Perspectivas Para o Ensino de LÃ_nguas_vol. 8

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Perspectivas para o ensino de línguas, volume 8

Alexandre Melo de Sousa, Rosane Garcia e Tatiane Castro dos Santos (org.)
ISBN 978-65-88975-89-3 • Feito Depósito Legal
Copyright© Edufac 2024
Editora da Universidade Federal do Acre (Edufac)
Rod. BR 364, Km 04 • Distrito Industrial
69920-900 • Rio Branco • Acre // edufac@ufac.br
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Adcleides Araújo da Silva, Adelice dos Santos Souza, André Ricardo Maia da Costa de Faro, Ângela
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Costa, Carlos Eduardo Garção de Carvalho, Claudia Vanessa Bergamini, Délcio Dias Marques,
Francisco Aquinei Timóteo Queirós, Francisco Naildo Cardoso Leitão, Gilberto Mendes da Silveira Lobo
(presidente), Jáder Vanderlei Muniz de Souza, José Roberto de Lima Murad, Maria Cristina de Souza,
Sheila Maria Palza Silva, Valtemir Evangelista de Souza, Vinícius Silva Lemos
Coordenadora Comercial • Serviços de Editoração
Ormifran Pessoa Cavalcante
Diagramação e Design Editorial
Rosane Garcia
Revisão
Alexandre Melo de Sousa
Rosane Garcia
Tatiane Castro dos Santos
Capa
Glauco Capper
As informações, opiniões e conceitos expressos nos conteúdos desta obra, bem como a exatidão dos
dados, referências, redação e revisão textual são de inteira responsabilidade do(as) autor(e/as).
Perspectivas para o ensino de línguas, volume 8

Alexandre Melo de Sousa, Rosane Garcia e Tatiane Castro dos Santos (org.)

O primeiro volume do Perspectivas para o ensino de línguas foi publicado em 2016.


Naquela obra constavam textos somente de pesquisadores da Universidade Federal
do Acre (na maioria, produções de alunos/as – mestrando/as e doutorandos/as – em
parceria com os/as respectivos/as orientadores/as). Os temas centravam-se no ensino
da língua portuguesa. Neste volume, contamos com capítulos que discutem sobre:
ensino de português como língua materna, ensino de português como língua
adicional, ensino de português como segunda língua para surdos, ensino de Libras,
formação inicial de professores, estágio supervisionado, material didático,
aprendizagem da escrita, gêneros textuais, gêneros multimodais, lexicologia,
onomástica, letramentos, multiletramentos; entre outros assuntos que interessam aos
professores de línguas atuantes na Educação Básica e no Ensino Superior. O livro
destina-se ainda à comunidade interessada na temática (sinopse adaptada da
Apresentação desta obra).

Realização e Apoios
Edufac 2020
Direitos exclusivos para esta edição:
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Campus Rio Branco, BR 364, km 4,
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Organizadores

Alexandre Melo de Sousa


Rosane Garcia
Tatiane Castro dos Santos

2024
SUMÁRIO

Apresentação........................................................................................................... 07

1 Português como Segunda Língua para Surdos no Estágio Supervisionado do


Curso de Letras Libras da Universidade Federal do Acre..................................... 09
Alexandre Melo de Sousa
Rosane Garcia

2 Microaulas on-line: uma perspectiva para a formação inicial de


professores.............................................................................................................. 21
Edna Pagliari Brun
Juçara Zanoni do Nascimento

3 As contribuições da teoria da psicogênese para a aprendizagem da língua


escrita....................................................................................................................... 35
Érica Raiane de Santana Galvão
Jânio Nunes dos Santos

4 Representações em orientações de um material didático para professores de


língua portuguesa como L2 para crianças surdas................................................ 51
Giovane dos Santos Brito
Fernanda Beatriz Caricari de Morais

5 O itinerário didático como metodologia produtiva para a ampliação de


letramentos: uma proposta de ateliê com memes................................................. 72
Keziane Fernandes Cavalcante
Francisco Rogiellyson da Silva Andrade
Pollyanne Bicalho Ribeiro

6 Ensino de Onomástica na Educação Básica: um relato de experiência


pedagógica............................................................................................................... 83
Márcia Sipavicius Seide
Patrícia Lucas

7 Análise da aplicação e avaliação de uma sequência didática interativa por


meio de gêneros multimodais................................................................................ 101
Norma Sueli Ferreira de Araújo
José Júlio César do Nascimento Araújo

8 O Curso de Letras Libras da Ufac e sua importância para a comunidade surda


acreana..................................................................................................................... 126
Daniel Martins Braga Gomes
Alexandre Melo de Sousa
Rosane Garcia

9 A aprendizagem baseada em projetos no ensino do português como língua


adicional: uma aproximação entre teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos
e Metodologias Ativas............................................................................................. 138
Susiele Machry da Silva
Ubiratã Kickhöfel Alves
Luciene Bassols Brisolara
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8

10 Produção de um glossário Pajubá com base no software Lexpro: visibilidade


da linguagem de grupo pajuberiana em Palmas.................................................... 157
Paulo Ricardo Aires Rodrigues
Karylleila dos Santos Andrade

11 O conceito de autoria no Currículo da Cidade (2017) e a retextualização do


gênero canção no Ensino Fundamental II: uma proposta textual........................ 169
Jéssica Alves da Silva
Phablo Roberto Marchis Fachin

12 O docente surdo e o ensino da Libras para alunos ouvintes na Universidade


Federal de Rondônia............................................................................................... 201
Daniara Pinto de Medeiros Cintra
Magno Prado Gama Prates
Alexandre Melo de Sousa

13 Multiletramentos na prática pedagógica dos professores


alfabetizadores......................................................................................................... 213
Margarete Nunes
Wendell Fiori de Faria
Maria de Fátima Ferreira de Oliveira Rosilho
Tatiane Castro dos Santos

Os organizadores..................................................................................................... 224

Os autores................................................................................................................ 227
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8

APRESENTAÇÃO

O primeiro volume do Perspectivas para o ensino de línguas foi publicado em


2016. Naquela obra constavam textos somente de pesquisadores da Universidade
Federal do Acre (na maioria produções de alunos/as – mestrando/as e doutorandos/as
– em parceria com os/as respectivos/as orientadores/as). E os temas se centravam
no ensino da língua portuguesa.
Ano após ano, novos volumes foram sendo publicados, agora com contribuições
de pesquisadores de diferentes Instituições de Ensino Superior do país, com temas
variados envolvendo diferentes línguas – português, inglês, espanhol, Libras – e
escritos em português e em inglês.
Para nós, organizadores, a entrega do oitavo volume carrega um significado
especial, pois denota que os/as autores/as perceberam a nossa responsabilidade com
a ciência, o compromisso com o ensino e a motivação para continuar promovendo o
debate teórico e aplicado sobre as temáticas relacionadas ao ensino de línguas. Em
outras palavras, o nosso compromisso e confiança na educação pois, como destaca
Monteiro (2001, p. 25)1, “renovar a confiança na educação e atribuir-lhe uma função
ambiciosa no desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades implica manter, e
aumentar, as expectativas sobre o papel que os professores desempenham para a
consecução desse objetivo”.
Neste volume, contamos com capítulos que discutem sobre: ensino de português
como língua materna, ensino de português como língua adicional, ensino de
português como segunda língua para surdos, ensino de Libras, formação inicial de
professores, estágio supervisionado, material didático, aprendizagem da escrita,
gêneros textuais, gêneros multimodais, lexicologia, onomástica, letramentos,
multiletramentos; entre outros assuntos que interessam aos professores de línguas
que atuam na Educação Básica e no Ensino Superior. O livro destina-se ainda a todos
que se interessem pelas temáticas que contém.
É importante mencionar que continuamos acreditando no trabalho colaborativo
entre professores e alunos, entre orientador e orientando, entre colegas de instituição,
entre colegas de áreas diferentes, entre colegas de instituições distintas, entre o
professor do ensino superior e o professor da educação básica – por isso incentivamos
as produções em parcerias, os debates interdisciplinares, os olhares produtivos sobre
o mesmo tema, as problematizações que partem do teórico e se refletem na prática,

1 MONTERO, Lourdes. A construção do conhecimento profissional docente. Lisboa: Instituto


Piaget, 2001.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8

nos contextos sociais diversos e nas interculturalidades. Entendemos, com Freire


(1996, p. 24)2, que:

É preciso que desde o começo do processo vá ficando cada vez mais claro que,
embora diferentes entre si, quem forma, se forma e re-forma e quem é formado
forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transmitir
conhecimentos, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá
forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem
discência, as duas se explicam e seus sujeitos […] não se reduzem à condição de
objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender.

Esperamos, assim, que os trabalhos que compõem o Perspectivas para o ensino


de línguas 8 contribuam para o diálogo rico, para os aperfeiçoamentos das práticas e
para o respeito à diversidade – no seu sentido mais amplo.

Boa leitura!

Os organizadores

2FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
CAPÍTULO 1
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 10

PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA PARA


SURDOS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DO
CURSO DE LETRAS LIBRAS DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
Alexandre Melo de Sousa
Rosane Garcia

Sobre docência, Grillo (2004) afirma que ela envolve o professor por completo e
que sua prática é a somatória dos diferentes saberes adquiridos, do fazer e,
principalmente, do ser. A docência constitui um compromisso do professor consigo
mesmo, com o aluno, com a aprendizagem, com o conhecimento e com a sociedade,
pontos esses que se inter-relacionam e se constituem no “ser” e no “fazer-se” docente.
Nessa construção, o Estágio Supervisionado, enquanto componente curricular
obrigatório nos cursos de formação de professores, se configura como um espaço de
aprendizagem da profissão docente e de construção da identidade profissional,
estabelecida entre o ambiente acadêmico e a escola-campo, entre a teoria e a prática.
Buriolla (1999, p. 13) afirma que é no estágio supervisionado que “a identidade
profissional do aluno é gerada, construída e referida.” E a construção dessa identidade
se dá a partir da reflexão da prática e das relações e trocas de conhecimento e
experiências envolvendo os alunos estagiários, o professor-supervisor de estágio, o
preceptor e os profissionais técnicos das escolas-campo, os alunos e, em muitos
casos, os familiares dos alunos.
Neste Capítulo, teceremos considerações sobre o Estágio Supervisionado do
Curso de Licenciatura em Letras Libras da Universidade Federal do Acre (Ufac), na
perspectiva de três professores surdos, que são supervisores de estágio, com foco no
trabalho com o Português Escrito como Segunda Língua para Surdos. Inicialmente,
trataremos das características do Curso de Letras Libras da Ufac e do estágio
supervisionado descrito no Projeto Pedagógico do Curso (PPC). Em seguida,
apresentaremos a metodologia utilizada e, por fim, apresentaremos reflexões sobre
os posicionamentos dos docentes surdos sobre suas experiências no componente
curricular Estágio Supervisionado.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 11

A LICENCIATURA EM LETRAS LIBRAS DA UFAC:


O QUE DIZ O PPC SOBRE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO

O Curso de Licenciatura em Letras Libras,1 vinculado ao Centro de Educação


Letras e Artes (Cela) da Ufac, foi criado pela Resolução Reitoria nº 25-B, de 11 de
dezembro de 2013, e homologado pela Resolução CONSU nº 14, de 13 de março de
2014. Neste mesmo ano, a primeira turma ingressou com 50 discentes, entre ouvintes
e surdos. O reconhecimento pelo Ministério da Educação (MEC), contudo, somente
ocorreu em 25 de outubro de 2017, por meio da Portaria MEC/SERES, nº 1.110,
publicada no Diário Oficial da União, de 26 de outubro de 2017 (Ufac, 2013).
Segundo consta no PPC, a Licenciatura em Letras Libras objetiva formar
professores de Libras e de Português como Segunda Língua para atuarem nos anos
finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Para isso, o curso, ao longo de oito
períodos letivos (semestres), que contabilizam 2.855 horas, oferece disciplinas de
formação específica (de Libras, de Linguística Aplicada a Libras, de Literatura Surda,
de Escrita de Sinais etc.), formação pedagógica (disciplinas de Legislações
relacionadas ao Ensino Básico, de Psicologia da Educação, de Didática etc.), de
Estágios Supervisionados e de Atividades Acadêmico-Científico-Culturais. Segundo o
PPC, a composição curricular oferecida objetiva:

a) Ter proficiência da Língua Brasileira de Sinais e do Português como Segunda


Língua (L2) para Surdos nos seus aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos,
semânticos, discursivo-pragmáticos e pedagógicos que permitam a transposição
dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino;
b) Reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno educacional,
psicológico, social, ético, estético, histórico, cultural, político e ideológico;
c) Visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações linguísticas e
literárias que estruturam sua formação profissional;
d) Reconhecimento das variações linguísticas da Libras e do Português escrito,
além das implicações sociais decorrentes do uso da norma padrão e das demais
variedades em diferentes manifestações discursivas;
e) Compreensão acerca da produção escrita da língua portuguesa como L2, a partir
das singularidades linguísticas do surdo;
f) Utilização de recursos tecnológicos no seu fazer didático-pedagógico (UFAC,
2013, p. 25).

Como podemos observar, os objetivos do curso propõem a formação do


professor bilingue (Libras e Língua Portuguesa Escrita), para a atuação nos anos
finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, crítico, reflexivo e analítico quanto ao
seu papel como profissional e quanto aos seus objetos de ensino no contexto
educacional, cultural, social, político etc.
Para isso, além da apropriação dos componentes teóricos, o graduando precisa
construir sua identidade na prática, no locus de ensino: na escola. Assim, o Estágio
Supervisionado é entendido como o lugar de interlocução entre o espaço de formação

1
Originalmente, o curso foi denominado Licenciatura em Letras Libras/Língua Portuguesa como
Segunda Língua, contudo, após a primeira visita da equipe de avaliadores do MEC, em 2017, o curso
passou a ser denominado Licenciatura em Letras Libras.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 12

institucional e o campo de atuação profissional (as escolas-campo da Rede Pública


de Ensino do Acre).
Especificamente sobre o Estágio Supervisionado, convém, inicialmente, lembrar
que o componente curricular já constava nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
para a Formação de Professores da Educação Básica (Brasil, 2002a), aprovadas em
2001 e regulamentadas em 2002 pelas Resoluções nº 1 e nº 2 do Conselho Nacional
de Educação (CNE). A Resolução nº 1 trata das diretrizes para os cursos de formação
de professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura e de
graduação plena. A Resolução nº 2 (Brasil, 2002b), no art. 1º, determina a carga-
horária dos cursos de formação de professores da Educação Básica, estabelecendo
2.800 horas, com 400 horas destinadas ao Estágio Curricular Supervisionado, na
segunda metade do curso.
Vale destacar, ainda, a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008 (Brasil, 2008),
que estabelece a normatização do estágio dos estudantes a respeito do obrigatório e
do não obrigatório (art. 2º). O estágio é um “ato educativo escolar supervisionado,
desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho
produtivo do estudante” (Brasil, 2008, p. 3). Quanto aos envolvidos no processo de
estágio, a lei destaca a necessidade de articulação entre ensino e campo de trabalho.
Para isso, é necessária a plena participação das instituições concedentes (escolas-
campo do estágio), uma vez que deve haver um “[...] compromisso formalizado entre
o estagiário, a instituição de ensino e a empresa com base em um plano de atividade
que materializa a extensão ao ambiente de trabalho do projeto pedagógico
desenvolvido nas disciplinas do currículo escolar.” (Brasil, 2008, p. 3).
O estágio nas escolas-campo propicia que os alunos em formação interajam com
o contexto social e cultural onde a escola está localizada, reflitam e relacionem as
práticas observadas no contexto em que estão inseridos com as exposições e
discussões estabelecidas na Universidade, e criem maneiras próprias de formas do
“ser” professor. No PPC de Letras Libras (Ufac, 2013, p. 85-86) consta que:

[O graduando] deve envolver-se além da prática de sala de aula, em atividades de


planejamento como a elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de
ensino e de planos de trabalho específicos, em atividades de avaliação, de
aprimoramento profissional e de integração da escola com as famílias e a
comunidade em geral. Desta forma, o estágio pode e deve, também, proporcionar
a vivência escolar de maneira completa, indo além das fronteiras da sala de aula
(Ufac, 2013, p. 85-86).

Para que isso ocorra, o PPC (Ufac, 2013) distribui o Estágio Supervisionado em
quatro etapas, assim descritas: Estágio Supervisionado I, que é oferecido no 5º
período do curso e que deve ser desenvolvido a partir da observação e da regência
no 6º e 7º anos do Ensino Fundamental (carga-horária de 90 horas); Estágio
Supervisionado II, que é oferecido no 6º período do curso e que deve ser desenvolvido
a partir da observação e da regência no 8º e 9º anos do Ensino Fundamental (carga-
horária de 90 horas); Estágio Supervisionado III, que é oferecido no 7º período do
curso e que deve ser desenvolvido a partir da observação e da regência no 1º e 2º
anos do Ensino Médio (carga-horária de 90 horas); e o Estágio Supervisionado IV,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 13

que é oferecido no 8º período do curso e que deve ser desenvolvido a partir da


observação e da regência no 3º ano do Ensino Médio (carga- horária de 135 horas).
Veiga (2013) destaca que o Projeto Pedagógico deve explicitar as relações
existentes entre o espaço de formação, os sujeitos envolvidos, os propósitos
relacionados ao ensino, as perspectivas inerentes ao processo educativo, a clara
visão de que tipo de formação queremos oferecer e para qual sociedade, e, no caso
dos Estágios Supervisionados, quais experiências queremos que os alunos vivenciem
na escola-campo.
Assim, quando pensamos em uma formação de professores bilingues,
precisamos observar como os componentes de formação vislumbram a prática no
contexto social, cultural e político. No caso do Curso de Letras Libras, é preciso
entender como as ementas dos referidos componentes curriculares de Estágio
Supervisionado são descritas e como os professores supervisores organizam suas
aulas, orientações e supervisões dentro da carga-horária disponibilizada para cada
etapa. Vejamos como as ementas são descritas:

Quadro 1 – Ementas de Estágio Supervisionado do Curso de Letras Libras (Ufac)


DISCIPLINA DESCRIÇÃO DA EMENTA
Desenvolvimento de atividades de docência com base em abordagens,
métodos e técnicas específicos utilizados no ensino de Libras como L1, L2 e
Estágio Português escrito como L2 para o desenvolvimento das habilidades
Supervisionado I linguísticas e comunicativas nos 6º e 7º anos do Ensino Fundamental, em
(90 h/a) espaços não-formais e em instituições de atendimento ao Surdo. Elaboração
do relatório de estágio. Socialização dos resultados com a instituição campo
do estágio.
Desenvolvimento de atividades de docência com base em abordagens,
métodos e técnicas específicos utilizados no ensino de Libras como L1, L2 e
Estágio Português escrito como L2 para o desenvolvimento das habilidades
Supervisionado II linguísticas e comunicativas nos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, em
(90 h/a) espaços não-formais e em instituições de atendimento ao Surdo. Elaboração
do relatório de estágio. Socialização dos resultados com a instituição campo
do estágio.
Desenvolvimento de atividades de docência com base em abordagens,
métodos e técnicas específicos utilizados no ensino de Libras como L1, L2 e
Estágio
Português escrito como L2 para o desenvolvimento das habilidades
Supervisionado III
linguísticas e comunicativas no Ensino Médio, em espaços não-formais e em
(90 h/a)
instituições de atendimento ao Surdo. Elaboração do relatório de estágio.
Socialização dos resultados com a instituição campo do estágio.
Desenvolvimento de atividades de docência com base em abordagens,
métodos e técnicas específicos utilizados no ensino de Libras como L1, L2 e
Estágio
Português escrito como L2 para o desenvolvimento das habilidades
Supervisionado IV
linguísticas e comunicativas no Ensino Superior. Elaboração do relatório de
(135 h/a)
estágio. Desenvolvimento do projeto de ensino e pesquisa para o trabalho de
conclusão de curso.
Fonte: Ufac (2013)

O primeiro aspecto observado é que as ementas dos Estágios Supervisionados


III e IV não correspondem ao que é descrito no PPC. No Regulamento do Estágio, o
Estágio Supervisionado III deve ser desenvolvido com base na “observação e
regência no 1º e 2º anos do Ensino Médio (carga horária de 90 horas)” (Ufac, 2013,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 14

p. 112). Já o Estágio IV deve ser direcionado às ações de “observação e regência no


3º ano do Ensino Médio (carga horária de 135 horas)” (Ufac, 2013, 113).
Outro fator que merece destaque significativo é que todas as etapas de estágio
contemplam o trabalho com as abordagens, os métodos e as técnicas específicas
utilizadas no ensino do Português escrito como L2. Essa perspectiva para o ensino do
Português Escrito pode ser entendida a partir da Proposta curricular para o ensino de
português escrito como segunda língua para estudantes surdos da educação básica
e do ensino superior. De acordo com Faria-Nascimento et al. (2021, p. 12), a educação
bilingue de surdos “atende a um ensino essencialmente VISUAL das línguas
envolvidas e comporta dois aspectos fundamentais: o ensino EM Libras e o ensino DE
duas línguas: Libras e Português.
Tal Proposta apresenta as seguintes características, segundo Faria-Nascimento
et al. (2021, p. 23):
1) bilíngue, “porque há duas línguas envolvidas, uma língua de mediação, a
Libras, e a outra língua de instrução, o português escrito.” visual, “porque respeita a
visualidade dos surdos.”
2) funcional, à medida que “se atém ao ensino da língua em uso por meio de
práticas de leitura e da escrita.”
3) contextualizada, “porque parte da realidade do estudante e de textos
vivenciados.”
4) autêntica, “porque envolve a escolha de textos de diferentes gêneros textuais,
extraídos de materiais reais e não criados artificialmente para as aulas de português.”
5) intercultural, “porque abrange o conhecimento da sua cultura e da cultura do
outro.”
6) dialógica, uma vez que “abrange a interação do professor com os estudantes
e dos estudantes entre si, em libras e em português escrito.”
7) multissemiótica, pois “inclui diversas representações linguísticas e
paralinguísticas, por meio de estruturas linguísticas visuais, língua de sinais, letras e
demais informações visuais.”
8) contrastiva, uma vez que “apresenta as semelhanças e as diferenças entre a
libras e o português” (Faria-Nascimento et al., 2021, p. 23).
Embora as ementas não tragam tantos detalhes a respeito das abordagens e
metodologias empregadas pelos professores (até mesmo por não ser uma
característica desse gênero textual), verificaremos com os participantes deste estudo
como o trabalho com o Português Escrito como L2 é desenvolvido ao longo das
disciplinas de Estágio Supervisionado.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 15

METODOLOGIA: A RODA DE CONVERSA

Utilizamos como processo metodológico a Roda de Conversa. Para Figueiredo


e Queiroz (2012), trata-se de um instrumento de pesquisa que possibilita a troca de
experiências e o desenvolvimento de reflexões sobre um tema previamente
selecionado. O processo é mediado pela interação com os pares e de forma igualitária.
De acordo com Creswell (2010, p. 26), a roda de conversa “[...] é um meio para
explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um
problema social ou humano.” Assim, a participação coletiva dos participantes, suas
reflexões e intervenções conduzem à socialização dos saberes e à troca de
experiências, como forma de construir e reconstruir conhecimentos a partir da
temática proposta.
Foram convidados três professores surdos (PS1, PS2 e PS3) do Curso de
Licenciatura em Letras Libras da Ufac, em Rio Branco, que já tiveram experiência com
o Estágio Supervisionado, além de uma tradutora-intérprete que ajudou fazendo
anotações paralelas sobre os diálogos. A conversa se deu por meio da Língua
Brasileira de Sinais, no Bloco do Centro de Educação, Letras e Artes. Os diálogos
foram transcritos em Língua Portuguesa (LP).

A CONVERSA:
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E O PORTUGUÊS ESCRITO COMO L2 PARA
SURDOS

A temática da roda de conversa foram os desafios do Estágio Supervisionado no


Curso de Letras Libras e o lugar do Português Escrito como L2. Inicialmente, falamos
sobre a importância de termos, atualmente, três docentes surdos no Curso, o que
enriquece as discussões a respeito das Línguas de Sinais e da Cultura Surda, além
de promover o contato dos alunos (surdos e ouvintes) com usuários nativos da Libras.
A presença dos professores surdos evidencia questões políticas que somente o
protagonismo surdo promove com sua atuação efetiva nos cursos de formação de
professores que trabalharão com alunos surdos na Educação Básica. Os participantes
lamentaram, unanimemente, o pequeno número de graduandos surdos.
Em seguida, falamos sobre as experiências dos participantes no Estágio
Supervisionado. PS1 disse que havia somente trabalhado uma vez com o Estágio
Supervisionado III. PS2 e PS3 trabalharam em três oportunidades com os demais
estágios. PS2 destacou o seguinte:

Já trabalhei com Estágio três vezes. Em duas oportunidades, eu dividi a disciplina


com professores ouvintes e, uma vez, eu trabalhei sozinho. A experiência de
trabalhar só foi mais enriquecedora, pois eu tive que construir a disciplina desde os
primeiros momentos. Acertei, errei, precisei mudar os rumos e as metodologias,
mas foi melhor.

Diante da explanação de PS2, o participante PS3 afirmou:


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 16

Bom lembrar. Minha experiência compartilhando a disciplina com outros professores


ouvintes também foi assim. Não que eu tenha sido deixado de lado. Na verdade,
participei de todas as etapas de planejamento, execução e avaliação. Mas a
experiência sozinho foi mais positiva e me fez aprender mais.

Quando questionados sobre o conhecimento que possuíam acerca do PPC do


curso de Letras Libras, em particular sobre o regulamento do Estágio Supervisionado,
PS1 e PS2 afirmaram estar familiarizados com boa parte dos documentos, enquanto
PS3 declarou ter lido todo o PPC, mas desconhecia o Regulamento de Estágio.
Naquele momento, acessamos a página do curso e identificamos os documentos
mencionados. Em seguida, perguntamos quais aspectos consideravam ao organizar
a disciplina de Estágio Supervisionado e ao elaborar o Plano de Ensino submetido à
aprovação do Colegiado.
PS1 afirmou que, embora não conhecesse o PPC na íntegra, sempre consulta
as ementas antes de elaborar seus planos de curso. Os demais participantes
concordaram com essa abordagem. PS3 destacou, inclusive, que as ementas são
disponibilizadas pela Coordenação quando os professores são designados para os
diferentes componentes curriculares. Os participantes se posicionaram desse modo:

PS1: Quando vou elaborar e planejar a disciplina, eu levo em consideração, primeiro


a comparação com os planos de outros professores, depois observo se as
especificidades da Libras foram respeitadas. Depois, vejo o que cabe na disciplina
porque a ementa diz muita coisa que não dá para trabalhar em 90 horas. Também
atualizo as referências.

PS2: Neste semestre, eu fiquei com Estágio I e percebi que o plano era muito
pesado... o que constava na ementa. Então, me baseei que tinha quatro estágios
no curso e, então, fui distribuindo os conteúdos para os outros níveis, deixando o
estágio mais leve para o aluno ir se acostumando e ir se preparando para os outros
níveis. Produzindo os materiais para ir se adaptando. Dessa vez, eu pude fazer o
Estágio com minha percepção e meu jeito de entender a prática. Das outras vezes,
eu sentia barreira de emitir minha opinião eu não era protagonista.

PS3: Como foram experiências diferentes, eu percebi que os estágios precisavam


observar as metodologias diferentes. Tem Libras como L1 e L2 e ainda o Português
Escrito. É muita coisa, e as escolas não têm esses espaços. Às vezes, os alunos
apresentavam, aqui mesmo na UFAC, algumas aulas simuladas. Outras iam para a
escola. Na escola só conseguia praticar a L2. Isso impedia de perceber a variação.

Frente ao que destacou PS3, os demais discutiram a ausência de escolas


bilingues em Rio Branco e sobre o fato de tornar o estágio, muitas vezes, pouco
significativo para os graduandos. Alguns manifestaram insatisfação por, muitas vezes,
precisarem apresentar as aulas para os próprios colegas, e levantaram a questão de
que as escolas, na maioria das vezes, não estão preparadas para atender os Surdos,
sejam eles alunos ou professores. Nesse ponto do diálogo, dois participantes se
posicionaram da seguinte forma:

PS2: Embora eu tenha conseguido nove escolas com surdos, os alunos escolheram
escolas próximas de suas casas sem surdos. Foi um trabalho muito difícil de
encontrar essas escolas. Cada escola tinha um ou dois alunos. Mesmo assim, os
graduandos entenderam que essas escolas eram distantes de suas casas. Isso é
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 17

difícil! Não posso obrigar! Mas eu penso: como eles vão ter experiência com
estudantes surdos da Educação Básica?

PS3: Realmente, encontrar alunos surdos e escolas disponíveis para receber o


estagiário é difícil. O estagiário precisa de um preceptor na escola, mas não tem
professor fluente em Libras, só intérpretes. Certa vez, consegui uma escola com um
aluno surdo, mas ele não sabia Libras.

Garcia, Sousa e Santos (2021) mostram os indicadores educacionais de Rio


Branco e evidenciam o reduzido número de alunos surdos e/ou com deficiência
auditiva (DA) nas escolas públicas da capital. De acordo com os autores, os
estudantes surdos ou com DA estão espalhados pelas seis regionais de Rio Branco.
Algumas escolas atendem apenas um aluno nesse perfil. Neste ponto da discussão,
provoquei os participantes com a seguinte questão: E o Português Escrito? Como
vocês preparam os estagiários? Eis o que disseram:

PS3: Eu trabalho pouco esse componente no Estágio. Eu já trabalhei com duas


disciplinas direcionadas ao Português Escrito: Ensino de Português como Segunda
Língua I e Ensino de Português como Segunda Língua II. Lá eu discuto
metodologias, produzimos material. Mas no Estágio mesmo, não. Eu falo sobre
adaptações, mas nenhuma prática.

PS2: Eu foco na Libras como L1 e L2.

PS1: Eu sei que está na ementa, mas como dito, o tempo é pouco para muita coisa:
Libras como L1, L2 e ainda o Português. Não dá. Então, eu entro em acordo com a
turma e explico que é muito amplo e complexo o trabalho com o Português. Não
daria para trabalhar textos, gramática, palavras... Não dá mesmo. Ficaria sempre
superficial e não daria para aprofundar. Então, eu foco no ensino de Libras e na
adaptação de materiais.

Então, dois participantes sugeriram:

PS3: Talvez uma saída seria destinar um dos estágios só para a questão do
Português Escrito para Surdos, como trabalhar o Português Escrito, adaptar
materiais, pensar nos diferentes níveis dos Surdos.

PS1: Sim. Inclusive tem agora a Proposta Curricular para o Ensino do Português
Escrito. Verificar como fazer a seleção dos conteúdos...

PS2: Ver o que realmente é importante para os Surdos. Que o ensino seja realmente
para o que se usa. Respeitar a visualidade dos Surdos.

Santos-Junior (2022) destaca que a Proposta curricular para o ensino de


português escrito como segunda língua para estudantes surdos da educação básica
e do ensino superior constituiu um grande avanço no que se refere à educação de
surdos, mas as escolas e as universidades precisam adotar essa proposta. Garcia,
Sousa e Santos (2021), em estudo sobre a aprendizagem do Português como L2 para
Surdos, mostraram que os Surdos de Rio Branco, ao serem perguntados sobre seus
conhecimentos de escrita, 40% revelaram que possuíam nível básico e 60% possuíam
nível ruim. Quando indagados sobre a leitura, o resultado foi invertido: 40% ruim e
60% básico. Esse estudo mostra a necessidade de se investir nas práticas de ensino
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 18

do Português Escrito para Surdos, tanto no que se refere à leitura, quanto no que se
refere à escrita.
Questionados sobre as dificuldades encontradas para supervisionar os Estágios
Supervisionados, PS1 respondeu o seguinte:

A primeira grande dificuldade é a comunicação. As escolas precisam receber os


estagiários e querem conhecer o professor responsável. Quando vou e tem
intérprete, tudo bem. Mas quando não tem, há uma barreira que é difícil estabelecer
comunicação. Outra barreira é a burocrática. Precisa de documentos assinados,
carimbados. Mas quanto às aulas propriamente ditas, tudo bem. Outro problema é
a aceitação da Libras na sala de aula. Embora o diretor aceite, alguns professores
resistem em não aceitar ou dão um tempo mínimo que eu fico impossibilitado de
avaliar o aluno. Então, parece que a barreira comunicacional ou a valorização da
Libras ainda é uma realidade nas escolas.

A posição de PS1 encontra respaldo no que mostrou Santos-Junior (2022) em


sua pesquisa, ao identificar que falta acessibilidade linguística dos surdos nos
ambientes escolares e nos ambientes de trabalho, o que provoca, em muitos casos,
“o abandono de determinadas conquistas (como passar numa universidade pública,
por exemplo)” (Santos-Junior, 2022, p. 91). O pesquisador destaca, também, que as
barreiras de comunicação tornam “a escola um lugar difícil de ensinar os pares surdos”
(Santos-Junior, 2022, p. 91).

PS3: Além disso, outro problema é a organização da escola. Precisa do aceite do


diretor e do professor. Depois, os horários não combinam com os horários da UFAC.
Tem que organizar tudo novamente. Às vezes, preciso juntar equipes.

PS2: No meu caso, o problema é o relatório que é em Português. Eu preciso de um


apoio sempre ao lado com o aluno para entender determinadas passagens. Aí peço
que envie com antecedência.

Como se vê, o Estágio Supervisionado ainda esbarra na questão burocrática, e


o que deveria ser uma experiência de viver o chão da escola, se torna uma atividade
formal e pesada. Para Kulcsar (1991), o estágio é, muitas vezes, desvalorizado nas
escolas onde os estagiários buscam desenvolver suas práticas. Ele “deve assumir sua
função prática, revisada numa dimensão mais dinâmica, profissional, produtora [...] de
possibilidades de abertura para mudanças” (Kulcsar, 1991, p. 65). Diante disso,
ocorreu a seguinte sugestão:

PS1: Quem sabe se os relatórios fossem em vídeo-libras? Mas o sistema da UFAC


precisa aceitar esse tipo de arquivo...

Parece que a acessibilidade, mesmo em um curso como o Letras Libras, ainda


carece de avanços. Ter a opção de produzir os trabalhos acadêmicos nas duas
línguas é primordial para que se estabeleça o respeito e a valorização da Libras e do
Português Escrito, afinal, o próprio PPC do curso diz, no perfil do egresso, que o
licenciado “deve ter proficiência das línguas estudadas em seus aspectos estruturais,
funcionais e culturais” (Ufac, 2013, p. 24). Assim, nada mais natural que as duas
línguas permeiem todas as práticas e produções inerentes ao curso.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 19

CONSIDERAÇÕES “FINAIS”

A partir da análise do contexto da formação de professores no curso de


Licenciatura em Letras Libras da Ufac, evidencia-se a relevância do Estágio
Supervisionado como um elemento central na construção da identidade profissional e
no desenvolvimento das competências necessárias para o ensino bilíngue. O estágio
configura-se como o espaço onde teoria e prática se encontram, permitindo que os
graduandos adquiram não apenas habilidades pedagógicas, mas também a
compreensão dos aspectos culturais e sociais que envolvem a educação de surdos.
A roda de conversa desenvolvida com os professores surdos participantes deste
estudo mostrou que o Português Escrito ainda ocupa um papel coadjuvante na
formação e nas práticas da Licenciatura em Letras Libras da Universidade Federal do
Acre. O estágio, em si, tem sido um desafio para os professores e alunos,
especialmente pela falta de escolas-campo com o perfil adequado para o
desenvolvimento das práticas de ensino e para a construção das experiências e do
perfil dos futuros docentes. Acrescenta-se, a sugestão de possibilitar a produção de
relatórios em vídeo-Libras o que pode representar um avanço na promoção da
acessibilidade e no reconhecimento das especificidades linguísticas dos professores
em formação.
Intitulamos esta última seção como Considerações “Finais” porque entendemos
que estamos em processo – e não no fim! O ensino é um processo, e cada etapa se
constitui de construção, reflexão e avaliação. O presente estudo possibilitou dar
expressão ao professor surdo, agente do ensino e reflexivo de sua própria prática. E
o que aqui se expôs tem função de inquietar e provocar mudanças.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 20

REFERÊNCIAS

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2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de professores da Educação
Básica, em nível superior. Brasília: Diário Oficial da União, 4 mar. 2002a. Seção 1, p. 8.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de


2002. Duração e carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de
professores para Educação Básica, em nível superior. Diário Oficial da União, Brasília, 4 mar. 2002b.
Seção 1, p. 9.

BRASIL. Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes. Diário
Oficial da União, Brasília, 26 set. 2008. Seção 1, p. 3.

BURIOLLA, Marta A. Feiten. O Estágio Supervisionado. São Paulo: Cortez, 1999.

CRESWELL, John W. Projeto de Pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre:
Artmed, 2010.

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escrito como segunda língua para estudantes surdos da educação básica e do ensino
superior. Caderno Introdutório. Brasília: Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação:
DIPEBS/SEMESP/MEC, 2021.

FIGUEIREDO, Alessandra Aniceto Ferreira; QUEIROZ, Tacinara Nogueira. A utilização de rodas de


conversa como metodologia que possibilita o diálogo. Seminário Internacional Fazendo Gênero, 10:
Desafios atuais do Feminismo. Anais eletrônicos […] Florianópolis: UFSC, 2013. Disponível em:
www.fazendogenero.ufscar.br. Acesso em: 20 set. 2022.

KULCSAR, Rosa. O Estágio Supervisionado como atividade integradora. In: FAZENDA, Ivani
Catarina Arantes A. et al. A prática de ensino e o estágio supervisionado. Campinas: Papirua,
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GARCIA, Rosane; SOUSA, Alexandre Melo; SANTOS, Tatiane Castro. Contexto de aprendizagem da
Libras e do Português como L2: indicadores educacionais de alunos surdos de Rio Branco, Ac. In:
SOUSA, Alexandre Melo; GARCIA, Rosane; SANTOS, Tatiane Castro (Orgs). Perspectivas para o
ensino de línguas 4: Educação de Surdos, Libras e Inclusão. Rio Branco: Edufac, 2021, p. 13-28.

GRILLO, Maria Helena Marotti Martelletti. The impact of a vocal improvement course in a speech
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Federal do Acre, 2013.

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(Mestrado) – Universidade Federal do Acre – Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio
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VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Perspectivas para a reflexão em torno do projeto político-
pedagógico. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.) Escola: espaço do projeto político-
pedagógico. Campinas: Papirus, 2013, p. 9-32.

WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro: uma parceria entre professor, alunos e conhecimento.
São Paulo: Paz e Terra, 2002.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 21

CAPÍTULO 2
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 22

MICROAULAS ON-LINE:

UMA PERSPECTIVA PARA A FORMAÇÃO


INICIAL DE PROFESSORES
Edna Pagliari Brun
Juçara Zanoni do Nascimento

A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, dispõe, entre outros assuntos, sobre


o estágio de estudantes. O art. 1º, § 2º preconiza que “o estágio visa ao aprendizado
de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular,
objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”
(Brasil, 2008, p. 1). Assim, o estágio é um dos componentes curriculares dos cursos
de licenciatura compreendido como espaço de aprendizagem do ofício docente tanto
na formação inicial quanto na formação continuada.
Diante de tal prescrição legal, os saberes profissionais mobilizados pelo
professor são classificados por Libâneo (2015) em duas categorias:
1. conhecimento disciplinar: saberes escolarizados em e por determinada
disciplina ou componente curricular; e
2. conhecimento pedagógico: saberes necessários para o exercício da atividade
docente, saberes pedagógicos que sustentam a transposição didática dos saberes
científicos pré-construídos histórica e culturalmente.
Considerando tais conhecimentos, segundo Pontara e Cristovão (2018), é
necessário o desenvolvimento de capacidades docentes atinentes a saberes relativos
ao conhecimento teórico-científico, à metodologia, à planificação e regência das aulas,
aos recursos didáticos (materiais e semióticos), à avaliação do processo de ensino e
aprendizagem, à atitude autônoma (gestos didáticos), aos contextos de ensino e
aprendizagem.
Nesse contexto, no estágio, os acadêmicos das licenciaturas devem ter a
oportunidade de reconstruir e aplicar conhecimentos científicos e culturais (do campo
dos saberes teórico-disciplinares), apropriados ao longo do Curso de Graduação, e
implementá-los em situações vividas na prática pedagógica na escola.
Levando em conta essa necessidade e o regime de ensino remoto autorizado
pelo Ministério da Educação (Portaria nº 544, de 16 de junho de 2020), durante o
período de pandemia de Covid-19, as atividades acadêmicas foram adaptadas de
forma que pudessem ser realizadas satisfatoriamente. Uma dessas atividades foi a
etapa de regência da disciplina Estágio Obrigatório de Língua Portuguesa e Literatura
II, de um curso de licenciatura em Letras de uma Instituição Pública de Ensino
Superior, desenvolvida com o auxílio de ferramentas digitais. Dentre elas, podemos
citar a plataforma o Google Meet cujo objetivo é auxiliar na realização de atividades
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 23

de ensino e aprendizagem, para interações on-line síncronas, e o aplicativo Loom,


para interações on-line assíncronas.
Desse modo, durante o período pandêmico, entre outras atividades dos
estudantes de graduação, a etapa de regência na Educação Básica foi substituída por
microaulas on-line e videoaulas produzidas pelos estagiários, avaliadas também de
forma on-line por uma banca de professores.
Este capítulo tem o objetivo de socializar resultados dessa etapa do Estágio, por
meio da análise de uma microaula on-line, referente ao módulo de análise linguística
de um exemplar de gênero textual/discursivo crônica, conduzida oralmente pelo
estagiário, privilegiando o eixo de ensino de leitura (Brasil, 2017). A intenção da
análise da microaula foi verificar se tal adaptação viabilizou satisfatoriamente a
realização do estágio, promovendo o desenvolvimento de capacidades docentes.
A fundamentação teórica para a realização da prática no estágio bem como para
viabilizar a análise da microaula on-line, discutida neste capítulo, foram os estudos do
Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) sobre atividades de linguagem e
desenvolvimento humano (Bronckart, 2003, 2006); da Didática das Línguas (Dolz,
2016) acerca da engenharia didática e da atividade do professor; e das práticas de
linguagens representadas nos eixos de ensino de língua (Brasil, 2017).

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Os sujeitos atuantes em um determinado grupo social organizado interagem por


meio do uso da língua/linguagem. Ao utilizá-la/s manifestam seus interesses e
marcam suas vozes por meio de textos organizados em diferentes gêneros
textuais/discursivos para a realização de múltiplas ações com o intuito de interagir e
alcançar determinados propósitos comunicativos. Esses sujeitos manifestam-se em
diversos campos sociais de atuação, como o acadêmico, o midiático, o escolar, o
jornalístico, o literário, comercial, entre outros. Por exemplo, o gênero discursivo
crônica pode circular tanto pelo campo jornalístico como literário.
Bakhtin (2003, p. 262), em seu estudo sobre gênero discursivo, afirma que “cada
campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados”. Tais enunciados permeiam esses campos de atuação, possuem
características que os validam socialmente, refletem condições específicas e
finalidades por meio do conteúdo (temático), da estrutura composicional, e do estilo.
O conteúdo temático apoia-se nas relações dialógicas, nas quais os “enunciados
não são indiferentes entre si nem se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os
outros e se refletem mutuamente uns nos outros” (Bakhtin, 2003, p. 297). Sob essa
perspectiva, os gêneros do discurso apresentam uma

dupla orientação na/para a realidade: o conteúdo temático não é apenas


representação, mas também refração das possibilidades de constituição do
conteúdo temático do gênero. Os gêneros orientam-se na/para a vida, refletindo e
refratando determinados aspectos da realidade. Desse modo, o conteúdo temático
diz respeito à maneira como o gênero seleciona elementos da realidade e como os
trata na constituição de seu conteúdo temático. Em termos gerais, o tema dos
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 24

gêneros desempenha papel fundamental na apreensão do real e na sua


consequente representação/refração (Acosta-Pereira, 2013, p. 62).

A estrutura composicional dos gêneros é compreendida como “forma padrão


relativamente estável de estruturação de um todo” (Bakhtin, 2003, p. 282). Isso
significa que os gêneros discursivos possuem uma forma de organização, de
distribuição das informações, de elementos verbais e não-verbais que fazem com que
sejam reconhecidos como um gênero específico, tomado para determinada situação.
Por exemplo, ao observarmos o gênero meme, percebemos que sua estrutura
composicional é constituída por textos multissemióticos, sendo o texto verbal mais
reduzido para a leitura rápida, impactante e viral, visando ao entretenimento, ou até a
crítica por meio do humor.
Ainda de acordo com Bakhtin (2003), o estilo abarca os recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais escolhidos pelo produtor do texto, seguindo às
características do gênero e ao estilo do próprio autor, ou seja, cada gênero tem seu
estilo, do mais formal ao menos formal, e quem o produz também faz suas escolhas
de acordo com seu repertório lexical.
O quadro teórico do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), ao dialogar com os
princípios bakhtinianos sobre gêneros (Bakhtin, 2003), considera que textos são
formas de realizações empíricas articuladas a diferentes situações de comunicação
(Bronckart, 2003). Ao utilizá-los, ocorre uma dupla semiotização (Nascimento, 2011):
a adoção de um modelo de gênero textual que parece adequado à determinada
situação de ação (comunicação, interação); e a adaptação do modelo à situação, em
função do contexto específico. Logo, eles são entendidos como possibilitadores de
interação nas mais diversas situações e campos sociais.
Nessa perspectiva, Schneuwly (2004, p. 23) bem como outros pesquisadores do
ISD compreendem o gênero como um “megainstrumento” fundamental para o
desenvolvimento de capacidades de linguagem e, por isso, objeto central no processo
de ensino e aprendizagem de língua.
Essas capacidades articulam-se, portanto, à configuração e elementarização do
gênero de referência aos parâmetros de análise (particulares e globais) dos textos. Ao
mesmo tempo, elas equivalem ao conjunto de operações que nos possibilitam realizar
uma determinada ação de linguagem. Para Cristovão (2013), o conjunto delas
reverbera como um instrumento para mobilizar nossos conhecimentos e
operacionalizar a aprendizagem. Mediadas pelos contextos de produção, são o
resultado de operações psíquicas dos sujeitos no agir linguageiro. Assim, favorecer o
desenvolvimento delas pelos alunos, por meio da aprendizagem de gêneros, significa
permitir-lhes agir nas mais diversas situações sociais.
De acordo com os autores citados, sintetizando tais capacidades, elas são
categorizadas em:
(1) Capacidades de ação: compreensão das representações sobre o contexto
imediato de produção e recepção dos textos.
(2) Capacidades discursivas: compreensão da infraestrutura geral dos textos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 25

(3) Capacidades linguístico-discursivas: compreensão de mecanismos de


textualização e de mecanismos enunciativos utilizados nos textos.
(4) Capacidades multissemióticas: compreensão da multiplicidade de semioses
presentes na composição dos textos.
(5) Capacidades de significação: compreensão das representações sobre o
contexto mais amplo de produção e de circulação do gênero.
Para colaborar com o professor no processo de ensino e aprendizagem, segundo
tais proposições, a Didática das Línguas, vertente prática do ISD, apoiada em
pressupostos de Vygotsky e de Bakhtin, propõe uma “engenharia didática” (Dolz,
2016) para apresentar e desconstruir didaticamente um gênero de texto, com o
objetivo de possibilitar ao estudante o desenvolvimento de capacidades para a
compreensão do gênero em questão, de forma que, sempre que necessário, o
estudante, futuramente, possa ressignificá-lo, reconstruí-lo e transformá-lo em
situações reais de interação.
Essa engenharia permite ao professor, inicialmente, delimitar os elementos
ensináveis do gênero para, posteriormente, possibilitar a planificação de formas
(atividades, tarefas, dispositivos didáticos, metodologias, formas sociais de trabalho
escolar, gestos didáticos, entre outras) para ensiná-los, transformando-o em um
objeto de estudo.
Com esse objetivo, De Pietro e Schneuwly (2004) referem-se à construção de
um modelo didático de gênero (MDG), uma ferramenta docente para a construção da
base de elaboração de sequências didáticas para o ensino e a aprendizagem desse
objeto. O MDG é o resultado da análise de um corpora formado por textos exemplares
do gênero focalizado e por textos resultantes de estudos especializados sobre ele.
Com o foco no contexto de produção dos textos, os objetos temáticos abordados
e as diferentes formas de mobilizá-los, além de sua construção composicional comum
(estrutura textual global) e de seu estilo singular (operações de linguagem e recursos
linguísticos), o MDG descreve e sistematiza o agir do produtor de textos e as restrições
genéricas relacionadas às atividades nas quais esse agir se realiza.
Dessa maneira, para além da análise linguístico-textual, ainda é considerada a
literatura construída sobre o gênero, tendo em vista o objetivo pretendido. No caso da
microaula em análise, considerando o público-alvo do estágio, o gênero norteador do
MDG foi a crônica. Como se trata de uma ferramenta específica do professor,
resultante de pesquisas científicas, não faz sentido levar o MDG como tal para a sala
de aula, por isso, esse constructo passa por etapas do processo de transposição
didática (Chevallard, 1991) para as transformações dos objetos de conhecimento.
Nesse contexto, a outra ferramenta dessa engenharia é o dispositivo Sequência
Didática (SD) (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004), que possibilita tais transformações
e sua implementação.
A SD para o ensino e aprendizagem de gêneros, dispositivo escolar
popularizado, indiscriminadamente, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997), é planificado com base na organização de um conjunto de atividades
em torno de um determinado gênero ainda não dominado pelo estudante. Seu objetivo
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 26

é o de possibilitar ao professor mediar a oportunidade de acesso a práticas de


linguagem ainda desconhecidas pelos aprendizes (Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004).
Transposto de seu campo de atuação social para fins pedagógicos, esse
constructo teórico-metodológico deve levar em conta a geração de contextos de
produção textual e a realização de atividades múltiplas e variadas, envolvendo os
eixos de ensino de língua (Brasil, 1997, 2017), permitindo que o aprendiz se aproprie
de noções, técnicas e instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas
capacidades de expressão.
Estruturada em oficinas, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) elucidam que uma
SD é composta pela apresentação de uma situação que envolve um projeto de
produção textual, seguida por uma produção inicial diagnóstica dos obstáculos a ser
superados pelos estudantes, depois, por módulos de atividades que focalizam formas
de levar os aprendentes a superá-los, e, concluindo, por uma produção final que
capitaliza as aprendizagens desenvolvidas por eles.
Explicando melhor, temos, visualmente, o seguinte esquema:

Figura 1- Sequência didática para o ensino de gêneros

Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98)

De acordo com a Figura 1, cada etapa da SD pode ser descrita assim:


(1) Situação inicial: apresentação da situação na qual se definem o gênero e a
situação específica de sua produção e recepção. Nessa etapa, um problema de
linguagem é proposto, por meio de uma ficcionalização (Schneuwly, 2004), para
resolução por meio do gênero a ser ensinado/aprendido.
(2) Produção inicial: realização de um diagnóstico para identificar as
capacidades que os estudantes já dominam e suas potencialidades, para que o
professor possa adaptar a SD às necessidades da turma.
(3) Módulos: oficinas planejadas considerando os problemas evidenciados na
produção inicial. O professor intervém por meio de instrumentos para que o estudante
supere obstáculos e construa conhecimento.
(4) Produção final: permite ao estudante verificar o conhecimento adquirido
durante o processo na avaliação da aprendizagem.
De modo geral, o conjunto desses pressupostos também estão presentes na
Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017), que, além disso, ainda prescreve o
ensino de língua portuguesa por meio de práticas de compreensão (leitura/escuta), de
produção (escrita/oralidade) e de análise linguística e semiótica de textos,
estruturadas em eixos de ensino já consagrados em documentos curriculares da área,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 27

O eixo da compreensão (leitura/escuta) engloba as “práticas de linguagem que


decorrem da interação ativa do leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais
e multissemióticos e de sua interpretação” (Brasil, 2017, p. 71).
O eixo da produção (escrita/oralidade) envolve as “práticas de linguagem
relacionadas à interação e à autoria (individual ou coletiva) do texto escrito, oral e
multissemiótico” (Brasil, 2017, p. 76).
O eixo da análise linguística/semiótica, que se desenvolve transversalmente aos
demais eixos, compreende a “análise textual, gramatical, lexical, fonológica e das
materialidades das outras semioses” (Brasil, 2017, p. 80), ou seja, trata-se da
reflexão/análise sobre os usos da língua, das diversas variedades linguísticas e de
outras semioses.
Esses pressupostos teóricos também foram a base para os procedimentos
metodológicos empreendidos pelos estagiários para a planificação da SD e
considerados na análise proposta neste capítulo.

ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Para realizar a regência, os estagiários do Curso de Letras de uma Instituição


Pública de Ensino Superior elaboraram uma SD de um gênero para o ensino de língua
portuguesa. Embora a SD produzida tenha abarcado todos os eixos de ensino,
apresentamos, neste capítulo, a análise de um dos módulos da SD. Esse módulo, que
contemplou a análise linguística de um exemplar do gênero textual/discursivo crônica,
conduzida no eixo de leitura (Brasil, 2017), foi apresentado por meio de uma microaula
on-line, em decorrência do período de ensino remoto autorizado pelo MEC no ano de
2021.
Considerando a situação de pandemia de Covid-19 e o ensino remoto
emergencial, para desenvolver a etapa de regência do estágio, além da metodologia
de ensino e aprendizagem apoiada no conceito bakhtiniano de gêneros (2003), pela
releitura do ISD (2003) aplicada pela Didática das Línguas (2016), e de práticas de
linguagens propostas na BNCC (2017), foi necessário buscar recursos capazes de
favorecer a regência de forma não presencial no contexto físico escolar. Assim, nessa
situação, essa etapa foi realizada por meio da simulação de microaulas, de forma
remota e on-line, com a presença de uma banca de professores formada pelo
orientador de estágio e um docente convidado. As simulações foram gravadas e
serviram como dispositivo de análise para a avaliação.
As microaulas aconteceram por meio da plataforma de vídeo Google Meet.
Conforme informações do site Google For Education (edu.google.com), o Google
Meet é um “serviço de comunicação por vídeo desenvolvido pelo Google”, uma
ferramenta digital para interações síncronas.
A microaula, segundo Pereira (2022), é uma ferramenta metodológica bastante
utilizada no ensino superior brasileiro como uma técnica ou procedimento que envolve
a realização de experiências de aula. Também conhecida como microensino (Hila,
2009), microprática (Drey, 2019), simulação (Andrade; Brun, 2021) ou aula simulada,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 28

visa a oportunizar práticas que ficcionalizam (Schneuwly, 2004) conteúdos específicos


ou habilidades técnicas de ensino em contextos de formação de professores. Assim,
de acordo com Brun e Nascimento (no prelo), essa ferramenta é entendida como um
importante recurso metodológico capaz de promover ensino e aprendizagem mais
significativos, considerando a atividade do professor e o desenvolvimento de
capacidades docentes.
De acordo com o Plano de Atividades do Estágio, aprovado pela Comissão de
Estágio do Curso de Letras, os acadêmicos estagiários deveriam planejar, em duplas
ou trios, uma SD para 10 horas/aulas considerando o ensino de um gênero textual a
ser escolhido por eles, tendo em vista o contexto escolar do Ensino Fundamental II.
Neste capítulo, a análise focalizou uma SD planejada por três estagiários, cujo
projeto de produção foi a elaboração de um e-book de crônicas dos alunos do 7º ano
a ser publicado na plataforma digital Padlet e compartilhado com a comunidade
escolar. A SD em questão foi organizada em 5 etapas. Por limites de espaço e de
extensão deste capítulo, apresentamos, a seguir, apenas a sinopse da SD construída
pelos estagiários2.

Figura 2 – Sinopse da SD do gênero crônica

Fonte: Relatório final de estágio dos acadêmicos estagiários do Curso de Letras (adaptada).

Além da SD e dos planos de aula elaborados pelos estagiários, o texto imagético


resultante da gravação da microaula on-line, realizada via Google-Meet, e a ficha de
avaliação utilizada pela banca avaliadora possibilitaram a análise da microaula,
fundamentada nas discussões teóricas mencionadas anteriormente.

2No relatório final de estágio, além do relato da experiência, os estagiários deveriam anexar a SD
completa, com os planos de aula e as atividades planejadas.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 29

ANÁLISE E ALGUNS RESULTADOS

As simulações de aula (microaulas) foram realizadas pelos estagiários a partir


de um recorte da SD, considerando o tempo mínimo de quinze minutos e o máximo
de vinte. Além dos avaliadores, estiveram presentes os demais colegas, estudantes
do 6º semestre do Curso de Letras, que assumiram, ficcionalmente, o papel de alunos
da escola como uma forma de garantir a interação entre professor e estudantes.
Para os resultados aqui divulgados, consideramos a análise da microaula
realizada a partir do Módulo 1 da SD. Iniciando a microaula on-line, primeiramente
foram retomados conteúdos abordados nas oficinas anteriores (apresentação da
situação e produção inicial), com o objetivo de verificar conhecimentos que teriam sido
apreendidos pelos alunos da escola, durante o processo, e instaurar uma memória
didática sobre o gênero crônica. Na sequência, foram realizadas as atividades
previstas no Módulo 1, a partir da leitura e análise da crônica Notícia de Jornal, de
Fernando Sabino, apresentadas detalhadamente a seguir:

Figura 3 – Atividade do Módulo 1 da SD

Fonte: Texto audiovisual resultante da gravação da microaula on-line

A atividade de análise da crônica iniciou com um momento pré-textual para que,


ficcionalmente, os alunos da escola levantassem hipóteses acerca do texto escolhido,
discutindo o título da crônica (Notícia de Jornal, de Fernando Sabido) e as
expectativas de leitura. O título da crônica foi projetado na tela do computador por
meio de slide, pois, somente no momento da leitura, foi acessado o suporte original
da crônica3. A dinâmica foi conduzida pelas perguntas descritas na Figura 3 (“Pré-
leitura”), conforme excerto destacado a seguir:

3 Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/15836/noticia-de-jornal


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 30

• Uma das principais temáticas do texto que nós vamos ler é a fome. Por que vocês acham que o
autor escolheu esse tema?
• Em qual ano vocês acham que o texto foi publicado?
• Onde vocês acham que esse texto foi publicado?
• Dado o título, que texto vocês acham que vamos ler?
• Ainda sobre as informações do título, você acha que esse texto vai responder às mesmas
perguntas que uma notícia (quem, o que, quando, onde, como e por que)?

Nesse sentido, a atividade pré-textual foi utilizada como motivação para a leitura,
conforme prerrogativas da BNCC (2017); para a distinção entre os gêneros textuais
“crônica” e “notícia”, explorada a partir do título da crônica; e a introdução à reflexão
sobre a temática social da fome, ainda bastante atual na contemporaneidade, apesar
da data original de publicação da crônica em 1972.
O levantamento de hipóteses (confirmadas ou refutadas na leitura), recorrendo
à observação de estratégias para acionar conhecimentos prévios dos alunos da
escola, busca trazer a experiência de mundo para o texto lido, “fazendo com que
[posteriormente] as palavras tenham um significado que vai além do que está sendo
falado/escrito, por passarem a fazer parte, também, da experiência do leitor” (Santos;
Riche; Teixeira, 2015, p. 36).
Depois dessa atividade, foi realizada a leitura da crônica no suporte original,
explorado na apresentação da situação – “Portal da Crônica Brasileira”4, permitindo
que os alunos localizassem alguns pontos discutidos no momento de pré-leitura, tais
como a fonte do texto e o ano da publicação. Considerando o ensino remoto, na
simulação de aula, os estagiários solicitaram que alguns dos supostos alunos da
escola ligassem o microfone e conduzissem a leitura da crônica voluntariamente. Após
esse momento, a análise foi realizada oralmente por meio das perguntas elencadas
na Figura 3 (“Leitura”).
Na análise, o estagiário chamou a atenção para palavras assinaladas,
juntamente com os alunos, de forma a levá-los a refletir sobre o uso de marcadores
temporais e espaciais.
É evidenciado, por exemplo, que, proporcionalmente, os marcadores de tempo
aparecem na crônica em número menor que os marcadores de espaço, de acordo
com excertos presentes na Figura 3:

• Por que vocês acham que essas informações da narrativa são mínimas? Usar apenas essas
palavras compromete de alguma forma a narrativa? Por quê?
• E por que as informações sobre o espaço aparecem em número bem maior que as do tempo?

A intenção foi levar os alunos a observarem que os detalhes das informações


sobre o tempo foram suprimidos porque o destaque dado pelo autor é para o fato
ocorrido: a morte de um homem causada pela fome. Além disso, seria importante que
percebessem a relevância do uso dos advérbios para situar o leitor em relação ao

4 Disponível em: https://cronicabrasileira.org.br/


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 31

tempo da narrativa, pois, a depender de como ela se constrói e das intenções do autor,
essas informações podem ser minimizadas sem prejuízo para o sentido do texto.
Sobre os marcadores de espaço, é questionada a existência ou não de alguns
empiricamente, como observado no excerto retirado da Figura 3:

• Na vida real, de quem é a responsabilidade de prestar assistência para pessoas em situação de


rua? Vocês já ouviram falar da “Delegacia de Mendicância”? Esse órgão realmente existe? Dessa
forma, por que o autor escolheu inventar o termo “Delegacia de Mendicância”, se existem órgãos
públicos que prestam serviços a essa população?

O intuito dos questionamentos é que os alunos percebam que, quando o autor


inventa essa suposta “delegacia”, ele evidencia a despreocupação por parte das
diversas esferas da sociedade em relação às pessoas em situação de rua.
Sobre os verbos, foram apresentados os seguintes questionamentos, conforme
excertos destacados na Figura 3:

• Vamos reler o quinto parágrafo? Quais os verbos estão presentes nele? Em qual tempo verbal
eles se encontram? Qual é a diferença de sentido ao dizer “um homem morreu de fome” para
“um homem morre de fome? Por que vocês acham que o narrador trocou o tempo dos verbos?
• O que acontece quando o autor muda o tempo verbal na metade da narrativa?

