04 Estefania Jaekel Da Rosa (1)

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As “Pretas Feiticeiras” na perspectiva da Arqueologia da Diáspora


Africana

The “Black Sorceresses” from the perspective of African Diaspora Archeology

Estefania Jaékel da Rosa*

Resumo: Este artigo aborda algumas questões sobre a materialização das crenças afro-religiosas
praticadas nos lares das mulheres negras nas periferias de Bagé e de Pelotas, compreendendo
esses conhecimentos situados enquanto saberes afro-diaspóricos ancestrais, perpassados por
gerações, através da oralidade. Seguindo a busca por uma prática arqueológica feminista e
decolonial, esta etnografia arqueológica, desenvolvida a partir da observação e do convívio com
essas mulheres, demonstra como seus saberes e experiências foram importantes no processo de
aprendizado sobre a materialização do sagrado afro-religioso, tornando suas narrativas centrais
no entendimento sobre a potência existencial das coisas que fazem morada em suas Casas e
aquelas que podemos identificar em escavações arqueológicas. Nesse sentido, a crítica feminista
e decolonial sobre a Arqueologia da Diáspora Africana pode contribuir com novas epistemologias,
ancoradas nas subjetividades e agenciamentos dessas mulheres negras que resistem
cotidianamente às opressões e privações impostas pela colonialidade. Essa postura visa contribuir
ainda com leituras mais abrangentes sobre os contextos arqueológicos da diáspora africana,
incluindo perspectivas que dialogam com as comunidades negras da contemporaneidade.

Palavras-chave: Arqueologia da Diáspora Africana. Mulheres negras. Religiões de matriz


africana.

Abstract: This article addresses some questions about the materialization of Afro-religious beliefs
practiced in the homes of black women in the outskirts of Bagé and Pelotas, understanding this
knowledge situated as ancestral Afro-diasporic knowledge, permeated by generations, through
orality. Following the search for a feminist and decolonial archaeological practice, this
archaeological ethnography, developed from the observation and interaction with these women,
demonstrates how their knowledge and experiences were important in the learning process about
the materialization of the Afro-religious sacred, making their own narratives that are central to the
understanding of the existential potency of the things that live in their homes and those that we can
identify in archaeological excavations. In this sense, the feminist and decolonial critique of African

* Mestra em Antropologia com área de concentração em Arqueologia, Mestra em Memória Social e


Patrimônio Cultural, Sócia-diretora e coordenadora de pesquisa na empresa Híbrida Arqueologia e
Gestão Cultural Ltda. Contato: estefania.hibridarqueologia@gmail.com
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Diaspora Archeology can contribute to new epistemologies, anchored in the subjectivities and
agencies of these black women who daily resist the oppression and deprivation imposed by
coloniality. This posture also aims to contribute with broader readings about the archaeological
contexts of the African diaspora, including perspectives that dialogue with contemporary black
communities.

Keywords: Archeology of the African Diaspora. Black women. Religions of African origin.

Introdução

Foram presas à ordem da delegacia, duas pretas feiticeiras que atraiam grande
ajuntamento de seus adeptos. Na ocasião de serem presas, encontrou-se-lhes um
santo e uma vela, instrumento de seus trabalhos.1

Ainda hoje o estigma da “preta feiticeira”2 persiste na definição das mulheres negras afro-
religiosas. Essa denominação mostra a persistência do medo e do preconceito sobre a crença
dessas mulheres, que sofrem violências desse estigma desde o período escravista3. Por outro
lado, observamos que essas mulheres resistiram ao longo da história, fazendo de seu feitiço um
instrumento de luta que permanece viva e atuante nas comunidades situadas na periferia. É nesse
sentido que compreendo que o termo “Preta feiticeira” se tornou uma autodenominação recorrente
entre as mulheres que residem nas periferias de Bagé e de Pelotas (RS-Brasil), o que nos leva a
refletir que, apesar de forjado pejorativamente pelo colonialismo euro-cristão, muitas mulheres
incorporaram este termo ao seu vocabulário para demonstrar o empoderamento e a resistência de
sua fé. Dessa forma, quando falamos aqui em “Preta Feiticeira” estamos justamente nos referindo
às mulheres negras que cultuam sua ancestralidade, resistindo através de suas subjetividades
para cumprir sua missão espiritual por meio da caridade, respeito e sabedoria para cuidar do
próximo. Entre ervas, benzeduras, velas, imagens e outras coisas, elas materializam a força dos

1 JORNAL DO COMERCIO apud MELLO, Marco Antonio Lírio de. Reviras, batuques e carnavais. A
Cultura de resistência dos escravos em Pelotas. Pelotas: Editora Universitária, 1994, p. 26.
2 Ao analisar os processos de inquisição das feiticeiras de Pernambuco e Bahia no século XVI, Juliana
Sampaio e Kleber Silva concluem que as feiticeiras eram mulheres empobrecidas, sem marido, que
moravam sozinhas nas zonas urbanas e utilizavam seus conhecimentos de magia também como uma
forma de ganhar a vida, postura que distanciava essas mulheres do ideal feminino apregoado pelo
catolicismo. Uma mulher sozinha e independente podia ser considerada esposa de Satã, por isso eram
associadas à prostituição e a bruxaria, sendo por isso denunciadas à Inquisição. SILVA, Kleber Henrique
da; SAMPAIO, Juliana Cunha. Mulher e Feitiçaria na América Portuguesa Do Século XVI: Cotidiano,
Magia e Inquisição. In: ENCONTRO ESTADUAL ANPUH – PE, 10, Petrolina, PE. Anais [...]. Petrolina,
PE: Associação Nacional de História, 2014, p. 9-35. Disponível em: http://eeh2012.anpuh-
rs.org.br/resources/anais/35/1398265369_ARQUIVO_Artigo.pdf. Acesso em: 27 jul. 2021.
3 Tomo aqui a expressão “feitiçaria” como um termo construído pelas elites na interpretação amedrontada
da religião do outro. O estranhamento cultural perante o desconhecido, relacionado a um imaginário
desqualificador das práticas religiosas tidas como exóticas, fez com que esses indivíduos utilizassem a
expressão pejorativamente. Para os “feiticeiros” e “enfeitiçados”, os feitiços faziam parte de uma
cosmologia religiosa específica, que trazia conforto espiritual e material e cuja devoção cimentava
solidariedades. MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.
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Orixás e dos espíritos ancestrais em suas Casas, usando seus “feitiços” como instrumentos de
resistência à colonialidade do poder e ao racismo religioso na diáspora africana.

A diáspora africana define as experiências dos africanos e afrodescendentes que foram


forçados a abandonar sua terra e resistiram à escravidão e ao colonialismo, perpetuando códigos
culturais e laços de ancestralidade que sobreviveram por meio de hibridismos culturais4. Segundo
Márcio Goldman5, a diáspora africana sustentou a constituição do mundo capitalista moderno, e,
na coexistência entre aniquilações e potências vitais de criatividade, as religiões de matriz
africana6 surgiram como um dos resultados do processo criativo de reterritorialização de milhões
desses africanos que foram explorados pelo trabalho escravo na América.

Esses saberes, identidades e códigos culturais resistiram ao colonialismo através da


oralidade e difusão das memórias afro-diaspóricas7, as quais encontraram ressonância através de
re-existências de mulheres negras. No entanto, a problemática de gênero só foi incorporada aos
estudos da diáspora africana com a emergência das teorias feministas, que reivindicaram esse
conceito enquanto instrumento teórico e político que embasa as problemáticas interseccionais das
mulheres negras8. O feminismo diaspórico compreende a corporeidade e as experiências de
opressão e resistência das mulheres negras enquanto instrumentos de luta pela participação ativa
no agenciamento de suas condições de vida e na constituição da diáspora negra9.

