2014DiegoMacieldeOliveira
2014DiegoMacieldeOliveira
2014DiegoMacieldeOliveira
Acredito que existe alguém mais poderoso que eu e que governa todas as coisas, por
isso agradeço a você, Deus Supremo dos Céus e da Terra, por me permitir concluir este
mestrado. Também agradeço a várias pessoas que estiveram juntas a mim nesta jornada tão
pesada, mas tão gratificante.
À minha esposa Janira que sempre me entendeu e me apoiou durante esses dois anos, e
ao Gustavo, meu filho, que aprendeu a andar e falar me vendo sentado à frente do computador
escrevendo. Também aos meus pais e meus irmãos. Giovanna e Alex, falar o que de vocês?
Vocês foram demais. Receberam-me durante todo esse tempo. Obrigado pelo suporte, pelos
churrascos, pizzas e pelos papos. Sou muito grato por ter amigos assim, verdadeiros.
À UNIVATES, uma das melhores instituições de ensino do país, em especial a equipe
do PPGAD. Aos professores do curso, com os quais eu aprendi com vocês que alguém pode
ser inteligente sem ser chato. A todos os colegas de turma. Aprendi um pouco com cada um.
Em especial à Elizangela, Claudionor, Rodrigo, Silvana, Patrícia, Zenicleia e Fernanda pelos
momentos de descontração.
Ao Marcelo, meu amigo e grande parceiro nessa caminhada. Te plagiando: fizemos
em dupla as duas dissertações! Você foi parceiro não só na etapa da pesquisa, mas durante
todo o curso, principalmente nas idas e vindas ao Sul.
Ao meu amigo Wellensohn que me ajudou bastante nas visitas de campo.
Finalmente, aos meus orientadores, Júlia e Odorico. Júlia o que você me ensinou vai
além da Abordagem das Capacitações. Obrigado pelos puxões de orelha. Odorico, sempre que
eu conversava com você minha mente se abria!
A todos vocês só tenho a dizer: Muito obrigado!
“Não basta conhecer a realidade é preciso transformá-la”
(Karl Marx)
RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar como a falta de saneamento básico priva a vida das
pessoas e como essas privações afetam suas liberdades. Para tal, foi realizado um estudo de
caso na Vila João Castelo, cidade de Imperatriz/Maranhão/Brasil. Foram entrevistadas 11
famílias e os dados foram analisados através da técnica de análise de conteúdo. Também se
fez uso da técnica de observação não participante para descrever a situação sanitária do bairro.
Investigou-se como as condições sanitárias nas quais os moradores vivem afetam capacitações
representativas do bem-estar, tais como saúde, educação, valores sociais, segurança e acesso
aos materiais básicos para a vida. O estudo permite considerar que as famílias estão sendo
privadas em todas as capacitações analisadas. A segurança pessoal tem sido muito afetada,
uma vez que as pessoas não são capazes de controlar o próprio ambiente nem ter segurança na
posse de seus bens. Observou-se que a falta de saneamento no bairro priva as pessoas do
acesso à educação, de exercerem seus valores sociais, de terem acesso a bens materiais
básicos para a vida e de terem autoestima elevada. A condição de agente delas também foi
prejudicada. Em relação à política pública como forma de expandir as liberdades das pessoas,
no caso analisado esta agiu de forma contrária, restringindo ainda mais as liberdades das
famílias quando da realização da obra de saneamento realizada pela prefeitura no bairro.
Verificou-se que, quando a situação do bairro é analisada a partir da lista de capacitações
humanas centrais de Nussbaum, pode-se afirmar que os moradores não estão sendo
verdadeiramente humanos, pois todas as dez capacitações estão sendo afetadas. Quando se
analisa o saneamento a partir da Abordagem das Capacitações amplia-se a compreensão de
seus efeitos na vida das pessoas para além da análise de presença ou ausência de doenças
causadas pela falta de drenagem, esgoto, água potável e coleta de lixo.
This study aimed to examine how the lack of sanitation deprives people's lives and how these
deprivations affect their freedoms. To this end, a case study was conducted in Vila João
Castelo, Imperatriz/Maranhão/Brasil. Eleven families were interviewed and the data analyzed
using the technique of content analysis. Also made use of the technique of non-participant
observation to describe the health of the neighborhood residents. This research examined how
the sanitary conditions in which people live affect welfare representative capabilities, such as
health, education, social values, security and access to basic materials for life. The study
suggests that families are being deprived in all capabilities analyzed. Personal security is the
most affected, since people are not able to control their own environment and not have secure
possession of their property.It was observed that the lack of sanitation in the neighborhood
deprives people of access to education, to exercise their social values, to have access to basic
material goods for life and have high self-esteem. The agent condition of these was also
impaired.Regarding public policy, as a way of expanding the freedoms of individuals, in this
case analyzed it has acted contrary, further restricting the freedoms of families, when the city
hall performed the sanitation job in the neighborhood.It was found that when the situation is
analyzed in the neighborhood from The Nussbaum's List of the Central Capabilities, it can be
stated that residents are not being truly humans, because all ten capabilities are being affected.
When analyzing the sanitation from the Capability Approach expands the understanding of its
effects on people's lives beyond the analysis of the presence or absence of diseases caused by
poor drainage, sewage, drinking water and garbage collection.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Interação entre valores no conceito de capacitação ....................................... 32
Figura 02 – Componentes do IDH ................................................................................... 42
Figura 03 – As quatro dimensões do saneamento básico no Brasil ................................... 53
Figura 04 – Esquema conceitual dos efeitos diretos e indiretos do abastecimento de
água e do esgotamento sanitário sobre a saúde .............................................. 62
Figura 05 – Categorias definidas para agrupamento das URs........................................... 84
Figura 06 – Nuvem de palavras: condições de saúde ....................................................... 96
Figura 07 – Resumo das falas dos entrevistados sobre os diversos efeitos da falta de
saneamento ................................................................................................... 109
Figura 08 – Inter-relações entre os diversos efeitos da falta de saneamento identificados
no grupo pesquisado ..................................................................................... 110
Figura 09 – Capacitações representativas de bem-estar.................................................... 112
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 – Conceitos chave da AC ............................................................................... 33
Quadro 02 – As cinco liberdades instrumentais de Sen .................................................... 34
Quadro 03 – A lista das capacitações humanas centrais ................................................... 37
Quadro 04 – Os quatro princípios do DH ........................................................................ 44
Quadro 05 – Dimensões mencionadas nos diferentes RDHs de 1990 a 2009 ................... 45
Quadro 06 – Evolução histórica dos aspectos de saúde pública e meio
ambiente no setor de saneamento no Brasil ..................................................................... 49
Quadro 07 – Principais programas federais em saneamento na década de 1990 ............... 51
Quadro 08 – Classificação ambiental das infecções por via de transmissão ..................... 57
Quadro 09 – Definições selecionadas de vulnerabilidade ................................................. 63
Quadro 10 – Condições sanitárias do bairro estudado na visão dos entrevistados............. 99
Quadro 11 – Os componentes do conceito de saúde e os problemas encontrados no grupo
Quadro 12 – Outros efeitos da falta de saneamento relatados pelos moradores ................ 106
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 01 – Trecho do Riacho Bacuri ................................................................................. 89
Foto 02 – Esgoto a céu aberto ......................................................................................... 90
Foto 03 – Vala feita pelos moradores para passagem do esgoto ....................................... 90
Foto 04 – Área alagada do bairro .................................................................................... 92
Foto 05 – Quintal alagado ............................................................................................... 92
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Localização geográfica do bairro estudado..................................................... 75
Mapa 02 – Vila João Castelo ........................................................................................... 76
LISTA DE TABELAS
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 16
2 DESENVOLVIMENTO HUMANO............................................................................... 20
2.1 Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento sob a visão econômica ............. 20
2.2 Amartya Sen e a perspectiva da liberdade .................................................................. 24
2.3 A Abordagem das Capacitações .................................................................................. 29
2.4 Martha Nussbaum e a lista de capacitações humanas centrais .................................. 36
2.5 O desenvolvimento humano ......................................................................................... 40
1 INTRODUÇÃO
de ter acesso a saneamento básico. No Brasil cerca de 80% da população tem acesso à água,
porém apenas 46% tem esgoto (SNIS, 2010).
Gozar de boa saúde, ter acesso à educação e desfrutar de atividades de lazer são
funcionamentos valiosos, mas que muitas pessoas podem não realizá-los por serem privadas
de uma estrutura de esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais. Por isso o 7º
Objetivo de Desenvolvimento do Milênio disseminado pela Organização das Nações Unidas
(ONU) visa, entre outros, uma redução na quantidade de pessoas sem acesso à água e
melhores condições de esgotamento sanitário até 2015. Este compromisso foi assumido pelo
Brasil.
O Brasil ainda têm municípios sem rede de saneamento básico, e em outros, a rede não
atende a toda a população, como é o caso de Imperatriz/MA. A cidade de Imperatriz surgiu
nos fins do século XVIII a partir do povoamento da região de Pastos Bons, originada das
entradas de piauienses a procura de terra para criação do gado, o sul do estado foi sendo
desbravado, pois até a segunda metade do século XIX o povoamento do Maranhão se resumia
à faixa litorânea. (FRANKLIN, 2005). A cidade foi fundada por Frei Manoel Procópio, que
em 1852, a mando da Igreja Católica, fundou a povoação de Santa Teresa do Tocantins e foi
crescendo a partir da margem direita do rio Tocantins (FRANKLIN, 2008).
Segundo dados do IBGE (2010), Imperatriz tem uma população de 247.505 habitantes.
Possui área de 1.368,982 km² e densidade demográfica de 180,79 hab/km². Destaca-se por ser
um centro de compras e polo educacional para a região tocantina. Em relação a este comércio,
tem um mercado alargado a mais de 80 municípios da região, com uma população total
superior a 1,6 milhão de habitantes (FRANKLIN, 2008). Este autor se refere à cidade como
“cidade regional” tamanha é a sua importância para a região. 95% da população mora na zona
urbana (IBGE, 2010). A localização do município é favorável para os negócios, pois tem
ligação com o norte e centro-oeste do Brasil pela rodovia BR-010 e pela ferrovia norte-sul.
18
desenvolvimento humano (DH) que busca oferecer possibilidades para que as pessoas tenham
uma vida digna, de forma a levarem a vida que elas desejam ter. O objetivo da pesquisa foi
analisar como a falta de saneamento básico priva a vida das pessoas e como essas privações
afetam suas liberdades e teve como norteador a Abordagem das Capacitações.
Esta dissertação está dividida em seis capítulos. Após esta introdução, no capítulo dois
se contextualiza historicamente o conceito de desenvolvimento e apresenta-se a AC e a ADH.
As questões de saneamento básico, sua relação com DH, a vulnerabilidade socioambiental e o
direito ao saneamento são expostas no capítulo três. O capítulo quatro trata da delimitação do
estudo e dos procedimentos metodológicos. Já o capítulo quinto é dedicado aos resultados e
discussões, e por fim, no capítulo seis são feitas algumas considerações finais.
20
2 DESENVOLVIMENTO HUMANO
Sen (1988, p. 10), escreveu sobre o conceito de desenvolvimento citando Willian Petty
(1676) como um dos pioneiros no estudo do tema: “the French grow too fast”. Prosseguindo,
o autor afirma que “[...] it was certainly a part of one of the earliest discussions of
development economics”1. Petty é considerado um dos fundadores da economia moderna e o
pioneiro da economia quantitativa.
1
Tradução: A França cresce rápido demais [...] era certamente uma parte das primeiras discussões sobre o
desenvolvimento da economia.
21
Poucos são os outros conceitos nas Ciências Sociais que têm-se prestado a tanta
controvérsia. Conceitos como progresso, crescimento, industrialização,
transformação, modernização, têm sido usados frequentemente como sinônimos de
desenvolvimento. Em verdade, eles carregam dentro de si toda uma compreensão
específica dos fenômenos e constituem verdadeiros diagnósticos da realidade, pois o
conceito prejulga, indicando em que se deverá atuar para alcançar o
desenvolvimento.
Quando Adam Smith publicou sua obra em 1776, o desenvolvimento econômico foi
apresentado como constituído por diferentes elementos: divisão do trabalho, acúmulo de
capital, incremento da produtividade, incremento da produção nacional, incremento da reserva
de salários, salários mais altos e incremento da riqueza da nação. A riqueza de uma nação era
2
Estes autores afirmam que os economistas marginalistas e neoclássicos não acrescentaram nenhuma
contribuição a esse campo de estudo após os clássicos.
22
3
Sobre o fluxo circular, Costa (2006, p. 3) lembra que “Na TDE [teoria do desenvolvimento econômico], para se
aproximar do movimento da economia capitalista, Schumpeter lança mão de artifício de análise, procedimento
esse já presente em outros autores: trata-se do mecanismo do fluxo circular. A idéia de criar uma imagem
mental, um tipo de protótipo de sistema econômico a partir do qual vai se aprofundando o conhecimento, foi
usada anteriormente por Adam Smith e Karl Marx. [...] Na economia do fluxo circular, segundo Schumpeter, a
vida econômica transcorre monotonamente, em que cada bem produzido encontra o seu mercado, período após
período. Isso, contudo, não significa concluir que inexista crescimento econômico. [...] Os agentes econômicos
apegam-se ao estabelecido, e as adaptações às mudanças ocorrem em ambiente familiar e de trajetória previsível.
[...] Nessas circunstâncias, de acordo com Schumpeter, mudanças econômicas substanciais não podem ter
origem no fluxo circular, pois a reprodução do sistema está vinculada aos negócios realizados em períodos
anteriores […] Contudo, esses tipos de inovações, que são originadas no próprio sistema, quando introduzidas na
atividade econômica, produzem mudanças que são qualitativamente diferentes daquelas alterações do dia-a-dia,
levando ao rompimento do equilíbrio alcançado no fluxo circular”.
23
Como afirma Oliveira (2002, p. 39) “os economistas veem surgir a necessidade de
elaborar um modelo de desenvolvimento que englobe todas as variáveis econômicas e
sociais”. Neste sentido, a definição de Seers (apud MILONE, 2004) apresenta uma ampliação
no conceito, pois segundo ele, desenvolvimento é a criação de condições para a realização da
personalidade humana e deve considerar a pobreza, o desemprego e as desigualdades.
4
Não é interessante aqui discutir as particularidades de cada modelo, porém é salutar apresentar as explicações
de Sandroni (1999, p. 403) sobre modelos econômicos: “Construções abstratas de natureza matemática utilizadas
para explicar ou controlar determinado aspecto da realidade econômica. Os modelos econômicos buscam captar
a essência de uma estrutura determinada, suas relações internas, sua evolução, os fatores que determinam as
mudanças e os caminhos a ser (sic) adotados para manter-se o equilíbrio do sistema produtivo. Podem englobar
pequenas realidades econômicas (empresas isoladas, economias familiares) ou então o conjunto das relações
econômicas de uma sociedade”.
5
Em que pese, Bresser-Pereira (2006) considera que a condição de melhoria no padrão de vida das pessoas está
relacionada ao conceito de desenvolvimento, mas desenvolvimento econômico não é o mesmo que
desenvolvimento humano.
25
do rawlsianismo. Esta foi a primeira vez que Sen apresentou seu conceito de capacitação
(capability) (COMIM et al., 2006; ALKIRE; DENEULIN, 2009). Neste artigo e em outros
textos ele criticou essas análises por elas não considerarem as liberdades substantivas
individuais importantes. Sen questionou o espaço informacional6 destas correntes como o
argumento de que as pessoas são diferentes e não se pode escolher apenas uma variável focal
para comparar o estado de diferentes pessoas, “a diversidade generalizada dos seres humanos
acentua a necessidade de lidar com a diversidade de foco na avaliação de igualdade” (SEN,
2012, p. 31).
