A Descoberta

E s te m a n u a l fo i d is p o n ib iliz a d o e m s u a v e rsã o d ig ita i a fim d e p r o p o rc io n a r a c e sso à p e s s o a s c o m
d e f ic iê n c ia v is u a l, p o s s ib ilita n d o a le itu r a p o r m e io d e a p lic a tiv o s T T S (T e x t to S p e e c h ), q u e

c o n v e rte m te x to em voz hum ana. P a ra d is p o s itiv o s m ó v e is re c o m e n d a m o s V oxdox
(w w w .v o x d o x .n e t) .
L E I N ° 9 .6 1 0 , D E 1 9 D E F E V E R E I R O D E 1 9 9 8 .( L e g is la ç ã o d e D i r e i t o s A u to r a is )
A rt. 4 6 . N ã o c o n s titu i o fe n s a a o s d ire ito s a u to ra is :
I - a re p ro d u ç ã o :
d ) d e o b r a s lite rá ria s , a rtís tic a s o u c ie n tífic a s , p a r a u s o e x c lu s iv o d e d e f ic ie n te s v is u a is , s e m p r e
q u e a re p r o d u ç ã o , s e m fin s c o m e rc ia is , s e ja fe ita m e d ia n te o s is te m a B ra ille o u o u tr o
p r o c e d im e n to e m q u a lq u e r s u p o r te p a r a e ss e s d e s tin a tá r io s ;
h ttp ://w w w .p la n a lto .g o v .b r /c c iv il_ 0 3 /le is /L 9 6 1 0 .h tm
h ttp ://w w w 2 .c a m a r a .le g .b r/le g in /f e d /le i/1 9 9 8 /le i- 9 6 1 0 -1 9 -fe v e re iro -1 9 9 8 -3 6 5 3 9 9 -
n o r m a a tu a liz a d a - p l.h tm l
D e n is C r u z é
g rad u ad o em D ir e it o
p e la U n iv e r s id a d e
C a r lo s B ia g io n i a c r e d it a v a t e r d o P a r a n á ( U n ip a r ) e
t r a b a lh a n a P r o m o t o r ia d e J u s t iç a d e
re sp o st as p ara a s q u e s t õ e s m a is
M un d o N o v o , M S. E s c r it o r t a le n t o s o ,
r e le v a n t e s d o U n iv e r s o , m a s , c o m o
é auto r d e Além da Magia, O Livro
no m it o d e D é d a lo e íc a r o , e l e
Amargo e a l g u n s l iv r o s p a r a d i d á t ic o s ,
e st a v a v o a n d o co m a sas d e cera; p u b lic a d o s p e la C a s a P u b lic a d o r a
e e ssa s asas e st av am d erreten d o . B r a s ile ir a . D e n is é c a s a d o co m a
p r o f e s s o r a E lis a e t e m d o is f ilh o s :
A p e n a s u m a o u s a d a jo r n a d a
L ív i a e K a l e l . T w i t t e r : @ d e n i s c r u z
em b u sca d e n o v as re sp o st as p ara
v e lh o s d ile m a s p o d e r ia lh e m o s t r a r
M ic h e lso n B o rg e s é
q u e é p o s s ív e l v o a r d e v e r d a d e , fo rm ad o em J o r n a lis m o
c u r a r v e lh a s f e r id a s e r e s g a t a r p e la U n iv e r s id a d e
F e d e r a l d e Sa n t a
s o n h o s e s q u e c i d o s h á m u it o t e m p o .
C a t a r in a ( U F SC ) , m e s t r e e m T e o lo g ia
E m o c i o n e -s e e v ib r e c o m a
p e lo Ce n t ro U n iv e r s it á r io A d v e n t is t a
h is t ó r ia d e s s e c ie n t is t a a t e u q u e
d e São P a u lo ( U n a sp ) e t r a b a lh a
o u so u q u e s t io n a r su a p r ó p r ia co m o e d it o r n a C a s a P u b lic a d o r a
" verd ad e d e la b o r a t ó r io ”, a t é se B r a s ile ir a . T a m b é m é a u t o r d o s l iv r o s
A Hist ória da Vida, Por Que Creio,

d ep arar co m a d e sco b e rt a q u e
Nos Bast idores da Mídia e d a s é r ie
r e v o lu c io n a r ia su a v id a .
G r a n d e s Im p é r io s e C iv iliz a ç õ e s ,
c o m p o s t a d e s e is v o lu m e s . M ic h e ls o n
tem a p re se n t a d o p a le s t r a s s o b r e
c iê n c ia e r e lig iã o em v á r ia s p a r t e s d o
B r a s il. É c a s a d o co m D é b o r a T a t ia n e e
p a i d e t r ê s f ilh o s : G io v a n n a , M a r c e lla
e M ik h a e l . T w it t e r : @ c r ia c io n is m o
A D ESCO B ER TA
A e x p e r iê n c ia q u e r e v o lu c io n o u a v id a d e u m c ie n t ist a a t e u
D E N IS C R U Z
M IC H E LS O N B O R G ES
CASA P U BLIC AD O RA BRASILEIRA

Tatuí, SP
D ire ito s de p u b licação reserv ados à
C a sa Pu b l ic a d o r a B r a s il e ir a
R o d o v ia SP 1 2 7 — k m 1 0 6
C a i x a P o st a l 3 4 - 1 8 2 7 0 - 9 7 0 - T a t u í, SP
T e l.: ( 1 5 ) 3 2 0 5 - 8 8 0 0 - F a x : (1 5 ) 3 2 0 5 - 8 9 0 0
A c e n d im e n t o a o c lie n t e : ( 1 5 ) 3 2 0 5 - 8 8 8 8
w w w .c p b . c o m .b r
1* e d i ç ã o : 4 m i l e x e m p l a r e s
2013
Coorden ação E d it o rial: M a r c o s D e B e n e d i c c o

E d ito ração : V i n í c i u s M e n d e s e N e i l a D . O l i v e i r a
Program ação V isu al: E d u a r d o O l s z e w sk i
C ap a: E d u a r d o O l s z e w sk i / F o t o s: F o t o l i a
I M P R E S S O N O B R A S I L / P rin te d in B r a z il
D a d o s I n t e r n a c io n a is d e C a t a lo g a ç ã o n a P u b li c a ç ã o (C I P )
( C â m a r a B r a s i l e i r a d o L i v r o , SP , B r a s i l )
C r u z , D e n is
A d e sc o b e r t a : a e x p e r i ê n c i a q u e r e v o l u c i o n o u a
v i d a d e u m c i e n t ist a a t e u / D e n i s C r u a e M i c h c l so n
B o r g e s. - T a t u í , SP : C a sa P u b li c a d o r a B r a si l e i r a ,
2013.
I S B N 978- 85-345-1783-6
1. F i c ç á o r e l i g i o sa I. B o r g e s, M i c h e l so n .
I I . T ít u lo .
13-00370_____________________________________ c d d -869-930382
í n d ic e s p a r a c a t á lo g o sist e m á t ic o :
1. F i c ç ã o r e li g i o sa : Li t e r a t u r a b r a si l e ir a
869930382
Todos os direitos reservados. P roibida a reprodução coral ou parcial.

Q KToaA a t u a d a por qu alqu er m eio, sem p rév ia au toriz ação escrita dos autores e da Editora.
Tipologia: Spectrum 11,5/13,5 - 13276/26303

SU M Á R IO
1 A sa s de ce r a 0 15 D p a i, a f ilh a e a s d ú v id a s 0 ^
2 Le m b r a n ça s Q 16 M e m ó r ia s t r ist e s
3 S e n t im e n t o s ^ 0 17 0 n o iv o ] _ Q ^
4 P r o m e ssa d e p ai 22 18 Flo n e s n o c a i s ^ Q Q
5 E sp e r a n ç a ^ ~P 19 R e c o n q u ist a
6 0 m e s t r e c r ia c io n is t a ~2^ ”J7 2 0 M e n sa g e m d iv in a 22
7 Tom é / j g 2 1 R e e n co n t r a ^ 2 " ?
8 0 n a d a q ue fez tudo / | ~y 2 2 U m sá b a d o e sp e cia l 23 0

,
9 0 g r a n d e p r o je t ist a 0 3 2 3 Pe rd ão ]_ 3 ^
10 C iú m e s 0 ^ 2 4 F a m ília ^ / j Q
1 1 M e t a m o r f o se sile n c io sa 0 " ^ E p ílo g o ] _ Z |_ 5
12 A v i a g e m e o liv r o “p ^ R o t e ir o p a r a a s u a jo r n a d a ^ / [ 0
13 G ê n e sis 1 5 o b r e e s t e liv r a ^ ^ 8
14 P e d r a s n a c a ix a d e v id r o ^ 5
D ED IC A T Ó R IA
DE N IS
A o m eu D eu s, qu e m e coloca n os láb ios u m sor r iso, m e sm o
qu an d o h á lágr im as n o s olh os. À m in h a e sp o sa , Elisa,
e sp e ct ad o r a - e p ar ticip an t e - d o s m e u s m elh or es e m ais
t er r íveis d ias. A o s m e u s filh os, Lívia e Kalel, r e sp o n sá v e is por
m e fazer e m en t en d er o qu e é o am o r in con dicion al e cap az de
todo e q u alq u er sacrifício. A o s m e u s p ais, Rom ildo e M er ced es,
pr im eir os m e st r e s qu e con h eci. É im p ossível dizer o qu an to
apr en di - e ain d a ap r en d o - com eles. As m in h as ir m ãs, D eise
e D en ise. Q u eria t ê - las m ais perto. N ão h á u m dia em m in h a
vid a em qu e n ão D ro p or e s s a s d u a s "m en in as” Ao coau tor
e am igo M ich elson , qu e m e deu d e p r e se n t e o en r ed o d e st e
livro e p e r so n a ge n s q u e p ossib ilit ar am d e se n vo lve r a h istór ia
en volven te e em ocion an t e q u e você vai 1er agor a.
MICHE LS ON
Ao Criador, m eu P ai, q u e b o n d osam e n t e t e m m e con du zido n e st a
jo r n ad a p ar a a v er d ad eir a vid a, levan t an d o- m e qu an do t r opeço
e m e in cen tivan d o a n ão perd er d e v ist a o objet ivo pelo qu al
e st o u aqu i. À m in h a a m a d a e sp o sa , D ébor a, e m e u s qu er id os
filh os, Ciovan n a, M ar cella e Mikh ael. Com v o cê s, m in h a jo r n ad a
t em sid o m u ito m ais in t e n sa e feliz. A o s m e u s p ais, Fr an cisco
e En edin a, e m in h as ir m ãs, M ich ela e Em an u ela. Gu ardo n u m
can tin h o todo e sp e cial d a m em ór ia o s b o n s m o m e n t o s qu e
v iv e m o s com o fam ília. Ao am igo - d e m u it os e-m aiJs, b o a s
co n v e r sas e a lgu m a s con fid ên cias - D en is Cruz. Se u d om literário
d ed icad o a D e u s m e e m ocion a a cad a lin h a qu e leio.
4 A D E S C O B E R TA
A SA S DE CERA
N
a v a r a n d a d e su a casa, n a e n c o st a d e u m a m o n t a n h a , C a r lo s t e n t a v a
im p r e ssio n a r a m o ç a q u e c o n h e c e r a h av ia p o u c a s h o r a s n u m café
d a c id ad e . A n o it e e sc u r a e se m n u v e n s e st av a p e r fe it a.
- A q u e la é a co n st e laç ão d e O r io n . As est r elas p o p u la r m e n t e co n h e cid as
n o Br asil c o m o “t r ê s M a r ia s” fa z e m p a r t e d o c in t u r ã o d o c a ç a d o r m it o
ló gic o . E a q u e la lo g o ali, m a is à e sq u e r d a , é Be t e lge u se , u m a d as e st r e las
m ais b r ilh a n t e s, c u jo d iâ m e t r o c h e ga a se r 250 v e z e s m a io r q u e o d o So l.
Ela e st á a c e r c a d e 200 a n o s- lu z d e n ó s. A go r a o b se r v e aq u i.
C a r lo s a p o n t a su a lu n e t a p a r a u m p e q u e n o p o n t o n o c é u .
—A q u e le é Sa t u r n o . C o n se gu e v e r o s an éis? Sã o p e d a ç o s d e r o c h a e ge lo
q u e c ir c u n d a m o e n o r m e p la n e t a g a so so . E lin d o , n ão ?
E n q u a n t o d e sc r e v ia as m a r a v ilh a s d o cé u n o t u r n o p a r a a jo v e m , ele
se a p r o x im a v a m a is d e la p a r a “a ju d á - la c o m o fo c o d a l u n e t a ” . M as o
c lim a r o m â n t ic o fo i su b it a m e n t e in t e r r o m p id o p e lo t o q u e d o c e lu la r d e
C a r lo s. “D e v e se r o p e sso a l d o la b o r a t ó r io ” , p e n so u . A t é q u e p e r c e b e u
q u e o n ú m e r o n o v iso r d o a p a r e lh o n ã o e r a o d o in st it u t o d e p e sq u isa s.
— Só u m m in u t o , P at r ícia. A lô ... — d isse , se m e sc o n d e r o t o m d e d e sa
gr ad o n a voz.
A SAS DE CER A 5
— C a r lo s, v o c ê t e m q u e vir p a r a c á a go r a,
A v o z t r ê m u la d e La u r a d e ix a v a c lar o q u e a lgo g r av e h av ia a c o n t e c i d o .
—M as o q u e h o u v e ? O n d e v o c ê est á?
—E st o u n o H o sp it a l C e n t r a l. V e n h a d e p r e ssa . A lg o t e r r ív e l a c o n t e c e u .
C a r lo s Biagio n i é o e x e m p lo p e r fe it o d e h o m e m b e m - su c e d id o . C o m
42 a n o s e co n sid e r á v e l c o n t a b a n c á r ia , é d o n o d e u m c u r r íc u lo in v e jáv e l.
D o u t o r e m física n u c le a r p o r u m a p r e st ig ia d a u n iv e r sid a d e n o r t e - a
m e r ic a n a , a u t o r d e t r ê s liv r o s e d iv e r so s a r t igo s p u b lic a d o s e m r e v ist as
cien t íficas, d ir ige a filial b r asile ir a d e u m av an çad o in st it u t o m u lt in a c io n a l
d e p e sq u isa s, c o m se d e n a A le m a n h a .
A m a io r p a r t e d e se u t e m p o é e m p r e g a d a n a r e a liz a ç ã o d e e x p e r im e n
t o s e m se u la b o r a t ó r io , n o in t e r io r d o E st a d o d e Sã o P au lo . O s p o u c o s
m o m e n t o s liv r e s d e q u e d isp õ e , C a r lo s d iv id e e n t r e a a st r o n o m ia e a
d iv e r sã o n o t u r n a . O s q u e v e e m o h o m e m sim p á t ic o , im p e c a v e lm e n t e
v e st id o , q u a se se m p r e c e r c a d o d e b e las m u lh e r e s, d ific ilm e n t e im a g in a m
q u e se t r a t e d e u m cie n t ist a fa m o so .
M as a d e d ic a ç ã o e xc e ssiv a à c a r r e ir a t e v e su a s c o n se q u ê n c ias n e gat iv as.
C o m o t e m p o , C a r lo s a cab o u se d ist a n c ian d o d a e sp o sa , Lau r a. O s u n iv e r
sit ár io s so n h a d o r e s q u e ju r a r a m “a m o r e t e r n o ” t o r n a r a m - se p r a t ic am e n t e
e st r an h o s h ab it an d o o m e sm o t e t o d a casa q u e m ais p ar ecia h ot el. En q u an t o
C a r lo s se a fu n d a v a e m liv r o s — o u t r a d e su a s p a ix õ e s — e gast a v a c a d a v e z
m ais t e m p o co m pesqu isas, Lau r a levava u m a vid a fú t il, d ed ican d o- se ap en as
à m a n u t e n ç ã o d a b o a fo r m a física, q u e m a n t in h a à c u st a d e lo n ga s h o r a s
n a ac a d e m ia e c o m se u ar se n al d e c o sm é t ic o s car íssim o s. Q u a n d o p e r ce b e u
q u e p e r d ia o m a r id o p a r a a ciên cia, e la t e n t o u r e c o n q u ist á - lo r e a lç a n d o
se u s já d e st a c a d o s a t r ib u t o s físico s d e lo ir a a lt a e e sgu ia, d o t ip o top m odel.
F o r m a d a e m o d o n t o lo g ia , La u r a n u n c a c o n se g u iu e xe r c e r a p r o fissã o
d e v id o às c o n st a n t e s m u d a n ç a s d e e n d e r e ç o , a c o m p a n h a n d o a a sc e n sã o
p r o fissio n al d o m a r id o . Q u a n d o o s Biagio n i se e st a b e le c e r a m n o in t e r io r
d e Sã o P au lo , c o m p e r sp e c t iv a s d e u m fu t u r o m a is e st áv e l e r e sid ê n cia
fixa, La u r a já n ã o m a is t in h a d isp o siç ã o n e m in t e r e sse d e t r a b a lh a r
c o m o d e n t ist a . H av ia se a c o m o d a d o c o m a se g u r a n ç a fin an ce ir a d e q u e
d e sfr u t a v a m e n e m p e r c e b e u q u e a o s p o u c o s fo i p e r d e n d o a v o n t a d e d e
c r e sc e r e a lc a n ç a r n o v o s a lv o s p e sso a is. C o m o n a sc im e n t o d a p r im e ir a
e ú n ic a filh a, o p r in c ip al o b je t iv o d a b e la d e n t ist a e r a r e c u p e r a r o c o r p o
d e m o d e lo . E, se p o ssív e l, o a m o r p e r d id o d o m a r id o .
Be a t r iz Biagio n i e r a u m b eb ê sa u d á v e l e in t e lige n t e , a q u e m C a r lo s m a l
v iu cr e sce r . N a d a t a m a r c a d a p a r a o p a r t o , o c ie n t ist a e st a v a n a Bé lgica,
p a r t ic ip a n d o d e u m c o n gr e sso m u n d ia l d e física. N a fe st a d o p r im e ir o
an iv e r sár io d a m e n in a , C a r lo s t a m b é m n ã o e st ev e p r e se n t e . U m a r e u n iã o
d a d ir e t o r ia d a m u lt in a c io n a l o a b so r v e u c o m p le t a m e n t e . M as o p io r
a c o n t e c e u n o D ia d o s Pais, q u a n d o Be a t r iz t in h a o it o a n o s.
C ar lo s h av ia t r ab alh ad o 48 h o r a s se gu id as p a r a co n clu ir u m r e lat ó r io
q u e d e v e r ia se r e n v iad o à m a t r iz d a e m p r e sa. Q u a n d o v o lt o u p ar a casa, n a
m a n h ã d e d o m in go , D ia d o s Pais (q u e , clar o , ele n e m le m b r av a), a m e n in a
e u fó r ica in sist iu p a r a q u e ele ver ificasse a co r r e sp o n d ê n c ia so b r e a m e sa d o
escr it ó r io . C a r lo s d isse q u e t u d o o q u e ele q u e r ia n a q u e le m o m e n t o e r a
d o r m ir u m p o u c o , p ois e st av a e xa u st o . Be at r iz in sist iu e acab o u le v an d o
u m a b r on ca: “Vá b r in car c o m su a m ãe , Beatr iz. Eu p r e ciso d escan sar . T u d o o
q u e n ã o q u e r o ago r a é m e in c o m o d a r c o m co r r e sp o n d ê n cia.” D e sap o n t ad a,
a ga r o t in h a o b e d e ce u e foi assist ir à TV. C ar lo s a c o r d o u t r ê s h o r as d ep ois, e
Beat r iz v o lt o u a o a ssu n t o : “Papai, p o r favor , v á at é o e scr it ó r io .” Para e vit ar
n o v o co n fr o n t o c o m a filh a, lá foi ele, se m co n se gu ir d isfar çar o m au h u m o r ,
ver ificar q u e c a r t a e r a essa, afin al, cap az d e d eixar su a filh a t ã o e n t u siasm ad a.
Q u a n d o c h e go u a o e sc r it ó r io e p e g o u o e n v e lo p e c o lo r id o , se n t iu u m
n ó fo r m a r - se n a ga r ga n t a . N o lo c a l d o d e st in a t á r io , e st a v a e sc r it o c o m
le t r a s gr a n d e s: “P ar a o p a p a i q u e t a n t o a m o .” Er a u m a c a r t in h a d a filh a
fe lic it a n d o - o p e lo D ia d o s Pais. N a q u e le m o m e n t o , C a r lo s q u e r ia q u e a
t e r r a o e n go lisse p a r a n ã o t e r q u e e n c a r a r a filh a e p e d ir - lh e p e r d ã o p o r
t e r sid o t ã o r u d e . Isso ja m a is lh e saiu d a m e m ó r ia .
O c a sa m e n t o d e C a r lo s e La u r a a in d a t e v e u m a so b r e v id a d e m ais m e ia
d é cad a. O p o n t o fin al fo i a e st r a n h a m u d a n ç a q u e se o p e r o u n a v id a d e
La u r a . C a r lo s p o d ia su p o r t a r t u d o : as r e c la m a ç õ e s fr e q u e n t e s d a e sp o sa,
su a c o n v e r sa v a z ia e se m se n t id o p a r a se u in t e le c t o b r ilh a n t e . T u d o .
M e n o s a q u ilo . F r e q u e n t e m e n t e , C a r lo s se ju st ific a v a d iz e n d o q u e n ã o
A S A S D E CER A ' 7
se r ia p o ssív e l co n v iv e r c o m as n o v a s id e ias q u e a e sp o sa r e so lv e u e n fia r
n a cab e ça. P o u c o t e m p o d e p o is, o c a sal se se p a r o u .
— Sai d a fr e n t e , m o le n g a ! — c o m o s v id r o s d e se u Lan d R o v e r e r gu id o s,
c e r t a m e n t e o gr it o ir ad o d e C a r lo s n ã o fo i o u v id o p e lo m o t o r ist a q u e se gu ia
se u c a m in h o t r a n q u ila m e n t e , o b st r u in d o a p a ssa ge m . Er a d ifícil m a n t e r
a c a lm a , sa b e n d o q u e su a filh a e st a v a e n t r e a v id a e a m o r t e , n a UT1 d o
H o sp it al C e n t r a l. Fazia seis a n o s q u e eles n ã o m o r a v a m so b o m e sm o t e t o ,
n e m se v ia m c o m t a n t a r e gu la r id a d e . Seis a n o s q u e só fiz e r a m a u m e n t a r
o a b ism o e n t r e o s m e m b r o s d a fa m ília Biagio n i, M a s isso n ã o im p o r t a v a
a go r a . N a v e r d a d e , n a d a im p o r t a v a a go r a —ca r r e ir a, fa m a , d in h e ir o ... D e
r e p e n t e , C a r lo s se d e u c o n t a d e c o m o e ssas co isas p e r d e m o v a lo r .
O físico e st a c io n o u o c a r r o e m fr e n t e a o h o sp it a l e c a m in h o u c o m
p a sso s a p r e ssa d o s at é a p o r t a r ia . A p r e se n t o u - se e a r e c e p c io n ist a o le v o u
at é a sa la d e e sp e r a.
—C o m o a Be at r iz est á? —p e r g u n t o u o fe gan t e ao v e r Lau r a se n t a d a n u m
d o s b a n c o s d a sa la q u e c h e ir a v a le v e m e n t e a á lc o o l.
—O q u a d r o é g r a v e —d isse ela, n it id a m e n t e m ais se r e n a q u e o e x- m ar id o .
—O s m é d ic o s d isse r a m q u e , se e la so b r e v iv e r , p r o v a v e lm e n t e ficar á p a r a
p lé gica.
— N ã o ! N ã o p o d e se r — C a r lo s c a m in h o u a t é a ja n e la , p r o c u r a n d o
a lg u m ar . — C o m o isso fo i a c o n t e c e r ?
—Ela v o lt a v a d e u m a r e u n iã o c o m a m igo s d a igr e ja, q u a n d o u m m o t o
r ist a b ê b ad o in v ad iu a c a lç a d a e m a lt a v e lo c id ad e e a a t r o p e lo u .
— Q u e a b su r d o !
—E. M as t e n h o fé e c o n fio e m D e u s. Se Ele q u ise r ..,
— Se Ele q u ise r ?! Se Ele q u ise sse m e sm o q u e e la ficasse b e m , p o r q u e
p e r m it ir ia q u e isso aco n t e c e sse ? Q u e D e u s é e sse q u e v o cê s t ê m ?
—C a r lo s, p o r fav o r , ac a lm e - se . N ã o p io r e a sit u aç ão . N ã o t e n h o d ú v id a s
d e q u e t o d a s as co isas c o o p e r a m p a r a o b e m d a q u e le s q u e a m a m a D e u s.
— A t é a d e st r u iç ã o d a v id a d e u m a jo v e m q u e m a l c o m e ç o u a viver ?
Be a t r iz t e m só 16 an o s...
— N ó s só v e m o s o aq u i e a go r a . D e u s vê m u it o a lé m .
C ar lo s o lh o u se v e r am e n t e p a r a Lau r a e n ã o c o n se gu iu se g u r a r a o fen sa.
— E st á b e m . A cab e i d e m e le m b r a r p o r q u e n o s se p a r a m o s. N ã o v im
aq u i p a r a d isc u t ir m it o lo gia s. O n d e e la est á? P o sso vê- la?
—O s m é d ic o s p r o ib ir a m v isit as, p o r e n q u a n t o . Só p o d e m o s e sp e r ar .
Se m sab e r e x a t a m e n t e o q u e faz e r , C a r lo s se v o lt o u le n t a m e n t e p a r a a
ja n e la d a p e q u e n a sala. Ali, d o q u in t o an d ar d o p r é d io , c o n se gu ia v e r b o a
p a r t e d a c id ad e —as casas, o s e d ifício s, as e st r ad a s, o s a u t o m ó v e is... A v id a
se g u in d o se u flu x o n o r m a l. P e sso as in d o e v in d o , c o m a m e n t e ch e ia d e
p r e o c u p a ç õ e s e so n h o s. C a d a u m a lu t a n d o c o m o p o d ia p a r a so b r e v iv e r ,
fr e q u e n t e m e n t e ign o r an d o q u e , n a v e r d ad e, n o fim d as co n t as, t o d o m u n d o
acab a t e n d o q u e e n fr e n t a r a im p o t ê n c ia h u m a n a , t o r n a n d o - se , e m m a io r
o u m e n o r g r a u , c o n sc ie n t e d e q u ã o fu ga z e fr ágil é a vid a.
C o m a t e st a e n c o st a d a n o v id r o , t e n t a n d o av aliar t u d o o q u e e st av a
a c o n t e c e n d o , C a r lo s se le m b r o u d a le n d a d e D é d a lo e ícar o . Se g u n d o o
m it o gr e go , D é d a lo e se u filh o , ícar o , c o n se gu ir a m íu g ir d o cat ive ir o n o
lab ir in t o d a ilh a d e C r e t a c o m asas q u e o p ai c o n st r u iu u t iliz an d o p e n as e
cer a. D é d a lo a lç o u v o o e p o u so u a salv o n a Sicília. ícar o , im p r u d e n t e , v o o u
e m d ir e ç ã o a o So l, c u jo c a lo r d e r r e t e u a ce r a q u e p r e n d ia as asas, e e le d e s
p e n c o u . E o q u e ele, C a r lo s, t in h a fe it o d u r a n t e t o d a a su a e xist ê n cia se n ã o
co n st r u ir u m lab ir in t o p a r a si m e sm o ? U m lab ir in t o q u e o iso lo u d as p e sso as
m ais im p o r t a n t e s d e su a v id a. E ao co n fiar a p e n a s e m su a cap acid ad e p a r a
r e so lv e r t o d o s o s p r o b le m as, n ã o e st av a ele t e n t an d o v o ar c o m asas d e cera?
As p e r n a s fr a q u e ja r a m e n q u a n t o a m e n t e m e r g u lh a v a n u m t u r b ilh ã o
d e p e n sa m e n t o s d e so r ga n iz a d o s. P e n so u n a filh a in co n sc ie n t e n a c a m a d o
h o sp it al, e u m a can ção lh e veio à m e m ó r ia : “É p r eciso a m a r as p essoas c o m o
se n ã o h o u v e sse a m a n h ã .” C o m o g o st a r ia d e p o d e r d ize r o q u a n t o Be at r iz
sign ificav a p a r a ele. P o d er d ize r o q u a n t o a am av a. Le m b r o u - se d a ca r t in h a
a m áv e l, c o m e n v e lo p e c o lo r id o , q u e e sp e r o u n a m e sa d o e scr it ó r io p a r a
se r a b e r t a e lid a p o r e le, t a n t o s a n o s a n t e s. “P ar a o p a p ai q u e t a n t o a m o ...”
Le v a n t a n d o o s o lh o s p a r a o c é u ch e io d e e st r e la s, se m n u v e n s, u m
ú lt im o p e n sa m e n t o e x p lo d iu e m su a m e n t e : su a s asa s t a m b é m e r a m d e
ce r a. E e st a v a m d e r r e t e n d o .
A S A S D E CER A 9
LEM BRA N ÇA S
a u r a se n t o u - se n u m a d a s p o lt r o n a s d a sala e ju n t o u as m ã o s e m sile n
L c io sa o r a ç ã o . O g e st o n ã o p a sso u d e sp e r c e b id o d e C a r io s q u e m e n e o u
a ca b e ç a e m r e p r o v a ç ã o . A lg u m a s h o r a s d e p o is, u m m é d ic o v e io a t é e le s e
c o n v id o u - o s p a r a e n t r ar e m su a sala. Q u a n d o t o d o s e st av am a c o m o d a d o s,
o d o u t o r c o m e ç o u a falar :
—O p io r já p a sso u .
U m a lágr im a r o lo u p e lo r o st o d e Lau r a, e e la a p e r t o u fo r t e am b as as m ão s.
—N e st e e x a t o m o m e n t o , u m a e q u ip e t r a b a lh a p a r a e st ab ilizar a p r e ssã o
in t r a c r a n ia n a . Ela so fr e u im p a c t o n a s p e r n a s, c o lu n a e cab e ça. E st a m o s
fa z e n d o t u d o o q u e e st á a o n o sso alcan ce , m a s o r isco d e m o r t e , e m b o r a
t e n h a d im in u íd o , ain d a n ã o e st á d e sc a r t a d o .
O e x- casal se e n t r e o lh o u c o m u m ar d e in t e r r o gação . N ão sab iam e xat a
m en t e se p o d e r iam sen tir-se aliviados o u ain d a m ais p r e o cu p ad o s co m as n ovas
in fo r m açõ e s. Fizer am algu m a s p e r gu n t as ao m é d ico e d ep ois ele o s o r ien t o u a
ir e m p a r a casa e d escan sar , p o is só t e r iam r e sp ost as m ais co n cr et as d e m an h ã .
— Se v o c ê q u ise r , e u fico e lh e d o u n o t íc ia s p o r t e le fo n e —d isse C a r lo s,
q u a n d o sa ír a m d a sala.
1 0 A D E S C O B E R TA
—V a m o s p a r a casa t e n t ar d e sc a n sar , c o m o m a n d o u o m é d ic o . A m a n h a
v o lt a m o s aq u i —La u r a fa io u e se v ir o u . Est av a aflit a e p r e o c u p a d a , p o r é m ,
se n t ia a e sp e r a n ç a a c a le n t a n d o - lh e o co r aç ão .
C a r lo s fico u ali n o c o r r e d o r , a t é c o lo c a r a m ã o n o b o lso d a ja q u e t a e
sen t ir o fr io d o m e t al d a ch ave d o car r o. “Vou p ar a casa”, p e n so u fin alm en t e.
Já e r a m a d r u g a d a q u a n d o d ir igia p e la s r u a s d a c id ad e se m ia d o r m e c id a .
C h e g o u à su a c a sa e, c o m o d e c o st u m e , lig o u a t e le v isã o p a r a p r e e n c h e r
o silê n cio . Jo go u - se n o so fá e n q u a n t o as v o z e s d o s p e r so n a g e n s d e u m
film e an t igo e c o a v a m p e lo am b ie n t e . N ã o h av ia n a d a e m su a m e n t e . N e m
m e sm o p o d ia q u e st io n a r a D e u s, p o is n ã o a c r e d it a v a e m Su a e xist ê n cia.
P ar a C a r lo s, t u d o n ã o p a ssa v a d e u m e m a r a n h a d o d e co in cid ê n cias
có sm ic as. U m u n iv e r so e m e t e r n a m u t a ç ã o e e v o lu ç ã o q u e r e su lt o u n u m
p la n e t a q u e m a n ife st o u as co n d içõ e s a d e q u ad as p a r a o su r g im e n t o d a vid a
e, d e p o is d e m a is u m a in fin id a d e d e t e m p o , a h u m a n id a d e t e r ia su r gid o ,
fr u t o d o a c a so q u e , d e a lg u m a fo r m a , t r o u x e o r d e m a o cao s.
D e it a d o n o so fá, o físico n ã o p ô d e d e ixar d e se p e r g u n t a r : “Se t u d o é
fr u t o d o a c a so , se o a m o r é c o n se q u ê n c ia d e u m e m a r a n h a d o d e r e aç õ e s
q u ím ic a s, p o r q u e so fr e r t an t o ? E u n ã o d e v e r ia, e n t ã o , so fr e r p o r a lgo q u e
é m e r o fr u t o d a e v o lu ç ã o . Se m e u c é r e b r o é a p e n a s u m a m o n t o a d o d e
m o lé c u la s, p o r q u e sin t o e ssa d o r ?”
C a r lo s r a c io n a liz o u a q u e st ã o , m a s, m e sm o a ssim , a a n g ú st ia o ab at ia.
N e n h u m p e n sa m e n t o lh e t r a z ia c o n fo r t o o u alív io, e e le b e ir av a o d e se s
p e r o , p r o c u r a n d o q u a lq u e r a r g u m e n t o p a r a a m p a r á - lo .
F in a lm e n t e , p e n so u e m La u r a e e m c o m o a e x - m u lh e r se a p r e se n t o u
c a lm a e se g u r a . H av ia a lgo m a is n e la , m a s C a r lo s se r e c u sa v a a a d m it ir .
A m a d r u g a d a a v a n ç o u , d e r r u b a n d o t o d o o p e so d a q u e le d ia n o c o r p o
d o cien t ist a q u e , fin alm e n t e , c o n se gu iu d o r m ir u m so n o t u m u lt u a d o , c o m
so n h o s q u e t r a z ia m f lash e s d o a c id e n t e o c o r r id o c o m Be at r iz. N o p e sad e lo ,
o a c id e n t e q u e C a r lo s n ã o assist iu p a r e c ia u m a c e n a d ist a n t e e in t o cáv e l.
Ele a c o r d o u su a n d o , a ssu st a d o e c o m o so l ilu m in a n d o t o d a a sala.
C o m o c o r p o d o lo r id o , d ir igiu - se p a r a o b a n h e ir o e t o m o u u m b an h o
q u e , e m q u a lq u e r o u t r a o p o r t u n id a d e , se r ia r e v igo r a n t e . N o silê n cio d a
casa, e n c a m in h o u - se p a r a a c o z in h a . A b r iu a ge la d e ir a e c o m e u u m r e st o
g e la d o d e la sa n h a . Foi se u café d a m a n h ã .
LEM BR AN ÇAS 1 1
C a r lo s n ã o e sp e r o u La u r a ligar . Sim p le sm e n t e se a r r u m o u e fo i p a r a o
h o sp it a l. N o c a m in h o , i g n o r a n d o as leis d e t r â n sit o , lig o u p a r a su a se c r e
t á r ia e p e d iu p a r a q u e e la ad iasse o s c o m p r o m isso s. E st a r ia in c o m u n ic á v e l
d u r a n t e t o d o o d ia.
Q u a n d o c h e go u a o h o sp it a l, a r e c e p c io n ist a in fo r m o u o n ú m e r o d o
a p a r t a m e n t o e m q u e Lau r a e st av a. A e x- m u lh e r h av ia c u id a d o d o s d e t alh e s
p a r a r e se r v a r u m q u a r t o q u e r e c e b e r ia a filh a t ã o l o g o e la saísse d a U T I.
—H á a lg u m a n o v id a d e so b r e o q u a d r o d a Be at r iz? — p e r g u n t o u p a r a a
jo v e m d o o u t r o la d o d o b a lc ã o .
— O m é d ic o fa r á a visit a d a q u i a p o u c o . C e r t a m e n t e e le c o m u n ic a r á a
v o c ê s q u a lq u e r a lt e r a ç ã o d o q u a d r o .
C a r lo s se d ir igiu a o q u a r t o in d ic a d o e, assim q u e e n t r o u , v iu La u r a e
u m a m u l h e r q u e ele c h a m a v a d e “a cr e n t e d a a c a d e m ia ” , se n t a d a s n u m a
p e q u e n a p o lt r o n a . C u m p r im e n t o u as d u a s m u lh e r e s e, u m t a n t o c o n s
t r a n gid o , se d e u c o n t a d e q u e n ã o se le m b r a v a d o n o m e d a a m iga d e Lau r a.
— A Be a t r iz e st á m e lh o r — d isse La u r a , liv r a n d o C a r lo s d o e m b a r a ç o .
—Se t u d o c o r r e r b e m , e la v ir á p a r a e st e q u a r t o h o je .
O a p a r t a m e n t o e r a b e m a r r u m a d o - o m e lh o r q u e o d in h e ir o p o d e r ia
p a g a r — e, a p e sa r d e t e r t e le v isão , p o lt r o n a e u m d isc r e t o b a n h e ir o , c a d a
d e t a lh e le m b r a v a u m q u a r t o d e h o sp it a l, c o m e ç a n d o p e lo c h e ir o d e
á lc o o l, a t é as c a m p a in h a s d e e m e r gê n c ia n a c a b e c e ir a d o le it o h o sp it a la r .
— D e u s c u id a r á p a r a q u e t u d o fiq u e b e m —d isse a o u t r a m u lh e r .
C a r lo s a o lh o u c o m d e sd é m e se n t iu q u e a in d a c u lp a v a a “c r e n t e d a
a c a d e m ia ” p e lo r o m p im e n t o d e se u c a sa m e n t o .
N a q u e le m o m e n t o , fo i im p o ssív e l n ã o se le m b r a r d e se u p a ssa d o , q u e
a go r a p a r e c ia t ã o d ist an t e .
■ * + * * *
N u m a d as r ar as n o it e s e m q u e C a r lo s c h e go u c e d o p a r a o ja n t a r , La u r a
c o n t o u - lh e a n o v id ad e :
— Sab e , h o je c o n h e c i u m a m u lh e r m u it o in t e r e ssa n t e n a a c a d e m ia .
— A h , é? — c o m o se m p r e , C a r lo s se e sfo r ç a v a p a r a d e m o n st r a r u m
in t e r e sse q u e n ã o exist ia. — P asse - m e a ge le ia, p o r fav o r .
—E u sei q u e v o cê d e v e e st a r p e n sa n d o : “Lá v e m e la c o m a q u e le p a p o
d e gin á st ic a lo c a liz a d a , c a lo r ia s e t u d o o m a is”; m a s, a n t e s d e c o lo c a r a
m e n t e e m st an d by , p e lo m e n o s t e n t e o u v ir o q u e t e n h o a d ize r .
C a r lo s d e ix o u a t o r r a d a so b r e a m e sa e le v a n t o u o s o lh o s p a r a ve r ificar
a e x p r e ssã o n o r o st o d a e sp o sa . O o lh a r d e La u r a c o n fir m a v a o t o m d e
su a s p a la v r a s. O a ssu n t o d e v ia se r m e sm o sé r io .
—Ela fa z g in á st ic a c o m ig o —c o n t in u o u Lau r a. — E h o je p u d e m o s c o n
v e r sa r u m p o u c o n o v e st iá r io . E la m e d isse c o isas q u e e u n u n c a h av ia
o u v id o e so b r e as q u ais ja m a is t in h a p e n sa d o .
C a r lo s n ã o c o n se gu iu e sc o n d e r a su r p r e sa . A p ó s a n o s, a c o n v e r sa d e
su a e sp o sa o d e ix a r a c u r io so e r e a lm e n t e in t e r e ssa d o .
— D e p o is d e se a p r e se n t ar , p o is é n o v a n a a c a d e m ia , a m o ç a sim p á t ic a
p e r gu n t o u p o r q u e m e in t er e sso p o r exer cícios físicos. Be m , m in h a r e sp o st a
n ão in t er e ssa. In t e r e ssan t e m e sm o foi o c o m e n t á r io q u e e la fez e m segu id a.
— E o q u e e la d isse d e t ã o e sp e cial? — C a r lo s se a je it o u n a cad e ir a.
— D isse - m e q u e e m b o r a o m u n d o m o d e r n o t e n h a r e d e sc o b e r t o a
im p o r t â n c ia d as at iv id ad e s físicas, d o r e p o u so , d o u so a b u n d a n t e d a águ a,
d a a lim e n t a ç ã o n a t u r a l e e q u ilib r a d a , t u d o isso já h av ia sid o a n t e c ip a d o
e m m ilê n io s n u m liv r o a n t iq u íssim o , c o n h e c id o , m a s n e m se m p r e a lv o
d a aten ção qu e m erece.
— U m liv r o ? Q u al?
— A Bíb lia.
- A h , p o r favor , L a u r a - C a r lo s r e sm u n go u e m o r d e u a t o r r ad a c o m geleia.
—Esp er e. D e ixe - m e p r ossegu ir . T am b é m tive essa r e ação d e in cr ed u lid ad e,
n o in ício . M as a m o ç a n ã o m e p a r e c e u u m t ip o d e c r e n t e p r o se lit ist a o u
fan át ic a. E la é p r o fe sso r a u n iv e r sit á r ia d e H ist ó r ia e o q u e d isse faz se n t id o .
A lé m d isso , se u je it o d e d ize r as c o isa s e su a s p a la v r a s t in h a m a u t o r id a d e .
N ã o sei e x p lic a r , m a s e la p a r e c ia c ir c u n d a d a p o r u m a a t m o sfe r a e sp e cial,
q u e fisgo u m in h a a t e n ç ã o . A lg o q u ase ... m á g ic o . Se i lá.
C a r lo s c o lo c o u su c o n o c o p o e c o n t in u o u a c o m e r su a fat ia d e t o r r ad a .
A q u e le a ssu n t o c o m e ç a v a a ficar m u it o e st r a n h o . M as d e c id iu n ã o in t e r
r o m p e r a e sp o sa n a q u e le m o m e n t o .
—Se g u n d o e la, a e st im a t iv a d e v id a n o a n t igo E git o , o n d e M o isés v iv e u
e fo i e d u c a d o , e r a d e ce r ca d e 50 a n o s. Q u a n d o lib e r t o u o s h e b r e u s e os
LEM BR AN ÇAS 1 3
c o n d u z iu n u m a jo r n a d a p a r a C a n a ã , o líd e r o r ie n t o u o p o v o a se g u ir as
r e c o m e n d a ç õ e s d iv in as r e la c io n a d a s à sa ú d e . C o m isso , a m é d ia d e v id a
d e le s fo i e le v a d a p a r a m a is d e 70 a n o s. M in h a c o le g a d e a c a d e m ia fa lo u
t a m b é m a r e sp e it o d a d ie t a sa u d á v e l d e Je su s, q u e n a t u r a lm e n t e se g u ia
as r e c o m e n d a ç õ e s b íb licas d e sa ú d e .
— E q u e d ie t a e r a essa? — p e r g u n t o u o m a r id o , fin gin d o in t e r e sse . P or
u m m o m e n t o , p e n so u q u e o a ssu n t o so b r e gin á st ic a lo c a liz a d a se r ia m ais
in t e r e ssa n t e .
—Be m , p a r a co m e ç a r , Je su s n ã o u sa v a car n e d e p o r c o , q u e é c o m p r o v a -
d a m e n t e n o c iv a p o r t r a n sm it ir d o e n ç a s c o m o a císt ice r c o se e a t r iq u in o se .
A lé m d isso , c o m ia p ã o in t e gr a l, r ico e m fib r as. T a m b é m fa z ia m p a r t e d o
c a r d á p io le n t ilh as, c e b o la e a lh o , q u e su p r ia m as n e c e ssid a d e s d e fe r r o e
b e n e ficiav am o sist e m a im u n o ló gic o , b aixan d o o s n íveis d e c o le st e r o l r u im .
O su c o d e u v a e o azeit e d e o liv a e r a m ig u a lm e n t e a b u n d a n t e s. Esse t ip o
d e az e it e é r ico e m p o life n ó is e v it a m in a B, p o r isso t a m b é m fo r t a le c e o
sist e m a im u n o ló gic o , é an t i- in flam at ó r io e u m p o d e r o so an t ib iót ico n at u r al,
c a p a z d e r e d u z ir a fo r m a ç ã o d e p la c a s d e g o r d u r a n o s v a so s sa n gu ín e o s.
—Sei...
—Já o v in h o , q u e n a é p o c a d e Je su s e r a u m a m ist u r a d e casca d e u v a, á gu a
e m e l, p o ssu i e q u iv a le n t e m o d e r n o n o su c o p u r o d a u v a. U m c o p o d e sse
su c o t e m p r a t ic a m e n t e a m e sm a q u a n t id a d e d e r e sv e r a t r o l q u e u m a t a ç a
d e v in h o . O r e sv e r at r o l t e m e fe it o a n t io xid an t e e é b e n é fico p a r a o c o r aç ão .
—T á, e p o r q u e isso t u d o d e ix o u v o c ê t ã o su r p r e sa ? N ã o é o q u e v o c ê
se m p r e lê n e ssa s r e v ist as d e sa ú d e ?
— Esse é o p o n t o . A ciê n cia m o d e r n a e st á c o n st a t a n d o co isas q u e já
e st a v a m n a Bíb lia h av ia m ilê n io s. M a s m in h a a m ig a n ã o fa lo u a p e n a s
d o e st ilo d e v id a sa u d á v e l d e fe n d id o p e lo s e sc r it o r e s b íb lico s. Ela fa lo u
so b r e m u it a s o u t r a s co isas su r p r e e n d e n t e s. C o isa s q u e m e fiz e r a m v e r a
Bíb lia c o m o u t r o s o lh o s. Sab e , C a r lo s, se m p r e ach e i q u e e sse e r a u m liv r o
p a r a g e n t e d e m e n t e e st r e it a , q u e a c r e d it a e m t u d o o q u e o u v e .
— M e d e sc u lp e , La u r a — in t e r r o m p e u C a r lo s, já se le v a n t a n d o m as
e u c o n t in u o a c h a n d o isso . C o m lice n ça, p r e c iso d e sc a n sa r .
La u r a e a “cr e n t e d a a c a d e m ia ”, c o m o d izia C a r lo s, se t o r n a r a m gr an d e s
am igas. T o d as as se m a n as e las se e n c o n t r a v a m an t e s d as se ssõ e s d e gin ást ica
p a r a e st u d a r a Bíb lia, ü q u e p ar e cia, d e in ício, m a is u m d o s m o d ism o s p a s
sage ir os d a e sp o sa acab o u se t o r n a n d o u m p e sad e lo p a r a o cien t ist a. Ele n ão
a gu e n t av a m ais o u v ir falar e m “P alav r a d e D e u s” , “sa lv a ç ã o ", “se n t id o p ar a
a v id a ” , “v o lt a d e Je su s” , e co isas afin s. M e sm o Be a t r iz p a r e c ia c o n t a giad a
c o m as id e ias e st r a n h a s d a m ãe . E m b o r a d isco r d asse d e t u d o aq u ilo , u m a
co isa C a r lo s n ã o p o d ia n e ga r : e las p a r e c ia m m e sm o m a is felizes.
P ar a o físico cé t ic o q u e se ga b a v a d e se u r a c io c ín io ló g ic o , t o d a a q u e la
c o n v e r sa d e Bíb lia e r e ligiã o fo i a g o t a d ’á gu a q u e fa lt a v a p a r a faz e r t r a n s
b o r d ar u m m a r d e in sat isfação c o m u m c a sa m e n t o q u e e st av a m o r t o h avia
m u it o t e m p o . A se p a r a ç ã o fo i in e v it áv e l, e Lau r a r e so lv e u d e ixar a c a sa n a
e n c o st a d a m o n t a n h a p a r a v iv e r c o m Be a t r iz n u m a m p l o a p a r t a m e n t o
n o c e n t r o d a c id ad e . A ssim as d u a s p o d e r ia m v iv e r se m o p o siç ã o à fé q u e
se t o r n o u t ã o im p o r t a n t e p a r a e las.
C a r lo s fo i a r r e b a t a d o d e su a s le m b r a n ç a s p e lo m é d ic o q u e e n t r o u n o
q u a r t o . T o d o s fic a r a m e m p é im e d ia t a m e n t e .
— P o r fa v o r , se n t e m - se — d isse o d o u t o r , e su a e x p r e ssã o n ã o r e v e lav a
n a d a . — P r e ciso lh e s d ize r a lg u m a s c o isas so b r e a Be at r iz .
LEM BR AN ÇAS 1 5
SEN TIM EN TO S
im in u ím o s d r a st ic a m e n t e o s r isco s d e m o r t e d e Be at r iz — d isse
D o D r . V ít o r , se n t a d o n u m a c a d e ir a p r ó x im a a o s p ais — m a s e la
e st á p a r a p lé gic a .
Lá gr im a s e n c h e r a m o s o lh o s d e La u r a , e e la se g u r o u fir m e as m ã o s d a
a m ig a a o se u la d o . C a r lo s c o n t r o lo u o d e se sp e r o e d isse:
— C o m o a ssim , d o u t o r , “e st á ” p a r ap lé gic a? E p e r m a n e n t e ?
—A in d a n ã o sab e m o s, se n h o r C ar lo s. Be at r iz so fr e u u m a lesão n a c o lu n a
v e r t e b r a l e n ã o fo i p o ssív e l c o n t o r n a r o p r o b le m a . O s n e r v o s e n v ia m a o s
m ú sc u lo s e m e m b r o s t a n t o in fo r m a ç õ e s m o t o r a s c o m o se n sit iv as. P e lo s
t e st e s q u e c o n se g u im o s r e aliz ar , su a filh a t e v e a m o t r ic id a d e e a se n sib i
lid ad e a lt e r a d a s, ab aixo d a lin h a d a le são .
— E n t ã o isso p o d e se r r e v e r sív e l? — La u r a p e r g u n t o u .
— O q u e vai d e t e r m in a r o g r a u d e c o m p r o m e t im e n t o m o t o r o u se n
sit iv o se r á a e x t e n sã o d a le são . P r e c isa m o s d e t e r m in a r se e la é c o m p le t a
o u in c o m p le t a . Lo go a p ó s u m a le sã o e sp in h a l, o c o r p o fica e m u m e st a d o
d e c h o q u e m e d u la r , c o m r e d u ç ã o sé r ia d e p e r fu sã o sa n g u ín e a t e c id u a l.
P e r d e m - se a fu n ç ã o m o t o r a e a se n sib ilid ad e a b a ix o d a le são . Se h o u v e
ap e n a s u m a le sã o in c o m p le t a d a m e d u la , o p a c ie n t e p o d e v o lt a r d e n t r o
d e d ias o u se m a n a s a r e c u p e r a r p a r t e d o s m o v im e n t o s e a se n sib ilid ad e .
P o r é m , se a le sã o fo r c o m p le t a , su a filh a n ã o v o lt a r á a t e r m o v im e n t o s o u
se n sib ilid ad e e m n e n h u m a p a r t e d o s m e m b r o s ab a ix o d o n íve l d a le são .
— E x ist e m o u t r o s r e c u r so s m é d ic o s? P o d e m o s p r o c u r a r a lt e r n at iv as?
—in t e r r o g o u C a r lo s.
—V o cês e st ã o n o m e lh o r h o sp it a l d a r e gião . E st a m o s e m p r e g a n d o os
m e lh o r e s r e c u r so s. A r e c u p e r a ç ã o d e p e n d e d o in ício p r e c o c e d a r e ab ili
t ação . Q u a n t o an t e s in iciar a r e ab ilit a ç ã o , m a io r e s as c h a n c e s d e g a n h o
d e m o v im e n t o e se n sib ilid ad e d o s m e m b r o s a fe t a d o s.
O m é d ic o d e u m ais d e t a lh e s p a r a a fa m ília e in fo r m o u q u e , p o ssiv e l
m e n t e , Be at r iz e st ar ia n o q u a r t o a t é o fim d a q u e le d ia. E sclar e ce u , p o r é m ,
q u e e la a in d a e st a v a e m c o m a e e m o b se r v a ç ã o p e r m a n e n t e .
Q u a n d o o D r . V ít o r saiu , t o d o s fic a r a m e m p é , e C a r lo s fe z a lgo q u e
h av ia m u it o n ã o fazia: a b r a ç o u a e x - e sp o sa e c h o r a r a m ju n t o s.
A “m u r a lh a ” , o h o m e m in se n sív e l e o b je t iv o n ã o r e sist iu à n o t ícia.
Q u a n d o a e sp o sa se a fa st o u , e le , c o n st r a n g id o p e la p r e se n ç a d a “c r e n t e
d a a c a d e m ia ” , e n x u g o u o s o lh o s.
La u r a v ir o u - se p a r a a a m iga e r e c e b e u o u t r o ab r a ç o .
—Vai ficar t u d o b e m , t e n h a fé — d isse R e n a t a (e sse é o n o m e d e la).
— Eu sei — r e sp o n d e u La u r a , t e n t a n d o so r r ir . — M as a ge n t e p r e c isa
c h o r a r , n ã o p r e cisa?
—C la r o — a a m ig a r e t r ib u iu o so r r iso e, t e r n a m e n t e , e n x u g o u o r o st o
d e La u r a , q u e d isse:
—Sin t o q u e a go r a e st o u n o v a le d a so m b r a d a m o r t e , c o m o d iz o sa l
m ist a ,1 m a s sei q u e D e u s e st á c o m ig o .
C a r lo s, a o c o n t r á r io , se se n t ia e n v o lv id o p o r d e n sa s t r e v as. T a m b é m
e st a v a a n d a n d o n o v ale d a so m b r a d a m o r t e , m a s n ã o se n t ia a p r e se n ç a
d e n a d a a o se u la d o , a n ã o se r u m t e m o r t ã o fo r t e c o m o a e sc u r id ã o e m
q u e e st av a. C a m in h o u at é o b a n h e ir o , fe c h o u a p o r t a e se n t iu as p a r e d e s
g ir a r e m a o se u r e d o r . C a iu d e jo e lh o s e v o m it o u n o v a so . Le v an t o u - se
e a v a lio u a p r ó p r ia im a ge m n o e sp e lh o : cab e lo s m a l p e n t e a d o s, o lh e ir a s
p r o fu n d a s e o m e d o e st a m p a d o e m c a d a u m d e se u s t r aço s. Se n t ia- se m ais
so z in h o d o q u e n u n c a , m a s a fa st o u d a m e n t e o l a m p e jo d o c o n fo r t o q u e
S E N TI M E N TO S 1 7
se n t iu ao a b r açar e se r a b r açad o p o r Lau r a. P or u m b r e v e m o m e n t o , a p e sar
d a t r a g é d ia q u e o s e n v o lv ia, e r a c o m o se fo sse m u m casal n o v a m e n t e .
Q u a n d o fin a lm e n t e c o n se g u iu sair d o b a n h e ir o , v iu q u e as m u lh e r e s
t a m b é m e st a v a m d e jo e lh o s. Elas o r a v a m , e C a r lo s b a la n ç o u a ca b e ç a e m
r e p r o v a ç ã o ; a fin al, se e xist isse u m D e u s, Ele se r ia c u lp a d o p o r t u d o a q u ilo
q u e e st a v a a c o n t e c e n d o .
R e n a t a se d e sp e d iu c o m p r o m e ssa s d e o r açõ e s q u e se r iam feit as p o r t o d a
a c o m u n id a d e r e ligio sa e, ao m eio - d ia, o ex- casal fo i a lm o ç a r n o r e st au r an t e
d o h o sp it a l. N e n h u m d o s d o is c o m e u m u it a c o isa e c o n v e r sa r a m m u it o
p o u c o . La u r a p a r e c ia e st a r p a u la t in a m e n t e se r e c u p e r a n d o d a n o t íc ia , e
C a r lo s a p a r e n t a v a e st a r se n d o c a d a v e z m ais c o n su m id o p o r ela.
— E la e st á viva, C a r lo s — d isse La u r a , c o m a v o z t e r n a , t e n t a n d o c o n
so lá- lo . — D e v e m o s a gr a d e c e r p o r isso.
— A gr a d e c e r a q u e m ? — r e t r u c o u . — A o m o t o r ist a b ê b a d o q u e a a t r o
p e lo u o u a o se u D e u s?
—V ou faze r d e co n t a q u e v o c ê n ã o d isse e ssas p a la v r a s, e st á b e m ? —La u r a
fa lo u c o m a m e sm a t e r n u r a .
—O b r ig a d o —e le r e sp o n d e u e se n t iu o r o st o r u b o r iz a r . —D e sc u lp e - m e ,
e u n ã o q u e r o p io r a r a sit u a ç ã o . E st o u m u it o a b a la d o c o m t u d o isso.
— Eu e n t e n d o . E t a m b é m m e le m b r o d e q u e v o c ê se m p r e fo i m u it o
“m o l e ” p a r a e ssas co isas.
C a r lo s fin a lm e n t e so r r iu , p o is sab ia q u e e st a v a m p e n sa n d o n a m e sm a
co isa, c o m o a c o n t e c ia q u a n d o e r a m b e m m ais jo v e n s, e q u a n d o o a m o r
ain d a e r a p r e se n t e n a v id a d e le s.
—V o cê n u n c a e sq u e ce , n ã o é?
—N u n ca! —Lau r a sor r iu . —O gr an d e cien t ist a C ar lo s Biagion i d e sm aian d o
n o m e io d o m a io r m u se u d a cid ad e , ao v e r u m p e q u e n o c o r t e n o q u e ix o
d a Be at r iz . P r ecisei so c o r r e r o s d o is.
—O c o r t e n ã o e r a t ã o p e q u e n o . F o r a m t r ê s p o n t o s —C a r lo s se le m b r o u
d a c e n a e c o n se gu iu c o m e r a lgo q u e e st a v a e m se u p r a t o . — F, v o c ê sab e
q u e e u m e im p r e ssio n o c o m sa n g u e .
— Sim — La u r a c o n c o r d o u e, m u d a n d o a v o z , fe z a se g u n d a m e lh o r
im it a ç ã o d e C a r lo s Biagio n i (a p r im e ir a m e lh o r só e r a fe it a p o r Be a t r iz ):
“P o r isso e sc o lh i a física, q u e r id a . A li n ã o d isse c a m o s n e m u m a r ã .”
O s d o is r ir am , p ar e ce n d o alh e io s a t o d o o ce n ár io ao r e d o r e, fin alm e n t e ,
c o n se g u ir a m c o m e r t r a n q u ilo s.
—V ocê e r a u m c a r a e n g r a ç a d o — e la le m b r o u .
— Er a? O r a, La u r a , ain d a so u u m h o m e m in t e r e ssa n t e e e n g r a ç a d o . As
m u lh e r e s a in d a g o st a m d o m e u je it o .
— C la r o — d isse Lau r a, c o m c e r t o sa r c a sm o , e n r o la n d o u m a fo lh a d e
alface n o gar fo . —Você ain d a t e n t a im p r e ssio n á- las c o m se u c o n h e c im e n t o
so b r e as e st r e las...
C a r lo s se n t iu q u e se u r o st o fico u n o v a m e n t e v e r m e lh o e t e n t o u m u d a r
o fo c o d o a ssu n t o :
—V o cê n u n c a se in t e r e sso u p o r a st r o n o m ia , p o r isso se m p r e fa la m a l
d o s m e u s “m é t o d o s”.
La u r a m a st ig o u c a lm a m e n t e o v e ge t al, av alian d o se d e v e r ia d ize r o q u e
e st av a p e n sa n d o . F in a lm e n t e fa lo u :
— E v e r d a d e , d o u t o r C a r lo s Biagio n i, n u n c a m e in t e r e sse i p e lo s a st r o s
lá n o c é u . A jo v e m La u r a se in t e r e sso u p o r u m jo v e m c o m e sp ír it o
ga la n t e a d o r , m u it o sim p á t ic o , so n h a d o r e e n g r a ç a d o . E u m e in t e r e sse i
p o r v o c ê e a p e n a s p o r v o cê .
O físico fic o u se m r e sp o st a , fit a n d o a e x - m u lh e r . E n g o liu o q u e e st av a
n a b o c a e c o n se g u iu d ize r :
—Eu t a m b é m m e in t e r e sse i p o r v o c ê , a jo v e m q u e e r a...
— E, n ó s n o s in t e r e ssa m o s e n o s d e sin t e r e ssa m o s... — in t e r r o m p e u
Lau r a. —N ã o foi?
C ar lo s r e sp o n d e u ap e n as c o m a cab e ça e n o t o u q u e , d u r a n t e a co n ve r sa,
h av ia c o m id o t u d o o q u e e st a v a n o p r a t o .
— A c h o q u e t e r m in e i —e le d isse.
—E u t a m b é m .
O d ia fo i d e in t e r m in á v e l e sp e r a e d e a m ist o sa c o n v e r sa e n t r e o s d o is.
C a r lo s se r e c u sa v a a r e c o n h e c e r q u e a p r e se n ç a d e La u r a o a c a lm a v a .
Ela e st av a m u d a d a , m ais b o n it a (d e u m je it o d ife r e n t e , n ã o a p e n a s e x t e
r io r m e n t e ), m a is in t e r e ssa n t e , c o m u m a so b r ie d a d e q u e e r a in c o m u m
p a r a u m a sit u a ç ã o d a q u e la s. C o lo c a r a m o a ssu n t o e m d ia, e C a r lo s fico u
su r p r e so e m p e r c e b e r q u e e st a v a r e a lm e n t e in t e r e ssa d o n a s n o v id a d e s
co n t a d a s p o r La u r a , m e sm o q u a n d o e la m e n c io n a v a a t iv id a d e s n a igr e ja .
N o t o u q u e a v id a d a e x - m u lh e r h av ia m u d a d o m u it o . Ela e st a v a e st u
d a n d o e fa z e n d o at iv id ad e s v o lu n t á r ia s c o m g r u p o s d e jo v e n s n a igr e ja .
N o fim d a t a r d e d a q u e le d ia, o s m é d ic o s in fo r m a r a m q u e Be a t r iz se r ia
c o lo c a d a n o q u a r t o .
—P o r fa v o r , n ã o se im p r e ssio n e m c o m a a p a r ê n c ia d e B e a t r iz —a le r t o u
o D r . V ít o r . —T iv e m o s q u e c o r t a r o c a b e lo d e la p a r a su t u r a r v á r io s c o r t e s
n a c a b e ç a e t r a t a r o t r a u m a t ism o . O r o st o e st á c o m h e m a t o m a s. A p e sa r
d e t u d o isso , saib am q u e o q u a d r o d e la e st á e st áv e l.
A t e n são n o v am e n t e t o m o u c o n t a d o casal. En fe r m e ir o s e n t r a r a m c o m a
m ac a e, c o m m u it o cu id ad o, co lo car am a gar o t a n o leit o h osp it alar e ar m ar am
t o d o o a p a r a t o m é d ico ao r e d o r d ela. E m m in u t as, o s fr asco s d e so r o e st av am
p e n d u r a d o s, e as m áq u in as d e c o n t r o le so av am se u s in t e r m it e n t e s bips.
La u r a c h o r o u , e o e x - m a r id o c o lo c o u as m ã o s so b r e o s o m b r o s d e la.
A p r o xim ar am - se d o leit o, e C ar lo s se d e u co n t a d e q u e n ão er a u m p e q u en o
c o r t e n o q u e ix o . Be at r iz e st av a m u it o m a c h u c a d a e d e cab e lo s r a sp a d o s.
— A c h o q u e n ã o h á d o r m a i o r p a r a u m p a i — e le fa lo u c o m a v o z
e m b a r ga d a .
— Ela v ai m e lh o r a r , c o m a g r a ç a d e D e u s — d isse La u r a . C a r lo s se n t iu
c o n fo r t o v in d o d a q u e la v o z . Se n t iu q u e n ã o e st a v a so z in h o .
— A p e n a s u m d e v o cê s p o d e r á ficar n o q u a r t o — le m b r o u o m é d ic o . —
P o d e m r e v e z a r , se q u ise r e m . E im p o r t a n t e q u e a lg u é m d a fa m ília e st e ja
aq u i q u a n d o e la a c o r d a r .
A fr a se “q u a n d o e la a c o r d a r ” d e u n o v o se n t id o p a r a a q u e le m o m e n t o ,
e o s p ais d e Be a t r iz se se n t ir a m r e a n im a d o s.
N a q u e la n o it e , C a r lo s fico u n o h o sp it a l. O silê n cio e r a in t e r r o m p id o
a p e n a s p e lo so m e sp o r á d ic o d e u m o u o u t r o e q u ip a m e n t o m é d ic o e c o m
a e n t r a d a d e e n fe r m e ir o s p a r a r e gist r a r a e v o lu ç ã o d o q u a d r o d a m e n in a .
O físico n ã o d o r m iu , ap e sar d o c o n fo r t o d a c a m a p a r a o a c o m p a n h a n t e .
N ã o q u is a ssist ir à t e le v isão o u fa z e r q u a lq u e r co isa. F ico u ali, m e r g u lh a d o
n a so lid ã o d e su a m e n t e in q u ie t a , c o m su a s v á r ia s p e r g u n t a s filo só ficas,
c o m u n s a q u a lq u e r cie n t ist a.
N a v e r d a d e , n e n h u m a d e su a s d iv a ga ç õ e s o c o n so la v a .
O s d ias q u e se se g u ir a m fo r a m b e m t u m u lt u a d o s, c o m La u r a e C a r lo s
r e v e z a n d o o s t u r n o s n o h o sp it a l.
N o in st it u t o d e p e sq u isa s, o físico p r e p a r o u u m p e d id o d e lice n ça p a r a
c u id a r d a filh a. E st a r ia à d isp o siç ã o d a fam ília.
—E st á t u d o ce r t o , d o u t o r C a r lo s—d isse a d ir e t o r a d e r e c u r so s h u m a n o s,
e n t r e g a n d o - lh e o d e fe r im e n t o d a lice n ça. —O d o u t o r G e o r g e c u id a r á d o
d e p a r t a m e n t o , p o is c o n h e c e m e lh o r d o q u e n in g u é m o s d a d o s d e su a
p e sq u isa . A g o r a o se n h o r p o d e r á ficar o t e m p o t o d o c o m su a fam ília.
C a r lo s r e sp o n d e u c o m u m so r r iso d e sc o n fo r t á v e l e, a o se v ir ar , fo i
im p o ssív e l n ã o p e n sa r n o q u e a m u l h e r h av ia d it o . D e fa t o , a go r a p o d ia
p a ssa r m a is t e m p o c o m a fa m ília, m a s, in fe liz m e n t e , e r a p o r c a u sa d e u m
acid e n t e q u e q u a se le v o u a v id a d e su a filh a. P e lo m e n o s su a s p e sq u isa s
e st a r ia m e m b o a s m ã o s, p o is o D r . G e o r ge e r a u m e x c e le n t e p r o fissio n al
e, m ais q u e isso , e r a u m a m ig o m u it o e st im ad o .
P a ssa r am - se m ais q u in z e d ias, c o m o q u a d r o d e Be at r iz m e lh o r a n d o
a o s p o u c o s, e o s h e m a t o m a s d im in u in d o c a d a ve z m ais.
O n o t e b o o k d e C a r lo s e st a v a n a m e sin h a d e c a n t o e, p a r a m a t a r o
t e m p o , e le p e sq u isa v a q u a lq u e r c o isa n a in t e r n e t . N o t o u , p e lo c a n t o d o
o lh o , o le v e m e x e r d e u m a d as m ã o s d e Be at r iz. Le v a n t o u - se c o m c e r t a
u r gê n c ia e p e r c e b e u q u a n d o a m ã o d a m e n in a se fe c h o u v a g a r o sa m e n t e .
U m d o s a p a r e lh o s so o u a lg u m av iso , m as C a r lo s n ã o sab ia d iz e r se
a q u ilo in d ic a v a a lg u m a a lt e r a ç ã o . D e u p a sso s le v e s e m d ir e ç ã o à filh a e
fico u a o la d o d o le it o .
O s o lh o s c a st a n h o s c la r o s d e Be a t r iz se a b r ir a m c o m d ific u ld a d e e
p a r e c ia m p e r g u n t a r a lg u m a co isa.
—F ilh a —d isse C ar lo s, t e n t a n d o c o n t r o lar a e m o ç ã o q u e a flo r a v a —, fiqu e
q u ie t in h a . E st á t u d o b e m . V o cê so fr e u u m a cid e n t e , m a s e st á t u d o b e m .
C a r lo s v iu o u t r o m o v im e n t o n o r o st o d a m e n in a e n ã o r e sist iu . U m a
lá g r im a fu g iu - lh e d o s o lh o s q u a n d o u m le v e so r r iso a p a r e c e u n a face
m a c h u c a d a d a filh a. Ali, n a q u e le so r r iso , h av ia e sp e r an ç a.
1 S a l m o 2 3 :4 : “A i n d a q u e e u a n d e p e l o v a l e d a s o m b r a d a m o r t e , n ã o t e m e r e i m a l n e n h u m ,
p o r q u e T u e s t á s c o m i g o ; o T e u b o r d ã o e o T e u c a ja d o m e c o n s o l a m . ”
P R O M ESSA DE PAI
C
a r lo s c h a m o u as e n fe r m e ir a s q u e l o g o r o d e a r a m a c a m a , a v a lia n d o
e a n o t a n d o t u d o n a s p r a n c h e t a s. Ligo u p a r a La u r a e d e u a ó t im a
n o t ícia. E la d e m o r a r ia p a r a v e n c e r o t r â n sit o e c h e ga r a o h o sp it a l, m a s
já e st a v a a c a m in h o . Em se gu id a , a e q u ip e m é d ic a e n t r o u n o q u a r t o e
n o v a m e n t e r o d e o u a c a m a , a n a lisa n d o as a n o t a ç õ e s d a s e n fe r m e ir a s. O
D r . V ít o r c u m p r im e n t o u C a r lo s c o m u m so r r iso .
Be a t r iz a p e n a s a c o m p a n h a v a t u d o c o m o s o lh o s e, a go r a , c o n se gu ia
b a la n ç a r a cab e ça, r e sp o n d e n d o “ sim ” o u “n ã o ” p a r a as p o u c a s p e r g u n t a s
q u e o s m é d ic o s faziam .
—Ela vai se r ecu p er ar aos p o u c o s—aler t ou o m é d ico .—N ão v am o s estr essá-la
ago r a. As ver ificações in iciais n ã o ap o n t am n ad a d e e r r ad o . A p en as fiq u e c o m
ela e e xp liq u e u m p o u c o d o q u e aco n t eceu . A m a n h ã far e m o s a lgu n s e xam es.
Q u a n d o a c o m it iv a saiu d o q u a r t o , C a r lo s in c lin o u u m p o u c o a c a m a .
— A ssim e st á p e r fe it o ! — d isse Be at r iz , b e m b aixin h o . Su a v o z p a r e c ia
q u e b r a r o s g r ilh õ e s d e a n g ú st ia q u e p r e n d ia m o p a i. — C o n t e t u d o .
E n t ã o o cie n t ist a n a r r o u o q u e a co n t e c e u . Q u e e la e st av a v in d o d a igr e ja
e fo i a t r o p e la d a . F a lo u d as c ir u r gia s e d a l o n g a e sp e r a.
— N ã o m e le m b r o — e la d isse , c o m a v o z u m p o u c o m ais fir m e . — E
m in h a Bíblia?
— N ã o sei se a lg u é m se le m b r o u d e p e ga r su a s c o isas, filh a. V ocê se n t e
d o r e m a lg u m a p a r t e d o c o r p o ?
Be at r iz fe z q u e “n ã o ” c o m a cab e ça.
—Q u e r o m e ver . T e m e sp e lh o ?
—D e p o is v e m o s isso — C a r lo s t e n t o u d e sp ist ar .
— Eu e st o u feia?
—V o cê é lin d a, filh a.
—Fo r fav o r , p ai —d isse ela, ain d a c o m d ificu ld ad e e c o m a v o z fr aq u in h a,
o q u e t o r n a v a o p e d id o im p o ssív e l d e n ã o se r at e n d id o . —E u q u e r o m e ver.
C a r lo s se le v a n t o u , saiu d o q u a r t o e so lic it o u u m e sp e lh o à e n fe r m e ir a.
P ar ecia q u e a q u ilo e r a u m p e d id o c o m u m d o s p acie n t e s, p o is a m o ç a t in h a
u m lo g o ali n u m a gav e t a.
—Bia —d isse C a r lo s, já a o la d o d a filh a. —P or fa v o r , n ã o se im p r e ssio n e .
V o cê v ai ficar c o m o e r a an t e s.
Q u a n d o le v a n t o u o e sp e lh o , Be a t r iz a r r e g a lo u o s o lh o s.
— M e u D e u s, e st o u c ar e c a! — e la so r r iu p a r a a p r ó p r ia im a ge m . C o m
c e r t o e sfo r ç o , b r in c o u c o m a sit u a ç ã o : - E st o u t o d a r o x a . A t é p a r e c e q u e
fu i a t r o p e la d a .
O p a i t a m b é m so r r iu e se liv r o u d o e sp e lh o r a p id a m e n t e . Se g u r o u
fir m e m e n t e as m ã o s d a filh a e a b e ijo u .
— N ã o sin t o m in h a s p e r n a s — e la d isse , e C a r lo s se n t iu u m fr io n a
e sp in h a . E st a v a e sp e r a n d o La u r a c h e ga r p a r a d e c id ir e m so b r e q u a n d o e
c o m o fa la r ia m so b r e isso. —E n o r m a l?
—F iq u e t r a n q u ila , filh a - foi a ú n ic a r e sp o st a .
— R e sp o n d a , p ai. E st á t u d o b e m c o m m in h a s p e r n a s? —in sist iu a filh a,
ap e sa r d a d ific u ld a d e e m m a n e ja r as p alav r as.
C a r lo s n ã o q u e r ia r e sp o n d e r à q u e la p e r g u n t a . E m t o d a s as v e ze s q u e
im a gin o u su a filh a aco r d an d o , p e n sa v a q u e q u an d o ch e gasse esse m o m e n t o
já t e r ia sid o u m a ssu n t o e x p lic a d o p o r Lau r a.
A r e alid a d e a p r e se n t o u - se d ife r e n t e . Be at r iz a go r a o lh a v a p a r a e le :
—Eu e st o u p o d e n d o an d ar ?
—N ão, fil h a —r e sp on d e u Car los, c o m a v o z d e n u n cian d o seu s sen t im en t o s.
P R O M ES S A D E P AI 2 3
—M as saib a q u e v a m o s p r o c u r a r o s m e lh o r e s e sp e c ia list a s p a r a c u id a r d e
v o cê . O s m é d ic o s n ã o t ir a r a m n o ssa s e sp e r an ç as.
Lá gr im a s sile n cio sas m o l h a r a m o r o st o d e Be at r iz . O p a i se g u r o u fir
m e m e n t e as m ã o s d a filh a d e 16 a n o s e c h o r o u c o m ela.
— Est á b e m —d isse e la, c o m a v o z a in d a m ais e m b a r a lh a d a . —E st o u v iv a
e a gr a d e ç o a D e u s p o r isso.
C a r lo s p e g o u u m le n ç o e e n x u g o u o r o st o d a m e n in a . Se u s o lh o s
a in d a t r a n sb o r d a v a m . O p a i fic o u c o m m e d o , p e n sa n d o q u e t in h a sid o
p r e c ip it a d o d e m a is p a r a d a r a n o t ícia. Be at r iz m a l d e sp e r t o u d o c o m a , e
e le já d e sp e jo u a r e alid a d e e m c im a d a gar o t a .
F ic a r a m ali, t r o c a n d o lev es c a r in h o s m u d o s, c a d a u m p e r d id o e m se u s
p r ó p r io s p e n sa m e n t o s e q u e st io n a m e n t o s, m a s ju n t o s.
Q u a n d o La u r a e n t r o u n o q u a r t o , C a r lo s se se n t iu a liv iad o , p o is n ã o
t in h a q u a lq u e r p a la v r a p a r a c o n fo r t a r a filh a.
— Bia! M in h a m e n in a lin d a! G r a ç a s a D e u s!
A m ã e a b r a ç o u Be at r iz , c u id a n d o p a r a n ã o e sb a r r a r n o s a p a r e lh o s o u
m a n g u e ir a s d e so r o .
— G r a ç a s a D e u s! - su ssu r r a v a La u r a e n t r e o s so lu ç o s d o c h o r o e m o
c io n a d o d e a m b a s. —V o cê e st á b e m , filh a...
A m ã e se a fa st o u e o lh o u p a r a a g a r o t a . A m b a s so r r ir a m , e C a r lo s se
a p r o x im o u d o o u t r o la d o d o le it o .
— Eu já sei so b r e m in h a s p e r n a s, m ã e — d isse Be a t r iz e e sp r e m e u o s
láb io s. La u r a c o lo c o u as m ã o s n a b o c a e c o n t e v e a t o r r e n t e d e c h o r o q u e
se u s o lh o s a v e r m e lh a d o s a n u n c ia v a m . C o m d ific u ld a d e s, a jo v e m c o n se
g u iu d ize r : — Só p r e c iso fa z e r u m a p e r g u n t a e a p e n a s u m a v e z: P o r q u ê ?
La u r a r e sp ir o u fu n d o , e C a r lo s d isse :
—V a m o s d e sc a n sar , Bia. D e p o is v o c ê c o n v e r sa so b r e isso c o m su a m ãe .
— P o d e d e ixar , C a r lo s — La u r a in t e r r o m p e u . — P e r gu n t a r n ã o c a n sa .
P o r é m , p e r d e r - se c o m as p e r g u n t a s é q u e d e st r ó i o ser .
E n t ã o , La u r a fa lo u c o m t o d o se u ar m a t e r n a l:
—Q u e r id a , e u n ã o sei p o r q u e isso a c o n t e c e u c o m vo cê . N ão se i p o r q u e
e st á a c o n t e c e n d o t u d o isso . M as t e n h o a lg u m a s ce r t e z as: n ã o é n e n h u m
t ip o d e c a st igo , p o is n ã o é assim q u e n o sso D e u s a t u a. En t ão , m in h a q u e
r id a, cr e io q u e isso a co n t e ce u p o r e st a r m o s n u m m u n d o falh o e d e p e cad o .
E st a m o s su je it o s às leis d e st e m u n d o caíd o . —La u r a t e n t o u so r r ir , e Be at r iz
c o n c o r d o u c o m a cab eça. —Filh a, t e n h a fé. D e u s n ã o t r a z o so fr im e n t o at é
n ó s, m a s q u a n d o so m o s at in gid o s p o r q u a lq u e r t r agé d ia, Ele u sa a d o r p ar a
n o s faze r cr e scer . Ele vai n o s m o st r a r c o m o r e v e r t e r t u d o isso p a r a o n o sso
b e m e p a r a o b e m d as p e sso as a o n o sso r e d o r . Le m b r a- se d e R o m a n o s 8:28?
Beat r iz co n se gu iu sor r ir e r e sp o n d e u afir m at iv am e n t e c o m a cabeça. Disse:
— “T o d a s as co isas c o o p e r a m p a r a o b e m d a q u e le s q u e a m a m a D e u s.”
C a r lo s e st a v a a lh e io a t o d a a r g u m e n t a ç ã o d e Lau r a, m a s fico u a liv iad o
e m v e r q u e a r e sp o st a t r a n q u iliz o u a filh a.
U m p o u c o m a is t ar d e , q u a n d o Be a t r iz d o r m ia , C a r lo s d isse:
— Su a r e sp o st a a d e ix o u m a is c a lm a .
— N ã o fo i a p e n a s a r e sp o st a — d isse La u r a , se n t a d a n o so fá d o q u a r t o e
ab a ix a n d o a r e v ist a q u e e st av a le n d o . —E a a t u a ç ã o d A q u e le q u e in sp ir a a
r e sp o st a q u e n o s c o n fo r t a . E u sei q u e v o cê n ã o a c r e d it a , m a s é o p r ó p r io
D e u s q u e n o s d á e sp e r a n ç a e c o n fo r t o n u m a h o r a c o m o e st a.
A b o c a d e C a r lo s se a b r iu n o in ício d e a lg u m a r g u m e n t o a t e íst a, m a s
c a lo u - se . T e v e o b o m se n so d e n ã o d isc u t ir o a ssu n t o q u e fo i, se g u n d o
e le , o p iv ô d a d e st r u iç ã o d e se u c a sa m e n t o . D isse a p e n a s:
—Você sab e q u e n ã o a c r e d it o .
O s d ias se g u in t e s fo r a m a n im a d o r e s. O q u a d r o d e Be a t r iz m e lh o r o u
g r a d a t iv a m e n t e , e se u s ca b e lo s c la r o s já fo r m a v a m u m a e sp e ssa “p e n u
g e m ” q u e lh e c o b r ia a cab e ça. N o d é c im o q u in t o d ia d e se u d e sp e r t a r ,
p ô d e r e c e b e r v isit as d e a lg u n s jo v e n s d a igr e ja. A le gr o u - se e r iu m u it o
c o m ele s. E m o c io n a d o s, o r a r a m ju n t o s n o fim d o e n c o n t r o .
C e r t a t a r d e , q u a n d o o s m é d ic o s já e st a v a m a n u n c ia n d o q u e lo g o
c h e ga r ia o d ia d a alt a, Be at r iz , d e it a d a e m su a c a m a , d isse p a r a o p ai q u e
t r a b a lh a v a n o n o t e b o o k :
— Pai, p o r fav o r , t r a g a u m c o p o d e á gu a p a r a m im .
—C la r o , filh a. V o cê t e m o d ir e it o d e p e d ir q u a lq u e r c o isa - ele b r in co u .
— So u se u se r v o e a t e n d e r e i a c a d a u m a d e su a s o r d e n s, m in h a se n h o r a .
P eça e a t e n d e r e i a q u a lq u e r u m d e se u s p e d id o s.
A g a r o t a r iu , a ssist in d o ao s g e st o s e p a la v r a s d o p a i q u e p e ga v a a á gu a
e a se r v ia c o m o u m m o r d o m o .
—Sat isfazid a! — d isse e la, ap ó s t o m a r a á gu a e a m b o s so r r ir a m , p o is e ssa
PRO MESSA DE PAI 25