Compreende-se, portanto, que a experiência afro-diaspórica das mulheres negras é


marcada pela diversidade de temporalidades, visões de mundo e formas de representação que

4 “Hibridismo não é uma referência à composição racial mista de uma população. É realmente outro termo
para a lógica cultural da tradução. Essa lógica se torna cada vez mais evidente nas diásporas
multiculturais e em outras comunidades minoritárias e mistas do mundo pós-colonial. Antigas e recentes
diásporas governadas por essa posição ambivalente, do tipo dentro/fora, podem ser encontradas em
toda parte. Ela define a lógica cultural composta e irregular pela qual a chamada ‘modernidade’ ocidental
tem afetado o resto do mundo desde o início do projeto globalizante da Europa.” HALL, Stuart. Da
diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2010, p. 74.
5 GOLDMAN, Marcio. A relação afroindígena. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 23, p. 213-222, 2014.
6 Essa tomada mais geral pelo termo “religiões de matriz africana” se deve também ao fato que a religião
não consistiu num ponto de partida, ela se mostrou aos poucos como uma alteridade imanente ao
cotidiano da periferia, definindo os laços sociais (família de sangue e de religião), presentes no dia-a-dia
para resolver diferentes problemas e conflitos que atingem suas famílias (saúde, financeiro, amoroso
etc.), e ainda, preservando as memórias da ancestralidade e da diáspora africana (por meio de
costumes, ritos, linguagem, alimentos, entidades etc.).
7 HARTEMANN, Gabby; MORAES, Irislane Pereira de. Contar Histórias e Caminhar com Ancestrais:
perspectivas afrocentradas e decoloniais na arqueologia. Vestígios, Minas Gerais, v. 12, n. 2, p. 7-34,
jul./dez. 2018, p. 17.
8 LÓPEZ, Laura Cecília. Que América Latina se sincere: uma análise antropológica das políticas e
poéticas do ativismo negro em face a ações afirmativas e às reparações no Cone Sul. 2009. 389 f. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009, p. 86.
9 WERNECK, Jurema. Nossos passos vêm de longe! Movimentos de mulheres negras e estratégias
políticas contra o sexismo e o racismo In: VERSCHUUR, Christine (Org.). Vents d'Est, vents d'Ouest:
Mouvements de femmes et féminismes anticoloniaux [en línea]. Genève: Graduate Institute Publications,
2009, p. 150. Disponível em: http://books.openedition.org/iheid/6316. Acesso em: 27 jul. 2021.
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“são constitutivas do modo como nos apresentamos e somos vistas”10. Assim, as subjetividades
dos corpos negros são construídas a partir de experiências racializadas, de vivências diaspóricas
que incorporam os ancestrais, as memórias da escravidão e os processos de exclusão que
enfrentam até os dias de hoje, tecendo um emaranhado complexo de vínculos, pertencimentos e
identidades11, processos nos quais procurei compreender a partir do convívio com as mulheres
negras que residem nas periferias de Bagé e de Pelotas, na tentativa de levar esses saberes e
narrativas ao cerne das discussões sobre os contextos arqueológicos da diáspora africana.

Com base nisso, a proposta aqui é justamente pensar o conceito de diáspora africana
adotando uma perspectiva feminista decolonial ao campo da arqueologia, conforme propõe
Loredana Ribeiro12, visando a decolonialidade enquanto projeto político e epistemológico que visa
transpor as imposições teórico-metodológicas do academicismo eurocêntrico, desafiando a
colonialidade do poder, sobre as intersecções gênero-raça-classe, e a colonialidade do saber, que
deturpa e silencia os conhecimentos não ocidentais sob a pretensa neutralidade científica e exclui
as experiências corporificadas de grupos subalternos e invisibilizados. Por isso, a descolonização
do conhecimento na arqueologia inicia quando aceitamos “desaprender” os pressupostos teóricos
opressivos para “reaprender” com o próprio processo de pesquisa, incorporando novas
perspectivas epistêmicas e situacionais orientadas por essas ontologias alternativas13.

Partindo dessas premissas, este artigo pretende discutir algumas questões levantadas ao
longo da pesquisa que desenvolvi no Programa de Mestrado em Antropologia14, abordando o
processo de aprendizado sobre a materialização do sagrado afro-religioso a partir dos
agenciamentos e subjetividades das mulheres negras em seu cotidiano nas periferias urbanas dos
municípios de Bagé e de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul.

A periferia é o território onde reside a maioria da população negra na atualidade, um


fenômeno que reflete o processo histórico de segregação racial do espaço, o qual prevalece não
só nas cidades brasileiras, mas em toda a América que se formou à base da exploração da mão-
de-obra dos africanos escravizados15. A criação de favelas, guetos e vilas foi a alternativa de
moradia e sobrevivência que as pessoas negras encontraram ao ficarem à mercê no pós-abolição.
Mas, para além do cenário de opressão, a periferia também é palco de resistência, por isso os

10 WERNECK, 2009, p. 152.


11 LÓPEZ, 2015, p. 324.
12 RIBEIRO, Loredana. Crítica Feminista, Arqueologia e Descolonialidade: Sobre resistir na ciência.
Revista de Arqueologia, [s. l.], v. 30, n. 1. p. 210-234, 2017, p. 211.
13 RIBEIRO, 2017, p. 211.
14 Pesquisa realizada sob a orientação da Profa. Dra. Loredana Ribeiro, a qual contribuiu diretamente com
a ampliação do debate acerca das problemáticas feministas e descoloniais no campo da Arqueologia da
Diáspora Africana discutidas nesse artigo.
15 WERNECK, Jurema. Da Diáspora Globalizada: notas sobre os afrodescendentes no Brasil e o início do
século XXI. 2003, p. 8. Disponível em: http://www.
criola.org.br/artigos/Da%20Diaspora%20Globalizada.pdf. Acesso em: 27 jul. 2021.
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espaços periféricos devem ser vistos como um locus de criatividade e de novas discussões
críticas. As margens não são lugares ausentes de fala, pois lutam cotidianamente contra o silêncio
e a marginalização impostas pelo racismo16. Os bairros de periferia, e consequentemente os
saberes e experiências afro-diaspóricas de seus moradores, costumam ser invisibilizados nos
estudos arqueológicos, os quais priorizam a busca por vestígios antigos, em senzalas e
quilombos, ou pela materialidade das comunidades tradicionais (quilombolas e afro-religiosas).

É nessa perspectiva que esta etnografia arqueológica foi idealizada para observar as
materialidades afro-religiosas nos lares das mulheres negras em situacionalidade periférica,
pensando-as enquanto referências epistemológicas para embasar novas abordagens sobre as
“coisas”17 e contextos arqueológicos da diáspora africana. Compreendemos, portanto, que
devemos buscar uma postura feminista decolonial desvencilhada da objetividade epistêmica18, a
qual nos deixe conduzir pelos conhecimentos situados das mulheres negras e das questões que
subjazem suas alteridades. E é nas práticas afro-religiosas da vida cotidiana que os
conhecimentos situados dessas mulheres podem nos proporcionar uma epistemologia da
alocação, do lugar e da corporeidade de suas experiências afro-diaspóricas, de onde emerge sua
visão de mundo desde um corpo situacional e localizado que se opõe às verdades estruturantes
impostas pelo colonialismo do saber e do poder19. Conforme orienta Loredana Ribeiro20, essa
metodologia focada nos estudos da vida cotidiana proporciona um ponto de partida privilegiado
para adentrar às subjetividades e aos agenciamentos femininos, os quais geralmente são
obscurecidos pelas epistemologias homogeneizantes e normativas impostas pela objetividade e
empirismo suscitados pela arqueologia.

A etnografia arqueológica foi definida como metodologia por consistir num campo de
pesquisa transversal entre a antropologia e a arqueologia, cujo objeto central são as coisas
materiais em suas múltiplas temporalidades, as quais são construídas e interpretadas em
narrativas que envolvem os pesquisadores e o público21. A etnografia tornou-se um método de

16 KILOMBA, Grada. Plantation Memories: Episodes everyday racism. 2. ed. Münster: Unrast Verlag,
2010, p. 64.
17 O conceito de “coisas” segue a perspectiva de Tim Ingold, pensando as formas enquanto matérias
fluidas e porosas que se integram na dinâmica da vida cotidiana, diferente de um objeto estático e
acabado nele mesmo. Na perspectiva das religiões de matriz africana as “coisas” visíveis são
materializações de potências vivas ou condutores de energias. ROSA, Estefânia Jaékel da. O feitiço da
Preta Velha tem (Re)existência de Preta Nova: uma etnografia arqueológica da materialização do
sagrado Afro-diaspórico na vida cotidiana das periferias de Bagé e Pelotas, RS. 2019. 213 f. Dissertação
(Mestrado em Antropologia) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Instituto de Ciências
Humanas, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2019, p. 25.
18 RIBEIRO, 2017, p. 215.
19 HARAWAY, Donna. Saberes Localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da
perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, 1995, p. 13.
20 RIBEIRO, 2017, p. 212.
21 HAMILAKIS, Yannis. Archaeological Ethnography: a multitemporal meeting ground for archaeology and
anthropology. Annual Review of Anthropology, [s. l.], v. 40, p. 399-414, 2011, p. 401.
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pesquisa junto aos estudos arqueológicos por consistir num método eficaz de abordar questões
políticas, éticas, epistemológicas e sociais, que possibilitam o reconhecimento e a legitimidade
das reinvindicações de grupos sociais sobre o seu passado material, priorizando e valorizando os
significados e interpretações do público, possibilitando que os descendentes se apropriem de seu
passado e falem sobre o registro arqueológico.