6
Espaço informacional (base informacional ou espaço avaliatório) é entendido por Sen (2010, p. 80) como “as
informações que são necessárias para formar juízos”.
7
Sobre utilidade, Varian (2006, p. 56, grifo original) menciona que “na era vitoriana, os filósofos e economistas
referiam-se alegremente à “utilidade” como um indicador do bem-estar geral de uma pessoa. A utilidade era tida
como a medida numérica da felicidade do indivíduo. Dada essa idéia, era natural imaginar consumidores fazendo
escolhas que maximizassem sua utilidade, ou seja, que os fizessem os mais felizes possível. O problema é que
esses economistas clássicos, na verdade, nunca nos explicaram como se a avalia a utilidade. Como medir a
“quantidade” de utilidade que cada escolha proporciona? A utilidade de uma pessoa é igual a de outra? [...] esses
problemas conceituais levaram os economistas a abandonar a velha visão de utilidade como medida de felicidade
e a reformular toda a teoria do comportamento do consumidor com base nas preferências do consumidor. A
utilidade passou a ser vista somente como um modo de descrever as preferências”
8
Deste conceito derivam três outros conceitos: utilidade total, que é o benefício total que alguém obtém do
consumo de bens e serviços; utilidade marginal, que é a variação da utilidade total resultante do aumento de uma
unidade consumida; e, utilidade marginal decrescente, que é a redução na utilidade marginal que ocorre à medida
que a quantidade consumida aumenta (PARKIN, 2009).
26
Sen (2012) apresenta mais dois motivos que tornam o utilitarismo restritivo, são eles:
desconsiderar a liberdade e concentrar-se apenas nas realizações; e, desconsiderar outras
realizações que não sejam refletidas em alguma dessas métricas mentais (prazer, felicidade ou
desejo). A citação abaixo talvez resuma as críticas de Sen.
Por sua vez, na década de 70, o filósofo John Rawls argumentou que todas as pessoas
devem contar com um mínimo de bens primários independentemente dos objetivos que eles
9
A questão da não consideração da pluralidade no julgamento de estado de uma pessoa, remete a duas outras
questões utilitaristas muito criticadas ao longo dos tempos: a comparação pessoal e a possibilidade de medida.
Sobre a comparação de bem-estar entre pessoas, “o próprio Bentham, no entanto, reconheceu a dificuldade em se
comparar utilidades de pessoas que diferem entre si em tantas circunstâncias [...] Em Bentham, a hipótese da
comparação interpessoal é mera simplificação, e as conclusões políticas a que leva podem ser alcançadas sem
ela”. [Em relação a uma medida de utilidade,] “é discutível até que ponto a teoria da utilidade, tal como se
apresenta em Jevons, Menger e Walras, implica ou não a mensurabilidade de prazeres, desejos, necessidades e
utilidades. O fato é que nenhum deles tentou medi-los. [...] Até hoje a questão da mensurabilidade de
quantidades subjetivas é importante alvo de ataque contra a análise da utilidade” (FEIJÓ, 2001, p. 281).
27
persigam por alcançar uma realização, e assim desenvolveu a noção de bens primários: uma
abordagem de igualdade de oportunidades (MACANA, 2008). Estes bens primários são as
“coisas que todo homem racional presumivelmente quer” (RAWLS, 1997, p. 66). Podem ser
renda e riqueza, liberdades formais básicas, liberdade de movimento e escolha de ocupação,
poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade e bases sociais de
autoestima.
Barden (2009) entende que para Rawls o bem-estar seria atingido a partir de um
conjunto de bens sociais primários. As instituições sociais, as normas sociais, a renda, os
produtos, as transferências, entre outros, permitiriam colocar as pessoas em igualdade de
condições para terem acesso aos recursos necessários e, assim, atingir o bem-estar pretendido.
Rawls (1997) propôs uma lista de liberdades nas quais estes bens primários podem ser
agrupados: (1) Política (direito de votar e ocupar um cargo público); (2) Expressão e reunião;
(3) Consciência e de pensamento; (4) Da pessoa (incluem proteção contra a opressão
psicológica e agressão física para garantir a integridade da pessoa); (5) Ao direto à
propriedade privada; (6) A proteção da prisão e a detenção arbitrárias (de acordo com o estado
de direito). Segundo ele, essas liberdades devem ser iguais para todos.
Para Sen (2012, p. 136) bens primários são meios para qualquer propósito, assim na
justiça rawlsiana existe uma concentração “nos meios para a liberdade” em vez de ser “na
extensão da liberdade que uma pessoa realmente tem”. Sen (2012) contesta a igualdade em
termos de bens-primários, pois a conversão destes bens em liberdades não são iguais para
todos. Para ele “igualar a propriedade de recursos ou parcelas de bens primários não
necessariamente iguala as liberdades substantivas usufruídas por pessoas diferentes, já que
pode haver variações significativas na conversão de recursos e bens primários em liberdades”
(SEN, 2012, p. 71).
desigualdades nas liberdades reais 10. Para Comim (et al., 2006, p. 26) “a Abordagem
Rawlsiana prioriza os meios para realização. Apesar de caminhar em direção às liberdades,
leva em conta apenas as liberdades formais e também desconsidera a plena diversidade
humana e as liberdades substantivas”. Por fim, “nem os bens primários, nem os recursos,
definidos de modo abrangente, podem representar a capacidade que uma pessoa realmente
desfruta” (SEN, 2012, p. 137).
Então, partindo dessas críticas Amartya Sen propõe uma abordagem diferente, que
leva em conta a diversidade dos seres humanos. A perspectiva das capacitações é uma
concepção de igualdade de oportunidades, assim a ênfase é na liberdade substantiva que as
pessoas têm para levar suas vidas, isto significa considerar o que as pessoas podem fazer ou
realizar, é a liberdade para buscar seus próprios objetivos. A capacitação é a representação das
oportunidades reais (ou substantivas) de que uma pessoa dispõe para realizar (SEN, 2012)11.
Robeyns (2005a, p. 94) afirma que “the core characteristic of the capability approach
is its focus on what people are effectively able to do and to be; that is, on their capabilities”12.
Sen (2000; 2012) entende que uma avaliação de igualdade ou justiça (consequentemente de
bem-estar) deve adotar um espaço avaliatório mais amplo, por isso nessa abordagem o bem-
estar “pode ser concebido em termos de qualidade do ‘estado’ da pessoa” (SEN, 2012, p. 79).
Assim, para analisar o bem-estar ele amplia o espaço avaliatório ao nível dos funcionamentos
e capacitações.
10
Um exemplo é dado por Sen (2012, p. 136) para ilustrar isso: “uma pessoa com alguma deficiência pode
dispor de mais bens primários (na forma de renda, riqueza, liberdades, e assim por diante) mas ter menos
capacidade (devido a sua deficiência) [...] uma pessoa pode ter uma renda maior e ingerir mais nutrientes, mas
ter menos liberdade para viver bem nutrida devido a sua taxa maior de metabolismo basal, maior vulnerabilidade
a doenças parasitárias, seu corpo maior, ou simplesmente devido à gravidez”.
11
Essa citação na verdade não é de Sen, mas do tradutor de sua obra para o português, que também fez a
apresentação do livro, Ricardo Doninelli Mendes.
12
Tradução: A característica central da abordagem das capacitações é o seu foco no que as pessoas são
efetivamente capazes de fazer e de ser, ou seja, em suas capacitações.
29
Parte das discussões de Sen sobre justiça, igualdade e bem-estar se referem à escolha
do espaço informacional, que para ele tem grande importância em qualquer análise de
igualdade. Como discutido na seção anterior, Sen propôs uma abordagem alternativa para
análise de bem-estar que difere substancialmente das abordagens tradicionais por se
concentrar no espaço avaliatório das liberdades substantivas (SEN, 2012). “Neste sentido, a
perspectiva das capacidades fornece um reconhecimento mais completo da variedade de
maneiras sob as quais as vidas podem ser enriquecidas e empobrecidas” (SEN, 2012, p. 83).
Sen (2010, p. 16) entende que “ver o desenvolvimento como expansão de liberdades
substantivas dirige a atenção para os fins que o tornam importante, em vez de restringi-la a
alguns dos meios”. O crescimento da renda, a industrialização, progresso tecnológico, a
modernização social, dentre outros, são vistos por ele como meios importantes para expandir
as liberdades, porém, estas dependem de outros determinantes, assim, “se a liberdade é o que
o desenvolvimento promove, então existe um argumento fundamental em favor da
concentração neste objetivo” (SEN, 2010, p. 16).
30
Para o autor a liberdade é central por duas razões: (1) a razão avaliatória: a avaliação
do progresso deve observar se houve aumento das liberdades das pessoas; e (2) a razão da
eficácia: o desenvolvimento depende da livre condição de agente das pessoas (SEN, 2010). A
primeira está relacionada com a melhoria de vida como objetivo do desenvolvimento e com a
compreensão da forma como esse desenvolvimento será feito, a segunda com o que os seres
humanos podem fazer para alcançar essas melhorias (FUKUDA-PARR, 2003).
Funcionamento (functionings) é definido por Sen (2010, p. 104) como “as várias
coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter”. Eles podem ser básicos, como
ter uma boa nutrição, estar em boa saúde livre de doenças evitáveis e da morte prematura, ou
ser feliz, que é mais complexo. Alkire e Deneulin (2009) afirmam que funcionamentos não
são limitados, por isso a AC pode ser aplicada tanto aos ricos como aos pobres. As autoras
mencionam que funcionamento pode ser desde fazer um virtuoso solo de bateria a ter uma boa
reputação ou um bom círculo de amigos. “Qualquer funcionamento reflete, de certo modo,
parte do estado da pessoa” (SEN apud MACANA, 2008, p. 72).
13
Nota de tradução: Pensamento Econômico Dominante, isto é, a corrente central ou mais importante do
pensamento econômico numa determinada época.
31
14
Tradução: Funcionamentos são coisas que as pessoas de valor. Em outras palavras, uma atividade ou situação
"conta" como um funcionamento para a pessoa somente se essa pessoa valoriza-o [...] funcionamentos são coisas
que as pessoas tem razão para valorizar.
15
É interessante apresentar aqui a citação completa das autoras: “A vitally important phrase in the definition of
functionings is ‘value and have reason to value’. It sounds abstract but is of tremendous practical importance.
Why? First, functionings are things people value. In other words, an activity or situation ‘counts’ as a
functioning for that person only if that person values it. This encourages the participation and engagement of
those people whose lives are at stake, in order to ascertain whether they will value changes that might ensue.
Second, functionings are things people ‘have reason to value’. The capability approach introduces value
judgements explicitly. Why? In fact some people do value activities that are harmful, such as a psychopath who
values the triumph of the kill as much as the victim would value not being killed. The phrase ‘reason to value’
just acknowledges that given our disagreements we do need to make some social choices. The issues that will be
contentious are many and include female genital mutilation, domestic violence, censorship, discrimination, air
travel and so on. The capability approach raises the issue of what process, group, philosophical structure or
institution has the legitimate authority to decide what people have reason to value. But while the capability
approach argues that public debate and critical scrutiny are often helpful, it stops well short of proposing one
particular process as relevant in all contexts, and rather depends on the agency of people acting in those
contexts to address these questions themselves and build up and share their repertoire of good practices.”
16
Sobre a identificação e escolha de funcionamentos relevantes para composição de algum indicador ver a
discussão feita por Barden (2009, p. 48-52).
32
Alkire (2010) faz quatro observações importantes sobre o espaço dos funcionamentos
e capacitações. Primeira, se capacitação significa liberdade real, esta não pode ficar apenas no
papel (paper freedom). Por exemplo, a capacitação de desfrutar de saúde requer que exista a
estrutura de saúde (posto, médico, remédios...) e que o atendimento ao paciente não seja
negado de forma alguma. Segunda, funcionamentos são seres e fazeres (beings and doings)
que podem variar e não se restringem ao que é básico. Terceira, são seres e fazeres que as
pessoas valorizam, assim, o desenvolvimento não pode ser imposto sem respeitar os valores e
preferências das pessoas, portanto, se as pessoas não valorizaram o resultado, não houve
desenvolvimento. Finalmente, a quarta observação é que nem tudo o que se valoriza vai ser de
fato alcançado, pois existem pessoas/grupos que valorizam coisas socialmente destrutivas
(excluir pessoas, violência, dominação), por isso, deve-se abrir espaço para diálogos sobre o
que é valoroso para a sociedade. A figura abaixo, proposta por Alkire (2010) apresenta essa
relação entre o que a pessoa valoriza e o que ela tem razão para valorizar.
Liberdade de agente representa a liberdade de um tipo mais geral: a liberdade para alguém realizar seus
objetivos, quaisquer que sejam eles.
Privação é tudo aquilo que pode tirar a liberdade de uma pessoa, por exemplo: pobreza e tirania, carência de
oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância
excessiva de Estados repressivos. Às vezes a ausência de liberdade relaciona-se diretamente com a pobreza
econômica, em outros, à carência de serviços púbicos e assistência social.
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Alkire e Deneulin (2009); Sen (2010; 2012); Comin (et al., 2006);
Macana (2008).
Sen (2010; 2012) afirma que é importante não apenas ver o que as pessoas realizaram,
mas a liberdade que elas têm para realizar. É neste ponto que sua abordagem difere
significativamente da abordagem utilitarista. Enquanto o utilitarismo analisa o fim, isto é o
prazer ou a satisfação gerada, a AC também analisa o meio, o processo. Para Macana (2008,
p. 72) “é importante destacar que se uma pessoa não conta com alternativas de escolha, seu
bem-estar está sendo limitado ainda que a realização de funcionamentos seja considerada
boa”. Sen (2012) atribui importância à escolha que as pessoas fazem. Para ele escolher por si
34
só pode tornar a vida de uma pessoa mais rica. “Decidir e escolher também são partes do
viver” (SEN, 2012, p. 82). Por isso na AC a avaliação social pode ser feita tanto ao nível de
funcionamentos como de capacitações.
Como a liberdade tem um papel instrumental, Sen (2010, p. 25) apresenta cinco
liberdades (QUADRO 02) que ajudam “a promover a capacidade geral de uma pessoa”,
consequentemente contribuem para o desenvolvimento.
17
Tradução: A realização de funcionamentos depende não só dos bens de propriedade da pessoa em
questão, mas também da disponibilidade de bens públicos e da possibilidade de utilização de bens
privados fornecidos gratuitamente pelo Estado. Tais realizações como ser saudável, estar bem nutrido, ser
alfabetizado, etc. dependem naturalmente também das provisões públicas de serviços de saúde, instalações
médicas, arranjos educacionais, e assim por diante. Em reconhecimento disso, ainda não há necessidade de entrar
na discussão, que é importante, mas não precisa ser perseguida aqui, quanto a saber se a provisão por parte do
Estado é uma maneira econômica de melhorar os funcionamentos relevantes envolvidos. Essa discussão sobre a
estratégia de desenvolvimento envolve logística e questões de engenharia, que exigem uma avaliação cuidadosa.
O que está sendo apontado aqui é a importância de julgar o desenvolvimento em termos de funcionamentos
realizados, e de ver a luz que na disponibilidade e uso dos meios a esses funcionamentos (na forma da posse de
mercadorias, disponibilidade de bens públicos, e assim por diante).
36
Para Bagolin (2005), por ser uma abordagem ampla, rica e abrangente a AC tem
orientado a agenda de pesquisa em importantes centros universitários de diversas partes do
mundo e fundamentado as ações de organizações internacionais de desenvolvimento, como o
PNUD e o Banco Mundial. Alkire (2005) explica que a força da AC é a clareza do seu
objetivo: a justiça e a redução da pobreza deve expandir as liberdades que privam pessoas de
desfrutar de “valuable beings and doings” e devem ter acesso aos recursos positivos
necessários e ser capazes de fazer escolhas que são importantes para elas. A autora também
entende que essa estrutura normativa vai além da crítica da renda ao propor um novo espaço
para conceituação de pobreza e justiça.
