatriz tem uma população de 247.505 habitantes.
Possui área de 1.368,982 km² e densidade demográfica de 180,79 hab/km². Destaca-se por ser
um centro de compras e polo educacional para a região tocantina. Em relação a este comércio,
tem um mercado alargado a mais de 80 municípios da região, com uma população total
superior a 1,6 milhão de habitantes (FRANKLIN, 2008). Este autor se refere à cidade como
“cidade regional” tamanha é a sua importância para a região. 95% da população mora na zona
urbana (IBGE, 2010). A localização do município é favorável para os negócios, pois tem
ligação com o norte e centro-oeste do Brasil pela rodovia BR-010 e pela ferrovia norte-sul.
18

O processo de ocupação do município foi, com exceções, desordenado. Poucos foram


os bairros criados que passaram por um planejamento. A grande maioria surgiu por invasões
ou doações de políticos. A infraestrutura de saneamento básico cresceu também assim e a
cidade dispõe de rede de esgoto, coleta de resíduos sólidos e abastecimento de água
problemáticos. Um diagnóstico realizado pela prefeitura municipal em 2010 informou
abastecimento de água em 90% das residências, esgoto em 30% e coleta de lixo em 80%.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE IMPERATRIZ, 2010). Acredita-se que exista divergência
nos dados sobre saneamento tendo em vista que números do Sistema Nacional de Informações
sobre Saneamento (SNIS) para o mesmo ano informam valores diferentes: índice de
abastecimento de água de 79,45% e 25,11% de esgotamento sanitário. O sistema não
disponibiliza informações sobre manejo dos resíduos sólidos.

O esgotamento sanitário e o abastecimento de água é feito pela Companhia de


Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA). A rede de água é de 568,00 km e a de
esgoto, 110,25 km (SNIS, 2011). A maior parte da água é captada do Rio Tocantins, com
alguns bairros atendidos por poços artesianos. A cidade enfrenta problemas, típicos de muitas
cidades brasileiras. O lixo residencial e industrial é depositado em lixão afastado da área
urbana, apenas o lixo hospitalar é tratado de forma diferenciada por uma empresa privada de
gerenciamento de resíduos.

Em relação ao manejo de águas pluviais, existem vários pontos de alagamentos, e no


período de chuva (novembro – março) transtornos são gerados, principalmente na zona central
e nos bairros mais carentes. Estão em andamento desde 2011, a elaboração do Plano de
Saneamento Municipal e o Plano Municipal de Resíduos Sólidos. Também existe uma
mobilização para a construção de um aterro no município, tendo em vista que a lei 12.305/10
determina o fim dos lixões do país em 2014 (BRASIL, 2010).

Sob este contexto foi desenvolvido um estudo de caso em um bairro do município, a


Vila João Castelo. A falta de serviços de saneamento no local gera problemas que vão desde a
dificuldade para transitar nas ruas até a diminuição da autoestima, privando as pessoas de ter
uma vida com qualidade. A realidade que se constata vai contra a percepção do
19

desenvolvimento humano (DH) que busca oferecer possibilidades para que as pessoas tenham
uma vida digna, de forma a levarem a vida que elas desejam ter. O objetivo da pesquisa foi
analisar como a falta de saneamento básico priva a vida das pessoas e como essas privações
afetam suas liberdades e teve como norteador a Abordagem das Capacitações.

Esta dissertação está dividida em seis capítulos. Após esta introdução, no capítulo dois
se contextualiza historicamente o conceito de desenvolvimento e apresenta-se a AC e a ADH.
As questões de saneamento básico, sua relação com DH, a vulnerabilidade socioambiental e o
direito ao saneamento são expostas no capítulo três. O capítulo quatro trata da delimitação do
estudo e dos procedimentos metodológicos. Já o capítulo quinto é dedicado aos resultados e
discussões, e por fim, no capítulo seis são feitas algumas considerações finais.
20

2 DESENVOLVIMENTO HUMANO

Este capítulo trata da perspectiva do DH na análise do bem-estar. Inicia-se com a


apresentação sobre a construção do conceito de desenvolvimento ao longo do tempo. Após
isso apresenta-se a perspectiva de Amartya Sen sobre o desenvolvimento como expansão das
liberdades das pessoas, seguida da AC. A contribuição de Martha Nussbaum na formulação
de uma lista de capacitações humanas centrais também é explorada. Por fim, a ADH
difundida pela ONU faz o fechamento do capítulo.

2.1 Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento sob a visão econômica

Sen (1988, p. 10), escreveu sobre o conceito de desenvolvimento citando Willian Petty
(1676) como um dos pioneiros no estudo do tema: “the French grow too fast”. Prosseguindo,
o autor afirma que “[...] it was certainly a part of one of the earliest discussions of
development economics”1. Petty é considerado um dos fundadores da economia moderna e o
pioneiro da economia quantitativa.

1
Tradução: A França cresce rápido demais [...] era certamente uma parte das primeiras discussões sobre o
desenvolvimento da economia.
21

Gennari e Oliveira (2009) salientam que a discussão sobre os problemas do


crescimento e do desenvolvimento está presente nas obras dos fundadores da economia
clássica. Adam Smith abordou isso em “An inquiry into the nature and causes of the weath of
nations”, David Ricardo na obra “Principles of political economy and taxation”, John Stuart
Mill em “Principles of political economy” e Karl Marx em “Das Kapital”. Após um período
sem contribuições a este campo de estudo2, Schumpeter resgatou o tema, que depois foi
tratado por Nurkse, Lewis, Shultz, Kuznets, Rostow, Hirschmann, Prebisch e Keynes
(GENNARI; OLIVEIRA, 2009).

A preocupação maior com o crescimento e desenvolvimento econômico tem seu


marco com o surgimento do capitalismo, pois antes deste acontecimento pode-se considerar
como estagnados os estágios das sociedades e as variações na economia eram pequenas ao
longo dos anos (MILONE, 2004). Segundo Oliveira (2002) após a Segunda Grande Guerra os
debates foram acirrados, sendo que no período surgiram diversas contribuições a respeito do
desenvolvimento dos países dada a preocupação com a reestruturação econômica destes.

Sobre um consenso em relação ao que consiste desenvolvimento Scatolin (apud


OLIVEIRA, 2002, p. 3) observa que:

Poucos são os outros conceitos nas Ciências Sociais que têm-se prestado a tanta
controvérsia. Conceitos como progresso, crescimento, industrialização,
transformação, modernização, têm sido usados frequentemente como sinônimos de
desenvolvimento. Em verdade, eles carregam dentro de si toda uma compreensão
específica dos fenômenos e constituem verdadeiros diagnósticos da realidade, pois o
conceito prejulga, indicando em que se deverá atuar para alcançar o
desenvolvimento.

Quando Adam Smith publicou sua obra em 1776, o desenvolvimento econômico foi
apresentado como constituído por diferentes elementos: divisão do trabalho, acúmulo de
capital, incremento da produtividade, incremento da produção nacional, incremento da reserva
de salários, salários mais altos e incremento da riqueza da nação. A riqueza de uma nação era

2
Estes autores afirmam que os economistas marginalistas e neoclássicos não acrescentaram nenhuma
contribuição a esse campo de estudo após os clássicos.
22

relacionada ao crescimento da produção nacional, que aumentava o número de bens


disponíveis para o consumo (BRUE, 2011). Em 1911 quando Schumpeter, publicou a obra
“The theory of economic development: an inquiry into profits, capital, credit interest and the
business cycle” outra concepção para o desenvolvimento foi apresentada: “Entenderemos por
‘desenvolvimento’, portanto, apenas as mudanças da vida econômica que não lhes foram
impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua própria iniciativa” (SCHUMPETER,
1997, p. 74). Schumpeter se referia à quebra no fluxo circular 3 que só poderia ser feita pela
inovação.

Kindleberg e Herrick (apud MILONE, 2004) consideram o desenvolvimento


econômico como um aumento na produção acompanhado de modificações nas disposições
técnicas e institucionais e para que haja desenvolvimento é necessário crescimento. Para
Colman e Nixson (apud MILONE, 2004) é um processo de aperfeiçoamento em relação a um
conjunto de valores desejáveis pela sociedade e é um conceito normativo em que diferentes
pessoas de uma mesma sociedade podem medi-lo. Diferentemente destes autores, para
Bresser-Pereira (2006) deve-se fazer uma conceituação histórica em vez de normativa. O
autor define desenvolvimento econômico como “o processo histórico de crescimento
sustentado da renda ou do valor adicionado por habitante implicando a melhoria do padrão de
vida da população” (2006 p. 09). Já para Fonseca (2006)

O desenvolvimento econômico consiste fundamentalmente em um processo de


enriquecimento dos países e dos seus habitantes, ou seja, em uma acumulação de
recursos econômicos, sejam eles ativos individuais ou de infraestrutura social, e
também em um crescimento da produção nacional e das remunerações obtidas pelos
que participam da atividade econômica. Evidentemente, o fenômeno do

3
Sobre o fluxo circular, Costa (2006, p. 3) lembra que “Na TDE [teoria do desenvolvimento econômico], para se
aproximar do movimento da economia capitalista, Schumpeter lança mão de artifício de análise, procedimento
esse já presente em outros autores: trata-se do mecanismo do fluxo circular. A idéia de criar uma imagem
mental, um tipo de protótipo de sistema econômico a partir do qual vai se aprofundando o conhecimento, foi
usada anteriormente por Adam Smith e Karl Marx. [...] Na economia do fluxo circular, segundo Schumpeter, a
vida econômica transcorre monotonamente, em que cada bem produzido encontra o seu mercado, período após
período. Isso, contudo, não significa concluir que inexista crescimento econômico. [...] Os agentes econômicos
apegam-se ao estabelecido, e as adaptações às mudanças ocorrem em ambiente familiar e de trajetória previsível.
[...] Nessas circunstâncias, de acordo com Schumpeter, mudanças econômicas substanciais não podem ter
origem no fluxo circular, pois a reprodução do sistema está vinculada aos negócios realizados em períodos
anteriores […] Contudo, esses tipos de inovações, que são originadas no próprio sistema, quando introduzidas na
atividade econômica, produzem mudanças que são qualitativamente diferentes daquelas alterações do dia-a-dia,
levando ao rompimento do equilíbrio alcançado no fluxo circular”.
23

desenvolvimento não se limita ao campo da Economia, mas os elementos


econômicos estão no centro desse processo (FONSECA, 2006, p. 4).

Brue (2011) apresentou alguns motivos para a grande expansão do conhecimento


sobre crescimento e desenvolvimento, que segundo ele ocorreu principalmente após 1945:

1. Alta variação do crescimento econômico entre as nações;


2. Países industrialmente desenvolvidos superaram recessões econômicas através de
políticas de estabilização e mercados mais flexíveis;
3. A maioria dos países pobres é politicamente livre e buscam estratégias de
promoção do crescimento e desenvolvimento;
4. A queda do socialismo marxista na Europa e na União Soviética chamou muito a
atenção sobre essas regiões;
5. Por fim, o aumento no padrão de vida em países em desenvolvimento passou a ser
importante para as nações industrialmente desenvolvidas em termos de comércio.

Com o passar do tempo a questão ambiental foi inserida no contexto do


desenvolvimento. O processo de produção e consumo deveria necessariamente considerar
seus impactos no meio ambiente. Até a década de 60 os modelos econômicos não davam
atenção necessária aos aspectos ecológicos, e as projeções catastróficas acerca da finitude dos
recursos naturais eram a evidência. A partir disso, na década de 1970, surgiu o conceito de
desenvolvimento sustentável sob o nome de ecodesenvolvimento. Este surgimento ocorreu
em um contexto de controvérsia sobre as relações entre crescimento econômico e meio
ambiente. O relatório do Clube de Roma, publicado à época, pregou o crescimento zero como
forma de evitar a catástrofe ambiental (ROMEIRO, 2003).

Até os anos 60 o viés monetário esteve presente no conceito de desenvolvimento,


porém no final desta década as teorias começaram a demonstrar que com a análise
quantitativa era possível mensurar a produção, e não as condições de vida das pessoas
(MARQUES, 2006). Sobretudo, a partir da Segunda Guerra, estes modelos puramente
24

econômicos4 começaram a se mostrar falhos ao não considerar as muitas dimensões da vida


humana. Houve a desagregação dos termos “crescimento” e “desenvolvimento”. Crescimento
passou a ser descrito como aumento do produto interno bruto (PIB) ao longo de um período
de tempo e desenvolvimento como uma medida de riqueza que vai além do caráter
quantitativo, e a noção de desenvolvimento passou a incorporar novos elementos, se tornando
uma concepção multidimensional e o “humano” foi incorporado ao debate 5.

Como afirma Oliveira (2002, p. 39) “os economistas veem surgir a necessidade de
elaborar um modelo de desenvolvimento que englobe todas as variáveis econômicas e
sociais”. Neste sentido, a definição de Seers (apud MILONE, 2004) apresenta uma ampliação
no conceito, pois segundo ele, desenvolvimento é a criação de condições para a realização da
personalidade humana e deve considerar a pobreza, o desemprego e as desigualdades.

Levando em consideração a natureza multidimensional do desenvolvimento, na seção


seguinte é apresentada a AC, abordagem que considera variáveis até então excluídas nas
análises tradicionais de desenvolvimento, como a liberdade que as pessoas têm para viver da
forma como elas valorizam.

2.2 Amartya Sen e a perspectiva da liberdade

Em 1979, o economista indiano Amartya Sen, Nobel de Economia em 1998, publicou


o artigo Equality of What? questionando a análise da igualdade sob a ótica do utilitarismo e

4
Não é interessante aqui discutir as particularidades de cada modelo, porém é salutar apresentar as explicações
de Sandroni (1999, p. 403) sobre modelos econômicos: “Construções abstratas de natureza matemática utilizadas
para explicar ou controlar determinado aspecto da realidade econômica. Os modelos econômicos buscam captar
a essência de uma estrutura determinada, suas relações internas, sua evolução, os fatores que determinam as
mudanças e os caminhos a ser (sic) adotados para manter-se o equilíbrio do sistema produtivo. Podem englobar
pequenas realidades econômicas (empresas isoladas, economias familiares) ou então o conjunto das relações
econômicas de uma sociedade”.
5
Em que pese, Bresser-Pereira (2006) considera que a condição de melhoria no padrão de vida das pessoas está
relacionada ao conceito de desenvolvimento, mas desenvolvimento econômico não é o mesmo que
desenvolvimento humano.
25

do rawlsianismo. Esta foi a primeira vez que Sen apresentou seu conceito de capacitação
(capability) (COMIM et al., 2006; ALKIRE; DENEULIN, 2009). Neste artigo e em outros
textos ele criticou essas análises por elas não considerarem as liberdades substantivas
individuais importantes. Sen questionou o espaço informacional6 destas correntes como o
argumento de que as pessoas são diferentes e não se pode escolher apenas uma variável focal
para comparar o estado de diferentes pessoas, “a diversidade generalizada dos seres humanos
acentua a necessidade de lidar com a diversidade de foco na avaliação de igualdade” (SEN,
2012, p. 31).

O utilitarismo julga o bem-estar da sociedade através da utilidade 7 dos estados das


coisas (SEN, 2010). “A ideia é prestar atenção no bem-estar de cada pessoa e em particular
considerar o bem-estar uma característica essencialmente mental, ou seja, considerar o prazer
ou felicidade gerada” (SEN, 2010, p. 84). Segundo Parkin (2009), a utilidade é o benefício ou
a satisfação que uma pessoa obtém do consumo de um bem ou serviço 8. Barden (2009, p. 18)
também afirma que “a abordagem utilitarista sob acepção da teoria econômica assume que a
avaliação do bem-estar pode ser representada por níveis de consumo de mercadorias pelos
indivíduos”, assim, para eles o bem-estar é diretamente ligado à posse de bens. Sen (2010)
considera que esta abordagem tem três limitações, por isso não é adequada para julgar o
estado das pessoas: indiferença distributiva, descaso com os direitos e liberdades, e adaptação
e condicionamento mental.

6
Espaço informacional (base informacional ou espaço avaliatório) é entendido por Sen (2010, p. 80) como “as
informações que são necessárias para formar juízos”.
7
Sobre utilidade, Varian (2006, p. 56, grifo original) menciona que “na era vitoriana, os filósofos e economistas
referiam-se alegremente à “utilidade” como um indicador do bem-estar geral de uma pessoa. A utilidade era tida
como a medida numérica da felicidade do indivíduo. Dada essa idéia, era natural imaginar consumidores fazendo
escolhas que maximizassem sua utilidade, ou seja, que os fizessem os mais felizes possível. O problema é que
esses economistas clássicos, na verdade, nunca nos explicaram como se a avalia a utilidade. Como medir a
“quantidade” de utilidade que cada escolha proporciona? A utilidade de uma pessoa é igual a de outra? [...] esses
problemas conceituais levaram os economistas a abandonar a velha visão de utilidade como medida de felicidade
e a reformular toda a teoria do comportamento do consumidor com base nas preferências do consumidor. A
utilidade passou a ser vista somente como um modo de descrever as preferências”
8
Deste conceito derivam três outros conceitos: utilidade total, que é o benefício total que alguém obtém do
consumo de bens e serviços; utilidade marginal, que é a variação da utilidade total resultante do aumento de uma
unidade consumida; e, utilidade marginal decrescente, que é a redução na utilidade marginal que ocorre à medida
que a quantidade consumida aumenta (PARKIN, 2009).
26

Em primeiro lugar ela não leva em consideração desigualdades na distribuição da


felicidade. O bem-estar da sociedade é maximizado quando se maximiza a soma total das
utilidades de todas as pessoas, neste sentido Sen (2010) afirma que isso não é igualitário tendo
em vista que as pessoas são tomadas em conjunto, assim nesta abordagem há indiferença
distributiva. A segunda limitação do utilitarismo é que não se atribui importância intrínseca a
reinvindicação de direitos e liberdades, dessa maneira, para ele existe um descaso com os
direitos, liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade. A terceira é que ela não
considera a adaptação e condicionamento mental. Os desejos e habilidades de sentir prazer
podem ser influenciados por condicionamento mental, isto é pessoas destituídas podem se
conformar com sua privação. Segundo Comim (et al., 2006) o utilitarismo considera apenas
uma única medida, a utilidade, assim não demonstra preocupação com a pluralidade de foco
ao julgar o estado de uma pessoa9.

Sen (2012) apresenta mais dois motivos que tornam o utilitarismo restritivo, são eles:
desconsiderar a liberdade e concentrar-se apenas nas realizações; e, desconsiderar outras
realizações que não sejam refletidas em alguma dessas métricas mentais (prazer, felicidade ou
desejo). A citação abaixo talvez resuma as críticas de Sen.

Mas o que dizer do utilitarismo? Certamente, os utilitaristas em geral não querem a


igualdade das utilidades desfrutadas por diferentes pessoas. A fórmula utilitarista
requer a maximização da soma total das utilidades de todas as pessoas tomadas em
conjunto, e isso não é, num sentido claro, particularmente igualitário. Na verdade, a
igualdade que o utilitarismo busca assume a forma do tratamento igual dos seres
humanos no espaço de ganhos e perdas de utilidades (SEN, 2012, p. 44).

Por sua vez, na década de 70, o filósofo John Rawls argumentou que todas as pessoas
devem contar com um mínimo de bens primários independentemente dos objetivos que eles

9
A questão da não consideração da pluralidade no julgamento de estado de uma pessoa, remete a duas outras
questões utilitaristas muito criticadas ao longo dos tempos: a comparação pessoal e a possibilidade de medida.
Sobre a comparação de bem-estar entre pessoas, “o próprio Bentham, no entanto, reconheceu a dificuldade em se
comparar utilidades de pessoas que diferem entre si em tantas circunstâncias [...] Em Bentham, a hipótese da
comparação interpessoal é mera simplificação, e as conclusões políticas a que leva podem ser alcançadas sem
ela”. [Em relação a uma medida de utilidade,] “é discutível até que ponto a teoria da utilidade, tal como se
apresenta em Jevons, Menger e Walras, implica ou não a mensurabilidade de prazeres, desejos, necessidades e
utilidades. O fato é que nenhum deles tentou medi-los. [...] Até hoje a questão da mensurabilidade de
quantidades subjetivas é importante alvo de ataque contra a análise da utilidade” (FEIJÓ, 2001, p. 281).
27

persigam por alcançar uma realização, e assim desenvolveu a noção de bens primários: uma
abordagem de igualdade de oportunidades (MACANA, 2008). Estes bens primários são as
“coisas que todo homem racional presumivelmente quer” (RAWLS, 1997, p. 66). Podem ser
renda e riqueza, liberdades formais básicas, liberdade de movimento e escolha de ocupação,
poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade e bases sociais de
autoestima.

Barden (2009) entende que para Rawls o bem-estar seria atingido a partir de um
conjunto de bens sociais primários. As instituições sociais, as normas sociais, a renda, os
produtos, as transferências, entre outros, permitiriam colocar as pessoas em igualdade de
condições para terem acesso aos recursos necessários e, assim, atingir o bem-estar pretendido.

Rawls (1997) propôs uma lista de liberdades nas quais estes bens primários podem ser
agrupados: (1) Política (direito de votar e ocupar um cargo público); (2) Expressão e reunião;
(3) Consciência e de pensamento; (4) Da pessoa (incluem proteção contra a opressão
psicológica e agressão física para garantir a integridade da pessoa); (5) Ao direto à
propriedade privada; (6) A proteção da prisão e a detenção arbitrárias (de acordo com o estado
de direito). Segundo ele, essas liberdades devem ser iguais para todos.

Para Sen (2012, p. 136) bens primários são meios para qualquer propósito, assim na
justiça rawlsiana existe uma concentração “nos meios para a liberdade” em vez de ser “na
extensão da liberdade que uma pessoa realmente tem”. Sen (2012) contesta a igualdade em
termos de bens-primários, pois a conversão destes bens em liberdades não são iguais para
todos. Para ele “igualar a propriedade de recursos ou parcelas de bens primários não
necessariamente iguala as liberdades substantivas usufruídas por pessoas diferentes, já que
pode haver variações significativas na conversão de recursos e bens primários em liberdades”
(SEN, 2012, p. 71).

Segundo Sen (2012) a conversão de bens primários em liberdades pode variar de


pessoa para pessoa, sendo assim, a igualdade nesse espaço pode acontecer junto com sérias
28

desigualdades nas liberdades reais 10. Para Comim (et al., 2006, p. 26) “a Abordagem
Rawlsiana prioriza os meios para realização. Apesar de caminhar em direção às liberdades,
leva em conta apenas as liberdades formais e também desconsidera a plena diversidade
humana e as liberdades substantivas”. Por fim, “nem os bens primários, nem os recursos,
definidos de modo abrangente, podem representar a capacidade que uma pessoa realmente
desfruta” (SEN, 2012, p. 137).

Então, partindo dessas críticas Amartya Sen propõe uma abordagem diferente, que
leva em conta a diversidade dos seres humanos. A perspectiva das capacitações é uma
concepção de igualdade de oportunidades, assim a ênfase é na liberdade substantiva que as
pessoas têm para levar suas vidas, isto significa considerar o que as pessoas podem fazer ou
realizar, é a liberdade para buscar seus próprios objetivos. A capacitação é a representação das
oportunidades reais (ou substantivas) de que uma pessoa dispõe para realizar (SEN, 2012)11.

Robeyns (2005a, p. 94) afirma que “the core characteristic of the capability approach
is its focus on what people are effectively able to do and to be; that is, on their capabilities”12.
Sen (2000; 2012) entende que uma avaliação de igualdade ou justiça (consequentemente de
bem-estar) deve adotar um espaço avaliatório mais amplo, por isso nessa abordagem o bem-
estar “pode ser concebido em termos de qualidade do ‘estado’ da pessoa” (SEN, 2012, p. 79).
Assim, para analisar o bem-estar ele amplia o espaço avaliatório ao nível dos funcionamentos
e capacitações.

10
Um exemplo é dado por Sen (2012, p. 136) para ilustrar isso: “uma pessoa com alguma deficiência pode
dispor de mais bens primários (na forma de renda, riqueza, liberdades, e assim por diante) mas ter menos
capacidade (devido a sua deficiência) [...] uma pessoa pode ter uma renda maior e ingerir mais nutrientes, mas
ter menos liberdade para viver bem nutrida devido a sua taxa maior de metabolismo basal, maior vulnerabilidade
a doenças parasitárias, seu corpo maior, ou simplesmente devido à gravidez”.
11
Essa citação na verdade não é de Sen, mas do tradutor de sua obra para o português, que também fez a
apresentação do livro, Ricardo Doninelli Mendes.
12
Tradução: A característica central da abordagem das capacitações é o seu foco no que as pessoas são
efetivamente capazes de fazer e de ser, ou seja, em suas capacitações.
29

2.3 A Abordagem das Capacitações

Parte das discussões de Sen sobre justiça, igualdade e bem-estar se referem à escolha
do espaço informacional, que para ele tem grande importância em qualquer análise de
igualdade. Como discutido na seção anterior, Sen propôs uma abordagem alternativa para
análise de bem-estar que difere substancialmente das abordagens tradicionais por se
concentrar no espaço avaliatório das liberdades substantivas (SEN, 2012). “Neste sentido, a
perspectiva das capacidades fornece um reconhecimento mais completo da variedade de
maneiras sob as quais as vidas podem ser enriquecidas e empobrecidas” (SEN, 2012, p. 83).

A AC foi desenvolvida por Amartya Sen a partir da década de 80, recebendo


importantes contribuições da filósofa Martha Nussbaumm, e serviu de referência para o
enfoque do DH. Nela a expansão da liberdade é entendida como fim primordial e principal
meio do DH (SEN, 2010). Segundo Macana (2008) liberdade como “fim” exerce um papel
constitutivo, ou seja, se concede valor intrínseco à vida humana, enquanto liberdade como
“meio” tem papel instrumental e é vista como uma forma de ampliar ainda mais as liberdades
e alcançar bem-estar. Para Sen (2010) o desenvolvimento deve estar relacionado com a
melhoria da vida das pessoas, analisada a partir das liberdades que elas desfrutam. Expandir
as liberdades que elas têm razão para valorizar, além de tornar as vidas mais ricas e mais
desimpedidas, faz com que as pessoas também sejam seres sociais mais completos, portanto,
podem interagir com o mundo e influenciá-lo (SEN, 2010).

Sen (2010, p. 16) entende que “ver o desenvolvimento como expansão de liberdades
substantivas dirige a atenção para os fins que o tornam importante, em vez de restringi-la a
alguns dos meios”. O crescimento da renda, a industrialização, progresso tecnológico, a
modernização social, dentre outros, são vistos por ele como meios importantes para expandir
as liberdades, porém, estas dependem de outros determinantes, assim, “se a liberdade é o que
o desenvolvimento promove, então existe um argumento fundamental em favor da
concentração neste objetivo” (SEN, 2010, p. 16).
30

Para o autor a liberdade é central por duas razões: (1) a razão avaliatória: a avaliação
do progresso deve observar se houve aumento das liberdades das pessoas; e (2) a razão da
eficácia: o desenvolvimento depende da livre condição de agente das pessoas (SEN, 2010). A
primeira está relacionada com a melhoria de vida como objetivo do desenvolvimento e com a
compreensão da forma como esse desenvolvimento será feito, a segunda com o que os seres
humanos podem fazer para alcançar essas melhorias (FUKUDA-PARR, 2003).

Para Macana (2006) a AC chama a atenção para a pluralidade de dimensões na análise


do bem-estar e Robeyns (2005b) afirma que ela leva em conta muitas outras variáveis que não
são analisadas pelo mainstream economic thinking13. O próprio Sen (2010) afirma isso ao
dizer que sua abordagem é um afastamento das tradições da economia que focam renda e
riqueza. Comim (et al., 2006) acrescenta que a AC foi originalmente pensada por Sen para
avaliação de desigualdade como crítica ao utilitarismo e rawlsianismo, mas que depois foi
explorada por ele para análise de bem-estar, pobreza, desenvolvimento e outros.

Na AC “o bem-estar de uma pessoa pode ser concebido em termos de qualidade [...]


do ‘estado’ da pessoa. Viver pode ser visto como consistindo num conjunto de
‘funcionamentos’ inter-relacionados, que compreendem estados e ações (beings and doings)”
(SEN, 2012, p. 79). Surge assim um dos conceitos centrais na AC, o de funcionamento.

Funcionamento (functionings) é definido por Sen (2010, p. 104) como “as várias
coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter”. Eles podem ser básicos, como
ter uma boa nutrição, estar em boa saúde livre de doenças evitáveis e da morte prematura, ou
ser feliz, que é mais complexo. Alkire e Deneulin (2009) afirmam que funcionamentos não
são limitados, por isso a AC pode ser aplicada tanto aos ricos como aos pobres. As autoras
mencionam que funcionamento pode ser desde fazer um virtuoso solo de bateria a ter uma boa
reputação ou um bom círculo de amigos. “Qualquer funcionamento reflete, de certo modo,
parte do estado da pessoa” (SEN apud MACANA, 2008, p. 72).