Segundo Yannis Hamilakis22, a etnografia arqueológica é multitemporal e não presentista,


pois questiona os princípios ontológicos modernos de temporalidade linear e sucessiva. A matéria
possui uma capacidade de duração que desordena a temporalidade etnocêntrica, constituindo
memórias que incorporam e projetam o tempo como coexistência ao invés de linearidade,
tornando-se multitemporal, onde as coisas foram e ainda podem ser diferentes quando são
compreendidas por ontologias alternativas ao capitalismo. Dessa forma, a etnografia arqueológica
é fundamentada no presente, mas é cercada por diferentes histórias e está sintonizada com os
efeitos políticos dos diferentes tempos coexistentes23. Por isso, o pesquisador precisa estar em
sintonia com a materialidade e a temporalidade da vida social dos grupos envolvidos, a qual
requer um envolvimento numa pesquisa de campo de longo prazo, que permita a familiarização
com contexto social e linguístico. Isso contribuirá também com o desenvolvimento de múltiplas
transformações epistêmicas e interpretativas24.

É nesse sentido que compreendo que a etnografia arqueológica pode nos levar a refletir
e buscar uma mudança nas nossas práticas de pesquisa, pois ao aceitar compartilhar a
experiência vivida pelas pessoas nós iniciamos um processo de descolonização que também
passa por nossos sentidos corporais onde compreendemos que um material arqueológico pode
ser visto a partir de experiências multissensoriais. As pessoas se relacionam com as coisas
materiais no mundo, portanto, é através dos sentidos que o material produz afetos e memórias25.
Dessa forma, ao lidar com essa dimensão tátil e concreta das coisas, os arqueólogos devem abrir
seus sentidos sensoriais para outras formas de experenciar o mundo26. Para recuperar memórias
e afetos sobre coisas do passado, devemos apreender de novo os materiais, texturas, fluxos de
substância a partir de subjetividades e estímulos sensoriais múltiplos, reconstruindo o passado a

22 HAMILAKIS, 2011, p. 402.


23 HAMILAKIS, Yannis. Decolonial Archaeology as Social Justice. Antiquity, Durham, v. 92, n. 362, p. 518-
520, 2018, p. 519.
24 CASTAÑEDA, Quetzil E.; MATTHEWS, Christopher N. Introduction: ethnography and the social
construction of archaeology. Ethnographic archaeologies: reflections on stakeholders and
archaeological practices, Lanham, p. 1-23, 2008, p. 7.
25 HAMILAKIS, Yannis. Arqueología y los Sentidos: experiencia, memoria y afecto. Traducción de Nekbet
Corpas Cívicos. Madrid: JAS Arqueología, 2015, p. 15.
26 BEZERRA, Marcia. Os Sentidos Contemporâneos das Coisas do Passado: reflexões a partir da
Amazônia. Revista de Arqueologia Pública, Campinas, v. 7, n.1, p. 107-122, 2013, p. 109.
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partir de outras possibilidades, de memórias e interações afetivas que as pessoas podem ter
estabelecido com as coisas27.

Embasadas nos conceitos e noções discutidas até aqui, as inferências apresentadas


nesse estudo foram construídas a partir da observação, do diálogo e do convívio com essas
mulheres em sua vida cotidiana, as quais demonstraram que a materialização do sagrado afro-
religioso desempenha um papel que vai além de um sistema de crenças, atuando também
enquanto instrumento de resistência, seja na memória de suas ancestrais escravizadas que
subverteram as diversas formas de opressão, seja para suas descendentes de hoje, que
encontram nas práticas afro-religiosas a solução para os seus problemas cotidianos.

O processo entre conhecer a existência das coisas e as compreender enquanto


potências ativas no cotidiano foi um longo e árduo percurso de aprendizado junto aos lares dessas
mulheres negras que me acolheram durante a pesquisa. Foi a partir do convívio com essas
mulheres em sua microesfera da vida cotidiana, onde geralmente são silenciadas e oprimidas pela
colonialidade do gênero28, que comecei a refletir sobre a importância de seus agenciamentos e
subjetividades na difusão dos saberes da diáspora africana, corporificando uma resistência
multitemporal que busca romper com as imposições racistas, heterossexistas e eurocêntricas da
ideologia capitalista ocidental29. É por isso que, consciente que falo de um lugar privilegiado de
arqueóloga branca, meu compromisso aqui é tentar confrontar esses paradigmas comuns à
arqueologia. Por isso, mesmo sob as insinuações de propor um estudo “acientífico”, compreendo
que os conhecimentos situados das mulheres negras nos levam a uma nova visão sobre o mundo
material dos escravizados, que não deve ser deixado no vácuo de apagamento e contradição que
costumam habitar no chamado “terceiro espaço”30 das pesquisas arqueológicas.

A fé e os feitiços no cotidiano das mulheres negras

Os meus sentidos31 começaram a despertar para as potências vivas materializadas nos


lares das mulheres negras quando conheci Sônia Silveira Guedes, uma matriarca de
ancestralidade africana, que nasceu em Bagé em 1961 sob a proteção e a força da Orixá Iansã.
Foram seus saberes, suas histórias e experiências que afetaram meus sentidos para enxergar as
coisas para além de sua forma concreta fixada no material, me levando a “ver” os Orixás nas
plantas, a “sentir” sua energia nos lugares, a “ouvir” os conselhos das entidades incorporadas,

27 HAMILAKIS, 2015, p. 16.


28 LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p.
935-952, set./dez. 2014a, p. 935.
29 WERNECK, 2009, p. 151.
30 KILOMBA, 2010, p. 65.
31 HAMILAKIS, 2015, p. 16.
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entre outras experiências sensoriais as quais eu só pude compreender compartilhando do afeto32


de perceber as coisas materiais a partir de sua ontologia.

No nosso primeiro encontro, em fevereiro de 2018, ao me ver instigada pelas histórias


dos Orixás e percebendo a minha falta de vivência na religião, Sônia fez o primeiro teste, que
depois veio a mudar a minha percepção sobre as coisas: “Estás vendo o meu Ogum?” perguntou
ela. Fiquei um pouco perdida e comecei a olhar ao redor. Foi então que ela me mostrou o seu
Orixá Ogum atrás da porta, fazendo a segurança da Casa através de duas espadas de São Jorge
imersas numa garrafa plástica cortada, junto com duas ferraduras. Segundo Sônia as ferraduras
são de Ogum, pois são de ferro, elemento associado a esse Orixá ferreiro. As espadas e as
ferraduras assentam as energias do Orixá na entrada da Casa, filtrando as energias negativas dos
que chegam, retendo-as no copo de água que fica ao lado de Ogum, devendo essa água ser
jogada fora e renovada após um período.

Figura 1: Ogum na Casa de Sônia, em 03 fev. 2018.

Fonte: Foto da autora, 2018.

Esse diálogo com a Sônia tornou-se um “divisor de águas” na minha pesquisa, sendo
este o momento exato em que o emaranhado de coisas começou a fazer sentido e ganhar vida.

32 A noção de afeto desenvolvida por Jeanne Favret-Saada, a partir de suas experiências etnográficas com
feitiçaria no Bocage na França, define que aceitar participar e ser afetada não consiste em ter empatia,
tampouco lhe informa sobre os afetos do outro, mas mobiliza o seu estoque de imagens e abre uma
comunicação específica, verbal ou não verbal involuntária que é desprovida de intencionalidade e
representação. Dessa forma, ao conceder um estatuto epistemológico ao afeto, o etnógrafo vivencia e
observa uma variedade de experiências humanas compartilhadas com outras pessoas também afetadas,
podendo aprender sobre sistemas de representações nativas através de um outro tipo de comunicação.
SIQUEIRA, Paula. “Ser Afetado", de Jeanne Favret-Saada. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 13, n.
13, p. 155-161, 2005.
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Como eu não consegui perceber Ogum na Casa da Sônia? Essa e outras perguntas me levaram a
perceber o quanto a nossa prática cientifica é limitada e excludente, pois um único material abria
um abismo entre nossas linhas de conhecimento. Naquele momento, a minha formação
acadêmica não era capaz de compreender aquilo que Sônia havia aprendido numa vida inteira de
experiências dentro das religiões de matriz africana.