A filósofa Martha Nussbaum compartilha das ideias de Amartya Sen sobre a análise
da desigualdade via igualdade de oportunidades, porém, ao contrário de Sen que não
estabelece quais os funcionamentos e capacitações devem ser escolhidas para se realizar a
análise do desenvolvimento, ela propõe uma lista, a qual denomina Lista das Capacitações
Humanas Centrais (QUADRO 03). Nussbaum (2000) afirma ter iniciado sua abordagem
própria através do pensamento sobre as ideias aristotélicas de funcionamento humano e o uso
que Marx fez delas independentemente do trabalho de Sen. Embora a autora afirme que a sua
versão é diferente de Sen, os dois possuem aspectos comuns, para isso ver Nussbaum (2000),
37
Barden (2009), Bagolin (2005), Bagolin e Porsse (2004), Alkire e Deneulin (2009) e Comin
(et al., 2006).
18
NT: A versão original, em inglês, pode ser lida no anexo 3.
38
(Continuação)
A. Política. Ser capaz de participar efetivamente nas escolhas políticas que regem a
vida de uma pessoa, ter o direito de participação política, proteção da liberdade de
expressão e associação. B. Materiais. Ser capaz de manter a propriedade (terra e bens
Controle sobre o
10 móveis), e não apenas formalmente, mas em termos de oportunidade real, e ter direitos
Meio Ambiente
de propriedade sobre uma base de igualdade com os outros, tendo o direito de procurar
emprego em igualdade de condições com os outros, ter a liberdade para busca e
apreensão indevida.
Fonte: Nussbaum (2000, p. 78-80, tradução minha).
Bagolin e Porsse (2004) citam que ela propõe mover-se do comparativo das
capacitações para um sentido mais prático tomando por base uma lista de princípios
constitucionais, que representa o mínimo para os requerimentos da dignidade humana.
Nussbaum (2000, p. 72) justifica sua abordagem afirmando que
the intuitive idea behind the approach is twofold: first, that certain functions are
particularly central in human life, in the sense that their presence or absence is
typically understood to be a mark of the presence or absence of human life; and
second – this is what Marx found in Aristotle – that there is something that it is to do
these functions in a truly human way, not a merely animal way. 19
19
Tradução: A ideia intuitiva por detrás da abordagem é dupla: em primeiro lugar, que determinadas funções são
particularmente centrais da vida humana, no sentido que sua presença ou ausência é geralmente entendida como
sendo um sinal da presença ou ausência de vida humana e, em segundo lugar - o que Marx encontrou em
Aristóteles - que existe o uso dessas funções de um modo genuinamente humano, não meramente animal.
39
Sobre a lista, Gasper (apud COMIN et al., 2006), argumenta a favor com as seguintes
afirmações: ela (a) mostra a inadequação de tentar medir justiça apenas em termos de
procedimento justo, (b) o papel da lista é comparável à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, e (c) uma lista pode ser interpretada de acordo com o contexto.
Segundo Alkire e Deneulin (2009) Sen (2010) não faz objeção ao fato de Nussbaum
tentar eliminar a incompletude de sua abordagem, entretanto entende que a fixação de uma
lista nega às pessoas a possibilidade de participação na definição daquilo que deve ser
incluído e o porquê da inclusão. Para Macana (2008, p. 88) a intenção de Nussbaum “é
promulgar uma base de princípios políticos e de direitos universais”.
Convém explicar que existe uma grande vantagem na abordagem de Nussbaum. Para
Bagolin e Porsse (2004) a lista serve de suporte para a política e sua abordagem mesmo não
sendo uma teoria completa da justiça apresenta-se
Esta nova forma de reconhecer o desenvolvimento dos países foi difundida no mundo
em 1990 quando o PNUD publicou o Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH). Já no
início do primeiro relatório a afirmação “Human development is a process of enlarging
people’s choice”22 (UNDP, 1990, p. 1) refletia a mudança no pensamento relacionado ao
conceito de desenvolvimento. Essa forma não levaria mais em conta apenas indicadores
monetários como o PIB, mas indicadores de saúde, educação e outros. Segundo o PNUD,
20
Tradução: As pessoas são a real riqueza de uma nação.
21
Tradução: Desenvolvimento Humano é o desenvolvimento pelo povo, do povo e para o povo.
22
Tradução: Desenvolvimento humano é um processo de ampliação das escolhas humanas.
23
Importa observar que os termos capacidades, capacitações, funcionamentos, entitulamentos, entre outros, são
traduzidos da versão original, em Inglês, e nem sempre as traduções conseguem capturar a essência da palavra,
como bem alerta Bagolin (2005, p. 14): “A palavra ‘capability’ significa a confluência de ‘capacity’+‘ability’.
Ela expressa a habilidade que os indivíduos possuem para expandirem suas capacidades. No Brasil, deve-se
notar que na versão em português do livro do Professor Amartya Sen (2000) Desenvolvimento como Liberdade,
‘capability’ foi traduzida como ‘capacidade’. O problema com essa tradução é que ela ignora o elemento de
autonomia, de agência, que aparece com o uso da expressão ‘habilidade’ que os indivíduos possuem em moldar e
escolher as suas próprias capacidades. Com isso perde-se a dimensão de desenvolvimento humano associada à
Abordagem das Capacitações”.
Com exceção das citações originais, neste texto é utilizado o termo capacitação em vez de capacidades.
41
24
Foi ministro da fazenda do Paquistão e diretor de planejamento de políticas do Banco Mundial.
42
do IDH. Este novo indicador proporcionou uma melhor comparação entre os países tendo em
vista que se passou a adotar um método único de comparação (PNUD, 2010).
Por que o DH? Streeten (1995) explica que os seres humanos são fins em si mesmos e
meios de produção e apresenta seis razões para a promoção do DH:
1. O DH é um fim em si mesmo;
2. É um meio de aumentar a produtividade;
43
Alkire e Deneulin (2009) citam quatro princípios identificados por Mahbub ul Haq que
têm sido usados na aplicação do DH, que são: equidade, eficiência, participação e
sustentabilidade (QUADRO 04). É importante destacar que estes quatro princípios não são os
únicos, todavia representam um entendimento geral da ADH.
25
No original utiliza-se o termo “process freedoms” que aqui foi traduzido como liberdade processual por falta
de um correspondente mais próximo no português. Este termo se refere à liberdade que as pessoas têm de
participar do próprio processo de desenvolvimento. Aplica-se esta mesma consideração ao termo citado na
página 28.
26
No RDH 2010 são apresentado três componentes do Desenvolvimento Humano um pouco diferentes destes,
mas que remetem à mesma ideia: (1) Bem-estar: expansão das liberdades das pessoas para que as pessoas
possam prosperar, (2) Capacitação e agência: habilitação das pessoas e dos grupos para que ajam para gerar
resultados valiosos, (3) Justiça: expansão da equidade, sustentação dos resultados ao longo do tempo e respeito
pelos direitos humanos e por outros objetivos da sociedade (PNUD, 2010).
44
27
Para isso ver Alkire (2010) que faz uma análise mais detalhada sobre como o desenvolvimento humano foi
apresentado nos RDHs do PNUD entre 1999 e 2009.
46
A autora observa que mesmo as dimensões sendo diferentes, existe consistência entre
elas. Fazendo uma síntese do que já foi abordado nos RDHs ela propõe as dimensões que
podem ser analisadas à luz da ADH:
Saúde e vida
Educação
Padrão de vida digno
Liberdade política e liberdade processual
Criatividade e produtividade
Ambiente
Social e relacional
Cultura e artes
É importante destacar algumas considerações feitas por Alkire (2010) acerca das
dimensões da ADH trabalhadas nos RDHs. A Abordagem não define qual dimensão é mais
relevante, por isso ela permite analisar qual dimensão é mais relevante em cada cultura. O
foco na vida das pessoas e suas capacitações tem sido consistente. Todas as dimensões levam
em conta a criação de capacitações e o uso que as pessoas fazem disso, e a “ampliação das
escolhas das pessoas” é fundamental, mas apenas isso não basta, ela precisa ser
complementada por princípios como equidade, eficiência, sustentabilidade, respeito pelos
direitos humanos e responsabilidade, haja vista que ampliar liberdades de um grupo sem
seguir estes princípios pode violar as liberdades de outros levando ao aumento da
desigualdade e violação dos direitos humanos.
A partir disso, o próximo capítulo trata da relação entre saneamento básico e DH,
apresentando que a falta de saneamento priva as pessoas, principalmente os pobres, de terem
liberdade.
47
As condições sanitárias nas quais uma pessoa vive podem expandir ou privar suas
liberdades. O saneamento básico constitui tanto uma privação em si mesmo como é criador de
outras. Por exemplo, uma pessoa que vive em uma localidade que não possui rede de esgoto e
drenagem poderá padecer de uma doença parasitária contraída no contato com o solo
contaminado da sua rua ou por causa de parasitas trazidos por alagamentos até a sua moradia.
Ficando doente essa pessoa pode ser privada de um emprego ou estudo, assim a primeira
privação (saneamento) provocou a segunda (emprego ou estudo).
Diante disso, o objetivo deste capítulo é tratar da relação entre saneamento e DH. Ele
está dividido em quatro partes. Inicialmente é feita uma contextualização do saneamento ao
longo dos anos. Em seguida, discute-se as dimensões do saneamento básico no Brasil
oriundas do conceito oficial adotada no país. Como o saneamento tem uma relação direta com
a saúde, a terceira parte trata disso expondo as principais doenças relacionadas a ele e como as
intervenções em saneamento podem diminuir a incidência delas. Finalmente, na quarta parte
apresenta-se a vulnerabilidade socioambiental e o entendimento da ONU referente ao direito
ao saneamento.
48
As primeiras relações entre doenças e saneamento feitas pelos povos antigos ligavam a
presença de doenças à ira divina como punição pela ausência de cuidados com a higiene
(REZENDE; HELLER, 2008). Durante a era greco-romana os gregos conseguiram
estabelecer a relação entre doenças e saneamento. Os gregos foram os precursores da saúde
pública e os romanos os “engenheiros sanitários” utilizando suas técnicas de construção para
edificar sistemas de saneamento robustos para a época (REZENDE; HELLER, 2008). Porém,
com o passar do tempo e a evolução da ciência, sobretudo do conhecimento da microbiologia
e epidemiologia, estudos começaram a mostrar que várias doenças eram provocadas por falta
de saneamento, e nos anos de 1800 a cólera já era ligada às condições sanitárias (COSTA,
1994).
49
Quadro 06 – Evolução histórica dos aspectos de saúde pública e meio ambiente no setor de
saneamento no Brasil
(Continuação)
Formulação mais rigorosa dos mecanismos responsáveis pelo comprometimento das
condições de saúde da população, na ausência de condições adequadas de saneamento (água
e esgotos).
Década de 80 Instauração de uma série de instrumentos legais de âmbito nacional definidores de políticas
e ações do governo brasileiro, como a Política Nacional do Meio Ambiente (1981).
Revisão técnica das legislações pertinentes aos padrões de qualidade das águas.
Ampliação do conceito de saúde na Constituição Federal de 1988.
Ênfase no conceito de desenvolvimento sustentável e de preservação e conservação do meio
ambiente e particularmente dos recursos hídricos, refletindo diretamente no planejamento
das ações de saneamento.
Instituição da Política e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei
Década de 90 até o
9.433/97).
início do século XXI
Incremento da avaliação dos efeitos e consequências de atividades de saneamento que
importem impacto ao meio ambiente.
Lei da saúde (8080/90).
Criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
2007 em diante
Instituição das diretrizes nacionais para o saneamento básico com a Lei 11.445
(período incluído pelo
autor) Instituição da política nacional de resíduos sólidos com a Lei 12.305.
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Branco (1991), Cairncross (1989), Costa (1994) e Heller (apud Soares,
Bernardes; Cordeiro Netto, 2002).
Sobre o período apresentado no quadro acima, observa-se que até a década de 1930
predominava a visão higienista, entretanto nas décadas de 1950 e 1960 ainda restavam
dúvidas sobre a relação entre saneamento e saúde. É de fato a partir dos anos de 1980 que se
definem com mais exatidão que as condições inadequadas de saneamento comprometem a
saúde. Após essa década as questões de sustentabilidade também passam a ser observadas
considerando a preservação do meio ambiente nas ações de saneamento. É apenas em 2007
que uma legislação mais completa para o saneamento é elaborada.
Turolla (2002) afirma que a década de 1960 foi onde se iniciaram as grandes
mudanças. A “Carta de Punta del Este” assinada pelos países das Américas definiu como
diretriz a melhoria no atendimento de água e esgoto para a população e o governo militar
priorizou estes serviços criando o Banco Nacional de Habitação. Na década de 1970 o Plano
Nacional de Saneamento (PLANASA) foi lançado pelo governo federal. Este plano teve como
alvo atender 80% da população urbana com serviços de água e 50% esgoto até 1980. Porém,
na década de 1980 vários problemas ocorreram, entre eles, a falta de financiamento para as
obras, e o plano foi extinto. Por fim, na década de 1990 foram desenvolvidos vários planos de
saneamento, como podem ser visto no Quadro 07.
51
PASS 1996- OGU e contrapartida, BID e Bird População de baixa renda em municípios com maior
concentração de pobreza
Segundo Turolla (2002) estes programas federais podem ser enquadrados em dois
conjuntos, um voltado para a redução das desigualdades socioeconômicas que privilegiava
sistemas sem viabilidade econômico-financeira (PRONURB, Pró-Saneamento, PASS,
PROSEGE e Programa Funasa) e que receberam a maior parte dos recursos, e o outro voltado
para a modernização e para o desenvolvimento institucional dos sistemas de saneamento
(PMSS, PNCDA, FCP-SAN, PROPAR e PROSAB). A Política Nacional de Saneamento foi
mantida durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/2002) visava
universalizar os serviços até 2010, porém a política não chegou a ser institucionalizada na
forma de lei, o que prejudicou sua implementação.
52
Durante todo esse período o setor de saneamento passou por vários problemas, como
falta de recursos, de legislação e de políticas, só a partir do final dos anos 2000, quando foi
promulgada a Lei do Saneamento (lei 11.447/2007), lançado o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) no mesmo ano e a Lei dos Resíduos Sólidos em 2010 (lei 12.305/2010)
foi que o setor se reestruturou.
28
No Anexo 1 é apresentado um quadro com diversas definições de saneamento encontradas na literatura sobre o
tema e identificadas por Rubinger (2008).
53
Como visto, o saneamento básico no Brasil, definido pela lei, ampliou o conceito
passando a compreender quatro dimensões que podem ser visualizadas na figura abaixo.
Entretanto, convém entender que saneamento básico não é o mesmo que saneamento,
e provavelmente este primeiro é utilizado apenas no Brasil. Costa (1994) afirma que nos fins
54
da década de 1950 foi cunhado o termo “saneamento básico” no país, tendo em vista que
como eram várias as atividades de saneamento, e não se tinha recursos suficientes para todas
elas, era preciso estabelecer o “básico”. Ele atribui a Costa e Silva (apud COSTA, 1994) a
versão mais usual a respeito da origem da expressão criada no período de planejamento do
nordeste através da SUDENE nas décadas de 50 e 60:
29
Alguns estudos que fazem uso deste sinônimo: Rezende; Heller; Queiroz (2009); Neri (2007); PNUD (2006).
30
Tradução: É um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não meramente presença ou ausência
de doença.
56
indivíduo sem doença. Mesmo assim, não se pode desassociar saúde de doença, visto que
estes determinantes (alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, posse de terra, serviços de saúde) podem ser
responsáveis pelo surgimento de várias doenças.