e r a u m a p a la v r a q u e e la u sa v a n a in fân cia, c o n sid e r a n d o - a p e r fe it a p a r a
e x p r e ssa r sat isfa ç ã o . P ar o u p o r u m m o m e n t o e p e r g u n t o u :
— É sé r io m e sm o ? P o sso p e d ir o q u e q u ise r ?
C a r lo s r e fle t iu p o r u m m o m e n t o e r e sp o n d e u :
— P o d e. P e ça a lgo e e u lh e d a r e i — e le d isse , c e r t o d e q u e su a s fin an ças
p o d e r ia m a t e n d e r a q u a lq u e r e x t r a v a gâ n c ia d a filh a.
A q u i h á a lg o q u e v o c ê p r e c isa sab e r so b r e Be at r iz . E la é u m a g a r o t a
m u it o e sp e r t a e p e r sp ic az . “A c im a d a m é d ia ” , c o m o d isse u m a d e su a s
p r o fe sso r a s q u a n d o ain d a c u r sa v a o se g u n d o a n o d o e n sin o fu n d a m e n t a l.
Se u silê n c io o r ga n iz av a o s p e n sa m e n t o s e as p a la v r a s, e n q u a n t o C a r lo s se
p r e p a r a v a , p o is sab ia q u e e la v ir ia c o m a lgo g r a n d io so .
—V o cê p r o m e t e ? — e la p e r g u n t o u , an t e s d e p r o sse g u ir . — P r o m e ssa d e
p a i q u e vai c u m p r ir ?
N o v am e n t e Car lo s viu d ian t e d e si n ã o a ad o lesce n t e , m a s a m e n in a d e seis
an os, q u e in sist ia q u e ele fizesse a p r o m e ssa d e p ai d e q u e cu m p r ir ia q u alq u e r
c o m p r o m isso (t o m a r so r v e t e n o d o m in g o , ir a o sh oppin g n o sáb ad o à n o it e ,
b r in car d e c a sin h a d e p o is d o t r a b alh o , e t c.). Q u a n d o fo r m a v a m u m a fa m í
lia, a p r o m e ssa d e p ai e r a a lgo in q u e b r áv e l. U m a v e z feit a, n ão p o d ia v o lt a r
at r ás. C a r lo s fez p o u c a s d e ssas p r o m e ssa s, m a s c u m p r iu ca d a u m a d e las.
—Eu p r o m e t o . P r o m e ssa d e p ai.
— Q u e r o u m a v iage m . U m a jo r n a d a .
— É só d iz e r p r a o n d e , q u e e u a m a n d a r e i. Só d iz e r o r o t e ir o , e p o d e
c o n sid e r a r fe it o .
—N ã o é p a r a m im —d isse Be at r iz . —É p a r a v o cê .
—Se v o c ê q u e r assim , e u irei ju n t o , clar o . B a st a v o c ê m e d a r u m t e m p o
q u e o r g a n iz o m in h a s fé r ias e...
—V o cê n ã o e st á e n t e n d e n d o , p a i —Be at r iz c r u z o u o s b r a ç o s. —V ocê ir á
so z in h o n e ssa jo r n a d a .
H avia u m a expr essão in t er r ogat iva n o r ost o d e Car los, e ele agu ar d o u a exp li
cação p a r a o q u e a gar o t a acab ar a d e falar . Ela ap e n as so r r iu , e ele a p r o v o c o u :
—V a m o s, Bia, d iga lo g o o q u e v o c ê e st á a p r o n t a n d o .
— Eu q u e r o q u e v o c ê fa ç a u m a jo r n a d a , d o u t o r C a r lo s Biagio n i. U m a
v iage m e m b u sc a d e r e sp o st a s so b r e a e xist ê n cia d e D e u s. E v o c ê n ã o p o d e
d iz e r n ã o , p o is fez u m a p r o m e ssa d e p ai.
ESP ER A N Ç A
a r lo s se a fa st o u d a c a m a e se n t o u n a p o lt r o n a d o a p a r t a m e n t o .
C - O q u e fo i, pai? — p e r g u n t o u Be at r iz . —V ocê fico u p á lid o .
—É im p r e ssã o su a, filh a —d isse C a r lo s, t e n t a n d o p a r e c e r d e sc o n t r a íd o .
— A g o r a v a m o s, p e ç a q u a lq u e r o u t r a co isa.
— Já fiz m e u p e d id o e n ã o v o u m u d a r . A m a m ã e fa la q u e h e r d e i e ssa
m in h a t e im o sia d e v o cê .
—N ã o p o sso fa z e r o q u e v o c ê p e d e . N ã o a d ia n t a fa z e r p e r g u n t a s e n ã o
t e r r e sp o st a s.
—A h , n ã o m e v e n h a c o m e ssa, p ai. Você é físico. O q u e se r ia d a ciên cia
se m as p e r g u n t a s? T o d as as p e r g u n t a s d a ciê n cia fo r a m r e sp o n d id as? O u
e ssas p e r g u n t a s a p e n a s a im p u lsio n a m ain d a m ais?
—Sim p le sm e n t e n ã o p o sso —in sist iu C a r lo s.
— C e r t o . E n t ã o m e d iga p o r q u e n ã o p o d e ?
Isso d e ix o u C a r lo s r e a lm e n t e in q u ie t o . Su a s m ã o s n ã o p a r a v a m n o
m e sm o lu g a r , e e le c r u z a v a e d e sc r u z a v a as p e r n a s, p o is o Jlash d e u m a
c e n a e sc o n d id a n o lo c a l m a is p r o fu n d o d e su a m e m ó r i a v e io à t o n a .
C a r lo s p ô d e a t é se n t ir o g o st o sa lg a d o d as lá gr im a s a o r e v iv er , n a q u e le
ESP ER AN ÇA 2 7
m o m e n t o , a d o r d e u m a c r ia n ç a a jo e lh a d a e c h o r a n d o . Essa c r ia n ç a e r a
e le m e sm o , n u m p a ssa d o b e m d ist an t e .
—N ã o t e n h o t e m p o —d isse se c a m e n t e , su p r im in d o a t o r r e n t e d e l e m
b r a n ç a s q u e q u e r ia aflo r ar . N ã o ir ia c o n t a r a q u ilo p a r a a filh a. Su sp ir o u
p e sa d a m e n t e . —D e sc u lp e - m e , Bia, n ã o p o sso fa z e r isso.
—V o cê n u n c a q u e b r o u u m a p r o m e ssa d e p ai...
— P ar a t u d o h á u m a p r im e ir a v e z —le v a n t o u - se e saiu d o q u a r t o .
O c o r r e d o r d o h o sp it a l t in h a o m e sm o ch e ir o ca r a c t e r íst ic o c o m o q u al
C a r lo s já se h av ia a c o st u m a d o , m a s n a q u e le m o m e n t o p ar e cia e st a r se n d o
su fo c a d o p o r ele. C a m in h o u a t é o b e b e d o u r o e t o m o u u m c o p o d e á gu a.
P ar a su a so r t e , La u r a c h e go u e n o t o u se u d e sc o n fo r t o .
— O q u e fo i, C a r lo s? —e la p e r g u n t o u p r e o c u p a d a . —V ocê e st á b r a n c o .
A c o n t e c e u a lg u m a c o isa c o m a Be at r iz?
C a r lo s e x p lic o u , e La u r a fico u aliviad a. P e n sav a q u e e r a a lgo m a is sé r io .
— M as p r e c isav a ficar assim ? — e la p e r g u n t o u .
— A Bia m e p e go u d e su r p r e sa — d isse o físico . — Fo i só isso.
— Ela d e v e e st a r m u it o d e c e p c io n a d a c o m su a r e sp o st a . V o cê n u n c a
q u e b r o u u m a p r o m e ssa d e p ai. C a r lo s, se p o ssív e l, r e p e n se su a d e cisão .
N ã o c u st a n a d a v o c ê t ir a r u m a s fé r ias e fa z e r o q u e e la p e d e . Ba st a v o c ê
a n o t a r a sé r ie d e r e fu t a ç õ e s q u e v o c ê t e m so b r e a e xist ê n cia d e D e u s e
p r o c u r a r e sp e c ia list a s p a r a d e b a t e r c o m eles.
La u r a d isse isso e e n t r o u n o q u a r t o . O h o m e m d e u a lg u n s p a sso s p e lo
c o r r e d o r p o u c o m o v im e n t a d o e, a o o b se r v a r o se m b la n t e d e c a d a p e sso a
q u e p a ssa v a p o r e le , p e n so u e m su a p r im e ir a —e e t e r n a —p e r g u n t a so b r e
D e u s: P o r q u e e xist e a d or ?
C a r lo s se n t o u - se e m u m d o s b a n c o s d e e sp e r a e o b se r v o u o c e n ár io ao
se u r e d o r . H o sp it ais sã o e x e m p lo s c lar o s d e c o m o a d o r at in ge c a d a p e sso a .
O so fr im e n t o p ar e cia alcan çar ca d a u m d o s q u e e st av am n aq u e le p r é d io . Se
D e u s e r a r e al, c o m o p o d e r ia c o n c o r d a r c o m a e xist ê n c ia d a d o r e d o m al?
—P od e m e aju d ar ?—p e r gu n t o u u m a v e lh a se n h o r a ap o iad a n u m an d ad o r .
O físico se le v a n t o u e a u x ilio u a m u lh e r a se n t a r - se , c o m d ific u ld a d e ,
n a p o l t r o n a d e e sp e r a.
— O b r iga d a — d isse e la c o m o so r r iso m a r c a n d o as r u g a s d o r o st o . —
A c h o q u e can se i.
— A se n h o r a e st á b em ? —p e r g u n t o u C a r lo s, se n t a n d o - se a o lad o d e la.
— N a m in h a id ad e , n ã o é fácil e st a r b e m - e la d isse d e fo r m a sim p át ic a .
—M as, o n d e h á d o r , h á e sp e r an ç a, m e u jo v e m r a p az .
C a r lo s fez c a r a d e e sp a n t o e d isse:
—A se n h o r a a c r e d it a r ia se e u d isse sse q u e e st av a p e n sa n d o e x a t a m e n t e
n isso a go r a?
— E m e sp e r an ç a?
—N ã o . Eu e st a v a p e n sa n d o n a d o r .
— A h , t íp ico d o s jo v e n s — e la r iu e d e u u m t a p a n a p e r n a d e C a r lo s. —
O lh e p a r a m im e d iga o q u e v o c ê vê.
C o n st r a n g id o , Biagio n i n ã o fa lo u n a d a , e a m u lh e r in sist iu :
—V a m o s, n ã o se a c a n h e . M a t e r ia lm e n t e , o q u e v o c ê vê .
—V ejo u m a m u lh e r d e id ad e av an çad a, q u e t e m d ificu ld ad e s p a r a an d ar ,
p a r a se se n t a r e se le v an t ar , p o r c a u sa d a s d o r e s. M as, a go r a , c o n v e r sa n d o
c o m v o c ê , a se n h o r a m e p a r e c e u m a p e sso a ale gr e .
— So u ale gr e , m e sm o c o m a d o r — c o n c o r d o u a m u lh e r . — P or q u ê?
— Sin c e r a m e n t e , n ã o sei.
—P o r q u e t e n h o e sp e r a n ç a d e n ã o se n t ir m a is e ssas d o r e s h o r r ív e is.
— E isso é p o ssív e l? — in t e r r o g o u C a r lo s.
— C la r o q u e é. Fico n a e sp e r a n ç a d e q u e o m é d ic o m e d ê u m ó t im o
r e m é d io q u e d im in u a a d o r . Fico e sp e r a n d o a h o r a d e r e c e b e r esse r e m é
d io e d o r m ir t r a n q u ila p o r u m b o m t e m p o . E sp e r o m e u s filh o s e n e t o s
v ir e m m e v isit ar . A h , esses sã o o s m e lh o r e s m o m e n t o s d a m in h a vid a,
q u a n d o p o sso ab r a ç á - lo s e b e ijá- lo s. É c o m o se a d o r n ã o e xist isse n a q u e le
m o m e n t o , M e u b isn e t o m a is n o v o , o C a io , t e m u m p o u c o d e m e d o d e
m im . A c h o q u e e le n u n c a v iu p e le t ã o e n r u g a d a — a m u l h e r d e u u m a
n o v a e g o st o sa r isad a. —E, clar o , t e n h o e sp e r a n ç a d e q u e a m o r t e u m d ia
m e alc a n c e . E sp e r o p a r a ir m o r a r c o m o m e u D e u s, n u m lu g a r o n d e ,
r e a lm e n t e , n ã o h av e r á m ais d o r .
— A h , a se n h o r a é r e ligio sa — d isse C a r lo s.
—Sim . H á a lg u m p r o b le m a n isso ? — q u is sab e r a v e lh a se n h o r a .
—A c h o q u e n ã o —fa lo u o físico e fez u m a p a u sa . — M as cr e io q u e isso
m e le v a a o u t r a p e r gu n t a .
—E n t ã o fale .
ESP ER AN ÇA 2 9
C u r io sa m e n t e , o a ssu n t o q u e C a r lo s n ã o se se n t ia à v o n t a d e p a r a fa la r
c o m a e sp o sa e a filh a, r e so lv e u ab r ir p a r a a e st r a n h a .
—Essa d o r n ão ser ia in co m p at ív e l c o m a e xist ên cia d e u m D e u s q u e só fa la
e m a m o r ? N ã o so m e n t e a su a d o r , m a s a d o r d e t o d o s n ó s, a q u e p o d e m o s
v e r t o d o s o s d ias n o s jo r n ais,
— Essa é u m a lo n g a h ist ó r ia — a m u lh e r so r r iu . - N ã o , m e u q u e r id o , a
e xist ê n c ia d a d o r e d o m a l n ã o é in c o m p a t ív e l c o m a e xist ê n c ia d e D e u s.
A e xist ê n c ia d o m a l é p a r a m u it a ge n t e a m a io r d ific u ld a d e e m se a ce it ar
a e x ist ê n c ia d e D e u s. M as o q u e é o m al?
—A ssa ssin a t o s, e st u p r o s, a t e n t a d o s... —C a r lo s d isse se m p e n sa r m u it o .
— N ã o q u e r o e x e m p lo s, q u e r o u m a d e fin iç ão .
— M al é o c o n t r á r io d o b e m ? — a r r isc o u o físico.
—M al é a se n sação d e q u e a lgo d ever ia ser d ifer en t e. O r a, se h á o b e m , t e m
q u e h av e r u m a r e gr a q u e m o st r e o q u e é u m e o u t r o . C a so co n t r á r io , n in
g u é m ir ia sen t ir - se d e sco n fo r t áv e l co m o m al, p ois só exist ir ia ele. C o n co r d a?
—Sim . P rossiga, p o r fa v o r —C a r lo s o lh av a a t e n t a m e n t e p a r a o s p e q u e n o s
o lh o s a z u is d a m u lh e r , c u jo r o st o e r a e m o ld u r a d o p o r cab e lo s c o m p le
t a m e n t e b r a n c o s, p r e so s n u m c o q u e .
—Veja: se h á u m a r e gr a q u e m o st r e q u e o m a l e o b e m e xist e m , essa r e gr a
in t eligív e l d e m a n d a u m a in t e ligê n cia p e sso a l e su p e r io r q u e a e st ab e le ce u .
A e ssa in t e ligê n c ia p o d e m o s c h a m a r D e u s. M as se D e u s n ã o e xist e ... n ã o
h á r e gr a ; se n ã o h á r e gr a , n ã o h á m a l n e m b e m ; se n ã o h á m a l n e m b e m ,
c o m o o m a l p o d e se r a r g u m e n t o p a r a se n e g a r a e xist ê n c ia d e D e u s?
C a r lo s fico u e m silê n c io p o r a lg u n s in st a n t e s, p r o c u r a n d o d ige r ir as
p a la v r a s d a se n h o r a . E m se gu id a, e ie c o m e n t o u :
—N ã o p o sso d e ix a r d e p e r c e b e r a l ó g ic a e m su a s p a la v r a s.
—N a v e r d ad e , é o p e n sa m e n t o d e u m filó so fo e x- at e u in d ian o c h a m a d o
Ravi Z a c h a r ia s. V ocê d e v e r ia le r o s liv r o s d e le .
“O u t r a p e sso a d e sa fia n d o m e u at e ísm o ? Se r ia u m c o m p lô ?” , p e n so u
o físico.
— A lg u n s a c h a m q u e a d o r v e m d e D e u s, m a s n ã o é a ssim —a se n h o r a
p r o sse g u iu . —O m u n d o fo i c r ia d o p e r fe it o , c o m t u d o o q u e e r a b o m . M as
a h u m a n id a d e , p o r se u c asal o r igin al, e sc o lh e u a b a n d o n a r o q u e e r a b o m .
Eles e sc o lh e r a m d e so b e d e c e r e p e r m it ir a m q u e o u t r o se r g o v e r n a sse n o
lu g a r d e D e u s. V o cê d e v e c o n h e c e r a q u e la h ist ó r ia d e A d ã o , Ev a e o fr u t o
p r o ib id o . Be m , fo i isso q u e a c o n t e c e u . Q u a n d o e le s u sa r a m a livr e e sc o lh a
e a c e it a r a m o g o v e r n o d a q u e le q u e e r a o o p o sit o r d e D e u s, p e r m it ir a m
q u e o m u n d o r e ce b e sse t o d a s as c o isas q u e p r o v in h a m d o m al. O m u n d o
fico u su je it o às c o n se q u ê n c ia s d a d e so b e d iê n cia. E o q u e c h a m a m o s d e
“m u n d o c a íd o ”. P en se c o m igo : se e u c o lo c a r u m a m a ç ã e m a lg u m lu g a r
e v o lt a r p a r a p e gá - la d a q u i a t r in t a d ias, c o m o e la e st ar á?
— A p o d r e c id a — r e sp o n d e u C a r lo s.
—C a d a u m d e n ó s é e ssa m a ç ã . N a sc e m o s e c o m e ç a m o s a e n v e lh e ce r ,
su je it o s às leis d e st e m u n d o c a íd o . So fr e m o s, p o is e st a m o s n u m m u n d o
im p e r fe it o . M as, le m b r e - se : a d o r n ã o p r o c e d e d e D e u s.
—O k , m a s se D e u s é t o d o - p o d e r o so , Ele p o d e r ia c r iar q u a lq u e r m u n d o
q u e qu isesse, cer t o? E se D e u s é a m o r o so , Ele d ever ia p r efer ir u m m u n d o se m
so fr im e n t o , ce r t o ? —C a r lo s p e n so u t e r d a d o u m x e q u e - m a t e e m su a n o v a
am iga . M as n ã o .
—V am o s p o r p a r t e , filh o. D e u s p o d e cr iar q u a lq u e r m u n d o q u e q u e ir a?
N ão se fo r p ossível u m m u n d o e m q u e as pessoas t e n h am lib er d ad e d e escolh a
o u livr e- ar b ít r io. E lo gicam e n t e im p o ssív e l fazer a lgu é m agir d e d e t e r m in ad a
m a n e ir a p o r liv r e e e sp o n t â n e a v o n t a d e . T ã o lo g ic a m e n t e im p o ssív e l
q u a n t o faz e r u m q u a d r a d o r e d o n d o . O fat o d e D e u s se r t o d o p o d e r o so
n ã o sign ific a q u e Kle p o ssa faz e r a lgo lo gic a m e n t e im p o ssív e l.
— E n t e n d o . V o cê q u e r d ize r q u e , se as p e sso a s fo r e m liv r e s p a r a e sc o
lh e r , e las p o d e m se r e c u sa r a faz e r o q u e D e u s q u e r . P o r u m a e sc o lh a
d e lib e r a d a e e r r a d a , e las p o d e r ia m o r igin a r u m m u n d o q u e n ã o e st av a
n o s p la n o s d e D e u s.
—Isso m e sm o .
— M as e q u a n t o à a le ga d a b o n d a d e d e D e u s? P or c a u sa d isso , Ele n ão
d e v e r ia p r e fe r ir u m m u n d o se m so fr im e n t o ?
— Filh o ... p o sso c h a m á - lo a ssim , n é? A ch o q u e t e n h o id ad e p a r a ser
su a av ó — C a r lo s a p e n a s so r r iu , e e la p r o sse g u iu : - E se D e u s t ive r r azõ e s
p r e p o n d e r a n t e s p a r a p e r m it ir o so fr im e n t o n o m u n d o ? N u m m u n d o d e
liv r e - ar b ít r io , a lg u n s b en s, c o m o as v ir t u d e s m o r a is, só p o d e m se r a lc a n
ça d o s p o r m e io d a c o o p e r a ç ã o d as p e sso a s. P elo m e n o s isso é u m a h ip ó t e se
p o ssív e l. Se n e g a r m o s isso, t e r e m o s q u e d e m o n st r a r q u e o liv r e - ar b ít r io é
ESP ER AN ÇA 3 1
im p o ssív e l e q u e t a m b é m é im p o ssív e l q u e u m m u n d o c o m so fr im e n t o
se ja m e lh o r q u e u m e m q u e n ã o h a ja so fr im e n t o .
—E in t e r e ssa n t e p e n sa r q u e a o p ç ã o d e sse su p o st o D e u s p e la lib e r d a d e
d e e sc o lh a h u m a n a t e n h a , d e c e r t a fo r m a , r e st r in gid o as o p ç õ e s d o t o d o -
- p o d e r o so ... D e q u a lq u e r fo r m a , a c h o q u e fica d ifícil p a r a n ó s m o r t a is
e n t e n d e r m o s as p o ssív e is r a z õ e s d e u m D e u s d e a m o r e m p e r m it ir a d o r
n e st e p la n e t a .
— A g o r a c o n c o r d o c o m v o cê .
—Esse a ssu n t o r e a lm e n t e d á p a n o p r a m a n g a ...
~ E c o m o dá!
— Be m , su p o n h a m o s q u e D e u s e x ist a e r e a lm e n t e se ja a m o r o so , p o r
q u e Ele, p e lo m e n o s, n ã o in t e r fe r e n e st e m u n d o ?
— A h , filh o , Ele já in t e r fe r iu b a st a n t e ! T e m o s o d ilú v io , A b r a ã o e o s
p r o fe t a s e, c lar o , o m a io r e v e n t o d e t o d o s: o n a sc im e n t o , a v id a e a c r u
cificação d e Je su s. Essa in t e r fe r ê n c ia é a m ais im p o r t a n t e , p o is fo i e la q u e
p e r m it iu a ú lt im a aç ã o d e D e u s e m fav o r d e st e m u n d o caíd o : u m d ia Je su s
v o lt a r á p a r a ac a b a r d e v e z c o m t u d o ist o . E, m e u jo v e m , D e u s c o n t in u a
a t u a n d o d e m a n e ir a s q u e n e m im a g in a m o s p a r a a m e n iz a r as d o r e s q u e
e x ist e m n e st e m u n d o . Ele o p e r a n a m in h a v id a, fa z e n d o - m e le m b r a r
t o d a s a s m a n h ã s d e q u e o n d e h á d o r , h á e sp e r an ç a.
— P ar a m im , a c o isa n ã o é t ã o sim p le s — d isse C a r lo s, t e n t a n d o e v it ar
o s o lh o s p e n e t r a n t e s d a se n h o r a . —C o n c o r d o c o m D av id H u m e , q u a n d o
e sc r e v e u q u e se D e u s q u e r e v it a r o m a l, m a s n ã o é c a p a z d e faz ê - lo , e n t ã o
Ele é im p o t e n t e . Se Ele é c a p a z , m a s n ã o q u e r e v it á- lo , e n t ã o Ele é m a lé
v o lo . O r a , se Ele q u e r e v it a r o m a l e é c a p a z d e e v it á- lo , e n t ã o c o m o se
e x p lic a o m al? A in d a n ã o c o n se gu i a ssim ila r e ssa q u e st ã o .
— P e r ce b o q u e v o c ê c o n t in u a p e n sa n d o q u e é lo g ic a m e n t e im p o ssív e l
p a r a D e u s e o m al e xist ir e m n o m u n d o . M as v o c ê c o n se gu ir ia p r o v a r p a r a
m im q u e D e u s n ã o p o d e t e r r a z õ e s m o r a lm e n t e su ficie n t e s p a r a p e r m it ir
a e xist ê n c ia d e ssa q u a n t id a d e d e m a le s d e d ife r e n t e s t ip os?
O s láb io s d e C a r lo s se e n t r e a b r ir a m , m a s e le se d e u c o n t a d e q u e n ã o
t in h a u m a r e sp o st a sat isfat ó r ia p a r a a p e r gu n t a d a m u lh e r . E e la p r o sse gu iu :
—V o cê já p e n so u q u e o m a l n e st e m u n d o , e m b o r a n ã o c a u sa d o p o r
D e u s, se ja p e r m it id o p o r Ele, p o is se e n caixa n u m a p e r sp e ct iv a m ais am p la?
D e a c o r d o c o m a Bíb lia, D e u s e st á c o n d u z in d o a h ist ó r ia h u m a n a e m
d ir e ç ã o a u m g r a n d e d e sfe c h o q u e , n o fim d as c o n t a s, é o q u e r e a lm e n t e
im p o r t a , p o is t e m co n se q u ê n c ias e t e r n a s. Você c o n se gu e im a gin a r a c o m
p le x id a d e d e p la n e ja r e d ir igir u m m u n d o d e c r ia t u r a s liv r e s e m d ir e ç ã o
a u m fim , se m v io la r a lib e r d a d e d e las?
— A g o r a v o c ê e st á q u e r e n d o m e d ize r q u e o m a l p o d e se r n e ce ssár io ?
— N ã o e x a t a m e n t e . O m a l n ã o p r e st a e n u n c a fo i p la n o d e D e u s q u e
e xist isse . M as já q u e p a sso u a e xist ir , D e u s u sa as c o n se q u ê n c ia s d e le p a r a
u m b e m m a io r . Q u a n d o c o n t e m p la m o s a p r o v id ê n c ia d iv in a n a h ist ó r ia,
t o r n a - se e v id e n t e q u ã o im p o ssív e l é, p a r a n ó s, o b se r v a d o r e s lim it a d o s,
e sp e c u la r so b r e a p r o b ab ilid a d e d e D e u s t e r as r a z õ e s m o r a lm e n t e su fi
cie n t e s p a r a o s m a le s q u e v e m o s. E m ais: t e n h o c e r t e z a d e q u e , q u a n d o
c h e g a r m o s a o o u t r o la d o d a e t e r n id a d e , ao o lh a r p a r a o p a ssa d o d e fo r m a
“p a n o r â m ic a ” , v a m o s e n t e n d e r as r a z õ e s d e D e u s e a p r o v a r a m a n e ir a
c o m o Ele c o n d u z iu n o ssa v id a a fim d e n o s faze r c h e ga r ali.
C a r lo s se n t ia - se c o n fu so e p r o c u r a v a in st in t iv a m e n t e m a n t e r se u s
e sc u d o s m e n t a is b e m le v a n t a d o s. A in d a assim , n ã o c o n se gu ia d e ixar d e
m a n ife st a r u m a a d m ir a ç ã o c r e sc e n t e p e la sab e d o r ia d a se n h o r a id o sa.
— Sab e , u m a d as co isas b o a s d a v e lh ice é o t e m p o q u e n o s so b r a p a r a
b o as le it u r as. Se m p r e car r e go u m b o m livr o e m m in h a b o lsa, c o m o e st e d e
C. S. Lew is, 0 Problem a do Sofrim en to. Escu t e o q u e ele e scr e v e u aqu i: “En q u an t o
o h o m e m m a u n ã o t o m a , n a fo r m a d e so fr im e n t o , c o n sc iê n c ia d o m al
in e q u iv o c a m e n t e p r e se n t e e m su a e xist ê n cia, e le e st á p r e so n a ilu são .
Lim a v e z d e sp e r t a d o p e lo so fr im e n t o , e le sab e q u e , d e u m a fo r m a o u d e
o u t r a , e st á ‘fa c e a fa c e ’ c o m o u n iv e r so r eal. A ssim , o u se r e b e la (c o m a
p o ssib ilid ad e d e u m a v a z ã o m a is e v id e n t e e d e u m a r r e p e n d im e n t o m ais
p r o fu n d o e m a lg u m e st ágio p o st e r io r ) o u faz a lg u m a t e n t a t iv a d e a d a p t a
ção , a q u a l se fo r b u sc ad a, h av e r á d e le v á- lo à r e ligião . [... | N ão r e st a d ú v id a
d e q u e o so fr im e n t o , n a fo r m a d e m e g a fo n e d e D e u s, é u m in st r u m e n t o
t e r r ív e l, p o is p o d e le v ar à r e b e liã o d e fin it iv a e se m a r r e p e n d im e n t o . Ele
p r o p icia, c o n t u d o , a ú n ica o p o r t u n id a d e q u e o h o m e m m a u p o d e t e r p a r a
se e m e n d a r . Ele r e t ir a o v é u o u fin c a a b a n d e ir a d a v e r d a d e n a fo r t a le z a
d a a lm a r e b e ld e .”
— I n t e r e ssa n t e d isse C a r lo s, m a s n ã o sab ia se a c r e d it a v a n a q u e le s
ESP ER AN ÇA 3 3
a r g u m e n t o s. Ele t a m b é m n ã o sab ia q u e , n a q u e le e x a t o m o m e n t o , Bia
e La u r a o r a v a m ju n t a s p a r a q u e D e u s in t e r fe r isse m a is u m a v e z n a v id a
d e la s, a ju d a n d o - a s a c o n v e n c e r o físico a in iciar u m a jo r n a d a e m b u sc a
d o C r ia d o r . E D e u s e st a v a in t e r fe r in d o .
—jo v e m , le m b r e - se d e q u e “n ã o so m o s c h a m a d o s p a r a d e sc o b r ir p o r
q u e D e u s n o s t e m p e r m it id o so fr e r a lg u m m a l; so m o s c h a m a d o s p a r a
c o n fia r n E le ” .
— E ssa t a m b é m é d e Lew is?
— N ã o , é d e W illiam Lan e C r a ig , o m e sm o q u e p r o p õ e o se gu in t e silo
gism o , se m e lh a n t e à id e ia d e Z a c h a r ia s, q u e lh e a p r e se n t e i m in u t o s a t r ás:
(1 ) Se D e u s n ã o e xist e , e n t ã o o s v a lo r e s m o r a is o b je t iv o s n ã o e x ist e m ;
(2 ) o m a l e xist e ; (3 ) p o r t a n t o , o s v a lo r e s o b je t iv o s e x ist e m ; (4 ) p o r t a n t o ,
D e u s e xist e ,
C a r lo s fic o u su r p r e so a o p e r c e b e r q u e a id o sa a c a b o u r e v e r t e n d o c o n
t r a a d e sc r e n ç a d e le o a r g u m e n t o q u e e le in ic ia lm e n t e t e n t a r a u sa r p a r a
p r o v a r a in e xist ê n cia de D e u s, Se m p o d e r e xp licar p e r fe it a m e n t e o p o r q u ê
d e o m a l e xist ir , já q u e a c o m p r e e n sã o h u m a n a é lim it a d a , a se n h o r a
d e m o n st r o u q u e a e xist ê n c ia d o m a l, n a v e r d a d e , p r o v a a e xist ê n c ia d o
b e m , o u se ja , im p lic a a e xist ê n c ia d e D e u s.1
—Filh o — a se n h o r a in t e r r o m p e u o s p e n sa m e n t o s d o físico —, n o t e q u e ,
a o t r a t a r d o s c o n c e it o s d e b e m e m a l, in e v it a v e lm e n t e e st a m o s fa la n d o
d e u m a o r d e m m o r a l. M as q u e m d e cid e o q u e é c e r t o e e r r a d o ? Se n ã o
e xist e m o r a l o b je t iv a e u m p o n t o d e r e fe r ê n c ia su p e r io r p a r a e ssa m o r a
lid ad e , q u e e u e m u it a ge n t e c r e m o s se r D e u s, o q u e h av ia d e e r r a d o ,
p o r e x e m p lo , n o q u e H it le r fez? P o r q u e c o n sid e r a r o in c e st o , a p e d o filia
e o e st u p r o m o r a lm e n t e e r r a d o s? E c o m o se o s a t e u s q u e se b a se ia m n o
a r g u m e n t o d a d o r e d o m a l p a r a r e fu t a r a id e ia d e D e u s e st iv e sse m n o s
d iz e n d o : “N ã o e xist e m sist e m a s m o r a is a t u a n d o n e st e m u n d o , m a s v e jo
c o isas m o r a lm e n t e c o n d e n á v e is.”
— E, isso m e p a r e c e m e sm o c o n t r a d it ó r io ...
—E m a lg u m a s c u lt u r a s, as p e sso a s a m a m a o p r ó x im o . E m o u t r a s, e la s
o d e v o r a m . O q u e v o c ê p r e fe r e ?
—T e n h o c a r a d e can ib al?
A se n h o r a e sb o ç o u u m so r r iso e p r o sse g u iu :
—Q u a n d o o s a t e u s fa z e m ju íz o s d e v alo r , e st ão , n a v e r d ad e , r e c o r r e n d o
se m sab e r à lei d e D e u s gr a v a d a n o c o r a ç ã o d e le s, isso e st á d e sc r it o n a
Bíb lia — a se n h o r a se m e x e u , b u sc a n d o p o siç ão u m p o u c o m ais c o n fo r
t áv el n a ca d e ir a , e c o m p le t o u : —N ã o h á c o m o e xp lic a r d e q u e fo r m a e ssa
in t u iç ã o r e la t iv a à m o r a lid a d e p o d e r ia t e r e v o lu íd o d a m a t é r ia b r u t a . N a
v e r d a d e , a t é o a m o r se t o r n a in e x p lic áv e l d o p o n t o d e v ist a m a t e r ia list a .
C a r lo s n ã o p o d ia ev it ar o p e n sa m e n t o d e q u e a id eia d e m o r a l e o r e lat i-
v ism o são c o m p le t a m e n t e in c o m p at ív e is. P er ceb eu q u e p a r a c r e r q u e n ã o
e xist e o r d e m m o r a l é p r e c iso p r e ssu p o r o c o n h e c im e n t o d e c o m o se r ia
u m a o r d e m m o r a l. En t ão , p o r q u e a o p in iã o d e u m a p e sso a a r e sp e it o d o
q u e se r ia u m a o r d e m m o r a l d e v e r ia se r m e lh o r q u e a d e o u t r a p e sso a?
Evit an d o lev ar esses p e n sam e n t o s às ú lt im as con sequ ên cias, ele p e r gu n t ou :
— M as p e r m a n e c e u m p r o b le m a q u e p a r a m im a in d a n ã o e st á clar o :
Se o se u D e u s e xist e e é b o m , p o r q u e Ele p e r m it e q u e p e sso a s in o c e n t e s
so fr a m a c id e n t e s o u m o r r a m ?
—Jo v e m a sen h o r a falo u c o m ser ie d ad e , fixan d o os o lh o s n e l e —, exist e
u m a d ife r e n ç a fu n d a m e n t a l e n t r e D e u s p e r m it ir q u e o c o r r a u m a m o r t e ,
e e u t ir ar a v id a d e o u t r a p e sso a : D e u s t e m o p o d e r p a r a r e st it u ir a v id a,
c u n ã o . “A h ist ó r ia d o m a l é p a r t e d e u m a gr a n d e n a r r a t iv a . I gn o r a r a
n a r r a t iv a m a io r é c o n t in u a r le v a n t a n d o o s d e t a lh e s se m a c e it a r o g e r a l.”
—O u t r a d e su a s cit açõe s?
—Sim , d o liv r o A M ort e d a R az ão . Le m b r a- se q u an d o falei e m “p e r sp e ct iv a
m ais a m p l a ” e “gr a n d e d e sfe c h o ” ?
—Sim .
— P ois é. R av i Z a c h a r ia s d iz: “A v isã o d e m u n d o d a fé c r ist ã é b e m
sim p le s. D e u s p ô s n e st e m u n d o o su ficie n t e p a r a t o r n a r a fé n Ele u m a
c o isa b e m r a z o á v e l. M as d e ix o u d e fo r a o su ficie n t e a fim d e q u e viver t ão
so m e n t e p e la r a z ã o p u r a fo sse im p o ssív e l.” V ocê e st á d isp o st o a b u sc ar
e ssa fé r ac io n a l?
C a r lo s fico u e m silê n cio . A su a m e n t e v ie r a m as p a la v r a s “a h ist ó r ia d o
m a l é p a r t e d e u m a gr an d e n a r r a t iv a ” . Est ar ia ele ign o r a n d o a “p e r sp e ct iv a
m ais a m p l a ” e a t a c a n d o a p e n a s o s “d e t a lh e s”?
—A g o r a m e a ju d e a le v a n t a r —d isse a m u lh e r id o sa , e C a r lo s a a ju d o u
a se a p o ia r n o a n d a d o r . — O b r iga d a . R e flit a n o q u e e u d isse , m e u jo v e m .
ESP ER AN ÇA 3 5
—Irei refletir . P e r d o e - m e p o r só p e r gu n t a r a go r a, m a s q u al é o se u n o m e ?
A se n h o r a so r r iu d e fo r m a a m igá v e l e r e sp o n d e u :
— E sp e r a n ç a .
C a r lo s a p o io u o s c o t o v e lo s n o s jo e lh o s, e n t r e la ç o u o s d e d o s so b o
q u e ix o e fic o u o b se r v a n d o e n q u a n t o d o n a E sp e r a n ç a c a m in h a v a c o m
d ific u ld a d e . P e n sat iv o , v o lt o u p a r a o q u a r t o d e Be at r iz , fico u a o la d o d e la,
b e ijo u - lh e o r o st o e fa lo u :
—Eu far e i a jo r n a d a q u e v o c ê p e d iu .
1 U m b o m l i v r o so b r e o p r o b l e m a d o m a l , d a l i b e r d a d e e a e x i s t ê n c i a d e D e u s é Deus, a Liberdade
e o M al > d o f i l ó s o fo A l v i n P l a n t i n g a ( V i d a N o v a ) .
G M ESTRE
CRIACIO NISTA
A
r e c u p e r a ç ã o d e Be at r iz foi gr a d a t iv a . C a r lo s e La u r a r e v e z a v am a
p e r m a n ê n c ia c o m e la n o h o sp it a l e, c o n st a n t e m e n t e , r e c e b ia m
flor es e v isit as d e a m igo s d a ig r e ja e d a fam ília.
Car los h avia r e t o m ad o su as atividades n o in st it u t o d e pesq u isas, tr ab alh an d o
n as h o r as e m q u e n ã o e st av a c o m Bia. Q u an d o ia p a r a o h osp it al, levava o
n o t e b o o k e as an o t açõ e s, t r ab alh an d o ali m e sm o n a m e sa a o lad o d a c a m a d a
filh a. La u r a fico u su r p r e sa e feliz c o m essa at it u d e d o e x- m ar id o . N a ver d ad e,
e la e sp e r av a q u e C ar lo s co n t r at asse u m a e n fer m e ir a p a r a lh e o c u p a r o lu gar .
Q u a n d o fin a lm e n t e Be at r iz t e v e alt a, a fa m ília a le v o u p a r a casa.
—Est á d ifícil aí, pai? —gr it o u Bia d e d e n t r o d o car r o , v e n d o o p ai so fr e n d o
p a r a e n c a ix a r a c a d e ir a d e r o d a s n o p o r t a - m a la s d o c a r r o d e Lau r a.
— D e v ía m o s ir c o m o Lan d R o v e r .
— A í fic a r ia fá c il d e m a is p a r a v o c ê — b r in co u a e x - m u lh e r .
A o c h e g a r e m à fr e n t e d o a p a r t a m e n t o , C a r lo s d e sc e u a c a d e ir a e n e la
c o lo c o u a filh a. O s t r ê s r e sp ir a r a m fu n d o , e Bia se g u r o u fir m e n as r o d as,
d a n d o u m b r e v e e m p u r r ã o p a r a a fr e n t e . Ela d isse:
— U m a p e q u e n a r o d a d a p a r a u m a g ar o t a ...
□ M E S TR E C R I A C I O N I S T A 3 7
- M as u m gr an d e av an ço p a r a u m a fa m ília —c o m p le t o u Lau r a, e C a r lo s
a ssu m iu a d ir e ç ã o d a c ad e ir a, e m p u r r a n d o a filh a.
Su b ir a m p e lo e le v a d o r a t é a lc a n ç a r o a n d a r d o a p a r t a m e n t o . Q u a n d o
a b r ir a m a p o r t a , Be a t r iz se a ssu st o u c o m o s g r it o s q u e v in h a m lá d e
d e n t r o . T o d o s o s a m igo s d a ig r e ja e d a e sc o la e st a v a m ali. A b r a ç a r a m - n a
e a c u m p r im e n t a r a m . E st a v a m fe lizes c o m o r e t o r n o d e Bia p a r a casa.
A o fim d a p e q u e n a e c a lo r o sa r e c e p ç ã o , C a r lo s v o lt o u p a r a c a sa ,
ligo u a T V n u m can a l q u a lq u e r e d e slig o u - a m in u t o s d e p o is. T e n t o u le r
u m d o s v á r io s liv r o s q u e d e sc a n sa v a m d e fo r m a d e so r ga n iz a d a so b r e o
c r ia d o - m u d o . N ã o c o n se g u iu se c o n c e n t r ar . P o r u m in st a n t e , p e go u - se
p e n sa n d o e m La u r a e se p e r g u n t a n d o se h av ia sid o c o r r e t o r o m p e r e m
o c a sa m e n t o . A fa st o u e sse p e n sa m e n t o — c o m o e r a se u c o st u m e fa z e r
c o m t o d a s as co isas q u e o in c o m o d a v a m . C a r lo s e r a assim ; se a lgo r u im
a c o n t e c ia , sim p le sm e n t e fin gia q u e n ã o t in h a a c o n t e c id o .
D o r m iu c o m a a ju d a d e se u s r e m é d io s e r e t o m o u su a v id a n o r m a l.
O la b o r a t ó r io d o in st i t u t o d e p e sq u isa s e m q u e C a r lo s t r a b a lh a v a
p a r e c ia u m c e n á r io d e film e fu t u r i st a . P ar e d e s e c h ã o b r a n c o s, c o m
g r a n d e s e n g e n h o c a s m e t á lic a s p o r t o d o s o s la d o s, e n t r e as q u ais h o m e n s
e m u lh e r e s d e ja le c o c a m in h a v a m e a n o t a v a m in fo r m a ç õ e s e m t ab le t s.
C a r lo s e st a v a se n t a d o e m su a c a d e ir a g ir a t ó r ia d e e sp a ld a r a lt o , a t r á s d e
u m a e sc r iv a n in h a d e v id r o , c o n fe r in d o as ú lt im a s le it u r a s d e su a p e sq u isa.
B o c e jo u e o lh o u p a r a o c e lu la r . N ã o h av ia n e n h u m a m e n sa ge m . N o s
ú lt im o s d o is m e se s a p ó s a alt a, Bia p a r e c ia e st a r b e m m ais in d e p e n d e n t e .
— C o m o e st á su a filh a, C a r lo s? — p e r g u n t o u o D r . G e o r ge , a m ig o d o
cie n t ist a. A m b o s t r a b a lh a v a m n o in st it u t o e m a n t in h a m e st r e it a ligação .
C a r lo s a d m ir av a m u it o o v e lh o c o le ga e t r a t a v a- o c o m o m e st r e (a p e sar
d e t o d o s n a e m p r e sa r e c o n h e c e r e m q u e o s av an ço s r e ce n t e s n a s p e sq u isa s
d e v ia m - se a o e m p e n h o e e n ge n h o sid a d e d o Dr. Biagio n i. Em m o m e n t o s
e m q u e se u s su p e r io r e s o p a r a b e n iz a v a m , C a r lo s c o st u m a v a cit ar Isaac
N e w t o n : “Se e n xe r gu e i m ais lo n ge , fo i p o r q u e m e ap o ie i e m o m b r o s d e
gigan t es.” U m d o s gigan t es a q u e ele se r efer ia er a, se m d ú vid a, o Dr . G e o r ge ).
— E la e st á b e m m e lh o r —r e sp o n d e u o c ie n t ist a m a is n o v o , e sq u e c e n d o
p o r c o m p le t o as a n o t a ç õ e s q u e lia. P r e cisav a r e a lm e n t e c o n v e r sa r c o m
a lg u é m . — A c h o q u e já e st á p r e c isa n d o b e m m e n o s d e m im .
G e o r ge se n t o u - se , p e r c e b e n d o q u e o a m igo q u e r ia d e sab afar u m p o u c o .
D e u u m so r r iso fr a n c o q u e fico u e m o ld u r a d o e m se u r o st o r e d o n d o , a
ca b e ç a c o b e r t a p e la s m a d e ix a s d e ca b e lo s b r a n c o s- a c in z e n t a d o s. A q u e le
se m b la n t e p a t e r n a l e r a u m c o n v it e p a r a q u e Biagio n i c o n t in u a sse a falar .
— N o h o sp it a l, a p e sa r d e t o d o o so fr im e n t o e d ú v id a s, m e sen t i, p e la
p r im e ir a v e z e m an o s, r e alm e n t e im p o r t a n t e n a v id a d a Bia. Se n t i c o m o se
t iv e sse a m in h a p e q u e n in a d e v o lt a . M as, c o m o e u d isse , a go r a e la já e st á
b e m m a is in d e p e n d e n t e , a c o st u m a n d o - se c o m su a s lim it a ç õ e s e lu t a n d o
p a r a p o d e r v e n c ê - la s. A li t e m sa n g u e it alia n o , e d o s b o n s —d isse e so r r iu .
— Você m e n o sp r e z a o v a lo r q u e t e m n a v id a d e su a fa m ília, C a r lo s.
C r e io q u e a Be a t r iz c o n t in u a p r e c isa n d o d a su a p r e se n ç a c o n st a n t e . É
v o c ê q u e se a fa st a d e la.
— E... P o d e ser . — C a r lo s fe z u m a p a u sa e r e so lv e u fa la r so b r e o u t r o
a ssu n t o q u e r e a lm e n t e o e st av a in c o m o d a n d o . —Ela m e fe z u m p e d id o n o
h o sp it a l, e e u p r o m e t i q u e ir ia a t e n d e r . C o m o v o c ê sab e , a Bia e a La u r a
são p e sso a s r e ligio sas. C o n sid e r a m q u e a v o lt a d o c o m a fo i u m m ilagr e d e
D e u s. Eu , se a cr e d it asse q u e Ele e xist e , ir ia am a ld iç o á- Lo p o r t e r p e r m it id o
o q u e a c o n t e c e u c o m m in h a filh a.
—E o q u e e x a t a m e n t e e la lh e p e d iu ?
— A Bia p e d iu q u e e u fizesse u m a jo r n a d a t e o ló g ic a . P e d iu - m e q u e
b u sc asse e v id ê n cias d e q u e D e u s e xist e . O u se ja, e la m e d e u u m a m is
são im p o ssív e l, p o is n ã o e x ist e m p r o v a s o u a r g u m e n t o s r acio n ais p a r a
a e xist ê n c ia d e u m D e u s. A o c o n t r á r io , o m u n d o e st á c h e io d e p r o v as
ir r e fu t áv e is d a e v o lu ç ã o n a t u r a list a . Já m a t a r a m D e u s fa z m u it o t e m p o .
—V o cê a n d a a ssist in d o a N a t io n a l G e o gr a p h ic d e m a is —so r r iu G e o r ge .
—D o q u e v o c ê e st á falan d o ?
— E st o u fa la n d o q u e , p a r a u m c ie n t ist a, su a m e n t e p a r e c e e st a r b e m
fe c h a d a p a r a a v a n ç o s, n o v id a d e s e, p r in c ip a lm e n t e , p a r a o c o n t r a d it ó r io .
— A in d a n ã o e st o u e n t e n d e n d o .
—D e q u e lab o r a t ó r io vo cê t ir o u “p r o v as ir r e fu t áv e is” d o e v o lu c io n ism o ?
Em q u e lá p id e v o c ê le u q u e m a t a r a m D e u s?
0 M E 5 T R E C R I A C I 0 N 1 S TA 3 9
—Se v o c ê fizer m ais a lg u m a s p e r gu n t a s v o u c o m e ç a r a p e n sa r q u e m e u
g r a n d e m e st r e e st á c o lo c a n d o a ciê n cia e m d ú v id a .
G e o r ge b a lan ç o u a cab e ça. O lh o u p a r a o l a b o r a t ó r io q u ase v azio e d isse:
—V am o s fe ch ar t u d o aqu i. Q u e r co n v e r sar so b r e isso e n q u an t o jan t am o s?
O s d o is c ie n t ist as e n c e r r a r a m as a n o t a ç õ e s d o d ia, d e ix a n d o e m a b e r t o
ap e n a s o s d a d o s q u e o s p la n t o n ist a s d o t u r n o se gu in t e p r e c isa r ia m a c o m
p a n h a r . Sa ír a m ju n t o s d o in st it u t o e, c a d a u m c o m se u c a r r o , fo r a m at é
u m r e st a u r a n t e c o n h e c id o , o n d e se n t a r a m e, a p ó s fa z e r e m o s p e d id o s,
c o n v e r sa r a m . G e o r ge c o m e ç o u :
— C a r lo s, a id e ia d a m a c r o e v o lu ç ã o é u m m it o m o d e r n o . C ie n t ist a s
faz e m m u it a s su p o siç õ e s r e m o t a s e in v er o ssím eis, e a m íd ia as r e p e t e c o m o
se t iv e sse m d e sc o b e r t o u m a v e r d a d e ir a lei, c o m o a lei d a g r av id a d e , p o r
e x e m p lo . Falar “D e u s n ã o e xist e ” , “P r ova d e q u e D e u s e st á m o r t o ” v e n d e e,
p o r isso , a im p r e n sa d á t a n t o d e st a q u e a e ssas p a t e t a d a s p se u d o cie n t íficas.
— V o cê e st á b r in c a n d o c o m ig o , n ã o est á? D a q u i a p o u c o v o c ê vai m e
d iz e r q u e é p o ssív e l u m cie n t ist a a c r e d it a r r e a lm e n t e e m D e u s e q u e Ele
cr io u o m u n d o e m set e d ias —so r r iu C a r lo s e c o m e u u m p e d aç o d e t o r r a d a
q u e a n t e c e d ia a c h e ga d a d o p r a t o p r in cip al.
— C a r lo s, p o r q u e v o c ê a c h a q u e a ciê n cia e a r e ligiã o sã o in c o m p a t í
veis? V o cê se m p r e cit a o g r a n d e físico Isaac N e w t o n c o m o u m d o s “p a is
d a c iê n c ia ” , m a s p a r e c e se e sq u e c e r d e q u e e le t a m b é m e sc r e v e u m u it o
so b r e t e o lo g ia e q u e ele d e fe n d ia a a u t o r id a d e d a s E sc r it u r a s Sa gr a d a s.
—T u d o b e m . N in gu é m é p e r fe it o . N e w t o n t in h a lá su as e xce n t r icid ad e s.
—E o q u e v o cê m e d iz d e G a lile u , C o p é r n ic o , P ascal e t a n t o s o u t r o s q u e
c o n se g u ia m e n x e r g a r a r e alid a d e c o m as le n t e s d a t e o lo g ia e d a ciên cia?
—Esse t e m p o já p a sso u , a m igo . H o je n ã o d e v e e xist ir u m c ie n t ist a sé r io
q u e a c r e d it e n e ssas m it o lo g ia s d a Bíb lia.
G e o r ge t ir o u o s ó c u lo s d e a r o s q u a d r a d o s p r e t o s, e n c ar o u C a r lo s e d isse:
— Eu so u cr iacio n ist a!
Biagio n i e n ga sgo u c o m a t o r r a d a . T o ssiu e so r v e u u m gr a n d e g o le d e
águ a, o lh a n d o d e fo r m a in t e r r o g a t iv a p a r a o a m ig o à su a fr e n t e .
— Já e st iv e e x a t a m e n t e o n d e v o c ê e st á — d isse G e o r ge . —Já fu i e sc r a v o
d a s p e r g u n t a s se m q u e r e r sab e r as r e sp o st a s.
— C o m o assim ? — C a r lo s p e r g u n t o u , ain d a r o u c o p o r t e r e n g a sg a d o .
—O s a t e u s e e v o lu c io n ist as fa z e m u m a sér ie d e p e r g u n t a s q u e , se g u n d o
e le s, in v alid a r ia m a c r e n ç a e m D e u s. Eles são e sc r a v o s d e ssa s p e r gu n t a s,
n ã o e n t e n d e n d o q u e h á r e sp o st a s r a c io n a is q u e e m b a sa m a e xist ê n cia d o
C r iad o r . Exist e m r e sp ost as, m e u a m igo . R e sp o st as sim p le s, o b je t ivas, r a c io
n ais e q u e e x ige m b e m m e n o s fé d o q u e a e xigid a p a r a a c r e d it a r q u e n ã o
h o u v e c a u sa p a r a a e xist ê n cia d o U n iv e r so . Ba st a sab e r fa z e r as p e r gu n t a s
c e r t a s e o u v ir a t e n t a m e n t e as r e sp o st a s, se m c o n c e it o s p r é - e st a b e le c id o s.
G e o r g e t o m o u u m p o u c o d o su c o e p r o sse g u iu :
— C a r lo s, a a r r o gâ n c ia d e m u it o s c ie n t ist as c o n sist e e m p r e su m ir e
d e fe n d e r q u e o c o n h e c im e n t o so m e n t e p o d e vir d a p e sq u isa . Você já se
d e u c o n t a d e q u e e ssa p r e m issa n ã o p o d e , p o r si só , se r b a se a d a e m p e s
q u isa cien t ífica? T r at a- se , an t e s, d e u m p r e ssu p o st o filo só fic o q u e n ão t e m
c o m o se r p r o v a d o . Se r á q u e n ã o e x ist e m o u t r a s fo n t e s d e c o n h e c im e n t o ?
— P o r q u e v o c ê n u n c a m e c o n t o u q u e é cr iacio n ist a? — C a r lo s e st av a
a in d a t ã o a t ô n it o q u e q u ase n ã o o u v iu as e xp lic a ç õ e s d o a m igo .
—O r a, C a r lo s, e ssa é u m a p e r g u n t a p a r a a q u al v o c ê sab e a r e sp o st a.
—M e d o ? — a r r isc o u Biagio n i.
—Sim . M e d o d o p r e c o n c e it o . Sab ia q u e o a t e u R ic h a r d D a w k in s e sc r e
v e u u m a r t ig o e m q u e d e fe n d e q u e q u a lq u e r c a n d id a t o a a lu n o c o m a
v isão d e m u n d o c r ia c io n ist a d e v e r ia t e r a a d m issã o e m O x fo r d r e cu sad a?
—Já li a lg u n s a r t igo s d e D a w k in s e p e r ce b i su a s id e ias e x t r e m ist a s.
—M as e le n ã o é o ú n ico p r e c o n c e it u o so e in t o le r an t e c o n t r a o s r eligio sos.
Em n o sso m e io , d e clar ar - se c r ia c io n ist a é c o lo c a r e m x e q u e a cr e d ib ilid ad e
d e t o d o o se u t r a b alh o . Eu ain d a n ã o e st o u p r o n t o p a r a isso, C ar lo s.
O g a r ç o m c o lo c o u as sa la d a s n a m e sa , se gu id a s d o p r a t o p r in c ip al
p e d id o p e lo s cie n t ist as. C a r lo s ain d a av aliav a o a m ig o e, m e sm o e st a n d o
e sp a n t a d o c o m a d e c la r a ç ã o d e le , e n c o n t r o u u m a o p o r t u n id a d e p e r fe it a
p a r a o q u e p r e c isav a:
— G e o r ge , v o c ê p o d e m e e n sin a r t u d o o q u e sab e? A ssim e u r e p e t ir ia
t o d o s o s se u s a r g u m e n t o s p a r a a Bia, m o st r a n d o q u e fiz a jo r n a d a q u e e la
m e p e d iu . N o fim , sim p le sm e n t e d ir e i q u e n ã o m e c o n v e n c e u e p r o n t o ,
t u d o v o lt a r á a o se u e ixo n o r m a l. Fe ch ad o ?
□ M E S T R E C R I A C I O N I S TA 4 1
TOME
m p e d a ç o v e r d e d e alface a p ar e c e u e n t r e o s d e n t e s d e G e o r ge q u a n d o
U—Peeler droiue - md oe q—udeisseBiagio n i fa lo u .

