T´tulo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 3

Será que Deus existe?

Ou será irracional acreditar em Deus, já que a existência do mesmo é incompatível com o mundo em
que vivemos?

Com este ensaio filosófico comprometo-me a responder a estas questões, sendo que
apresentarei o meu ponto de vista sobre o problema da existência de Deus, sustentada por
argumentos, e não por crenças religiosas ou de outro tipo, e ainda por objeções que procurarei
refutar.

Este problema consiste em saber se a fé na existência de Deus é ou não racional. Antes de


analisarmos este problema, é então pertinente esclarecer os conceitos inerentes ao mesmo,
nomeadamente, os conceitos de fé e racionalidade. A fé possui tanto uma atitude proposicional de
crença, como uma atitude não-proposicional de confiança e compromisso para com Deus. Deste
modo, podemos afirmar que a fé envolve tanto a crença num determinado conteúdo proposicional
como um compromisso de viver à luz disso. Por sua vez, o conceito de racionalidade possui também
duas vertentes, a racionalidade epistémica e a racionalidade prudencial. A primeira refere-se à
justificação e conduz à verdade, já a segunda conduz a benefícios práticos. Com base nesta distinção,
quando questionamos se a fé na existência de Deus é ou não racional, podemos perguntar duas
coisas diferentes: se há bons argumentos que justifiquem a veracidade dessa crença e se há bons
argumentos que mostrem que essa crença tem benefícios práticos.

O facto de este problema avaliar a racionalidade da fé em Deus é essencial visto que não se
deve ter fé sem nenhuma justificação válida. Assim sendo, este problema aborda assuntos que
ajudam a nossa compreensão do mundo e que promovem a nossa identidade enquanto seres sociais
conscientes, sendo por isso a sua análise algo importante para a sociedade. Eu revejo a importância
desta reflexão em alguns momentos da minha vida, como por exemplo, quando a minha avó estava
doente e eu pedia a Deus que a ajudasse, ou seja, eu tinha fé que Deus existia e acreditava que ele
tinha o poder de a ajudar. Contudo, será que a sua saúde estava dependente das ações de Deus?
Será que havia boas razões para eu acreditar na sua existência e poder?

Em relação a este tema é possível posicionarmo-nos de três formas distintas: teístas, ateístas
e agnósticos. Os teístas possuem fé no Deus teísta, os ateístas acreditam que o Deus teísta não
existe e os agnósticos suspendem a crença sobre se o Deus teísta existe ou não, ou seja,
permanecem neutros sobre tal problema. A perspetiva defendida neste ensaio é a da fé no Deus
teísta não ser racional, contrariando a sua existência. Dito isto, irei apoiar o ateísmo.

Introduzido problema e tendo em conta a posição que irei defender, considero importante
esclarecer a seguinte questão: a que Deus nos estamos a referir? O Deus teísta trata-se de uma
divindade simultaneamente omnipotente (que pode fazer tudo), omnisciente, (que sabe tudo),
sumamente bom, (moralmente perfeito, ou seja, não quer, nem deseja o mal), criador e pessoa (e
não uma força da natureza). Neste sentido, a existência de Deus depende da veracidade e
consistência destes atributos, porém alguns destes predicados são postos em causa quando
confrontados com o problema do mal. O problema do mal prende-se com a ideia de como podemos
conciliar a existência do Deus teísta com a existência do mal no mundo.

Para explicar melhor este argumento, peço que imagine a seguinte situação:

Uma criança de seis anos, com uma doença grave e incurável, morre, depois de longos anos
de sofrimento intenso. Não só sofreu ela, como sofreram os pais e familiares da criança, que
questionam-se a si mesmos o porquê de Deus não os ter ajudado nesta situação horrenda. Deus
tinha conhecimento do sofrimento que a criança estava a experienciar, assim como, tinha o poder e
o desejo de acabar com tal sofrimento, porém não o fez. Será que Deus realmente possuía essa
capacidade? E se a possuía, porque não a utilizou?

Com este exemplo podemos concluir que tal conciliação não é possível, ou seja, o mal que
vemos no mundo ao nosso redor é incompatível com a existência de Deus, apoiando assim o
ateísmo.

A estrutura central deste argumento pode ser formalizada assim:

1. Se o Deus teísta existe, então não há mal no mundo.


2. Mas há mal no mundo.
3. Logo, o Deus teísta não existe

O facto de este argumento poder ser estruturado a partir da formulação proposicional, torna
o mesmo mais forte em comparação com outros. Tal argumento pode ser justificado da seguinte
forma: se Deus é omnipotente, então pode acabar com o mal; se Deus é omnisciente, então sabe
que o mal existe; e se Deus é sumamente bom, então quer acabar com o mal. Tendo em conta que o
Deus teísta possui estas três características então este tem o poder, o conhecimento e o desejo de
acabar com o mal. Assim sendo, se Deus existe, não há mal (1). Contudo, o mal não é eliminado ou
prevenido (2), logo temos que concluir que o Deus teísta não existe (3).