Nuvolari (2011, p. 17) apresenta dados relativos à Europa e afirma que entre os anos
de 1345 e 1349, 43 milhões de pessoas morreram vítimas da peste bubônica. Esta doença é
transmitida por pulgas infectadas por ratos, segundo o autor, “limpeza não era exatamente um
atributo daquelas populações”.
Cerca de 24% do total de doenças no mundo e 23% de todas as mortes são decorrentes
de fatores ambientais, assim como, 94% dos casos de diarreia também estão ligadas a estes
fatores (PRÜSS-ÜSTÜN; CORVALÁN, 2006). Dados também indicam que 80% das doenças
e 65% das internações hospitalares no Brasil estão correlacionadas com o saneamento
(SAIANI; TONETO JÚNIOR, 2008).
Heller (1997, p. 70) revisou acerca da relação entre saneamento e saúde, e concluiu
que “os estudos realizados já permitem afirmar, com segurança, que intervenções em
31
Prüss-Üstün; Corvalán (2006); Calijuri (et al., 2009); Teixeira; Pungirum (2005) Ludwig (et al., 1999); Moraes
(1997a, 1997b, 1997c); Heller (1997); Feachem (et al., 1983); Mara; Alabaster (1995); Cairncross; Feachem
(1990); Dacach (1990).
57
Segundo Heller (1997, p. 32) “no final da década de 70, esforços foram iniciados no
sentido de se estudarem as doenças infecciosas, sob o enfoque das estratégias mais adequadas
para seu controle”. Feachem (et al., 1983) classificou as doenças de uma forma diferente da
classificação biológica clássica, que agrupa as doenças segundo o agente: vírus, bactéria,
protozoário ou helminto. A classificação proposta pelo autor leva em conta suas vias de
transmissão e seu ciclo. O Quadro 08 sintetiza as infecções relacionadas com saneamento.
Elas estão divididas em três grupos (vias de transmissão), excretas, lixo e água. Cada grupo
está dividido em categorias, que são agrupadas de acordo com seu mecanismo de transmissão.
Enterobíase
Infecções enteroviróticas
RELACIONADAS COM AS EXCRETAS
Hymenolepíase
1 Doenças feco-orais não bacterianas
Amebíase
Giardíase
Balantidíase
4 Teníases Teníases
(Continua...)
58
(Continuação)
Peste bubônica
Leptospirose
Tifo exantemático
Doenças relacionadas com
2
vetores roedores
Demais doenças relacionadas com a moradia, a
água e as excretas e cuja transmissão ocorre por
roedores.
Diarréias e disenterias
Disenteria amebiana
Balantidíase
Enterite campylobacteriana
Cólera
RELACIONADAS COM A ÁGUA
(Continuação)
Baseada na água
Esquistossomose
3 (a) Por penetração na pele
Difilobotríase e outras infecções por helmintos
(b) Por ingestão
Doença do sono
Filariose
Transmissão através de inseto
Malária
vetor
4 Arboviroses
(a) Picadura próximo à água
Febre amarela
(b) Procriam na água
Dengue
Leishmaniose
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Feachem (et al., 1983); Mara; Alabaster (1995); Cairncross; Feachem
(1990); Dacach (1990).
Heller (1997) afirma que as melhorias do meio ambiente determinaram a redução das
taxas de doenças diarreicas e no controle das epidemias de tifo e cólera na Europa e América
do Norte entre 1860 e 1920. Estudos mostram que intervenções no saneamento diminuem a
incidência e prevalência de doenças32.
32
Fewtrell (et al., 2005); Moraes (1997a; 1997b; 1997;); Mascarini (et al., 2009); Teixeira; Pungirum (2005);
Kronemberger; Júnior (2010); Kronemberger (2013); Rasella (2013).
60
Carga de
Carga de
Principais Carga destas Redução doenças
doenças evitada
doenças doenças em países alcançada evitada por
através das
relacionadas Problemas ambientais em através de 1.000
intervenções
a ambientes relevantes desenvolvimento pequenas habitantes
(milhões de
domésticos (milhões de intervenções (milhões de
DALYs por
pobres DALYs por ano) (%) DALYs por
ano)
ano)
Tuberculose Aglomeração 46 10 5 1.2
Saneamento,
Diarreia abastecimento de água, 99 40 40 9.7
higiene
Abastecimento de água,
Tracoma higiene, saneamento e 3 30 1 0.3
coleta de lixo
Saneamento, coleta de
Doenças
lixo, criação de vetores 8 30 2 0.5
tropicais
ao redor da casa
Saneamento,
Vermes
abastecimento de água, 18 40 7 1.7
intestinais
higiene
Doenças
respiratórias Poluição do ar na casa 41 15 6 1.5
crônicas
Câncer do
aparelho Poluição do ar na casa 4 10 * 0.1
respiratório
Total 338 - 79 19.4
Legenda: DALY significa “disability-adjusted life years”. É uma unidade usada para medir a carga global da
doença e a eficácia das intervenções de saúde. É calculada como o valor presente dos anos futuros de vida livre
de incapacidade que são perdidos como resultado das mortes prematuras ou casos de deficiência que ocorrem em
um determinado ano.
Fonte: World Bank (1993, p. 90, tradução minha).
Também sobre intervenções na área, Heller (1998, p. 11) apresenta uma lista de
prioridades de intervenção no saneamento para o controle de infecções por parasitas.
33
A tabela original está disponível no anexo 2.
61
(a) hygiene education actions, emphasizing food hygiene and conservation, garbage
handling, water handling, feces disposal from children diapers and the control of
vectors in the domicile and the plot; (b) implementation of adequate solutions for
wastewater and excreta disposal regarding its elimination from the streets; (c)
prioritization, in housing programs, of sanitary facilities and domestic reservoirs,
regarding elimination of water storage in vessels; (d) improvement of urban solid
wastes management, increasing the catching area and the frequency of collection to
a minimum of three times a week, as well as providing the population with
information regarding the adequate domestic storage of garbage; (e) implementation
of measures to flood control in plots.34
Como visto, intervenções podem ser desde ações de educação com ênfase na higiene
dos alimentos, até implementação de soluções adequadas para a disposição de excretas e
coleta frequente de resíduos sólidos. Os serviços de saneamento são de vital importância para
proteger a saúde da população, minimizar as consequências da pobreza e proteger o meio
ambiente (TEIXEIRA; PUNGIRUM, 2005), assim intervenções no sistema de saneamento
básico proporcionam efeitos positivos na vida dos indivíduos.
34
Tradução: (a) ações de educação sanitária, enfatizando a higiene dos alimentos e conservação, manejo de lixo,
tratamento de água, eliminação de fezes de fraldas de crianças e o controle de vetores no domicílio e no terreno,
(b) a implementação de soluções adequadas para águas residuais e dejetos e sua eliminação das ruas, (c) a
priorização, nos programas habitacionais, de instalações sanitárias e reservatórios domésticos, em relação a
eliminação de armazenamento de água nos vasos, (d) melhoria da gestão dos resíduos sólidos urbanos,
aumentando a área de captura e a frequência de recolhimento de no mínimo três vezes por semana, bem como
oferecer à população informações sobre o armazenamento adequado de lixo doméstico, (e) implementação de
medidas de controle de enchentes em terrenos.
62
Além dos efeitos na saúde, existem outros efeitos da falta de saneamento na vida das
pessoas. Albuquerque (2012) afirma que ter saneamento é ter dignidade e cita o fato de
milhões de mulheres gastarem horas do dia para buscar água, ficando assim impedida de
participarem de atividades produtivas e de educação. Entretanto, com exceção das publicações
ligadas à ONU, praticamente não se encontram textos que apresentem outros impactos do
saneamento.
O poder público pode melhorar a saúde das pessoas através de ações com vistas ao
saneamento. “O saneamento, [é] uma das armas da saúde pública [...] (DACACH, 1990,
p.1)”. Segundo Mota (2005, p. 811) “as atividades de saneamento integram as ações de saúde
pública, pois visam à saúde da população, no sentido mais amplo”. A lei 8080/90, que dispõe
63
Cutter (1996, p. 530) afirma que “vulnerabilidade ainda significa diferentes coisas para
diferentes pessoas”. Para a autora a existência de muitos conceitos, e consequentemente as
discrepâncias entre eles, se dá por causa das diferenças epistemológicas e metodológicas.
Revisando estudos sobre vulnerabilidade em ambientes perigosos ela apresenta uma lista de
conceitos, que podem ser visualizados no Quadro 09 abaixo 35.
35
A versão original, em inglês, pode ser consultada no Anexo 4.
64
(Continuação)
Pijawka and Vulnerabilidade é a ameaça ou a interação entre risco e preparação. É o grau em que materiais
Radwan perigosos ameaçam um determinado risco populacional e a capacidade da comunidade para
(1985) reduzir o risco ou consequências adversas destes materiais.
Vulnerabilidade é operacionalmente definida como a incapacidade de tomar medidas eficazes
Bogard para assegurar-se contra perdas. Quando aplicado a indivíduos, a vulnerabilidade é uma
(1989) consequência da impossibilidade ou improbabilidade de atenuação eficaz e é uma função da
nossa capacidade de detectar os riscos.
Mitchell Vulnerabilidade é a perda potencial.
(1989)
Distingue-se entre vulnerabilidade com uma condição biofísica e vulnerabilidade como
Liverman definida pelas condições política, social e econômica da sociedade. Ela argumenta para a
(1990a) vulnerabilidade no espaço geográfico (onde pessoas e espaços vulneráveis estão localizados) e
vulnerabilidade no espaço social (quem em um lugar é vulnerável).
Vulnerabilidade tem três conotações: refere-se a uma consequência (por exemplo, histamina)
em vez de uma causa (por exemplo, seca); implica uma consequência adversa (por exemplo, a
Downing
produção de milho é sensível à seca; famílias são vulneráveis à fome); e é um termo relativo
(1991b)
que diferencia grupos socioeconômicos ou regiões, em vez de uma medida absoluta de
privação.
Vulnerabilidade é a capacidade diferente de grupos e indivíduos para tratar com perigos,
Dow (1992)
baseada nas suas posições dentro de mundos físicos e sociais.
Risco de um perigo específico que varia com o tempo e de acordo com as alterações em
Smith (1992) qualquer (ou ambas) exposição física ou vulnerabilidade humana (a amplitude da tolerância
social e econômica disponível no mesmo local).
Alexandre Vulnerabilidade humana é uma função dos custos e benefícios de habitar áreas de risco de
(1993) desastres naturais.
Vulnerabilidade é a probabilidade de que um indivíduo ou grupo será exposto e negativamente
Cutter (1993) afetado por um perigo. É a interação dos perigos do local (risco e mitigação) com o perfil
social das comunidades.
Vulnerabilidade é definida em termos de exposição, capacidade e potencialidade. Por
Watts and conseguinte, a resposta prescritiva e normativa de vulnerabilidade é reduzir a exposição,
Bohle (1993) melhorar capacidade, reforçar o enfrentamento potencial de recuperação e reforçar controle de
danos (i. e., minimizar consequências destrutivas) através de recursos privados e públicos.
Pela vulnerabilidade queremos dizer as características de uma pessoa ou de um grupo em
termos de sua capacidade de antecipar, enfrentar, resistir e recuperar-se do impacto de um
Blaikie (et al.,
risco natural. Trata-se de uma combinação de fatores que determinam o grau em que a vida de
1994)
uma pessoa e os meios de subsistência são colocados em risco por um discreto e identificável
caso na natureza ou na sociedade.
Vulnerabilidade é melhor definida como uma medida agregada do bem-estar humano que
integra ambiente, sociedade, economia e política a uma gama de potenciais perturbações
Bohle (et al.,
prejudiciais. Vulnerabilidade é um espaço social de múltiplas camadas e multidimensional
1994)
definida por determinadas políticas, economias e capacidades institucionais de pessoas em
locais específicos em horários específicos.
Vulnerabilidade é o diferencial suscetível de circunstâncias que contribuem para a
Dow and vulnerabilidade. Fatores biofísicos, demográficas, econômicas, sociais e tecnológicas, tais
Dowing como envelhecimento da população, a dependência econômica, o racismo e a idade da
(1995) infraestrutura são alguns dos fatores que foram examinados em associação com os desastres
naturais.
Fonte: Cutter (1996, p. 531).
65
Das dezessete definições apresentadas no quadro, sete delas relacionam o perigo a que
se está exposto, os prejuízos oriundos dele e a capacidade de recuperação daqueles que foram
afetados, é o que a Cepal (2002) define como sendo resultado da equação abaixo:
É verdade que nem todos os vulneráveis são pobres (MOSER, 1998), entretanto pode-
se afirmar que existe uma relação significativamente positiva entre pobreza e vulnerabilidade.
Herculano (2006) cita diversos casos no Brasil e no mundo nos quais a população pobre foi
impactada por desastres ambientais (alguns provocados pela ação direta do homem como
resíduos tóxicos, vazamentos, entre outros). O autor conclui assim o exame destes casos:
Façamos uma breve análise do que aqui descrevemos. O que há em comum entre
eles? A situação das famílias atingidas que, mesmo se não estão em estado de
grande pobreza, estão vulnerabilizadas, sem condições de influenciarem nas
decisões sobre a localização de fábricas e depósito e lixões; reféns de empregos
inseguros, se possibilidade de escolha, sem acesso à terra urbana, morando sobre
palafitas ou sobre os solos contaminados com os despejos industriais
(HERCULANO, 2006, p. 4).
Geralmente grupos de baixa renda residem em áreas com más condições urbanísticas e
sanitárias e em situações de risco e degradação ambiental (TORRES, 1997; SAIANI;
TONETO JÚNIOR, 2008; GALVÃO JÚNIOR, 2009). Citando dados do International
Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP) Alves (2006)
entende que a população pobre geralmente não tem acesso a saneamento adequado sendo
forçada a residir em áreas expostas a altos níveis de poluição hídrica. Como nestas áreas é
comum a presença de doenças de veiculação hídrica, isso representa séria ameaça à saúde
humana, principalmente para as crianças, que são as mais vulneráveis a estas doenças. Em
Porto Alegre, por exemplo, no final dos anos 80, a taxa de mortalidade adulta em áreas pobres
era 75% mais elevada do que em áreas ricas, e em São Paulo duas a três vezes mais elevadas
para pessoas sem profissão do que para pessoas com profissão (WORLD BANK, 1993).
36
No anexo 5 consta um quadro com as principais abordagens que estudam a vulnerabilidade social.
67
A nível global, o RDH de 2006 apresenta algumas informações que chamam a atenção
para a situação das pessoas mais pobres em relação à água e esgoto. No mundo cerca de 1,1
bilhão de pessoas não tinham acesso à água potável e 2,6 bilhões ao esgoto (40% da
população). Um terço da população sem acesso à água ganha menos de 1 dólar por dia, e no
caso do esgoto 53% vive com menos de 2 dólares por dia. Comparando a média de consumo
de água entre países ricos e pobres, percebe-se uma grande discrepância. Enquanto nos
Estados Unidos a média de consumo diário é de 575 litros por pessoa, em países como
Moçambique é menos de 10 litros. Muito disso se deve ao fato de a população não ter água
potável próximo de suas casas, tendo de andar por vários quilômetros para consegui-la. No
caso do Brasil, o relatório apresenta que 20% da população mais rica tem acesso aos serviços
de saneamento comparáveis ao dos países ricos, enquanto os 20% mais pobres são inferiores
ao que é oferecido no Vietnã 37.
37
O relatório não informa os dados relativos a este país.