o cie n t ist a m ais v e lh o ; e n g o liu a c o m id a e e n x u g o u
a b o ca. —N ã o c o n se gu i c o n t e r o r iso . D e sc u lp e - m e , C a r lo s, m a s n ã o v o u
fa c ilit ar t a n t o a ssim p a r a v o cê .
—V o cê n ã o vai m e a ju d a r ?
— V o u . M as n ã o d a fo r m a q u e v o c ê q u e r . Se a Bia q u e r q u e o d o u t o r
Biagio n i faça u m a jo r n ad a , e n t ã o o d o u t o r Biagio n i far á u m a jo r n a d a . V ou
fa z e r u m r o t e ir o p a r a su a v ia ge m . M as, an t e s, a n o t e aí o s liv r o s q u e v o c ê
d e v e r á e st u d a r . C o n h e ç o su a fa m a d e d e v o r a d o r d e p á gin as, p o r t a n t o ,
n ã o se r á d ifícil lê - lo s an t e s d o p a sso se gu in t e .
-- P asso se gu in t e ?
— Sim , m a s, p r im e ir o , v a m o s a o s liv r o s. Já q u e fa la m o s e m D aw k in s,
leia d e le o liv r o D eu s, um D e lírio . D e p o is leia 0 D e lírio d e D aw k in s, d o e x - a t e u
A list e r M c G r a t h . Leia t a m b é m A M o rt e d a Fé, d o a t e u Sa m H ar r is e A M o rt e
d a R az ão , d o e x- at e u Ravi Z a c h a r ia s. F in a lm e n t e , q u e r o q u e v o c ê le ia U m
A t e u G aran t e : D e u s E x ist e , d o e x- at e u A n t o n y Flew , e A A lm a d a C iê n c ia , d e
N an c y P er cey e C h a r le s T h a x t o n .
—T á n a c a r a q u e v o cê q u e r q u e e u c o m p a r e id e ias.
—E n ã o é e x a t a m e n t e ist o o q u e u m b o m c ie n t ist a d e v e faze r : a n a lisa r
to d as as face t as d e u m p r ob lem a? Foi Blaise Pascal q u e m d isse q u e o s h o m e n s
d e v e m a p r e n d e r p e lo m e n o s q u al a fé q u e r e je it a m an t e s d e r e je it á- la.
—T u d o b e m . C o n c o r d o . E q u al se r á o se g u n d o p asso ?
—Você vai e n c o n t r a r p e sso a s c o m q u e m p o d e r á c o n v e r sa r e p a r a q u e m
p o d e r á e x p o r su a s d ú v id a s. E fa r á p e lo m e n o s u m a v ia ge m .
—Eu n ã o p o sso v iajar , v o c ê sab e d isso .
—A h , p o d e sim . É h o r a d e t ir a r a q u e la s fé r ias q u e v o c ê n u n c a t ir o u .
— M as m in h a s p e sq u isas...
—Su a s p e sq u isa s ficar ão e m b o a s m ã o s. Ficar ão e m m in h a s m ão s.
C ar lo s m o lh o u u m p e d aç o d e car n e n o m o lh o m ad e ir a, c o lo c o u n a b o ca
e so r r iu d e fo r m a m a r o t a , c ie n t e d a c o v a r d ia d o a r g u m e n t o q u e ir ia u sar :
—E u ja m a is d e ix ar ia u m c r ia c io n ist a c u id a r d e m in h a s p e sq u isas.
—E n t ã o é b o m v o cê ficar a t e n t o . C r iac io n ist as e st ã o p o r t o d a p ar t e .
H av ia a lg o d ife r e n t e e m C a r lo s q u a n d o e n t r o u e m se u c a r r o e ligo u
o r á d io e m u m a e st a ç ã o q u a lq u e r . Ele e st a v a e u fó r ic o ; a n im a d o c o m a
p o ssib ilid ad e d e t ir ar fér ias e c u m p r i r su a p r o m e ssa d e p ai. O c a r r o se g u ia
p e la v ia e x p r e ssa q u a n d o o c ie n t ist a o lh o u p a r a o r e ló g io d o p ain e l. N ão
p a ssa v a d as v in t e e u m a h o r a s e e le p a r o u e m u m p o st o .
— Filh a? — d isse , q u a n d o Be a t r iz a t e n d e u a o c e lu la r . — E st o u n u m a
c o n v e n iê n cia aq u i p e r t o d e su a casa. P en sei q u e ... b e m ... se v o c ê p r e cisar ...
se q u ise r ... p o sso le v ar q u a lq u e r c o isa p a r a v o cê .
Be a t r iz so r r iu d o o u t r o la d o d a lin h a . Est av a n a sa la d e T V c o m a m ãe ,
o u v in d o m ú sic a e le n d o u m p o u c o . P er ceb eu d e im e d ia t o q u e o p ai q u e r ia
a p e n a s u m a d e sc u lp a p a r a v isit á- la.
—T r a ga u m a b a r r a d e ce r e ais p a r a m im . A h , e a m a m ã e q u e r u m su c o .
P o u co s m in u t o s d e p o is, o in t e r fo n e d o a p a r t a m e n t o d e La u r a t o c o u .
Ela a c io n o u o b o t ã o p a r a ab r ir o p o r t ã o d a r e c e p ç ão , e o c ie n t ist a su b iu .
Q u a n d o e le a p e r t o u a c a m p a in h a , a p o r t a se e n t r e a b r iu .
—T r o u x e a e n c o m e n d a ? —p e r g u n t o u La u r a o lh a n d o p e la fr e st a.
— C la r o ! — d isse C a r lo s e m o st r o u u m p a c o t e p e q u e n o .
— O b r iga d a ! — d isse La u r a , e st e n d e n d o a m ã o , p e g a n d o o p a c o t e e
fe c h a n d o n o v a m e n t e a p o r t a .
TO M É 4 3
Biagio n i ficou ali fo r a e se u s o m b r o s caír am e n q u an t o o lh av a p a r a a p o r t a
fech ad a. V ir o u as co st as e a n d o u p e lo co r r e d o r . Q u a n d o alcan ço u o elevad or ,
p e r ceb eu q u e Lau r a est av a e n c o st ad a so b o u m b r al d a p o r t a d o ap ar t am e n t o .
—Você co n t in u a o b o b o d e se m p r e —e la d isse c o m u m so r r iso . —O gr an d e
cie n t ist a C a r lo s Biagio n i n u n c a d e c ifr a as p e ga d in h a s d a p o d e r o sa Lau r a.
C a r lo s p o d ia o u v ir o s r iso s d e Be at r iz q u e v in h a m d e d e n t r o d o a p a r
t a m e n t o . O lh o u p a r a a e x - e sp o sa n a p o r t a e se n t iu sa u d a d e s d a é p o c a
e m q u e e r a m u m a fam ília. Sa u d a d e s d e q u a n d o e r a m m a is in o c e n t e s; d e
q u a n d o c o r r ia m at r á s d e se u s so n h o s, c o m o se t u d o fo sse p o ssív e l d e se r
a lc a n ç a d o . A é p o c a e m q u e La u r a , so r r in d o o u g a r g a lh a n d o , o c h a m a v a
d e “se u b o b o ”, q u a n d o a p lic a v a a lg u m a p e ç a n e le .
A q u e le se n t im e n t o e r a e st r a n h o , c o m o o u t r o s q u e o v in h a m p e r t u r
b a n d o d e sd e o acid e n t e d e Be at r iz . C a r lo s a in d a n ã o sab ia d ize r se a q u ilo
e r a b o m o u r u im , m as n ã o p o d ia n e ga r q u e e r a d ife r e n t e .
—Eu só v im e n t r e ga r m e sm o —d isse Biagion i, a p r o x im a n d o - se d e Lau r a.
— E st á b e m , se n h o r e n t r e g a d o r . En t r e p a r a d a r u m “o i” p a r a su a filh a.
A p ó s a b r a ç a r Be at r iz , q u e a in d a r ia, o p ai se n t o u - se a o la d o d e la.
—T u d o b e m ? —e le p e r g u n t o u , e n q u a n t o a m e n in a a b r ia a e m b a la g e m
d a b a r r a d e cer eais.
—T u d o b e m — r e sp o n d e u a g a r o t a c o m a b o c a ch e ia.
—Dói?
—D e v e z e m q u a n d o , m a s a ge n t e su p o r t a .
— D e se m b u c h a , C a r lo s — d isse La u r a , q u e , se n t a d a n u m a p o lt r o n a ao
la d o , t o m a v a o su c o d e la t in h a q u e o e x - m a r id o h av ia t r a z id o .
— D e se m b u c h a o q u ê? — p e r g u n t o u e le .
— O r a, fale lo g o o q u e v o c ê q u e r falar .
—E q u e m d isse q u e t e n h o a lg o p a r a falar ?
— C a d a g e st o se u m e d iz isso — r e sp o n d e u La u r a e, c o m co n v ic ç ão ,
a c r e sc e n t o u : — Eu ain d a o c o n h e ç o m u it o b e m .
C a r lo s fico u n o v a m e n t e im p r e ssio n a d o . La u r a n ã o se p a r e c ia n a d a
c o m a q u e la m u lh e r fú t il q u e e le h av ia a b a n d o n a d o a n o s an t e s. P ar ecia a
g a r o t a viv a e e sp e r t a p o r q u e m se a p a ix o n a r a n a ju v e n t u d e . A liás, t a lv e z
e la n u n c a t iv e sse sid o fú t il. “T a lv e z ”, p e n so u C a r lo s, “e u é q u e a t e n h a
d im in u íd o a p o n t o d e n ã o v e r n e la as q u a lid a d e s q u e d e fa t o t e m .”
— E st á b e m — d isse , fin a lm e n t e , v ir an d o - se p a r a Be at r iz . — Já q u e p r e
ciso t e r a lgo r e le v a n t e p a r a d esem b u ch ar, g o st a r ia d e d iz e r q u e v o u m e sm o
c u m p r ir m in h a p r o m e ssa d e p a i, e v o u c o m e ç a r lo g o .
A filh a so r r iu , a m a sso u o p a p e ! d a b a r r a d e ce r e a is e d isse:
—V er d ad e? Vai m e sm o ? C h e g u e i a p e n sa r q u e v o c ê v o lt a r ia a t r ás.
— A lg u m a v e z e u q u e b r e i u m a p r o m e ssa d e pai?
—N e m e u p o sso d iz e r q u e sim — a fir m o u Lau r a.
—Só n ã o q u e r o q u e v o c ê cr ie fa lsa s e xp e c t at iv as c o m m in h a s c o n c lu
sõ e s —e sc la r e c e u C a r lo s. —Vou b u sc a r in fo r m a ç õ e s, m a s c e r t a m e n t e n ã o
m e con ven cer ão.
—T u d o b e m —disse Bia. —A ú n ic a co isa q u e q u e r o é q u e r e alm e n t e b u sq u e.
C o n v e r sa r a m m ais u m p o u c o e se d e sp e d ir a m . C a r lo s c h e go u à su a
casa, t o m o u b a n h o e, an t e s d e d o r m ir , c o n fe r iu a c a ix a d e e - m ails . Ali h avia
u m a c o r r e sp o n d ê n c ia d o D r . G e o r g e :
Prez ad o Tom é,
P ara in iciarm os su a “jo rn ad a ”, pod em os com eçar com u m a con v ersa com o
f í si c o A lb e rt o Silv a. E le t rab alh a no In stitu to d e Pe sq u isai A e ro n áu t icas, aqu i
m esm o em n ossa cidade.
V ou agen d ar um encontro e ten h o cert ez a d e que v ocê go st ará d e con v ersar
com ele.
A b raç o s.
George
C a r lo s r e sp o n d e u a o e - m ail:
Ok , m eu am igo.
M as m e d iga u m a c oisa: Q u em é T om é?
A r e sp o st a v e io q u a se im e d ia t a m e n t e :
N ão sab e ?
N ão se preocu pe, v ocê certam en te d escob rirá em su a jo rn ad a.
TO M É 4 5
E n q u a n t o isso, e m su a casa, Be at r iz se p r e p a r a v a p a r a d o r m ir .
—Q u e r a ju d a? — p e r g u n t o u La u r a , a b r in d o a p o r t a d a su ít e .
— N ã o — r e sp o n d e u a g a r o t a d e d e n t r o d o b a n h e ir o . — A c h o q u e e u
c o n sig o m e vir ar .
— E n t ã o d u r m a c o m D e u s. Q u a lq u e r c o isa, m e c h a m e .
Be a t r iz fe z b o c h e c h o e c u sp iu a e sp u m a b r a n c a n a p ia. Se n t ia - se d e s
co n fo r t á v e l se n t a d a n a q u e la c ad e ir a d e r o d a s e fo i d ifícil v ir á- la p a r a v o lt a r
a o q u a r t o . E n c o st o u a o la d o d a c a m a e e sfr e go u as d u a s p e r n a s. C o m o e r a
e st r a n h o n ã o se n t ir o t o q u e d as p r ó p r ia s m ão s. F o r ç o u o c o r p o n a ca d e ir a
e t e n t o u jo g a r - se n a c a m a , m a s as r o d a s d e sliz a r a m e e ia c a iu , b a t e n d o a
c a b e ç a n a q u in a d a c a m a e o q u e ix o n o ch ão .
A g a r o t a r e sp ir o u fu n d o e u m a l á g r im a c o r r e u - lh e p e lo r o st o .
—D e u s, o Se n h o r e st á aí?—e la d isse b aixin h o .—N ã o sin t o Su a p r esen ça, Pai.
E c o m o se o Se n h o r fosse m in h as p e r n as. Eu sim p le sm e n t e n ã o O sin t o m ais.
N o c h ã o d o q u a r t o , Bia c h o r o u . D e p o is d o a c id e n t e , e la se fez d e fo r t e
e c o n fia n t e , m a s as d ific u ld a d e s d e cad a d ia ia m m in a n d o su a c o n fia n ç a e
su a g a r r a . A in d a so r r ia p a r a o s p ais e a m igo s, m a s a v e r d a d e é q u e e st av a
c o m m u it a s d ú v id as. Se n t ia- se a gr a d e c id a p o r e st a r viva, p o r é m , e r a difícil
a c o st u m a r - se c o m a q u e la n o v a c o n d ição .
D e p o is d e c o n se gu ir se n t a r - se , c o m m u it a d ific u ld a d e , Bia e sc a lo u a
c a m a , lim p o u as lá gr im a s e a p a g o u a lu z. N o q u a r t o e sc u r o , p e la p r im e ir a
v e z e m su a v id a, d u v id o u d a e x ist ê n c ia d e D e u s.
0 NADA
Q UE FEZ TUDO
C
a r lo s t ir o u o d ia d e fo lg a e fo i p a r a u m o b se r v a t ó r io n o s a r r e d o r e s d a
cid ad e , p e r t e n c e n t e ao I n st it u t o d e Pe squ isas A e r o n áu t icas. Fst acio n o u
o c a r r o n o t o p o d e u m m o n t e o n d e ficava o p r é d io , r o d e a d o d e á r v o r e s ao
fu n d o . Biagio n i c a m in h o u at é a e n c o st a d o m o n t e e n o t o u o c o n t r a st e : à
d ir e it a v ia u m a v a st id ã o v e r d e ; à e sq u e r d a , ao so p é d o m o n t e , u m o c e a n o
d e casas e p r é d io s d e su a m e t r ó p o le .
R e sp ir o u o ar p u r o e foi at é a r e ce p ç ão , d an d o seu n o m e p a r a a secr et ár ia:
— O d o u t o r A lb e r t o Silv a o e sp e r a — d isse a m o ç a , in d ic a n d o - lh e o
c o r r e d o r e m fr e n t e . —Su b a a e sc a d a e m e sp ir al.
0 c o r r e d o r e r a e st r e it o , e a e sc a d a d e m e t a l r a n gia e m c a d a d e gr a u .
Q u a n d o C a r lo s a lc a n ç o u o t o p o , v iu se n a sa la d e u m g r a n d e t e le scó p io ,
r o d e a d o d e p a in é is c o m r a d a r e s, r e gist r o s e m e sa s b a gu n ç a d a s. N u m a d as
m e sa s h av ia u m h o m e m m a g r o e a lt o . Q u a n d o e le v iu C a r lo s e n t r a n d o ,
le v a n t o u - se d e p r e ssa e foi e m su a d ir e ç ã o .
—Q u e p r a z e r re ceb ê- lo , d o u t o r C ar lo s Biagion i. G e o r ge fa lo u m u it o b e m
a se u r e sp e it o e, clar o , e u e st a v a c u r io so p a r a c o n h e c e r o a u t o r d a q u e le s
in cr ív eis a r t ig o s so b r e r a d ia ç ã o g a m a .
D N A D A Q U E F E Z TU D O 4 7
C ar lo s e st e n d e u a m ã o c c u m p r im e n t o u o ast r ofísico. Er a a figu r a car icat a
d e u m c ie n t ist a m a lu c o : c ab e lo gr isalh o e d e sp e n t e ad o , face o ssu d a c o m
q u e ix o a n g u lo so , ó c u lo s d e a r o s r e d o n d o s e le n t e s m u it o , m u it o gr o ssa s;
jale co b r an co e m an c h a d o c o m m o lh o v e r m e lh o . “P ort a- se c o m o u m lo u c o
e t e m id e ias d e lo u c o , c o m c e r t e z a, p o is é c r ia c io n ist a ”, p e n so u Biagio n i,
e n q u a n t o o o u t r o cie n t ist a c h a c o a lh a v a - lh e a m ã o e m c u m p r im e n t o .
A c o n v it e d o cie n t ist a, Biagio n i se n t o u - se e m fr e n t e a u m a d as m e sa s
b a g u n ç a d a s. A lb e r t o e m p u r r o u u m m o n t e d e p a p e l, se n t o u - se e d isse:
—P elo q u e C e o r ge m e d isse, v o cê q u e r sab e r so b r e a o r ige m d o U n iv e r so .
—Sim . N a ver d ad e, sei o q u e a ciên cia d iz so b r e isso, m as go st ar ia d e co n h e
cer se u s m o t iv o s p a r a a cr e d it ar q u e o U n iv e r so t e n h a sid o c r iad o p o r D e u s.
O D r . A lb e r t o ga r g a lh o u so n o r a m e n t e .
— E sse s m o t iv o s n ã o e x ist e m . E p r e c iso t e r fé ir r a c io n a l p a r a c r e r q u e
e xist a u m D e u s p o r t r ás d e t u d o .
C a r lo s fic o u c o n fu so e d isse:
— Eu p e n se i q u e v o c ê fo sse cr ia c io n ist a . A ch o q u e G e o r g e se e n g a n o u .
— Eu p a r e ç o m a lu c o p a r a se r cr iacio n ist a?
Biagio n i p r e fe r iu n ã o r e sp o n d e r , pois’ t e v e a le v e im p r e ssã o d e v e r u m
d o s o lh o s d o físico gir a r n a ó r b it a (fo i só im p r e ssã o , c lar o ).
—N ã o h á e v id ê n cias p la u sív e is p a r a se a c r e d it a r n a e xist ê n cia d e D e u s —
d isse A lb e r t o .—G e o r ge e e u d e b a t e m o s v a st a m e n t e so b r e isso , m a s e u n ã o
c o n sigo c o n v e n c e r a q u e le v e lh o c a b e ç a - d u r a. Q u a n d o e le d isse q u e v o c ê
vir ia, m e fe z u m p e d id o : q u e e u fo sse sin ce r o e m fa la r so b r e o s p r o b le m a s
cie n t ífico s d o su r g im e n t o a le a t ó r io d o U n iv e r so .
—A c h o q u e a g o r a c o m e ç o a e n t e n d e r o s m o t iv o s d o G e o r g e e m r e c o
m e n d a r e st e n o sso b a t e - p a p o .
— D o u t o r C a r lo s, o U n iv e r so q u e v e m o s é fr u t o d o a le a t ó r io . F r u t o d a
m a t e m á t ic a . F r u t o d o acaso . F r u t o d e b ilh õ e s d e a n o s d e fa t o r e s c o in c i
d e n t e s q u e c u lm in a r a m c o m se u su r g im e n t o , e x p a n sã o e o r ige m d a v id a.
So m o s fr u t o s d e ssa a le a t o r ie d a d e .
—T a m b é m p e n so assim — c o n c o r d o u Biagio n i.
—M as h á a lgu n s fa t o r e s p r o b le m á t ic o s n e ssa t e o r ia, é p r e c iso a d m it ir . A
p r in cíp io , a c r e d it á v a m o s q u e o U n iv e r so e r a e t e r n o e isso ju st ificav a m u it a
co isa e n o s liv r av a d e r e sp o n d e r a u m a sé r ie d e p e r g u n t a s. Ficav a fácil: o
U n iv e r so é e t e r n o e p o n t o íin a l. Ele se m p r e e xist iu , se m p r e e xist ir á, assim
c o m o su a e n e r g ia se m p r e e xist iu e se m p r e e xist ir á.
C a r lo s e st a v a at e n t o , t e n t a n d o a c o m p a n h a r as p a la v r a s e fr ase s r áp id as
d o a st r o físic o q u e fa la v a e g e st ic u la v a fr e n e t ic a m e n t e .
—M as d e sc o b e r t a s p o st e r io r e s p r o v a r a m q u e isso e st a v a e r r a d o . O U n i
v e r so t e v e , sim , u m c o m e ç o . A liás, p e n se b e m : se o U n iv e r so e o t e m p o
fo sse m e t e r n o s, n u n c a t e r ía m o s c h e ga d o a est e m o m e n t o e n ã o e st ar íam o s
aq u i c o n v e r sa n d o . — A lb e r t o p isc o u u m o lh o p a r a C a r lo s e c o n t in u o u : —
A v e r d a d e é q u e o U n iv e r so e st á e m e x p a n sã o e e m c o n st a n t e a u m e n t o
d e e n t r o p ia ,1 a ssim c o m o a saliv a d a m in h a b o c a e st á se c a n d o e n q u a n t o
falo . Q u e r u m c o p o d e á gu a , d o u t o r ?
— N ã o , o b r ig a d o — r e sp o n d e u C a r lo s.
A lb e r t o se le v a n t o u e c o lo c o u u m a ja r r a d e á gu a so b r e a m e sa . A o q u e
t u d o in d icav a, e le ia b e b e r m u it o d u r a n t e su a fa la c o n st a n t e :
—A p r im e ir a q u e st ão é a se gu n d a lei d a t e r m o d in â m ic a .2C o m o o se n h o r
sab e, g r a ç a s a e la, e n t e n d e m o s q u e o U n iv e r so e st á fic a n d o se m e n e r gia
u t ilizável. O u seja, u m d ia t o d a e n e r gia t e r á e sgo t ad o , e o U n iv er so m o r r e r á.
M ais o u m e n o s isso . O q u e sign ific a d iz e r q u e , se o U n iv e r so e xist iu d e sd e
se m p r e , e t e r n a m e n t e , e ssa e n e r g ia já t e r ia se e sg o t a d o u m a e t e r n id ad e
n o p a ssa d o . M as, se ain d a t e m o s e n e r gia d isp o n ív e l, isso sign ifica q u e o
U n iv e r so c o m e ç o u e m a lg u m m o m e n t o fin it o , t e m p o s a t r ás.
—O q u e o se n h o r e st á d iz e n d o , e n t ã o , é q u e a c o sm o lo g ia d o Big Ban g,
a t e o r ia ge r a l d a r e lat iv id ad e d e E in st e in e a se gu n d a lei d a t e r m o d in â m ic a
n o s le v a m a c o n c lu ir q u e d e fa t o e xist e u m “n o p r in c íp io ” ?
—Eu n ã o p o d e r ia r e su m ir m e lh o r . E b e m assim m e sm o . A n ão ser, é clar o,
q u e v o c ê q u e ir a filo so far e falar so b r e b r an as, t e m p o im a gin ár io e u n ive r so s
p ar alelos, p ar a os qu ais n ão h á evid ên cias com p r ob at ór ias. N esse caso, tr ocar ía
m o s o m it o cr iacion ist a p e la m et afísica p u r a, e isso m e d e ixa p o u c o à von tad e.
— E q u al é a r e le v â n c ia d e a fir m a r q u e o U n iv e r so t e v e u m c o m e ç o ? E
o q u e m u d a se c r e r m o s q u e e le é e t e r n o , o u se ja, q u e n ã o t e v e u m in ício?
—p e r g u n t o u C a r lo s, c o m sin c e r a d ú v id a .
— O r a, d o u t o r Biagio n i, t u d o q u e t e m u m in ício t e m u m a cau sa. Se
a fir m a m o s q u e o m u n d o c o m e ç o u e m a lg u m m o m e n t o , t e m o s q u e d izer
q u al fo i a c a u sa .
0 N A D A Q U E F E Z TU D O 49
— C e r t o . M as v o c ê é a t e u . D e v e t e r u m a b o a r e sp o st a p a r a isso . Q u al é
a c a u sa d o U n iv e r so ?
—Vá c o m c a lm a , m e u a m ig o . D e ixar e i e ssa fa n t á st ic a e x p lic a ç ã o p a r a
o fim — so r r iu o a st r o físic o . — A t e o r ia d a r e lat iv id ad e , fo r m u la d a p o r
Ein st e in , p r e v ê q u e o t e m p o , o e sp a ç o e a m a t é r ia t iv e r a m u m c o m e ç o .
Isso e r a a p e n a s u m a t e o r ia, m a s a c a b o u se n d o d e m o n st r a d a n u m t e m p o
p a ssa d o , n ã o t ã o d ist a n t e . A lé m d e d e m o n st r a r a se g u n d a lei d a t e r m o d i
n â m ic a , cie n t ist as p r o v a r a m q u e o U n iv e r so e st á e m e x p a n sã o . I sso g r a ç a s
às o b se r v a ç õ e s fe it as p e lo a st r ô n o m o Ed w in H u b b le ...
— Sei. O H u b b le q u e foi h o m e n a g e a d o t e n d o se u n o m e n o fa m o so
t e le sc ó p io e sp acial.
—E x a t o . C o m o e u d izia, Ed w in H u b b le fez o b se r v a ç õ e s e m se u t e le sc ó
p io , e c ie n t ist a s c h e ga r a m à c o n c lu sã o d e q u e o U n iv e r so e st á m e sm o e m
e x p a n sã o , a p a r t ir d e u m ú n ic o p o n t o in icial. O u se ja, e ssas o b se r v a ç õ e s
t a m b é m n o s le v am a c r e r q u e o U n iv e r so t e v e u m c o m e ç o . Esse c o m e ç o
é o Big B a n g q u e v o c ê m e n c io n o u . Er a u m a v e z n a d a e d o n a d a se fez
t u d o ! BA N G ! - g r it o u A lb e r t o d e b r a ç o s a b e r t o s, e C a r lo s q u a se c a iu d a
c ad e ir a. O a st r o físico t o m o u o u t r o c o p o d e á gu a .
—M as c o m o o U n iv e r so p o d e t e r su r gid o d o n a d a, se m n e n h u m a cau sa?
Se m t e r sid o p r o v o c a d o ? - p e r g u n t o u Biagio n i.
—N ã o se ap r e sse , d o u t o r . N o fim e u d a r e i a r e sp o st a b o m b á st ic a . O u t r a
p r o v a d e q u e o U n iv e r so t e v e u m in ício é a r a d ia ç ã o d o Big Ban g. E m
1965, A m o P e n zias e R o b e r t W ilso n d e sc o b r ir a m , p o r a c a so , u m b r ilh o
a v e r m e lh a d o . N a v e r d a d e , e r a a r a d ia ç ã o d e fu n d o d a gr a n d e e x p lo sã o .
Ele s c h e g a r a m a g a n h a r o p r ê m io N o b e l p o r isso . E m a is: d e p o is d e ssa
d e sc o b e r t a , c o n st a t o u - se a e xist ê n c ia d e o sc ila ç õ e s n a t e m p e r a t u r a d a
r a d ia ç ã o d e P en zias e W ilson . Isso fo i d e sc o b e r t o p e la N A SA . O u se ja,
m e u p r e z a d o a m igo , t u d o in d ica q u e o U n iv e r so t e v e m e sm o u m in ício .
—E se t e v e u m in ício , t e v e u m a c a u sa —c o m p le t o u C a r lo s. —D iga - m e ,
d o u t o r A lb e r t o , q u al é e ssa c a u sa ?
—V o cê e st á p r e p a r a d o p a r a a g r a n d e r e sp o st a? Ela m u d a r á t o d a a su a
fo r m a d e v e r o U n iv e r so — d r a m a t iz o u o físico.
— E st o u ! — C a r lo s e st a v a r e a lm e n t e in t e r e ssa d o .
—N a v e r d ad e , v o cê já m e n c io n o u a c a u sa e e u e st av a b r in c a n d o q u a n d o
d isse q u e se r ia u m a r e sp o st a b o m b á st ic a : a m a t é r ia , a e n e r g ia e as leis q u e
r e ge m o U n iv e r so v ie r a m d o n a d a.
—N ad a? —Biagio n i n ã o c o n se g u iu e sc o n d e r a d e c e p ç ã o , le m b r a n d o - se
d e A r ist ó t e le s e su a m á x im a : “N a d a é a q u ilo c o m q u e so n h a m as p e d r a s.”
—Isso . N a d a ! —d isse A lb e r t o , e m t o m d e v it ó r ia. —O u , se p r e fe r ir , v e io
d e p o n t o s m a t e m á t ic o s; o u v e io d e e n e r gia p o sit iv a e n e ga t iv a ; o u d e flu
t u a ç õ e s n o v á c u o q u â n t ic o ; o u o U n iv e r so se c o n t r a iu e d e p o is e xp a n d iu
(t e o r ia d o r ico ch e t e c ó sm ic o ), o u ... ou ... se m p r e h á o u t r a e xp licação lógica.
— N e n h u m a d e la s m e p a r e c e t ã o ló gic a e, n a v e r d a d e , se m p r e p a r t e m
d e a lgo e n u n c a d o n ad a ab so lu t o . A lei d a cau salid ad e é o fu n d a m e n t o de
t o d a b o a ciên cia. E a b u sc a d as c a u sa s e e ssas c a u sa s d e v e m t e r b o as e x p li
caçõ e s e e v id ê n cias.
— A h , c lar o , a o u t r a o p ç ã o é a c r e d it a r q u e e xist e A lg u é m a c im a d a
n a t u r e z a . A lg u é m e x t e r n o e a n t e r io r ao t e m p o , e sp a ç o e m at é r ia. A lgu é m
q u e n ã o t e n h a c o m e ç o n e m fim e, p o r isso, n ã o p r e c ise d e u m a cau sa.
— O u é isso o u p r e c iso a c r e d it a r q u e n a d a fez a lg u m a c o isa — c o m p le
t o u C a r lo s, a in d a d e c e p c io n a d o c o m as e xp lic a ç õ e s d o a st r o físico . E n t ão
p e r gu n t o u :
— P o r q u e o U n iv e r so n ã o p o d e t e r t id o u m a o r ig e m so b r e n a t u r a l,
afin al d e c o n t as?
A lb e r t o e n c a r o u C a r lo s c o m u m a e xp r e ssã o q u e m ist u r a v a su st o e
in d ign a ç ã o . F r a n z iu as so b r a n c e lh a s e d isp a r o u :
— P o r q u e n ã o p o d e . N ó s so m o s cien t ist as e a d o t a m o s c o m o filosofia o
n a t u r a lism o . T u d o o q u e e xist e, e xist iu o u e xist ir á é o b r a d e leis n at u r ais.
—M as as leis n a t u r a is n ã o p a ssa r a m a exist ir ju n t a m e n t e c o m a m at é r ia,
n o in ício? As leis d a física n ã o d e p e n d e m d a m a t é r ia p a r a exist ir ? C o m o
elas p u d e r a m e xist ir a n t e s d e t u d o ? Se r ia m e las c a u sa d o r a s d e si m e sm as?
— Sei a o n d e v o c ê q u e r c h e ga r ... — A lb e r t o se m ic e r r o u o s o lh o s. — O
d o u t o r G e o r g e d e v e t e r fe it o a su a c ab e ça.
— N ã o é n a d a d isso , e u ...
—D e u s n ã o p o d e se r a d ic io n a d o à e q u aç ão —A lb e r t o , v isiv e lm e n t e ir r i
t a d o , n ã o e sp e r o u q u e C a r lo s t e r m in a sse a fr ase . — R e p it o : n o ssa filo so fia
é o n a t u r a lism o , p o r t a n t o , D e u s n ã o p o d e e xist ir . T e m o s q u e e n c o n t r a r
o u t r a e x p lic a ç ã o .
0 N A D A Q U E F E Z TU D O 5 1
D e r e p e n t e , o D r . C a r lo s se d e u c o n t a d e q u e , n o fu n d o , a d isc u ssã o
ac a b a v a n o c a m p o d a filo so fia, d a m e sm a m e t a físic a se m fu n d a m e n t o s
q u e A lb e r t o a fir m o u d e ix á - lo p o u c o à v o n t a d e . E e sse p e n sa m e n t o o
in c o m o d o u b a st a n t e .
—O d o u t o r G e o r ge e x e r c it a g r a n d e fé a o a c r e d it a r q u e e xist e e ssa fo r ç a
d iv in a p o r t r á s d e t u d o — d isse A lb e r t o , in t e r r o m p e n d o a b r e v e r e fle xão
d e C a r lo s.
—M as, se p a r a r m o s p a r a p e n sa r , o se n h o r t a m b é m p r e c isa d e m u it a fé
p a r a a c r e d it a r n e ssa t e o r ia d o n a d a q u e fe z t u d o .
O D r . A lb e r t o Silv a c o ç o u a cab e ça, c o m o se r e fle t isse n o q u e h av ia
a c a b a d o d e o u v ir . T o m o u m a is u m p o u c o d e á gu a e d isse:
— P ois é. P elo v ist o , p o sso d iz e r q u e so u u m h o m e m d e fé.
— O b r iga d o , d o u t o r — C a r lo s fa lo u , le v a n t a n d o - se e se d e sp e d in d o .
— O se n h o r t e m m ais fé d o q u e e u , p o is é d ifícil a c r e d it a r q u e o n a d a é
r e sp o n sá v e l p o r t u d o .
1 N u m a d e fin iç ã o b e m sim p lific a d a , e n t r o p ia é a m e d id a d a q u a n t id a d e d c d e so r d e m d e