13
Nota de tradução: Pensamento Econômico Dominante, isto é, a corrente central ou mais importante do
pensamento econômico numa determinada época.
31

Entretanto é importante fazer referência às duas considerações de Alkire e Deneulin


(2009, p. 32) acerca dos funcionamentos. “First, functionings are things people value. In
other words, an activity or situation ‘counts’ as a functioning for that person only if that
person values it […] “Second, functionings are things people ‘have reason to value’.14 Isso
está diretamente ligado ao que Sen chama de condição de agente (agency aspect), pois as
pessoas são incentivadas a se envolver e verificar o que elas valorizam. A AC introduz juízos
de valor explicitamente15. Sen (2010) não propõe uma lista de funcionamentos e nem
considera que exista um que seja mais importante que outro, pelo contrário, ele afirma que é
em “examinar o valor de funcionamentos e capacidades [...] que a abordagem da capacidade
tem algo a oferecer. A valoração relativa de funcionamentos e capacidades diferentes tem de
ser parte integrante do exercício” (SEN, 2012, p. 85-86). Inclusive, o mérito de sua
abordagem é o tratar as questões de julgamento explicitamente em vez de escondê-las em uma
estrutura implícita (SEN, 2010).16

Relacionado ao conceito de funcionamento está o conceito de capacitação (capability):


as combinações de funcionamentos que uma pessoa pode realizar (SEN 2010; 2012). Sen
(2010) afirma que a capacitação é um tipo de liberdade, a liberdade real. Estes dois conceitos
não se contradizem. Enquanto o funcionamento é aquilo que a pessoa realizou, a capacitação
é a liberdade para realizar, ou seja, funcionamentos realizados se relacionam com a realização

14
Tradução: Funcionamentos são coisas que as pessoas de valor. Em outras palavras, uma atividade ou situação
"conta" como um funcionamento para a pessoa somente se essa pessoa valoriza-o [...] funcionamentos são coisas
que as pessoas tem razão para valorizar.
15
É interessante apresentar aqui a citação completa das autoras: “A vitally important phrase in the definition of
functionings is ‘value and have reason to value’. It sounds abstract but is of tremendous practical importance.
Why? First, functionings are things people value. In other words, an activity or situation ‘counts’ as a
functioning for that person only if that person values it. This encourages the participation and engagement of
those people whose lives are at stake, in order to ascertain whether they will value changes that might ensue.
Second, functionings are things people ‘have reason to value’. The capability approach introduces value
judgements explicitly. Why? In fact some people do value activities that are harmful, such as a psychopath who
values the triumph of the kill as much as the victim would value not being killed. The phrase ‘reason to value’
just acknowledges that given our disagreements we do need to make some social choices. The issues that will be
contentious are many and include female genital mutilation, domestic violence, censorship, discrimination, air
travel and so on. The capability approach raises the issue of what process, group, philosophical structure or
institution has the legitimate authority to decide what people have reason to value. But while the capability
approach argues that public debate and critical scrutiny are often helpful, it stops well short of proposing one
particular process as relevant in all contexts, and rather depends on the agency of people acting in those
contexts to address these questions themselves and build up and share their repertoire of good practices.”
16
Sobre a identificação e escolha de funcionamentos relevantes para composição de algum indicador ver a
discussão feita por Barden (2009, p. 48-52).
32

do bem-estar e as capacitações são a liberdade para realizar bem-estar. A capacitação


representa as várias combinações de funcionamentos que uma pessoa pode realizar e reflete a
liberdade da pessoa para levar um tipo de vida ou outro. A liberdade que uma pessoa tem para
o bem-estar é, na visão de Sen, a capacidade para realizar funcionamentos (SEN, 2012). O
conjunto capacitório (capability set) é a representação do grau de liberdade para escolher a
combinação de funcionamentos (MACANA, 2008).

Alkire (2010) faz quatro observações importantes sobre o espaço dos funcionamentos
e capacitações. Primeira, se capacitação significa liberdade real, esta não pode ficar apenas no
papel (paper freedom). Por exemplo, a capacitação de desfrutar de saúde requer que exista a
estrutura de saúde (posto, médico, remédios...) e que o atendimento ao paciente não seja
negado de forma alguma. Segunda, funcionamentos são seres e fazeres (beings and doings)
que podem variar e não se restringem ao que é básico. Terceira, são seres e fazeres que as
pessoas valorizam, assim, o desenvolvimento não pode ser imposto sem respeitar os valores e
preferências das pessoas, portanto, se as pessoas não valorizaram o resultado, não houve
desenvolvimento. Finalmente, a quarta observação é que nem tudo o que se valoriza vai ser de
fato alcançado, pois existem pessoas/grupos que valorizam coisas socialmente destrutivas
(excluir pessoas, violência, dominação), por isso, deve-se abrir espaço para diálogos sobre o
que é valoroso para a sociedade. A figura abaixo, proposta por Alkire (2010) apresenta essa
relação entre o que a pessoa valoriza e o que ela tem razão para valorizar.

Figura 01 – Interação entre valores no conceito de capacitação

Fonte: Alkire (2010, p. 25).


33

Compreender os significados destes termos é condição para entender a essência da


perspectiva do desenvolvimento proposta por Sen (2010). O quadro 01 sintetiza os principais
termos.

Quadro 01 – Conceitos chave da AC


Funcionamentos são definidos como as várias coisas que uma pessoa pode valorizar fazer ou ser. Em outras
palavras, funcionamentos são atividades e estados importantes que compõem o bem-estar das pessoas - como
ser saudável e bem nutrido, estar seguro, estar educado, ter um bom trabalho, sendo capaz de visitar seus entes
queridos. Eles também estão relacionados a bens e renda, mas descreve o que uma pessoa é capaz de fazer ou
ser com estes. Por exemplo, quando a necessidade básica das pessoas por alimentos (uma mercadoria) é
atendida, eles gozam do funcionamento de estar bem nutrido.
Funcionamentos realizados corresponde aquilo que a pessoa já alcançou dado o que poderia ter alcançado,
constituem o bem-estar de uma pessoa.
Capacitação refere-se à liberdade de desfrutar de vários funcionamentos. Em particular, a capacitação é
definida como as várias combinações de funcionamentos (beings and doings) que a pessoa pode alcançar.
Capacitação é, portanto, um conjunto de vetores de funcionamentos, refletindo a liberdade da pessoa para
levar um tipo de vida ou de outra, para escolher possíveis vidas. Dito de outro modo, as capacitações são, as
liberdades substantivas que uma pessoa desfruta de levar o tipo de vida que ele ou ela tem razão para
valorizar.
Conjunto capacitório é a liberdade da pessoa para escolher dentre “vidas possíveis”.
Agência é a capacidade de perseguir objetivos que a pessoa valoriza e tem razão para valorizar. Um agente é
alguém que age e traz mudanças.
Realização é a categoria geral de avaliação de constituintes do bem ou vantagem individual. Serve para
comparar diferentes bens particulares e estimar seus pesos na composição da vantagem ou benefício (estimar
quanto os objetos, de bem-estar ou da condição de agente, se realizam).

Liberdade de agente representa a liberdade de um tipo mais geral: a liberdade para alguém realizar seus
objetivos, quaisquer que sejam eles.

Privação é tudo aquilo que pode tirar a liberdade de uma pessoa, por exemplo: pobreza e tirania, carência de
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância
excessiva de Estados repressivos. Às vezes a ausência de liberdade relaciona-se diretamente com a pobreza
econômica, em outros, à carência de serviços púbicos e assistência social.
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Alkire e Deneulin (2009); Sen (2010; 2012); Comin (et al., 2006);
Macana (2008).

Sen (2010; 2012) afirma que é importante não apenas ver o que as pessoas realizaram,
mas a liberdade que elas têm para realizar. É neste ponto que sua abordagem difere
significativamente da abordagem utilitarista. Enquanto o utilitarismo analisa o fim, isto é o
prazer ou a satisfação gerada, a AC também analisa o meio, o processo. Para Macana (2008,
p. 72) “é importante destacar que se uma pessoa não conta com alternativas de escolha, seu
bem-estar está sendo limitado ainda que a realização de funcionamentos seja considerada
boa”. Sen (2012) atribui importância à escolha que as pessoas fazem. Para ele escolher por si
34

só pode tornar a vida de uma pessoa mais rica. “Decidir e escolher também são partes do
viver” (SEN, 2012, p. 82). Por isso na AC a avaliação social pode ser feita tanto ao nível de
funcionamentos como de capacitações.

Como a liberdade tem um papel instrumental, Sen (2010, p. 25) apresenta cinco
liberdades (QUADRO 02) que ajudam “a promover a capacidade geral de uma pessoa”,
consequentemente contribuem para o desenvolvimento.

Quadro 02 – As cinco liberdades instrumentais de Sen


Oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve governar e com base em
quais princípios, além de incluir a possibilidade de fiscalizar e criticar as autoridades, de ter
Liberdades
liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura, de ter a liberdade de escolher
políticas
entre diferentes partidos políticos. Incluem os direitos políticos associados às democracias
no sentido mais abrangente.
Facilidades Oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósitos de
econômicas consumo, produção e troca.
Oportunidades Disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde etc., as quais
sociais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor.
Garantias de São as necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar: a liberdade de lidar uns
transparência com os outros sob garantias de dessegredo e clareza.
Segurança Proporcionar uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada seja
protetora reduzida à miséria abjeta, e em alguns casos, até mesmo à fome e à morte.
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Sen (2010, p. 58-60).

Estas liberdades estão interligadas e se complementam mutuamente. Liberdades


políticas promovem a segurança econômica e oportunidades sociais facilitam a participação
econômica. A criação de oportunidades sociais (educação pública, serviços de saúde,
imprensa livre) contribuem com o desenvolvimento econômico e redução das taxas da
mortalidade e leva a redução da taxa de natalidade (a influência da educação básica sobre a
taxa de fecundidade é direta, quanto maior a escolaridade menor a taxa de fecundidade) (SEN,
2010).

A AC não é propriamente uma teoria para explicar pobreza, desigualdade ou bem-


estar, mas uma forma de pensar questões normativas, sendo que na aplicação da AC para
questões de política e mudança social, muitas vezes necessita-se da adição de teorias
35

explicativas (ROBEYNS, 2005a). Para a autora, a AC é uma estrutura normativa para a


análise e avaliação do bem-estar individual e arranjos sociais e para a elaboração de políticas
e propostas sobre mudanças sociais na sociedade. Segundo a autora, ela pode ser usada para
uma gama de campos, proeminentemente em estudos sobre desenvolvimento e bem-estar
econômico, política social e filosofia política. Também pode ser usada para avaliação de
aspectos como pobreza, desigualdade, bem-estar de um indivíduo ou a média de bem-estar de
um grupo.

As políticas públicas podem aumentar as capacitações humanas através da promoção


destas liberdades. O Estado tem um papel importante na AC, pois não é possível uma pessoa
viver uma “boa vida” fazendo as escolhas as quais ela quer escolher, sem que sejam
oferecidos os bens públicos para isso, uma vez que segundo Sen (2010) duas das cinco
liberdades instrumentais estão diretamente ligadas a ele (as oportunidades sociais e a
segurança protetora). Para Sen,

The achievement of functionings depends not only on the commodities owned


by the person in question, but also on the availability of public goods, and the
possibility of using private goods freely provided by the state. Such
achievements as being healthy, being well-nourished, being literate, etc. would
depend naturally also on the public provisions of health services, medical facilities,
educational arrangements, and so on. In recognizing this, there is no need yet to
enter into the debate, which is important but need not be pursued here, as to whether
provision by the state is a cost-effective way of enhancing the relevant functionings
involved. That debate about development strategy will involve logistic and
engineering issues, which require careful assessment. What is being pointed out here
is the importance of judging development in terms of functionings achieved, and of
seeing in that light the availability and use of the means to those functionings (in the
form of possession of commodities, availability of public goods, and so on) (SEN,
1988, p 16, grifo meu).17

17
Tradução: A realização de funcionamentos depende não só dos bens de propriedade da pessoa em
questão, mas também da disponibilidade de bens públicos e da possibilidade de utilização de bens
privados fornecidos gratuitamente pelo Estado. Tais realizações como ser saudável, estar bem nutrido, ser
alfabetizado, etc. dependem naturalmente também das provisões públicas de serviços de saúde, instalações
médicas, arranjos educacionais, e assim por diante. Em reconhecimento disso, ainda não há necessidade de entrar
na discussão, que é importante, mas não precisa ser perseguida aqui, quanto a saber se a provisão por parte do
Estado é uma maneira econômica de melhorar os funcionamentos relevantes envolvidos. Essa discussão sobre a
estratégia de desenvolvimento envolve logística e questões de engenharia, que exigem uma avaliação cuidadosa.
O que está sendo apontado aqui é a importância de julgar o desenvolvimento em termos de funcionamentos
realizados, e de ver a luz que na disponibilidade e uso dos meios a esses funcionamentos (na forma da posse de
mercadorias, disponibilidade de bens públicos, e assim por diante).
36

Se a liberdade é central no desenvolvimento, logo não podem existir privações. As


formas de privação podem ser as mais diversas, desde fome até a impossibilidade de se
expressar. Analisar pobreza, desigualdade e desenvolvimento sob a perspectiva da exclusão é
fundamental, “[...] já que os excluídos só o são pelo fato de estarem privados de algo que
outros (os incluídos) usufruem” (SCHWARTZMAN, 2007, p. 37). Melhorar vidas significa
expandir as possibilidades de ser e fazer do indivíduo, isso implica dizer que “o
desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade” (SEN,
2010, p. 16).

Para Bagolin (2005), por ser uma abordagem ampla, rica e abrangente a AC tem
orientado a agenda de pesquisa em importantes centros universitários de diversas partes do
mundo e fundamentado as ações de organizações internacionais de desenvolvimento, como o
PNUD e o Banco Mundial. Alkire (2005) explica que a força da AC é a clareza do seu
objetivo: a justiça e a redução da pobreza deve expandir as liberdades que privam pessoas de
desfrutar de “valuable beings and doings” e devem ter acesso aos recursos positivos
necessários e ser capazes de fazer escolhas que são importantes para elas. A autora também
entende que essa estrutura normativa vai além da crítica da renda ao propor um novo espaço
para conceituação de pobreza e justiça.

2.4 Martha Nussbaum e a lista de capacitações humanas centrais

A filósofa Martha Nussbaum compartilha das ideias de Amartya Sen sobre a análise
da desigualdade via igualdade de oportunidades, porém, ao contrário de Sen que não
estabelece quais os funcionamentos e capacitações devem ser escolhidas para se realizar a
análise do desenvolvimento, ela propõe uma lista, a qual denomina Lista das Capacitações
Humanas Centrais (QUADRO 03). Nussbaum (2000) afirma ter iniciado sua abordagem
própria através do pensamento sobre as ideias aristotélicas de funcionamento humano e o uso
que Marx fez delas independentemente do trabalho de Sen. Embora a autora afirme que a sua
versão é diferente de Sen, os dois possuem aspectos comuns, para isso ver Nussbaum (2000),
37

Barden (2009), Bagolin (2005), Bagolin e Porsse (2004), Alkire e Deneulin (2009) e Comin
(et al., 2006).

Quadro 03 – A lista das capacitações humanas centrais 18


Ser capaz de viver até o fim de uma vida humana normal, não morrer prematuramente,
1 Vida
ou não ter uma vida tão reduzida a ponto de não ser digna de ser vivida.
2 Saúde física Ser capaz de ter boa saúde, incluindo a saúde reprodutiva, ser adequadamente nutrido,
ter um abrigo adequado.
Ser capaz de se mover livremente de um lugar para outro, tendo seu corpo tratado
como soberano, ou seja, ser capaz de estar seguro contra ataque, incluindo agressão
3 Integridade física
sexual, abuso sexual e violência doméstica, ter oportunidades de satisfação sexual e de
escolha em relação à reprodução.
Ser capaz de usar os sentidos, imaginar, pensar e raciocinar - e fazer essas coisas de
uma maneira “verdadeiramente humana”, cultivada por uma educação adequada,
incluindo, mas não limitada apenas a isso, alfabetização, matemática e ciência básica.
Sentidos, Ser capaz de usar a imaginação e pensamento em relação a experimentos e produção
4 imaginação e expressivos próprios, obras e eventos de sua escolha, religião, literatura, musicas, e
pensamentos assim por diante. Ser capaz de usar a mente protegido por garantias de liberdade de
expressão em relação aos discursos político e artístico, e a liberdade de exercício
religioso. Ser capaz de procurar o significado último da vida em seu próprio caminho.
Ser capaz de ter experiências agradáveis e, evitar a dor não necessária.
Ser capaz de ter ligações com as coisas e pessoas fora de nós mesmos, amar aqueles
que amam e cuidam de nós, lamentar a sua ausência, em geral, amar, sofrer, sentir
saudade, gratidão e raiva justificada. Não ter um desenvolvimento emocional marcada
5 Emoções
por medo avassalador e ansiedade, ou por eventos traumáticos de abuso ou
negligência. (Apoiar essa capacitação significa apoiar as formas de associação humana
que podem ser vistas como crucial para o seu desenvolvimento).
Ser capaz de formar uma concepção do bem e de se envolver na reflexão crítica sobre
6 Razões práticas
o planejamento da sua vida. (Isto implica proteção para a liberdade de consciência).
A. Ser capaz de viver com e para com os outros, reconhecer e mostrar preocupação
com os outros seres humanos, participar em diversas formas de interação social, ser
capaz de imaginar a situação do outro e ter compaixão por essa situação, ter ambas as
capacitações para a justiça e amizade. (Proteger essa capacitação significa proteger as
instituições que constituem e alimentam essas formas de filiação, e também proteger a
liberdade de reunião e de expressão política.) B. Ter as bases sociais do autorrespeito e
7 Filiação
de não humilhação, sendo capaz de ser tratado como um ser digno cujo valor é igual ao
dos outros. Isto implica, no mínimo, em proteções contra a discriminação com base na
raça, sexo, orientação sexual, religião, classe social, etnia ou nacionalidade. No
trabalho, sendo capaz de trabalhar como um ser humano, exercitando a razão prática e
entrando em relacionamentos significativos de reconhecimento mútuo com os outros
trabalhadores.
Ser capaz de viver preocupando-se e relacionando-se com os animais, as plantas, e o
8 Outras espécies
mundo da natureza.
9 Lazer Ser capaz de rir, de brincar, de desfrutar de atividades de lazer.
(Continua...)

18
NT: A versão original, em inglês, pode ser lida no anexo 3.
38

(Continuação)
A. Política. Ser capaz de participar efetivamente nas escolhas políticas que regem a
vida de uma pessoa, ter o direito de participação política, proteção da liberdade de
expressão e associação. B. Materiais. Ser capaz de manter a propriedade (terra e bens
Controle sobre o
10 móveis), e não apenas formalmente, mas em termos de oportunidade real, e ter direitos
Meio Ambiente
de propriedade sobre uma base de igualdade com os outros, tendo o direito de procurar
emprego em igualdade de condições com os outros, ter a liberdade para busca e
apreensão indevida.
Fonte: Nussbaum (2000, p. 78-80, tradução minha).

A lista proposta é, segundo a autora, resultado de anos de discussão cross-cultural. Ela


atribui prioridade para duas capacitações: raciocínio lógico e afiliação, pois “they both
organize and suffuse all the others, making their pursuit truly human” (NUSSBAUM, 2000,
p. 82). Para a autora, priorizar essas duas capacitações não significa reduzir as demais a elas,
significa que todas as outras devem estar disponíveis de modo que envolvam a razão e a
capacidade de viver com os outros. Planejar a própria vida sem ser capaz de fazê-la com
preocupação e reciprocidade com os outros seres humanos é se comportar de uma maneira
incompletamente humana. A pessoa deve ser capaz de se comportar como um ser pensante, e
isso deve ser feito com e em relação aos outros de uma forma que envolva o reconhecimento
mútuo das pessoas.

Bagolin e Porsse (2004) citam que ela propõe mover-se do comparativo das
capacitações para um sentido mais prático tomando por base uma lista de princípios
constitucionais, que representa o mínimo para os requerimentos da dignidade humana.
Nussbaum (2000, p. 72) justifica sua abordagem afirmando que

the intuitive idea behind the approach is twofold: first, that certain functions are
particularly central in human life, in the sense that their presence or absence is
typically understood to be a mark of the presence or absence of human life; and
second – this is what Marx found in Aristotle – that there is something that it is to do
these functions in a truly human way, not a merely animal way. 19

19
Tradução: A ideia intuitiva por detrás da abordagem é dupla: em primeiro lugar, que determinadas funções são
particularmente centrais da vida humana, no sentido que sua presença ou ausência é geralmente entendida como
sendo um sinal da presença ou ausência de vida humana e, em segundo lugar - o que Marx encontrou em
Aristóteles - que existe o uso dessas funções de um modo genuinamente humano, não meramente animal.
39

Sobre a lista, Gasper (apud COMIN et al., 2006), argumenta a favor com as seguintes
afirmações: ela (a) mostra a inadequação de tentar medir justiça apenas em termos de
procedimento justo, (b) o papel da lista é comparável à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, e (c) uma lista pode ser interpretada de acordo com o contexto.

Segundo Alkire e Deneulin (2009) Sen (2010) não faz objeção ao fato de Nussbaum
tentar eliminar a incompletude de sua abordagem, entretanto entende que a fixação de uma
lista nega às pessoas a possibilidade de participação na definição daquilo que deve ser
incluído e o porquê da inclusão. Para Macana (2008, p. 88) a intenção de Nussbaum “é
promulgar uma base de princípios políticos e de direitos universais”.

Convém explicar que existe uma grande vantagem na abordagem de Nussbaum. Para
Bagolin e Porsse (2004) a lista serve de suporte para a política e sua abordagem mesmo não
sendo uma teoria completa da justiça apresenta-se

[...] como um instrumental com o objetivo de permitir determinar um social mínimo


decente em áreas variadas da vida humana. Por isso, a lista de dez capacitações
humanas centrais é crítica para a sua abordagem, no sentido em que determina tal
nível mínimo (BAGOLIN; PORSSE, 2004, p. 06).

A proposta da definição de uma lista de capacitações humanas centrais proporciona


analisar se a pessoa é “verdadeiramente humana”, pois “a ausência de capacitação para
funcionar pode ser suficientemente forte que não permite que a pessoa se torne um ser
humano” (BAGOLIN; PORSSE, 2004, p. 4). Para Nussbaum (2000), a lista representa o nível
mínimo de capacitações que a pessoa deve ter. As autoras também afirmam que a partir dessa
lista, pode ser feita a seguinte pergunta: a pessoa é capaz de realizá-la ou não? Assim, avalia-
se o que a pessoa faz e o que ela está em condições de fazer.
40

2.5 O desenvolvimento humano

Como afirmado nas seções anteriores, a AC influenciou os estudos sobre


desenvolvimento feitos pela ONU, e como uma operacionalização desta abordagem surgiu a
ADH. A noção de DH carrega em si a perspectiva humanística de que “people are the real
weath of a nation”20 (UNDP, 1990, p. 01), sendo assim, qualquer forma de avaliação do nível
de desenvolvimento de uma nação deve levar em conta as pessoas, isto é, aquilo que elas são
e o que querem ser. O homem é o centro do processo: “Human Development is development
by the people of the people and for the people”21 (ALKIRE, 2010), o que para Streeten (1995)
é uma visão fundamental que foi obscurecida por décadas.

Esta nova forma de reconhecer o desenvolvimento dos países foi difundida no mundo
em 1990 quando o PNUD publicou o Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH). Já no
início do primeiro relatório a afirmação “Human development is a process of enlarging
people’s choice”22 (UNDP, 1990, p. 1) refletia a mudança no pensamento relacionado ao
conceito de desenvolvimento. Essa forma não levaria mais em conta apenas indicadores
monetários como o PIB, mas indicadores de saúde, educação e outros. Segundo o PNUD,

o conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de


ampliação das escolhas das pessoas para que elas tenham capacidades 23 e
oportunidades para serem aquilo que desejam ser. Diferentemente da perspectiva do
crescimento econômico, que vê o bem-estar de uma sociedade apenas pelos recursos
ou pela renda que ela pode gerar, a abordagem de desenvolvimento humano

20
Tradução: As pessoas são a real riqueza de uma nação.
21
Tradução: Desenvolvimento Humano é o desenvolvimento pelo povo, do povo e para o povo.
22
Tradução: Desenvolvimento humano é um processo de ampliação das escolhas humanas.
23
Importa observar que os termos capacidades, capacitações, funcionamentos, entitulamentos, entre outros, são
traduzidos da versão original, em Inglês, e nem sempre as traduções conseguem capturar a essência da palavra,
como bem alerta Bagolin (2005, p. 14): “A palavra ‘capability’ significa a confluência de ‘capacity’+‘ability’.
Ela expressa a habilidade que os indivíduos possuem para expandirem suas capacidades. No Brasil, deve-se
notar que na versão em português do livro do Professor Amartya Sen (2000) Desenvolvimento como Liberdade,
‘capability’ foi traduzida como ‘capacidade’. O problema com essa tradução é que ela ignora o elemento de
autonomia, de agência, que aparece com o uso da expressão ‘habilidade’ que os indivíduos possuem em moldar e
escolher as suas próprias capacidades. Com isso perde-se a dimensão de desenvolvimento humano associada à
Abordagem das Capacitações”.
Com exceção das citações originais, neste texto é utilizado o termo capacitação em vez de capacidades.
41

procura olhar diretamente para as pessoas, suas oportunidades e capacidades.


A renda é importante, mas como um dos meios do desenvolvimento e não como seu
fim. É uma mudança de perspectiva: com o desenvolvimento humano, o foco é
transferido do crescimento econômico, ou da renda, para o ser humano. O
conceito de Desenvolvimento Humano também parte do pressuposto de que para
aferir o avanço na qualidade de vida de uma população é preciso ir além do viés
puramente econômico e considerar outras características sociais, culturais e políticas
que influenciam a qualidade da vida humana. Esse conceito é a base do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) e do Relatório de Desenvolvimento Humano
(RDH), publicados anualmente pelo PNUD (PNUD, 2013a, texto digital, grifo meu).

O termo desenvolvimento humano foi cunhado pelo economista Mahbub ul Haq 24 e


tem suas origens na publicação do RDH produzido a partir da década de 1990 pelo PNUD.
Nas palavras do próprio ul Haq o objetivo era “alterar o foco da economia do
desenvolvimento da contabilidade da renda nacional para políticas centradas em pessoas.” (ul
HAQ apud FUKUDA-PARR, 2003, p. 02). Segundo o PNUD (2010), ul Haq convenceu a
instituição a publicar um relatório que constituísse uma alternativa à concentração do PIB
como medida de desenvolvimento. Inicialmente o relatório causou controvérsias e alguns
países ameaçaram boicotá-lo, porém a ONU insistiu e desde então todos os anos ele é editado.

O primeiro relatório apresentou o entendimento de que as pessoas precisam ter o


direito de escolher aquilo que elas valorizam. Elas devem ter acesso aos recursos básicos de
modo a terem um padrão de vida que lhes garanta uma vida longa e saudável, não apenas
necessidades alimentares ou boa saúde, mas escolhas adicionais como liberdade política,
garantia dos direitos humanos e respeito próprio. O foco central do relatório era a liberdade
como fundamento para o desenvolvimento.

Desde o início, dentre os objetivos do RDH, consta divulgar anualmente o Índice de


Desenvolvimento Humano (IDH) dos países. Este índice foi criado a partir dos estudos de
dois economistas, Mahbub ul Haq e Amartya Sen com a proposta de capturar as diferentes
dimensões da vida das pessoas. O relatório apresenta a cada ano o ranking de DH, sendo estes
divididos em quatro grupos: muito alto, alto, médio e baixo. O cálculo do índice é realizado
considerando três dimensões: saúde, educação e renda. A Figura 02 apresenta os componentes

24
Foi ministro da fazenda do Paquistão e diretor de planejamento de políticas do Banco Mundial.
42

do IDH. Este novo indicador proporcionou uma melhor comparação entre os países tendo em
vista que se passou a adotar um método único de comparação (PNUD, 2010).

Figura 02 – Componentes do IDH

Fonte: PNUD (2010, p. 13).

Quando o IDH completou 20 anos o PNUD reafirmou a preocupação do DH com a


liberdade, tanto nas escolhas humanas como nos processos participativos, ou seja, as
liberdades de processo que envolvem as práticas democráticas como a liberdade de expressão.

O desenvolvimento humano… reúne a produção e distribuição de bens e a expansão


e utilização das capacidades humanas. Também se centra nas escolhas – sobre o que
as pessoas devem ter, ser e fazer para assegurarem a sua própria subsistência. Além
disso, o desenvolvimento humano preocupa-se não apenas com a satisfação das
necessidades básicas, mas também com o desenvolvimento humano como um
processo participativo e dinâmico. Aplica-se de forma igual aos países menos
desenvolvidos e aos altamente desenvolvidos (PNUD, 2010, p. 12).

Por que o DH? Streeten (1995) explica que os seres humanos são fins em si mesmos e
meios de produção e apresenta seis razões para a promoção do DH:

1. O DH é um fim em si mesmo;
2. É um meio de aumentar a produtividade;
43

3. Reduz o crescimento populacional (impactando positivamente nos indicadores


de mortalidade infantil);
4. Faz bem para o ambiente (a redução da pobreza diminui a degradação
ambiental. Isto está ligado ao crescimento populacional e a pressão exercida
sobre recursos ambientais);
5. Contribui para uma sociedade civil saudável, democrática e com maior
estabilidade social;
6. Tem um apelo político, por isso pode aumentar a estabilidade política.

Para Alkire (2010) o DH tem três componentes: capacidades (capabilities), liberdade


processual25 (process freedoms) e princípios de justiça (principles of justice). O primeiro diz
respeito à capacidade que as pessoas têm de alcançar aquilo que elas valorizam, também
chamada de liberdade de oportunidade (opportunity freedom) que se refere à capacidade que a
pessoa tem para alcançar alguma coisa naquele momento. O segundo relaciona-se com o
empoderamento e a prática democrática, isto é, os seres humanos não podem ser apenas
beneficiários do desenvolvimento, eles são também agentes. Por fim, o último componente
tem a ver com o avanço das liberdades das pessoas dentro das restrições que elas têm,
incluindo recursos, tempo, informação, entre outras, e usa vários princípios para definir
prioridades e descartar rumos indesejáveis de determinadas ações26.

Alkire e Deneulin (2009) citam quatro princípios identificados por Mahbub ul Haq que
têm sido usados na aplicação do DH, que são: equidade, eficiência, participação e
sustentabilidade (QUADRO 04). É importante destacar que estes quatro princípios não são os
únicos, todavia representam um entendimento geral da ADH.