Reconhecer a potencialidade dessas explicações cosmológicas da Sônia enquanto


formas de conhecimento constituintes de sua ontologia, sem tentar negar, controlar ou subestimar
suas crenças tratando-as como “superstição”, foi o primeiro passo para tentar romper com as
dicotomias do pensamento moderno, buscando uma prática arqueológica decolonial, que
reconhece a existência de outros mundos, de formas de pensamento não modernas33,
compreendendo a diferença colonial para pensar a partir da perspectiva da subalternidade,
criando um novo terreno epistemológico34.

Dessa forma, a sabedoria de Sônia sobre o universo cosmológico de matriz africana e a


presença materializada desses códigos culturais que iam sendo traduzidos a mim, descortinou um
novo horizonte, foi aqui o instante onde os caminhos de observação saltaram à luz da minha
percepção e eu comecei a “enxergar” as coisas em movimento, as relações ao longo da malha,
me levando a refletir a situacionalidade da diáspora africana que resiste nas experiências
corporificadas na vida cotidiana na periferia, e ainda, perpetua lendas de Orixás africanos,
memórias da opressão, saberes, crenças e códigos culturais que materializam e rememoram pela
oralidade a ancestralidade afro-diaspórica através das gerações35.

Ao entrar na Casa de Sônia, passei a ver e conhecer suas crenças afro-religiosas,


através de suas histórias de vida e dos elementos visíveis e invisibilizados presentes no seu lar,
afetando meus sentidos a observar a existência das coisas e percebê-las em seu fluxo cotidiano.
Dessa forma, estar na Casa, no ambiente familiar, no fluxo daquela malha, me levou a um
envolvimento tácito e intuitivo com a cosmologia religiosa de matriz africana, guiando minha
percepção para ver a presença das coisas (humanas e não humanas) em suas linhas de fluxo,
formando a malha da vida cotidiana daquela família36, pois além de vivas, essas coisas
materializam a diáspora africana e as ajudam a resistir às múltiplas formas de opressão que
enfrentam no cotidiano.

33 A diferença entre moderno e não moderno torna-se – na perspectiva moderna – uma diferença colonial,
uma relação hierárquica na qual o não moderno está subordinado ao moderno. LUGONES, 2014a, p.
943.
34 LUGONES, María. Colonialidad y género. In: MIÑOSO, Yuderkys Espinosa; CORREAL, Diana Gómez;
MUÑOZ, Karina Ochoa (eds.). Tejiendo de otro modo: Feminismo, epistemología y apuestas
descoloniales en Abya Yala. Popayán: Universidad del Cauca, 2014b, p. 58.
35 HARTEMANN; MORAES, 2018, p. 17.
36 INGOLD, Tim. O Dédalo e o Labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 44, p. 21-36, 2015, p. 27.
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Os conhecimentos situados de Sônia e das mulheres de sua família me levaram a buscar


outros espaços sagrados nos lares localizados nas periferias de Pelotas, onde conheci uma
mulher negra que possui uma longa história na Umbanda, pois desde criança frequentava a Casa
de sua avó paterna, uma mulher negra que liderava sua Casa de religião na antiga região da
Várzea, e depois passou por diversas terreiras em seu bairro, conhecendo muito sobre a história
local da religião. Contudo, apesar da riqueza de seus relatos, ela não quis ser identificada porque
pratica a religião escondida da família e dos vizinhos, por isso irei chamá-la de Maria.

Maria relatou que seu pai sempre criticou a religião, e, apesar de sua avó ser
umbandista, o avô não gostava, logo, apenas as mulheres da família frequentavam. Por essa
razão, quando Maria foi acometida por alguns problemas de saúde seu pai entrou em sua Casa e
queimou todas as suas coisas de religião (roupas, guias, entre outras), restando apenas algumas
imagens escondidas em seu quarto. Segundo Maria, ele afirmava que sua doença teria sido
causada por aquelas “macumbas”, por isso, ainda hoje não pode nem imaginar que ela ainda
segue sua fé.

Após se recuperar dos problemas de saúde, Maria voltou a praticar a religião escondida,
por isso, como não pode mais frequentar a terreira, seguiu cuidando de suas entidades em Casa.
E assim, mesmo diante das adversidades e da repressão, Maria segue cultuando seus Orixás,
preparando energeticamente o seu espaço íntimo e incorporando suas entidades sempre que
precisa fazer seus “feitiços”, expressão que ela costuma usar para se referir às suas práticas
religiosas, com a ajuda principalmente de sua Preta velha, que nas palavras dela “era uma
velhinha cabeça branca, que cuidava de um filho de sinhorzinho, mas te digo: Oh nega
feiticeira!”37.

Apesar do contexto opressor, Maria preservou sua fé nos Orixás e entidades da


Umbanda, o que se reflete materialmente em seu espaço íntimo, desde o portão de entrada, o
qual possui uma pequena casinha que assenta um guardião cercado por plantas de proteção. No
pequeno pátio, situado entre o portão e a porta de entrada da Casa, já é possível observar a
presença de plantas como espada e Lança de Ogum, espada de Iansã, Jurema, Guiné, Comigo-
ninguém-pode e Malva. Entrando em sua Casa nos deparamos com uma imagem de Ogum sobre
a geladeira, ao lado de duas espadas imersas em copo d’água, um quadro deste Orixá guerreiro e
outro com imagens associadas a Oxum e Oxalá. Logo atrás da porta de entrada observamos um
conjunto de coisas que segundo ela consiste na segurança da Casa, o qual atua como um filtro de
energias, formado por um copo com líquido (que ela não revelou o que era) e uma espada de
Ogum, o qual é frequentemente trocado para fazer a limpeza da Casa e afastar as energias ruins.

37 Relato de Maria, junho de 2018.


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Na sala, Oxalá e Oxum se fazem presentes em quadros com as imagens católicas de Jesus e
Nossa Senhora Aparecida.

Num canto de seu quarto, num suporte bem alto atrás de uma cortina ela me permitiu ver
o pequeno Congá que mantém escondido, no qual estão presentes Xangô, Xangô Aganju, Oxum
e um Preto Velho. No local havia mel, velas entre outras coisas que ela não quis mostrar,
tampouco permitiu que eu fotografasse, por receio de ser identificada. Maria contou que toda a
semana acende velas e sempre que precisa ela trabalha em seu Congá, pois ele consiste num
ponto de energia e mediação espiritual da Casa. Maria compreende o ocultamento de sua fé
enquanto um ato de resistência similar a seus antepassados escravizados, os quais também se
submetiam a práticas religiosas clandestinas, pois eram vigiados e severamente castigados se
descobertos.

“Na época da escravidão, os negros não podiam adorar o mesmo santo dos brancos. A Oxum
é a cachoeira, que era o lugar onde também faziam as oferendas pra Nossa Senhora
Aparecida e a Nossa Senhora da Conceição. Aí os negros largavam as coisas na cachoeira
escondido, porque se pegassem um negro fazendo alguma coisa ele acabava apanhando no
tronco.”38

Os exemplos aqui apresentados, portanto, servem para demonstrar que mesmo nesses
meandros da vida cotidiana, envolvendo subjetividades e escolhas pessoais, as moradoras da
periferia são historicamente subjugadas por imposições colonialistas, que determinam até mesmo
as suas crenças religiosas, evidenciando que as religiões de matriz africana seguem inferiorizadas
por um pensamento cristão ocidental hegemônico, que determina o que é socialmente aceito no
campo religioso. Os problemas enfrentados por essas mulheres, vistos nos termos da
colonialidade do poder e do eurocentrismo39, demonstram que a supremacia do pensamento
moderno capitalista ocidental influencia diretamente nas relações intersubjetivas e culturais dessa
microesfera da religiosidade nas comunidades situadas na periferia, onde as religiões de matriz
africana são constantemente atacadas nesse processo de homogeneização imposto pelo
cristianismo.