u m sist e m a . Q u a n t o m a io r a d e so r d e m , m a io r a e n t r o p ia.
2 S e g u n d o o Dicum án o A u rélio, t e r m o d i n â m i c a é a p a r t e d a fí s i c a q u e i n v e s t i g a o s p r o c e s s o s
d e t r a n s f o r m a ç ã o d e e n e r g i a e o c o m p o r t a m e n t o d o s s i s t e m a s n e s se s p r o c e s s o s .
Q GRAN D E
P RO JETISTA
D
e p o is d a co n v e r sa fr u st r a n t e c o m o ast r o físico A lb e r t o , C a r lo s v o l
t o u - se p a r a as le it u r as in d icad as p e lo a m igo G e o r ge . G a st o u a se m a n a
t o d a a n a lisa n d o d e t id a m e n t e o s a r g u m e n t o s a t e íst a s e t e íst a s, e fico u
im p r e ssio n a d o c o m o d isc u r so d o s “c r e n t e s” q u e , p a r a e le , e r a m t o d o s
d e sin fo r m a d o s. Se m p r e p e n so u q u e c r e r n u m D e u s C r ia d o r e r a fr u t o d e
fé ir r a c io n a l, p o r é m , v iu q u e e le s t in h a m b o n s fu n d a m e n t o s p a r a su as
cr e n ç a s e q u e fa z ia m p e r g u n t a s m u it o p e r t in e n t e s a o s a t e u s. N a v e r d ad e ,
fico u at é m e sm o d e c e p c io n a d o c o m o s d e fe n so r e s d o n e o a t e ísm o R ich ar d
D a w k in s e Sa m H ar r is.
E m b o r a n ã o se ja u n a n im id a d e e n t r e o s at e u s - C a r lo s d e sco b r ir ia d e p ois
—, D a w k in s é u m d o s m a io r e s e x p o e n t e s d o n e o a t e ísm o . Em se u e st ilo
e st r id e n t e , o b ió lo go b r it ân ico p r o t e st a co n t r a o q u e e le c o n sid e r a u m a d as
m a io r e s ir r a c io n a lid a d e s h u m a n a s: a c r e n ç a e m D e u s. A se m e lh a n ç a d e
se u s p a r e s n e o a t e u s, e le t a m b é m a p o n t a o s cr im e s c o m e t id o s e m n o m e d a
r e ligião c o m o e x e m p lo s d o s e fe it o s d e ssa “ir r a c io n alid a d e ”. P ar a o b ió lo go ,
a r e ligiã o —q u a lq u e r t ip o —n ã o m e r e c e r e sp e it o e sp e c ia l, e e le c o m p a r a a
e d u c a ç ã o r e ligio sa d e cr ia n ç a s a o a b u so in fan t il (e m b o r a m a n t e n h a u m
0 G R A N D E P R O JE T I S T A 5 3
a c a m p a m e n t o n o q u a l r e ú n e c r ian ças p a r a e n sin a r a t e ísm o ). Se u liv r o
a ssu m e c a r á t e r p a n fle t á r io a o a d m it ir q u e v isa a e st im u la r o s a t e u s a se
p r o n u n c ia r e m p u b lic a m e n t e , e q u e m sab e at é c o n v e r t e r a lg u n s c r e n t e s
e m a t e u s. Ele e sc r e v e u lo g o n o in ício d e D e u s , U m D e lírio : “Se e st e liv r o
fu n c io n a r d o m o d o c o m o p r e t e n d o , o s le it o r e s r e ligio so s q u e o ab r ir e m
se r ã o a t e u s q u a n d o o t e r m in a r e m .”
C a r lo s se d e u c o n t a d a t r e m e n d a in c o e r ê n c ia d o t ít u lo d o liv r o d e
D a w k in s q u a n d o le u , n a p á g in a 80, q u e , n u m a g r a d a ç ã o d e u m a se t e ,
q u e vai d a cr e n ça ab so lu t a n a e xist ên cia d e D e u s at é a cer t e za ab so lu t a d e q u e
D e u s n ã o e xist e , o a u t o r a d m it e q u e e st á n a se x t a p o siç ã o ( “t e n d e n d o
p a r a a sé t im a ”). Isso p o r q u e e le o u q u a lq u e r o u t r o a t e u n ã o t e m c o m o
sab e r c o m c e r t e z a. D a w k in s fin a lm e n t e a d m it e : “A c h o q u e D e u s é m u it o
im p r o v á v e l e le v o m in h a v id a n a p r e d isp o siç ã o d e q u e e le n ã o e st á lá .”
A ch o?! U m d o s m a io r e s d e fe n so r e s at u ais d o a t e ísm o b ase ia su a co n v ic
ç ã o n o a c h ism o ? E n t ã o p o r q u e o “d e lír io ” d o t ít u lo d o livr o? D e v e r ia se r
“q u a se u m d e lír io ”, “a c h o q u e é u m d e lír io ” o u “m u it o p r o v a v e lm e n t e
u m d e lír io ” .
N o e n t a n t o , o q u e m a is in c o m o d o u C a r lo s a o le r D eu s, um D e lírio fo i o
fa t o d e D aw k in s t r a t a r o s c r e n t e s in t e lige n t e s c o m o se fo sse m igu ais ao s
m a is c a r ic a t o s t e le v a n ge list a s o u a o s t alib ãs u lt r a r r a d ic a is. C a r lo s p e n so u
e m se u b r ilh a n t e e b o n d o so a m ig o c r ia c io n ist a G e o r g e e c o n c lu iu q u e
D aw k in s é u m g e n e r a list a p r e c o n c e it u o so .
0 D e lírio de D aw k in s, e sc r it o p e lo e x - a t e u A list e r M c G r a t h e m c o a u t o r ia
c o m a e sp o sa Jo h a n n a , e r a o liv r o se gu in t e n a list a fo r n e c id a p e lo D r .
G e o r ge . O s a u t o r e s d e sm a n t e la m o a r g u m e n t o d e q u e a ciên cia d e v e lev ar
a o a t e ísm o , e C a r lo s n ã o p ô d e d e ixar d e c o n se n t ir . O s M c G r a t h m o st r a m
q u e D a w k in s a b r a ç o u o a m a r g o e d o g m á t ic o m a n ife st o d o a t e ísm o fu n -
d a m e n t a list a e, e m a p e n a s 156 p á gin as, d e sc o n st r o e m o s a r g u m e n t o s q u e
D a w k in s e x p ô s e m m ais d e 500.
P ar a C a r lo s, o liv r o A M o rt e d a Fé , d o filó so fo Sa m H ar r is, n ã o p a r e c e u
m u it o d ife r e n t e d o d e D aw k in s. A p r o p o st a d e H ar r is co n sist e n a ab o liç ão
de t o d as as r e ligiõ es d o gm á t ic a s e su a su b st it u ição p e lo a u t o c o n h e c im e n t o .
A r e sp o st a p a r a o s a r g u m e n t o s d e H ar r is, C a r lo s e n c o n t r o u n o liv r o
A M o rt e d a R az ão , d o e x - a t e u in d ia n o R av i Z a c h a r ia s (e, q u a n d o lia o liv r o ,
e le se le m b r o u d e d o n a E sp e r a n ç a , a se n h o r a c o m q u e m c o n v e r sa r a n o
h o sp it a l, p o is e la h av ia m e n c io n a d o esse a u t o r ). A s id e ias clar a s e b e m
a p r e se n t a d a s d e Z a c h a r ia s q u a se a b a la r a m a lg u m a s c o n v ic ç õ e s a t e íst as
d e C a r lo s, M as e le se m a n t e v e fir m e .
D e p ois ele le u U m A t eu Garan t e: D eu s Ex ist e, d o t am b é m e x- at e u (n a ver d ad e,
o m a io r filó so fo a t e u d o sé c u lo 20) A n t o n y Flew , e A A lm a d a C iên ct a, d e
N an cy P e ar ce y e C h a r le s T h a x t o n . Esse ú lt im o liv r o c o n v e n c e u C a r lo s
d e q u e a ciê n cia e x p e r im e n t a l d e v e m u it o às id e ias d e r e gu la r id a d e d a s
leis físicas, d o u so sáb io d a n a t u r e z a p a r a o b e m d o se r h u m a n o e d a n ã o
d iv in iz ação d a c r iação —p r e m issa s a d v in d as d a v isão ju d a ic o - c r ist ã bíblica.
C ar lo s ain d a se co n sid e r ava at e u , m a s u m a n o v a r e alid ad e se d e sco r t in av a
à su a m e n t e . Ele co n clu iu , t a m b é m , q u e às vezes a fé d o s a t e u s é q u e p ar e cia
ser ir r acio n al, p o is im agin av am sit u açõ e s q u e n ão p o d e m ser e m p ir icam e n t e
c o m p r o v a d a s. In t e r e ssan t e é q u e e le s e xige m p r o v as d o s t e íst as q u e n e m
e le s t ê m so b r e a o r ige m e sp o n t â n e a e se m c a u sa d o U n iv e r so .
Le m b r o u - se d as p a la v r a s d o D r . G e o r ge , ao c o n v e r sa r e m d e p o is d o
e n c o n t r o c o m o a st r o físic o A lb e r t o : “E at é m ais ló gic o a c r e d it a r q u e a
o r ige m d o U n iv e r so t e m c o m o c a u sa u m Se r a n t e r io r a o t e m p o , à m a t é
r ia e a o e sp a ç o . N o t e b e m : e ssa p r im e ir a C a u sa n ã o c a u sa d a t e m q u e se r
m u it í ssim o p o d e r o sa p a r a c r ia r t o d o o U n iv e r so d o n a d a ; t e m q u e
se r m u it íssim o in t e lige n t e p a r a p la n e ja r u m u n iv e r so q u e fu n c io n a gr aç as
a leis físicas fin a m e n t e a ju st a d a s; t e m q u e se r p e sso a l, p o is e sc o lh e u cr iar
u m u n iv e r so t e m p o - e sp a ç o - m a t e r ia l. Essa c a u sa se a ju st a p e r fe it a m e n t e
à d e sc r iç ã o b íb lica d e D e u s, m a s n ã o p r e c isa m o s n e c e ssa r ia m e n t e u sa r a
Bíb lia p a r a c h e ga r at é e la .”
C a r lo s t in h a se u s p r ó p r io s m o t iv o s p a r a d e sc r e r n a e xist ê n c ia d e D e u s,
m a s a g o r a e st a v a r e a lm e n t e in st ig a d o a p e sq u isa r b o n s a r g u m e n t o s, já
q u e a p r im e ir a co n v e r sa e as le it u r a s n ã o h av ia m r o m p id o t o t a lm e n t e
se u s “e sc u d o s m e n t a is” .
N o m e io d a q u e la se m a n a , Be a t r iz ligo u p a r a o p ai e d isse:
— A m a m ã e e st á lh e c o n v id a n d o p a r a ja n t a r c o n o sc o n a se x t a - fe ir a à
n o it e . V a m o s r e c e b e r u m d o u t o r e m n o ssa casa.
— D o u t o r ? M é d ico ? Você n ã o e st á se se n t in d o b e m ?
—N ã o , p ai. E so b r e su a p r o m e ssa . É u m d o u t o r q u e p o d e d isc u t ir so b r e
Q G R A N D E P R O JE T I S T A 5 5
a e x ist ê n c ia d e D e u s c o m v o c ê . P o r fa v o r , v e n h a — im p lo r o u Be at r iz .
E C a r lo s su sp e it o u q u e h o u v e sse o u t r o m o t iv o p a r a a q u e le co n v it e .
N a n o it e d e se xt a - fe ir a , Biagio n i fo i a o a p a r t a m e n t o d a filh a e a c io n o u
a c a m p a in h a . A p o r t a se ab r iu , e Bia d isse afo b a d a:
— U fa! A ch ei q u e v o c ê n ã o c h e ga r ia n u n c a . N ã o a g u e n t o m a is t a n t o
n h e-n h e-n h em .
C a r lo s se ab aixo u e b e ijo u o r o st o d a filh a, se m e n t e n d e r o q u e e la q u e r ia
d izer . C o m p r e e n d e u a ssim q u e o lh o u p a r a a sala, c o m p a r t ilh a n d o , e n t ã o ,
o m e sm o se n t im e n t o d a filh a: c iú m e s.
La u r a e st a v a se n t a d a n o so fá e, a o la d o d e la, e st a v a u m h o m e m b e m
v e st id o e b o n it o . U sa v a c a lç a e c a m isa so ciais, c o m a g r a v a t a le v e m e n t e
a fr o u x a d a n o p e sc o ç o . O t e r n o p r e t o r e p o u sa v a n o b r a ç o d o so fá . O q u e
d e ix o u C a r lo s d e sc o n fo r t á v e l n ã o fo i a b o a a p a r ê n c ia d o h o m e m , m a s o
fa t o d e q u e e le e La u r a c o n v e r sa v a m d e sc o n t r a id a m e n t e , r in d o , ale gr e s,
c o m o se já se c o n h e c e sse m h a v ia m u it o t e m p o .
— C a r lo s, p o r fav o r , se n t e - se — d isse La u r a d e u m je it o b e m fo r m a l. —
Est e é o d o u t o r Isaac. Isaac, e st e é C a r lo s, p ai d a Be at r iz .
A m b o s se c u m p r im e n t a r a m c o m u m gr av e a p e r t o d e m ã o s, q u e m a is
p a r e c ia u m a d isp u t a .
“Pai d a Be at r iz ?!”, p e n so u C a r lo s, e n q u a n t o se n t a v a n u m a p o lt r o n a .
“P o r q u e v o c ê n ã o d e ix a b e m c la r o q u e so u se u e x - m a r id o ?”
P o r a lg u n s in st a n t e s, p a ir o u u m silê n cio d e sc o n fo r t a n t e e n t r e t o d o s
n a sa la , at é Bia e st a c io n a r a c a d e ir a d e r o d a s ao la d o d o p ai e d iz e r e m
t o m d e sa fia d o r :
—P o d e m c o n t in u ar a co n v e r sa. P ar ecia ser t ã o in t e r e ssan t e e e n gr a ç a d a .
La u r a a fu lm in o u c o m o o lh a r e d e sv io u o a ssu n t o :
— A c h o q u e o a ssa d o e st á p r o n t o . V ou c o lo c a r a m e sa .
—E u v o u lav ar as m ã o s — d isse Isaac, q u a n d o La u r a se le v a n t o u .
C a r lo s a p r o v e it o u p a r a o b se r v a r a m ã o e sq u e r d a d o “o p o n e n t e ” . N ã o
h av ia a lia n ç a ali. C o n c lu iu q u e o u e le e r a v iú v o , o u d iv o r c ia d o o u u m
so lt e ir ã o e m b u sc a d e su a p r ó x im a “v ít im a ” .
— N u n c a vi a m a m ã e t ã o a n im a d a assim an t e s! — Be at r iz c o c h ic h o u
em b u r r ad a.
— Q u e m é e sse car a? Ele é d o u t o r e m q u ê ?
5 6 A D E 5 C 0 B E R TA
— Ele é d o u t o r e m ...
— V a m o s p a r a a m e sa? — in t e r r o m p e u La u r a , o l h a n d o p a r a o s d o is
b ic u d o s n a sala. — Q u e ca r a s sã o e ssas?
N in g u é m r e sp o n d e u n a d a . C a r lo s se le v a n t o u e e m p u r r o u a ca d e ir a
d e Bia a t é a m e sa . N a q u e le m o m e n t o , p ai e filh a e r a m c ú m p lic e s d e u m
c iú m e ir r a c io n a l. Isaac se a c h e g o u e o c u p o u se u lu g a r à m e sa .
— O r e a gr a d e c e n d o o a lim e n t o , filh a —p e d iu Lau r a.
— N ã o q u e r o o r a r — r e sp o n d e u a g a r o t a , ain d a e m t o m d e safiad o r .
—T u d o b e m , e u o r o —r e sp o n d e u a m ã e q u e já t in h a lid o t o d o s o s sin ais
c o r p o r a is d o e x- m a r id o e d a filh a. Ele s e st av am e m b u r r a d o s e co m c iú m e s.
E n q u a n t o L a u r a o r av a, C a r lo s e sp iav a t o d o s n a m e sa . Isaac c o n t in u a v a
d e o lh o s fe c h a d o s, e Be a t r iz t a m b é m e sp iav a. Pai e filh a so r r ir a m q u a n d o
se u s o lh a r e s se e n c o n t r a r a m .
Se r v ir a m - se d e ar r o z , sa la d a s e u m assa d o c o m c r e m e b r a n c o e a lgo
v e r d e q u e C a r lo s su sp e it a v a se r b r ó c o lis. O sa b o r d e t u d o e r a m u it o b o m
e a co n v e r sa , c e r t a m e n t e , se r ia d e sa fia d o r a.
— P o r q u e fu i co n v id a d o p a r a e st e jan t ar ? — q u is sab e r Biagio n i.
— Bia in sist iu —d isse Lau r a, se r v in d o - se d e su c o .
—O d o u t o r Isaac t e m b o n s a r gu m e n t o s sob r e a e xist ê n cia d e D e u s —d isse
Be a t r iz , n a d e fe n siv a. — Eu q u e r ia q u e v o c ê s c o n v e r sa sse m .
C a r lo s fico u o lh a n d o p a r a Isaac c o m a r d e “e u so u o a lu n in h o q u e q u e r
o u v ir o g r a n d e p r o fe sso r ” , a t é d e ix á - lo d e sc o n fo r t á v e l.
— N ã o é b e m assim - d isse o d o u t o r , d e p o is d e e n g o lir u m b o c a d o d e
c o m id a q u e e st a v a n a b o ca. — So u a p e n a s u m c u r io so q u e e st u d a as e v i
d ê n c ias so b r e a e xist ê n c ia d o C r ia d o r .
—V o cê s n ã o p r e fe r e m ja n t a r p r im e ir o ? —p e r g u n t o u Lau r a.
— N ã o ! — r e sp o n d e r a m Bia e C a r lo s e m u n ísso n o .
Isaac v o lt o u a c o m e r . Be b e u u m p o u c o d e s u c o e c o m e ç o u a fa lar :
—G o st o d e u m t e xt o q u e e st á n o livr o d e Sa lm o s: “O s c é u s p r o c la m a m a
gló r ia d e D e u s, e o fir m am e n t o an u n cia as ob r as d as Su as m ã o s” (Sa lm o 19:1).
—C o m e ç a r u m a d isc u ssão c o m u m at e u c it an d o a Bíb lia n ã o é u m b o m
c a m in h o — d isse C a r lo s, e e n t o r n o u o c o p o d e su c o .
—O t e x t o é sim p le s, d o u t o r C a r lo s —c o n t in u o u Isaac, se m se im p o r t a r
c o m a p r o v o c a ç ã o . —Se o b se r v a r m o s a n a t u r e z a, n o t a r e m o s e v id ên cias d e
□ G R A N D E P R 0 JE TI 5 T A 5 7
u m p r o je t ist a p o r t r á s d e t u d o . Se v o c ê r e ce b e sse u m e - m ail d e sc o n h e c id o
d iz e n d o "b o m - d ia !” , a q u e c o n c lu sã o ch e gar ia?
—E u c o n clu ir ia q u e b it s a le a t ó r io s se c r u z a r a m n a r e d e e m e m a n d a r a m
u m e m a r a n h a d o d e sin ais q u e a cab ar am fo r m a n d o u m a m e n sa ge m —d isse
C a r lo s, p r e v e n d o o a r g u m e n t o .
— N ã o se ja in fan t il — r e p r e e n d e u Lau r a.
— P ois p r e fir o c r e r q u e h á u m a u t o r p o r t r á s d a m e n sa g e m — p r o sse
g u iu Isaac. —E b e m m a is sim p le s d o q u e a c r e d it a r q u e o c a o s c r ia a lg u m a
co isa o r d e n a d a . O cao s só p o d e g e r a r m ais ca o s. O D N A é u m e x e m p lo
d e u m e m a r a n h a d o c o m p a c t a d o d e m e n sa g e n s c o m p le x a s e e sp e cíficas
q u e fo r m a m cad a se r v iv o . O cao s n ã o p o d e r ia g e r a r t a m a n h a o r d e m d e
in fo r m a ç õ e s. Se é im p o ssív e l co n ce b e r q u e u m a m e n sa g e m sim p le s c o m o
u m e - m ail se ja o b r a d o a c a so , m a is im p o ssív e l é a c r e d it a r q u e o D N A se ja
fr u t o d e a le a t o r ie d a d e . H á c o m p le x id a d e e o r d e m e m t u d o o q u e v e m o s
n a n a t u r e z a e é im p o ssív e l n ã o p e n sa r q u e e x ist a u m a m e n t e in t e lige n t e
p o r t r á s d e sse in cr ív e l m u n d o q u e e st á d ia n t e d e n ó s.
— Sei. Li so b r e isso r e c e n t e m e n t e . E o a r g u m e n t o t e le o ló g ic o se g u n d o
o q u al t o d o p r o je t o im p lic a u m p r o je t ist a .
Be a t r iz e La u r a e n t r e o lh a r a m - se a d m ir a d a s, p o is p e r c e b e r a m q u e
C a r lo s e st a v a le v a n d o a sé r io a jo r n a d a . O físico p r o sse g u iu , ig n o r a n d o
o s o lh a r e s d e las:
—Só q u e eu n ão co n sid er o m u it o in t eligen t e esse design er, seja ele q u e m for .
— P o r q u ê ? — p e r g u n t o u I saac, lim p a n d o a b o c a c o m o le n ç o d e p a n o .
- V e ja b e m : as r o sas são b o n it as, m as t ê m e sp in h o s. P r e d ad o r e s p r e c isam
m a t a r p a r a so b r e v iv e r . O c o r p o h u m a n o é u m a m a r a v ilh a , a d m it o , m a s
e n v e lh e c e e m o r r e . C o m o e x p lic a r isso?
—Se v o c ê v isse u m a p o n t e d e c o n c r e t o , c o n c lu ir ia q u e e la fo i r e su lt a d o
d e p r o je t o o u d o acaso ?
— C r e io q u e n e m p r e c iso r e sp o n d e r .
—D e fat o . M as, se v o cê visse u m a falh a n a e st r u t u r a, q u al ser ia a con clu são?
— Q u e a lgo o u a lg u é m t e r ia d a n ific ad o a p o n t e — r e sp o n d e u C a r lo s,
se m sab e r m u it o b e m a o n d e isa ac q u e r ia ch e gar .
—Esse é o p o n t o . Você n ã o p e n sar ia, p o r cau sa d o d efeit o, q u e a p o n t e t er ia
sid o o b r a d o acaso . D e igu al m an e ir a , a n a t u r e z a r e v e la design in t eligen t e,
a p e sa r d o s "d e fe it o s e st r u t u r a is” q u e p o d e m se r e x p lic a d o s q u a n d o se
a n a lisa t u d o n u m a m o ld u r a m a is a m p la .
— E q u e m o l d u r a se r ia essa? — C a r lo s p e r g u n t o u , se m d e ix a r d e n o t a r
o a r d e fa sc in a ç ã o d a e x - e sp o sa c o m as r e sp o st a s d o v isit an t e .
—V o cê t e m filh o s, d o u t o r Isaac? — Be at r iz , q u e m a l t in h a t o c a d o n a
c o m id a, c o r t o u o a ssu n t o , a p e sa r d e t a m b é m e st a r a p r e c ia n d o a co n v e r sa.
A a t it u d e d a m ã e é q u e a ir r it av a.
—T e n h o d u a s filh as.
—Esp o sa?
— N ã o se ja im p e r t in e n t e , Bia — r e p r e e n d e u La u r a , q u a se e n g a sg a n d o
c o m a p e r g u n t a d a filh a.
— N ã o m e im p o r t o e m r e sp o n d e r — d isse Isaac e o lh o u p a r a a gar o t a .
—So u v iú v o h á cin c o a n o s.
"P e lo v ist o , a p e r g u n t a m a is im p o r t a n t e d a n o it e fo i r e sp o n d id a ” ,
p e n so u C a r lo s. “Ele e st á a p e n a s e m b u sc a d e u m b o m p a r t id o o u d e u m a
a v e n t u r a r o m â n t ic a .”
T o d o s t e r m in a r a m o ja n t a r e fo r a m p a r a a sa la d e e st a r . La u r a se r v iu
mousse d e m a r a c u já , e Isaac c o n t in u o u :
—V o cê já d e v e t e r o u v id o fa la r d o p r in cíp io a n t r ó p ic o .
—C la r o . O U n iv e r so é su fic ie n t e m e n t e a ju st a d o a p o n t o d e p e r m it ir a
e xist ê n c ia d o se r h u m a n o — r e sp o n d e u C a r lo s.
Isaac p e g o u su a Bíb lia n o m ó v e l a o lad o d o so fá e, q u a n d o c o m e ç o u a
fo lh e a r , Biagio n i o in t e r r o m p e u .
— A h , p o r fav o r , n ã o v á cit a r o u t r o v e r so b íb lico. Já d isse q u e isso n ã o
fu n c io n a m u it o b e m c o m igo .
—V o u c it a r P h ilip Yan cey. T e n h o u m a a n o t a ç ã o aq u i, e m a lg u m lu gar .
—Q u e e u saib a, Yan cey n ã o é c ie n t ist a. E u m jo r n a list a cr ist ã o , n ã o é?
—Sim , c u m ó t im o jo r n a list a —c o m p le t o u Isaac. —D a q u e le s q u e p e sq u i
sam e fa z e m b o as in v e st igaçõ e s a n t e s d e e scr e v e r q u a lq u e r co isa. Ele r e v e la
u m se n so c r ít ic o m e lh o r d o q u e o d e m u it o s c ie n t ist as p r e so s à filo so fia
n a t u r a list a . A ch e i! O lh a só o q u e e le d iz n o liv r o Rumores de Outro M u n d o :
“A n a t u r e z a é p r im o r o sa m e n t e a ju st a d a p a r a a p o ssib ilid a d e d e v id a n o
p la n e t a T e r r a : se a fo r ç a g r a v it a c io n a l fo sse r e d u z id a o u a u m e n t a d a e m
1%, o U n iv e r so n ã o se fo r m a r ia ; p o r u m a m in ú sc u la a lt e r a ç ã o n a fo r ç a
O G R A N D E P R O JE T I S T A 5 9
e le t r o m a g n é t ic a , as m o lé c u la s o r gâ n ic a s n ã o se u n ir ia m . N as p a la v r a s
d o físico F r e e m a n D y so n , p a r e c e q u e o ‘u n iv e r so sab ia q u e e st á v a m o s
c h e g a n d o ’. O U n iv e r so n ã o se a sse m e lh a a u m lan c e d e d a d o s a le a t ó r io .
P ar ece p u r a e sim p le sm e n t e p r o p o sit a l.”
— Isso n ã o q u e r d ize r m u it a c o isa p a r a m im — d isse C a r lo s, r a sp a n d o
o fu n d o d o p ir e s e la m b e n d o a c o lh e r . — E st a v a ó t im o , Lau r a. P o d e m e
se r v ir m ais?
La u r a c o n c o r d o u e se r v iu o e x - m a r id o . Isaac c o n t in u o u :
— Be a t r iz assist iu às m in h a s p a le st r a s d u r a n t e e st a se m a n a . V o cê se
le m b r a d e a lg u m a c o n st a n t e a n t r ó p ic a q u e p e r m it a a sim p le s e xist ê n c ia
d a h u m a n id a d e ?
Bia se se n t iu d e safiad a. Se m ic e r r o u o s o lh o s e t e n t o u se le m b r a r d o
m á x im o q u e p ô d e . F in a lm e n t e , d isse:
—Le m b r o - m e d e a lg u m a s: t r a n sp a r ê n c ia a t m o sfé r ic a , n íve l d e o x igê n io
e d e d ió x id o d e ca r b o n o , in t e r a ç ã o gr av it a c io n a l e n t r e a T e r r a e a Lu a, g r a
v id ad e , p o sic io n a m e n t o d e Jú p it e r e... e... A ch o q u e é o q u e e u m e le m b r o .
—V o cê g u a r d o u a s p r in c i p a i s- I sa a c fa lo u , se m a n ga r ia r n e n h u m a sim
p a t ia d e Be at r iz . —D o u t o r C a r lo s, se o b se r v a r m o s c a d a u m a d e ssas c o n s
t a n t e s a n t r ó p ic a s, n o t a r e m o s q u e t u d o p a r e c e t e r sid o m ilim e t r ic a m e n t e
p la n e ja d o p a r a r e ce b e r a v id a n a T e r r a. P ar ece se r fr u t o d e u m p r o je t ist a
in t e lige n t e q u e p la n e jo u c a d a d e t a lh e . Se n o ssa a t m o sfe r a fo sse m e n o s
t r a n sp a r e n t e , v o c ê sab e m e lh o r d o q u e e u , n ã o r e c e b e r ía m o s r a d ia ç ã o
so la r su fic ie n t e n a su p e r fíc ie t e r r e st r e . Se fo sse m ais fin a, r e c e b e r ía m o s
m ais r a d ia ç ã o d o q u e p o d e m o s su p o r t a r . O s n ív e is d e o x igê n io e d ió x id o
d e c a r b o n o sã o p e r fe it o s p a r a a m a n u t e n ç ã o d a v id a. M ais o x igê n io sig
n ificar ia in c ê n d io s e sp o n t â n e o s, e n q u a n t o m a is d ió x id o d e c a r b o n o n o s
c o lo c a r ia d ia n t e d e u m in su p e r á v e l e fe it o e st u fa . Se h o u v e sse m e n o s o x i
gê n io , e st a r ía m o s t o d o s su fo c a d o s, e m e n o s d ió x id o t o r n a r ia im p o ssív e l
o p r o c e sso d e fo t o ssín t e se d as p la n t a s.
Isaac fe c h o u a Bíb lia e a c r e sc e n t o u :
— V o cê sab ia q u e e sse e q u ilíb r io in c r iv e lm e n t e p r e c iso d o U n iv e r so
foi u m d o s p r in cip ais fa t o r e s q u e le v a r a m P at r ick G ly n n a a b a n d o n a r o
a t e ísm o e se t o r n a r cr ist ão ?
— E q u e m é e sse P at r ick G ly n n ? —p e r g u n t o u Be at r iz .
—Ele é d ir e t o r a sso c iad o e p r o fe sso r r e sid e n t e d o I n st it u t o d e Est u d o s de
P o lít icas C o m u n it á r ia s d a U n iv e r sid a d e G e o r ge W ash in gt o n —r e sp o n d e u
Isaac. —A lé m d isso , G ly n n é fo r m a d o e m H a r v a r d . E m se u liv r o G od : the
Ev id en ce, e le d iz q u e , ir o n ic a m e n t e , a im a g e m d o U n iv e r so le g a d a a n ó s
p e la ciê n cia m a is a v a n ç a d a d e n o sso t e m p o e st á m a is p r ó x im a e m se u

e sp ír it o d a v isã o a p r e se n t a d a p e lo liv r o d e G ê n e sis d o q u e q u a lq u e r c o isa
o fe r e c id a p e la ciê n cia d e sd e C o p é r n ic o .
Biagio n i q u a se m e n c io n o u A n t o n y Flew , q u e a b a n d o n o u o a t e ísm o p o r
m o t iv o s se m e lh a n t e s a o s d e G ly n n . M a s co n t e v e - se , p a r a n ã o d a r m ais
m u n iç ã o a o se u “o p o n e n t e ”.
- So b r e a gr av id ad e , m e le m b r o d e q u e o se n h o r c o m e n t o u c o m o u m a
p e q u e n íssim a v a r ia ç ã o sim p le sm e n t e in v iab ilizar ia a e xist ê n c ia d o So l e
d a T e r r a — d isse Be at r iz.
—E x a t o , Be at r iz . A lé m d isso , N o r m a n G e isle r e F r a n k T u r e k m e n c io
n a m , n o liv r o N ãô Tenh o Fé Su ficien t e Para Se r A t e u , q u e Jú p it e r ser v e c o m o
u m a sp ir a d o r d e p ó c ó sm ic o , a t r a in d o a st e r o id e s e c o m e t a s q u e , d e o u t r a
m a n e ir a , a t in g ir ia m a T e r r a — Isaac d isse isso e r e p o u so u se u p ir e s v a z io
n a m e sa d e c e n t r o d a sala . —Sã o e sse s p e q u e n o s d e t a lh e s q u e m e le v am
a c r e r n u m p r o je t o in t e lige n t e . Se h á u m p r o je t o , h á u m p r o je t ist a , n ã o
c o n c o r d a , d o u t o r C ar lo s?
0 G R A N D E P R O JE T I S T A 61
CIUM ES
a r lo s n ã o se su b m e t e r ia a o D r . Isaac n e m q u e t iv e sse c o n c o r d a d o
C c o m c a d a u m a d e su a s p a la v r a s. A q u e st ã o n ã o e r a o d e b a t e so b r e
ciên cia. A q u e st ã o e r a: “O q u e esse h o m e m v iú v o e st á fa z e n d o n a c a sa d a
m in h a e x - m u lh e r ?”
R e p r e e n d e n d o - se p o r e sse p e n sa m e n t o , Biagio n i r e p e t iu p e la se g u n d a
v e z o m ousse d e m a r a c u já . O sa b o r a d o c ic a d o e ao m e sm o t e m p o a z e d o e r a
u m p e r fe it o r e fle xo d a q u e le m o m e n t o : e r a b o m e st a r c o m a filh a, m a s n ã o
c o n se g u ia e n t e n d e r o se n t im e n t o d e c iú m e e m r e la ç ã o a La u r a . O lh o u
d isfa r ç a d a m e n t e p a r a a e x - m u lh e r . Er a in cr ív e l c o m o e st a v a b o n it a , t r a
ja n d o je an s e c a m ise t a b r a n c a , c o m o s c a b e lo s c la r o s so lt o s so b r e o o m b r o .
— M e r a s co in c id ê n c ia s —d isse C a r lo s, fin a lm e n t e .
— Se n ã o fo sse m e sse s p e q u e n o s “d e t a lh e s” , n e n h u m d e n ó s se q u e r
e xist ir ia —r e fu t o u Isaac. —V o cê já se d e u c o n t a d e q u e , se D e u s n ã o e xist e ,
n ã o e xist e t a m b é m v id a a p ó s a m o r t e ; n ã o e xist e u m fu n d a m e n t o a b so
lu t o p a r a o c e r t o e o e r r a d o ; n ã o e xist e u m se n t id o ú lt im o p a r a a v id a; e
as p e sso a s r e a lm e n t e n ã o t ê m liv r e - ar b ít r io ?
—O k . A n t e s d e d o r m ir , v o u a c e n d e r u m a v e la p a r a a sa n t a co in c id ê n c ia
e c h a m á - la d e m in h a d e u sa , a gr a d e c e n d o p e la q u a n t id a d e d e lu z so la r
q u e a t in ge m e u c o c u r u t o t o d a m a n h ã — C a r lo s fez u m a v o z fin a e d isse:
- O h , o b r iga d o , d o n a C o in cid ê n cia, p e lo so l d e c a d a m a n h ã . Se fo sse m ais
q u e n t e , m in h a c a r e c a q u e im a r ia . Se fo sse m a is fr ia, c o n ge la r ia .
—Você n ã o t e m je it o , C a r lo s — r e p r e e n d e u La u r a , e Bia e sc o n d e u u m
r iso c o m as m ã o s.
Be at r iz e st a v a m ais q u e fe liz c o m a c u m p lic id a d e d o p ai, se m , c o n t u d o ,
c o m p r e e n d e r e x a t a m e n t e p o r q u e e le e st av a a gin d o d a q u e le je it o . Su a
e sp e r a n ç a e r a d e q u e e le e st iv e sse r e a lm e n t e c o m c iú m e s d e Lau r a.
D e p o is d isso , a c o n v e r sa d u r o u m u it o p o u c o , p o is o c lim a n ã o e r a o
m ais a m ist o so . Isaac, in t e lige n t e , n o t o u q u e e le e r a o m o t iv o d e t o d o
a q u e le d e sc o n fo r t o . D e sp e d iu - se c o m m u it a e d u c a ç ã o . La u r a o le v o u
a t é a p o r t a e lh e d isse:
—P o r fav o r , m e d e sc u lp e . Eles n u n c a se c o m p o r t a r a m t ã o m al.
—Parece q u e seu e x- m ar id o ain d a t e m u m a “q u e d a” p o r v o c ê —sor r iu Isaac.
—C la r o q u e n ã o — La u r a fico u c o n st r a n gid a .
—V o u o r a r p o r su a fam ília.
O s d o is se d e sp e d ir a m , e e la v o lt o u p a r a a sala . C o lo c o u as m ã o s n a
c in t u r a e e xigiu e xp lic a ç ã o :
—V ocês p o d e m m e d ize r o q u e fo i t o d a e ssa c e n a?
— Q u e ce n a? — d issim u lo u Bia.
—A fin al, e le é d o u t o r e m q u ê ? — p e r g u n t o u C a r lo s, e v it a n d o d a r q u a l
q u e r e x p lic a ç ã o .
— E m t e o lo g ia — e x p lic o u La u r a . —V ocês fo r a m m a l- e d u c a d o s c o m a
visit a. Be at r iz , v o c ê e st á d e ca st igo .
— Isso . D e ix e - m e u m a se m a n a se m p o d e r a n d a r d e b icicle t a — a filh a
fo i sar c á st ic a.
—M e lh o r . D u a s se m a n a s se m in t e r n e t e c a n a l p o r a ssin a t u r a - se n t e n
cio u a m ã e . — A ch ei q u e v o c ê t in h a g o st a d o d o Isaac.
— G o st e i d as p a le st r a s d e le . N ã o go st e i d e v e r v o cê se in sin u a n d o p r a
ele —d isse Be at r iz , c o m lín g u a fe r in a.
—M e n in a, v o u d e sco n sid e r ar o q u e v o cê disse, p o is e n t e n d o q u e vo cê p o
d e t e r fic a d o c o m u m p o u c o d e c iú m e s. M ais u m a p a la v r a e se u c a st igo
p o d e se r m e lh o r a d o —fez u m a p a u sa, e sp e r an d o a filh a ab so r v e r a am eaça.
CIÚ M ES 6 3
E a b so r v e u , p o is sab ia q u e a m e a ç a d e La u r a e r a p r o m e ssa se m v o lt a .
— A go r a é c o m v o c ê , d o u t o r C a r lo s. Q u e t e a t r in h o fo i esse?
— N ã o c o n sigo a c r e d it a r q u e e ie é d o u t o r e m t e o lo g ia . Ele é p a st o r ?
— d isse C a r lo s, in d o p a r a a d e fe n siv a.
—E x a t a m e n t e . Ele é p a st o r c o m d o u t o r a d o e m t e o lo g ia . O u v o c ê a c h a
q u e so m e n t e c ie n t ist as p o d e m su st e n t a r o t ít u lo d e d o u t o r ?
C a r lo s d e u d e o m b r o s, e La u r a c o n t in u o u :
—N ã o f u ja d o a ssu n t o . A t é p a r e c ia q u e v o c ê e st a v a c o m c iú m e s.
— Eu ja m a is se n t ir ia...
—N ã o m e in t e r e ssa o q u e v o c ê sen t e . In t e r e ssa- m e se u c o m p o r t a m e n t o .
V ocê p a r e c ia u m a d o le sc e n t e e m b u r r a d o .
— A h , isso p a r e c ia m e sm o — in t r o m e t e u - se Be a t r iz , r in d o . C a r lo s r e s
p o n d e u c o m u m a c a r e t a in fan t il.
— Saib a q u e so u u m a m u l h e r liv r e e d e sim p e d id a . M e sm o a ssim , n ã o
e st av a m e in sin u a n d o p a r a o Isaac, c o m o d isse a se n h o r it a Be at r iz . M u it o
m e n o s e le e st av a c o m q u a isq u e r se gu n d a s in t e n ç õ e s.
D e fa t o , La u r a e o p a st o r Isaac n ã o h av iam u lt r a p a ssa d o q u a lq u e r lin h a
d a b o a a m iz ad e . C o n v e r sa r a m c o m o a m igo s, e o p a st o r e st a v a n a c a sa d e
La u r a u n ic a m e n t e p e lo fa t o d e e la h av e r sid o e sc a la d a p a r a se r v ir o ja n t a r
d e se x t a - fe ir a p a r a o p a le st r a n t e c o n v id a d o d a ig r e ja . C a d a d ia d a q u e la
se m a n a , a p ó s a sé r ie d e p a le st r a s q u e Isaac e st a v a m in ist r a n d o n a ig r e ja
lo c a l, e le ja n t a v a n a c a sa d e u m d o s ir m ã o s.
— A g o r a é b o m v o c ê ir p a r a casa. Esse é o se u c a st igo — d isse La u r a e
a p r o v e it o u p a r a t ir ar u m sa r r o : —Ficar lo n ge d e m im é u m b o m c a st igo
p a r a u m c iu m e n t o .
— Eu n ã o e st av a c o m c iú m e s — d isse C a r lo s, fla gr a n d o o r iso d a filh a.
La u r a e m p u r r o u - o p a r a fo r a e fe c h o u a p o r t a , m a s, e m se gu id a, o u v iu
u m “t o c , t o c , t o e ” . A b r iu a p e n a s u m a fr e st a e v iu o o lh a r m o r ib u n d o d o
e x - m a r id o . Ele im p lo r o u :
— P o r fav o r , so b e r a n a se n h o r a Lau r a, e x- Biagio n i... c o n c e d a - m e o p r i
v ilé gio , o g r a n d e p r a z e r ... a d á d iv a d e le v a r c o m ig o a p e n a s u m p o u c o d o
se u ... d o se u m a r a v ilh o so ... in igu a lá v e l... m ousse d e m a r a c u já !
Lá d e d e n t r o , Be at r iz g a r g a lh o u . La u r a b a t e u a p o r t a e p e g o u a t r a
v e ssa c o m o q u e h av ia r e st a d o d o m ousse. A b r iu n o v a m e n t e e e m p u r r o u
o d o c e p a r a o s b r a ç o s d e C a r lo s. V o lt o u p a r a a sala, jo g o u - se n a p o lt r o n a
e d e sa b a fo u p a r a a filh a:
—Se u p ai c o n t in u a o m e sm o .
C a r lo s d e scia o e le v ad o r . E st av a e st r a n h a m e n t e feliz. Ja n t a r c o m a fa m í
lia, d isc u ssã o , c a st igo s, c iú m e s. E r a t u d o t ã o r e v igo r a n t e . O lh o u p a r a a
t r a v e ssa d e d o c e , p a sso u o d e d o n o m ou sse e o la m b e u . Ju lg o u q u e d ali
a p o u c o a t é se r ia p o ssív e l r e fle t ir se as m in ú c ia s d o a r r a n jo d o U n iv e r so
e r a m r e a lm e n t e o b r a d e u m a m e n t e in t e lige n t e .
* * * * *
— N ã o a c r e d it o q u e v o c ê e st a v a c o m c iú m e s d a La u r a — r iu G e o r ge
a o o u v ir t o d a a h ist ó r ia d e C a r lo s. O s d o is e st a v a m n a la n c h o n e t e d o
in st it u t o d e p e sq u isa s.
—N ã o e r a c iú m e — d e fe n d e u - se Biagio n i e ligo u se u n o t e b o o k .
— O q u e e r a e n t ão ?
—V a m o s fa la r d e o u t r a co isa?
— C e r t o . V o cê le u o s liv r o s q u e lh e e m p r e st e i?
—Sim . Li t o d o s.
— E já c h e g o u a a lg u m a c o n c lu sã o ? —q u e st io n o u G e o r ge .
— Sim . Q u e v o c ê s c r ia c io n ist a s n ã o são o s o g r o s t u r r õ e s e b ab õ e s q u e
e u im a gin e i q u e fo sse m . H á b o n s a r g u m e n t o s. H á b o n s fu n d a m e n t o s e m
su a s t e o r ias. M u it o s d e le s se e n c a ix a m b e m n o m o d e lo c r ia c io n ist a e c o m
fa t o s q u e r e la c io n a m c o m a Bíb lia —d isse C ar lo s, e n q u a n t o a ce ssav a a r e d e
d o I n st it u t o d e P e sq u isas, a t u a liza n d o a lg u n s d a d o s so b r e su a e xp e r iê n cia
m a is r e c e n t e . T o r c e u o n a r iz d ia n t e d o s n o v o s n ú m e r o s e c o n t in u o u :
—Fiqu ei im p r e ssio n a d o c o m a m u d a n ç a d e Flew . Ele e r a u m d o s m aio r e s
filó so fo s a t e u s d o sé c u lo p a ssa d o . E r e a lm e n t e in t e r e ssa n t e v ê - lo a d m it ir
su a m u d a n ç a d e p e n sa m e n t o , a b a n d o n a n d o o a t e ísm o e r e c o n h e c e n d o a
e xist ê n c ia d a D iv in d ad e . O s a r g u m e n t o s d e le sã o b e m r acio n ais.
— C a r lo s, h á m u it o a r g u m e n t o r a c io n a l e m su a s m ã o s. Esses liv r o s e
o s d e b at e s e m q u e v o cê e st á se e n v o lv e n d o são m u it o b o n s, m as n o fim
isso n ã o v ai a d ia n t a r m u it a co isa.
—P o r q u ê ? — q u is sab e r Biagio n i.
CIÜ M E5 6 5
—Sim p le s: “T e o lo gia se m e sp ir it u alid ad e é m e r a e sp e c u la ç ã o h u m a n a .”
— Q u e b o n it o . V o cê q u e in v e n t o u ? —b r in c o u C a r lo s.
—N ã o . Li r e c e n t e m e n t e e ssa fr ase e m u m liv r o d e u m p a st o r a d v e n t ist a
c h a m a d o M ar c o s D e Be n e d ic t o . O liv r o se c h a m a 0 Brilh o d a V id a. E p r e c iso
se e n v o lv e r ; é p r e ciso se r e la c io n ar c o m D e u s p a r a e n c o n t r á- Lo d e ve r d ad e .
— C r e io q u e aí p o sso t e r u m g r a n d e p r o b le m a . M e sm o n a r e m o t a
h ip ó t e se d e ace it ar o s a r g u m e n t o s so b r e a e xist ê n c ia d e D e u s, e u ja m a is
c o n se gu ir ia m e r e la c io n a r c o m Ele.
—P o r q u ê ?
O silê n cio foi a p r im e ir a r e sp o st a. C a r lo s v o lt o u a o lh a r p a r a a t e la d e se u
c o m p u t a d o r , p a ssa n d o o s o lh o s a le a t o r ia m e n t e so b r e o s n o v o s n ú m e r o s,
m a s G e o r g e n ã o q u e b r o u o silê n c io , d e ix a n d o c la r o q u e e sp e r a v a q u e su a
p e r g u n t a fo sse r e sp o n d id a.
—M e sm o q u e D e u s e xist a, n ã o c r e io q u e Ele Se im p o r t a c o n o sc o . N ã o
c r e io n u m D e u s p e sso a l q u e o u v e o r a ç õ e s.
— P o r q u ê ? —in sist iu G e o r ge .
— C o m o v o c ê é ch a t o ! — C a r lo s r e c la m o u .
—So u in sist e n t e e c u r io so . Q u a lid a d e s d e u m b o m cie n t ist a. A g o r a fale .
—Já tive u m a experiên cia c o m D eu s. Aliás, é m e lh o r dizer q u e ten tei ter u m a
exp er iên cia c o m D e u s, m as, a o q u e t u d o in d ica, Ele n ã o qu is t e r n a d a co m igo .
—V o cê q u e r fa la r a r e sp e it o ?
—En v o lv e m e u p ai, G e o r ge . V ocê sab e q u e n ã o íico m u it o à v o n t a d e p a r a
falar d ele. P r efiro d e ixar t u d o n o p assad o . O p r e se n t e fica assim , c o m m e u
d in h e ir o se n d o d e p o sit ad o t o d o s o s m e se s n o asilo e m q u e ele e st á in t er n ad o .
—C a r lo s, m u it o s c r ist ã o s n ã o r e p r e se n t a m b e m o c r ist ia n ism o . T alv e z
se u p ai t e n h a c o m e t id o a lg u m a b u so c o n t r a v o c ê , o q u e n ã o c o n d iz ia
c o m o c r ist ia n ism o q u e e le d e c la r a v a p r o fe ssa r ...
—N ã o é e sse o m e u caso , G e o r ge . M e u p ai n ã o e r a cr ist ão . Ele e r a a t e u ...
M ETAM O RFO SE
SILEN CIO SA
E
m silê n c io , G e o r g e e m p ilh o u a lg u n s p ap é is q u e e st a v a m a o la d o d a
m e sa d o a m igo . N ã o ir ia in sist ir n o a ssu n t o c o m C a r lo s. Em r a z ã o
d o lo n g o p e r ío d o d e a m iz ad e , sab ia, p e lo m e n o s, q u e a r e la ç ã o e n t r e e le
e o p a i e r a b e m d e lic ad a. Q u e m sab e n u m a o u t r a o p o r t u n id a d e v o lt a r ia
àq u e le a ssu n t o .
C o lo c a n d o t r ê s e n v e lo p e s so b r e a m e sa , G e o r g e d isse:
—T e n h o a lg u n s p r e se n t e s p a r a o T o m é !
—A in d a n ã o d escob r i q u e m é esse T o m é e p o r q u e você e st á m e ch am an d o
p o r e sse n o m e — C a r lo s fa lo u e p e g o u o e n v e lo p e m a io r e m ais p e sa d o .
— O q u e é ist o ?
— A b r a e v e ja.
—D e u s em Q u est ão , d e A r m a n d N ic h o li Jr., e Em D e f e sa d a Fé, d e Lee St r o b e l.
— Q u e r o q u e v o c ê le ia t a m b é m e sse s liv r o s. N ic h o li é p siq u ia t r a e
p r o fe sso r e m H ar v ar d . St r o b e l é jo r n a list a p ó s- g r a d u a d o e m d ir e it o p e la
Yale e e x - a t e u . A n o s a t r á s, a e sp o sa d e le se t o r n o u c r ist ã , e ele d e cid iu
p e sq u isa r p a r a r e fu t a r o c r ist ia n ism o . Ele q u e r ia m o st r a r q u e a e sp o sa e
t o d o s o s c r ist ã o s e st a v a m e r r a d o s.
M E TA M O R F O S E S I L E N C I O S A 6 7
—A c h o q u e c o n h e ç o u m a h ist ó r ia p a r e c id a...
— E u t a m b é m . P o r isso q u e r o q u e v o c ê le ia e sse s liv r o s n o lo c a l p a r a
o n d e vai.
— Q u e lo cal?
— A b r a o e n v e lo p e m e n o r .
C a r lo s a b r iu o e n v e lo p e e r iu :
— “Se a Sh o w & R e so r t —p iscin as —show s aq u á t ic o s —aq u á r io p a n o r â m ic o
— la n c h o n e t e s e r e st a u r a n t e s.” H á t r ê s r e se r v as aq u i.
— Sim . E p a r a v o cê , La u r a e Bia. Eu n ã o d isse q u e v o c ê ir ia v iajar ? Su a
jo r n a d a ain d a n ã o ac a b o u . E n ã o faça e ssa c a r a d e “A h , e u n ã o p o sso lar ga r
m e u s b r in q u e d o s n o la b o r a t ó r io ”. Eu c u id o d e t u d o aq u i.
— O k , G e o r ge . V e ja m o s e st e o u t r o e n v e lo p e . E u m D V D ... “C o n t a t o ”,
b a se a d o n o liv r o d e C a r i Sa ga n .
—Isso m e sm o . T o m e a lg u m t e m p o lá n o resort p a r a assist ir a e sse film e .
V o cê vai go st a r .
—E st á b e m . Vou m e o r g a n iz a r p a r a a v iage m . V o cê q u e r q u e e u v e ja o s
a n im a is m a r in h o s e p e n se n a m a r a v ilh a d a cr iação ?
— N ã o . Q u e r o q u e v o c ê c o n v e r se c o m a b ió lo g a Sa r a h so b r e a o r ige m
d a v id a.
— U m a b ió lo ga? E la é b o n it a? Se fo r , isso m u it o m e in t e r e ssa.
—E la é m u it o b o n it a . E m in h a n e t a e, c o m o q u a lq u e r b o m o b se r v a d o r
p o d e c o n c lu ir , a b e le z a e st á n o sa n g u e d a fam ília.
— Sim , G e o r ge , m a s v o c ê d e v e se r o c o á g u lo .
—V o cê t e m u m a m issã o , filh a — d isse C a r lo s a o c e lu lar . — C o n v e n c e r