25
No original utiliza-se o termo “process freedoms” que aqui foi traduzido como liberdade processual por falta
de um correspondente mais próximo no português. Este termo se refere à liberdade que as pessoas têm de
participar do próprio processo de desenvolvimento. Aplica-se esta mesma consideração ao termo citado na
página 28.
26
No RDH 2010 são apresentado três componentes do Desenvolvimento Humano um pouco diferentes destes,
mas que remetem à mesma ideia: (1) Bem-estar: expansão das liberdades das pessoas para que as pessoas
possam prosperar, (2) Capacitação e agência: habilitação das pessoas e dos grupos para que ajam para gerar
resultados valiosos, (3) Justiça: expansão da equidade, sustentação dos resultados ao longo do tempo e respeito
pelos direitos humanos e por outros objetivos da sociedade (PNUD, 2010).
44

Quadro 04 – Os quatro princípios do DH


Baseia-se no conceito de justiça e imparcialidade. Incorpora uma consideração para a
justiça distributiva entre os grupos. No Desenvolvimento Humano buscamos a equidade
Equidade no espaço das liberdades das pessoas para viver vidas valiosas. A equidade chama
atenção para aqueles que têm oportunidades desiguais devido a várias desvantagens e
que podem exigir tratamento preferencial ou ação afirmativa.
Refere-se à utilização ótima dos recursos existentes. A partir da perspectiva do
Desenvolvimento Humano é definida como o método de alcance dos objetivos de menor
custo através do uso ótimo dos recursos humanos, materiais, ambientais e institucionais
Eficiência
para expandir as capacitações de indivíduos e comunidades. É necessário demonstrar
que a intervenção escolhida oferece o maior impacto em termos de oportunidade das
pessoas.
Diz respeito aos processos em que as pessoas agem como agentes, individualmente e em
grupos, a liberdade de tomar decisões em assuntos que afetam suas vidas e a liberdade
Participação e de influenciar o desenvolvimento em suas comunidades. Este princípio implica que as
empoderamento pessoas precisam estar envolvidas em todas as fases, não apenas como beneficiários,
mas como agentes que são capazes de perseguir e realizar objetivos que elas valorizam e
têm razão para valorizar.
Refere-se à promoção do desenvolvimento humano de tal forma que os resultados do
progresso em todas as esferas (social, política e financeira) perduram ao longo do
tempo. A sustentabilidade ambiental implica a obtenção de resultados do
desenvolvimento sem comprometer os recursos naturais e a biodiversidade da região e
Sustentabilidade sem afetar a base de recursos para as gerações futuras. A sustentabilidade financeira
refere-se à forma em que o desenvolvimento é financiado sem penalizar as gerações
futuras ou a estabilidade econômica. A liberdade cultural e respeito pela diversidade
também são valores importantes que podem contribuir para o desenvolvimento
socialmente sustentável.
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Alkire; Deneulin (2009, p. 29 e 30, tradução minha).

Na explicação apresentada por Castro (apud MARQUES, 2006, p. 27) é possível


perceber estes princípios e componentes citados acima.

O desenvolvimento humano, conceitualmente, engloba tanto o processo de


alargamento das escolhas pessoais, quanto o nível de satisfação alcançado por elas,
enfatizando os indivíduos como promotores e beneficiários do desenvolvimento
econômico. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico deve ter o objetivo de
criar o ambiente propício para as pessoas desfrutarem de uma vida longa, saudável e
criativa. Assim, os elementos da condição humana considerados críticos para
proporcionar tal ambiente referem-se à condição de uma vida longa e saudável,
acesso à educação e padrão de vida decente. Com base nessa noção elementar de
vida e condição humana distingue-se a dicotomia: a capacitação humana, que inclui
a saúde e a educação e; o uso que os indivíduos fazem das capacidades adquiridas,
para o trabalho ou para o lazer.
45

Alkire (2010) afirma que o DH é complementado por uma série de estruturas


conceituais que mesmo tendo ênfases diferentes compartilham motivações semelhantes e
agregam valor.

Em cada RDH a ADH é dirigida a um tema específico (como exemplo,


desenvolvimento sustentável em 1994, igualdade de gêneros em 1995 ou democracia em
2002)27. Esse caráter multidimensional que a ADH assume na avaliação do desenvolvimento é
uma característica fundamental que a difere de outras abordagens. Alkire (2010) apresenta 25
dimensões mencionadas nos RDHs entre 1990 e 2009 (QUADRO 05).

Quadro 05 – Dimensões mencionadas nos diferentes RDHs de 1990 a 2009


DIMENSÃO ANO
Vida longa e saudável 1990 a 2009
Conhecimento 1990 a 2009
Recursos para um padrão de vida digno 1990 a 2009
Liberdade política 1990,1991, 1997, 2004, 2009
Garantia de direitos humanos 1990, 1995, 1997, 1990, 2000
Respeito próprio 1990, 1995, 1997, 1990, 2000
Bom ambiente físico 1991, 1992, 1994
Liberdade de ação e expressão 1992
Participação 1993, 1994, 2002
Segurança humana 1994, 1996
Liberdades políticas, sociais e econômicas 1995, 1997, 1998, 1999
Ser criativo 1995, 1997, 1998, 1999, 2000
Ser produtivo 1995, 1997, 1998, 1999, 2000
Liberdade 1996, 1997
Democracia 1996
Dignidade e respeito dos outros 1997
Empoderamento 1998, 2000
Um sentimento de pertencimento a uma comunidade 1998, 1999, 2000
Segurança 2000, 2009
Sustentabilidade 2000
Usufruir de liberdades política e civil para participar na vida de sua comunidade 2003
Liberdade cultural 2004
Participação social e política 2005
Direitos civis e políticos 2007
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Alkire (2010, p. 09).

27
Para isso ver Alkire (2010) que faz uma análise mais detalhada sobre como o desenvolvimento humano foi
apresentado nos RDHs do PNUD entre 1999 e 2009.
46

A autora observa que mesmo as dimensões sendo diferentes, existe consistência entre
elas. Fazendo uma síntese do que já foi abordado nos RDHs ela propõe as dimensões que
podem ser analisadas à luz da ADH:

 Saúde e vida
 Educação
 Padrão de vida digno
 Liberdade política e liberdade processual
 Criatividade e produtividade
 Ambiente
 Social e relacional
 Cultura e artes

É importante destacar algumas considerações feitas por Alkire (2010) acerca das
dimensões da ADH trabalhadas nos RDHs. A Abordagem não define qual dimensão é mais
relevante, por isso ela permite analisar qual dimensão é mais relevante em cada cultura. O
foco na vida das pessoas e suas capacitações tem sido consistente. Todas as dimensões levam
em conta a criação de capacitações e o uso que as pessoas fazem disso, e a “ampliação das
escolhas das pessoas” é fundamental, mas apenas isso não basta, ela precisa ser
complementada por princípios como equidade, eficiência, sustentabilidade, respeito pelos
direitos humanos e responsabilidade, haja vista que ampliar liberdades de um grupo sem
seguir estes princípios pode violar as liberdades de outros levando ao aumento da
desigualdade e violação dos direitos humanos.

A partir disso, o próximo capítulo trata da relação entre saneamento básico e DH,
apresentando que a falta de saneamento priva as pessoas, principalmente os pobres, de terem
liberdade.
47

3 SANEAMENTO BÁSICO E DESENVOLVIMENTO HUMANO

As condições sanitárias nas quais uma pessoa vive podem expandir ou privar suas
liberdades. O saneamento básico constitui tanto uma privação em si mesmo como é criador de
outras. Por exemplo, uma pessoa que vive em uma localidade que não possui rede de esgoto e
drenagem poderá padecer de uma doença parasitária contraída no contato com o solo
contaminado da sua rua ou por causa de parasitas trazidos por alagamentos até a sua moradia.
Ficando doente essa pessoa pode ser privada de um emprego ou estudo, assim a primeira
privação (saneamento) provocou a segunda (emprego ou estudo).

Diante disso, o objetivo deste capítulo é tratar da relação entre saneamento e DH. Ele
está dividido em quatro partes. Inicialmente é feita uma contextualização do saneamento ao
longo dos anos. Em seguida, discute-se as dimensões do saneamento básico no Brasil
oriundas do conceito oficial adotada no país. Como o saneamento tem uma relação direta com
a saúde, a terceira parte trata disso expondo as principais doenças relacionadas a ele e como as
intervenções em saneamento podem diminuir a incidência delas. Finalmente, na quarta parte
apresenta-se a vulnerabilidade socioambiental e o entendimento da ONU referente ao direito
ao saneamento.
48

3.1 Breve histórico do saneamento básico no Brasil

O crescimento demográfico e a urbanização não planejada ao longo dos anos geraram


problemas sanitários para o Brasil. Ainda é comum a existência de cidades sem abastecimento
de água ou coleta de esgoto no país, mas, “para se entender as ações de saneamento é preciso
retroceder no tempo e buscar a compreensão dos elementos que desempenharam papéis de
destaque no processo de coletivização destes serviços” (REZENDE; HELLER, 2008, p. 49).

A necessidade com os cuidados coletivos remontam à antiguidade, segundo Rezende e


Heller (2008), há 6.000 anos. Existem registros de galerias de esgotos em Nipur (Índia) e
Babilônia construídas em 3750 a.C. e do uso de manilhas cerâmicas em 3100 a.C. nestas
construções (AZEVEDO NETTO apud NUVOLARI, 2011). Segundo Metcalf e Eddy (apud
NUVOLARI, 2011) na Roma Imperial eram feitas ligações diretas das casas até os canais de
esgotos. Outros registros arqueológicos afirmam que há 4.000 anos populações no norte da
Índia, Egito e Grécia possuíam banheiros, rede de esgoto, drenagem e aquedutos e há 2.000
anos médicos indianos recomendavam a fervura de água para o consumo humano (HELLER,
1998; COSTA, 1994).

As primeiras relações entre doenças e saneamento feitas pelos povos antigos ligavam a
presença de doenças à ira divina como punição pela ausência de cuidados com a higiene
(REZENDE; HELLER, 2008). Durante a era greco-romana os gregos conseguiram
estabelecer a relação entre doenças e saneamento. Os gregos foram os precursores da saúde
pública e os romanos os “engenheiros sanitários” utilizando suas técnicas de construção para
edificar sistemas de saneamento robustos para a época (REZENDE; HELLER, 2008). Porém,
com o passar do tempo e a evolução da ciência, sobretudo do conhecimento da microbiologia
e epidemiologia, estudos começaram a mostrar que várias doenças eram provocadas por falta
de saneamento, e nos anos de 1800 a cólera já era ligada às condições sanitárias (COSTA,
1994).
49

No Brasil, para Soares; Bernardes e Cordeiro Netto (2002) as ações de saneamento


foram conduzidas pela própria evolução do conceito de saúde pública e sua associação com o
saneamento. Na medida em que estes conceitos foram sendo formados também se modificou
a regulação sobre a qualidade das águas. É possível perceber o enfoque sanitarista, isto é, o
entendimento de que saneamento é uma ação de saúde pública prevalecendo durante a maior
parte do período. O fato de em 1920 os serviços de esgotos da Capital Federal serem de
responsabilidade do setor de saúde evidencia este enfoque (COSTA, 1994). O Quadro 06
apresenta as características que marcaram a evolução histórica do saneamento e saúde pública
no Brasil de meados do século XIX até o início do século XXI que nortearam as políticas do
setor de saneamento.

Quadro 06 – Evolução histórica dos aspectos de saúde pública e meio ambiente no setor de
saneamento no Brasil

Período Principais características


 Estruturação das ações de saneamento sob o paradigma do higienismo, isto é, como uma
Meados do século ação de saúde, contribuindo para a redução da morbi-mortalidade por doenças infecciosas,
XIX até início do parasitárias e até mesmo não infecciosas.
século XX  Organização dos sistemas de saneamento como resposta a situações epidêmicas,
mesmo antes da identificação dos agentes causadores das doenças.
 Intensa agitação política em torno da questão sanitária, com a saúde ocupando lugar central
na agenda pública: saúde pública em bases científicas modernas a partir das pesquisas de
Oswaldo Cruz.
Início do século XX
 Incremento do número de cidades com abastecimento de água e da mudança na orientação
até a década de 30
do uso da tecnologia em sistemas de esgotos, com a opção pelo sistema separador absoluto,
em um processo marcado pelo trabalho de Saturnino de Brito, que defendia planos
estreitamente relacionados com as exigências sanitárias (visão higienista).
 Elaboração do Código das Águas (1934), que representou o primeiro instrumento de
controle do uso de recursos hídricos no Brasil, estabelecendo o abastecimento público como
Décadas de 30 e 40 prioritário.
 Coordenação das ações de saneamento (sem prioridade) e assistência médica (predominante)
essencialmente pelo setor de saúde.
 Surgimento de iniciativas para estabelecer as primeiras classificações e os primeiros
parâmetros físicos, químicos e bacteriológicos definidores da qualidade das águas, por meio
Décadas de 50 e 60 de legislações estaduais e em âmbito federal.
 Permanência da dificuldade em relacionar os benefícios do saneamento com a saúde,
restando dúvidas inclusive quanto à sua existência efetiva.
 Predomínio da visão de que avanços nas áreas de abastecimento de água e de esgotamento
sanitário nos países em desenvolvimento resultariam na redução das taxas de mortalidade,
embora ausentes dos programas de atenção primária à saúde.
 Consolidação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), com ênfase no incremento
Década de 70
dos índices de atendimento por sistemas de abastecimento de água.
 Inserção da preocupação ambiental na agenda política brasileira, com a consolidação dos
conceitos de ecologia e meio ambiente e a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente
(SEMA) em 1973.
(Continua...)
50

(Continuação)
 Formulação mais rigorosa dos mecanismos responsáveis pelo comprometimento das
condições de saúde da população, na ausência de condições adequadas de saneamento (água
e esgotos).
Década de 80  Instauração de uma série de instrumentos legais de âmbito nacional definidores de políticas
e ações do governo brasileiro, como a Política Nacional do Meio Ambiente (1981).
 Revisão técnica das legislações pertinentes aos padrões de qualidade das águas.
 Ampliação do conceito de saúde na Constituição Federal de 1988.
 Ênfase no conceito de desenvolvimento sustentável e de preservação e conservação do meio
ambiente e particularmente dos recursos hídricos, refletindo diretamente no planejamento
das ações de saneamento.
 Instituição da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei
Década de 90 até o
9.433/97).
início do século XXI
 Incremento da avaliação dos efeitos e consequências de atividades de saneamento que
importem impacto ao meio ambiente.
 Lei da saúde (8080/90).
 Criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
2007 em diante
 Instituição das diretrizes nacionais para o saneamento básico com a Lei 11.445
(período incluído pelo
autor)  Instituição da política nacional de resíduos sólidos com a Lei 12.305.

Fonte: Adaptado pelo autor com base em Branco (1991), Cairncross (1989), Costa (1994) e Heller (apud Soares,
Bernardes; Cordeiro Netto, 2002).

Sobre o período apresentado no quadro acima, observa-se que até a década de 1930
predominava a visão higienista, entretanto nas décadas de 1950 e 1960 ainda restavam
dúvidas sobre a relação entre saneamento e saúde. É de fato a partir dos anos de 1980 que se
definem com mais exatidão que as condições inadequadas de saneamento comprometem a
saúde. Após essa década as questões de sustentabilidade também passam a ser observadas
considerando a preservação do meio ambiente nas ações de saneamento. É apenas em 2007
que uma legislação mais completa para o saneamento é elaborada.

Turolla (2002) afirma que a década de 1960 foi onde se iniciaram as grandes
mudanças. A “Carta de Punta del Este” assinada pelos países das Américas definiu como
diretriz a melhoria no atendimento de água e esgoto para a população e o governo militar
priorizou estes serviços criando o Banco Nacional de Habitação. Na década de 1970 o Plano
Nacional de Saneamento (PLANASA) foi lançado pelo governo federal. Este plano teve como
alvo atender 80% da população urbana com serviços de água e 50% esgoto até 1980. Porém,
na década de 1980 vários problemas ocorreram, entre eles, a falta de financiamento para as
obras, e o plano foi extinto. Por fim, na década de 1990 foram desenvolvidos vários planos de
saneamento, como podem ser visto no Quadro 07.
51

Quadro 07 – Principais programas federais em saneamento na década de 1990


Programa Período Financiamento Beneficiário/Desdobramentos
PRONURB 1990/1994 FGTS e contrapartida População urbana em geral, com prioridade à baixa renda.
Pró-Saneamento 1995- FGTS e contrapartida Preponderantemente áreas com famílias com renda de até
12 s.m..

PASS 1996- OGU e contrapartida, BID e Bird População de baixa renda em municípios com maior
concentração de pobreza

PROSEGE 1992/1999 BID e contrapartida População de baixa renda, privilegiando comunidades


com renda de até 7 s.m..
FUNASA-SB - OGU e contrapartida Apoio técnico e financeiro no desenvolvimento de ações
com base em critérios epidemiológicos e sociais.
PMSS I 1992/2000 Bird e contrapartida Estudos e assistência técnica aos estados e municípios em
âmbito nacional; investimentos em modernização
empresarial e aumento de cobertura dirigidos a CASAN,
EMBASA e SANESUL.

PMSS II 1998/2004 Bird e contrapartida Passa a financiar companhias do Norte, Nordeste e


Centro-Oeste e estudos de desenvolvimento institucional.
PNCDA 1997- OGU e contrapartida Uso racional de água em prestadores de serviço de
saneamento, fornecedores e segmentos de usuários.

FCP/SAN 1998- FGTS, BNDES e Concessionários privados em empreendimentos de


contrapartida ampliação de cobertura em áreas com renda de até 12
s.m..
PROPAR 1998 BNDES Estados, municípios e concessionários contratando
consultoria para viabilização de parceria público-
privada.
PROSAB 1996 - FINEP, CNPq, CAPES Desenvolvimento de pesquisa em tecnologia de
saneamento ambiental.
Fonte: Turolla (2002, p. 15).

Segundo Turolla (2002) estes programas federais podem ser enquadrados em dois
conjuntos, um voltado para a redução das desigualdades socioeconômicas que privilegiava
sistemas sem viabilidade econômico-financeira (PRONURB, Pró-Saneamento, PASS,
PROSEGE e Programa Funasa) e que receberam a maior parte dos recursos, e o outro voltado
para a modernização e para o desenvolvimento institucional dos sistemas de saneamento
(PMSS, PNCDA, FCP-SAN, PROPAR e PROSAB). A Política Nacional de Saneamento foi
mantida durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) visava
universalizar os serviços até 2010, porém a política não chegou a ser institucionalizada na
forma de lei, o que prejudicou sua implementação.
52

Durante todo esse período o setor de saneamento passou por vários problemas, como
falta de recursos, de legislação e de políticas, só a partir do final dos anos 2000, quando foi
promulgada a Lei do Saneamento (lei 11.447/2007), lançado o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) no mesmo ano e a Lei dos Resíduos Sólidos em 2010 (lei 12.305/2010)
foi que o setor se reestruturou.

3.2 As dimensões do saneamento básico no Brasil

A noção de saneamento assumiu conteúdos distintos ao longo do tempo de acordo


com a cultura, classe social, condições materiais, níveis de conhecimento e com a própria
relação do homem com a natureza (RUBINGER, 2008). Entretanto o que se observa é que
estes conteúdos sempre compartilharam de uma mesma base conceitual: o entendimento de
que a intervenção no ambiente de modo a oferecer água potável, coleta de lixo, esgoto e um
ambiente livre de animais transmissores de doenças, como insetos e roedores proporciona
bem-estar para a população. Costa (1994, p. 11) apresenta uma definição que relaciona
saneamento e saúde. Segundo ele, “[...] é uma intervenção física do homem no ambiente,
visando manter ou alterar o meio, de forma a evitar e controlar doenças [...] e propiciar bem-
estar para a população” .28

Em nível nacional, a Lei 11.445, de 2007, assim definiu saneamento básico:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se:


I - saneamento básico: conjunto de serviços, infraestruturas e instalações
operacionais de:
a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e
instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação
até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações
operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos
esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio
ambiente;

28
No Anexo 1 é apresentado um quadro com diversas definições de saneamento encontradas na literatura sobre o
tema e identificadas por Rubinger (2008).
53

c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades,


infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo,
tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e
limpeza de logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades,
infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de
transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias,
tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas;
(BRASIL, 2007, texto digital)

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), baseada na referida lei


sintetizou como sendo o

conjunto de ações com o objetivo de alcançar níveis crescentes de salubridade


ambiental, nas condições que maximizem a promoção e a melhoria das condições de
vida dos meios urbano e rural, compreendendo o abastecimento de água, o
esgotamento sanitário, o manejo de águas pluviais e o manejo de resíduos sólidos.
(IBGE, 2011, p. 11).

Como visto, o saneamento básico no Brasil, definido pela lei, ampliou o conceito
passando a compreender quatro dimensões que podem ser visualizadas na figura abaixo.

Figura 03 – As quatro dimensões do saneamento básico no Brasil

Fonte: Elaborado pelo autor com base em BRASIL (2007).

Entretanto, convém entender que saneamento básico não é o mesmo que saneamento,
e provavelmente este primeiro é utilizado apenas no Brasil. Costa (1994) afirma que nos fins
54

da década de 1950 foi cunhado o termo “saneamento básico” no país, tendo em vista que
como eram várias as atividades de saneamento, e não se tinha recursos suficientes para todas
elas, era preciso estabelecer o “básico”. Ele atribui a Costa e Silva (apud COSTA, 1994) a
versão mais usual a respeito da origem da expressão criada no período de planejamento do
nordeste através da SUDENE nas décadas de 50 e 60:

Porque os recursos governamentais para enfrentar os problemas de saneamento


naquela oportunidade eram muito restritos, e se tinha que estabelecer o que era
‘básico’ para interferir no ambiente e obter os melhores resultados. Ficou
estabelecido que o ‘básico’ era água potável e disposição ordenada dos excrementos
(COSTA E SILVA apud COSTA, 1994, p. 14).

Portanto, o saneamento do meio é mais amplo que o saneamento básico, pois


compreende atividades que vão além do fornecimento de água e esgotamento sanitário.
Philippi Júnior e Malheiros (2005) apresentam as principais atividades que o compõe:

 Sistema de abastecimento de água;


 Sistema de coleta e tratamento de águas residuais;
 Sistema de limpeza pública;
 Sistema de drenagem urbana;
 Controle de artrópodes e roedores de importância à saúde pública (moscas,
mosquitos, baratas, ratos, etc.);
 Controle da poluição das águas, do ar e do solo;
 Saneamento de alimentos;
 Saneamento nos meios de transporte;
 Saneamento de locais de reunião, recreação e lazer;
 Saneamento de locais de trabalho;
 Saneamento de escolas;
 Saneamento de hospitais;
 Saneamento de habitações;
 Saneamento no planejamento territorial;
 Saneamento em situações de emergência etc.
55

Porém, ainda é comum o uso do termo saneamento para se referir a esgotamento


sanitário. Diante disso, Rubinger (2008) afirma que é característica marcante na história do
saneamento no Brasil a ênfase em água e esgotamento sanitário, por isso, parte dos textos
publicados, principalmente em reportagens, faz a vinculação de saneamento a esgoto. A
autora chama a atenção para o fato de isso também ser encontrado em diferentes estudos
nacionais e internacionais, inclusive relatórios da ONU 29.

3.3 Saneamento básico e sua relação com a saúde

A saúde das pessoas influencia diretamente o desenvolvimento de um local, tendo em


vista que “a participação do indivíduo na atividade econômica e social depende de uma vida
saudável, para tanto, é fundamental o acesso ao saneamento básico, assim como à moradia, à
saúde e à educação” (GALVÃO JUNIOR, 2009, p. 549).

Para a World Health Organization – WHO saúde é “a state of complete physical,


mental and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity”30 (WHO,
1946, p. 01). No Brasil, a 8ª Conferência Nacional de Saúde ampliou este conceito, definindo
saúde como:

Em seu sentido mais abrangente, a saúde é resultante das condições de alimentação,


habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de
tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem
gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986, p. 04).

Tanto o conceito da WHO como o da Conferência inserem outros determinantes que


influenciam a saúde. Eles são claros ao considerar que um indivíduo doente é um indivíduo
com um estado de bem-estar físico, mental e social incompleto, não simplesmente um

29
Alguns estudos que fazem uso deste sinônimo: Rezende; Heller; Queiroz (2009); Neri (2007); PNUD (2006).
30
Tradução: É um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente presença ou ausência
de doença.
56

indivíduo sem doença. Mesmo assim, não se pode desassociar saúde de doença, visto que
estes determinantes (alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, posse de terra, serviços de saúde) podem ser
responsáveis pelo surgimento de várias doenças.

Diferentes estudos têm estabelecido a relação de diversas doenças à falta de


saneamento31. Algumas das doenças que podem ser transmitidas pela ingestão direta de água
contaminada são: febres tifoide e paratifoide, disenterias bacilar e amebiana, cólera, hepatite
infecciosa, poliomielite e enteroinfecções em geral. Por outro lado, o contato com a água
contaminada também provoca doenças como: Esquistossomose, infecções nos olhos, ouvidos,
nariz e garganta e doenças de pele. Fora estas, nas quais os agentes patológicos se utilizam da
água para transmitir, ainda existem aquelas nas quais os veículos são excretas, humanas e de
outros animais, e lixo.

Nuvolari (2011, p. 17) apresenta dados relativos à Europa e afirma que entre os anos
de 1345 e 1349, 43 milhões de pessoas morreram vítimas da peste bubônica. Esta doença é
transmitida por pulgas infectadas por ratos, segundo o autor, “limpeza não era exatamente um
atributo daquelas populações”.

Cerca de 24% do total de doenças no mundo e 23% de todas as mortes são decorrentes
de fatores ambientais, assim como, 94% dos casos de diarreia também estão ligadas a estes
fatores (PRÜSS-ÜSTÜN; CORVALÁN, 2006). Dados também indicam que 80% das doenças
e 65% das internações hospitalares no Brasil estão correlacionadas com o saneamento
(SAIANI; TONETO JÚNIOR, 2008).

Heller (1997, p. 70) revisou acerca da relação entre saneamento e saúde, e concluiu
que “os estudos realizados já permitem afirmar, com segurança, que intervenções em

31
Prüss-Üstün; Corvalán (2006); Calijuri (et al., 2009); Teixeira; Pungirum (2005) Ludwig (et al., 1999); Moraes
(1997a, 1997b, 1997c); Heller (1997); Feachem (et al., 1983); Mara; Alabaster (1995); Cairncross; Feachem
(1990); Dacach (1990).
57

abastecimento de água e em esgotamento sanitário provocam impactos positivos em


indicadores diversos de saúde”. Um estudo realizado pelo Centro de Políticas Sociais da
Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV) em 2007 no Brasil concluiu que morrem mais crianças
de 1 a 6 anos quando elas não dispõem de rede de esgoto em suas residências (NERI, 2007).

Segundo Heller (1997, p. 32) “no final da década de 70, esforços foram iniciados no
sentido de se estudarem as doenças infecciosas, sob o enfoque das estratégias mais adequadas
para seu controle”. Feachem (et al., 1983) classificou as doenças de uma forma diferente da
classificação biológica clássica, que agrupa as doenças segundo o agente: vírus, bactéria,
protozoário ou helminto. A classificação proposta pelo autor leva em conta suas vias de
transmissão e seu ciclo. O Quadro 08 sintetiza as infecções relacionadas com saneamento.
Elas estão divididas em três grupos (vias de transmissão), excretas, lixo e água. Cada grupo
está dividido em categorias, que são agrupadas de acordo com seu mecanismo de transmissão.

Quadro 08 – Classificação ambiental das infecções por via de transmissão


VIA DE
Nº CATEGORIA INFECÇÃO
TRANSMISSÃO

Enterobíase
Infecções enteroviróticas
RELACIONADAS COM AS EXCRETAS

Hymenolepíase
1 Doenças feco-orais não bacterianas
Amebíase
Giardíase
Balantidíase

Febre tifóide e paratifóide


Salmonelose
Disenteria bacilar
2 Doenças feco-orais bacterianas
Cólera
Diarréia por E. coli
Enterite campylobacteriana
Ascaridíase
3 Helmintos do solo Tricuríase
Ancilostomíase

4 Teníases Teníases

(Continua...)
58

(Continuação)

Esquistossomose e outras doenças provocadas


5 Helmintos hídricos
por helmintos.

Filariose e todas as infecções listadas nas


Doenças transmitidas
6 categorias 1 a 5, das quais moscas e baratas
por insetos
podem ser vetores.

Infecções excretadas transmitidas por moscas


RELACIONADAS COM O LIXO

Doenças relacionadas com ou baratas.


1
vetores insetos Filariose
Tularemia

Peste bubônica
Leptospirose
Tifo exantemático
Doenças relacionadas com
2
vetores roedores
Demais doenças relacionadas com a moradia, a
água e as excretas e cuja transmissão ocorre por
roedores.

Diarréias e disenterias
Disenteria amebiana
Balantidíase
Enterite campylobacteriana
Cólera
RELACIONADAS COM A ÁGUA

Diarréia por Escherichia coli


Giardíase
Diarréia por rotavírus
Feco-oral (transmissão hídrica ou Salmonelose
1
relacionada com a higiene) Disenteria bacilar
Febres entéricas
Febre tifóide
Febre paratifóide
Poliomielite
Hepatite A
Leptospirose
Ascaridíase
Tricuríase
Doenças infecciosas da pele
Relacionada com a higiene
Doenças infecciosas dos olhos
2 (a) Infecções da pele e dos olhos
Tifo transmitido por pulgas
(b) Outras
Febre recorrente transmitida por pulgas
(Continua...)
59

(Continuação)

Baseada na água
Esquistossomose
3 (a) Por penetração na pele
Difilobotríase e outras infecções por helmintos
(b) Por ingestão

Doença do sono
Filariose
Transmissão através de inseto
Malária
vetor
4 Arboviroses
(a) Picadura próximo à água
Febre amarela
(b) Procriam na água
Dengue
Leishmaniose
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Feachem (et al., 1983); Mara; Alabaster (1995); Cairncross; Feachem
(1990); Dacach (1990).

Heller (1997) afirma que as melhorias do meio ambiente determinaram a redução das
taxas de doenças diarreicas e no controle das epidemias de tifo e cólera na Europa e América
do Norte entre 1860 e 1920. Estudos mostram que intervenções no saneamento diminuem a
incidência e prevalência de doenças32.

A Tabela 01 apresenta dados de um relatório do World Bank apresentado em 1993.