No convívio com essas mulheres percebemos que esses atos de resistência, que
persistem nas esferas íntimas da vida cotidiana, fazem com que elementos da diáspora africana
atravessem gerações, persistindo nas memórias e vivência das pessoas que se territorializam na
periferia. A resistência das “Pretas Feiticeiras” ao longo da história, desde as Pretas escravizadas
que burlavam a vigilância na senzala, às Pretas de ganho ou libertas que realizavam seus rituais
sofrendo repressão policial no século XIX, ainda ecoam nas práticas religiosas das Pretas de hoje,

38 Relato de Maria, junho de 2018.


39 LUGONES, 2014b, p. 59.
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que com “fé e feitiços” resistem às mais diversas formas de opressão, mas não deixam de cultuar
seus ancestrais.

Foi ontem chamada a polícia a meretriz Anna Maria, moradora à rua 3 de


Fevereiro, conhecida por suas relações com a feitiçaria e por ser filiada à escola
de ridículas promessas a Santo Antônio, que parece ter sofrido alguns banhos no
poço. Depois de severamente admoestada, Anna Maria retirou-se aos lares,
prometendo abandonar esses hábitos. Aconselhamos-lhe que não brinque muito
com santo Antônio, porque este amigo pode estar um dia de mau humor [...] e
então com certeza vira-se o feitiço contra a feiticeira.40

Como podemos ver, no mesmo território em que Anna Maria foi perseguida no século XIX
por praticar “feitiçarias” com Santo Antônio, bairro várzea em Pelotas, Maria esconde seu Exu
para não ser acusada de macumbeira pelos vizinhos. Nesses meandros, a fé e os feitiços se
camuflam no cotidiano da vida na periferia, e entre pedras, plantas, chás, benzeduras e outras
coisas atravessam temporalidades e nos fazem refletir sobre a (re)existência da mulher negra
através do culto à sua ancestralidade.

Seres espirituais e o fluxo de energias nas moradias situadas na periferia

A convivência e a observação nos lares de Sônia e Maria ampliaram a minha percepção


sobre a dinâmica espiritual materializada nas moradias localizadas na periferia. A partir de seus
relatos e exemplos, meu olhar ficou condicionado a observar as Casas, desde o seu entorno,
onde passei a notar que o primeiro indicador das crenças afro-religiosas se evidenciava a partir da
presença de plantas na frente das residências41. Num olhar ligeiro e despercebido, essas plantas
podem ser vistas apenas um hábito comum de cultivar jardins. Contudo, ao verificarmos a
combinação de espécies como espada-de-Ogum, espada de Iansã, comigo-ninguém-pode,
arruda, guiné, levante, manjericão, alecrim, camomila, entre outras, sempre em número ímpar (3,
5 ou 7) e equilibradas entre quentes ou fortes42 e calmas (mornas e frias)43, logo percebe-se um
indicativo da possível presença de seguidores de religião de matriz africana, já que estas plantas

40 JORNAL DIÁRIO DE PELOTAS apud MOREIRA, Paulo R. Staudt; AL-ALAM, Caiuá Cardoso. 'Já que a
desgraça assim queria' um feiticeiro foi sacrificado: curandeirismo, etnicidade e hierarquias sociais
(Pelotas - RS, 1879). Afro-Ásia, Salvador, v. 47, p. 119-159, 2013, p. 125.
41 “A mulher africana tem um importante papel na disseminação das plantas africanas nas Américas, desde
o transporte em suas tranças até o conhecimento das técnicas e sua aplicação na medicina, culinária,
curandeirismo e práticas religiosas.” CARVALHO, Patrícia Marinho de. A travessia atlântica de árvores
sagradas: Estudos de paisagem e arqueologia em área de remanescente de quilombo em Vila Bela/MT.
2012. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Programa de Pós-Graduação em Arqueologia, Museu
de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 81.
42 Plantas que possuem uma atuação energética agressiva, afugentando espíritos, filtrando energias
negativas e fazendo a limpeza energética.
43 As ervas calmas podem ser classificadas como mornas ou frias. As ervas mornas são as equilibradoras
de energia, pois não agridem e atenuam efeitos negativos de ervas quentes, ajudando a reconstruir a
energia e equilibrar a mente e o campo espiritual. As "ervas frias" não só equilibram como as ervas
mornas, como também são usadas para energizar um campo magnético específico, por exemplo, a
alfazema fortalece a intuição enquanto a melissa atua como calmante.
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geralmente estão presentes na parte externa para proteger a Casa das energias ruins da rua, para
assentar os Orixás e entidades que a família cultua, ou mesmo para atender as demandas
ritualísticas da família como o preparo de banhos de descarrego, energização e limpeza da Casa,
chás, benzeduras, sacralização de imagens entre outros usos cotidianos. As plantas, portanto,
atuam como “demarcadores culturais” na paisagem, auxiliando na identificação das Casas que
são protegidas por essas entidades espirituais das cosmologias afro-religiosas.

Ao adentrar o espaço íntimo logo nos deparamos com outro elemento que materializa as
crenças afro-religiosas, que é a “segurança” da Casa, que funciona como um filtro condensador
de energias, situado atrás da porta de entrada, geralmente invisibilizada ao olhar de quem chega
da rua. A segurança mais recorrente consiste numa espada-de-Ogum imersa num copo d’água,
mas em algumas Casas também encontramos outras entidades fazendo a proteção da porta
como as entidades espirituais Exus e Pretos Velhos. Em alguns casos, o copo não contém apenas
água, mas elementos como carvão, sal grosso e outros “segredos”, que consistem em elementos
combinados conforme a necessidade do ambiente e a solicitação da entidade que protege a
morada. As plantas e coisas presentes geralmente são preparadas pelas entidades (Exu, Caboclo
ou Preto Velho) do próprio médium ou guias que os moradores costumam se consultar nas
terreiras, no caso dos adeptos da Umbanda.

Num lugar reservado e especial da Casa, geralmente no canto da parede na sala de


estar em sentido oposto à porta44, as mulheres afro-religiosas costumam organizar um pequeno
Congá para assentar os seus Orixás e entidades, onde podem invocar os espíritos para a
incorporação, fazer as suas rezas e manter a sua comunicação com o mundo espiritual. A
disposição material dos seres espirituais no Congá do espaço íntimo se diferencia da terreira, pois
a hierarquia é disposta em plano horizontal. Os Orixás e entidades, bem como os materiais que
lhe assentam, irão variar de acordo com as crenças e as condições de cada família.

As médiuns que possuem consciência da sua filiação e das entidades que lhes
acompanham, possuem ainda a responsabilidade de “cuidar” dos seus guias espirituais, pois isso
se torna necessário para o seu equilíbrio energético e espiritual, portanto, precisam de um ponto
de apoio e comunicação com os seres espirituais, recriando seu próprio Congá onde podem
trabalhar a sua mediunidade e se conectar com o mundo espiritual. Em vista disso, esses espaços
sagrados costumam ser individualizados conforme a linha espiritual (Nação ou Umbanda) e o grau
de desenvolvimento mediúnico dos familiares. Logo, esses Congás podem ter desde as 7 linhas
da Umbanda ou apenas os Orixás de cabeça e as entidades cultuadas pela pessoa, podendo
estar em imagens compradas em Casas de artigos religiosos ou em elementos naturais da
vibração energética do Orixá, contendo ainda guias, velas, plantas, presentes como doces e
44 Em um dos casos observados, o Congá fica no quarto, atrás de uma cortina, pois precisa ser ocultado
para que a pessoa não seja associada às práticas religiosas da umbanda.
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perfumes, entre outras coisas que estão ali com a função de alimentar e dar suporte para a
atuação dos seres espirituais materializados nesses espaços sagrados.

Nos Congás de seus espaços íntimos, muitas mulheres cultuam sua fé, principalmente
aquelas que não sendo frequentadoras assíduas das terreiras, ou mesmo aquelas que são
impedidas de praticar seus rituais por contrariedade de seus pais e maridos45. Isso mostra a
importância dessas subjetividades em seu cotidiano, pois, ao cuidar de sua vida espiritual,
poderão equilibrar todas as questões que perpassam outros aspectos de suas vidas (amor, saúde,
dinheiro etc.). Dessa forma, os Congás atuam diariamente na vida dessas mulheres, pois na
presença das entidades elas podem senti-las vivas no atendimento de suas demandas.