su a m ã e a p a ssa r u m a se m a n a n u m resort.
— A h , e la vai a d o r a r isso — r e sp o n d e u Bia.
— O p r o b le m a é q u e v o u ju n t o .
— A g o r a e n t e n d i o p r o b le m a —r iu a m e n in a d o o u t r o la d o d a lin h a . —
V e n h a ja n t a r c o n o sc o . A t é lá, e u a c o n v e n ç o .
— C o m b in a d o . M as av ise - a an t e s. N ão q u e r o c h e ga r d e su r p r e sa .
— D e ixe c o m igo .
P o r v o lt a d a s o it o d a n o it e , C a r lo s t o c o u o in t e r fo n e . Bia a t e n d e u e
ab r iu a p o r t a r ia , d e ix a n d o o p a i su b ir . Q u a n d o e le c h e go u ao a n d a r d o
a p a r t a m e n t o d e la s, a p o r t a já e st a v a ab e r t a, c o m a filh a e sp e r a n d o n a
c a d e ir a d e r o d as.
C a r lo s b e ijo u o r o st o d a g a r o t a e o u v iu La u r a lá d e d e n t r o :
—T e m a lg u é m aí, filh a?
—E só o p a p ai! — e la g r it o u e m r e sp o st a .
— A i, m e u D e u s! — La u r a g r it o u d e v o lt a . — A g o r a v o c ê n e m av isa
q u an d o vem ?
— V o cê n ã o a av iso u ?! — C a r lo s p e r g u n t o u p a r a a m e n in a , o u v in d o
p a sso s a p r e ssa d o s p e lo c o r r e d o r d o a p a r t a m e n t o .
Be a t r iz r iu .
—E u q u is fa z e r u m a su r p r e sa . Ela e st á d e sc a b e la d a e d e p ija m a .
—T a m b é m e st á u sa n d o aq u e la m ásc a r a d e cr e m e e u m a r o d e la d e p e p in o
e m c a d a o lh o ? — C a r lo s p e r g u n t o u e foi e n t r a n d o , se m se c o n st r a n ge r .
—E r r o u p e lo p e p in o . Sã o r o d e la s d e b at at a.
—Se n h o r a Sa la d a A m b u la n t e , v o c ê e st á aí? —p r o v o c o u Biagio n i, a v a n
ç a n d o p a r a o c o r r e d o r e m d ir e ç ã o a o q u a r t o d e Lau r a.
—Se v o c ê o u sa r e n t r a r n e st e q u a r t o , e u c h a m o a p o líc ia — a m e a ç o u a
m u lh e r lá d e d en t r o.
—N ã o h a v e r á m o t iv o s p a r a m e p r e n d e r e m —C a r lo s e n c o st o u n a p o r t a .
— So u a p e n a s u m c ie n t ist a c u r io so , q u e r e n d o v e r a m a r a v ilh a q u e u m a
p a st a d e a v e ia c o m r o d e la s d e b a t a t a p o d e fazer .
A p o r t a se ab r iu , e La u r a se e m o ld u r o u n ela. O s c a b e lo s e st a v a m p r e so s
e m u m c o q u e , o r o st o e st a v a lim p o e e la já h av ia t r o c a d o d e r o u p a.
—A m a r a v ilh a , q u e r id o , so u e u ! — e la d isse, e e m p u r r o u C a r lo s p a r a o
la d o , c a m in h a n d o e m d ir e ç ã o à sala.
— M il p e r d õ e s, Se n h o r a M a r a v ilh a — d isse C a r lo s, sa r c á st ic o , m a s
b o q u ia b e r t o c o m o sim p le s c a m in h a r d a m u lh e r .
La u r a p a r o u n a e x t r e m id a d e d o c o r r e d o r , v ir o u - se e c o m p le t o u :
—E, só p a r a co n st ar , p ar a vo cê so u e x- m ar av ilh a—vir ou - se e foi p ar a a sala.
—U m a ze r o p ar a a D o n a Sa la d a —d isse Bia, q u e se d iv er t ia c o m to d a a cen a.
— P e r d o e - m e — C a r lo s se n t o u - se n a p o lt r o n a ao la d o d e Lau r a. — Eu
p e d i p a r a a Bia av isar q u e e u vir ia.
—N ã o t e m p r o b le m a , C a r lo s. V ocê sab e q u e p o d e v ê - la q u a n d o q u ise r .
Eu só sa í c o r r e n d o , p o is h av ia r o d e la s d e b a t a t a e m m e u s o lh o s.
— N a d a d ife r e n t e d o q u e já vi.
— Já v iu n u m p a ssa d o b e m r e m o t o , q u a n d o v o c ê fazia p a r t e d a m in h a
in t im id a d e . A go r a , n ã o faz m ais.
— Q u e c o r t a d a , m ãe ! — r e c r im in o u Be at r iz.
—Ela t e m r azão , filh a —c o n c o r d o u Biagio n i. —E se m p r e b o m d e ix a r m o s
t u d o b e m c lar o , p a r a n e n h u m d e n ó s c o n fu n d ir q u a lq u e r co isa.
—E n ão h á n ad a p ar a ser con fu n d id o, cer to?—Lau r a fez qu est ão d e con fir m ar .
— N a d a - C a r lo s e n c e r r o u o a ssu n t o e p a r t iu p a r a o o u t r o : — Se Be a
t r iz n ã o av iso u q u e e u v ir ia, c e r t a m e n t e n ã o c o m e n t o u p o r q u e e u vir ia.
G a n h a m o s u m p r e se n t e d o G e o r ge . Ele fez t r ê s r e se r v a s d e u m a se m a n a
e m u m resort a q u á t ic o . G o st a r ia m u it o q u e fô sse m o s ju n t o s.
—N ão sei se é u m a b o a id e ia —d isse Lau r a. —Bia p r e c isa d as fisio t e r ap ias...
— H á u m fisio t e r a p e u t a lá. N ã o se r á p r o b le m a — e sc la r e c e u C a r lo s.
La u r a t e n t o u p e n sar e m o u t r a s d e scu lp as, m as, n ã o ach an d o , foi sin cer a:
— N ã o so m o s m ais u m a fa m ília c o n v e n c io n a l, q u e v ia ja ju n t o , se m
p r o b le m a s. So m o s se p a r a d o s, C a r lo s. V ão v o c ê s d o is. Eu n ã o p r e c iso ir.
—Eu sei d isso , m as h á a lg u m a s d ifer e n ças n e ssa v iage m . G e o r ge p r e se n
t e o u a n ó s t r ês e q u e r q u e c o n h e ç a m o s su a n e t a, u m a b ió lo ga. Q u e r q u e e u
co n v e r se c o m e la so b r e a o r ige m d a vid a. Faz p a r t e d a jo r n a d a q u e p r o m e t i
p ar a a Bia e go st ar ia m u it o d a p r e se n ça d e v o cê s d u as. Faz u n s cin co an o s q u e
n ã o t ir o fé r ias d e ve r d ad e e se r ia u m b o m m o m e n t o p a r a p a ssa r u m t e m p o
c o m m in h a filh a e c o m v o cê , Lau r a, q u e é u m a p e sso a a q u e m q u e r o b e m .
La u r a e st av a c o m m e d o . N ã o t e m ia o q u e C a r lo s sen t ia. T e m ia o q u e e la
p o d e r ia sen t ir . Se n t a d o n a p o lt r o n a ao la d o e st av a o e x- m a r id o , d e cab e lo s
m ais r alo s c o m e ç a n d o a ficar gr isalh o s, c o m o sal e p im e n t a q u a n d o se m is
t u r a m . E r a o m e sm o cien t ist a c h a t o e p r e p o t e n t e , m a s h av ia a lgo m ais; algo
q u e fazia Lau r a le m b r ar o s p r im e ir o s an o s d e su as vid as. Ele e st av a a n im ad o ,
vivo, e n gr a ç a d o , agit ad o c o m o o jo v e m e st u d a n t e q u e u m d ia t in h a sid o.
Ela t in h a m e d o d e se a p aix o n a r n o v a m e n t e e n ã o se r co r r e sp o n d id a.
— E st á b e m — c o n c o r d o u fin a lm e n t e . — M as, o b v ia m e n t e , v a m o s ficar
e m q u a r t o s se p a r a d o s.
— O b v ia m e n t e — d isse a e sp e c t a d o r a Be at r iz.
— R e so lv id o —c o m p le t o u C a r lo s. —E st o u c o m m u it a fo m e . Se Bia n ã o
fa lo u q u e e u v in h a , se n ã o fa lo u o m o t iv o q u e m e t r a z a q u i, o b v iam e n t e ,
t a m b é m n ã o d isse q u e e u v ir ia p a r a ja n t a r .
—M as, o b v iam e n t e , a fa b u lo sa Be a t r iz Biagio n i, q u a se t ã o m a r a v ilh o sa
q u a n t o a Su p e r m u lh e r Sa la d a, já p e d iu u m a p iz z a — d isse Bia, c h a c o a
lh a n d o o c e lu la r . —A h , o b v iam e n t e , se r á o d o u t o r C a r lo s q u e m ir á p agar .
O s t r ê s fic a r a m ali, c o n v e r sa n d o so b r e q u a lq u e r co isa. Q u a n d o a p iz z a
ch e go u , c o m e r a m - n a falan d o so b r e as e xp e ct at iv as d e m e lh o r a d e Be at r iz.
As c h a n c e s e r a m m ín im a s, m a s a in d a e xist ia m , p o is a se n sib ilid ad e t át il e
t é r m ic a h av ia d a d o a lg u n s sin ais d e e st a r v o lt a n d o .
C a r lo s e m p ilh o u a lo u ç a n a p ia, e Bia fo i p a r a o q u a r t o , a le ga n d o q u e
ir ia p e ga r o a r q u iv o d e u m t r a b a lh o n o e - m aü .
O e x- c a sa l fico u c o n v e r sa n d o n a sa la . Q u a n d o o a ssu n t o a c a b o u , La u r a
a p r o v e it o u q u e e st a v a m so z in h o s e d isse:
—Você e st á d ife r e n t e .
— C o m o assim ?
—N ã o sei. M ais ale gr e , m a is d iv e r t id o , m ais a b e r t o ao d iá lo g o . M e n o s
e st ú p id o , m e n o s g r o sse ir o , m e n o s r e sm u n g ã o . Essas co isas.
—A ch e i q u e v o c ê fo sse fa la r q u e e u e st a v a m ais b o n it o —C a r lo s r iu p ar a
t e n t a r d isfa r ç a r c e r t o n e r v o sism o q u e , d e r e p e n t e , se lh e a b a t e u . N ão se
se n t ia b e m a o se r d isse c a d o d a q u e le je it o . N u n c a fo i b o m e m falar so b r e
si m e sm o o u d e se u s se n t im e n t o s. Ele p e go u u m e n fe it e e sfé r ic o n a m e sa
d e c e n t r o . R o d o u - o n a s m ã o s e d isse m e io se m je it o :
— E u m e sin t o d ife r e n t e .
La u r a r e c o st o u - se n o so fá e c r u z o u o s b r aço s. Se r ia in t e r e ssa n t e o u v ir
C a r lo s se a b r ir u m p o u c o . E foi o q u e e le fez:
—A ch o q u e fo i o acid e n t e d a Bia. F e z- m e avaliar t u d o o q u e t e n h o , t u d o
o q u e vivi, t o d o o t r a b a lh o q u e r e alize i. F e z - m e p e n sa r n e la e e m t o d o o
t e m p o q u e p e r d i. Eu m a l a vi cr e sce r , Lau r a. Se se r p a i é d e p o sit a r a p e n sã o
a lim e n t íc ia se m a t r a so , e u so u o m e l h o r p ai d o m u n d o , m a s cr e io q u e
n ã o é isso q u e c o n t a . Se Bia t iv e sse m o r r id o n a q u e le ac id e n t e ... —a v o z d e
C a r lo s e m b a r g o u . Ele p ig a r r e o u e , a in d a o lh a n d o p a r a o e n fe it e e sfé r ico ,
c o n t in u o u : — Be m , v o c ê sab e. Se t iv e sse o c o r r id o o p io r , e u t e r ia p e r d id o
a c h a n c e d e se r u m p a i d e v e r d a d e ; o p a i d e u m a m e n in a m a r a v ilh o sa .
— G r a ç a s a D e u s, isso n ã o a c o n t e c e u — d isse Lau r a, o b se r v a n d o q u e
h av ia u m b r ilh o ú m id o n o s o lh o s d e C a r lo s.
— Eu n ã o a c r e d it o e m D e u s — e le e r g u e u a ca b e ç a e o lh o u n o s o lh o s
d a e x - m u lh e r .
—M a s Ele a c r e d it a e m v o c ê .
A VIAGEM E Q LIVRO
1 \ / I as Ele a c r e d it a e m v o c ê ” , r e p e t iu C a r lo s e m p e n sa m e n t o . A q u ilo
1 X e r a t ão , t ão ... t ã o c lic h ê .1 M as, se m Biagion i p e r ce b e r , aq u e la fr ase
t ã o c o m u m o t o c o u d e u m a fo r m a m u it o su t il, e e le só ir ia d e sc o b r ir isso
m ais à fr e n t e .
O s d ias q u e se se gu ir a m fo r a m b e m agit ad o s. Be at r iz fe z b at er ias d e e x a
m e s, La u r a c o m p r o u o q u e p r e c isav a p a r a a v iage m , e C a r lo s c o lo c o u su as
p e sq u isas e a n o t a ç õ e s e m o r d e m , d e ixan d o t u d o so b o c o m a n d o d e G e o r ge .
Q u in z e d ias d e p o is, o s Biagio n i e st a v a m n a a u t o e st r a d a . O t r áfe go flu ía
t r a n q u ilo n a s t r ê s faixas d e m ã o ú n ic a . La u r a c o lo c o u u m C D d e m ú sic a
sa c r a e C a r lo s, a o v o la n t e , fic o u su r p r e so c o m a q u a lid ad e :
— Q u e m sã o e sse s c an t o r e s?
— E u m q u a r t e t o , c h a m a d o A r a u t o s d o R ei — r e sp o n d e u Be at r iz, n o
b a n c o d e t r á s. — Pai, co n t e p a r a n ó s o q u e su a jo r n a d a r e v e lo u at é a go r a.
C a r lo s c o m e ç o u a co n t ar . P r im e ir o fa lo u so b r e o p r o b le m a d o m al. P or
q u e D e u s p e r m it e a d o r n o m u n d o ? D e p o is c o m e n t o u so b r e a c o n v e r sa
c o m G e o r ge so b r e ciên cia e r e ligião , p a ssa n d o so b r e a d isc u ssão fr an ca c o m
o a st r o físic o A lb e r t o e su a s t e o r ia s so b r e a o r ige m d o U n iv e r so . P or fim ,
A V IA G EM E O LI V R G 7 3
r e le m b r o u o d e b a t e c o m o p a st o r Isaac e a lin h a d e r a c io c ín io d e q u e a
c o m p le x id a d e in d ica u m p r o je t o b e m e la b o r a d o p a r a r e c e p c io n a r a vid a.
(C la r o q u e n ã o d e ix o u d e se c o n d e n a r m ais u m a v e z e m p e n sa m e n t o p e la
c iu m e ir a q u e h av ia se n t id o d o m in ist r o .)
O u v in d o a t e n t a m e n t e , Be a t r iz t e n t a v a a c r e d it a r e m t u d o a q u ilo . Su a
fé t in h a ficad o fr agiliz ad a. Su a a le gr ia e st a v a fican d o c a d a v e z m a is m in
gu a d a . P o r m ais q u e e sc o n d e sse , n ã o e st a v a se n d o fácil a c e it a r su a n o v a
c o n d iç ã o e, a o q u e t u d o in d icav a, h av ia p o u q u íssim a s e sp e r a n ç a s d e q u e
v o lt a sse a an d ar .
— P ar ece q u e v o cê fez b o a s p e r g u n t a s p a r a e ssas p e sso a s c o m as q u ais
c o n v e r so u . A a t it u d e e sp e r a d a d e u m b o m c ie n t ist a, u m c é t ic o sin ce r o
q u e q u e r v e r p a r a , se p o ssív e l, c r e r —d isse Lau r a.
—Sim , a ssim c o m o fe z T o m é — c o m p le t o u Be at r iz.
—T o m é ? Q u e T o m é ?
M ãe e filh a r ir am .
— O T o m é d a Bíb lia — La u r a fa lo u .
— A h , só p o d ia se r ... — e p e n so u : “E n t ã o e r a a e sse T o m é q u e G e o r g e
e st av a se r e fe r in d o .”
— Sei q u e , p a r a v o c ê , a Bíb lia é u m e m a r a n h a d o d e h ist ó r ias fict ícias,
t e n d e n c io sa s e se m v a lo r h ist ó r ic o , e sc r it a s p o r h o m e n s, e b lã, b lá, b lá —
d isse a e x - m u lh e r , r e v ir a n d o o s o lh o s.
—I Ja u , v o c ê é at eia? —ir o n iz o u C a r lo s. —D isc u r so u m e lh o r d o q u e e u .
— T o n t o ! M u it o s d e sse s se u s a r g u m e n t o s já fo r a m r e fu t a d o s a n t e s
m e sm o d e v o c ê n asce r .
—E n t ã o m e n cio n e a lg u m a s d e ssas r e fu t açõ e s. T e m o s u m a lo n ga v iage m
p e la fr e n t e — Biagio n i in c e n t iv o u , n ã o p o r q u e q u ise sse n e c e ssa r ia m e n t e
o u v ir o s a r gu m e n t o s, m a s p a r a v e r a lin h a d e r a c io c ín io d e La u r a e a v aliar
c o m o a e x - e sp o sa se saía. Q u e r ia e st u d á - la .
—P o d e m o s c o m e ç a r c o m as a n t e c ip a ç õ e s cie n t íficas. A Bia c e r t a m e n t e
sa b e r á cit a r a lg u m a s.
—E, e u sei —d isse Be at r iz d o b a n c o d e t r ás. —P o d e m o s c o m e ç a r d iz e n d o
q u e a Bíb lia n ã o fo i e sc r it a p o r c ie n t ist as n e m t e m lin gu a g e m cien t ífica,
m a s a c e r t a u m a s “p a r a d in h a s” b e m in t e r e ssa n t e s, e st a n d o p le n a m e n t e
d e a c o r d o c o m a b o a c iê n cia e xp e r im e n t a l.
—C o m o e ssa m e n in a fa la b o n it o ! P ar ece filh a d e c ie n t ist a —C a r lo s falo u ,
se m q u a lq u e r m o d é st ia .
— O b r iga d a , d o u t o r Biagio n i. P o sso cit ar a lg u n s ac e r t o s? A r e v e lação ,
m il e q u in h e n t o s a n o s an t e s d e C r ist o , d e q u e a T e r r a e st á su sp e n sa so b r e
o n a d a ;2 d e q u e é im p o ssív e l c o n t a r o n ú m e r o d e e st r e la s;3 d e q u e o ar
t e m p e so ...4
—Vale le m b r a r q u e o b a r ô m e t r o , q u e m e d e a p r e ssã o a t m o sfé r ic a , só fo i
in v e n t a d o m u it o t e m p o d e p o is5 —c o m p le t o u Lau r a, e a filh a c o n t in u o u :
— H á t a m b é m a a p lic a ç ã o d a q u a r e n t e n a e a se p a r a ç ã o d e p e sso a s
in fe c t a d a s p o r le p r a .6 Esse c o n c e it o d e c o n t á gio fo i a p lic a d o n a E u r o p a
m e d ie v al p a r a co n t e r a p e st e n e gr a . A lé m d isso , a Bíb lia t r a z v ár io s o u t r o s
c o n c e it o s so b r e sa n it a r ism o b á sic o e sa ú d e .7
—Só isso? — p r o v o c o u C a r lo s. — O u t e m m ais a r gu m e n t o ?
— C o m o v o c ê é ir r it a n t e — r e c la m o u Lau r a. — A Bíb lia p a ssa n o s t e st e s
d a ciê n cia h ist ó r ic a .
—Se v o c ê n ã o sab e, p ai, H ist ó r ia t a m b é m é u m a ciên cia.
— E v e r d a d e ? — c o n t in u o u C a r lo s, c o m sa r c a sm o . — H ist ó r ia é ciên cia.
H ist o r in h a n ã o é.
—H á d e sco b e r t as a r q u e o ló gic a s q u e c o n fir m a m fat o s n a r r a d o s n a Bíb lia
— La u r a a c r e sc e n t o u , ig n o r a n d o a p ia d in h a . — E se a a r q u e o lo g ia m o st r a
q u e a Bíb lia e st á c e r t a n o q u e p o d e se r v e r ificad o , p o r q u e se r ia m e n o s
e x a t a n o s d e m a is asp e ct o s?
—C e r t o . Já, já c o n v e r sa r e m o s so b r e isso. A g o r a v a m o s p a r a r aq u i.
— O b a! — g r it o u Be at r iz . — Su c o d e m ilh o .
—Q u ir e r a líq u id a! — La u r a d isse an t e s d e C a r lo s.
—E ssa p ia d a e r a m in h a — e le r e sm u n g o u e as d u a s r ir a m .
D e sc e r a m d o c a r r o , n u m a m p lo e st a c io n a m e n t o r o d e a d o p o r ár v o r e s.
A o fu n d o h av ia u m q u io sq u e e sp a ç o so , c o m m e sa s e ca d e ir a s m e t álic as
v e r m e lh a s. P o d iam v e r t u d o lá d e n t r o , p o is as ja n e la s e r a m gr an d e s e
t r a n sp a r e n t e s. Biagio n i m o n t o u a c a d e ir a d e r o d a s d e Bia, a c o m o d o u - a
e a e m p u r r o u p e lo e st a c io n a m e n t o . A fam ília se n t o u - se n as cad e ir as d o
la d o d e fo r a.
—Su c o d e m ilh o , p a m o n h a p a r a “d e t o n a r ” a q u i e u m b o lo p a r a v iage m
—se n t e n c io u Be at r iz.
A V IAGEM E □ LIV R D 7 5
C a r lo s e La u r a e n t r a r a m n o q u io sq u e e p e g a r a m o q u e q u e r ia m . P aga
r a m e fo r a m p a r a fo r a.
O p a i e st e n d e u u m c o p ã o d e su c o d e m ilh o p a r a a filh a, e e la o a ga r r o u
d iz e n d o c o m u m a v o z p a u sa d a e in fan t il:
— D u a s m ão s!
Em a lg u m a gav e t a d o gu ar d a- r o u p a d e C ar lo s h avia u m a fo t o d a p e q u e n a
Bia, d e cab e lo s lo ir o s e n c a r a c o la d o s, b o c h e c h a g o r d in h a e r o sa d a, se n t a d a
n u m a m e sa d a q u e la , e st e n d e n d o as d u as m ã o s c o m o lh o s fixos n u m c o p o
e a b r in d o a b o c a p a r a fa la r a m e sm a fr ase . Q u a n d o p e q u e n a , e la e r a a ssim .
C a r lo s, q u a n d o lh e d a v a u m c o p o , d izia: “D u a s m ã o s!”, p a r a e la se g u r a r
b e m fir m e , e su a p e q u e n a r e sp o n d ia: “D u as m ã o s!” A fo t o e a c e n a ficar am
n a h ist ó r ia d a fa m ília, e p o r isso Bia a r e p e t ia a go r a .
C a r lo s se n t o u - se e ab r iu u m a p a m o n h a , se n t in d o o ch e ir o a d o c ic a d o .
O lh o u p a r a a e st r a d a à fr e n t e , o h o r iz o n t e m u it o a lé m , t o c a n d o o c é u
a z u l. O b se r v o u a filh a q u e sab o r e av a o su c o d e m ilh o d e o lh o s fe c h a d o s
(se g u n d o e la, “in igu alá v e l, o m e lh o r d o m u n d o ”). V ir o u - se e o b se r v o u
La u r a a o se u la d o , c o m e n d o c u r a u e m u m p o t e p lá st ic o .
Q u a n t o t e m p o fazia q u e e le s h av ia m e st a d o ali, n a q u e le m e sm o lo c a l,
c o m o m a r id o , m u lh e r e filh a? “H á u m a e t e r n id a d e ”, p e n so u C a r lo s, e a
p a m o n h a p e r d e u o g o st o . Su a ga r g a n t a fic o u á sp e r a , e o s o lh o s n a d a r a m
e m lá g r im a s. P ela p r im e ir a v e z , C a r lo s se a r r e p e n d e u d o c a m in h o q u e
e sc o lh e u t r ilh a r . Er a o fa m o so físico D r . Biagio n i, m a s fr a c a ssa r a c o m o
m a r id o e c o m o p ai. N a d a e m su a v id a t in h a se n t id o d e p o is d e se le m b r a r
d a filh a d iz e n d o “D u as m ã o s” .
Se m d a r sat isfação , C a r lo s se le v a n t o u e fo i p a r a o t o a le t e . E n t r o u e
t r a n c o u - se n o b a n h e ir o . N ã o co n t e v e as lá g r im a s e c h o r o u . C h o r o u d e
sa u d a d e s; d e a r r e p e n d im e n t o . Se u c o r a ç ã o e st a v a e m c a c o s, p o r t u d o
o q u e p e r d e u e sab ia se r im p o ssív e l r e c u p e r a r . N ã o h av ia c o m o v o lt a r
a t r á s e se r u m a p e sso a d ife r e n t e . M as h av ia c o m o o lh a r p a r a fr e n t e , e e sse
p e n sa m e n t o fe z su a s lá g r im a s p a r a r e m .
R e sp ir o u fu n d o e e n x u g o u o r o st o c o m p ap e l h igiê n ico . R e p r e e n d e u - se
p e lo ch o r o , p o is n u n ca h avia sid o e m o t iv o . P elo co n t r ár io, e r a e xt r e m am e n t e
r a c io n a l. Le v an t o u - se e la v o u o r o st o , v o lt a n d o p a r a o n d e e st av a a fam ília.
—T u d o b e m c o m vo cê? — p e r g u n t o u La u r a , q u a n d o e le se se n t o u .
7 6 : A D E S C O B E R TA
— D e sa r r a n jo in t e st in a l — m e n t iu C a r lo s. D e v e r ia t e r d it o d e sa r r a n jo
e m o c io n a l.
T e r m in a r a m d e c o m e r , c o n v e r sa r a m u m p o u c o m a is e p e g a r a m
n o v a m e n t e a e st r a d a . T e n t a n d o a m e n iz a r o se n t im e n t o d e n o st a lgia ,
C a r lo s p e d iu q u e La u r a lh e a p r e se n t a sse m a is a r g u m e n t o s so b r e a Bíb lia,
e assim e la fez:
C o m o e u d izia, a Bíb lia p a ssa n o s t e st e s d a ciê n c ia h ist ó r ic a , p o is
c o n t a c o m t e st e m u n h o an t igo ; p o ssu i t e st e m u n h a s o c u la r e s m ú lt ip la s,
in d e p e n d e n t e s e d ign a s d e c o n fia n ç a , e h á e v id ê n cias c o r r o b o r a t iv a s d a
a r q u e o lo g ia e d e o u t r o s a u t o r e s.8
— C o r r o b o r a t iv a s —d isse Be at r iz . — F a lo u b o n it o .
— A t é p a r e c e e x - m u lh e r d e c ie n t ist a — a lfin e t o u C a r lo s.
La u r a m o st r o u a lín gu a .
— T e n h o m e u s a t r ib u t o s — e la d isse . — E n e n h u m d e le s é se r “e x ” d e
q u a lq u e r p e sso a . —En t ão c o n t in u o u : —O s liv r o s d o N o v o T e st a m e n t o sã o
e x t r e m a m e n t e p r ó x im o s a o s fa t o s q u e e le s n a r r a m . A lg u n s liv r o s p o d e m
t e r sid o e sc r it o s p o u c o s a n o s a p ó s a m o r t e d e Je su s, e t o d o s e le s fo r a m
e sc r it o s a n t e s d o a n o 100 d e p o is d e C r ist o . Je su s é u m a figu r a h ist ó r ic a ,
c o m p r o v a d a p e lo s E v a n ge lh o s, p e lo s d e m a is liv r o s d o N o v o T e st a m e n t o
e p o r o u t r o s e sc r it o s d a é p o c a .
— A h , a t é p o d e se r lid o c o m o fa t o h ist ó r ic o , m a s a Bíb lia faia d e m ila
gr e s. Aí, p a r a se a c r e d it a r e m fa t o s so b r e n a t u r a is é c o m p lic a d o — r e fu t o u
C a r lo s a o v o la n t e .
— O r a, p a i. Se a c r e d it a m o s e m D e u s, p o r q u e n ã o p o d e m o s a c r e d it a r
e m m ilagr e s? O n d e D e u s e st á , m ila g r e s são p o ssív e is.
—A lé m d isso , v ár ias m e n ç õ e s h ist ó r icas, p o lít icas e ge o gr áficas cit ad as n a
Bíb lia são c o n fir m a d a s. O u se ja, p r o v a - se q u e o e sc r it o r v iv e u , r e alm e n t e ,
n a q u e le lo c a l e é p o c a —La u r a c o m p le m e n t o u .
— M ãe , n ã o t e m a q u e le p a p o d e q u e a lg u n s p e r so n a g e n s b íb licos são
c it a d o s p o r o u t r o s e sc r it o r e s d a é p o ca?
— E v e r d a d e — La u r a c o n c o r d o u c o m Be a t r iz e e sfo r ç o u - se p a r a se
le m b r a r d e a lg u n s e x e m p lo s: —Je su s é c it a d o p o r Jo se fo , Lu cian o , T ác it o ,
P lín io e o u t r o s. A gr ip a I, c it a d o e m A t o s 9, é m e n c io n a d o , t a m b é m , p o r
Fílo n e Jo se fo . Jo se fo cit a ig u a lm e n t e o s p e r so n a ge n s b íb lico s A n an ias,
A V IAGEM E O Ü V R O 7 7
A n ás, A r e t as, G a m a lie l, C lá u d io , D r u si l a e o u t r o s d o s q u ais n ã o c o n sigo
m e le m b r a r .
Be a t r iz d e u c o n t in u id a d e :
—É in t e r e ssa n t e , p ai, q u e o s a u t o r e s d a Bíb lia c o n t a m sit u a ç õ e s e m b a
r a ç o sa s p e la s q u ais e le s p a ssa r a m . Se e u fo sse c o n t a r a lgo so b r e m im ,
c e r t a m e n t e e sc o n d e r ia u m m o n t e d e “m ic o s q u e p a g u e i” .
— C a r lo s, r e sp o n d a p a r a m im : Q u a l a v a n t a g e m q u e o s a p ó st o lo s e os
p r im e ir o s c r ist ã o s t iv e r a m p o r in v e n t a r Je su s? — d e sa fio u La u r a .
Biagio n i p e n so u u m p o u c o e a r r isc o u :
— Eles d o r m ia m , c o m ia m e b e b iam d e gr aça?
—T alv e z , se d e sc o n sid e r á sse m o s o fa t o d e q u e e le s e st a v a m se n d o p e r
se g u id o s q u a n d o isso a c o n t e c ia — La u r a a r g u m e n t o u . — O s a p ó st o lo s só
t iv e r a m p r o b le m a s. R o m p e r a m c o m a t r a d iç ã o e r e ligião d e le s, r e c o n h e
c e n d o q u e Je su s e r a filh o d e D e u s. A b a n d o n a r a m a cid ad e , o e m p r e g o , e
a lg u n s at é m e sm o a fa m ília. F o r a m c a ç a d o s, p e r se gu id o s e a ssa ssin a d o s.
Q u e m in v e n t a u m a h ist ó r ia , g e r a lm e n t e , é p a r a t ir a r v a n t a g e m . Isso n ã o
a c o n t e c e u c o m o s a p ó st o lo s e c o m o s p r im e ir o s c r ist ã o s.
— T u d o b e m . E u at é já h av ia c o n c lu íd o q u e a h ist o r ic id a d e d e Je su s e
d o s a p ó st o lo s c b e m e st ab e le c id a . E c o n c o r d o t a m b é m c o m o fa t o d e q u e
Je su s foi u m gr a n d e m e st r e , q u e m sab e at é u m sáb io filó so fo .
—M as d isso e u t e n h o q u e d isc o r d ar , p a i —a p a r t o u Be at r iz c o m co n v ic
çã o . —V eja b e m : Je su s, e m v ár ias o casiõ e s, d isse o u su ge r iu q u e e r a D e u s. O
se n h o r ace it ar ia c o m o sáb io a lg u é m q u e a fir m asse d e Si m e sm o algo assim ?
C a r lo s lim it o u - se a e n c a r a r a filh a p e lo r e t r o v iso r e b a la n ç o u a c a b e ç a
n e g a t iv a m e n t e . A filh a p r o sse g u iu :
— N a v e r d a d e , q u a n d o se t r a t a d e Je su s, fic a m o s d ia n t e d e a p e n a s t r ê s
c o n c lu sõ e s: o u Ele e r a d e fa t o D e u s e m fo r m a h u m a n a , o u fo i o m a io r
c h a r la t ã o d e t o d o s o s t e m p o s o u a p e n a s u m lu n á t ic o . C u r io sa m e n t e ,
m e sm o p e sso a s d e sc r e n t e s c o m o o se n h o r t e n d e m a r e sp e it a r o Je su s
h ist ó r ic o , m a s n e m se m p r e p e n sa m n as im p lic a ç õ e s d isso .
O silên cio d o físico in d ico u q u e ele h avia sid o a p an h a d o d e sp r e v e n id o p o r
aq u e la ar gu m e n t ação d a filh a. N a ver d ad e, ele m e sm o co n clu iu r ap id am e n t e
e m p e n sa m e n t o q u e a p r ó p r ia Bíb lia d e v e r ia se r o u a P alav r a d e D e u s, p o is
se u s a u t o r e s a fir m a m isso , o u o m a io r e n g a n o d e t o d o s o s t e m p o s. O q u e
e la n ã o p o d e r ia se r é a p e n a s “u m c o m p ê n d io d e sa b e d o r ia o r ie n t a l” . D e
r e p e n t e , lh e v e io à m e n t e u m a c it a ç ã o d e C. S. Lew is m e n c io n a d a n u m
d a q u e le s liv r o s q u e e le h av ia lid o r e c e n t e m e n t e : “O c r ist ia n ism o , se fo r
falso , n ã o t e m v a lo r ; se fo r v e r d a d e ir o , t e m v a lo r in fin it o . A ú n ic a c o isa
q u e lh e é im p o ssív e l é se r ‘m ais o u m e n o s’ im p o r t a n t e .”
A c o n v e r sa ce sso u d e r e p e n t e , e Be at r iz n o t o u q u e o s p ais o lh a v a m
p a r a a p la c a d e u m a saíd a d a v ia e xp r e ssa . N a p la c a se lia: “G a r a p i, 18 k m .”
— G o st a r ia d e v isit ar G ar ap i? —p e r g u n t o u Lau r a.
— Q u e m sab e u m d ia d e sse s... Q u e m sab e.
— O q u e h á n e ssa cid ad e? — p e r g u n t o u Bia e a r e sp o st a fo i o silê n cio . —
Ei, n in g u é m vai m e r e sp o n d e r ?
— Bia — d isse C a r lo s. —M e u p a i m o r a ali, e m G a r a p i.
1 C lic h é é u m c h a v ã o c o m u m ; a l g o r e p e t id o c o m fr e q u ê n c ia .
2 Jó 2 6 :7 : “ E l e e s t e n d e o n o r t e s o b r e o v a z i o e fa z p a i r a r a T e r r a s o b r e o n a d a . ”
3 G ê n e s i s 1 5:5: “ E n t ã o , c o n d u z i u - o [ A b r a ã o ] a t é f o r a e d i ss e : O l h a p a r a o s c é u s e c o n t a a s
e s t r e l a s , se é q u e o p o d e s . E l h e d i s se : S e r á a s s i m a t u a p o s t e r i d a d e . "
4 Jó 2 8 :2 5 : “ Q u a n d o r e g u l o u o p e s o d o v e n t o e l i x o u a m e d i d a d a s á g u a s . ”
5 O b a r ô m e t r o fo i i n v e n t a d o e m 1643, p e l o fí si c o i t a l i a n o E v a n g e l i s t a T o r r i c e l l i .
6 L e v í t i c o 1 3 :4 6 : “ S e r á i m u n d o d u r a n t e o s d i a s e m q u e a p r a g a e s t i v e r n e l e ; é i m u n d o ,
h a b i t a r á só ; a s u a h a b i t a ç ã o s e r á f o r a d o a r r a i a l . ”
7 P a r a s a b e r m a i s s o b r e a s a n t e c i p a ç õ e s c i e n t í fi c a s n a B í b l i a , l e i a A H istória da V ida, 2 a e d i ç ã o
(w w w . c p b .c o m .b r ).
8 P ar a m a is d e t a lh e s, r e c o m e n d a m o s a le it u r a d o c a p ít u lo “ P o ssu ím o s t e st e m u n h o a n t ig o
s o b r e Je s u s ? ” , d o l i v r o N ão Tenho Fé Su ficien t e P ara S e r A teu.
9 A t o s 1 2 :1 - 2 4
A V IAGEM E O U V R Q 7 9
G EN ESIS 1
e u p a i’ — Be at r iz e st av a e sp a n t a d a . — Eu t e n h o u m a v ô e n u n c a
S so u b e d isso? O q u e e le faz? P o r q u e e u n ã o o c o n h e ç o ?
Fo i La u r a q u e m e v it o u a r e sp o st a d e C a r lo s:
—Filh a, é u m a ssu n t o d e lic a d o . Q u a n d o se u p ai a c h a r co n v e n ie n t e , e le
c o n v e r sa c o m v o cê .
— C e r t o —Bia fe z b ico e c r u z o u o s b r aço s. - A s v e ze s, v o c ê s m e t r a t a m
c o m o cr ian ça.
—Essa su a car a e st á c o m o a d e u m a c r ia n ç a —La u r a t e n t o u falar d e fo r m a
d e sco n t r aíd a, m a s a v iage m se gu iu c o m u m silê n cio e m b a r a ç o so p o r b o n s
q u ilô m e t r o s, q u an d o n o v am e n t e v o lt ar am a co n ver sar sob r e o u t r o s assu n t os.
O So l e st a v a su m in d o n o h o r iz o n t e q u a n d o c h e g a r a m a o lit o r a l e
e n t r a r a m n o m o rt . R o d a r a m u n s t r ê s q u ilô m e t r o s p o r u m a e st r a d a d e
a r e ia b r a n c a , la d e a d a p e lo a z u l e sc u r o d o m a r q u e r e ce b ia as ú lt im a s
lu z e s v e r m e lh a s d o So l.
— E lin d o ! — La u r a fa lo u b o q u ia b e r t a .
F in a lm e n t e , a lc a n ç a r a m o c o m p le x o d e c o n st r u ç õ e s. A o so p é d e u m a
m o n t a n h a v e r d e ja n t e , h av ia u m p r é d io r o d e a d o d e p isc in a s, play grou t ids
d iv e r so s e o u t r o s p r é d io s m e n o r e s. B e m m ais à fr e n t e , v ir a m u m cais q u e
e n t r a v a n o o c e a n o . P o ssiv e lm e n t e , h av ia at iv id ad e s ali t a m b é m .
C a r lo s e st a c io n o u o c a r r o e m fr e n t e à r e c e p ç ã o e fo i r e ce b id o p o r d o is
c a r r e ga d o r e s q u e a ju d a r a m a d e sc e r as m ala s. Be at r iz a je it o u - se n a cad e ir a
d e r o d as e n q u a n t o o p ai d a v a e n t r a d a n o s q u a r t o s. Kla fez q u e st ã o d e ficar
so z in h a , n u m a p a r t a m e n t o c o n ju g a d o c o m o d e La u r a .
Su b ir a m p e lo e le v a d o r e a p o r t a r a m n o m e sm o a n d a r . O s q u a r t o s
ficav am u m a o ia d o d o o u t r o e c a d a u m e n t r o u n o se u .
— M ãe , d á u m a a ju d a — d isse Bia b a t e n d o n a p o r t a d o a p a r t a m e n t o
c o n ju g a d o . — O b a n h e ir o n ã o é a d a p t a d o p a r a c a d e ir a n t e .
Lau r a at r av e sso u a p o r t a q u e ligava o s d ois q u ar t o s e a ju d o u a filh a a e n t r ar
n o b an h eir o. A m ãe e n ch e u a b an h e ir a e n q u an t o a gar o t a esco v av a o s d en t es.
—V o lt o d aq u i a p o u c o p ar a a ju d á- la a sair —Lau r a falo u e foi t o m a r b an h o.
D e r o u p ã o , La u r a v o lt o u p a r a p e g a r Bia, q u e já h av ia t e r m in a d o se u
b a n h o . A ju d o u - a , le v an d o - a e n r o la d a n u m a t o a lh a p a r a a ca m a. C o lo c o u
a r o u p a n o c r ia d o a o la d o e v o lt o u p a r a se u q u a r t o .
Be at r iz e st av a a c o st u m a d a c o m su a s lim it açõ e s. Já e r a b e m ágil n a difícil
t a r e fa d e , sim p le sm e n t e , v e st ir - se . A m ã e , v e z o u o u t r a , d a v a u m a e sp iad a
p e la p o r t a q u e c o n ju g a v a o s a p a r t a m e n t o s, v e n d o se a filh a p r e c isav a d e
aj u d a, m a s a g a r o t a saiu - se m u it o b e m e ficou p r o n t a an t e s d e la. Foi n e c e s
sá r io a p e n a s a ju d á - la a v o lt a r p a r a a c a d e ir a d e r o d as, a fim d e se p e n t e a r .
P o u co s m in u t o s d ep ois, as d u as e st av am p r on t as. A go r a só falt ava e sp e r ar
o “n o iv o ” , c o m o c h a m a v a m C a r lo s, p o is e le r e a lm e n t e d e m o r a v a m u it o
p a r a se a r r u m a r . C a d a u m a a c o m o d o u - se e m se u q u a r t o e assist iu u m
p o u c o d e t e le v isã o , at é C a r lo s b a t e r à p o r t a.
—V o cê s e st ã o lin d as — d isse e le a o v e r as gar o t a s.
—O b r iga d a ! — r e sp o n d e r a m as d u a s.
—V a m o s c o m e r ? E st o u m o r t a d e fo m e —d isse Bia.
— A ch e i q u e v o cê e st a v a “e m p a n t u r r a d a ” d e su c o d e m ilh o - C a r lo s
c o m e ç o u a e m p u r r a r a c a d e ir a a t é o e le v ad o r .
D e sc e r a m a t é a r e c e p ç ã o e fo r a m p a r a u m sa lã o la t e r a l, n o q u al h av ia
v á r ia s m e sa s, c o m m u it a s p e sso a s. Se n t a r a m - se e m c ad e ir as fo r a d o salão ,
p e r t o d a p isc in a e d e o n d e c o n se gu ia m v e r o m a r ilu m in a d o p e la lu a ch eia.
—E lin d o d e m a is — a d m ir o u - se Lau r a.
GÉNESIS 1 SI
C o n v e r sa n d o , c o m e r a m sala d as, a r r o z e gr ão s. C a r lo s c o m e u u m p eixe
ao m o l h o rosé e, p e lo c e lu la r , lig o u p a r a Sa r a h , q u e lo g o v e io at é eles.
A jo v e m b ió lo g a n ã o t in h a m a is d o q u e 25 a n o s. A p e ie e r a m o r e n a ,
q u e im a d a p e lo So l, t in h a sar d a s n o r o st o e o c a b e lo c u r t o e p r e t o e st av a
a m a r r a d o e m u m fin o r a b o d e c av alo . Ela c h e go u , c u m p r im e n t o u a t o d o s
c o m u m g r a n d e a b r a ç o e se n t o u - se c o m eles.
—N e m a c r e d it o q u e e st o u c o n h e c e n d o v o c ê s —d isse Sa r a h . —M e u av ô
falo u m u it o d e v o cê s. E u já e st a v a c u r io sa e n ã o v e jo a h o r a d e c o n v e r sa r
c o m o d o u t o r Car lo s sob r e o c r iacio n ism o —e la e st av a r e alm e n t e e m p o lgad a.
— E sq u e ç a o d o u t o r — p e d iu Biagio n i. — E st a m o s e n t r e a m igo s.
—Se r ia m e lh o r d ize r q u e e st a m o s e m fa m ília —c o r r igiu Lau r a. —G e o r ge
é m u it o p r ó x im o d e n ó s. Q u a se u m p ar e n t e .
— E, e n t ã o , o q u e v o c ê t e m p a r a m e d ize r ? —in c e n t iv o u C a r lo s.
—Be m , o q u e e u t e n h o p a r a d ize r é: a p r o v e it e m a e st ad ia n o Se a Sh o w &
R e so r t . —Sar a h ab r iu o s b r aço s. —O c r o n o g r a m a d e v o c ê s e st á b e m ch e io e
d iver t id o. E eu r eservei u m show esp ecial e exclu sivo p ar a v o cê s n o t er ceir o dia.
— U m sh ow e sp e cial? - p e r g u n t o u Be at r iz , a n im a d a .
— O q u e é? — q u is sab e r C a r lo s, o m ais c u r io so .
—N ã o c o n t o ! — Sa r a h c r u z o u o s b r a ç o s e so r r iu . — E su r p r e sa .
— P o r fav o r , Sa r a h , d ê u m a p ist a , o u v o u t e r q u e a gu e n t a r d u a s c r ian ças
a fo it a s p o r d o is d ias — La u r a p e d iu .
— O k . G ê n e sis 1:21-23 — r e sp o n d e u a b ió lo ga , le v a n t o u - se e c o n c lu iu :
- V e jo v o c ê s p o r aí. Bo a- n o it e .
Q u an d o Car lo s ch ego u ao seu q u ar t o , n ão resistiu . Abriu a gavet a d o cr iad o
ao lad o d a c a m a e p e go u u m a Bíb lia q u e sab ia e st ar ali, c o m o e m q u ase t o d o s
o s h ot éis. Fo lh e o u p r o c u r a n d o G ê n e sis e m v ão , at é p e r ce b e r q u e se t r at av a
ap e n as d o N o v o T e st am e n t o . P elo q u e se le m b r av a, e st av a fa lt a n d o t o d a a
p r im e ir a p a r t e d o livr o, aq u e la q u e c h a m a m d e A n t igo T e st am e n t o . Fico u
d e ce p cio n ad o e ligo u a te levisão. M as ele n ão co n se gu ir ia d o r m ir c o m a q u e la
cu r io sid ad e . Saiu d o q u ar t o e b a t e u a p o r t a d e Lau r a, q u e at e n d e u d e r o u p ão .
— O q u e v o c ê faz aqu i? —e la p e r g u n t o u .
—V o cê t e m u m a Bíb lia? — d isse C a r lo s, t e n t a n d o d isfa r ç a r o e st o n t e a -
m e n t o d ia n t e d a e x - m u lh e r , p o is o p e r fu m e d e la m ist u r a v a - se a o ch e ir o
d e se u s ca b e lo s m o lh a d o s.
—V ocê vai le r a Bíblia?
— Vou — e le foi e n fát ico e d ir e t o . T in h a m e d o d e g a g u e ja r se o u sa sse
d ize r m ais p a la v r a s. A p r o v e it o u p a r a so lt a r o ar d o s p u lm õ e s e n q u a n t o
La u r a c a m in h a v a p a r a d e n t r o d o q u a r t o e p e ga v a su a Bíb lia n a m a la .
—O b r igad o ! —d isse ele, t o m a n d o o livr o d as m ã o s d a m u lh e r e v o lt a n d o
p ar a o ap ar tam en to.
C a r lo s fe c h o u a p o r t a a t r á s d e si e fa lo u so z in h o :
— O q u e fo i aq u ilo ? Ela e st a v a lin d a e c h e ir o sa d e m a is!
Se n t ia- se u m jo v e m e st u p e fa t o c o m a b e le za d e u m a g a r o t a e isso e r a
a lgo q u e n ã o e xp e r im e n t a v a h av ia m u it o t e m p o . Teve su a s av e n t u r a s a p ó s
o c a sam e n t o , m a s n u n c a ficou d a q u e le je it o , b o b o , p a sm o . P e n so u e m se u s
m o t iv o s p a r a o d iv ó r cio e co n clu iu o ób vio: n ão h avia sid o p o r falt a d e am o r .
N aq u e la é p o c a , C ar lo s t in h a se d ist an ciad o d e Lau r a. A c a b a r a m fican d o
in d ifer e n t e s u m a o o u t r o . O a m o r e sfr io u e d ifer en ças o s se p a r a r a m . N u n c a
m ais se a p r o x im a r a m e, ago r a, d e p o is d e a lgu n s a n o s, t in h a m m o t iv o s p a r a
e st a r ju n t o s. E ssa p r o x im id a d e , p e lo v ist o , e st a v a fa z e n d o C a r lo s r e v iv e r
se n t im e n t o s. A in d a r e co st ad o n a p o r t a, r e cr im in o u - se p e la co n clu são ób via
a q u e h av ia c h e ga d o n a q u e le m o m e n t o : e st a v a a p a ix o n a d o p o r Lau r a.
T o d o s d e sc a n sa r a m n a q u e la n o it e e o s d ois d ias se gu in t e s fo r a m m u it o
b o n s. D e sje ju n s p e r fe it o s, lan c h e s, a lm o ç o s e ja n t a r e s se m igu al. Fiz e r am
a t iv id ad e s n a p isc in a , p a sse io d e b ar co , m a ssa ge n s, sa u n a e ain d a h av ia
m u it o m ais. N o s in t e r v alo s e à n o it e , C a r lo s lia o liv r o d e Lee St r o b e l.
N a m a n h ã d o t e r ce ir o d ia, q u a n d o e st a v a m ao la d o d a p isc in a p r in c i
p a l, r e c e b e r a m u m r e c a d o d e Sa r a h . Er a p a r a e n c o n t r á - la a p ó s o a lm o ç o ,
n u m a sa la a o s fu n d o s d o Se a Sh o w .
—A ch o q u e t e m a lg u m a co isa c o m an im ais m a r in h o s, o u q u e r a st e jam ,
o u , t a lv e z c o m av e s — a r r isc o u C a r lo s.
—P ar ece q u e a lg u é m a n d o u le n d o G ê n e sis... — d isse Be at r iz , p o is e r a m
e x a t a m e n t e o s a n im ais m e n c io n a d o s n o t e xt o b íb lico q u e Sa r a h lh e s d e r a
c o m o p ist a.
—Bia, vo cê vai co n t ar p ar a seu p ai?—p e r gu n t o u Lau r a, m u d an d o o assu n t o.
GÊN ESIS 1 8 3
— C o n t o . Eu t a m b é m a c r e d it o n a su a h ip ó t e se , p ai. V a m o s fa z e r o q u e
ago r a d e m an h ã?
— Ei, ei! N ã o fu ja d o a ssu n t o , m o c in h a — La u r a r e p r e e n d e u a filh a, e
e la a o lh o u d e fo r m a fu lm in a n t e . — E st á b e m . C o n t o e u : Bia c o n h e c e u
u m gar o to .
C a r lo s e n g a sg o u , r e t ir o u o s ó c u lo s e sc u r o s e p e r g u n t o u :
— C o m o assim ?