Nela é possível observar o impacto que pequenas melhorias nas residências poderiam causar
nos indicadores. À época, cerca de 30% do total de doenças nos países em desenvolvimento
estavam relacionadas ao ambiente doméstico. Um quarto deste total poderia ser evitado,
principalmente diarreia e infecções respiratórias, com pequenas melhorias nas residências em
relação ao acondicionamento do lixo, fornecimento de água e esgoto. Com estas melhorias,
poderia se obter 40% de redução em diarreias e vermes intestinais e 30% em tracomas e
doenças comuns em áreas tropicais, como esquistossomose, tripanossomíase americana e
filariose bancroftiana (WORLD BANK, 1993).

32
Fewtrell (et al., 2005); Moraes (1997a; 1997b; 1997;); Mascarini (et al., 2009); Teixeira; Pungirum (2005);
Kronemberger; Júnior (2010); Kronemberger (2013); Rasella (2013).
60

Tabela 01 – Carga estimada de doenças em ambientes domésticos pobres em países


demograficamente desenvolvidos e suas potenciais reduções através de melhores serviços
domésticos (1990) 33

Carga de
Carga de
Principais Carga destas Redução doenças
doenças evitada
doenças doenças em países alcançada evitada por
através das
relacionadas Problemas ambientais em através de 1.000
intervenções
a ambientes relevantes desenvolvimento pequenas habitantes
(milhões de
domésticos (milhões de intervenções (milhões de
DALYs por
pobres DALYs por ano) (%) DALYs por
ano)
ano)
Tuberculose Aglomeração 46 10 5 1.2
Saneamento,
Diarreia abastecimento de água, 99 40 40 9.7
higiene

Abastecimento de água,
Tracoma higiene, saneamento e 3 30 1 0.3
coleta de lixo
Saneamento, coleta de
Doenças
lixo, criação de vetores 8 30 2 0.5
tropicais
ao redor da casa
Saneamento,
Vermes
abastecimento de água, 18 40 7 1.7
intestinais
higiene

Infecções Poluição do ar na casa,


119 15 18 4.4
respiratórias aglomeração

Doenças
respiratórias Poluição do ar na casa 41 15 6 1.5
crônicas

Câncer do
aparelho Poluição do ar na casa 4 10 * 0.1
respiratório
Total 338 - 79 19.4
Legenda: DALY significa “disability-adjusted life years”. É uma unidade usada para medir a carga global da
doença e a eficácia das intervenções de saúde. É calculada como o valor presente dos anos futuros de vida livre
de incapacidade que são perdidos como resultado das mortes prematuras ou casos de deficiência que ocorrem em
um determinado ano.
Fonte: World Bank (1993, p. 90, tradução minha).

Também sobre intervenções na área, Heller (1998, p. 11) apresenta uma lista de
prioridades de intervenção no saneamento para o controle de infecções por parasitas.

33
A tabela original está disponível no anexo 2.
61

(a) hygiene education actions, emphasizing food hygiene and conservation, garbage
handling, water handling, feces disposal from children diapers and the control of
vectors in the domicile and the plot; (b) implementation of adequate solutions for
wastewater and excreta disposal regarding its elimination from the streets; (c)
prioritization, in housing programs, of sanitary facilities and domestic reservoirs,
regarding elimination of water storage in vessels; (d) improvement of urban solid
wastes management, increasing the catching area and the frequency of collection to
a minimum of three times a week, as well as providing the population with
information regarding the adequate domestic storage of garbage; (e) implementation
of measures to flood control in plots.34

Como visto, intervenções podem ser desde ações de educação com ênfase na higiene
dos alimentos, até implementação de soluções adequadas para a disposição de excretas e
coleta frequente de resíduos sólidos. Os serviços de saneamento são de vital importância para
proteger a saúde da população, minimizar as consequências da pobreza e proteger o meio
ambiente (TEIXEIRA; PUNGIRUM, 2005), assim intervenções no sistema de saneamento
básico proporcionam efeitos positivos na vida dos indivíduos.

Entretanto, além dos efeitos diretos obtidos pela qualidade e quantidade de


investimentos em água e esgotamento sanitário como a interrupção da transmissão de doenças
e melhoria da nutrição das pessoas, efeitos indiretos significativos surgem, como o aumento
da comercialização da produção e comercialização que são influenciados pela capacidade de
trabalho e aprendizado. Este é um ciclo onde melhorias nos sistemas sanitários proporcionam
melhorias na saúde das pessoas e, consequentemente, melhorias em outras áreas, como
educação, trabalho e lazer (FIGURA 04).

34
Tradução: (a) ações de educação sanitária, enfatizando a higiene dos alimentos e conservação, manejo de lixo,
tratamento de água, eliminação de fezes de fraldas de crianças e o controle de vetores no domicílio e no terreno,
(b) a implementação de soluções adequadas para águas residuais e dejetos e sua eliminação das ruas, (c) a
priorização, nos programas habitacionais, de instalações sanitárias e reservatórios domésticos, em relação a
eliminação de armazenamento de água nos vasos, (d) melhoria da gestão dos resíduos sólidos urbanos,
aumentando a área de captura e a frequência de recolhimento de no mínimo três vezes por semana, bem como
oferecer à população informações sobre o armazenamento adequado de lixo doméstico, (e) implementação de
medidas de controle de enchentes em terrenos.
62

Figura 04 – Esquema conceitual dos efeitos diretos e indiretos do abastecimento de água e do


esgotamento sanitário sobre a saúde

Fonte: Cvejatanovic (apud SOARES; BERNARDO; NETTO, 2002, p. 1717).

Além dos efeitos na saúde, existem outros efeitos da falta de saneamento na vida das
pessoas. Albuquerque (2012) afirma que ter saneamento é ter dignidade e cita o fato de
milhões de mulheres gastarem horas do dia para buscar água, ficando assim impedida de
participarem de atividades produtivas e de educação. Entretanto, com exceção das publicações
ligadas à ONU, praticamente não se encontram textos que apresentem outros impactos do
saneamento.

O poder público pode melhorar a saúde das pessoas através de ações com vistas ao
saneamento. “O saneamento, [é] uma das armas da saúde pública [...] (DACACH, 1990,
p.1)”. Segundo Mota (2005, p. 811) “as atividades de saneamento integram as ações de saúde
pública, pois visam à saúde da população, no sentido mais amplo”. A lei 8080/90, que dispõe
63

sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o


funcionamento dos serviços correspondentes, afirma que “a saúde é direito fundamental do
ser humano e é dever do Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”
(BRASIL, 1990, texto digital).

3.4 Vulnerabilidade socioambiental e o direito ao saneamento

É comum o uso do termo vulnerabilidade para denotar risco, fragilidade, desproteção e


dano. Discussões sobre a vulnerabilidade das pessoas são feitas em diversas áreas de estudos,
como por exemplo, nos estudos epidemiológicos que analisam os riscos de exposição a
patogenias, entretanto, quando o termo é aplicado aos estudos sociais a análise é mais
complexa, tendo em vista as muitas relações existentes entre os fatores que causam os
problemas sociais (CEPAL, 2002).

Cutter (1996, p. 530) afirma que “vulnerabilidade ainda significa diferentes coisas para
diferentes pessoas”. Para a autora a existência de muitos conceitos, e consequentemente as
discrepâncias entre eles, se dá por causa das diferenças epistemológicas e metodológicas.
Revisando estudos sobre vulnerabilidade em ambientes perigosos ela apresenta uma lista de
conceitos, que podem ser visualizados no Quadro 09 abaixo 35.

Quadro 09 – Definições selecionadas de vulnerabilidade


Gabor and Vulnerabilidade é a ameaça (para materiais perigosos) a que as pessoas estão expostas
Griffith (incluindo os agentes químicos, a situação ecológica das comunidades e seu nível de
(1980) preparação para situações de emergência). Vulnerabilidade é o contexto do risco.
Vulnerabilidade é o grau em que um sistema age negativamente para a ocorrência de um
Timmerman
evento perigoso. O grau e a qualidade da reação adversa são condicionados por um sistema de
(1981)
resiliência (uma medida da capacidade do sistema de absorver e recuperar-se do evento).
Vulnerabilidade é o grau da perda de um determinado elemento ou conjunto de elementos de
Undro (1982)
risco resultante da ocorrência de um fenômeno natural de uma dada magnitude
Susman (et Vulnerabilidade é o grau em que as diferentes classes da sociedade estão diferencialmente em
al., 1984) risco.
(Continua...)

35
A versão original, em inglês, pode ser consultada no Anexo 4.
64

(Continuação)
Pijawka and Vulnerabilidade é a ameaça ou a interação entre risco e preparação. É o grau em que materiais
Radwan perigosos ameaçam um determinado risco populacional e a capacidade da comunidade para
(1985) reduzir o risco ou consequências adversas destes materiais.
Vulnerabilidade é operacionalmente definida como a incapacidade de tomar medidas eficazes
Bogard para assegurar-se contra perdas. Quando aplicado a indivíduos, a vulnerabilidade é uma
(1989) consequência da impossibilidade ou improbabilidade de atenuação eficaz e é uma função da
nossa capacidade de detectar os riscos.
Mitchell Vulnerabilidade é a perda potencial.
(1989)
Distingue-se entre vulnerabilidade com uma condição biofísica e vulnerabilidade como
Liverman definida pelas condições política, social e econômica da sociedade. Ela argumenta para a
(1990a) vulnerabilidade no espaço geográfico (onde pessoas e espaços vulneráveis estão localizados) e
vulnerabilidade no espaço social (quem em um lugar é vulnerável).
Vulnerabilidade tem três conotações: refere-se a uma consequência (por exemplo, histamina)
em vez de uma causa (por exemplo, seca); implica uma consequência adversa (por exemplo, a
Downing
produção de milho é sensível à seca; famílias são vulneráveis à fome); e é um termo relativo
(1991b)
que diferencia grupos socioeconômicos ou regiões, em vez de uma medida absoluta de
privação.
Vulnerabilidade é a capacidade diferente de grupos e indivíduos para tratar com perigos,
Dow (1992)
baseada nas suas posições dentro de mundos físicos e sociais.
Risco de um perigo específico que varia com o tempo e de acordo com as alterações em
Smith (1992) qualquer (ou ambas) exposição física ou vulnerabilidade humana (a amplitude da tolerância
social e econômica disponível no mesmo local).
Alexandre Vulnerabilidade humana é uma função dos custos e benefícios de habitar áreas de risco de
(1993) desastres naturais.
Vulnerabilidade é a probabilidade de que um indivíduo ou grupo será exposto e negativamente
Cutter (1993) afetado por um perigo. É a interação dos perigos do local (risco e mitigação) com o perfil
social das comunidades.
Vulnerabilidade é definida em termos de exposição, capacidade e potencialidade. Por
Watts and conseguinte, a resposta prescritiva e normativa de vulnerabilidade é reduzir a exposição,
Bohle (1993) melhorar capacidade, reforçar o enfrentamento potencial de recuperação e reforçar controle de
danos (i. e., minimizar consequências destrutivas) através de recursos privados e públicos.
Pela vulnerabilidade queremos dizer as características de uma pessoa ou de um grupo em
termos de sua capacidade de antecipar, enfrentar, resistir e recuperar-se do impacto de um
Blaikie (et al.,
risco natural. Trata-se de uma combinação de fatores que determinam o grau em que a vida de
1994)
uma pessoa e os meios de subsistência são colocados em risco por um discreto e identificável
caso na natureza ou na sociedade.
Vulnerabilidade é melhor definida como uma medida agregada do bem-estar humano que
integra ambiente, sociedade, economia e política a uma gama de potenciais perturbações
Bohle (et al.,
prejudiciais. Vulnerabilidade é um espaço social de múltiplas camadas e multidimensional
1994)
definida por determinadas políticas, economias e capacidades institucionais de pessoas em
locais específicos em horários específicos.
Vulnerabilidade é o diferencial suscetível de circunstâncias que contribuem para a
Dow and vulnerabilidade. Fatores biofísicos, demográficas, econômicas, sociais e tecnológicas, tais
Dowing como envelhecimento da população, a dependência econômica, o racismo e a idade da
(1995) infraestrutura são alguns dos fatores que foram examinados em associação com os desastres
naturais.
Fonte: Cutter (1996, p. 531).
65

Das dezessete definições apresentadas no quadro, sete delas relacionam o perigo a que
se está exposto, os prejuízos oriundos dele e a capacidade de recuperação daqueles que foram
afetados, é o que a Cepal (2002) define como sendo resultado da equação abaixo:

Vulnerabilidade = exposição ao risco + incapacidade de confrontá-lo


+ incapacidade de se adaptar de forma ativa

A equação acima tem origem na afirmação de Moser (1998), de que qualquer


definição de vulnerabilidade deve considerar duas dimensões: sensibilidade e resiliência. A
primeira é entendida como a magnitude de um sistema de resposta a um evento externo, a
segunda, como a facilidade e a rapidez de um sistema se recuperar. Diante disso, para o autor
alguém, ou algum grupo, é vulnerável quando está exposto ao risco e é incapaz de confrontar
este risco e ainda é incapaz de se adaptar a ele.

Existem diversos tipos de vulnerabilidade, como social, epidemiológica, alimentar,


econômica, ambiental e de lugares (vulnerability of places) (CEPAL, 2012; ALVES, 2006;
CUTTER, 1996). Não se pretende abordar cada uma destas, nem discutir seus fundamentos,
pois dentre elas a que nos interessa é a vulnerabilidade socioambiental proposta por Alves
(2006):

[...] é uma categoria analítica que pode expressar os fenômenos de interação e


cumulatividade entre situações de risco e degradação ambiental (vulnerabilidade
ambiental) e situações de pobreza e privação social (vulnerabilidade social)
(ALVES, 2006, p. 47).

Enquanto a vulnerabilidade social analisa os indivíduos, famílias ou grupos sociais, a


ambiental é discutida em termos de território, como regiões e ecossistemas (ALVES, 2006).
Assim, pode-se compreender a vulnerabilidade socioambiental como a confluência da
vulnerabilidade social com a vulnerabilidade ambiental. O autor conceitua a vulnerabilidade
social como a insegurança e a exposição a riscos e perturbações provocadas por mudanças
econômicas. Para ele essa noção oferece uma visão mais ampla sobre as condições de vida
dos grupos sociais mais pobres. Por sua vez a vulnerabilidade ambiental “é a interação entre o
66

risco existente em um determinado lugar (harzard of place) e as características e o grau de


exposição da população residente lá (CUTTER apud ALVES, 2006, p. 46).36 Essa categoria
permite observar o quanto determinados grupos sociais pobres são vulneráveis a determinadas
situações ambientais, por exemplo.

É verdade que nem todos os vulneráveis são pobres (MOSER, 1998), entretanto pode-
se afirmar que existe uma relação significativamente positiva entre pobreza e vulnerabilidade.
Herculano (2006) cita diversos casos no Brasil e no mundo nos quais a população pobre foi
impactada por desastres ambientais (alguns provocados pela ação direta do homem como
resíduos tóxicos, vazamentos, entre outros). O autor conclui assim o exame destes casos:

Façamos uma breve análise do que aqui descrevemos. O que há em comum entre
eles? A situação das famílias atingidas que, mesmo se não estão em estado de
grande pobreza, estão vulnerabilizadas, sem condições de influenciarem nas
decisões sobre a localização de fábricas e depósito e lixões; reféns de empregos
inseguros, se possibilidade de escolha, sem acesso à terra urbana, morando sobre
palafitas ou sobre os solos contaminados com os despejos industriais
(HERCULANO, 2006, p. 4).

Geralmente grupos de baixa renda residem em áreas com más condições urbanísticas e
sanitárias e em situações de risco e degradação ambiental (TORRES, 1997; SAIANI;
TONETO JÚNIOR, 2008; GALVÃO JÚNIOR, 2009). Citando dados do International
Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP) Alves (2006)
entende que a população pobre geralmente não tem acesso a saneamento adequado sendo
forçada a residir em áreas expostas a altos níveis de poluição hídrica. Como nestas áreas é
comum a presença de doenças de veiculação hídrica, isso representa séria ameaça à saúde
humana, principalmente para as crianças, que são as mais vulneráveis a estas doenças. Em
Porto Alegre, por exemplo, no final dos anos 80, a taxa de mortalidade adulta em áreas pobres
era 75% mais elevada do que em áreas ricas, e em São Paulo duas a três vezes mais elevadas
para pessoas sem profissão do que para pessoas com profissão (WORLD BANK, 1993).

36
No anexo 5 consta um quadro com as principais abordagens que estudam a vulnerabilidade social.
67

A nível global, o RDH de 2006 apresenta algumas informações que chamam a atenção
para a situação das pessoas mais pobres em relação à água e esgoto. No mundo cerca de 1,1
bilhão de pessoas não tinham acesso à água potável e 2,6 bilhões ao esgoto (40% da
população). Um terço da população sem acesso à água ganha menos de 1 dólar por dia, e no
caso do esgoto 53% vive com menos de 2 dólares por dia. Comparando a média de consumo
de água entre países ricos e pobres, percebe-se uma grande discrepância. Enquanto nos
Estados Unidos a média de consumo diário é de 575 litros por pessoa, em países como
Moçambique é menos de 10 litros. Muito disso se deve ao fato de a população não ter água
potável próximo de suas casas, tendo de andar por vários quilômetros para consegui-la. No
caso do Brasil, o relatório apresenta que 20% da população mais rica tem acesso aos serviços
de saneamento comparáveis ao dos países ricos, enquanto os 20% mais pobres são inferiores
ao que é oferecido no Vietnã 37.

Priorizar saneamento básico é vital para garantir o desenvolvimento no mundo


(PNUD, 2006). Mendonça e Motta (2005, p. 1) afirmam que “os serviços de saneamento
básico são essenciais à vida, com fortes impactos sobre a saúde da população e o meio
ambiente”. No ano 2000, durante a realização da Millennium Summit of the United Nations
(Cúpula do Milênio 38) na 55º Assembleia Geral da ONU (The Millennium Assembly of the
United Nations), foi assinada a Declaração do Milênio. Este documento foi definido pelo
então presidente da Organização, Kofi Annan, como “um documento histórico para o novo
século” (ONU, 2000, p. 02). Durante três dias, os líderes mundiais discutiram os temas mais
relevantes para a sociedade mundial e definiram alvos concretos. Estes alvos foram
denominados como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e foram organizados da
seguinte forma: 08 objetivos, 18 metas e 48 indicadores. O ano de 2015 foi definido como o
prazo para o alcance das metas39 sendo 1990 o ano base para comparação do avanço nos

37
O relatório não informa os dados relativos a este país.
38
O termo milênio foi usado justamente para deixar claro a visão da ONU de que em um novo milênio o mundo
deveria mudar, ser diferente do que é. Alguns valores e princípios guiaram a elaboração do documento, entre
eles o de “reafirmar nossa fé na Organização e na sua Carta como bases indispensáveis de um mundo mais
pacífico, mais próspero e mais justo” (ONU, 2000, p. 04)
39
Com exceção da meta 11, “até ao ano de 2020, ter melhorado consideravelmente a vida de pelo menos 100
milhões de habitantes das zonas degradadas”, todas as outras têm previsão para 2015.
68

dados. O 7º ODM traz como uma das metas reduzir pela metade, até 2015, a proporção da
população sem acesso permanente e sustentável à água potável segura 40.

É importante apresentar o entendimento da ONU sobre o direito humano ao acesso à


água e saneamento: “El derecho al agua potable y el saneamiento es un derecho humano
esencial para el pleno disfrute de la vida y de todos los derechos humanos” (ONU, 2010, p.
3). Este foi o entendimento da ONU publicada na resolução 64/292 deliberada na Assembleia
Geral em 28 de julho de 2010. Resoluções anteriores já reconheciam a importância da água e
do saneamento (esgoto) na vida das pessoas41.

A Organização considera a água e a coleta e tratamento de esgoto como um direito


humano básico, assim, excluir pessoas do acesso aos serviços de água saneamento é uma
violação dos direitos humanos. O acesso universal ao saneamento é fundamental para a
dignidade humana, privacidade e é um mecanismo de proteção da qualidade dos recursos
hídricos e os governos precisam entender que o acesso à água segura e saneamento básico é
um direito legal, e não um bem ou serviço providenciado à título de caridade (UNDP, 2006;
ONU, 2005). Para Albuquerque (2012) os direitos à água e saneamento podem ser
considerados fundamentais para a realização de muitos outros direitos humanos, pois permite
que as pessoas tenham melhor saúde, acesso à educação e oportunidades de trabalho. A água e
o saneamento são fundamentais para a redução da pobreza.

Para isso, a ONU (UNDP, 2006; ONU, 2005) estabeleceu algumas diretrizes para os
governos seguirem, as quais são:

 Os governos devem fornecer no mínimo 20 litros diários de água potável para


todos os cidadãos;
 A fonte de água deve estar a pelo menos um quilômetro de distância e o tempo de
recolha não pode ultrapassar 30 minutos;

40
O quadro completo com os objetivos e metas do milênio está disponível no Anexo 6.
41
Ver resoluções 54/175, 55/196, 58/217, 59/228, 61/192, 64/198, 7/22, 12/8.
69

 Os governos devem investir pelo menos 1% do PIB em água e saneamento;


 O preço da água no mundo reflete o princípio da injustiça, onde os pobres pagam
mais, assim os governos devem oferecê-la sem qualquer custo para os que não
podem pagar;
 O abastecimento de água e a disponibilidade de saneamento devem ser contínuos
e suficientes para usos pessoais e domésticos (beber, saneamento pessoal,
lavagem de roupa, preparação de refeições, higiene pessoal e do lar);
 Os custos com serviços de água e saneamento não podem ultrapassar 5% do
rendimento.

No Brasil, a Constituição Federal atribui à Federação, Estados e Municípios a


responsabilidade para promoção de saneamento (BRASIL, 1988, texto digital). Todavia, nem
sempre este compromisso é cumprido e existe o desafio para que todas as pessoas possam ter
acesso a estes serviços. A Tabela 02 apresenta os dados relativos à cobertura de serviços no
Brasil de 1970 a 2000. Nela percebe-se uma melhora ao longo dos anos, porém a cobertura
total é pequena. Em consequência, principalmente do foco dado pelo governo federal para o
abastecimento de água durante os anos 70 até a década de 2000, observa-se que é baixo o
nível de atendimento na coleta de esgoto no Brasil, sendo que no ano 2000 apenas metade da
população brasileira urbana atendida com rede coletora de esgoto. Os dados apresentados
pelos autores sugerem que 28% da população residente em área urbana e 87,1% na zona rural
não possuía nenhum tipo de serviço de esgoto.

Tabela 02 – Brasil: cobertura de serviços de saneamento de 1970 a 2000


1970 1980 1990 2000
% % % %
Serviço de água
tratada
Urbano - rede 60,5 79,2 86,3 89,8
Rural – rede 2,6 5,1 9,3 18,1
Coleta de esgoto
Urbano - rede 22,2 37,0 47,9 56,0
Urbano - fossa séptica 25,3 23,0 20,9 16,0
Rural – rede 0,5 1,4 3,7 3,3
Rural - fossa séptica 3,2 7,2 14,4 9,6
Fonte: Mendonça; Motta (2005, p. 02).
70

Já na Tabela 03 é possível observar que os pobres são os mais prejudicados. Quando


analisados os mesmos serviços por classe de renda, percebe-se que a população de renda mais
baixa (até dois salários mínimos) é a que tem o menor percentual de acesso aos serviços. A
coleta de esgoto para esta classe contemplava 47,2% da população, contra quase 80% da
classe mais alta. Pode-se afirmar que essa é uma condição de vulnerabilidade socioambiental,
tendo em vista que Deschamps (2004) considera vulnerabilidade socioambiental quando
existe vulnerabilidade social e ambiental em uma mesma população, condição evidenciada na
tabela.

Tabela 03 – Brasil: cobertura de serviços de saneamento por classe (2000)


Brasil Salário mínimo
Até 2 SM 2 a 5 SMs 5 a 10 SMs > 10 SMs
% % % %
Água tratada 77,8 67,4 86,1 91,1 92,6
Coleta de esgoto 47,2 32,4 55,6 67,1 75,9
Fonte: Mendonça; Motta (2005, p. 03).

Dados do Sistema Nacional de Informações do Saneamento (SNIS) (TABELA 04)


para água e esgoto no ano de 2010 confirmam a melhora no atendimento com rede de água,
esta alcançou quase 93% da população urbana contra 89,8% no ano 2000, porém, quando
observado o atendimento de rede de esgoto, os valores permaneceram praticamente
inalterados, na casa dos 50%.

Tabela 04 – Níveis de atendimento com água e esgotos dos prestadores de serviços


participantes do SNIS em 2010, segundo região geográfica

Quantidade de Índice de
Índice de atendimento Índice de atendimento
Região municípios tratamento de
com rede de água com rede de esgotos
atendidos esgotos
População População População População Esgoto Esgoto
Água Esgotos
total urbana total urbana coletado gerado
munic munic % % % % % %
Norte 345 38 57,5 71,8 8,1 10,0 91,9 22,4
Nordeste 1.595 347 68,1 87,1 19,6 26,1 86,2 32,0
Sudeste 1.512 1.111 91,3 96,6 71,8 76,9 61,2 40,8
Sul 1.091 320 84,9 96,0 34,3 39,9 78,6 33,4
Centro-Oeste 417 132 86,2 95,3 46,0 50,5 91,1 43,1
Total 4.960 1.948 81,1 92,5 46,2 53,5 68,2 37,8
Fonte: Adaptado pelo autor com base em SNIS (2010).
71

Os dados apresentados na tabela também mostram que os pobres são os menos


atendidos. As regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do país, têm o menor índice de
atendimento nos dois serviços. Em 2010 apenas 10% da população urbana tinha acesso à rede
de esgoto na região Norte e 26,1% na região Nordeste. Já o acesso à rede de água, 71,8%
norte e 87,1% nordeste, diferença substancial da região Sul que tem 96% de água e 50,5% de
esgoto.

Segundo a Fundação Nacional da Saúde em 1999 se as regiões brasileiras,


principalmente Norte e Nordeste, tivessem o mesmo nível de condições sanitárias que a
região Sul, seriam evitados cerca de 6.000 óbitos (FNS, 2010). Por outro lado, pode-se
afirmar que melhorias no saneamento resolvem não apenas parte dos problemas de
saúde/mortalidade como também geram economia para o Estado. Mello (2005) apresenta
dados da WHO que demostram uma economia de R$ 2,50 na saúde pública para cada R$ 1,00
aplicado em saneamento.

A Tabela 05 apresenta projeções para a universalização dos serviços de água e esgoto


por regiões até 2020 feita em 2009. Tomando a economia gerada na saúde apresentada por
Melo (2005) para cada real investido em saneamento, o investimento feito em 2020 geraria
uma economia nos gastos com saúde na ordem de 446 milhões de reais.

Tabela 05 – Investimentos necessários para universalizar os serviços de água e esgoto no


Brasil, 2010, 2015 e 2020

Investimentos acumulados (R$ milhões)ª


Região 2010 2015 2020
Norte 11.275 13.835 16.307
Nordeste 27.319 32.267 37.325
Sudeste 50.349 62.416 74.404
Sul 23.211 2.898 3.355
Centro-Oeste 11.470 14.507 17.314
Brasil 123.624 151.124 178.405
ª US$ 1,00 = R$ 2,18 (maio de 2009).
Fonte: Galvão Júnior (2009, p. 551).
72

O total de investimento necessário é na ordem de 178 milhões de reais, porém Neri


(2007) afirma que, seguindo a tendência encontrada na época do seu estudo, a universalização
do acesso só acontecerá no ano de 2122. Este é o desafio brasileiro para cumprir o
entendimento da ONU quanto à universalização do acesso aos serviços de saneamento.

Diante do que foi exposto neste capítulo, observa-se que o saneamento básico é
importante, pois afeta de várias maneiras a vida das pessoas, privando-as de ter liberdades que
são importantes para elas mesmas, como a liberdade de ter saúde, estudar e trabalhar. A partir
do referencial teórico apresentado neste capítulo e no anterior, no próximo capítulo são
apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para a realização do estudo de caso.
73

4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO E PROCEDIMENTOS


METODOLÓGICOS

Tomando por base a afirmação de Diehl e Tatim (2004, p. 47) de que “a pesquisa
constitui-se num procedimento racional e sistemático, cujo objetivo é proporcionar respostas
aos problemas propostos”, este capítulo apresenta o local no qual o estudo foi realizado e os
métodos e técnicas utilizados. Ele está dividido em seis partes. A primeira contextualiza o
local onde o estudo de caso foi feito. Levando em conta a escassez de dados científicos sobre
o bairro, suas características se limitaram a observação do pesquisador e aos relatos dos
entrevistados. A segunda parte expõe a classificação da pesquisa em relação aos métodos de
abordagem ao problema, ao objetivo geral e aos procedimentos técnicos. Na terceira trata-se
dos critérios de seleção da amostra. A quarta apresenta os procedimentos técnicos utilizados.
A quinta parte explica como foi feita a análise dos dados, e por fim, na sexta expõem-se as
considerações éticas deste estudo.

4.1 O contexto do local

O município de Imperatriz é formado por 43 bairros, porém contando-se as


subdivisões dos bairros, palafitas e favelas, chega-se a 80, sendo dividido em seis grandes
regiões (PREFEITURA MUNICIPAL DE IMPERATRIZ, 2010). O município chegou a ter
74

uma área que correspondia a 16% da área total do estado, porém com a criação de vários
municípios na década de 80 e 90, e consequentemente seus desmembramentos, a área passou
a corresponder a 0,46% do estado. Localiza-se em uma região relativamente plana e faz limite
com o estado do Tocantins.

O IDH 2010 para o município é 0,731. Houve melhoria ao longo dos anos, pois em
1991 era 0,444 passando para 0,591 em 2000 (PNUD, 2013b). Comparando com o índice do
Brasil, o município segue a tendência brasileira de crescimento. Em 1990 o índice brasileiro
era 0,600, em 2000 foi 0,665 e em 2011 0,718, ficando o país neste último ano em 84º no
ranking mundial, dentro do grupo dos países com alto nível de DH (UNDP, 2011).
Comparando a década de 1990 com a década de 2000 a melhoria do índice do município foi
superior a nacional. O IDH também é maior que o do estado do Maranhão para o mesmo
período. Em 1991 o índice foi 0,543, melhorando para 0,636 em 2000. A Tabela 06 apresenta
os dados desagregados e permite a comparação com o estado.