Além de demonstrar a indignação do narrador diante do fato de um homem ter


morrido de fome na rua sem assistência, o propósito das perguntas foi demonstrar
que os recursos e estratégias linguísticas utilizados no texto marcam que o problema
social focalizado, na temática da crônica, é atual, como aparece frequentemente em
muitas notícias de jornais.
Desse modo, a atividade de leitura é realizada e atravessada pela análise
linguística, de forma contextualizada, de advérbios e locuções adverbiais, tempos
verbais, especificamente, a alternância entre presente e pretérito, explorando os
efeitos de sentido construídos por esses recursos linguísticos (Brasil, 2017; Santos;
Riche; Teixeira, 2015) na crônica em questão, levando, ainda, os leitores/alunos a
refletirem acerca de um problema social e das políticas públicas para que seja
resolvido.
Para finalizar a microaula on-line, observamos que, no momento “Pós-leitura”,
houve uma retomada de aspectos focalizados nos momentos anteriores, de forma a
sistematizá-los, conforme excerto retirado da Figura 3:

• Se disséssemos que o autor desta crônica, além de cronista, foi jornalista, a expectativa da leitura
de vocês mudaria de alguma forma? Por quê?
• O que leva uma pessoa à condição extrema de ter que morar na rua?
• A fome ainda é uma realidade na nossa atual sociedade? Por que vocês acham que a fome ainda
existe?
• Vocês já viram pessoas em situação de rua no nosso bairro/no bairro da escola? Vocês acham
que a escola, enquanto comunidade, poderia fazer algo em relação a essas pessoas?

Ao mesmo tempo, observa-se, então, que a reflexão continua na atividade “Pós-


Leitura”, trazendo o problema social para o espaço dos alunos (o bairro onde residem,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 32

o bairro onde se localiza a escola), envolvendo-os na temática por meio do gênero


estudado (Brasil, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, focalizamos a ferramenta microaula on-line, realizada por meio


da plataforma digital Google Meet como uma alternativa viável para a realização da
etapa de regência, prevista no Estágio Obrigatório de Língua Portuguesa e Literatura
de um curso de graduação de formação de professores de Letras, no contexto de
ensino remoto durante a pandemia de Covid-19.
Apesar de o contexto escolar, presencial, ser primordial para o Estágio
Obrigatório, com ênfase na etapa de regência, observamos que, no momento
pandêmico, a microaula on-line viabilizou a realização dessa etapa, uma vez que foi
possível aos estagiários apresentar um módulo de uma SD produzida por eles, de
forma a favorecer o funcionamento da atividade docente mesmo em situação adversa,
como o isolamento social – providência implementada em nível federal com o objetivo
de preservar a saúde de todos os envolvidos naquele momento.
Esse recurso, que envolveu a adaptação de técnicas de ficcionalização já
previstas em atividades de estágio, como as simulações de aula, potencializou o
desenvolvimento de capacidades discentes e docentes, pois possibilitou a construção
de um meio favorável para isso, apesar da situação gerada pelo contexto de ensino
remoto.
No primeiro caso, os alunos (pressupostos) da Educação Básica teriam a
oportunidade de aprender a utilizar recursos da língua por meio da leitura e da análise
linguística e semiótica de textos reais, com o gênero crônica, de forma a contribuir
para a formação de leitores críticos nessa etapa escolar. No segundo caso, os
estudantes de Letras, estagiários em formação inicial de professores, puderam
colocar em prática o planejamento para o ensino de língua, conforme preveem as
prescrições para a atividade docente (BNCC), tendo em vista o trabalho efetivo com
a unidade (o texto/gênero) e o objeto (as práticas reais de linguagem) de ensino de
língua.
Observamos também que a introdução da microaula on-line nas atividades de
estágio, além de exigir o desenvolvimento de um comportamento diferenciado dos
estagiários, a partir do meio e das situações contextuais em que a atividade docente
foi realizada, trouxe inovações nas práticas pedagógicas, pois surgiu como mais uma
possibilidade de ensino e de aprendizagem de língua que pode ser aplicada
novamente considerando o uso de recursos de tecnologia digitais.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 33

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Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 35

CAPÍTULO 3
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 36

AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA
PSICOGÊNESE PARA A
APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESCRITA
Érica Raiane de Santana Galvão
Jânio Nunes dos Santos

Os estudos sobre a psicogênese da língua escrita (Ferreiro; Teberosky, 1999)


influenciaram a concepção de alfabetização no Brasil. Foi evidenciado que a escrita
alfabética não é um código que se aprende através de técnicas de memorização, mas
um sistema notacional, cujo aprendizado é desenvolvido por intermédio de reflexão e
apropriação processual das propriedades do Sistema de Escrita Alfabética (SEA).
Mortatti (2021) comenta que, a partir de pesquisas desenvolvidas na Argentina e
no México por Emilia Ferreiro – orientada por Jean Piaget –, com a colaboração especial
de Ana Teberosky, a teoria da Psicogênese da Língua Escrita buscou explicar, de uma
perspectiva psicolinguística, a aquisição da língua escrita pelo estudante como um
processo psicogenético, resultado de dois marcos conceituais: a teoria da linguagem de
Noam Chomsky e a teoria da inteligência de Piaget. Esse processo se inicia antes da
escolarização e segue uma linha de evolução regular, estabelecendo uma relação direta
entre ontogênese e filogênese.
As conclusões resultantes das investigações sobre o conhecimento da evolução
psicogenética da aquisição da língua escrita são apresentadas como uma “revolução
conceitual” em relação às concepções tradicionais sobre alfabetização. Essa revolução
concebe, por um lado, a língua escrita como um sistema de representação e objeto
cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade, não como código de transcrição
de unidades sonoras nem como objeto escolar. A aprendizagem como conceitual – não
como aquisição de uma técnica – ou seja, como um processo interno e individual de
compreensão do modo de construção desse sistema, sem separação entre leitura e
escrita e mediante a interação do sujeito com o objeto de conhecimento. Além disso,
compreende-se que o estudante aprende como um sujeito cognoscente, ativo e com
competência linguística, que constrói seu conhecimento na interação com o objeto de
conhecimento e de acordo com uma sequência psicogenética – e não cronológica –
ordenada. Por outro lado, a teoria psicogenética demanda que se abandonem a visão
adultocêntrica do processo e a falsa ideia de que é o método de ensino que alfabetiza e
cria conhecimento e que o professor é o único informante autorizado (Mortatti, 2021).
É fundamental questionar por quais tipos de práticas o estudante é introduzido na
língua escrita, e como se apresenta este objeto no contexto escolar. Há práticas que
levam o estudante à convicção de que o conhecimento é algo que os outros possuem e
que só se pode obter através de outros indivíduos, sem nunca ser participante na
construção do conhecimento. Há práticas que levam a pensar “o que existe para se
conhecer” já pré-estabelecido, como um conjunto fechado, bem como há práticas que
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 37

levam o estudante a ser um espectador passivo, sem nunca encontrar respostas aos
“porquês” e os “para quês”. Desse modo, compreende-se que nenhuma prática
pedagógica é neutra. Todas estão ancoradas em certos modos de conceber o processo
de aprendizagem e o objeto dessa aprendizagem (Ferreiro, 1993).
Dentre os bens culturais, encontram-se a leitura e a escrita como saberes
constitutivos das sociedades letradas, essas, por sua vez, devem propiciar aos
indivíduos ou grupos sociais o acesso e a participação efetiva na cultura escrita. A
apropriação e utilização desses saberes é condição necessária para a mudança, do
ponto de vista tanto do indivíduo quanto do grupo social, de seu estado ou condição nos
aspectos cultural, social, político, linguístico e psíquico. Contudo, os significados, usos e
funções desses saberes, assim como as formas de sua distribuição, variam no tempo e
dependem do grau de desenvolvimento da sociedade (Mortatti, 2004).
Leitura e escrita são processos distintos que envolvem diferentes habilidades e
conhecimentos, bem como diferentes processos de ensino e aprendizagem, e podem
ser compreendidos em uma dimensão individual e em uma dimensão social. Tratando
de um grande conjunto de habilidades e conhecimentos linguísticos e psicológicos,
variados e radicalmente diferentes entre si, com formas de uso diferenciadas em relação
a uma diversidade de materiais escritos. Estes distintos conjuntos de habilidades e
conhecimentos se estendem em um continuum, encontrando-se infinitos estágios
intermediários que podem indicar múltiplos tipos e níveis de habilidades e
conhecimentos, utilizados para ler e escrever uma multiplicidade de tipos de material
escrito, com múltiplos objetivos e funções, assim como também múltiplos contextos e
situações (Mortatti, 2004).
Este capítulo tem como objetivo analisar a aprendizagem da Língua Escrita a partir
das contribuições dos estudos sobre a psicogênese. No que concerne aos objetivos
específicos propôs-se: a) Demonstrar como a teoria da psicogênese pode contribuir no
processo de aprendizagem da língua escrita; b) Analisar atividades que colaboram no
processo de apropriação do sistema de escrita.
Este texto organiza-se em três seções. A primeira aborda os estudos sobre a
psicogênese da língua escrita. A segunda apresenta o percurso metodológico. A terceira
analisa uma experiência didática referente a apropriação do sistema de escrita. Por fim,
são apresentadas as considerações finais.

OS ESTUDOS SOBRE A PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

No Brasil e na América Latina, nos anos 80, houve um crescente interesse pelo
tema da alfabetização inicial. A constituição e o aprofundamento dos debates sobre este
tema refletiram em muitos seminários, mesas-redondas, artigos e textos publicados
durante este período. Os estudos de Emilia Ferreiro difundiram-se rapidamente neste
contexto e dirigiram grande parte da reflexão teórica e da discussão sobre alfabetização,
não só entre pesquisadores, mas também entre muitas professoras (Azenha, 1993).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 38

Nesse cenário, a teoria da psicogênese representou uma grande revolução


conceitual nas referências teóricas com que se tratava a alfabetização até aquele
momento, iniciando a instauração de um novo paradigma para a interpretação da forma
pela qual o estudante aprende a ler e a escrever (Azenha, 1993).
A teoria da psicogênese (Ferreiro; Teberosky, 1999) teve grande divulgação no
Brasil, sendo um marco importantíssimo para o avançar da compreensão acerca do
processo de ensino e aprendizagem do SEA. A referida teoria postula que a apropriação
do SEA não ocorre por mera transmissão de informações, nem ocorre da noite para o
dia, mas pressupõe um percurso evolutivo, no qual as atividades dos estudantes
caminham gradativamente para a “hipótese alfabética”. Estas compreensões
influenciaram significativamente a concepção de alfabetização no Brasil, depreendendo-
se que a escrita alfabética não é um código que se aprende através de técnicas de
memorização, mas é um sistema notacional, cujo aprendizado é desenvolvido por meio
da apropriação processual das propriedades do SEA (Morais, 2012).
Diferentes estudiosos reconhecem que a divulgação da teoria da psicogênese
provocou uma verdadeira revolução no debate sobre alfabetização. Com esta teoria,
aprendeu-se que os métodos tradicionais tinham uma visão divergente sobre a atividade
do estudante. Compreendeu-se que não é preciso controlar as palavras que o estudante
terá contato, porque isso em nada assegura em seu avanço. Além de contribuir para o
entendimento de que o processo de letramento começa fora da escola, antes mesmo do
ciclo de alfabetização, e que deve ser bem conduzido pela escola, desde a educação
infantil. E, ao assumir tal tarefa, a escola contribuirá para reduzir desigualdades sociais
(Morais, 2012).
Observa-se que na contramão de outros estudos teóricos, os objetivos das
investigações de Ferreiro

[...] não é a prescrição de novos métodos para o ensino da leitura e da escrita. Muito
menos a proposta de novas formas de classificar dificuldades do aprendizado. Ao
estudar a gênese psicológica da compreensão da língua escrita na criança, Ferreiro
desvenda “a caixa preta” desta aprendizagem, demonstrando como são os processos
existentes nos sujeitos desta aquisição. Isso porque, até que uma proposta empírica
desta natureza fosse feita, o tema da aprendizagem da escrita era considerado apenas
uma técnica dependente dos métodos de ensino (Azenha, 1993, p. 35-36).

Coerente com a filiação (construtivista) epistemológica, Ferreiro demonstra que a


abordagem da alfabetização como questão essencialmente metodológica fora
sustentada por teorias psicológicas envoltas no associacionismo ou empirismo. Nessa
perspectiva, enfoca-se que a avaliação da melhor ou pior aprendizagem da língua escrita
estaria em correspondência com melhores ou piores métodos de ensino, implicando na
compreensão que essa aprendizagem decorre da apropriação de elementos externos
realizados por um sujeito passivo (Azenha, 1993).
Contraposta à tendência associacionista, as investigações de Ferreiro articulam-se
para demonstrar a existência de mecanismos do sujeito do conhecimento (sujeito
epistêmico), que na interação com a linguagem escrita (objeto de conhecimento), explica
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 39

a emergência de formas peculiares de compreender o objeto. Desse modo, os


estudantes interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional dos
adultos, produzindo escritas diferentes e estranhas. Essas transformações descritas por
Ferreiro são brilhantes exemplos dos esquemas de assimilação piagetianos. A exemplo,
é possível citar quando o professor ensina a palavra GATO e alguns estudantes
escrevem GO ou AO ou GT. Através das escritas dos estudantes, Ferreiro desvenda a
razão destas transformações e a lógica empregada pelo estudante, ou os processos
psicológicos que produzem tais condutas. A escrita produzida é fruto da aplicação de
esquemas de assimilação ao objeto de aprendizagem (a escrita), formas utilizadas pelo
sujeito para interpretar e compreender o objeto (Azenha, 1993).
Nessa interlocução, cabe destacar que o construtivismo não se constituiu em um
novo método de ensino da leitura e da escrita. Ao contrário, o construtivismo questionou
as concepções até então defendidas e praticadas no processo de ensino-aprendizagem
da alfabetização, em específico as que se baseavam na centralidade do ensino e, em
decorrência, dos métodos, dos testes de maturidade e das cartilhas de alfabetização. Do
ponto de vista do construtivismo, a alfabetização é designada de aquisição por parte dos
estudantes da lectoescrita, ou seja, da leitura e da escrita, simultaneamente.
Esse processo de aprendizagem é resultado da interação do sujeito cognoscente
com o objeto de conhecimento (a língua escrita). A mudança de paradigma gerou
impasses entre o questionamento da possibilidade do ensino da leitura e da escrita e de
sua metodização e a ênfase no como o estudante aprende a ler e a escrever, ou seja,
em como o estudante se alfabetiza (Mortatti, 2004). Assim, compreende-se que o
estudante reinventa a escrita para fazê-la sua, um processo de construção efetivo e uma
originalidade nas concepções antes ignoradas (Ferreiro; Teberosky, 1999).
No construtivismo, o foco é transferido de uma ação docente determinada por um
método preconcebido para uma prática pedagógica de estímulo, acompanhamento e
orientação da aprendizagem, respeitando as peculiaridades do processo de cada
estudante (Soares, 2018).
Considerando que a tarefa do alfabetizando não é aprender um código, mas se
apropriar de um sistema – o sistema notacional, Morais (2012) ressalta dois pontos
fundamentais para entendermos a teoria da psicogênese: Primeiro, é fundamental
reconhecer que, para o estudante, as propriedades do SEA não estão “disponíveis” ou
“prontas” na sua mente. Em segundo, a psicogênese mostra que, assim como a
humanidade levou muito tempo para inventar o sistema alfabético, após ter usado outros
sistemas de escrita (sistemas pictográficos, ideográficos, silábicos etc.), a internalização
das regras e convenções do alfabeto não é algo que se dá da noite para o dia, nem pela
mera acumulação de informações que a escola transmite, prontas, para o estudante.
Morais (2005) destaca que para dominar um sistema notacional, o estudante
precisa desenvolver representações adequadas sobre como ele funciona, isto é, sobre
suas propriedades. Nessa perspectiva, os estudantes precisam concentrar seus esforços
para desvendar e compreender a lógica desse sistema. Para compreender as
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 40

propriedades básicas do sistema alfabético de escrita (Morais, 2012; Leal; Morais, 2013),
precisam perceber que:

1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito
e que são diferentes de números e outros símbolos;
2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças na
identidade das mesmas (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p,
P, p);
3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada;
4. Uma letra pode se repetir no interior da palavra e em diferentes palavras, ao mesmo
tempo em que distintas palavras compartilham as mesmas letras;
5. Nem todas as letras podem vir juntas de outras e nem todas podem ocupar certas
posições no interior das palavras;
6. As letras notam a pauta sonora e não as características físicas ou funcionais dos
referentes que substituem;
7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais pronunciadas;
8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro
e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra;
9. Além de letras, na escrita de palavras usam-se, também, algumas marcas (acentos)
que podem modificar a tonicidade ou som das letras ou sílabas;
10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV,
CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português
é a sílaba CV (consoante-vogal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos,
uma vogal (Morais, 2012, p. 51).

Ao adotar uma perspectiva construtivista, os professores podem auxiliar os


estudantes a reconstruir em suas mentes todas as propriedades do SEA. Os esforços
pedagógicos devem envolver ao menos duas questões conceituais que precisam ser
respondidas pelos indivíduos aprendizes: o que a escrita representa/nota? E como a
escrita cria representações/notações? (Morais, 2012; Leal; Morais, 2013).
Ferreiro e Teberosky (1999) indicam que os estudantes vivenciam fases na
apropriação da escrita alfabética. Assim, quando os estudantes vão construindo
conhecimentos sobre a notação escrita, eles vão avançando em suas hipóteses.
Destarte, há os seguintes estágios de escritas: pré-silábica, silábica, silábico-alfabética
e alfabética.
Na fase pré-silábica, os estudantes ainda não descobriram que a escrita registra a
pauta sonora das palavras que falamos. Nesse momento, eles não distinguem desenho
e escrita. E, ao escreverem determinadas palavras do jeito que sabem, produzem
garatujas e rabiscos parecidos com letras (Morais, 2012).
Na fase silábica, os estudantes buscam fazer correspondência das letras aos
segmentos silábicos orais que pronunciam. Eles passam a interpretar que a escrita nota
ou registra a pauta sonora das palavras que pronunciamos. Além disso, os estudantes
passam a conceber que se deve associar uma letra a cada sílaba pronunciada. Nessa
fase, os estudantes descobrem que o vínculo ocorre entre as partes orais e escritas das
palavras (Morais, 2012).
A fase silábico-alfabética é vista como um período de transição, no qual o estudante
descobre que a escrita alfabética nota as partes das palavras que falamos, em lugar de
achar que deve colocar uma letra para cada sílaba, descobre que é preciso “pôr mais
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 41

letras”. Desse modo, é necessário que os estudantes reflitam sobre o interior das sílabas
orais, buscando notar os pequenos sons que as palavras formam, em lugar de colocar
uma única letra para cada sílaba (Morais, 2012). Já na fase alfabética, os estudantes
atingem a fase final do processo de apropriação da escrita alfabética. Eles colocam, na
maioria das vezes, uma letra para cada fonema que se pronuncia. Mas é comum
cometerem muitos erros ortográficos (Morais, 2012).
Além da compreensão desses estágios/fases de escritas, os estudos da
psicogênese mostram que a imersão dos estudantes no mundo da cultura escrita
começa fora da instituição escolar, bem antes do ano da alfabetização, e que deve ser
conduzida na escola e pela escola desde a educação infantil. Não há, portanto, prontidão
para a alfabetização. Todos têm direito a se alfabetizar e, por isso, deve-se partir do nível
de cada estudante (Morais, 2012).
Tendo por base o conhecimento dos percursos cognitivos e suas dinâmicas na
reestruturação mental, Ferreiro (1993) defende uma mudança de foco nas práticas de
ensino. Em vez de considerar as hipóteses dos estudantes como reflexo de imaturidade,
é preciso contemplar a natureza inteligente e dinâmica das concepções dos estudantes,
compreendendo que elas (as concepções) fazem parte do processo de construção do
conhecimento.
Diante da diversidade das experiências vividas pelos estudantes e da complexidade
dos processos de aprendizagem, enfrenta-se o desafio de ajustar o ensino aos
processos de aquisição do saber dos sujeitos, pois requer que o estudante seja colocado
no centro do processo de aprendizagem – o que, na prática, solicita uma considerável
reconfiguração dos papéis tipicamente assumidos na escola. Desse modo, cabe aos
professores a tarefa de criar oportunidades para que os estudantes possam refletir sobre
a língua, tendo boas razões para substituir suas hipóteses originais por outras mais
elaboradas (Colello, 2021).
Destaca-se que a alfabetização se coloca além de um conteúdo a ser ensinado, é
progressivo e infindável acesso a um universo de conhecimentos cujas relações e
interdependências pressupõem uma profusão de frentes cognitivas, impactando assim o
indivíduo nas dimensões política e social. Desse modo, a alfabetização não se limita a
um estoque de saberes e de habilidades, mas configura-se como forma de ser e estar
no mundo (Colello, 2021). Nessa perspectiva, no lugar de um estudante que recebe aos
poucos uma linguagem inteiramente fabricada por outros, surge um estudante que
reconstrói por si mesmo a linguagem, tomando seletivamente a informação que lhe provê
o meio (Ferreiro; Teberosky, 1999), utilizando seus conhecimentos em seus cotidianos.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

A discussão em pauta refere-se a experiências vivenciadas durante a regência em


uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental no ano de 2022. Dentro deste contexto,
alguns estudantes apresentavam dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita.
Deste modo, buscou-se estratégias para que tais dificuldades fossem superadas.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 42

No início do ano foi feito o diagnóstico com a turma objetivando conhecer a hipótese
da escrita em que os estudantes se encontravam. A partir disso, foram realizadas
atividades para proporcionar o avanço na apropriação do SEA. Ao final do ano letivo,
identificou-se, por meio de um outro diagnóstico, que os estudantes avançaram em seus
conhecimentos no que se refere à leitura e à escrita.
Neste capítulo, focou-se nas atividades realizadas com uma das estudantes
(ficticiamente nomeada de Laura) que demonstrou um avanço na aquisição da língua
escrita. Assim, este capítulo, está centrado nas experiências de mobilização dos
saberes-docentes com a referida estudante. As aplicações das atividades foram
realizadas no período de abril a novembro de 2022.
A pesquisa desenvolvida tem uma abordagem qualitativa com um viés de pesquisa-
ação. Para Minayo (2001), o trabalho com a pesquisa qualitativa envolve o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Já a pesquisa-ação pressupõe uma participação planejada do pesquisador na
situação problemática a ser investigada. O processo de pesquisa recorre a uma
metodologia sistemática, no sentido de transformar as realidades observadas, a partir da
sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos elementos envolvidos
na pesquisa. O investigador abandona o papel de observador em proveito de uma atitude
participativa e de uma relação sujeito a sujeito. Nesse processo, o pesquisador ao
participar da ação traz consigo uma série de conhecimentos que serão o substrato para
a realização da sua análise reflexiva sobre a realidade e os elementos que a integram.
A reflexão sobre a prática implica em modificações no conhecimento do pesquisador
(Fonseca, 2002).
Acredita-se ser fundamental utilizar os princípios pedagógicos da pesquisa-ação
objetivando produzir nos participantes as condições de compreender essa prática na
totalidade de seus condicionantes, a fim de que, no coletivo, ocorram transformações
nos contextos e condições que a constituem. Desse modo, observa-se que a prática só
pode ser compreendida na perspectiva da totalidade e da construção compartilhada de
saberes que se organizam em seu processo. As teorias só se transformam em
conhecimento pedagógico quando se tornam expressão dos sentidos esclarecidos no
exercício da práxis. Sendo essa uma possibilidade aberta com os trabalhos com
pesquisa-ação (Franco, 2012).
Este tipo de pesquisa pode ser uma alternativa metodológica, e mesmo uma prática
pedagógica, para construir conhecimentos sobre a prática docente de forma fidedigna,
permitindo um esclarecimento das teorias implícitas na prática (Franco, 2012).

LAURA E A APROPRIAÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA

Com o objetivo de identificar a hipótese de escrita e que estratégias seriam


elaboradas para a aprendizagem da língua escrita, foi realizada uma avaliação
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 43

diagnóstica com Laura, e lhe foi solicitado que escrevesse as palavras (mala, bola,
panela, lua, pipoca, sapato, entre outras) ditadas. Este ditado foi realizado no primeiro
semestre do ano letivo de 2022.

Figura 1 - Ditado

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Na Figura 1, verifica-se que a estudante utiliza as letras do alfabeto e em algumas


palavras apresenta o valor sonoro para representação escrita, mas possui dificuldade
em dispor as letras em uma sequência coerente e convencional para que seja
compreendido o que estava tentando grafar. Assim, Laura encontrava-se na hipótese
silábica, pois usava uma letra para cada sílaba da palavra, reunidas de forma aleatória
e com valor sonoro representando um dos fonemas da sílaba (Soares, 2018).
A escrita alfabética é um sistema notacional e seu aprendizado está ligado à
evolução da consciência fonológica, que é uma “constelação” de habilidades variadas,
em função das unidades linguísticas envolvidas, da posição que estas ocupam nas
palavras e das operações cognitivas que o estudante realiza ao refletir sobre as partes
sonoras das palavras (Morais, 2020). A consciência fonológica é a consciência dos sons
(letras, sílabas) que compõem as palavras que ouvimos e falamos. No processo de
construção da consciência fonológica, a identificação de sílabas, a contagem de
fonemas, e de fonemas que podem ser manipulados para a criação de novas palavras
são estratégias didáticas que podem contribuir para a aprendizagem da língua escrita
(Galvão; Pinheiro; Santos, 2022).
As habilidades que os estudantes desenvolvem para refletir sobre as partes orais e
escritas das palavras estão vinculadas ao que vivenciam na escola e em seus lares. Um
enfoque construtivista de alfabetização precisa reconhecer o lugar da consciência
fonológica no aprendizado do sistema alfabético. É preciso também adotar uma postura
psicogenética, que valorize os aspectos conceituais envolvidos na alfabetização (Morais,
2020).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 44

O primeiro ano do ciclo de alfabetização é uma etapa em que a maioria dos


estudantes precisa de auxílio para desenvolver as habilidades metafonológicas que
participam do complexo processo de apropriação do SEA, como demonstrou a teoria da
psicogênese. É preciso o desenvolvimento de um trabalho em que os estudantes
analisem as partes orais das palavras, para que avancem nas questões conceituais que
oportunizarão a compreensão das relações entre partes orais e partes escritas (Morais,
2020).
Baseado nos pressupostos da psicogênese e da consciência fonológica, foram
propostas atividades para que Laura avançasse na aquisição da língua escrita. Foram
aplicadas atividades que trabalhavam com a consciência silábica, consciência de rimas
e aliterações, consciência de palavras e consciência fonêmica. Estas atividades
envolviam diversas operações como: destacar sílabas e formar novas palavras,
encontrar palavras com o número indicado de sílabas, formar novas palavras a partir da
troca de sílabas, entre outras.
Na atividade a seguir, trabalhou-se com a consciência silábica:

Figura 2 - Atividade de consciência silábica

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Na atividade (Figura 2), explorou-se o trabalho com as sílabas através do poema


“Coisas esquisitas”. A proposta é que sejam encontradas palavras no poema com o
número de sílabas indicadas. Os gêneros textuais de domínio público constituem
excelente material para que os estudantes reflitam sobre as palavras da língua, em suas
dimensões gráfica e sonora. Os poemas são uma fonte especial para promover esta
reflexão (Morais, 2020).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 45

A consciência silábica possibilita a segmentação da palavra em sílaba, introduzindo


o estudante no período de fonetização da escrita, em que são realizadas uma série de
recortes orais, tratando de encontrar a letra adequada para as partes das palavras.
Desse modo, o estudante começa a escrever silabicamente – a usar as letras para
representar os recortes orais que identifica nas palavras. Assim, há uma correlação entre
a psicogênese e o processo de desenvolvimento da consciência fonológica (Soares,
2018; Ferreiro, 2004).
No transcorrer da atividade (Figura 3), continuou-se o trabalho com a consciência
silábica:

Figura 3 - Continuação da atividade de consciência silábica

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A proposta da atividade de consciência silábica (Figura 3) é a contagem de sílabas


e a compreensão da construção de palavras dentro de palavras. Como aponta Morais
(2020), a habilidade de consciência fonológica de detectar palavras dentro de outras é
muito rica do ponto de vista cognitivo, porque implica em pensar nos segmentos sonoros
e na própria noção de palavra.
Ao propor que os estudantes trabalhem com palavras, é possibilitado que eles
percebam as transformações que ocorrem, por exemplo, quando uma letra/sílaba passa
a fazer parte de uma palavra ou dela é retirada. Quando o estudante descobre palavras
a partir da reorganização de um conjunto de letras/sílabas, é realizada uma observação
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 46

com um nível de consciência fonológica das regularidades do funcionamento das


relações grafema-fonema da Língua Portuguesa (Morais, 2012).
A Figura 4 apresenta uma das atividades de consciência de palavras trabalhada:

Figura 4 - Atividade de consciência de palavras

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Na atividade (Figura 4), usa-se uma parlenda: “Macaca Sofia”, que demonstra
repetições durante toda a construção do texto, o que revela o trabalho com o som final
das palavras. Observa-se a abordagem de algumas estratégias para a compreensão da
consciência de palavras, como: a contagem da quantidade de palavras na parlenda; a
reorganização de palavras embaralhadas para a construção de uma parte da parlenda;
reconhecimento de palavras compostas com até seis letras; e a elaboração de um
acróstico. Esta atividade enfatiza o reconhecimento e compreensão global da palavra,
além do entendimento de que ela é formada por unidades menores (letras) que formam
sílabas, para então formarem as palavras.
Como um reflexo de suas aprendizagens, Laura começou a fazer produções em
casa. Destaca-se um dos registros (Figura 5) de suas produções:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 47

Figura 5 - Produção realizada em casa

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Como observa-se na imagem, Laura fez o “modelo” de um celular e escreveu os


nomes dos aplicativos. Os textos produzidos pelos estudantes tendo influência da cultura
das telas nos fazem refletir sobre a necessidade de uma nova pedagogia, como aponta
Rojo e Almeida (2012), que dialogue com uma diversidade de letramentos, linguagens,
mídias e culturas. A pedagogia dos multiletramentos propõe um estudo tendo por base
a multiplicidade de culturas presentes no ambiente escolar e a multiplicidade semiótica
dos textos, sinalizando a necessidade da inclusão de práticas multiletradas no currículo,
valorizando, assim, os sujeitos em suas vivências para além da escola.
No final do ano letivo de 2022, foi realizado um ditado para observar a evolução da
escrita da estudante.

Figura 6 - Ditado de sondagem

Fonte: Dados da pesquisa (2022).


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 48

Ao fazer a comparação deste ditado de sondagem (Figura 6) com a avaliação


diagnóstica inicial (Figura 1) apresentada nesta seção, é possível constatar os avanços
significativos de Laura no que se refere à apropriação do sistema de escrita. Após um
período de realização de atividades de consciência fonológica, Laura foi alfabetizada.
Assim, verificou-se que a teoria da psicogênese e o trabalho com a consciência
fonológica exercem um papel fundamental no aprendizado da leitura e da escrita. A
psicogênese proporciona um desenvolvimento da escrita a partir das hipóteses e das
atividades direcionadas, servindo de suporte no direcionamento das práticas de
alfabetização que o professor propõe ao estudante a partir das hipóteses de escrita em
que se encontram.
No caso de Laura, uma outra estratégia didática utilizada nas aulas foi a produção
de pequenos textos, pensando a alfabetização em diálogo com a teoria do letramento,
cujo direcionamento é aprender a escrita atrelada às práticas de produção de textuais e
como esses textos circulam na sociedade (práticas socioculturais). A Figura 7 mostra um
dos textos produzidos por Laura:

Figura 7 - Produção de texto

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Na ocasião, Laura foi solicitada a escrever um texto sobre o tema que desejasse.
Ela escreveu sobre “A importância da escola” e sua produção evidencia que ela se
apropriou do SEA. A teoria da psicogênese mostra que as oportunidades de vivenciar
práticas de leitura e escrita influenciam significativamente o ritmo do processo de
apropriação do SEA e dos conhecimentos sobre a linguagem usada ao escrever. Ao
tratar os sistemas notacionais como objetos de conhecimento que têm propriedades
complexas, a psicogênese (Morais, 2012) traz uma reflexão sobre o saber-fazer docente
e proporciona que o estudante compreenda e se aproprie do SEA.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 49

Para os estudantes alcançarem hipóteses silábicas, silábico-alfabéticas e


alfabéticas de escritas, eles precisarão refletir sobre as partes sonoras das palavras e
não somente em seus significados. Reforçamos que a escrita alfabética é uma invenção
cultural, a escola pode auxiliar os estudantes na descoberta das propriedades do SEA
(Morais; Leite, 2005). Na concepção ampla de alfabetização, que considera o processo
de apropriação da linguagem por meio da inserção do estudante na cultura escrita,
compreende-se que é necessário ensinar os princípios do SEA, assim como não se pode
deixar de ensinar, através de atividades reflexivas, as habilidades de consciência
fonológica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, objetivou-se analisar as contribuições da teoria da psicogênese


para a aprendizagem da língua escrita a partir de uma intervenção didática com foco no
acompanhamento das hipóteses de escrita e na construção da consciência fonológica.
Inicialmente, explicitou-se uma breve fundamentação teórica sobre os estudos da
psicogênese. Apresentou-se algumas discussões sobre suas contribuições na área de
alfabetização para o avançar da compreensão acerca dos processos de ensino e
aprendizagem da escrita alfabética. Posteriormente, foram analisados o diagnóstico
inicial e final de Laura, e os registros de algumas atividades de consciência fonológica.
Verificou-se que estas atividades direcionadas contribuíram em todo o processo de
alfabetização da estudante.
É fundamental um trabalho sistemático no ciclo de alfabetização que tenha por base
os pressupostos teóricos da psicogênese e da consciência fonológica, visando a
evolução da escrita e a promoção de reflexões fonológicas, favorecendo assim, a
apropriação do sistema de escrita.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 50

REFERÊNCIAS

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Di Marco, Mário Corso. Porto Alegre: Artmed, 1999.

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MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,
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ROJO, Roxane; ALMEIDA, Eduardo de Moura. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editora,
2012.

SOARES, Magda Becker. Alfabetização: a questão dos métodos. 1. ed. 2ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2018.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 51

CAPÍTULO 4
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 52

REPRESENTAÇÕES EM ORIENTAÇÕES
DE UM MATERIAL DIDÁTICO PARA
PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA
COMO L2 PARA CRIANÇAS SURDAS
Giovane dos Santos Brito
Fernanda Beatriz Caricari de Morais

No contexto educacional brasileiro, muito se tem discutido para melhor pensar em


condições adequadas e facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem de crianças
surdas presentes nos espaços educacionais do país.
Como aspecto motivador de grandes movimentações e produções no campo, essa
ação, de forma mais profunda, tem corroborado para o desenvolvimento de materiais
didáticos auxiliadores da prática docente, diante dos aprendizes, tendo em mente a
atuação profissional em variadas salas de aula que se encontram distantes dos
apontamentos consagrados pela comunidade científica nacional. Por ser assim, acredita-
se que muitas concepções e crenças podem estar dispostas nos diferentes materiais
elaborados, o que impacta, diretamente, na fruição do uso do material com os aprendizes
pelo profissional à frente do processo.
Desse modo, esta pesquisa tem como objetivo analisar as orientações destinadas
aos professores de Língua Portuguesa (LP) como Segunda Língua (L2) para crianças
surdas, presentes em um material didático criado no âmbito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), atentando-se, especialmente, às representações presentes
nelas, à luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Sistêmico-Funcional
(LSF).
Com natureza qualitativa, esta análise é uma produção vinculada a um trabalho de
mestrado que tem como foco o estudo das representações da Língua Brasileira de Sinais
(Libras) e de sujeitos surdos ao longo dos últimos anos no Brasil, presentes em textos
jornalísticos publicados no portal de notícias G1, já em desenvolvimento no âmbito do
Mestrado Profissional em Educação Bilíngue, do Instituto Nacional de Educação de
Surdos (INES), no Rio de Janeiro.
Pensa-se que as discussões discorridas neste trabalho, bem como as
representações encontradas nas orientações estudadas servirão de base para a
elaboração do produto educacional, que consistirá em um material acessível para
desmistificar possíveis mitos e crenças que podem existir nos textos a serem tratados,
no que se volta a esses cidadãos e acerca de sua língua.
A elaboração desse produto se fundamenta nas percepções advindas experiência
profissional como Tradutor-Intérprete de Libras e LP nos espaços educacionais do
estado, desde a Educação Básica ao Ensino Superior, como também no percurso
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 53

acadêmico onde desenvolve-se estudos sobre aprendizagem da LP como L2 de alunos


surdos em especial, assim como este trabalho.
Inicialmente, tem-se uma apresentação dos aspectos históricos-contemporâneos
que marca(ram) o processo de ensino e aprendizagem do referido grupo de alunos, onde
lança-se mão de bases legais e pesquisas publicizadas no Brasil. Depois, os
esclarecimentos da teoria-base desta pesquisa são colocados à mostra, seguidos dos
procedimentos metodológicos adotados, da análise e discussão dos dados obtidos e das
considerações finais.

ENSINO DE ALUNOS SURDOS: ASPECTOS HISTÓRICOS E NECESSÁRIOS

O processo de ensino envolvendo alunos surdos passou por inúmeras


transformações, ao longo da história. No cenário mundial, até o século XV,
aproximadamente, a ideia de incapacidade era, especialmente, voltada aos tais,
enxergando-os como sujeitos castigados por uma ordem divina, que não poderiam ser
educados, desprovidos de direitos cidadãos, civis, políticos e educacionais, o que os
caracterizavam como sujeitos marginalizados (Cavalcanti, 2011). Nesse período, o
estigma da anormalidade e a concepção de surdez como doença era fortemente
existente.
No entanto, no decorrer do século XIX, mudanças iniciadas pela consagração da
abordagem oral como ideal para esse processo, definida no Congresso Milão, ocorrido
em 1880, trouxeram grandes impactos, bem como a transição desta para uma nova,
chamada de Comunicação Total. De acordo com Pereira (2014), o ensino por meio da
abordagem oral teve como consequência o ensino da Língua Portuguesa (LP) como
código, o que, de forma similar, resultou em um ensino padrão e sistemático, tendo
assim, alunos que compreendiam apenas fragmentos dela.
Após isso, nos anos de 1960 iniciava-se o ensino desse público sob um novo viés
metodológico. A Comunicação Total, segundo Pereira (2014), se originou mediante a
não sustentação da abordagem oral, “onde muitos sujeitos surdos, começaram a
ponderar em juntar o oralismo com a língua de sinais simultaneamente como uma
alternativa de comunicação” (Strobel, 2009, p. 23). Nessa abordagem, a aprendizagem
da LP ocorria através da leitura orofacial (Pereira, 2014) juntamente com a fala, a
sinalização, a leitura e a escrita.
Conquanto, diante das críticas direcionadas à tal e das grandes reivindicações
mobilizadas pelos movimentos surdos, novos olhares e diferentes ações surgiram. Com
o desenvolvimento da produção científica-acadêmica, uma nova proposta de ensino e
aprendizagem vem à tona. O Bilinguismo, como a nova proposta de ensino, que defende
o uso da Libras como Primeira Língua (L1) e a LP, em sua modalidade escrita, como
Segunda Língua (L2), uma vez que a grande parte das crianças surdas estão vinculadas
a famílias majoritariamente não-surdas (Karnopp; Quadros, 2001; 2004).
Em um cenário mais recente, essa nova perspectiva educacional, envolvendo
esses sujeitos tornou-se base de mudanças que, neste tempo, podem ser percebidas. A
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 54

oficialização da Lei nº 10.436 de 2002, que reconhece a Libras como forma de


comunicação e expressão das comunidades surdas do país (Brasil, 2002), para além
dos destaques presentes no seu decreto regulamentador (Decreto n° 5.626 de 2005)
partem dessa premissa, garantindo o direito à uma educação que considere suas
especificidades linguísticas, diante dos conteúdos a serem ensinados e compreendidos
por esses discentes.
A recente Lei Federal nº 14.1491, oficializada no ano de 2021, alterou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação e definiu a Educação Bilíngue como uma modalidade
de ensino. Ela, por sua vez, evidenciou a necessidade da garantia do direito à uma
educação bilíngue para os aprendizes surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva
sinalizantes, com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências
associadas do Brasil. Nas linhas da referida, o ensino a partir dessa nova definição
deverá ocorrer “em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas
comuns ou em polos de educação bilíngue” (Brasil, 2021, Art. 60-A).
Assim sendo, importa partir desse princípio, no campo da sala de aula, porque,
conforme Quadros e Schmiedt (2006) evidenciam, uma grande maioria desses
dependem de habilidades próprias de sua L1, para, consequentemente, produzirem uma
relação de sentido com aquilo que está sendo aprendido na L2. Esse fator, em grande
escala, demanda o uso de metodologias específicas por parte do docente e uma
compreensão significativa do processo de aprendizagem de uma L2, como destaca
Souza (2018).
Ao lado disso, faz-se necessário considerar que a aprendizagem da LP como L2
por parte desses alunos surdos, situados em locais distintos do país, constituintes de
bases familiares que, muitas vezes, desconhecem os aspectos referentes à sua L1,
“demanda um processo de natureza cognitiva (para o surdo) e metodológica (para o
professor) que difere totalmente dos princípios que a literatura na área do ensino de
português como língua materna” (Fernandes, 2006, p. 6).
Desse modo, portanto, outros destaques que se inclinam nesse mesmo sentido,
podem ser notados tanto nas evidências expostas por Quadros e Schmiedt (2006), como
nas reflexões elaboradas por Pereira (2014) e Fernandes (2006) acerca do assunto. Com
base nas discussões realizadas pelas autoras, para essa ação em contato com esse
público, importa, ainda, distanciar-se das metodologias utilizadas para com os alunos
não-surdos de base fonológica, tendo em mente as singularidades linguísticas que os
surdos apresentam nos espaços de aprendizagens e valorizando, assim, suas ações na
produção de sentido na L2 e não a adoção de estratégias de ensino que partem de
palavras estanques na realização das atividades propostas.
Após esses breves destaques discorridos, nas linhas adiante são colocados à
vista apontamentos sobre a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) que, de forma similar,
caracteriza-se como parte complementar do referencial teórico adotado para a realização
das discussões aqui elaboradas.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 55

LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (LSF)

Idealizada mediante pressupostos antropológicos, pelo britânico Michael Halliday,


por volta de 1960, a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) consiste em uma teoria de
linguagem cujo maior foco concentra-se em compreender as relações ocorridas no
campo social, atentando-se ao modo que a linguagem é utilizada pelos participantes, na
interação comunicativa, para atingir os reais objetivos. Para Barbara e Macêdo (2009), a
LSF trata-se de uma base teórico-linguística que objetiva compreender a linguagem em
todas as suas manifestações, tendo o texto como ponto de partida, atentando-se ao seu
significado, na oração; não em sua forma.
Sob desdobramentos hallidayanos, Fuzer e Cabral (2014, p. 22) evidenciam que o
texto, no campo da LSF, refere-se a “qualquer instância da linguagem, em qualquer meio,
que faz sentido a alguém que conhece a linguagem”. Segundo Halliday (1994), ele possui
uma inter-relação com dois contextos de funcionamento específicos, sendo eles o
Contexto de Cultura (mais amplo; marcado pelos fatos históricos, sociais e culturais que
permeiam o texto) e o Contexto de Situação (mais específico; ambiente imediato em que
o texto ocorre).
Diferente do Contexto de Cultura que pode ser permeado por práticas distintas de
grupos ideológicos, étnicos, sociais e institucionais, o Contexto de Situação é composto
pelas variáveis de registro: Campo, Relações e Modo. A primeira, refere-se ao assunto
do texto, ao passo que a segunda se trata das interações linguísticas e sociais que
ocorrem entre os participantes do texto e a terceira se volta à forma em que o texto é
apresentado. Cada uma dessas variáveis se relaciona ao que Halliday (1994) denomina
de Metafunção Ideacional, Interpessoal e Textual. Elas expressam tanto significados
acerca das representações sobre as experiências no mundo através da língua, como de
poder, solidariedade, e atitudes em relação ao outro e sobre papéis que são assumidos
diante da organização do conteúdo da mensagem.
À luz da teoria, a representação realizada pela linguagem é desempenhada no
contexto da metafunção ideacional, que enxerga a oração como representação,
atentando-se às experiências que o indivíduo tem tanto no mundo mental (interno), como
no físico (externo), através do Sistema de Transitividade.
De acordo com Halliday (1994), o Sistema de Transitividade é compreendido
como o sistema que descreve a oração, no seu sentido mais completo, tendo, para isso,
participantes (grupos nominais), processos (grupos verbais) e as circunstâncias (grupos
adverbiais) na formação de figuras representacionais. Tratando da teoria em LP, essas
figuras, para Fuzer e Cabral (2016, p. 27), são “configurações constituídas de um
processo e participantes (quem faz o quê) e, eventualmente, de circunstâncias
associadas ao processo (onde, quando, como, porquê, etc.)”.
Diante de Halliday (1994), Gouveia (2009) exemplifica essa definição e explica que
esse Sistema é composto por seis tipos de processos, classificados em dois tipos:
processos principais e secundários. Os processos principais referem-se aos processos
materiais (expressam ações e eventos do mundo físico/mental); processos mentais
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 56

(tratam da representação das experiências internas, como as lembranças, reflexões e as


reações) e processos relacionais (responsáveis pela caracterização e identificação que
ocorrem nas relações). Já os processos secundários consistem em processos
comportamentais (agem para representar as necessidades psicológicas e fisiológicas do
ser humano), processos verbais (representantes dos dizeres) e processos existenciais
(agem na representação da existência de um participante).
Diferentemente, a metafunção interpessoal enxerga a oração como troca. Trata-se
do campo linguístico que as relações acontecem por meio das escolhas linguísticas feitas
pelo falante, mediante os sistemas de Modo e de Modalidade. A Modalidade diz respeito
à posição que o falante ocupa para com a mensagem, bem como para com o interlocutor,
ao passo que o Modo se caracteriza como os respectivos papéis que este realiza para
com o interlocutor. Halliday (1994) e Halliday e Matthiessen (2004) apontam que, nesse
campo, diferentes situações na comunicação ocorrem, os quais distintos, os quais
inclinam-se à “um pedido, um convite, uma avaliação, uma rejeição, dentre outras que
são realizadas na interação entre os falantes ou uma troca, na qual dar implica receber
e pedir implica dar” (Cruz, 2012, p. 34).
A oração é vista como mensagem através da metafunção textual, mediante a
estrutura temática, ligada à variável de modo, como apresentado. Ela é a responsável
pela organização do conteúdo da mensagem, entendendo os significados experienciais
e interpessoais que se fazem presentes no texto, com base nos conceitos de Tema e
Rema. O Tema, na visão de Halliday (1994), significa ser o ponto de partida para a
mensagem e o Rema, o restante da oração que segue o Tema. Na perspectiva da LSF,
o Tema, caracterizado como grupo nominal, adverbial ou preposicionado pode ser
classificado em Tema-marcado (quando encontra-se em ordem indireta na oração, não
exercendo a função central) e Tema não-marcado (quando, na oração, exerce a função
de sujeito).
Todavia, dados os limites desse trabalho, discussões aprofundadas sobre tais
aspectos não serão aqui realizadas. Na seção que segue essas palavras, tem-se a
descrição dos percursos metodológicos utilizados para a realização desta pesquisa.

METODOLOGIA DE ANÁLISE DE DADOS

Para o desenvolvimento desta pesquisa, contou-se com um corpus composto por


104 orientações direcionadas a professores de LP escrita como L2 para crianças surdas,
descritas em um material didático elaborado por um grupo de pesquisa da UFMG,
denominado “Português para crianças surdas: leitura e escrita no cotidiano”, publicado
no ano de 2018.
Com natureza qualitativa, o corpus analisado, em primeiro lugar, foi tratado em
arquivo individual e arquivado no formato txt para, posteriormente, ser averiguado com
base nos desdobramentos da Linguística de Corpus (LC), sob duas ferramentas
principais que se fizeram presentes metodologicamente neste trabalho, por meio do uso
do WordSmith Tools (WS), a saber: a WordList (lista de palavras) e o Concordance
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(concordanciador). O WS consiste em um programa computacional que “permite fazer


análises baseadas na frequência e na co-ocorrência de palavras em corpora” (Berber-
Sardinha, 2009, p. 8), especificamente.
Optou-se pelo uso da primeira ferramenta pois, através dela, o corpus coletado
pôde ser organizado por ordem alfabética, possibilitando identificar as palavras de maior
frequência nas orientações analisadas. Para além disso, tal uso possibilitou debruçar-se
sobre dados estatísticos relacionados ao percentual de ocorrência dessas palavras
ligadas à WordList gerada pelo programa, assim como obter dados acerca do número
de palavras, de orações e de palavras distintas que faziam parte do todo analisado.
Depois, a análise dos dados ocorreu a partir da ferramenta Concordance do WS.
Nesse sentido, pôde-se estudar e verificar os contextos de ocorrência das palavras de
maior frequência no corpus, os quais são descritos através de exemplares significativos
para evidenciar as representações manifestadas pelo material analisado, na seção
seguinte.
Abaixo, pode-se verificar as características do corpus estudado neste trabalho,
estatisticamente. As informações elencadas no quadro foram extraídas do software
utilizado para melhor desenvolvimento da averiguação das orientações direcionadas ao
referido grupo de professores.

Quadro 1 - Caracterização do corpus de estudo a partir do WS


Corpus de estudo 104 orientações

Extensão do corpus 4.645 palavras

Nº de palavras da maior orientação 111

Nº de palavras da menor orientação 6


Fonte: Dados da pesquisa

O WS foi selecionado para tanto, porque ele, além do já se descreveu, possibilita o


manuseio de um corpus constituído por uma grande quantidade de textos e conta com
uma série de recursos, indo além das duas ferramentas utilizadas, o que viabiliza a
realização de diferentes estudos que envolvem análises de corpora (Berber-Sardinha,
2009); fator que potencializou as análises aqui realizadas sobre o corpus coletado.
O auxílio da LC serviu para a obtenção de dados quantitativos referentes às
orientações analisadas neste trabalho e o arcabouço teórico-metodológico da LSF
embasou todo o percurso de análise linguística, especialmente os apontamentos da
metafunção interpessoal e ideacional da linguagem, uma vez que essa teoria, além de
analisar qualquer fenômeno comunicativo, desde às unidades mínimas, às mais
complexas, propicia compreender o modo que a linguagem é utilizada nas relações
sociais e tornar viável a realização de uma descrição detalhada dos padrões dela, em
seus contextos de uso (Fuzer; Cabral, 2014). Tais apontamentos justificam a seleção
dessas bases para melhor desenvolvimento deste estudo.
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Os dados analisados com base nesses processos metodológicos, ao lado da base


hallidayana, permitiram constatar, portanto, representações acerca da Libras (I), da LP
(II), de professores (III) e do processo de ensino aprendizagem (IV), além de outras
voltadas aos alunos surdos (V), presentes no material estudado. Na seção seguinte,
cada uma delas são descritas e discutidas, utilizando, para isso, exemplares
significativos para compreender as reflexões elaboradas, juntamente com seus
respectivos contextos de ocorrência.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Esta seção apresenta a análise elaborada com o suporte da LC, que possibilitou a
identificação de representações da Libras e da LP, assim como de outras acerca do
professor, do processo de ensino e aprendizagem e do aluno surdo, presentes em
orientações dispostas no livro didático analisado, direcionado a professores de LP como
L2 para crianças surdas, como evidenciou-se anteriormente.
A fim de colocar à mostra os aspectos analisados com base neste corpus de estudo,
no quadro abaixo, pode-se verificar as palavras de maior frequência encontradas que
embasaram tais representações, inicialmente. Além disso, os processos que compõem
as mesmas, assim como as palavras de maior frequência presentes na lista de palavras
geradas pelo WS e discutidas ao longo desta seção estão destacadas em negrito, como
se vê nas reflexões dispostas nesta parte deste trabalho, no que concerne à temática
tratada.

Tabela 1 - Frequência das palavras no corpus


Palavras de maior frequência Frequência das palavras Frequência das palavras (em %)

Alunos 113 2.43%

Professor 91 1.96%

Objetivo 49 1.05%

Procure 45 0.97%

Libras 35 0.75%

Eles 33 0.71%

Desenvolver 30 0.65%

Vocabulário 28 0.60%

Leitura 24 0.52%

Sistematizar 23 0.50

Português 22 0.47%
Fonte: Dados da pesquisa
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 59

Primeiramente, frente os diferentes contextos de ocorrência que, no que se volta


às palavras de maior frequência ligadas ao corpus, notou-se que a palavra “eles”,
destacada na Tabela 1, possuindo uma aparição considerável no corpus estudado, faz
menção aos alunos surdos aprendizes da LP como L2, sendo o público que o material
foi elaborado.
Mediante as palavras de maior frequência dispostas no quadro, a partir das
ocorrências abaixo, inicialmente, pode-se verificar as representações acerca da Libras
que o material apresenta.

(1) Professor(a), procure utilizar o vídeo em Libras para sistematizar o conteúdo, a


fim de obter uma melhor compreensão e estimular a utilização do material didático em
Libras pelos alunos.
(2) Professor(a), deixe que os alunos discutam o tema proposto em Libras. Para
isso, organize a sala em pequenos grupos […].
(3) Professor(a), utilize o vídeo de apresentação da Unidade 2 em Libras, a fim de
favorecer a compreensão dos alunos e estimular a utilização dos vídeos em Libras
[…].

Tendo por base seus contextos de ocorrência, notou-se que, ao longo do material,
as representações acerca da Libras oscilavam entre a definição da língua ora como base
para desenvolvimento da aprendizagem no que se refere ao processo educacional, ora
como modo de expressão, comunicação e interação entre os alunos e o professor, no
campo da sala de aula em que o material circula.
Nas linhas das ocorrências 1 e 3 esse fator pode ser facilmente percebido. Se
referindo à Libras, as orientações direcionadas ao docente demonstram essa
representação, colocando à vista uma crença de que, com o uso dela no processo de
ensino e aprendizagem da LP escrita, uma melhor compreensão do conteúdo trabalhado
pelo professor de crianças surdas será efetivada. Tal definição pode ser notada através
dos processos materiais “obter” e “favorecer”, encontrados nas ocorrências colocadas à
vista.
Entretanto, apesar de considerar essa concepção relevante para a educação de
crianças surdas, entende-se que esse fator pode se caracterizar como suporte para o
surgimento de diferentes questionamentos, tendo em mente que, para o processo de
ensino e aprendizagem desse público, o que se preconiza, nesse sentido, é a adoção de
metodologias adequadas para realização dessa ação, como se pode verificar tanto nos
estudos de Quadros (2006) e Pereira (2014), como nos esclarecimentos desenvolvidos
por Fernandes (2006) e Morais e Cruz (2020).
O ensino da língua de forma descontextualizada, sem uso de metodologias
específicas, capazes de atender as especificidades linguísticas dos aprendizes surdos,
trazidas para dentro do espaço educacional, não possui sentido, uma vez que, de forma
estanque, apenas a utilização da língua de sinais não consegue atingir os alunos surdos,
pedagogicamente. Lodi (2011) aponta que o processo de ensino e aprendizagem da
língua escrita - LP - precisa ser pensado e estruturado sob um viés que possibilite um
sentido aos discentes, a fim de que esses possam ter, como motivação, esse fator, para
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 60

assim serem capazes de estabelecer uma relação com a linguagem a ser utilizada nas
suas relações de uso.
Nessa direção, Lacerda, Dos Santos e Caetano (2011) postulam que estratégias
de ensino são importantes e vão ao encontro desses esclarecimentos elencados nesta
análise, a partir dessa primeira representação encontrada no corpus. Na perspectiva das
autoras, a utilização da Libras não pode ser concebida como fator único nesse processo,
mas, diante disso, se faz necessário, também, adotar metodologias de ensino que
possam embasar e auxiliar o conteúdo trabalhado em sala de aula pelo docente, junto
aos alunos.
Assim sendo, por configurar-se como um material didático destinado ao professor,
pensa-se ser necessário a presença de orientações que contemplem esse fundamento.
No entanto, durante a análise das múltiplas orientações, não foi possível detectar
orientações direcionando-se a esse sentido.
Referente à definição da Libras como modo de expressão, comunicação e interação
no contexto da sala de aula, pode-se perceber tal caracterização de forma clara, a partir
da ocorrência 2, levando em conta o uso do processo verbal “discutam”. A partir dele,
coloca-se à vista a adoção de uma abordagem comunicativa para o ensino de línguas
(Abrahão, 2015) pelos autores do material, em seu processo de produção. Sobre isso,
há que se considerar que a língua, de fato, consiste em um canal comunicativo que
possibilita expressar suas experiências desde os níveis mais simples, aos mais abstratos
e complexos.
A esse respeito, é importante evidenciar que a Lei Federal nº 10.436, de 2002, que
reconhece a Libras no território brasileiro, diferentemente de muitas compreensões
acerca dessa política, a define como meio legal que favorece a comunicação e a
expressão das pessoas surdas brasileiras, em seu artigo 1º (Brasil, 2002). As linhas do
seu decreto regulamentador, sendo o decreto nº 5.626/2005, esclarecem, de forma
similar, definições que caminham nessa mesma direção.
Todavia, no que tange à representação da Libras encontrada a partir da análise, o
direcionamento das tarefas para que o docente possa executar com os aprendizes
surdos traz, em sua essência, uma incompreensão da realidade nacional em relação às
múltiplas instâncias educativas e a variedade de alunos que as compõem. Argumenta-
se desse modo, pois, com base na realidade do Brasil, muitos deles partem de contextos
distintos que, muitas vezes, não possuem um conhecimento linguístico significativo,
capaz de embasar as ações comunicativas em contextos de uso da língua.
Nesse percurso, verifica-se que a partir das palavras dispostas na ocorrência 2,
como também na ocorrência 4, a seguir, a proposta dos autores se inclina à intenção de
que o docente forme grupos entre os alunos, para discutir, em Libras, a temática
abordada no livro.

(4) Professor(a), deixe que os alunos discutam o tema proposto em Libras. Para isso,
organize a sala em pequenos grupos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 61

Sabendo disso, há um destaque essencial que merece ser pontuado. Nessa


lógica, faz-se preciso compreender que, de acordo com a realidade da população surda,
muitas dessas crianças que compõem a sala de aula, provém de famílias ouvintes
(Quadros; Karnopp, 2004; Pizzio; Quadros, 2011) e adentram o espaço escolar com
atrasos linguísticos, no que se compara aos educandos não surdos e, em muitos casos,
sem uma língua estruturada para que o processo de ensino e aprendizagem possa tomar
sentido e ser mais bem desenvolvido.
Assim, sabendo do cenário educativo brasileiro, o qual, em sua maioria, é
permeado por discentes que desconhecem a Libras - língua com visibilidade recente no
país - entendeu-se, nesta análise, que a proposição realizada pelos autores do material
na elaboração das orientações para os docentes visando o ensino de LP escrita, pode
ser concebida como ação inviável que desconsidera, fortemente, a realidade dos
educandos, apesar de proporcionar interações entre os diferentes alunos, se comparada
à realidade nacional.
Além disso, uma outra representação da Libras nas orientações analisadas que se
voltam, semelhantemente, ao que se discorre nesta parte da discussão, pode se
relacionar à funcionalidade da Libras no campo do ensino e aprendizagem da LP escrita.
Com base nos dados expostos nas ocorrências acima, como nas 5, 6 e 7 abaixo, a
Libras, no contexto das orientações, é antecedida pela preposição “em”, o que, de forma
clara, enfatiza a representação da língua como o modo de execução das atividades
propostas pelas autoras, diretamente para os docentes que terão o material como
suporte da prática pedagógica em contato com os alunos.

(5) Professor (a), descreva cada imagem em Libras, juntamente com os alunos, antes
de pedir que eles as liguem às frases. Em seguida, deixe que os alunos realizem a
atividade.
(6) Professor(a), antes desta aula, você pode pedir aos alunos para levar fotos de
suas famílias ou você mesmo(a) pode levar fotos de sua família. Explore em Libras
essas fotos.
(7) Professor(a), nesta atividade auxilie os alunos, conversando em Libras sobre
cada imagem e o tipo de festa a que ela remete.

No que se refere às representações da LP, de forma diferente da Libras, as


representações estão ligadas à efetivação da aprendizagem, como se pode observar na
ocorrência abaixo que, ligada ao processo material “mostrando”, fazendo referência à
língua, coloca à vista tal representação.

(8) Professor(a), por meio destes e de outros exemplos apresentados por você,
procure observar com os alunos a diferença na letra final dos nomes, mostrando a
eles essas marcas de gênero do português, sem utilizar metalinguagem
(nomenclatura gramatical, como “feminino”, “masculino”, “gênero”).

À luz do arcabouço teórico-metodológico da LSF, é possível notar o uso do


processo material “mostrando” destacado na ocorrência acima, bem como a sua
representação no contexto da ocorrência 8. No âmbito da análise desses dados, viu-se
que nesta orientação, o processo selecionado linguisticamente, com determinado fim,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 62

possui uma característica fronteirista entre um processo material e verbal, corroborando


não apenas apresentar as diferenças entre a questão do gênero “masculino” e “feminino”
traçados como objetivo na unidade elaborada para ensino de crianças surdas. Com o
uso dele, tem-se também uma representação pautada em uma estratégia de ensino para
mostrar o funcionamento da língua escrita.
Sobre as linhas dessa ocorrência, ainda, observa-se que a orientação se volta para
que o docente possa, juntamente aos alunos, verificar a letra dos nomes, visando a
demarcação do gênero das palavras. No entanto, em seguida, se define que não se deve
utilizar a metalinguagem para efetivação da compreensão dos alunos a partir da temática
trabalhada.
Tratando sobre o ensino de LP para surdos, Pereira (2014) aponta
esclarecimentos fundamentais que servem como base para compreender que tal
apontamento descrito na orientação destacada, pode, em grande escala, não colaborar
com o processo de aprendizagem dessa modalidade da língua pelo referido grupo de
aprendizes. Ao lado das palavras da autora, entende-se que, diante de um processo de
ensino e aprendizagem envolvendo duas línguas - L1 e L2 - no caso de surdos,
especificamente, há que se trabalhar sob uma perspectiva contrastiva nas explicações
dos múltiplos conteúdos, pois, a partir desse princípio, as diferenças e semelhanças
entre as línguas poderão ser percebidas; o que auxiliará a construção de hipóteses no
uso e no funcionamento da língua aprendida por eles.
Como pode-se notar na ocorrência 9, adiante, as descrições presentes na
orientação colocada à mostra a representação da LP como a Língua-Alvo (LA)1 a ser
atingida no processo de ensino e aprendizagem envolvendo as crianças surdas.