“Aqui na mesa, tem esses aí que eu te mostrei, mas tem outros mais. A gente não vê, mas eles
estão. Tem 21 linhas, tudo na umbanda branca. Então, às vezes, quando quero me concentrar
para alguma coisa, para fazer uma oração pra alguma coisa, fico concentrada aqui, faço
minhas orações geralmente no copo d’água aí vem aquilo pra mim e eu enxergo. Às vezes,
vem assim, às vezes, em sonho. Às vezes, tô meio dormindo e acordada e vem tudo na minha
frente, às vezes, eu nem quero enxergar mais vêm. Aí tens que deduzir o que tu tá
enxergando, porque, às vezes, pode ser pra mim, às vezes, pode não ser, com ele (César)
mais ou menos eu vejo, mas se é outra pessoa não, aí fico pensando o que será? Agora
aconteceram umas coisas muito graves pra mim, aí me falaram, mas a gente avisou a senhora
que ia acontecer! Ah, mas eu não sabia que era pra mim!”46

Os Orixás e entidades se materializam nos Congás de diferentes formas, em pedras,


conchas, plantas, quadros, imagens e elementos que possuem igual significado e importância,
pois o fundamento está na vida invisível do material. Conforme o primeiro ensinamento que
aprendi com Sônia, os Orixás são forças superiores regidas pela natureza, portanto, sua presença
se encontra nos próprios elementos naturais do domínio em que atuam: “As conchas são Iemanjá,
por isso, não preciso ter uma imagem, a concha vem do mar que é ela, então pode ter tanta força
quanto a sua figura de gesso.”47

Sônia me ensinou também que para as coisas do Congá ganharem vida, não basta
apenas pegar um objeto ou comprar uma imagem numa Casa de artigos religiosos, elas precisam
passar por um processo de sacralização, onde através de axés e energias presentes em
elementos que concebem as entidades (mel, ervas, perfume etc.), as coisas ganham existência

45 Um reflexo da colonialidade que, por vezes, é observada no cotidiano das moradias situadas nas
periferias, onde as mulheres são coibidas a frequentar os espaços públicos de culto ou, mesmo em
casos em que as tarefas como o trabalho, o lar e os filhos dificultam o cumprimento das obrigações
religiosas. Esses efeitos deixam essas mulheres expostas à violência e à coerção patriarcal. Segundo
Rita Segato, a privatização do espaço doméstico imposta pela colonialidade contribuiu com sua
marginalização política, restringindo os vínculos de solidariedade e colaboração das mulheres em
relação ao cenário público. SEGATO, Rita Laura. Colonialidad y patriarcado moderno: expansión del
frente estatal, modernización, y la vida de las mujeres. In: MIÑOSO, Yuderkys Espinosa; CORREAL,
Diana Gómez; MUÑOZ, Karina Ochoa (eds.). Tejiendo de otro modo: Feminismo, epistemología y
apuestas descoloniales en Abya Yala. Popayán: Universidad del Cauca, 2014.
46 Conversa com Sônia Guedes, em 2 jul. 2018.
47 Conversa com Sônia Guedes, em 3 fev. 2018.
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tornando-se as próprias entidades que passam a existir naquela “coisa”, concentrando energias
para assim servir como instrumento mediador de comunicação entre o mundo físico e espiritual.

As “coisas”, portanto, só ganham vida após passar por uma preparação para receber um
ser espiritual, assim como o médium precisa passar por um processo de iniciação e aprendizado
para conseguir se comunicar de forma efetiva com as entidades e Orixás. Segundo Sônia, existem
diversas formas de sacralizar os materiais para receber esses seres espirituais. As imagens
podem ser preparadas com água benta48, quando são da linha branca, ou com banho de 7 ervas
(podem ser variadas desde que equilibradas entre ervas fortes e fracas). Podemos ainda utilizar
elementos específicos de cada Orixá, por exemplo, a água salgada do mar para lavar as conchas
de Iemanjá, e água doce ou água com mel para sacralizar a imagem de Oxum. Como a mesa de
Sônia é de linha branca, ela afirmou que nenhuma peça é cruzada com cachaça ou sangue de
animal.

A materialização do sagrado no Congá de Sônia suscita a reflexão sobre a


ancestralidade dos saberes na diáspora africana e o papel da oralidade na difusão desses
conhecimentos através das gerações. Sônia aprendeu com sua mãe que a força dos Orixás pode
ser assentada em elementos da natureza, dona Ivone aprendeu com suas ancestrais por meio da
oralidade. A evocação dessas práticas numa temporalidade recuada nos leva a refletir sobre as
práticas afro-religiosas das mulheres negras escravizadas, as quais sofriam não apenas com
limitações materiais, mas também precisavam camuflar suas crenças para não sofrer punições e
violência física, uma vez que as religiões de matriz africana eram proibidas pelo regime escravista.

Os saberes afro-diaspóricos dessas mulheres negras nos levam ainda a pensar sobre a
espacialidade e as materialidades que costumamos escavar nos contextos arqueológicos. As
Casas que conheci, situadas na periferia, são locais de morada e de abrigo da família e dos seres
espirituais, por isso, devem ser preparadas e protegidas para manter o equilíbrio de todos.
Espacialmente, esse equilíbrio energético e protetivo é organizado a partir de pontos estratégicos
para atuação do plano espiritual, projetando a proteção principalmente para as entradas, que são
locais de passagem, de movimento, por onde podem entrar os espíritos maldosos e as energias
negativas. Dessa forma, a Casa é um conjunto de elementos vivos e dinâmicos, que permeiam as
subjetividades do cotidiano, por isso, devemos compreender que esses espaços íntimos familiares
são formados por coisas, pessoas e seres espirituais ontologicamente indissociáveis.

48 A “água benta” mencionada por Sônia consiste numa água preparada em seu Congá. Na falta de acesso
às ervas, Sônia buscou uma alternativa, acendeu velas em seu Congá e deixou um copo de água num
copo transparente. Nesse processo, os Orixás energizaram a água, podendo essa ser usada no preparo
da imagem, ou mesmo ingerida pelos membros da família, que passam por problemas. Além disso, não
são os elementos que compõem, mas é justamente a ação do banhar a peça para fazer a passagem
ritual que deve ser observada, pois mantém a crença de que banhando a peça “crua”, sem vida, ela
passa por uma personificação, assentando a entidade que passará a ser cultuada no espaço sagrado do
Congá.
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Essa forma de entender os lares a partir das cosmologias de matriz africana são
recriadas no presente através de ensinamentos que foram passados pela oralidade, pelos mitos
dos Orixás e crenças afro-religiosas. Esses conhecimentos situados, portanto, podem nos levar a
outras leituras e interpretações sobre as coisas e contextos que estudamos na Arqueologia da
Diáspora Africana.

Os saberes das “Pretas Feiticeiras” na arqueologia da diáspora africana

A arqueologia da diáspora africana é uma disciplina que aborda dinâmica social e cultural
das populações afrodescendentes através da cultura material identificada nos sítios históricos49.
Sua problemática está profundamente enraizada na história e é um fenômeno verdadeiramente
global e multicultural, pois conforma identidades culturais híbridas e moventes, que recriam
processos de “africanização das Américas”, demonstrando uma resistência cultural50. Os estudos
arqueológicos da diáspora africana abordam os mais variados contextos e temas, elencados a
partir de uma análise crítica das noções de raça e racismo; das relações dicotômicas de poder;
dinâmicas e limitações impostas às práticas cotidianas; mecanismos de interação social e de
reprodução cultural; padrões de vida material; construção e reconstrução de identidades51; entre
outros elementos que se territorializaram pelo Atlântico Negro52 e materializaram identidades afro-
diaspóricas ao redor do mundo.

Seguindo então os preceitos de uma arqueologia voltada ao estudo feminista e decolonial


da diáspora africana, procurei observar as “coisas” nos lares das mulheres negras na tentativa de
conhecer suas existências e potências energéticas, conectando os espaços e as pessoas nessas
relações entre o mundo físico e espiritual. Essas coisas também traduzem a ancestralidade na
Diáspora Africana, pois são dotadas de saberes e códigos culturais que perpassaram o Atlântico
Negro e se mantiveram vivas não só nas crenças e nas práticas rituais, mas também nos Orixás e
nas entidades que rememoram a África cotidianamente, seja na influência material e nas
personalidades dos “filhos de santo”, ou mesmo nas histórias que os Pretos Velhos contam sobre
sua terra natal.