Tabela 06 – IDH Imperatriz e Maranhão para 1991, 2000, 2010


1991 2000 2010
Imperatriz Maranhão Imperatriz Maranhão Imperatriz Maranhão
IDH 0,444 0,357 0,591 0,479 0,731 0,639
Educação 0,259 0,173 0,465 0,312 0,698 0,562
Longevidade 0,593 0,551 0,712 0,649 0,803 0,757
Renda 0,570 0,478 0,623 0,531 0,697 0,612
Fonte: Elaborado pelo autor com base em PNUD (2013b).

O estudo foi realizado na Vila João Castelo, bairro localizado na região da Grande
Cafeteira. Ele faz limite com a Vila Cafeteira, Parque Amazonas e Vila Zenira. Dados
científicos sobre o bairro são escassos. Não foram identificadas análises históricas ou
pesquisas recentes sobre a localidade, assim o que se conhece vem das informações verbais
dos moradores mais antigos. O mapa 01 apresenta a localização da cidade no estado, a área
urbana do município e o bairro pesquisado.
75

Mapa 01 – Localização geográfica do bairro estudado

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Google Maps em 31 out. 2013.

O bairro está localizado na periferia da cidade, distante do Centro cerca de 7 km. O


mapa 02 é uma imagem de satélite que mostra o bairro e a área estudada, com destaque para
uma grande área alagada que existe nele. Todo o bairro tem problemas de infraestrutura
sanitária, porém a área escolhida tem alagamentos em épocas de chuva e há uma problemática
em relação a obra de saneamento feita pela prefeitura, discutida no próximo capítulo.
76

Mapa 02 – Vila João Castelo

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Google Maps em 31 out. 2013.

O bairro ocupa uma pequena área e predominantemente residencial. As poucas


atividades comerciais se resumem a mercearias e outros pequenos negócios, como salões de
beleza. Os supermercados, açougues, padarias, frutarias utilizados pelos moradores ficam no
bairro próximo, a Vila Cafeteira, bem como a Unidade Básica de Saúde. Seu surgimento deu-
se em 1991 quando um grupo de populares invadiu uma quinta 42 de gado particular, desde
então a área foi sendo povoada desordenadamente por famílias que moravam em outros
bairros e também em outras cidades. Parte do bairro fica em área alagada e carente de
infraestrutura, por esse motivo o estudo teve como foco famílias que residem nesta área.
Segundo uma moradora, uma das mais antigas, no início do bairro existiam açudes para o
gado que era criado beber. Os moradores foram chegando e aterrando a área para construir.
Ao que indica o local não deveria servir para moradia, porém após mais de 20 anos de

42
Quinta é um termo muito utilizado na região para se referir à área destinada à criação de gado.
77

povoamento, a água ficou represada. Isso provoca uma série de problemas para os moradores.
As casas frequentemente ficam com os quintais alagados e sempre que chove forte há
alagamentos.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura foi procurada pelo pesquisador durante o mês


de agosto de 2013 com objetivo de obter dados sobre a estrutura sanitária da localidade. O
secretário informou que não existem dados mais precisos sobre o saneamento da área.
Também foi protocolado junto à CAEMA pedido para realização de entrevista com o diretor
da empresa na cidade e fornecimento de dados sobre água e esgoto da cidade e do bairro. O
pedido foi encaminhado para a sede da empresa em São Luis e após quatro meses sem
resposta decidiu-se não mais esperar pela autorização e continuar a pesquisa sem estes dados
contando apenas com as informações dos moradores e da observação do local.

4.2 Tipo de pesquisa

O método de abordagem ao problema proposto neste estudo é o dedutivo, pois a


natureza do trabalho não permite generalizar seu resultado (GIL, 2002). Este método é
limitado, pois o conteúdo das conclusões do estudo não pode exceder as premissas
estabelecidas (GIL, 2002; CRUZ; RIBEIRO, 2004; CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007).

Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007) a dedução não é um método científico


propriamente dito, mas uma forma de abordagem de um tema. Ela consiste na construção de
estruturas lógicas, isso acontece por meio do relacionamento entre antecedentes e
consequentes e difere da indução porque tem o propósito de explicitar o conteúdo das
premissas enquanto a indução se preocupa em ampliar o alcance dos conhecimentos
(BARROS; LEHFELD, 2008).

Quanto ao tipo de pesquisa com base no objetivo geral proposto é um estudo


exploratório (CRUZ; RIBEIRO, 2004; GIL, 2002). Este tipo de pesquisa segundo Gil (2002)
78

tem como objetivo principal aprimorar ideias ou descobrir intuições. Ela fornece elementos
para que se formulem “problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos
posteriores” (GIL, 1989, p. 44). O autor afirma que pesquisas exploratórias são desenvolvidas
com o objetivo de proporcionar uma visão geral de determinado assunto que é pouco
explorado, por isso é realizada especialmente quando é difícil formular hipóteses precisas e
operacionalizáveis.

A pesquisa exploratória é flexível, pois não requer, necessariamente, a elaboração de


hipóteses a serem testadas no trabalho, ela se restringe à definição dos objetivos e à busca de
informações sobre determinado assunto (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007). Para estes
autores, a pesquisa exploratória realiza descrições precisas da situação, pois o que se quer é
descobrir as relações existentes entre seus elementos, assim ela requer um planejamento
bastante flexível para possibilitar a consideração dos mais diversos aspectos de uma situação.

Classificando-a em relação aos procedimentos técnicos é um estudo de caso e pesquisa


de campo. Segundo Gil (2002) o estudo de caso pode ser feito em um grupo pequeno ou até
mesmo em uma nação. Triviños (1987) afirma que o estudo de caso tem como objeto de
estudo uma unidade que é analisada profundamente. Uma vantagem deste tipo de pesquisa é a
possibilidade de realização de comparações entre diferentes casos (TRIVIÑOS, 1987).
Salienta-se que neste estudo não foram feitas comparações com outros grupos, todavia não se
descarta a realização de estudos comparativos de casos no futuro.

Esta pesquisa tem natureza qualitativa. Segundo Diehl e Tatim (2004, p. 52),

Os estudos qualitativos podem descrever a complexidade de determinado problema


e a interação de certas variáveis, compreender e classificar os processos dinâmicos
vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de dado grupo e
possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do
comportamento dos indivíduos.

Flick (2009, p. 20) também afirma que “a pesquisa qualitativa é de particular


relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das esferas da vida”. O campo
79

de estudo onde esta pesquisa se insere, é o ambiente, e nesse sentido a interação entre os
indivíduos e o ambiente é constante. “Portanto, os campos de estudo não são situações
artificiais criadas em laboratório, mas sim práticas e interações dos sujeitos na vida cotidiana”
(FLICK, 2009, p. 24).

4.3 Participantes do estudo

Para Gil (2002; 1989) a pesquisa exploratória tem como característica a menor rigidez
no planejamento, isso também se refere aos procedimentos de amostragem, pois neste tipo de
pesquisa não é de costume utilizar procedimentos de amostragem e técnicas quantitativas de
coletas de dados, por isso foi definida uma amostra não probabilística. Os indivíduos foram
escolhidos adotando-se o critério da intencionalidade. Utiliza-se este critério quando eles “se
relacionam intencionalmente com as características estabelecidas” (BARROS; LEHFELD,
2008, p. 103).

Triviños (1987) afirma que a definição de população e amostra é uma das diferenças
fundamentais existente entre a pesquisa qualitativa e quantitativa. Enquanto na quantitativa,
influenciada pelo positivismo, busca-se estabelecer conclusões com validades gerais fazendo-
se uso da estatística, na qualitativa não há, em geral, preocupação com a quantificação da
amostragem.

A seleção das pessoas que participaram da pesquisa se deu, inicialmente através de um


informante, pessoa que reside no bairro e que o pesquisador já tinha contato. Este foi
escolhido tomando por base as condições mínimas necessárias apresentadas por Spradley
(apud TRIVIÑOS, 1987, p. 144):

a) Antiguidade na comunidade e envolvimento desde o começo no fenômeno que


se quer estudar;
b) Conhecimento amplo e detalhado das circunstâncias que têm envolvido o foco
em análise;
c) Disponibilidade adequada de tempo para participar das entrevistas e encontros;
80

d) Capacidade para expressar especialmente o essencial do fenômeno e o detalhe


vital que enriquece a compreensão do mesmo.

Este informante fez um primeiro contato com alguns moradores no mês de setembro
de 2013 explicando-lhes sobre a pesquisa e informando que o pesquisador precisava de
pessoas interessadas em participar. Esse apoio foi fundamental para que o pesquisador tivesse
liberdade com os moradores, sobretudo com os primeiros participantes. Assim, foram
escolhidas 11 famílias para a realização do estudo, sendo que uma pessoa foi entrevistada em
cada uma delas.

4.4 Método, técnicas e procedimentos de pesquisa

É característica da ciência a sistematização do conhecimento (FERRARI, 1974 apud


MARCONI; LAKATOS, 2003). Essa sistematização ocorre pelo uso de métodos e técnicas
no descobrimento do problema, tentativas de solução e comprovações, e toda ciência utiliza
métodos científicos (MARCONI; LAKATOS, 2003). Também se referindo ao método,
Barros e Lehfeld (2008, p. 67) afirmam:

A ciência é um procedimento metódico, cujo objetivo é conhecer e interpretar a


realidade [...] Assim, os métodos científicos são as formas mais seguras inventadas
pelo homem para controlar o movimento das coisas que cerceiam um fato e montar
formas de compreensão adequada dos fenômenos.

Cervo, Bervian e Silva (2007 p. 30) definem o método “como o conjunto das diversas
etapas ou passos que devem ser seguidos para a realização da pesquisa e que configuram as
técnicas”. A técnica, segundo os mesmos autores, é definida como “aqueles procedimentos
científicos utilizados por uma ciência” (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007 p. 30). Para se
chegar ao objetivo proposto nesta pesquisa foram utilizadas duas técnicas: entrevista e
observação.
81

A técnica de entrevista foi escolhida por se tratar de uma pesquisa qualitativa, na qual
o objetivo não contemplava a generalização dos resultados, mas compreender a realidade das
famílias. Gil (1989) afirma que ela é eficiente na obtenção de dados sobre o comportamento
humano e oferece vantagens, como:

1. Não exige que o entrevistado saiba ler e escrever;


2. Possibilita a obtenção de maior número de respostas, comparado ao questionário;
3. Oferece flexibilidade, e;
4. Possibilita captar a expressão corporal do entrevistado e tonalidade de voz.

Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 51), “a entrevista não é uma simples
conversa. É uma conversa orientada para um objetivo”, assim optou-se por operacionalizar a
entrevista estruturando um roteiro. Ele foi composto por 67 quesitos que deveriam ser
contemplados durante a conversa. Este instrumento foi chamado de check-list (Apêndice C).

O check-list foi dividido em cinco partes. A primeira compreendeu a caracterização da


família e foi composta de 20 perguntas divididas em quatro grupos: núcleo familiar, renda,
atividade social e vida escolar das crianças. A segunda incluiu 19 perguntas relacionadas aos
quatro componentes do saneamento básico. Na terceira, foram inseridas 09 questões sobre as
condições de saúde dos moradores. 13 perguntas sobre os serviços públicos de saúde foram
incluídas na quarta parte. Finalizando o instrumento, a quinta parte foi destinada a uma
análise do saneamento, saúde e DH com 06 questões sobre os efeitos provocados pela falta de
saneamento na vida dos moradores. As entrevistas foram realizadas no mês de outubro de
2013 nas residências dos entrevistados durante o período diurno. Para coletar os dados
utilizou-se um gravador de áudio.

A situação sanitária das famílias do bairro foi analisada também através da técnica de
observação. Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 31), “observar é aplicar atentamente os
sentidos físicos a um objeto para dele obter conhecimento claro e preciso”. Esta técnica
oferece contato direto do pesquisador com o fenômeno (BARROS; LEHFELD, 2008).
82

Triviños (1987) também afirma que é possível o pesquisador avaliar as circunstâncias e


buscar o melhor caminho de acordo com a situação e suas características.

Seguindo a classificação proposta por Barros e Lehfeld (2008) fez-se uso da


observação sistemática individual não participante, tendo em vista que foi realizada pelo
próprio pesquisador e este definiu o propósito, delimitou a área de observação, fez um
planejamento e não interferiu na realidade dos moradores do bairro durante o período de
pesquisa.

Juntamente com o informante foram feitas várias visitas ao local para a definição das
famílias que seriam selecionadas para a realização das entrevistas. Durante essas visitas eram
feitas observações e registros fotográficos. As ruas e outras áreas, como terrenos baldios e o
riacho, foram fotografadas. Objetivou-se através dessas imagens mostrar a realidade dos
moradores em relação às condições sanitárias nas quais vivem.

4.5 Estratégia de análise dos dados

Dado a natureza qualitativa da pesquisa decidiu-se por utilizar o método da Análise de


Conteúdo na análise dos dados. Triviños (1987, p. 160) considera que uma das peculiaridades
desta análise “é o de ser um meio para estudar as ‘comunicações’ entre os homens, colocando
ênfase no conteúdo ‘das mensagens’”. Este método permite que se utilizem diversas técnicas,
tendo em vista que “é um conjunto de técnicas de análise de comunicações. Não se trata de
um instrumento, mas de um leque de apetrechos” (BARDIN, 2009, p. 31). Como a AC trata
dos indivíduos e daquilo que eles têm razão para valorizar, este método proporciona capturar
com mais profundidade o que o entrevistado expressa. Isso não seria possível com a aplicação
de questionários por exemplo.

Uma definição ampliada de Bardin (2009 apud OLIVEIRA, 2008, p. 570) apresenta os
aspectos conceituais do método:
83

A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações,


visando obter, por procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição do conteúdo
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens.

Foi escolhido o tipo de análise categorial. Segundo Bardin (2009, p. 153) “no conjunto
das técnicas da análise de conteúdo [...] é a mais antiga; na prática é a mais utilizada.
Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias”.
Constitui-se no agrupamento das unidades de registro (URs) em categorias. A unidade de
registro é a unidade a partir da qual se faz a segmentação do conjunto do texto, pode ser uma
palavra, uma frase ou um parágrafo (OLIVEIRA, 2008). Neste trabalho deu-se preferência
por definir a frase como UR, pois ela expressa em maior profundidade o que cada
entrevistado percebe sobre o saneamento, sua relação com a saúde e os outros impactos que
ele provoca.

A análise do conteúdo se dá em torno de três etapas: (1) pré-análise, (2) exploração do


material, e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na primeira é definido o
corpus do material que será analisado. Na segunda etapa os dados brutos são transformados e
agregados em unidades, por fim, na terceira etapa os dados são tratados através de
quantificação simples ou complexa (BARDIN, 2009).

Após realização das entrevistas cada arquivo de áudio foi ouvido e as URs foram
separadas de acordo com a categoria a qual pertencia e agrupadas em quatro categorias
conforme Figura 05 abaixo. Estas categorias descritivas foram definidas de modo que fosse
possível descrever as situações nas quais as famílias vivem em relação ao saneamento e
saúde, bem como compreender os serviços de saúde e saneamento oferecidos pelo poder
público.
84

Figura 05 – Categorias definidas para agrupamento das URs

Corpus de análise
(transcrição das entrevistas)

Condições de
Condições de saúde Serviços públicos
saneamento

Saúde Saneamento

Fonte: Elaborado pelo autor

As entrevistas foram transcritas com o cuidado de manter o linguajar característico de


cada entrevistado de acordo com o indicado pelo método de análise, assim as palavras faladas,
quando erradas de acordo com as normas ortográficas e gramaticais da língua portuguesa não
foram corrigidas na transcrição. Entretanto, na exposição das falas dos entrevistados
(apresentadas no próximo capítulo) quando necessário foram utilizados os seguintes símbolos:
"..." para expressar pausas nas falas; [...] utilizada em supressões propositais de parte da fala,
e; [ ] para observações feitas pelo pesquisador. As supressões foram feitas para condensar o
texto e não prejudicaram a essência da mensagem transmitida pelos entrevistados.

Embora a Análise de Conteúdo permita o uso de técnicas estatísticas, desde frequência


de aparições de palavras até análise fatorial (BARDIN, 2009; OLIVEIRA, 2008,
CAREGNATO; MUTTI, 2006), deu-se prioridade neste estudo para a análise qualitativa.
Essa análise “considera a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou
conjunto de características num determinado fragmento da mensagem” (LIMA, 1993 apud
CAREGNATO; MUTTI, 2006), portanto não foi feita análise de frequência no conteúdo
exceto nos relatos sobre as doenças que são causadas pela falta de saneamento na qual se fez
uso de uma ferramenta online para criar uma nuvem de palavras na qual as palavras
85

receberam destaque na imagem (aumento da fonte) de acordo com a frequência em que


ocorreu.

Após o agrupamento das URs os dados foram analisados. Inicialmente buscou-se


encontrar as relações entre os problemas de saneamento enfrentados pelos moradores e as
principais capacitações representativas de bem-estar referenciadas na literatura, em seguida
ampliou-se a análise para outras capacitações e funcionamentos identificados pelo
pesquisador nos relatos dos entrevistados.

4.6 Considerações éticas

Seguindo os princípios éticos referenciados na Resolução 466/2012 do Ministério da


Saúde, documento normativo que define as regras para pesquisas com seres humanos, o
projeto desta pesquisa foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa da UNIVATES
(COEP/UNIVATES) recebendo parecer favorável nº 414.691 no dia 03/10/2013. Na
realização deste estudo foram adotados alguns critérios éticos. Foi feita a leitura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (Apêndice B) para todos os entrevistados e uma
cópia assinada pelo pesquisador foi entregue. Eles foram instruídos verbalmente quanto à
natureza da pesquisa, seus resultados, a não vinculação desta aos órgãos governamentais, que
eles não seriam identificados pelos seus nomes e que os dados gerados durante o processo não
seriam utilizados para outro fim. Todos assinaram de livre e espontânea vontade o TCLE.
86

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Neste capítulo são apresentados os resultados e as discussões da pesquisa. O texto se


divide em seis partes. Após a exposição do perfil dos participantes feita na primeira parte, as
três seguintes se referem às categorias descritivas, apresentadas anteriormente nos
procedimentos metodológicos, a saber, condições sanitárias, condições de saúde e serviços
públicos. Objetivou-se com isso descrever a situação na qual as famílias vivem e identificar os
serviços públicos de saneamento e saúde fornecidos pelo Estado. Na quinta, discute-se os
efeitos da falta de saneamento na vida dos moradores. Finalizando o capítulo, na sexta parte
são feitas discussões sobre a falta de saneamento e sua relação com o DH.

5.1 Perfil dos participantes

Foram entrevistadas onze pessoas, cada uma representando uma família. As famílias
são de baixa renda. Com exceção de quatro, todas dependem de aposentaria e do programa
Bolsa Família para o sustento, apenas três delas tem algum membro trabalhando formalmente.
Em seis famílias existem crianças (filhos ou netos). Casos de doenças ligados à falta de
saneamento foram relatados em todas elas. A Tabela 07 apresenta o perfil completo de cada
pessoa entrevistada.
87

Tabela 07 – Perfil dos participantes

Recebe visita do
Fontes de renda

relacionadas ao
Renda familiar

Renda familiar

comunitário de
crianças (filhos
Quantidade de

Quantidade de
residência no
Entrevistado

morando na

Tem ou teve

saneamento
Estado civil

doenças na
per capita

Tempo de
Profissão

ou netos)
Gênero

pessoas
Mensal

família

agente
bairro
Idade

saúde
casa
Bolsa Família e um pequeno
P1 ≅ 35 F Divorciada Cabeleireira ≅ R$ 500,00 ≅ R$ 125,00 16 anos 4 3 Sim Sim
salão de beleza que tem em casa
P2 62 F Casada Aposentada R$ 1.448,00 R$ 724,00 Aposentadoria (INSS) 23 anos 2 2 Sim Sim
Emprego do esposo e venda de
P3 50 F Casada Dona de casa R$ 2.300,00 R$ 1.150,00 16 anos 2 - Sim Sim
cosméticos
Bolsa Família e aluguel de uma
P4 51 F Divorciado Dona de casa R$ 500,00 R$ 166,67 18 anos 3 1 Sim Sim
casa
Bolsa Família e aposentadoria
P5 68 F Viúva Aposentada R$ 826,00 R$ 413,00 23 anos 2 1 Sim Sim
(INSS)
Ela e o esposo têm uma
P6 35 F Casada Autônoma R$ 1.134,00 R$ 283,50 banquinha em uma feira onde 23 anos 4 - Sim Sim
vendem almoço.
Aux. Emprego dele, do pai e de um
P7 29 M Solteiro R$ 4.000,00 R$ 800,00 05 anos 5 1 Sim Sim
Administrativo irmão.
P8 52 F Casada Aposentada R$ 1.448,00 R$ 724,00 Aposentadoria (INSS) 23 anos 2 - Sim Não
Vendedor Vende balas, salgadinhos e
P9 71 M Divorciado ≅ R$ 250,00 ≅ R$ 250,00 10 anos 1 - Sim Não
ambulante outros lanches na sua bicicleta
P10 ≅70 F Casada Dona de Casa R$ 1.448,00 R$ 724,00 Aposentadoria (INSS) 26 anos 2 - Sim Não
Emprego do esposo, Bolsa
P11 31 F Casada Manicure R$ 1.300,00 R$ 118,18 23 anos 11 9 Sim Sim
Família e serviços de manicure
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.
88

Para preservar o anonimato dos entrevistados, neste capítulo eles serão identificados
pela letra P (participante) seguida do número da sequência da entrevista, assim, a primeira
pessoa entrevistada será P1 e a última P11.

5.2 Condições de saneamento

Nesta categoria são apresentas as condições sanitárias nas quais os moradores vivem.
Procurou-se identificar a presença dos quatro componentes do saneamento básico na
localidade, a saber, fornecimento de água, manejo dos resíduos sólidos, esgotamento sanitário
e manejo das águas pluviais.

Pelo bairro passa o riacho Bacuri (FOTO 01). Ele recebe parte do esgoto residencial
gerado, e isto provoca, entre outros problemas, mau cheiro e poluição visual. Na época seca
(junho a setembro) seu volume de água é bem baixo, entretanto na época chuvosa seu nível
aumenta muito, há transbordamento e as casas são invadidas por ele. Sua água não é
consumida pela comunidade nem são realizadas atividades de lazer ou de pesca por causa da
sua poluição. Como também existe uma grande área com água empossada, os moradores
relataram que a presença de cobras e jacarés acontece com frequência. Isso constitui perigo
principalmente para as crianças, pois estes animais podem facilmente atacar ou até mesmo
matá-las. Como disse P6: “Tem sucuri, tem jacaré. A gente tem medo, nem deixa os meninos
ir lá pro quintal”. Fora estes animais ainda existem aqueles que podem provocar doenças,
como Toxoplasmose, Leptospirose e micoses “é gato, é cachorro, é cavalo, é porco [...] aqui
tem é tudo, de jararaca pra riba” (P10). Segundo os entrevistados é comum o despejo de
animais mortos no riacho.
89

Foto 01 – Trecho do Riacho Bacuri

Fonte: Pesquisa de campo.

Em relação à limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos o bairro conta apenas com
atendimento de coleta de lixo residencial feita por caminhão da empresa que detém o serviço
de coleta em toda a cidade. Segundo relatos dos moradores ele passa três vezes por semana,
porém dada a precariedade das ruas, que não têm drenagem e asfalto, o serviço é suspenso em
épocas de chuva quando o caminhão não consegue entrar.

Alguns moradores não utilizam fossas sépticas e lançam os dejetos de suas casas
diretamente na rua, como é possível ver na Foto 02. Também observou-se que várias fossas
têm vazamentos. Para diminuir o problema, a solução encontrada por alguns foi fazer por
conta própria valas para canalizar este esgoto e facilitar o acesso às suas residências (FOTO
03).
90

Foto 02 – Esgoto a céu aberto Foto 03 – Vala feita pelos moradores para
passagem do esgoto

Fonte: Pesquisa de campo. Fonte: Pesquisa de campo.

Essa situação põe em risco à saúde dos moradores, principalmente as crianças que
brincam nas calçadas e nas ruas. Os moradores relataram que sempre que elas brincam de
bola é comum a bola cair na lama e eles a pegam e continuam brincando. Essa água
contaminada atrai moscas e outros insetos e também provoca um forte mau cheiro.

O Quadro 10 apresenta os quatro componentes do saneamento básico e a síntese das


falas dos entrevistados sobre as condições sanitárias nas quais vivem em relação a cada
componente do saneamento básico.

Quadro 10 – Condições sanitárias do bairro estudado na visão dos entrevistados


LIMPEZA DRENAGEM E
URBANA E MANEJO DAS
ABASTECIMENTO ESGOTAMENTO
ENTREVISTADO MANEJO DE ÁGUAS
DE ÁGUA POTÁVEL SANITÁRIO
RESÍDUOS PLUVIAIS
SÓLIDOS URBANAS
Tem mês que no bairro Passa cocô aí na Quando chove aqui Ave Maria isso daí
P1 não falta muito não. frente. não passa nada. é o pior, agora
isso daí... umm...
A água é ótimo. É As feze vão pra O caminhão já Ficamo nadando
limpinha. fossa, mas a água passou até hoje. de noite.
P2
vai pra rua. Passa três vez por
semana.

(Continua...)
91

(Continuação)
A água é boa, muito boa Agora aí... Quando chove ele É quase o inverno todo. Uns
mesmo. Só falta se faltar na Sinceramente é o não passa aqui... Tem dois meses. [...] Já alagou
P3 cidade toda. mais difícil de que correr e deixar o muitas vezes.
todos. A gente não lixo lá na outra rua.
tem rede de esgoto.
Normal, boa, não falta. Tem fossa ai na Hoje é dia e eles não Aqui tinha noite que eu não
frente... Mas tá passaram. Às vezes dormia tirando água.
P4
cheia, aí vai passa uma vez na
vazando. semana.
A água encanada é boa. Pôde [...] Tinha um Hoje não veio não As casas cheia d'água.
P5 buracão [...] bem por causa daquele
no meu terreiro. lameiro lá.
A água é ótima. É precário, é no Quando chove muito Quando vem forte ienche a
P6 meio da rua. ele não passa não. casa de água.

Água vem boa pra nós... Saneamento básico Quando chove não Alagou.
não falta. ali pra nós tá passa.
P7
precário a questão
do esgoto.
A água é boa. Tá indo aí pra esse Passa terça, quinta e A gente fica só boiando.
buraco... Pro sábado. Tá
P8
riacho. interrompido aí, na
certa ele não passa.
Agora o que é bom aqui é a Tá entupido. Passa. Quando ienche volta todo pra
P9
água. dentro de casa.
Boa. Mas aqui todo Quando dá pra entrar A minha já [alagou]... E a
P10 esgoto é pra dentro ele entra. minha [casa] é quase dois
da grota. metros de altura...
Tem. Para o córrego, Passa três vez. Começa encher a bueira e vai
P11
pra grota. pra cá.
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.

As condições sanitárias do bairro não são boas, e na área estudada são ainda piores,
pois ela fica em área alagada (FOTO 04), por causa disso os quintais das casas são muito
úmidos (FOTO 05). Como é possível observar no Quadro 10, dos quatro componentes do
saneamento básico (abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas) é apenas no
abastecimento de água que os moradores não enfrentam dificuldades, pois a água fornecida
pela CAEMA é de qualidade, seu fornecimento é constante e todos os entrevistados possuem
água encanada em casa, entretanto, nos outros três componentes existem problemas que
comprometem o DH.
92

Foto 04 – Área alagada do bairro

Fonte: Pesquisa de campo.

Foto 05 – Quintal alagado

Fonte: Pesquisa de campo.


93

Pelos relatos dos moradores foi possível perceber que os alagamentos provocam
muitos problemas em suas vidas. P9 tem 71 anos e padece de uma doença crônica de coluna.
De tempos em tempos tem crises severas com fortes dores que o impedem de fazer as
atividades cotidianas. Ele se preocupa com os alagamentos, pois tem medo de um dia
acontecer quando ele não puder se levantar: “quando chega na época que eu não tô sentindo
nada, tudo bem, mas, se chegar num dia que eu tiver doente aí? [...] eu não posso levantar as
coisas”. Nesta região do bairro é comum os móveis serem colocados sobre tijolos ou
madeiras para ficarem acima do piso da casa, sendo assim, no caso de P9 a situação é mais
complicada.

Porém, algumas vezes a chuva é rápida e as pessoas são pegas de surpresa. Quando a
enchente vem no período da noite é ainda pior. P11, que é mãe de nove filhos disse: “eu já
levantei da cama [...] quando eu pisei no chão era água”. Com a família de P8 isso já
aconteceu também: “Fomos para cozinha que era mais alta e aqui ficou tudo alagado.
Trepamo as coisas tudin”. No caso de P11, ela já chegou a colocar os móveis no alto estando
grávida. Para ela e sua família conviver com essa situação é tarefa difícil. A seguinte história
foi contada por P11:

Teve uma enchente aqui tão grande que alí onde o córrego passava dava no
pescoço das pessoas e a água foi subindo rapidamente. Nesse tempo minhas gêmeas
eram desse tamanho aqui [apontando para um bebê de aproximadamente 7 meses
de idade] eu peguei uma e fui deixar lá pra vizinha, lá do outro lado, porque eu
sabia que a água tava aqui e aqui e eu ia ficar sem saída [...] quando eu cheguei
para pegar a outra a água já tava chegando no berço.