(9) Professor(a), deixe que os alunos observem os sinais e as palavras. Ao final, você
pode chamar a atenção para a indicação de gênero nas palavras em português.

A partir desses dados, é possível ver que nos exemplos destacados acima, a LP é
representada como resultado final a ser atingido pelos alunos. Mesmo havendo
orientações para que o professor possa utilizar e promover espaço para que a
sinalização em Libras, a LP é, no material, concebida como a etapa final do processo
que precisa ser alcançada. Percebe-se que, nos esclarecimentos da orientação
exemplificada, esse ponto pode ser notado, quando, ao orientar ação docente para que
se possa considerar a observação dos alunos no que se refere aos sinais e às palavras
do conteúdo a ser trabalhado no material, tem-se a finalização da proposta com essa
evidência.
Ainda nesse cenário, pensando sob a perspectiva da interpessoalidade, um outro
aspecto que merece ser colocado em pauta se volta ao finito do verbo “pode”. No
contexto da ocorrência 9, verifica-se que, sob um viés interpessoal, esse elemento
consiste em uma modalidade cujo sentido expressa-se em um grau imperativo,

1Na aprendizagem de línguas, trata-se da L2 a ser alcançada pelos aprendizes que já possuem uma L1.
Em relação aos sujeitos surdos brasileiros, consiste na Língua Portuguesa a partir da sua modalidade
escrita, como prevê a Lei Federal nº 10.436 de 2002.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 63

corroborando, dessa forma, para uma caracterização do material a um tipo textual


injuntivo.
Para além dessas representações, ocorre, também, uma terceira sendo a
representação do processo de ensino e aprendizagem. Atentando-se às ocorrências 10,
11 e 12 pode-se notar que há a caracterização desse processo como aquele que é
sistematizado através da utilização de vídeos em Libras.

(10) Professor(a), procure utilizar o vídeo em Libras para sistematizar o conteúdo,


a fim de obter uma melhor compreensão e estimular a utilização do material didático
em Libras pelos alunos.
(11) Professor(a), procure explorar o vídeo em Libras para sistematizar as
discussões e explicações prévias.
(12) Professor(a), a partir da participação dos alunos na atividade anterior, observe
se eles conhecem o significado desses sinais. Caso seja necessário, explique às
crianças e, para sistematizar, utilize o vídeo em Libras.

Com base nesses exemplos, nota-se que, novamente, há uma questão de


modalidade relacionada aos finitos presentes nas ocorrências expostas. O grau de
imperatividade, como antes, aparece com frequência nas ocorrências ligadas às
orientações aos docentes, apontando, assim, ações consideradas adequadas na
utilização do material e, também, para o processo de ensino e aprendizagem da LP pelas
crianças surdas. Na ocorrência 12, por exemplo, o finito “observe” selecionado para
estruturação da orientação esclarece tal apontamento. No intuito de amenizar o discurso,
a modalidade analisada nas orientações corrobora para a compreensão de que as
escolhas linguísticas dos autores do material o caracterizam como um material composto
de um grau de autoridade e ordem que, se seguido, obterá sucesso.
Ao longo da visualização dos vídeos elaborados e dispostos no material, os quais
foram amplamente acessados por meio do estudo das técnicas didáticas para
desenvolvimento da L2 de crianças surdas elaborado por Henriques (2022), pode-se ver
que a sinalização realizada pelo adulto sinalizante, deixa de lado, por vezes, as inúmeras
questões linguísticas que as crianças surdas apresentam no espaço da escola. Apesar
de ser clara e conter auxílio de recursos imagéticos para facilitar a compreensão dos
aprendizes, algumas escolhas do léxico da Libras para construção da explicação
encontram-se em níveis elevados, no que se refere ao conhecimento que o público de
alunos que o material se destina possui.
Nos vídeos, constatou-se, já nos iniciais referentes às primeiras unidades do
material, a utilização de sinais como “significado” e “geração” que, em sua essência,
apresentam um grau de abstração significativa, não apenas para crianças surdas, como
também para as crianças não-surdas em fase inicial de aprendizagem.
Os dados mostraram, também, representações do professor, no decorrer da análise
do corpus.

(13) Professor(a), oriente os alunos a perguntar aos pais ou responsáveis sobre a


história dos nomes deles, para que, na aula seguinte, contem para seus colegas em
Libras.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 64

(14) Professor(a), oriente os alunos para que voltem à página de identificação do livro
e efetuem seu preenchimento.
(15) Professor(a), antes de retornar à carteira de identidade da Lili, procure trabalhar
com os alunos a leitura de algumas expressões presentes nas perguntas - “Qual é o
nome?, “Quantos anos ela tem?”, etc. Em seguida, oriente os alunos a fazerem esta
atividade com os dados da carteira de identidade apresentada.

Tendo por base tais evidências, é possível enxergar o papel do docente no que se
toca ao processo de ensino e aprendizagem do referido público em contato com o
material elaborado, visando o ensino da LP como L2. Com o uso de um grau de
modalidade imperativa, novamente, o finito “oriente” presente nos três exemplos acima,
define exclusivamente essa representação do docente, o colocando, assim, como um
orientador que possui a capacidade de conduzir o uso do material, bem como a
aprendizagem dos alunos, diante das atividades propostas.
De modo a considerar os fundamentos pedagógicos que perpassam a
representação do docente, essa possui um fundamento legal que condiz com as
discussões do campo didático-pedagógico, de forma geral. Diante das múltiplas
configurações e especialidades que o processo de ensino e aprendizagem possui, faz-
se necessário que o docente se configure como o norteador das ações discentes frente
aos conteúdos estabelecidos nos múltiplos currículos educacionais, assim como nos
distintos recursos desenvolvidos e levados à sala de aula, para proporcionar condições
de aprendizagem significativas.
Para o desenvolvimento desse processo para com os aprendizes surdos, importa
compreender o docente como um orientador do processo de ensino e aprendizagem,
assim como a representação ligada ao corpus manifesta. Nessa mesma direção, se faz
preciso encará-lo, ainda, como um orientador da aprendizagem dessas crianças para
que, dessa forma, possam obter condições possíveis de progresso na aprendizagem da
língua em sua modalidade escrita, bem como Pereira (2014) explica.
Da mesma maneira, Libâneo (2014) também aponta esclarecimentos
complementares a essas argumentações sobre a representação de docentes
encontradas ao longo da análise. Tendo como princípio os fundamentos da tendência
pedagógica liberal renovada progressista, o autor aponta que o papel do docente diante
dos alunos, concentra-se em auxiliar a aprendizagem, de modo a auxiliar no seu
desenvolvimento livre e espontâneo. Considerando esse pressuposto, vê-se pontos
similares aos necessários para atuação no campo do ensino de surdos que podem, na
totalidade, se vincular à representação do docente como orientador do processo
educativo-pedagógico de tais alunos, como se pode observar ao longo dos dados aqui
tratados.
A utilização dos processos selecionados para estruturação das orientações
estudadas e averiguadas tanto com o suporte do WS, como ao lado dos pressupostos
da LSF, possibilitaram, também, a percepção de uma outra representação sobre o
professor como um agente do fazer pedagógico.
Na análise dos contextos de ocorrência, notou-se que muitas orientações do
material faziam referências a ele, em um primeiro momento, colocando-o em posição
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 65

temática na oração, no qual, posteriormente, tinha-se processos com ideais imperativos,


conforme apresentado no Quadro 2, a seguir:

Quadro 2 - Processos presentes no corpus com ideais imperativos


Processos presentes no corpus ligados ao participante “professor” com nº de frequência (em
aparição)

Peça (7) Explique (5) Comece (2) Aproveite (5) Deixe (11)

Pergunte (11) Faça (5) Explore (5) Sinalize (1) Auxilie (3)

Procure (45) Incentive (3) Mostre (1) Observe (2)


Chame (2)
Descreva (1) Utilize (6) Estimule (3) Oriente (3)
Fonte: Dados da pesquisa

Diante desses processos descritos no quadro, é possível notar que os tais se


caracterizam como processos materiais fronteirísticos, bem como se viu em outras
ocorrências desta análise. Sabe-se que grande parte desses processos, no campo da
teoria, representam ações de “fazer e acontecer”, como explicam Fuzer e Cabral (2014)
e Heberle (2018), ao se lançarem aos pressupostos hallidayanos.
Sob o viés da metafunção interpessoal da LSF, a modalidade desses dados
expostos no quadro 2 possui diferentes níveis frente àquilo que se é orientado no material
aos professores e corroboram, também, para o enquadramento do material a um tipo
injuntivo, como verificado em ocorrências anteriores dessas orientações. Com base no
quadro acima, pode-se observar as nuances que os processos possuem. Ao passo que
muitos deles apresentam um sentido fronteirista entre auxiliar, estimular, incentivar e
orientar, como o caso do uso do processo “procure” cuja frequência no corpus é descrita
no mesmo quadro, outros já são dotados de um sentido mais profundo e direto,
funcionando, nesse formato, como uma norma a ser executada pelo docente para que
se consiga atingir a aprendizagem efetiva dos alunos surdos no que diz respeito à LA -
a LP.
A exibição dessa representação acerca do docente de LP para crianças surdas
encontradas na análise do livro, podem ser verificados nos exemplos já detalhados e
discutidos nesta produção, em partes anteriores. Como feito durante a análise, observe
o modo em que as orientações estão descritas ao profissional, estabelecendo, nesse
formato, uma combinação entre uma referência direta ao participante “professor” e, em
seguida, a utilização de um processo material para representar o que se há de realizar
diante do material didático e dos alunos; representando, assim, uma ordem a ser seguida
por ele no campo da sala de aula. Sob um grau de modalidade que corresponde a um
tipo textual injuntivo, como descrito, coloca o profissional em uma condição de agente
passivo no processo de ensino e aprendizagem da língua escrita com o referido grupo
de alunos, sem outras possibilidades de desenvolvimento das tarefas propostas no
material.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 66

Além disso, o corpus manifesta representações dos alunos surdos como sujeitos
participantes do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que, no material, muito
se sugere que o professor realize perguntas e proposições para estabelecimento do
diálogo, como as ocorrências 16, 17 e 18 evidenciam.

(16) Professor(a), antes de realizar as atividades propostas no livro, pergunte aos


alunos nomes e sinais dos colegas da turma. Em seguida, pergunte a eles sobre a
diferença entre nome e sinal-nome.
(17) Professor(a), antes desta aula, procure separar algumas imagens dessas
pessoas para trabalhar com os alunos. Faça o sinal delas e pergunte se os alunos
conhecem. Depois de identificarem as pessoas, procure explorar os nomes. Se
possível, recorte com eles fotos para colagem nos livros.
(18) “Professor(a), explore com os alunos as imagens e estimule-os a falar em
Libras sobre as características dos elementos apresentados […].

De modo a partir das ocorrências destacadas acima, pode-se compreender o papel


dos processos destacados para a formação da representação mencionada acerca dos
aprendizes. Nota-se que o processo verbal “pergunte”, nos exemplares das ocorrências
16 e 17, colocam em evidência a representação do processo pedagógico-educativo
envolvendo esse público, propondo que seja estabelecido uma relação dialógica (Freire,
2015) entre os participantes envolvidos, a saber, os alunos e o docente, diferentemente
do que se vê em bases pedagógicas tradicionais (Libâneo, 2014), onde esse tipo de
relação é inexistente.
Sob uma perspectiva pedagógica, considera-se essa representação positiva, pois,
entende-se que não há possibilidades de realizar um trabalho pedagógico significativo,
sem que se estabeleça um diálogo entre o sujeitos envolvidos e os enxerguem como
sujeitos da aprendizagem, atravessados por múltiplas subjetividades que podem,
amplamente, compor o processo de aprendizagem de uma língua ou, ainda, os demais
conhecimentos sistematizados que se vinculam às outras disciplinas trabalhadas cuja a
LP perpassa de modo direto e indireto.
No tratamento dos dados, se viu, igualmente, a representação dos alunos surdos
como sujeitos que possuem um conhecimento prévio. Os argumentos tratados
anteriormente são inteiramente capazes de explicar e embasar essa representação,
positivamente. Ao verificar as orientações destacadas nas ocorrências 16 e 17, essa
nova representação fica facilmente possível de ser percebida. Propõe-se nela que o
professor, para trabalhar o conteúdo, selecione imagens determinadas que se
relacionam com a temática e realize uma sondagem entre os aprendizes, tanto no que
se refere à questão do nome e do “sinal-nome”, como no que se liga ao representante
trabalhado na unidade em que a orientação é descrita.
A representação deles como aprendizes que partem do mesmo locus social, no
qual possuem o privilégio de possuírem espaço familiar cuja Libras circula facilmente,
sem complicações. Esse fator, frente à realidade nacional, pode ser concebido como
aspecto negativo presente no material, como se pode perceber na ocorrência a seguir.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 67

(19) Professor(a), oriente os alunos a perguntar aos pais ou responsáveis sobre a


história dos nomes deles, para que, na aula seguinte, contem para seus colegas em
Libras.

Logo, sobre essa orientação colocada em análise, há dois pontos fundamentais que
merecem, aqui, serem destacados e discutidos, tendo em mente a importância da
temática abordada. Esses, mesmo estando em contextos de ocorrência localizados,
estruturalmente no texto da orientação, em lugares diferentes, encontram-se
intrinsecamente ligados, pois esbarram no mesmo sentido a ser discorrido. Tal
necessidade diz respeito aos processos verbais “pergunte” e “contem” destacados na
ocorrência 19.
Com um olhar a partir do campo semântico, compreende-se que esses dois
processos estabelecem uma relação de sentido voltados à uma interação dialógica, na
qual se preconiza uma compreensão do que se pergunta e do que é respondido; e vice-
versa. Conquanto, no que se inclina aos sujeitos surdos, essa ação nem sempre é
possível, porque, no Brasil, a Libras não é uma língua que possui o mesmo status da LP,
infelizmente. Para os surdos, isso os impossibilita em muitas ações nos diferentes
espaços, inclusive no educacional, espaço no qual muitos materiais estão diretamente
escritos nesta língua majoritária (Felipe, 2018), assim como o que foi selecionado para
análise nesta pesquisa.
Especificamente acerca do processo verbal “pergunte”, nota-se que a proposta é
que essa ação seja realizada junto dos pais ou responsáveis, diretamente. Mas, no
cenário nacional, estudos como os de Pizzio e Quadros (2011) e principalmente o de
Karnopp e Quadros (2001; 2004) evidenciam a realidade familiar que essas crianças
enfrentam, desde as idades iniciais, por possuírem referências familiares não-surdas.
Sabe-se que mais de 90% das crianças surdas adentram o espaço escolar possuindo
ligação a lares constituídos por pais ouvintes que desconhecem suas diferentes
especificidades, principalmente, a linguística (Karnopp; Quadros, 2001; 2004), como
bem se referenciou em linhas anteriores.
Sobre o mesmo exemplo, outro ponto que merece ser discutido aqui, encontra-se
também presente no processo verbal “contem”. Viu-se, na análise dessa oração, que a
proposta da atividade a ser realizada pelos aprendizes surdos deixa de lado a
diversidade familiar, social e educacional que, hoje, encontra-se instaurada nas variadas
instâncias de Educação Básica do país.
Com vista no corpus, não se encontrou uma definição direta do material em relação
ao espaço que se destina, especificamente. Apesar de ter encontrado na análise
orientações voltadas diretamente à ação docente para que possa privilegiar o uso da
Libras e da LP, de forma simultânea - o que se volta ao princípio do bilinguismo - não se
percebeu esclarecimentos específicos que colocassem à mostra o(s) real(is) contexto(s)
que o mesmo poderia ser utilizado. Com base nisso, se entendeu que, não sendo um
espaço bilíngue, o qual a Libras e LP circulam de forma similar entre os aprendizes
surdos e ouvintes, a ação de contar as para os colegas os aspectos identitários que
demarcam a escolha dos nomes pelas famílias torna-se impossível.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 68

Indo além desse aspecto, entendeu-se também que por se tratar de um material
didático-pedagógico para ensino LP escrito às crianças surdas e considerando, de forma
simultânea, a carência do campo atualmente, importa haver tais evidências presentes
nas orientações que são direcionadas aos professores. Pois, nesse sentido, terão
possibilidades de (re)pensar novas ações pedagógicas e estratégias didático-
metodológicas complementares, a fim de auxiliarem, positivamente, o processo de
aprendizagem da LA pela criança surda, aprendiz da L2, no contexto da escola; obtendo
resultados satisfatórios.
Ao longo desta análise, não se foi encontrada menção ao apoio do profissional
Tradutor-Intérprete de Libras. Mesmo não sendo um professor no contexto da sala de
aula, esse profissional é o que atua na mediação linguística envolvendo o par Libras-LP,
trazendo, para o referido contexto, conhecimentos específicos sobre tal público, assim
como novas possibilidades para atuação direta com eles. No decorrer das percepções à
luz do corpus, viu-se que esse fator, somado ao distanciamento de muitos docentes do
campo no que tange à educação de alunos surdos situados nas diferentes escolas
municipais e estaduais, a nível nacional, inviabiliza tanto os tais, quanto os estudantes
alcançarem resultados pedagógicos positivos e executarem as diversas atividades
propostas no material em espaços que não sejam os bilíngues ou com a presença da
categoria mencionada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa concentrou-se em analisar as orientações destinadas aos


professores de LP como L2 para crianças surdas, à luz da LSF, para compreender as
representações dos alunos, do professor, da Libras, da LP e do processo de ensino e
aprendizagem, em um material específico desenvolvido nos contextos da UFMG.
Com base nos dados analisados e nos aportes utilizados para averiguação do
corpus, em particular sob o suporte da LSF, conclui-se que a discussão elaborada neste
trabalho se caracteriza em uma análise bidimensional, pois utilizou, para tanto, aspectos
inerentes a duas metafunções específicas da LSF, sendo a metafunção ideacional e a
interpessoal.
Em suma, pôde-se perceber nas ocorrências das orientações estudadas, crenças
que definem a Libras como língua base para o desenvolvimento do processo de ensino
e aprendizagem; assim como outras que compreendem a LP como LA a ser atingida
pelas crianças surdas; o processo de ensino e aprendizagem da LP pelas crianças
surdas como L2, como o aquele que é constituído através do uso da Libras; o professor
como orientador e agente do fazer pedagógico no que tange aos conteúdos descritos no
material e, também, sobre os alunos surdos como agentes participantes da
aprendizagem.
Essas viabilizaram constatar o quanto ainda é necessário pensar sobre os espaços
de atuação docente e suas reais atribuições diante dos alunos surdos que, em sua
maioria, provê de espaços distintos. Da mesma forma, elas corroboram para entender a
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 69

urgência de uma ressignificação do papel da Libras e da LP no referido campo, além da


necessidade de uma compreensão ampla das diferenças socioeducacionais que existem
no país, o que pode inviabilizar ações específicas sugeridas em muitas das orientações
analisadas e impactar, consequentemente, o processo de ensino e aprendizagem.
Deseja-se, por fim, que este estudo seja aprofundado, lançando mão de outros
materiais da mesma natureza, para averiguar similaridades ou distinções entre as
representações encontradas com base nos pressupostos teórico-metodológicos aqui
utilizados para embasar as reflexões a serem tratadas no produto do mestrado, onde se
objetiva desmistificar aspectos inerentes aos surdos e à Libras. Assim, espera-se que
tais apontamentos possam auxiliar, ainda, os estudos que perpassam o processo de
ensino dessa língua escrita como L2 para essas crianças, situadas em ambientes
divergentes tanto em nível social, como no familiar e educacional, propiciando, com base
nisso, novas ações e rompendo com concepções inadequadas no momento de produção
de recursos didático-pedagógicos para uso em sala de aula com esse grupo de
aprendizes.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 70

REFERÊNCIAS

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Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 72

CAPÍTULO 5
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 73

O ITINERÁRIO DIDÁTICO COMO


METODOLOGIA PRODUTIVA PARA A
AMPLIAÇÃO DE LETRAMENTOS:

UMA PROPOSTA DE ATELIÊ COM MEMES


Keziane Fernandes Cavalcante
Francisco Rogiellyson da Silva Andrade
Pollyanne Bicalho Ribeiro

A Sequência Didática (SD), de autoria de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004),


apresentou um arcabouço que possibilitou um trabalho com o ensino de língua
subsidiado pelo viés interacional, apontando, desse modo, caminhos para a efetivação
dos princípios que os Parâmetros Curriculares Nacionais e que os Estudos do
Letramento propuseram no âmbito da produção de texto.
Mais recentemente, Colognesi e Dolz (2017) propuseram o Itinerário Didático (ID),
um arcabouço metodológico que, embora não substitua nem invalide a SD, tem o objetivo
de complexificar as etapas e as atividades de produção de texto ao longo do processo
de reflexão e análise textual, considerando as instâncias discursiva, enunciativa e
linguística que perfazem a interação.
Em vista dessa nova proposição, neste capítulo, objetivamos apresentar essa
possibilidade metodológica para o trabalho com o ID, buscando compreender sua
localização no âmbito da ampliação e do refinamento de letramentos. A partir dessa
discussão, apresentamos uma proposta de ID para o trabalho com memes em turmas
da educação básica.
Para cumprir esse objetivo, organizamos a discussão em torno da seguinte
estruturação: após esta introdução, apresentamos, a seguir, o conceito de ID e quais
seus pressupostos inerentes; posteriormente, realizamos a proposição de um ID cujo
gênero focal é o meme; por fim, tecemos as considerações conclusivas deste texto.

ITINERÁRIO DIDÁTICO

O ID, de acordo com Colognesi e Dolz (2017), é uma sequência de atividades mais
complexas, que compreende expandir a prática de escrita ou de expressão oral para
além de uma produção inicial e uma produção final. A sequência didática (SD) proposta
por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) é estruturada em módulos de atividades
direcionadas aos aspectos complexos e/ou às necessidades dos discentes no que diz
respeito à produção de um gênero oral ou escrito.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 74

Figura 1 - Esquema de uma Sequência Didática

Fonte: Dolz, Scheneuwly e Noverraz (2004, p. 103).

O protótipo da SD sinaliza que o docente, ao propor uma atividade de produção de


texto, realize a apresentação de uma situação, a partir da qual os estudantes produzirão
um texto. Essa produção inicial servirá de diagnóstico para que o professor elabore seu
modelo didático de gênero, o qual subsidiará os módulos de seu projeto. Ao fim, os
estudantes produzem a versão final do gênero.
A SD tem como base um plano de comunicação entusiasmante para os estudantes
e deve consentir que eles assimilem o contexto de comunicação apresentado e se
comprometam na execução das atividades decorrentes que os conduzirão aos poucos a
uma compreensão mais concreta do gênero e, consequentemente, ao aperfeiçoamento
das capacidades de linguagem a ele relacionadas.
A partir da SD tradicional, uma sequência de atividades mais profunda chamada de
ID (Colognesi, 2015) foi sugerida. Este fundamenta-se em expandir a ação de escrever
ou de se expressar oralmente para além de uma produção inicial e uma produção final.
Nesse sentido, os estudantes são estimulados a compor trabalhos escritos e orais
sempre que alguma novidade lhes é apontada no decorrer dos ateliês (Atelier Filé
expressão utilizada por Coppola e Dolz (2020) ao analisarem a aplicação de ID no
desenvolvimento de debates regrados, no lugar de módulo, que é a expressão utilizada
na SD clássica).
Todo percurso, no entanto, precisa ser antecedido por uma atividade
metalinguística que permita ao estudante refletir sobre o que já produziu, algo que pode
ser desenvolvido por intermédio de indagações e de contestações que resultarão em um
processo de aperfeiçoamento do texto e/ou de retextualização (Marcuschi, 2001).
Além disso, o itinerário precisa viabilizar a conexão entre atividades de leitura e
assimilação com atividades de apreciação do gênero e de elaboração oral e escrita. As
propriedades essenciais do itinerário, em suma, podem ser apresentadas como:
I. Repetição gradual das atividades de linguagem. A escrita e a fala são reiteradas
em todo percurso, em vez de uma produção inicial e uma produção final. Diz respeito a
incrementar as atividades escritas, orais e de leitura e compreensão em cada ateliê. Isso
é bom, pois promove a diversificação das atividades de compreensão e interpretação
oral e escrita, das atividades de escrita e revisão, também das de reescrita e de
expressão oral;
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 75

II. A fragmentação dos ateliês é disposta com intervalos após cada nova
elaboração, porém sem deixar de lado o objetivo da proposta comunicativa.
III. Na conclusão de cada percurso, é sugerida uma avaliação formativa com foco
no que foi discutido ao longo do ateliê, isto é, uma avaliação cuja finalidade é
acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem do aluno, enquanto viabiliza dados
para o docente entender o quanto eficaz está sendo seu método de ensino.
IV. O desenvolvimento de compreensão e produção dos discentes deve ser o foco.
As atividades metalinguísticas, as de conceitualização e as que geram reflexão são
demandadas conforme os principais pontos de cada ateliê.
V. O itinerário possibilita o trabalho com gêneros diversificados correlacionados em
uma mesma proposta.
Com esses elementos, entendemos que, embora uma SD possa compor uma ou
mais etapas de um ID, este se diferencia daquela em razão dos seguintes pontos:

Quadro 1 - Pontos diferenciais do Itinerário Didático em relação às Sequências Didáticas


Trabalho com diferentes gêneros textuais que são produto e produtores das práticas de linguagem
Foco nas práticas de linguagem
Avaliação por pares
Produções intermediárias
Autoavaliação
Foco nos processos de consumo, produção e circulação dos textos
Menor esquematização das práticas de linguagem
Fonte: Elaborado pelos autores.

Portanto, não se trata de apresentar tão somente mais um arquétipo metodológico


para o trabalho com produção escrita e/ou oral em sala de aula, mas de uma proposta
arrojada e complexa que visa a engajar os estudantes em vivências de consumo,
produção e circulação de texto, sob o enquadre de atividades metalinguísticas e
autoavaliativas. O foco, então, não é somente na escrita de um único gênero, mas a
emergências de práticas de linguagem nas quais vários gêneros circulam e são
necessários para a construção de legitimidade nas esferas de circulação dos discursos.
Como desenham, o esquema de um ID é o seguinte:

Figura 2 - Esquema de um Itinerário Didático

Fonte: Barros, Ohuschi e Dolz (2023, p. 10-11).


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 76

Assim, professor e aluno são vistos como sujeitos de linguagem que (co)operam
esforços para efetivar discursos na vida social. Evidenciamos, assim, que o trabalho com
o itinerário didático não se coloca como oposição às sequências didáticas, e sim como
um trabalho complementar. Ele possibilita que as atividades de linguagem dos
estudantes sejam desenvolvidas de modo mais elaborado e oportuniza a efetivação de
projetos pedagógicos coerentes e motivadores com uma resposta crítica e reflexiva
sobre as ações envolvidas nas atividades de linguagem.
Ademais, quanto ao papel do professor, percebe-se que a estrutura dos ID
permitem uma descentralização do docente, além, é claro, da possibilidade de ele
estilizar seu projeto didático às necessidades de aprendizagem e à cultura do alunado,
o que confere ao professor maior protagonismo em sua própria práxis.
Com essa discussão, o ID proposto neste trabalho é voltado para práticas de escrita
e, principalmente, de leitura. Ele é decorrente de nossa pesquisa de Mestrado em Letras.
Por razões de espaço e tendo em vista o tamanho das etapas de nosso ID, aqui
apresentamos um dos ateliês planejados para a dissertação mestrado e o modo como
agenciamos essa etapa.

PROPOSTA DE ATELIÊ EM UM ID

O ID proposto em nossa pesquisa visava o trabalho de leitura de memes, valendo-


se dos pressupostos teóricos bakhtinianos da carnavalização. Defende-se a ideia de que
o conceito de carnaval, quando dimensionado em propostas de leitura, auxilia no
refinamento de letramentos. No caderno pedagógico elaborado como produto de nossa
pesquisa, assim ficou esquematizado o ID.

Figura 3 - Fluxograma do ID proposto para leitura de memes

Fonte: Cavalcante (2023, p. 58).

A apresentação introdutória do ID, aos estudantes, integra um momento importante,


pois intenta fazer com que os discentes entendam a relevância das temáticas e das
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 77

atividades que serão estudadas, assim como viabiliza todos os dados primordiais para
terem ciência da aprendizagem leitora que a proposta didática tem intenção de
proporcionar.
O ID, intitulado de Itinerário Crítico, deve ser enunciado aos estudantes com a
explicação dos passos a serem executados, ressaltando sempre sua significância em
relação ao desenvolvimento das habilidades de leitura e do senso crítico, como também
da atuação e do envolvimento da turma nas atividades sugeridas. O docente deve
apontar que todo o Itinerário Crítico foi relacionado, principalmente, ao estudo do gênero
discursivo meme carnavalizado, com o apoio de outros gêneros, como a charge, o conto,
a tirinha, a notícia, a entrevista, a canção, com a finalidade de desenvolver e/ou aprimorar
a compreensão leitora crítica por meio das atividades de leitura, análises textuais e
produções textuais.
Em um primeiro encontro com os estudantes, averígua-se, por meio de uma
conversa, quais os conhecimentos dos discentes sobre o gênero discursivo meme; deve-
se perguntar o que eles entendem por meme, quais as características desse gênero,
onde esses textos costumam circular, quais os tipos de memes eles mais gostam – ou
seja, perceber os conhecimentos prévios dos discentes quanto ao gênero.
Em seguida, deve-se explicar a proposta do Ateliê 1, que é ler, analisar e pesquisar
memes, evidenciando que o objetivo é desenvolver o senso crítico por meio do humor
carnavalizado e da ironia presentes nesses textos multimodais. Também é importante
destacar que os alunos devem assumir uma postura respeitável, cuidadosa e sensata
em todos os estágios do ID, assim como respeitar os turnos de fala durante a promoção
de diálogos e atividades orais.
Depois das respostas dos estudantes, solicita-se que eles pesquisem alguns
memes que considerem interessantes, engraçados e que costumem compartilhar em
suas redes sociais. Essa etapa pode ser realizada em casa ou no laboratório de
informática da escola (caso a escola disponha desse ambiente). Os memes levados
pelos alunos devem ser projetados para apreciação da turma e realização da atividade
oral (apresentada no quadro a seguir), disponibilizada no Itinerário Crítico.

Quadro 2 - Atividade 2 do Ateliê 1


Sugestão de atividade oral.
1. Qual a grande qualidade dos memes e como eles costumam surgir? Qual o contexto de produção
desses memes?
2. Os memes são capazes de emitir uma mensagem? Por quê?
3. Esses textos podem trazer uma opinião? Podem ser informativos? Podem ser educativos?
Explique.
4. É possível ferir, magoar ou discriminar alguém por meio de um meme? Como?
5. Um meme pode propagar “fake news” / desinformação?
6. Quais as nossas obrigações ao criar e ao compartilhar um meme?
Fonte: Cavalcante (2023, p 61).

Em seguida, o professor deve explanar sobre o gênero discursivo meme,


informando sobre a sua grande capacidade de síntese, em outras palavras, a capacidade
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 78

de concentrar opiniões e informações relevantes no que se refere ao propósito


comunicativo do texto. Vale esclarecer que o meme é um gênero formado
essencialmente por características multissemióticas, com grande capacidade de
propiciar um diálogo efetivo, concreto, real, fornecendo subsídios para o
desenvolvimento de uma leitura crítica e um manual prático e preciso para criação de
novos memes. Isso significa dizer que, embora seja um gênero objetivo, o meme
apresenta camadas de profundidade analítica muito arrojadas.
Logo depois, os memes sugeridos, no itinerário (apresentados a seguir), devem ser
projetados e as propostas de atividades oral e escrita (Quadro 2) devem ser respondidas.
Quando concluírem, as atividades devem ser comentadas oralmente com a participação
ativa dos estudantes. Durante os comentários, o professor deve reforçar as explicações
sobre as diferentes intencionalidades críticas nos memes. Também deve ser explicada,
de um modo mais didático, a noção de carnavalização, por meio de explanações e
esclarecimentos no que concerne a concepções de críticas a comportamentos comuns
e de críticas em relação a posicionamentos das classes sociais dominantes que colocam
como verdades absolutas o que elas consideram como melhor e mais adequado para a
sociedade como um todo, tentando, assim, excluir vozes que não concordam com
determinados posicionamentos e ignorando a diversidade de posicionamentos e culturas
da nossa sociedade. Para concluir este Ateliê, as características do gênero discursivo
meme devem ser relembradas.

Figura 3 - Memes para o ateliê

Fonte: Cavalcante (2023, p. 61).


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 79

Quadro 2 - Atividades 3, 4 e 5 do ateliê


Atividade 3 - Sugestão de atividade oral.
Os memes lidos abordam diversas temáticas. Depois de ler e analisar os memes acima, reflita sobre
a intencionalidade desses textos.
1. Quais as temáticas tratadas nos memes lidos?
2. Qual a mensagem transmitida em cada meme?
3. Somente despertam o riso? Somente fazem uma crítica? Podem ser irônicos? Podem provocar
riso e crítica ao mesmo tempo? Explique.

Atividade 4 - Sugestão de atividade escrita (solicitar que seja feita em dupla):


1. Agora, classifique os memes lidos:
a) Quais são somente engraçados? Explique.
b) Quais são somente críticos? Explique.
c) Quais são engraçados e críticos? Explique.

Atividade 5 - Sugestão de atividade escrita.


Diante do exposto acima, responda:
1. Quais dos memes analisados trazem críticas a comportamentos comuns que em determinado
momento não estão sendo tolerados por alguém e são colocadas como insinuações, “indiretas”, para que
a pessoa mude o comportamento ou que tenham somente a intenção de provocar o riso?
2. Quais dos memes analisados trazem críticas a comportamentos impostos pela sociedade que ao
serem questionados causam reações de opressão e reprovação pelos que julgam que somente os seus
posicionamentos e comportamentos são corretos e aceitáveis?
3. Para finalizar esse ateliê, escreva o que você considera que são características de um meme.
Fonte: Cavalcante (2023, p. 61).

É importante evidenciar que os componentes da carnavalização são percebidos em


textos que excedem uma concepção pré-estabelecida. A carnavalização, segundo
Bakhtin (2008), ocorre com a percepção das relações hegemônicas de poder e com a
compreensão do riso que contesta essas relações, o riso carnavalizado.
Na execução desse ateliê, no dia do primeiro encontro, apresentamos aos alunos
a proposta da pesquisa, destacando a importância do tema e das atividades a serem
realizadas para o desenvolvimento das habilidades de leitura e do senso crítico.
Reforçamos a relevância da participação deles nos debates e atividades orais e escritas,
assim como solicitamos que assumissem uma atuação respeitável, cuidadosa e
prudente em todas as etapas do itinerário.
Consecutivamente, começamos dialogando com os alunos sobre o que eles sabiam
sobre o gênero discursivo meme, quais as características desse gênero, onde esses
textos costumam circular, de quais tipos de memes eles mais gostam, se eles já tinham
produzido memes.
Muitos alunos da turma, que era muito participativa, responderam que achavam
esse tipo de texto bastante engraçado, uma aluna comentou que os memes também
poderiam deixar alguém triste, quando abordam temas sérios, como a obesidade, por
meio de ridicularização e deboche, que os meme tinham mais imagens do que texto, que
gostavam de compartilhar memes humorados em suas redes sociais, que o local onde
mais encontravam os memes era na internet; a maioria dos alunos afirmaram que nunca
produziram memes, apenas compartilhavam.
Em seguida, explicamos que as atividades seriam voltadas para leitura e análise
de memes, com a ajuda do gênero discursivo conto, falando de modo didático que esses
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 80

textos, além de serem engraçados, como eles colocaram, também promovem crítica por
meio do humor e da ironia. Nesse momento, foi falado sobre a concepção de ironia. Os
discentes foram provocados a citarem exemplos de situações irônicas.
Na sequência, falamos sobre o gênero discursivo meme carnavalizado,
expressando sobre a sua grande capacidade de concentrar opiniões e informações
pertinentes, no que se refere ao objetivo comunicativo do texto, de forma resumida.
Esclarecemos que o meme possui múltiplas linguagens com importante competência
para promover um diálogo efetivo, concreto, real, fornecendo subsídios para o
desenvolvimento de uma leitura crítica.
Foi realizada a primeira atividade oral do Ateliê cujas respostas foram significativas.
Os discentes disseram que a grande qualidade dos memes era divertir. Não conseguiram
entender a pergunta sobre contexto de produção. Explicamos, em função disso, que
contexto de produção era o conjunto de componentes levado em consideração pelo autor
em relação ao que se pretende comunicar no momento da elaboração do texto.
Por exemplo, um meme que fala sobre a importância do voto, provavelmente, está
relacionado ao contexto de produção das eleições, ou seja, o momento em que ocorrem
as propagandas eleitorais. Os estudantes afirmaram que os memes emitem mensagens,
que podem também expressar opinião, informação. Concordaram que os memes
também são capazes de ferir, magoar ou discriminar alguém, que podem produzir
informações falsas, citaram bastantes exemplos a respeito dos questionamentos feitos.
Por fim, alguns alunos falaram sobre a responsabilidade que temos ao compartilhar um
meme, pois não devemos propagar conteúdos ofensivos e/ou falsos.
Logo após, com o auxílio de um projetor, exibimos os memes a serem lidos. Os
estudantes gostaram muito, falaram sobre as mensagens comunicadas em cada meme.
Ao serem questionados sobre a criticidade, a ironia e o humor dos textos, os estudantes
concordaram sobre a existência desses traços, mas também se posicionaram sobre as
temáticas e as valorações existentes nos memes. Alguns alunos, por exemplo, falaram
que os textos II e VIII falavam sobre machismo.
Depois das análises dos memes, a noção de carnavalização foi didatizada para os
alunos, assim como foi destacado que o foco das atividades era analisar memes
carnavalizados, que contestam concepções pré-estabelecidas pela classe social
detentora de recurso e poder, textos que se opunham a essas relações de poder por
intermédio da ironia, do humor, da crítica, promovendo o riso carnavalizado. Para
finalizar esta etapa, os alunos, com o auxílio da professora-pesquisadora, citaram as
características dos memes.
Vemos, nesse sentido, que a execução dos ateliês que compõem um ID coloca em
evidência: a interlocução horizontalizada entre os estudantes e o docente; a efetiva
participação dos discentes nas atividades; a mobilização dos conhecimentos prévios dos
estudantes; e os processos de circulação dos gêneros discursivos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, propusemos apresentar a metodologia ID como um arquétipo


produtivo para o trabalho com práticas de linguagem na educação básica. Para isso,
inicialmente, discutimos o conceito de ID, apresentando suas diferenças em relação às
SD e seus principais alicerces. Posteriormente, socializamos um ateliê proposto em
nossa pesquisa de Mestrado, que visava formular um ID para a leitura de memes,
focalizando na noção bakhtiniana de carnavalização como refinadora de letramentos.
Conclusivamente, entendemos que o ID é uma metodologia que focaliza as práticas
de linguagem, o que proporciona ao professor construir ateliês conforme os objetivos
que elenca para sua comunidade estudantil. Uma vez que o foco são as práticas sociais
em que a linguagem é central, interessa o refinamento dos letramentos dos estudantes,
pois, ao invés de analisar tão somente a estrutura do gênero e seus traços mais
repetíveis, o ID se preocupa com os processos de consumo, produção e circulação dos
gêneros, bem como com as maneiras de que o estudante dispõe para expressar-se via
linguagem.
Além disso, oportunamente, o ID favorece o processo de aprendizagem da
produção de texto do estudante. Isso favorece o refinamento de capacidades
metalinguísticas, já que o estudante, com seus pares, fará avaliação de textos dos
colegas e autoavaliação de suas produções, a partir do escopo das atividades que
compõe os ateliês do ID.
Após essa discussão, apresentamos um ateliê que compõe o ID proposto em nossa
dissertação de Mestrado, com vista a permitir visualizar o modo como cada etapa dessa
metodologia pode ser construída. Por fim, socializamos o relato de como foi a
interlocução da professora com os estudantes de sua turma de 9º ano na realização do
primeiro ateliê.
Com isso, acreditamos que, neste trabalho, executamos um passo à frente em
relação à socialização de um arquétipo metodológico tão produtivo quando o ID, tendo
em vista, a nossa percepção, o fato de que a proposta revela enquadres arrojados para
a execução de atividades de linguagem que oportunizem o refinamento de letramentos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 82

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François


Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. Brasília. 4 ed.: Editora da Universidade de Brasília, 2008.

BARROS, Eliana Merlin Deganutti; OHUSCHI, Márcia Cristina Greco; DOLZ; Joaquim. Itinerários
Didáticos: um novo caminho para sequenciar atividades de leitura e produção a partir de gêneros
textuais. In: CENPEC. Na ponta do lápis. São Paulo: CENPEC, 2023, p. 10-19.

CAVALCANTE, Keziane Fernandes. Compreensão leitora de memes: uma proposta de ensino da


carnavalização para alunos do 9º ano. Orientadora: Pollyanne Bicalho Ribeiro. 2023. 201 f. Dissertação
(Mestrado em Letras) - Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional, Pró-Reitoria de Pesquisa e
Pós-Graduação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2023.

COLOGNESI, Stéphane. Faire évoluer la compétence scripturale des élèves. (Thèse de doctoral).
Université Catholique de Louvain, Louvain-la-Neuve, 2015.

COPPOLA, Anthony; DOLZ, Joaquim. Ensinar o debate regrado sobre as (des)igualdades entre os sexos
no primário: evolução da distribuição da fala entre os(as) participantes. Linha D’Água (Online), São
Paulo, v. 33, n. 2, p. 19-38, maio-ago. 2020.

DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michèlle; SCHNEUWLY, Bernad. Sequências didáticas para o oral e a
escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais
e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Cordeiro. São Paulo: Mercado de Letras, 2004, p. 95-
128.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 83

CAPÍTULO 6
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 84

ENSINO DE ONOMÁSTICA
NA EDUCAÇÃO BÁSICA:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA


Márcia Sipavicius Seide
Patrícia Lucas

Ao longo deste capítulo, descreve-se uma experiência pedagógica de estágio de


regência realizada num 7º ano de uma escola pública da região oeste do Paraná. Trata-
se de uma tentativa bem-sucedida de incluir tópicos de Onomástica em aulas de Língua
Portuguesa como língua materna. A Onomástica é uma área de pesquisa em que se
investigam os nomes próprios quer de um ponto estritamente de vista linguístico, quer
de uma perspectiva interdisciplinar. Entre os vários tipos de nome próprio são mais
estudados os nomes próprios de pessoa (antropônimos) e os nomes próprios de lugar
(topônimos), são também estudados nomes de produtos, marcas e invenções
(crematônimos) (Reyes-Contreras, 2021).
Com relação à aplicação da Onomástica ao ensino, já há experiências prévias
realizadas no âmbito dos mestrados profissionais (Costa; Dargel, 2022, Santos, Souza,
2022) e estudos documentais que apontam para as possibilidades de ensino a partir da
Base Nacional Comum Curricular (Alexandre; Bastiniai; Andrade, 2022, Seide, 2022a).
Há também publicação de resultados de um projeto de pesquisa desenvolvido com
alunos de uma escola pública de Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul (Silva, 2018), de
intervenção pedagógica realizada com alunos do 6º.ano do Ensino Fundamental de uma
escola pública do Acre (Santos, 2019),de análise de livro didático de Geografia sob o
viés toponímico realizada por Nunes (Nunes, 2015), de propostas de Oficinas
Pedagógicas criadas por Reis e Andrade (2019), de pesquisas visando o
desenvolvimento de um software toponímico com propósitos pedagógicos (Andrade
et.al.,2019) e de propostas voltadas ao ensino de médio (Figueredo; Castro, 2019,
Sousa, 2017).Contudo, ao que se sabe, esta é a primeira experiência pedagógica
envolvendo a formação docente inicial.
Este capítulo está organizado da seguinte maneira: depois desta breve introdução,
há cinco seções. Na primeira, há a apresentação dos fundamentos de Onomástica
mobilizados neste artigo. Na segunda, proposta de diretrizes para a aplicação
pedagógica da Onomástica. Na terceira, o relato da experiência pedagógica. Na quarta,
constatações e reflexões sobre o relatado e, por fim, na quinta seção, as considerações
finais.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 85

FUNDAMENTOS DE ONOMÁSTICA

Do ponto de vista linguístico, o nome próprio pertence à categoria dos substantivos


e se distingue de um nome comum pelo modo como a referência é feita. Enquanto,
mediante o nome comum, se faz uma referência genérica, no caso dos nomes próprios.
o ser referido é considerado como sendo único e singular. Levando em consideração
seus traços linguísticos, os nomes próprios

possibilitam a identificação direta de um referente único em um universo de


conhecimento compartilhado por emissor e receptor, possuem capacidade de referir,
independentemente da presença de determinante, não apresentam traços semânticos
identificadores de classe, são grafados com maiúscula inicial (Amaral; Seide, 2020, p.
58).

Enquanto o uso de letra maiúscula é um critério válido somente para a língua


escrita, a falta de informação de classe típico dos nomes próprios deve ser ponderada
pela presença de significado associativo que é fruto do modo como os nomes próprios
são processados e utilizados ao longo do processo inerente ao uso linguístico. Este tipo
de significado que tem um importante papel quando se tata de estudar as mudanças de
nome própria a nome comum e de nome comum a nome próprio.
Para López Franco, a comparação envolvendo somente línguas europeias de
origem latina resultou na admissão do pressuposto de que haveria um universal
linguístico segundo o qual os nomes próprios são, geralmente, semanticamente opacos.
Trata-se, segundo ela, de uma generalização indevida daquilo que é peculiar dos
“sistemas onomásticos opacos das línguas dominantes da Europa ocidental – e dos
países ocidentalizados” (tradução nossa)
A opacidade desses sistemas decorreria das “camadas múltiplas sobrepostas ao
longo do tempo, o que aliado à evolução fonética em diacronia, gerou sua
incompreensão por parte dos falantes das línguas vivas que os empregam” (tradução
nossa) (López Franco, 2014, p. 70).
Para comprovar seu ponto de vista, ela cita exemplos de línguas nativas do México
e da língua árabe que consistem de nomes próprios formados por nomes comuns, em
outras palavras, nomes comuns que foram transladados ou transformados em nomes
próprios:

Os sistemas onomásticos cujos nomes próprios são semanticamente transparentes


parecem ser, não obstante, a regra. Observemos alguns exemplos nos nomes próprios
de pessoas.Em árabe literal Jamâl ‘beleza’, nome masculino, ou Karima ‘generosa e
nobre’, nome feminino (...) Neste mesmo caso, estão os antropônimos de várias
línguas indígenas como Citlalli ‘estrela’ ou Tonatiuh ‘sol’, do náhuatl (...) (Lopez Franco,
2014, p. 71) (tradução nossa).

Apesar de ser questionável que um nome próprio de uma língua seja transparente
aos falantes nativos do idioma meramente pelo fato de ser ele constituído por um nome
comum – mais provavelmente a função referencial de nome próprio faz eclipsar, na
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 86

consciência do falante – seus exemplos mostram que parte do repertório antroponímico


de muitas línguas é formada por nomes próprios derivados de nomes comuns.
López Franco e Faber acertadamente defendem a existência de um contínuo
gradual entre os nomes comuns numa ponta e os nomes próprios em outra e a
possibilidade de transição entre esses extremos no uso linguístico pelo qual os nomes
podem transitar resultando em mudança entre as categorias de nome e no interior de
cada categoria (Faber, 1980, López Franco, 2014).
A consciência desta translação se oblitera quando se trata de nomes próprios
derivados de nomes comuns que foram emprestados de outros idiomas e também
quando mudanças fonéticas e ortográficas ao longo do tempo tornam irreconhecíveis o
nome próprio e o nome comum que lhe deu origem aos leigos em Linguística Histórica,
o que é especialmente válido para as línguas românicas nas quais parte do repertório
antroponímico foi herdado da língua latina.
No caso dos nomes de lugares derivados de nome comum, contudo, costuma haver
manutenção da transparência semântica do nome nos casos em que os sintagmas não
incluem antropônimos cujo conhecimento do referente é necessário para que se entenda
a homenagem pessoal que o nome de lugar presta.
Outros processos pelos quais o significado de um nome próprio se enriquece
envolvem os usos de antropônimos como elemento coesivo que apresenta as funções
textual de introdução e retomada de referentes discursivos. Em sua investigação sobre
esses usos em textos jornalísticos do gênero reportagem, Seide (2008) mostra a
contribuição dos usos de nome próprio para a construção do referente nos discursos ao
analisar trechos de textos jornalísticos:

Aos 34 anos, o tenente Fernando Neves Braz comandava 30 homens do Tático Móvel
[...] O caso de sua vida foi o assassinato da menina Isabella [...] O tenente e dois
soldados patrulhavam a vizinhança [...] Uma gravação feita pela TV Globo [...] mostra
o tenente Braz conversando com Alexandre Nardoni, pai de Isabella [...] O tenente
Braz se matou no dia 30 de maio [...] O policial era investigado por pertencer a uma
rede de pedofilia (p. 72) (Seide, 2008, p. 31). (grifos da autora)

Percebe-se, no trecho acima, que o referente é introduzido por uma descrição


definida formada pelo nome da profissão e pelo nome próprio do ser a que se faz
referência. Na sequência, o referente é retomado por uma descrição definida mais curta
formada pelo nome da profissão acrescido do sobrenome, descrição que é repetida mais
adiante. Ao final do trecho, o referente é retomado por uma descrição definida formada
por um nome comum.

Por meio do uso desses recursos, o referente é caracterizado e discursivamente


construído como profissional, em detrimento dos demais papéis sociais exercidos,
como o de pai, o de esposo, o de irmão, o de amigo etc. O uso da profissão como
recurso designativo foi precisamente a solução encontrada na Idade Média para se
fazer referência singular num contexto socialmente complexo (Seide, 2008, p. 31).

Considerando-se um falante nativo de língua portuguesa adulto, escolarizado e


letrado pode-se afirmar que ele conhece quais são os nomes próprios mais utilizados no
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 87

seu idioma e como são usados na linguagem oral e na linguagem escrita. Ele tem
conhecimento de como os nomes próprios são usados como elementos coesivos e sabe
que nome próprios podem ser transformados em nome comuns e vice-versa. Esta
constatação aliada ao que se sabe sobre o conhecimento linguístico dos leigos em
linguística levaram à elaboração de uma proposta de descrição do que sabe um falante
ideal sobre o sistema onomástico, um conhecimento que varia em diversos graus de uma
pessoa para outra.
O conhecimento onomástico do falante ideal foi descrito por Seide (2021) na forma
de uma tabela a seguir reproduzida

Tabela 1 - Conhecimento onomástico do falante - CO


1. Significado denominativo procedural na linguagem cotidiana (como os nomes próprios são usados)
2. Relação entre nomes e referentes conhecidos ou mencionados no cotidiano (que nomes as pessoas
e os lugares têm, por exemplo)
3. Repertório (conjunto e tipos de nomes próprios conhecidos; pode incluir nomes em outros idiomas)
4. Pronúncia dos nomes conhecidos e regras supostas para pronúncia de nomes desconhecidos (como
os nomes são pronunciados)
5. Grafia segundo as regras ortográficas dos idiomas (pode incluir conhecimento sobre a grafia de
nomes de outros idiomas).
6. Informação gramatical (como gênero e número dos nomes próprios 1 )
7. Constituição (número de nomes que pode haver em um prenome ou em um topônimo por exemplo)
8. Significado associativo (forma-se de acordo com as vivências do falante, com os referentes dos
nomes)
9. Significado emotivo (presente, por exemplo, nos hipocorísticos nos quais há uma conotação afetiva
nos nomes)
10. Fatores sociolinguísticos (presunção sobre a classe social e o gênero dos nomes de pessoas, por
exemplo)
11. Imaginários etnosocioculturais (como presunção sobre qualidades atribuídas aos nomes como a de
que nomes de pessoa em língua inglesa têm mais prestígio do que nomes na língua portuguesa)
12. Processo de nomeação: quem nomeia e quando (pode incluir os aspectos legais da nomeação
oficial)
13. Motivação da nomeação (conhecimento sobre a história da escolha do nome, do porquê um
determinado nome foi escolhido)
14. Usos e valores de prenomes no mundo ficcional (literatura, cinema, minisséries, telenovelas, games
etc.)
15. Significado etimológico e/ou histórico
Fonte: Adaptado de Seide (2021, p. 67)

Enquanto os componentes dois a sete correspondem à descrição linguística de


nome próprio proposta por Amaral e Seide (2021) os demais dizem respeito aos usos
dos nomes próprios e ao conhecimento de mundo sobre os referentes dos nomes
próprios e os processos de nomeação que dos quais surgem os nomes. Há também
aspectos que requerem estudo no caso dos componentes 14 e 15.
A constatação de que há um conhecimento sobre os nomes próprios que vai além
do nível estritamente linguístico, de um lado, e pesquisas neurológicas e pragmáticas
sobre como os nomes próprios são processados e utilizados de outro, resultou numa
proposta interdisciplinar de nome próprio descrita no quadro reproduzido a seguir:

1 A informação gramatical depende da língua em questão, no caso de línguas declinatórias, como a língua
lituana, há também informação sobre os casos e suas declinações.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 88

Quadro 2 - Redefinição do conceito de nome próprio

O nome próprio é um nome singular, um objeto abstrato armazenado num endereço conceitual na
mente do falante composto por um componente lógico, um componente lexical e um componente
enciclopédico. Enquanto o primeiro responde pelo processamento necessário das informações para se
chegar à compreensão de elocuções nas quais os nomes próprios são utilizados, os dois últimos
integram o conhecimento linguístico e de mundo relativos ao nome próprio e correspondem ao
conhecimento onomástico do falante ideal e pode abranger desde o conhecimento como em
determinada língua e cultura os nomes são usados e suas características gramaticais até o
conhecimento erudito sobre a etimologia e a origem dos nomes.

Fonte: Seide (2021, p. 86)

Nesta seção, foram apresentados os fundamentos da Onomástica mobilizados na


experiência pedagógica neste artigo: caracterização de nome próprio, propriedade que
um nome próprio tem de ser usado como nome comum e de um nome comum ser usado
como um nome próprio, a opacidade e a transparência semântica dos nomes próprios,
usos de nomes próprios como elemento coesivo, características linguísticas e
interdisciplinares dos nomes próprios e o conhecimento que se pode ter a respeito deles.
Na seção a seguir, esses fundamentos são interpretados no contexto pedagógico, isto
é, observando-se sua aplicabilidade ao ensino de Língua Portuguesa língua materna no
7º ano da Educação Básica.

A ONOMÁSTICA PEDAGÓGICA OU A PEDAGOGIA DA ONOMÁSTICA

Com relação ao conhecimento onomástico dos alunos no que se refere aos


topônimos, Seide observa que

Com relação ao item 10 [fatores sociolinguísticos], é importante sublinhar que ele


remete diretamente às vivências dos alunos e também àquilo que eles ouvem e
escutam nas mídias, pois se trata de tudo aquilo que é associado aos lugares que os
nomes simbolizam. Este conhecimento é fruto de associações subjetivas que dão
origem aos processos pelos quais os espaços se tornam um lugar (Tuan 2012) aos
sentimentos de topofilia (afeto ou apreço por um lugar), e às conotações sociais
atreladas aos topônimos (Seide, 2010). Quanto à influência da mídia neste processo,
se notícias positivas são sistematicamente divulgadas acerca de uma cidade, por
exemplo, haverá associações positivas entre o lugar e o seu nome, ao contrário, se
houver divulgação sistemática de notícias negativas, as associações entre o lugar e o
seu lugar serão negativas resultando em conotações sociais pejorativas (Seide, 2022a,
p. 84)

O que se afirmou sobre os topônimos também é válido para os antropônimos e


outros tipos de nomes próprios. São fatores que estão relacionados com a natureza
interdisciplinar dos nomes próprios por serem parte do conhecimento de mundo e do
conhecimento enciclopédico dos estudantes.
Quanto ao conhecimento linguístico relativo aos nomes próprios, seus aspectos
gramaticais
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 89

podem ser abordados nas aulas de Língua Portuguesa que focam a ortografia, a
morfologia, a lexicologia e os processos de referenciação discursiva. Estes conteúdos
são recorrentes da Base Curricular Comum Nacional, há, ao todo, dez menções a estes
conteúdos (Seide, 2022a, p. 84).

O quadro a seguir destaca as menções aos conteúdos e habilidades relativos aos


aspectos linguísticos dos nomes próprios presentes na base e relativos a ou abrangendo
do Educação Básica o segundo ciclo do ensino fundamental (Brasil, 2019).

Quadro 3 - Menções aos aspectos gramaticais do nome relacionáveis ao conhecimento onomástico da


Educação Básica
1.(EF67LP32) Escrever palavras com correção ortográfica, obedecendo as convenções da língua
escrita.
2.(EF07LP03) Formar, com base em palavras primitivas, palavras derivadas com os prefixos e sufixos
mais produtivos no português.
3.(EF67LP35) Distinguir palavras derivadas por acréscimo de afixos e palavras compostas.
4.(EF06LP04) Analisar a função e as flexões de substantivos e adjetivos e de verbos nos modos
Indicativo, Subjuntivo e Imperativo: afirmativo e negativo. (grifos nossos).
5.(EF06LP11) Utilizar, ao produzir texto, conhecimentos linguísticos e gramaticais: tempos verbais,
concordância nominal e verbal, regras ortográficas, pontuação etc. (grifos nossos)
6.(EF06LP12) Utilizar, ao produzir texto, recursos de coesão referencial (nome e pronomes),
recursos semânticos de sinonímia, antonímia e homonímia e mecanismos de representação de
diferentes vozes (discurso direto e indireto).(grifos nossos).
7.(EF08LP04) Utilizar, ao produzir texto, conhecimentos linguísticos e gramaticais: ortografia,
regências e concordâncias nominal e verbal, modos e tempos verbais, pontuação etc. (grifos nossos).
8.(EF08LP14) Utilizar, ao produzir texto, recursos de coesão sequencial (articuladores) e referencial
(léxica e pronominal), construções passivas e impessoais, discurso direto e indireto e outros recursos
expressivos adequados ao gênero textual. (grifos nossos)
9.(EF08LP05) Analisar processos de formação de palavras por composição (aglutinação e
justaposição), apropriando-se de regras básicas de uso do hífen em palavras compostas.
10.(EF08LP14) Utilizar, ao produzir texto, recursos de coesão sequencial (articuladores) e referencial
(léxica e pronominal), construções passivas e impessoais, discurso direto e indireto e outros recursos
expressivos adequados ao gênero textual. (grifos nossos)
11.(EF09LP12) Identificar estrangeirismos, caracterizando-os segundo a conservação, ou não, de sua
forma gráfica de origem, avaliando a pertinência, ou não, de seu uso.
Fonte: Seide (2022a, p. 84-85).

Com base no estudo documental da BNCC, Seide previra os seguintes conteúdos


a serem trabalhos neste nível de ensino:

Os aspectos ortográficos da Língua Portuguesa são mencionados na descrição de


quatro habilidades distribuídas ao longo do ciclo: no 6º ano (item no. 4), 6º e 7º anos
(item no.1), 8º.ano (item no.7) e 9º.ano (item no.11). No cotidiano da sala de aula, essas
habilidades podem ser trabalhadas tirando-se proveito do conhecimento toponímico
mediante a complementação de exemplos e exercícios que foquem os nomes de
lugares ao invés dos substantivos comuns, como é mais comum nos livros didáticos de
língua materna (Seide, 2022a, p. 85).

Unindo a proposta curricular oficial ora descrita com os fundamentos onomásticos


apresentados na segunda seção deste artigo e os conteúdos estipulados pela professora
que cedeu sua turma ao campo de estágio foi feito o planejamento de quatro aulas para
uma turma do 7º ano. Essas aulas foram posteriormente ministradas na turma por dois
estagiários, experiência descrita na próxima seção deste capítulo.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 90

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Esse relato de experiência é fruto de observação de quatro aulas de estágio de


regência dadas numa turma de sétimo ano de uma escola pública estadual do município
de Marechal Cândido Rondon na região oeste do Paraná para manutenção do anonimato
não são informados o nome da escola nem dos alunos, também não se informa a turma
exata na qual o estágio foi realizado, com relação às professoras elas são referidas pelas
seguintes designações: professora Orientadora e professora Regente, informa-se,
contudo, os nomes dos estagiários envolvidos, João Vitor Correia e Liz Paola Dominguez
Moreira cujas aulas de estágio foram ministradas entre os dias 10 e 12 de abril de 2023
numa turma do sétimo ano.
O estágio de regência foi desenvolvido em quatro aulas de cinquenta minutos cada
nas quais foram abordados conteúdos e atividades propostos no segundo capítulo do
livro didático “Tecendo linguagens: Língua Portuguesa: 7º ano”, escrito pelas autoras
Tania Amaral Oliveira e Aparecida Melo Araujo e de conteúdos e atividades
complementares criados pela Professora orientadora e pelos estagiários especialmente
para serem aplicadas no estágio.
Para a primeira aula do estágio, foram previstos os encaminhamentos e conteúdos
descritos a seguir.