— E só u m a m igo ! — d e fe n d e u - se a g a r o t a . — A h , m ã e , e u n u n c a m ais
c o n t o n a d a p a r a v o cê !
—E u sei q u e é só u m a m ig o , m a s q u e r e m o s e st a r a t e n t o s — La u r a d isse .
—N ã o é, C ar lo s?
— E... a c h o q u e é... —n ã o sab ia b e m o q u e d ize r .
D e p o is d a q u e le m o m e n t o c o n st r a n ge d o r , ficar am ali m e sm o n a p iscin a.
A lm o ç a r a m e fo r a m a o e n c o n t r o d e Sar a h .
A n d a r a m p e las p e q u e n a s r u as d e p e d r a r o d e ad as p o r n a t u r e z a at é a lc a n
ç a r o lo c a l in d ic a d o p e la b ió lo ga . Ali Sa r a h o s r e c e b e u c o m u m ab r a ç o ,
d e sc u lp a n d o - se p o r n ã o p o d e r d a r m a is a t e n ç ã o p a r a e le s n a q u e le s d ias,
p o is e st av a p r e p a r a n d o a e st r e ia d e u m sh ow p a r a a se m a n a .
P assar am p e lo e sc r it ó r io d e l a —q u e m ais p a r e c ia u m l a b o r a t ó r io v e t e r i
n á r io c o m a q u á r io s d e t o d o s o s t a m a n h o s —e a n d a r a m p o r u m c o r r e d o r ,
a t é se v e r e m d ian t e d e u m a q u á r io su b t e r r â n e o .
F ic a r a m m a r a v ilh a d o s q u a n d o v ir a m o q u e h av ia a li d e n t r o :
—Sã o lin d o s! —e x c la m o u Be at r iz d e su a cad e ir a d e r o d as. —São in cr ív eis!
— In cr ív e l m e sm o é n a d a r c o m eles — d isse Sa r a h d e u m je it o m a r o t o .
— E é ju st a m e n t e isso o q u e v o c ê s v ã o fazer .
P ED R A S N A CAIXA
DE VIDRO
A
p ó s e n t r a r p e lo s b a st id o r e s d o show a q u á t ic o , Be a t r iz flu t u a v a n a
g r a n d e p isc in a , a m p a r a d a p o r b o ias q u e lh e se g u r a v a m t o d o o p e it o .
C a r lo s e La u r a e st a v a m n a b o r d a d o t a n q u e e a ssist ia m à filh a se r p u x a d a
p o r Sa r a h p a r a o c e n t r o d a á gu a .
— Eles m o r d e m ? —p e r g u n t o u Bia, q u a n d o o p r im e ir o go lfin h o p u lo u
ao la d o d e la.
U m se g u n d o a n im a l p a r o u b e m e m fr e n t e e fe z a lg o q u e p a r e c ia u m
p ia d o r ít m ic o . Sa r a h r iu e a fa go u - lh e a c ab e ça.
—Só m o r d e m p e ixe s — d isse a b ió lo ga . —V a m o s, n a d e c o m ele .
Be at r iz se gu r o u a n ad ad e ir a d o r sa l d o go lfin h o , e e le a p u x o u p o r p o u c o s
m e t r o s. A q u ilo fo i sim p le sm e n t e in d e sc r it ív e l. U m c o n t a t o in cr ív e l c o m
a n a t u r e z a q u e a fe z im a gin a r c o m o se r á a r e st a u r a ç ã o d a c o n fia n ç a d o s
a n im a is n o s se r e s h u m a n o s, n a n o v a T e r r a .1
Sa r a h t in h a m u it a h ab ilid ad e . N a d a v a c o m facilid ad e c o m o s go lfin h o s
e fazia m a la b a r ism o s c o m e le s. La u r a e C a r lo s e n t r a r a m n a p iscin a, o r ie n
t a d o s p o r u m se g u n d o t r e in a d o r , c h a m a d o M a u r o .
T o c a r a m e a c a r ic ia r a m o s g o lfin h o s e n a d a r a m c o m ele s. O so m d o s
a n im a is p a r e c ia r iso s. Foi d e m a is!
P ED R A S N A C A IX A D E V ID R O 8 5
D e p o is se se n t a r a m n a s p o lt r o n a s vazias e a ssist ir a m a o e n sa io d o show
q u e se r ia a p r e se n t a d o n o d ia se gu in t e . Sar a h , M a u r o e se u s t r ê s g o lfin h o s,
T ip , T o p e Lar r y , d e r a m u m e sp e t á c u lo .
Ext asiad os, o s tr ês e sp e ct ad o r e s ap e n as ap lau d iam as p ir u e t as e acr ob acias.
—Se m p alavr as - disse Car lo s p a r a Sar ah , ao sen t ar e m - se ao lad o d a piscin a.
—O b r igad a —a gr a d e c e u a b ió lo ga e foi a o o u t r o a ssu n t o q u e in t e r e ssav a:
— D iga - m e , C a r lo s, o q u e v o c ê vê n a q u e la c a ix a d e v id r o ?
—U m a p e d r o n a , q u a t r o p e d r in h a s e... m e p a r e c e u m c a sc o d e t a r t a r u -
g u in h a , d a q u e la s d e e st im a ç ã o .
— M u it o o b se r v a d o r — d isse Sa r a h , c o m t o m p r o fe sso r a l.
—Ele é cie n t ist a — c a ç o o u Be at r iz .
—D e ixe - m e co n t ar a h ist ór ia d e ssa caixa d e v id r o h e r m e t icam e n t e fe ch ad a
—co n t in u ou Sar ah , co m o m e sm o t o m d e p r o fe sso r ae m u it o sér ia.—N o pr in cí
pio, h avia ap en as u m a p ed ra. M as p ar ece q u e as con d ições clim áticas d a caixa d e
vid r o p e r m it ir am q u e a p e d r a ger asse p e d r in h as. D e p o is d e o u t r o s b ilh ões
d e an os, as con d ições p e r m it ir am q u e as p e d r as ge r asse m u m a t ar t ar u gu in h a.
T e m o s p r o v as d isso, c o n fo r m e v o cê vê p elas p e d r in h as e p e lo casco d o q u e
r e st o u d a t ar t ar u gu in h a. O q u e v o cê m e d iz d essa h ist ór ia, d o u t o r Biagion i?
— D igo q u e é m e n t ir a — r iu C a r lo s.
—O r a, q u e in su lt o ! —t e a t r a liz o u Sa r a h .—T alv e z se c o lo c á sse m o s o u t r o s
e le m e n t o s n a h ist ó r ia... Se c o lo c á sse m o s m ais b ilh õ e s e b ilh õ e s d e a n o s,
r aios e at iv id ad e v u lcân ica, u m a so p a m o r n a , e su b st it u ísse m o s as p e d r in h as
e a t a r t a r u g a p o r u m o r g a n ism o u n ic e lu la r , aí, t alv e z , v o c ê a c r e d it a sse .
C a r lo s fico u se m je it o , m a s r e sp o n d e u :
— A h , b e m ... aí v e m o s u m a p o ssib ilid ad e .
— M as e ssa se g u n d a h ist ó r ia se p a r e c e t a n t o c o m a p r im e ir a , a p e sa r
d a sim p lific a ç ã o gr o sse ir a ... Ba sic a m e n t e e la c o n t a a h ist ó r ia d a n ã o v id a
g e r a n d o v id a e sp o n t a n e a m e n t e . O in o r gâ n ic o o r igin a n d o o o r gâ n ic o . P o r
q u e a c r e d it a r n a se g u n d a m e n t ir a e n ã o a c r e d it a r n a p r im e ir a?
—H á e v id ê n cias q u a n t o à se g u n d a h ist ó r ia —d isse C a r lo s, a g o r a sé r io .
—V e r d ad e ? Eu n ã o sab ia q u e o s c ie n t ist as h a v ia m c r ia d o v id a a p a r t ir
d e m a t é r ia in o r gâ n ic a . Isso é u m a h ip ó t e se , C a r lo s, v o c ê sab e d isso . Esse
e x p e r im e n t o fr acassad o foi r e aliz ad o p o r M il ler e O p ar in . Eles n ã o t in h a m
n e n h u m a p r o v a co n cr e t a d e q u e a an t iga a t m o sfe r a d a T e r r a e r a c o m p o st a
d e a m ó n ia , m e t a n o e h id r o gê n io , q u e M ille r u t iliz o u e m su a e xp e r iê n cia.
Eles q u e r ia m o b t e r u m a r e a ç ã o q u ím ic a fav o r áv e l e a ssim su g e r ir a m q u e
a a t m o sfe r a e r a r ic a n e sse s gase s. O p a r in e r a in t e lige n t e o su fic ie n t e p a r a
sab e r q u e , se c o m e ç a sse c o m gase s in e r t e s, c o m o o n it r o g ê n io e o d ió
x id o d e car b o n o , eles n ão r eagir iam . O q u e eles p r o v ar am , n o e n t an t o , é qu e,
p ar a ob t er sim p le s a m in o ã d d o s, é p r eciso m u it o p la n e ja m e n t o in t eligen t e. O
ob jetivo e r a d e m o n st r a r q u e , p e lo m e n o s u m a v e z n a h ist ó r ia, a v id a d e v e
t e r su r g id o e sp o n t a n e a m e n t e . Bia, c o n t e p a r a n ó s o q u e é a a b io gê n e se .
Be at r iz p ig a r r e o u e r e sp o n d e u c o m o m e sm o t o m p r o fe sso r a l:
— A b io gê n e se é a o r ige m n ã o b io ló gic a . É o m e sm o q u e a fir m a r q u e a
v id a su r g e d e m a t é r ia n ã o viv a, c o m o p e d r a s q u e g e r a m t a r t a r u g a s, p o r
e x e m p lo . A a b io gê n e se t a m b é m fic o u c o n h e c id a c o m o o r ig e m e sp o n t â
n e a, se n d o q u e a lg u n s e n sin a v a m , in clu siv e , c o m o ge r a r r a t o s a p a r t ir d e
ca m isas su a d a s.2 O u t r o s c ie n t ist as e n sin a v a m c o m o se c r ia v a m lar v as e m
a n im ais m o r t o s e e m p u t r e fa ç ã o .
— C o m o e sse s cie n t ist as e r a m m a lu c o s — La u r a b r in c o u , c o lo c a n d o a
m ã o n a b o c a e fa z e n d o c a r a d e e sp a n t o .
— M as a in d a b e m q u e e xist iu Lo u is P ast e u r , m a m ã e .
—M as e le e r a cien t ist a? q u e st io n o u Sa r a h , n o m e sm o t e a t r in h o . —Ele
n ã o e r a c r ist ã o , e sse t a l d e P ast e u r ?
—Era, e daí? Ele fez u m e xp er im en t o q u e acabou , d e u m a vez p o r tod as, co m
e ssa h ist ó r ia d e q u e a v id a e r a ge r a d a e sp o n t a n e a m e n t e —Be at r iz co m p le t o u .
—O k , m e n in a s, v a m o s c o m c a l m a —C a r lo s in t e r v e io .—P ast e u r p r o v o u
q u e e r a m e n t ir a a o r ige m e sp o n t â n e a d a vid a, c o n fo r m e a c r e d it a v a m n a
é p o c a , c o m o b e m v o c ê s e x e m p lific a r a m c o m a h ist ó r ia d o s r a t o s. M as ele
n ã o r e fu t o u a o r ig e m q u ím ic a d a v id a.
—O r a, m a s n ã o se ja in o ce n t e , d o u t o r Biagío n i—Sar a h co n t in u av a sar cás
t ica. - P ast e u r d e sm a sc a r o u a h ist ó r ia d as p e d r as n a caixa d e v id r o , m a s, n a
v e r d a d e , o c e r n e é o m e sm o q u e o d a o r ige m d a v id a: m a t é r ia in o r gâ n ic a
ge r a n d o v id a. N ã o v id a ge r a n d o ser e s vive n t e s. N o fim , é a m e sm a h ist ó r ia.
— Pai, n ã o h á p r o v a s d e q u e a v id a t e n h a o r ige m q u ím ic a . N ã o e xist e
v id a sim p le s o su fic ie n t e q u e , m e sm o o r igin a d a p o r m a t é r ia in o r gân ica,
p o ssa t e r d e se n c a d e a d o t o d o o m e c a n ism o e v o lu t iv o , at é c h e ga r a t u d o
o q u e v e m o s. A t é c h e ga r a n ó s — d isse Be at r iz.
P ED R AS N A C A IX A D E V ID R O 8 7
— D o u t o r C a r lo s, sei q u e o se n h o r e st á le n d o a lg u n s liv r o s r e c o m e n
d a d o s p e lo m e u a v ô —fa lo u Sa r a h . —D e p o is q u e t e r m in á - lo s, su g ir o p e lo
m e n o s m a is d o is: D arw m no Ban co dos R é u s, d e P h illip Jo h n so n , e A C aix a
Pret a d e D arw in , d o b io q u ím ic o M ic h a e l Be h e . Em se u liv r o , Be h e a fir m a
q u e a p r o b a b ilid a d e d e e n c a d e a r so m e n t e c e m a m in o á c id o s p a r a cr iar
u m a m o l é c u la d e p r o t e ín a a o a c a so se r ia o m e sm o q u e u m h o m e m d e
o lh o s v e n d a d o s e n c o n t r a r u m g r ã o d e ar e ia e sp e cífico e m a lg u m lu g a r
d a v a st id ã o d o d e se r t o d o Sa a r a , e faz ê - lo n ã o so m e n t e u m a v e z , m a s e m
t r ê s o c a siõ e s d ife r e n t e s. E a in d a n e m e st a m o s fa la n d o e m D N A ...
—Essas sã o as p r o b ab ilid ad e s in cr ív eis c o m q u e lid a a t e o r ia d a e v o lu ç ã o
—c o m e n t o u Lau r a.
— A h , m a s t e m o s e v id ê n cias d a e v o lu ç ã o — C a r lo s in sist iu .
— C it e u m a — d e safio u Sar a h .
— A s b a c t é r ias - d isse C a r lo s, se m m u it a se g u r a n ç a .
— O q u e t ê m elas? —p e r g u n t o u Sar a h .
— A s b a c t é r ias se m o d ific a m , e v o lu e m p a r a a d q u ir ir r e sist ê n c ia a a n t i
b ió t ico s. M as v o c ê é a b ió lo g a aq u i. Sab e m u it o m e lh o r d isso d o q u e e u .
— C r e io q u e sei m e sm o e p o r isso p o sso lh e a fir m a r q u e a a d a p t a ç ã o d a s
b a c t é r ias é u m p é ssim o e x e m p lo d c e v o lu ç ã o , sc v o c ê e st iv e r se r e fe r in d o
a o t ip o d e e v o lu ç ã o q u e su p o st a m e n t e t e r ia fe it o c o m q u e u m a b a c t é r ia
ao s p o u c o s se t r a n sfo r m asse n u m go lfin h o , p a ssa n d o p o r in ú m e r a s e t ap as.
— C o m o a ssim “t ip o d e e v o lu ç ã o ”?
—Sim p le s, d o u t o r C ar lo s: q u e m acr e d it a q u e a v id a p o ssa t e r se o r igin ad o
d e an ce st r ais m ais “sim p le s”, cr ê n a m ac r o e v o lu ç ão . O q u e aco n t ece c o m as
b act ér ias e o u t r o s ser es vivos é a d iver sificação d e b aixo n ível, o u seja, d ep ois d e
m ilh ar e s d e ger açõ e s e m o d ificaçõ es, as b act ér ias co n t in u am se n d o b act ér ias.
—D e q u a lq u e r fo r m a , e las se m o d ific a m e D e u s, d e a c o r d o c o m a Bíb lia,
c r io u o s se r e s se g u n d o a su a e sp é cie — e st av a p r o v a d o q u e C a r lo s t in h a
lid o a Bíb lia n a n o it e an t e r io r .
— A m e lh o r t r a d u ç ã o p a r a “e sp é c ie ”, n a Bíb lia, se r ia a lg o c o m o “t ip o s
b á sic o s”. M e sm o assim , é b o m q u e o se n h o r saib a q u e o s c r iacio n ist as n ã o
sã o fixist as. N ã o c r e m o s q u e D e u s c r io u t o d o s o s se r e s v iv o s e x a t a m e n t e
c o m o e le s sã o h o je . Ba st a d iz e r q u e A d ã o e Ev a n ã o e r a m n e m a m a r e lo s,
n e m n e gr o s, n e m b r a n c o s, m a s d e le s se o r ig in a r a m t o d a s as e t n ias.
—O k , m a s D a r w in m o st r o u q u e h o u v e e v o lu ç ã o e n t r e o s t e n t ilh õ e s n as
Ilh as G a lá p a g o s. N ã o foi? — C a r lo s já m o st r a v a c e r t a h e sit aç ão .
—O u t r o e x e m p lo d e d iv e r sificação d e b aixo n ív e l, q u e a lg u n s c h a m a m
d e m ic r o e v o lu ç ã o . O q u e D ar w in p e r c e b e u fo r am v a r ia ç õ e s n o fo r m a t o d o
b ico d a q u e le s p á ssa r o s, d e u m a ilh a p a r a o u t r a . A se le ç ã o n a t u r a l fu n c io
n o u ali, m a s, m e sm o assim , o s t e n t ilh õ e s c o n t in u a r a m se n d o t e n t ilh õ e s.
—Sa r a h , p o r fav o r , fale so b r e as p e sq u isa s c o m as m o sc a s- d a s- fr u t a s.
Car los fitou a esp osa, cad a vez m ais ad m ir ad o c o m o n ível d o co n h e cim e n t o
q u e ela h avia ad qu ir id o e m várias áreas. A q u ela m u lh e r era, d e n ovo, a br ilh an te
d en t ist a e st u d io sa q u e ele h avia c o n h e cid o n a facu ld ad e, p o r é m , ago r a, b e m
m ais m a d u r a e se gu r a, o q u e lh e co n fer ia u m a b eleza e a t r ação irresistíveis.
Sar a h a p r o v e it o u a d e ix a d e La u r a e p r o sse gu iu :
- F a z ce m a n o s q u e o s cien tist as in v est igam as m o scas- d as- fr u t as, o u D ro-
so p h h m elam gast er. Eles t ê m in d u zid o m u t aç õ e s n essas m o sq u in h a s e d u r a n t e
t o d o esse t e m p o e m ilh ar e s d e ge r açõ e s d ep ois, sab e o q u e ele s o b t iver am ?
—N ã o ...
—M o sc as c o m asas r e t o r cid as. M o sc as se m asas. M o sc as c o m asas a m ais,
m a s q u e n ã o c o n se gu ia m v o ar . E n fim , o b t iv e r a m a p e n a s d e fo r m a ç õ e s.
E sab e p o r q u ê ?
—P o r q u e n ã o fiz e r a m a e xp e r iê n c ia d ir e it o ? - C a r lo s v o lt o u a a ssu m ir
o t o m b r in c a lh ã o .
— N ã o . A s e xp e r iê n c ia s fo r a m b e n fe it as — p r o sse g u iu Sa r a h , se m se
im p o r t a r c o m a p ia d a . —Eles m o st r a r a m q u e m u t a ç õ e s n u n c a a d ic io n a m
in fo r m ação ge n é t ic a cap az d e cr iar n o v o s p lan o s c o r p o r a is e ó r gã o s fu n c io
n ais. M u t a ç õ e s so m e n t e a lt e r am a in fo r m a ç ã o já e x ist e n t e o u a d e ge n e r am .
—I n fo r m a ç ã o c o m p le x a e e sp e cífica d e p e n d e d e u m a fo n t e in fo r m a n t e
—le m b r o u La u r a .
—C a r lo s, v o c ê ar r isc ar ia cit ar m ais u m e x e m p lo d e e v o lu ç ão ? —d e safio u
a b ió lo ga.
C a r lo s c o ç o u o q u e ix o e d isse e m se gu id a:
—G o lfin h o s! G o lfin h o s são c e t á c e o s, o u se ja, u m a o r d e m d e a n im ais
m a r in h o s m a m ífe r o s. C r ê - se q u e o s m a m ífe r o s, e m d e t e r m in a d o e st á gio
d a e v o lu ç ã o , m ig r a r a m n o v a m e n t e p a r a a águ a. Esses sã o o s c e t á c e o s. A
p r o v a d e ssa e v o lu ç ã o e st á n a an álise d o s e st ágio s e m b r io n á r io s d o go lfin h o .
A se q u ê n c ia d o d e se n v o lv im e n t o e m b r io n á r io d e u m g o lfin h o r e v e la o
su r g im e n t o d e u m p e q u e n o ap ê n d ic e n o e x a t o lo c a l e m q u e d e v e r ia m
e st a r as p e r n a s t r a se ir a s p a r a e m se gu id a su m ir n o s p r ó x im o s e st ágio s.
A t é c e r t o p o n t o , o s e m b r iõ e s d e u m g o lfin h o sã o id ê n t ic o s a o s d o s se r e s
h u m a n o s e d e p o is fic a m b e m d ife r e n t e s n o s e st á g io s se gu in t e s. A lé m
d isso , o s c e t á c e o s m a n t ê m se u s d e sn e c e ssá r io s o sso s p é lv ic o s (p o is n ã o
p o ssu e m p e r n a s), m e sm o q u a n d o a d u lt o s.
—E n t ã o v o c ê a n a lisa o e st á g io e m b r io n á r io , v ê id e n t id ad e c o m o u t r o s
e m b r iõ e s, e co n clu i p e la e v o lu ç ão ? —d isse Sa r a h . —É ju st a m e n t e d isso q u e
falo . O s e v o lu c io n ist as v e e m p e q u e n o s sin ais e cr iam t o d a u m a h ist ó r ia e m
c im a . A c h a m u m d e n t e , d ã o - lh e d a t a d e m ilh õ e s d e a n o s a t r á s e q u e r e m
c o n t a r a h ist ó r ia d o d o n o a n c e st r a l d a q u e le d e n t e . A h , m in h a s h ist ó r ias
b íb licas sã o b e m m ais cr ív e is. O n d e v o c ê v ê p r o v a s d e e v o lu ç ã o , v e jo as
d igit ais d o C r iad o r . Ele p la n e jo u c ad a e st ágio ; ca d a cr ia t u r a fo i e st r u t u r a d a
d e n t r o d e se u filo, classe e o r d e m . E n a t u r a l q u e n o sso A r t ist a d e ixasse
r a st r o s, a a ssin a t u r a e m Se u p r o je t o . E c o m o v e r q u a d r o s d e u m g r a n d e
p in t o r e r e c o n h e c e r se u e st ilo .
— E d ifícil a c r e d it a r n isso — C a r lo s m e n e o u a cab e ça.
—O r a , C a r lo s, é d ifícil a c r e d it a r q u e u m Se r su p e r io r , c o m u m a ú n ic a
p a la v r a , c r io u t u d o ? Ele é D e u s e p a r a Ele isso é p o ssív e l. É sim p le s assim .
D ifícil é a c r e d it a r n e ssas c o isas in e x at as q u e t e ó r ic o s d a e v o lu ç ã o a p o n t a m
e q u e r e m q u e e n g u la m o s. Q u e r e m m a p e a r o o c e a n o a p a r t ir d e u m a g o t a
d e á gu a . Eles n ã o a d m it e m u m p o d e r so b r e n a t u r a l n a c r ia ç ã o p o r q u e
a b r a ç a r a m a p rio n o n a t u r a lism o filo só fico . M e sm o q u e h a ja e v id ê n cias
d e u m d esign in t e lige n t e n a n a t u r e z a , e le s n ã o a d m it ir ã o , p o r q u e e st ã o
filo so fic a m e n t e c o m p r o m e t id o s, e isso n a d a t e m q u e v e r c o m o s fat o s.
—M as v o cê s cr iacion ist as t a m b é m e st ão filo so ficam e n t e c o m p r o m e t id o s
c o m o t e ísm o , c o m a filo so fia ju d a ic o - c r ist ã — d e v o lv e u C a r lo s.
—É v e r d ad e - co n c o r d o u Sar ah . - P or isso, o p a p e l d o cien t ist a d e m e n t e
a b e r t a co n sist e e m t e n t a r e n x e r ga r a c im a e a lé m d e su a c o sm o v isã o e
se g u ir as e v id ê n cias, le v e m a o n d e le v ar e m .
— T u d o b e m . D iga m o s q u e e u siga as e v id ê n cias e c o n c lu a q u e a v id a,
p a r a v ir à e xist ê n cia, d e p e n d e u d a in t e r v e n ç ã o d e u m cr iad o r . D ig a m o s
q u e e u a d m it a q u e D e u s e xist a. Isso n ã o se r ia r e n e g a r a ciên cia?
—Essa é o u t r a m e n t ir a d o e v o lu c io n ism o . N ã o h á c o n t r a d iç ã o e n t r e a
b o a ciê n cia e a r e ligiã o b íb lica. A liás, a ciê n cia e x p e r im e n t a l e a t e o lo gia
bíb lica b e m c o m p r e e n d id a s e st ã o e m h a r m o n ia . P o sso cit a r v á r io s c ie n
t ist as r e ligio so s, c o m o Isaac N e w t o n , G a lile u , Blaise P ascal e m e u av ô
G e o r ge . C o m o já lh e d isse, o s c r ia c io n ist a s n ã o n e g a m a d iv e r sificação d e
b aixo n íve l o u m ic r o e v o lu ç ã o . N ã o é n e c e ssár io e sp e r a r m ilh õ e s d e a n o s
p a r a se o b se r v a r q u e o s se r e s r e a lm e n t e se a d a p t a m . A lé m d isso , c r e m o s
q u e a se le ç ã o n a t u r a l t e m se u p a p e l; afin al, e la e x p lic a c o m o o m ais a p t o
a c a b o u se le c io n a d o , m as n ã o e x p lic a c o m o o m ais a p t o v e io à e xist ên cia.
A m a c r o e v o lu ç ã o , d e fe n d id a p o r m u it o s c ie n t ist as c o m o se fo sse u m a lei
ir r e fu t á v e l, t e m m a is fu r o s q u e u m q u e ijo su íço .
— A h , a g o r a é a m in h a v e z d e p e d ir e x e m p lo s — C a r lo s r e c o st o u - se n a
c a d e ir a p a r a o u v ir . — C it e a lg u n s fu r o s d a t e o r ia e v o lu c io n ist a .
— A u sê n cia n o r e gist r o fó ssil d e fo r m a s t r an sicio n ais v álid as é u m b o m
c o m e ç o — Sa r a h t in h a a lição n a p o n t a d a lín gu a. — O n d e e st ão os “elo s
p e r d id o s”, d o u t o r Car los? E n ã o m e v e n h a c o m o fóssil d e u m m axilar o u
o d e n t e d e q u a lq u e r c r ia t u r a a p a r t ir d o s q u ais se im a gin o u t o d o o r e st an t e
de su a e st r u t u r a . N ão e xist e m r e gist r o s fósseis d e tais fo r m a s q u e o e v o lu c io
n ism o a le ga e xist ir e m . Se e xist isse m , h av e r ia in t e r m in áv e is r e gist r o s d e ssas
fo r m a s d e t r an sição . A ver d ad e é q u e só e n c o n t r am o s an im ais p e r feit am en t e
id en t ificáveis, c o m p le t o s, se m m u d a n ç a s gr ad u ais e in t e r m e d iár ias.
—Sist e m a s d e c o m p le x id a d e ir r e d u t ív e l - c o n t in u o u a b ió lo ga —c o n s
t it u e m o u t r o b o m e x e m p lo . O s t e ó r ic o s d o design in t e lige n t e a r gu m e n t a m
q u e ce r t o s sist e m as b io ló gico s são c o m p le x o s d e m ais p a r a t e r e m e v o lu íd o d e
o u t r o s sist e m a s m a is sim p le s, a t r a v é s d e se le ç ão n a t u r a l so b r e u m a sé r ie
d e m u t aç õ e s ale at ór ias v an t ajo sas q u e t e n h a m o co r r id o n at u r alm e n t e . Sei d e
m e m ó r ia u m a d e fin iç ão d o D r . Be h e p a r a a c o m p le x id a d e ir r e d u t ív e l: é
u m sist e m a “c o m p o st o d e v á r ia s p a r t e s b e m c o m b in a d a s q u e in t e r a ge m
e q u e c o n t r ib u e m p a r a a fu n ç ã o b á sic a d o sist e m a , se n d o q u e a r e m o ç ã o
d e q u a lq u e r d as p a r t e s faz c o m q u e o sist e m a p a r e d e fu n c io n a r ”.
A n t e s q u e C a r lo s p e d isse e x e m p lo d isso , Sa r a h se a d ia n t o u :
— A c a sc a t a d e c o a g u la ç ã o n o s v e r t e b r a d o s é u m c a m in h o b io ló gic o
c o m p le x o . O o lh o , c o m su a s m u it a s p a r t e s e la b o r a d a s, in t e r c o n e c t a d a s
e in t e r d e p e n d e n t e s é o u t r o e x e m p lo , a ssim c o m o o fla ge lo d e c e r t a s
P ED R A S N A C A IX A D E V ID R O 9 1
b a c t é r ias q u e c o n st it u e m u m m o t o r m o le c u la r , e xigin d o a in t e r a ç ã o d e
c e r c a d e q u a r e n t a p a r t e s p r o t e ic a s c o m p le x a s. A a u sê n c ia d e q u a lq u e r
u m a d e ssas p r o t e ín a s faz c o m q u e o flage lo n ã o fu n c io n e . T o d o s e sse s
sã o sist e m a s ir r e d u t iv e lm e n t e c o m p le x o s p o r q u e , se t e n t a r m o s r e d u z ir
su a c o m p le x id a d e c o lo c a n d o u m e st ágio a n t e r io r m ais sim p le s e m se u
su p o st o d e se n v o lv im e n t o e v o lu c io n á r io , o b t e r e m o s u m o r g a n ism o q u e
n ã o fu n c io n a d e m a n e ir a a p r o p r ia d a .
— N in g u é m r e fu t o u e sse e st u d o d e Be h e? — A e v id ê n cia e r a fo r t e p a r a
C a r lo s, m a s e le q u e r ia av a liar se Sa r a h e st av a a p a r d as d isc u ssõ e s so b r e
o a ssu n t o .
—M u it o s v ê m t e n t a n d o isso h á a n o s, m a s as id e ias d e Be h e se m a n t ê m
fo r t e s, c o m o p u d e c o n st a t a r e m e st u d o s q u e r e alize i r e c e n t e m e n t e . A lé m
d isso , Be h e n ã o é o ú n ic o a t r a t a r d e sse t e m a . T e m t a m b é m o d o u t o r
St e p h e n M e y e r e se u ó t im o liv r o Sign at u re in the C e ll —fo i a r e sp o st a d ir e t a
d e Sa r a h e q u e sat isfe z o físico .
— V o cê q u e r m a is e x e m p lo s d e fu r o s d a t e o r ia d a e v o lu ç ã o ? — e la
p e r g u n t o u e p r o sse g u iu se m e sp e r a r r e sp o st a : — V am o s lá. A e x p lo sã o
ca m b r ia n a . C o m o m e n c io n e i, se a m a c r o e v o lu ç ã o fo sse r e al, t e r ía m o s n o
r e gist r o fó ssil v ár ias fo r m a s t r a n sit ó r ia s. M as isso n ã o a c o n t e c e . O q u e se
vê são t ip o s b ásico s se p a r a d o s p o r la c u n a s. M as o a r g u m e n t o v ai a lé m : n o
p e r ío d o c h a m a d o d e C a m b r ia n o , “su r g e m ” c o m o n u m p a sse d e m á g ic a
in ú m e r o s t ip o s d e a n im ais b e m c o m p le x o s.
—Eu m e le m b r o d e u m : o t r ilo b it a—in t e r r o m p e u Bia. E Sar ah ap r o v e it o u :
—Esse é u m ó t im o e x e m p lo . O s t r ilo b it a s e r a m a r t r ó p o d e s c o m c o r p o
se gm e n t ad o , p at as e at é o lh o s d e cristais d e calcit a. R e su m in d o : e r am an im ais
e x t r e m a m e n t e co m p le xo s. O c o r r e q u e n o p e r ío d o im e d ia t a m e n t e an t e r io r
ao C a m b r ia n o , n o P r é - c a m b r ia n o , n ã o e x ist e m a n im a is q u e p o d e r ia m
se r classific ad o s c o m o a n c e st r a is d o s t r ilo b it as. O P r é - c a m b r ia n o r e v e la
a p e n a s a n im a is m u it o m a is “sim p le s”, c o m c o r p o m o le . C o m o e x p lic a r
e ssa e x p lo sã o sú b it a d e v id a n o p e r ío d o C a m b r ia n o e a t o t a l a u sê n c ia d e
a n c e st r a is an im ais?
—P ar ece q u e a Sa r a h fez o d e v e r d e c a sa c r ia c io n ist a — d isse Lau r a.
—E e n t ã o , d o u t o r C a r lo s, o q u e m e d iz? —p e r g u n t o u a b ió lo ga , n o fim
d e se u q u ase m o n ó lo g o .
1 A p o c a l i p s e 2 1 ; 2 P e d r o 3 :1 3 ; I sa í a s 6 5 :1 7
2 O m é d i c o b e l g a J. B . V a n H e l m o n t , q u e p o s t e r i o r m e n t e fo i r e s p o n s á v e l p o r g r a n d e s
e x p e r i m e n t o s s o b r e fi si o l o g i a v e g e t a l , c h e g o u a p r e s c r e v e r u m a “ r e c e i t a ” p a r a a p r o d u ç ã o
e s p o n t â n e a d e c a m u n d o n g o s e m 21 d i a s . S e g u n d o e l e , b a s t a v a q u e se j o g a s s e , n u m c a n t o
q u a lq u e r , u m a c a m isa s u ja (o p r in c íp io a t iv o e st a r ia n o s u o r d a c a m i s a ) e se m e n t e s d e
t r i g o p a r a q u e d a l i 21 d i a s f o ss e c o n s t a t a d a a g e r a ç ã o e s p o n t â n e a .
ü PAI, A FILH A E
A S D Ú VID AS
D
e fat o , fo r am b o as co n sid e r açõ e s. P er ceb o q u e é p o ssív e l r e av aliar
o s fa t o s so b a ó t ic a cr ia c io n ist a , q u a n d o p r e st a m o s a t e n ç ã o a
se u s a r g u m e n t o s —C a r lo s r e sp o n d e u c o m sin c e r id a d e . — E e u r e a lm e n t e
n ã o e sp e r a v a e n c o n t r a r b o n s a r gu m e n t o s.
— C a r lo s, v o c ê é físico , m a t e m á t i c o — Sa r a h fa lo u e o lh o u p a r a o s
g o lfin h o s q u e n a d a v a m a le gr e s n a p iscin a. — Q u e m a l h av e r ia e m se r
cr ia c io n ist a , e m a c r e d it a r e m D e u s e faz e r o q u e Ele d iz e m Su a P alavr a?
N o t e b e m : g e r a lm e n t e , o s q u e se g u e m as o r ie n t aç õ e s b íb licas t ê m m e lh o r
sa ú d e ; so fr e m m e n o s o s e fe it o s d o e st r e sse , p o is c o n fia m n o c u id a d o d e
D e u s e r e se r v a m u m d ia p o r se m a n a a p e n a s p a r a at iv id a d e s r e ligio sa s e
e m fa m ília; p r o c u r a m viv e r e m p a z c o m t o d a s as p e sso as; são e st im u la d o s
a p e r d o a r ; e m a n t ê m m e lh o r e s r e la c io n a m e n t o s. A in d a q u e t u d o o q u e
c r e m o s fo sse u m so n h o , t e r ia v a lid o a p e n a v iv e r e sse so n h o .
Car lo s n ão disse n ad a. A p en as ficou e m silên cio, assim ilan d o aqu elas ideias.
— D ig a m o s q u e v o c ê d e c id a e st u d a r a Bíb lia e acab e se c o n v e r t e n d o
— Sa r a h p r o sse g u iu . — O q u e p e r d e r á c o m isso? T a lv e z u m a s n o it e s d e
b e b e d e ir a, a lg u n s p r a z e r e s v a z io s q u e o m u n d o o fe r e ce , m u it o s d o s q u ais
n o c iv o s p a r a a sa ú d e física e e m o c io n a l. T e n h o u m n a m o r a d o , o M au r o ,
q u e v o cê s c o n h e c e r a m aqu i. So m o s cr ist ão s e d e cid im o s c o n t in u ar v ir ge n s
at é o alt ar . E ssa d e c isã o d e c o n t r o la r n o sso s im p u lso s se x u a is v ale a p e n a,
p o is t e r e m o s v a n t a g e n s r eais n o c a sa m e n t o .' Se Je su s e D e u s n ã o fo sse m
r eais, o q u e e u p e r d e r ia p o r t e r a c e it a d o as r e gr a s d a Bíb lia?
—P o r e sse p r ism a , cr e io q u e n ã o p e r d e r ia m u it o — c o n c o r d o u C a r lo s.
—O cr ist ão vive u m a v id a m ais sau d áv e l física e m e n t a lm e n t e —r e su m iu
La u r a . — H ã m u it a s v a n t a ge n s e m n o sso e st ilo d e vid a.
—E se fo sse o c o n t r á r io , C a r lo s? —Sa r a h c o n t in u o u . —Se v o c ê d e cid isse
n ã o a c r e d it a r , a p e sa r d e t o d a e ssa su a jo r n a d a . A p e sa r d a s r e sp o st a s q u e
v o c ê , se n h o r T o m é [Sar ah sab ia d o a p e lid o d a d o a C a r lo s p o r G e o r ge ],
e n c o n t r a sse , a in d a d e cid isse n ã o c r e r e se g u ir esse D e u s. Se , a p e sa r d e su a
d e sc r e n ç a , Ele fo r r e al, o q u e v o c ê p e r d e u ?
— E u p e r c o t u d o — r e sp o n d e u C a r lo s, m ais u m a v e z sin c e r o , e a q u e la
r e sp o st a o fez r e fle t ir m a is ain d a.
O d ia já e st a v a n o fim q u a n d o se d e sp e d ir a m d e Sa r a h e M a u r o . C o m
b in a r a m ja n t a r ju n t o s e m o u t r a s n o it e s e assist ir e m à gr a n d e e st r e ia d o
sh ow d e g o lfin h o s n o d ia se gu in t e .
A p ó s o b a n h o , C a r lo s, La u r a c Be a t r iz fo r a m ja n t a r e m u m q u io sq u e
à b e ir a d a p r a ia . A ca d e ir a d e r o d a s d e ix av a n a ar e ia m o l h a d a d o is fin o s
r a st o s ilu m in a d o s p e la lu z d a lu a. A b r isa so p r a v a o s ca b e lo s d e Lau r a, e o
ch e ir o d a m a r e sia m ist u r a v a - se a o a r o m a d a c o m id a q u e se a p r o x im a v a .
Ja n t a r a m e se a c o m o d a r a m n u m a e sp é cie d e v a r a n d a d o r e st a u r a n t e ,
c o m v ist a p a r a o m a r . E n q u a n t o e st a v a m ali, u m jo v e m se a p r o x im o u
d e le s e d isse:
— O i, Bia.
A g a r o t a e st r e m e c e u e m su a c a d e ir a e fa lo u :
—O i, M u r ilo .
—Se n t e - se , M u r ilo —La u r a c o n v id o u e v iu o r o st o d e Be a t r iz r u b o r iz ar .
Bia m a l c o n se g u ia e sc o n d e r c e r t o n e r v o sism o , e n q u a n t o M u r ilo c o n
v e r sav a c o m se u s p ais.
—V ocês se i m p o r t a m q u e e u d ê u m a v o lt a c o m a Be at r iz? —p e r g u n t o u
o g a r o t o , m u it o e d u c a d o .
C a r lo s r e c o st o u - se n a cad e ir a, c r u z o u o s b r a ç o s e p e r g u n t o u :
□ P Ai, A F I L H A E A S D Ú V I D A S 95
—V ocê é c r ia c io n ist a o u e v o lu c io n ist a?
—C r iac io n ist a... —r e sp o n d e u M u r ilo , e m d ú v id a, n ã o sab e n d o se a q u e la
e r a a m e lh o r r e sp o st a .
— E n t ã o se p r e p a r e p a r a r e c e b e r u m r aio d a ir a ce le st e , c a so c o m e t a
a lg u m d e sliz e c o m a Be a t r iz — C a r lo s d isse , e m t o m a m e a ç a d o r .
M u r ilo n ã o sab ia se p o d ia r ir d a q u ilo o u n ã o . A fin al, e r a u m a p iad a?
— N ã o ligu e p a r a ele ! — Bia fa lo u . —E n c o n t r o v o c ê s n o m a r c o se t e .
O g a r o t o se p o sic io n o u a t r á s d a c a d e ir a d e r o d a s, v ir o u - a, m a s a n t e s d e
ir t o m o u c o r a g e m e p e r g u n t o u p a r a C a r lo s:
— O q u e o se n h o r ir ia d iz e r se e u r e sp o n d e sse q u e e r a e v o lu c io n ist a?
—Aí, caso você pisasse n a bola, t er ia q u e en fr en t ar a ir a d o Biagion i e en t en d er
o q u e é a sob r e vivê n cia d o m ais fo r t e — r e sp o n d e u , m as, d e st a vez, so r r iu e
d e u u m a p iscad ela, d e ixan d o o ga r o t o à v o n t ad e p a r a so r r ir c o m a r e sp o st a.
D e p o is d o jan t ar , C a r lo s e Lau r a c a m in h a r a m n a p r aia, co n v e r sa n d o
so b r e co isas tr iviais, r in d o e r e c o r d a n d o o p a ssa d o . A sse n t ar am - se p e r t o d o
m ar c o set e, o n d e ficava o in ício d c u m a d as e st r ad in h as d e p e d r a q u e lev av am
p a r a o s a p ar t am e n t o s.. A p ó s m u it a c o n v e r sa d e sco n t r aíd a, La u r a su sp ir o u :
—Vou d o r m ir . V ocê e sp e r a a Bia?
—Esp e r o , m a s co n fe sso q u e p r e fe r ir ia a g u a r d a r e m su a c o m p a n h ia .
La u r a r e sp o n d e u c o m u m so r r iso e n ig m á t ic o , le v an t o u - se e fo i p a r a
o ap ar tam en to.
O s p é s d e C a r lo s t o c a v a m a ar e ia m o lh a d a . Rle o lh o u p a r a as e st r e la s
e c o n t e m p lo u - a s d e m o r a d a m e n t e , id e n t ific a n d o a lg u m a s c o n st e la ç õ e s.
P o u c o m a is d e m e ia h o r a d e p o is, Be a t r iz e se u n o v o a m ig o c h e ga r a m .
M u r ilo se d e sp e d iu d e Be a t r iz c o m u m b e ijo n o r o st o , e e la p e d iu a o
p a i q u e a se n t a sse n a ar eia. F ic a r a m o s d o is ali, o lh a n d o p a r a o m a r , v e n d o
as o n d a s e m p u r r a r e m a á gu a e sp u m e ja n t e p a r a b e m p e r t o d e se u s p é s.
— E aí, c o m o fo i o e n c o n t r o ? — C a r lo s q u is sab er .
— Ele m e p e d iu u m b e ijo — d isse a filh a, d e p o is d e h e sit ar u m p o u c o .
— E v o c ê a t e n d e u ao p e d id o ?
- N ã o ...
C a r lo s se se n t iu a liv iad o , e Be a t r iz p r o sse g u iu :
— E u m e sin t o d ife r e n t e .
— C o m o assim ?
—Ê so b r e e st a m in h a n o v a c o n d iç ã o . Eu t e n h o u m m o n t e d e p e r gu n t a s
e t e n h o m e d o d a s r e sp o st as. Se r á q u e a lg u é m p o d e se a p a ix o n a r p o r m im ,
e st a n d o e u n u m a c a d e ir a d e r o d as? Se r á q u e a lg u é m p o d e m e a m a r d e
v e r d a d e , m e sm o q u e e u n u n c a m a is v o lt e a an d ar ? E st o u p r e p a r a d a p a r a
ficar o r e st o d a m in h a v id a c o m o c ad e ir an t e ? Sin t o - m e t ã o in se gu r a , p ai.
N ã o t e n h o m a is e sp e r a n ç a e m n a d a e m in h a a u t o e st im a e st á u m lixo.
— Filh a, e u n ã o sab ia q u e v o c ê e st a v a se se n t in d o a ssim .
—E st o u e x t r e m a m e n t e in se g u r a e se m e sp e r an ç as, p ai —c o n fe sso u Bia.
— A im a ge m d e a u t o c o n fia n ç a q u e p a sso é u m m e r o d isfar ce . Sã o t an t o s
m e se s d e t r a t a m e n t o e fisio t e r ap ia se m n e n h u m r e su lt a d o . Se p e lo m e n o s
e u se n t isse q u a lq u e r c o isa e m m in h a s p e r n a s; se p e lo m e n o s u m d e m e u s
d e d in h o s c o n se gu isse se m e xe r .
U m a p e q u e n a o n d a alcan ço u o s p é s d e C ar lo s e Beat r iz. O fr e sc o r d a águ a
t o c o u Biagio n i, m a s Bia n ã o se n t iu n a d a a lé m d e u m b r eve fo r m iga m e n t o .
—V am o s c o n t in u a r b u sc a n d o , m in h a filh a. Esses t r a t a m e n t o s d e m o
r a m , q u e m sab e ...
—A c h o q u e e st o u p e r d e n d o a e sp e r a n ç a —Be at r iz fa lo u , c o m o se n e m
t iv e sse o u v id o as p a la v r a s d o p ai. —N ã o c o n sigo se n t ir D e u s p e r t in h o d e
m im . A t é m e sm o q u a n d o r e p it o o s a r g u m e n t o s d e Su a e xist ê n cia, isso n ão
m e c o n fo r t a . Se i q u e D e u s e xist e , m a s n ã o cr e io q u e Se im p o r t e c o m igo .
C a r lo s fic o u t r ist e e m o u v ir a q u ilo e n ã o t e r m u it a s p a la v r a s p a r a c o n
fo r t a r a filh a. A r e ligiã o t in h a u m g r a n d e p ap e l n a v id a d a q u e la g a r o t a e
v ê - ia p e r d e r a fé e a s e sp e r a n ç a s e r a a lgo d o lo r id o .
—N ã o t e n h o m u it o p a r a lh e d iz e r a e sse r e sp e it o , Bia — d isse C a r lo s. —
T alv e z r e a lm e n t e e xist a u m a fo r ç a c r ia d o r a, u m p r o je t ist a q u e a r q u it e t o u
o U n iv e r so , m a s a in d a n ã o c o n sig o c r e r n u m D e u s p e sso a l, q u e o lh a p a r a
u m a c r ia t u r a t ã o p e q u e n a c o m o e u , c o m o v o cê .
E st o u c o m e ç a n d o a p e n sa r c o m o v o c ê , p ai — Bia se n t iu - se so z in h a e
d e sa m p a r a d a a o faz e r a q u e le d e sa b a fo . — P o r fav o r , n ã o fale n a d a ain d a
p ar a a m am ãe.
C a r lo s b a la n ç o u a fir m a t iv a m e n t e a ca b e ç a e fic a r a m e m silê n cio p o r
u m t e m p o , a t é e la p e r g u n t a r :
— Pai, a c h o q u e t e n h o m e u s m o t iv o s p a r a d u v id a r d e D e u s. E v o cê ,
p o r q u e d u v id a?
□ P AI, A F ILH A E A S D Ú V ID A S 9 7
A q u e la e r a u m a p e r gu n t a q u e C ar lo s n ã o e sp e r av a ou vir . N ão e st av a d is
p o st o a c o m p a r t ilh a r aq u ilo , m a s ao seu lad o e st av a Beat r iz, a ga r o t a q u e lh e
ab r ir a o co r ação . N ão e r a ju st o q u e esco n d esse se u s sen t im en t o s, p o r m ais q u e
h o u v e sse m ficad o e n t e r r ad o s n u m p assad o d ist an t e. R esp ir o u fu n d o e falo u :
— U m d ia e u o u v i fa la r d e sse D e u s p e sso a l e O ace it e i, e n t r e g a n d o - m e
d e t o d o c o r a ç ã o à b u sc a d Ele , M as, e m d e t e r m in a d o m o m e n t o , p r e cise i
d Ele... P r ecisei d e D e u s, im p lo r e i p o r Se u so c o r r o , m a s Ele n ã o m e o u v iu ...
Ele n ã o v e io at é m im ...
O g a r o t o C a r lo s t in h a 12 a n o s. E st av a e u fó r ic o n a casa d e u m a m igo
o n d e u m a m u lh e r c o n t a v a h ist ó r ia s d a Bíb lia, fa la n d o d e u m D e u s q u e
t u d o c r io u e q u e m o r r e u n a c r u z p a r a sa lv a r o m u n d o . A q u ilo t u d o e r a
n o v o p a r a e le , p o is e m su a ca sa n u n c a lh e h av ia m fa la d o d e D e u s. A o c o n
t r á r io , se u p a i Sa n d o v a l a p e n a s fa la v a m a l d e ig r e ja , d e c r e n t e s e d e D e u s.
M as as h ist ó r ias d a q u e la m u lh e r e r am in cr ív eis. C ar lo s r e alm e n t e q u e r ia
c o n h e c e r a q u e le D e u s. V o lt av a t o d o s o s d ias p a r a o u v ir m a is so b r e o Pai
d o C é u e so b r e o t al Je su s q u e h av ia m o r r id o p a r a salv á - lo . C o m o e r a m
b o n it a s e in sp ir a d o r a s a q u e la s p a la v r a s.
C e r t o d ia, a c o n t a d o r a d e h ist ó r ias d e u u m a Bíb lia p a r a C ar lo s e lh e d isse:
— É su a , se v o c ê n o s v isit ar n a ig r e ja h o je à n o it e . H a v e r á u m c u lt o
e sp e cial, c h a m a d o d e “v igília ”, a p a r t ir d a s o it o h o r a s.
O jo v e m C a r lo s p e go u a Bíb lia c o m as d u a s m ã o s. Er a lin d a, d e c a p a
p r e t a e b o r d a s d o u r a d a s. E r a d ali q u e a m u l h e r lia as h ist ó r ias, e e le n e m
a c r e d it a v a q u e p o d e r ia c o n fe r i- la s p o r si m e sm o . C la r o q u e e le a c e it o u .
M ais t a r d e , c e r t a m e n t e , e st a r ia n a ig r e ja e c o m su a Bíb lia n o v a a t ir a c o lo .
C o m t a n t a e u fo r ia , C a r lo s sim p le sm e n t e n ã o im a gin a v a q u e ia so fr e r
u m d o s m a io r e s t r a u m a s d e su a v id a. N a q u e la n o it e , an t e s d a h o r a d o
c u lt o , a lgo ir ia m a r c á - lo p a r a se m p r e .
J L e ia o a r t i g o “ C o n s e q u ê n c i a s d o s e x o f o r a d e c o n t e x t o ” , n a r e v i s t a Fam ília Esperan ça, d i s p o