Por causa dos constantes alagamentos alguns moradores estão aterrando seus terrenos
para deixá-los mais altos em relação ao nível da rua e do riacho, porém como não existe
drenagem, a água escoa para os locais mais baixos, isto é, as casas e terrenos que não são
aterrados. P1 relatou assim essa situação:

Eu tô imaginando é agora no inverno, porque agora pra lí tinha uns lugar que a
água descia né?... Todo mundo já aterrou. Antigamente tinha como escorrer... As
água vai entrar tudin nas casa. Vai ser muito mais pior. Não tem como sair. O lugar
que tinha tá tudo aterrado.
94

O caso de P10 demonstra o quanto os alagamentos prejudicam o dia a dia dos


moradores. Seu esposo de 78 anos tem câncer e não consegue se locomover. Pensando em se
livrar dos alagamentos, ela aterrou o piso de sua casa deixando-a cerca de dois metros acima
do nível da rua, entretanto em certa ocasião “a água ainda deu bem aqui assim [...] acima do
joelho [...] pensando que não ia alagar, mas alagou sempre”. Porém, os que não têm
condições financeiras para reformar as casas, sofrem ainda mais, como P3: “todos aí já
subiram as casas, nós ainda não tivemos como subir”.

Como não existe sistema de esgotamento sanitário no bairro parte do esgoto corre a
céu aberto. “De manhã a gente tem até nojo de abrir a porta aqui (P2)” Isso polui tanto o
visual como o ar do local. P4 afirmou: “Moço, tem dia que a gente nem pode nem sentar na
porta porque o mau cheiro é grande”. Mesmo isso sendo algo já comum para os moradores,
tendo em vista estarem nesta situação há vários anos, eles se preocupam em pisar ou cair. P1
disse que “passa côcô aí na frente. Cair aí já era”.

Já P1 tem filhos pequenos, e ao ser perguntada se na sua casa entra água da rua quando
chove, respondeu: “esse ano ainda não entrou não, mas sempre entrava”. Ela sabe que esse
ano, pode demorar, mas vai alagar novamente. P4 também demonstrou isso: “Vai alagar de
novo porque já chegou o mês de outubro”. Mesmo com todas as dificuldades vividas pelos
moradores ainda é possível encontrar aqueles que entendem que existem pessoas com
situação pior do que a deles, como P2 que relatou acerca das casas que estão ainda mais
próximas do riacho: “Aqui nois tamo na boa mesmo, pior é aqueles que estão lá embaixo”.

Sobre os alagamentos é importante esclarecer dois pontos. Em primeiro lugar as


enchentes não são apenas consequência da falta de drenagem, mas também da proximidade
das casas com o riacho. Ao longo do riacho Bacuri foram construídas casas bem próximas de
suas margens, isso acontece em toda a cidade não apenas neste bairro. Quando seu nível sobe
é natural pensar que as casas serão alagadas, pois não há espaço suficiente para as águas se
acomodarem. Em segundo lugar, o que se observa é que a tubulação colocada pela prefeitura
(discutido com maiores detalhes no item 5.4.2) ampliou os efeitos dos alagamentos, pois ela
95

apenas leva o esgoto das casas para o riacho, assim, quando o nível do riacho sobe a água dele
retorna pelos canos até as casas das pessoas.

No tópico seguinte são apresentadas as condições de saúde das famílias. Como


referenciado na literatura, existe uma forte relação entre saúde e saneamento, sendo que
existem mais casos de doenças em locais com poucos serviços de saneamento. Essa relação
foi confirmada no caso analisado.

5.3 Condições de saúde

Esta categoria de análise buscou compreender as condições de saúde das famílias para
estabelecer as relações entre saúde e saneamento básico no caso analisado. Confirmou-se que
existem várias doenças que são relacionadas às condições sanitárias precárias do bairro,
entretanto também existem doenças crônicas que não são causadas pela falta de saneamento.
Das onze famílias entrevistadas, sete têm pelo menos um de seus membros com alguma destas
doenças. Foram relatados casos de hipertensão, osteoporose, asma, problemas cardíacos,
problemas de coluna, problemas nos ossos e câncer. Estas doenças também afetam
negativamente a vida das pessoas, sobretudo porque elas têm que conviver com as privações
provocadas pelo esgoto e enchentes, o que é difícil de enfrentar quando a pessoa tem uma
doença grave, como cardíaca e de locomoção.

Em relação às doenças ligadas às condições sanitárias do bairro, as mais relatadas


pelos moradores foram febres, dores de cabeça, micoses e gripes. Essas doenças são tratadas
na Unidade Básica de Saúde (UBS) que atende o bairro e casos mais graves são
encaminhados para o hospital municipal. A Figura 06 foi gerada a partir da frequência com
que as palavras foram citadas por eles.
96

Figura 06 – Nuvem de palavras condições de saúde

Fonte: Elaborado pelo autor através da ferramenta www.wordle.net.

O caso mais grave entre os entrevistados foi o do filho de P1 que teve hepatite. Essa
situação privou a liberdade tanto dela como de seu filho. Durante 15 dias ele ficou internado e
P1 também teve que ficar no hospital. Como ela estava grávida foi ainda mais complicado
porque existia o risco de infecção para ela e seu bebê. Por não ter renda suficiente para custear
exames e consultas que pudessem ser feitas mais rapidamente, a doença só foi descoberta
quando a criança já estava correndo risco de morte. Segundo P1, no hospital chegaram a
sugerir que ele tinha uma apendicite e que precisava operar com urgência. Após ela insistir
muito que queria exames mais precisos cancelaram a operação quando ele já estava a caminho
da sala de cirurgia, fizeram os exames e constataram que se tratava de hepatite. Todo o
tratamento foi feito na rede pública e a criança ficou curada, entretanto durante todo este
tempo não frequentou a escola e a mãe não pôde trabalhar em seu salão de beleza. P1 também
informou que uma vizinha teve a mesma doença e P2 relatou que um vizinho seu morreu por
causa do esgoto, mas não soube informar ao certo qual a doença.

Para P1, P2, P3, P7 e P11 a associação entre esgoto e febre está estabelecida. Todos
informaram que eles ou membros de suas famílias já tiveram febres. P2 disse que há “febre,
gripe, dor de cabeça quando dá mosquito”. Toda a família de P3 já teve febre em decorrência
da dengue. Eles também relataram gripes e resfriados e P5 declarou que “as criança tá é tudo
gripada”, referindo-se às crianças do bairro. Como existem muitos locais com água
empossada mosquitos são muito frequentes, principalmente no início da noite, horário em que
97

o mosquito da dengue ataca. Para os moradores a existência de mosquitos incomoda no


momento de dormir também, pois são picados enquanto dormem.

Outros problemas de saúde citados por eles foram falta de ar (P2) e dor de cabeça (P2,
P4 e P10). P4 também mencionou que as unhas dos seus pés estão corroídas. Ela acredita que
é por causa do esgoto que corre em frente a sua casa e a prejudica porque ela varre e faz a
limpeza do local diariamente. P10 disse que “dá uma murracha no corpo da gente, uma dor
de cabeça”.

As micoses são mais frequentes nas crianças, embora P7 tenha dito que seu pai, de 47
anos, tem uma no pé. P2 tem uma neta que tem alergias e micoses, ela “fica toda vermelha...
tudo daqui, tudo daqui meu irmão!”. P4 tem 51 anos e disse que o neto tem “micose na
cabeça [...] no couro cabeludo aí cai né? [se referindo ao seu cabelo]”. P3 também relatou
micose em dois netos, um no pé e outro na cabeça. P1 contou que sua filha teve um problema
de queda de cabelo e a formação de um caroço na cabeça, ela não soube informar qual doença
era, mas disse que foi um tipo de fungo proveniente das águas que correm na rua. Estas
micoses geralmente aparecem em pessoas que tem contato com água ou solo contaminados
por fungos e bactérias, essa é a situação das crianças da região. Elas brincam “na lama” (P11),
“dentro da lama, que nem porco!” (P5), e “banham dentro da lagoa” (P10).

Os entrevistados demonstraram ter algum conhecimento da relação saneamento e


saúde, a afirmação de P3 confirma isso: “sempre tem gente doente aí a respeito desse
problema mesmo”. A fala de P3 confirma a hipótese que os problemas de saúde são mais
comuns em regiões sem saneamento básico ou com saneamento precário.

Porém, o que se percebeu é que o conhecimento deles se restringe às doenças mais


comuns como gripes, febres, micoses e outras doenças mais leves, assim não conhecendo a
gravidade do problema, alguns pais e responsáveis acabam não se preocupando com os filhos
e netos que brincam na rua e têm contato com água contaminada e esgoto. P7 demonstra a
98

falta de preocupação com os perigos do contato das crianças com o esgoto que corre a céu
aberto: “Brinca aí de bola sem nenhum problema”.

O relato de P12 também demonstra desconhecimento: “Da última enchente que teve
que eu tava grávida eu dei febre. Eu liguei pro médico do SAMU... ele disse que era por
causa da água... Eu tinha ficado dentro da água... Podia ser virose da água”. P1 evidenciou
não saber se a grave doença que o filho teve tinha realmente ligação com o saneamento:

Graças a Deus eu não peguei essas doenças não... Doença mesmo é só gripe né,
febre, e não sei se é por causa da água também. Ah! tem também o meu menino que
teve aquela doença... Hepa... Hepatite né? Teve hepatite meu menino aí eu não sei
se... Da água também pega né? A vizinha aqui já teve... adoeceu também a outra...
Eu consultei ela, fez os exames e deu anemia né nela e deu um problema no cabelo
dela, tava caindo tipo uma caspa, entendeu? Até ela falou lá o nome do caroço que
tava dando nela... Passou o remédio e ela ficou boa... Ela disse lá o nome das
coisas... Tipo um fungo que deu.

Conforme alguns entrevistados, as doenças crônicas também podem ser agravadas


pela falta de esgotamento sanitário e enchentes. P2 disse: “A dôtora falou pra mim: você com
esse problema que você já tá, de coração, de asma... nessa, aí você vai morrer! Porque ela
disse que esse ar que entra prejudica nois”. P7 também acredita que os efeitos da asma do seu
irmão aumentam com “a frieza e o cheiro mal”.

Para eles o mau cheiro faz mal à saúde, e segundo P5, principalmente das crianças.
Alguns moradores afirmaram que muitas das doenças que surgem no bairro acontecem por
causa do mau cheiro. Segundo os moradores o mau cheiro provoca dificuldades respiratórias,
dores de cabeça, asma, entre outras.

Embora não tenham sido encontrados casos de ocorrência da maioria das doenças
listadas no referencial teórico não se pode afirmar que elas não existam, haja vista que apenas
11 famílias do bairro foram estudadas. A ocorrência das doenças e sintomas relatados acima
permite afirmar que este grupo é vulnerável às doenças mais graves (como as listadas no
referencial), pois a condição social, caracterizada pela baixa renda, moradias inadequadas e
99

baixa escolaridade, associada à condição ambiental nas quais vivem, associada a não
existência de rede de esgoto e aos alagamentos, oferece os meios para o contato com os
agentes causadores. Entretanto os casos de doenças relatados, mesmo as não graves como
gripes e micoses, privam as liberdades das pessoas. Essas privações são apresentadas adiante
no item 5.5 e 5.6.

Entretanto, como o conceito de saúde utilizado no país a partir da Conferência


Nacional de Saúde vai além da presença/ausência de doenças, observa-se que os moradores
têm sim muitos problemas de saúde. O Quadro 11 apresenta os problemas encontrados no
grupo pesquisado que afetam cada um destes componentes.

Quadro 11 – Os componentes do conceito de saúde e os problemas encontrados no grupo


Componentes Problemas encontrados no grupo pesquisado
É comum a existência de insetos, principalmente mosquitos, nas
casas, estes acabam contaminando os alimentos.
Condições de alimentação
As crianças que brincam nas ruas pegam nos alimentos com as
mãos sujas.
As casas são constantemente invadidas por água e esgoto.
Os moradores relatam não terem prazer de morar em uma casa
Habitação bonita por causa da sujeira que sempre é trazida pelas enchentes e
que deixa marcas nas paredes.
As casas precisam sempre passar por reformas/modificações.
Educação As crianças faltam às aulas em épocas de chuva
As casas precisam de reformas constantes e móveis precisam ser
trocados sempre que as casas são invadidas pela água e esgoto.
Renda
(Os efeitos relatados no componente trabalho também afetam a
renda)
O riacho é poluído.
Há relatos de animais que vivem no riacho entrando nas casas.
Meio ambiente O ar do local é poluído.
Existe poluição visual por causa dos resíduos sólidos jogados nas
ruas e no riacho.
Os adultos têm dificuldades de se deslocar para o trabalho em
épocas de chuva.
Trabalho
Quem realiza alguma atividade produtiva em casa é afetado por
causa do esgoto a céu aberto na rua e por causa dos alagamentos.
A mobilidade dos moradores é prejudicada pelo esgoto a céu aberto
Transporte
e mais ainda na época chuvosa.
Emprego (Os mesmos efeitos do componente trabalho)
(Continua...)
100

(Continuação)
Lazer As crianças não podem brincar nas ruas.
Em um sentido mais amplo pode-se considerar que diversas
Liberdade
liberdades são afetadas (ver seção 5.6)
Os moradores não têm segurança na posse de suas propriedades,
Acesso e posse de terra
pois elas podem ser destruídas durante uma chuva forte.
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.

Assim pode-se afirmar que por causa das condições sanitárias do local, os moradores
são diretamente afetados em todos os componentes do conceito de saúde da Conferência
Nacional de Saúde, exceto no acesso aos serviços de saúde, tratado na seção seguinte.

5.4 Serviços públicos

A pesquisa também buscou compreender como os serviços públicos na área da saúde e


saneamento são oferecidos aos moradores. Isso foi feito a partir de questionamentos aos
moradores sobre a visita do agente de saúde local, o acesso deles à unidade básica de saúde
que atende o bairro, outros serviços de saúde oferecidos como médicos e medicamentos e
como eles avaliam os serviços de saneamento do bairro. Nesta seção as descrições destes dois
serviços são apresentadas separadamente.

5.4.1 Saúde

O bairro é servido pela UBS da Vila Cafeteira. Nenhum dos entrevistados paga plano
de saúde, eles desejam ter, mas não podem pagar. A maioria dos moradores entrevistados é
visitada com frequência por Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e gostam do atendimento
prestado na UBS. Todavia, alguns reclamaram do atendimento, do tempo de espera para
marcação de exames, da falta de alguns medicamentos e da visita dos agentes.
101

Quando P2 foi questionado sobre o que ele achava dos serviços oferecidos pela UBS
afirmou: “Essa parte aí eu tiro o chapéu aqui pra esse pôstim [...] Tudo que eu quero... eu
consigo. Sempre tem médico”. Ele informou que a agente passa quase toda semana e pergunta
como ele e sua esposa estão de saúde. Sua única reclamação foi em relação ao atendimento
noturno, pois segundo ele “era pra nós ter plantão à noite”. P3 disse que todo mês se consulta
com o médico na UBS. Mesmo afirmando que às vezes faltam remédios na UBS P4 também
classificou o atendimento como bom, entretanto ela demonstrou interesse em ter um plano de
saúde para evitar a longa espera na marcação de exames. P3 recebe visita da agente todo mês
e disse que o atendimento é muito bom, pois tem médicos e enfermeiros.

P2, P3, P5, P6 e P7 demonstraram ter confiança na agente de saúde: “É a minha


agente de saúde... Ela tá sempre com a gente” (P2). P5 que sofre com vários problemas de
saúde disse que “quando eu preciso dela lá no postim ela ajeita as coisas pra mim. Ela é uma
boa agente”. P7 tem contato com várias pessoas da UBS e conhece quase todos os agentes de
saúde.

Entretanto, P1, P8, P9 e P10 não estavam satisfeitos com a UBS. P1 só vai até lá em
época de vacinação, pois não gosta do atendimento prestado. Para P8 o atendimento na
unidade é bom, mas também afirmou que a agente “nunca mais passou”. P9 disse que quando
foi fazer o cartão do SUS não fizeram, por isso ele não vai à UBS. P10 afirmou que a agente
não passa na sua casa há mais de um ano e que quando precisou do posto de saúde não foi
recebida.

Não ficou bem claro o porquê das reclamações de P1, P8, P9 e P10, tendo em vista
que os demais entrevistados consideraram o atendimento bom, muito bom e ótimo. P11 é
vizinha destas pessoas e disse que a agente de saúde sempre visita sua casa. O pesquisador
perguntou por que não estavam sendo visitados e eles não souberam informar. P10 disse que
não foi reclamar na UBS porque é pobre e não seria ouvida. Sobre este ponto, Nussbaum
(2000) afirma que uma das dez capacitações humanas centrais é a filiação, que pode ser
entendida como a liberdade para ser capaz de ser tratado como um ser digno cujo valor é igual
ao dos outros. Os moradores do bairro não se percebem assim, pois não são ouvidos pelo
102

poder público. O fato de eles serem “enganados” pelos candidatos a cargos públicos reflete
isso. Nussbaum (2000) entende que para haver filiação, no mínimo deve-se proteger as
pessoas contra discriminação por classe social.

A impressão que ficou durante a entrevista é que eles tiveram algum problema e por
causa disso não quiseram mais ser atendido pela ACS e não procuraram mais a UBS. Quando
perguntados o porquê de não buscarem mais atendimento responderam que quando vão na são
bem tratados e que o tempo de espera para exames e cirurgias é muito demorado.

De modo geral, na área da saúde o poder público tem removido as privações dos
moradores em relação ao acesso aos serviços de saúde. A UBS atende diariamente com
médicos e enfermeiros. Com exceção destes moradores que reclamaram, todos os outros são
visitados pelo ACS, recebem medicamentos no posto, fazem consultas com médico e quando
precisam de exames mais complexos são encaminhados para outras unidades.

Porém, a existência de um bom serviço de saúde, mesmo ajudando as pessoas a


removerem as privações relacionadas às doenças, não resolve o problema deles por completo
porque funciona como uma medida paliativa, ou seja, as pessoas se tratam na UBS e ficam
livres das doenças que contraíram, mas voltam para as suas casas e continuam tendo contato
com os agentes causadores dos males presentes no esgoto e na água contaminada que alaga as
casas.

5.4.2 Saneamento

Quando os moradores foram questionados sobre o esgotamento sanitário e drenagem


das águas de chuva, percebeu-se uma combinação de tristeza e revolta em suas falas. Para
eles, há mais de vinte anos estão desamparados pelo poder público. Durante todo esse tempo o
governo municipal fez promessas de construção de rede de esgoto e não as cumpriu. Por
103

causa disso os moradores se sentem enganados por seus representantes na câmara de


vereadores e na prefeitura municipal. Como existe este problema desde a criação do bairro, é
comum que candidatos a prefeito e vereador peçam votos afirmando que, caso sejam eleitos o
problema será resolvido. De acordo com os relatos, vários se elegeram e nada fizeram. Todas
as famílias já passaram por alguma situação adversa e já tiveram suas casas inundadas por
água da chuva e esgoto.

Até 2012 não existia infraestrutura de esgotamento sanitário no bairro. Segundo os


moradores, neste mesmo ano o bairro recebeu investimentos do PAC que deveriam ser
aplicados na construção de uma rede de esgoto, entretanto não foi realizada drenagem e
apenas tubos de PVC foram colocados para receber o esgoto das casas. Não foi instalada
nenhuma tubulação para coletar água da chuva e levá-la até o riacho.

Antes da obra de colocação dos tubos as casas que possuíam fossas sépticas as
utilizavam, já aquelas que não tinham, enviavam o esgoto para a rua, riacho ou algum terreno
baldio próximo. A prefeitura então colocou tubos para canalizar o esgoto doméstico e fez as
ligações das casas a esta tubulação, entretanto, segundo os moradores foram colocados apenas
canos de PVC de 150 mm em vez de manilhas cerâmicas com diâmetros maiores. Ela não foi
interligada com rede alguma e seu ponto final é o riacho. P2 relatou com tom de revolta essa
obra: “Como é que você faz um trabalho numa rua que você deixa esse mei baixo e você faz
aquele nível que não deixou pra água descer? Que medidas são essas?”. Após sua rua ser
perfurada para colocação dos tubos, máquinas colocaram aterro, o que segundo ele alterou seu
nível. Quando choveu a água não desceu mais para o riacho como antes descia e ficou
represada.

Como o diâmetro dos tubos era pequeno, a tubulação não suportou a quantidade de
esgoto gerado e entupiu, assim o esgoto retornou às casas. Sobre isso P7 relatou que “quando
o PAC veio... deu a primeira chuva... alagou”. A situação piorou porque os tubos despejavam
o esgoto no riacho e quando o nível do riacho subiu a água dele foi levada pelos canos até as
casas. P2 e sua esposa são idosos e contaram que “quando nois vemo, burbuiava [...] dentro
de casa. Ficamo nadando de noite”. Ele se referia ao dia em que o esgoto invadiu a sua casa
104

pelo vaso sanitário e pelo ralo do banheiro. P2 também afirmou que “cada qual, todas as
pessoa tinha sua fossa. Não prejudicava ninguém. Todo mundo tinha sua fossa bem feita, bem
grande. Água da chuva não foi não! Piorou depois do PAC.”

A família de P7 foi também prejudicada, e no caso dela não foi apenas o banheiro que
apresentou problemas, mas a casa toda. Segundo ele,

O que tinha de tudo a gente perdeu... Guarda-roupa, sofá, estante, geladeira e a


própria casa. Quando eles fizeram [se referindo ao serviço executado pela
prefeitura], a água veio agressiva [...] com dois dias de água a parte da esquerda
da casa caiu. A estrutura ficou frágil [...] No outro dia o muro caiu. Hoje nós
estamos morando de aluguel em questão disso. Dá quase 800 reais por mês. [...]
Estamos construindo de pouco a pouco.

Tanto ele como os vizinhos afirmam que quando iniciou a obra a casa começou a
rachar, tanto pela vibração das máquinas utilizadas como pelo aterro colocado na rua. Como a
região é alagada e seu terreno ficou em nível mais baixo que a rua “a água minava por baixo,
a estrutura ficou frágil aí com o peso do telhado ela quebrou” (P7). Eles perderam quase
todos os móveis e só não se acidentaram porque quando a água começou a invadir a casa
todos saíram.

Mesmo diante de um problema como esse nada foi feito, nem pelo poder público, nem
pela empresa executora da obra. P4 questionou: “Eles tinham direito de me indenizar não
tinha?”, demonstrando seu descontentamento e seu desejo de receber alguma reparação pelo
que sofreu. Sobre isso, P10 disse que é o seu sonho receber uma indenização e mudar de
bairro: “Minha vida melhorava se eles indenizassem minha casa e eu saisse daqui”.
Entretanto, segundo P7 isso é difícil de ser alcançado. “Procurei a justiça... Muita coisa eu
não tinha prova para acusar ele... Nenhum advogado quis pegar o caso porque era uma
empresa terceirizada da prefeitura. Ia levar tempo” (P7).

Os moradores relatam que nunca receberam ajuda do poder público nem na época das
enchentes. Isso é uma situação não desejada, pois o poder público pode melhorar a vida das
105

pessoas atuando para expandir suas capacitações e funcionamentos. Eles se ajudam


mutuamente quando isso acontece. P11 foi a única que recebeu ajuda externa, não de órgãos
públicos, mas da igreja evangélica a qual ela faz parte. Alguns membros da igreja ao verem
que sua casa estava caindo, resolveram ajudá-la. Demoliram a casa antiga e estão construindo
uma casa nova. Ela alugou uma casa na parte alta da mesma rua e aguarda ansiosa a
conclusão da construção enquanto faz o sacrifício de pagar o aluguel todo mês. No dia da
entrevista a casa já estava no ponto de pôr a madeira do teto.

Após mais de dois anos do início da obra o bairro continua sem rede de esgoto e todos
os entrevistados afirmaram que a situação era bem melhor antes da intervenção da
prefeitura43. Os tubos das casas que foram conectados à rede foram desconectados pelos
próprios moradores para evitar que o esgoto retornasse a casa.

Sen (2010) entende que as políticas públicas devem atuar visando o aumento das
capacitações humanas. Para ele, isso pode ser feito por meio da promoção de liberdades
políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e
segurança protetora. No caso analisado percebe-se que a última liberdade, a segurança
protetora, não está sendo oferecida pelo Estado. Garantir segurança para as pessoas é
proporcionar uma rede de segurança social, quer dizer, impedir que a população seja reduzida
à miséria. Também as oportunidades sociais são importantes, pois se referem ao oferecimento
de serviços que influenciam na liberdade de a pessoa viver melhor, entretanto também se
percebe que estas oportunidades no campo dos serviços de saneamento não estão sendo
ofertados à população.

43
Nesta seção refere-se a prefeitura como executora, mesmo sendo uma empresa contratada que executou o
serviço, pois sabe-se que a prefeitura é responsável por aplicar e fiscalizar os recursos.
106

5.5 Outros efeitos do saneamento na vida dos moradores

Normalmente os efeitos da falta de saneamento básico são medidos em termos de


presença de doenças, entretanto ele provoca diversos outros impactos na vida das pessoas que
vão mais além. No decorrer das entrevistas percebeu-se que os moradores estavam
incomodados com outros tipos de adversidades, não só com as doenças. Funcionamentos
básicos são afetados, bem como funcionamentos mais complexos, como ser feliz por ter uma
casa arrumada, limpa e com uma bela fachada. O quadro 11 apresenta os efeitos identificados
nos relatos dos entrevistados.

Quadro 12 – Outros efeitos da falta de saneamento relatados pelos moradores


Na renda
Na autoestima
No trabalho
Na liberdade das crianças brincarem fora de casa
Na educação
Na valorização imobiliária
No conforto do lar
Na mobilidade
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.

A renda deles é suficiente apenas para as despesas básicas do lar, e com o problema
dos alagamentos, parte dela tem que ser direcionada para as modificações/reformas das duas
casas. Alguns, porém, não têm condições financeiras para isso, como é o caso de P9, por isso
sua casa está abaixo do nível da rua e quando o riacho transborda é um das primeiras afetadas,
pois fica bem próxima ao riacho. Assim, os problemas de saneamento do bairro afetam
também as finanças dos moradores.

Cinco famílias expressaram tristeza ao falarem sobre suas casas (P2, P3, P5, P7 e
P10). P5 é viúva e sofre de várias doenças crônicas. Com a aposentaria que recebe disse que
ampliou e reformou com muito sacrifício sua casa, porém a casa está sem piso cerâmico e
com o telhado baixo. “Minha casa estava toda na cerâmica, ó a altura dessa porta. Minha
casa tava no ponto de botar forro... Alta... Toda rebocada... Já subi duas vezes”. A situação
de P3 é ainda pior, porque como o teto da casa era baixo, só poderia subir o piso se subisse
107

também o telhado, como não teve condições de fazer, sua casa está abaixo do nível da rua, o
quintal é alagado e o banheiro está inutilizado porque o esgoto da rua volta para ele. “Minha
casa mesmo tá perdida. A gente gastou muito com ela”.

O problema com as casas não acontece apenas por causa dos alagamentos, mas, como
relata P2, por causa da obra de implantação do esgoto na rua.

Era toda forrada minha casa, toda na cerâmica, dois banheiro bem feito. Nossa
casa era toda perfeita, aí desde que fizeram esse esgoto... que acabaram a rua
aqui... Acabou com nossa casa. Eu chorei muito! Era eu e ele trabalhando [para
construir a casa]. A força que eu fiz de ser a servente, ele pedreiro...

Os alagamentos também prejudicam as atividades produtivas das pessoas. P1 não tem


esposo e vive com seus três filhos de dois, treze e dezesseis anos. Sua renda vem do programa
Bolsa Família e do seu pequeno salão de beleza que funciona na sala de sua casa. Ela não sabe
informar ao certo quanto apura por mês em seu salão, mas acha que sua renda mensal é em
torno de R$ 500,00. A maioria dos serviços é feita aos finais de semana e quando alaga, ela
não tem como trabalhar. “Atrapalha muito principalmente quando ienche aqui as casa. Não
tem como trabalhar. No dia mesmo que encheu foi um final de semana, aí tinha três moças
que vinha arrumar a unha não veio, atrapalhou né o trabalho?”

Outra consequência indesejada é na liberdade das crianças, pois o esgoto que corre a
céu aberto as priva de brincarem na rua. P1 disse que seus filhos ficam “Só dentro de casa
aqui trancado de trás dessa grade aí... Aquela alí já acostumou coitada, não sai não. Porque
se cair pra i...”. Uma vez sua filha mais nova caiu no esgoto da porta e ela ficou muito
preocupada com medo de ela adoecer. Rapidamente deu banho nela e deu leite por acreditar
que o leite poderia evitar algum tipo de contaminação. Com o neto de P4 acontece a mesma
coisa.

Diante de tantos problemas alguns pensam em sair do bairro, entretanto, não


conseguem vender suas casas. Durante a entrevista de P9 seus vizinhos até sorriram quando
108

ele falou que queria vender sua casa. Segundo eles ninguém vai quere comprar uma casa que
“vive alagada”. P9 relatou: “Faz tempo que eu pelejo pra ir embora daqui, nunca sai porque
eu não faço é poder”. P10 também tem o mesmo desejo. Os problemas sanitários do local
afetam a valorização dos imóveis: “Ele quer vender a casa, mas não acha quem compre”
(P8).

Todos os entrevistados afirmam que a falta de saneamento no bairro prejudica o


conforto do lar: “Veja bem, você passar 24 horas com a feze nessa porta aqui você não pode
nem dormir sossegado de noite” (P2). P3 está com o banheiro da casa inutilizado. Para banho
a família utiliza o quintal, já para as outras necessidades utilizam a casa da filha que fica
próximo. Ela afirmou com veemência que “o conforto da gente tá dentro da casa”, para ela
não ter banheiro é não ter conforto. “A gente lá tem que viver em harmonia. Sem esgoto é uma
parte quebrada da nossa vida” (P7). O mau cheiro é também um dos responsáveis por esse
problema.

A mobilidade dos moradores é dificultada pelo esgoto que é lançado nas ruas, pois as
pessoas precisam desviar de buracos com lama, ademais, quando o local alaga não é possível
sair de casa. P7 relatou que precisa deixar sua moto na parte alta da rua, na casa de outra
pessoa, e descer a pé para sua casa, ao chegar lá, lava os pés do lado de fora para poder entrar.
As pessoas ficam sem poder sair de casa para ir a um supermercado, por exemplo. P5 é uma
senhora de 68 anos e já quebrou a perna quando caiu ao tentar desviar de um buraco com
lama. Ela afirmou que tem medo de andar nas ruas do bairro porque pode cair e quebrar a
outra.