38
O termo milênio foi usado justamente para deixar claro a visão da ONU de que em um novo milênio o mundo
deveria mudar, ser diferente do que é. Alguns valores e princípios guiaram a elaboração do documento, entre
eles o de “reafirmar nossa fé na Organização e na sua Carta como bases indispensáveis de um mundo mais
pacífico, mais próspero e mais justo” (ONU, 2000, p. 04)
39
Com exceção da meta 11, “até ao ano de 2020, ter melhorado consideravelmente a vida de pelo menos 100
milhões de habitantes das zonas degradadas”, todas as outras têm previsão para 2015.
68
dados. O 7º ODM traz como uma das metas reduzir pela metade, até 2015, a proporção da
população sem acesso permanente e sustentável à água potável segura 40.
Para isso, a ONU (UNDP, 2006; ONU, 2005) estabeleceu algumas diretrizes para os
governos seguirem, as quais são:
40
O quadro completo com os objetivos e metas do milênio está disponível no Anexo 6.
41
Ver resoluções 54/175, 55/196, 58/217, 59/228, 61/192, 64/198, 7/22, 12/8.
69
Quantidade de Índice de
Índice de atendimento Índice de atendimento
Região municípios tratamento de
com rede de água com rede de esgotos
atendidos esgotos
População População População População Esgoto Esgoto
Água Esgotos
total urbana total urbana coletado gerado
munic munic % % % % % %
Norte 345 38 57,5 71,8 8,1 10,0 91,9 22,4
Nordeste 1.595 347 68,1 87,1 19,6 26,1 86,2 32,0
Sudeste 1.512 1.111 91,3 96,6 71,8 76,9 61,2 40,8
Sul 1.091 320 84,9 96,0 34,3 39,9 78,6 33,4
Centro-Oeste 417 132 86,2 95,3 46,0 50,5 91,1 43,1
Total 4.960 1.948 81,1 92,5 46,2 53,5 68,2 37,8
Fonte: Adaptado pelo autor com base em SNIS (2010).
71
Diante do que foi exposto neste capítulo, observa-se que o saneamento básico é
importante, pois afeta de várias maneiras a vida das pessoas, privando-as de ter liberdades que
são importantes para elas mesmas, como a liberdade de ter saúde, estudar e trabalhar. A partir
do referencial teórico apresentado neste capítulo e no anterior, no próximo capítulo são
apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para a realização do estudo de caso.
73
Tomando por base a afirmação de Diehl e Tatim (2004, p. 47) de que “a pesquisa
constitui-se num procedimento racional e sistemático, cujo objetivo é proporcionar respostas
aos problemas propostos”, este capítulo apresenta o local no qual o estudo foi realizado e os
métodos e técnicas utilizados. Ele está dividido em seis partes. A primeira contextualiza o
local onde o estudo de caso foi feito. Levando em conta a escassez de dados científicos sobre
o bairro, suas características se limitaram a observação do pesquisador e aos relatos dos
entrevistados. A segunda parte expõe a classificação da pesquisa em relação aos métodos de
abordagem ao problema, ao objetivo geral e aos procedimentos técnicos. Na terceira trata-se
dos critérios de seleção da amostra. A quarta apresenta os procedimentos técnicos utilizados.
A quinta parte explica como foi feita a análise dos dados, e por fim, na sexta expõem-se as
considerações éticas deste estudo.
uma área que correspondia a 16% da área total do estado, porém com a criação de vários
municípios na década de 80 e 90, e consequentemente seus desmembramentos, a área passou
a corresponder a 0,46% do estado. Localiza-se em uma região relativamente plana e faz limite
com o estado do Tocantins.
O IDH 2010 para o município é 0,731. Houve melhoria ao longo dos anos, pois em
1991 era 0,444 passando para 0,591 em 2000 (PNUD, 2013b). Comparando com o índice do
Brasil, o município segue a tendência brasileira de crescimento. Em 1990 o índice brasileiro
era 0,600, em 2000 foi 0,665 e em 2011 0,718, ficando o país neste último ano em 84º no
ranking mundial, dentro do grupo dos países com alto nível de DH (UNDP, 2011).
Comparando a década de 1990 com a década de 2000 a melhoria do índice do município foi
superior a nacional. O IDH também é maior que o do estado do Maranhão para o mesmo
período. Em 1991 o índice foi 0,543, melhorando para 0,636 em 2000. A Tabela 06 apresenta
os dados desagregados e permite a comparação com o estado.
O estudo foi realizado na Vila João Castelo, bairro localizado na região da Grande
Cafeteira. Ele faz limite com a Vila Cafeteira, Parque Amazonas e Vila Zenira. Dados
científicos sobre o bairro são escassos. Não foram identificadas análises históricas ou
pesquisas recentes sobre a localidade, assim o que se conhece vem das informações verbais
dos moradores mais antigos. O mapa 01 apresenta a localização da cidade no estado, a área
urbana do município e o bairro pesquisado.
75
42
Quinta é um termo muito utilizado na região para se referir à área destinada à criação de gado.
77
povoamento, a água ficou represada. Isso provoca uma série de problemas para os moradores.
As casas frequentemente ficam com os quintais alagados e sempre que chove forte há
alagamentos.
tem como objetivo principal aprimorar ideias ou descobrir intuições. Ela fornece elementos
para que se formulem “problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos
posteriores” (GIL, 1989, p. 44). O autor afirma que pesquisas exploratórias são desenvolvidas
com o objetivo de proporcionar uma visão geral de determinado assunto que é pouco
explorado, por isso é realizada especialmente quando é difícil formular hipóteses precisas e
operacionalizáveis.
Esta pesquisa tem natureza qualitativa. Segundo Diehl e Tatim (2004, p. 52),
de estudo onde esta pesquisa se insere, é o ambiente, e nesse sentido a interação entre os
indivíduos e o ambiente é constante. “Portanto, os campos de estudo não são situações
artificiais criadas em laboratório, mas sim práticas e interações dos sujeitos na vida cotidiana”
(FLICK, 2009, p. 24).
Para Gil (2002; 1989) a pesquisa exploratória tem como característica a menor rigidez
no planejamento, isso também se refere aos procedimentos de amostragem, pois neste tipo de
pesquisa não é de costume utilizar procedimentos de amostragem e técnicas quantitativas de
coletas de dados, por isso foi definida uma amostra não probabilística. Os indivíduos foram
escolhidos adotando-se o critério da intencionalidade. Utiliza-se este critério quando eles “se
relacionam intencionalmente com as características estabelecidas” (BARROS; LEHFELD,
2008, p. 103).
Triviños (1987) afirma que a definição de população e amostra é uma das diferenças
fundamentais existente entre a pesquisa qualitativa e quantitativa. Enquanto na quantitativa,
influenciada pelo positivismo, busca-se estabelecer conclusões com validades gerais fazendo-
se uso da estatística, na qualitativa não há, em geral, preocupação com a quantificação da
amostragem.
Este informante fez um primeiro contato com alguns moradores no mês de setembro
de 2013 explicando-lhes sobre a pesquisa e informando que o pesquisador precisava de
pessoas interessadas em participar. Esse apoio foi fundamental para que o pesquisador tivesse
liberdade com os moradores, sobretudo com os primeiros participantes. Assim, foram
escolhidas 11 famílias para a realização do estudo, sendo que uma pessoa foi entrevistada em
cada uma delas.
Cervo, Bervian e Silva (2007 p. 30) definem o método “como o conjunto das diversas
etapas ou passos que devem ser seguidos para a realização da pesquisa e que configuram as
técnicas”. A técnica, segundo os mesmos autores, é definida como “aqueles procedimentos
científicos utilizados por uma ciência” (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007 p. 30). Para se
chegar ao objetivo proposto nesta pesquisa foram utilizadas duas técnicas: entrevista e
observação.
81
A técnica de entrevista foi escolhida por se tratar de uma pesquisa qualitativa, na qual
o objetivo não contemplava a generalização dos resultados, mas compreender a realidade das
famílias. Gil (1989) afirma que ela é eficiente na obtenção de dados sobre o comportamento
humano e oferece vantagens, como:
Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 51), “a entrevista não é uma simples
conversa. É uma conversa orientada para um objetivo”, assim optou-se por operacionalizar a
entrevista estruturando um roteiro. Ele foi composto por 67 quesitos que deveriam ser
contemplados durante a conversa. Este instrumento foi chamado de check-list (Apêndice C).
A situação sanitária das famílias do bairro foi analisada também através da técnica de
observação. Segundo Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 31), “observar é aplicar atentamente os
sentidos físicos a um objeto para dele obter conhecimento claro e preciso”. Esta técnica
oferece contato direto do pesquisador com o fenômeno (BARROS; LEHFELD, 2008).
82
Juntamente com o informante foram feitas várias visitas ao local para a definição das
famílias que seriam selecionadas para a realização das entrevistas. Durante essas visitas eram
feitas observações e registros fotográficos. As ruas e outras áreas, como terrenos baldios e o
riacho, foram fotografadas. Objetivou-se através dessas imagens mostrar a realidade dos
moradores em relação às condições sanitárias nas quais vivem.
Uma definição ampliada de Bardin (2009 apud OLIVEIRA, 2008, p. 570) apresenta os
aspectos conceituais do método:
83
Foi escolhido o tipo de análise categorial. Segundo Bardin (2009, p. 153) “no conjunto
das técnicas da análise de conteúdo [...] é a mais antiga; na prática é a mais utilizada.
Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias”.
Constitui-se no agrupamento das unidades de registro (URs) em categorias. A unidade de
registro é a unidade a partir da qual se faz a segmentação do conjunto do texto, pode ser uma
palavra, uma frase ou um parágrafo (OLIVEIRA, 2008). Neste trabalho deu-se preferência
por definir a frase como UR, pois ela expressa em maior profundidade o que cada
entrevistado percebe sobre o saneamento, sua relação com a saúde e os outros impactos que
ele provoca.
Após realização das entrevistas cada arquivo de áudio foi ouvido e as URs foram
separadas de acordo com a categoria a qual pertencia e agrupadas em quatro categorias
conforme Figura 05 abaixo. Estas categorias descritivas foram definidas de modo que fosse
possível descrever as situações nas quais as famílias vivem em relação ao saneamento e
saúde, bem como compreender os serviços de saúde e saneamento oferecidos pelo poder
público.
84
Corpus de análise
(transcrição das entrevistas)
Condições de
Condições de saúde Serviços públicos
saneamento
Saúde Saneamento
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram entrevistadas onze pessoas, cada uma representando uma família. As famílias
são de baixa renda. Com exceção de quatro, todas dependem de aposentaria e do programa
Bolsa Família para o sustento, apenas três delas tem algum membro trabalhando formalmente.
Em seis famílias existem crianças (filhos ou netos). Casos de doenças ligados à falta de
saneamento foram relatados em todas elas. A Tabela 07 apresenta o perfil completo de cada
pessoa entrevistada.
87
Recebe visita do
Fontes de renda
relacionadas ao
Renda familiar
Renda familiar
comunitário de
crianças (filhos
Quantidade de
Quantidade de
residência no
Entrevistado
morando na
Tem ou teve
saneamento
Estado civil
doenças na
per capita
Tempo de
Profissão
ou netos)
Gênero
pessoas
Mensal
família
agente
bairro
Idade
saúde
casa
Bolsa Família e um pequeno
P1 ≅ 35 F Divorciada Cabeleireira ≅ R$ 500,00 ≅ R$ 125,00 16 anos 4 3 Sim Sim
salão de beleza que tem em casa
P2 62 F Casada Aposentada R$ 1.448,00 R$ 724,00 Aposentadoria (INSS) 23 anos 2 2 Sim Sim
Emprego do esposo e venda de
P3 50 F Casada Dona de casa R$ 2.300,00 R$ 1.150,00 16 anos 2 - Sim Sim
cosméticos
Bolsa Família e aluguel de uma
P4 51 F Divorciado Dona de casa R$ 500,00 R$ 166,67 18 anos 3 1 Sim Sim
casa
Bolsa Família e aposentadoria
P5 68 F Viúva Aposentada R$ 826,00 R$ 413,00 23 anos 2 1 Sim Sim
(INSS)
Ela e o esposo têm uma
P6 35 F Casada Autônoma R$ 1.134,00 R$ 283,50 banquinha em uma feira onde 23 anos 4 - Sim Sim
vendem almoço.
Aux. Emprego dele, do pai e de um
P7 29 M Solteiro R$ 4.000,00 R$ 800,00 05 anos 5 1 Sim Sim
Administrativo irmão.
P8 52 F Casada Aposentada R$ 1.448,00 R$ 724,00 Aposentadoria (INSS) 23 anos 2 - Sim Não
Vendedor Vende balas, salgadinhos e
P9 71 M Divorciado ≅ R$ 250,00 ≅ R$ 250,00 10 anos 1 - Sim Não
ambulante outros lanches na sua bicicleta
P10 ≅70 F Casada Dona de Casa R$ 1.448,00 R$ 724,00 Aposentadoria (INSS) 26 anos 2 - Sim Não
Emprego do esposo, Bolsa
P11 31 F Casada Manicure R$ 1.300,00 R$ 118,18 23 anos 11 9 Sim Sim
Família e serviços de manicure
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.
88
Para preservar o anonimato dos entrevistados, neste capítulo eles serão identificados
pela letra P (participante) seguida do número da sequência da entrevista, assim, a primeira
pessoa entrevistada será P1 e a última P11.
Nesta categoria são apresentas as condições sanitárias nas quais os moradores vivem.
Procurou-se identificar a presença dos quatro componentes do saneamento básico na
localidade, a saber, fornecimento de água, manejo dos resíduos sólidos, esgotamento sanitário
e manejo das águas pluviais.
Pelo bairro passa o riacho Bacuri (FOTO 01). Ele recebe parte do esgoto residencial
gerado, e isto provoca, entre outros problemas, mau cheiro e poluição visual. Na época seca
(junho a setembro) seu volume de água é bem baixo, entretanto na época chuvosa seu nível
aumenta muito, há transbordamento e as casas são invadidas por ele. Sua água não é
consumida pela comunidade nem são realizadas atividades de lazer ou de pesca por causa da
sua poluição. Como também existe uma grande área com água empossada, os moradores
relataram que a presença de cobras e jacarés acontece com frequência. Isso constitui perigo
principalmente para as crianças, pois estes animais podem facilmente atacar ou até mesmo
matá-las. Como disse P6: “Tem sucuri, tem jacaré. A gente tem medo, nem deixa os meninos
ir lá pro quintal”. Fora estes animais ainda existem aqueles que podem provocar doenças,
como Toxoplasmose, Leptospirose e micoses “é gato, é cachorro, é cavalo, é porco [...] aqui
tem é tudo, de jararaca pra riba” (P10). Segundo os entrevistados é comum o despejo de
animais mortos no riacho.
89
Em relação à limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos o bairro conta apenas com
atendimento de coleta de lixo residencial feita por caminhão da empresa que detém o serviço
de coleta em toda a cidade. Segundo relatos dos moradores ele passa três vezes por semana,
porém dada a precariedade das ruas, que não têm drenagem e asfalto, o serviço é suspenso em
épocas de chuva quando o caminhão não consegue entrar.
Alguns moradores não utilizam fossas sépticas e lançam os dejetos de suas casas
diretamente na rua, como é possível ver na Foto 02. Também observou-se que várias fossas
têm vazamentos. Para diminuir o problema, a solução encontrada por alguns foi fazer por
conta própria valas para canalizar este esgoto e facilitar o acesso às suas residências (FOTO
03).
90
Foto 02 – Esgoto a céu aberto Foto 03 – Vala feita pelos moradores para
passagem do esgoto
Essa situação põe em risco à saúde dos moradores, principalmente as crianças que
brincam nas calçadas e nas ruas. Os moradores relataram que sempre que elas brincam de
bola é comum a bola cair na lama e eles a pegam e continuam brincando. Essa água
contaminada atrai moscas e outros insetos e também provoca um forte mau cheiro.
(Continua...)