Quadro 4 – Encaminhamentos metodológicos e conteúdos da primeira aula de estágio

A aula iniciar-se-á com os estagiários dando as boas vindas para os alunos, se apresentando e pedindo
para que os alunos se apresentem, e após as apresentações os estagiários realizarão a chamada pelo
aplicativo do Governo ou de maneira escrita. Após a realização da chamada, será questionado aos
alunos de maneira oral, se eles sabem a diferença entre emigrantes e imigrantes, se eles sabem o que
são os refugiados ou se eles sabem as possíveis causas que levam as pessoas saírem do seu país de
origem e se tornarem refugiados, de quais guerras já ouviram falar ou se sabem de alguma guerra que
está acontecendo atualmente e por último o que mais eles sabem a respeito desse assunto (...). Em
seguida, após estarem a par do assunto os alunos irão realizar a leitura de uma charge (...), para que,
na sequência, possam realizar a análise da mesma, através de algumas perguntas às quais os
estagiários irão escrever no quadro (...), através do questionário eles também entenderão, que existe
dos tipos de nomes (os comuns e os próprios). A fim de que eles compreendam melhor, os estagiários
farão uma breve explicação a respeito dos mesmos de maneira oral (...), essa explicação servirá como
desencadeador da próxima atividade, que se trata de um ditado, na qual os estagiários irão realizar
utilizando nomes próprios derivados de nomes comuns (...), após a realização do ditado os estagiários
questionarão os alunos de maneira oral, se eles perceberam o que as palavras usadas têm em comum
- são grafemas diferentes para um mesmo fonema – e se eles conhecem outras palavras que possuem
essa mesma característica. Após as respostas serem dadas pelos alunos e comentadas pelos
estagiários, os estagiários realizarão a correção do ditado durante a qual será enfatizada a notação
ortográfica, ou seja, a regra que rege a utilização do G e J na grafia das palavras.
Fonte: Correia e Moreira (2023a)

Percebe-se que os conteúdos onomásticos centram-se nas características do nome


próprio em comparação com o nome comum, a possibilidade de mudança intercategorial
de nome comum a nome próprio (Seide, 2022b), uso de letra maiúscula em substantivos
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 91

e adjetivos que formam nomes de lugares por serem eles nomes próprios, identificação
de dois tipos de nomes próprios (de lugares e de pessoas), prescrições ortográficas para
o uso duas consoantes que representam um mesmo grafema (g e j) e usos de nome
próprios derivados de nome comum como recurso estilísticos promotor de ironia e efeito
cômico em charges, conteúdos que estão presentes em componentes do Conhecimento
Onomástico do falante ideal (Seide, 2021).
A charge lida e analisada na primeira aula (reproduzida na Figura 1) tem seu efeito
humorístico baseado na interpretação do sintagma “bela vista” como nome comum e
como nome próprio: no primeiro caso, o sintagma descreve uma paisagem, no segundo
faz referência a uma cidade. Pode-se inferir que, no momento de batismo do lugar. havia
uma paisagem bela a qual foi descrita pelo designador dando origem ao nome próprio
de lugar. Apesar da transparência semântica do nome, nada garante que houve
manutenção da capacidade descritiva nome, ao contrário, via de regra, o significado
inicial do nome perde-se e o nome do lugar torna-se opaco.
O título da charge está em destaque no retângulo preto com letras brancas, ele é
formado por uma frase finalizada com um nome próprio de cidade. Na fala do líder que
escolheu a cidade como ponto de chegada, há uma justificativa para a escolha do lugar
na qual ele informa a interpretação linguística do nome próprio da cidade ao responder:
- “Gostei da vista”. Este período simples é uma paráfrase do significado linguístico do
nome de lugar. O humor surge daí: tudo que ele sabe sobre a cidade é o significado do
nome dela o que demonstra que sua decisão foi aleatória.

Figura 1 – Charge

Fonte: Oliveira e Araujo (2018, p. 71)

Seguindo os encaminhamentos previstos, os estagiários conversaram com os


alunos sobre a temática que seria focada posteriormente visando ativar- o conhecimento
prévio que eles tinham sobre o assunto. Criado o contexto no qual a charge faz sentido,
ela foi lida pela Liz e perguntas foram feitas aos alunos para que eles interpretassem a
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 92

charge. Houve percepção do trocadilho Boa Vista x Gostei da vista por parte dos alunos,
contudo, o humor e a ironia presentes na charge não o foram e o João precisou explicitar
esses efeitos de sentido.
Na sequência, a Liz perguntou o que são nomes próprios, dois alunos responderam
que são nomes de pessoa, nomes de cidade e um deles mencionou o nome da cidade
onde moram, Marechal Cândido Rondon. Então, Vitor solicitou mais exemplos aos
alunos e todos conseguiram dar um exemplo de nome próprio. O comportamento dos
alunos neste momento da aula evidencia que há conhecimento sobre esta subclasse de
palavra e de que há mais de um tipo de nome próprio dentro dessa subclasse.
Foi então iniciado o ditado de nomes próprios derivados de nomes comuns formado
pelos seguintes nomes de cidade: Terra Rica, Boa Viagem, Pato Branco, Passagem,
Contagem, Quatro Pontes. Vargem e Laranjal. Durante a correção, os alunos se
divertiram. Eles adoraram perceber que estavam acertando tudo! Esses acertos atestam
o conhecimento da grafia desses nomes próprios como parte do Conhecimento
Onomástico dos alunos. Este já é um feitio positivo do uso da Onomástica ao ensino:
valorizar o conhecimento que os alunos já têm e mobilizá-lo durante a aula.
Após a correção, houve uma breve explicação sobre a Onomástica como área que
estuda os nomes próprios e que há dois tipos principais de nomes próprios: os
antropônimos e os nomes de lugar, os topônimos, e os três termos foram escritos no
quadro negro pela Liz. Além disso, alguns alunos, ao verem a palavra topônimo escrita
começaram a ler a nova palavra em voz experimentando como soava a palavra.
Outras reações dos alunos atestaram a natureza interdisciplinar dos nomes
próprios (Seide, 2021). Perante o topônimo “Terra Rica” um aluno comentou “Fica no
Paraná, eu acho”. A Liz informou: “Boa Viagem é uma cidade do Ceará”. Outro aluno
falou: “Quatro Pontes, desta eu ouvi falar!”. Finalizando este momento da aula, um outro
aluno disse, referindo-se ao último topônimo: “Eu sei de cor, vou todo dia lá!” Todos
esses comentários evidenciam que houve, por parte da estagiária e dos alunos,
associação entre o topônimo e o lugar a que se faz referência, isto é, houve a ativação
do conhecimento enciclopédico que faz parte do conceito mental de nome próprio.
Terminados os comentários, houve explicação sobre o uso de “g” e do “j” em alguns dos
topônimos do ditado. Para a segunda aula do estágio, foram previstos os
encaminhamentos e conteúdos descritos no quadro 5.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 93

Quadro 5 – Encaminhamentos metodológicos e conteúdos da segunda aula de estágio

Após a realização da chamada os estagiários perguntarão aos alunos se eles se recordam do que foi
trabalhado na aula anterior a respeito da charge. Após as respostas, os estagiários explicarão que a
charge utilizada e publicada no livro didático, pode se referir a uma notícia publicada no mesmo jornal
que publica a charge. Após essa introdução os estagiários trabalharão com uma notícia que tem por
título "Refugiado sírio é agredido enquanto vendia esfirras em Copacabana”, os alunos irão lê-la de
maneira alternada, um de cada vez, conforme se sintam confortáveis. Após a leitura, os alunos
realizarão a interpretação de algumas perguntas de modo dialogado juntamente com os estagiários (...),
essas perguntas serão a respeito da notícia em si, além de trabalharem a respeito dos referentes
discursivos, dos tipos de sujeito e de predicado, a estrutura da lide na notícia, e a importância dos nomes
próprios. Para responder essas perguntas juntamente com os alunos, os estagiários terão como apoio
uma explicação a respeito de como se constroem os referentes discursivos, trazendo como ênfase o
papel dos nomes próprios nessa construção, e uma explicação a respeito do sujeito e do predicado,
lembrando que essa explicação é um apoio para o professor, a explicação a respeito desses conteúdos
será feita no decorrer das atividades de modo dialogado com a ajuda das perguntas (...). Após a
interpretação os alunos serão instruídos pelos estagiários a realizarem uma pesquisa na notícia
trabalhada anteriormente, em busca de nomes próprios e nomes comuns grafados em G e J, para uma
pequena retomada das regras ortográficas e explicação dos nomes próprios. (....).

Fonte: Correia e Moreira (2023b)

Do ponto de vista onomástico, o foco da aula se centra em como os nomes próprios


são usados numa notícia e com qual propósito, trata também dos usos de nome próprio
como elemento coesivo (Seide, 2018) e como parte do processo de construção
discursiva do referente; secundariamente, observaram-se usos sintáticos do nome
próprio.
Na notícia interpretada pelos estagiários, reproduzida a seguir na figura 2, há uso
de nome próprio tanto para introduzir referentes discursivos quanto para retomá-los. O
referente introduzido pelo sintagma “refugiado sírio” do título é retomado pelo nome
próprio de pessoa Mohamed Ali, já o nome de bairro Copacabana é usado para informar
onde o fato noticiado ocorreu. O referente discursivo é depois retomado pelo prenome
Ali, num tratamento hipocorístico que supões alguma familiaridade com o indivíduo
mencionado, efeito de sentido observado em outros textos jornalísticos que também
utilizam antropônimos como elemento coesivo (Seide, 2018). Nessa notícia, há também
outros topônimos localizadores da ação: avenida Nossa Senhora de Copacabana e Rua
Santa Clara.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 94

Figura 2 - Primeira notícia utilizada no estágio

Fonte: Oliveira e Araujo (2018, p. 72)

Na explicação dos estagiários duas informações sobre o uso de nomes próprios na


notícia foram enfatizados o fato de o refugiado ser sírio e ter uma nome islâmico de
origem árabe e também o fato de o nome da avenida e da rua terem originado de nomes
de santa mas funcionarem como nomes de lugares. A atenção pedagógica voltada para
o uso de nomes próprios do discurso também foi reforçada na aula seguinte. Para a
terceira aula do estágio, foram previstos os encaminhamentos e conteúdos descritos no
Quadro 6.

Quadro 6 – Encaminhamentos metodológicos e conteúdos da segunda aula de estágio


Após a realização da chamada os estagiários irão pedir para os alunos lerem de maneira individual,
uma notícia denominada “Canadá oferece residência temporária a refugiados barrados por Trump”, a
qual se encontra no livro didático (...). Dando continuidade, os alunos irão realizar a interpretação de
algumas perguntas a respeito da notícia (...) com o auxílio do professor, essa atividade será realizada
de modo oral e servirá para os alunos entenderem os referentes discursivos de modo prático. Em
seguida será realizado uma retomada da estrutura da notícia, desde as principais características as
quais ela possui, até as partes que foram trabalhadas nas aulas anteriores a respeito de como se
constroem os referentes discursivo; o papel dos nomes próprios; a estrutura da lide, e os tipos de sujeito
e de predicado. Após a explicação os estagiários irão responder as perguntas que surgirão a respeito
de todo conteúdo estudado. Essa explicação servirá para preparar os alunos para a próxima aula que
terá uma atividade avaliativa. (...).
Fonte: Correia e Moreira (2023c)

A segunda notícia trabalhada no estágio, reproduzida a seguir na Figura 3, também


contém nomes próprios. Assim como na aula anterior, a explicação dos estagiários
enfatizou a origem linguística dos nomes de pessoa: estado-unidense e língua inglesa
no caso do então presidente dos Estados Unidos e canadense e francês no caso do
então primeiro-ministro canadense, e somaliana no caso do ministro de migração
canadense. Foi também informada a relação entre a origem do nome e os movimentos
migratórios e a história da colonização do Canadá e dos Estados Unidos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 95

Figura 3 - Segunda notícia trabalhada no estágio

Fonte: Oliveira; Araujo (2018, p. 85)

As explicações dadas nas aulas 3 e 4 foram vistas pelos alunos como novidades,
isto é, não houve indícios de que tiveram aulas anteriores sobre o assunto. Essas aulas
sobre o gênero notícia e o uso discursivo de nomes próprio prepararam os alunos para
a última aula do estágio. Para a quarta aula do estágio, foram previstos os
encaminhamentos e conteúdos descritos no Quadro 7.

Quadro 7 – Encaminhamentos metodológicos e conteúdos da segunda aula de estágio


Os estagiários passarão uma folha para os alunos, a qual terá um comando e alguns fatos a respeito
de uma notícia e a partir deles, os alunos irão realizar a produção de uma atividade avaliativa, na qual
terão que produzir e escrever uma notícia que contenha toda a estrutura de uma notícia real, com
título, lide, linguagem objetiva, acessível e impessoal (Anexo A). Além disso, os estagiários devem
deixar claro que a notícia deve conter no mínimo 15 linhas e que os alunos terão apenas aquela aula
para a realização e conclusão da atividade

Anexo A
Agora é sua vez de escrever uma notícia! Lembre-se que toda notícia deve ter título, lide (partes da lide),
linguagem objetiva, acessível e impessoal. Usando as informações do quadro abaixo escreva uma notícia com no
mínimo 15 linhas.

QUAL FOI O ACONTECIMENTO? Cerca de 500 imigrantes refugiados foram resgatados no mar.

ONDE OCORREU? No mar Mediterrâneo.

QUANDO OCORREU No dia 13 de abril de 2018.

PORQUE ACONTECEU? Imigrantes queriam entrar na Europa pelo mar ilegalmente.

QUEM FOI RESPONSÁVEL PELO A guarda costeira da Itália que fez o resgate.
ACONTECIMENTO?

Fonte: Correia e Moreira (2023d)


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 96

As produções textuais dos alunos mostraram que a atenção pedagógica dedicada


ao uso discurso dos nomes próprios em notícias surtiu efeito. Os estagiários elaboraram
uma tabela com os nomes próprios utilizados nas notícias escritas pelos alunos e
quantificaram os usos de letra maiúscula e minúscula usadas para grafar os nomes
próprios, conforme se vê na tabela 1 reproduzida a seguir.

Tabela 1- Número de vezes que topônimos e antropônimos foram citados nas produções do 7° ano.
Topônimos e antropônimos Letras maiúsculas Letras minúsculas

Mar Mediterrâneo 16 14
Mar Morto 3 0
Europa 34 5
Itália 37 9
Rússia 0 11
França 7 0
Suíça 4 0
Portugal 0 4
Estados Unidos 2 4
Indonésia 0 1
África 4 2
Brasil 1 0
Grécia 1 0
México 1 0
Paquistão 1 0
Alemanha 2 0
China 0 1
Coreia do Sul 1 0
Coreia do Norte 1 0
Japão 1 0
Turquia 1 0
Áustria 1 0
Suíça 4 0
Luís Diaz 1 0
Rogério 0 2
Arditti 1 0
Fonte: Correia e Moreira (2023e)

Os estagiários também analisaram os erros e acertos ortográficos observados nas


produções textuais dos alunos:

os alunos (...) demonstraram poucas dificuldades na hora de produção com dúvidas na


interpretação dos dados da lide. Porém observa-se, nas atividades entregues, a
presença de 32,8 % de erros na grafia dos nomes para 67,2% de acertos. Não aparece
também a citação de antropônimos nos textos, sendo o único acréscimo encontrado, a
citação do conflito entre Rússia x Ucrânia que aparece um total de duas vezes.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 97

Novamente, foi percebido o fenômeno de aparição do mesmo topônimo escrito de


forma correta e incorreta no mesmo texto em momentos diferentes (Correia; Moreira,
2023e, p. 17).

Comparando-se a margem de acerto no uso de letras maiúsculas nas produções


textuais como a margem no ditado, percebe-se que ela diminuiu bastante no caso das
produções textuais.
A respeito do maior índice de acertos na grafia dos antropônimos na atividade do
ditado em comparação com as produções textuais escritas, é possível inferir que este
fenômeno pode ter ocorrido em virtude da situação de produção de escrita de cada uma
das atividades.
No ditado, os alunos estão focados apenas na grafia das palavras solicitadas
individualmente uma vez que se tratava de itens lexicais isolados. Já, na produção da
notícia, o aluno precisa ater-se a outras questões como a estrutura do texto, por exemplo.
Muitos acabam perdendo o foco e, por desatenção, acabam cometendo equívocos
ortográficos.
Há que se considerar, também, que a atividade de produção da notícia foi realizada
na última aula do período, momento em que, naturalmente, os alunos estão mais
cansados e desatentos.

CONSTATAÇÕES E REFLEXÕES

O uso da Onomástica em sala de aula na disciplina de Língua Portuguesa


proporciona ao educando a ampliação de seus conhecimentos para além dos conteúdos
da língua materna. É possível através de atividades semelhantes às aplicadas no estágio
trabalhar com conhecimento cotidiano dos alunos, o que desperta maior interesse no
discente em aprender os conteúdos da disciplina.
A experiência relatada neste capítulo, em que o ponto de partida para o trabalho
com a ortografia (uso de g ou j) e a produção textual (gênero notícia) foram antropônimos
e topônimos, trouxe, para o contexto da aula da disciplina, a aprendizagem significativa
ao inserir o conteúdo proposto na realidade do aluno.
Neste sentido, o trabalho com a ortografia e a produção escrita dos alunos não
precisa ser enfadonho, com situações artificiais. Inserir no dia a dia da sala de aula
nomes próprios que fazem sentido para o aluno torna a consolidação da parte teórica do
conteúdo muito mais fácil.
Ressalte-se que as atividades elaboradas pelos estagiários, partiram de algo
presente no livro didático, mas que foi aproveitado de modo peculiar, extrapolando os
conteúdos e objetivos pedagógicos previstos na obra.
Percebe-se pelo relato da experiência e pelas constatações e reflexões por ela
ensejadas que seu propósito foi alcançado: demonstrar que o uso da Onomástica em
sala de aula pode e deve ser utilizado como ponto de partida para que aprendizagem
seja significativa e prazerosa para os alunos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 98

Sabe-se que ainda são escassos os estudos que abordam a Onomástica como
ferramenta para o trabalho em sala de aula. Espera-se, assim, que este estudo
impulsione novas discussões e reflexões no âmbito da educação básica e dos estudos
onomásticos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 99

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Marechal Cândido Rondon, Paraná, 2023a, 10f.

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linguística aplicada ao ensino: da teoria à prática. Curitiba: Appris Editora, 2017.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 101

CAPÍTULO 7
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 102

ANÁLISE DA APLICAÇÃO E AVALIAÇÃO DE


UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA
POR MEIO DE GÊNEROS MULTIMODAIS
Norma Sueli Ferreira de Araújo
José Júlio César do Nascimento Araújo

A pesquisa apresentada neste capítulo, que constituiu a fase final do ciclo da


pesquisa-ação no âmbito do Mestrado Profissional em Educação Profissional e
Tecnológica, consistiu na aplicação da Sequência Didática Interativa (SDI) e em sua
avaliação. Para tal empreendimento, foram elaboradas oficinas como proposta de
produção ou ressignificação de um determinado conteúdo, tendo como ferramenta de
mediação a SDI. Esta é caracterizada por uma sequência de passos metodológicos, com
a delimitação de cada etapa, com o objetivo de trabalhar os conteúdos disciplinares de
forma integrada, no sentido de uma melhor dinâmica no processo ensino-aprendizagem.
As oficinas foram construídas após a aplicação do questionário de sondagem que
verificou os gêneros já trabalhados e outras questões como descreveremos durante o
texto. Todo o trabalho com o gênero multimodal foi pensado a partir dos textos que
tivessem usos da linguagem na constituição da vida social, nas relações que a linguagem
tenta estabelecer nas relações interpessoais, geopolíticas, históricas, culturais,
econômicas e, sobretudo, societária no sentido marxiano da sociedade de classes.
Oliveira (2013) defende que o ponto de partida para aplicação da Sequência Didática
Interativa (SDI) deve estar focado em uma atividade motivacional, de maneira que
permita a dialogicidade entre professor e alunos, ou entre coordenador e participantes
de oficinas pedagógicas, ou ainda entre participantes de um grupo que desejam discutir
as concepções sobre um determinado tema de interesse comum. Para Denardi (2009),
o ensino da escrita pode se concentrar no uso e no ensino de diferentes textos
sociais/autênticos que pertencem a diferentes gêneros produzidos nas diferentes áreas
de atividade, de modo a levar os alunos a dominar o uso e a função da linguagem em
diferentes situações e contextos sociais em que estão envolvidos.
Dessa forma, organizou-se seis oficinas distribuídas entre o conceito de gênero até
o trabalho com um gênero argumentativo (Editorial), na busca de provocar um
conhecimento que rompesse com a ideia de que o ensino de LI é um ensino petrificado
e repetitivo.
A metodologia utilizada para sistematização dos dados é análise do conteúdo
temático-categorial, nas formas apresentadas por Araújo (2018) e Oliveira (2008),
destaca-se as falas mais significativa entre os participantes. Assim, o texto está
organizado em quatro seções. Além desta de introdução, na seguinte discute-se,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 103

brevemente, as contribuições e pressupostos da Análise do Discurso Crítica (ADC) e da


SDI na dimensão da pesquisa, na terceira apresentamos como foi construída a proposta
das oficinas e, na última, analisamos a aplicação e avaliação desta proposta pelos
discentes.

A PROPOSTA DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA COM ASSOCIAÇÃO DA


SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA E OS
PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS DA ANÁLISE DO DISCURSO CRÍTICA

A Sequência Didática Interativa (SDI) é uma metodologia de ensino que busca


promover a aprendizagem de forma colaborativa e significativa, permitindo o
envolvimento ativo dos alunos no processo educativo. Oliveira (2013) define (SDI) como
um processo interativo no ensino-aprendizagem para facilitar a integração entre docente
e educandos na construção de um novo conhecimento.
Na proposta de pesquisa apresentada, seguindo os passos da SDI enumerados
por Oliveira (2013), os recursos tecnológicos e atividades em grupo foram privilegiados
para estimular a interação dos estudantes nos grupos de síntese e, também no estímulo
da autonomia e protagonismo. Pois, em todas as SDIs, os discentes foram convidados
a reflexão e a construção individual do conceito trabalhado na oficina. Posteriormente,
os conhecimentos prévios eram socializados em grupos para que cada grupo pudesse
definir o conceito em estudo com base no conhecimento do coletivo a respeito da
temática. Desta forma, interação e autonomia como princípios vygotskianos e da teoria
da ADC foram perseguidos na construção individual, na exposição individual do conceito
no grupo, nas interações grupais e na apresentação da síntese do grupo pelos líderes.
Segundo Brandão et al. (2010), as SDIs representam uma possibilidade de
inovação no ensino, permitindo que os alunos construam coletivamente o conhecimento
por meio da troca de ideias e da participação ativa na aula. Já Freitas, França e Campos
(2017) destacam as possibilidades que essa metodologia oferece para o ensino de
Língua Portuguesa, permitindo o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e a
melhora na comunicação e expressão escrita e oral dos estudantes.
De acordo com Silva et al. (2017), a SDI também pode ser utilizada em salas de
aula para tornar a abordagem de ensino mais inclusiva, permitindo que alunos com
diferentes estilos e ritmos de aprendizagem possam participar ativamente do processo
educativo. Vieira e Rodrigues (2018) destacam que essa metodologia pode ser
empregada no ensino de produção textual em Língua Portuguesa, possibilitando que os
alunos elaborem textos de forma colaborativa e se apropriem das normas da língua de
maneira significativa.
Dessa forma, a Sequência Didática Interativa é uma estratégia de ensino de
organização de oficinas, que propomos nesta pesquisa, de modo a estimular o
protagonismo dos alunos, favorecendo o desenvolvimento de habilidades
socioemocionais e permitindo que os estudantes construam coletivamente o
conhecimento de Língua inglesa, por meio dos gêneros textuais multimodais de forma
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 104

reflexiva e colaborativa. O foco foi fomentar a reflexão crítica acerca de temas


interdisciplinares diversos como racismo, estelionato sentimental e meio ambiente, ao
mesmo tempo em que se propunha a discussão sobre gêneros textuais, como
reportagem, charge, tirinha e artigo de opinião. Esses gêneros, conforme ratificado por
Marcuschi (2008), são entendidos como formas de ação social e não como entidades
linguísticas formalmente construídas, estando vinculados à vida social e cultural do
indivíduo, como fenômenos históricos inerentes à vida humana.
Quanto ao ensino de língua inglesa, a SDI foi aplicada de diversas maneiras,
utilizando recursos tecnológicos como vídeos, áudios, textos escritos, elaboração de
cartazes e cadernos reflexivos educativos, para estimular o interesse dos alunos, assim
como proporcionar uma experiência lúdica, coletiva e envolvente. Objetivou-se construir
o pensamento autônomo para uma formação integral de estudantes socialmente ativos
e criticamente conscientes, como pressupõe as bases conceituais da Educação
Profissional e Tecnológica (EPT).
As atividades foram elaboradas de forma a permitir o desenvolvimento de
habilidades linguísticas, como a produção oral e escrita, a compreensão e a leitura em
língua inglesa e, também, a construção do letramento dos alunos, a fim de que
compreendessem as entrelinhas do texto, sua intencionalidade, a intertextualidade,
escolhas linguísticas e os interesses presentes como recomenda a ADC. Esta tem seu
objetivo definido, segundo Fairclough (2005), na análise das relações entre os aspectos
discursivos e não discursivos do social, a fim de se atingir uma compreensão melhor da
complexidade dessas relações.
Como os princípios da ADC fundamentam-se no acesso desigual aos recursos
linguísticos e sociais, foram pensadas propostas onde os gêneros multimodais
trabalhavam temáticas interdisciplinares para permitir uma reflexão dos alunos sobre os
usos do texto em meios sociais diversos, sustentando assim a função do ensino da
Língua Inglesa como uma prática capaz de ressignificar a estrutura social e as relações
de poder presentes nos discursos, e não unicamente para fins linguísticos e
comunicativos. De acordo com Fairclough (2008), o discurso contribui para a construção
de identidades sociais, de relações sociais entre as pessoas e de sistemas de
conhecimento e crença. Além disso, reproduz a sociedade como ela é, mas também
permite transformá-la, constituindo uma relação dialética com a estrutura social.
Além da linguagem e da análise linguística, os discursos trazem em si relações de
poder muitas vezes intrínsecas, que colaboram para a manutenção de ideologias e
estruturas que apoiam as práticas discursivas hegemônicas. O texto é, para a ADC, um
conjunto de intencionalidades, apoiadas em intertextualidades, ironias,
interdiscursividades que reproduzem relações hegemônicas de poder, ideologia, práticas
discursivas dos sujeitos ancoradas em práticas sociais. Pela ADC pode-se recuperar os
processos históricos, sociais, econômicos e culturais de produção dos discursos, na
articulação entre o linguístico e o social (Vieira; Rodrigues, 2018).
Assim, verificou-se que a aplicação da SDI no contexto do ensino de língua inglesa,
aliada aos pressupostos da ADC, que concebe o ensino mediado por práticas sociais de
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 105

linguagem, e não como atividade puramente individual (Fairclough, 2016), se configura


como uma estratégia eficiente para tornar o processo de aprendizagem mais dinâmico e
colaborativo, incentivando a participação ativa dos alunos e proporcionando um
ambiente de aprendizado mais estimulante e desafiador.

A CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO DA PESQUISA-AÇÃO PARA


O ENSINO DE LÍNGUA INGLESA COM GÊNEROS MULTIMODAIS:
DO DIAGNÓSTICO À FORMA

O diagnóstico desempenha um papel fundamental na pesquisa-ação, pois permite


identificar os problemas e as necessidades existentes em uma determinada área de
estudo. A partir dessa análise, é possível definir objetivos e metas que orientarão o
planejamento e a implementação da pesquisa. Além disso, o diagnóstico fornece
informações valiosas para a avaliação dos resultados e para a elaboração de estratégias
de intervenção que visem melhorar a vida das pessoas envolvidas no processo. Em
suma, o diagnóstico é um instrumento fundamental para a pesquisa-ação, permitindo a
identificação de problemas, o planejamento de intervenções e a avaliação dos resultados
alcançados.
A partir destes pressupostos de Tripp (2005), nossa primeira ação consistiu em
aplicar um questionário para 30 alunos do 2º ano B do curso técnico integrado ao ensino
médio, Informática para Internet, com idades entre 14 e 17 anos, de um campus do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia - IFBA, com o objetivo de
verificar os conhecimentos prévios, a forma de trabalho dos professores no ensino de LI
e suas expectativas de aprendizagem.
Na primeira parte do diagnóstico foi elaborado um questionário, no intuito de
realizar um levantamento do conhecimento prévio sobre a LI. Os dados mostraram que
o sentido atribuído pelos alunos à aprendizagem desta língua na escola, é focado, em
grande parte, nas regras gramaticais, o que torna a disciplina cansativa, fechada,
resumida, limitada, repetitiva e sem atrativos, se atendo apenas em “tentar” aprender as
regras gramaticais simples da LI e que, na maioria das escolas, aprenderam somente o
verbo to be, todos os anos. Como podemos verificar na Figura 1.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 106

Figura 1 - Visão sobre a aprendizagem de Língua Inglesa

Fonte: Questionário diagnóstico da Pesquisa (2023).

Os alunos se posicionaram de maneira autônoma, como se verifica no quadro 1,


argumentam que a disciplina poderia ser mais dinâmica e divertida, assim como abordar
outras partes importantes, como: conteúdo repetitivo, estagnação, priorização de regras
gramaticais em detrimento de estudo da compreensão do escrito e aulas cansativas.
Essas mesmas categorias se apresentam descritas no estudo correlato de Couto e
Nicomedes (2018, p. 161) destacando que os professores de LI não utilizavam outras
metodologias a não ser as mencionadas pelos discentes nesta pesquisa.
A segunda questão importante dizia respeito ao que os discentes esperam
aprender na disciplina de língua inglesa. Os dados revelaram o interesse na
aprendizagem de interpretação de textos e outros conteúdos que geralmente caem em
concursos e na resolução das questões do exame do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM). A aprendizagem do idioma foi vista também como uma forma de acesso ao
conhecimento, assim como o interesse em se comunicar e interagir com outras pessoas,
estudar sobre a cultura, costumes e hábitos de outros países, viajar, jogar, e não apenas
o ensino de estruturas gramaticais, considerada como uma perda de tempo, como
verifica-se na Figura 2.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 107

Figura 2 - Expectativas de aprendizagem antes da pesquisa

Fonte: Questionário diagnóstico da Pesquisa (2023).

No que se refere a interação e discussão dos temas abordados nos textos


estudados na disciplina de língua inglesa, a maioria relatou que não há discussão, e
quando acontece, a prioridade é o ensino das regras gramaticais ou caso o tema seja
pertinente a uma atividade, ou ainda para servir de exemplo para estudar um assunto
específico, não havendo espaço para as discussões, como captado pelas falas
registradas no Diários Reflexivos, destacados na Figura 3.

Figura 3 - Como são estudados os textos nas aulas de Língua Inglesa?

Fonte: Questionário diagnóstico da Pesquisa (2023).


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 108

Aliada à SDI, também foram utilizados os pressupostos da Pesquisa-ação como


metodologia de investigação nas oficinas, conceituada por Thiollent (2011) e Tripp
(2005), como um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada
em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e
no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema
estão envolvidos de modo cooperativo e participativo. Assim, a pesquisa-ação ampara-
se na informação, interação e colaboração, por meio de múltiplos passos, objetivando a
solução de problemas. Na Figura 4, sintetizamos as oficinas planejadas nesta fase.

Figura 4 - Planejamento de execução das oficinas

Fonte: Dados da pesquisa

Para registrar as impressões dos alunos, seus aprendizados e observações


utilizamos o Diário Reflexivo. Nas oficinas, cada aluno recebeu um caderno para o
registro de suas reflexões e posicionamento a respeito das questões propostas. Os
diários foram utilizados como recurso de acesso à avaliação e ao reajuste de processos
didáticos como destacam Andrade e Almeida (2018):

Neste caso, o diário escrito por alunos serve de recurso para registrar o andamento da
aula, bem como para se realizar uma pesquisa e avaliar os processos didáticos. O uso
dos diários pelos alunos é um recurso de aprendizagem e narração da experiência
escolar, além de desenvolver as competências metacognitivas dos estudantes.
Utilizando os diários, os alunos deixam de ser meros receptores de informações ao
reelaborarem as questões tratadas na aula e os docentes ainda podem utilizá-los como
um processo de avaliação do discente (Almeida; Andrade, 2018, p. 100).

Em síntese, foi bastante importante tal etapa de diagnóstico na pesquisa-ação e


para a pesquisa que realizamos, pois estava relacionada à sua capacidade de identificar
as dificuldades enfrentadas no local de pesquisa e de orientar as ações necessárias para
superá-las. Essa etapa foi fundamental para efetivar a nossa ação e gerar resultados
práticos no planejamento das oficinas, para que essas estivessem de acordo com as
necessidades formativas dos discentes, na perspectiva da formação integral e
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 109

omnilateral. Na próxima seção avaliaremos cada uma das oficinas realizadas, a partir
das perspectivas dos participantes.

ANÁLISE DA APLICAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA INTERATIVA COM ADC, POR


MEIO DE GÊNEROS MULTIMODAIS:
DANDO VOZ AOS PARTICIPANTES

No primeiro momento, para o desenvolvimento das oficinas, foi feita a apresentação


da proposta de coleta de dados para a pesquisa de mestrado, a unidade temática, o
objetivo e as finalidades a serem alcançadas ao término da aplicação das sequências
didáticas interativas, como também informar todos os procedimentos e estratégias
pedagógicas necessárias para a aplicação de cada oficina, e sua importância no
processo de ensino e aprendizagem. Foram necessárias 02 aulas de 45 minutos, para
explicar o tema de estudo, a pesquisa e os documentos exigidos pelo Conselho de Ética
em Pesquisa-CEP2.
Na elaboração das oficinas, buscamos selecionar gêneros textuais que
contribuíssem para o desenvolvimento crítico dos participantes e que fizessem parte do
seu cotidiano, tendo como propósito potencializar os conhecimentos prévios e
apresentar outras informações que favoreçam a reconstrução dos conceitos propostos.
Como suporte, optou-se por temas como racismo no futebol, meio ambiente e estelionato
sentimental e conflitos bélicos entre países. A concepção de utilização de gêneros nas
oficinas é apresentar para o aluno uma aprendizagem apoiada em diferentes habilidades
linguísticas de forma integrada e contextualizada, legitimando a função social da língua,
e não a utilização do texto como justificativa para ensinar unicamente regras e estruturas
gramaticais. Castro (2020) defende que os diferentes gêneros servem como meio de
interação social, como forma de viabilizar uma situação comunicativa entre os seres
sociais, e estão relacionados aos discursos de cunho social, que podem ser políticos,
ideológicos, religiosos etc.
A atuação dos alunos nas oficinas ocorreu de maneira ativa e colaborativa,
mostrando-se bastante interessados, sobretudo nas discussões dos temas, pela
compreensão de conceitos próximos ou relacionados às suas vidas, observado como
um fator motivador, pela articulação das ações individuais e nos grupos para a resolução
da situação problema e atribuindo-se significação ao conhecimento ora proposto,
oportunizando assim um ambiente favorável à aprendizagem. Tal como ratifica Souza
(2013), uma aprendizagem baseada na visão de língua, que vai além da
gramática/estrutura, caminha na direção de um ensino-aprendizagem fundamentado no
uso da língua/linguagem em práticas sociais, em outros termos, no agir por meio de
ações de linguagem e, esse agir se materializa em forma de gêneros textuais orais e
escritos.

2 Pesquisa aprovada pelo CEP/IFAC – CAE 61417722.1.0000.0233


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 110

A pesquisa-ação apresentou-se como o método adequado para este estudo, pois


ao mesmo tempo que nos permitiu problematizar e investigar a prática pedagógica,
inclusive provocando mudanças nas oficinas durante o processo, promoveu melhorias
para o processo de aprendizagem, como demostrando nos quadros a seguir, onde
analisamos as falas dos participantes, a partir das categorias emergentes, de suas
impressões pessoais sobre as oficinas e o processo pessoal dos discentes de construção
da aprendizagem. Para execução da proposta de intervenção, dividimos o trabalho em
seis oficinas, durante seis semanas, considerados como base para o estudo dos gêneros
textuais multimodais. Vejamos a Figura 5, que analisa a compreensão dos participantes
a respeito do conceito de texto e gêneros:

Figura 5 - Conceito de Texto

Fonte: Adaptado de Araújo (2018)

O estudo do primeiro conceito iniciou com a pergunta ou situação problema em


relação ao tema estudado: o que você entende por texto? Nesta 1ª etapa, de maneira
individual, cada aluno foi orientado a registrar, em seu diário reflexivo, as suas
impressões sobre o conceito.
Na concepção de texto os participantes afirmaram ser um conjunto ou junção de
palavras e frases escritas, ou uma redação sequenciada de um determinado tema com
coerência e sentido, que podem nos passar informação, mensagem ou ideia, com o
intuito de expressar, divulgar, transmitir ou dar sentido a algo, tendo como função
comunicar, manifestar ou retratar um assunto específico ao leitor, podendo ser
manifestações culturais, notícias científicas ou sociais, sem o uso da fala ou imagens.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 111

Koch e Elias (2010) referem-se a texto como uma concepção interacional da língua,
sendo considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores. Há
lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente
detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos
participantes da interação.
Sobre a estrutura do texto, os alunos relataram que cada um possui sua estrutura,
como por exemplo usando parágrafos, pontuações e versos, tendo variações como
informativos, didáticos, expositivos, sobre história etc.
Os extratos de fala dos alunos apontam para uma visão de texto sob a análise da
linguística tradicional, tendo como unidade de estudo a estrutura da oração e do período,
considerando aspectos linguísticos e gramaticais, sem, no entanto, compreender o papel
e a relevância da linguagem nas práticas discursivas e as intencionalidades implícitas
nos discursos, que contribuem para a manutenção das relações de poder na sociedade.
Sobre a concepção de discurso, Fairclough (2008) sustenta que ao usar o termo
‘discurso’, propõe considerar o uso de linguagem como forma de prática social e não
como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais.
A segunda oficina foi sobre Reportagem. Utilizamos o texto: Real Madrid's Vinicius
Jr condemns 'racist' criticism of dancing goal celebration assinada por Ben Morse e Sarah
Diab, vinculado a CNN (online) em 18 de setembro de 2022. Veja a análise na Figura 6:

Figura 6 - Gênero Reportagem

Fonte: Dados da pesquisa.


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 112

O entendimento dos alunos sobre o gênero textual reportagem é que se trata de


um gênero jornalístico que consiste em investigar e relatar informações obtidas por meio
de entrevistas, pesquisas, observações e investigação sobre determinado evento, fato
de relevância na sociedade, acontecimento, história, lugares, personalidade ou assunto
específico, tendo como principal objetivo a exposição detalhada e aprofundada, com a
função de opinar e/ou interpretar, informar, apresentando fatos e evidências, como forma
de compromisso com o leitor, sobre o tema ou assunto reportado. A reportagem, além
de passar a informação, também explica o motivo, a forma, o local e horário do ocorrido,
geralmente com o intuito de atrair o público e obter lucro, informar a população e
propagar notícias. Este gênero se difere dos demais textos jornalísticos por se preocupar
com a investigação e fonte da notícia.
Durante a oficina os alunos demonstraram conhecimento, engajamento e bastante
interesse nas discussões sobre o gênero reportagem, especialmente pela escolha da
temática – racismo no futebol- notadamente pela linguagem clara e objetiva, as pistas
tipográficas e outros elementos visuais que auxiliam na compreensão do texto, imagens,
forma, o que favoreceu a leitura e entendimento do conteúdo do texto pela identificação
de palavras cognatas em inglês, como racist, celebration, time, goal, football, players,
dancing, criticism, respect, skin color, education, diversity (racista, celebração, tempo,
objetivo, futebol, jogadores, dançando, crítica, respeito, cor da pele, educação,
diversidade), entre outras expressões que fazem parte do repertório linguístico dos
estudantes.
Concordamos com Marques (2011) ao afirmar que a reportagem, enquanto um
gênero da esfera jornalística, cria a possibilidade de o aluno expor suas opiniões,
abstraindo não somente o conhecimento linguístico, mas inúmeros saberes a partir dos
múltiplos recursos que tal gênero propicia. Desta forma, por meio das leituras individuais
e em grupo, assim como as discussões em sala, o gênero reportagem contribuiu para a
compreensão dos aspectos linguísticos e discursivos do texto, e, como consequência,
propiciou, também, a leitura crítica do conteúdo.
A terceira oficina versou sobre o gênero artigo de opinião. Nesta oficina, utilizamos
o artigo de opinião Time to kick racism out of footbal (É hora de chutar o racismo para
fora do futebol) publicado pelo auto comissariado da ONU para os direitos humanos
(www.ohchr.org). Escolhemos essa temática para dar continuidade às discussões
propostas na oficina do gênero Reportagem. Apesar dos participantes manifestarem
pouca familiaridade com a leitura em língua inglesa e com o gênero argumentativo artigo
de opinião, eles conseguiram compreender o conteúdo do texto e as características do
gênero, apresentando discussões e intervenções em torno da temática, de maneira
crítica e autônoma, o que pode representar um caminho para a aprendizagem de
produção textual, como se observa na Figura 7.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 113

Figura 7 - Gênero Artigo de Opinião

Fonte: Dados da pesquisa

Como se observa na Figura 7, os participantes definiram como um gênero textual


jornalístico escrito em linguagem formal, um texto no qual o autor traz seu ponto de vista
ou ideia, expressando o seu posicionamento ou de um grupo sobre um tema específico
ou assunto relevante, argumentando e apresentando sua opinião com liberdade,
buscando convencer o leitor e comprovando o seu ponto de vista e sua tese por meio de
fatos, evidências, dados e outros elementos, com coerência e clareza.
Melo (2011) acredita que o domínio da escrita (produção textual) através dos
gêneros poderá ajudar o aprendiz a desempenhar um papel ativo dentro da sociedade,
defendendo que neste processo o aluno poderá ter a chance de aprender a narrar fatos
do dia a dia, negociar, expor seu ponto de vista, convencer, persuadir o outro através
dos seus argumentos; ou seja, será levado a agir e interagir sobre o mundo que está a
sua volta e não somente desempenhar papel de expectador passivo.
Na quarta oficina, utilizamos o gênero cartoon. A abordagem temática foi o
aquecimento global. Usamos a abordagem lúdica dos Climate Cartoons (cartoons
climáticos) da artista suíça Magi Wechsler. As respostas, na Figura 8, apontam a
concepção dos alunos a respeito do conceito do gênero. Vejamos:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 114

Figura 8 - Gênero Cartoon

Fonte: Dados da pesquisa

A questão proposta na Figura 8 foi elaborada com o intuito de conhecer o que o


grupo entende por Gênero Cartoon e os alunos construíram o conceito do gênero como
um exemplo de gênero multimodal, tendo a forma de ilustração não verbal e verbal;
representado por uma sequência de desenhos e animações com a finalidade de
expressar ou fazer alguma crítica sobre a realidade ou a determinado assunto. Além
disso, possibilita contar uma história ou transmitir uma mensagem de forma curta,
criticando e fazendo duplo sentido, de forma bem-humorada, mostrando o que realmente
quer dizer, podendo ou não ter o formato de desenho e ilustrações, com frases e palavras
para dar sentido a sua ideia principal.
Humorístico e ao mesmo tempo debate crítico, o cartoon mostra como os
acontecimentos do nosso dia a dia são tratados e, é livre para a leitura de todos os
públicos. No cartoon, o autor usa a sua criatividade em forma de escrita e imagens, para
expressar uma crítica sobre diferentes temas da atualidade, por meio de uma linguagem
e imagens divertidas e leves. A motivação dos alunos frente a este gênero foi muito
significativa, demonstrando a popularidade dos cartoons, presentes em diferentes
veículos de difusão da informação, por sua mensagem curta e a presença de elementos
como as imagens, o humor, sarcasmo, crítica e a combinação da linguagem verbal e não
verbal.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 115

Na oficina seguinte, utilizamos a Tirinha da obra big Nate hug it out! de Lincoln
Peirce, que traz o conteúdo estelionato sentimental nas redes sociais e sites de
relacionamento. O tema despertou interesse na discussão e os alunos relataram diversos
acontecimentos semelhantes. O gênero pareceu o de mais fácil entendimento pelos
discentes, como se verifica na Figura 9.

Figura 9 - Gênero Tirinha

Fonte: Dados da pesquisa

Os participantes descreveram como um gênero Tirinha como aquele que se


caracteriza por histórias curtas, formados geralmente por três ou quatro quadrinhos
usando humor ou uma sequência de quadros ou painéis, desenhos ilustrativos, imagens
e balões de fala ou legendas, utiliza uma linguagem verbal e não verbal com o intuito de
contar uma história contendo sempre uma crítica social de diferentes temas por trás do
humor.
As tirinhas são muito usadas em jornais, revistas, na internet ou em questões de
vestibular, se parece com histórias em quadrinho, mas de forma mais curta, com
pequenos balões ilustrativos. Nobrega (2016, p. 154), ao trabalhar o gênero nas aulas
de LI, recomenda que a as atividades didático-pedagógica devem “associem a leitura
multimodal (imagética ou quadrilateral) presente nas tirinhas ao texto escrito (diálogos
de dois personagens), dando ênfase às habilidades orais ou escritas dos alunos”. As
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 116

concepções de leitura foram primeiramente a interativa porque os três tipos de


conhecimento foram necessários: a leitura de mundo, a linguística e a social pois os
alunos deveriam reconhecer a pop star Beyoncé. Além disso, os alunos realizaram a
leitura multimodal, pelo fato de o aluno-leitor ter de associar as ações (movimento
corporal e expressões faciais) dos personagens.
Na última oficina trabalhamos um gênero mais difícil para os discentes, o Editorial.
O texto utilizado foi A Brutal New Phase of Putin’s Terrible War in Ukraine, publicado pelo
The New York Times. Os alunos conheciam poucas características do gênero, a
temática, porém, era de conhecimento de todos os participantes que se motivaram com
as discussões em torno da guerra na Ucrânia. Nossa intencionalidade quanto ao trabalho
com este gênero foi possibilitar a interação comunicativa com o mundo social e o mundo
subjetivo, tendo como foco de leitura e compreensão: lugar social onde o texto foi
produzido, o enunciador refletindo sobre o papel social do emissor na produção do texto
(jornalista, editor do jornal, lugar social do Jornal ( Estados Unidos da América);
destinatário – ou seja o papel social do receptor (leitor americano, leitor fora dos EUA);
objetivo - quais as intenções do enunciador na interação, em outras palavras, o impacto
social do The New York Times no mundo. Vejamos na Figura 10 as percepções dos
participantes:

Figura 10 - Gênero Editorial

Fonte: Dados da pesquisa

Como resposta ao questionamento O que o grupo entende por Gênero Editorial?


Os alunos relataram se tratar de um tipo de texto jornalístico, mais elaborado, escrito por
várias pessoas em linguagem formal, com informações, argumentos e dados e
evidências sobre fatos, acontecimentos ou notícias, presente em jornais, revistas, sites
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 117

e outras comunicações, que apresenta a opinião de quem está publicando sobre um


assunto relevante e tem como objetivo influenciar e convencer os leitores, podendo
também ser utilizado para expressar a sua posição crítica sobre um determinado tema.
Embora alguns alunos tenham mencionado não conhecer o gênero textual editorial, o
processo de execução do trabalho de forma coletiva e colaborativa proporcionou o
empenho e interesse de todos na aprendizagem. Em trabalho com o gênero editorial no
ensino de língua estrangeira, Bezerra (2015, p. 128) apontou que:

Os editoriais analisados [...] proporcionam a argumentação dialogada, isto é, a polifonia


e a intertextualidade. Os textos são, de fato, polifônicos, pois o discurso dos autores
traz “vozes” de especialistas [...]. Quanto à intertextualidade, os editoriais analisados
são intertextuais à medida que retomam discursos já estabelecidos anteriormente.

Os conceitos de ideologia, prática social, hegemonia e intertextualidade foram


trabalhados em todas as oficinas realizadas. De acordo com a Análise do Discurso
Crítica, a hegemonia é uma forma de poder que se estabelece através da ideologia e da
prática social. Essa concepção parte do pressuposto de que as relações sociais são
marcadas por conflitos de interesses e que a dominação se legitima através de narrativas
que promovem uma visão de mundo favorável aos setores dominantes.
Nesse sentido, a ideologia surge como um conjunto de crenças, valores e princípios
que são difundidos pela sociedade como um todo, mas que são produzidos e
disseminados por aqueles que detêm o poder. A prática social, por sua vez, se refere ao
conjunto de ações, comportamentos e relações que são construídas a partir dessa
ideologia e que acabam reproduzindo e reforçando as desigualdades existentes. Dessa
forma, a hegemonia se estabelece através da imposição de uma visão de mundo que
naturaliza a dominação e faz com que as pessoas aceitem e reproduzam as condições
de opressão que enfrentam (Irineu et al., 2020). Tais perspectivas ficaram bem evidentes
para os participantes nas oficinas propostas.
Na próxima seção, discutiremos a avaliação pós oficinas realizadas pelos
participantes. A intenção foi avaliar o trabalho realizado, completando assim o ciclo da
pesquisa-ação, para validar o produto educacional que será gerado deste trabalho com
os próprios participantes.

A AVALIAÇÃO DOS PARTICIPANTES SOBRE AS OFICINAS COM SEQUÊNCIA


DIDÁTICA INTERATIVA COM GÊNEROS MULTIMODAIS

Ao final das oficinas com sequência didática interativa com gêneros multimodais,
foi aplicado um questionário com 11 questões abertas, com a finalidade de avaliar a
opinião dos estudantes para validar ou não as oficinas ofertadas no âmbito da pesquisa.
A respeito dos aspectos do ensino de Língua Inglesa com gêneros textuais críticos
utilizados nas sequências didáticas, considerados importantes. Os participantes
referiram-se principalmente ao aprofundamento dos temas, obtido durante as atividades
realizadas utilizando os gêneros textuais críticos. Vejamos a Figura 11.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 118

Figura 11 - Quais aspectos você destaca na sua aprendizagem de língua inglesa com gêneros textuais
críticos?

Fonte: Dados da pesquisa

Para os estudantes, o estudo da língua inglesa por meio desses gêneros, em seus
diferentes formatos, faz uma apresentação detalhada de informações dos temas
estudados, assim como a sua estrutura e argumentos de diversos autores, se mostram
como contribuições essenciais para uma melhor interpretação de provas e concursos,
além de prepará-los para discussões em grupo e sintetização de conteúdo.
Tal perspectiva reafirma os achados de Carlos e Bordini (2012) que demostraram
que o trabalho com gêneros textuais permite ainda a articulação das atividades entre as
áreas de conhecimento, contribuindo diretamente para o aprendizado significativo de
prática de leitura, produção e compreensão. Dessa forma, o trabalho de LI não fica
isolado do ensino de Língua Portuguesa que já trabalha estes gêneros previstos para o
ano/série.
Quanto aos pontos destacados na aprendizagem de língua inglesa com gêneros
textuais críticos foi ressaltado que o conhecimento desenvolvido por meio da introdução
dos gêneros nas aulas foi de extrema importância, por promover uma melhor
interpretação das críticas sociais presentes nos gêneros multimodais, constituindo-se
também como uma maneira de praticar e desenvolver a leitura, a escrita e a interpretação
de texto, em um processo de aprendizagem notadamente marcado pela interação no
grupo, como notamos na Figura 12.

Figura 12 - Quais aspectos você destaca na aprendizagem de língua inglesa com gêneros textuais
críticos.

Fonte: Dados da pesquisa


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 119

Outro tópico discutido foi a eficácia e a contribuição das estratégias de ensino e o


gênero textual estudado durante as oficinas, como forma de melhorar o desempenho dos
participantes na aprendizagem do idioma. Os argumentos registram que a realização de
trabalhos em grupo, as discussões, a apresentação oral e o compartilhamento e a
convergência de ideias favoreceram uma percepção mais definida dos conceitos
propostos na oficina, corroborando com os estudos de Cristóvão (2010) e Santos (2021),
como verifica-se na Figura 13.

Figura 13 - Quais estratégias você achou mais eficazes para melhorar o seu desempenho na
aprendizagem do idioma e sobre o gênero textual estudado?

Fonte: Dados da pesquisa

Questionados sobre as vantagens do ensino de língua inglesa com gêneros


textuais críticos, os participantes evidenciaram a importância de um maior
aprofundamento na língua inglesa por meio dos diversos gêneros existentes, que
possibilita a construção estruturada do conhecimento e desenvolvimento de ideias e
consciência crítica para o entendimento e interpretação dos textos de jornais e artigos,
conforme já apontado por Santos (2021). Neste sentido, as unidades de contexto
elegeram o aprofundamento dos temas, a flexibilidade, a construção estruturada do
saber como caracterizadores destas vantagens, como se verifica na Figura 14.

Figura 14 - Para você, quais são as vantagens de ensinar língua inglesa com gêneros textuais críticos?

Fonte: Dados da pesquisa

No que se refere à abordagem de temas como racismo, meio ambiente,


relacionamento virtual, violência no futebol e outros conteúdos com uma perspectiva
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 120

interdisciplinar e ótica crítica, o grupo justificou a relevância da discussão de temas


presentes na realidade dos jovens, como forma de construção de conhecimento, assim
como contextualizar os gêneros utilizados. Soares, Porciuncula e Stefenon (2011) e
Gomes e Carvalho (2021) destacaram em seus estudo que a perspectiva interdisciplinar
é uma possibilidade nesta busca por novos caminhos para se alcançar uma
aprendizagem efetiva. Vejamos a Figura 15.

Figura 15 - O que você achou de abordar temas racismo, meio ambiente, relacionamento virtual e
guerras em uma perspectiva interdisciplinar e crítica?

Fonte: Dados da pesquisa

Quando interpelados sobre a sequência de oficinas com outras que tiveram com
professores de língua inglesa, foram citadas como importantes e estimulantes as
práticas em grupo, a cooperação, a interação com os colegas de grupo, as
apresentações que colaboraram para a aprendizagem do conteúdo, o estímulo de
conhecer novos gêneros, que na opinião dos participantes, são pouco abordados, e por
fim, destacaram a importância de terem realizado uma atividade de forma ativa e
apresentar o conhecimento como resultado do trabalho colaborativo. Analisemos a
Figura 16.

Figura 16 - Comparando a sequência oficinas com outras que você teve com professores de língua
inglesa, o que tornou cada aula mais interessante e estimulante para você?

Fonte: Dados da pesquisa

Corroborando com essa ideia, Silva (2014) argumenta que o ensino deve estar
direcionado para a contribuição com o desenvolvimento das capacidades de linguagem,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 121

que são conhecimentos fundamentais para a compreensão e a produção de um


determinado texto em uma situação de interação.
Abordados no tocante ao modo como foi potencializado o envolvimento dos alunos
no intuito de facilitar o processo de aprendizagem na disciplina de Língua Inglesa com
gêneros textuais críticos, os participantes destacaram a formação de grupos e o trabalho
em equipe, as discussões e apresentações do tema, como também a maneira como o
conhecimento foi compartilhado e refinado até a formação do conceito concreto,
representou uma perspectiva que contribuiu sobremaneira para a aprendizagem dos
gêneros textuais.

Figura 17 - Como foi potencializado o envolvimento dos alunos no intuito de facilitar o processo de
aprendizagem na disciplina de Língua Inglesa com gêneros textuais críticos?

Fonte: Dados da pesquisa

Na pergunta sobre a avaliação das atividades, discussões e a organização da aula


e se a estratégia fez sentido para eles, não foram registrados muitos comentários, mas
as respostas apontam para uma avaliação positiva, classificando as aulas como
compreensíveis e explicando que aprendem mais nos processos de discussão e
organização em grupos. Ferreira (2020) propõe que por meio das trocas de experiências
e atividades proporcionadas na SDI, os alunos exercem o papel de protagonistas no
processo de construção do conhecimento, dando destaque ao desenvolvimento de
habilidades que vão além da simples aprendizagem de gramática e vocabulário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No encerramento deste capítulo, destacamos que, na pesquisa desenvolvida,


procuramos analisar a aplicação e avaliação de uma sequência didática interativa com
análise crítica do discurso, por meio de gêneros multimodais interdisciplinares. De
maneira geral, as respostas obtidas demonstraram possibilidades e potencialidades da
ferramenta para um ensino mais ativo e uma aprendizagem mais dinâmica e significativa.
A educação profissional é um processo educativo que visa desenvolver habilidades
e competências técnicas e comportamentais que possibilitem a inserção qualificada dos
indivíduos no mercado de trabalho. No entanto, esse processo também desempenha um
papel fundamental na formação humana, pois se baseia em valores e princípios que
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 122

visam ao desenvolvimento integral do indivíduo, bem como à construção de uma


sociedade mais justa e solidária.
Quando iniciamos esta pesquisa a questão central referia-se como uma sequência
didáticas interativa, associando gêneros multimodais, interpretados numa abordagem
crítica advinda da ADC, poderia contribuir para uma formação mais omnilateral, humana
e emancipatória nas aulas de LI. Como sabemos, uma das bases conceituais da
educação profissional para a formação humana é o conceito de educação integral. Essa
abordagem considera que a formação do indivíduo não deve se limitar à transmissão de
conteúdos técnicos, mas deve levar em conta outras dimensões, como a social,
emocional e cultural. Desse modo, a formação humana se dá em várias dimensões,
possibilitando que o indivíduo se desenvolva enquanto pessoa e trabalhador.
Além disso, a educação profissional tem como base para a formação humana a
ideia de que o trabalho é uma atividade essencial para o ser humano, que tem em vista
sua realização pessoal e social. O trabalho pode ser visto como uma atividade que
possibilita a expressão da criatividade, além de ser fundamental para a construção da
identidade e para a realização pessoal. Nesse sentido, é importante que a formação
profissional considere não apenas as habilidades técnicas, mas também a dimensão
social e cultural do trabalho e da vida social.
Pensando neste viés, consideramos que o Ensino de Língua Inglesa já não pode
mais estar centrado apenas nos conhecimentos de gramática, sendo necessária a
utilização de outras estratégias e ferramentas didáticas que contribuam para o
desenvolvimento da aprendizagem na escola. Como resultado, o professor deve estar
preparado para apresentar ao aluno uma variedade de gêneros, pois isso lhes permitirá
aprender sobre as múltiplas formas pelas quais a linguagem se manifesta na sociedade
e no ensino de LI na educação básica.
Isto posto, além das habilidades linguísticas, a escola deve oportunizar a
aprendizagem de elementos culturais e sociais, de modo que os estudantes possam
interpretar os diferentes sentidos do discurso, a ideologia e o poder presentes nos textos.
Silva (2014) defende que uma vez que uma educação comprometida com o exercício da
cidadania permite criar condições tanto para a reflexão sobre a linguagem quanto para
o uso eficaz da língua, nas mais diversas situações do dia a dia, é essencial que o ensino
das práticas de leitura, escrita e análise linguística em língua estrangeira na escola
garanta o engajamento discursivo do aluno nos vários discursos que circulam
socialmente em língua inglesa e que estão presentes no cotidiano.
Durante o desenvolvimento das atividades, constatou-se que o pouco
conhecimento e experiência dos alunos na leitura de textos em língua inglesa não
impossibilitou a compreensão dos textos, por tratar-se de temas de interesse e próximos
da realidade dos participantes, assim como a apresentação dos conteúdos de maneira
contextualizada e em um espaço de interação e troca de experiências e o
estabelecimento de uma aprendizagem colaborativa como elemento de construção
social.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 123

Neste processo, observou-se que o maior desafio foi a produção textual em inglês,
que só foram concretizadas por meio da combinação de frases em inglês e português,
e, em sua maioria, somente em português. Por esta constatação, infere-se que o ensino
da língua inglesa precisa oportunizar que os alunos tenham contato com habilidades
linguísticas distintas, de modo integrado, sem limitar a aprendizagem tão somente a
exposição de regras e estruturas gramaticais aplicadas de forma isolada e distantes de
um ambiente comunicativo.
As oficinas nos possibilitaram comprovar que a abordagem da sequência didática
interativa proporciona um maior engajamento interativo entre os alunos e professores, e,
associado ao uso dos gêneros textuais multimodais e a análise do discurso crítica,
revelou-se como uma importante estratégia de ensino, adaptável a diferentes conteúdos
e áreas do conhecimento, evidenciando também a necessidade de práticas educativas
que proporcionem uma participação mais ativa e autônoma do estudante, de maneira a
identificar e interpretar as diversas características e multimodalidades de um texto, e não
apenas os aspectos da linguagem escrita.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 124

REFERÊNCIAS

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Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 126

CAPÍTULO 8
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 127

O CURSO DE LETRAS LIBRAS DA UFAC


E SUA IMPORTÂNCIA PARA A COMUNIDADE
SURDA ACREANA
Daniel Martins Braga Gomes
Alexandre Melo de Sousa
Rosane Garcia

A preocupação com a formação inicial de professores de Língua Brasileira de Sinais


(Libras) vem sendo constante no campo educacional, especialmente a partir do
reconhecimento da Libras como língua de comunicação e expressão da comunidade
surda brasileira, conforme consta na Lei 10.436/2002 – conhecida como a Lei de Libras.
Trata-se de um marco, pois permitiu que pessoas surdas tivessem acesso à educação
por meio de sua língua natural, de modalidade visual-espacial, e fossem incluídas no
meio social.
Posterior à promulgação da Lei de Libras, o Decreto 5.626/2005 a regulamentou e
incluiu providências para que, de fato, a Lei fosse efetivada: a) inclusão da Libras como
disciplina curricular obrigatória dos cursos de formação de professores (e optativa para
os cursos de bacharelado); b) criação de formação de professores Libras (Licenciatura
em Letras-Libras, Licenciatura em Letras Libras/Língua Portuguesa como Segunda
Língua para Surdos, Pedagogia Bilíngue); c) garantia de acesso à informação e difusão
da Libras para a pessoa surda; d) formação de tradutores e intérpretes de Libras-Língua
Portuguesa; e) garantia de acesso à saúde das pessoas surdas ou com deficiência
auditiva (DA) entre outras.
Este texto se propõe descrever o curso de Licenciatura em Letras Libras da
Universidade Federal do Acre, destacando sua importância regional no que se refere à
formação de professores surdos de Libras, e mostrando seu potencial para a produção
científica relacionada à educação de surdos. Quanto a este último, destacaremos o
Grupo de Pesquisa ESLIN (Educação de Surdos, Libras e Inclusão), sediado na mesma
Instituição de Ensino Superior (IES).