O resumo das falas dos entrevistados é apresentado na Figura 07. Nela é possível
observar alguns dos efeitos da falta de saneamento relatados por eles.
109

Figura 07 – Resumo das falas dos entrevistados sobre os diversos efeitos da falta de
saneamento

P11: Perdi P1: [As crianças] P2: Nossa casa


tanta coisa nas Brinca nada... Só era toda
enchente... dentro de casa aqui perfeita.
trancado de trás dessa
P10: Eu não vou
grade aí. P3: O conforto da
comprar mais móvel.
gente tá dentro da
Comprar pra quê?
casa.
OUTROS IMPACTOS
P9: É pouca gente
DO SANEAMENTO P4: Era toda na
que quer comprar
NA VIDA cerâmica minha
móvel aqui.
casa.

P8: Ele quer P6: A gente


P5: Pra eu ir pra
vender a casa, P7: Quem tem moto
fica dentro
uma quitanda alí
mas não acha deixa a moto lá em
de casa
eu vou por riba
quem compre. cima e vai andando no
isolado.
das calçadas.
pesão mesmo.

Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.

Estes efeitos se relacionam. Por exemplo, P8 quer vender sua casa porque não quer
mais passar por essas privações quando chove, como não consegue vender, tem sua
autoestima afetada negativamente. A Figura 08 mostra a relação entre os efeitos identificados
no grupo e três variáveis: renda, autoestima e relações sociais. Estas três variáveis também se
relacionam entre si na medida em que a autoestima pode tanto provocar aumento como
diminuição na renda, por exemplo, uma pessoa com baixa autoestima têm sua produtividade
menor. O mesmo acontece com a renda que influencia e é influenciada pelas relações sociais,
como o caso de P10, relatado anteriormente, que entende que por ser pobre não é ouvida pelo
poder público quando tem alguma reclamação. Na Figura 08 as linhas tracejadas representam
o efeito direto e as contínuas os indiretos que cada efeito provoca nestas três variáveis.
110

Figura 08 – Inter-relações entre os diversos efeitos da falta de saneamento


identificados no grupo pesquisado

Legenda: Linhas tracejadas representam o efeito direto, as contínuas os indiretos.


Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.

Os alagamentos prejudicam a mobilidade, tanto de adultos como de crianças, isso afeta


diretamente a autoestima delas. As crianças são prejudicadas porque não podem frequentar a
escola em dias de alagamento, isso tem um efeito de longo prazo negativo, pois faltas às aulas
leva a uma educação ruim, consequentemente, sem uma boa formação na fase adulta a pessoa
pode ficar fora do mercado de trabalho (efeito na renda).
111

No caso dos adultos que trabalham, os alagamentos agem na renda na medida em que
eles não podem trabalhar ou porque estão ocupados com a limpeza da casa após o alagamento
ou porque não podem sair de casa com a água acima do nível. Outro efeito na renda surge
quando eles precisam fazer reformas nas casas, como aumento do nível do piso, entre outros,
para que a água não entre nas suas casas. Pessoas pobres têm dificuldades em construir e
reformar as casas, às vezes uma simples reforma dura bastante tempo, como foi observado no
grupo pesquisado. A desvalorização dos imóveis tem efeito direto na renda também, pois as
casas perdem valor por ficarem em áreas de difícil acesso e alagarem com frequência.

Por fim, o esgoto a céu aberto priva as crianças. Elas não podem brincar nas ruas,
ficando assim a maior parte do tempo isoladas em casa. Com isso podem ter suas habilidades
sociais e motoras afetadas. Sociais, pois deixam de ter contatos com outras crianças, e
motoras, porque não brincam correndo ou pulando, brincadeiras que são importantes para o
desenvolvimento motor da criança.

5.6 A falta de saneamento básico e sua relação com o Desenvolvimento Humano

Para analisar a relação entre as privações enfrentadas pela falta de saneamento com o
DH, inicialmente foi utilizada a estrutura apresentada por Macana (2008). A autora analisou o
impacto das mudanças climáticas no DH utilizando uma estrutura analítica composta por
cinco capacitações. Pesquisando as capacitações que são representativas do bem-estar de uma
pessoa em diversos estudos ela identificou que saúde, educação, valores culturais e sociais,
segurança e acesso a materiais básicos para uma vida boa eram comuns a eles, assim os
agrupou conforme a Figura 09.44

44
A síntese destes estudos pode ser visualizada no Anexo 7.
112

Figura 09 – Capacitações representativas de bem-estar

Fonte: Macana (2008, p. 90).

Como estas são as cinco capacitações mais referenciadas na literatura, buscou-se


identificar como elas são afetadas pela falta de saneamento no bairro. Como resultado, foram
identificadas privações que interferem em todas elas no grupo pesquisado. A primeira
capacitação (saúde) representa a liberdade de uma pessoa em ter uma vida longa e saudável,
sendo livre de doenças evitáveis e respirando ar limpo. Através dos relatos dos participantes
constatou-se que estes funcionamentos são valiosos para eles, não obstante, a inexistência de
rede de esgoto e drenagem das águas da chuva faz com que doenças evitáveis, como as
relatadas no capítulo anterior, sejam ainda presentes no bairro, com isso as famílias são
113

privadas de terem boas condições de saúde, o que por sua vez interfere na vida escolar das
crianças e na produtividade no trabalho dos adultos.

Na visão do desenvolvimento como liberdade proposta por Sen (2010, 2012), a saúde
tem papel fundamental porque tem o poder de criar, expandir ou privar as liberdades
individuais e coletivas. Dados apresentados por Neri (2009) corroboram com esta perspectiva
mostrando que, no caso brasileiro, 70% de falta nas escolas em todas as faixas etárias e 12%
das faltas ao trabalho tem algum motivo de saúde. A saúde é importante na vida das pessoas,
pois ela “funciona também como um canal condutor básico dos efeitos da falta de saneamento
sobre outras dimensões da vida das pessoas como educação e geração de renda (NERI, 2009,
p. 74)”. Dados deste autor apresentam que o percentual médio de faltas à escola e ao trabalho
no Brasil é maior em locais sem saneamento (7,28%) do que em locais com saneamento
(6,53%).

As evidências mostraram que as faltas às aulas e ao emprego não são tão frequentes no
grupo pesquisado. O fato de existir um bom acompanhamento da agente de saúde favorece
isso, uma vez que nas famílias com crianças todas as mães e/ou responsáveis informaram que
ela faz a visita pelo menos uma vez por mês. Também percebeu-se através dos relatos,
principalmente das mães entrevistadas, que a educação das crianças do grupo é priorizada,
assim eles se esforçam ao máximo para não faltar às aulas. Mesmo assim foi evidenciado que,
por causa de problemas básicos de saúde, os adultos são prejudicados nos seus empregos e na
realização das tarefas diárias de casa. Em seis, das onze famílias analisadas, algum membro
da família já faltou ao trabalho por esse motivo. No caso das crianças, nas quatro famílias que
têm crianças em idade escolar constatou-se que os filhos já faltaram à escola por causa de
micoses, gripes, dengue e hepatite. É válido compreender que o fato de terem sido relatadas
pelos moradores ocorrências de apenas três doenças (hepatite, dengue e micoses), das mais de
cinquenta ligadas à falta de saneamento básico relacionadas no capítulo três, não significa que
eles estejam imunes às outras, pois como vivem em condições de vulnerabilidade
socioambiental, habitando terrenos muito próximos ao riacho e com construções feitas em
área alagada, são suscetíveis a elas.
114

Para Sen (2002) a saúde é uma das condições mais importantes da vida. Ele entende
que as pessoas devem ter acesso ao saneamento para que não precisem passar toda a sua vida
lutando contra a morbidez (SEN, 2010). Ter saúde é inerente à vida humana, por esse motivo
Nussbaum (2000) considera que ela é uma capacitação central, já que as pessoas devem ser
capazes de ter boa saúde, ser adequadamente nutridas e ter adequados abrigos para serem
verdadeiramente humanas. No entanto, analisando os efeitos da falta de saneamento na saúde
das pessoas do bairro, percebeu-se que mesmo tendo acesso aos serviços públicos da UBS da
região e recebendo a visita dos agentes de saúde, o esgoto a céu aberto e os alagamentos em
épocas de chuva oferecem riscos constantes de contato com estas doenças.

Já nos funcionamentos relacionados à capacitação valores culturais e sociais listados


por Macana (2008), observou-se que dois deles são diretamente afetados pelas condições
sanitárias. Alcançar o funcionamento “ser capaz de desfrutar de atividades de lazer e
recreação” tem sido um desafio, sobretudo para as crianças. Isso ficou evidente quando P1
afirmou que seus filhos ficam presos em casa por não poderem brincar na rua. Já o
funcionamento “ser capaz de ser tratado com respeito e sem ser discriminado” também é
afetado, pois as pessoas se sentem discriminadas pelo poder público por morar em péssimas
condições e serem pobres. O relato abaixo foi feito por P10 quando perguntada se ela já tinha
procurado alguém do poder público para reclamar sobre as condições de saneamento e saúde:
“Não adianta, você quer saber por quê? Porque se nós reclama nós passa por mentiroso.
Nossa palavra não vale nada. Nós somo preso, pode botar algum mala45 pra matar nós...”

Todavia é na quarta capacitação que os efeitos da falta de saneamento são mais


presentes. Foram identificadas privações que impedem os moradores de alcançarem todos os
funcionamentos relacionados à segurança constantes na figura 09. A condição de
vulnerabilidade socioambiental dos moradores indica que eles estão expostos a riscos que
outras pessoas, que têm condições sociais melhores, como renda e consequentemente
moradias melhores e mais bem localizadas, não estão. Como eles vivem próximos ao riacho e
não têm rede de esgoto e drenagem, tem sua segurança ameaçada.

45
Termo utilizado com frequência na cidade ao se referir a um bandido.
115

Evidenciou-se que eles não têm controle algum sobre o ambiente em que vivem e nem
estão aptos a enfrentar inundações, pois todas as famílias já foram surpreendidas com rápidas
enchentes e algumas não tiveram tempo de salvar seus móveis. Ter segurança na posse de
seus bens é um funcionamento valioso que o grupo pesquisado não tem. Todos os
entrevistados relataram que já tiveram móveis estragados por causa de enchentes. P7, P8, P9,
P10 e P11 foram os que sofreram as maiores perdas, sobre isso P9 narrou: “tanta gente já
perdeu essas coisas aqui. É pouca gente que quer comprar móvel aqui”. P10 relacionou o que
já perdeu: “eu perdi uma geladeira, eu perdi um jogo de sofá, eu perdi uma televisão de vinte
e nove polegada e perdi um guarda-roupa zerado, zerado, cheio de roupa porque não tinha
condição da gente tirar.” A vulnerabilidade na posse de bens também foi observada em
relação às casas dos entrevistados. P7 perdeu a casa e P3 precisa fazer uma grande reforma na
sua, já que após vários alagamentos e aterros na rua a casa está muito abaixo do nível, a
tubulação interna de esgoto está comprometida e o banheiro inutilizado.

Entretanto, segurança não se refere apenas aos bens que uma pessoa possui, diz
respeito também à própria vida das pessoas. Diversos relatos mostraram que os moradores são
vulneráveis e tem sua segurança pessoal ameaçada por causa do esgoto e dos alagamentos. A
família de P7 quase foi vitimada fisicamente quando sua casa caiu e P5 levou uma queda em
uma poça de lama e quebrou a perna. P11 durante uma forte chuva teve de carregar móveis
estando grávida, colocando sua vida e a vida do bebê em risco para não perdê-los e ter que
comprar outros e P9 que tem muita dificuldade quando sua casa alaga por causa de seus
problemas de coluna. Assim, nota-se que o funcionamento “estar apto a enfrentar
inundações” não é realizado pelos moradores. Eles não conseguem vender suas casas, que são
desvalorizadas por causa da falta de infraestrutura, para comprar outras em locais mais
seguros.

Finalmente, a quinta capacitação faz referência à falta de saneamento e seus efeitos no


acesso aos materiais básicos para a vida, como ativos, renda e habitação. Neste quesito,
constatou-se que a renda de P1 é afetada, considerando que parte de sua renda vem do seu
pequeno salão de beleza que fica prejudicado em épocas de chuvas fortes. Ter acesso à
habitação de qualidade, isto é, uma habitação que ofereça segurança para a família, é garantir
116

para as pessoas ter uma vida boa. No grupo pesquisado também evidenciou-se que algumas
famílias estão em situações que privam-nas de ter esse funcionamento. A pior situação é a de
P9 que mora em uma casa que está em nível mais baixo que a rua e que alaga sempre que
chove. Como ele sobrevive com uma renda de cerca de R$ 250,00 não há possibilidade de ele
melhorar sua habitação, sendo obrigado a viver sob estas condições. Todas as famílias moram
em casas próprias, entretanto como relatado anteriormente, suas casas não estão preparadas
para as situações adversas que eles enfrentam.

Sen (2012) propõe que um exercício de avaliação do nível de bem-estar no espaço das
liberdades deve considerar a identificação de quais são as capacitações para realizar
funcionamentos valiosas para uma pessoa (ou comunidade) e quão valiosas essas capacitações
são para ela. Segundo ele o processo de determinação disso faz parte da própria natureza do
DH, conquanto “escolher é uma parte valiosa do viver” (SEN, 2012, p. 81). Nesta pesquisa
além destas cinco capacitações (saúde, educação, segurança, valores sociais e culturais e
acesso aos bens materiais básicos) foram reconhecidas outras que são também valorizadas
pelos moradores.

O fato de a comunidade não ter sido consultada sobre a realização da obra de


saneamento iniciada pela prefeitura, como relatado com revolta por P10, sinaliza que estes
moradores também foram privados de exercerem a sua condição de agente, pois não tendo
sido consultados eles não tiveram a oportunidade de julgar a situação com seus próprios
valores e objetivos. P10 foi enfática ao expressar seu desejo de participar das decisões da sua
própria vida:

Engenheiro aqui não sabe de nada. Quem sabe somos nós que mora aqui. Só que
esse povo eles querem ser assim uma coisona mais de que agente que mora aqui.
Eles era pra chegar na casa de cada um morador desse daqui e saber que altura dá
água aqui, como é o nosso viver aqui dentro desse bairro, da onde é que a água
vem, da onde é que começa alagar. Eles tinham que primeiro pesquisar, não é eles
chegar aqui empurrar máquina, acabar tudo que tem e fazer buraco e bueira e nada
prestar. [...] aqui ninguém conversa com ninguém.
117

A AC tem como figura central o “agente”, um indivíduo responsável pelo seu destino.
Para Sen (2012) realizar a condição de agente acontece quando a pessoa realiza seus objetivos
e valores que ela tem razão para realizar. Sen (2010) também afirma que ver um indivíduo
como agente é essencial, pois as pessoas podem agir de um modo ou outro, de acordo com
seus valores e de sua comunidade.

Esta situação relatada também indica que houve falta de “garantia de transparência”
por parte do governo municipal, que é apresentada por Sen (2010) como uma das cinco
liberdades instrumentais que ajudam a expandir as capacitações das pessoas, haja vista que os
moradores não tomaram conta do quê seria feito na obra, como ela seria realizada, quanto
seria investido e quanto tempo duraria. Como relatado anteriormente por P10, as máquinas
chegaram ao bairro, perfuraram as ruas, canos foram instalados e a comunidade não foi
ouvida. O serviço não foi realizado e o problema, que já representava uma privação para os
moradores foi ampliado, pois as famílias gastaram dinheiro comprando canos para ligar o
esgoto da casa a rede da rua, que entupiu e trouxe esgoto e água da chuva para dentro das
casas. Os moradores se sentiram também desrespeitados porque para eles o recurso financeiro
para a realização da obra completa foi destinado, mas não foi aplicado.

Sen (2000, 2010) reconhece que ser feliz também é um funcionamento. Durante as
entrevistas notou-se que os moradores valorizam muito este funcionamento e sofrem por não
conseguirem alcançá-lo. Ao relatar as condições de saneamento da sua rua P10 afirmou: “a
minha vida aqui é muito triste”. Todas as famílias expressaram tristeza ao falar das suas casas.
Na AC a felicidade também é vista como um indicador de realização, assim como os
moradores não realizam o funcionamento “ter uma casa confortável e bonita”, ficam tristes.
Foi possível observar que para eles pode-se realizar o funcionamento “ser feliz” através do
funcionamento “ter uma casa confortável e bonita”.

Essa situação vivida pelas famílias moradoras do bairro não condiz com a noção de
DH, pois elas estão sendo privados de diversas formas. Sen (2010) afirma que no mundo
muitas pessoas são vítimas de várias formas de privação, sendo uma delas o pouco acesso a
serviços de saneamento básico. As implicações desta privação são severas, haja vista que os
118

problemas de saúde são mais frequentes em pessoas que vivem em condições precárias de
saneamento, assim a privação de serviços básicos de saneamento no bairro, como o esgoto e
drenagem de águas pluviais, afeta diversos funcionamentos dos moradores. Além das
privações das cinco capacitações apresentadas por Macana (2008), percebe-se que as dez
capacitações humanas centrais de Nussbaum (2000) também são afetadas, principalmente, a
vida, a saúde física, a integridade física, a filiação, o lazer e o controle sobre o meio ambiente.
119

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O DH tem sua natureza multidimensional, assim, não se pode compreender o DH de


um grupo em sua totalidade sem que se considerem as várias dimensões da vida destas
pessoas. Por causa disso, analisar o DH é uma tarefa complexa, mas possível. Sendo assim,
nesta pesquisa optou-se por escolher apenas uma das dimensões da vida, o saneamento.
Inclusive, essa é uma limitação de muitos estudos sobre DH, haja vista que as dimensões são
as mais variadas e o próprio IDH não consegue capturar todas, restringindo-se apenas a três:
saúde, educação e renda.

O que se observou neste estudo é que mesmo sendo analisada apenas uma, das muitas
dimensões da vida humana, analisar a problemática sanitária do bairro proporcionou um
maior conhecimento da realidade local, sobretudo no entendimento de como a falta, ou a
presença, de saneamento interfere nas liberdades das pessoas e como esta dimensão se
relaciona com as demais. Isso proporciona novas possibilidades de intervenção no ambiente
com vistas para a promoção do bem-estar da sociedade.

A realidade vivida pelos moradores contraria a noção de desenvolvimento como


liberdade proposta por Sen e Nussbaum. Quando se analisa o saneamento a partir da
Abordagem das Capacitações, como nesta pesquisa, amplia-se a compreensão de seus efeitos
na vida das pessoas para além das doenças causadas pela falta de drenagem, esgoto, água
potável e coleta de lixo. A falta de saneamento priva as pessoas de ter saúde, educação,
120

segurança, de exercerem seus valores sociais e de terem acesso aos materiais básicos para a
vida. Durante a pesquisa observou-se que as condições sanitárias do bairro provocam
privações de liberdades que vão desde as mais básicas, como se locomover nas ruas, até ser
feliz, o que para Sen (2000, 2010) também é um funcionamento. Os moradores da Vila João
Castelo convivem com diversas privações de liberdade, como gozar de boa saúde, ter acesso à
educação e desfrutar de atividades de lazer por não terem uma estrutura de esgotamento
sanitário e drenagem de águas pluviais. Na perspectiva de Sen (2010) expandir as liberdades
das pessoas faz com que elas possam cuidar de si mesmas para influenciar o mundo.

Quando a situação do bairro é analisada a partir da lista de capacitações humanas


centrais de Nussbaum (2000), pode-se afirmar, a partir das considerações da própria autora,
que os moradores não estão sendo verdadeiramente humanos, pois todas as dez capacitações
estão sendo afetadas.

Sen (2010) entende que as capacitações podem ser aumentadas via políticas públicas.
Melhorias no esgotamento sanitário ajudam as pessoas a alcançar melhores funcionamentos
de saúde, segurança, autoestima, bem como expandir várias capacidades em função do
aumento de recursos como tempo e dinheiro, assim melhorias no saneamento básico gerem
melhorias em outros aspectos, como educação e produtividade no trabalho (ARISTIZÁBAL;
GONZÁLEZ, 2011), entretanto, conforme problemática relatada pelos moradores acerca da
obra realizada pela prefeitura, percebe-se que a política pública agiu de forma contrária,
restringindo ainda mais as liberdades de famílias que já sofriam privações de liberdades
provocadas pela falta de rede de esgoto.

O saneamento não afeta apenas a saúde no seu conceito restrito enquanto presença ou
ausência de doenças, mas diferentes dimensões das vidas das pessoas. Se considerado que a
saúde é um completo bem-estar físico, mental e social, mesmo não tendo sido relatadas pelos
moradores muitas das doenças ligadas à falta de saneamento, pode-se afirmar que estas
pessoas têm tido muitos problemas de saúde, haja vista que os relatos mostraram que o bem-
estar físico, mental e social delas está sendo afetado. A frase de uma criança de 10 anos
publicada no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2006 demonstra a importância
121

que o saneamento básico tem na vida e como ele pode privar as pessoas: “Claro que eu
gostava de ir à escola. Quero aprender a ler e a escrever […] Mas como posso fazê-lo? A
minha mãe precisa de mim para ir buscar água 46” (UNDP, 2006, p. 1), e essa realidade
também foi observada na Vila João Castelo.

Em uma análise sobre desenvolvimento humano, considerar o desenvolvimento


enquanto um processo de expansão das liberdades, e consequentemente uma eliminação de
diferentes formas de privação, faz com que o saneamento básico passe a ser analisado de uma
forma mais ampla. Ele pode ser visto como um promotor de liberdades, pois as condições
sanitárias que as pessoas usufruem ajudam-nas além de ter uma boa saúde, ter disposição
física para trabalhar, estudar e conviver em sociedade. Estudar o desenvolvimento é analisar
como a vida das pessoas pode ser melhor em várias dimensões. Oportunizar às pessoas apenas
a renda não é suficiente. Para que o desenvolvimento aconteça é necessário remover as
privações. Isso significa que as capacitações e funcionamentos devem ser ampliados.

Este estudo não teve a pretensão de definir uma lista de quais são as capacitações e
funcionamentos valorizados pelos moradores da Vila João Castelo, o que pode ser feito em
estudo posterior, mesmo assim, pôde-se perceber várias capacitações e funcionamentos que
são afetados pelas condições sanitárias do bairro. O poder público pode melhorar o bem-estar
destas famílias através do saneamento básico, afinal, ter saneamento básico é ter vida.

46
Yeni Bazan, 10 anos, El Alto, Bolívia
122

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134

APÊNDICES
135

Apêndice A – Parecer do COEP/Univates


136

Apêndice B - Termo de consentimento livre e esclarecido

Termo de consentimento livre e esclarecido

Você está sendo convidado a participar de um estudo do Centro Universitário - UNIVATES


cujo tema é: “Saneamento básico e Desenvolvimento Humano: um estudo de caso no
município de Imperatriz/MA a partir da Abordagem das Capacitações” e será conduzido pelo
mestrando Economista Prof. Diego Maciel de Oliveira sob a orientação da professora Drª
Júlia Elisabete Barden. Leia, cuidadosamente, o que segue e quaisquer dúvidas serão
respondidas prontamente.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética (COEP/UNIVATES). Sua participação é
voluntária, e será documentada através do Termo assinado. Não participarão deste estudo
pessoas sem participação voluntária, menores de idade, e indivíduos que não atendam aos
critérios técnicos estipulados pelo pesquisador.

O objetivo da pesquisa é identificar as relações existentes entre saneamento básico e saúde em


Imperatriz/MA e analisar como o saneamento básico promove a saúde e auxilia no
desenvolvimento humano no município. A coleta de dados implica na realização de uma
entrevista com áudio gravado. Se concordar em participar do estudo, seu nome e identidade
serão mantidos em sigilo. Somente o pesquisador e a orientadora da pesquisa terão acesso às
suas informações para verificar dados do estudo.

Sua participação no estudo é voluntária. Você pode escolher não fazer parte dele, ou desistir a
qualquer momento. Você poderá ser solicitado a sair do estudo se não cumprir os
procedimentos previstos ou atender as exigências estipuladas. Você receberá uma via assinada
deste termo de consentimento.

Esta pesquisa não oferece alto risco para você, mas poderá gerar desconforto quando você
falar dos problemas existentes no bairro. Já os benefícios esperados ao final desta pesquisa se
referem ao melhor entendimento da realidade local, assim, este entendimento poderá servir de
base para a elaboração de políticas públicas voltadas para o bairro.

As perguntas ou os problemas referentes ao estudo poderão ser questionados ao pesquisador


ou a professora orientadora através dos contatos:

Diego Maciel: (99) 8192-0330 / diegomacieloliveira@hotmail.com


Drª. Júlia Barden: (51) 3714–7000 / jbarden@univates.br

Imperatriz-MA,______de ________________de 2013.

Assinatura do participante Assinatura do pesquisador


137

Apêndice C – Check-list entrevista

1 CARACTERIZAÇÃO 38. Alguém ajudou vocês quando isso aconteceu? (defesa civil,
Núcleo familiar igreja, associação, ONG...)
1. Entrevistado: Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino 39. Como vocês e os outros moradores fazem para andar pelas
2. Quanto tempo vocês moram neste bairro? ruas quando acontece isso?
3. Com o quê você trabalha?
4. Quantas pessoas moram aqui na sua casa? 3 CONDIÇÕES DE SAÚDE
5. Quem são elas? 40. Alguém da família está doente?
6. Quantos trabalham? 41. Qual doença?
7. E os outros, por que não trabalham? 42. Vocês ficam doentes com frequência?
43. E já tiveram outras doenças no passado?
Renda 44. Vocês tomam remédio com frequência?
8. O dinheiro que ganham é suficiente para se manterem 45. Ganham ou pagam por eles?
durante o mês? 46. E gastam muito dinheiro com remédios?
9. Quanto mais ou menos ganham por mês ou por 47. Quanto da renda gastam em remédios?
semana? 48. O dinheiro que é gasto com remédio falta para comprar outras
10. Vocês recebem algum tipo de ajuda? coisas que seriam importantes?
11. Quem ajuda?
12. Que tipo de ajuda é essa? 4 SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE
49. Vocês conhecem algum agente de saúde?
Atividade social 50. Vocês recebem visita dele?
13. Vocês participam de alguma atividade social? 51. Com que frequência ele visita vocês?
14. Qual atividade é essa? (igreja, associação, ONG...) 52. Quando ele vem visitar vocês, o que ele faz?
15. Como você participa? 53. Com que frequência vocês buscam o posto de saúde?
16. Com que frequência? 54. Como é o atendimento lá?
55. Lá tem médico ou a consulta é com enfermeiro?
Filhos na escola 56. Quando você não consegue atendimento no posto do bairro,
17. Seus filhos vão para a escola regularmente? como vocês fazem?
18. Eles conseguem frequentar sempre? 57. Vocês procuram também o atendimento em algum hospital?
19. Quando faltam, por que faltam? 58. São sempre atendidos?
20. Como eles são na escola, conseguem acompanhar 59. Vocês tem algum plano de saúde pago?
bem os estudos, gostam de ir para aula 60. Por que não tem?
61. Se tivesse a oportunidade, gostariam de ter?
2 CONDIÇÕES SANITÁRIAS
Água (abastecimento de água potável) 5 SANEAMENTO, SAÚDE E DESENVOLVIMENTO
21. Tem água encanada aqui? HUMANO
22. A água é boa para beber, lavar louça, tomar banho? 62. Vocês acham que a falta de água, de rede de esgoto,
23. Falta água com frequência aqui no bairro? alagamentos e lixo acumulado nas ruas são problemas?
24. Como você faz quando não tem água? 63. Como isso afeta a vida de vocês?
25. Você paga por ela? 64. Estes problemas afetam também a saúde?
26. Quanto paga por mês? 65. O que melhoria na vida de vocês se estas questões fossem
resolvidas?
Esgoto (esgotamento sanitário) 66. As crianças deixam de estudar por causa disso?
27. Como funciona o esgoto da sua casa? 67. Vocês deixam de trabalhar?
28. Ele vai para onde?
29. Tem rede de esgoto aqui no bairro?
30. É rede de esgoto mesmo ou só tubulação para água
da chuva?

Lixo (limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos)


31. O caminhão do lixo passa aqui com frequência?
32. Quando ele não passa, como vocês fazem?
33. Como vocês fazem com o lixo? Queimam, jogam
em algum local?
34. Vocês separam o lixo, por exemplo, do banheiro, da
cozinha?