91
(Continuação)
A água é boa, muito boa Agora aí... Quando chove ele É quase o inverno todo. Uns
mesmo. Só falta se faltar na Sinceramente é o não passa aqui... Tem dois meses. [...] Já alagou
P3 cidade toda. mais difícil de que correr e deixar o muitas vezes.
todos. A gente não lixo lá na outra rua.
tem rede de esgoto.
Normal, boa, não falta. Tem fossa ai na Hoje é dia e eles não Aqui tinha noite que eu não
frente... Mas tá passaram. Às vezes dormia tirando água.
P4
cheia, aí vai passa uma vez na
vazando. semana.
A água encanada é boa. Pôde [...] Tinha um Hoje não veio não As casas cheia d'água.
P5 buracão [...] bem por causa daquele
no meu terreiro. lameiro lá.
A água é ótima. É precário, é no Quando chove muito Quando vem forte ienche a
P6 meio da rua. ele não passa não. casa de água.
Água vem boa pra nós... Saneamento básico Quando chove não Alagou.
não falta. ali pra nós tá passa.
P7
precário a questão
do esgoto.
A água é boa. Tá indo aí pra esse Passa terça, quinta e A gente fica só boiando.
buraco... Pro sábado. Tá
P8
riacho. interrompido aí, na
certa ele não passa.
Agora o que é bom aqui é a Tá entupido. Passa. Quando ienche volta todo pra
P9
água. dentro de casa.
Boa. Mas aqui todo Quando dá pra entrar A minha já [alagou]... E a
P10 esgoto é pra dentro ele entra. minha [casa] é quase dois
da grota. metros de altura...
Tem. Para o córrego, Passa três vez. Começa encher a bueira e vai
P11
pra grota. pra cá.
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.
As condições sanitárias do bairro não são boas, e na área estudada são ainda piores,
pois ela fica em área alagada (FOTO 04), por causa disso os quintais das casas são muito
úmidos (FOTO 05). Como é possível observar no Quadro 10, dos quatro componentes do
saneamento básico (abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos, e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas) é apenas no
abastecimento de água que os moradores não enfrentam dificuldades, pois a água fornecida
pela CAEMA é de qualidade, seu fornecimento é constante e todos os entrevistados possuem
água encanada em casa, entretanto, nos outros três componentes existem problemas que
comprometem o DH.
92
Pelos relatos dos moradores foi possível perceber que os alagamentos provocam
muitos problemas em suas vidas. P9 tem 71 anos e padece de uma doença crônica de coluna.
De tempos em tempos tem crises severas com fortes dores que o impedem de fazer as
atividades cotidianas. Ele se preocupa com os alagamentos, pois tem medo de um dia
acontecer quando ele não puder se levantar: “quando chega na época que eu não tô sentindo
nada, tudo bem, mas, se chegar num dia que eu tiver doente aí? [...] eu não posso levantar as
coisas”. Nesta região do bairro é comum os móveis serem colocados sobre tijolos ou
madeiras para ficarem acima do piso da casa, sendo assim, no caso de P9 a situação é mais
complicada.
Porém, algumas vezes a chuva é rápida e as pessoas são pegas de surpresa. Quando a
enchente vem no período da noite é ainda pior. P11, que é mãe de nove filhos disse: “eu já
levantei da cama [...] quando eu pisei no chão era água”. Com a família de P8 isso já
aconteceu também: “Fomos para cozinha que era mais alta e aqui ficou tudo alagado.
Trepamo as coisas tudin”. No caso de P11, ela já chegou a colocar os móveis no alto estando
grávida. Para ela e sua família conviver com essa situação é tarefa difícil. A seguinte história
foi contada por P11:
Teve uma enchente aqui tão grande que alí onde o córrego passava dava no
pescoço das pessoas e a água foi subindo rapidamente. Nesse tempo minhas gêmeas
eram desse tamanho aqui [apontando para um bebê de aproximadamente 7 meses
de idade] eu peguei uma e fui deixar lá pra vizinha, lá do outro lado, porque eu
sabia que a água tava aqui e aqui e eu ia ficar sem saída [...] quando eu cheguei
para pegar a outra a água já tava chegando no berço.
Por causa dos constantes alagamentos alguns moradores estão aterrando seus terrenos
para deixá-los mais altos em relação ao nível da rua e do riacho, porém como não existe
drenagem, a água escoa para os locais mais baixos, isto é, as casas e terrenos que não são
aterrados. P1 relatou assim essa situação:
Eu tô imaginando é agora no inverno, porque agora pra lí tinha uns lugar que a
água descia né?... Todo mundo já aterrou. Antigamente tinha como escorrer... As
água vai entrar tudin nas casa. Vai ser muito mais pior. Não tem como sair. O lugar
que tinha tá tudo aterrado.
94
Como não existe sistema de esgotamento sanitário no bairro parte do esgoto corre a
céu aberto. “De manhã a gente tem até nojo de abrir a porta aqui (P2)” Isso polui tanto o
visual como o ar do local. P4 afirmou: “Moço, tem dia que a gente nem pode nem sentar na
porta porque o mau cheiro é grande”. Mesmo isso sendo algo já comum para os moradores,
tendo em vista estarem nesta situação há vários anos, eles se preocupam em pisar ou cair. P1
disse que “passa côcô aí na frente. Cair aí já era”.
Já P1 tem filhos pequenos, e ao ser perguntada se na sua casa entra água da rua quando
chove, respondeu: “esse ano ainda não entrou não, mas sempre entrava”. Ela sabe que esse
ano, pode demorar, mas vai alagar novamente. P4 também demonstrou isso: “Vai alagar de
novo porque já chegou o mês de outubro”. Mesmo com todas as dificuldades vividas pelos
moradores ainda é possível encontrar aqueles que entendem que existem pessoas com
situação pior do que a deles, como P2 que relatou acerca das casas que estão ainda mais
próximas do riacho: “Aqui nois tamo na boa mesmo, pior é aqueles que estão lá embaixo”.
apenas leva o esgoto das casas para o riacho, assim, quando o nível do riacho sobe a água dele
retorna pelos canos até as casas das pessoas.
Esta categoria de análise buscou compreender as condições de saúde das famílias para
estabelecer as relações entre saúde e saneamento básico no caso analisado. Confirmou-se que
existem várias doenças que são relacionadas às condições sanitárias precárias do bairro,
entretanto também existem doenças crônicas que não são causadas pela falta de saneamento.
Das onze famílias entrevistadas, sete têm pelo menos um de seus membros com alguma destas
doenças. Foram relatados casos de hipertensão, osteoporose, asma, problemas cardíacos,
problemas de coluna, problemas nos ossos e câncer. Estas doenças também afetam
negativamente a vida das pessoas, sobretudo porque elas têm que conviver com as privações
provocadas pelo esgoto e enchentes, o que é difícil de enfrentar quando a pessoa tem uma
doença grave, como cardíaca e de locomoção.
O caso mais grave entre os entrevistados foi o do filho de P1 que teve hepatite. Essa
situação privou a liberdade tanto dela como de seu filho. Durante 15 dias ele ficou internado e
P1 também teve que ficar no hospital. Como ela estava grávida foi ainda mais complicado
porque existia o risco de infecção para ela e seu bebê. Por não ter renda suficiente para custear
exames e consultas que pudessem ser feitas mais rapidamente, a doença só foi descoberta
quando a criança já estava correndo risco de morte. Segundo P1, no hospital chegaram a
sugerir que ele tinha uma apendicite e que precisava operar com urgência. Após ela insistir
muito que queria exames mais precisos cancelaram a operação quando ele já estava a caminho
da sala de cirurgia, fizeram os exames e constataram que se tratava de hepatite. Todo o
tratamento foi feito na rede pública e a criança ficou curada, entretanto durante todo este
tempo não frequentou a escola e a mãe não pôde trabalhar em seu salão de beleza. P1 também
informou que uma vizinha teve a mesma doença e P2 relatou que um vizinho seu morreu por
causa do esgoto, mas não soube informar ao certo qual a doença.
Para P1, P2, P3, P7 e P11 a associação entre esgoto e febre está estabelecida. Todos
informaram que eles ou membros de suas famílias já tiveram febres. P2 disse que há “febre,
gripe, dor de cabeça quando dá mosquito”. Toda a família de P3 já teve febre em decorrência
da dengue. Eles também relataram gripes e resfriados e P5 declarou que “as criança tá é tudo
gripada”, referindo-se às crianças do bairro. Como existem muitos locais com água
empossada mosquitos são muito frequentes, principalmente no início da noite, horário em que
97
Outros problemas de saúde citados por eles foram falta de ar (P2) e dor de cabeça (P2,
P4 e P10). P4 também mencionou que as unhas dos seus pés estão corroídas. Ela acredita que
é por causa do esgoto que corre em frente a sua casa e a prejudica porque ela varre e faz a
limpeza do local diariamente. P10 disse que “dá uma murracha no corpo da gente, uma dor
de cabeça”.
As micoses são mais frequentes nas crianças, embora P7 tenha dito que seu pai, de 47
anos, tem uma no pé. P2 tem uma neta que tem alergias e micoses, ela “fica toda vermelha...
tudo daqui, tudo daqui meu irmão!”. P4 tem 51 anos e disse que o neto tem “micose na
cabeça [...] no couro cabeludo aí cai né? [se referindo ao seu cabelo]”. P3 também relatou
micose em dois netos, um no pé e outro na cabeça. P1 contou que sua filha teve um problema
de queda de cabelo e a formação de um caroço na cabeça, ela não soube informar qual doença
era, mas disse que foi um tipo de fungo proveniente das águas que correm na rua. Estas
micoses geralmente aparecem em pessoas que tem contato com água ou solo contaminados
por fungos e bactérias, essa é a situação das crianças da região. Elas brincam “na lama” (P11),
“dentro da lama, que nem porco!” (P5), e “banham dentro da lagoa” (P10).
falta de preocupação com os perigos do contato das crianças com o esgoto que corre a céu
aberto: “Brinca aí de bola sem nenhum problema”.
O relato de P12 também demonstra desconhecimento: “Da última enchente que teve
que eu tava grávida eu dei febre. Eu liguei pro médico do SAMU... ele disse que era por
causa da água... Eu tinha ficado dentro da água... Podia ser virose da água”. P1 evidenciou
não saber se a grave doença que o filho teve tinha realmente ligação com o saneamento:
Graças a Deus eu não peguei essas doenças não... Doença mesmo é só gripe né,
febre, e não sei se é por causa da água também. Ah! tem também o meu menino que
teve aquela doença... Hepa... Hepatite né? Teve hepatite meu menino aí eu não sei
se... Da água também pega né? A vizinha aqui já teve... adoeceu também a outra...
Eu consultei ela, fez os exames e deu anemia né nela e deu um problema no cabelo
dela, tava caindo tipo uma caspa, entendeu? Até ela falou lá o nome do caroço que
tava dando nela... Passou o remédio e ela ficou boa... Ela disse lá o nome das
coisas... Tipo um fungo que deu.
Para eles o mau cheiro faz mal à saúde, e segundo P5, principalmente das crianças.
Alguns moradores afirmaram que muitas das doenças que surgem no bairro acontecem por
causa do mau cheiro. Segundo os moradores o mau cheiro provoca dificuldades respiratórias,
dores de cabeça, asma, entre outras.
Embora não tenham sido encontrados casos de ocorrência da maioria das doenças
listadas no referencial teórico não se pode afirmar que elas não existam, haja vista que apenas
11 famílias do bairro foram estudadas. A ocorrência das doenças e sintomas relatados acima
permite afirmar que este grupo é vulnerável às doenças mais graves (como as listadas no
referencial), pois a condição social, caracterizada pela baixa renda, moradias inadequadas e
99
baixa escolaridade, associada à condição ambiental nas quais vivem, associada a não
existência de rede de esgoto e aos alagamentos, oferece os meios para o contato com os
agentes causadores. Entretanto os casos de doenças relatados, mesmo as não graves como
gripes e micoses, privam as liberdades das pessoas. Essas privações são apresentadas adiante
no item 5.5 e 5.6.
(Continuação)
Lazer As crianças não podem brincar nas ruas.
Em um sentido mais amplo pode-se considerar que diversas
Liberdade
liberdades são afetadas (ver seção 5.6)
Os moradores não têm segurança na posse de suas propriedades,
Acesso e posse de terra
pois elas podem ser destruídas durante uma chuva forte.
Fonte: Do autor a partir da pesquisa de campo.
Assim pode-se afirmar que por causa das condições sanitárias do local, os moradores
são diretamente afetados em todos os componentes do conceito de saúde da Conferência
Nacional de Saúde, exceto no acesso aos serviços de saúde, tratado na seção seguinte.
5.4.1 Saúde
O bairro é servido pela UBS da Vila Cafeteira. Nenhum dos entrevistados paga plano
de saúde, eles desejam ter, mas não podem pagar. A maioria dos moradores entrevistados é
visitada com frequência por Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e gostam do atendimento
prestado na UBS. Todavia, alguns reclamaram do atendimento, do tempo de espera para
marcação de exames, da falta de alguns medicamentos e da visita dos agentes.
101
Quando P2 foi questionado sobre o que ele achava dos serviços oferecidos pela UBS
afirmou: “Essa parte aí eu tiro o chapéu aqui pra esse pôstim [...] Tudo que eu quero... eu
consigo. Sempre tem médico”. Ele informou que a agente passa quase toda semana e pergunta
como ele e sua esposa estão de saúde. Sua única reclamação foi em relação ao atendimento
noturno, pois segundo ele “era pra nós ter plantão à noite”. P3 disse que todo mês se consulta
com o médico na UBS. Mesmo afirmando que às vezes faltam remédios na UBS P4 também
classificou o atendimento como bom, entretanto ela demonstrou interesse em ter um plano de
saúde para evitar a longa espera na marcação de exames. P3 recebe visita da agente todo mês
e disse que o atendimento é muito bom, pois tem médicos e enfermeiros.
Entretanto, P1, P8, P9 e P10 não estavam satisfeitos com a UBS. P1 só vai até lá em
época de vacinação, pois não gosta do atendimento prestado. Para P8 o atendimento na
unidade é bom, mas também afirmou que a agente “nunca mais passou”. P9 disse que quando
foi fazer o cartão do SUS não fizeram, por isso ele não vai à UBS. P10 afirmou que a agente
não passa na sua casa há mais de um ano e que quando precisou do posto de saúde não foi
recebida.
Não ficou bem claro o porquê das reclamações de P1, P8, P9 e P10, tendo em vista
que os demais entrevistados consideraram o atendimento bom, muito bom e ótimo. P11 é
vizinha destas pessoas e disse que a agente de saúde sempre visita sua casa. O pesquisador
perguntou por que não estavam sendo visitados e eles não souberam informar. P10 disse que
não foi reclamar na UBS porque é pobre e não seria ouvida. Sobre este ponto, Nussbaum
(2000) afirma que uma das dez capacitações humanas centrais é a filiação, que pode ser
entendida como a liberdade para ser capaz de ser tratado como um ser digno cujo valor é igual
ao dos outros. Os moradores do bairro não se percebem assim, pois não são ouvidos pelo
102
poder público. O fato de eles serem “enganados” pelos candidatos a cargos públicos reflete
isso. Nussbaum (2000) entende que para haver filiação, no mínimo deve-se proteger as
pessoas contra discriminação por classe social.
A impressão que ficou durante a entrevista é que eles tiveram algum problema e por
causa disso não quiseram mais ser atendido pela ACS e não procuraram mais a UBS. Quando
perguntados o porquê de não buscarem mais atendimento responderam que quando vão na são
bem tratados e que o tempo de espera para exames e cirurgias é muito demorado.