A LUTA PELO RECONHECIMENTO E INCLUSÃO DA COMUNIDADE SURDA NO


BRASIL

A luta por direitos e inclusão das pessoas surdas na sociedade no Brasil se deu por
meio de vários movimentos surdos que se pautavam pelo reconhecimento linguístico,
cultural e educacional, visando garantir igualdade de oportunidades e respeito à
comunidade surda (Quadros, 2019). A inclusão, como um princípio fundamental, visa
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 128

garantir que todas as pessoas tenham a oportunidade de participar plenamente da


sociedade, independentemente de suas diferenças. Isso, segundo Camargo (2017),
envolve a remoção de barreiras físicas, sociais e culturais para que todos tenham acesso
igualitário à educação, emprego, serviços e participação na comunidade. A inclusão
promove diversidade, respeito e igualdade, enriquecendo a sociedade como um todo.

A inclusão é um paradigma que se aplica aos mais variados espaços físicos e


simbólicos. Os grupos de pessoas, nos contextos inclusivos, têm suas características
idiossincráticas reconhecidas e valorizadas. Por isto, participam efetivamente.
Segundo o referido paradigma, identidade, diferença e diversidade representam
vantagens sociais que favorecem o surgimento e o estabelecimento de relações de
solidariedade e de colaboração. Nos contextos sociais inclusivos, tais grupos não são
passivos, respondendo à sua mudança e agindo sobre ela. Assim, em relação dialética
com o objeto sócio-cultural, transformam-no e são transformados por ele (Camargo,
2017, p. 1)

A comunidade surda, por exemplo, é muito mais abrangente do que apenas os


indivíduos surdos e que se comunicam por meio da Libras. Ela envolve um grupo de
pessoas, incluindo familiares, amigos, intérpretes e outros, que compartilham
experiências, cultura, história e, é claro, a língua de sinais. Essa comunidade é unida por
valores, perspectivas e modos de comunicação compartilhados, contribuindo para uma
rica diversidade cultural e linguística na sociedade. Reconhecer e respeitar essa
comunidade é fundamental para promover a inclusão e a igualdade para todas as
pessoas surdas e seus relacionados. É preciso promover um movimento que mude a
visão da sociedade em relação ao sujeito surdo. Skliar (2011) afirma que:

O objetivo do movimento é rever as forças subjacentes nos estereótipos encontrados


nas diversas instituições sociais, bem como, interpretações de surdos ou ouvintes
isolados não constantes da cultura surda; questionar as experiências ideológicas de
suas experiências, ajudar os surdos a descobrirem interconexões entre a comunidade
cultural e o contexto social em geral; em suma, engajar-se na dialética do sujeito surdo
(Skliar, 2011. p. 70).

O movimento surdo tem um papel fundamental na educação de surdos, visto que,


anteriormente, as abordagens educacionais predominantes eram centradas na
oralização e na tentativa de "correção" da surdez, ignorando a língua de sinais e a cultura
surda. No entanto, o movimento surdo desafiou essa perspectiva e defendeu a
valorização da língua de sinais como língua natural das pessoas surdas, bem como o
reconhecimento da cultura e identidade desses sujeitos.
Brito (2013) explica que a história desses movimentos é marcada por uma série de
conquistas e avanços ao longo das décadas, para transformar a forma como a sociedade
enxerga e interage com as pessoas surdas e principalmente para assegurar seus
direitos. O movimento surdo no Brasil, segundo Brito (2013), trabalhou intensamente
para conscientizar a sociedade sobre a importância da Libras como língua e para garantir
que a comunidade surda tivesse acesso à educação e serviços em sua língua natural.
Ao longo dos anos, o movimento surdo no Brasil também influenciou políticas
públicas, levando à implementação de leis e medidas que visavam garantir a
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 129

acessibilidade e inclusão das pessoas surdas em diversos contextos, incluindo a


educação – como já mencionados a Lei nº 10.436/2002 (Brasil, 2002) , o Decreto nº
5.626/2005 (Brasil, 2005) e mais recentemente a Lei nº 14.191/2021 (Brasil, 2021), que
dispõe sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos na LDB (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação).
Essas conquistas provocam mudanças significativas na maneira de conceber a
educação, nas práticas de professores, na organização dos espaços educacionais, nos
eventos escolares em interação com a sociedade. A própria formação do professor
muda, pois amplia sua visão de diversidade, do trabalho com as diferenças e a
importância da inclusão na sala de aula, no espaço e no tempo escolar e nas suas
escolhas metodológicas1.
Saviani (2018) explica que o papel do professor é central na transmissão do
conhecimento e na mediação do processo de aprendizagem. Ele deve compartilhar seus
próprios entendimentos e conhecimentos com os alunos, atuando como um facilitador
do aprendizado. Essa abordagem enfatiza a importância do professor como mediador
entre o conteúdo a ser ensinado e os alunos, buscando adaptar o ensino às
necessidades e capacidades individuais dos estudantes. Isso envolve uma abordagem
ativa e participativa por parte do professor para garantir que o conhecimento seja
efetivamente transmitido e compreendido pelos alunos.

Seu papel é difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela


humanidade e sistematizados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa
grande obra. A escola se organiza, pois, como uma agência centrada no professor, o
qual transmite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes
cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos (Saviani, 2018, p. 6).

O papel do professor é extremamente importante e abrangente.


Independentemente da idade dos alunos, das suas especificidades ou deficiências, ou
dos contextos em que vivem, os professores têm a responsabilidade de proporcionar
uma educação de qualidade, adaptada às necessidades individuais e ao ambiente
cultural dos estudantes. Isso inclui alunos de diversas origens, zonas rurais ou urbanas,
de diferentes estados e com uma variedade de experiências de vida. O professor deve
ser capaz de se adaptar, planejar e fornecer ensino eficaz, buscando engajar e inspirar
os alunos a aprender e crescer. É uma tarefa desafiadora, mas essencial para garantir o
desenvolvimento educacional e pessoal de cada aluno.
A preparação e a habilidade do professor desempenham um papel fundamental na
criação de um ambiente de aprendizagem eficaz. Ter estratégias pedagógicas variadas
e adaptativas é essencial para atender às diferentes necessidades e formatos de
aprendizagem dos alunos. Além disso, os professores devem estar atentos para
perceber o progresso e as dificuldades individuais dos alunos.

1A presença de alunos e professores surdos nas instituições de ensino (básica e superior) exige mudanças
de espaços, de tempos e de rotinas. O sujeito surdo, a língua de sinais e a cultura surda adquirem
visibilidade nos ambientes educacionais (Santos Junior, 2022).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 130

Alguns alunos podem enfrentar desafios específicos com certas atividades ou


conceitos, e o professor deve ser capaz de identificar essas dificuldades e oferecer apoio
adicional, seja por meio de explicação extra, atividades de reforço ou outras abordagens
personalizadas. O objetivo é criar um ambiente de aprendizagem inclusivo, em que todos
os alunos tenham a oportunidade de prosperar e superar obstáculos. Saviani (2018)
acrescenta que:

Como as iniciativas cabiam ao professor, o essencial era contar com um professor


razoavelmente bem-preparado. Assim, as escolas eram organizadas na forma de
classes, cada uma contando com um professor que expunha as lições que os alunos
seguiam atentamente e aplicava os exercícios que os alunos deveriam realizar
disciplinadamente (Saviani, 2018, p. 10).

Por exemplo, para que os alunos surdos possam aprender de forma eficaz, os
professores devem adotar estratégias e abordagens específicas que levem em
consideração a língua de sinais como a primeira língua (L1) e a língua oficial do país
como a segunda língua (L2). A educação bilíngue, nesse contexto, envolve o uso da
língua de sinais como meio de comunicação e instrução, permitindo que os surdos se
desenvolvam tanto na língua de sinais quanto na língua oficial (Quadros, 2019). Isso
promove uma aprendizagem mais completa e inclusiva. Quadros e Schmiedt (2006, p.
23) afirmam:

[...] atualmente a aquisição do português escrito por crianças surdas ainda é baseada
no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado. A
criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser alfabetizada
em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas escolas com as
crianças falantes de português (Quadros; Schmiedt, 2006, p. 23) .

A inclusão de surdos em escolas de ouvintes sem a Língua Brasileira de Sinais


(Libras) como primeira língua (L1) pode dificultar o aprendizado do português como
segunda língua (L2) para eles. A falta de acesso à L1 forte pode afetar a compreensão
gramatical e vocabular na L2. É importante considerar métodos de ensino que valorizem
o bilinguismo e a inclusão linguística para garantir uma educação eficaz para os surdos.
A formação adequada de professores para a educação de surdos, portanto, é
essencial para a efetiva participação cidadã de surdos na sociedade: incluindo o
exercício no mercado de trabalho, o cumprimento de seus deveres e a luta pelos seus
direitos. A criação dos cursos de Licenciatura em Letras Libras foi fundamental para
possibilitar a formação de professores a partir de um currículo que privilegiasse a
estrutura e funcionamento da Libras, a Literatura Surda, a escrita de sinais, o português
escrito como L2 e a cultura surda de um modo geral – como veremos a seguir.

A CRIAÇÃO DO CURSO DE LETRAS LIBRAS NO BRASIL

A gênese dos cursos de Licenciatura de Letras Libras no Brasil está relacionada


diretamente com a luta pelo reconhecimento e inclusão da comunidade surda, como
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 131

destacamos anteriormente. Conforme Albres (2016) eram escassos os espaços que


lidavam com formação de professores de Libras, o único espaço que se tinha e que se
perdurou por muito tempo foi a Federação de Educação e Integração dos Surdos
(FENEIS).
De acordo com Quadros e Stumpf (2014), a concepção do curso em Letras Libras
surgiu em 2002, por causa da demanda pela inclusão dos surdos na educação e para o
ensino de Libras nos cursos de Pedagogia, Licenciaturas e Fonoaudiologia, mas
somente em 2005 a criação do curso pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) foi aprovada na modalidade a distância e com o apoio do Ministério da
Educação. O oferecimento do curso na modalidade a distância se justifica pela ausência
de profissionais qualificados para trabalhar no ensino da Libras, assim o objetivo principal
era multiplicar profissionais em todo território nacional.
Quadros e Stumpf (2014) apresentam um dado interessante em sua obra: a
primeira turma do curso foi constituída majoritariamente por pessoas surdas, mas, devido
às reivindicações de candidatos ouvintes, dois anos depois, foi criado o curso de
Bacharelado em Letras Libras para atender a demanda em formação para a área de
tradução e interpretação da Libras.
Conforme Albres (2016), é a partir da criação do curso de Letras Libras na UFSC
que a formação inicial de professores na área foi se configurando. Quadros e Stumpf
(2014, p. 10) afirmam: “Neste sentido, o curso de Letras Libras Licenciatura atendia
diretamente a esta demanda legal, passando, portanto, a ser apoiado pelo Ministério da
Educação”.

O CURSO DE LETRAS LIBRAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE

O curso de Licenciatura em Letras Libras2 foi criado pelo Centro de Educação


Letras e Artes (CELA) da Universidade Federal do Acre, por meio da Resolução Reitoria
nº 25-B em 11 de dezembro de 2013, e aprovado pela CONSU nº 14 em 13 de março
de 2014. O curso recebeu reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) pela
Portaria MEC/SERES nº 1.110 em 25 de outubro de 2017, conforme publicado no Diário
Oficial da União (D.O.U) em 26 de outubro de 2017. O curso tem duração de 8 períodos
letivos, totalizando 2.855 horas distribuídas em diversas disciplinas. A primeira turma
iniciou em 2014, incluindo 50 alunos, entre ouvintes e surdos.
De acordo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) (Ufac, 2013), o objetivo do
curso é formar professores de Libras para atuarem nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio. O egresso deve possuir, segundo o PPC, o seguinte
perfil:

[...] o egresso do curso deve ter proficiência das línguas estudadas em seus aspectos
estruturais, funcionais e culturais. O profissional deve ser capaz de manifestar

2No seu projeto inicial o curso se chamava Licenciatura em Letras Libras/Língua Portuguesa, contudo,
após visita dos avaliadores do MEC, em 2017, foi recomendada a alteração do nome para Licenciatura
em Letras Libras, dada a formação oferecida e constituída no currículo apresentado no projeto.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 132

conhecimentos linguísticos, literários e interculturais, bem como ter capacidade para


refletir criticamente sobre perspectivas teóricas que fundamentam sua formação
profissional. Deve ser capaz de fazer uso de novas tecnologias no exercício
profissional, didático e pedagógico e de compreender sua formação profissional como
processo contínuo, autônomo e permanente (Ufac, 2013, p. 24).

Para isso, o discente deve cumprir os componentes curriculares obrigatórios (que


agregam disciplinas de Língua Brasileira de Sinais, de Língua Portuguesa, de
Linguística, de Literatura, de Escrita de Sinais, de Estágio Supervisionado, de formação
de professores entre outras), os componentes optativos (que agregam disciplinas de
educação ambiental, de informática, de literatura africana entre outras), as atividades
acadêmico-científico-culturais (que agregam participações em eventos e em projetos de
extensão) e a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (Ufac, 2013).
O curso de Letras Libras da Universidade Federal do Acre conta com oito
Tradutores-Intérpretes de Libras (quatro efetivos e quatro contratados pelo Núcleo de
Apoio à Inclusão – NAI/Ufac) para promover a acessibilidade de discentes e de
professores durante as aulas e durante as interações fora da sala de aula, em contextos
educacionais3.
No Brasil, de acordo com a Constituição Federal (Brasil, 1988), em seu Artigo 207,
as universidades devem promover a integralização do ensino, da pesquisa e da
extensão, como forma de garantir uma formação mais ampla de seus profissionais.
Como forma de privilegiar a formação ampla dos discentes, o Curso de Letras Libras da
Ufac tem buscado integrar as atividades de ensino, de extensão e de pesquisa.
Como exemplo de atividades de extensão, as semanas acadêmicas têm procurado
debater temas importantes relacionados à educação de surdos, com a participação da
comunidade externa (Centro de Apoio ao Surdo municipal e estadual, Secretarias de
Educação municipal (Seme) e estadual (SEE), Instituto Federal do Acre, pesquisadores
renomados de diversas instituições do país) e a comunidade interna da Ufac. No quadro
a seguir, listamos os temas das Semanas Acadêmicas promovidas pelo curso:

Quadro 1 – Semanas Acadêmicas


Ano Tema
2015 I Semana de Letras Libras – O Bilinguismo e o ensino de Libras
2016 II Semana de Letras Libras – A formação da Identidade do Professor Surdo e Ouvinte
2017 III Semana de Letras Libras – Linguagem, cultura surda e sociedade
2018 IV Semana de Letras Libras – O aluno surdo na Educação Básica
2019 V Semana de Letras Libras – Contemporaneidade: Políticas Educacionais, Formação
Docente e Alteridades
2022 VI Semana de Letras Libras – Os 20 anos da Lei de Libras e os avanços na educação
de/para surdos
Fonte: Página do Curso de Letras Libras/Ufac

Como é possível observar, nos anos de 2020 e 2021 não foram realizadas as
semanas acadêmicas. Isso se deu devido ao período de isolamento domiciliar provocado
pela pandemia da Covid-19. No entanto, em 2022, com as aulas presenciais e a rotina

3 Informações disponíveis em: http://www2.ufac.br/cela/libras


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 133

universitária normalizada, o evento voltou a ser promovido. Segue imagem relativa à


chamada da VI Semana de Letras Libras:

Figura 1 – VI Semana de Letras Libras

Fonte: Página do Curso de Letras Libras/Ufac

Quanto à pesquisa, o curso de Letras Libras tem possibilitado o desenvolvimento


de pesquisas de qualidade científica por meio de Trabalhos de Conclusão de Curso. Até
a produção deste texto, segundo a página oficial do Curso de Letras Libras da Ufac 4,
foram apresentadas 95 pesquisas com base nos seguintes grupos temáticos: a)
Descrição da Língua Brasileira de Sinais, b) Aquisição da Linguagem (L1 ou L2), c)
Educação Bilíngue para Surdos, d) Educação Especial e Educação Inclusiva, e) Variação
Linguística em Língua Brasileira de Sinais, f) Português como Segunda Língua para
Surdos, g) Processos de ensino-aprendizagem de Libras como L1 ou L2, h) Processos
de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa escrita (L2), i) Alfabetização e
Letramento para a Escrita de Sinais, e j) História, Cultura, Identidade, Políticas
educacionais e Políticas linguísticas relacionadas ao Surdo e à Educação de Surdos.
A pesquisa também é privilegiada a partir da participação de discentes em
programas como o PIBIC (Programa de Iniciação Científica) ou da participação em
Grupos de Pesquisa, como o grupo Educação de Surdos, Libras e Inclusão (ESLIN).

Figura 2 – Grupo ESLIN

Fonte: Página do Curso de Letras Libras/Ufac

4 Informações apresentadas em: http://www2.ufac.br/cela/libras/trabalho-de-conclusao-de-curso


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 134

O Grupo é liderado pelos professores Dr. Alexandre Melo de Sousa e Dra. Rosane
Garcia, e é composto por pesquisadores da Ufac e pesquisadores de outras instituições
de ensino: Shirley Vilhalva (UFMS), Osilene Cruz (INES), Nilce Maria da Silva
(UNEMAT), Karin Strobel (UFSC) entre outros. De acordo com o Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq, o objetivo do Grupo ESLIN é: promover discussões a respeito da
educação bilíngue de surdos e da Língua Brasileira de Sinais, além de incentivar a
produção de pesquisas científicas relacionadas aos temas: educação bilíngue de surdos,
Libras e outras línguas de sinais, inclusão – em âmbitos teórico e prático.
Entre tantas atividades promovidas pelo ESLIN podemos citar as palestras virtuais
com:
a. Osilene Cruz, do Instituto Nacional de Educação de Surdos:
https://www.youtube.com/watch?v=l99MKek3ySw
b. Bruno Gonçalves Carneiro, da Universidade Federal do Tocantins:
https://www.youtube.com/watch?v=baqUEBwMoKI&t=626s
c. Shirley Vilhalva, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul:
https://www.youtube.com/watch?v=QtrvtgPSVOQ&t=391s
d. Sandra Patrícia Faria Nascimento, da Universidade de Brasília:
https://www.youtube.com/watch?v=uXSCCawDScI&t=4998s

Também é importante destacar o Projeto Inventário de Libras da Região de Rio


Branco, Acre, coordenado pelo professor Alexandre Melo de Sousa e que conta com
pesquisadores surdos e ouvintes da Ufac (grande parte integrante do ESLIN): João
Renato dos Santos Junior (Professor surdo e pesquisador do projeto); Rosane Garcia
(Professora do Letras-Libras e pesquisadora do projeto); Israel Bissat Amim (professor
Surdo e pesquisador do projeto); Lucas Vargas Machado da Costa (professor Surdo e
pesquisador do projeto); Israel Queiroz de Lima (professor do Letras-Libras e
pesquisador do projeto); Ianele Viviane Vital Pereira de Melo (professora do Letras-
Libras e pesquisadora do projeto); Daniel Martins Braga Gomes (professor surdo e
pesquisador no projeto); Débora de Oliveira Nolasco (professora surda e pesquisadora
no projeto); Gustavo marques Brandão (bolsista surdo CNPq/Ufac); Rosicléia Bastos do
Nascimento Gomes (professora surda e pesquisadora do projeto); Diemes Farias de
França (tradutora-Intérprete do Letras-Libras e pesquisadora do projeto); João Carlos
Paiva Xavier (tradutor-intérprete do Núcleo de Apoio à Inclusão e pesquisador do
projeto).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 135

Figura 3 – Equipe do Inventário de Libras de Rio Branco

Fonte: Quadros et al (2023, p. 125).

Quadros e Sousa (2021), destacam que o Inventário de Libras da Região de Rio


Branco, Acre objetiva constituir um corpus de Libras representativo do estado do Acre,
fomentar a reflexão social, intelectual e cultural do Povo Surdo e valorizar a Língua de
Sinais e a Cultura Surda local, regional e nacional.
Ao longo de sua história, o Curso de Licenciatura em Letras Libras da Ufac tem
contribuído com a formação de muitos professores (surdos e ouvintes) que estão
atuando na educação de surdos, na rede municipal de ensino, na rede estadual de
ensino e no ensino superior – cumprindo sua missão. Aqui, destacamos a quantidade de
professores surdos formados, com base no ano de ingresso no referido curso:

Gráfico 1 – Professores surdos formados pelo Letras Libras/Ufac

Fonte: Dados do NURCA/Ufac

Desse modo, entendemos a importância do Curso de Letras Libras no cenário local,


regional e nacional, ao possibilitar formação de professores capacitados para a atuação
na educação bilíngue de surdos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto descreveu a criação do Curso de Letras Libras da Ufac e as ações de


extensão e pesquisa relacionadas a ele. De modo especial, destacou a importância do
Letras Libras para o protagonismo surdo, para a valorização da Libras e para a
visibilidade da cultura surda. O Letras Libras abre espaços importantes para a educação
bilíngue. De modo especial, por possibilitar que sujeitos surdos tivessem formação inicial
para o exercício da docência em sua primeira língua, a partir da sua própria cultura. Isso
possibilitou o ingresso de surdos nos programas de pós-graduação (o que será tratado
em estudos futuros).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 137

REFERÊNCIAS

ALBRES, Neiva. Ensino de Libras: aspectos históricos e sociais para a formação didática de professores.
1. ed. Curitiba: Appris, 2016. 269 p.

BRASIL, Lei n° 4024 de 20 de dezembro de 1961. Lei de Diretrizes e Bases. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm. Acesso em: 15 ago. 2023.

BRASIL. Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 dez.
2023.

BRASIL. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, Língua
Brasileira de Sinais – Libras [art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004–2006/2005/decreto/d5626.htm Acesso em: 23 nov. 2023.

BRASIL. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Língua brasileira de sinais – Libras e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm Acesso em: 23 jun. 2024.

BRITO, Fabio Bezerra de. O movimento social surdo e a campanha pela oficialização da língua
brasileira de sinais. 2013. 276 f. Tese. (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

CAMARGO, Eder Pires. Inclusão social, educação inclusiva e educação especial: enlaces e desenlaces.
Ciência educação, v. 23, n. 1, Bauru, 2017.

QUADROS, Ronice Müller de; SOUSA, Alexandre Melo de. Brazilian Sign Language Corpus: Acre Libras
Inventory. Revista de Estudos da Linguagem, v. 29, n. 2, 2021, p. 805–828.

QUADROS Ronice Müller de. Libras. São Paulo: Parábola, 2019.

QUADROS, Ronice Müller de; SCHMIEDT, Magali. Ideias para ensinar português para surdos.
Ministério da Educação. Governo Federal. 2006.

QUADROS, Ronice Müller de; STUMPF, Mariana. (orgs). Letras Libras: ontem, hoje e amanhã.
Florianópolis: Editora UFSC, 2014.

QUADROS, Ronice Müller de; SILVA, Jair Barbosa da; ROYER, Miriam; SILVA, Vinícius Rodrigues da.
(orgs). A Gramática da Libras (Volume 1). Rio de Janeiro: INES, 2023.

SANTOS JUNIOR, João Renato. O que essa surda veio fazer aqui? Dissertação (Mestrado em
Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Acre. Rio Branco, 2022.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 43ª. ed. Campinas: Autores Associados, 2018.

SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. 5.ed. Porto Alegre: Mediação, 2011.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2014.

UFAC. Curso de Letras Libras – Site. Disponível em: http://www2.ufac.br/cela/libras Acesso em: 9 jul.
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UFAC. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Letras Libras. Rio Branco, Ufac, 2013.

UFSC. Projeto Político Pedagógico do Curso de Letras Libras. Florianópolis, 2012 Disponível em:
https://letraslibras.paginas.ufsc.br/files/2013/04/PPPLibras_Curriculo_2012_FINAL_06-03-2014.pdf.
Acesso em: 15 jun. 2024.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 138

CAPÍTULO 9
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 139

A APRENDIZAGEM BASEADA EM PROJETOS NO


ENSINO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA
ADICIONAL:
UMA APROXIMAÇÃO ENTRE TEORIA DOS
SISTEMAS DINÂMICOS COMPLEXOS E
METODOLOGIAS ATIVAS
Susiele Machry da Silva
Ubiratã Kickhöfel Alves
Luciene Bassols Brisolara

O ensino do Português Língua Adicional (doravante PLA), a exemplo do que se


observa no Brasil, tem se tornado cada vez mais emergente, o que se deve em grande
parte ao aumento dos fluxos migratórios e à consequente necessidade de inserção social
do indivíduo. Em tempos de globalização, de transformações sociais e de mudanças nas
formas de comunicação (que rompem fronteiras), aprender novos idiomas torna-se
indispensável, como defendem Larsen-Freeman e Anderson (2011). No âmbito
acadêmico, o crescente aumento da mobilidade, por meio dos intercâmbios de
estudantes, e os movimentos migratórios historicamente observados, são fatores que
impactam na procura pelo conhecimento de línguas.
Nesse cenário, embora a procura mais intensa seja pelo conhecimento da língua
inglesa, por ter essa status internacional e de língua franca1, há também um crescimento
da demanda do conhecimento de outros idiomas, incluindo o português. Soma-se a isso
o fato de as políticas de internacionalização das Universidades brasileiras requererem
tanto o preparo de seus professores e estudantes no conhecimento da língua inglesa,
para os programas de mobilidade acadêmica internacional, quanto o preparo para a
receptividade a estudantes estrangeiros no conhecimento do português, língua local
(Francisco, 2020).
Além das Políticas Linguísticas, de âmbito nacional, como o Programa Idiomas Sem
Fronteiras, as instituições de ensino têm, por iniciativas próprias, buscado fomentar
ações que promovam a expansão do português em nível internacional, por meio da oferta
de cursos e atividades de extensão para falantes de outras línguas nos centros de
línguas estrangeiras. Essas iniciativas, não obstante, tornam-se muitas vezes isoladas,
dada a carência de uma discussão (ou mesmo de formação direcionada), ou de ações

1 A denominação de Língua Franca, segundo Seidlhofer (2005), dá-se em função de o inglês ser uma
língua de comunicação, língua de contato, ou língua comum entre povos diversos. Portanto, essa
concepção contempla as variedades e diferenças culturais da língua.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 140

no âmbito nacional, mais voltadas para o ensino a este público em específico, com as
características do PLA.
Inserido nesse contexto e no intuito de contribuir com as reflexões acerca do PLA,
este capítulo fomenta uma discussão teórico-pedagógica, a partir da Teoria dos
Sistemas Dinâmicos Complexos (TSDC) (Larsen-Freeman, 1997; 2015; 2017; De Bot;
Lowie; Verspoor, 2007; Larsen-Freeman; Cameron, 2008; Beckner et al., 2009; De Bot,
2017; Verspoor; Lowie; De Bot, 2021; Hiver; al-hoorie, 2022, dentre outros), numa
aproximação dessa com as propostas de Metodologias de Aprendizagem Ativa (Bacich;
Moran, 2018; Diesel, 2017; Mattar, 2017; Valente, 2018), situadas a partir das
concepções da chamada era ou Condição Pós-Método (Kumaravadivelu, 1994, 2006).
Pela compreensão de que as Metodologias Ativas constituem estratégias ou
alternativas de ensino-aprendizagem que permitem um maior envolvimento do aluno
(Valente, 2018), e um ensino mais direcionado e personalizado, entendemos que tais
metodologias se mostram coerentes com o ensino-aprendizagem de PLA, já que
normalmente os grupos de aprendizes costumam ser bastante heterogêneos, mesmo
quando se trata de alunos com a mesma língua materna. É importante que o ensino seja
voltado às necessidades específicas dos estudantes, buscando, ainda que no coletivo,
dar um tratamento mais personalizado. Dentre as possibilidades de Metodologias Ativas,
exploramos o trabalho com a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP), no
entendimento de que, por essa proposta, o professor pode fazer um acompanhamento
do desenvolvimento do aluno, a longo prazo, além de colocá-lo como protagonista de
seu próprio processo de ensino-aprendizagem.
As discussões trazidas neste texto são direcionadas para o trabalho com o
português (PLA) para falantes nativos do espanhol. Essa escolha de público deve-se
primeiramente a uma necessidade de delimitação. Além disso, em diversas instituições
de ensino, através de convênios internacionais com as instituições de ensino superior,
muitos hispânicos vêm para o Brasil para cursar a graduação, a pós-graduação, ou
realizar algum tipo de mobilidade estudantil.
A aproximação entre as Metodologias Ativas e a Teoria dos Sistemas Dinâmicos
Complexos parece-nos apropriada e necessária. O status de “apropriada” advém do fato
de que, conforme veremos ao longo do texto, ambas apresentam um caráter “emergente”
para que se possa pensar a ação de professores e alunos em sala de aula. Por sua vez,
julgamos tal aproximação como necessária em função de que concebemos a
necessidade de que as práticas de ensino sejam epistemologicamente situadas. Em
outras palavras, concebemos que, para pensarmos em práticas pedagógicas no âmbito
das línguas adicionais, é preciso também refletir sobre como se concebem o sistema
linguístico e seu processo de desenvolvimento em um dado contexto social.
Com base nas considerações acima feitas, através de uma articulação entre a
Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos com as Metodologias Ativas, mais
especificamente a ABP, nesta proposta exploramos o trabalho com o componente
fonético-fonológico do português brasileiro (PB) como LA, tendo por foco o ensino a
aprendizes nativos de espanhol. Ao pensarmos no tratamento pedagógico do
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 141

componente dos sons à luz da TSDC, concebemos o ensino de pronúncia integrado com
os demais componentes estruturais e sociais da língua, uma vez que, sob essa visão,
não se mostra possível desvincular os diferentes âmbitos formais da língua entre si ou
do contexto social em que eles se inserem. Trata-se, portanto, de uma noção de ‘língua
em uso’, frente a práticas comunicativas que reverberarão no cumprimento de tarefas e
em ações sociais efetivas, para as quais os aspectos linguísticos correspondem ao
‘meio’, e não ao ‘fim’, do ensino de línguas. A partir dessas considerações, em caráter
de ilustração, propomos um exemplo de projeto que aborde o ensino das consoantes /ʃ/
e /ʒ/ do PB, tendo em vista que, na língua materna dos aprendizes (o espanhol), esses
elementos não são contrastivos, tendo apenas o caráter de forma variável, de modo que
a aprendizagem dessas consoantes seja fundamental para que a comunicação ocorra
de forma efetiva na nova língua.
Esperamos, com esta proposta, corroborar com a reflexão sobre a formação
docente a partir do: (i) âmbito teórico-epistemológico, ao propormos uma aproximação
entre práticas de ensino e uma concepção de língua e desenvolvimento linguístico; (ii)
cenário pedagógico, uma vez que, a partir do exemplo ilustrativo apresentado,
objetivamos fornecer insumos para que os (futuros) professores possam problematizar,
repensar ou propor projetos pedagógicos de forma integrada à sua realidade e aos seus
objetivos.

METODOLOGIAS ATIVAS E TSDC - UMA APROXIMAÇÃO

As Metodologias Ativas remetem, mais do que a um conceito, método ou


abordagem, ao pensar e ao fazer pedagógico. Nas palavras de Bell e Kahrhoff (2006),
“a aprendizagem ativa é um processo em que os estudantes são ativamente engajados
na construção da compreensão de fatos, ideias e habilidades, por meio da conclusão de
tarefas e atividades orientadas pelo professor” (p. 1, tradução nossa)2. Isto é, as
Metodologias Ativas constituem técnicas ou estratégias de ensino que pressupõem
atividade, colaboração e envolvimento, sendo, portanto, entendidas como possibilidades
que capacitam ou preparam o aluno, dando a ele maior protagonismo.
As Metodologias Ativas preconizam que professores e alunos têm um papel
colaborativo. O professor não é mais o único responsável pelo ensino na sala de aula.
Na verdade, ele tem o papel de facilitador/mediador e deve "provocar, desafiar, ou ainda
promover condições de construir, refletir, compreender, transformar, sem perder de vista
o respeito à autonomia e dignidade deste outro" (Diesel, 2017, p. 278), que é o aluno.
Esse, por sua vez, deve ser desafiado à autonomia, à curiosidade, e, com base em suas
experiências, apresentar seus pontos de vista sobre questões debatidas em sala de aula.
Na sala de aula, os alunos leem, pesquisam, interpretam, organizam e analisam dados,
elaboram suas próprias hipóteses baseadas em suas experiências e descobertas e

2 Active Learning is a process wherein students are actively engaged in building understanding of facts,
ideas, and skills through the completion of instructor directed tasks and activities. It is any type of activity
that gets students involved in the learning process.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 142

tomam decisões, a partir de problematizações da vida real. Nesse sentido, problematizar


"implica fazer uma análise sobre a realidade como forma de tomar consciência dela"
(Diesel, 2017, p. 275).
O aluno não se comporta como um ser individual. Ao contrário, as atividades
propostas pelo docente buscam a integração entre todos os colegas, o debate, a
participação em equipe, o olhar para as diversas opiniões e hipóteses sobre um mesmo
problema. Das discussões coletivas, surgem respostas ao problema, que foram testadas
e debatidas por todos (Bacich; Moran, 2018; Mattar, 2017). Cabe salientar que, nas
Metodologias Ativas, estimula-se que a aprendizagem se construa a partir de situações
reais vivenciadas pelos estudantes, o que requer não um plano fragmentado, com base
no conteúdo somente, mas sensível e aberto às condições externas, conhecimentos
prévios e condições do próprio ambiente.
As Metodologias Ativas, ao encontro do que temos discutido, contemplam, dessa
forma, uma série de estratégias que colocam o aluno na posição de protagonista na sala
de aula, e promovem um ensino colaborativo. Por essa perspectiva, o professor pode
usar vários recursos e atividades que promovam a participação ativa dos estudantes,
como a sala de aula invertida3, estudo de caso, games, aprendizagem baseada em
projetos, aprendizagem baseada em problemas, pesquisa etc. (Valente, 2018).
Ao propor uma série de alternativas pedagógicas que colocam o foco na autonomia
e no desenvolvimento dos aprendizes, envolvendo-os, as Metodologias Ativas, quando
aplicadas ao ensino de línguas, possibilitam um trabalho mais flexível, não amarrado a
um único método e com foco nas necessidades do estudante, considerando a sua
trajetória própria de desenvolvimento linguístico. Isso permite ao professor, por meio de
um acompanhamento dos estudantes, (re)fazer, mudar o seu planejamento,
personalizando-o de acordo com as necessidades observadas.
Ao nos remetermos aos preceitos da Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos
(Larsen-Freeman, 1997; 2015; 2017; De Bot; Lowie; Verspoor, 2007; Larsen-Freeman;
Cameron, 2008; Beckner et al., 2009; De Bot, 2017; Verspoor; Lowie; De Bot, 2021;
Hiver; Al-Hoorie, 2022, dentre outros)4 e sua associação ao processo de
desenvolvimento do uso linguístico e, por conseguinte, à sala de aula de línguas,
devemos considerar que tal concepção parte da premissa de “desenvolvimento ao longo
do tempo” (De Bot, 2015). À luz dessa concepção de língua e desenvolvimento, ‘tempo’
é uma palavra-chave. É a partir de uma análise que não considera somente o agora,
mas as condições iniciais (Verspoor, 2015) do aprendiz, que podemos entender o seu
progresso, a partir da análise de sua trajetória.
A trajetória desenvolvimental apresenta caráter individual: cada aprendiz parte de
uma realidade, de suas condições iniciais, e, em seu tempo, frente a suas metas e

3 Na sala de aula invertida, os alunos estudam os conteúdos em casa e, na escola, realizam práticas que
auxiliam no reforço da aprendizagem (Mattar, 2017).
4 Este capítulo, ao promover uma aproximação teórica entre as Metodologias Ativas e a TSDC, não tem o

objetivo de apresentar, ao leitor, uma introdução à visão dinâmico-complexa. Para um primeiro contato
com os fundamentos do referido paradigma, sugere-se a leitura dos autores aqui mencionados.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 143

objetivos, estabelece sua linha de desenvolvimento. Isso considerado, o lócus do


acompanhamento é o indivíduo (Lowie; Verspoor, 2015, 2019), visto como uma unidade
complexa, atravessado pelas condições sociais que o interpelam em sua trajetória
desenvolvimental. Isso não quer dizer, entretanto, que não há uma preocupação com o
grupo, sobretudo nas investigações realizadas pela teoria (Lowie, 2017; Hiver; Al-Hoorie;
Evans, 2022; Al-Hoorie et al., 2023): na verdade, a noção de desenvolvimento do “grupo”
não implica um uníssono, uma unidade que represente todo e qualquer indivíduo
pertencente àquele grupo (Verspoor; Lowie, 2015; 2019). O “grupo”, tampouco, é a soma
das partes individuais, uma vez que, à luz da complexidade, “o todo não é a soma de
suas partes” (Larsen-Freeman; Cameron, 2008). A noção de “grupo” se estabelece,
portanto, a partir das relações emergentes entre todos os seus componentes, e da
relação entre tais membros e o próprio professor, considerando-se o contexto de sala de
aula em específico. Nesse sentido, à medida que cada aluno traz sua realidade às
interações de sala de aula (ou seja, traz suas próprias “condições iniciais”), novos
cenários emergentes vão se estabelecendo, no sentido de que a noção de
“protagonismo” de cada membro dentro da interação oscila em maior ou menor grau ao
longo de seu desenvolvimento.
“Emergência” é, portanto, uma das características essenciais dos Sistemas
Dinâmicos Complexos a ser discutida na aproximação teórica aqui proposta. Ao longo
do tempo, no decorrer de uma interação, há troca de turnos, de assuntos tratados,
objetivos comunicativos a serem atingidos. Em outras palavras, há momentos de
estabilidade e instabilidade dentro do fluxo contínuo da interação (assim como,
indiscutivelmente, momentos de comportamentos disjuntivos, de conflitos, e de quebra
de inteligibilidade). Novamente, isso não quer dizer que as interações sejam
imprevisíveis em sua totalidade: há um equilíbrio entre previsibilidade e imprevisibilidade.
A previsibilidade pode ser potencialmente “quebrada” a partir da ação dos agentes, de
modo a encontrar novas “rotas” ou “rumos” da interação. Nesse sentido, a propriedade
de “auto-organização” exibida pelos Sistemas Dinâmicos Complexos é também de
grande importância para a discussão sobre as interações humanas e o próprio contexto
de sala de aula. De fato, é frente a potenciais quebras, de caráter inevitável (e, inclusive,
desejável, uma vez que tal “instabilidade” ou “variabilidade” dos sistemas garante o
estabelecimento de novas rotas ou etapas desenvolvimentais do próprio sistema
(Verspoor Lowie; De Bot, 2021; Verspoor; De Bot, 2022), que as relações entre os
indivíduos se mantêm, reorganizando-se, possibilitando que novas interações e novos
temas de comunicação tenham lugar.
É a partir desse cenário de emergência, de abertura a contextos externos e de auto-
organização que, ao pensar no contexto pedagógico, Larsen-Freeman (2018) faz uso do
termo “sala de aula porosa”, proposto inicialmente por Breen (1999), para dar conta da
realidade das interações entre estudantes e entre o professor e tais estudantes em uma
sala de aula. O plano de aula e a unidade temática, cuja proposição (situada na realidade
de um dado grupo de alunos em específico) apresenta caráter fundamental, também tem
um desenvolvimento emergente. De fato, à medida em que as interações vão sendo
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 144

levadas a cabo, novos objetivos e questões vão emergindo na sala de aula, de modo
que tal plano tenha de ser “poroso” o suficiente para “absorver” tais questões.
Não existe, portanto, uma “reta final”, ou um “aprendizado total”; lembremos que a
TSDC corresponde a uma abordagem de análise que preconiza o “processo” (visto ao
longo do tempo), e não o “produto” (Lowie, 2017). Nesse sentido, cai por terra toda e
qualquer noção pedagógica tradicional que preconize aspectos linguísticos estruturais,
de caráter pontual, como o “objetivo” maior do conhecimento. Isso porque, sob essa
noção, todo e qualquer aspecto linguístico se encontra a serviço das relações
emergentes pretendidas, ou seja, a serviço daquilo que se quer dizer em um contexto
determinado. A noção de uso linguístico toma prevalência na sala de ensino de LA,
sendo que a forma e seu significado se mostram como aspectos componentes desse
uso situado. O “processo”, ao invés do “produto”, se dá a partir do estabelecimento de
relações simbióticas entre Forma, Significado e Uso, imbricadas em um ambiente
complexo (Verspoor, 2017), que indiscutivelmente necessitarão dos aspectos formais da
língua, mas que de forma alguma se restringem a tais aspectos.
A partir de tais considerações sobre as características que definem as Metodologias
Ativas e a TSDC, podemos dar início a um processo de aproximação teórica (iniciado,
mas, definitivamente, não limitado ou encerrado neste trabalho) referente às discussões
desses dois âmbitos. Isso porque, em sua natureza, as Metodologias Ativas se
caracterizam por apresentar caráter emergente. Em um ensino de LA pautado nas
Metodologias Ativas, a forma está a serviço da função comunicacional. Ao mesmo
tempo, a sala de aula constitui-se como cenário em que o plano de aula, por sua vez,
também tem caráter emergente, ao moldar-se às necessidades comunicativas que
advêm da própria participação dos alunos e dos novos desafios comunicativos que
naturalmente surgem ao longo da interação. Conforme já dito, isso não implica o
abandono de um plano de ensino. Isso significa, apenas, que não é o plano que molda
a prática do professor e dos alunos, uma vez que é tal prática que vai “redefinindo”,
constantemente, tal plano de natureza “porosa”.
Assim como preconizado pela TSDC, as Metodologias Ativas também consideram
as condições iniciais do aluno e o seu processo de desenvolvimento, já que são essas
que orientam a sua prática, ou, no caso, a escolha por técnicas ou estratégias de ensino.
As decisões, que são colaborativas em sala de aula, devem partir das experiências e
conhecimentos anteriores, além de prever o acompanhamento do aprendizado,
propondo ações e soluções de problemas a longo prazo. À vista disso, a trajetória
percorrida pelo estudante precisa ser considerada na sala de aula, pois seu
conhecimento prévio ajuda na tomada de decisões, na resolução de problemas e guia a
sua autoaprendizagem. Além disso, tanto na TSDC quanto na proposta de Metodologias
Ativas, a exemplo da Aprendizagem Baseada em Projetos, considera-se que o grupo é
importante, mas a individualidade de cada estudante é essencial, uma vez que o grupo
se define a partir das trocas entre cada componente, inclusive com o professor.
As incertezas intrínsecas ao processo de desenvolvimento, a imprevisibilidade, o
dinamismo e a não linearidade, que advêm de uma visão de língua pela TSDC,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 145

requerem, ao encontro do que propõem as Metodologias Ativas, o abandono de um


planejamento estanque ou da seleção de conteúdos isolados e trabalhados de forma
fragmentada. Marcado pela aparente “desordem”, o ensino se (re)constrói, se modifica,
oscila e se adapta, ajustando-se às condições e às necessidades do grupo e dos
aprendizes que o integram. Nessa ideia de incompletude e de constante movimentação,
a aprendizagem, como um processo e não como um produto, acontece.
As considerações acima deixam bastante clara a possibilidade de estabelecermos
uma leitura das Metodologias Ativas de ensino de LA a partir do arcabouço da TSDC.
Conforme já dissemos, consideramos tal aproximação teórica como apropriada, além de
necessária, dada a pertinência de integrarmos as práticas de sala de aula a paradigmas
teóricos robustos, que associem o processo de aprendizado à relação docente no
ambiente pedagógico.

AS METODOLOGIAS ATIVAS À LUZ DA TSDC:


DESAFIOS PEDAGÓGICOS CONTEMPORÂNEOS

Após a aproximação teórica estabelecida na seção anterior, propomos pensar a


sala de aula enquanto um cenário em que as Metodologias Ativas se encontrem situadas,
para abordarmos questões contemporâneas que podem se mostrar importantes à
discussão à luz da referida aproximação teórica. Ao pensarmos na sala de aula,
remetemo-nos, normalmente, a um espaço ocupado por um grupo de pessoas, alunos e
professores (este imbuído da tarefa de "ensinar"), que compartilham conhecimentos e
experiências. Não obstante, ainda que compartilhando deste mesmo espaço, é preciso
ter em mente que as pessoas aprendem e agem de forma individual; cada aluno,
socialmente inserido em uma sala de aula, possui sua bagagem própria, seu ritmo e seu
estilo de aprendizagem. Nesse contexto, pensar o ensino requer, para além do coletivo,
também pensar na individualidade, nas motivações e nas necessidades de cada aluno.
O ensino precisa ter significado e estar relacionado à vida do aprendiz (em outras
palavras, à sua trajetória e “condições iniciais”).
Além das questões individuais dos estudantes, também é preciso pensar que, no
desenvolvimento de uma língua adicional, diversos componentes precisam ser
considerados, como a morfologia, a sintaxe, a semântica e a fonologia das línguas, não
somente da que está sendo aprendida, mas também da língua materna dos estudantes
(uma vez que a trajetória do aprendiz se mostra sempre marcada pela própria língua
materna, que pode, inclusive, ser usada como um recurso adicional na sala de aula
(Carvalho, 2003; Terra 2004a, b). No que diz respeito ao componente fonético-
fonológico, línguas com a mesma raiz (o latim), como o espanhol e o português,
apresentam uma certa vantagem com relação à sua aprendizagem, porque o aluno
entende razoavelmente a nova língua, podendo se comunicar nos primeiros contatos
com a LA. Por outro lado, esses idiomas também apresentam diferenças que podem
afetar a comunicação. Por exemplo, no português brasileiro, /ʃ/ e /ʒ/ são fonemas, ou
seja, alteram significado (ex.: “acho” e “ajo"; "chato" e "jato"; "chá" e "já"). Diferentemente,
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 146

no espanhol, [ʃ] e [ʒ] são formas alofônicas dos fonemas /ʝ/ e /ʎ/ (ex.: mayo e lluvia -
[ˈmaʃo] ~ [ˈmaʒo]; [ˈʃuβja] ~ [ˈʒuβja]), ou seja, são formas intercambiáveis dos referidos
fonemas.
Um falante de espanhol, ao aprender o PB, precisará saber que os sons que em
sua língua materna constituem formas variáveis dos fonemas /ʝ/ e /ʎ/, na LA são fonemas
e provocam mudança no significado. Para alguns estudantes, pode ser que este
conhecimento seja fácil de associar, em razão da semelhança fonética entre tais sons;
no entanto, para outros, pode ser que a diferença de status fonológico no PB e fonético
no espanhol cause dificuldade na aquisição desses fonemas na LA.
Além disso, é preciso considerar o histórico dos aprendizes em relação ao
conhecimento de outras línguas. Além de sua língua nativa, muitos dos estudantes de
PLA possuem contato ou conhecimento de uma segunda ou mais línguas e esses
sistemas interagem, se influenciam mutuamente e se modificam (Kupske, 2016; De Los
Santos, 2017; Pereyron, 2017; Santana, 2021; Schereschewsky, 2021; Alves; Vieira,
2023; Pompeu, 2023). Nas questões que envolvem a pronúncia de sons, podem ocorrer
influências fonético-fonológicas não somente da Língua Materna para a L2, mas também
da L2 para a Língua Materna, bem como entre os demais sistemas de um indivíduo
multilíngue.
Diante de tais questões e da complexidade que envolve o ensino de línguas, nossas
discussões advogam em torno de um sujeito que, embora seja parte de um coletivo, é
único no sentido de ter sua própria história e suas próprias necessidades. Pensar o
ensino de PLA, nessa perspectiva, leva a repensar o papel e o agir do docente, assim
como a própria concepção que se tem de sala de aula. As concepções de uma sala de
aula homogênea, com o ensino centrado no professor, e da escolha de um único método
de ensino, já não condizem com as necessidades do sujeito situado numa era pós-
moderna (Kumaravadivelu, 1994, 2006). Ao pensar no aluno de PLA, é preciso entendê-
lo como aquele que, com sua bagagem própria e com suas necessidades individuais,
precisa de um processo de ensino-aprendizagem personalizado, que leve também em
conta a sua individualidade.
Os professores de línguas são, tradicionalmente, orientados por práticas que,
conforme discute Kumaravadivelu (2006), são ancoradas na escolha de métodos
embasados em constructos teóricos de especialistas de áreas como a Linguística, a
Aquisição de Segunda Língua, a Psicologia Cognitiva, dentre outras (a exemplo,
métodos como o Audiolingual, Gramática e Tradução, Comunicativo e outros
recorrentemente citados). O risco de assumir um único método, seja no ensino do PLA
ou de outras línguas, é que esses orientam, muitas vezes, a prática de conhecimentos
fragmentados, sendo centrados em determinados aspectos da língua, e pressupõem a
ideia de que todos aprendem de uma mesma forma, assim como partem das mesmas
necessidades.
Nenhum método em específico pode prever todas as variáveis e reais
necessidades subjacentes à prática em sala de aula, onde, num mesmo espaço, há a
interação de sujeitos individuais, com diferentes condições e necessidades, e coexistem
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 147

múltiplos fatores: emocionais, socioculturais e cognitivos. Ainda que o professor trabalhe


no grupo e pressuponha usar as mesmas formas de ensino, os resultados de
aprendizagem não serão os mesmos, pois o aprender é um processo individual que
depende das condições, necessidades e motivações de cada estudante. Não há, diante
da complexidade e dinamicidade que permeia o ensino de línguas, como garantir uma
relação de causa e efeito nos processos de ensinar e aprender (Larsen-Freeman;
Anderson, 2011).
Alunos e professores, como partes ativas do processo de aprendizagem, são,
evidentemente, influenciados por suas experiências vivenciadas fora do espaço da sala
de aula. Destacamos, nesse sentido, a noção de “processo”, bastante cara tanto às
Metodologias Ativas quanto ao Paradigma Dinâmico-Complexo. O professor é, nesse
meio, quem organiza o processo e cria as condições de aprendizagem, mas isso não
significa ser ele o único responsável. Se a aprendizagem é vista para se desenvolver nas
interações, o aluno é parte do processo e deve nele engajar-se (não no sentido de
“ajustar-se” ao plano de aula, mas de contribuir para que tal plano, em sua “porosidade”,
possa ser reorganizado de acordo com os anseios de cada um). Nessa perspectiva, o
aprender se constrói, não como um resultado, mas como a evolução que transparece da
trajetória construída a partir de um momento e das condições iniciais.
Ao enfocarmos o ensino do componente fonético-fonológico de LAs, para muitos
professores e pesquisadores, o desafio de desenvolvermos uma Metodologia Ativa, com
base nos preceitos da TSDC, ainda corre o risco de ser visto como bastante desafiador
ou, até mesmo, “pouco viável”. Talvez esse “receio” se dê em função do status
mecanicista e estanque de que gozou o componente fonético-fonológico em uma série
de metodologias de ensino, sobretudo as de cunho behaviorista, que relegaram o ensino
dos sons a uma mera prática de repetição e “drills” focada nas formas linguísticas. É
preciso deixar claro que, sob uma visão de ensino embasada na TSDC, ainda que
possamos enfocar um determinado aspecto formal da língua, esse nunca poderá ser
desassociado dos demais componentes formais, sendo que todos esses componentes
operam a partir do conteúdo e daquilo que se quer dizer, ou seja, estão a serviço de uma
interação de caráter emergente. Nesse sentido, o ensino de pronúncia é mais do que
ensinar sons: trata-se de ensinar funções comunicativas e sociais cuja resolução
acarretará o uso de certas estruturas sonoras, conjugadas a todos os demais
componentes da língua (Alves, 2015; Kupske; Alves, 2017; Lima Jr.; Alves, 2019; Alves,
2021; De Los Santos; Alves, 2022). Esses preceitos, por sua vez, vão ao encontro de
um ensino de LA à luz das Metodologias Ativas, em que o ensino dos componentes
formais também se mostra a serviço de uma concepção emergente de sala de aula
(Machry da Silva; Brisolara, 2022). É o que buscamos propor neste capítulo por meio de
uma proposta para o trabalho com projetos.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 148

METODOLOGIAS ATIVAS E AULA DE PRONÚNCIA DE PLA:


O TRABALHO COM PROJETOS

Ao termos promovido uma aproximação entre as Metodologias Ativas e a TSDC,


nesta etapa, em caráter de demonstração, nosso foco é a proposição de atividades com
base na Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP), que envolve a aprendizagem ativa,
na qual os alunos investigam um problema e buscam uma resolução para ele, criando
hipóteses, discutindo com os colegas e o professor sobre o problema, além de
apresentarem possíveis soluções (Bacich; Moran, 2018). Os alunos desenvolvem as
atividades de forma colaborativa e, ao professor, cabe a tarefa de orientá-los e
redirecioná-los sempre que necessário, incentivando o desenvolvimento do pensamento
crítico e de sua autonomia.
Os projetos com uma duração de longo prazo podem ser propostos com temas
mais amplos e, a partir desses, serem delimitadas temáticas mais específicas, divididas
em blocos menores. A exemplo, dentro do tema ‘Conhecendo o Brasil’, é possível propor
subunidades como turismo, tradições culturais, culinária, dentre outros. Em cada bloco,
podem ser estabelecidos conteúdos que o professor tem a intenção de trabalhar, com
foco nas habilidades de compreensão, pronúncia e escrita. Contudo, todas as tarefas
propostas são ancoradas no tema maior de investigação e simulam práticas reais de uso
da língua. Aqui, exemplificamos o trabalho com a ABP, a partir da temática ‘Culinária:
restaurantes e comidas’5, com foco na pronúncia das fricativas /ʃ/ e /ʒ/ do PB (tendo-se
em mente que tal par se mostra de difícil discriminação e produção por aprendizes cuja
L1 é o espanhol, dado que a contraparte sonora do par não faz parte do inventário
fonêmico da língua materna desses aprendizes). A unidade do projeto, conforme
demonstramos no Quadro 1, acontece numa sequência de aulas e vai se desenvolvendo
gradativamente.

Quadro 1 - Esboço da proposta


Temática central: Culinária: comidas e restaurantes
Tempo previsto: 12 aulas
Público: Alunos de PLA (mais diretamente nativos do espanhol)
Acompanhar o desenvolvimento dos alunos na pronúncia das fricativas /ʃ/ e /ʒ/ do
Objetivo
PB, promovendo a interação a partir da simulação de situações comunicativas reais.
Orientações Divisão das equipes de trabalho - dividir a turma em pequenos grupos (4 a 5 alunos,
/organização sugestão)

Parte 1 - Contextualização inicial, apresentando a culinária do Brasil e alguns pratos


Etapas de típicos de algumas regiões do Brasil.
desenvolvimento Parte 2 - Simulação de uma viagem ao Sul do Brasil e visita a um restaurante.
Parte 3 - Organização e apresentação de um cardápio.
Fonte: Autores

5Na intenção de exemplificar, selecionamos a temática. No entanto, é interessante que sejam decididos
os temas junto com os estudantes, com base também em seus interesses.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 149

Na contextualização inicial, nas aulas iniciais, o professor instiga uma roda de


conversa do grupo sobre a culinária de algumas regiões do Brasil. A sugestão é de que
sejam divididos os grupos de alunos por regiões ou estados (ex.: Região Sul, Região
Nordeste, Região Sudoeste, Região Norte, Região Centro-Oeste) e cada grupo
desenvolva uma pesquisa sobre a culinária nessas regiões, com o levantamento de
comidas típicas. Para orientar a atividade, podem ser propostas questões ou tópicos de
discussão, como exemplificamos em (A).

(A) Quais são os pratos típicos da região? Comente sobre um que você gostou.
Quais são os temperos mais utilizados nesses pratos?
Alguns desses pratos você já conhecia?

A partir dessa contextualização inicial, nas aulas seguintes, propomos explorar a


culinária de uma das regiões, o que pode ocorrer de acordo com o contexto em que os
alunos estão inseridos. No caso aqui exemplificado, optamos por trabalhar com a
culinária da região Sul, simulando uma situação real em que o grupo faz a visita a um
restaurante. O professor pode iniciar comentando sobre o churrasco, como prato típico
da região, e o chimarrão, como a bebida dos gaúchos. As equipes podem montar o
cardápio do restaurante a partir da pesquisa sobre a culinária da região, ou o professor
dá algumas opções de cardápio para cada grupo. A título de exemplo, sugerimos um
cardápio, na Figura 1, o qual foi pensado a partir do intuito de desenvolver um trabalho
com foco na pronúncia das fricativas /ʃ/ e /ʒ/ do PB.

Figura 1 - Modelo de cardápio

Fonte: Autores
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 150

Inicialmente, com base no cardápio, cada integrante monta o seu pedido, anotando
a sua escolha para a entrada, prato principal, saladas, sobremesa e bebida. Após isso,
pode-se simular uma situação real de um restaurante por equipes de alunos, ou, no
grande grupo, em que um dos integrantes assume a função de garçom e os demais são
os clientes. A prática pode ser conduzida a partir de diálogos ou tópicos propostos, como
exemplificamos no Quadro 2, ou de um diálogo que é organizado com os alunos.

Quadro 2: Exemplo de diálogo para a prática de conversação


Garçom Clientes
Em que posso ajudar? Pode anotar o meu pedido, por favor?
Alguma entrada? Sim, bolinhos de peixe e bolinhos de feijoada.
Qual o prato principal? O que tem no escondidinho de charque?
Escondidinho de charque é feito com charque, Não, não posso comer queijo! Vou querer o
mandioca, queijo, leite, manteiga e temperos. Coxão mole ao molho de laranja.
Gostaria de provar?
Alguma bebida? Pode me trazer uma xícara de chá com
gengibre?
Sobremesa? Uma fatia de torta de abacaxi.
Como será o pagamento? Cartão, dinheiro ou pix? Cartão de débito.
Fonte: Autores
É interessante que, durante a prática de conversação, o professor observe a
pronúncia dos sons e faça anotações das principais dificuldades dos alunos. As listas
dos alimentos selecionados podem ser apresentadas no grande grupo (projetadas ou
colocadas no quadro), fazendo a relação da escrita com a pronúncia. Outra relação viável
diz respeito à possibilidade de o professor apontar as diferenças de pronúncias,
contrastando palavras com sons diferentes. Para iniciar este trabalho, o professor pode
elicitar, por exemplo, a palavra "queijo" e pedir para o aprendiz produzi-la. Após isso,
pode perguntar de que forma esta palavra é diferente da palavra "queixo". A atividade
também pode ser realizada em duplas, nesse caso, um membro da dupla pronuncia uma
palavra (ex.: já); o outro colega, por sua vez, tentará “adivinhar” qual seria a outra palavra
do par, pensando na diferença entre os elementos /ʃ/ e /ʒ/. Em (B), ilustramos um
exemplo de prática, a partir de pares mínimos com os pares contrastivos dos sons /ʃ/ e
/ʒ/.

(B) /ʃ/ /ʒ/


chá já
Queixo queijo
Chuchu Juju

Após isso, para treinar os sons-alvo, pode-se trabalhar com jogos. Aqui, propomos
um exemplo com um jogo da memória, disponível no seguinte link:
https://wordwall.net/pt/resource/57279868. Além disso, pode-se realizar o jogo de Stop;
nesse caso, os alunos têm o desafio de encontrar alimentos e bebidas que começam,
por exemplo, com /ʃ/6.

6 Há a possibilidade de criar e jogar jogos de Stop online em https://jogostop.net/


Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 151

Como um passo seguinte, sugerimos que os alunos realizem, na sua equipe, uma
pesquisa de pratos típicos da culinária da região Sul. O grupo deverá escolher e
organizar um cardápio, com café da manhã, almoço, lanche e jantar, selecionando, a
partir de pesquisa, os alimentos e ingredientes que são mais típicos da região Sul do
Brasil, exemplificamos a prática em (C). Os estudantes podem também simular uma ida
ao supermercado e organizar a lista de compra dos alimentos necessários para o seu
cardápio. Para isso, sites e panfletos de supermercado podem ser consultados em aula,
e os alunos montam a sua lista de compras.

C) Seg. Terç. Qua. Qui. Sex. Sáb. Dom.


Café Sanduíche e leite gelado
Almoço Feijão, arroz e filé de peixe
Lanche Bolachas e chá
Janta Peixe com purê de batata.

