A+ANCESTRALIDADE+QUE+NOS+ALIMENTA
A+ANCESTRALIDADE+QUE+NOS+ALIMENTA
A+ANCESTRALIDADE+QUE+NOS+ALIMENTA
Jurema J. de Oliveira1
RESUMO:
As narratologias de matriz africana decorrem de um tempo cosmogônico inserido no
cenário diaspórico, articulando discurso, prática e resistência na forma como se
elaboram os rituais diários de convivência, de organização familiar e comunitária,
apesar das vicissitudes diárias decorrentes do racismo estrutural.
Palavras-chave: Ancestralidade; Afro-brasilidade; Ficção
América!
És o espaço que faltava para estender-me, florir
Para expandir-me num novo solo e nova pátria
És a dádiva que Deus me deu na mais perfeita dor
América!
És a minha nova África!
Construí-te com a força dos meus braços!(CHIZIANE, 2017, p. 31).
1
Drª. em Letras pela Universidade Federal Fluminense – Uff, Profª. Associada da Universidade Federal
do Espírito Santo-Ufes e pesquisadora da Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Espirito Santo –
Fapes, juremajoliveira@hotmail.com.
1
Inicialmente, a perspectiva dos valores ancestrais se fez presente na religiosidade. De
acordo com Oliveira
A ancestralidade assume hoje em dia o status de principio
fundamental diante do qual se organizam tanto os rituais do
candomblé, como as relações sociais de seus membros – ao
menos nas obras de importantes intelectuais ligados
organicamente às comunidades de terreiro. Supostamente
fincada na tradição da África tradicional, a ancestralidade
espalha-se, como categoria analítica, para interpretar as várias
esferas da vida do negro brasileiro – mormente na religião.
Legitimada pela “força” da tradição, a ancestralidade é um signo
que perpassa as manifestações culturais dos negros no Brasil,
esparramando sua “dinâmica” para qualquer grupo racial que
queira assumir a identidade de “africano” (2007, p. 23).
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A luta pela liberdade sempre esteve nas ações dos escravizados. A
impossibilidade de encontrar formas amenas de obtenção de direitos levou os
escravizados a usarem artifícios não muito ortodoxos, como o venenamento. O veneno
devia ser dado em várias doses pequenas, pois não funcionava instantaneamente. No
entanto, os senhores com medo desse tipo de golpe obrigavam os escravos a provarem a
comida antes. Esse fato dificultou o processo de libertação de Zacimba Gaba e seu
povo, já que para obter sucesso ela teria que desenvolver a ação com muito cuidado para
não colocar em perigo a vida de seus irmãos.
Com a morte de José Trancoso, Zacimba estava preparada para liderar seu povo.
Ela ordena a invasão da Casa Grande e todos os torturadores foram mortos. Apenas a
família de José Trancoso foi poupada. A partir dessa fase Zacimba Gaba guia seu povo
e funda o quilombo no Norte do Espírito Santo, hoje município de Itaúna. Zacimba
Gaba lidera diversas invasões aos navios que ancoravam o Porto de São Mateus. Havia
sempre um cuidado em destruir os navios para evitar que continuassem a traficar
africanos para o Brasil. Persistente em sua luta pela liberdade, a princesa guerreira
morreu invadindo um navio português, lutando pela libertação do povo de Cabinda.
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sua história, a familiar e dos herdeiros de negros deslocados de seu habitat com o
advento colonial. Em Diário de Bitita (2007), ela materializa episódios que reforçam o
peso do racismo estrutural que sustenta a base social brasileira:
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compreendida como analfabetismo, falta de escolaridade. No entanto, é por meio da
liberdade poética que o artista expressa seus anseios e se desvencilha da normatividade
gramatical e/ou métrica, utilizando na criação poética recursos como os versos
irregulares, erros ortográficos e/ou gramaticais e rimas falsas para atingir o objetivo
desejado.
O cenário contemporâneo apresenta diversas linhas de leituras das experiências
artística e literária de matriz africana. Destaca-se aqui Ponciá vicêncio (2003), de
Conceição Evaristo, narrativa que coloca em cena histórias familiares e coletivas da
afrodiáspora. A enunciação define lugares e objetos de fixação dos ancestres, vide a
passagem abaixo:
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costas e tinha a mãozinha fechada como se fosse cotó. Fazia quase um
ano que Vô Vicêncio tinha morrido. Todos deram de perguntar por
que ela andava assim. Quando o avô morreu, a menina era tão
pequena! Como agora imitava o avô? Todos se assustavam. A mãe e a
madrinha benziam-se quando olhavam para Ponciá Vicêncio. Só o pai
aceitava. Só ele não se espantou ao ver o braço quase cotó da
menina. Só ele tomou como natural a parecença dela com o pai dele
(EVARISTO, 2003, p. 13, grifos nosso).
CONCLUSÃO
Conclui-se que resgatar a figura histórica de Zacimba Gaba, uma personalidade
que contribuiu com o movimento libertário de negros escravizados, significa dar
visibilidade a uma personagem silenciada pela história oficial. Seguindo esta linha de
reflexão, pode-se dizer que Carolina Maria de Jesus na sua dinâmica discursiva elevou
gradualmente em sua obra a imagem do personagem negro. A resistência narratológica
de Jesus obteve visibilidade dentro e fora do Brasil, apesar da crítica acadêmica só
reconhecer o valor de sua obra no século XXI. Dentro desta perspectiva enunciativa,
destaca-se também Conceição Evaristo que obteve visibilidade artística com sua
produção literária. Os autores aqui citados contribuem significativamente para a
formação do arcabouço sociocultural advindo da ancestralidade que nos alimenta.
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BIBLIOGRAFIA:
Almeida, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/zacimba-gaba-princesa-
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08/07/2021.
https://cearacriolo.com.br/zacimba-gaba-a-princesa-angolana-escravizada-que-lutou-
pela-liberdade-de-seu-povo/. Visitado em 08/07/2021.
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JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10 ed. São Paulo: Ática,
2014.
- - -. Diário de Bitita. 2 ed. Sacramento: Bertolucci, 2007.
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atuação política”. In: OLIVEIRA, Jurema (Org.). Africanidades e Brasilidades:
literaturas e linguística. Curitiba: Appris, 2018.
https://observatorio3setor.org.br/noticias/a-princesa-de-angola-escravizada-no-brasil-
que-lutou-por-seu-povo/ Visitado em 08/07/2021.
OLIVEIRA, Eduardo David de. A ancestralidade na encruzilhada. Curitiba: Gráfica
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VIVALDO, Belmiro; MELO, Ezilda; ALVES, Miriam Couinho de Faria (Orgs.) Artes
latino-americana, gênero e direito. Salvador: Studio Sala de Aula, 2021.
SOUZA, Elizandra. Águas da cabaça. in: Águas da cabaça. São Paulo: Edição do
Autor, 2012.