De modo geral, na área da saúde o poder público tem removido as privações dos
moradores em relação ao acesso aos serviços de saúde. A UBS atende diariamente com
médicos e enfermeiros. Com exceção destes moradores que reclamaram, todos os outros são
visitados pelo ACS, recebem medicamentos no posto, fazem consultas com médico e quando
precisam de exames mais complexos são encaminhados para outras unidades.
5.4.2 Saneamento
Antes da obra de colocação dos tubos as casas que possuíam fossas sépticas as
utilizavam, já aquelas que não tinham, enviavam o esgoto para a rua, riacho ou algum terreno
baldio próximo. A prefeitura então colocou tubos para canalizar o esgoto doméstico e fez as
ligações das casas a esta tubulação, entretanto, segundo os moradores foram colocados apenas
canos de PVC de 150 mm em vez de manilhas cerâmicas com diâmetros maiores. Ela não foi
interligada com rede alguma e seu ponto final é o riacho. P2 relatou com tom de revolta essa
obra: “Como é que você faz um trabalho numa rua que você deixa esse mei baixo e você faz
aquele nível que não deixou pra água descer? Que medidas são essas?”. Após sua rua ser
perfurada para colocação dos tubos, máquinas colocaram aterro, o que segundo ele alterou seu
nível. Quando choveu a água não desceu mais para o riacho como antes descia e ficou
represada.
Como o diâmetro dos tubos era pequeno, a tubulação não suportou a quantidade de
esgoto gerado e entupiu, assim o esgoto retornou às casas. Sobre isso P7 relatou que “quando
o PAC veio... deu a primeira chuva... alagou”. A situação piorou porque os tubos despejavam
o esgoto no riacho e quando o nível do riacho subiu a água dele foi levada pelos canos até as
casas. P2 e sua esposa são idosos e contaram que “quando nois vemo, burbuiava [...] dentro
de casa. Ficamo nadando de noite”. Ele se referia ao dia em que o esgoto invadiu a sua casa
104
pelo vaso sanitário e pelo ralo do banheiro. P2 também afirmou que “cada qual, todas as
pessoa tinha sua fossa. Não prejudicava ninguém. Todo mundo tinha sua fossa bem feita, bem
grande. Água da chuva não foi não! Piorou depois do PAC.”
A família de P7 foi também prejudicada, e no caso dela não foi apenas o banheiro que
apresentou problemas, mas a casa toda. Segundo ele,
Tanto ele como os vizinhos afirmam que quando iniciou a obra a casa começou a
rachar, tanto pela vibração das máquinas utilizadas como pelo aterro colocado na rua. Como a
região é alagada e seu terreno ficou em nível mais baixo que a rua “a água minava por baixo,
a estrutura ficou frágil aí com o peso do telhado ela quebrou” (P7). Eles perderam quase
todos os móveis e só não se acidentaram porque quando a água começou a invadir a casa
todos saíram.
Mesmo diante de um problema como esse nada foi feito, nem pelo poder público, nem
pela empresa executora da obra. P4 questionou: “Eles tinham direito de me indenizar não
tinha?”, demonstrando seu descontentamento e seu desejo de receber alguma reparação pelo
que sofreu. Sobre isso, P10 disse que é o seu sonho receber uma indenização e mudar de
bairro: “Minha vida melhorava se eles indenizassem minha casa e eu saisse daqui”.
Entretanto, segundo P7 isso é difícil de ser alcançado. “Procurei a justiça... Muita coisa eu
não tinha prova para acusar ele... Nenhum advogado quis pegar o caso porque era uma
empresa terceirizada da prefeitura. Ia levar tempo” (P7).
Os moradores relatam que nunca receberam ajuda do poder público nem na época das
enchentes. Isso é uma situação não desejada, pois o poder público pode melhorar a vida das
105
Após mais de dois anos do início da obra o bairro continua sem rede de esgoto e todos
os entrevistados afirmaram que a situação era bem melhor antes da intervenção da
prefeitura43. Os tubos das casas que foram conectados à rede foram desconectados pelos
próprios moradores para evitar que o esgoto retornasse a casa.
Sen (2010) entende que as políticas públicas devem atuar visando o aumento das
capacitações humanas. Para ele, isso pode ser feito por meio da promoção de liberdades
políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e
segurança protetora. No caso analisado percebe-se que a última liberdade, a segurança
protetora, não está sendo oferecida pelo Estado. Garantir segurança para as pessoas é
proporcionar uma rede de segurança social, quer dizer, impedir que a população seja reduzida
à miséria. Também as oportunidades sociais são importantes, pois se referem ao oferecimento
de serviços que influenciam na liberdade de a pessoa viver melhor, entretanto também se
percebe que estas oportunidades no campo dos serviços de saneamento não estão sendo
ofertados à população.
43
Nesta seção refere-se a prefeitura como executora, mesmo sendo uma empresa contratada que executou o
serviço, pois sabe-se que a prefeitura é responsável por aplicar e fiscalizar os recursos.
106
A renda deles é suficiente apenas para as despesas básicas do lar, e com o problema
dos alagamentos, parte dela tem que ser direcionada para as modificações/reformas das duas
casas. Alguns, porém, não têm condições financeiras para isso, como é o caso de P9, por isso
sua casa está abaixo do nível da rua e quando o riacho transborda é um das primeiras afetadas,
pois fica bem próxima ao riacho. Assim, os problemas de saneamento do bairro afetam
também as finanças dos moradores.
Cinco famílias expressaram tristeza ao falarem sobre suas casas (P2, P3, P5, P7 e
P10). P5 é viúva e sofre de várias doenças crônicas. Com a aposentaria que recebe disse que
ampliou e reformou com muito sacrifício sua casa, porém a casa está sem piso cerâmico e
com o telhado baixo. “Minha casa estava toda na cerâmica, ó a altura dessa porta. Minha
casa tava no ponto de botar forro... Alta... Toda rebocada... Já subi duas vezes”. A situação
de P3 é ainda pior, porque como o teto da casa era baixo, só poderia subir o piso se subisse
107
também o telhado, como não teve condições de fazer, sua casa está abaixo do nível da rua, o
quintal é alagado e o banheiro está inutilizado porque o esgoto da rua volta para ele. “Minha
casa mesmo tá perdida. A gente gastou muito com ela”.
O problema com as casas não acontece apenas por causa dos alagamentos, mas, como
relata P2, por causa da obra de implantação do esgoto na rua.
Era toda forrada minha casa, toda na cerâmica, dois banheiro bem feito. Nossa
casa era toda perfeita, aí desde que fizeram esse esgoto... que acabaram a rua
aqui... Acabou com nossa casa. Eu chorei muito! Era eu e ele trabalhando [para
construir a casa]. A força que eu fiz de ser a servente, ele pedreiro...
Outra consequência indesejada é na liberdade das crianças, pois o esgoto que corre a
céu aberto as priva de brincarem na rua. P1 disse que seus filhos ficam “Só dentro de casa
aqui trancado de trás dessa grade aí... Aquela alí já acostumou coitada, não sai não. Porque
se cair pra i...”. Uma vez sua filha mais nova caiu no esgoto da porta e ela ficou muito
preocupada com medo de ela adoecer. Rapidamente deu banho nela e deu leite por acreditar
que o leite poderia evitar algum tipo de contaminação. Com o neto de P4 acontece a mesma
coisa.
ele falou que queria vender sua casa. Segundo eles ninguém vai quere comprar uma casa que
“vive alagada”. P9 relatou: “Faz tempo que eu pelejo pra ir embora daqui, nunca sai porque
eu não faço é poder”. P10 também tem o mesmo desejo. Os problemas sanitários do local
afetam a valorização dos imóveis: “Ele quer vender a casa, mas não acha quem compre”
(P8).
A mobilidade dos moradores é dificultada pelo esgoto que é lançado nas ruas, pois as
pessoas precisam desviar de buracos com lama, ademais, quando o local alaga não é possível
sair de casa. P7 relatou que precisa deixar sua moto na parte alta da rua, na casa de outra
pessoa, e descer a pé para sua casa, ao chegar lá, lava os pés do lado de fora para poder entrar.
As pessoas ficam sem poder sair de casa para ir a um supermercado, por exemplo. P5 é uma
senhora de 68 anos e já quebrou a perna quando caiu ao tentar desviar de um buraco com
lama. Ela afirmou que tem medo de andar nas ruas do bairro porque pode cair e quebrar a
outra.
O resumo das falas dos entrevistados é apresentado na Figura 07. Nela é possível
observar alguns dos efeitos da falta de saneamento relatados por eles.
109
Figura 07 – Resumo das falas dos entrevistados sobre os diversos efeitos da falta de
saneamento
Estes efeitos se relacionam. Por exemplo, P8 quer vender sua casa porque não quer
mais passar por essas privações quando chove, como não consegue vender, tem sua
autoestima afetada negativamente. A Figura 08 mostra a relação entre os efeitos identificados
no grupo e três variáveis: renda, autoestima e relações sociais. Estas três variáveis também se
relacionam entre si na medida em que a autoestima pode tanto provocar aumento como
diminuição na renda, por exemplo, uma pessoa com baixa autoestima têm sua produtividade
menor. O mesmo acontece com a renda que influencia e é influenciada pelas relações sociais,
como o caso de P10, relatado anteriormente, que entende que por ser pobre não é ouvida pelo
poder público quando tem alguma reclamação. Na Figura 08 as linhas tracejadas representam
o efeito direto e as contínuas os indiretos que cada efeito provoca nestas três variáveis.
110
No caso dos adultos que trabalham, os alagamentos agem na renda na medida em que
eles não podem trabalhar ou porque estão ocupados com a limpeza da casa após o alagamento
ou porque não podem sair de casa com a água acima do nível. Outro efeito na renda surge
quando eles precisam fazer reformas nas casas, como aumento do nível do piso, entre outros,
para que a água não entre nas suas casas. Pessoas pobres têm dificuldades em construir e
reformar as casas, às vezes uma simples reforma dura bastante tempo, como foi observado no
grupo pesquisado. A desvalorização dos imóveis tem efeito direto na renda também, pois as
casas perdem valor por ficarem em áreas de difícil acesso e alagarem com frequência.
Por fim, o esgoto a céu aberto priva as crianças. Elas não podem brincar nas ruas,
ficando assim a maior parte do tempo isoladas em casa. Com isso podem ter suas habilidades
sociais e motoras afetadas. Sociais, pois deixam de ter contatos com outras crianças, e
motoras, porque não brincam correndo ou pulando, brincadeiras que são importantes para o
desenvolvimento motor da criança.
Para analisar a relação entre as privações enfrentadas pela falta de saneamento com o
DH, inicialmente foi utilizada a estrutura apresentada por Macana (2008). A autora analisou o
impacto das mudanças climáticas no DH utilizando uma estrutura analítica composta por
cinco capacitações. Pesquisando as capacitações que são representativas do bem-estar de uma
pessoa em diversos estudos ela identificou que saúde, educação, valores culturais e sociais,
segurança e acesso a materiais básicos para uma vida boa eram comuns a eles, assim os
agrupou conforme a Figura 09.44
44
A síntese destes estudos pode ser visualizada no Anexo 7.
112
privadas de terem boas condições de saúde, o que por sua vez interfere na vida escolar das
crianças e na produtividade no trabalho dos adultos.
Na visão do desenvolvimento como liberdade proposta por Sen (2010, 2012), a saúde
tem papel fundamental porque tem o poder de criar, expandir ou privar as liberdades
individuais e coletivas. Dados apresentados por Neri (2009) corroboram com esta perspectiva
mostrando que, no caso brasileiro, 70% de falta nas escolas em todas as faixas etárias e 12%
das faltas ao trabalho tem algum motivo de saúde. A saúde é importante na vida das pessoas,
pois ela “funciona também como um canal condutor básico dos efeitos da falta de saneamento
sobre outras dimensões da vida das pessoas como educação e geração de renda (NERI, 2009,
p. 74)”. Dados deste autor apresentam que o percentual médio de faltas à escola e ao trabalho
no Brasil é maior em locais sem saneamento (7,28%) do que em locais com saneamento
(6,53%).
As evidências mostraram que as faltas às aulas e ao emprego não são tão frequentes no
grupo pesquisado. O fato de existir um bom acompanhamento da agente de saúde favorece
isso, uma vez que nas famílias com crianças todas as mães e/ou responsáveis informaram que
ela faz a visita pelo menos uma vez por mês. Também percebeu-se através dos relatos,
principalmente das mães entrevistadas, que a educação das crianças do grupo é priorizada,
assim eles se esforçam ao máximo para não faltar às aulas. Mesmo assim foi evidenciado que,
por causa de problemas básicos de saúde, os adultos são prejudicados nos seus empregos e na
realização das tarefas diárias de casa. Em seis, das onze famílias analisadas, algum membro
da família já faltou ao trabalho por esse motivo. No caso das crianças, nas quatro famílias que
têm crianças em idade escolar constatou-se que os filhos já faltaram à escola por causa de
micoses, gripes, dengue e hepatite. É válido compreender que o fato de terem sido relatadas
pelos moradores ocorrências de apenas três doenças (hepatite, dengue e micoses), das mais de
cinquenta ligadas à falta de saneamento básico relacionadas no capítulo três, não significa que
eles estejam imunes às outras, pois como vivem em condições de vulnerabilidade
socioambiental, habitando terrenos muito próximos ao riacho e com construções feitas em
área alagada, são suscetíveis a elas.
114
Para Sen (2002) a saúde é uma das condições mais importantes da vida. Ele entende
que as pessoas devem ter acesso ao saneamento para que não precisem passar toda a sua vida
lutando contra a morbidez (SEN, 2010). Ter saúde é inerente à vida humana, por esse motivo
Nussbaum (2000) considera que ela é uma capacitação central, já que as pessoas devem ser
capazes de ter boa saúde, ser adequadamente nutridas e ter adequados abrigos para serem
verdadeiramente humanas. No entanto, analisando os efeitos da falta de saneamento na saúde
das pessoas do bairro, percebeu-se que mesmo tendo acesso aos serviços públicos da UBS da
região e recebendo a visita dos agentes de saúde, o esgoto a céu aberto e os alagamentos em
épocas de chuva oferecem riscos constantes de contato com estas doenças.
45
Termo utilizado com frequência na cidade ao se referir a um bandido.
115
Evidenciou-se que eles não têm controle algum sobre o ambiente em que vivem e nem
estão aptos a enfrentar inundações, pois todas as famílias já foram surpreendidas com rápidas
enchentes e algumas não tiveram tempo de salvar seus móveis. Ter segurança na posse de
seus bens é um funcionamento valioso que o grupo pesquisado não tem. Todos os
entrevistados relataram que já tiveram móveis estragados por causa de enchentes. P7, P8, P9,
P10 e P11 foram os que sofreram as maiores perdas, sobre isso P9 narrou: “tanta gente já
perdeu essas coisas aqui. É pouca gente que quer comprar móvel aqui”. P10 relacionou o que
já perdeu: “eu perdi uma geladeira, eu perdi um jogo de sofá, eu perdi uma televisão de vinte
e nove polegada e perdi um guarda-roupa zerado, zerado, cheio de roupa porque não tinha
condição da gente tirar.” A vulnerabilidade na posse de bens também foi observada em
relação às casas dos entrevistados. P7 perdeu a casa e P3 precisa fazer uma grande reforma na
sua, já que após vários alagamentos e aterros na rua a casa está muito abaixo do nível, a
tubulação interna de esgoto está comprometida e o banheiro inutilizado.