A existência do mal no mundo é um facto, mas a que mal nos estamos a referir? O mal pode
ser qualificado em mal moral e mal natural. O primeiro é o mal que tem origem nas ações ou
omissões dos seres humanos, já o segundo é o mal que não tem origem em tais ações ou omissões
humanas, como os sismos, maremotos, etc. Terá Deus alguma razão para querer ou permitir o mal?

Os teístas acreditam que sim. Estes rejeitam o argumento do mal, recorrendo à teodiceia (teoria que
justifica a coexistência do mal e a bondade e omnipotência de Deus) de Leibniz, que constata que o
Deus teísta permite o mal precisamente porque o melhor de todos os mundos possíveis não implica
um mundo sem males. Os males servem então como um meio de ensinar lições boas e valiosas, ou
seja, servem como um meio para alcançar e manifestar bens maiores. Assim, a sua existência
permite a apreciação plena do bem.

No entanto, considero esta objeção fraca, visto que a ideia de que há o melhor mundo
possível é irrealista, pois, para cada mundo que se conceba é possível pensar num mundo ainda
melhor e assim sucessivamente. O mesmo acontece com a ideia de que todos os males são
justificados, já que há males que não contribuem para qualquer bem maior, sendo por isso males
gratuitos. Voltamos ao exemplo que pedi que imaginasse anteriormente, é falso que, do nosso
ponto de vista, exista algum bem, como o profissionalismo e empatia profunda de médicos e
enfermeiros, que supere o mal do sofrimento sentido pela criança e pelos pais, basta pensar que
perder um filho é uma dor tão profunda, que nenhum bem que daí possa vir consegue sobrepor tal
mal.

Assim sendo, estes argumentos são epistémicamente e prudencialmente incoerentes, não podendo
ser utilizados para avaliar a racionalidade na fé em Deus.

Insatisfeitos com esta resposta, os teístas acrescentam que são os seres conscientes, os responsáveis
pelo mal que ocorre no mundo, e não Deus, visto que estes, quando confrontados com uma certa
escolha moral significativa, optam por escolher, recorrendo ao seu livre-arbítrio, o mal. Neste caso,
Deus sabe que o mal existe e tanto quer como pode eliminá-lo. Contudo, Deus deseja que os seres
racionais possuam livre-arbítrio significativo, pois este é um bem essencial para a humanidade.
A partir deste argumento podemos concluir que, de acordo com os defensores do teísmo, seria
preferível um mundo com a presença do livre-arbítrio e simultaneamente do mal do que um mundo
sem mal, mas ao mesmo tempo sem livre-arbítrio. Todavia, o livre-arbítrio e o mal são dois conceitos
separáveis, tendo em conta que dentro das várias opções apresentadas, a pessoa pode acabar por
optar sempre pelo bem. Desta forma, mesmo com a ausência do mal, o indivíduo continuaria a
experienciar o uso do seu livre-arbítrio. Tendo isto em consideração, como poderemos justificar o
facto de o mundo não ser perfeito? Será que Deus realmente existe?

Em suma, a ideia de que é racional acreditar em Deus, não apresenta evidências e faz-nos
questionar sobre o mal no mundo e se este mesmo pode existir, sendo por isso uma hipótese
bastante improvável. Para além disso, as objeções contra o argumento do mal são mais fracas e
menos consistentes logicamente do que este, sendo por isso facilmente refutáveis quando
analisadas cuidadosamente.

Considerando tudo isto, mantenho a posição que defendia no início deste ensaio.

Acredito que elaborei um ensaio filosófico de qualidade, tendo procurado informar-me


sobre o assunto e as suas diferentes perspetivas. O facto de ser um tema do meu interesse contribui
para a existência de coerência na informação que apresentei e contribuiu para uma escrita apelativa,
através da qual a minha posição ficou bastante evidente. Penso que posso melhorar a forma como
apresento o que quero dar a conhecer e como organizo as minhas ideias, aspetos que podem ser
aperfeiçoados em futuros ensaios filosóficos sobre temas distintos.

Se Deus realmente existisse, qual seria a razão para ele permitir a descrença na sua
existência? Porque permitiria que pessoas como eu contrariassem a sua presença? Se Deus existe,
porque existem ateus? Acredito que na realidade “Somos todos ateus no que concerne à maioria
dos deuses que a humanidade já acreditou. Alguns de nós só vão um deus além disso.” - Richard
Dawkins.

Você também pode gostar