n í v e l e m h t t p :/ / p t . s c r i b d . c o m / d u c / 8 2 4 7 2 6 Ó 4 / R e v i st a - d a - F a m i l i a - 2 0 1 2 .
M EM Ó RIAS TRISTES
avia u m a e xp r e ssão feliz e m C a r lo s q u an d o ele ch e go u e m casa e gir o u

H a t r a m e la d o p o r t ã o d e m a d e ir a . E n t r o u n a c a sa sim p le s e se n t o u - se
n u m b a n q u in h o a o la d o d o p ai, e sp e r a n d o p e lo in t e r v a lo n o p r o g r a m a
q u e p a ssa v a n a t e le v isã o v e lh a p a r a q u e p u d e sse lh e p e d ir p e r m issã o p a r a
ir à igr e ja . Se n t a d a m a is a o c a n t o d a sa la e st a v a a m ã e d e C a r lo s, T er e za,
d e b ilit ad a p o r u m a d o e n ç a q u e ele se q u e r co n h e cia. A m u lh e r fazia cr o ch ê
e t in h a o o lh a r d ist a n t e . Su a d o e n ç a a v it im a r ia t r ê s a n o s d e p o is.
A ssim q u e c o m e ç a r a m o s c o m e r c ia is, o jo v e m C a r lo s d isse:
— Pai, p o sso sair h o je à n o it e ?
—A o n d e v o c ê q u e r ir? —p e r g u n t o u o h o m e m , se m o lh a r p a r a o filh o.
—U n s a m ig o s m e c o n v id a r a m p a r a v isit ar a ig r e ja d e le s.
Sa n d o v a i v ir o u - se p a r a o g a r o t o , c o m o c e n h o fe c h a d o a p o n t o d e su as
so b r a n c e lh a s se t o c a r e m .
—V o cê n ã o v ai a n e n h u m a igr e ja.
—P o r fav o r , p a i —in sist iu c o m c a u t e la , p o is sab ia q u e o p a i n ã o g o st a v a
d e se r c o n t r a r ia d o .
—P o r q u e v o c ê q u e r ir a u m a igr e ja?
M E M Û R I A S TR I S TE S 99
—Q u e r o c o n h e c e r m a is so b r e D e u s. E st o u a c h a n d o in t e r e ssa n t e e...
—D e u s n ã o e xist e —d isse Sa n d o v a l c o m r isp id e z . — E c r e n t e s sã o t o d o s
u n s h ip ó c r it a s.
C a r lo s só fico u sab e n d o o m o t iv o d a q u e la s p a la v r a s d o p ai a p e n a s u n s
c in c o a n o s d e p o is, m a s, n a q u e la é p o c a , já n ã o p r e c isa v a d e r e sp o st a s.
D e sc o b r iu q u e se u av ô , p ai d e Sa n d o v a l, se d izia c r e n t e e e r a líd e r d e u m a
p e q u e n a igr e ja. P o r é m , e m casa, e sp a n c a v a a e sp o sa e o s filh o s. O r u d e
h o m e m ap licav a sev er as p u n iç õ e s p a r a q u alq u e r d eslize d as c r ia n ç a s—e n t r e
e la s Sa n d o v a l —e se m p r e d ist o r c ia c it a ç õ e s b íb licas p a r a c a st iga r a fam ília.
O b r igav a t o d o s a ir ã ig r e ja e o b e d e ce r a n o r m a s d e sn e ce ssár ias. T o d a a
c o m u n id a d e r eligio sa sab ia d a cr u e ld ad e d o p at r iar ca Biagion i, m as n in gu é m
t o m a v a q u a lq u e r p r o v id ê n c ia , t r a t a n d o - o c o m o u m “h o m e m d e D e u s” .
San d o v al n ão aceit ava aq u ilo. D e p ois d e sair d e casa, n u n ca m ais p iso u e m
u m a igr eja. Recu sou -se a acr ed it ar e m D eu s e r epu d iava t o d ae q u alq u er religião.
—O q u e é isso e m su as m ã o s?—p e r gu n t o u San d o v al. Se u s m axilar e s m o r
d ia m fir m e , p o is r e le m b r av a d as su r r a s q u e h av ia le v ad o d o p ai, se g u r a n d o
a Bíb lia e m u m a d as m ã o s e d iz e n d o q u e e st av a ap lican d o a “ju st iç a d iv in a” .
— E u m a Bíb lia —r e sp o n d e u C a r lo s, c o m t e m o r .
— E u sei o q u e é — d isse Sa n d o v a l e in c lin o u - se p a r a fr e n t e n a cad e ir a,
ig n o r a n d o o p r o g r a m a t e le v isiv o q u e v o lt a v a a o ar . — G a r o t o t o lo . Você
p o d e m e p r o v a r q u e D e u s exist e?
C a r lo s n ã o t in h a r e sp o st a . Su a s m ã o s t r ê m u la s se g u r a v a m a Bíb lia q u e
ele m a l sab ia m a n u se a r . Ele e st av a c u r io so e fe liz c o m a id e ia d e exist ir a lgo
m a io r ; d e e xist ir u m Pai ce le st ial q u e c u id a v a d e le . Se r ia o in ício d e u m a
b e la a m iz a d e c o m o C r ia d o r , m a s isso t u d o fo i sim p le sm e n t e d ila c e r a d o
p o r Sa n d o v a l, q u e d isse:
— Se v o cê n ã o p o d e p r o v a r q u e D e u s e xist e , e u p o sso lh e m o st r a r q u e
Ele n ã o Se im p o r t a c o m e st e m u n d o . A in d a q u e Ele e xist isse , n ã o Se
im p o r t a r ia c o m v o c ê , se u p ir r a lh o .
Sa n d o v a l se le v an t o u e foi p a r a c im a d o ga r o t o , a ga r r a n d o - o p e lo b r a ç o
e a r r a st a n d o - o p a r a o fu n d o d a casa. A m ã e d e r r a m o u u m a lá g r im a so li
t ár ia. N ã o t in h a fo r ç a s p a r a se o p o r à b r u t a lid a d e d o m a r id o .
O h o m e m agar r o u u m p e q u e n o ch ic o t e d e c o u r o q u e e st av a p e n d u r a d o
n a c o z in h a e e m p u r r o u C a r lo s p a r a fo r a, jo g a n d o - o n o c h ã o d e t e r r a.
1 0 0 A D E S C O B E R TA
— Se D e u s e xist isse , su a m ã e n ã o ir ia m o r r e r d e ssa m a ld it a d o e n ç a —
e sb r a v e jo u o h o m e m e su r r o u o g a r o t o .
C a r lo s d e ix o u a Bíb lia cair , t e n t a n d o d e fe n d e r u m a o u o u t r a c h ic o t ad a,
m a s o c o u r o a r d ia o n d e q u e r q u e p e gasse .
— Se D e u s e xist isse , v o c ê n ã o e st ar ia a p a n h a n d o a g o r a — c o n t in u o u o
p ai, ain d a su r r a n d o o m e n in o e a ga r r a n d o - o n o v a m e n t e p e lo s b r a ç o s.
C o n d u z iu - o p a r a os fu n d o s d o q u in t al e ab r iu a p o r t a d e u m a v e lh a d esp en sa.
E m p u r r o u o m e n in o p a r a d e n t r o d a r ú st ic a c o n st r u ç ã o d e m a d e ir a e d isse:
- V o c ê vai a p r e n d e r u m a liç ã o h o je , ga r o t o . O D e u s d e sse s h ip ó c r it a s
n ã o é n a d a —Sa n d o v a l jo g o u a Bíb lia n o c h ã o , a o s p é s d e C a r lo s. —Se v o cê
a c r e d it a n Ele , p e ç a p a r a Ele liv r á - lo d e ssa sit u a ç ã o . Se o liv r ar , q u e m sab e
e u a c r e d it e n E le .
Sa n d o v a l t r a n c o u a p o r t a , e o m e n in o C a r lo s se n t o u - se le n t a m e n t e
n o c h ã o e m p o e ir a d o .
— D e u s, m e a ju d e — su ssu r r o u , e n c o lh id o c o n t r a u m a p ar e d e . — Se o
Se n h o r e xist e , p o r fav o r , m o st r e - m e q u e e st á c o m igo .
U m file t e d e lu z e n t r a v a p o r u m a d as fr e st as. O g a r o t o p e go u a Bíb lia
su ja e a m a ssa d a , lim p o u d a c a p a o p ó c o m a m ã o , c o lo c o u - a so b a fr a c a
ilu m in a ç ã o e ab r iu c m q u a lq u e r lu gar , o n d e le u : “A in d a q u e e u an d e
p e lo v ale d a so m b r a d a m o r t e , n ã o t e m e r e i m a l n e n h u m , p o r q u e T u
e st ás c o m igo ; o T e u b o r d ã o e o T e u c a ja d o m e c o n so la m ” (Sa lm o 23:4).
Su r p r e e n d e n t e m e n t e , a q u e la s p a la v r a s a c a lm a r a m - lh e o c o r aç ão .
O g a r o t o a b r a ç o u a Bíb lia e c h o r o u —p e las d o r e s d a su r r a q u e so fr e u e
p e lo ó d io q u e se n t ia d o p ai. M ais t a r d e , ao lo n ge , at é p e n so u o u v ir as v o zes
d e u m c o r al. Se r ia m an jo s? C a n sa d o , a d o r m e c e u . N a m a n h ã se gu in t e ,
b e m c e d o , Sa n d o v a l, c o m o lh a r v it o r io so , o lib e r t o u . C a r lo s n u n c a m ais
p e d iu p a r a ir à ig r e ja . E d isse p a r a si m e sm o q u e , d a q u e le d ia e m d ian t e ,
ele n ã o m a is t e r ia u m p ai.
Be a t r iz n ã o t in h a p a la v r a s d e p o is d e o u v ir a h ist ó r ia d o p ai. R e c o st o u
a c ab e ça n o o m b r o d e le e fic a r a m e m silê n cio , o u v in d o o q u e b r a r d as
o n d a s n a p r aia.
M E M Ó R I A S TR I S TE S 1 0 1
—V o cê co n v e r sa c o m se u p a i d e v e z e m q u a n d o ?—p e r g u n t o u Bia, a go r a
d e it a d a n a ar e ia e a p o ia n d o a c a b e ç a n o c o lo d e C a r lo s.
—Faz m u it o t e m p o q u e n ã o fa lo c o m e le —r e sp o n d e u , alisa n d o o cab e lo
d a filh a. - As v e ze s, r e c e b o c a r t a s o u t e le fo n e m a s d o a silo o n d e e le e st á
v iv e n d o . Ele fica n a q u e la cid ad e p o r o n d e p a ssa m o s. A p e sar d e ssa t e n t at iv a
d e c o n t a t o p o r p a r t e d e le , n u n c a a t e n d i às lig a ç õ e s e n u n c a ab r i as c a r t a s.
— P o r q u ê?
— M e u p ai e r a u m a p e sso a e st r a n h a . D e p o is q u e m in h a m ã e m o r r e u ,
e le fico u ain d a m ais e sq u isit o , ain d a m ais r e c lu so e n u m silê n cio se p u lc r a l.
A c h o q u e so fr e u d e m a is c o m v á r io s p r o b le m a s q u e t e v e d u r a n t e a vid a,
c o m e ç a n d o c o m m e u a v ô q u e n e m c h e gu e i a c o n h e c e r . T alv e z m e u p ai
n ã o t e n h a c u lp a p o r t e r se t o r n a d o u m h o m e m t ã o se m se n t im e n t o s.
A p e sa r d e h o je t e r e ssa c o m p r e e n sã o , fiqu ei m u it o m a r c a d o p o r t u d o o
q u e vivi. N ã o sei se c o n se gu ir ia u m a a p r o x im a ç ã o e t e n h o m e d o d e le r
as c a r t a s q u e e le m a n d a o u a t e n d e r a o t e le fo n e e o u v ir n o v a s o fe n sas.
— M as v o c ê se n t ia fa lt a d e u m p ai c a r in h o so , n ã o sen t ia?
— E q u e m n ã o se n t ir ia, filh a?
A q u e la r e sp o st a p a ir o u u m p o u c o n o ar , at é Be at r iz r e t o m a r o a ssu n t o :
— P o r q u e v o c ê n ã o o visit a? P o r q u e n ã o v ai a o e n c o n t r o d e le e t e n t a
a r r u m a r as co isas?
—E u já d isse. T e n h o m e u s t r a u m a s e n ã o sei se c o n se gu ir ia e n fr e n t á- lo s.
—Se v o c ê t iv e sse c o m e t id o o s m e sm o s e r r o s q u e se u p ai, o q u e g o st a r ia
q u e e u fizesse? — p e r g u n t o u Be at r iz.
— Eu c o m e t i m e u s p r ó p r io s e r r o s c o m v o c ê , Bia, e m e a r r e p e n d o d e
c a d a u m d e le s.
— M e sm o a ssim , e st o u aq u i, d e it a d a e m se u c o lo e d e ix a n d o v o c ê alisar
m e u s cab e lo s. M e sm o a ssim , e u c o n t in u o a m a n d o v o cê , p ai.
C a r lo s so r r iu , se n t in d o - se r e a lm e n t e p e r d o a d o p e la filh a. D e u - lh e u m
b e ijo n a t e st a e su ssu r r o u :
— Eu t a m b é m a m o v o cê .
Be at r iz d ige r iu n o v a m e n t e a q u e le silê n cio e d e c id iu faz e r m ais p e r g u n
t as, t e st a n d o at é o n d e o p ai e st a v a d isp o st o a se ab r ir :
—V o cê se n t e n o ssa falt a?
—H o je v o cê e st á “im p o ssív e l”! —C a r lo s so r r iu e a p e r t o u o n a r iz d e Bia.
— Sim , e u sin t o su a falt a.
— N ã o fo i isso o q u e e u p e r g u n t e i. Q u e r o sab e r se se n t e «055a falt a. O u
se ja, m in h a e d a m a m ã e .
C a r lo s m e d iu a r e sp o st a e c o n c lu iu q u e fa la r ia a v e r d a d e o u sim p le s
m e n t e m e n t ir ia . P r e fe r iu a p r im e ir a o p ç ã o :
— E st á b e m , e u sin t o su a fa lt a e t a m b é m d e su a m ãe .
—P o r q u ê ?
—V o cê n ã o d esist e?
—N ã o . N ã o e n r o le e r e sp o n d a . P o r q u e v o c ê se n t e n o ssa falt a?
—V ocês e r a m m in h a fam ília. Sin t o sau d ad e s d e q u a n d o v iv íam o s ju n t o s.
—Se ja m a is e sp e cífico . P or q u e v o c ê se n t e fa lt a d a m a m ã e ?
C a r lo s su sp ir o u e d isse:
—Ela e r a u m a b o a m ãe , b o a c o z in h e ir a , b o a c o m p a n h e ir a . La u r a e st av a
c o m ig o n o s m e lh o r e s a n o s d a m in h a v id a e e u a a d m ir a v a m u it o , e m b o r a ,
t alv e z, n ã o d e m o n st r a sse . E u g o st a v a d o s t r e je it o s d e la , d o ch e ir o , d a
in t e ligê n c ia e p e r sp ic á c ia e d e d o r m ir a b r a ç a d o c o m a m u lh e r q u e e r a
m in h a e sp o sa . G o st a v a d o je it o c o m q u e e la c o lo c a v a v o c ê n o c o lo e e u
se n t ia c iú m e s p o r v o c ê t e r r o u b a d o a a t e n ç ã o q u e e r a m in h a . Você se m p r e
foi “in t r o m e t id a ” .
— E u a t r a p a lh a v a o n a m o r o d e v o c ê s, n ão é? — Bia r iu .
—M u it o . Você d evia ter u m r e lo gin h o q u e avisava q u an d o íam o s n am o r ar .
O u ch o r a v a , o u p e d ia águ a, o u p e d ia p a r a ir ao b an h e ir o , o u sim p le sm e n t e
a p a r e c ia n a p o r t a d o q u a r t o a r r a st a n d o su a b o n e c a d e d o r m ir .
— A h , c o m o e u e r a c r u e l. M as é só p o r isso q u e v o c ê se n t e fa lt a d e la
o u é p o r a lg o m ais?
C a r lo s r e fle t iu e a r e sp o st a sa iu se m q u e e le se d e sse c o n t a :
— H á m a is u m m o t iv o : e u c o n t in u o a p a ix o n a d o p o r ela.
M E M Ú R I A S TR I S TE S : 1 0 3
ü NOIVO
ia d e u u m gr it o d e su r p r e sa , e C a r lo s se n t iu o r o st o ficar q u e n t e .
B D e v ia e st a r t o d o v e r m e lh o . T e n t o u d e sc o n v e r sa r e d e sm e n t ir , m a s
n ã o a d ia n t o u .
— E o q u e v o c ê vai faz e r a e sse r e sp e it o ? —p e r g u n t o u a g a r o t a , p e d in d o
q u e o p ai a a ju d a sse a se se n t ar .
—)á e st á t ar d e , v a m o s in d o . R e sp o n d i a p e r gu n t a s d e m ais p o r u m a n oit e .
C a r lo s se le v an t o u e aje it o u a cad e ir a d e r o d as, m a s Be at r iz se r e c u sav a a
a ju d a r se m t e r r e sp o st a. En t ão o p ai sim p le sm e n t e a a gar r o u e a c o lo c o u n a
cad e ir a, e m p u r r a n d o - a p a r a fo r a d a areia, at é a lcan çar e m a e st r ad a d e p e d r a.
Bia fo i r e sm u n g a n d o p o r t o d o o c a m in h o , e n q u a n t o C a r lo s a ign o r a v a .
Q u a n d o c h e ga r a m a o q u a r t o , a g a r o t a d isse:
— P r e ciso t o m a r u m b a n h o , e a m a m ã e já d e v e e st a r d o r m in d o .
— Eu a ju d o v o cê - r e sp o n d e u C a r lo s.
— E st á b e m . C o lo q u e - m e d e r o u p a n a b a n h e ir a . Q u a n d o e u t e r m in a r
o b a n h o , v o c ê m e jo g a a t o a lh a e m e t ir a e n r o la d a n e la.
— O k — c o n c o r d o u Biagio n i, p e g a n d o a filh a n o c o lo e le v a n d o - a p a r a
a b a n h e ir a.
—Pode sair. Fech e a p or t a. N ão se p r e o cu p e q u e eu co n sigo ligar o ch u veir o.
— Ligar o c h u v e ir o ? A ssim ? — C a r lo s p e r g u n t o u e a b r iu o ja t o d e á gu a
fr ia, d a n d o u m b a n h o n a filh a.
Be at r iz g r it o u e t e n t o u jo g a r á g u a n o p ai. Em v ã o , p o is e le h av ia saíd o
c o r r e n d o e já e st a v a fo r a d o b a n h e ir o .
—Seu ch at o! —e la gr it ou d e d en t r o d a ban h eir a, co m a r o u p a t o d a m o lh ad a.
—Q u e b a g u n ç a é essa? —p e r g u n t o u La u r a p e lo v ã o d a p o r t a c o n ju g a d a ,
p o is t in h a a c o r d a d o c o m a a lg a z a r r a d o s d o is.
—A c h o q u e a Bia se m o lh o u u m p o u c o — C a r lo s r iu .
— Ele m o l h o u t o d a a m in h a r o u p a ! — g r it o u Be at r iz q u e , n a v e r d ad e ,
e st a v a se d iv e r t in d o .
— A m a n h ã é v o c ê q u e m vai lim p a r o b a n h e ir o — La u r a fa lo u e v o lt o u
p ar a o q u ar to.
— N ad a q u e u m a b ela g o r je t a p a r a a a r r u m a d e ir a n ã o r e so lv a - C a r lo s
r e sp o n d e u p a r a a p o r t a e a r r u m o u a c a m a d a filh a, d e ix an d o as r o u p as d e
d o r m ir b e m aje it ad as. N o cr iad o , c o lo c o u u m a gar r afa d e águ a, o sa q u in h o
d e cast an h as d e c a ju d e q u e e la go st av a e o ce lu lar p ar a q u alq u e r em er gên cia.
Q u a n d o Bia o c h a m o u , C a r lo s jo g o u - lh e a t o a lh a , e sp e r a n d o q u e e la se
e n r o la sse . E n t ã o e n t r o u n o b a n h e ir o e a p e go u n o c o lo , le v a n d o - a p a r a a
c a m a . C o m o u t r a t o a lh a , e n x u g o u - lh e o s cab e lo s e p e r g u n t o u :
—P r e cisa d e m a is a lg u m a coisa?
Bia o lh o u a o r e d o r , v e n d o t u d o b e m a r r u m a d o .
—N ão . V o cê d e ix o u t u d o a r r u m a d in h o . Fez t u d o ig u a lz in h o à m a m ã e ,
a q u e la m u l h e r q u e v o c ê a m a .
—P o r fav o r , filh a, m e d e ixe p r o c e ssa r e sse se n t im e n t o p r im e ir o . A in d a
n ão sei o q u e fazer . A ssim q u e e u so u b e r , p r o m e t o q u e v o cê se r á a p r im e ir a
p e sso a a t o m a r c o n h e c im e n t o .
Beat r iz co n c o r d o u am igav e lm e n t e c o m a cabeça. D esp ed iu - se d o p ai c o m
u m ab r aço . D e p o is d e se a r r u m a r , a g a r o t a t eve u m a ó t im a n o it e d e so n o .
*****
N a m a n h ã se gu in t e , n in gu é m c o n se gu iu a co r d ar ce d o. Q u ase p e r d e r am
o d e sje ju m , p o is c h e ga r a m a o r e st a u r a n t e e r a m q u ase d e z h o r a s.
0 N OIVO 1 0 5
—N ã o so m o s o s ú n ic o s a t r a sa d o s—co ch ich o u C ar lo s, d e ó c u lo s e scu r o s.
— O r e st a u r a n t e c o n t in u a c h e io .
— P e r d e m o s t o d o o r o t e ir o d a m a n h ã d e h o je — r e sm u n g o u La u r a .
—Fu i d o r m ir tar d e. R esolvi assist ir a o film e q u e o G e o r ge m e e m p r e st o u ,
“C o n t a t o ” — ju st ific o u - se C a r lo s.
— E b o m ? — p e r g u n t o u Be a t r iz .
—C o m o t o d a ficção cien tífica, t e m seu s e xager o s, m a s p ossib ilit a b o as r efle
xõe s sob r e ciên cia e r eligião. O s p e r so n age n s p r in cip ais são u m a cien t ist a e u m
t e ó lo go . Ele t e n t a p r o v ar p ar a e la a r ealid ad e d a exp er iên cia esp iritu al. Ela n ã o
acr ed it a, m as, n o fim , acab a t e n d o u m a exp er iên cia cien tífica in exp licável. Ela
sab e q u e viveu aq u ilo, m a s n in gu é m a e n t e n d e o u aceit a. A p en as o t e ó lo go .
—Sab e, C a r lo s —La u r a ap r o v e it o u a d e ixa —, se a lg u é m m e d issesse q u e
v o cê c o m e t e u u m cr im e o u q u e d e sc u m p r iu u m a p r o m e ssa d e p ai, m e sm o
q u e m e ap r e se n t asse fo r t e s ev id ê n cias d isso , c o n h e c e d o r a d o se u c a r á t e r
c o m o e u so u , e u d u v id ar ia d as evid ên cias e acr ed it ar ia e m m in h a exp er iên cia.
C a r lo s se se n t iu b a st a n t e liso n je a d o . La u r a p r o sse g u iu :
— A ssim t a m b é m o c o r r e c o m D e u s. T e n h o m in h a e xp e r iê n cia p e sso a l
c o m Ele e isso é in t r an sfe r ív e l. Eu O sin t o . Ele fa la à m in h a m e n t e e d á
m o st r a s d e Su a p r e se n ça e m m in h a vid a. A ssim c o m o o t e ó lo g o d o film e a
q u e v o c ê assist iu , go st a r ia d e co n v e n c ê - lo a ab r ir a m e n t e e o c o r a ç ã o a esse
D e u s, p a r a q u e v o cê t a m b é m t e n h a u m a e xp e r iê n cia r e al e p e sso al c o m Ele.
P elo m e n o s d e ssa v e z C a r lo s n ã o r e agiu ao c o m e n t á r io d a e sp o sa. Lim i-
t o u - se a o u v ir u m p o u c o a lé m d o q u e e st av a a c o st u m a d o e a faz e r m ais
a lg u n s c o m e n t á r io s so b r e o film e . La u r a se d e u p o r sat isfe it a p e lo fa t o d e o
e x - m a r id o n ã o c o n t r ar iá- la, o q u e , n a o p in iã o d e la, já e r a gr an d e co isa. E m
segu id a, eles d e cid ir am ficar ali n u m a d as p iscin as ao la d o d o s a p ar t am e n t o s.
O a lm o ç o fo i açaí n a t ige la e, e m se gu id a , Be a t r iz saiu c o m M u r ilo .
A c a b a r a m t o d o s se e n c o n t r a n d o n a e st r e ia d o sh ow d o s go lfin h o s. Sa r a h ,
M a u r o , T ip , T o p e Lar r y fiz e r a m a p la t e ia ir ao d e lír io .
A fa m ília n o v a m e n t e se se p a r o u , p o is Bia c o n t in u o u c o m M u r ilo
e n q u a n t o o s p ais p a r a b e n iz a v a m Sa r a h c M a u r o n o s b a st id o r e s.
C a r lo s e La u r a a p r o v e it a r a m as ú lt im a s h o r a s d o d ia p a r a v isit ar o
a q u á r io p a n o r â m ic o , c o m se u s c o r r e d o r e s ilu m in a d o s p o r u m a fr a c a
lu z a z u l, q u e t r e m u la v a a o r e fle xo d a á g u a d o s g r a n d e s t a n q u e s d e v id r o .
—É lin d o d e m a is! —d isse La u r a , o l h a n d o p a r a o ja r d im su b m e r so o n d e
n a d a v a u m a in fin id a d e d e e sp é cie s.
C ar lo s c o n t e m p lo u a e x- m u lh e r e m o ld u r a d a n o a z u l d o gr an d e aq u ár io.
—E, d e fa t o é lin d a d e m ais.
P assar am , fin a lm e n t e , p o r u m t ú n e l aq u á t ic o e fic a r a m , m a is u m a ve z,
fa sc in a d o s c o m a b e le z a d e t u d o . O lo c a l i m p u n h a silê n cio .
Q u a n d o sa ír a m d o a q u ár io , n ã o t in h a m p alav r as. C a r lo s e La u r a fo r a m
p a r a a p r a ia , c a m in h a n d o p e la ar e ia b r a n c a e m o r n a d o fim d o d ia. A lg u
m a s p e sso a s r e c o lh ia m se u s gu a r d a - só is e o u t r a s a in d a e st a v a m n a á gu a.
—D e p o is d e ssa v isit a, só m e r e st a p e n sa r n u m p r o g r a m a p a r a a m a n h ã
—d isse La u r a , le n d o o f o ld e r d o resort. — E u q u e r o m e r g u lh a r .
—N ã o sei se t e n h o c o r a ge m —c o n fe sso u C a r lo s.
—Eu se g u r o su a m ã o —d isse La u r a , se m p e r c e b e r o q u a n t o a q u e la fr ase
sim p le s h av ia p r o v o c a d o o e x - m a r id o .
— A h , v o c ê n ã o far ia isso.
— P o r q u e n ã o far ia?
—Você e v it a a t é e sb ar r a r e m m im . P or a c a so , d o u c h o q u e ?
— N ã o m e sin t o à v o n t a d e c o m v o c ê . S ó i s s o —La u r a fo i sin ce r a.
—P o r q u ê ?
—A c h o q u e já d e m o s “c h o q u e s” su fic ie n t e s q u a n d o e st á v a m o s ju n t o s.
— E v o c ê t e m m e d o q u e , se e u e sb a r r a r e m v o cê , u m “c h o q u in h o ”
p o ssa p e r c o r r e r se u c o r p o ...
—V o cê é b o b o , C a r lo s.
—Isso n ã o fo i u m a r e sp o st a .
—V ocê q u e r a v e r d ad e ? —La u r a p e r g u n t o u , e C a r lo s a sse n t iu . E n q u a n t o
cam in h av a, e la o lh o u p a r a o h o r izo n t e o n d e a e scu r id ão c o m e ç a v a a ap agar
as lin h a s v e r m e lh a s d e ixad as p e lo So l. R e sp ir o u e d isse:
— Eu fiz m in h a s e sc o lh a s. P r im e ir o e sc o lh i v o cê . Fu i a p a ix o n a d a p o r
v o cê . D e p o is a c o n t e c e u t u d o a q u ilo c o n o sc o e e u vi m e u m a r id o e sc a p u
lin d o p o r e n t r e m e u s d e d o s. A ch o q u e n o s d e se n c o n t r a m o s t a n t o q u e
a c a b a m o s n ã o n o s e n c o n t r a n d o m a is. V o cê fic o u d ife r e n t e ... o u se r ia
m e lh o r d iz e r q u e fico u in d ife r e n t e . Eu c o n t in u a v a a a m á - lo , m a s n ã o m e
se n t ia a m a d a . O r e st o d a h ist ó r ia v o c ê co n h e c e . D e p o is d isso fiz o u t r a s
e sc o lh a s. E sc o lh i se r m ãe ; e sc o lh i m e u D e u s. N ã o m e a r r e p e n d o d e ssas
Ü N O IV O 1 0 7
d u a s d e c isõ e s e ju r o q u e n ã o é fá c il m e m a n t e r fiel, e sp e c ia lm e n t e n o q u e
se r e fe r e a r e la c io n a m e n t o s.
— C o m o assim ?
—O r a, C a r lo s, sab e o q u e im p lic a se r u m a m u lh e r c r ist ã se p ar ad a? V ocê
m e c o n h e ce e sab e q u e se m p r e t iv e m o s n o sso s co n flit o s, m a s n ã o p o d e m o s
d iz e r q u e t ín h a m o s q u a lq u e r p r o b le m a c o m n o ssa in t im id a d e . Q u a n d o
n o s se p a r a m o s, c o n t in u e i a m e sm a m u lh e r , c o m o s m e sm o s d e se jo s.
P o r é m , c o m u m a d ife r e n ça: e n t r e g u e i m in h a v id a, m e u s se n t im e n t o s a
D e u s. C o m n o v o s p r in c íp io s, sair p o r aí n a m o r a n d o n ã o e r a u m a o p ç ã o .
— M as e u sei q u e v o c ê n a m o r o u d e p o is q u e n o s d iv o r c ia m o s.
—Sim . M as t a m b é m sab e q u e n ã o d u r o u m u it o t e m p o . Eles n ã o “se g u
r a r a m a b a r r a ” se m ... ah , v o c ê sab e o q u ê .
— Q u e r d iz e r q u e v o c ê n u n c a m ais...
—C o m o lh e d isse, m in h a v id a p e r t e n c e a D e u s e v iv o d e a c o r d o c o m a
v o n t a d e d E le — La u r a r e sp o n d e u , u m t a n t o c o n st r a n g id a .
—N ã o a c r e d i t o ...
— N ã o d e p e n d o d a su a c r e n ça. P r e ciso a p e n a s q u e m e u noivo a c r e d it e
n isso . Ele sab e q u e e u se m p r e fu i fiel ao s p r in c íp io s d Ele.
— N o iv o ?! — C a r lo s se a ssu st o u . —V o cê t e m u m n oivo?
1 0 8 A D E 5 C 0 B E R TA
FLO RES NO CAIS
a u r a r iu c o m a c a r a q u e C a r lo s fe z. H av ia e sq u e c id o q u e e le n ã o
L e n t e n d e r ia a q u e le ja r g ã o igr e je ir o .
—Je su s é o N o iv o d a igr e ja. Ele é m e u N o iv o .
Biagio n i c h e go u a su sp ir ar d e alívio, e Lau r a r iu d e n o v o . Fico u a d m ir ad o
c o m o a u t o c o n t r o le d a e x - m u lh e r .
—Ju r o q u e n ã o fo i fácil — e la c o n t in u o u . —P or isso e v it o as “faíscas” .
—E q u a n d o sai u m a “fa isq u in h a ” , o q u e v o cê faz?
T o m o u m su c o d e lim ão .
—Ver d ad e?!
—N ão , b o b o . Sim p le sm e n t e e v it o as "faíscas". Se m p r e m e le m b r o d e q u e
so m o s liv r e s p a r a fa z e r e sco lh as, m a s so m o s e scr av o s d as c o n se q u ê n c ia s.
— C o m o v o c ê c o n se gu e r ac io n a liz a r t a n t o esse assu n t o ?
— D e u s é se m p r e m e u so c o r r o . Se i q u e vale a p e n a p o r Ele. Sei q u e
t e n h o b e n e fício s e m o c io n ais e p sic o ló gic o s p o r ser fiel. Eu c o n fio e m D e u s,
C a r lo s. N ã o q u e r o ficar so z in h a p a r a se m p r e e t e n h o c e r t e z a d e q u e m e u
Se n h o r e st á p r e p a r a n d o a lg u é m p a r a m im .
— H o m e m d e so r t e o q u e fo r e sc o lh id o .
F L O R ES N O C A I S 1 0 9
— A lg u n s so r t u d o s t iv e r am a ch an ce , m a s r e je it a r a m —e la p isc o u e, d e i
xan d o C ar lo s c o m car a d e b o b o , saiu co r r e n d o p e la p r aia. Lá d a fr en t e, gr it o u :
— O ú l t i m o a c h e ga r ao q u io sq u e p a g a u m su c o d e lim ã o .
■k-k kk-k
M ais t a r d e , o s t r ê s v o lt a r a m a se r e u n ir p a r a o lan c h e d a n o it e . C a r lo s
c o m ia u m ch eese a lg u m a c o isa e as g a r o t a s p e d ir a m sa la d a d e fo lh a s e
m a c a r r o n e se .
— O n d e e st á o M u r ilo ? — La u r a p e r g u n t o u .
— P o r a í — Bia r e sp o n d e u se m e n t u sia sm o .
—V o cês v ã o se e n c o n t r a r h o je ? — c o n t in u o u a m ãe .
— N ã o sei. A ch o q u e n ã o .
— A c o n t e c e u a lg u m a co isa? — C a r lo s se in t r o m e t e u . — Ele fez a lg o d e
q u e v o c ê n ã o go st o u ?
Bia la r go u o gar fo e se r e c o st o u n a cad e ir a. D isse, v isiv e lm e n t e c h at e ad a:
— A c h o q u e e u q u e fiz. Ele m e p e d iu o u t r o b e ijo . R e sp o n d i q u e n ã o e
falei q u e “fic a r ” é c o n t r a o s m e u s p r in c íp io s. Ficar é u m a r e la ç ã o e go íst a,
m o t iv a d a a p e n a s p o r a t r a ç ã o física e b lá, b lá, b lá...
C a r lo s, a p e sa r d e n ã o se r c r e n t e , g o st o u d a p o st u r a d a filh a. N ã o q u e
r ia v e r a m e n in a b e ija n d o u m e o u t r o p o r aí, se m q u a lq u e r se n t im e n t o
v e r d a d e ir o e n v o lv id o .
—V o cê fez c e r t o —La u r a c o n c o r d o u , p o is se m p r e in ce n t iv av a u m c o m
p o r t a m e n t o d e fid e lid ad e e d e c ê n c ia n a filh a.
— E, m a s n ã o t e r m in o u aí — Bia c o n t in u o u . —D e p o is q u e fa le i isso , e le
m e p e d iu e m n a m o r o .
C a r lo s a r r e g a lo u o s o lh o s e p e n so u : “Q u e g o lp e b a ixo d e sse g u r i!”
—E o q u e v o c ê r e sp o n d e u ? - p e r g u n t o u Lau r a.
— A h , m ã e , e u já s o u c r e sc id in h a . P o d e se r s ó u m g o lp e b a ixo d e le . Eu
d igo sim e e le p o d e m e d a r u n s b e ijo s —e la r iu . —E n t ã o falei q u e ia p e n sa r .
— Essa é m ilh a filh a! — C a r lo s fa lo u b a ixin h o , so r r in d o .
—A g o r a n ã o sei o q u e r e sp o n d e r —Bia p r o sse g u iu . —Ele m o r a e m o u t r a
cid ad e . N a m o r a r lo n ge d e v e se r c o m p lic a d o .
—G o st e i d a id eia d e n a m o r o à d ist ân cia C ar lo s r eflet iu . - É m ais se gu r o .
—Ele p o d e r ia ficar e m c a sa q u a n d o v isit asse v o c ê —La u r a su g e r iu , m ais
p a r a v e r a r e a ç ã o d e Biagio n i.
—O p a! A í m u d o d e o p in iã o — r e a giu o p ai. —T a lv e z e le p o ssa ficar n a
m in h a casa. Se n ã o q u ise r , q u e d u r m a n u m alb e r gu e .
C o n v e r sa r a m m a is u m p o u c o e d e p o is saír a m p a r a a p r a ia p a r a a p r o
v e it ar o q u e r e st a v a d a n o it e , r e fr e sc a d a p e la b r isa m a r ít im a .
Bia fico u su r p r e sa q u a n d o M u r ilo se ju n t o u a ele s. A p r in cíp io , c o n v e r
sa r a m t o d o s ju n t o s, m a s lo g o d e p o is o s casais e st a v a m fo r m a d o s: C a r lo s
e La u r a fic a r a m c o n v e r sa n d o e n t r e si e o s jo v e n s e n t r e e le s, ali p r ó x im o s,
se n t a d o s n a ar eia.
Biagio n i fez c a r e t a e le v o u u m b e liscão d a e x- m u lh e r q u a n d o viu M u r ilo
p r e se n t e a r Be a t r iz c o m u m c a r t ã o e m fo r m a d e c o r a ç ã o .
—V o cê n u n c a foi r o m â n t ic o ? — r e c r im in o u Lau r a.
— E se e u v o lt a sse a ser , sair ia m “fa ísc a s”?
La u r a n ã o t e v e r e sp o st a , m a s se u o lh a r p a r e c e u u m p o u c o t r ist e.
—Pai! — Bia c h a m o u , in t e r r o m p e n d o a c o n v e r sa d o s p a is. —Você b u sc a
so r v e t e p r a n ó s?
—Eu b u sc o ! —p r o n t ific o u - se M u r ilo .
—P o d e d e ix a r c o m ig o —d isse C a r lo s, e le v an t o u - se , o] h a n d o c o m c a r a
d e m a c h o a lfa p a r a o g a r o t o .
C a r lo s fo i at é a b a r r a c a m ais p r ó x im a e, p o u c o d e p o is, v o lt o u c o m tr ês
so r v e t e s. E n t r e g o u d o is p a r a o s jo v e n s e p e r g u n t o u :
—O n d e e st á su a m ãe ?
—Foi c a m in h a r — Bia r e sp o n d e u . — Falo u q u e ir ia at é o cais.
Se m q u e r e r ficar ali “se g u r a n d o v e la ” , C a r lo s fo i e m d ir e ç ã o ao lo cal
o n d e La u r a e st ar ia. N o c a m in h o , h av ia u m a flor ist a, e ele p a r o u p a r a o lh ar
as flo r e s. D e c id id o , c o m p r o u u m p e q u e n o b u q u ê , p a ga n d o a v e n d e d o r a
c o m d in h e ir o e c o m o so r v e t e q u e e st a v a d e r r e t e n d o e m su a s m ã o s.
C a m in h o u a p r e ssa d o p e la p r a ia , r e m o e n d o a in sa n id a d e d o q u e ir ia
faze r . N ã o c o n se g u ia m ais c o n t e r o q u e e st av a se n t in d o . E r a c h e ga d a a
h o r a d e a r r isc a r t u d o e ab r ir o c o r a ç ã o p a r a a q u e la q u e fo i e c o n t in u av a
se n d o a m u l h e r d a su a v id a.
F in a lm e n t e , e le a lc a n ç o u o cais, r o d e a d o d e p e q u e n a s e m b a r c a ç õ e s
a t r a c a d as. M ais à fr e n t e , h av ia u m a m p l o m ir a d o u r o . A o lo n ge , av ist o u
FLO R ES N O C A IS 1 1 1
Lau r a r e c o st a d a n u m a ce r ca d e m ad e ir a, c o m a b r isa so p r a n d o se u s cab e lo s
fin o s. C a r lo s n ã o v a c ilo u e c o n t in u o u a t é a lcan çá- la.
—Eu t r o u x e p a r a v o c ê — e le d isse.
La u r a p a r e c ia a ssu st a d a . O lh o u p r im e ir o p a r a as flo r e s a m a r e la s, az u is
e v e r m e lh a s n a s m ã o s d e Biagio n i e d e p o is fixo u - se e m se u s o lh o s.
—O q u e v o c ê e st á faze n d o ? —e la p e r g u n t o u , e p a r e c ia e st a r c o m m e d o .
—T r o u x e flo r e s p a r a v o c ê - C a r lo s t e n t o u so r r ir . N ã o c o n se gu iu . T e r ia
e st r a g a d o t u d o ? La u r a ir ia r e je it á - lo e p e d ir p a r a ir p a r a casa?
A m u lh e r v ir o u - se e o lh o u p a r a o m a r . Q u e r ia e sc o n d e r as lá gr im a s.
— Fiz a lg o e r r ad o ? - e le q u is sab er .
—N e sse s ú lt im o s m e se s? N a d a d e e r r a d o . N e sse s ú lt im o s d ias? V o cê fo i
p e r fe it o —La u r a r e sp o n d e u c o m a v o z e m b a r ga d a . E n x u g o u o r o st o c o m
a p a lm a d as m ã o s e v ir o u - se p a r a o e x - m a r id o . — P o r isso p r e c iso sab e r :
O q u e v o c ê e st á faze n d o ?
— E st o u m e a p r o x im a n d o d e v o c ê , e u a c h o — C a r lo s r e sp o n d e u .
— P or q u ê ? — La u r a e st av a c h o r a n d o d e n o v o .
—E u p e r c e b i q u e p e r d i v o c ê . P er ceb i q u e m e u so n h o n ã o e r a se r c ie n
t ist a, e r a se r se u m a r id o , p ai d e se u s filh o s. M e u m a io r so n h o e r a fa z ê - la
feliz, m a s e u m e p e r d i n o m e io d o c a m in h o .
—E a t é q u a n d o v o cê vai c o n t in u a r t e n d o esse so n h o ? A t é su r g ir o p r ó
x im o d e sa fio cien t ífico ? A t é v o c ê se se n t ir u m a st r o p op d a física m a is u m a
vez? E n t ã o v o lt o p a r a su a so m b r a ? A t é q u a n d o , C a r lo s?
—D e st a v e z é p a r a se m p r e .
—Você já p r o m e t e u u m a v e z q u e ficar ia c o m igo p a r a se m p r e , se le m b r a?
Foi n o alt ar d e u m a igr eja, q u an d o vo cê co lo cav a u m a alian ça e m m e u d e d o .
— M as a g o r a é d ife r e n t e .
— 0 q u e é d ifer e n t e ?
— H o je e u sei o q u a n t o d ói ficar se m v o cê . Sei o q u a n t o é d ifícil o lh a r
v o cê so r r in d o e n ã o p o d e r b eijá- la. Sei o q u a n t o é an gu st ia n t e im a gin ar q u e
o u t r o h o m e m p o ssa e n t r ar e m su a vid a e lev á- la p a r a se m p r e ... p ar a lo n ge d e
m im . Sei c o m o é r u im a c o r d a r à n o it e e n ã o se n t ir o ch e ir o d o se u cab e lo ...
— Eu t a m b é m se n t i e ssas e o u t r a s a n gú st ia s, C a r lo s — La u r a v ir o u - se
n o v a m e n t e p a r a o m a r . — Sin c e r a m e n t e , n ã o sei se v o c ê é a r e sp o st a d e
D e u s p a r a m in h a vid a.
— T e n h o c e r t e z a d e q u e n ã o so u o h o m e m q u e D e u s p r e p a r o u p a r a
v o cê ... P o r é m , se Ele e xist e, c e r t a m e n t e v o cê é a m u lh e r q u e D e u s r e se r v o u
p a r a m im . E u a in d a a a m o , Lau r a.
O silê n cio p a r e c ia c r ia r u m a b a r r e ir a só lid a e n t r e e le s, a t é e la d izer ,
q u ase q u e e m u m su ssu r r o e n t r e o s d e n t e s:
—C ar lo s... E u lh e d o u d u as alt e r n at iv as. P o r favor , e sc o lh a u m a e r e so lv a
lo g o isso — fe z - se n o v a m e n t e o silê n c io . — O u v o c ê m e b e ija, o u v o u m e
jo g a r e m se u s b r a ç o s.
C ar lo s n ã o d e m o r o u p a r a e sco lh e r . C o m a m ão q u e e st av a livr e, se gu r o u
La u r a p e la c in t u r a , v ir o u - a e d e u - lh e u m b e ijo.
C o m o r o st o c o la d o ao d e Biagio n i, La u r a d isse:
—A g o r a v o c ê p o d e m e d a r as flo r e s.
So r r in d o , C a r lo s c o lo c o u o b u q u ê n o p e q u e n o e sp a ç o q u e h av ia e n t r e
ele s. La u r a o a g a r r o u e Biagio n i n o v a m e n t e a b e ijo u .
FLO R ES N O CA IS 1 1 3
RECO N Q UISTA
A o so m d o m a r e r e c o st a d o n a b o r d a d o cais, o casal a p r o v e it o u os
I 1 m o m e n t o s ju n t o s.
— N o s e sq u e c e m o s d a Bia — La u r a d isse.
— Ela já é g r a n d in h a , sab e se c u id a r — C a r lo s r e sp o n d e u e d e u o u t r o
b e ijo e m La u r a .
Em r esp ost a, Lau r a agar r ou a m ã o d e Biagion i e o co n d u ziu p ar a for a d o cais.
—V a m o s c h e ga r assim , d e m ã o s d ad as? — e le p e r g u n t o u .
— N ã o p r e t e n d o e sc o n d e r n o sso n a m o r o d a Be at r iz .
— H u m . . . E n t ã o so u se u n a m o r a d o ? G o st e i d o n o v o staíus!
Foi M u r ilo q u e m n o t o u q u e o s d o is e st a v a m se a p r o x im a n d o e, an t e s
q u e e le s c h e ga sse m , p e r g u n t o u p a r a Bia:
— Se u s p ais n ã o são se p a r a d o s?
—Sã o — a m e n in a r e sp o n d e u .
—Nossa, m as eles se d ão m u it o bem . N u n ca vi e xcasais an d an d o d e m ão s dadas.
Be at r iz v ir o u - se n u m á t im o , v o lt a n d o - se n o v a m e n t e p a r a o lh a r p a r a
M u r ilo e c o c h ic h o u ale gr e :
— A c h o q u e e le s se r e c o n c ilia r a m !
— H o r a d e c r ia n ç a ir p r a c a m a - C a r lo s fa lo u , m a is so r r id e n t e d o q u e
n u n c a . —A m a n h ã n o s e n c o n t r a m o s.
M u r ilo se d e sp e d iu , n o t a n d o q u e Be at r iz q u e r ia ficar u m p o u c o so z in h a
p a r a o u v ir o q u e o s p ais t in h a m p a r a d ize r .
—E e n t ã o , q u e m v ai co n t ar ? —p e r g u n t o u e la, e n q u a n t o o p ai a e m p u r
r av a p e la e st r a d a d e p e d r a .
—Eu t o m e i c o r a g e m , co n fe sse i m e u a m o r p a r a su a m ãe , e la n ã o r e sist iu
e se a t ir o u e m m e u s b r aço s.
— T u d o v e r d a d e , e x c e t o a p a r t e d e e u t e r m e jo g a d o n o s b r a ç o s d e le .
Se u p ai m e a g a r r o u —c o r r igiu Lau r a.
—C e r t o . M as se e u d e m o r a sse u m p o u c o m ais, e la t e r ia se jo g a d o .
—Isso é v e r d a d e .
Lau r a, feliz, o b e ijo u n o r o st o .
Be at r iz n ã o c o n se g u ia a c r e d it a r n a q u ilo . Ver o s p ais ju n t o s n o v a m e n t e
e st a v a m u it o a lé m d e su a s e xp e c t at iv as.
Su b ir a m p e lo e le v a d o r e fo r a m o s t r ê s p a r a o q u a r t o d e Be a t r iz , a ju
d a n d o a filh a a se p r e p a r a r p a r a a n o it e d e so n o . E n q u a n t o se a je it a v a m ,
C a r lo s só t in h a u m p e n sa m e n t o : “ Be n d it o s se jam o s q u a r t o s c o n ju g a d o s.”
D e r a m b o a n o it e p a r a a filh a e sa ír a m p e la p o r t a d a fr e n t e . La u r a a b r iu
o q u a r t o e v ir o u - se , b lo q u e a n d o o v ã o d a p o r t a. D isse:
— Bo a - n o it e , C a r lo s.
— Bo a- n o it e ? E u v o u fe ch ar a c o n t a d o m e u q u a r t o . Q u e r o p a ssa r o
r e st o d e sse s d ias c o m v o cê .
—V o cê v ai e st a r c o m ig o , m a s n ã o n o m e sm o q u a r t o — La u r a d izia o
o p o st o d o q u e t o d o o se u se r d e se ja v a , m a s e la h av ia fir m a d o u m c o m
p r o m isso c o m Je su s: m a n t e r - se p u r a a t é q u e Ele v o lt asse .
—O r a, La u r a , n ó s já n o s c o n h e c e m o s e ...
— N ó s so m o s n a m o r a d o s. E e u lh e fale i so b r e m e u s p r in c íp io s. Você
v ai m e r e sp e it ar ?
— Eu so u se u m a r id o .
—M e u e x - m a r id o —e la d e u ê n fase a o e x. —P ar a e st a r n o m e sm o q u a r t o
q u e e u , só c a sa n d o — e e n t ã o e la so r r iu .
—Eu já m e case i c o m v o c ê — C a r lo s d isse , p e n sa n d o t e r u sa d o o a r g u
m e n t o fin al e v e n c e d o r .
R E C O N Q U I S TA 1 1 5
—Vai t e r q u e ca sar d e n o v o ! — L a u r a d e u - lh e u m “se lin h o ” n o s láb io s
e t r a n c o u a p o r t a , p o is n ã o r e sist ir ia n e m m a is u m se g u n d o .
C a r lo s fic o u ali, o lh a n d o p a r a a p o r t a fe c h a d a e m su a car a. M e n e o u a
ca b e ç a e g r it o u lá d e fo r a:
—Bo a- n o it e . T o m e b a st a n t e su c o d e lim ã o —r iu e p e n so u : “Eu t a m b é m
v o u t o m a r u m .”
Lau r a r e c o st o u - se n a p o r t a . R e sp ir o u , c o r r e u p a r a a e n t r a d a c o n ju g a d a
d o q u a r t o d a filh a, a c e n d e u a lu z e d isse:
—P r e ciso co n v e r sar .
—C o n t a ! C o n t a ! C o n t a ! —Be a t r iz a je it o u - se , se n t a n d o n a c a m a . —V o cê
n ã o d e ix o u e le e n t r a r n o se u q u a r t o ?
—Só c a sa n d o !
A s d u a s r ir a m . Be at r iz n ã o a c r e d it a v a n a q u ilo . O lh o u p a r a a m ã e e a
a d m ir o u m a is d o q u e n u n c a . H av ia u m m o t iv o a m ais p a r a o r g u lh a r - se
d e la ; h av ia u m m o t iv o a m ais p a r a q u e r e r im it á - la .
E n t r a r a m n o it e a d e n t r o c o m u m t i- t i- t i d e m u lh e r e s q u e ja m a is c o n
se g u ir ía m o s n a r r a r .
* * * ★ ★
— C o m o v ã o n o ssa s p e sq u isas? — p e r g u n t o u C a r lo s p e lo t e le fo n e , n a
m a n h ã d o d ia se gu in t e .
—T u d o so b c o n t r o le — r e sp o n d e u G e o r ge . —E c o m o v ã o as fér ias?
— M e u a m ig o , e st ã o p e r fe it as. N e m sei c o m o lh e p agar .
—Su a a le gr ia é m e u p a ga m e n t o * C o n h e c e u a Sar a h ?
— G a r o t a fo r m id á v e l. M u it o in t e lige n t e . T e m a q u e m p u x a r . C o n v e r
sa m o s u m b o c a d o , e e la t e m b o n s a r g u m e n t o s.
— C o n v e r se i c o m e la e st a se m a n a . Ela g o st o u m u it o d e v o cê s. E o s
liv r o s, já leu ?
— Já li o d o St r o b e l e e st o u q u a se t e r m in a n d o o d o N ich o li. O s d ias
t ê m sid o b e m in t e n so s p o r a q u i, G e o r ge . P r a t ic a m e n t e n ã o so b r a t e m p o
p a r a le it u r a . M as h á u m c a p ít u lo n o liv r o d o St r o b e l q u e m e in c o m o d o u .
— I m a gin e i q u e isso a c o n t e c e r ia . E o c a p ít u lo so b r e o in fe r n o ?
— Sim . C o m o ad iv in h o u ?
— Ele t a m b é m m e in c o m o d a r e sp o n d e u G e o r ge , e p r o sse g u iu : — N a
v e r d ad e , esse é u m d o s a sp e c t o s e m q u e d isc o r d o d e St r o b e l e d e o u t r o s
a u t o r e s e v a n gé lic o s. P o r c a u sa d e sse d o g m a , a lgu n s a t e u s n ã o c o n se gu e m
ace it ar a ju st iç a d iv in a. Esp er e u m m in u t in h o q u e v o u p e ga r u m liv r o aq u i
n a e st an t e . —C a r lo s o u v iu o b a r u lh o d o s p a sso s d e G e o r ge d o o u t r o lad o d a
lin h a . —A q u i —d isse G e o r ge , m e io o fe ga n t e n o liv r o 0 Cristianismo è Bom
P ara o M u n d o?, o jo r n a list a a t e u C h r ist o p h e r H it ch e n s d iz o se gu in t e : “N ão
t e n h o co n d içõ es d e p r o v ar a in exist ên cia d e u m a d iv in d ad e q u e su p e r v isio n a
e vigia ca d a m o m e n t o d a m in h a v id a e ir á m e p e r se gu ir m e sm o d e p o is d a
m o r t e .” Q u e m d isse q u e D e u s vai p e r se g u ir o s a t e u s a p ó s a m o r t e d eles?
C a r lo s e st ic o u o b r a ç o a t é o c r ia d o - m u d o , p e go u o liv r o Em D e f e sa da
Fé e o ab r iu n a p á g in a 229.
— G e o r ge , H it c h e n s n ã o é o ú n ic o q u e d isc o r d a d a id e ia d o in fe r n o .
O u ç a e st a c it a ç ã o d e Be r t r a n d R u sse ll: “ N o m e u e n t e n d im e n t o , e xist e
u m d e fe it o m u it o sé r io n o c a r á t e r m o r a l d e C r ist o , q u e é a c r e d it a r n o
in fe r n o . Eu n ã o a c h o q u e u m a p e sso a q u e se ja p r o fu n d a m e n t e h u m a n a
p o ssa cr e r n a p u n iç ã o e t e r n a .” C o n c o r d o c o m R u sse ll. M as p o r q u e v o c ê
c h a m o u o in fe r n o d e “d o g m a ”?
—P o r q u e e le é e xa t am e n t e isso, u m d o g m a , n ão u m a d o u t r in a bíblica. As
p e sso as e n t e n d e m m a l ce r t as d e clar açõ e s d e Je su s e ce r t o s t e x t o s bíblicos. A
Bíb lia n ã o e n sin a q u e p o r c a u sa d e u m a v id a d e c in q u e n t a a n o s d e p e c a d o
a lg u é m t e r á q u e q u e im a r n as c h a m a s e t e r n a m e n t e . É d e sp r o p o r c io n a l e
n ã o c o m b in a c o m o c a r á t e r ju st o e b o n d o so d e D e u s.
— E n t ã o , o q u e a Bíb lia e n sin a so b r e isso? — C a r lo s p e r g u n t o u sin c e r a
m e n t e in t e r e ssa d o , p o is se m p r e o u v ir a fa la r d o in fe r n o c o m o u m lu g a r
d e t o r m e n t o e t e r n o p a r a o n d e o s p e c a d o r e s ir ia m lo g o a p ó s a m o r t e .
—P ar a c o m e ç a r , C a r lo s, as p e sso a s n ã o v ã o p a r a lu g a r a lg u m im e d ia t a
m e n t e a p ó s a m o r t e . Sim p le sm e n t e se d e sfa z e m n u m e st a d o d e a b so lu t a
in con sciên cia, n a se p u lt u r a. O fô le go d e v id a v o lt a p ar a D e u s e o s e le m e n t o s
q u ím ic o s d o c o r p o v o lt a m a o p ó .1
— Be m , e n t ã o a q u i n ó s c o n c o r d a m o s: a m o r t e é o p o n t o fin al d a e xis
t ê n c ia h u m a n a .
—N ão se p r e c ip it e , a m igo . E u n ã o d isse q u e o so n o d a m o r t e d u r a p a r a
se m p r e . N a se g u n d a v in d a d e C r ist o , o s q u e m o r r e r a m c r e n d o n Ele se r ã o
r e ssu sc it a d o s. D e u s c r ia r á u m c o r p o p e r fe it o p a r a e le s e ir á d e v o lv e r - lh e s
o fô le go d e v id a e as m e m ó r ia s.2
— E q u a n t o a o s q u e n ã o c r e r a m e m Je su s? P ar a o n d e e u vo u ?
G e o r ge d e u u m a r isa d in h a d o o u t r o la d o d a lin h a e d isse:
— C a r lo s, e n q u a n t o h á v id a, h á e sp e r a n ç a . D e u s n u n c a v ai a b a n d o n a r
u m filh o e n q u a n t o h o u v e r c h a n c e d e sa lv a ç ã o . V o cê p o d e a in d a n ã o
a c r e d it a r n E le , m a s Ele a c r e d it a e m v o cê .
C a r lo s se n t iu u m c a la fr io a o e sc u t a r n o v a m e n t e a q u e la fr ase . Se r ia
m ais u m a co in cid ê n cia?
G e o r g e c o n t in u o u , alh e io ao su st o d o a m igo :
— D e u s u sa r á t o d o s o s m e io s p o ssív e is p a r a c h a m a r a a t e n ç ã o d e Se u s
filh o s, a in d a q u e se ja p o r m e io d a d o r e d o so fr im e n t o , p e r m it id o s p o r
Ele. So m e n t e d e ix a r ã o d e e xist ir a q u e le s q u e r e c u sa r e m t o d o s o s c o n v it e s
d iv in o s. E c o m o se e st iv e sse m d iz e n d o : uE u n ã o q u e r o v iv e r p a r a se m p r e .
P r efir o d e ix a r d e e xist ir a v iv e r c o m o s r e d im id o s.” Se r á u m a p e n a , u m a
gr a n d e p e r d a , m a s D e u s r e sp e it a r á a d e c isã o d e c a d a u m , c o m o se m p r e
r e sp e it o u a liv r e e sc o lh a d e Se u s filh o s.
— E n t ã o o c a st igo fin al se r á d e ix ar d e e xist ir ?
—Sim , Car los. O fo go q u e co n su m ir á Sat an ás e os p e cad or es im p en it en t es os
d e st r u ir á p a r a se m p r e . Et e r n as sã o as c o n se q u ê n c ias d e sse fo go , n ã o a d u r a
ç ã o d e le . O Sa lm o 37, p o r e x e m p lo , d iz q u e o s ím p io s “n ã o m ais e x ist ir ã o ”,
“d e sv an e ce r ão c o m o fu m a ç a ” e “t o d o s o s r e b e ld e s se r ã o d e st r u íd o s” . A lé m
d isso , o liv r o d e Ju d as, n o N o v o T e st a m e n t o , d iz q u e So d o m a e G o m o r r a
so fr e r a m a p e n a d o fo go e t e r n o , m a s n ã o h á c h a m a s a r d e n d o lá a t é h o je .
— Be m , isso m e p a r e c e m a is ju st o . Se n ã o q u e r v iv e r , q u e n ã o viva.
E n t ã o , d e o n d e v e io a id e ia d o in fe r n o e t e r n o ?
—En t r e o s an t igo s p a gã o s h av ia n o ç õ e s d e u m “o u t r o m u n d o ” n o q u al o s
e sp ír it o s d o s m o r t o s viviam co n scien t es. Essa cr e n ça, so m a d a à n o ç ão d e q u e
e n t r e o s ser es h u m a n o s e xist e m p e sso a s b oas e p e sso a s m á s q u e n ã o p o d e m
co n v iv er p a r a se m p r e ju n t a s, le v o u an t igo s ju d e u s e cr ist ã o s a c r e r e m q u e ,
a lé m d o p a r a íso p a r a o s b o n s, e xist e t a m b é m u m in fe r n o p a r a o s m a u s. N a
lit e r a t u r a gr e c o - c lá ssic a a p a r e c e m a lu sõ e s a u m lu g a r d e t o r m e n t o p a r a
os m a u s. P o r e x e m p lo , a Odisseia d e H o m e r o d e scr e v e a fict ícia v iage m d e
U lisse s à r e gião in fe r io r d o H ad e s, o n d e e le m a n t é m d iá lo g o c o m a a lm a
d e v ár io s m o r t o s q u e so fr ia m p e lo s m a u s a t o s d e le . T a m b é m P lat ão , e m
su a o b r a A R e p ú b lic a, ale ga q u e “n o ssa a lm a é im o r t a l e n u n c a p e r e c e ” .
In fe liz m e n t e , h á m u it o p a ga n ism o m ist u r a d o às c r e n ç a s c r ist ã s at u ais.
P or isso é n e c e ssá r io e st u d a r a Bíb lia e d e ix a r q u e e la e x p liq u e a si m e sm a .
D e r e p e n t e , o c o r r e u u m p e n sa m e n t o a C ar lo s: “Se o m a l te ve u m in ício,
m a s n ã o t e r á fim , n ã o sign ifica isso q u e D e u s é in cap az d e e r r ad ic á- lo , a fim
d e c o n d u z ir o U n iv e r so à p e r fe iç ã o o r igin a l d e sc r it a p e lo s cr ia c io n ist a s?”
Ele p o d ia n ã o c r e r ain d a e m t u d o a q u ilo , m a s u m a c o isa n ã o c o n se gu ia
d e ixar d e r e c o n h e c e r : as p a la v r a s d e G e o r g e fa z ia m se n t id o .
—E q u a n t o a o liv r o d o N ich oli, o q u e e st á ach an d o ? - p e r gu n t o u G e o r ge .
— O liv r o é m u it o b o m . E m e a ju d o u a e n t e n d e r a lg u m a s co isas so b r e
m im m e sm o . C o m o v o c ê sab e, o a u t o r é p siq u ia t r a e a fir m a q u e t o d o s n ó s
t e m o s a lg u m co n flit o c o m o s n o sso s p ais e, p o r t a n t o , t a m b é m a lg u m a
am b iv alê n c ia e m r e la ç ã o à a u t o r id a d e . Se g u n d o N ich o li, F r e u d p o d e at é
e st ar c e r t o e m d ize r q u e o s se n t im e n t o s p r e c o c e s e m r e la ç ã o à a u t o r id a d e
d o s pais in flu e n ciam n o sso co n ceit o e at it u d e e m r elação a D eu s. Eles p o d e m
d e t e r m in a r se, n a id ad e a d u lt a , t e n d e r e m o s a se r ab e r t o s p a r a a a u t o r id a d e
o u av e sso s e fe c h a d o s at é p a r a a p o ssib ilid ad e d e u m a a u t o r id a d e ú lt im a.
— C ar lo s, im a gin o q u e vo cê já t e n h a lid o a p ar t e q u e d iz q u e o a t e ísm o
d e Fr e u d e o a t e ísm o q u e C. S. Lew is a b r a ç o u p o r u m t e m p o p o d e m ser
e xp lic a d o s, e m p a r t e , c o m b ase n o s se n t im e n t o s n e g a t iv o s q u e a m b o s
a lim e n t a r a m d e sd e ce d o p e lo s p ais. F r e u d e Lew is d e sc r e v e m se n t im e n t o s
fo r t e m e n t e n egat ivos e m r elação aos seu s p ais n a in fân cia. E am b o s associavam
o s p ais c o m a v isão d e m u n d o e sp ir it u al q u e e les r e je it ar am n a m o cid ad e .
Se m q u e r e r , C a r lo s v o lt o u m a is u m a v e z ao p a ssa d o , à q u e la n o it e q u e
p a sso u n a e sc u r a d e sp e n sa d e m a d e ir a d e p o is d e le v ar u m a su r r a d o p ai.
En tão, p e r gu n t o u :
— G e o r ge , c o m o v o c ê sab ia q u e e sse liv r o m e d ar ia u m a r e sp o st a?
— Eu a p e n a s im a gin e i q u e p u d e sse , já q u e v o cê n ã o fala m u it o d o se u
p a ssa d o . D e p o is o r e i p a r a q u e D e u s fa la sse ao se u c o r a ç ã o a t r a v é s d a lei
t u r a. Sab e, a m igo , F r e u d e Lew is e x p e r im e n t a r a m gr a n d e d ific u ld a d e c o m
a a u t o r id a d e , m a s Lew is se a b r iu a o c o n h e c im e n t o d e D e u s e se lib e r t o u
d e ssa h e r a n ç a e d e sse b lo q u e io . F r e u d , a o q u e t u d o in d ica, n ã o , e m b o r a
e m a lg u m a s d e su a s o b r a s e, p r in c ip a lm e n t e , e m c a r t a s p e sso a is vivesse
u sa n d o e xp r e ssõ e s r e ligio sas e t o c a n d o n o a ssu n t o q u e p ar e cia q u e r e r e v it ar
e xp licit am e n t e : D e u s. O Se n h o r le v a e m c o n t a n o sso s t r a u m a s e b lo q u e io s,
p o r isso n o s o fe r e ce a c h an ce d e u m a v id a n o v a, d e c u r a, d e r e st a u r a ç ã o .
I m a g in a n d o q u e G e o r ge p o d e r ia lh e faz e r a lg u m t ip o d e ap e lo r e ligio so
m ais d ir e t o , C a r lo s m u d o u r a p id a m e n t e d e a ssu n t o :
— G e o r g e , t e n h o u m a n o v id a d e p a r a lh e co n t ar .
—O q u ê ?
—E u b eijei a Lau r a.
—O q u ê?!
— E. A g o r a so m o s n a m o r a d o s. A cr e d it a?
— N ã o . E c lar o q u e n ã o ac r e d it o .
— Q u a n d o c h e ga r aí e u lh e c o n t o o s d e t a lh e s. P o r e n q u a n t o , G e o r ge ,
só p o sso lh e d iz e r u m a co isa: o b r iga d o !
O s d ois d ias q u e se se gu ir am fo r am in fin it am en t e m e lh o r e s q u e o s an t e r io
res, p o is h avia u m se n t im e n t o a m ais n a fam ília Biagio n i: a m o r . T u d o p ar e cia
m e lh o r e m ais divertido. T u d o par ecia m ais co m p let o . M u r ilo e Beatriz o p t ar am
p e la am izad e . Se o fu t u r o p e r m it isse , ir iam n a m o r ar , m a s n e n h u m d o s d ois
q u e r ia viver ap e n as u m r o m an ce d e ver ão. Bia sen t ia- se in sp ir ad a p e la m ãe ,
p ois acr ed itava q u e r ealm en t e valia a p e n a e sp er ar o m o m e n t o cer t o p ar a t u d o.
N a n oit e d o se gu n d o dia ap ó s o in ício d o n a m o r o d o casai, C ar lo s r e se r v o u
u m ja n t a r r o m â n t ic o n o resort. N u m a m b ie n t e a gr a d á v e l, d e ilu m in a ç ã o
p e r fe it a e so m v in d o d e u m p ia n o , Biagio n i e La u r a co n v e r sa v a m .
Q u a n d o já e st a v a m n a m e t a d e d a r e fe iç ã o , C a r lo s a p r o v e it o u u m
g a n c h o d a c o n v e r sa e d isse:
— C r e io q u e o gr a n d e d e sa fio n ã o é c o m e ç a r a lg u m a co isa. E r e c o m e
çar . N ã o é p a r t ir p a r a n o v as c o n q u ist a s, é r e c o n q u ist a r o q u e se p e r d e u .
—E o q u e v o c ê e st á faze n d o ?
—Sim . Q u e r o r e c o m e ç a r c o m v o cê . La u r a , case - se c o m ig o n o v a m e n t e .
La u r a n ã o t e v e r e sp o st a im e d ia t a . D ige r iu a q u e st ã o e d isse:
— C o m e ç a m o s a n o s r e la c io n a r h á d o is d ias...
— N ã o . C o m e ç a m o s a n o s r e la c io n a r h á m u it o t e m p o .
— P o d e m o s ir m a is d e v agar . N ã o h á m o t iv o s p a r a t e r m o s p r e ssa.
— E n t ã o m e d ê u m m o t iv o p a r a n ã o t e r p r e ssa — C a r lo s in sist iu , e e la
n ã o r e sp o n d e u . —Viu ? N ã o h á m o t iv o s.
1 2 0 A D E 5 C D B E R TA
—H á u m . M e d o . T e n h o m e d o d e m e d e c e p c io n a r d e n o v o c o m v o cê .
M e d o d e q u e v o c ê fiq u e fr io e d ist a n t e m a is u m a vez.
—Se isso a c o n t e c e r , faça o q u e v o c ê n ã o fez n a p r im e ir a v e z q u e d e cid i
se r u m id io t a.
— O q u e e u n ã o fiz, C ar lo s?
—V o cê n ã o m e b u sc o u . Eu e r r e i, La u r a . C o n fe sso c a d a u m d o s e r r o s
q u e c o m e t i, m a s v o c ê t a m b é m c o m e t e u u m e r r o : v o c ê fico u o lh a n d o
e n q u a n t o e u m e d ist an ciav a. Fico u p a ssiv a d ia n t e d o a b a n d o n o .
— O q u e e u p o d ia fazer ? P r o c u r á - lo e se r r e je it ad a?
—P r ocu r ar - in e e ter a cer teza d e q u e fez d e t u d o p ar a n ão p e r d e r seu m ar id o.
—E st á b e m . C o n fe sso q u e e r r e i. F e c h e i- m e n u m m u n d in h o fú t il d e faz
d e c o n t a e a ch e i q u e p o d ia le v ar a v id a a ssim , v azia. E u d e v ia t e r lu t a d o
p o r v o c ê , m e sm o sab e n d o q u e n ã o a d ia n t a r ia n ad a.
—'Você t e m r azão. Eu n ão voltaria, p ois n ão lh e dava o valor q u e você m erecia.
—E, a in d a a ssim , v o c ê a c h a q u e e u d e v e r ia a r r isc a r t u d o d e n o v o ?
— A ch o .
— Q u e g a r a n t ia t e n h o d e q u e d a r á ce r t o ?
— N e n h u m a - C a r lo s foi sin ce r o —, p o is assim são o s r e la c io n a m e n t o s.
A ge n t e se a r r isc a, se e n t r e ga . N in g u é m p o d e a fir m a r q u e u m c a sa m e n t o
d a r á c e r t o , a n t e s d e se casar .
—E, m a s h á t e r m ô m e t r o s q u e in d ic a m a p r o b ab ilid a d e d e d a r c e r t o o u
e r r a d o . E m a lg u m a s sit u aç õ e s, n ã o c o m p e n sa o r isco.
—E n a n o ssa sit u a ç ã o , v ale ar r iscar ?
—P o r fa v o r , n ã o m e lev e a m a l, m a s a in d a p r e c iso p e n sa r .
La u r a se n t iu - se m a l e m d a r a q u e la r e sp o st a , m a s p r e c isa v a r e fle t ir e m
o r a ç ã o u m p o u c o m ais. C a r lo s ain d a p r e cisav a r e av aliar u m a sp e c t o d e su a
v id a q u e e r a e x t r e m a m e n t e r e le v a n t e p a r a a q u e la m u lh e r cr ist ã. Ela n ã o
sab ia, m a s e sse d ia d e d e c isã o fin al, p e lo sim o u p e lo n ã o , e st a v a m u it o ,
m u it o p r ó x im o , p o is, m ais u m a ve z, a lg o m u d a r ia su a s vid as.
1 G ê n e si s 2 :7 ; 3 :1 9 ; E z e q u i e l 18:4 ( s e g u n d o e sse t e x t o , a a l m a / p e ss o a é m o r t a l ) ; E c l e si a st e s 9 :5 ,6 ;
S a l m o 146:4. U m b o m l i v r o s o b r e o a s s u n t o é o V ida Para Sempre ( w w w .c p b . c o m . b r ).
2 1 T e s s a l o n i c e n s e s 4 :1 6 ; 1 C o r í n t i o s 15:51
M EN SAGEM DIVINA
ar lo s n ã o se d e ixo u ab at er p e la r e sp o st a d e Lau r a e se g u iu n o r m a lm e n t e
C n o s d ias q u e ain d a t in h a m d e fé r ias. N a se x t a - fe ir a d a q u e la se m a n a ,
Sar a h a lm o ç o u c o m eles.
— Est e é o e n d e r e ç o q u e v o c ê m e p e d iu — d isse a b ió lo ga , e n t r e g a n d o
u m a a n o t a ç ã o p a r a Lau r a.
- V o c ê e st a r á lá?
—Sim ! V a m o s o M a u r o e e u . V o cês p o d ia m p a ssa r o p ô r d o so l d e h o je
c o n o sc o .
—O q u e v o c ê a ch a, C a r lo s? —La u r a p e r g u n t o u p a r a Biagio n i q u e e st av a
se n t a d o a o la d o .
— O q u e v o c ê a c h a r m e l h o r — e le r e sp o n d e u .
—P o d e m o s p a ssa r u m a p a r t e d a n o it e c o m Sa r a h e a m a n h ã c e d o q u e
r e m o s ir a u m a igr e ja a d v e n t ist a n a c id ad e . V o cê v e m co n o sc o ?
—Fa z m u it o t e m p o q u e n ã o e n t r o n u m a igr e ja ...
—Se r ia u m a b o a o p o r t u n id a d e — d isse Be at r iz , q u e o u v ia a c o n v e r sa .
— C e r t o . Irei c o m v o cê s.
N aq u ela n oite, os três fo r am p ar a a casa d e Sar ah . Er a u m ch alé n a vila d os
fu n c io n ár io s, sit u a d o ao s fu n d o s d o resort, ao p é d a m o n t a n h a . O c h e ir o d a
m a r e sia m ist u r a v a - se a o d as p la n t a s d a e n c o st a d a m o n t a n h a , e as lu z e s
d as casas cr iav am gr an d e s so m b r as n o ce n ár io o r n a m e n t a d o n a t u r a lm e n t e .
Se n t a r a m - se n a v a r a n d a d o c h alé , se n t in d o o c h e ir o d e a lg o q u e v in h a
d o fo r n o . Sa r a h a je it o u u m a m e sa d e c e n t r o , r o d e ad a p o r cad e ir as. M au r o
le u u m t e x t o b íb lico e fez u m b r e v e c o m e n t á r io . C a d a u m a gr a d e c e u a lgo
e sp e cial, e q u a n d o c h e go u a v e z d e C a r lo s, e le d isse:
— A gr a d e ç o p o r e st a r aq u i c o m v o c ê s.
—Você a gr a d e c e a q u e m p o r isso , p ai? — Bia p e r g u n t o u .
— A gr a d e ç o a o G e o r ge , q u e n ã o e st á a q u i. A Sa r a h e a o M a u r o , p e lo
co n v it e . A v o c ê , Bia, e à La u r a , p o r a c e it a r e m e st a r c o m igo . E se D e u s
e xist e , e u t a m b é m Lh e a gr a d e ç o .
C a n t a r a m u m h in o e Biagio n i at é a r r isc o u u m a e st r o fe . Fiz e r am u m a
o r a ç ã o e Sar a h le v a n t o u - se p a r a c o lo c a r o s alim e n t o s n a p e q u e n a m e sa d e
ce n t r o , r e c u sa n d o a ju d a d e q u a lq u e r p e sso a . Se r v iu p ã o in t e gr a l r e cé m -
assad o, a c o m p a n h a d o d e u m a p e q u e n a var ied ad e de p at ês, fr u t as e cast an h as.
A n o it e fo i g o st o sa , c o m c o n v e r sa d e sc o n t r a íd a e n t r e a m igo s. C a r lo s
g o st o u d e M a u r o e v iu q u e t in h a m m u it o e m c o m u m , e sp e c ia lm e n t e
o g o st o p o r ciê n cia. N o c a m in h o d e v o lt a p a r a o h o t e l, Lau r a e xp lic o u :
—Você sab e q u e so m o s ad v e n t ist as d o sé t im o dia. O b se r v a m o s o sáb ad o
c o m o d ia d e a d o r a ç ã o e sp e c ia l a o D e u s C r iad o r .
E o d ia e m q u e v o c ê s n ã o fa z e m n a d a , n ã o é?
—E o d ia e m q u e fa z e m o s t u d o o q u e n ã o c o n se gu im o s faz e r n o s o u t r o s
d ias d a se m a n a , p o r c a u sa d a c o r r e r ia d o t r a b a lh o e d as a t iv id a d e s d o d ia
a d ia - Bia c o r r igiu .
—E p o r q u e isso? — C a r lo s q u is sab er .
Fo i La u r a q u e m e xp lic o u :
—D e u s cr io u o m u n d o e m seis dias e r eser vou o sét im o c o m o d ia d e r ep ou so
e ad o r ação . Ele sab ia q u e n o sso c o r p o p r e cisa d e u m t e m p o d e r e n o v ação e
q u e n o ssa m e n t e p r e c isa d e u m m a r c o p a r a se le m b r a r d e q u e m fe z o s
cé u s e a T e r r a. Esse m o n u m e n t o n o t e m p o é o sáb ad o , o d ia d e d e sc a n so
e d e e n c o n t r o c o m o C r iad o r .
— P ar ece sim p le s — C a r lo s d isse. — M as p o r q u e a m a io r ia d o s c r ist ão s
d e sc a n sa n o d o m in g o ?
M EN SAGEM D IV IN A 1 2 3
— M e r a t r a d iç ã o h e r d a d a d o p a g a n ism o , q u e g u a r d a v a o d ia d o So l, o
p r im e ir o d ia d a se m a n a —Be at r iz e xp lico u d a c ad e ir a d e r o d as q u e c h a c o a
lh a v a n a ir r e gu la r e st r a d a d e p e d r a s, e C a r lo s se le m b r o u d a co n v e r sa c o m
G e o r ge . —Isso é h ist ó r ic o , p ai. V o cê p o d e c o n fir m a r le n d o b o n s liv r o s. D e
a c o r d o c o m a Bíb lia, o sáb a d o , o sé t im o d ia, fo i e st a b e le c id o n a c r ia ç ã o ,1
fixad o n o s d e z m a n d a m e n t o s2 e g u a r d a d o p o r Je su s e p e lo s a p ó st o lo s, se m
q u a lq u e r t ip o d e r e v o g a ç ã o o u m u d a n ç a .3
C h e g a r a m ao h o t e l e fo r a m p a r a se u s r e sp e c t iv o s q u a r t o s, p o is a c o r
d a r ia m m a is c e d o n o d ia se gu in t e .
N a m a n h ã d o o u t r o d ia, c o m o se m p r e , Be a t r iz e La u r a e sp e r a r a m à
p o r t a d o q u a r t o d e C a r lo s, p o is e le e st a v a a t r a sa d o . Sa iu v e st in d o c a lç a
d e sa r ja p r e t a e u m a c a m isa n a m e sm a cor .
—V o cê e st á e le ga n t e — La u r a o b e ijo u .
A fam ília d e sce u p e lo e le v ad o r e foi d ir e t a m e n t e p a r a o e st ac io n a m e n t o ,
o n d e e st a v a o Lan d H o v e r . Sa ír a m d a á r e a d o resort, e n c o n t r a n d o o c a r r o
d e M a u r o q u e o s e sp e r av a n a e n t r a d a d a a u t o e st r a d a . Se g u ir a m , e n t ã o ,
p a r a a c id ad e .
La u r a a b r iu u m a lan c h e ir a e t ir o u fr u t a s q u e h av ia se p a r a d o n o r e s
t a u r a n t e , n o d ia an t e r io r .
—N o sso café d a m a n h ã — fa lo u e d ist r ib u iu as fr u t a s.
—Eu q u e r o u m a c a r a m b o la — C a r lo s p e d iu e a b o c a se e n c h e u d e á gu a
só d e p e n sa r n o a z e d u m e d a fr u t a . Fez c a r e t a q u a n t o a m o r d e u .
—O d e io c a r a m b o l a —Bia r e sm u n g o u d o b a n c o d e t r ás. —N ã o sei c o m o
v o c ê go st a .
C a r lo s se gu iu o c a r r o d e M a u r o , q u e e n t r o u n a c id ad e lit o r â n e a e t r a
fe go u p o r r u a s e m ais r u as. F in a lm e n t e , e n t r o u n u m b air r o a t é e st a c io n a r
d ia n t e d e u m p e q u e n o p r é d io c o m v it r a l c o lo r id o n a fr e n t e .
- E , p ar ece u m a igr e ja —Car los disse, olh an d o p ar a a sim ples e bela con st r u ção.
Biagio n i, e m p u r r a n d o Be a t r iz e a o la d o d e La u r a , e n t r o u p e lo p o r t ã o
e a lc a n ç o u o h all d a r e c e p ç ã o , se n d o c u m p r im e n t a d o p o r u m c a sa l q u e
lh e s d e u b o a s- v in d a s. Sa r a h a p r e se n t o u - lh e s o c a sa l e se n t a r a m - se n o s
a c o n c h e ga n t e s b a n c o s d a igr e ja .
A p r o g r a m a ç ã o se gu iu n o r m a lm e n t e , c o m C a r lo s o b se r v a n d o c a d a
d e t a lh e e Bia su ssu r r a n d o - lh e o sign ific ad o d e c a d a m o m e n t o , c o m o se
fo sse u m g u ia t u r íst ic o . N a p r im e ir a h o r a , h o u v e u m b a t e - p a p o n u m
p e q u e n o g r u p o . C o n v e r sa r a m so b r e u m t e m a d a Bíb lia. Biagio n i a p e n a s
o u v ia, c o n c o r d a n d o c o m a lg u m a s co isas, d isc o r d a n d o d e o u t r a s e n ã o
t e n d o o p in iã o so b r e a lg u n s a ssu n t o s t r a t a d o s.
D e p o is d e t o d a a lit u r gia in icial q u e p r e p a r a v a o q u e c h a m a v a m d e
“c u lt o d iv in o ” , Be a t r iz n o v a m e n t e c o c h ic h o u :
—A q u e le é o p r e g a d o r . Ele é q u e m fa r á o se r m ã o d e h o je .
C a r lo s r e c o st o u - se n o b an co , e I.au r a c o lo c o u a c a b e ç a e m se u o m b r o ,
se g u r a n d o - lh e a m ã o . A q u ilo fo i r e a lm e n t e c o n fo r t a n t e .
A p ó s o s c u m p r im e n t o s in iciais, o p a st o r E m a n u e l c o m e ç o u o se r m ã o :
“C a d a u m d e n ó s t e m su a h ist ó r ia, su a s lu t a s, v it ó r ia s, c o n q u ist a s e
d e r r o t a s. C a d a u m d e n ó s t e m se u s m o m e n t o s d e fo r ç a e m o m e n t o s d e
fr a q u e z a . C a d a u m t e m su a s p e r g u n t a s e r e sp o st a s. N e st e m u n d o , t e m o s
ale gr ias in d e sc r it ív e is e d o r e s in su p o r t á v e is. M as o q u e r e a lm e n t e n o s
im p o r t a ? O q u e r e a lm e n t e faz e st a v id a v a le r a p e n a? P e lo q u e v o c ê lu t a?
P elo q u e v o c ê vive? P or q u e v o c ê e st á a q u i h oje?
“P o d e r ía m o s p r o p o r u m a sé r ie d e q u e st õ e s, m a s n ã o c o n se g u ir ía m o s
r e sp o n d e r à m a io r ia d e las. O m u n d o é m o v id o p o r p e r g u n t a s q u e e le
m e sm o n ã o c o n se g u e r e sp o n d e r .
“Q u ais são as su a s p e r gu n t a s? Você e n t r o u aq u i c o m a lg u m q u e st io n a
m e n t o , c o m a lg u m a d o r , c o m a lg u m a d ú v id a? A su a v id a é u m a p e r e gr i
n a ç ã o e m b u sc a d e r e sp o st a s, d e p az, d e b ê n çãos?
“E isso q u e D e u s t e m r e se r vad o p a r a você? Ele t e m r e sp o st as, t e m b ên çãos
fin an ce ir as, t e m c u r a p a r a su a d o e n ç a , t e m r e st a u r a ç ã o p a r a su a fam ília?
“Sin c e r a m e n t e , n ã o sei se Ele vai lh e o fe r e c e r t u d o isso . P o r é m , sei q u e
D e u s Se p r e o c u p a c o m c a d a u m d e n ó s. E o q u e isso sign ifica? Sign ific a
q u e Ele r e so lv e r á n o sso s p r o b le m a s e r e sp o n d e r á a t o d a s as d ú v id a s e
q u e st õ e s? Sign ific a q u e Ele m a n d a r á t o d o s o s sin ais q u e c o b r a m o s p a r a
a c r e d it a r e m Su a e xist ê n cia? Sign ific a q u e Ele n o s liv r a r á d e t o d a d o r e d e
t o d o m a l d e st e m u n d o ?
“P e r m it a m - m e le r u m a c it a ç ã o :
“‘M u it o s c r ist ã o s c a e m n o q u e J. I. P ack e r c h a m a d e Er r o d e Sin ale ir a
d e Yor k . N o p á t io d e m a n o b r a s d e t r e m n a c id ad e d e N o v a Yor k , h á u m
c e n t r o d e c o n t r o le c o n t e n d o u m p a in e l e le t r ô n ic o q u e m o st r a , p o r m e io
M EN SAGEM D IV IN A 1 2 5
d e lu zes, a p o siç ão d e c a d a t r e m n o p át io d e m an o b r as. N a t o r r e d e c o n t r o le ,
a lg u é m q u e vê o p a in e l t o d o p o d e e n t e n d e r e x a t a m e n t e p o r q u e u m t r e m
esp ecífico fo i c o lo cad o n u m d e t e r m in ad o lu gar o u p o r q u e o u t r o t r e m fic o u
n u m d e sv io e m o u t r o lu g a r , a in d a q u e , p a r a a lg u é m q u e fica n o m e sm o
p a t a m a r d o s t r ilh o s, o s m o v im e n t o s d o s t r e n s p o d e m p ar e ce r in exp licáveis.
O c r ist ã o q u e q u e r sab e r p o r q u e D e u s p e r m it e c a d a fr a c a sso e m su a v id a
t e m p e d id o , d iz P ack er , p a r a e st a r n a caixa d e sin al d c D e u s. T o d av ia, t a n t o
e m t e m p o s b o n s c o m o m a u s, n ã o t e m o s a c e sso a ela. P o r t a n t o , é in ú t il
n o s t o r t u r a r m o s t e n t a n d o d e sc o b r ir a r a z ã o p e la q u a l D e u s p e r m it iu q u e
e st e o u a q u e le d e sa st r e a b a t e sse n o ssa s v id a s.’”4
Se n t a d o e m se u b an co , C a r lo s se id e n t ificav a c o m a lg u n s t r e c h o s d a
m e n sa g e m . C o n t in u o u a t e n t o a o p a st o r , p o is e le a in d a n ã o t in h a t e r m i
n a d o o se r m ã o , e a m e n sa g e m d a q u e la m a n h ã fa la r ia a in d a m a is fo r t e a o
se u c o r a ç ã o . Se m q u e e le so u b e sse , o E sp ír it o Sa n t o , o D e u s e m q u e m e le
n ã o ac r e d it a v a , e st a v a a gin d o .
1 G ê n e s i s 2.-2, 3
2 Ê x o d o 2 0 :8 - 1 1
3 M a t e u s 5 :1 7
4 J. 1. P a c k e r , Ktw w m g God, p . 1 1 0 ,1 1 1 , c i t a d o p o r W i l l i a m L a n e C r a i g , A pologética Para Questões