Entretanto, segurança não se refere apenas aos bens que uma pessoa possui, diz
respeito também à própria vida das pessoas. Diversos relatos mostraram que os moradores são
vulneráveis e tem sua segurança pessoal ameaçada por causa do esgoto e dos alagamentos. A
família de P7 quase foi vitimada fisicamente quando sua casa caiu e P5 levou uma queda em
uma poça de lama e quebrou a perna. P11 durante uma forte chuva teve de carregar móveis
estando grávida, colocando sua vida e a vida do bebê em risco para não perdê-los e ter que
comprar outros e P9 que tem muita dificuldade quando sua casa alaga por causa de seus
problemas de coluna. Assim, nota-se que o funcionamento “estar apto a enfrentar
inundações” não é realizado pelos moradores. Eles não conseguem vender suas casas, que são
desvalorizadas por causa da falta de infraestrutura, para comprar outras em locais mais
seguros.
para as pessoas ter uma vida boa. No grupo pesquisado também evidenciou-se que algumas
famílias estão em situações que privam-nas de ter esse funcionamento. A pior situação é a de
P9 que mora em uma casa que está em nível mais baixo que a rua e que alaga sempre que
chove. Como ele sobrevive com uma renda de cerca de R$ 250,00 não há possibilidade de ele
melhorar sua habitação, sendo obrigado a viver sob estas condições. Todas as famílias moram
em casas próprias, entretanto como relatado anteriormente, suas casas não estão preparadas
para as situações adversas que eles enfrentam.
Sen (2012) propõe que um exercício de avaliação do nível de bem-estar no espaço das
liberdades deve considerar a identificação de quais são as capacitações para realizar
funcionamentos valiosas para uma pessoa (ou comunidade) e quão valiosas essas capacitações
são para ela. Segundo ele o processo de determinação disso faz parte da própria natureza do
DH, conquanto “escolher é uma parte valiosa do viver” (SEN, 2012, p. 81). Nesta pesquisa
além destas cinco capacitações (saúde, educação, segurança, valores sociais e culturais e
acesso aos bens materiais básicos) foram reconhecidas outras que são também valorizadas
pelos moradores.
Engenheiro aqui não sabe de nada. Quem sabe somos nós que mora aqui. Só que
esse povo eles querem ser assim uma coisona mais de que agente que mora aqui.
Eles era pra chegar na casa de cada um morador desse daqui e saber que altura dá
água aqui, como é o nosso viver aqui dentro desse bairro, da onde é que a água
vem, da onde é que começa alagar. Eles tinham que primeiro pesquisar, não é eles
chegar aqui empurrar máquina, acabar tudo que tem e fazer buraco e bueira e nada
prestar. [...] aqui ninguém conversa com ninguém.
117
A AC tem como figura central o “agente”, um indivíduo responsável pelo seu destino.
Para Sen (2012) realizar a condição de agente acontece quando a pessoa realiza seus objetivos
e valores que ela tem razão para realizar. Sen (2010) também afirma que ver um indivíduo
como agente é essencial, pois as pessoas podem agir de um modo ou outro, de acordo com
seus valores e de sua comunidade.
Esta situação relatada também indica que houve falta de “garantia de transparência”
por parte do governo municipal, que é apresentada por Sen (2010) como uma das cinco
liberdades instrumentais que ajudam a expandir as capacitações das pessoas, haja vista que os
moradores não tomaram conta do quê seria feito na obra, como ela seria realizada, quanto
seria investido e quanto tempo duraria. Como relatado anteriormente por P10, as máquinas
chegaram ao bairro, perfuraram as ruas, canos foram instalados e a comunidade não foi
ouvida. O serviço não foi realizado e o problema, que já representava uma privação para os
moradores foi ampliado, pois as famílias gastaram dinheiro comprando canos para ligar o
esgoto da casa a rede da rua, que entupiu e trouxe esgoto e água da chuva para dentro das
casas. Os moradores se sentiram também desrespeitados porque para eles o recurso financeiro
para a realização da obra completa foi destinado, mas não foi aplicado.
Sen (2000, 2010) reconhece que ser feliz também é um funcionamento. Durante as
entrevistas notou-se que os moradores valorizam muito este funcionamento e sofrem por não
conseguirem alcançá-lo. Ao relatar as condições de saneamento da sua rua P10 afirmou: “a
minha vida aqui é muito triste”. Todas as famílias expressaram tristeza ao falar das suas casas.
Na AC a felicidade também é vista como um indicador de realização, assim como os
moradores não realizam o funcionamento “ter uma casa confortável e bonita”, ficam tristes.
Foi possível observar que para eles pode-se realizar o funcionamento “ser feliz” através do
funcionamento “ter uma casa confortável e bonita”.
Essa situação vivida pelas famílias moradoras do bairro não condiz com a noção de
DH, pois elas estão sendo privados de diversas formas. Sen (2010) afirma que no mundo
muitas pessoas são vítimas de várias formas de privação, sendo uma delas o pouco acesso a
serviços de saneamento básico. As implicações desta privação são severas, haja vista que os
118
problemas de saúde são mais frequentes em pessoas que vivem em condições precárias de
saneamento, assim a privação de serviços básicos de saneamento no bairro, como o esgoto e
drenagem de águas pluviais, afeta diversos funcionamentos dos moradores. Além das
privações das cinco capacitações apresentadas por Macana (2008), percebe-se que as dez
capacitações humanas centrais de Nussbaum (2000) também são afetadas, principalmente, a
vida, a saúde física, a integridade física, a filiação, o lazer e o controle sobre o meio ambiente.
119
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se observou neste estudo é que mesmo sendo analisada apenas uma, das muitas
dimensões da vida humana, analisar a problemática sanitária do bairro proporcionou um
maior conhecimento da realidade local, sobretudo no entendimento de como a falta, ou a
presença, de saneamento interfere nas liberdades das pessoas e como esta dimensão se
relaciona com as demais. Isso proporciona novas possibilidades de intervenção no ambiente
com vistas para a promoção do bem-estar da sociedade.
segurança, de exercerem seus valores sociais e de terem acesso aos materiais básicos para a
vida. Durante a pesquisa observou-se que as condições sanitárias do bairro provocam
privações de liberdades que vão desde as mais básicas, como se locomover nas ruas, até ser
feliz, o que para Sen (2000, 2010) também é um funcionamento. Os moradores da Vila João
Castelo convivem com diversas privações de liberdade, como gozar de boa saúde, ter acesso à
educação e desfrutar de atividades de lazer por não terem uma estrutura de esgotamento
sanitário e drenagem de águas pluviais. Na perspectiva de Sen (2010) expandir as liberdades
das pessoas faz com que elas possam cuidar de si mesmas para influenciar o mundo.
Sen (2010) entende que as capacitações podem ser aumentadas via políticas públicas.
Melhorias no esgotamento sanitário ajudam as pessoas a alcançar melhores funcionamentos
de saúde, segurança, autoestima, bem como expandir várias capacidades em função do
aumento de recursos como tempo e dinheiro, assim melhorias no saneamento básico gerem
melhorias em outros aspectos, como educação e produtividade no trabalho (ARISTIZÁBAL;
GONZÁLEZ, 2011), entretanto, conforme problemática relatada pelos moradores acerca da
obra realizada pela prefeitura, percebe-se que a política pública agiu de forma contrária,
restringindo ainda mais as liberdades de famílias que já sofriam privações de liberdades
provocadas pela falta de rede de esgoto.
O saneamento não afeta apenas a saúde no seu conceito restrito enquanto presença ou
ausência de doenças, mas diferentes dimensões das vidas das pessoas. Se considerado que a
saúde é um completo bem-estar físico, mental e social, mesmo não tendo sido relatadas pelos
moradores muitas das doenças ligadas à falta de saneamento, pode-se afirmar que estas
pessoas têm tido muitos problemas de saúde, haja vista que os relatos mostraram que o bem-
estar físico, mental e social delas está sendo afetado. A frase de uma criança de 10 anos
publicada no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2006 demonstra a importância
121
que o saneamento básico tem na vida e como ele pode privar as pessoas: “Claro que eu
gostava de ir à escola. Quero aprender a ler e a escrever […] Mas como posso fazê-lo? A
minha mãe precisa de mim para ir buscar água 46” (UNDP, 2006, p. 1), e essa realidade
também foi observada na Vila João Castelo.
Este estudo não teve a pretensão de definir uma lista de quais são as capacitações e
funcionamentos valorizados pelos moradores da Vila João Castelo, o que pode ser feito em
estudo posterior, mesmo assim, pôde-se perceber várias capacitações e funcionamentos que
são afetados pelas condições sanitárias do bairro. O poder público pode melhorar o bem-estar
destas famílias através do saneamento básico, afinal, ter saneamento básico é ter vida.
46
Yeni Bazan, 10 anos, El Alto, Bolívia
122
REFERÊNCIAS
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Poverty & Human Development Initiative. Working Paper n. 36. Maio de 2010.
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Economia Gaúcha: Porto Alegre: FEE/PUC/RS, 2004, p. 01.17, 2004.
BARDEN, Júlia Elisabete. Indicador social para o Rio Grande do Sul: uma análise a partir
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134
APÊNDICES
135
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética (COEP/UNIVATES). Sua participação é
voluntária, e será documentada através do Termo assinado. Não participarão deste estudo
pessoas sem participação voluntária, menores de idade, e indivíduos que não atendam aos
critérios técnicos estipulados pelo pesquisador.
Sua participação no estudo é voluntária. Você pode escolher não fazer parte dele, ou desistir a
qualquer momento. Você poderá ser solicitado a sair do estudo se não cumprir os
procedimentos previstos ou atender as exigências estipuladas. Você receberá uma via assinada
deste termo de consentimento.
Esta pesquisa não oferece alto risco para você, mas poderá gerar desconforto quando você
falar dos problemas existentes no bairro. Já os benefícios esperados ao final desta pesquisa se
referem ao melhor entendimento da realidade local, assim, este entendimento poderá servir de
base para a elaboração de políticas públicas voltadas para o bairro.
1 CARACTERIZAÇÃO 38. Alguém ajudou vocês quando isso aconteceu? (defesa civil,
Núcleo familiar igreja, associação, ONG...)
1. Entrevistado: Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino 39. Como vocês e os outros moradores fazem para andar pelas
2. Quanto tempo vocês moram neste bairro? ruas quando acontece isso?
3. Com o quê você trabalha?
4. Quantas pessoas moram aqui na sua casa? 3 CONDIÇÕES DE SAÚDE
5. Quem são elas? 40. Alguém da família está doente?
6. Quantos trabalham? 41. Qual doença?
7. E os outros, por que não trabalham? 42. Vocês ficam doentes com frequência?
43. E já tiveram outras doenças no passado?
Renda 44. Vocês tomam remédio com frequência?
8. O dinheiro que ganham é suficiente para se manterem 45. Ganham ou pagam por eles?
durante o mês? 46. E gastam muito dinheiro com remédios?
9. Quanto mais ou menos ganham por mês ou por 47. Quanto da renda gastam em remédios?
semana? 48. O dinheiro que é gasto com remédio falta para comprar outras
10. Vocês recebem algum tipo de ajuda? coisas que seriam importantes?
11. Quem ajuda?
12. Que tipo de ajuda é essa? 4 SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE
49. Vocês conhecem algum agente de saúde?
Atividade social 50. Vocês recebem visita dele?
13. Vocês participam de alguma atividade social? 51. Com que frequência ele visita vocês?
14. Qual atividade é essa? (igreja, associação, ONG...) 52. Quando ele vem visitar vocês, o que ele faz?
15. Como você participa? 53. Com que frequência vocês buscam o posto de saúde?
16. Com que frequência? 54. Como é o atendimento lá?
55. Lá tem médico ou a consulta é com enfermeiro?
Filhos na escola 56. Quando você não consegue atendimento no posto do bairro,
17. Seus filhos vão para a escola regularmente? como vocês fazem?
18. Eles conseguem frequentar sempre? 57. Vocês procuram também o atendimento em algum hospital?
19. Quando faltam, por que faltam? 58. São sempre atendidos?
20. Como eles são na escola, conseguem acompanhar 59. Vocês tem algum plano de saúde pago?
bem os estudos, gostam de ir para aula 60. Por que não tem?
61. Se tivesse a oportunidade, gostariam de ter?
2 CONDIÇÕES SANITÁRIAS
Água (abastecimento de água potável) 5 SANEAMENTO, SAÚDE E DESENVOLVIMENTO
21. Tem água encanada aqui? HUMANO
22. A água é boa para beber, lavar louça, tomar banho? 62. Vocês acham que a falta de água, de rede de esgoto,
23. Falta água com frequência aqui no bairro? alagamentos e lixo acumulado nas ruas são problemas?
24. Como você faz quando não tem água? 63. Como isso afeta a vida de vocês?
25. Você paga por ela? 64. Estes problemas afetam também a saúde?
26. Quanto paga por mês? 65. O que melhoria na vida de vocês se estas questões fossem
resolvidas?
Esgoto (esgotamento sanitário) 66. As crianças deixam de estudar por causa disso?
27. Como funciona o esgoto da sua casa? 67. Vocês deixam de trabalhar?
28. Ele vai para onde?
29. Tem rede de esgoto aqui no bairro?
30. É rede de esgoto mesmo ou só tubulação para água
da chuva?
ANEXOS
146
47
Rubinger (2008, p. 21) faz uma observação importante sobre o conceito da OMS: “Amplamente difundida, a
definição publicada por Heller e Möller (1995), extraída de Batalha (1986), que por sua vez a atribui à
Organização Mundial da Saúde, enuncia saneamento como ‘o controle de todos os fatores do meio físico do
homem, que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu estado de bem estar físico, mental ou social’.
Entretanto, não se encontrou a fonte original desta definição, ou seja, sua publicação oficial pela OMS não é
citada em quaisquer das publicações onde foi encontrada. Uma tentativa de localizar a fonte original desta
definição foi realizada por meio de correio eletrônico enviado à própria OMS. Contudo, não se alcançou o
objetivo pretendido, pois a resposta recebida fazia menção à definição de saúde publicada pela OMS, não
esclarecendo a dúvida em questão”. A mesma definição é apresentada em Carvalho e Oliveira (2010) também
sem informações da referencia original.
147
48
DALY significa “disability-adjusted life years”. É uma unidade usada para medir a carga global da doença e a
eficácia das intervenções de saúde. É calculada como o valor presente dos anos futuros de vida livre de
incapacidade que são perdidos como resultado das mortes prematuras ou casos de deficiência que ocorrem em
um determinado ano.
151
6 Practical reason: Being able to form a conception of the good and to engage in critical reflection about
the planning of one’s life. (This entails protection for the liberty of conscience.)
A. Being able to live with and toward others, to recognize and show concern for other
human beings, to engage in various forms of social interaction; to be able to imagine
the situation of another and to have compassion for that situation; to have the
capability for both justice and friendship. (Protecting this capability means protecting
institutions that constitute and nourish such forms of affiliation, and also protecting the
7 Affiliation: freedom of assembly and political speech.) B. Having the social bases of self-respect
and non-humiliation; being able to be treated as a dignified being whose worth is equal
to that of others. This entails, at a minimum, protections against discrimination on the
basis of race, sex, sexual orientation, religion, caste, ethnicity, or national origin.84 In
work, being able to work as a human being, exercising practical reason and entering
into meaningful relationships of mutual recognition with other workers.
Being able to live with concern for and in relation to animals, plants, and the world of
8 Other species:
nature.
9 Play: Being able to laugh, to play, to enjoy recreational activities.
A. Political. Being able to participate effectively in political choices that govern one’s
Control over life; having the right of political participation, protections of free speech and
10 One’s association. B. Material. Being able to hold property (both land and movable goods),
Environment. not just formally but in terms of real opportunity; and having property rights on an
equal basis with others; having the right to seek employment on an equal basis with
others; having the freedom from unwarranted search and seizure.
Fonte: Nussbaum (2000, p. 78-80).
152
3 - Promover a igualdade entre os 4. Eliminar a disparidade entre os sexos no ensino primário e secundário, se
sexos e a autonomia das mulheres possível até 2005, e em todos os níveis de ensino, o mais tardar até 2015.