Alagamentos (drenagem e manejo das águas pluviais


urbanas)
35. Quando chove, como fica a situação das ruas aqui?
36. A água entra nas casas?
37. Sua casa já foi alagada?
138

Apêndice D – Fotos tiradas durante a pesquisa de campo

Foto 01 – Uma das ruas que recebeu obras do PAC

Foto 02 – Águas residuais, esgoto e águas urbanas


139

Foto 03 – Fossa “estourada” na casa de um morador

Foto 04 – Aterramento de área alagada para construção


140

Foto 05 – Aterramento de área alagada para construção

Foto 06 – Área alagada entre casas


141

Foto 07 – Rua sendo aterrada sem drenagem feita

Foto 08 – Área alagada onde são vistas Sucuris com frequência


142

Foto 09 – Extensão da área alagada

Foto 10 – Terreno aterrado pronto para construção


143

Foto 11 – Trecho do Riacho Bacuri limpo pela prefeitura

Foto 12 – Trecho de uma rua sem acesso à veículos


144

Foto 13 – Pequena ponte sobre o Riacho Bacuri


145

ANEXOS
146

ANEXO 1 – Diversas definições para o termo saneamento


FONTE DEFINIÇÃO
Saneamento é a aplicação de medidas, modificando condições do meio ambiente,
que procuram interromper o elo da cadeia de transmissão de certas doenças. O
Saneamento, aliado à Educação Sanitária é, portanto, base de um programa de
Saúde Pública. Os principais elementos que se utiliza para fazer o saneamento das
Manual de Saneamento casas e cidades são:
FSESP (1950) 1. Suprimento de água adequado
2. Destino dos dejetos
3. Controle dos animais transmissores de doenças
4. Cuidados e manuseio dos alimentos
5. Coleta e destino do lixo.
Saneamento segundo a definição clássica é o conjunto de medidas visando
modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir a doença e
promover a saúde. É uma definição física, material, que na sua expressão não leva
Manuais de Saneamento
em conta fatores humanos. Segundo a ‘International Foundation’, Saneamento é
FSESP/FUNASA (1964,
um modo de vida, é qualidade de viver expressa em condições de salubridade com
1972, 1981, 1991 e 1994)
casa limpa, vizinhança limpa, comércio e indústria limpos, fazendas limpas. Sendo
um modo de vida deve vir do povo, é alimentado pelo saber e cresce como um
ideal e uma obrigação nas relações humanas.
Saneamento ambiental é o conjunto de ações socioeconômicas que têm por
objetivo alcançar níveis de Salubridade Ambiental, por meio de abastecimento de
Manual de Saneamento
água potável, coleta e disposição sanitária de resíduos sólidos, líquidos e gasosos,
FUNASA (1999, 2004 e
promoção da disciplina sanitária de uso do solo, drenagem urbana, controle de
2006)
doenças transmissíveis e demais serviços e obras especializadas, com a finalidade
de proteger e melhorar as condições de vida urbana e rural.
Saneamento do Meio, conforme conceito definido por um grupo de especialistas
Oliveira (1975) reunido pela Organização Mundial da Saúde, é o controle de todos os fatores do
meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeito deletério sobre.
Conjunto das medidas destinadas a assegurar a higiene e salubridade de casas e
Enciclopédia Barsa lugares em geral. É de responsabilidade do Estado desde que o congestionamento
(1987) das cidades, na Idade Moderna, e o baixo nível salarial das populações,
impuseram-lhe a defesa da saúde pública.
Organização Mundial da O controle de todos os fatores do meio físico do homem, que exercem ou podem
47
Saúde exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem estar físico, mental ou social.
O conjunto de ações entendidas como de saúde pública, compreendendo o
abastecimento de água em quantidade suficiente para assegurar higiene adequada e
Política Municipal de
conforto e com qualidade compatível com os padrões de potabilidade; a coleta, o
Saneamento de Belo
tratamento e a disposição adequada dos esgotos e dos resíduos sólidos; a drenagem
Horizonte
urbana das águas pluviais e o controle de vetores transmissores e de reservatórios
de doenças.
Todos têm direito aos serviços de saneamento básico, entendidos
Constituição do Estado da
fundamentalmente como de saúde pública, compreendendo abastecimento d’água
Bahia
no melhor índice de potabilidade e adequada fluoretação, coleta e disposição

47
Rubinger (2008, p. 21) faz uma observação importante sobre o conceito da OMS: “Amplamente difundida, a
definição publicada por Heller e Möller (1995), extraída de Batalha (1986), que por sua vez a atribui à
Organização Mundial da Saúde, enuncia saneamento como ‘o controle de todos os fatores do meio físico do
homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem estar físico, mental ou social’.
Entretanto, não se encontrou a fonte original desta definição, ou seja, sua publicação oficial pela OMS não é
citada em quaisquer das publicações onde foi encontrada. Uma tentativa de localizar a fonte original desta
definição foi realizada por meio de correio eletrônico enviado à própria OMS. Contudo, não se alcançou o
objetivo pretendido, pois a resposta recebida fazia menção à definição de saúde publicada pela OMS, não
esclarecendo a dúvida em questão”. A mesma definição é apresentada em Carvalho e Oliveira (2010) também
sem informações da referencia original.
147

adequada dos esgotos e do lixo, drenagem urbana de águas pluviais, controle de


vetores transmissores de doenças e atividades relevantes para a promoção da
qualidade de vida.
O conceito de saneamento pode ser sintetizado mediante uma definição,
exclusivamente qualitativa, segundo a qual, este é um campo da engenharia cujo
Montsoríu (1995) objetivo é a coleta e o transporte de águas residuárias e o tratamento tanto desta
como de seus subprodutos gerados no curso dessas atividades, de forma que sua
evacuação produza o mínimo impacto ao meio ambiente.
Saneamento ambiental – série de medidas destinadas a controlar, reduzir ou
Glossário de Ecologia
eliminar a contaminação do ambiente para garantir melhor qualidade de vida para
(1997)
os seres vivos, e especialmente para o homem.
Para Winslow, Saúde Pública é a ciência e a arte de prevenir a doença, prolongar a
vida e promover a saúde e a eficiência física e mental, através de esforços
organizados da comunidade no sentido de realizar o saneamento do meio e o
controle de doenças infectocontagiosas; promover a educação do indivíduo baseada
em princípios de higiene pessoal; organizar serviços médicos e de enfermagem
para o diagnóstico precoce e tratamento preventivo das doenças; assim como
desenvolver a maquinaria social de modo a assegurar, a cada indivíduo da
Dacach (1979)
comunidade, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde’. O Saneamento,
uma das armas da Saúde Pública, é um conjunto de medidas relacionadas,
principalmente, ao solo, à água, ao ar, à habitação e aos alimentos, nas quais se
destaca a ação do Engenheiro, visando a quebrar os elos das cadeias de transmissão
das doenças. Para a Organização Mundial de Saúde, Saneamento é o controle de
todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeito
deletério sobre seu bem-estar físico, mental ou social.
A Engenharia Sanitária, segundo Sallovitz, tem por objeto resolver no terreno
técnico construtivo, todos os problemas que apresenta a higiene, como resultado
dos princípios que sustenta. Segundo Earle Phelps, professor de ciência sanitária da
Universidade de Colúmbia (sic), ‘é a arte de dirigir as fôrças (sic) e atividades da
natureza para a proteção e melhoramento da saúde pública’. Devido à
complexidade da engenharia sanitária, tem-se procurado especializações, com
ramificações próprias e interdependentes na ciência das construções.
O engenheiro sanitário deve construir obras que proporcionem ótimas condições de
vida sã, procurando com suas construções assegurar as quatro exigências
fundamentais seguintes: 1.º) Higiene da água; 2.º) Higiene do solo; 3.º) Higiene do
ar; 4.º) Higiene do corpo; estando compreendida nesta última, a Higiene alimentar.
Os problemas principais a serem tratados pela engenharia sanitária são os
Siqueira (1959) seguintes:
a) Abastecimento público de água potável (...)
b) Afastamento rápido dos dejetos das habitações humanas (...)
c) Tratamento dos dejetos das habitações (...)
d) Drenagem dos terrenos pantanosos ou úmidos (...)
e) Fornecimento de gêneros alimentícios sãos (...)
f) Fornecimento de banhos públicos (...)
g) Traçados urbanísticos das cidades (...)
h) Estudos e construções destinados a hospitais, maternidades, creches, sanatórios,
preventórios, leprosários, etc.
i) Estudos e construção de obras e aparelhos para condicionamento do ar, nos
hospitais, sanatórios, escritórios, teatros, fábricas, etc. (...)
j) Saneamento rural (...).
Saneamento: intervenções que visem reduzir a exposição das pessoas às doenças,
proporcionando um ambiente limpo adequado para se viver; com medidas que
interrompam o ciclo de doenças. Isto normalmente inclui a gestão higiênica de
World Bank (2007) dejetos humanos e de animais, dos resíduos sólidos e das águas residuais; o
controle de vetores de doenças e na provisão de instalações que permitam a higiene
pessoal e doméstica. Saneamento envolve os comportamentos e as instalações que
em conjunto proporcionam um ambiente higiênico.
148

As práticas da engenharia sanitária incluem as seguintes atividades:


1. Elaboração de questionários, relatórios, projetos, revisões, direcionamento,
gerenciamento, operação, e investigação de trabalhos ou programas para:
(a) Distribuição e tratamento de águas de abastecimento.
(b) Coleta, tratamento e disposição dos resíduos comunitários e esgotos domésticos
e industriais, e refugos, incluindo a recuperação de componentes úteis de tais
resíduos.
(c) Controle da poluição de águas superficiais e subterrâneas e dos solos
superficiais e subterrâneos.
(d) Saneamento do leite e de alimentos.
(e) Saneamento residencial e institucional.
Salvato (1958) (f) Controle ou erradicação de insetos e vermes.
(g) Saneamento de áreas rurais, campestres e de recreação.
(h) Controle da poluição atmosférica e da qualidade do ar e da luz, ruídos,
vibrações e materiais tóxicos, incluindo aplicação em espaços de trabalho de
estabelecimentos industriais (engenharia de higiene industrial).
(i) Prevenção contra a exposição à radiação.
(j) Outros campos que tenham como objetivo maior o controle de fatores
ambientais que possam afetar a saúde.
2. Execução de pesquisas profissionais e desenvolvimento de trabalhos que deem
suporte às atividades listadas em 1.
3. Responsabilidade pelo ensino dos assuntos relativos à engenharia sanitária em
instituições educacionais de posição reconhecida.
Hopkins (1939) Saneamento pode ser definido como a regulação e o controle da saúde pública
Saneamento: intervenções (normalmente construção de instalações como latrinas),
WHO (2005)
que melhoram a gestão relativa aos dejetos.
Saneamento: Higiene pública; praticar métodos higiênicos e manter ambientes
Art (2001)
sanitários para evitar doenças.
Com relação à terminologia de saúde, é interessante transcrever algumas definições
apresentadas pela Organização Mundial da Saúde e que foram aprovadas no
Primeiro Congresso Interamericano de Higiene, em Havana em setembro de 1952.
a) Saúde. É um estado completo de bem estar físico, mental e social e não somente
a ausência de doenças.
b) Salubridade. É a ciência e a arte de organizar e dirigir os esforços coletivos para
proteger, fomentar e reparar a saúde.
c) Higiene. É o conjunto de normas de vida que asseguram ao indivíduo o exercício
pleno de todas as suas funções.
d) Saneamento. É o ramo da salubridade destinado a eliminar os riscos do ambiente
natural, sobretudo resultantes da vida em comum, e criar e promover nele as
condições ótimas para a saúde.
Opazo e Cordero (1969)
Cabe destacar o fato que esta última definição, caracterizada pelo conceitual, não
só pretende, através do saneamento, eliminar os riscos do ambiente para evitar a
transmissão de doenças, senão alcançar o completo bem estar físico, mental e
social que inclui agrado, bem estar, conforto e alegria de viver de nossas
comunidades, direitos inalienáveis de todo indivíduo que forma nossa sociedade.
Os riscos potenciais do ambiente natural que podem originar transtornos de origem
orgânica, fisiológica, psíquica ou social, expandem-se em proporções diretas à
densidade da população existente no meio. Para eliminar estes riscos ou reduzi-los
a limites compatíveis com a civilização atual, é necessário dispor de princípios,
técnicas, normas e métodos que se apliquem ao meio, e estes princípios, técnicas,
normas e métodos são proporcionados pela engenharia sanitária, que tende a
solucionar os problemas de prevenção e eliminação de uma importante gama de
doenças e a satisfação de viver em um meio são e confortável.
149

Chamamos de saneamento a prevenção de doenças por eliminação ou controle dos


fatores ambientais que formam os elos da cadeia de transmissão. Um esquema
deste aspecto de trabalho de sanidade pública é o seguinte:
1. Abastecimento de água
2. Eliminação de excretas e resíduos sólidos
3. Controle de insetos
4. Controle de roedores
5. Saneamento dos alimentos
EHLERS (1961) 6. Instalações prediais
7. Acondicionamento de ar e purificação da atmosfera
8. Iluminação
9. Alojamento
10. Saneamento institucional
11. Higiene industrial
12. Saneamento de piscinas de natação
13. Supressão de incômodos
14. Proteção contra radiações.
Fonte: Rubinger (2008).
150

ANEXO 2 – Estimated burden of disease from poor household environments in


demographically developing countries, 1990, and potential reduction through improved
household services48
Burden from Burden Burden
Reduction
these diseases in averted averted
Principal diseases achievable
developing by feasible per 1,000
related to poor Relevant environmental through
countries interventions population
household problem feasible
(millions of (millions of (DALYs
environmentsa interventions
DALYs per b DALYs per per
(percent)
year) year) year)
Tuberculosis Crowding 46 10 5 1.2
Sanitation, water supply,
Diarrheac 99 40 40 9.7
hygiene
Trachoma Water supply, hygiene 3 30 1 0.3
Sanitation, garbage
disposal,
Tropical clusterd 8 30 2 0.5
vector breeding around
the home
Sanitation, water supply,
Intestinal worms 18 40 7 1.7
hygiene

Respiratory Indoor air pollution,


119 15 18 4.4
infections crowding
Chronic respiratory
Indoor air pollution 41 15 6 1.5
diseases
Respiratory tract
Indoor air pollution 4 10e * 0.1
cancers
All the above 338 - 79 19.4

* Less than one.


Note: The demographically developing group consists of the demographic regions Sub-Saharan Africa, India, China, Other
Asia and islands, Latin America and the Caribbean, and Middle Eastern crescent.
a. The diseases listed are those for which there is substantial evidence of a relationship with the household environment and
which are listed in Appendix B. Examples of excluded conditions are violence related to crowding (because of lack of
evidence) and guinea worm infection related to poor water supply (not listed in Appendix B).
b. Estimates derived from the product of the efficacy of the interventions and the proportion of the burden of disease that
occurs among the exposed. The efficacy estimates assume the implementation of improvements in sanitation, water supply,
hygiene, drainage, garbage disposal, indoor air pollution, and crowding of the kind being made in poor communities in
developing countries.
c. Includes diarrhea, dysentery, cholera, and typhoid.
d. Diseases within the tropical cluster most affected by the domestic environment are schistosomiasis, South American
trypanosomiasis, and Bancroftian filariasis.
e. Based on very inadequate data on efficacy.

Fonte: World Bank (1993, p. 90).

48
DALY significa “disability-adjusted life years”. É uma unidade usada para medir a carga global da doença e a
eficácia das intervenções de saúde. É calculada como o valor presente dos anos futuros de vida livre de
incapacidade que são perdidos como resultado das mortes prematuras ou casos de deficiência que ocorrem em
um determinado ano.
151

ANEXO 3 – The list of the central capabilities


Being able to live to the end of a human life of normal length; not dying prematurely,
1 Life
or before one’s life is so reduced as to be not worth living.
2 Bodily health Being able to have good health, including reproductive health; to be adequately
nourished; to have adequate shelter.
Being able to move freely from place to place; having one’s bodily boundaries treated
as sovereign, i.e. being able to be secure against assault, including sexual assault, child
3 Bodily integrity
sexual abuse, and domestic violence; having opportunities for sexual satisfaction and
for choice in matters of reproduction.
Being able to use the senses, to imagine, think, and reason – and to do these things in a
‘‘truly human’’ way, a way informed and cultivated by an adequate education,
including, but by no means limited to, literacy and basic mathematical and scientific
Senses, training. Being able to use imagination and thought in connection with experiencing
4 imagination and and producing self-expressive works and events of one’sown choice, religious, literary,
thought: musical, and so forth. Being able to use one’s mind in ways protected by guarantees of
freedom of expression with respect to both political and artistic speech, and freedom of
religious exercise. Being able to search for the ultimate meaning of life in one’s own
way. Being able to have pleasurable experiences, and to avoid non-necessary pain.
Being able to have attachments to things and people outside ourselves; to love those
who love and care for us, to grieve at their absence; in general, to love, to grieve, to
experience longing, gratitude, and justified anger. Not having one’s emotional
5 Emotions:
development blighted by overwhelming fear and anxiety, or by traumatic events of
abuse or neglect. (Supporting this capability means supporting forms of human
association that can be shown to be crucial in their development.)

6 Practical reason: Being able to form a conception of the good and to engage in critical reflection about
the planning of one’s life. (This entails protection for the liberty of conscience.)
A. Being able to live with and toward others, to recognize and show concern for other
human beings, to engage in various forms of social interaction; to be able to imagine
the situation of another and to have compassion for that situation; to have the
capability for both justice and friendship. (Protecting this capability means protecting
institutions that constitute and nourish such forms of affiliation, and also protecting the
7 Affiliation: freedom of assembly and political speech.) B. Having the social bases of self-respect
and non-humiliation; being able to be treated as a dignified being whose worth is equal
to that of others. This entails, at a minimum, protections against discrimination on the
basis of race, sex, sexual orientation, religion, caste, ethnicity, or national origin.84 In
work, being able to work as a human being, exercising practical reason and entering
into meaningful relationships of mutual recognition with other workers.
Being able to live with concern for and in relation to animals, plants, and the world of
8 Other species:
nature.
9 Play: Being able to laugh, to play, to enjoy recreational activities.
A. Political. Being able to participate effectively in political choices that govern one’s
Control over life; having the right of political participation, protections of free speech and
10 One’s association. B. Material. Being able to hold property (both land and movable goods),
Environment. not just formally but in terms of real opportunity; and having property rights on an
equal basis with others; having the right to seek employment on an equal basis with
others; having the freedom from unwarranted search and seizure.
Fonte: Nussbaum (2000, p. 78-80).
152

ANEXO 4 – Selected definitions of vulnerability


Gabor and Vulnerability is the threat (to hazardous materials) to which people are exposed (including
Griffith chemical agents the ecological situation of the communities and their level of emergency
(1980) preparedness). Vulnerability is the risk context.
Vulnerability is the degree to which a system acts adversely to the occurrence of a hazardous
Timmerman
event. The degree and quality of the adverse reaction are conditioned by a system’s resilience
(1981)
(a measure of the system’s capacity to absorb and recover from the event).
Vulnerability is the degree of loss to a given element or set of elements at risk resulting from
Undro (1982)
the occurrence of a natural phenomenon of a given magnitude.
Susman (et Vulnerability is the degree to which different classes of society are differentially at risk.
al., 1984)
Pijawka and Vulnerability is the threat or interaction between risk and preparedness. It is the degree to
Radwan which hazardous materials threaten a particular population risk and the capacity of the
(1985) community to reduce the risk or adverse consequences of hazardous materials releases.
Vulnerability is operationally defined as the inability to take effective measures to insure
Bogard
against losses. When applied to individuals, vulnerability is a consequence of the impossibility
(1989)
or improbability of effective mitigation and is a function of our ability to detect the hazards.
Mitchell Vulnerability is the potential for loss.
(1989)
Distinguishes between vulnerability as a biophysical condition and vulnerability as defined by
Liverman political, social and economic conditions of society. She argues for vulnerability in geographic
(1990a) space (where vulnerable people and places are located) and vulnerability in social space (who
in that place is vulnerable).
Vulnerability has three connotations: it refers to a consequence (e.g., tamine) rather than a
Downing cause (e. g., drought); it implies an adverse consequence (e. g., maize yields are sensitive to
(1991b) drought; households are vulnerable to hunger); and it is a relative term that differentiates
among socioeconomic groups or regions, rather than an absolute measure of deprivation.
Vulnerability is the differential capacity of groups and individuals to deal with hazards, based
Dow (1992)
on their positions within physical and social worlds.
Risk from a specific hazard varies through time and according to changes in either (or both)
Smith (1992) physical exposure or human vulnerability (the breadth of social and economic tolerance
available at the same site).
Alexandre Human vulnerability is a function of the costs and benefits of inhabiting areas at risk from
(1993) natural disaster.
Vulnerability is the likelihood that an individual or group will be exposed to and adversely
Cutter (1993) affected by a harzad. It is the interaction of the hazards of place (risk and mitigation) with the
social profile of communities.
Vulnerability is defined in terms of exposure, capacity and potentiality. Accordingly, the
Watts and prescriptive and normative response to vulnerability is to reduce exposure, enhance coping
Bohle (1993) capacity, strengthen recovery potential and bolster damage control (i. e., minimize destructive
consequence) via private and public means.
By vulnerability we mean the characteristics of a person or group in terms of their capacity to
Blaikie (et al., anticipate, cope with, resist and recover from the impact of a natural hazard. It involves a
1994) combination of factors that determine the degree to which someone’s life and livelihood are
put at risk by a discrete and identifiable event in nature or in society.
Vulnerability is best defined as an aggregate measure of human welfare that integrates
Bohle (et al., environmental, social, economic and political to a range of potential harmful perturbations.
1994) Vulnerability is a multilayered and multidimensional social space defined by the determinate,
political, economic and institutional capabilities of people in specific places at specific times.
Vulnerability is the differential susceptibility of circumstances contributing to vulnerability.
Dow and
Biophysical, demographic, economic, social and technological factors such as population
Dowing
ages, economic dependency, racism and age of infrastructure are some factors which have
(1995)
been examined in association with natural hazards.
Fonte: Cutter (1996).
153

ANEXO 5 – Conceptual approaches for the study of social vulnerability


APPROACH WHAT WHAT IT IS WHAT IT WHAT TO DO
VULNERABILIT ASSOCIATED WITH APPLIES
Y IS TO
Vulnerability and Lack of power Exclusion and discrimination in the Individuals Create conditions that
rights context of social systems with (especially favour broad citizenship and
(Bustamante, asymmetric power distribution international full exercise of rights
2000) migrants)
Vulnerability and General feeling of Labour market segmented and Economic Balance labour relations
pattern of defencelessness openly favourable to capital and Expand citizenship and
development that Restricted access to social services political participation
(Pizarro, 2001; has a material basis Reduction in collective action and actors Offer universal access to
ECLAC, 2000a) general apathy Collapse of in the broad some services
microenterprises sense Support microenterprises
Strengthen the quality of
public action
Create contingency funds
Respect macro -social
balances
Vulnerability and Risk of falling Low and volatile income Individuals Provide focused support to
poverty (ECLAC, below the poverty and strengthen income levels
2000a) line households Promote new sources of
income or subsidies
Vulnerability and Incapacity to resist Intrinsic vulnerability associated Persons and Take various kinds of action
economic shocks the impacts of with socioeconomic changes (there households to mitigate intrinsic
(Glewwe y Hall, economic crises is also circumstantial vulnerability vulnerability.
1995) related to changes in public Evaluate the effect of the
programmes) The actors see their increase in circumstantial
income reduced owing to: a strong vulnerability
connection with the economic
context; low level of diversity of
sources of income in households;
low level of skills Difficulties in
minimizing the effects of a fall in
income: low availability of assets,
savings or access to credit; few
options for increasing the labour
density of the household; limited
potential for using experience in new
jobs; lack of access to transfers from
other households; resistance to
changing habits of consumption;
obstacles to direct production;
difficulty in adapting to new
situations
Vulnerability and Lack of assets or Low level of available resources in Households “Discover” resources
mobilization of incapacity to any household (labour, human Support management
assets (asset mobilize them capital, housing, household relations, capacities
vulnerability Insecurity and social capital) to help deal with Promote social capital
framework) sensitivity of actors shocks or adapt to external changes Use the vision of the actors
(Moser, 1998) to changes in the
environment
Vulnerability and Imbalance between Low capacity of actors to take Social actors, Identify and promote assets
structure of assets and structure advantage of available opportunities especially Reduce segmentation
opportunities of opportunities in various socio-economic areas and households Adjust assets to the
(Kaztman and to improve their level of well-being structure of opportunities
others, 1999 y or prevent its deterioration: resources
2000; Filgueira, in terms of individuals; resources in
1998) terms of rights, resources in terms of
relations
Fonte: CEPAL, 2002, p. 16-18.
154

ANEXO 6 – Objetos e metas para o milênio


ODMs METAS
1. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com
1 - Erradicar a extrema pobreza e renda inferior a um dólar por dia.
a fome 2. Reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população que
sofre de fome.
2 - Atingir o ensino básico 3. Garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem
universal um ciclo completo de ensino básico.

3 - Promover a igualdade entre os 4. Eliminar a disparidade entre os sexos no ensino primário e secundário, se
sexos e a autonomia das mulheres possível até 2005, e em todos os níveis de ensino, o mais tardar até 2015.

5. Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças


4 - Reduzir a mortalidade infantil
menores de 5 anos.
6. Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade
5 - Melhorar a saúde materna
materna.
7. Até 2015, ter detido a propagação do HIV/Aids e começado a inverter a
6 - Combater o HIV/AIDS, a tendência atual.
malária e outras doenças 8. Até 2015, ter detido a incidência da malária e de outras doenças
importantes e começado a inverter a tendência atual.
9. Integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e
programas nacionais e reverter a perda de recursos ambientais.
7 - Garantir a sustentabilidade 10. Reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso
ambiental permanente e sustentável à água potável segura.
11. Até 2020, ter alcançado uma melhora significativa nas vidas de pelo
menos 100 milhões de habitantes de bairros degradados.
12. Avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro
aberto, baseado em regras, previsível e não discriminatório.
13. Atender as necessidades especiais dos países menos desenvolvidos.
14. Atender as necessidades especiais dos países sem acesso ao mar e dos
pequenos Estados insulares em desenvolvimento.
15. Tratar globalmente o problema da dívida dos países em
desenvolvimento, mediante medidas nacionais e internacionais de modo a
tornar a sua dívida sustentável a longo prazo.
8 - Estabelecer uma parceria
16. Em cooperação com os países em desenvolvimento, formular e
Mundial para o Desenvolvimento
executar estratégias que permitam que os jovens obtenham um trabalho
digno e produtivo.
17. Em cooperação com as empresas farmacêuticas, proporcionar o acesso
a medicamentos essenciais a preços acessíveis, nos países em vias de
desenvolvimento.
18. Em cooperação com o setor privado, tornar acessíveis os benefícios das
novas tecnologias, em especial das tecnologias de informação e de
comunicações.
Fonte: Ferretti (2008, p. 26 e 27).
155

ANEXO 7 – Propostas de componentes do bem-estar humano


Foco Elementos do Bem-estar Humano
1. Vida: Ser capaz de viver até o final da vida humana de longevidade normal; não morrer prematuramente.
2. Saúde física: ser capaz de ter boa saúde, incluindo saúde reprodutiva; para ser adequadamente nutrido e para ter
adequado abrigo.
3. Integridade física: ser capaz de se mover livremente de um lugar a outro; estar seguro contra violência, incluindo
violência sexual e domestica; ter oportunidades para satisfação sexual e escolha em assuntos de reprodução.
4. Uso dos sentidos, imaginação e pensamento: ser capaz de usar os sentidos, para imaginar, pensar, e raciocinar –
fazer estas coisas de maneira informada e cultivada por uma adequada educação, incluindo, alfabetização e
treinamento básico de matemática e ciências. Ser capaz de usar a imaginação e pensamento em conexão a próprias
escolhas sobre religião, educação, música e outras.
Capacitações como
5. Emoções: ser capaz de ter ligações a coisas e outras pessoas; para amar a aqueles que amam e cuidam de nós, para
direitos universais Martha
afligir-se em sua ausência; em geral, para amar, para sofrer, para experimentar saudade, gratidão e justificada raiva.
Nussbaum (2003, P. 41-
6. Raciocínio prático: ser capaz para formar uma concepção do bom e manter reflexões críticas sobre o planejamento
42)
da própria vida.
7. Afiliação: A) ser capaz de viver com e pelos a outros, se incorporar a varias formas e interações sociais. B) ter
base social de auto-respeito e não-humilhação; ser capaz de ser tratado como um ser digno. Refere à não
discriminação por raça, sexo, orientação sexual, religião ou nacionalidade.
8. Outras espécies: ser capaz de viver com preocupação por e em relação a animais, plantas e o mundo natural.
9. Lazer: ser capaz de rir, jogar, desfrutar de atividades recreativas.
10. Controle sobre o próprio ambiente: A) político – ser capaz de participar efetivamente em escolhas políticas; ter o
direito de participação política, proteção de livre discurso e associação. B) Material – ser capaz de ter propriedade
(terra e bens) e ter direitos de propriedade e o direito de buscar emprego da mesma forma que outros.
Capacitações chaves
para política pública - 1. Ser capaz de sobreviver
Relatório de 2. Ser instruído
Desenvolvimento 3. Ter acesso a fontes necessárias para um decente padrão de vida
Humano - IDH
Objetivo 1: erradicar a extrema pobreza e a fome.
Objetivo 2: atingir o ensino básico fundamental
Acordo de Ação
Objetivo 3: promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
Política Global -
Objetivo 4: Reduzir a mortalidade infantil
―Objetivos de
Objetivo 5: Melhorar a saúde materna
Desenvolvimento do
Objetivo 6: combater o HIV / AIDS, a malaria e outras doenças
Milênio‖ (ODM)
Objetivo 7: Garantir a sustentabilidade ambiental
Objetivo 8: estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento
Elos de pobreza e meio
1. "Livelihoods"
ambiente baseado nos
2. Saúde
ODM (BANCO
3. Vulnerabilidade
MUNDIAL, 2002)
1. Segurança: garantia no acesso de ativos, segurança das pessoas e de suas posses frente a desastres
Elos de bem-estar e
naturais e não naturais e a segurança de viver em um ambiente controlado e previsível.
serviços dos ecossistemas
2. Acesso a materiais básicos para uma vida boa: isso inclui meios de subsistência (“livelihoods”) na forma
(Capacitações definidas
de ativos, renda, alimento, vestido e habitação.
com base na pesquisa ―as
3. Saúde: esta relacionada com elementos essenciais do ser da pessoa, como estar bem nutrido, se sentir
vozes dos pobres‖)
forte e não padecer doenças.
Avaliação do Milênio de
4. Relações sociais: refere-se à habilidade de coesão social, respeito e cooperação mutua.
Ecossistemas (MA)
5. Liberdades e escolhas: desfrute dos outros componentes.
1) Estar apto a ficar alimentado adequadamente.
2) Estar apto a ficar isento de doenças evitáveis.
3) Estar apto a viver em abrigo seguro e são no aspecto ambiental.
4) Estar apto a possuir água potável, pura e adequada.
5) Estar apto a ter ar puro.
Elos de pobreza e serviços
6) Estar apto a ter energia para se aquecer e cozinhar.
dos ecossistemas
7) Estar apto a utilizar a medicina tradicional.
(DURAIAPPAH, 2005, P.
8) Estar apto a continuar a utilizar os elementos naturais encontrados nos ecossistemas para exercício das
5)
atividades culturais e espirituais tradicionais.
9) Estar apto a enfrentar catástrofes naturais graves, designadamente inundações, tempestades tropicais e
desmoronamento de terrenos.
10) Estar apto a tomar decisões sobre gestão sustentável que respeitem os recursos naturais e possibilitem a
realização de um fluxo de rendimento sustentável.
Fonte: Macana (2008, p. 87)

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