Acompanhando os devires dessas pessoas na vida cotidiana, percebemos que as


“coisas” podem conter existências, mas também podem ser portadoras de fluxos de energias, o
que se reflete na configuração das Casas, que ao tornar-se espaço de morada desses seres

49 SYMANSKI, Luis Claudio. Arqueologia Histórica no Brasil: uma revisão dos últimos vinte anos. In:
MORALES, Walter; MOI, Flávia Prado (Orgs.). Centenários regionais em Arqueologia Brasileira. São
Paulo: Annablume, 2009, p. 290.
50 FERREIRA, Lúcio Menezes. Sobre o conceito de arqueologia da diáspora africana. MÉTIS: história &
cultura, Caxias do Sul, v. 8, n. 16, p. 267-275, jul./dez. de 2009, p. 269.
51 CARVALHO, 2012, p. 80.
52 GILROY, Paul. O Atlântico Negro: Modernodade e Dupla Consciência. São Paulo: Editora 34, 2001, p.
34.
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espirituais recebem proteção contra as energias negativas externas, materializando outras formas
que irão atuar como filtros, proteções e seguranças, criando uma esfera “invisível” ao nosso olhar
leigo, mas que é real e presente para essa ontologia.

Essas coisas, portanto, quando analisadas pelo âmbito da arqueologia devem ser
compreendidas como indissociáveis da vida humana, pois “estamos misturados com as coisas do
mundo de tal maneira que somos ontologicamente inseparáveis53. Logo, “Nuestras experiencias
sensoriales, físicas y corporales diarias son la base de todo lo que conocemos. Así, estamos
arraigados a lo material, y lo material incluye nuestros cuerpos.”54

As coisas que dão existência aos Orixás e entidades estão vivas para as mulheres que
as cuidam, portanto, não são meros objetos inanimados e tampouco podem ser dissociadas das
entidades e pessoas que as cercam, são agentes equivalentes que se constituem mutuamente
num processo indissolúvel55. Compreendemos, dessa forma, que o conhecimento situado dessas
mulheres deve ser considerado uma teoria, não apenas uma interpretação, uma abstração, nos
levando a analisar a existência das coisas para além de sua esfera material56, tomando-a
enquanto forças e não apenas representação dessas. É nessa perspectiva que as coisas
sagradas foram apresentadas aqui a partir das narrativas das pessoas que cuidam delas, pois
foram seus saberes e ensinamentos que me levaram a esse processo de começar a enxergar
suas energias e existências, tornando possível que eu as descrevesse a partir de sua ontologia,
não como representações.

Considerando, portanto, que Iemanjá é uma concha, que as pedras são Xangô, os ferros
são Ogum, a espada de Santa Bárbara é Iansã e que todos esses Orixás também se fazem
presentes em imagens católicas, plantas, quadros e outras coisas que estão presentes nos lares
das mulheres negras, devemos compreender esses espaços como moradas desse sagrado, onde
não há uma separação entre “sagrado e profano”, mas sim coexistências e extensões que formam
os devires dessas comunidades. Contextualmente, devemos observar que o mundo espiritual se
materializa em coisas sacralizadas e em pontos energéticos da Casa, tornando visível a existência
desses seres que coabitam os espaços de moradia situados na periferia.

Compreendendo, portanto, que esses grupos afro-diaspóricos mantêm essas crenças e


as materializam na contemporaneidade, podemos refletir que essa recriação do sagrado nos

53 WEBMOOR, Timothty; WITMORE, Christopher L. Coisas são nós! Um comentário sobre as relações
humano/coisas sob a Bandeira da arqueologia “social”. Tradução de Bruno Leonardo Ricardo Ribeiro.
Vestígios, Minas Gerais, v. 10, n. 2, p. 157-178, jul./dez. 2016, p. 165.
54 VAN DIKE, Ruth M. Intencionalidad Importa: uma crítica a la agencia de los objetos em arqueologia. In:
ACUTO, Félix A.; SALVI, Valeria Franco (Eds.). Personas, cosas, relaciones: reflexiones arqueológicas
sobre las materialidades pasadas y presentes. Quito: Ediciones Abya-Yala, 2015, p. 5.
55 WEBMOOR; WITMORE, 2016, p. 166.
56 NOVAES, Luciana de Castro Nunes. Breve Imaginação Antropológica Sobre Animação da Escrita e
Animismo na Ciência Arqueológica. Ambivalências, Aracaju, v. 5, n. 10, p. 22-48, 2017, p. 32.
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espaços de moradia também podia estar presente nas senzalas, fazendo com que as mulheres e
homens negros que partilhavam dessas cosmologias povoassem seu espaço de habitação com
os Orixás e entidades que cultuavam, protegendo esses lugares das energias ruins com filtros e
outras coisas que eram materializadas em “pontos estratégicos”, as quais, diferente do que
observamos hoje nas Casas das mulheres, deviam ser enterradas, justamente como uma
estratégia de ocultamento diante da repressão e da vigilância senhorial.

Dessa forma, ao descolonizarmos a nossa noção de temporalidade das coisas no estudo


arqueológico da Diáspora Africana, deixando de lado a visão etnocêntrica de linearidade
temporal57 e essa divisão dicotômica entre passado e presente, nos desprendemos dessa
necessidade de falar sobre “coisas antigas” e passamos a compreender que, quando
desenterramos as coisas, o passado é reapropriado no presente, da mesma forma que as coisas
do presente também são dotadas de saberes e histórias que rememoram o passado.

Assim, quando tomamos os contextos arqueológicos da Diáspora Africana na perspectiva


de uma arqueologia multitemporal podemos pensar que as coisas das mulheres negras no
presente possuem histórias que devem ser ouvidas e respeitadas em sua alteridade, da mesma
forma que as coisas de uma senzala devem não só serem vistas pelo prisma dessas cosmologias
afro-centradas, como também, atender às reivindicações dessas pessoas na contemporaneidade,
contribuindo com o papel da arqueologia em trazer coisas que possam agir e intervir no presente.
Conforme afirmou o escritor e ativista afro-americano James Baldwin, “História não é o passado. É
o presente. Carregamos nossa história conosco. Nós somos a nossa história”58.

Em vista disso, essa etnografia arqueológica buscou elementos da Diáspora Africana que
se materializam nos lares do presente, mas compreende que essas coisas são dotadas de
múltiplas temporalidades. Ou seja, não importa se estamos falando de um material de ferro antigo
assentado numa senzala, ou de uma espada de Ogum atrás da porta, mas sim sobre a presença
do Orixá Ogum que atravessou o Oceano e permanece vivo junto ao seu povo, e que por ser uma
divindade guerreira, atua ativamente na resistência diária ao colonialismo que ainda se impõe
sobre os coletivos negros da atualidade. Portanto, essa etnografia das coisas no presente serve
também para repensarmos nossas práticas de campo nos contextos arqueológicos pretéritos.

Seguindo os ensinamentos que aprendi com as mulheres negras, a Casa familiar é


também um ambiente sagrado, assim como o espaço ritual da terreira, portanto, não devemos
olhar esses lugares com distinção, pois tanto a Casa, quanto a terreira, assim como foi a senzala
são espaços de moradia não só dos seres humanos, como também dos seres espirituais. Dessa
forma, mesmo que os Orixás e as entidades não estejam materializados e visíveis aos nossos

57 HAMILAKIS, 2018, p. 520.


58 BALDWIN apud HAMILAKIS, 2018, p. 519.
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olhos, não significa que eles não estejam naquele lugar. Por isso que os contextos de senzala,
mesmo que abandonados, enterrados e esquecidos não deixam de ser habitados, seja pelos
Orixás e entidades que ali eram cultuados, sejam pelos espíritos dos próprios moradores que
desencarnaram e continuam presos ali, “por ainda não terem encontrado a luz”59.

De acordo com alguns estudos arqueológicos realizados em contextos de senzalas,


frequentemente são desenterradas coisas rituais nos cantos das Casas e sob as portas, os quais
devem ser considerados “pontos estratégicos” para os estudos de campo, pois geralmente nesses
locais são encontradas coisas que quando analisadas conjuntamente e contextualmente podem
ser compreendidas como “depósitos ritualísticos”, conforme podemos observar no croqui abaixo,
que mostra a disposição espacial de um par de garrafas completas identificadas no canto
noroeste da senzala do sítio Engenho Água Fria, Chapada dos Guimarães, interpretadas pelo
arqueólogo Luís Claudio Symanski como conjunto ritualístico que reproduz um sistema de crenças
de origem africana60.

Figura 1: Imagem do contexto de deposição das garrafas identificadas pelo arqueólogo Luís Claudio
Symanski na Senzala do Engenho Água Fria.