Na integração final, que diz respeito às aulas finais desta parte do projeto, cada
grupo apresenta para o grande grupo o seu cardápio, comentando sobre os alimentos
que foram selecionados, suas preferências e alimentos que não gostam ou não podem
comer. Também podem preparar um dos pratos do cardápio e apresentar no encontro
final para que todos provem e conheçam um pouco mais sobre a culinária do Sul do
Brasil. É interessante também instigar os alunos a falarem ou apresentarem pratos que
são típicos de seus países, e, também, diferenças culturais de temperos e preparos.
Há diversas propostas que podem ser realizadas com o tema ‘Culinária: comidas e
restaurantes’, além das que apresentamos. Também podem ser realizadas pesquisas
sobre imigrantes no Brasil. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, temos influência italiana,
portuguesa e alemã, e essas se refletem na gastronomia. Os alunos podem pesquisar
sobre um típico café colonial alemão, buscando quais alimentos são servidos, sendo
possível, com essa prática, trabalhar os sons que são contrastivos em uma língua e não
em outra (a exemplo do par de consoantes que exploramos). Também podem estudar
sobre festas típicas do RS, como a Oktoberfest, para mostrar os alimentos típicos dessas
festas e estudar sobre a influência dessas culturas na formação da cultura brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, exploramos a relação entre a Teoria dos Sistemas Dinâmicos


Complexos e Metodologias Ativas, buscando, a partir dessa interlocução, pensar na
prática pedagógica do trabalho com a pronúncia dos sons no PLA. Como exemplo,
abordamos, mais especificamente, o contraste fonológico entre as fricativas /ʃ/ e /ʒ/ do
PB, por meio da Aprendizagem Baseada em Projetos. Por essa proposta, em que
compreendemos o aprendizado como um processo construído de forma colaborativa, o
professor em sua prática não se atém aos conteúdos de forma isolada e a nenhum
método em específico; tal profissional parte das experiências prévias dos alunos e
propõe situações que simulam a realidade, tornando o aprendizado significativo.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 152

Ao situarmos o aluno de PLA como único, ainda que faça parte de um coletivo na
sala de aula, defendemos que o trabalho do professor se personaliza, de forma a
acompanhar o desenvolvimento individual dos estudantes e a mostrar-se sensível às
suas condições iniciais e às condições externas. Isso define o caráter emergente que
subjaz a prática pedagógica em uma sala de aula, que caracterizamos também ser de
natureza “porosa”, com base em Larsen-Freeman (2018), no sentido de que nesse
espaço o aprendizado se constrói em meio às múltiplas interações e diversidade,
ajustando-se e redefinindo-se.
Frente ao caráter emergente da sala de aula, é preciso considerar, portanto, que
as atividades aqui exemplificadas não constituem um plano ‘pronto’ ou ‘estanque’. Trata-
se, unicamente, de uma demonstração do modo como a noção de projetos pode ser
abordada no ensino do componente sonoro e no âmbito das línguas adicionais em geral.
Dessa forma, qualquer proposição de atividades deve se moldar às condições
emergentes e únicas da sala de aula de cada professor. A cada aula, o mesmo conjunto
de atividades passará por modificações e adaptações, de modo a refletir as
necessidades comunicativas do encontro em questão. Nesse sentido, a proposição de
atividades ao final deste capítulo, de caráter puramente exploratório, tem como objetivo
maior inspirar professores e pesquisadores para que esses possam pensar os seus
próprios projetos em sala de aula, com base em suas necessidades.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 153

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Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 156

VERSPOOR, Marjolijn; DE BOT, Kees. Measures of variability in transitional phases in second language
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VERSPOOR, Marjolijn; LOWIE, Wander; DE BOT, Kees. Variability as normal as apple pie. Linguistics
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Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 157

CAPÍTULO 10
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 158

PRODUÇÃO DE UM GLOSSÁRIO PAJUBÁ COM


BASE NO SOFTWARE LEXPRO:

VISIBILIDADE DA LINGUAGEM DE GRUPO


PAJUBERIANA EM PALMAS
Paulo Ricardo Aires Rodrigues
Karylleila dos Santos Andrade

A LINGUAGEM PAJUBEIRA E O MOVIMENTO LGBTI+

O pajubá tem origem na fusão de palavras provenientes da língua portuguesa com


as extraídas dos grupos étnico-linguísticos oriundos da África Ocidental, que foram
trazidos ao Brasil para serem escravizados. O pajubá também é muito utilizado pelos
praticantes de vários segmentos das religiões de matriz africana e afro-brasileiras, tais
como: Umbanda e Candomblé, por serem espaços de acolhimento para as minorias,
incluindo a comunidade LGBTI+1, que passou a adaptar e criar vocábulos em outros
contextos no Brasil.
O pajubá é conhecido também como “bajubá, linguagem gay, linguagem
homossexual, linguagem própria, bixês ou apenas gíria” (Andrade et al., 2018, p. 2) e
pode ser definido como o repertório vocabular e performativo de uma parcela da
comunidade LGBTI+.
A linguagem pajubeira cria uma noção de cultura e identidade de grupo que pode
ser compreendida como proteção por meio do alento das religiões de matriz africana e
afro-brasileiras, consideradas uma das poucas que incluem e abrigam pessoas trans e
travestis sem ajuizamentos morais ou preconceitos. Também é aceito como um
movimento de afirmação identitária entre coletivos que são permanente e covardemente
marginalizados e violentados por uma parte da sociedade que não aceita a diversidade.
No Estado do Tocantins, o movimento LGBTI+ vem ganhando força e espaço.
Entender a sigla em si e tudo que nela habita é fundamental no momento de levar
informação para fora da comunidade ou na hora de promover ações que ajudam a
conscientizar as pessoas sobre a diversidade do grupo.
São várias as siglas ou acrônimos2 que são assumidas pelo movimento. Na década
de 1980, temos GLS, uma referência a gays, lésbicas e simpatizantes. Nos anos 90,
passou a ser GLBT, com a inclusão de bissexuais e pessoas trans. Nos anos 2000 em
diante, o acrônimo despontou como sendo ultrapassado, ao excluir outras identidades.

1Fonte: Movimento LGBTQIA+: entenda o que significa cada uma das letras da sigla.
Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/06/03/movimento-lgbtqia-entenda-
o-que-significa-cada-uma-das-letras-da-sigla.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 9 nov. 2022.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 159

A partir daí, outras letras foram sendo inseridas dando visibilidade a outras identidades,
como, por exemplo, LGBTQ adicionando a letra Q para aqueles que se identificam como
queer.
Segundo Glaad (2016) citado por Reis (2018, p. 33), de modo geral, para as
pessoas que se identificam como queer, os termos lésbica, gay e bissexual são
percebidos como rótulos que restringem a amplitude e a vivência da sexualidade.
Quando a letra Q aparece ao final da sigla LGBTI+, geralmente significa queer e, às
vezes, questioning (questionamento de gêneros).
Para este trabalho de pesquisa, optamos pelo acrônimo LGBTI+, utilizado pelo
Manual de Comunicação LGBTI+3, organizado por Reis (2018), que inclui as Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo4. O símbolo + representa a inclusão
de outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero.
Nossa intenção com este estudo é produzir um pequeno vocabulário pajubeiro
palmense, considerando um corpus de 250 palavras, coletado ao longo de pesquisas
realizadas durante o programa de iniciação científica PIBIC5 da Universidade Federal do
Tocantins: Felipe Moura dos Santos Porto (PIBIC 2012 a 2014); Lucana da Costa e Silva
Andrade (PIBIC 2013-2014) e Paulo Ricardo Aires Rodrigues (PIBIC 2020 -2022),
orientados pela profa. Dra. Karylleila dos Santos Andrade. Como objetivos específicos,
definimos: a) identificar e catalogar o vocabulário pajubá na comunidade LGBTI+ de
Palmas, Tocantins; b) definir a microestrutura do verbete; c) produzir um banco de dados,
a partir do software LexiquePro; e, por fim, d) socializar o glossário na comunidade
LGBTI+ e nas redes sociais.
Cada grupo interage de uma forma especial, cujo modo de se comunicar, por vezes,
fica restrito apenas aos pertencentes de um determinado grupo. Por esse motivo,
compreender e entender sobre os significados e os sentidos das palavras e suas
possibilidades de interação contribui para o entendimento dessas relações, sejam
individuais ou em grupos.
Segundo Preti (1984), a organização das palavras, suas origens, neologismos e
fluidez da transformação lexical representam características históricas e,
consequentemente, culturais de uma população.
É por meio da linguagem que as pessoas transmitem informações, pensamentos,
desejos e emoções. Entender que voz é essa, como o grupo se interage, qual(is) o(s)
significado(s) e o(s) sentido(s) que permeiam, de forma explícita e implícita, serve de
motivação e justificativa para os pesquisadores.

3
Manual de Comunicação LGBTI+. Disponível em https://www.grupodignidade.org.br/wp-
content/uploads/2018/05/manual-comunicacao-LGBTI.pdf. Acesso em: 11 nov. 2022.
4 Intersexual é o termo geral adotado para se referir a uma variedade de condições (genéticas e/ou

somáticas) com que uma pessoa nasce ou se desenvolve, apresentando uma anatomia reprodutiva e
sexual que não se ajusta às definições típicas de macho ou de fêmea, mas uma combinação de ambos.
Eram antigamente denominados como “hermafroditas” (termo em desuso e desaconselhável).
Cartilha de comunicação e linguagem lgbt disponível em:
https://oabms.org.br/Upload/Biblioteca/2015/05/00119994.pdf. Acesso em: 9 nov. 2022.
5 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. Disponível em:
https://www.gov.br/cnpq/pt-br. Acesso em: 4 nov 2022.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 160

O estudo da linguagem verbal de um grupo social explicita a organização das


palavras, suas origens e transformação lexical, pois existem representações históricas,
culturais de uma população (Pretti, 1984).
Um dos objetivos dessa pesquisa é o de promover a socialização do glossário com
as pessoas da comunidade LGBTI+ do município de Palmas, como forma de divulgação,
conhecimento e respeito à diversidade da linguagem pajubá. O acesso ao glossário
poderá contribuir para a promoção do entendimento e compreensão dos significados das
palavras presentes nesse vocabulário.

LÉXICO E PAJUBÁ: ESBOÇO DE UMA MICRO-ESTRUTURA

O léxico é o estudo do conjunto de palavras que formam uma língua. Ele auxilia o
indivíduo, que faz uso das palavras, a entender como é montado o quebra-cabeça
gramatical e semântico das palavras. A função do estudo do léxico pajubá é a de dar
sentido e voz à comunidade LGBTI+. Estudar o léxico de um grupo é necessário e
importante para conhecer a própria linguagem que se modifica de geração em geração.
A mudança lexical da linguagem do pajubá começou a se modificar ainda nos anos
70, quando o movimento LGBTI+ começou a ganhar força e visibilidade. De lá para cá,
muitas palavras foram surgindo e seus significados também foram ganhando novas
formas e sentidos, por esse motivo, o estudo do léxico do vocábulo do pajubá contribui
para o fortalecimento linguístico da comunidade LGBTI+, e ajuda a interligar os
pertencentes desse grupo, com os demais grupos.
Para que haja uma construção de um dicionário, ou até mesmo de um vocabulário
ou glossário, foco principal dessa pesquisa, se faz necessário entender o que é a
lexicografia, área da linguística que estuda a produção, organização e a elaboração dos
dicionários.
Para Welker (2004), o termo lexicografia tem dois sentidos: lexicografia prática e
lexicografia teórica.

[...] numa acepção – na qual se usa também a expressão lexicografia prática – ele
designa a “ciência”, “técnica”, “prática” ou mesmo “arte” de elaborar dicionários (cf.
Biderman 1984: 1, Biderman 1998: 15, Borba 2003: 15, Landau 1989, Wiegand 1989:
251, Martínez de Sousa 1995: 226ss.); para a outra acepção – a lexicografia teórica –
emprega-se frequentemente, em línguas como o inglês, francês e alemão, o termo
metalexicografia, e tendo em vista que, internacionalmente, ele é adotado por muitos,
vou usá-lo também em português, assim como metalexicógrafo e o adjetivo
metalexicográfico. A metalexicografia abrange: o estudo de problemas ligados à
elaboração de dicionários, a crítica de dicionários, a pesquisa da história da
lexicografia, a pesquisa do uso de dicionários (cf. Hausmann 1985: 368, Wiegand 1989:
258) e ainda a tipologia (cf. Martínez de Souza 1995: 253, Hartmann & James 1998:
86). Portanto, na acepção restrita, o lexicógrafo é quem produz um dicionário; quem
escreve sobre dicionários é o metalexicógrafo. Autores como Maria Tereza C.
Biderman e Francisco S. Borba são, ao mesmo tempo, lexicógrafos e metalexicógrafos.
(Welker, 2004, p. 11) (Grifos nossos).

A metalexicografia possui dois termos importantes, são eles; lema e lematizar.


Welker (2004, p. 33) explicita em seus estudos sobre esses termos importantes
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 161

presentes na lexicografia e metalexicografia: “O termo ‘lema’ é sinônimo de entrada de


verbete, palavra entrada; o termo ‘lematizar’ significa ‘arrolar no dicionário como lema,
como entrada’, o que implica, ao mesmo tempo, dar ao lexema a forma que ele costuma
ter como palavra-entrada, isto é, por exemplo, no caso dos verbos, a forma do infinitivo.”.
Existem algumas explicações que apontam para a importância da lexicografia:

a) tirar dúvidas sobre a escrita de uma palavra (ortografia); b) esclarecer os significados


de termos desconhecidos (definições, acepções); c) precisar outros usos de uma
palavra já conhecida (definições, acepções); d) desvendar relações de forma e de
conteúdo entre palavras (sinonímia, antonímia, homonímia etc.); e) informar a respeito
das coisas designadas pelas palavras registradas (informações sobre o inventor dos
balões a gás e o contexto de época, num verbete como balão); f) indicar o domínio, ou
seja, o campo do conhecimento ou a esfera de atividade a que a palavra está mais
intimamente relacionada; essa informação é particularmente importante quando uma
mesma palavra assume sentidos distintos (ou acepções) em diferentes domínios, como
planta, em biologia e em arquitetura; g) dar informações sobre as funções gramaticais
da palavra, como sua classificação e características morfossintáticas (descrição
gramatical). [...] (Brasil, 2012, p. 16-17).

Os dicionários têm por finalidade detalhar o léxico de uma língua e/ou um idioma,
no qual existem variações linguísticas devido a cada público e objetivos da linguagem.
Eles colaboram para o desenvolvimento oral e da escrita da linguagem e têm por objetivo
ajudar os falantes dê uma comunidade a fazerem uso adequado das palavras, de acordo
com o contexto de uso e significados.
Entendemos vocabulário, neste trabalho, como o conjunto de vocábulos 6, unidades
em nível de discurso, coletados durante as pesquisas de campo, com pessoas que se
identificaram pertencentes ao grupo LGBTI+ no município de Palmas.
Quanto à definição de vocabulário, Welker afirma que

No verbete “vocabulário”, o Aurélio define vocabulário, na primeira acepção, como


“conjunto das palavras de uma língua”, ou seja, como sinônimo de léxico.
Normalmente, porém, entende-se por vocabulário algo mais restrito, a saber, aquilo
que o próprio Aurélio indica nas outras acepções: “conjunto das palavras em certo
estágio da língua”, “conjunto das palavras especializadas em qualquer campo de
conhecimento ou atividade; nomenclatura; terminologia”, “conjunto das palavras e
expressões conhecidas e/ou empregadas por pessoa(s) de determinada faixa etária,
social etc.”, “conjunto das palavras usadas por um autor em sua obra, ou em parte
dela.” (Welker, 2004, p. 24).

Para definir a microestrutura do vocabulário do pajubá é preciso compreender o


que é um verbete e sua funcionalidade. O verbete é a unidade básica de um dicionário
e compõe-se de duas partes: entrada (ou cabeça) e enunciado lexicográfico.
A título de compreensão em relação a um verbete, Welker (2004, p. 108) explicita
algumas informações presente nos verbetes:

Informação que identifica o lema na sincronia (grafia, pronúncia, acentuação, classe


gramatical, flexão);

6Como estamos trabalhando em nível de vocabulário, utilizaremos vocábulo como sinônimo de palavra,
como uma unidade do discurso.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 162

Informação que identifica o lema na diacronia (etimologia);


Marcas de uso;
Informação explicativa (principalmente, a definição; às vezes, descrições
enciclopédicas);
Informação sintagmática (construção, colocações, exemplos);
Informação paradigmática (sinônimos, antônimos etc.);
Vários tipos de informação semântica (por exemplo, sobre metáforas);
Observações (por exemplo, sobre o uso do lema);
Ilustrações (desenhos, gráficos);
Elementos de ordenamento (por exemplo, diversos símbolos);
Remissões;
Símbolos substitutivos (geralmente, o til, para evitar repetições).

A cabeça de um verbete possui algumas concepções numa organização


gramatical, como, por exemplo, variantes ortográficas, pronúncia, classe gramatical e
outras informações gramaticais, etimologia e marcas de uso.
Para facilitar a busca, dividimos o vocabulário pajubeiro em ordem alfabética e
delimitamos uma microestrutura7 para cada verbete, cujo significado compreende a
unidade básica do vocabulário e compõe-se de duas partes: entrada (ou cabeça) e
enunciado lexicográfico.
Segundo Welker (2004), a cabeça de um verbete ou entrada possui algumas
concepções numa organização gramatical, como, por exemplo, variantes ortográficas,
pronúncia, classe gramatical e outras informações. Para este trabalho, delimitamos a
seguinte microestrutura, que deve ser organizada de forma constante, isto é,
padronizada, em todos os verbetes, ou seja, cada um dos vocábulos que aparecem
definidos, com suas acepções e exemplos no vocabulário pajubá:

Na organização dos verbetes, utilizaremos as cores para facilitar a compreensão


das informações.

a) Categoria gramatical: Verbo - V.; Substantivo – S.; Adjetivo – Adj. Sigla/Acrônimo


– Sig. e Expressão - Expr.
b) Definição: acepção que corresponde ao vocábulo pajuberiano.
c) Exemplo: descrição de situações em contextos reais da linguagem pajuberiana,
coletada durante a pesquisa de campo.
d) Variante: variação do vocábulo

7
Segundo Barbosa (1996, p. 266), citado por Welker (2004, p. 107), a microestrutura de base é composta
das ‘informações’ ordenadas que seguem a entrada e têm uma estrutura constante, correspondendo a um
programa e a um código de informações aplicáveis a qualquer entrada.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 163

Diante do atual cenário da Pandemia da Covid-19 não foi possível desenvolver uma
pesquisa de campo in loco para ampliar o corpus. Tivemos que readequar nossos
procedimentos metodológicos e instrumentos de pesquisa à nova realidade que nos foi
imposta.
Para a primeira etapa da pesquisa, optamos por escolher como suporte as
seguintes ferramentas digitais: E-mail, WhatsApp e o Formulário Google – Google Forms
para coleta de dados.
A amostra contou com nove participantes, todos se autoidentificaram como
pertencentes à comunidade LGBTI+, residentes no município de Palmas e região. Foi
proposto aos entrevistados um questionário com perguntas relacionadas à temática e
enviado por e-mail aos colaboradores. Todos assinaram virtualmente o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, modelo fornecido pelo Comitê de Ética, moldado
segundo as normas que envolvem a pesquisa.
Os entrevistados, durante a pesquisa de campo de coleta dos dados, não tiveram
acesso a qualquer dicionário ou vocabulário direcionado para essa linguagem de grupo,
o pajubá. Vale ressaltar que muitos dos participantes afirmaram ser positivo a produção
de um vocabulário do pajubá palmense a fim de socializar, principalmente, com a
comunidade externa a forma como o grupo se interage, assim como seus medos,
aflições, lutas e a busca constante por mais voz e menos silenciamento.
Para a descrição, alimentação e catalogação dos dados foi utilizado o programa
LexiquePro 3.6 Windows cuja finalidade foi a sistematização do vocabulário pajubá,
conforme mostrado nas figuras 1 e 2.

Figura 1 - Programa LexiquePro

Fonte: www.lexiquepro.com
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 164

Figura 2 - Amostra do vocabulário no LexiquePro

Fonte: www.lexiquepro.com

A seguir, uma amostra do glossário:

A - a
Abafar o caso Expr. 1. Despistar alguém. "Mulher abafa o caso, ninguém pode saberdisso".
Ana Cláudia Adj 1. Mulher heterossexual que adora andar com gays. 2. Mulher hétero que têm muitos
amigos gays. "Amiga, você é muito Ana Cláudia. É Babado viu".

B - b
Bicha poc poc Expr. 1. Gay muito efeminado. "Olha a bicha poc poc chegou na festa".
Borboletear V. 1. "Dar pinta". 2. Demonstrar ser gay. "Cuidado para não borboletear demais".

C - c
Cheque prédatado Expr. 1. Chuca mal feita. "Cuidado para não passar um cheque no boy".
Colar de beijos Expr. 1. Quando uma gay manda beijos para outra gay invejosa. "Envio um colar de
beijos para você querida".

D - d
Dar a elza Expr. 1. Roubar. "Mulher, cuidado que estão dando a Elza nos celulares nesse lugar".
DP Sigla. 1. Dupla penetração DP. 2. Dois pênis penetrados no ânus. "Vamos fazer sexo a dois com
DP".
E-e
Egípcia/fazer à egípcia Expr. 1. Virar a cara, ignorar alguém. 2. Indiferença. 3. Fazer de conta que não
é consigo. "Quando vi aquele absurdo virei a cara e fiz a egípcia".
Estar bege Expr. 1. Estar impressionado, chocado, atônito. "Você deixou o seu namorado bege diante
a sua atitude duvidosa".
F-f
Fazer a pêssega Expr. 1. A desinteressada, que não viu, não esteve lá. 2. Uma pessoa sonsa. "Fazer a
pêssega combina com a sua cara".
Fazer winoma Expr.. 1. Roubar, o mesmo que dar a Elza. "Vive fazendo a winoma, vai acabar sendo
preso".
G - g
Gala Subst. 1. Esperma. 2. Ejaculação masculina. "Esse boy magia produz muita gala".
Gaydar Subst. 1. Identificador de gays. 2. Radar de gays. 3. Percepção sensorial que o homossexual tem
para reconhecer outro. "Dessa vez o seu gaydar acertou".
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 165

H - h
Homossexuelen Subst. 1. Homem gay. "Esse lugar está cheio de homossexuelen".
HT Sig. 1. Hétero HT. "Ela saiu na busca por um HT".

I-i
Inhaieam/inhaííí Int.. 1. Modo de gays se cumprimentarem, (e aí?). 2. Saudação inicial em uma conversa
entre dois homossexuais. "Inhaíí amapoa".
Irene Subst. 1. Velho. "Ele adora uma irene".

J - j
Joaninha Subst. 1. Viatura policial. "Depois da confusão chamaram a joaninha para resolver o
problema".
Jorge Subst. 1. Maconha. "Estão usando jorge no tratamento de algumas doenças".

L - l
Lamber carpete Expr. 1. Sexo entre duas mulheres. "Minha amiga adora lamber carpete".
Louca da priquita Expr. 1. Pessoa fora do seu normal, de raiva, animação ou por ter se drogado. "Deu
a louca da priquita nesse povo".

M - m
Mala Subst. 1. Órgão genital masculino. "A mala daquele cafuçu faz sucesso".
Mona ocó Expr. 1. Gay que não parece ser gay. "Aquele menino só gosta de sair com mona ocó".

N - n
Nárnia Subst. 1. Refere-se ao local (armário) onde os "encubados" ficam. 2. Pessoa que não se assumiu
ainda. "Não é nada fácil viver em nárnia".
Nefertiti Subst. 1. Gay idoso. "Não faça a nefertiti hoje hein".

O-o
Ocó Subst. 1. Homem hétero. 2. Rapaz. "A pegada do ocó é incrível".
Operada Subst. 1. Transgênero de homem para mulher. "A mona agora é operada".

P - p
Pão-com-ovo/bichã pão-com-ovo Expr.. 1. Gay muito comum, nada especial, simplório. 2. Gay sem
graça. 3. Homossexual efeminado, pobre, magro, aparência frágil. "Essa bichã pão-com-ovo
está se achando demais".
Pele de pêssego Expr. 1. Uma pele bonita e cuidada. "Ele tem uma linda pele de pêssego".

Q - q
Quá-quá Expr.. 1. Homossexual efeminado. Essa bichã é quá-quá".

R - r
Racha/raxa Subst. 1. Mulher. 2. Assim denominada pela anatomia de seu órgão sexual. "O boy magia
adora uma racha".
Remix na pomboca Expr. 1. Fricção no clitóris. "Ele adora fazer um remix na pomboca da namorada".

S - s
Scania Adj. 1. Lésbica masculinizada. "Ela gosta de namorar scania".
Surra de edi Expr. 1. Bater com o ânus no pênis no ato sexual. "Ele deu uma surra de edi no cafuçu".

T - t
T.M. Sig. 1. Sigla para "trevesti mirim". "Hoje em dia tem muito T.M. em situação de abandono".
Tarzan Subst.. 1. Pelos na região anal. "Ontem foi dia de cuidar do tarzan".
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 166

U-u
Uó Subst.. 1. Coisa ruim, sem graça. 2. Algo muito ruim. 3. Pessoa ou acontecimento chato, de má
qualidade. "Esse cafuçu é uó".
Urso Subst. 1. Homossexual mais velho e peludo. 2. Gay peludo com barba e acima do peso, com
aparência máscula. "A biu só namora urso".

V-v
Vaporizar V. 1. Ir à sauna. "Hoje é dia de vaporizar o corpo".
Vitaminado Adj. 1. Homem bonito. "Ela só sai com homens vitaminados".

X-x
Xota Subst. 1. Vagina. "Ninguém encosta na xota dela".

Z-z
Zoraide Subst. 1. Gay muito ligado em astrologia ou esoterismo. "Essa biu adora se envolver com
zoraide".

Os estudos revelaram que uma das motivações para o surgimento da linguagem


foi à necessidade de autoproteção dos próprios pertencentes desse grupo. A pesquisa
nos possibilitou identificar uma gama de palavras usadas dentro dessa comunidade, mas
que nem sempre as pessoas que a utilizam têm domínio dos significados e dos seus
contextos de uso.
A linguagem do pajubá envolve normas de gênero e sexualidade na comunidade
LGBTI+, daí entra a importância do estudo do léxico e sua estrutura em relação à
linguagem de gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O resultado da produção do glossário faz parte de um processo que teve início com
trabalhos de iniciação científica em 2012, quando iniciamos a coleta de dados. O
segundo passo foi estudar as crenças e atitudes dos pertencentes à comunidade LGBTI+
em relação ao uso do pajubá. Para a descrição, análise e compilação do vocabulário foi
necessário compreender as questões culturais, sociais e, mais que isso, identificar as
causas e motivações para o uso do pajubá em Palmas.
Mais que uma causa identitária, a pesquisa em questão traz dados sobre VIDAS
de pessoas que possuem seus valores e têm o direito de gozar dos mesmos direitos que
as demais pessoas que se relacionam em sociedade, para isso, a inclusão social precisa
ser efetivada a fim de promover mudanças que salvam vidas.
Como resultado do desempenho, dedicação e reconhecimento, o estudante Paulo
Ricardo Aires Rodrigues foi agraciado com o prêmio de 1º lugar na área de Ciências
Humanas, Sociais Aplicadas e Científica PIBIC/PIBITI/PIVIC da Universidade Federal do
Tocantins em 2022. A seguir, apresentamos também, como resultado do trabalho, o livro
produzido a partir da coleta, análise e produção do glossário, figura 3:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 167

Figura 3 – Capa do livro Pequeno Vocabulário Pajubá Palmense

Fonte: https://editorascienza.com.br/ebook/pajuba.pdf
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 168

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Karylleila dos Santos; GONÇALVES, Sheila de Carvalho P.; PORTO, Filipe; ANDRADE,
Luciana C. e Silva. Bajubá: linguagem de grupo LGBTT como representação sócio-histórica e cultural.
Revista Desafios. v. 5, n. 4, 2018. p. 37-46.

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 9. ed. São Paulo: Loyola, 1999.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Com direito à palavra: dicionários
em sala de aula. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2012.

PRETI, Dino. A gíria e outros temas. São Paulo: T. A. Queiroz: EDUSP, 1984.126 p., (Biblioteca
universitária de língua e linguística; v. v.6).

REIS, Toni., org. Manual de Comunicação LGBTI+. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino,
2018.

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Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em: 31 ago. 2022.

VIP, Angelo; LIBI, Fred. Aurélia, a Dicionária da Língua Afiada. Editora do Bispo: São Paulo, 2006,
143p.

WELKER, Herbert Andreas. Dicionários – uma pequena introdução à lexicografia. 2. ed. revista e
ampliada. Brasília: Thesaurus, 2004. 299 p.
.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 169

CAPÍTULO 11
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 170

O CONCEITO DE AUTORIA NO CURRÍCULO DA


CIDADE (2017) E A RETEXTUALIZAÇÃO DO
GÊNERO CANÇÃO NO ENSINO
FUNDAMENTAL II:

UMA PROPOSTA TEXTUAL


Jéssica Alves da Silva
Phablo Roberto Marchis Fachin

Ao longo de nossa trajetória construímos experiências que se transformam em


memória e ela, em histórias que podemos contar. Às vezes, essas histórias estão
acompanhadas de um cheiro, de um gosto ou até de uma canção, como se fossem uma
trilha sonora para a trajetória que é a própria vida. Certamente há vidas e principalmente
fatos cotidianos que inspiram canções.
A canção popular brasileira tem inúmeros exemplos dessa interlocução. Ao elevar
fatos cotidianos ao patamar de uma obra artística por meio da melodia, a canção conta
histórias. O sincretismo entre letra e melodia muitas vezes produz a trilha sonora da
trajetória de malandros, trabalhadores e até da própria língua portuguesa. Nesse sentido,
o trabalho com canções nas aulas de língua portuguesa é de fundamental importância
para o desenvolvimento de habilidades de leitura, de compreensão e de interpretação,
indispensáveis para a ampliação do repertório dos sujeitos estudantes. Esse repertório
em construção pode ser mobilizado nas atividades de escuta/leitura de canções no
exercício de construção da subjetividade que se traduz no contorno que o sujeito dá ao
próprio discurso.
Chamamos esse contorno de autoria. Como estratégia para fomentá-la nas
produções dos estudantes, a retextualização de canções pode ser um caminho oportuno.
Trata-se de um processo complexo - o sujeito que a leva a cabo deve trabalhar com
múltiplas estratégias linguísticas, textuais e discursivas, apoiado em um texto-base para
então projetar um novo texto, tendo em vista uma nova situação de interação. A partir do
exercício de compreensão e interpretação de canções, o estudante é motivado a
desmontar a narrativa cantada para poder projetá-la em um texto narrativo, no qual é
possível traduzir sua interpretação permeada das marcas subjetivas inerentes ao
exercício de protagonismo, cidadania e criticidade que envolvem, por exemplo, o
conceito de autoria, exigido em documentos legais no âmbito da cidade de São Paulo,
ou de qualquer outra região brasileira.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 171

Ao apresentar o conceito de autoria, objeto de investigação deste trabalho, o


Currículo da Cidade (2017)1 fundamenta-se em Possenti (2002) para afirmar que as
marcas subjetivas deixadas por estudantes em seus textos os caracterizam como
autores; o pesquisador, no entanto, mostra-se mais cuidadoso com o uso do termo autor.
Para ele, as marcas subjetivas, que podem ou não aparecer em textos de estudantes,
são materializadas no texto por meio de quatro movimentos: 1) dar voz aos outros; 2)
incorporar ao texto discursos correntes; 3) manter distância; 4) evitar a mesmice. Apesar
de mencionar textos de estudantes, Possenti não os considera em sua análise, já que
são utilizados apenas produções de escritores e um texto de um candidato ao vestibular.
Considerando o cenário apresentado, este capítulo apresenta uma proposta de
trabalho que analisa a teoria que embasa o conceito de autoria no Currículo da Cidade
(2017), tendo como apoio o trabalho de retextualização do gênero canção nos anos finais
do Ensino Fundamental, especificamente para turmas do 7º ano. Este trabalho é
desenvolvido em uma escola da rede pública municipal de São Paulo, investigando os
desdobramentos da hipótese de Possenti (2002) ao analisar indícios de autoria em textos
de estudantes. Por se tratar de pesquisa que mescla teoria e prática, num cenário
educacional que pode equivaler ao de outras regiões do Brasil, acreditamos que possa
também contribuir para o olhar sobre a escola fora de São Paulo.
Trata-se de um arranjo que valoriza o gênero canção como forma de estimular o
estudante a olhar para os fatos da vida de maneira crítica a fim de singularizar essa
compreensão em textos narrativos autorais por meio da retextualização. Uma estratégia
de produção textual que fomenta a polissemia na medida em que entusiasma o
estudante a trabalhar o conteúdo do texto-base para recriá-lo em outro texto, a fim de
fazer a canção virar história. Tal proposta colabora com o processo formativo dos
adolescentes, oferecendo a eles ferramentas que potencializam seu repertório no
exercício de alteridade inerente ao processo de construção da própria subjetividade.

O CURRÍCULO DA CIDADE

Para entender como a questão da autoria se apresenta no Currículo da Cidade é


preciso, primeiro, conhecer a organização do documento. Por isso, esta seção dedica-
se a apresentar o arranjo que o constitui. O Currículo da Cidade se identifica como diretriz
para o trabalho docente, como uma ferramenta que se materializa no trabalho dos
professores todos os dias em salas de aula por toda a cidade de São Paulo. Essa
premissa envolve a contribuição desses docentes que o utilizam no seu fazer e permeiam
suas potências e pontos que precisam ser discutidos. Ele é o eixo de produção de outros
documentos, como as Orientações Didáticas do Currículo da Cidade (2019), os

1 Ao longo do capítulo, utilizamos o termo currículo como forma de nos referirmos ao Currículo da Cidade
(2017).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 172

Cadernos da Cidade: Saberes e Aprendizagens (2019)2 e o Instrumento de


Acompanhamento Docente (IAD) - Ciclos Interdisciplinar e Autoral de Língua Portuguesa
(2023).
As Orientações Didáticas do Currículo da Cidade são documentos organizados
para cada componente curricular. Os Cadernos da Cidade: Saberes e Aprendizagens
estão organizados em três volumes: Língua Portuguesa, Matemática e Ciências
Naturais. O IAD está organizado em dois volumes: Português e Matemática, tendo em
vista que é um documento orientador da aplicação de avaliações diagnósticas.
Institucionalmente, apenas essas duas disciplinas são orientadas a aplicar essa
avaliação externa.
O Currículo da Cidade está dividido em duas partes. A primeira contém nove
seções: Apresentação, Concepções e Conceitos que Embasam o Currículo da Cidade,
Um Currículo para a Cidade de São Paulo, Ciclos de Aprendizagem, Organização Geral
do Currículo da Cidade, Currículo da Cidade na Prática, Avaliação e Aprendizagem,
Síntese da Organização Geral do Currículo da Cidade e Um Currículo Pensado em Rede.
A implementação do Currículo da Cidade na rede municipal de ensino (RME) de
São Paulo deu-se em 2018. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi homologada
em dezembro de 2017, o mesmo ano no qual ocorreu a elaboração do Currículo da
Cidade. Este informa que busca alinhar as orientações curriculares do município de São
Paulo à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ou seja, a Base Nacional não é a
base do Currículo da Cidade. Trata-se de uma questão importante a ser considerada na
diretriz municipal, tendo em vista que um documento federal não é diretriz para o
Currículo da Cidade, documento municipal.
Como anunciado, o Currículo da Cidade compartilha conceitos abordados na
BNCC, como o de Educação Integral. Para o documento municipal, esse conceito
envolve ações de toda a comunidade escolar para promover o desenvolvimento dos
estudantes em todas as suas dimensões (intelectual, física, social, emocional e cultural).
Dessa forma, “os conteúdos curriculares são meios para a conquista da autonomia plena
e para a ressignificação do indivíduo por ele mesmo e na sua relação com os demais”
(São Paulo, 2017, p. 22). Concordamos com essa premissa, pois acreditamos não ser
possível constituir-se enquanto sujeito sem o exercício da alteridade, sem o contraponto
fundamental a partir do qual cada indivíduo constrói sua singularidade inserido no plural
que compõe a cultura.
O posicionamento do documento frente à BNCC sugere certo pioneirismo do
município de São Paulo em relação a sua própria constituição. Atesta, por exemplo, que
os objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento curricular
foram elaborados por grupos de trabalho formados por professores, supervisores e

2As edições que compõem o Ciclo Autoral apresentam, nas fichas de avaliação da produção de gêneros
discursivos (orais e escritos), o critério “indício de autoria”, que conta com dois tópicos: um relacionado à
seleção de palavras e outro relacionado à expressão de um olhar subjetivo, ambos adequados ao gênero
em estudo. As referências dos três volumes que compõem os materiais do Ciclo Autoral estão indicadas
ao final do capítulo.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 173

técnicos da SME de São Paulo e das diretorias pedagógicas (DIPEDs) e regionais


(DREs). Indica também a quantidade de professores e estudantes envolvidos nesse
processo que se estendeu ao longo do ano de 2017 e que organizou o Currículo

em três Ciclos (Alfabetização, Interdisciplinar e Autoral) e apresenta uma Matriz de


Saberes, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os Eixos Estruturantes, os
Objetos de Conhecimento e os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento de cada
Componente Curricular (São Paulo, 2017, p. 15).

O documento bem como materiais complementares estão orientados pela Matriz


de Saberes organizada pela SME e que apresenta princípios éticos, políticos e estéticos
definidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (São Paulo, 2017, p. 30 apud Brasil,
2013, p. 107-108). Essa matriz, de acordo com o Currículo, reconhece a importância de
se estabelecer uma relação direta entre a vida e o conhecimento sobre ela e de se
promover a pluralidade e a diversidade de experiências no universo escolar. Ela foi
desenvolvida no ano de 2017 e contou com a consulta de mais de 40.000 estudantes da
RME para embasar a sua estrutura.
A realidade evidencia que esses princípios não se materializam na educação de
todos os estudantes, como sugere o currículo. O documento indica que a educação
inclusiva e o princípio de equidade deve atender a todas as crianças, adolescentes e
adultos que fazem parte da rede, mas os limites da realidade impostos pelo projeto de
desvalorização da carreira, com salas lotadas, falta de apoio da iniciativa pública, da
sociedade civil, a perda de direitos dos profissionais de educação e a falta de incentivo
na formação continuada de professores, por exemplo, limitam esse alcance. O Currículo
apresenta-se como uma ferramenta que ganha vida nas mãos dos professores como se
o fracasso escolar dependesse de cada profissional individualmente e é sabido que a
escola é uma instituição que envolve muitos atores, não só o protagonismo do professor
e a sua boa vontade. E mesmo o sucesso não é reconhecido, tendo em vista as políticas
de precarização do trabalho docente.
As concepções de Educação Integral e Inclusiva que fazem parte da Matriz de
Saberes defendem que a educação pública deve garantir a igualdade de oportunidades
para que os sujeitos de direito sejam considerados a partir de suas diversidades,
infelizmente há pontos que precisam ser ajustados. Na Prova São Paulo, por exemplo,
as avaliações são padronizadas. Assim, os estudantes público-alvo do atendimento
educacional especializado (AEE) não têm suas especificidades respeitadas, objetivo que
integra a Matriz de Saberes, atualizada em 2018:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 174

Figura 1 - Matriz de Saberes

Fonte: São Paulo (2017, p. 35).

Além da Matriz de Saberes, o Currículo da Cidade incorporou os dezessete


Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) que, de acordo com o documento,
são temas inspiradores a serem trabalhados de forma articulada com os objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento dos diferentes componentes curriculares. A
problemática é que esses objetivos não contestam o sistema que constitui a origem da
maioria dos problemas que eles pretendem solucionar.
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propostos pelo Currículo da
Cidade estão divididos em ciclos, uma organização que faz parte da RME de São Paulo
desde 1992. O documento afirma que eram denominados: Ciclo Inicial, Intermediário e
Final, correspondendo às etapas de desenvolvimento: infância, puberdade e
adolescência respectivamente, e que obedecem a movimentos de avanços e recuos na
aprendizagem, ao invés de seguir um processo linear e progressivo de aquisição de
conhecimentos. O Currículo preserva a subdivisão do Ensino Fundamental de nove anos
em três ciclos: o Ciclo de Alfabetização (1º, 2º e 3º); o Interdisciplinar (4º, 5º e 6º) e o
Autoral (7º, 8º e 9º).

Essa organização, que visa romper com a lógica da seriação, é marcada pela adoção
de um novo articulador para os tempos e espaços da escola, baseado no
desenvolvimento social, cognitivo e afetivo dos estudantes e em suas experiências.
Isso significa fazer da escola um lócus que permite aos estudantes serem cidadãos
ativos e protagonistas do processo de construção da vida escolar, com a manifestação
de suas identidades e possibilitando a intervenção de forma consciente nos coletivos
escolares e também no quadro social em que atuam e atuarão (São Paulo, 2016a, p.
25-26).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 175

O Currículo da Cidade organiza-se por Áreas do Conhecimento e Componentes


Curriculares: Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Portuguesa para Surdos, Arte,
Língua Inglesa, Língua Brasileira de Sinais – Libras e Educação Física; Matemática:
Matemática; Ciências da Natureza: Ciências Naturais; Ciências Humanas: Geografia e
História; Tecnologia para Aprendizagem.
Os objetos de conhecimento estão organizados em eixos de acordo com o
componente curricular e complexidade para a faixa etária do estudante em um
movimento espiral. O conjunto de saberes a serem desenvolvidos durante os ciclos que
compõem o Ensino Fundamental são denominados objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento. O documento justifica a nomenclatura dizendo que faz parte do
conceito de Educação Integral a partir da Matriz de Saberes.
Na seção “O Currículo na Prática”, apresenta-se a implementação do documento
nas diferentes esferas da educação municipal: Projeto Político Pedagógico (PPP),
formação continuada de professores, materiais didáticos e avaliação. De acordo com ele,
a escola deve incorporar as diretrizes propostas pelo Currículo ao PPP de maneira
condizente com a realidade da unidade escolar. Os horários coletivos de formação da
Jornada Especial Integral de Formação (JEIF) devem priorizar o estudo dos documentos
por meio de ações de SME. Os materiais didáticos devem ser escolhidos pelos
professores respeitando as orientações do eixo Currículo bem como os docentes
fazerem uso dos materiais didáticos produzidos pela SME. Um desses materiais é a
coleção Caderno da Cidade: Saberes e Aprendizagens lançada em 2019, que conta
como livros consumíveis de Português, Matemática e Ciências para todos os estudantes
de 1º a 9º ano. No caso de Língua Portuguesa, os livros estão divididos em quatro
unidades em que cada uma conta com uma sequência de atividades para a produção de
um gênero oral ou escrito. Também declara que é indispensável fazer revisão dos
processos de avaliação interna e externa de maneira a se adequar ao que é proposto
nele.
Considerando o trabalho com texto inerente às aulas de Língua Portuguesa, o
material precisa passar por revisões constantes. Isso porque desde a primeira edição
textos e exercícios não foram atualizados de maneira significativa, o que acaba por
dificultar o trabalho a ser desenvolvido em sala de aula. A dificuldade acontece ou porque
os textos não fazem parte do repertório dos estudantes ou porque consideram
aprendizagens que todavia não foram consolidadas. Outra questão desfavorável ao
trabalho com esse material é a distribuição desigual entre as unidades escolares. Há
casos em que escolas não recebem a quantidade adequada ou nem recebem, além de
a entrega não ter um período declarado para a organização do planejamento dos
professores.
Na seção “Avaliação e Aprendizagem”, o Currículo afirma que a avaliação é uma
ação pedagógica que oferece ao professor subsídios para a tomada de decisões, pois
permite acompanhar o desenvolvimento das aprendizagens e refletir sobre ele. Os tipos
de avaliação propostos pelo documento são: diagnóstica, cumulativa e formativa. A
primeira tem como objetivo levantar os conhecimentos prévios dos estudantes como
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 176

forma de subsidiar as ações pedagógicas do professor; a segunda tem o objetivo de


verificar o que os estudantes aprenderam após um percurso formativo para verificar a
necessidade de retomá-lo ou não, e a terceira tem o objetivo de acompanhar as
aprendizagens dos estudantes durante todo o processo de aprendizagem, ajustando as
atividades ao processo.
Essa seção é seguida de uma síntese dos elementos que compõem o Currículo,
que é seguida da seção “Um Currículo pensado em rede”. Nela é apresentada uma
organização dos objetivos de aprendizagem tal qual aparece na tabela. Esses objetivos
estão organizados em ciclos e anos e devem ser trabalhados em espiral, ou seja, em
cada ano há o desenvolvimento do conteúdo previsto para o ciclo por meio de
aproximações sucessivas.

Figura 2 - Sigla dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento

Fonte: São Paulo (2017, p. 61).

A parte dois do Currículo apresenta os conteúdos específicos do componente


curricular “Língua Portuguesa” e está dividida em três seções: Currículo de Língua
Portuguesa para a Cidade de São Paulo, Ensinar e Aprender Língua Portuguesa no
Ensino Fundamental e O Ensino de Língua Portuguesa nos Ciclos.
A concepção de aprendizagem da Língua Portuguesa, para o documento, acontece
por meio de quatro atividades básicas: falar, ouvir, ler e escrever. Essas atividades são
constitutivas dos eixos que organizam a diretriz: Prática de Leitura de Textos, Prática de
Produção de Textos Escritos, Prática de Escuta e Produção de Textos Orais e Prática
de Análise Linguística.
Segundo a seção, o foco da aprendizagem deve estar no uso da língua, por isso o
texto deve ser considerado “unidade básica do trabalho de Língua Portuguesa” (São
Paulo, 2017, p. 67). Assim, para o documento, a materialidade do discurso, que é o texto,
é o espaço de funcionamento da língua, onde ela torna-se linguagem, que é
fundamentalmente:

a. histórica e social, porque é constituída no uso, ou seja, os sentidos da atividade


verbal são construídos num processo contínuo de interlocução entre sujeito que produz
discurso e sujeito que lê/escuta. Diante disso, a língua não é homogênea, uma vez que
o sujeito – produtor ou leitor/ ouvinte – não é fonte única do sentido, mas compartilha
seu espaço discursivo com o outro. Os processos que a constituem são eminentemente
histórico-sociais. Ela não pode, portanto, ser estudada fora da sociedade e de suas
condições de produção; b. ideológica, porque veicula, inevitavelmente, valores que
regulam as relações sociais; c. plurivalente, porque revela diferentes formas de
significar a realidade, segundo a perspectiva dos diferentes sujeitos que a empregam;
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 177

d. dialógica, porque todo enunciado, por sua natureza, relaciona-se com os produzidos
anteriormente e orienta-se para outros que serão formulados como réplica desse (São
Paulo, 2017, p. 67, grifos nossos).

É sugerido o trabalho com os multiletramentos, entendidos como fundamentais


para a efetiva participação dos estudantes nas práticas sociais de linguagem
contemporâneas envolvida no conceito de interculturalidade. O currículo aborda o
conceito de multiletramento na perspectiva do desenvolvimento de estratégias que
orientem estudantes a perceberem que textos podem ser “constituídos por diferentes
modalidades ou modos de uso de linguagem” (São Paulo, 2017, p. 75) bem como por
vários sistemas semióticos.
Os conteúdos estão organizados em anos e ciclos, seguindo o princípio da
colaboração e progressão dos objetivos de aprendizagem, que estão baseados nos
seguintes critérios: conteúdo (capacidades, comportamentos e procedimentos), nível de
autonomia do sujeito que aprende e interage com a língua e nível de complexidade do
conteúdo em foco, considerando práticas sociais, gêneros e textos.
A concepção de alfabetização apresentada no documento compreende o processo
como discursivo no qual a unidade linguística seja o “texto efetivo, que se realiza em
práticas sociais” (São Paulo, 2017, p. 69). Isso porque se parte da premissa de que o
estudante possui um repertório de vivências sociais nas quais a linguagem assume
diversas materialidades, como “conversas familiares e exibições de filmes” (São Paulo,
2017, p. 69).
A perspectiva dialógica, que considera a linguagem como constitutiva dos sujeitos
ao mesmo tempo em que é constituída por eles, aparece ao longo do instrumento
curricular. Como a concepção de formação colocada para o estudante é a cidadã, é
preciso que as práticas sociais sejam objeto de estudo na escola. Essa é a diretriz que
adotamos em todas as ações que envolvem o fazer docente e verificamos que contribui
com o engajamento dos estudantes, pois se apresentam como sujeitos a partir de seu
espaço físico e social tal qual propõe Orlandi (2001).
O percurso curricular sugere o trabalho com o conceito de gêneros do discurso que
encontramos em Bakhtin (2011) no famoso texto “Os gêneros do discurso”. De acordo
com o filósofo da linguagem, os gêneros se caracterizam por três elementos
fundamentais: a) conteúdo temático, b) organização composicional, c) estilo.
O texto, entendido como a materialização do discurso, é composto por enunciados,
que para Bakhtin (2011) apresentam algumas peculiaridades. A primeira é que o
enunciado, como unidade de comunicação discursiva, apresenta alternância de sujeitos;
a segunda está relacionada à conclusibilidade, aspecto interno da alternância entre
sujeitos, ou seja, a possibilidade de se assumir uma posição responsiva, definida como
“impressão artístico-ideológica e avaliação” (Bakhtin, 2011, p. 288).
Esse caráter responsivo do discurso pressupõe um sujeito que, de acordo com o
documento, se orientará pela experiência comunicativa, a qual é constituída pelo
conjunto de conhecimentos construídos nas situações de interação verbal das quais
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 178

participou. Isso significa que o conhecimento que as pessoas possuem dos gêneros está
relacionado às vivências que construíram. Por isso, o trabalho da escola dever ser:

ensinar a organizar textos nos gêneros que os estudantes ainda não têm muita
proficiência. Em uma escola que tenha como finalidade a formação de cidadãos
efetivamente participativos, entende-se que ela deverá priorizar os gêneros que
circulam nas instâncias públicas de linguagem e não nas instâncias privadas. Para
tanto, as práticas educativas devem possibilitar que o estudante participe de práticas
sociais de linguagem que se realizem – também – para além do espaço escolar,
ampliando-o (São Paulo, 2017, p. 71).

Essa perspectiva adotada pelo currículo, a qual indica com prioridade o trabalho
com os gêneros que circulam nas instâncias públicas em detrimento da privada, afasta
do cotidiano escolar o processo de construção da subjetividade do estudante na medida
em que diminui o trabalho com textos da esfera literária. Ajudar o estudante a construir
sua cidadania passa pela consciência da construção da própria identidade e esse
processo vai além dos gêneros que circulam na esfera pública. Por isso, é importante
não hierarquizar os gêneros da esfera pública em detrimento da privada, e sim
desenvolver um trabalho de articulação entre eles.
O texto é, para o instrumento curricular, a unidade linguística fundamental do
trabalho com a linguagem verbal porque constitui a materialidade do discurso. Os
enunciados constituem os textos e estes são determinados pelas características do
contexto de produção no qual se realizam.

Isso significa dizer que todo discurso é elaborado por um produtor, que assume
determinado papel social naquela enunciação (pai, professor, representante dos
empregados, sindicalista etc.), papel esse que define a perspectiva da qual o
assunto/tema será visto. Além disso, todo enunciado é orientado por determinadas
finalidades e pelas representações que o produtor tem a respeito de quem é o seu
interlocutor. Todo discurso também é orientado para ser publicado em determinado
portador e lugar de circulação. E, para finalizar, todo discurso é organizado em um
gênero, que possui características específicas, mencionadas e exemplificadas acima
(São Paulo, 2017. p. 71).

A relação entre linguagem oral e linguagem escrita é apresentada como uma


relação de imbricação. Isso acontece, de acordo com a diretriz municipal, porque o
estudo dessas modalidades de aprendizagem da linguagem verbal não é lido mais com
base na relação de oposição entre elas. Para o currículo, o discurso oral “pode ser
caracterizado como aquele que está sendo produzido oralmente, aquele que está sendo
realizado no mesmo instante em que está se tornando conhecido pelo interlocutor” (São
Paulo, 2017, p. 73). O trabalho com textos orais a ser efetivado na escola deve ser com
gêneros que se realizam nas instâncias públicas de linguagem.
Considerando as características que constituem o discurso oral, não é considerado
trabalho com oralidade a oralização de um texto escrito, já que ele não está sendo
produzido e realizado no mesmo instante em que está se tornando conhecido do
interlocutor. O documento apresenta uma seção apenas para apresentar essa distinção.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 179

Seja na linguagem oral ou na escrita, o conceito de variedade aparece como forma


de valorizar a diversidade linguística que constitui os falares do nosso país. O currículo
justifica o uso do termo variedade no lugar de variante como forma de não valorizar um
falar em detrimento do outro. Sugere também o trabalho com o conceito de preconceito
linguístico que, de acordo com ele, é uma maneira de combatê-lo.
A variedade também é um conceito explorado na multimodalidade relacionada aos
multiletramentos que precisam ser desenvolvidos na escola. O documento, a princípio,
explora o conceito de multimodalidade apresentando a diferença entre textos impressos
e textos digitais; sem deixar de mencionar que a multimodalidade, ou seja, que a
articulação entre as diferentes linguagens que constroem sentidos no texto, não se limita
aos textos digitais.
Os objetivos de aprendizagem, organizados nos quatro eixos mencionados, foram
desenvolvidos, não com base na BNCC, e sim a partir dos documentos “Direitos de
Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Língua Portuguesa (2016);
Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e
Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (2012) e Diretrizes Curriculares Nacionais
(2013)” (São Paulo, 2017, p. 77).
Na seção “Ensinar e Aprender Língua Portuguesa no Ensino Fundamental” os
processos de ensino e aprendizagem são apresentados como indissociáveis e em
constante diálogo. Isso significa que o professor precisa ter conhecimento do que o
estudante sabe para selecionar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento mais
adequados para o período de planejamento. De acordo com o que é posto, é preciso que
“os estudantes tenham bons problemas a resolver, de modo a colocar em jogo tudo o
que sabem e pensam sobre o conteúdo ensinado e, por outro, que a organização da
tarefa, pelo professor, permita o máximo de circulação de informação possível” (São
Paulo, 2017, p. 79).
Os movimentos de aprendizagem relacionados aos objetivos colocados no
currículo estão relacionados a processos que valorizem o coletivo. As tarefas devem
considerar não só a relação que os estudantes estabelecem com o objeto de
conhecimento como também com os parceiros mais experientes, em cooperação. “Essa
cooperação contribui para a criação da zona proximal de desenvolvimento, instaurando-
se, assim, a possibilidade de que esse estudante avance, tornando-se autônomo para a
realização de tarefas que não conseguiria realizar anteriormente” (São Paulo, 2017, p.
80).
A sala de aula precisa ser organizada a partir de um movimento que integre: a)
situações de trabalho coletivo, b) situações de trabalho em duplas/grupo, situações de
trabalho autônomo em um movimento espiral, não linear, que parte do coletivo para o
autônomo (São Paulo, 2017, p. 80). E assim consecutivamente, como em camadas de
cebolas, retomando movimentos como forma de aprofundar conhecimentos no
movimento de aproximações sucessivas nos anos e ciclos.
Os conteúdos temáticos no Currículo de Língua Portuguesa estão organizados com
o entendimento de que
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 180

A compreensão mais aprofundada do real vivido requer um distanciamento do


estudante do seu cotidiano, de tal forma que, ao distanciar-se, pode torná-lo observável
e tomá-lo como objeto de reflexão. Esse procedimento, por um lado, colabora para a
constituição da identidade do estudante de uma maneira mais reflexiva, uma vez que
ele pode enxergar-se como sujeito capaz de produzir conhecimento nesse processo
(São Paulo, 2017, p. 82).

Essa compreensão do real vivido pode se relacionar com o que disse Freire no
célebre texto “Papel da Educação na Humanização”

A possiblidade de admirar o mundo implica em estar não apenas nele, mas com ele;
consiste em estar aberto ao mundo, captá-lo e compreendê-lo; é atuar de acordo com
suas finalidades a fim de transformá-lo. Não é simplesmente responder a estímulos,
porém algo mais: é responder a desafios (Freire, 1997, p. 10).

O trabalho com a interculturalidade pode ser uma maneira de responder a desafios.


Para a ferramenta curricular, “a interculturalidade é uma abordagem com a língua e a
linguagem que, tendo o texto como unidade de análise, busca relacioná-lo em toda a sua
multissemiose” (São Paulo, 2017, p. 83). E explica que multissemiose “são modos de
significado que contemplam diferentes linguagens”.
Para o documento, “o acesso, pela leitura, à diversidade de culturas contribui para
ampliação da visão dos estudantes sobre as especificidades da vida de diferentes
pessoas e, além disso, fortalece uma educação permanente orientada pelo respeito à
pluralidade. (São Paulo, 2017, p. 83). E finaliza, com a orientação de que “a escola
precisa se preocupar em ajudar no processo de desconstrução de hierarquizações e
juízos de valor que perpetuam desigualdades construídas historicamente.”
Na seção “Relações de Consumo e Sustentabilidade”, o documento orienta para
que o trabalho em sala de aula guie o estudante para uma atitude reflexiva que o conduza
a um consumo consciente, entendido como “consumir com consciência de seu impacto
e voltar às ações de consumo e sustentabilidade. Tal ação implica a economia de
recursos, a busca por produtos e serviços sustentáveis, a utilização dos bens até o fim
de sua vida útil e a reciclagem dos materiais” (São Paulo, 2017, p. 84).
Como já foi dito, o Currículo de Língua Portuguesa está dividido em quatro eixos
organizadores: a) Prática de Leitura de Textos; b) Prática de Produção de Textos
Escritos; c) Prática de Escuta e Produção de Textos Orais; d) Prática de Análise
Linguística, que partem do princípio de que a linguagem verbal é uma prática social que
constitui esses eixos e justifica essa escolha:

Ao indicar as práticas como eixos do currículo, a intenção fundamental é, por um lado,


tratar o objeto de ensino na escola conservando a sua característica fundamental, a de
prática social, que tem existência dentro e fora da escola, adquirindo características
específicas de acordo com a esfera e a situação comunicativa na qual se realiza (São
Paulo, 2017, p. 85).

Essa justificativa se relaciona, de acordo com o documento, com o fato de os


conteúdos discursivos, pragmáticos e textuais serem trabalhados em caráter principal
em relação aos conteúdos gramaticais e notacionais. O documento descreve o
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 181

tratamento que dá a cada um desses conceitos no subitem “Aspectos relativos às


características específicas da língua e da linguagem”:

a) conhecimentos pragmáticos: relativos às características das situações


comunicativas (um sarau, por exemplo, que é um evento comunicativo no qual circulam
diversos gêneros, inclusive, de diversas linguagens: poemas, contos, causos, músicas,
entre outros; uma mostra de trabalhos; uma feira literária; um seminário, entre outros)
e dos impactos que essa situação comunicativa provoca no enunciado; b)
conhecimentos discursivos: relacionados à adequação dos discursos às
especificidades do contexto de produção, incluindo-se, nesse contexto, as
características dos gêneros do discurso (conteúdo temático, organização
composicional e marcas linguísticas); c) conhecimentos textuais: referem-se a todos
os aspectos implicados no estabelecimento de coesão e coerência do texto, como
manutenção da progressão temática, articulação adequada das ideias, utilização de
marcadores temporais e argumentativos, utilização de recursos coesivos adequados,
seleção de informações relevantes para o que se pretende, pontuação, incluindo a
utilização de critérios adequados para paragrafação, entre outros aspectos; d)
conhecimentos gramaticais: relativos à fonologia, morfologia, sintaxe e semântica; e)
conhecimentos notacionais: relacionados à base alfabética do sistema de escrita
(São Paulo, 2017, p. 86, grifos dos autores).

O Currículo da Cidade é o eixo que envolve a produção e revisão de outros


documentos orientadores do trabalho docente. Um desses documentos é o Instrumento
de Acompanhamento Docente3 (IAD), que subsidia a aplicação de atividades
diagnósticas semestrais cujo objetivo é fundamentar o planejamento do professor. O
documento informa que está baseado no Currículo, mas apresenta uma divergência no
entendimento sobre a que aspecto da língua está relacionado o item pontuação, já que
no IAD o item pontuação aparece no em aspectos ortográficos e notacionais e no
Currículo, como citado acima, aparece no item conhecimentos textuais.
A explicação para essa divergência pode ser encontrada no Currículo da Cidade
(2017), no parágrafo seguinte à definição:

É importante salientar que essa classificação tem a finalidade de orientar melhor a


tomada de decisão a respeito de quais aspectos focalizar nas atividades de ensino. Na
realidade, os conhecimentos discursivos incluem todos os demais, assim como os
textuais incorporam os gramaticais e notacionais, num processo de interdependência
inequívoca (São Paulo, 2017, p. 86).

Mesmo que o Currículo indique o caráter englobante dos aspectos discursivos,


acreditamos que é importante que os documentos produzidos a partir dele estejam
alinhados. Já que são, neste caso, critérios de avaliação diferentes propostos pelo IAD,
que é uma avaliação que acontece em toda a rede a cada semestre.

3A primeira versão do documento foi publicada em 2022 e passou por uma revisão em 2023. O documento
orienta os critérios a serem observados pelos professores de Português na aplicação do IAD, avaliação
diagnóstica que está dividida em dois eixos: Prática de Leitura de Textos, dividida em duas etapas: a
primeira consiste na leitura de textos para a localização, inferência e reflexão; a segunda, na leitura em
voz alta. O segundo eixo, Prática de Produção de Textos Escritos, não está relacionado, segundo o
documento, às características específicas do gênero, mas a “aspectos mais gerais que, de alguma forma,
organizam a linguagem escrita” (São Paulo, 2023, p. 12).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 182

O CURRÍCULO DA CIDADE E A QUESTÃO DA AUTORIA

O documento Orientações Didáticas do Currículo da Cidade (2017), no primeiro


volume, retoma a concepção de texto apresentada no Currículo como um espaço de
interlocução. O documento articula elementos apresentados como forma de desdobrar
as orientações dadas. Cabe frisar que ele é colocado como parte constituinte do
Currículo, não como ferramenta complementar, por isso é analisado também nesta
seção, especificamente ao tratamento que dá à questão da autoria.
Algumas modalidades didáticas são apresentadas para o trabalho com as
atividades de produção de texto e a questão da autoria é anunciada no âmbito da
produção escrita:

Figura 3 - Recorte da tabela de atividade de produção de texto

Fonte: São Paulo (2019, p. 33).

Para o documento, a produção de autoria difere das demais apresentadas -


reconto, ditado de texto conhecido ao professor, produção coletiva com escriba, escrita
de texto que se sabe de memória, reescrita de texto, reescrita com modificações,
produção de partes do texto que não se conhece - na medida em que o conteúdo
temático ganha mais complexidade visto que será elaborado pelo estudante, em
conjunto com os demais conteúdos mobilizados.
A autoria, na produção escrita, está atrelada ao tratamento e elaboração que se dá
aos conteúdos temáticos. As Orientações didáticas (2019) declaram que a pesquisa ou
criação de uma trama pode acontecer por meio de dois movimentos: por invenção, nos
textos pertencentes à esfera literária, e por pesquisa e investigação, para textos de
outras esferas.
A diretriz, que permite considerar o texto uma unidade de análise, julga três
atividades fundamentais para a produção de texto: as de escrita (estrito senso, a
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 183

reescrita e a produção de autoria. A primeira está mais estreitamente relacionada ao


Ciclo de Alfabetização e a segunda, a este e aos primeiros anos do Ciclo Interdisciplinar.
A primeira trabalha com textos decorados e a segunda como textos que se conhece a
história sem decorá-la. Em ambas as modalidades, como se pode perceber, o conteúdo
temático está dado. Como o Ciclo que consideramos neste estudo é o Autoral, vamos
nos deter na produção de autoria.
Denomina-se produção de autoria, independente da esfera a qual o texto pertença,
a organização feita pelo estudante de um conteúdo temático, produzido por ele, em um
texto, que deve manter coerência e coesão com o texto-base, no caso da reescrita, por
exemplo. Essa organização se dá por meio da mobilização do repertório construído ao
longo do Ensino Fundamental, já que não se produz linguagem, não se constitui autor
sem se relacionar com autonomia ao conjunto de vozes que constitui o próprio discurso,
pois

o desenvolvimento da relação direta entre leitor e texto é primordial para a conquista


da autoria e, para ser efetivado, implica momentos de protagonismo em relação ao
próprio repertório e criação, ou seja, é preciso criar momentos de maior liberdade para
que educandos construam seus caminhos de leitores e autores (São Paulo, 2016b, p.
70).

Para exemplificar sobre como orientar o trabalho de autoria na sala de aula, o vol.
1 das Orientações Didática dá algumas indicações:

- o contexto de produção: em que gênero vou escrever? (conto de aventura, conto de


assombração, crônica) Com que finalidade e onde meu texto irá circular? (em um livreto
para as famílias; em uma feira cultural por meio da leitura dramática; no mural da
escola). Enfim, as decisões do contexto de produção são definidoras do como irei
escrever; - o conteúdo temático que será tratado (o que depende do gênero do texto
que se produzirá); - a maneira pela qual será tratado esse tema que também está
relacionada ao gênero – se com seriedade, ironia, leveza, poeticidade, humor,
literariedade, dramaticidade, suspense; - qual será o tipo de narrador e a perspectiva
pela qual o tema será tratado, caso seja um texto literário; - que fatos e acontecimentos
constituirão o texto, de que modo serão articulados e em torno de qual eixo serão
organizados (de temporalidade - com ou sem definição do tempo -; de relevância - por
exemplo: em um relato pessoal, começar pelo fato mais importante ocorrido); - qual
será o registro linguístico a ser utilizado (literário, acadêmico, legal/ jurídico, jornalístico,
pessoal, informal mas não íntimo (diário da classe), pessoal e íntimo, informal com
gírias e expressões próprias de determinada rede social, entre outros); - que estilo terá
o texto (conto tradicional mais descritivo ou um conto de artimanha mais direto com
poucas descrições, por exemplo) (São Paulo, 2019, pp. 43-44).

Como é possível observar nas orientações transcritas os aspectos envolvidos no


ato de produzir fazem parte do trabalho de produção de texto escrito em geral, não fazem
referência específica aos elementos que constituem autoria, aos indícios mencionados
por Possenti (2002) que subsidiam a abordagem do Currículo da Cidade. Mesmo o
exemplo de trabalho com produção de autoria apresentado no documento não
desenvolve o conceito de autoria, está mais centrado na produção escrita por meio da
diferenciação das modalidades: por frequentação e para aprofundamento.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 184

O DIÁLOGO ENTRE O CURRÍCULO E O REFERENCIAL TEÓRICO SOBRE AUTORIA


QUE O CONSTITUI

O currículo da cidade (2017), ao apresentar o conceito de autoria, fundamenta-se


em Possenti (2002) para afirmar que as marcas subjetivas deixadas pelos estudantes
em seus textos os caracterizam como autores, premissa que diverge da proposta do
pesquisador. Para ele, “aluno que faz boas redações é um (bom aluno), não um autor”
(Possenti, 2016, p. 234). Justifica seu posicionamento afirmando que é só na escola que
se escrevem redações e alunos que escrevem textos com indícios de autoria
frequentemente os escrevem à margem das atividades escolares.
De acordo com esse tratamento ao conceito, o autor assume que estudantes não
são autores, mas podem produzir textos com indícios de autoria. O Currículo apresenta
dois movimentos: manter distância do que foi dito e dar voz ao outro. Já o texto que o
embasa, declara que os indícios se revelam por meio de quatro movimentos: 1) dar voz
aos outros; 2) incorporar ao texto discursos correntes; 3) manter distância; 4) evitar a
mesmice. Apesar de mencionar textos de estudantes, o autor não os considera em sua
análise, já que são utilizados apenas textos de escritores e um texto de um candidato ao
vestibular.
Em nossa experiência no espaço escolar, acompanhamos a produção de textos
com marcas de autoria a partir de propostas que estimulam os estudantes a mobilizarem
seu repertório em construção. É preciso encorajar o potencial criativo dos estudantes
nas atividades escolares para que os indícios de autoria apareçam não à margem das
atividades escolares, como sugere Possenti (2016), mas durante todo o percurso a que
esse estudante tem direito.
Nesse sentido, a contribuição deste trabalho é aplicar a teoria que embasa o
conceito de autoria no Currículo da Cidade. Essa tarefa é realizada em uma escola da
rede pública municipal de São Paulo, com estudantes do 7º ano, primeiro ano do Ciclo
Autoral, para investigar os desdobramentos da hipótese de Possenti (2002), na medida
em que colabora com o processo formativo dos adolescentes, oferecendo a eles uma
educação pública de qualidade – ação que colabora também com a premissa do
Currículo, que se apresenta como um documento que se atualiza todos os dias nas
diferentes regiões e nos territórios da cidade. Este trabalho visa participar das
“transformações e qualificações a partir das contribuições vindas da prática”, como
sugerem os autores na apresentação do documento.

A CANÇÃO E O CURRÍCULO DA CIDADE

Alimentado pelo princípio da Educação Integral, que não se define pelo tempo de
permanência na escola, e sim pela promoção do desenvolvimento dos estudantes em
todas as suas dimensões (intelectual, física, social e cultural), o documento curricular da
cidade de São Paulo está organizado em três ciclos. Essa organização promove o
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 185

conceito de aprendizagem em espiral, aquela que prevê a revisitação de determinados


conteúdos ao longo do Ensino Fundamental, seja pela sua complexidade ou sua
relevância. “O trabalho da escola e do professor, então, é estudar os objetivos, analisá-
los e, mobilizando os saberes necessários, prever quais atividades podem torná-los
atingíveis” (São Paulo, 2019, p. 21a).
O gênero canção, como objetivo de aprendizagem e desenvolvimento do Currículo
da Cidade de São Paulo, está presente em todos os ciclos de aprendizagem do Ensino
Fundamental da RME: Ciclo de Alfabetização, Ciclo Interdisciplinar e Ciclo Autoral. No
Ciclo Autoral, cujos Objetos de Conhecimento do componente curricular Língua
Portuguesa partem do pressuposto de que a linguagem é um espaço de interlocução
entre sujeitos e que nessa interação os sujeitos deixam marcas subjetivas, o gênero
canção aparece como objeto de estudo de texto multimodal que, de acordo com o
currículo, é aquele em que o sentido do texto é construído pela articulação intrínseca de
linguagens várias. Essa multimodalidade faz da canção uma forma privilegiada de
realização da língua portuguesa e é explorada na proposta de atividades descrita neste
capítulo.

A RETEXTUALIZAÇÃO DA CANÇÃO: PROPOSTA DE PRODUÇÃO DE TEXTO

O conjunto de atividades está organizado em duas etapas. A primeira tem como


ponto de partida a visitação ao Museu da Língua Portuguesa, mais especificamente à
exposição “Essa nossa canção” tendo em vista a concepção de Cidade Educadora 4. A
segunda acontece em sala de aula a partir das reflexões levantadas pelos estudantes
na experiência durante a exposição, na relação que cada estudante estabelece com o
gênero em estudo e nos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do Currículo da
Cidade de São Paulo.
A reflexão sobre a experiência começa com a entrega de um roteiro organizado
pela professora para auxiliar a vivência na exposição. Em sala de aula, após a visitação,
esse roteiro é retomado para a construção de um momento de socialização do repertório
construído no espaço do museu e de que forma ele ecoa em outros espaços. A partir
dessa troca, articula-se o estudo do gênero canção tendo em vista o estudo da canção
“O mar” (1954), de Dorival Caymmi, como exercício de compreensão da multimodalidade
do gênero a serviço da produção de textos narrativos nos quais essa compreensão se
materializa em autoria.
A exposição “Essa nossa canção”, organizada e oferecida pelo Museu da Língua
Portuguesa, coloca como estrela, nas palavras do professor Luiz Tatit, a nossa grande

4 Fundada em 1994, a Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE) é uma entidade sem fins
lucrativos constituída como uma estrutura permanente de cooperação entre governos locais para promover
os ideais de educação inclusiva e focada na pessoa, propostos pela Carta das Cidades Educadoras.
Atualmente, ela possui 491 cidades-membro de 35 países. No Brasil, são 27 cidades educadoras que
integram a Rede Brasileira de Cidades Educadores (Rebrace).
Fonte: https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/educacao-integral/sao-paulo-cidade-educadora/. Acesso
em 14 dez. /2023.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 186

manifestação artística e estética: a canção. O museu da língua constrói uma exposição


sobre o sonoro, no qual as paredes não têm ouvidos, produzem som, canções
conhecidas são interpretadas por artistas diferentes e a nossa profunda relação com o
gênero canção é explorada com muita sensibilidade.
Por esses motivos, o evento integra o conjunto de atividades para o estudo do
gênero e também porque “como a comunicação humana ocorre por meio de enunciados,
que são formulados segundo os princípios de determinados gêneros, todo artista, para
criar, deve apreender a realidade com os olhos de um gênero” (Caretta, 2013, p. 31).
Para produzir um texto narrativo por meio da autoria criativa, o estudante é orientado a
apreender a realidade por meio dos olhos do gênero canção, que estabelece relações
interdialógicas com a esfera do cotidiano.

Esse dialogismo constitutivo da canção popular compreendemos como uma


amplificação dos gêneros primários por meio do sincretismo com a música,
fundamentalmente a melodia. O refinamento do artesanato de relacionar a letra e a
melodia para transformar um gênero oral em canção possibilitou aos compositores
explorar a fonte inesgotável do plurilinguismo ao falarem de casos corriqueiros, fatos
cotidianos e assuntos diversos, como futebol e política, além do amor (Caretta, 2013,
p. 201).

A esses casos corriqueiros, acrescentamos a tragédia, e como ela constitui um fato


cotidiano estruturante da sociedade brasileira. Ao abordar a morte de um trabalhador no
exercício de sua profissão, a canção em análise amplifica assuntos diversos que fazem
parte de fatos cotidianos e os elevam ao patamar de uma obra artística por meio da
melodia. A canção, como toda a arte, nesse sentido, deve promover no sujeito estudante
a reflexão sobre a própria realidade como forma de estimulá-lo a desenvolver
ferramentas que possam ajudá-lo a problematizá-la como também a transformá-la.
O gênero canção faz parte explicitamente de todos os Ciclos que compõem o
Currículo da Cidade. No Ciclo Autoral, integra o eixo “Prática de Leitura de textos” do
Objeto de Conhecimento “Capacidade de apreciação e réplica do leitor em relação ao
texto” por meio do objetivo de aprendizagem e desenvolvimento “(EF07LP02) Ler letras
de canções - enquanto a escutam e depois disso - de modo a identificar a sua
multimodalidade (letra e melodia) e de forma a reconhecer a relação entre as duas
linguagens (letra e melodia) na constituição do sentido” (São Paulo, 2017, p. 149,
grifos dos autores). Como o tipo narrativo está a serviço da produção escrita que a
atividade convida, selecionamos também o objetivo de aprendizagem e
desenvolvimento5

(EF07LP14) Reescrever textos, considerando uma modificação determinada (de


narrador onisciente para narrador personagem, de espaço ou tempo da narrativa, entre
outras possibilidades) no gênero em estudo, respeitando a progressão temática, e

5 Este objetivo de aprendizagem e desenvolvimento faz parte do “Eixo: Prática de produção de textos
escritos” do Currículo da Cidade por meio do Objeto de conhecimento “Capacidades de elaboração de
textos organizados em gêneros da ordem do narrar”.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 187

os conteúdos do texto-fonte, além de realizar as diferentes operações de produção


de textos (São Paulo, 2017, p. 152, grifos dos autores).

Para essa produção, que é realizada após o trabalho com a canção indicada, os
estudantes são orientados a se atentarem aos vazios naturais do texto indicados por
Antunes (2009), tendo em vista que um texto narrativo produzido a partir de uma canção
não dispõe da melodia para a construção de sentidos. Considerando também o
dialogismo de Bakhtin (2011), que fundamenta o currículo, cabe ressaltar que todo
enunciado se relaciona com o que foi produzido antes, ou para reproduzir, em uma nova
situação comunicativa por outros sujeitos, ou para refutar. O pressuposto do currículo,
de que a unidade linguística de base deve ser o texto, dialoga com Geraldi (2001), que
afirma que

O texto (oral ou escrito) é precisamente o lugar das correlações: construído


materialmente com palavras (que portam significados), organiza estas palavras em
unidades maiores para construir informação cujo sentido/orientação somente é
compreensível na unidade global do texto. Este, por seu turno, dialoga com outros
textos sem os quais não existiria. Este continuum de textos que se relacionam entre si,
pelos mesmos temas de que tratam, pelos diferentes pontos de vista que os orientam,
pela coexistência numa mesma sociedade, constitui nossa herança cultural (Geraldi,
2001, p. 22).

Esse diálogo entre textos potencializado pela intertextualidade inerente à atividade


de retextualização também é interdiscursivo, já que o objetivo é que os estudantes
retextualizem a canção em um texto narrativo em prosa assumindo o lugar de uma das
personagens. A proposta fomenta a revisão do foco narrativo e permite espaço para a
expressão da criatividade por meio da representação de encaminhamentos de ações e
afetos das personagens da canção. Entendemos que o processo de retextualização

envolve a produção de um novo texto a partir de um ou mais textos-base, o que significa


que o sujeito trabalha sobre as estratégias linguísticas, textuais e discursivas
identificadas no texto-base para, então, projetá-las tendo em vista uma nova situação
de interação, portanto um novo enquadre e um novo quadro de referência. A atividade
de retextualização envolve, dessa perspectiva, tanto relações entre gêneros e textos –
o fenômeno da intertextualidade – quanto relações entre discursos – a
interdiscursividade (Matencio, 2003, p. 3-4).

A retextualização, como estratégia de produção de texto escrito, valoriza a


intertextualidade e interdiscursividade, além de privilegiar um espaço de criatividade por
meio dos movimentos de dar voz ao outro e manter distância do mesmo texto. Esses
movimentos, indicados por Possenti (2002), são validados pelo Currículo da Cidade, que
os denomina marcas subjetivas. Para o currículo,

Aprender a ser autor, no ciclo, sugere que esses estudantes sejam expostos a
interações cuja linguagem se faça presente, quer seja dando voz ao outro ou mantendo
a distância daquilo que foi dito, o que cria um espaço de constituição de sua própria
identidade, de sua própria voz. Após esse processo de interlocução e alteridade,
entende-se que eles conseguem produzir enunciados que lhes são próprios, embora
reflitam – como é típico da dialogicidade da linguagem – o discurso de outrem (São
Paulo, 2017, p. 143).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 188

Na primeira aula, a professora escreve na lousa a palavra “mar” questionando os


estudantes sobre os significados que ela possui para cada um deles. Esse exercício
valoriza o caráter dialógico da língua, já que

Um membro de um grupo falante nunca encontra previamente a palavra como uma


palavra neutra da língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada
das vozes dos outros. Absolutamente. A palavra ele recebe da voz de outro e repleta
de vozes de outro. No contexto dele, a palavra deriva de outro contexto, é impregnada
de elucidações de outros. O próprio pensamento dele já encontra a palavra povoada
(Bakhtin, 2005, p. 203).

Ao estimular o compartilhamento de sentidos que povoam a palavra “mar” no


repertório dos estudantes, o exercício permite a eles assumir posicionamentos
discursivos e delimitar fronteiras para singularizar-se, como indica Caretta (2013).
Quem se sente confortável para compartilhar em voz alta tem essa oportunidade,
os demais devem escrever os sentidos em um papel adesivo azul, organizado pela
professora em um mural de forma a construir ondas. A aula é finalizada com a leitura de
um trecho da obra “Para ler em silêncio” (2007), de Bartolomeu Campos de Queirós.
Nesse trecho, a polissemia da palavra “mar” é tematizada e ele compõe o painel criado
com as ondas de papéis azuis nas quais os estudantes refletem sobre o fato de os
sentidos que constroem para as palavras estarem relacionados às experiências que têm
no mundo.
Na segunda aula, cada estudante recebe uma cópia com a letra da canção “O mar”
para acompanhar a melodia. Após a apreciação de letra e melodia, os estudantes são
convidados a refletir sobre os sentidos que a palavra “mar” constrói na canção a partir
da relação entre letra e melodia. Os estudantes são questionados sobre o que mais lhes
chama a atenção e o porquê; e se a palavra mar, depois de ouvirem a canção, tem o
mesmo significado para eles.
Após a partilha de impressões, hipóteses são levantadas pela professora sobre o
significado que essa palavra pode ter para cada personagem da letra da canção. Como
finalização da aula, que tem como objetivo trabalhar a polissemia da palavra dentro da
canção e no repertório dos estudantes, o registro dessa troca é solicitado e a professora
faz a leitura do livro “O mar”, de Jairo Buitrago e Alejandra Estrada (2022), no qual a
palavra “mar” assume sentidos outros, a partir da premissa de que ele é uma linha e essa
linha se transforma em elementos diversos.
As aulas três e quatro partem da análise de aspectos estruturais da canção, mais
especificamente do estudo do tempo gramatical e aspecto verbal como forma de
alimentar a estruturação do texto narrativo. O objetivo dessa atividade não é identificar
nomenclaturas e/ou classificações, e sim investigar a construção de sentidos que uso do
aspecto verbal produz na narrativa cantada.
As três primeiras estrofes são projetadas para que os estudantes analisem
coletivamente, com a mediação da professora, o cenário onde ocorrem as ações. Nelas
os verbos estão empregados no presente do indicativo e o aspecto duradouro dessas
ações é problematizado como forma de levar os estudantes a refletir sobre os
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 189

desdobramentos nas estrofes seguintes. Por exemplo, o mar é sempre bonito? Por que
só quando quebra na praia? O que pode significar o pescador não saber se fica? Ficar
onde? É sugerido aos estudantes que façam anotações no próprio papel contendo a letra
da canção. Essa parte pode ser realizada em dupla tendo em vista que “a construção da
autonomia do sujeito, em determinada prática de linguagem, começa por fazer o trabalho
coletivamente com o apoio do professor, depois em grupos/duplas para, finalmente,
realizar com autonomia. (São Paulo, 2019, p. 90)”.
A sequência das atividades segue o percurso sugerido pelo currículo. O debate
sobre os sentidos da palavra “mar” na canção começa com uma conversa, mediada pela
professora, envolvendo a turma inteira; o estudo dos elementos estruturais, como tempo
verbal e aspecto gramatical, pode ser feito em duplas, e a produção de texto é, por fim,
realizada de forma autônoma, seguida de uma revisão em duplas.
Na aula cinco, as demais estrofes que compõem a canção são apresentadas como
forma de analisar o aspecto permanente e pontual do passado. Para isso, algumas
questões são apresentadas para serem discutidas oralmente. Que palavras indicam as
ações da rotina de Pedro? Por quê? Que palavras mostram que a rotina mudou? Por
quê? Mostrar trecho sem e com verbos destacados e perguntar se os estudantes sabem
qual a função dessas palavras e qual a contribuição delas na construção de sentidos da
letra. O objetivo é levar os estudantes a refletirem sobre a relação entre letra e melodia
para perceberem os momentos de ação e estado dentro da narrativa.
O propósito das questões de análise sobre a função e o sentido dos verbos dentro
do contexto da canção analisada é verificar se os estudantes conseguem reconhecer o
verbo enquanto palavra que denota tempo na ação tal qual previsto no objetivo de
aprendizagem e desenvolvimento “(EF06LP30) Analisar o papel da manutenção do
tempo verbal predominante e da articulação entre os tempos verbais do texto no
estabelecimento da coesão” (São Paulo, 2017, p. 140, grifos dos autores). Esse é um
dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do Ciclo Interdisciplinar, por isso a
atividade tem por objetivo verificar se a aprendizagem foi consolidada. Cabe ressaltar
que as aprendizagens nos ciclos da RME de São Paulo devem acontecer em um
movimento espiral, e essa atividade amplia o saber relacionado ao objetivo uma vez que
leva os estudantes a reconhecerem a diferença entre tempo gramatical e aspecto verbal,
elemento não previsto no Currículo da Cidade.
Na aula seis, há a retomada das discussões realizadas com foco na sequência
narrativa presente na canção. No primeiro período da canção, onde se lê: “O mar,
quando quebra na praia, é bonito”, retoma-se o questionamento se o mar, de acordo com
o período, se é sempre bonito ou só quando quebra na praia e de que forma é possível
associar essa ideia de beleza à relação que as personagens da canção têm com o mar;
também é questionado se a leitura que fizeram dessa beleza foi a mesma no início e no
final da canção. Então, os estudantes são orientados a destacar a palavra responsável
por indicar a continuidade da beleza do mar no período com o objetivo de verificar se
conseguem reconhecer o verbo ser.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 190

Na segunda estrofe, ainda acompanhada da voz grave do intérprete, como em um


tom fúnebre, tendo em vista o desfecho da canção, lê-se: “O mar/Pescador quando sai
nunca sabe se volta/Nem sabe se fica/Quanta gente perdeu seus maridos, seus
filhos/Nas ondas do mar”. O mar ocupa o primeiro verso como forma de mostrar o tópico
sobre o qual a estrofe é desenvolvida, oferecendo características acerca do contexto.
Nesta estrofe, os estudantes são orientados a identificar em que tempo gramatical os
verbos “sai”, “volta” e “fica” estão empregados, no sentido de destacar que o presente
indica um aspecto de tempo inacabado neste contexto, pois a estrofe introduz a cena
narrativa por meio da caracterização e contextualização do espaço.
O verbo “perdeu” no verso “Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos/ Nas
ondas do mar” introduz o pretérito perfeito na canção e o aspecto conclusivo. De acordo
com Cunha e Cintra (2008), “o aspecto conclusivo ou terminativo expressa um processo
observado em sua fase final” (Cunha; Cintra, 2008, p. 397). Nesse momento, é possível
reforçar com os estudantes que a distribuição dos eventos na linha do tempo gramatical
é a análise do aspecto verbal. Esse conceito é definido pelos autores como

uma categoria gramatical que manifesta o ponto de vista do qual o locutor considera a
ação expressa pelo verbo. Pode ele considerá-la como concluída, isto é, observada no
seu término, no seu resultado; ou pode considerá-la como não concluída, ou seja,
observada na sua duração, na sua repetição (Cunha; Cintra, 2008, p. 396).

Considerando o aspecto conclusivo indicado pelo verbo “perder”, é possível inferir


que a narrativa está introduzida no contexto de tanta gente que perdeu seus maridos e
filhos nas ondas do mar. Essa grande extensão de água salgada, eixo temático para a
produção de texto mote desta atividade, tem sua beleza enfatizada mesmo diante de
inúmeras perdas de familiares e entes queridos. Debater essas contradições é, para o
Currículo da Cidade, fundamental, já que os conteúdos temáticos apresentados nos
diversos gêneros trabalhados devem apresentar

possibilidades de reflexão sobre assuntos da contemporaneidade (como as diferentes


constelações familiares possíveis, as características de diferentes culturas e a sua
contribuição para a vida das pessoas, os diferentes preconceitos e as relações sociais,
a diversidade de etnias, de interesses, de tipos físicos e a constituição da sociedade;
as relações de consumo e a sustentabilidade, o uso de equipamentos eletrônicos, a
presença das redes sociais no cotidiano, entre outros) e, ainda, sobre questões afetivo-
emocionais típicas das diferentes idades (como a perda de entes queridos, as relações
sociais e a alteridade, medos infantis e adolescentes, o papel das relações com o
grupo, entre outros) (São Paulo, 2017, p. 172).

Na próxima estrofe, há uma mudança de entoação, uma alteração poética nas


características rítmico-melódicas que institui uma contraposição aos versos
predominantemente descritivos anteriormente apresentados. Isso se dá devido à rotina
do pescador Pedro, que é introduzida assim: “Pedro vivia da pesca/ Saía no barco/ Seis
horas da tarde/Só vinha na hora do sol raiar”. Como exercício de leitura e compreensão
da letra, sugerimos o trabalho com algumas perguntas: Que palavras indicam as ações
da rotina de Pedro? Por quê? Em que tempo gramatical estão? Qual a relação entre o
conteúdo da letra e o ritmo da melodia? Também propomos a reflexão sobre a relação
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 191

entre letra e melodia para a construção de sentidos da canção embasadas no


entendimento que

Na canção popular, a melodia e a letra interferem estreitamente uma sobre a outra.


Existem elementos na letra, especialmente sua qualidade narrativa ou lírica que
conduzem a diferentes tipos de melodia; existem particularidades na melodia,
especialmente seu contorno melódico e tipos de intervalos empregados que marcam o
caráter da canção. Este complexo envolvendo entonação, acento, melodia, ritmo e
práticas interpretativas específicas, no que chamo de prosódia musical, irão influenciar
o significado da canção (Ulhôa, 2016, p. 434).

A estrofe continua: “Todos gostavam de Pedro/E mais de que todos Rosinha de


Chica/A mais bonitinha/ E mais bem feitinha/De todas as mocinha lá do arraiá” na qual é
possível obter mais informações sobre a personagem Pedro, que é caracterizada como
alguém querido no arraial. Aparece então Rosinha, que é descrita e anunciada como a
mais bonita do arraial e é apaixonada por Pedro. Vale destacar o aspecto durativo do
verbo gostar, e pedir que os estudantes levantem hipóteses sobre esse amor ser
correspondido ou não. É uma possibilidade de debate.
Na sexta estrofe: “Pedro saiu no seu barco/Seis horas da tarde/Passou toda a
noite/Não veio na hora do sol raiar”, o aspecto conclusivo sugerido pelos verbos no
pretérito perfeito na segunda estrofe é retomado. Uma proposta de análise seria a
apresentação da nomenclatura do tempo gramatical pretérito perfeito e imperfeito por
meio da abordagem linguística do aspecto verbal sugerida por Amaral 6 (2022), que,
fundamentada dos trabalhos de Guedes (2019), adota três parâmetros para o estudo do
aspecto verbal: momento de referência (MRef), momento de evento (MEv) e momento
de fala (MFal). Assim conceituados:

O (MRef) é o intervalo sobre o qual a asserção é feita, ou seja, pode ser estabelecido
tanto pela sentença como contextualmente. O (MEv), por sua vez, é o intervalo em que
a situação descrita pelo predicado ocorre. E, por fim, o (MFal) é o instante em que o
falante se pronuncia (Amaral, 2022, p. 248).

A sétima estrofe “Deram com o corpo de Pedro/Jogado na praia/ Roído de


peixe/Sem barco, sem nada/Num canto bem longe lá do arraiá” apresenta o destino da
personagem Pedro depois da quebra de sua rotina indicada na estrofe anterior. É
possível perguntar aos estudantes qual palavra indica que o corpo de Pedro foi
encontrado. Esse questionamento pode levá-los a inferir que a indeterminação do sujeito
do verbo “dar” indica o caráter comum da morte de pescadores introduzida na segunda
estrofe, além de ressaltar o valor semântico do particípio nas formas: jogado e roído, que
evidenciam os traços definitivos de seu estado nesse momento da narrativa. A
indeterminação do sujeito também pode servir de base para discutir a imprevisibilidade
da vida, caso seja pertinente aprofundar o debate.

6 Texto que faz parte da publicação “A gramática e a linguística em sala de aula”, obra organizada pelo
grupo de estudos com mesmo nome, composto por pesquisadores da USP e que oferece formações para
professores com o objetivo de estabelecer diálogo entre escola e academia.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 192

A penúltima estrofe: “Pobre Rosinha de Chica/ Que era bonita/ Agora parece que
endoideceu/ Vive na beira da praia/ Olhando pras ondas/ Andando, rondando/ Dizendo
baixinho: morreu, morreu,/ Morreu, ó” é possível perguntar aos estudantes: que palavra
indica o estado provisório da beleza de Rosinha? Que palavra indica o aspecto aparente
da loucura de Rosinha? Em que tempo esses verbos estão? Que ações sugerem um
comportamento de Rosinha associado à loucura? Em que tempo estão? Essas
perguntas podem subsidiar o trabalho com a percepção do aspecto verbal.
Cabe destacar que em todo o Ciclo Interdisciplinar exercícios com os “verbos de
dizer” em textos narrativos são trabalhados em diferentes momentos. Mesmo assim
muitos estudantes apresentam dificuldades ao diferenciar discurso direto de discurso
indireto nos anos finais do Ensino Fundamental. Nessa estrofe, é possível propor um
momento de aprofundamento desse conteúdo e pedir a eles que identifiquem o verbo
dicendi, conteúdo contemplado no objetivo de aprendizagem e desenvolvimento

(EF07LP30) Reconhecer e utilizar as diferentes maneiras de se introduzir o


discurso de outrem em textos da ordem do narrar (discurso direto e indireto, uso de
diferentes modos e sinais de pontuação, localização do verbo dicendi no enunciado
etc.), analisando os efeitos de sentidos que são produzidos pelo uso dos diferentes
recursos)” (São Paulo, 2017, p. 154, grifos dos autores).

Identificar o verbo que introduz a fala de Rosinha pode encaminhar a conversa para
uma reflexão sobre o único momento da canção em que o narrador abre espaço para a
fala de uma personagem. É possível debater este aspecto atrelado à maneira como a
narrativa da letra se relaciona à melodia para explorar a produção de sentidos fomentada
pela multimodalidade do gênero canção no momento de luto da personagem, que é
quando ela tem voz.
Nas aulas sete e oito, há uma discussão sobre a proposta de produção de texto
narrativo a partir da canção estudada. A conversa tem como ponto de partida a seguinte
questão-problema: se você tivesse que contar a história a partir do ponto de vista de uma
das personagens da canção, qual você escolheria? Por quê? Após o diálogo, os
estudantes são orientados a produzir a primeira versão do texto, que tem como proposta
a retextualização da canção “O mar” em texto narrativo em primeira pessoa sob a
perspectiva de um dos personagens: Dona Chica, Rosinha ou Pedro.
Essa proposta valoriza a polissemia, uma vez que o conteúdo temático não está
dado, já que os estudantes vão refletir sobre como os temas são abordados na canção
para então decidir sobre a roupagem que receberão no texto retextualizado, tal qual
afirma Caretta (2013, p. 23): “A maneira como cada gênero seleciona os elementos da
realidade e a profundidade com que os trata constituem o seu conteúdo temático,
elemento indissoluvelmente ligado ao estilo e à forma composicional na constituição do
gênero”.
Na aula nove há uma acomodação de conteúdo, tendo em vista que alguns
estudantes podem não ter conseguido concluir a narrativa. Para os estudantes que já
concluíram, é sugerida uma leitura compartilhada por meio da qual seja possível a leitura
de textos uns dos outros. Essa releitura é uma rica oportunidade de problematizar que
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 193

“Toda canção possui uma letra e toda letra apresenta uma situação de locução, em que
alguém está falando algo para alguém, pois a canção não pode prescindir do seu ato de
fala original” (Caretta, 2013, p. 104) para que os estudantes reflitam sobre a posição
enunciativa do narrador que escolheram para produzir a narrativa que construíram a
partir de uma da canção “O mar”.
Na aula dez, há a devolutiva dos textos para os estudantes. A revisão feita por eles
e a digitação na plataforma Book creator é realizada nas aulas dez e onze. Essa revisão
acontece durante o processo de digitação pelos estudantes, que ocorre em duplas no
Laboratório de Educação Digital (LED). Tendo em vista as ferramentas da plataforma,
os estudantes têm a oportunidade de acompanhar o processo de digitação e revisão de
outros colegas além da dupla, porque a plataforma permite que as alterações sejam
vistas em tempo real. A capa da publicação é produzida pelos estudantes que se
oferecerem e há uma votação caso haja muitos candidatos interessados em
confeccioná-la. O texto de apresentação, a dedicatória e a edição ficam a cargo da
professora pesquisadora.
Por fim, há a publicação do livro com os textos dos estudantes por meio de QR
code. Essa publicação é acompanhada da retomada do estudo do gênero canção para
a produção de textos narrativos autorais. Proposta que considera essas produções uma
materialização do modo de dizer de cada estudante autor (a) no exercício de sua
singularidade, atentando ao dialogismo que a letra estabelece com a melodia na canção
e esta com a prosódia na nossa fala cotidiana, como propõe Tatit ao afirmar que “Embora
faça parte de uma concepção musical, a melodia de canção jamais deixa de ser também
um modo de dizer e, nesse sentido, identifica-se com a prosódia que acompanha nossa
fala cotidiana” (Tatit; Lopes, 2008, pp. 16-17).
A divulgação desse material dentro do espaço escolar ocorre durante a Mostra
Cultural, evento organizado por nossa escola todos os anos com o objetivo de
compartilhar com a comunidade os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes em todas
as disciplinas ao longo do ano. Nas aulas de Língua Portuguesa, a divulgação dos textos
que compõem o livro ocorre por meio da contação de histórias de quem se sentir à
vontade para fazê-lo, atividade que está inserida no objetivo de aprendizagem e
desenvolvimento7

(EF07LP19) Participar de contação de histórias de diferentes culturas, tanto


organizando a situação comunicativa (decidir que histórias serão contadas, quem
contará, para quem, como quem apresentará etc.) quanto contando e ouvindo com
atenção (São Paulo, 2017, p. 153, grifos dos autores).

Essa contação relaciona-se com premissa de que as atividades de análise


linguística que “implicam a reflexão sobre os usos da linguagem e sobre a própria
linguagem” devem “criar um espaço de sensibilização e percepção de recursos
expressivos utilizados pelos autores dos textos para dizer o que pretendem, quer esses

7Objetivo de aprendizagem e desenvolvimento inserido no eixo “Prática de Escuta e Produção de Textos


Orais".
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 194

recursos sejam de natureza gramatical, textual, discursiva ou pragmática (São Paulo


2017, p. 88). A professora pesquisadora, inclusive, compartilha com os estudantes o
texto que produziu para a atividade.
Considerando que “a canção popular brasileira tem suas origens nos aspectos
prosaicos da sociedade” (Caretta, 2013, p. 44), a escolha de “O mar” oferece aos
estudantes a oportunidade de se distanciar do contexto no qual estão inseridos para
então poder observá-lo e agir sobre ele. Canções que retratam o prosaico da sociedade,
convidam os jovens a refletir sobre a rotina de trabalhadores, seus prazeres e
desprazeres bem como as tragédias do cotidiano que podem ser compartilhadas em
conversas informais, no jornal na TV ou qualquer meio de comunicação, e na atividade
são compartilhadas na canção.
A mobilização desses temas para a construção do texto por meio da retextualização
pode evidenciar alguns dos movimentos que, de acordo com Possenti (2002, 2013,
2016), evidenciam indícios de autoria. O movimento de “incorporar ao texto discursos
correntes, fazendo ao mesmo tempo uma aposta a respeito do leitor” (Possenti, 2002, p.
113) pode ser explicitado na escolha do foco narrativo; já que o estudante, para
desenvolver a narrativa, deve recorrer às referências que possui e, ao mesmo tempo que
dá voz explicitamente ao outro por meio da reprodução da narrativa do texto-base,
incorpora ao texto a multiplicidade de vozes que faz parte do discurso dele. Esse
movimento dialógico fomenta o olhar crítico e a exposição da singularidade.
Essa singularidade também pode ser explicitada por outro indício apresentado por
Possenti (2002, 2013, 2016), que é o léxico. A seleção de palavras feita pelos estudantes
para estruturar o cenário imaginado por ele, por exemplo, também pode estar carregada
da densidade que constitui os indícios investigados, já que

O falante, ou autor, ou compositor; respectivamente na esfera cotidiana, literária ou


musical, ganham existência por meio de um enunciado; seja uma réplica de diálogo,
um romance ou uma canção. Inserido no enunciado, o autor adquire um corpo e uma
voz sociais, definidos segundo os parâmetros do “outro” com o qual mantém relações
dialógicas (Caretta, 2013, p. 65).

É na relação com esse “outro” que essa singularidade sujeito-autor se manifesta. A


análise dessa singularidade não está subsidiada somente nos indícios de autoria
indicados por Possenti (2002, 2013, 2016), mas também no olhar da professora
pesquisadora que conhece, em alguma medida, o repertório do estudante dado o
contexto de sala de aula. Dessa maneira, os indícios de autoria que este projeto objetiva
identificar e analisar são quantificados pelo trabalho de Possenti e qualificados pelo
trabalho desenvolvido pela professora pesquisadora em seu fazer cotidiano. Dito de
outro modo, o avanço dos estudantes no trabalho com a leitura e produção escrita será
considerado como indício.
Uma proposta semelhante a esta, em outro formato, foi aplicada como atividade
diagnóstica, em março de 2022, e serviu de inspiração para o arranjo aqui desenvolvido.
As produções dos estudantes à época revelaram escolhas várias de foco narrativo:
alguns estudantes assumiram a voz de Pedro e relataram seu fim com grande
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 195

sensibilidade, outros assumiram o lugar de Rosinha vivendo seu luto incompreendido por
alguns que acreditavam que ela estava louca, no lugar de uma pessoa enlutada, e
poucos assumiram o lugar de Dona Chica, mãe de Rosinha, que se sentia impotente
diante da tragédia que abateu a vida de sua filha e todos do arraial. Desse modo, os
resultados dessa proposta evidenciam as duas instâncias do eu descritas por Fiorin: “o
eu pressuposto e o eu projetado no interior no enunciado. Teoricamente, essas duas
instâncias não se confundem: a do eu pressuposto é a do enunciador e a do eu projetado
no interior no enunciado é a do narrador” (Fiorin, 2022, p. 56).
A recorrência da escolha do foco narrativo entre o suposto casal sugere uma
identificação dos estudantes com a juventude, já que Rosinha é chamada de mocinha e
a segunda estrofe menciona a perda de filhos e maridos, o que revela o caráter
masculino da atividade de pesca e o papel de filho que Pedro ocupava no arraial. “É
importante compreender que o léxico constituinte da fala das personagens não retrata
apenas o indivíduo, mas uma linguagem social detentora de um ponto de vista sobre a
realidade" (Caretta, 2013, p. 131). Mesmo que na canção não sejam as personagens
que falam, com exceção de Rosinha, as escolhas do narrador sobre como retratar as
personagens revela um ponto de vista sobre a realidade, bem como na produção dos
estudantes.
A maioria das estudantes escolheu narrar a história do ponto de vista de Rosinha
sem abrir espaço para loucura, apenas reconhecendo o luto como uma dor profunda. Já
os estudantes escolheram narrar a partir da perspectiva de Pedro, sendo um narrador
defunto ou um defunto narrador. Essas escolhas evidenciam, no nosso entendimento,
um recorte de gênero, já que as meninas narraram a partir de um foco narrativo feminino
e os meninos narraram a partir de um foco narrativo masculino.
Nessa perspectiva, os movimentos indicados por Possenti (2002) de dar voz a
outros enunciadores e manter distância em relação ao próprio texto podem acontecer no
processo de retextualização. Na medida em que os estudantes fazem escolhas, como o
foco narrativo e os encaminhamentos a partir da voz que enunciam em seus textos,
exercitam o registro escrito como maneira de agir sobre o mundo que os cerca e sobre
o qual são orientados a refletir todos os dias na escola. Com o entendimento que “O
enunciado é pleno de ecos de outros enunciados (Caretta, 2013, p. 51), o estudante é
convidado a refletir sobre o repertório que o constitui e é constituído por ele ao assumir-
se autor. Essa assunção envolve a compreensão de que

O discurso do sujeito é resultado da tensão entre as diversas vozes incorporadas no


seu diálogo social e presentes em sua memória discursiva, com as quais ele poderá
estabelecer variadas relações: aceitação, polêmica, paródia etc. Concebido dessa
forma, o enunciado revela-se mais complexo e dinâmico, não se limitando apenas à
expressão da intenção de um sujeito. Nessa pluralidade dialógica das diversas vozes
sociais; o sujeito, na tentativa de singularizar-se, assume posicionamentos discursivos
e delimita fronteiras, mas ao mesmo tempo estabelece vínculos dialógicos entre o seu
discurso e o discurso do “outro” (Caretta, 2013, p. 63).

O conjunto de atividades mostrou-se potente no estímulo a produções de textos


polifônicos. A pluralidade dialógica das diversas vozes sociais presentes no repertório
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 196

dos estudantes e nos debates promovidos a partir da análise da canção encorajaram os


estudantes, enquanto sujeitos, a singularizarem-se no em sua produção escrita como
autores.
O trabalho com o estudo dialógico-discursivo da canção é uma proposta que
fomenta o pensamento crítico uma vez que se fundamenta na perspectiva que os
conteúdo/temas/conceitos não se constituem de um único elemento, mas se relacionam
entre si. A análise da canção por meio dessa perspectiva, permite ao estudante perceber
relações entre a canção e o gênero primário fala para considerar a narrativa que é
apresentada na canção em estudo. Elementos do cotidiano, por exemplo, são objetos
de reflexão sobre a estrutura que constrói a identidade brasileira com suas problemáticas
relações de trabalho, relações familiares diversas e estruturas sociais desiguais.
O estudo dialógico-discursivo das canções colabora ainda com o repertório dos
estudantes e os convida a olhar para elementos do país ao qual pertencem de maneira
a perceber a identidade como elemento mais palpável. Nesse sentido, é preciso entender
o trabalho com canção em sala de aula como uma forma de conhecer narrativas típicas
do cotidiano, a partir do entendimento que a canção é “uma fala amplificada” tal como
afirma Caretta (2013), alimentado pelo princípio dialógico de Bakhtin, para pensar em
língua e identidade e na relação das duas com a autoria do sujeito estudante.

ENTRE O CURRÍCULO DA CIDADE E A QUESTÃO DE AUTORIA NAS


RETEXTUALIZAÇÕES

A escuta e a análise de canções como exercício de compreensão e produção de


textos escritos, além de estratégia para o estudo do aspecto verbal, podem ser
procedimentos que potencializam a compreensão dos estudantes e colaboram com a
ampliação de repertório. O estudo da articulação entre tempo gramatical e aspecto verbal
pode ser potencializado por meio do trabalho com a relação entre melodia e letra da
canção escolhida.
As produções da atividade que inspirou essa sequência mostraram-se como um
material riquíssimo de expressão e encaminhamento de afetos que precisavam ser
ouvidos e compartilhados não só entre professora e estudantes, mas também entre os
próprios estudantes e a comunidade escolar. Acreditamos que o conjunto de atividades
aqui apresentado tem o mesmo potencial. O estranhamento inicial com a canção que
alguns disseram “ser música da vovó” transformou-se em um exercício de criatividade
alinhado à ideia de autoria proposta do Currículo da Cidade (2017), cujos

objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propostos para o Ciclo Autoral, nesse


sentido, caminham na direção do diálogo e da garantia do direito ao exercício da voz,
da fala e do registro escrito como maneiras reais de agir sobre o mundo que nos cerca.
Dessa forma, a ideia de uma intervenção crítica na sociedade acompanha o autor-
cidadão consciente de seu lugar, tempo e espaço (São Paulo, 2017, p. 143).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 197

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de autoria no Currículo da Cidade valoriza a produção escrita, já que


não apresenta um tratamento do conceito considerando o eixo Prática de Escuta e
Produção de Textos Orais, a não ser pelas fichas de avaliação de produções de texto
que integram os Cadernos da Cidade: Saberes e Aprendizagens do Ciclo Autoral,
material didático consumível da RME de São Paulo.
O Currículo da Cidade (2017), ao afirmar que os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento no Ciclo Autoral caminham na direção da garantia do direito ao
exercício da voz e do registro escrito, sugere um trabalho com produção de texto que
fomente a polissemia, não a paráfrase. Na produção de autoria, o conteúdo temático
pode ser produzido de duas formas: por meio da criação (esfera literária) ou por meio da
pesquisa (outras esferas). Nesse sentido, a retextualização de canções é uma estratégia
que valoriza a autoria, visto que a proposta de mudar o foco narrativo da canção “O mar”,
por exemplo, dialoga com a perspectiva de que “uma intervenção crítica na sociedade
acompanha o autor-cidadão consciente de seu lugar, tempo e espaço” (São Paulo, 2017,
p. 143).
O autor-cidadão seria aquele que, durante o Ciclo Autoral, é capaz de escolher
dentre os temas estudados aquele a partir do qual possa refletir sobre a realidade em
que vive. A canção “O mar”, ao contar a história de um pescador que saiu para trabalhar
e não voltou, convida os estudantes, no início do Ciclo Autoral, a pensar sobre relações
de trabalho, vida em comunidade, imprevisibilidade da vida, questões de gênero e outros
temas já mencionados, além dos que cada aplicação pode evidenciar. Essa reflexão
colabora com o desenvolvimento da própria subjetividade do estudante, tendo em vista
que a canção é também um gênero que se insere na esfera literária.
O tratamento da autoria pelo currículo aponta uma necessidade de
desenvolvimento do conceito, já que o referencial que o constitui afirma que textos
escolares podem conter indícios de autoria, mesmo que à margem das propostas de sala
de aula. A retextualização pode ser uma estratégia, dentre outras, que tira esses indícios
da margem e os coloca no centro das produções. Para isso, são necessários estudo e
investigação e o entendimento que a

A construção e consolidação de um currículo supõe a compreensão conceitual, as


reflexões coletivas e individuais, bem como a consciência da necessidade de,
permanentemente, problematizar nos espaços de formação os elementos do currículo
em busca de construir coletivamente as condições para um currículo autêntico, que
considere os princípios éticos, políticos e estéticos, traduzidos nos direitos de
aprendizagem dos sujeitos do Ciclo Interdisciplinar (São Paulo, 2016a, p. 45).

Essa compreensão da necessidade permanente de problematizar a diretriz


curricular envolve também o conceito de autoria, o qual nomeia um dos ciclos que
compõem o Ensino Fundamental da RME de São Paulo. Nesse sentido, a proposta de
trabalho de produção de textos narrativos a partir da retextualização de canções no Ciclo
Autoral pode colaborar com o estudo do conceito de autoria tendo em vista o Currículo
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 198

da Cidade porque textos de estudantes são analisados à luz do referencial que o


constitui, o mesmo que aborda esses indícios de sem apresentar textos escolares em
sua análise.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 199

REFERÊNCIAS

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Gramatical e do Aspecto. In. SCHER, Ana Paula; et al (Org.) A Gramática e Linguística na Sala de
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WMF Martins Fontes, 2011, p. 261- 306.

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MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelle. Referenciação e retextualização de textos acadêmicos: um


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POSSENTI, Sirio. Indícios de autoria. Perspectiva 20 (1). Expressando a língua portuguesa e seu
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São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Divisão de Ensino
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SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Divisão de Ensino
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Portuguesa. São Paulo: SME/COPED, 2016b. (Coleção Componentes Curriculares em Diálogos
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São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da cidade:
Ensino Fundamental: componente curricular: Língua Portuguesa. 1.ed. São Paulo: SME/COPED, 2017.

São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações didáticas
do currículo da cidade: Língua Portuguesa. volume 1. 2.ed. São Paulo: SME/COPED, 2019.

São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Caderno da cidade:
saberes e aprendizagens: Língua Portuguesa 7º ano. 2.ed. São Paulo: SME/COPED, 2020.

São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Caderno da cidade:
saberes e aprendizagens: Língua Portuguesa 8º ano. 2.ed. São Paulo: SME/COPED, 2020.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 200

São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Caderno da cidade:
saberes e aprendizagens: Língua Portuguesa 9º ano. 2.ed. São Paulo: SME/COPED, 2020.

SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Língua Portuguesa:
instrumento de acompanhamento docente - Ciclos Interdisciplinar e Autoral. 2.ed. São Paulo:
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TATIT, Luiz. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.

TATIT, Luiz; LOPES, Ivan Carlos. elos de melodia e letra: análise semiótica de seis canções. Cotia,
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ULHÔA, Martha Tupinambá de. Métrica Derramada: tempo rubato ou gestualidade na canção
brasileira popular. In: GONZÁLEZ, Liliana; PARANHOS, Adalberto; ESPINOSA, Christian Spencer
(eds.) Actas del VII Congreso de la IASPM-AL. La Habana, 2006. p. 434 - 442.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 201

CAPÍTULO 12
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 202

O DOCENTE SURDO E O ENSINO DA LIBRAS


PARA ALUNOS OUVINTES
NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
Daniara Pinto de Medeiros Cintra
Magno Prado Gama Prates
Alexandre Melo de Sousa

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a língua usada pela comunidade surda do


Brasil e, por meio dela os surdos podem se comunicar e interagirem entre si e com quem
a usa. Regulamentada pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a Libras tem tido
visibilidade nacional, e os surdos têm alcançado direitos educacionais, resultando no
acesso ao Ensino Superior, onde há o ensino da disciplina Libras em alguns cursos de
graduação nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).
O art. 7º do § 1º do Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, especifica que,
de acordo com os casos previstos nos incisos I e II, “as pessoas surdas terão prioridade
para ministrar a disciplina de Libras.” Ressaltamos que paradigmas são rompidos a partir
da presença de professores surdos nas IFES, desmistificando a ideia errônea acerca da
surdez concebida como deficiência ou incapacidade cognitiva.
Tendo em vista o propósito do ensino e da difusão da Libras, a Universidade
Federal de Rondônia (UNIR) passou a incluir essa disciplina nas estruturas curriculares
de diversos cursos ofertados pela instituição. Desde então, houve mudanças no cenário
acadêmico local, e diversos contextos sociais foram instalados na interação entre surdos
e ouvintes dentro dos cursos de licenciatura e de bacharelado.
Além de ser uma incentivadora do reconhecimento linguístico e cultural que a Libras
representa para os surdos, a UNIR tem oportunizado diálogos, por meio da oferta dessa
disciplina, de cursos de extensão, de eventos ligados à surdez, honrando o compromisso
social com a comunidade surda de minimizar as desigualdades e romper com
preconceitos.
Diante do exposto, este artigo tem o objetivo de refletir sobre os desafios que os
professores surdos têm enfrentado em relação ao ensino de Libras para alunos ouvintes,
no Campus da UNIR de Porto Velho-RO. Devido ao desconhecimento e à falta de
informação dos egressos nas disciplinas de Libras, é comum encontrarmos problemas
de comunicação que resultam na ineficiência do ensino da língua. Todavia, presume-se
que estratégias metodológicas sejam reinventadas, dinamizando o ensino e favorecendo
a prática docente.

MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS

No passado, os surdos eram considerados seres impensantes, incapazes de


aprender e, por isso, eram excluídos da sociedade e privados de qualquer direito que um
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 203

cidadão comum possuía. “Acreditava-se que o pensamento não podia se desenvolver


sem a linguagem e que a fala não se desenvolvia sem a audição: quem não ouvia,
portanto, não falava e não pensava” (Streiechen, 2012, p. 13). Portanto, os surdos não
tinham a possibilidade de desenvolver sua capacidade intelectual, já que eram impedidos
de frequentar a escola e proibidos de convivercom outras pessoas.
Com a chegada ao Brasil do professor francês Hernest Huet (surdo), a convite do
Imperador Dom Pedro II, iniciou o processo educacional dos alunos surdos no país. Huet
foi aluno do Instituto Nacional de Surdos-mudos de Paris1, com uma metodologia
proposta através do professor surdo para o ensino da Língua de Sinais. Em 26 de
setembro de 1857, foi fundada, no Rio de Janeiro, a primeira escola para surdos, o
Imperial Instituto de Surdos Mudos, hoje conhecido como Instituto Nacional de Educação
de Surdos (INES). Os ensinamentos de Huet marcaram a difusão do valor da Língua de
Sinais no Brasil.
Lentamente, nas escolas especiais, teve início o uso de sinais, em que os
professores ouvintes aprendiam com seus próprios alunos. Era um novo momento na
história em que os surdos podiam se comunicar de forma natural, e os professores
passaram a reivindicar mais atenção à Educação Especial, na busca pela necessidade
de formação acadêmica para os professores.
Houve vários manifestos em prol de atenção da sociedade e do governo exigindo
respeito, liberdade e cidadania aos surdos, que clamavam pela sua língua para poderem
se comunicar, interagir e pensar. Em virtude dessas reivindicações, a Libras foi
reconhecida pela Lei nº 10.436/2002, como meio legal de comunicação e expressão da
pessoa surda, sendo regulamentado pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005,
que diz o seguinte: “Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interagem com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando
sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras” (Brasil, 2005,
art. 2º).
O art. 17 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas gerais
e critérios básicos para promover a acessibilidade na comunicação, no que se refere à
pessoa surda, como podemos ver, a seguir:

O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá


mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de
comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com
dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à
comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
(Brasil, 2000, art. 17).

Por meio de suas conquistas, os surdos garantiram direitos à educação. Contudo,


no que tange ao ensino e à educação, o Decreto nº 5.626/2005, capítulo III, atribui a
Libras como disciplina:

A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação
de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos
de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 204

ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
(Brasil, 2005, art. 3º).

Esse Decreto gerou mudanças, principalmente nas IFES, evidenciando a Libras no


Ensino S uperior, com a responsabilidade de sua divulgação e de seu uso, o que
oportuniza mais conhecimento, geração de pesquisas e aprofundamento de conceitos
relacionados aos Estudos Surdos. Tal conquista foi de grande contribuição para que os
surdos pudessem ter direito à formação universitária. Atualmente podemos ver surdos
graduados ensinando a Libras, afirmando sua identidade e assumindo um papel
importante no processo educacional no ensino de surdos no país. Segundo Reis (2015),

A performance dos professores surdos, no espaço das Universidades, atuam como


representações culturais para facilitar a Língua de Sinais Brasileira, esclarecer
possíveis dúvidas no momento de aprendizagem e de estudos dos alunos surdos e
ouvintes como também elevar os surdos à condição de intelectuais (Reis, 2015, p. 30).

A inclusão de professores surdos no Ensino Superior para o ensino de alunos


ouvintes demonstra que esses profissionais estão ocupando seu espaço onde antes
havia a predominância de professores ouvintes. Na tentativa de nivelar essa disparidade,
é crucial oportunizar aos professores surdos que criem novas reflexões que valorizem
os saberes que estão sendo produzidos e, ao mesmo tempo, construir a identidade de
um professor surdo, como afirma Castro e Marques (2017), a seguir:

O reconhecimento e a valorização da língua de sinais são de suma importância para o


desenvolvimento e o crescimento da quantidade deprofessores surdos, sendo que eles
se sentem valorizados por sua especificidade linguística, e por isso, sua
profissionalização e sua prática docente ocorrem com mais eficácia (Castro; Marques,
2017, p. 55).

Segundo Gesser (2012), com o reconhecimento das peculiaridades da língua de


sinais, o professor surdo tem desenvolvido suas práticas de ensino e difundido a língua
e a cultura, impulsionando o crescimento no cenário dos estudos sobre o surdo, a surdez
e a Libras.

O contexto da libras imprime outras relações outros movimentos; sendo o principal


deles valer-se desse encontro nesse espaço potencialmente legítimo e de prestígio que
é a sala de aula, um local para descontruir mitos sobre os surdos, a surdez e a língua
de sinais (Gesser 2012, p. 129).

Nesse contexto, o professor surdo torna-se parte ativa do processo pedagógico


para ensinar a Libras e aprofundar os conteúdos curriculares. Sendo assim, é preciso
criar ambientes que envolvam situações reais de aprendizagem de Libras e que sejam
pertinentes para que ocorram através do convívio com o professor surdo.
A existência de surdos como professores que atuam no Ensino Superior oportunize
a desmistificação do estigma de que os surdos são incapazes de aprender e de se tornar
um profissional como qualquer outro sujeito, quebrando as barreiras ainda existentes.
Sobre isso, Castro e Marques (2017) afirmam que:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 205

A ocupação deste espaço tem uma característica ainda mais marcante, pois
representa uma mudança na relação de poder entre surdos e ouvintes, uma vez que o
professor surdo passa a ser o agente da formação de professores e não apenas ator
passivo deste processo (Castro; Marques, 2017, p. 121).
Com a chegada dos surdos no ensino de Libras nas IFESs, a relação de poder
passou a ser revertida para que os surdos tenham domínioe participação no processo
de educação.

DESENVOLVIMENTO DESTE ESTUDO

Faremos uso das abordagens investigativas e qualitativas para observar o ensino


da disciplina da Libras da Universidade Federal de Rondônia. Conforme Godoy (1995,
p. 63), “os pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não
simplesmente com os resultados ou produto.” Todavia sabe-se que, para o ensino dessa
língua, surdos e ouvintes estão a serviço dela. No entanto, partiremos do princípio da
observação da atuação do professor surdo.
Por meio das especificidades inerentes ao ensino de Libras, ressalta-se que ela
representa a Primeira Língua (L1) para o professor surdo, e a Segunda Língua (L2) para
os alunos ouvintes. Da mesma forma, a Língua Portuguesa (LP) representa a L2 para
professor surdo, e a L1 para os alunos ouvintes. Contudo, na abordagem metodológica
para o ensino de Libras para alunos ouvintes, o bilinguismo favorece a relação entre o
docente surdo e o aluno ouvinte. Conforme o Decreto nº 5.626/2005, os professores
surdos e ouvintes habilitados para o ensino de Libras devem preconizar uma abordagem
bilíngue relacionando conteúdos linguísticos e culturais que favoreçam a aquisição do
conhecimento prático e teórico entre os envolvidos.
Nas grades curriculares dos diversos cursos da UNIR, a Libras atualmente é
ofertada com uma carga horária de 40, 60 e 80 horas. Na maioria das turmas, o número
de alunos ouvintes é maior do que o de alunos surdos. Em média, uma turma de
licenciatura possui entre 30 e 40 alunos. Portanto, trata-se de um processo árduo para
aplicar os conteúdos do ensino de uma L2, especialmente pelo grande número de alunos
em sala de aula.
Das muitas informações que a disciplina oportuniza, a desconstrução de mitos e
ideias pejorativas são pontos essenciais que devem ser levados em consideração.
Muitos egressos conseguem desconstruir e ressignificar ideias, antes preconceituosas,
e tornam-se disseminadores dos conhecimentos aplicados. Entendemos que o papel da
comunicação é o de proporcionar uma eficiente relaçãoentre o professor e o aluno, pois
a re la ção com un ica t iva estabelecida promove resultados significativos no ensino e
na aprendizagem, além de impulsionar a dedicação dos professores a se tornarem
instrumentos em prol da inclusão de conhecimentos da Libras para os que a
desconheciam.
Sendo o professor surdo o regente da disciplina, os conteúdos teóricos que
provocam reflexões aos alunos ouvintes são omitidos por falta de apoio tradutório e
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 206

interpretativo. Independentemente da didática e da prática do professor, as informações


teóricas da disciplina são recomendadas pelas ementas. No entanto, não são expostas
por falta de uma acessibilidade eficaz para quem rege as aulas.
É preciso refletir sobre o contexto do aprendizado de alunos ouvintes intermediado
por professores surdos, afinal são duas línguas “de modalidades diferentes” interagindo
em um mesmo ambiente. Em termos de legitimidade linguística, é correto afirmar que a
Libras não tem nenhuma relação direta com a LP, já que são duas línguas distintas com
características e formações linguísticas próprias (Gesser, 2012).
De acordo com Fernandes (2011), algumas estratégias metodológicas no ensino
de Libras permitem a interação e a comunicação entre os envolvidos, por meio da
aplicação de métodos e estratégias visuais que complementam a sinalização (alfabeto
manual, gestos naturais, dramatização, mímica, animações e o uso de aparelhos
multimídia). Como recurso metodológico para o desenvolvimento deste artigo, durante o
período de monitoria acadêmica e de observação da prática docente no ensino de Libras,
registramos as estratégias metodológicas que os professores surdos, aqui chamados de
Professor “A” (PA) e Professor “B” (PB), utilizam para contrapor as barreiras
comunicacionais com os alunos ouvintes.
Para a coleta de dados, aplicamos um questionário com 12 perguntas que
abordavam sobre: o perfil docente; a formação acadêmica; a experiência como docente
surdo no Ensino Superior; e os pontos relevantes e irrelevantes no percurso didático-
metodológico no ensino de Libras para alunos ouvintes. Esperamos poder verificar os
procedimentos didático-metodológicos desses dois professores surdos da universidade,
para analisar os desafios e estratégias utilizadas no contexto pluri/inter/multicultural do
ensino de Libras em salas de aulas heterogêneas.