Fonte: SYMANSKI, 2007, p. 25

Ao analisarmos esse mesmo croqui sob o prisma dos conhecimentos situados das
mulheres afro-religiosas percebemos que esses saberes persistem, pois a localização dessas
garrafas no canto da senzala sugere a existência de seres espirituais ou de potências energéticas
no local. Nas moradias situadas na periferia, ainda hoje, percebemos uma organização
cosmológica espacial similar, como podemos observar no croqui ilustrativo da distribuição espacial
dos seres espirituais e elementos energéticos na Casa de Sônia e sua mãe, dona Ivone. O
desenho não apresenta proporções reais, pois o objetivo aqui é apenas espacializar os pontos

59 Lição que aprendi em doutrina com os Pretos Velhos Pai Cipriano e Vô Zuza, ambos me alertaram dos
perigos que corremos ao escavar em senzalas, pois dizem que muitos pretos ainda podem estar ali.
60 SYMANSKI, Luis Claudio. O Domínio da Tática: práticas religiosas de origem africana nos engenhos de
Chapada dos Guimarães (MT). Vestígios, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 9-36, 2007, p. 25.
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energéticos da Casa, observando como esses locais são compreendidos dentro dessa
cosmologia, correspondendo a domínios espirituais específicos.

Figura 2: Croqui ilustrativo da distribuição espacial dos elementos espirituais e energéticos na sala de estar
das Casas de Sônia e sua mãe dona Ivone em Bagé.

Fonte: ROSA, 2019.

Em ambos os croquis podemos observar novamente que os pontos privilegiados são os


cantos da Casa. Quando analisamos esses pontos estratégicos na perspectiva do conhecimento
situado das mulheres negras, compreendemos que os cantos são justamente os lugares de
morada dos seres espirituais, como fala alguns pontos cantados de Preto Velho, que indicam que
numa Casa “cada canto tem um santo”.

Na porta da Casa de Sônia estão presentes os Orixás Ogum e Bará, já na Casa de dona
Ivone, Ogum está acompanhado do preto velho Pai Cipriano. A presença deles nesses locais
indica não apenas o seu lugar de morada, mas também o seu lugar de trabalho, pois estão ali
justamente na função de proteger a Casa, combatendo as energias ruins que possam entrar e
prejudicar seus habitantes. O Congá fica localizado geralmente no canto noroeste61, o que indica
que esse pode ser um ponto de maior irradiação para morada dos Orixás e entidades, ou ainda,
porque fica mais distante da porta, que deverá ser protegida pelos guardiões (Exus), que são o
povo da rua, assim como os Orixás Ogum e Bará.

61 Nenhuma das pessoas que conversei tinha uma explicação exata sobre a presença constante dos
Congás no canto noroeste. Isso provavelmente está mais relacionado em situar-se num local em
oposição à porta de entrada.
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No cantinho de Pai Cipriano o caminho é da paz (bis) / Arrasto o toco, pega o toco
e bota lá / Saravá Pai Cipriano que chegou nesse congá (bis) Ele vai firmar, meu
pai, ele vai firmar / Os quatro cantos desta Casa / Com Ogum para guardar (bis)
(Ponto de Pai Cipriano)62

Por fim, acredito que a materialização das práticas afro-religiosas das mulheres negras
que vivem hoje nas periferias nos leva a refletir sobre a invisibilização e o ocultamento das coisas
do sagrado afro-diaspórico no período escravista.

Ao observar os Congás dos espaços íntimos das Casas identificamos Orixás e entidades
materializados de diferentes formas, os quais não são meros “objetos”, mas sim intensidades que
agenciam as relações entre o mundo físico e espiritual63. No entanto, para perceber essas “coisas”
enquanto entes relacionais que conectam regimes de existências é preciso compartilhar dessa
ontologia e inteirar-se dessas subjetividades a partir do reconhecimento desses conhecimentos
situados enquanto “modos de ver e estar no mundo”, processo que buscamos ao longo dessa
pesquisa a partir do convívio com mulheres afro-religiosas.

Se hoje mulheres afro-religiosas em situacionalidade periférica sofrem com a limitação


financeira para comprar imagens para seu congá, com a repressão de seus pais e maridos e
preconceito dos vizinhos, e ainda assim, seguem “camuflando” suas crenças entre pedras,
conchas, plantas e santos católicos, escondendo os Exus e filtros para não “chamar a atenção” de
quem não é de religião, as negras escravizadas precisavam de estratégias ainda mais
disfarçadas, pois podiam ser severamente castigadas, presas e até torturadas se fossem pegas
praticando atos de “feitiçaria” durante os séculos de regime escravista.

Acreditamos, portanto, que os saberes religiosos dessas mulheres sobre Orixás e lendas
africanas, sobre as formas de materializar esses seres em elementos naturais de domínio
especifico de cada Orixá, dos pontos energéticos estratégicos para fazer assentamentos e filtrar
as energias entre a rua e a Casa, entre outras “feitiçarias”, consistem em conhecimentos afro-
diaspóricos que foram passados pela oralidade não apenas nos lugares sagrados das Casas de
religião, mas também nos lares onde esse sistema de crenças e subjetividades são agenciadas e
vivenciadas em comunhão com a ancestralidade.

Considerações finais

Este artigo procurou suscitar algumas reflexões sobre como os saberes localizados e
corporificados das mulheres negras podem contribuir para os estudos da arqueologia da diáspora
africana. Essa pesquisa, realizada a partir de uma etnografia arqueológica, consistiu, antes de

62 REI DOS PONTOS. Blog direcionado a cultura da umbanda. Pontos de Preto Velho. Disponível em:
https://reidospontos.blogspot.com/p/pontos-de-preto-velho.html. Acesso em: 28 jul. 2021.
63 RAMOS, João Daniel Dorneles. A (Cosmo)lógica das Relações Humano-animais nas Religiões Afro-
brasileiras. Iluminuras, Porto Alegre, v. 17, n. 42, p. 166-189, 2016, p. 182.
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tudo, num processo constante de aprendizado a partir do convívio com as mulheres negras em
seu universo afro-religioso, o qual só foi possível porque elas aceitaram abrir suas Casas, contar
suas histórias e compartilhar seus saberes e memórias. Mesmo assim, e partindo de uma
tentativa de desconstrução de nossas práticas científicas colonialistas, o “estar nessas Casas” e
“ver o material” não foram suficientes para compreender os significados cosmológicos das coisas
que habitam os lares. Essas leituras, portanto, só me foram possíveis porque essas mulheres se
dispuseram a “traduzir” seus códigos e compartilhar seus conhecimentos e experiências, me
ensinando a “enxergar” e “sentir” aquilo que lhes é evidente, real e cotidiano, me mostrando a
importância de descolonizar nossos sentidos para alcançarmos uma prática arqueológica mais
inclusiva e politicamente engajada.

Dessa forma, ao adotar uma postura feminista decolonial na análise arqueológica afro-
diaspórica dos contextos escravistas, compreendo que não basta apenas identificar os contextos
de habitação dos escravizados e a cultura material a ela associada, mas antes disso, devemos
compreender a vida existente nas coisas que coabitavam as unidades residenciais do passado e
que ainda podem estar ali presentes, análise esta que deve ser embasada pelos conhecimentos
situados das religiões de matriz africana. Isso reforça que “observando coisas do presente” ou
“desenterrando coisas do passado” nós arqueólogas não devemos dissociar ou sobrepor nossas
premissas acadêmicas aos conhecimentos ancestrais da diáspora africana que repousam nos
corpos negros da atualidade.

Por fim, compreendo que os conhecimentos afro-religiosos dessas mulheres nos levam
também a refletir sobre as formas de ocultamento dessas crenças no período da escravidão, bem
como sobre as diferentes formas que essa fé se materializava e se espacializava nas senzalas.
Pois se ainda hoje as mulheres cuidam de seus Congás nos cantos das Casas, as negras
escravizadas deviam enterrar seus Orixás nos cantos da senzala, ou mesmo poderiam estar
presentes em elementos invisíveis ao olhar desapercebido dos senhores (assim como eu, que não
vi Ogum na Casa de Sônia), como plantas, pedras, conchas e outras coisas que ainda hoje
assentam esses seres espirituais e que só se torna visível e potente aos olhos de quem
compartilha dessas crenças e saberes afro-diaspóricos.

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[Recebido em: abril de 2021 /


Aceito em: julho de 2021]

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