PANORAMA DO ENSINO DE LIBRAS

Uma das palavras que norteia o significado da prática docente é a “reciclagem”,


pois os desafios que se encontram no decorrer da carreira no Ensino Superior
provocam um sentido de ressignificação a todo tempo. Desse modo, acomodar-se e
permanecer nas mesmas práticas, abordagens, metodologias é um desserviço para
quem busca conhecimento no contexto acadêmico.
Adaptar-se às novas realidades é uma condição extremamente relevante. No
entanto, torna-se incoerente a aplicação dessa ideologia para quem precisa fazeruso
de Necessidades Educacionais Especiais (NEE). Sabe-se que o ensino de línguas
carrega uma grande responsabilidade social e interdisciplinar, devido à participação de
aprendizes que, muitas vezes, desconhecem linguística e culturalmente a língua-alvo.
Ainda, se observarmos a riqueza que a presença de um facilitador nativo
significa para os envolvidos no contexto pluri/inter/multicultural da sala de aula é
extremamente oportuno. Para o ensino de Libras, o docente deve observar esses
aspectos desafiadores. A busca por metodologias adequadas ao perfil dos envolvidos
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 207

torna-se uma intervenção de grande valia para o desenvolvimento do ensino e da


aprendizagem.
A Libras, assim como qualquer outra Língua de Sinais (LS), carrega
particularidades inerentes de uma língua visuoespacial. Todavia, é de fundamental
importância entender que esse tipo de modalidade exige que os aprendizes mergulhem
linguística e culturalmente nas experiências visuais a partir da interação com o docente
surdo e nativo na língua.
O desenvolvimento das habilidades conversacionais é essencial para atender às
características de uma língua sinalizada, e essa prática precisa ser estimulada durante
o ensino da Libras para os aprendizes ouvintes. De acordo com Wilcox e Wilcox (2007,
p. 127), os aprendizes de uma língua de modalidade visuoespacial precisam ser
estimulados quanto à percepção visual, mesmo que apresentem plena acuidade visual,
já que “[...] receber uma mensagem visual é diferente de apreciar uma obra de arte ou
olhar para os dois lados antes de atravessar a rua.”
Assim, compreende-se que o ensino da Libras envolve dinâmicas específicas que
são próprias da sua modalidade, como o desenvolvimento de habilidades
conversacionais visual-motora. Portanto, faz-se necessário o aperfeiçoamento de
habilidades expressivas para a comunicação entre os que visam aprender Libras como
L2. As particularidades existentes na Libras não impedem que algumas metodologias
usadas para o ensino das línguas orais sejam aplicáveis para o ensino de línguas
sinalizadas. Os Estudos Linguísticos demonstram uma correspondência entre as
metodologias utilizadas nas duas modalidades de língua (línguas orais- auditiva e
línguas visuoespaciais), em que há particularidades que são específicas de cada uma.
Diante dos fatos, comprova-se a necessidade de um professor surdo também
adaptar-se aos mecanismos que favorecem a aprendizagem de L2 para aprendizes
ouvintes. Miorando (apud Quadros, 2006) afirma que, para a compreensão dos alunos,
é preciso garantir que o reconhecimento cultural e social da língua em foco seja
evidenciado. Deve-se “incluir estudos sobre a história dos surdos no Brasil, os aspectos
visuais de sua cultura, o desenvolvimento sócio-político do seu movimento” (Miorando
apud Quadros, 2006, p. 83).
Nestes termos, ao observar a didática que os professores entrevistados promovem,
comprovamos a capacidade inter/pluri/multicultural que os fazem organizar aulas que
atendam às especificidades de aprendizes que desconhecem a Libras. As observações
das aulas do PA foram realizadas durante o período de monitoria acadêmica, entre os
meses de abril a dezembro, de 2017. Com o PB, de julho a novembro, de 2018. Os dados
coletados foram suficientes para a análise do seu conteúdo.
PA e PB encontram-se na faixa etária entre 25 e 30 anos e possuem experiência
como instrutores de Libras antes de ingressarem no Ensino Superior. Sabe-se que,
atualmente, a maioria dos professores surdos iniciaram sua carreira docente como
instrutores de Libras. Pelo fato de se tratar de uma língua natural e ter domínio sobre
ela, os instrutores de Libras geralmente são pessoas surdas, preparadas através de
cursos de capacitação, ofertados por órgãos competentes para exercer a função, sem a
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 208

exigência de formação superior; diferentemente dos professores que possuem formação


superior para o ensino de Libras.
Por muito tempo, o instrutor de Libras foi o principal disseminador da Língua de
Sinais, sendo o responsável por preparar e criar metodologias para o ensino. Através
deles, tornou-se possível criar oportunidades para aprender a língua, a cultura e a
interagir com os surdos na sociedade. Ao questionar sobre a relação com os aprendizes
ouvintes durante a experiência como instrutores, PA respondeu que, dependendo da
situação, utilizava a LP escrita para sanar as dúvidas. Já PB afirmou que as dificuldades
eram constantes, o que possibilitou experiência no ensino de Libras como L2 para
pessoas ouvintes.
Percebemos aqui a boa relação de PB tem com os alunos, demostrando sua
preocupação em relação à aquisição de conteúdo, mostrando-se sempre disposto a
sanar as dúvidas dos envolvidos, uma vez que facilitou a comunicação, por meio da LP
escrita, minimizando o suposto receio do aluno em s e aproximar do professor surdo
por não saber ainda fazer uso da língua. Comprovamos que a L2 (LP) para o professor
surdo funciona como uma ferramenta de mediação para compartilhar e construir o
conhecimento dos alunos ouvintes, o que aponta para a importância de os professores
serem bilíngues.
A metodologia aplicável para o ensino de uma língua deve priorizar conteúdos
conversacionais, que se relacionem com a realidade linguística e cultural da língua-alvo.
Para PA, “Os principais conteúdos que dão início a um curso ou disciplina de Libras
envolvem o ensino dos parâmetros da Libras, o alfabeto manual e, em poucos meses,
a comunicação é estabelecida.” PA afirmou que o alfabeto manual é o primeiro contato
com os alunos ouvintes para estabelecer a comunicação entre ambos. PA utiliza
recursos visuais para relacionar a imagem correspondente ao sinal em Libras,
identificando-os.
PB afirmou que os alunos ouvintes se assustam quando se deparam, pela primeira
vez, no Ensino Superior, com um docente surdo. PB procurou enaltecer suas aulas
através da exposição e d e apresentação de teatros, com diálogos em Libras, fazendo
com que o aluno interaja no dia a dia e fortalecendo a aprendizagem na tentativa de
transpor a barreira comunicacional.
No entanto, assim como no ensino de qualquer língua, a disciplina da Libras atrai
pessoas com e sem experiência com a língua. Os professores entendem a angústia e a
preocupação que alguns alunos ouvintes compartilham. Quando a comunicação com as
mãos inicia, os alunos apresentam medo. Os professores, de forma didática, conseguem
contornar a situação. Por vezes, PB, para estabelecer um diálogo inicial com a turma,
faz uso de informações básicas referentes à legislação e aos conteúdos históricos e
culturais dos surdos. Além disso, PB sempre convida um profissional da tradução e
interpretação para intermediar as suas primeiras aulas.
Para os alunos ouvintes, a Libras é um novo mundo, pois é uma língua de
modalidade visuoespacial totalmente diferente do que estão acostumados. Essa
dificuldade, apontada por PB, significa uma barreira linguística e cultural presente entre
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 209

os que desconhecem as especificidades da comunidade surda e, para minimizar a


ansiedade dos alunos, ele busca meios para superar a barreira da comunicação e
estabelecer mecanismos interacionais. Devido à experiência bilíngue, o professor
transita por duas culturas: a surda e a ouvinte.
Torna-se perceptível esse hibridismo quando PB utiliza a LP escrita como
ferramenta para sanar as dúvidas e a complementação dos conteúdos. Para fazer a
mediação e acalmar os ânimos dos alunos, no primeiro dia de aula, PB faz uso da
presença do profissional Tradutor Intérprete de Língua de Sinais e Língua Portuguesa
(TILSP), quem auxilia quando é apresentada uma nova língua e suas especificidades.
Nesses espaços, os professores surdos estão lutando para transmitir o seu jeito
surdo de ser, o seu jeito cultural, a sua pedagogia, informações referentes ao orgulho
em se aceitar como uma pessoa diferente e subjugada socialmente e como pessoas
desprovidas intelectualmente. Desse modo, os surdos necessitam ter suas
especificidades respeitadas para que seus processos sociais, cognitivos e culturais
ocorram natural e plenamente. Compartilhar da presença de um TILSP apenas nas
primeiras aulas inviabiliza toda a capacidade metodológica e didática que o professor
surdo poderia fazer uso.
Conteúdos teóricos são previstos na ementa da disciplina Libras para os cursos de
Licenciatura e de Bacharelado, seja ela com 40, 60 ou 80 horas. Como o professor
contemplará esses conteúdos sem a presença de um TILSP? Adaptar conteúdos
teóricos para práticos não seria a solução. A omissão desses conteúdos resulta em
desinformações extremamente importantes no espaço acadêmico.
O ensino do conteúdo teórico é importante para embasar o conhecimento da Libras,
do surdo e da comunidade surda. O desconhecimento da história e da cultura surdas,
pelos ouvintes, ocasiona limitações na atuação do surdo na sociedade. Desse modo, o
ensino de teoria na sala de aula contribui para a valorização e difusão da LS, além de
proporcionar conscientização a respeito das especificidades da Libras, que é totalmente
diferente da LP. Através de teorias envolvendo a história, as lutas e as conquistas dos
surdos, há a possibilidade de desmistificação de mitos e inverdades acerca da Libras. O
TILSP possui um papel fundamental nessa situação de exposição de conteúdos através
da mediação.
Para o ensino da disciplina de Libras, é importante que o professor encontre
mecanismos para lidar com os alunos ouvintes, para atingir o objetivo esperado na
disciplina. Se houver a necessidade de reformulação, que sejam estabelecidas as
adaptações necessárias. Para PA e PB, os desafios se dão justamente pelo fato de o
contexto acadêmico diferenciar-se dos cursos de Libras nos níveis básico, intermediário
e avançado ofertado por instituições que propagam a língua. PB afirma que o ensino
deve estar de acordo como contexto de cada área de atuação, as metodologias deverão
ser aplicadas de acordo com o curso na qual a disciplina é ofertada. O conteúdo dos
cursos da área da saúde, como a Enfermagem, não deverá ser os mesmos de cursos
como a Engenharia. A aplicabilidade metodológica serve como ferramenta para facilitar
a aquisição de conhecimento.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 210

Oportunizar aos alunos ouvintes a possibilidade de se relacionarem com um


docente surdo é uma prática inclusiva e bilíngue. Todavia, para o professor surdo, há
sempre uma preocupação com a recepção dos envolvidos. PB não dispensa a
necessidade da presença de um TILSP nas primeiras aulas, justamente para romper a
sensação desconfortável que a inacessibilidade linguística provoca. Quando não havia
condições de da presença desse profissional, a monitora auxiliava nas incompreensões.
O desafio é, no entanto, visível, e as condições para romper as barreiras
comunicacionais podem ser transpostas com uma abordagem bilíngue e com o
acompanhamento de um TILSP fluente e apto para o contexto do Ensino Superior.
Os professores surdos, assim como os alunos ouvintes, também demonstram
insegurança ao se depararem com algo novo, mas, com a prática adquirida na
profissão, as inseguranças vão dando lugar a estratégias didáticas que comprovam a
capacidade para ministrar aulas.
Tal qual um docente ouvinte, o docente surdo, sem a presença de um intérprete,
cria métodos para estabelecer uma comunicação com seus colegas. Morin (2000) fala
da necessidade de perceber a cultura, a linguagem e a educação como um conjunto
necessário à sociabilização, de forma que cada uma dessas características, ao se
interligarem, propiciem o desenvolvimento mental e cognitivo dos aprendizes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que toda língua é um meio de interação entre os indivíduos e, ao mesmo


tempo, é um direito. A partir do reconhecimento da Libras enquanto língua, e como meio
legal de comunicação e expressão própria da comunidade surda, seu processo de ensino
aprendizagem passou a ter espaço e a ser ofertado como disciplina no Ensino Superior
visando seu o uso e sua divulgação.
Por meio dessa conquista vista como um marco histórico para o povo surdo,
atualmente, o cenário é completamente diferente do que no passado, pois o sujeito surdo
passou a conquistar o espaço em todos os setores, principalmente no Ensino Superior,
assumindo inclusive o papel de docente, o que proporcionou a divulgação da sua língua
para alunos ouvintes. Isso fez com que os referidos discentes buscassem a imersão no
mundo do silêncio, de uma comunidade que se utiliza de experiências visuais.
Nessa perspectiva, o ensino de Libras tem alcançado seu papel também no âmbito
acadêmico, e os professores têm assegurado o incentivo em comunicação em situações
reais do cotidiano, proporcionando uma imersão completa do aluno ouvinte, com quem
mantém contato com a Libras através de dinâmicas, diálogos e encenações. Essas
práticas metodológicas facilitam o ensino e a aprendizagem, permitindo interação entre
os aprendizes com troca de experiências mútuas entre o educador e os alunos ouvintes.
Por meio desse tipo de atividade, comprovou-se que os docentes fazem mediações em
situações em que os acadêmicos têm a oportunidade de ampliar suas aquisições
linguísticas, tornando as aulas mais estimulantes, sempre levando em conta as
especificidades da língua, procurando desenvolver as habilidades visuais e espaciais e
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 211

a aproximação dos aspectos culturais do povo surdo, levando-os a entender quem, de


fato, é o sujeito surdo, que se expressa através da Libras. Dessa forma, esse docente
surdo acaba desmistificando as crenças construídas a respeito do povo surdo e
valorizando a língua.
A prática em sala de aula, somada às leis e decretos, tem auxiliado para transformar
a realidade dos surdos e o status das Línguas de Sinais. É importante que os professores
de Libras discutam, avaliem e proponham materiais didáticos que auxiliem os alunos
ouvintes no aprendizado da Libras, já que eles precisam estar preparados, com a
finalidade de mostrar aos alunos ouvintes conteúdos que se relacionem com os valores
da cultura surda, com a história da educação dos surdos, com biografias surdas etc.,
pois é sabido que os materiais didáticos também precisam melhorar quantitativa
qualitativamente.
Contudo, o que se espera é que os professores surdos adaptem e recriem
estratégias que proporcionem acessibilidade aos alunos ouvintes, se possível, incluindo
a presença de um TILSP, para que os envolvidos tenham os mesmos direitos e acesso
ao conhecimento, promovendo uma educação equânime, na qual todos sejam atuantes
dentro de cada realidade apresentada e participantes ativos no processo ensino-
aprendizagem.
Em síntese este artigo buscou fazer uma reflexão sobre a experiência do
profissional surdo e o ensino de Libras no Ensino Superior. A presença desseprofissional
tem representado possibilidades de difusão da Libras como direito linguísticos e culturais
que contribuem na aceitação da surdez como diferença que merece ser respeitada e
inserida, não apenas no contexto educacional, mas no social como um todo.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 212

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril


de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Diário Oficial da União, Brasília, n. 246, Seção
1, 23 de dezembro de 2005.

BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para
a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2000.

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- Libras e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, n. 79, Seção 1, 24 de abril de 2002.

CASTRO, Fernanda Grazielle Aparecida de; MARQUES, Stela Maria Fernandes. O professor de libras
surdo no ensino superior: desafios e perspectivas na atualidade. São Carlos: Pedro & João Editores,
2017.

FERNANDES, Eulalia. Surdez e bilinguismo. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 2015.

FERNANDES, Sueli. Educação de surdos. 2. ed. Curitiba: Ibpex, 2011.

GALERA, Cesar; GARCIA, Ricardo Basso; VASQUES, Rafael. Componentes funcionais da memória
visuoespacial. Estudos Avançados, v. 27, n. 77, p. 29–44, 2013.

GESSER, Audrei. O ouvinte e a surdez: sobre ensinar e aprender a Libras. São Paulo: Parábola
Editorial, 2012.

GODOY, Arlida Schmidt. Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta
metodologia de pesquisa em Ciências Sociais. Introdução à pesquisa qualitativa e suas
possibilidades. São Paulo, v. 35, n. 2, p. 57-63, 1995.

MIORANDO, Tania Micheline. Formação de profissionais: mais professores pela escola sonhada. In:
QUADROS, Ronice Muller de (Org.). Estudos Surdos I. Petrópolis: Arara Azul, 2006.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Cartarina Eleonora
F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2000.

REIS, Flaviane. A docência na Educação Superior: narrativas das diferenças políticas de sujeitos
surdos. Repositório institucional - Universidade Federal de Uberlândia, 2015. Disponível em:
https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/17759. Acesso em: 19 maio 2019.

STREIECHEN, Eliziane Manosso. Língua Brasileira de Sinais: Libras. Guarapuava: Unicentro, 2012.

WILCOX, Sherman; WILCOX, Phillis. Aprender a ver. Tradução de Tarcísio de Arantes Leite. Petrópolis:
Arara Azul, 2007. (Coleção Cultural e Diversidade Arara Azul).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 213

CAPÍTULO 13
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 214

MULTILETRAMENTOS NA PRÁTICA
PEDAGÓGICA DOS PROFESSORES
ALFABETIZADORES1
Margarete Nunes
Wendell Fiori de Faria
Maria de Fátima Ferreira de Oliveira Rosilho
Tatiane Castro dos Santos

No final do século XX, mas principalmente a partir do século XXI e alicerçados ao


uso amplificado das tecnologias estamos presenciando um avanço exponencial dos
conhecimentos e na sua forma de construção, essa ressignificação perfaz mudanças no
cotidiano das pessoas, no processo de construção do conhecimento e no mundo do
trabalho. Ao acessar a internet ressignificamos parte dos conhecimentos e das formas
de ensinar que eram empreendidas na escola, fator que interfere no processo de ensino
e no aprendizado de hoje.
Para Pinheiro (2010, p. 198),

[...] O final do século XX presenciou diversas e profundas transformações de ordem


social, histórica, econômica, política, cultural e tecnológica que trariam mudanças
significativas na forma tal qual a cultura grafocêntrica era até então concebida,
causando mudanças profundas e sem precedentes na vida em sociedade.

Com o aparecimento dessas mudanças, conceituadas como globalização, ampliou-


se exponencialmente o desenvolvimento e uso da tecnologia, com um destaque especial
para o mundo das comunicações vinculado à internet, no qual as interações sociais se
constituem cada vez mais globais e rápidas impondo à escola outros desafios que
envolvem o uso da cultura escrita em sociedade e, em decorrência disso, as reflexões e
alterações no processo de alfabetização que incluem a necessidade da alfabetização
digital, a “infobetização”.
Considerando essas novas formas comunicacionais, percebe-se que as atividades
humanas se realizam nas práticas sociais, mediadas por diferentes linguagens, sejam
elas verbais, corporais, visuais, sonoras e, na atualidade, as digitais (Brasil, 2017).
Por intermédio das inovações tecnológicas, ampliaram-se as formas de ler e
escrever, que partem de novos espaços e interfaces, mudando de superfície e
plataforma, surgindo, assim, a necessidade de construir novas capacidades e
conhecimentos para essa mudança, requerendo compreender as demandas desses
processos para a transformação.
Contraditoriamente a isso, no contexto da educação escolar, ainda não
conseguimos superar o analfabetismo absoluto ou mesmo o analfabetismo funcional,

1Dados parciais publicados nos Anais do Vi Congresso Brasileiro de Alfabetização – CONBALF - ISSN
2763-8588.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 215

nem elevar os tão almejados e 'verdadeiros' índices no que diz respeito à área da
linguagem. Em pleno século XXI, os chamados 'analfabetos' ainda continuam sendo a
mão de obra barata que colabora para o desenvolvimento do país, onde ainda parece
que prevalecem como objetivos a quantidade e não a qualidade.
No percurso das mudanças e transformações em tela, exige-se do
'alfabetizado/letrado' o domínio de competências e práticas constantemente atualizadas,
visto que pesquisas apontam o avanço dos conhecimentos (Rojo, 2017).
Assim, o objetivo deste capítulo constitui-se em abordar discussões sobre a
importância dos multiletramentos e dos textos multimodais na prática pedagógica dos
professores alfabetizadores, dado que estudos apontam a familiaridade com as
tecnologias na vida do professor e também dos alunos. Entretanto, há necessidade de
que o professor aprofunde as relações com essas tecnologias em suas experiências e
nas metodologias empreendidas em sala de aula.
O texto está organizado em três partes: a primeira, intitulada 'O processo de
alfabetização e os multiletramentos', discute a construção do conhecimento da criança
em processo de alfabetização e em situações de interações sociais; a segunda parte
aborda os 'Multiletramentos e as novas superfícies da alfabetização', discutindo os
processos de multiletramento e a reflexão sobre os textos multimodais na prática
pedagógica do professor alfabetizador; e, por fim, na última parte, aborda-se 'O professor
alfabetizador na construção da sua prática pedagógica', demonstrando os desafios
encontrados por ele frente à sua prática pedagógica, bem como as contribuições de
resultados de pesquisas realizadas sobre o assunto..

O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E OS MULTILETRAMENTOS

Na atualidade, quando nossos olhares são direcionados à criança, temos a


percepção de que, desde o início de seu desenvolvimento, a grande maioria encontra-
se inserida nas mais diversas situações que envolvem o uso da tecnologia,
principalmente como recurso de entretenimento. Os dados referentes ao mundo
globalizado demonstram que a socialização da criança com a tecnologia vem ocorrendo
de forma mundial e desde a tenra idade. Pereira (2019, p. 16) relata:

[...] estudos revelam que o acesso a tecnologias digitais e a redes sociais assim como
o tempo passado perante os ecrãs vêm aumentando significativamente entre as
crianças dos 0 aos 8 anos em todo o mundo, muito embora de forma não equitativa
entre crianças de famílias de diferentes contextos culturais e económicos [...].

Apesar de a inserção no mundo digital não ser equânime, considerando as


mudanças, transformações e a construção de conhecimentos, podemos dizer que
estamos na era dos chamados nativos das tecnologias, pois o aprendizado das crianças
começa muito antes de elas frequentarem a escola. Inclusive, podemos considerar que
qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem
sempre uma história prévia (Vigotsky, 2007).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 216

Nessa perspectiva, fazemos uma relação entre a criança em processo de


alfabetização e o jogo: quando uma criança chega à escola ainda não alfabetizada e o
professor a incentiva a escrever do 'jeito dela', essa atividade está baseada na
capacidade infantil de jogar, de 'fazer de conta'. O aluno, ao escrever, põe tudo o que
sabe e pensa sobre a escrita, cabendo ao professor ajudar a criança a avançar em seu
desenvolvimento quanto às hipóteses antecedentes da escrita escolar. Quanto aos
jogos, Frade, Araújo e Glória (2019, p. 81), em pesquisa realizada sobre a atuação da
criança em processo de alfabetização em ambiente digital, ressaltam:

O contato com a tela que brilha apresentando, ao mesmo tempo, palavras e desenhos
animados, sons, além do colorido vibrante típico desse ambiente digital, ampliou e
aguçou as crianças a se envolverem nessas práticas da cultura escrita digital, de modo
a ampliarem a compreensão sobre os conhecimentos linguísticos, discursivos e
culturais de vários sistemas de linguagem combinados.

Essas práticas vinculadas ao universo digital, tanto no convívio escolar quanto no


familiar, surgem em colaboração para o desenvolvimento da aprendizagem, denotando
que as crianças pequenas aprendem muito rapidamente observando e mimetizando o
comportamento dos adultos e das crianças mais velhas que lhes são próximas (Pereira,
2019, p. 17), situação que também se aplica ao uso da tecnologia. Assim, entendemos
que o aprendizado não é deflagrado do nada, mas construído a partir do conhecimento
que já existe, mediado pelas interações sociais, incorporando os conhecimentos prévios
dos alunos ao seu processo de construção de novos saberes (Vigotsky, 2007). A escola,
considerando e valorizando esses conhecimentos e inserindo a criança em um ambiente
alfabetizador, também contribuirá para a progressiva construção das bases necessárias
ao longo do processo de alfabetização.

MULTILETRAMENTOS E AS NOVAS SUPERFÍCIES DA ALFABETIZAÇÃO

Neste cenário hiperdigital no qual estamos inseridos, pesquisas realizadas (Rojo,


2017; Frade; Araújo; Glória, 2019; Pereira, 2019; Queiroz; Filho, 2019; Hissa, 2020)
concluem que, com as tecnologias presentes fora e dentro do âmbito escolar, amplia-se
o conceito de alfabetizar e letrar, que passam a incorporar mais este desafio. Embora a
aquisição do sistema de escrita alfabética prescinda de habilidades específicas, essas
aprendizagens precisam ser relacionadas a novas linguagens, bases e usos, pois
integram o universo comunicativo do aluno, as relações sociais e o mundo do trabalho
em que, no futuro, o aluno estará inserido.
Em meio a essa conexão está o professor, assim como as metodologias e práticas
pedagógicas utilizadas. Dentre outros conceitos, os 'multiletramentos' e os textos
multimodais inserem-se como sustentação em sua prática pedagógica, fazendo com que
surjam necessidades de desenvolver novos/outros saberes para o ensinar e aprender
nas condições exigidas.
Nesta perspectiva pedagógica, conceituamos multiletramentos como sendo:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 217

[...] as práticas de trato com os textos multimodais ou multissemióticos contemporâneos


– majoritariamente digitais, mas também impressos, que incluem procedimentos (como
gestos para ler, por exemplo) e capacidades de leitura e produção que vão muito além
da compreensão e produção de textos escritos, pois incorporam a leitura e
(re)produção de imagens e fotos, diagramas, gráficos e infográficos, vídeos, áudio etc.
(Rojo, 2017, p. 4).

Para Rojo (2017), Pereira (2019) e Hissa (2020) o conceito de multiletramentos está
ancorado pelo Manifesto A pedagogy of multiliteracies: designing social futures,
publicado em 1996, por um grupo de pesquisadores denominados The New London
Group (NLG). Para esse grupo, com as constantes mudanças no campo da tecnologia,
bem como as vivências dos estudantes cada vez mais globais e digitais, surge a
necessidade de um ensino voltado para as dimensões ligadas à construção dos saberes,
do sujeito e dos conhecimentos, para que estes atuem de maneira ativa e reflexiva na
sociedade da qual participam.
Em estudo, Frade, Araújo e Glória (2019, p. 63) indicam que há hoje a ideia de
letramentos no plural ou de multiletramentos, associada a modos que se cruzam e
convivem no mesmo suporte e que são bastante explorados na contemporaneidade,
como sons, imagens estáticas e/ou em movimento, direção da escrita, tamanho, cor,
todos esses considerados como recursos semióticos e linguagens comunicacionais.
Para Hissa (2020, p. 106), a proposta vem ao encontro desse contexto contemporâneo
hipermoderno e hipermidiático, em que os alunos e a sociedade em geral estão inseridos
em razão da imersão tecnológica.
Nessa perspectiva, faz-se a relação com os documentos que amparam a Educação
Básica, entre eles a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que sinaliza a
responsabilidade da escola em instituir novos modos de promover a aprendizagem, a
interação e o compartilhamento de significados entre professores e estudantes (Brasil,
2017, p. 61).
Na comunicação entre a cultura escrita e as invenções tecnológicas
contemporâneas, 'o novo saber implicado na alfabetização terá de ser experienciado,
conceitualizado, analisado e aplicado pelos aprendentes' (Pereira, 2019, p. 28). Os
diferentes usos e modos presentes nas demandas sociais e culturais vêm deflagrar os
efeitos da multimodalidade no desenvolvimento que a criança vivencia.
Nas demandas escolares mediadas pela linguagem, o texto continua sendo central,
porém, na diversidade de estudos realizados, carece de revisão devido às inovadoras
práticas e habilidades de leitura e escrita. No que se refere à multimodalidade:

[...] A multimodalidade é entendida como o uso desses variados modos de


representação que se articulam para a construção do sentido do texto e demandam
novas práticas de escrita e de leitura, ou seja, há uma reconfiguração do conceito de
letramento para além do verbal e da letra. [...] (Frade; Araújo; Glória, 2019, p. 63).

Os impactos da multimodalidade em relação à leitura e à escrita se tornam vivos e


significativos quando se aprende a lidar, desde cedo, com as possibilidades que são
oferecidas. Desse modo, as novas práticas estão intrinsecamente relacionadas à prática
pedagógica do professor alfabetizador.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 218

Ainda no que se refere a multimodalidade, ressaltamos também o estudo de Rocha


(2021, p. 70) quando sinaliza:

[...] acreditamos que trazer essa prática para o contexto escolar deles desde o Ensino
Fundamental fomentará práticas multiletradas que poderão proporcionar aos alunos
maior facilidade na leitura e na compreensão dos textos multimodais/multissemióticos
em suas práticas diárias [...].

Sendo assim, essas novas práticas sendo desenvolvidas pela escola e “não se trata
de deixar de privilegiar o escrito/impresso nem de deixar de considerar gêneros e
práticas consagradas pela escola, mas de contemplar também os novos letramentos,
essencialmente digitais” (Brasil, 2017, p. 69).
Observamos a necessidade da integração de novas habilidades a serem
desenvolvidas pela escola no percurso da alfabetização, outras práticas para além do
escrito e impresso, as que também contemplem o universo digital.

O PROFESSOR ALFABETIZADOR NA CONSTRUÇÃO DA SUA PRÁTICA


PEDAGÓGICA

No início deste estudo, referimo-nos à expansão de novos conhecimentos, à


revolução tecnológica, à velocidade das mudanças e transformações, às práticas sociais
e chegamos ao contexto escolar, onde está o professor, considerando-o como mediador
no processo de alfabetização e letramento.
Considerando que o alfabetizando vive em uma sociedade em constante
transformação e autocriação, com os olhares voltados para a alfabetização, quais são e
serão os desafios para esse professor? Quais as competências necessárias para esse
mediador ensinar e aprender em meio a tantas informações existentes, levando em
consideração a faixa etária deste nível de ensino? Partindo do pressuposto de que o
professor estrutura e orienta sua própria prática, sendo dela sujeito e a ela atribuindo
sentidos de acordo com seus conhecimentos, discutimos agora os desafios frente à
alfabetização vinculada aos multiletramentos.
Rojo (2017, p. 6-8), em estudo realizado e referindo-se ao contexto escolar como
um todo, nos traz a compreensão de como as práticas escolares de letramento se
alteram com as mudanças tecnológicas, ancorada em trabalhos já realizados (Santaella,
2010, p. 13) sobre essas alterações, que são classificadas em seis tipos de eras
culturais, conforme destacado no quadro a seguir:
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 219

Quadro 1 – Tipos de Eras Culturais


ERAS TIPO DE CULTURA
Cultura oral Não havia nem escola nem ensino
Cultura da escrita A escola e o ensino
Cultura do impresso O livro e os textos mimeografados ou xerocados
Cultura de massas Rádio e TV
Cultura das mídias Retroprojetores, episcópios, reprodutores de videocassete e de fitas cassete etc.
Cultura digital Escolha e seleção de que produtos culturais preferíamos ler, ver ou consumir
Fonte: Santaella (2010, p. 13).

Diante das pesquisas realizadas em ambientes alfabetizadores, quanto à prática


docente, revela-se que a convivência e o uso das tecnologias pelos professores também
revertem em benefícios para a aprendizagem do aluno. Queiroz e Filho (2019, p. 10)
afirmam que a prática inovadora é aceita pelos educadores, assim como benéfica para
os educandos, que se sentem mais atraídos por atividades pedagógicas diversificadas,
que vão além da prática copiadora e das exposições orais. “Percebemos que os
professores reconhecem a relevância e o impacto desse uso para fins pedagógicos [...]”
(Coscarelli, 2019, p. 49). Para Hissa (2020, p. 118):

[...] A partir da nossa pesquisa e dos dados coletados, vimos que os professores
participantes dos cinco fóruns e sete chats não tiveram grandes dificuldades em
conceitualizar e exemplificar os termos e as práticas sociais que envolvem os estudos
de letramento [...].

Quanto ao uso dos multiletramentos e textos multimodais na prática pedagógica do


professor em sala de aula, os resultados não se refletem na mesma proporção em
relação à familiaridade:

[...] podemos compreender que, uma das maiores dificuldades para a utilização de
recursos tecnológicos em sala é a própria falta destes recursos, pois não há uma
observação sistemática e importância à questão por parte de investimentos
governamentais. Assim como a ausência de formação docente específica para o
manuseio desses recursos [...] (Queiroz; Filho, 2019, p. 8).

No tocante à falta de investimentos governamentais, Rocha (2021, p. 78), em


estudo realizado durante o período pandêmico, relata que “[...] a escola não tem
condições financeiras para manter uma plataforma digital de estudos e a Secretaria de
Estado de Educação, Cultura e Esporte não disponibilizou tal meio [...]”. A literatura
utilizada para este estudo atenta para a constatação praticamente unânime da
continuidade desse déficit. Os avanços tecnológicos são expressivos, porém a escassez
de investimentos e políticas públicas nessa área faz com que a escola não corresponda
a evoluções significativas, colaborando, assim, para o aumento dos desafios
encontrados pelo professor no desenvolvimento de sua prática pedagógica em sala de
aula.
Com o estudo realizado por Coscarelli (2019) sobre a falta de diálogo da escola
com as práticas sociais digitais dos professores e alunos fora do ambiente escolar, além
do estudo de Queiroz e Filho (2019), constatamos que os professores têm se apropriado
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 220

dessas possibilidades, mesmo que de forma ínfima, pois compreendem a importância do


uso que se expressa no interesse dos alunos em fase de alfabetização. Entretanto, as
dificuldades para tornar essa prática comum no cotidiano escolar são expressivas e
resultam da ausência de políticas públicas que assegurem a existência e a manutenção
desses recursos, a distribuição deles em quantidades que atendam à demanda, assim
como a qualificação formativa dos profissionais da educação para o manuseio desses
recursos.
Quanto à discordância sobre os planos e planejamentos pedagógicos, em alguns
casos, a escola não possui equipamentos nem um planejamento para o trabalho com o
letramento digital, e esse tema ainda não faz parte do projeto pedagógico. “Precisamos
pensar nas agências que vão ajudar os professores a usar a tecnologia como recurso
didático, uma vez que muitos deles não se sentem preparados para usar as tecnologias
digitais como recurso pedagógico” (Coscarelli, 2019, p. 48).
Percebe-se a preocupação e certa disponibilidade dos professores quanto ao uso
dos multiletramentos e textos multimodais em sua prática pedagógica, porém,
infelizmente, os agentes de reformas e de mudança costumam não dar atenção a esses
propósitos, não lhes dão direito à voz e nem equipam as escolas para essa finalidade.

ANÁLISE DO PROBLEMA

Por meio da audição e oralidade, a criança na primeira infância aprende a


compreender e começa a fazer uso das palavras. Quando amplia suas socializações, é
levada pela leitura por meio de alguns de seus sentidos para o universo da escrita,
alcançando assim o poder da comunicação, bem como a compreensão de mundo
(Vigotsky, 2007). Na leitura da audição entende a linguagem de maneira natural, no
envolvimento da leitura de palavras (manuscritas, impressas e/ou digitais), para o seu
entendimento, carece de aprendizagem da linguagem escrita.
Desse modo, a alfabetização torna-se um processo complexo, apresentando-se
como elemento socializador a ser utilizado por crianças cada vez mais cedo. Com as
mudanças e transformações em curso, as práticas sociais de leitura e escrita partem de
novos espaços e mudam as superfícies (Pereira, 2019). Portanto, a alfabetização precisa
ser inserida ativamente nas práticas de linguagem dentro do espaço escolar, dado que
a escola ainda não incorporou centralmente essas linguagens em suas práticas,
concentrando-se praticamente na tradicional cultura impressa (Rojo, 2017).
Para um ensino e aprendizagem de qualidade, temos, entre outras, a necessidade
de professores competentes e capacitados para a mudança. Essas competências
passam pelas práticas de multiletramentos que requerem dos professores novos saberes
(Coscarelli, 2019, Queiroz; Filho, 2019, Hissa, 2020) para o desenvolvimento do seu
ofício em sala de aula, sem esquecer que a história dos usos da escrita nos ensina que
instrumentos novos podem conviver com os antigos e que certas invenções não aboliram
determinados usos (Frade; Araújo; Glória, 2019).
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 221

Nesse contexto e vinculadas às demandas escolares mediadas pela linguagem e


pelos multiletramentos, a prática e a metodologia docente terão que ser transformadas,
sendo entendidas como resultado das reflexões e evoluções dos diferentes contextos
sociais (Pinheiro, 2010; Rojo, 2017; Pereira, 2019; Hissa, 2020; Rocha, 2021).
Para que a materialização aconteça, o professor, base substancial do processo
ensino e aprendizagem necessita de “voz” para redefinir seu importante papel enquanto
mediador do conhecimento. Para esse propósito, o ideal seria que os cursos de formação
docente também investissem no letramento digital do professor e no uso de recursos
digitais em práticas pedagógicas para todos os níveis de ensino (Coscarelli, 2019).
Dinamizar o processo da apropriação da leitura e da escrita às novas superfícies
da alfabetização traz um novo desafio ao saber-fazer do ofício docente, a busca por
soluções, talvez passe pela cultura da colaboração, o profissionalismo interativo que
requer tempo para o desenvolvimento de ações e apoio da administração escolar (Fullan;
Hagreaves, 2000) passa a ser um dos caminhos a percorrer.
Contemplamos com a pesquisa realizada que a nova relação com o conhecimento
se faz presente como também a proximidade do professor junto aos multiletramentos e
textos multimodais, porém, o trabalho do professor precisa ser atualizado e, para que
isso ocorra, o professor necessita de aperfeiçoamento contínuo e aprendizagem
permanente; o desenvolvimento do profissionalismo interativo que vem de encontro com
a necessidade de “dar voz ao professor” (Fullan; Hagreaves, 2000, p. 83), pois estamos
num processo de aceleração, por meio do qual as fronteiras entre o manuscrito, impresso
e digital estão cada vez mais diluídas e coexistem.
No entanto, é preciso investigar que novas aprendizagens ocorrem quando essas
práticas são associadas à aprendizagem inicial da escrita (Frade; Araújo; Glória, 2019,
p. 60), para tanto, quais são as competências necessárias para este mediador ensinar e
aprender em meio a tantas informações e inovações tecnológicas existentes?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir deste estudo observamos que com as mudanças e transformações que


vêm ocorrendo, o acesso às tecnologias digitais aumentam significativamente entre
crianças em idade de processo sistemático de alfabetização, tanto dentro, como fora do
ambiente escolar (muito embora de forma não equitativa entre crianças de famílias de
diferentes contextos culturais e econômicos), com isso, é pertinente estimular as crianças
a ampliarem a compreensão sobre os conhecimentos linguísticos, discursivos e culturais
de vários sistemas de linguagem combinados e a múltiplas plataformas tecnológicas de
comunicação.
Nesse cenário, observamos a necessidade de integrar novas habilidades ao
processo de alfabetização, sem deixar de privilegiar o escrito e o impresso, nem de
considerar gêneros e práticas consagradas pela escola, mas também contemplando os
novos letramentos, especialmente digitais.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 222

Entendemos que um ensino e aprendizagem baseados em vastas pesquisas


empíricas com crianças em processo de alfabetização, tanto em ambientes escolares
quanto não escolares, constituem um dos caminhos a serem percorridos na busca de
soluções e novas metodologias de ensino, visto que o mundo mudou, os ambientes de
comunicação estão mudando, e, por isso, o ensino e a aprendizagem precisam levar em
consideração essas transformações no contexto do processo de ensino e aprendizagem.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 223

REFERÊNCIAS

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MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017.

COSCARELLI, VIANA C. Perspectivas culturais de uso de tecnologias digitais e a educação. Revista


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FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva; ARAÚJO, Mônica Daisy Vieira; GLÓRIA, Julianna Silva.
Multimodalidade na alfabetização: usos da leitura e da escrita digital por crianças em contexto
escolar. Revista Brasileira de Alfabetização, v. 1, n. 8, p. 57-84, 2 jul. 2019.

FULLAN, Michael; HAGREAVES, Andy. A escola como organização aprendente: buscando uma
educação de qualidade. Tradução: Regina Garcez. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

GLÓRIA, Julianna Silva; FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva. A alfabetização e sua relação com o uso
do computador: o suporte digital como mais um instrumento de ensino-aprendizagem da escrita.
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HISSA, Débora Liberato Arruda. Estudos de (multi)letramentos: construção de premissas teórico-didáticas


por professores em fóruns e chats acadêmicos. Linguagem: Estudos e Pesquisas, v. 24, n. 1, p. 101-120,
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PEREIRA, Susana Pires Íris. Para uma reconceptualização do processo de alfabetização. Desafios
colocados pela comunicação digital. Revista Brasileira de Alfabetização, v. 1, n. 8, p. 15-32, 2 jul. 2019.

PINHEIRO, Petrilson Alan. Web 2.0 e saber-fluxo: novas questões de letramento digital. Confluência -
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ROCHA, C. Monteiro da, O ensino de língua portuguesa na perspectiva do Projeto de Letramento:


leitura e escrita de texto multimodal/multissemiótico no nono ano do Ensino Fundamental. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal do Acre. Programa de Pós- graduação do Mestrado Profissional em
Letras. PROFLETRAS. Linha 2: Texto e Ensino. Rio Branco, Acre, p. 115. 2021.

ROJO, Roxane. Entre Plataformas, ODAs e Protótipos: novos multiletramentos em tempos de WEB2. The
ESPecialist, v. 38, n. 1, 2017.

VIGOTSKY. Levy. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos


superiores. Cole, M. (org.). 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 224

OS ORGANIZADORES
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 225

ALEXANDRE MELO DE SOUSA

Doutor em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (2007) com Pós-


Doutorado em Linguística Aplicada/Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2018-2019). Foi professor da Universidade Federal do Acre (2005-2023). Atualmente é
Professor Titular da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde desenvolve atividades
de ensino, pesquisa e extensão, relacionadas à Linguística, Língua Brasileira de Sinais
e Língua Portuguesa. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em
Linguística e Literatura (PPGLL/Ufal), do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE/Ufac) e do Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL/Unemat). Líder
do Grupo de Pesquisa Educação de Surdos, Libras e Inclusão (Eslin). Atua nas áreas de
Descrição e Análise Linguística (Libras), Educação de Surdos, e Linguística Aplicada à
Língua Brasileira de Sinais. Vice-coordenador do G.T. de Lexicologia, Lexicografia e
Terminologia da Associação Nacional de Pós graduação e Pesquisa em Letras e
Linguística (Anpoll). Vice-coordenador da Comissão Científica e Estratégica das
Ciências do Léxico da Abralin. Membro da Academia Acreana de Letras - Cadeira n 1.
Bolsista Produtividade CNPq (PQ-2).
E-mail: alexandre.sousa@fale.ufal.br

ROSANE GARCIA

Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Católica de Pelotas (2012).


Professora Associada da Universidade Federal do Acre, atuando em níveis de
Graduação e Pós-Graduação Stricto Senso. Atuou como Coordenadora Institucional dos
Programas de Iniciação à Docência (Pibid) e Residência Pedagógica da Universidade
Federal do Acre. As linhas de pesquisa de investigação envolvem as temáticas de
formação de professores e produção de textos acadêmicos, aquisição de linguagem na
perspectiva da Fonologia Gestual. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Estudos
Linguísticos e Literários (Nell/Ufac) na investigação de novas metodologias para o ensino
de Língua Portuguesa e aprimoramento do ensino na Educação Básica e no Ensino
Superior; Educação de Surdos, Libras e Inclusão (Eslin/Ufac) com pesquisas no âmbito
da educação de surdos, da Língua Brasileira de Sinais e da Inclusão do Sujeito Surdo;
Dinafon/UniCamp (Dinâmica Fônica).
E-mail: garcia.rosane@gmail.com

TATIANE CASTRO DOS SANTOS

Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Letras


pela Universidade Federal do Acre e professora Associada dessa instituição, no Centro
de Educação, Letras e Artes, da área de linguagem e Letramento. Desenvolve e orienta
pesquisas nas áreas de Alfabetização, Letramentos, Formação de Professores,
Currículo e Ensino da Língua Portuguesa. Na graduação, atua nas disciplinas Linguística
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 226

Aplicada à Alfabetização, Alfabetização e Letramento e Ensino de Língua Portuguesa. É


professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-Ufac),
Linha 2 (Formação e de Professores, Educação e Linguagens), do Programa de Pós-
Graduação em Educação na Amazônia – Educanorte e do Mestrado Profissional em
Letras – Profletras/Ufac, no qual atuou como coordenadora (Biênio 2023/2024). É vice-
líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Linguagem - Gepel/Ufac e Vice-
representante da Região Norte na Associação Brasileira de Alfabetização (Abalf).
Também é coordenadora local do Programa Leitura e Escrita na Educação Infantil – Leei
– Acre.
E-mail: tatics@hotmail.com
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 227

OS AUTORES
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 228

DANIARA PINTO DE MEDEIROS CINTRA

Licenciada em Letras Libras pela Universidade Federal de Rondônia (Unir) e


especialista em Gestão Escolar Integrada com Ênfase em Administração, Inspeção e
Supervisão, pela Faculdade UniBF. Atualmente, é professora de Libras da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura de Porto Velho. Tem experiência na área de Letras.
E-mail: daniaramedeiros@gmail.com

DANIEL MARTINS BRAGA GOMES

Licenciado em Letras Libras pela Universidade Federal do Acre (Ufac). Atualmente,


é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufac. É Especialista em
Docência do Ensino Superior (Libras) pela Faveni. É professor substituto na Ufac,
atuando na área de Libras. Tem experiência na área de Educação de Surdos.
E-mail: daniel.martins@ufac.br

EDNA PAGLIARI BRUN

Licenciada em Letras Português e Espanhol pela Universidade Federal de Mato


Grosso do Sul (UFMS); Mestre em Estudos de Linguagens – Linguística e Semiótica
(Produção de Sentido no Texto/Discurso) PPGEL/UFMS; Doutora em Estudos da
Linguagem – Linguagem e Educação (Ensino/Aprendizagem e Formação do Professor
de Língua Portuguesa e de outras Linguagens) PPGEL - Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Docente dos Cursos de Letras da Faculdade de Artes, Letras e
Comunicação (FAALC) e da Agência de Educação Digital e a Distância (Agead), da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/Cidade Universitária). Interesses
de pesquisa: formação inicial e continuada de professores, gêneros textuais/discursivos,
modelo didático e sequência didática de gêneros, atividade docente, gestos didáticos,
macropreocupações docentes, linguagem e tecnologia, tecnologias na educação,
educação on-line, ensino e aprendizagem híbridos, metodologias ativas, material
didático.
E-mail: edna.brun@ufms.br

ÉRICA RAIANE DE SANTANA GALVÃO

Doutoranda em Ensino pela Universidade Federal de Alagoas (Renoen/Ufal).


Mestra em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (PPGE/Ufal). Graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco - Unidade Acadêmica de
Garanhuns (UFRPE/UAG). Atuou como professora estagiária da Educação Infantil
(2019) pela Secretaria Municipal de Educação de Garanhuns-PE. Atuou como
professora da Educação Básica na rede privada de Maceió-AL (2022-2023). É membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didáticas da Leitura, da Literatura e da Escrita
(Gellite). Dedica-se a estudos referentes à Alfabetização, Letramento e Políticas Públicas
de Alfabetização.
E-mail: ericaraiane7@gmail.com
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 229

FERNANDA BEATRIZ CARICARI DE MORAIS

Professora Adjunta III da Academia da Força Aérea. Doutora em Linguística


Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP), com período no Departamento de Estudos
Anglísticos da Universidade de Lisboa. Pós-doutorado na UFU (PNPD/Capes) e na PUC-
SP (PDJ/CNPq). Professora do Mestrado Profissional em Educação Bilíngue do
Ines/MEC-RJ desde 2014. Membro do grupo de pesquisa “Compreensão e Produção
escrita em Língua Portuguesa como Segunda Língua: experiências, desafios e
perspectivas” do INES e do internacional “SAL” (Systemics Across Languages),
dialogando também com o Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Ciências
Aeroespaciais (Neica/Unifa). Seus interesses de pesquisa estão relacionados com o uso
da Linguística Sistêmico-Funcional e da Linguística de Corpus para análise de diversos
aspectos de uso da linguagem. Atualmente, analisa as características léxico-gramaticais
de artigos acadêmicos da área da aviação publicados em periódicos americanos.
E-mail: fernandacaricari@gmail.com

FRANCISCO ROGIELLYSON DA SILVA ANDRADE

Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da


Universidade Federal do Ceará (PPGLin/UFC). É professor de Língua Portuguesa da
Seduc e da Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza (SME). Estuda metodologias
interativas para o ensino de línguas e pela abordagem dialógica da linguagem como
subsidiária de proposta de atividades.
E-mail: rogiellyson@yahoo.com.br

GIOVANE DOS SANTOS BRITO

Mestrando em Educação Bilíngue no Programa de Pós-graduação em Educação


Bilíngue do Instituto Nacional de Educação de Surdos (PPGEB/Ines/MEC-RJ). É
especialista em Educação Especial e Inovação Tecnológica pela Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ/MEC) e Tradutor-Intérprete de Libras e Língua
Portuguesa Portuguesa certificado pelo Ines. Exerce a função na Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio da Federação Nacional de Educação e Integração
de Surdos (Feneis). Compõe o grupo de pesquisa “Compreensão e Produção escrita em
Língua Portuguesa como Segunda Língua: experiências, desafios e perspectivas”
(Ines/MEC-RJ). Estuda a temática do ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa
como Segunda Língua para alunos surdos desde 2019 e, por agora, pesquisa as
representações sobre surdos e a Libras em textos jornalísticos publicados no Brasil. Se
interessa em estudos que se voltam à Educação de Surdos e aos que fazem análises de
textos que partem da Linguística Sistêmico-Funcional.
E-mail: giovanebrito8@gmail.com
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 230

JÂNIO NUNES DOS SANTOS

Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), lotado na Faculdade


de Letras (Fale), no Curso de Licenciatura em Letras-Libras (LL), na área de Profissão
Docente. É Professor Colaborador do Mestrado em Educação, Linha 2: Formação de
Professores, Educação e Linguagens, do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Acre (PPGE/Ufac). É Doutor em Educação pela Universidade
Federal de Alagoas (Ufal) e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Possui especialização em Psicopedagogia Institucional pela Faculdade de Ensino
Regional Alternativa (Fera) com Curso de Aperfeiçoamento em Deficiência Intelectual
(Ufal). Graduado em Letras-Português pelo Instituto Federal de Alagoas (Ifal) e em
Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Tem experiência em
processos de alfabetização e letramento, no ensino de língua portuguesa (ensino
fundamental e médio), em coordenação pedagógica e na formação inicial e continuada
de professores. É Pesquisador nos seguintes grupos de pesquisa: Grupo de Estudo e
Pesquisa em Didáticas da Leitura, da Literatura e da Escrita (Gellite/Ufal); Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação e Linguagem (Gepel/Ufac); Grupo de Estudos sobre
Práticas de Linguagem e Ensino (Geple/Ifal); Grupo Educ-Me (UFS). Atuou na docência
em Educação Infantil no período 2010-2012 pela Secretaria Municipal de Educação de
Estrela de Alagoas e exerceu a função de coordenador pedagógico da Educação Infantil
no ano letivo 2021 pela Secretaria Municipal de Educação de Igaci-AL.
E-mail: janio.santos@fale.ufal.br

JÉSSICA ALVES DA SILVA

Licenciada em Letras pelo Instituto Superior de Educação Santa Marina, e em


Pedagogia pela Unesp. É especialista em Língua Portuguesa pela PUC-SP. Atualmente,
é mestranda pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras da USP - ProfLetras.
Desenvolve pesquisa sobre produção de texto escolar, envolvendo canção e autoria. É
também professora da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.
E-mail: jessica.asil@usp.br

JOSÉ JÚLIO CÉSAR DO NASCIMENTO ARAÚJO

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam, 2018).


Especialista em Formação de Professores. Especialista Sênior em Mentoria de jovens
pesquisadores. Professor do Programa de Mestrado Profissional em Educação
Profissional e Tecnológica. Professor no Instituto Federal do Acre. Líder do grupo de
Pesquisa em formação de professores nos Institutos Federais. Autor dos livros: Homem
falando do escuro (2003), Simbolismo e Imaginário no Vale do Juruá (2007); O Imperador
da Terra do Sol (2019); Caminhos da Pesquisa na Amazônia (2011); Os Institutos
federais na Amazônia (2016); Narrativas e Práticas Pedagógicas dos professores
Cruzeirenses (2020); Gestão de Documentos escolares (2021); A farsa e a Tragédia do
Programa Zona Franca Verde (2020); Precarização da formação e a intensificação do
trabalho nos Institutos Federais (2019); Os Institutos Federais: proposições (2023).
E-mail: jose.araujo@ifac.edu.br
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 231

JUÇARA ZANONI DO NASCIMENTO

Bacharel em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS);


Licenciada em Letras pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD); Bacharel
em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS); Mestre em
Estudos de Linguagens – Linguística e Semiótica (Produção de Sentido no
Texto/Discurso) – PPGEL/UFMS; Doutora em Letras – Estudos Linguísticos (Estudos do
texto e do discurso) pela Universidade Estadual de Maringá. É professora efetiva na
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de Coxim. Interesses de pesquisa:
educação, formação inicial e continuada de professores, gêneros textuais/discursivos,
sequência didática de gêneros, leitura, produção de textos, análise linguística/semiótica,
linguagem e tecnologia, tecnologias aplicadas ao ensino, educação on-line.
E-mail: jucara.zanoni@ufms.br

KARYLLEILA DOS SANTOS ANDRADE

Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Tocantins (1993), mestrado em


Linguística pela Universidade de São Paulo (2000) e doutorado em Linguística pela
Universidade de São Paulo (2006). Atualmente é profa. Titular associada da
Universidade Federal do Tocantins. Tem experiência na área de Linguística e
Antropologia Linguística, com ênfase em etnotoponímia, toponímia, léxico,
interdisciplinaridade, ensino e educação.
E-mail: karylleila@uft.edu.br

KEZIANE FERNANDES CAVALCANTE

Mestra em Letras pela Universidade Federal do Ceará (ProfLetras/UFC). É


professora de Língua Portuguesa de Secretaria da Educação do Estado do Ceará
(Seduc). Estuda ensino de leitura, gênero, material didático e oralidade em interface com
a Teoria Dialógica do Discurso.
E-mail: kezianefernandes@hotmail.com

LUCIENE BASSOLS BRISOLARA

Graduada em Letras, Licenciatura em Português, Espanhol e respectivas literaturas


pela Universidade Católica de Pelotas (2001), Mestrado em Letras - Linguística Aplicada
pela Universidade Católica de Pelotas (2004), Doutorado em Linguística e Letras
(Conceito Capes 6) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008)
com bolsa sanduíche na Universitat Autònoma de Barcelona (2006-2007), e Pós-
Doutorado pela Universidade Federal de Pelotas (2018). É professora associada IV da
Universidade Federal do Rio Grande. É professora do Programa de Pós-Graduação em
Letras, área de concentração em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio
Grande. Integra o grupo de pesquisa do CNPq “Língua materna e estrangeira: aquisição,
ensino e variação”. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Fonética e
Fonologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Aquisição da Fonologia,
Fonologia do Espanhol, Aquisição de L2, Variação Linguística e Teoria Fonológica.
E-mail: lucienebrisolara@furg.br
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 232

MAGNO PRADO GAMA PRATES

Graduado em Pedagogia (2016) pela Unopar e Graduado em Letras-Libras (2016)


pela UFPB, Especialista em Libras (2016) pela faculdade Eficaz, Mestre em Letras
(2018) pela Unir, Doutorando em Linguística pela Unemat, Ex-Coordenador do programa
dos direitos humanos da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
(Feneis), e Conselheiro Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade).
Atualmente é professor de Libras da Universidade Federal de Rondônia (Unir), lotado no
Departamento de Língua Brasileira de Sinais (Dlibras), Coordenação da Área de Libras
no Departamento, Vice coordenador do Núcleo Docente Estruturante (NDE). Vice-
Presidente da Feneis. Tem experiência na área de Política Linguística, Estudos
linguísticos em Libras e Estudos surdos.
E-mail: magno.prates@unir.br

MÁRCIA SIPAVICIUS SEIDE

Graduada em Bacharelado e Licenciatura em Letras pela Universidade de São


Paulo (1995), e em Letras Espanhol pela Universidade de São Paulo (1998). Mestrado
em Letras (Filologia e Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo (2000) e
doutorado em Letras (Filologia e Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo
(2006). É Professora Associada da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Docente
do Curso de Letras da Unioeste, campus de Marechal Cândido Rondon. Docente e
orientadora de Mestrado e de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Unioeste, campus de Cascavel. Tem experiência nas áreas de Linguística, com ênfase
em Ciências do Léxico, Lexicologia, Semântica e Onomástica. É membro efetivo do GT
da Anpoll Lexicologia, lexicografia e terminologia desde 2007, vice-coordenadora do GT
desde 2021 a 2023 e coordenadora do GT desde outubro de 2023. Em 2015, fez estágio
pós-doutoral em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina. Orienta alunos
de Doutorado e de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Letras da Unioeste.
Membro do International Council of Onomastic Sciences (ICOS) desde 2011. Membro do
Seminário Interinstitucional de Onomástica (SIO) desde 2018 e vice-coordenadora do
Observatório de Onomástica desde 2022. Editora da revista Onomástica desde América
Latina desde seu surgimento em 2020.
E-mail: marcia.seide@unioeste.br

MARGARETE NUNES

Mestra em Educação pela Universidade Federal de Rondônia (Unir). Professora da


Educação Básica do Estado de Rondônia.
E-mail: margaretenunes2009@gmail.com
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 233

MARIA DE FÁTIMA FERREIRA DE OLIVEIRA ROSILHO

Mestra em Educação, professora da Educação Básica do estado de Rondônia.


E-mail: fatinharosilho@gmail.com

NORMA SUELI FERREIRA DE ARAÚJO

Graduada em Letras-Inglês pela Universidade Federal do Acre (2003), Mestrado


em ensino de língua inglesa por meio de gêneros textuais multimodais, Mestrado
Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT).
Experiência na área de Letras, com ênfase em Letras Inglês. Servidora Pública Federal
no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), desde 2013.
Experiência na área de educação como docente de ensino básico, técnico e tecnológico,
no ensino presencial e a distância, Pronatec e Proeja. Atuo em cursos integrados ao
ensino médio, cursos subsequentes e de formação inicial e continuada. Interesse por
educação Inclusiva e ensino de língua inglesa por meio de gêneros textuais multimodais,
apoiados na Análise do Discurso Crítica.
E-mail: norma.araujo@ifba.edu.br

PATRÍCIA LUCAS

Professora de Língua Portuguesa dos cursos de Pedagogia e Direito da Faculdade


de Ensino Superior de Marechal Cândido Rondon (Isepe-Rondon) e da Rede Estadual
do Paraná (Seed), mestra em Letras (Linguagem e Sociedade) pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (2019). Especialista em Língua Portuguesa pela
Universidade Cidade de São Paulo (2012) e em Educação Especial pela Univale (2012).
E-mail: patricialucas85@hotmail.com

PAULO RICARDO AIRES RODRIGUES

Licenciado em Teatro/Artes Cênicas pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).


Atualmente, é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras na área da
Literatura, na Universidade Federal do Tocantins (UFT). É professor de Teatro/Artes.
E-mail: aires.paulo@mail.uft.edu

PHABLO ROBERTO MARCHIS FACHIN

Professor Associado do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas –


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP). Pesquisador nas áreas de
Filologia, Paleografia, Cultura Material e História da Língua Portuguesa. Publicou
“Descaminhos e dificuldades: leituras de manuscritos do século XVIII” (2008) e, com
Silvia Hunold Lara, organizou “Guerra contra Palmares: o manuscrito de 1678” (2021).
Ao longo dos anos tem se aventurado por trilhas filológicas, sempre em busca de
conhecer a história dos textos, dos seus autores, editores e dos sentidos escondidos em
suas entrelinhas, materialidades e formas de transmissão.
E-mail: phablo@usp.br
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 234

POLLYANNE BICALHO RIBEIRO

Doutora em Linguística pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É


professora e pesquisadora no Departamento de Letras Vernáculas e no PPGLin/UFC.
Estudo formação de professor de línguas em sua interface com o dialogismo bakhtiniano
e os pressupostos da ergonomia da atividade e pelo estudo de abordagem de ensino
sob o viés dialógico.
E-mail: pollyanne.bicalho@gmail.com

SUSIELE MACHRY DA SILVA

Graduada em Letras – Licenciatura em Português-Espanhol – pela Universidade


Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2003), mestrado em Letras pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2009) e doutorado em Letras pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014), com realização de estágio
de Doutorado-Sanduíche na Universitat de Barcelona (2012). Atualmente, é professora
do Departamento Acadêmico de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e realiza estágio de pós-
doutorado no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2023). Atua nas áreas de ensino-aprendizagem de Língua Adicionais,
com foco no desenvolvimento dos aspectos fonético-fonológicos.
E-mail: susiele.machry@gmail.com

UBIRATÃ KICKHÖFEL ALVES

Professor do Departamento de Línguas Modernas e do Programa de Pós-


Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Graduado em Letras – Habilitação Português – Inglês pela Universidade Federal de
Pelotas (2002), mestrado em Letras – Linguística Aplicada pela Universidade Católica
de Pelotas (2004) e doutorado em Letras – Linguística Aplicada pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2008), tendo realizado estágio de
Doutorado-Sanduíche na University of Massachusetts – Amherst, USA (2007). Realizou
estágio de pós-doutorado na Universidad Nacional de Mar del Plata (Argentina, 2014). É
coeditor-chefe da GRADUS - Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório (ISSN 2526-
2718). É membro do Comitê Editorial (biênio 2022-2024) da Revista Applied Linguistics
(ISSN 0142-7164). É coordenador da comissão científica da área de Fonologia da Abralin
(biênios 2020-2022 e 2022-2024). É pesquisador nível 1D do CNPq.
E-mail: ukalves@gmail.com
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 235

WENDELL FIORI DE FARIA

Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense, área de confluência


Estudos do Cotidiano da Educação Popular (2012); Pós Doutor – Universidade de São
Paulo/FEUSP (2018); Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná (2006);
Especialista em Pedagogia Escolar – IBPEX (2002) e em Educação à Distância –
Universidade Estadual de Maringá (2008), graduado em Pedagogia (Supervisão Escolar
e Docência das Séries Iniciais do Ensino Fundamental) – Unirondon (2000). Tem
experiência na área de Educação, pesquisando principalmente os seguintes temas:
Formação de professores, alfabetização e prática pedagógica. Atua profissionalmente
como professor Associado II na Universidade Federal de Rondônia – UNIR
(Departamento de Educação). Atuou durante 4 anos e 10 meses como professor do
magistério superior na Universidade Federal do Acre – Campus Cruzeiro do Sul (Centro
de Educação e Letras), 2 anos como professor colaborador na Universidade Estadual de
Londrina (UEL), área de Didática e Investigação Científica, 8 anos como Pedagogo da
Educação Básica na Rede Estadual de Ensino (PR), Tutor do curso Normal Superior na
Universidade Estadual de Maringá (UEM; 3 anos). Além disto, tem experiência nas
Séries Iniciais do Ensino Fundamental, na qual atuou como professor regente durante 5
anos e como Supervisor por 3 anos e 6 meses. Membro do grupo de pesquisa Práxis
PPGE/Unir.
E-mail: professorfiori@unir.br
Perspectivas para o ensino de línguas – Volume 8 236

2024

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