D ifíceis áa V ida, p . 75.
REENCO NTRO
p a st o r E m a n u e l c o n t in u o u : “N e m se m p r e t e m o s sin ais. N e m se m p r e
□ p o d e m o s t o c a r as fe r id as d e D e u s, c o m o T o m é p ô d e t o c a r as fer id as d e
Je su s r e ssu scit ad o . Você co n h e ce a h ist ó r ia d e T o m é. Ele d u v id o u d a r e ssu r
r eição d e C r ist o . En t ão Jesu s a p ar e ce u d ian t e d e le e disse: ‘Põe aq u i o d e d o e
vê as M in h a s m ã o s; ch e ga t a m b é m a m ã o e p õ e - n a n o M e u lad o ; n ã o sejas
in cr é d u lo, m a s cr e n t e ’ (João 20:27). T o m é p ô d e t o car Jesu s e cr e r a p ar t ir disso.
“N e m se m p r e se n t im o s o o lh a r d e Je su s d iz e n d o q u e n o s p e r d o a , assim
c o m o P e d r o se n t iu . A p ó s n e ga r t r ê s v e ze s o M e st r e , P ed r o p ô d e d izer , t r ê s
v e ze s, p e sso a lm e n t e a Je su s q u e O a m a v a (Jo ã o 21:15-17).
“Se n ã o t e m o s a o p o r t u n id a d e q u e e sse s d isc íp u lo s t iv e r a m , o q u e n o s
r est a? T e m o s a p e n a s q u e c o n fia r n A q u e le q u e co n v id a: Lan çai so b r e Ele
[D eu s] t o d a a v o ssa an sie d ad e , p o r q u e Ele t e m c u id a d o d e v ó s (1 P ed r o 5:7).
“Ah , m e u s q u e r id o s, isso n ã o é n a d a fácil q u a n d o d o r , v io lê n cia, m o r t e ,
cr ise, ir a, t r a iç ã o e t o d a so r t e d e m a le s b a t e m à n o ssa p o r t a .
“Isso já a c o n t e c e u c o m igo . Já fiqu ei e n d ivid ad o , c o m m e u filh o in t e r n ad o
n u m h osp it al c o m leu cem ia, c o m co b r an ças n o m e u t r ab alh o , p o is os ir m ão s
n ã o e st a v a m c o n t e n t e s c o m m e u m in ist é r io , c o m co n flit o s e m m e u lar.
R E E N C O N TR O 1 2 7
“C e r t o d ia, c h e gu e i à m in h a c a sa e, q u a n d o ia e n t r a n d o , e sc u t e i m in h a
e sp o sa gr it a n d o lá d e n t r o . Ela e st a v a b r igan d o c o m m in h a filh a m ais n o v a.
Eu n ã o q u e r ia e n t r a r e m m in h a casa. Fiq u ei n o p o r t ã o , m e a sse n t e i n o
c h ã o e c lam e i: ‘M e u D e u s, faze T u a o b r a e m m in h a vid a. R e st a u r a m in h a s
fin an ças, r e st a u r a m in h a fam ília e m e u t r a b alh o , salv a a v id a d o m e u filh o.
Eu n ã o t e n h o m ais fo r ç as p a r a se gu ir . P r e ciso d e u m m ila g r e .’
“M e u s ir m ã o s, as p e sso a s fa la m q u e o u v ir a v o z d e D e u s é u m a d a s
m e lh o r e s e xp e r iê n c ia s q u e a lg u é m p o d e t e r . N a q u e la n o it e , e u se n t i a
r e sp o st a d e D e u s, m a s, q u a n d o a sen t i, e u ch o r e i.
“A r e sp o st a foi u m a fr a se d e P au lo , q u e e st á e m 2 C o r ín t io s 12:9: lA
M in h a g r a ç a te b a st a .’
“E u d e sa b e i. N ã o h av ia m ila g r e s p a r a m im n a q u e le d ia. N ã o h a v ia
sin ais. Eu n ã o ir ia t o c a r as fe r id as d e Je su s p a r a t e r fé, o u se n t ir Se u o lh a r
d e a m o r . A g r a ç a d Ele t e r ia q u e m e b ast ar .
“En t ão sen t i n o v a m e n t e a im p r e ssã o e m m in h a m e n t e . U m a p e r gu n t a :
‘V ocê vai c o n t in u a r c o m ig o o u v ai se gu ir so z in h o ?’”
O p a st o r fe z u m a p a u sa . E st a v a v isiv e lm e n t e e m o c io n a d o , c o m a v o z
e m b a r ga d a p e la le m b r a n ç a d a q u e le m o m e n t o . R e c o b r o u - se e c o n t in u o u :
‘“ M e u D e u s, n ã o t e n h o n e m fo r ç a s p a r a c o n t in u a r ’, a ga c h a d o , e m
p r a n t o s n a c a lç a d a d e casa, e u o r e i. ‘M as, se a T u a g r a ç a é a T u a p r e se n ç a ,
e u a q u e r o . C o m o u se m b ê n ç ã o s, c o m o u se m m ila gr e s, c o m o u se m
r e sp o st a , e u n ã o v o u Te d e ix a r .’ Le v an t e i- m e a r r a sa d o . En t r e i e m c a sa
c o m m in h a e sp o sa fa la n d o e m n ã o su p o r t a r m ais t u d o a q u ilo . E la q u e r ia
o d iv ór cio. D o is m ese s d e p o is, m e u car r o fo i p e n h o r a d o . Tr ês m e se s d e p ois,
e n t e r r e i m e u filh o. Ele n ão r e sist iu ao t r a t a m e n t o . N ã o m e le m b r o d e u m a
n o it e t ã o e sc u r a e m m in h a v id a. M as e u t in h a a g r a ç a d e D e u s c o m ig o .
Eu se n t ia o silê n cio d Ele e m e le m b r a v a d o r e st a n t e d o v e r so q u e Ele m e
su ssu r r o u n a q u e la n o it e : ‘P o r q u e o p o d e r se a p e r fe iç o a n a fr a q u e z a . D e
b o a v o n t a d e , p o is, m ais m e g lo r ia r e i n as fr a q u e z a s, p a r a q u e so b r e m im
r e p o u se o p o d e r d e C r ist o ’ (2 C o r ín t io s 12:9).
“C o m o t e m p o , r e c o n q u ist e i m in h a e sp o sa . P agu ei m e u s e m p r é st im o s
e r e e st r u t u r e i m e u m in ist é r io . Q u a n d o p e n so e m m e u filh o , t e n h o e sp e
r an ç a d e a b r a ç á - lo q u a n d o Je su s v o lt a r , p o is e le e r a u m m e n in o d e D e u s.
“O m ila gr e n ã o foi fe it o o n d e e u p e d i e c o m o e u p e d i, m as h o je e n t e n d o
q u e o m ila g r e so u e u ! O m ila gr e é e u t e r a c e it a d o a g r a ç a d e D e u s, c o n
fiad o n Ele , d e p o sit a n d o m e u fa r d o so b r e Ele. O m ila gr e so u e u aq u i, n est e
p ú lp it o , fa la n d o d e sse D e u s q u e só m e o fe r e c e u Su a gr aç a.
“O q u e v o c ê p r o c u r a ? Q u al o m ila g r e q u e v o c ê q u e r ? Q u a l a r e sp o st a
q u e v o c ê q u e r e n c o n t r a r ? O m ila g r e é v o c ê n e st a ig r e ja h o je . C o m d o r ,
e sp a n c a d o p e lo p e c a d o , v o c ê e st á aq u i h o je , c h o r a n d o c o m ig o e n q u a n t o
c o n t o e st a h ist ó r ia . Se m e sp e r a n ç a n e n h u m a , c o m a fé e sc a p a n d o - lh e
p e lo s p o r o s, se n t in d o q u e D e u s n ã o lh e o u v e m ais; m as v o c ê e st á aq u i,
b u sc a n d o , q u e r e n d o m ais d e D e u s.
“Ele t e m u m p r e se n t e p a r a v o c ê h o je . N ã o são m ilagr e s, n ã o sã o r e sp o s
t as, n ã o são b ê n ç ã o s. Ele o fe r e ce a v o c ê a g r a ç a , q u e é a sim p le s p r e se n ç a
d e D e u s e m su a v id a, e lh e d iz: 'a M in h a g r a ç a te b a st a '."
“V o cê o u v ir á u m a m ú sic a a go r a. Se v o c ê a c e it a e sse p r e se n t e d e D e u s,
p o r fav o r , v e n h a a t é aq u i, p o is q u e r o o r a r p o r v o c ê .”
U m a m ú sic a b o n it a e su ave e n c h e u o am b ie n t e . C ar lo s e st a v a in q u ie t o .
A q u ilo o h av ia t o c a d o d e a lg u m a fo r m a . A ce it ar a p r e se n ça d e D e u s p ar e cia
algo sim p les, m as m ar av ilh o so . C r e r q u e h á u m D e u s ao seu lad o , u m a jlid a
d o r d e ver d ad e; n ã o e st ar m ais so z in h o ; p e r d o a r e ser p e r d o ad o . R e co m e çar .
P esso as n a ig r e ja se le v an t av am e ia m a t é a fr e n t e , a lg u m a s c h o r a n d o .
C a r lo s n ã o r e sist iu . Le v a n t o u - se e saiu p e la la t e r a l d o b an co . E n t ã o , u m a
m ã o a ga r r o u - lh e o p u lso .
— Pai —d isse Bia, q u e a go r a c h o r a v a —, le v e - m e ju n t o .
Ela e st e n d e u o s b r a ç o s, e o p ai a p e g o u n o co lo .
C a r lo s c a m in h o u p e lo c o r r e d o r e n t r e o s b a n c o s e n q u a n t o Be at r iz
so lu ç a v a e m se u o m b r o . Ela t a m b é m e st a v a se n d o r e st a u r a d a . N e n h u m
d e le s p e d iu m ila g r e , o u sin al, o u r e sp o st a . A c e it a r a m a g r a ç a d e D e u s.
La u r a t a m b é m se le v an t o u e se a p r o x im o u d o e m a r a n h a d o d e p e sso as,
a c h e ga n d o - se a t é su a fa m ília e a b r a ç a n d o - a .
Lá gr im as t a m b é m o u sa r a m d e sce r p e lo r o st o d e C a r lo s, q u e a ga r r a v a
aq u e le p r e se n t e , a gr aç a, c o m a m e sm a fe licid ad e c o m q u e , q u a n d o cr ian ça,
a b r aço u a Bíb lia d e c a p a p r e t a e b o r d as d o u r a d a s. Ele se n t ia c o m o se aq u e le
fo sse u m r e e n c o n t r o c o m se u p a ssa d o , c o m u m a sp e c t o se p u lt a d o d e su a
v id a q u e a go r a ir r o m p ia c o m fo r ç a p a r a a su p e r fície . P ela p r im e ir a v e z e m
m u it o s an o s, se n t iu q u e D e u s e xist ia e e st a v a a o se u lad o .
R E E N C O N TR O 1 2 9
UM SABADO ESP ECIAL
A
q u ilo t u d o e r a m u it o e st r a n h o p a r a C ar lo s, m a s t in h a u m sab o r n o s
t á lgic o . Ele já h av ia se n t id o a q u e le d e se jo p o r D e u s, e m su a in fân cia,
se n t a d o n a sala d e u m a m ig o e o u v in d o a c o n t a d o r a d e h ist ó r ias b íb licas
d e q u e m e le n e m le m b r a v a o n o m e . E n t ã o lh e v e io à m e n t e u m a c it a ç ã o
d e Blaise P ascal, q u e e le h av ia lid o e m a lg u m liv r o r e ce n t e : “Se o h o m e m
n ã o fo i c r ia d o p o r D e u s, p o r q u e só é fe liz c o m D e u s?”
O c u lt o t e r m in o u e as p e sso a s se a fu n ila r a m p a r a sair d a igr e ja , c u m
p r im e n t a n d o o p a st o r E m a n u e l q u e e st a v a à p o r t a . Q u a n d o c h e go u su a
ve z, C a r lo s g a n h o u u m a b r a ç o a p e r t a d o d o p a st o r , q u e lh e d isse:
- V á c o m D e u s, m e u ir m ã o .
F o r a d a ig r e ja , Sa r a h o s a v ist o u e c o r r e u a o e n c o n t r o d e Biagio n i.
D e u - lh e u m a b r a ç o e d isse:
—V ocê é o c ie n t ist a m ais fr o u x o q u e e u c o n h e ç o - e la b r in co u . —A ch e i
q u e v o c ê ir ia r e sist ir m u it o m ais.
— A ch o q u e r esist i a v id a in t eir a. E h o r a d e m e e n t r e gar . Eu q u e r o b u sc a r
esse D e u s d e t o d o o m e u c o r a ç ã o e e n t e n d im e n t o .
M a u r o o a b r a ç o u t a m b é m , fa la n d o :
— Be m - v in d o a o g r u p o !
C a d a u m e n t r o u e m se u c a r r o e se g u ir a m u m t e r c e ir o a u t o m ó v e l,
p a r a u m b air r o p r ó x im o à igr e ja. E st a c io n a r a m n a fr e n t e d e u m a casa e
Sa r a h a p r e se n t o u - lh e s o s d o n o s, u m a fa m ília c o m p o st a p o r u m casal
e d o is filh o s a d o le sc e n t e s. M a u r o e Sa r a h t ir a r a m d o p o r t a - m a la s u m a
c a ix a t é r m ic a n a q u a l t r a z ia m as igu a r ia s p a r a o a lm o ç o e m c o n ju n t o e
e n t r a r a m n a casa. E x p lic a r a m q u e c o st u m a v a m p a ssa r a lg u n s sáb a d o s ali,
c o m a q u e le s a m ig o s, p a r a n ã o p r e c isa r e m r e t o r n a r ao resort.
A lm o ç a r a m a r r o z in t egr al, le n t ilh as, a ssad o d e le gu m e s e salad as. D e p ois
d e scan sar am , co n v e r san d o n a v ar an d a d a casa, e M ar t a, a an fit r iã, p e d iu q u e
o m a r id o G u t o b u sc asse u m a ca ix a c o m m a n t im e n t o s d iv e r so s, e n t r e ele s
su c o s, b o la c h a s, fr u t a s, a m e n d o in s, b a r r a s d e ce r e ais e o u t r a s c o isas m ais.
T o d o s se a p e r t a r a m n o Lan d R o v e r e n o c a r r o d e M a u r o e fo r a m visit ar
u m asilo . D iv id ir a m - se e m g r u p o s d e d o is, c a d a u m c o m u m p o u c o d o s
su p r im e n t o s. C o n v e r sa v a m c o m o s id o so s, o u v in d o su a s h ist ó r ias, o r a n d o
c o m e le s e o fe r e c e n d o - lh e s a lg u m a c o isa d a ce st a d e q u it u t e s.
—A ú lt im a v e z q u e p e gu e i e st e aq u i, n ão c o n se gu i m a st iga r —d isse u m a
v e lh a se n h o r a p a r a Bia e C a r lo s, q u e fo r m a v a m u m a d u p la . Ela a p o n t a v a
p a r a u m a b a r r a d e ce r e ais. — A c h o q u e m e u s d e n t e s n ã o t ê m m a is m u it a
fo r ç a — e la so r r iu e o r o st o fico u m a r c a d o c o m su a s p r o fu n d a s r u ga s.
E sc o lh e u e n t ã o u m a p e r a. — V am o s, fiq u e m aq u i d o m e u la d o . C o m o
v o c ê fo i p a r a r n e ssa cad e ir a, m e n in a ?
Be at r iz c o n t o u a h ist ó r ia, in c lu in d o a e xp e r iê n c ia d a fé a b a la d a e r e s
t a u r a d a e m D e u s. T e r m in o u d iz e n d o :
—Só p o sso d iz e r q u e m in h a e sp e r a n ç a é o r e t o r n o d e je su s. Se e u e st iv e r
n u m a c a d e ir a d e r o d a s q u a n d o Ele v o lt a r , v o u ficar e m p é c o m o m ilagr e
d a t r a n sfo r m a ç ã o .
— C o m o se r á isso ? — q u e st io n o u a se n h o r a .
— H á u m t e x t o e m 1 T e ssa lo n ic e n se s q u e d iz assim : “ N ó s, o s v iv o s, os
q u e fic a r m o s, se r e m o s a r r e b a t a d o s ju n t a m e n t e c o m ele s, e n t r e n u v e n s,
p a r a o e n c o n t r o d o Se n h o r n o s ar es, e, a ssim , e st a r e m o s p a r a se m p r e co m
o Se n h o r .” ' Q u e r d iz e r q u e a q u e le s q u e e st iv e r e m v iv o s q u a n d o Je su s
v o lt a r se r ã o t r a n sfo r m a d o s. Su r d o s v o lt a r ã o a o u v ir , c e go s v o lt a r ã o a
e n xe r gar , p e sso a s c o m o e u v o lt a r ã o a an d ar e e n t ão su b ir e m o s a o s C é u s. Se
UM SÁBADO ESPECIAL 131

Jesu s v o lt asse a go r a, a p e le d a se n h o r a ficar ia n o v in h a d e n o v o e t o d a a su a
ju v e n t u d e v o lt ar ia a o seu c o r p o —Bia acar icio u o r o st o e n r u ga d o d a m u lh e r .
— H se e u m o r r e r a n t e s q u e Ele v o lt e ?
— Aí t e m o s a e sp e r a n ç a d a r e ssu r r e iç ã o . E st á e m 1 T e ssa lo n ic e n se s t a m
b é m : “P o r q u a n t o o Se n h o r m e sm o , d a d a a Su a p a la v r a d e o r d e m , o u v id a
a v o z d o a r c a n jo , e r e sso a d a a t r o m b e t a d e D e u s, d e sc e r á d o s C é u s, e o s
m o r t o s e m C r ist o r e ssu sc it a r ã o p r im e ir o .”2
— G o st e i m u it o d isso — a se n h o r a so r r iu e v ir o u - se p a r a C a r lo s. —V ocê
se p a r e c e m u it o c o m m e u filh o .
—V e r d ad e ? Ele v e m se m p r e v e r a se n h o r a ?
A m u lh e r fico u t r ist e e a p e n a s m e n e o u a cab e ça.
C a r lo s c o m p a r t ilh o u a t r ist e z a d e la e r e c o st o u a ca b e ç a d a id o sa e m
se u o m b r o .
C o n v e r sa r a m u m p o u c o m a is c o m o u t r o s m o r a d o r e s d o a silo e v o lt a
r a m p a r a a igr e ja . P a r t ic ip a r am d e u m a p r o g r a m a ç ã o b e m d e sc o n t r a íd a .
Q u a n d o a c a b o u o c u lt o v e sp e r t in o , o So l já h av ia se p o st o n o h o r iz o n t e .
Fin d av a- se o sé t im o d ia.
C a r lo s e su a fa m ília se d e sp e d ir a m d e t o d o s, a gr a d e c e n d o a h o sp it a li
d a d e , e sp e c ia lm e n t e d e G u t o e M a r t a . V o lt a r a m p a r a o resort e ja n t a r a m
ju n t o s n u m d o s q u io sq u e s d a p r a ia .
O ú l t i m o d ia d a s fé r ias, d o m in g o , fo i ig u a lm e n t e b o m e in t e n so . D e ssa
ve z, o u sa r a m m e r g u lh a r n o lit o r a l c o m u m a e q u ip e d e p r o fissio n ais d o
resort. Fo i u m a e xp e r iê n c ia se m igu al.
N a m a n h ã d o d ia segu in t e , a t r ase ir a d o car r o d e C ar lo s est av a a b ar r o t ad a

d e m a la s e t o d o s e st a v a m p r e p a r a d o s p a r a v o lt a r . M u r ilo se d e sp e d iu d e
Be at r iz c o m c a r a d e g a t o m o lh a d o .
— D e u d ó d e le — Be at r iz fa lo u , q u a n d o o c a r r o se a fa st o u .
— R e a lm e n t e n ã o “ r o l o u ” m a is n ad a? — C a r lo s p e r g u n t o u .
— N a d in h a —Bia su sp ir o u . —E sp e r o q u e o M u r ilo e n t e n d a q u e n ã o v o u
ab r ir m ã o d o s m e u s p r in c ip io s só p a r a v iv e r u m a a v e n t u r a . Be ijo só e m
q u e m fo r m e u n a m o r a d o .
— E o u t r a s in t im id a d e s, só q u a n d o fo r c a sa d a — La u r a c o m p l e t o u ,
e sp e r a n d o o u v ir d e C a r lo s u m “A m in h a p r o p o st a a in d a e st á d e p é ”, m a s
e le fico u e m silê n cio .
A fam ília c o n v e r so u b ast an t e d u r a n t e o t r a je t o d e v o lt a, e C a r lo s ab r iu -
lh e s o c o r a ç ã o so b r e su a d e cisão d e b u sc a r a D e u s. A v alio u as q u e st õ e s
e r e sp o st a s q u e o u v iu , b e m c o m o t e v e su a p r ó p r ia e xp e r iê n c ia p e sso a l
n a q u e le c u lt o d e sá b a d o , se n t in d o - se t o c a d o p e lo E sp ír it o Sa n t o .
— M as se e u p r e t e n d o se gu ir p o r e sse c a m in h o , cr e io q u e h á a lgo q u e
p r e c iso faz e r an t e s. N ã o q u e r o se r h ip ó c r it a , d iz e n d o q u e a c r e d it o e m
D e u s se m r e so lv e r m in h a s p e n d ê n c ias c o m as p e sso a s p r ó x im a s d e m im
— C a r lo s d isse.
— D o q u e v o c ê e st á fa la n d o , e x a t a m e n t e ? —p e r g u n t o u Lau r a.
— P r e ciso v isit a r m e u p a i — e le r e sp o n d e u e d e u sin al p a r a e n t r a r n o
t r e v o o n d e se lia “G a r a p i, 18 k m ” .
Fez o c o n t o r n o e e n t r o u n a p e q u e n a e st r a d a m a l sin a liz a d a . A lgu n s
q u ilô m e t r o s d e p o is, c h e ga r a m a G a r a p i. C a r lo s, p o r t r ê s v e z e s, p e d iu
in fo r m a ç ã o so b r e c o m o c h e ga r a o a silo e d ir igiu o c a r r o p e la s r u a s d a
cid ad e , at é c h e ga r a u m a saíd a d e t e r r a b a t id a b r an ca e p o e ir e n t a . T r a fe
g o u p o r e ssa n o v a e st r a d a p o r q u a se d e z m in u t o s a t é a v ist a r a e n t r a d a d o
A silo F r a n c isc o d e A ssis.
C o n d u z iu p a r a a e n t r a d a , p a ssa n d o a d ir igir p o r u m c a m in h o ain d a
m a is e st r e it o , la d e a d o p o r á r v o r e s e u m lo n g o c a m p o v e r d e . N o fim d a
e st r a d a , v ia- se u m p r é d io a m p lo , c o m c o lu n a s e p a r e d e s b r an cas.
Car los e st acio n o u e m fr en te a esse p r éd io, e a fam ília d esceu . A p r esen t ou - se
n a p o r t a r ia e p o u c o s m in u t o s d e p o is fo i a t e n d id o p o r u m a e n fe r m e ir a ,
q u e d isse se c h a m a r T ân ia.
—O “se u ” San d o v a l e st á b e m d e sa ú d e —e la e xp lico u —, m as u lt im a m e n t e
fa la m u it o e m v o c ê , se n h o r C a r lo s. Ele d iz q u e p r e c isa m u it o falar c o m
v o c ê e fica p e r g u n t a n d o se as c a r t a s d e le fo r a m r e sp o n d id as.
O p r im e ir o im p u lso d e Car lo s foi r e sp o n d e r c o m est u p id ez. Iria p e r gu n t ar
se as m e n sa lid a d e s e st av am e m at r aso e q u e e st av a ali p a r a visit ar o p ai e n ão
p a r a o u v ir u m a in sin u a ç ã o d e se r m ã o . Le m b r o u - se d as c a r t a s gu a r d ad a s
n o fu n d o d e a lg u m a gav e t a d a e sc r iv a n in h a d o e sc r it ó r io e a p e n a s d isse:
—T ive d ific u ld a d e s p a r a r e sp o n d e r à s ca r t a s. P or favor , e u p o d e r ia vê-lo?
— C la r o q u e sim ! —T â n ia so r r iu . — P o r fav o r , siga m - m e .
A e n fe r m e ir a fo i n a fr e n t e , a n d a n d o p o r c o r r e d o r e s a m p lo s, p a ssa n d o
p o r q u a r t o s b e m a r e ja d o s e u m a p e q u e n a fa r m ác ia . E n c o n t r a r a m id o so s
u m s A b a d o e s p e c ia l 13 3
a n d a n d o p e lo s c o r r e d o r e s, o u t r o s e m c a d e ir a s d e r o d a s e v ir a m a in d a
o u t r o s d e it a d o s e m se u s le it o s, n o s q u a r t o s. T o d o s m u it o lim p o s e b e m
c u id a d o s p e lo s fu n c io n á r io s d o h o sp it a l- a silo , m a s h av ia a lg o c o m u m n o
r o st o d e c a d a u m , e fo i Bia q u e d e c ifr o u o q u e e r a:
— So lid ã o . Eles p a r e c e m so fr e r d e so lid ã o .
—F a z e m o s d e t u d o p o r e le s, q u e r id a —T â n ia fa lo u , p a ssa n d o p o r u m a
p o r t a q u e se ab r ia p a r a u m v a st o ja r d im v e r d e ja n t e , o n d e e st a v a m o u t r o s
id o so s. — M as n a d a su b st it u i a fa m ília. Eles se n t e m falt a.
A n d a r a m p e lo c a m p o v e r d e , e T â n ia se a p r o x im o u d e u m h o m e m q u e ,
so z in h o , e st a v a se n t a d o n u m b a n c o .
—“Se u ” San d o v a l —T â n ia c h a m o u c o m ca r in h o . —O se n h o r t e m visit as.
O v e lh o h o m e m v ir o u o r o st o e n v e lh e c id o p a r a a e n fe r m e ir a^ Se u s
p o u c o s ca b e lo s e st av am b e m p e n t e a d o s, e Bia v iu n e le u m a sé r ie d e se m e
lh a n ç a s c o m o p ai. Eles e r a m r e a lm e n t e m u it o p a r e c id o s.
— E u n ã o a c r e d it o — d isse o h o m e m c o m a v o z fr a c a . — M e u filh o !
A s m ã o s d e le se a p o ia r a m n a b o r d a d o b an co , e e le t e n t o u se le v an t ar .
— P r e ciso lh e co n t ar .;. P r e ciso lh e fa la r — a v o z e st r e m e c e u . —Ele v e io ,
m e u filh o . Ele v eio !
—Sim , p a i — C a r lo s se a p r o x im o u , a c a n h a d o . - Eu v im .
— N ã o , m e u filh o — Sa n d o v a l d isse c o m a v o z e m b a r g a d a . — N ã o m e
d e ixe m o r r e r se m lh e c o n t a r : Ele v e io ! — u m a l á g r im a c o r r e u d o s o lh o s
c la r o s d o v e lh o h o m e m . — N a q u e la n o it e e m q u e e sp a n q u e i v o c ê , p o r
c a u sa d e u m a Bíb lia, t a n t o s a n o s a t r á s... O se u D e u s v e io ... Ele m a n d o u
a n jo s p a r a t ir a r e m v o c ê d a q u e la d e sp e n sa e m p o e ir a d a , m a s e u lu t e i c o m
e le s... M e u filh o , Ele veio !
1 1 T e s s a l o n i c e n s e s 4 :1 7
2 1 T e s s a l o n i c e n s e s 4 .1 6
P ERDÃO
C
a r lo s t r e m e u . A jo e lh o u - se d ia n t e d o p ai, p e n sa n d o q u e e le e st av a
d e lir an d o . Sa n d o v a l d e u u m so r r iso m o lh a d o d e lágr im a s e co n t in u o u
c o n t a n d o , c o m o se t iv e sse e sp e r a d o u m a e t e r n id a d e p a r a fa la r a q u ilo :
— Eu su r r e i v o c ê , m e u m e n in o , p o is e u e r a u m t o lo . T r a n q u e i v o cê ,
p o is t in h a m e d o q u e v o c ê se t o r n a sse c o m o m e u p ai... A h , m e u q u e r id o ...
M e u ga r o t o ...
Sa n d o v a l c h o r o u e su as m ã o s e n v e lh e c id a s se g u r a r a m fir m e m e n t e n as
m ã o s d e C a r lo s, q u e se a p o ia v a m n a p e r n a d o pai.
— Eu m e t o r n e i u m a p e sso a p io r d o q u e seu avô . E u c a st igu e i v o cê
c o m o e le m e c a st iga v a .
— Pai, n ã o fiq u e a ssim — C a r lo s c o n se g u iu d izer , c o n t e n d o a t o r r e n t e
d e e m o ç ã o . — E sq u e ç a isso.
—E u p r e c iso falar . P o r favo r , m e u m a i o r m e d o é m o r r e r se m q u e v o cê
fiq u e sab e n d o d o q u e a c o n t e c e u —in sist iu o h o m e m e e n x u g o u u m lad o
d o r o st o c o m as c o st a s d a m ão . —O D e u s q u e v o cê e st av a b u sc a n d o exist e.
Ele a m a v o c ê e, n a q u e la n o it e , lu t o u p o r v o cê ... Ele t e n t o u a lc a n ç a r vo cê ,
m a s e u n ã o d e ixe i. Le m b r o - m e d e q u e jo g u e i v o c ê n o c h ã o e gr it e i q u e se
P ER D ÃO 1 3 5
D e u s o liv r a sse , t alv e z e u a c r e d it a sse n EIe. A ssim q u e v o lt e i p a r a a sala,
u m g a r o t o b a t e u p a lm a s lá n a fr e n t e d e casa. D isse se r se u a m ig o e q u e
ir ia à ig r e ja m ais t a r d e c o m v o c ê . E u o e x p u lse i. M ais t a r d e , u m a se n h o r a
v e io a t é n o ssa casa p a r a n o s c o n v id a r a ir à ig r e ja c o m v o cê . Ela in sist iu
m u it o p a r a v ê - lo . Eu a e xp u lse i. M ais t r ê s p e sso a s p r o c u r a r a m v o c ê a n t e s
d as o it o h o r a s d a q u e la n o it e . A t é o d e ie ga d o a p a r e c e u m ais t ar d e , p o is
a lg u m v iz in h o o u v iu se u s g r it o s e c h a m o u a p o iícia. C o m o e le e r a m e u
a m igo , a p e n a s d isse q u e lh e h av ia d a d o u m “c o r r e t iv o ” m e r e c id o . Ele
p e d iu p a r a q u e e u m a n e ir a sse d a p r ó x im a ve z. D e p o is d isso , a p a r e c e r a m
m ais t r ê s p e sso a s d a q u e la ig r e ja q u e v o c ê ir ia v isit ar . A m e ia- n o it e , u m
p a st o r e st av a n a fr e n t e d e casa, c o m u m g r u p o d e jo v e n s. Q u e r ia m v ê - lo a
t o d o c u st o , d iz e n d o q u e ir ia m c a n t a r u m a m ú sic a p a r a v o c ê e p a r a n o ssa
fam ília. E u d isse q u e o p r im e ir o q u e ab r isse a b o c a p a r a c a n t a r ia e n g o lir
c h u m b o . F o r a m sain d o , m a s o u v i e le s c a n t a r e m lá lo n ge . C a r lo s... F o r a m
e sse s o s a n jo s c o m q u e m lu t e i a n o it e in t e ir a.
C a r lo s d e b r u ç o u a cab e ça n o c o lo d o p ai, e Sa n d o v a l o u so u t o c a r - lh e
o s cab e lo s, n u m ge st o - d e c a r in h o q u e n u n c a h av ia d e m o n st r a d o . N ã o
a c r e d it a v a q u e o filh o e st av a ali. N ã o a c r e d it a v a q u e D e u s lh e e st a v a c o n
c e d e n d o a q u e la o p o r t u n id a d e . E n t ã o c o n t in u o u :
— Q u a n d o e xp u lse i t o d o s eles, e n t r e i e m casa. A h , m e u filh o... n a m in h a
in sa n id a d e , m a c h u q u e i o m a io r a n jo q u e t iv e m o s e m n o ssa v id a...
N esse m o m e n t o , San d o v al p ar e cia n ã o t e r m ais fo r ças p a r a co n t ar . Lau r a
se a p r o x im o u d o s d o is c o m Bia e se n t o u - se a o la d o d o so gr o . Be at r iz so r r iu
p ar a o avô, q u an d o se u s o lh o s se e n c o n t r ar am . Ali, n aq u e le s o lh o s, San d o v al
v iu t r a ç o s d a q u e la a q u e m ele se r efer ia, p o is a ga r o t a se p ar e cia m u it o c o m :
—Ter eza. Você se p a r e c e c o m su a avó , T e r e za —ele fez u m a p a u sa, r e u n iu
fo r ças e c o n t in u o u : —Q u an d o e n t r ei e m casa, su a m ãe n ã o e st av a n a cad e ir a
d e se m p r e . Ela h av ia se le v a n t a d o , c a m b a le a d o at é a p o r t a d a c o z in h a e
d a d o u n s d o is p a sso s p a r a fo r a , o n d e caiu e c o n t in u o u se a r r a st a n d o n o
q u in t al. Q u a n d o a vi, e la e st a v a q u a se e sc a la n d o a p o r t a d a d e sp e n sa p a r a
liv r ar v o cê . Eu a aga r r e i, a c a r r e g u e i n o s o m b r o s e a jo gu e i n a c a m a . V ocê
sab e q u e e la m a l t in h a fo r ç a s p a r a falar , m a s o q u e T e r e z a d isse n a q u e la
n o it e e u ja m a is v o u e sq u e c e r : “Q u a n t o s a n jo s D e u s p r e c isa m a n d a r p a r a
liv r ar n o sso filh o , p a r a q u e v o c ê a c r e d it e n Ele ?” Ela d isse isso e d e sm a io u .
C a r lo s le v a n t o u a cab e ç a e, d e r o st o a v e r m e lh a d o e e n c h a r c a d o d e
lágr im a s, o lh o u p a r a o p ai q u e d isse:
—T o d as as v e ze s q u e en saie i e st a co n v e r sa , e u a t e r m in a v a p e d in d o - lh e
d escu lp as. A go r a q u e v e jo seu s olh o s, sin t o q u e n ão m e r e ço q u alq u e r p er d ão .
C a r lo s c o n t in u o u o lh a n d o p a r a o p ai. U m a t u r b u lê n c ia d e se n t im e n t o s
a p e r t o u - lh e o p e it o . Ó d io , t e r r o r , r aiv a, d e c e p ç ã o ... V ir o u - se p a r a La u r a e
h av ia u m so r r iso m e ig o e n t r e as lá g r im a s. O lh o u p a r a a filh a e a li h av ia o
m e sm o so r r iso , m ist u r a d o ao o lh a r t e r n o d e T e r e z a, u m o lh a r q u e so m e n t e
n a q u e le m o m e n t o e le p e r c e b e u q u e h av ia e sq u e c id o . Q u a n t a s ve ze s ele
m e sm o e r r o u ? Q u a n t a s v e ze s e le c o m e t e u in ju st iç a s c o n t r a su a filh a e
e sp o sa? M e sm o d e p o is d e t a n t o s e r r o s, e le e st a v a t e n t a n d o r e c o m e ç a r ;
t e n t a n d o c o n se r t a r o p a ssa d o . Se u p a i t in h a o m e sm o d ir e it o ?
Biagio n i le v a n t o u - se e v ir o u as c o st a s p a r a o p ai, d a n d o a lg u n s p a sso s
e m d ir e ç ã o a o c a m in h o d e o n d e h av ia v in d o , m a s n ã o c o n se g u iu afast ar -
se. V o lt o u - se p a r a Sa n d o v a l e d isse:
—Eu o p e r d o o , m e u p ai. P r eciso p e r d o á lo. —D e u o s p asso s q u e falt av am
p a r a ficar fr e n t e a fr e n t e c o m Sa n d o v a l e o a ju d o u a se le v an t ar . — N em
e u n e m v o cê m e r e c e m o s p e r d ão ... M as A lgu é m m aio r d o q u e n ó s d e cid iu
n o s d ar , d e g r a ç a , o p e r d ã o . Eu c o m p a r t ilh o e ssa d á d iv a c o m v o c ê ago r a.
A b r a ç o u fo r t e o p a i e o s d o is c h o r a r a m o q u e p o d ia m .
— M as q u e r o q u e a lg u m a s co isas se ja m d ife r e n t e s e n t r e n ó s d e st a ve z
— C a r lo s fa lo u c o m a v o z a b a fa d a n o a b r a ç o . —Q u e r o q u e v e n h a c o m igo ,
m o r a r e m m in h a c asa.
— D e u s c o n t in u a m a n d a n d o a n jo s à m in h a v id a - Sa n d o v a l r e sp o n
d e u . — Faz u m b o m t e m p o q u e p a r e i d e lu t a r c o m ele s. O b r iga d o , m e u
filh o ... m e u a n jo .
• kit ■jr-Jr k
A e n fe r m e ir a T â n ia afe r iu a p r e ssã o e o s b a t im e n t o s c a r d ía c o s d e Sa n
d o v al. C a r lo s p e d iu q u e a fe r isse o s d e le t a m b é m . U m a e q u ip e r e c o lh e u os
p o u q u íssim o s p e r t e n c e s d o v e lh o h o m e m e e m p o u c o t e m p o t u d o est av a
n o p o r t a - m a la s d o c a r r o . C a r lo s p a g o u o q u e d e v ia e p o u c o s m in u t o s
d e p o is e st a v a m d e v o lt a à a u t o e st r a d a .
P ER D Âa 1 3 7
Sa n d o v a l, m ais a n im a d o , c o n t o u a h ist ó r ia d e su a c o n v e r sã o : u m a
in t e r n a d o asilo t o r n o u - se g r a n d e a m iga e o a ju d a v a t o d o s o s d ias, e m
m u it a s co isas, p r in c ip a lm e n t e d a n d o o u v id o s à su a falação e r e sm u n g a ç ã o
so b r e o p a ssa d o . C e r t o d ia, Sa n d o v a l lh e p e r g u n t o u p o r q u e o a ju d a v a e o
o u v ia t a n t o . Ela r e sp o n d e u : “So u u m a n jo , v e st id a d e m u lh e r , q u e D e u s
m a n d o u p a r a c u id a r d e v o c ê .”
D a í n a sc e u o d e b at e so b r e D e u s e o c r ist ia n ism o . Sa n d o v a l se le m b r o u
e se a r r e p e n d e u d e se u p a ssa d o . A m u lh e r , q u e se c h a m a v a Be t â n ia , e n si
n o u - lh e so b r e o a m o r a o p r ó x im o e q u e q u a n d o u m c r ist ã o se c o m p a d e c e
e a ju d a u m ir m ã o é c o m o se fo sse u m a n jo d e D e u s, se n d o b e n ç ã o n a
v id a d o s filh o s d o C r iad o r .
Sa n d o v a l se c o n v e r t e u e se u m a io r m e d o e r a q u e o filh o n ã o t iv e sse
e ssa m e sm a c h an ce . Be t â n ia h av ia m o r r id o c in c o m e se s an t e s.
— M a r c a m o s u m e n c o n t r o n o C é u — d isse o v e lh o Biagio n i n o b a n c o
d e t r á s d o c a r r o d o filh o.
—Vai ser legal con h ecê- la—Beatr iz falo u e r ecost ou a cab eça n o o m b r o d o avô.
E r a m se t e d a n o it e d o d ia se gu in t e à c h e ga d a d e C a r lo s e m casa. Bia e
La u r a e st a v a m n o a p a r t a m e n t o . Sa n d o v a l e st a v a se n t a d o n a v a r a n d a d a
casa n a e n c o st a d a m o n t a n h a, sen t in d o- se r e n o v ad o . C ar lo s, d a sala d e casa e
a p r o v e it an d o o s d ias q u e r e st av am d as fér ias, se m p r e o lh av a p a r a a v a r a n d a
e so r r ia q u a n d o se u s o lh o s se e n c o n t r a v a m c o m o s d o p ai. N e n h u m d o s
d o is p a r e c ia a c r e d it a r n a r e alid a d e d a q u e la ce n a.
U m c a r r o e st a c io n o u n a á r e a d a fr e n t e .
— E st o u e n t r a n d o — gr it o u C e o r g e , a t r a v e ssa n d o a p o r t a .
C a r lo s se le v a n t o u , foi a o e n c o n t r o d o a m ig o e o a b r a ç o u d e m o r a
d a m e n t e . N ã o o so lt o u p a r a n ã o d e r r a m a r a t o r r e n t e d e e m o ç ã o . N ã o
q u e r ia c h o r a r n a p r e se n ç a d o a m igo . Se n t a r a m - se e Biagio n i c o n t o u c a d a
d e t a lh e , d iz e n d o fin a lm e n t e :
— O b r iga d o , G e o r ge , o b r iga d o !
—E isso q u e o s filh os d e D e u s fa z e m —r e sp o n d e u o am igo . —Aj u d am c o m o
p o d e m . A c h o q u e t a m b é m d e v o se r u m d o s se u s a n jo s v e st id o d e h o m e m .
—Sab e q u e t e n h o v o c ê c o m o m e st r e , c o m o p ai —C a r lo s v ir o u - se p a r a
a sac ad a e d isse : —A c h o q u e a g o r a t e n h o d o is p ais.
— O m ais c e r t o é d iz e r q u e v o c ê t e m t r ê s p ais. Pai G e o r g e , c o m m u it o
o r g u lh o ; p ai Sa n d o v a l, o r e n o v a d o ; e Pai ce le st e , o Pai d e t o d o s n ó s.
E n t ã o G e o r g e m u d o u o a ssu n t o :
— E a Lau r a? C o m o v o c ê s e st ão ?
—E st a m o s c o m o n a m o r a d o s —d isse m e io d e c e p c io n a d o . - Ela d isse q u e
p a r a t e r m o s “a lgo m a is” p r e c isa m o s n o s casar . Eu a p e d i e m c a sa m e n t o .
E la d isse q u e a in d a p r e c isav a p e n sa r . Sin c e r a m e n t e , a c h o q u e a La u r a n ão
q u e r d a r u m p a sso a m a is. Est á c o m m e d o .
— E o q u e v o c ê v a i faz e r a r e sp e it o ?
—Esp e r ar , a t é o n d e fo r p o ssív e l. P o r é m , c o n fe sso q u e sin t o q u e e la n ã o
e st á m u it o in t e r e ssa d a.
— M as v o c ê v ai ficar sim p le sm e n t e p assiv o ?
— Sim , m e u a m igo . Fiz t u d o o q u e p o d ia p a r a r e c o n q u ist á - la . A go r a
só d e p e n d e d e la.
P ER D ÃO 1 3 9
FAMÍLIA
7 \ i! — g r it o u La u r a c o m o s p é s a p o ia d o s n a c a d e ir a d e r o d a s d e
"™ " i X Be at r iz , q u e lh e fa z ia as u n h a s. - V o cê q u a se a r r a n c o u u m
“b ife ” d o m e u d e d ão .
—O q u e e st á ac o n t e c e n d o ? — Bia e m p u r r o u o s p é s d a m ãe . —V o cê a n d a
m e io e st r a n h a ...
La u r a fe z b ico , so lt o u o ar q u e e st a v a n o s p u lm õ e s e d e sa b a fo u :
— E st o u n e r v o sa . C o m se u p ai.
— O q u e e le fez?
—O q u e e le n ão fez, v o c ê q u e r d izer . Faz d e z d ias q u e v o lt a m o s d o resort e
e le n ã o t o c o u m a is n o a ssu n t o d e c a sa m e n t o . F a la m o s d e igr e ja , d e D e u s,
d e e le r e c e b e r e st u d o s b íb licos, m a s n a d a d e v o lt a r a fa la r e m c a só r io ,
a p e sa r d e t o d a s as m in h a s in d ir e t as.
Bia r iu :
—A ch e i q u e e u fo sse a ú n ic a a d o le sc e n t e d e casa. Le m b r a - se d e q u e e le
r e c la m o u d a su a p assiv id ad e n o r e la c io n a m e n t o ? Ele r e c la m o u q u e v o c ê
n u n c a c o r r e u a t r á s d e le .
— A h , se fo r isso , e n t ã o v ai ficar so n h a n d o . Eu é q u e n ã o v o u ce d e r .
—A h , m u it o a d u lt o d a su a p a r t e . D e v o lv a - m e e sse p é , su a t e im o sa .
La u r a , r e lu t a n t e , c o lo c o u o p é n o c o lo d a filh a e d isse:
— E u e st av a o r a n d o p a r a D e u s m e a b e n ç o a r c o m u m p a r c e ir o . A í m e
r e ap ar e c e se u p ai, c o m t o d o o c e t ic ism o d ele. E u n ã o q u e r ia m e c a sar c o m
o cé t ic o d e se m p r e . Eu q u e r ia u m h o m e m d e D e u s, p o r isso fale i p a r a e le
e sp e r a r u m a r e sp o st a . Eu e st av a e m d ú v id a .
— M as e le se c o n v e r t e u — Bia d isse e a r r a n c o u o u t r o “filé d e d e d o ”.
La u r a g r it o u .
—M as o p e d id o d e c a sa m e n t o fo i a n t e s d a co n v e r sã o . P o r isso p e d i u m
t e m p o p a r a p e n sa r . E a g o r a e le n ã o v o lt a a o a ssu n t o . A i, q u e ó d io ... Ai,
Bia! Q u e d o r — p u x o u o p é p a r a si. —V o u c o n t a r m e u s d e d o s, p o is v o cê
d e v e t e r a r r a n c a d o u m d e le s d e st a v e z.
— E o q u e v o c ê v a i faz e r c o m u m d e d o a m e n o s e se m p r o p o st a d e
c a sa m e n t o ?
La u r a jo g o u o c o r p o p a r a t r ás, c r u z o u o s b r a ç o s e fe z b ico.
—V ou e sp e r ar .
— O k , La u r in h a — d isse Bia, c o m a u t o r id a d e , c o m o se fo sse a m ãe . —
A go r a v á la v a r a lo u ç a o u v o u d e ix á - la d e c ast igo .
E r a m q u a se d u a s h o r a s d a t a r d e e C a r lo s, d e v o lt a a o t r a b a lh o n o in s
t it u t o , c o m p a r a v a o s d a d o s d e d u a s a n o t a ç õ e s d e su a s p e sq u isa s. Est av a
c o m d ú v id a s so b r e a lgu n s c á lc u lo s e d isc u t ia o a ssu n t o c o m o u t r o s co le gas
d o la b o r a t ó r io .
A p o r t a se a b r iu v io le n t a m e n t e e C a r lo s v iu La u r a p a ssa r p o r e la. A
m u lh e r p a r e c ia d e c id id a e m fa z e r se ja l á o q u e e la ir ia fazer .
—Você m e a m a ? — La u r a p e r g u n t o u , fic a n d o d ian t e d o c ie n t ist a, c o m
t o d o s d a sa la o lh a n d o .
— A m o — C a r lo s r e sp o n d e u , r u b o r iz a n d o .
— E n t ã o e st á e sp e r a n d o o q u ê?
—E st o u e sp e r a n d o v o cê .
— N ã o p r e c isa m a is e sp e r ar . E st o u aq u i.
—E st o u e sp e r a n d o v o cê sair d o c a su lo . C r io u - se u m m it o d e q u e só o
FA M ÍU A 1 4 1
h o m e m d e v e se e x p o r e e u p e n so q u e as m u lh e r e s t a m b é m d e v e m lu t a r
p e lo h o m e m q u e d iz e m q u e a m a m .
—Eu já lu t e i p o r v o cê .
— N ão l u t o u o su ficie n t e . T a n t o é q u e q u a n d o e u d isse q u e sair ia d e su a
v id a, v o c ê sim p le sm e n t e c o n c o r d o u .
—V ocê q u e r ia q u e e u im p lo r a sse ?
—Você se a r r e p e n d e p o r n ã o t e r im p lo r a d o ? —C a r lo s p e r g u n t o u . La u r a
fez u m a p a u sa e r e sp o n d e u :
— M e a r r e p e n d o . E v o c ê , d o q u e se a r r e p e n d e ?
— D e t u d o q u e fiz a t é p e r d e r v o c ê . N ão v o u c o m e t e r o s m e sm o s e r r o s,
m a s n ã o v o u d e ix a r q u e v o c ê t a m b é m r e p it a o s se u s.
La u r a o lh o u a o r e d o r , c o m t o d o s o s o b se r v a n d o . E n t ã o d isse:
— A q u i n ã o é o lo c a l a p r o p r ia d o .
— Fo i v o c ê q u e m o e sc o lh e u — C a r lo s so r r iu , v it o r io so .
— I sso é m a c h ism o — e la t e n t o u d e n o v o .
— M a c h ism o se r ia e u im p e d ir o q u e v o c ê e st á p r e st e s a faze r . E st o u
se n d o e x t r e m a m e n t e fe m in ist a a go r a . D ir e it o s igu ais, le m b r a- se ?
—Est á b e m , C a r lo s —Lau r a t o m o u c o r a g e m , o lh o u p a r a o s lad o s, p ig a r
r e o u , fin giu q u e n ã o t in h a n in g u é m a o r e d o r e p e r g u n t o u : — E u a c e it o
m e c a sa r c o m v o cê . V ocê ain d a q u e r se c a sa r c o m igo ?
U m m o m e n t o d e silê n cio foi a r e sp o st a , se g u id o d e u m :
— Eu p r e c iso p e n sa r — M ais u m m o m e n t o d e silê n cio , c a r e t a d e La u r a
e r e v ir a d a d e o lh o s, at é C a r lo s o lh a r le v e m e n t e p a r a c im a e d iz e r : — E u
se m p r e q u is sab e r c o m o se r ia fa la r isso . Q u e se n sa ç ã o m a r a v ilh o sa !
A lg u n s r ir a m e C a r lo s se g u r o u n a c in t u r a d a m u l h e r q u e a m a v a.
—E u q u e r o se r se u m a r id o n o v a m e n t e , p o is a m o v o cê .
Be ijo u - a a o so m d e p a lm a s d o s a m igo s, G e o r g e e n t r e eles.
* * * * *
Se t e m e se s d e p o is...
O t e m p o p a ssa r áp id o . Se r ia b o m c o n t a r m o s ca d a d e t alh e d o s ú lt im o s
m ese s. Foi u m a av e n t u r a in t er e ssan t e , m a s o q u e v o cê p r e cisa sab er , b asica
m e n t e , é q u e Beat r iz se gu iu c o m o t r a t a m e n t o , se m m u it a n o v id ad e. A lesão
p ar e cia ser t ã o gr av e c o m o os m é d ic o s t e m ia m , m as a sen sib ilid ad e t é r m ica
est av a v o lt an d o , gr ad at iv am e n t e . P or ém , n ão h avia n e m sin al d e m o v im e n t o
ab aixo d a lin h a d a lesão . A p en as u m m ila gr e p o d e r ia r e v e r t e r se u q u ad r o .
La u r a o r g a n iz o u o c a sa m e n t o . E st a v a t u d o fic a n d o m u it o b o n it o e
se r ia d ali a a lg u n s d ias.
Sa n d o v a l e C a r lo s r e ce b iam c o n st a n t e s v isit as d o p a st o r Isaac e e st u d a
r a m a Bíb lia c o m e le . O s d e b at e s e n t r e C a r lo s e Isaac e r a m m e m o r á v e is e
e ssa é u m a p a r t e q u e r e a lm e n t e la m e n t a m o s n ã o t e r e sp a ç o p a r a co n t a r .
E st u d a r a m so b r e t u d o : c r iação , leis d iv in a s, m o r t a lid a d e d a a lm a , d ia d e
d e sc a n so , ju st ific a ç ã o p e la fé, a lim e n t a ç ã o , T r in d ad e , e t c.
Sa n d o v a l fo i b a t iz a d o t r ê s m e se s d e p o is d o s e st u d o s, m a s Isaac p r e c iso u
t e r m u it a p a c iê n c ia c o m as p e r g u n t a s c a p c io sa s d e C a r lo s, o b o m e v e lh o
“T o m é ” d e se m p r e . P ar a c a d a p e r g u n t a , p r e c isav a m o st r a r u m a “fe r id a ”
p a r a e le t o c a r e ac r e d it a r . A c a d a r e sp o st a d o p a st o r , C a r lo s r e sp o n d ia
assim : “As v e z e s, é p r e c iso d u v id a r p a r a c r e r .” Se u c e t ic ism o a go r a e r a
p o sit iv o . Ele n ã o m a is t in h a m e d o d as d ú v id a s, p o is e st av a d isp o st o a cr er .
N o fim d o s e st u d o s, a c a b a r a m se t o r n a n d o gr a n d e s a m ig o s e r e sp e i
t a n d o - se m u it o .
—Q u e r o lh e c o n v id a r p a r a faz e r p a r t e d o d ia q u e se r á, c o m c e r t e za, u m
d o s m a is fe lizes d a m in h a v id a —d isse - lh e C a r lo s, c e r t a n o it e .
— E q u e d ia se r á e sse? —p e r g u n t o u - lh e o p a st o r .
— O r a, m e u a m ig o , c r e io q u e v o c ê já sab e.
La u r a e st a v a lin d a d e n o iv a e C a r lo s e st a v a c o m o t o d o n o iv o , sim p le s
m e n t e o fu sc a d o p e la b e le z a ir r a d ia n t e d a m u lh e r a o se u la d o . Be at r iz,
se n t a d a e m su a c a d e ir a d e r o d a s e t r a ja n d o u m v e st id o a z u la d o , se gu r a v a
o b u q u ê c o m as alian ç a s. G e o r ge e su a e sp o sa , a R e n a t a (a “c r e n t e d a
a c a d e m ia ”, le m b r a ?) e o m a r id o d e la , Sa r a h e M au r o e r a m o s p a d r in h o s.
Sa n d o v a l, so r r id e n t e , e st av a se n t a d o n o p r im e ir o b an co .
Isaac e r a o p a st o r q u e fazia o se r m ã o d o c a sa m e n t o n o ja r d im d e fe st as
e sp e c ia lm e n t e a lu g a d o p a r a o e v e n t o . O lo c a l e st av a r e p le t o d e a m igo s.
A p ó s a t r o c a d e alian ças, o p a st o r d isse :
FAM ÍLIA . 1 4 3
—Eu o s d e c la r o m a r id o e...
G e o r ge saiu d e r e p e n t e d e se u lu g a r e in t e r r o m p e u a ú lt im a fa la d o
m in ist r o , m o st r a n d o u m c h a m a d o n o c e lu la r p a r a C a r lo s, p u x a n d o - o
p e lo b r a ç o e sa in d o p e la p a r t e d e t r á s d o p a in e l m o n t a d o n o lo c a l.
La u r a fic o u ali p a r a d a , so z in h a n o a lt a r , c o m t o d o s o s c o n v id a d o s
m u r m u r a n d o . Foi r o d e a d a p e la s m a d r in h a s e n e m p e r c e b e u q u e a t é o
p a st o r Isaac t in h a s c a u se n t a d o d o a lt ar .
O p a in e l d e t r ás d o p ú lp it o fo i r e t ir a d o p o r d o is h o m e n s e a v o z d e
Isaac r e sso o u n o m ic r o fo n e :
— P or fav o r , g o st a r ia d a a t e n ç ã o d e t o d o s.
La u r a v ir o u - se n o v a m e n t e p a r a a fr e n t e e v iu o p a st o r e C a r lo s d e n t r o
d e u m t a n q u e b a t ism a l im p r o v isa d o , m a s p e r fe it a m e n t e o r n a m e n t a d o ,
c o m o e r a c o st u m e a igr e ja lo c a l fa z e r q u a n d o h av ia b a t ism o s e x t e r n o s.
La u r a le v o u as d u a s m ã o s à b o c a e a e m o ç ã o v e io à t o n a .
—C o n h e c i est e h o m e m q u a n d o se u c o r a ç ã o só t in h a p e r gu n t a s e m u it a
d o r —d isse so le n e m e n t e o p a st o r Isaac, d e d e n t r o d o t a n q u e c h e io d ’águ a.
—N ão é p e c a d o faze r p e r gu n t as. N ão é p e c a d o sen t ir d o r . M as é m u it o t r ist e
q u an d o u m a p e sso a se fe ch a p a r a as r e sp o st as e d e cid e c u lp a r D e u s p e la d o r .
Car lo s ab r iu o co r ação . O u v iu o q u e D e u s t in h a p ar a lh e d izer; aceit ou ch o r ar
n o c o lo d o Pai, M ais d o q u e ou vir , m ais d o q u e ch o r ar , ele ace it o u as r e sp o st as
e o c o n so lo d e D e u s. E e st á aq u i h o je , c a sa n d o - se c o m u m a n o iv a lin d a e
a ce it an d o a D e u s c o m o o R ei d o U n iv e r so . M e u ir m ã o , m e u a m igo , c o m o
m in ist r o d o e v a n ge lh o , e u o b a t iz o e m n o m e d o Pai, d o Filh o e d o Esp ír it o
Sa n t o . —Isaac o m e r g u lh o u .
Q u a n d o C a r lo s se le v an t o u d a s águ as, a b r a ç o u o a m igo . Saiu p e la lat e r al
d o t a n q u e e Isaac d isse:
—A go r a , sim , e u v o s d e c la r o m a r id o e m u lh e r . P o d e b e ija r a n o iv a!
C ar lo s d e u p asso s m o lh a d o s e m d ir e ção a Lau r a e a b eijou , e n ch ar can d o - a
c o m as á gu a s q u e a n u n c ia v a m a n o v a v id a e m Je su s. N a q u e le m o m e n t o ,
fo r a m as d u a s p e sso a s m ais fe liz e s d o m u n d o .
EPILÜGÜ
s Biagio n i e st a v a m n o p a r q u e d a cid ad e , c u r t in d o o fr e sc o r d a p r i
Ü m av e r a . Sa n d o v a l alisav a a c a b e ç a d e Sa m u c a , o jo v e m e a fo b a d o
p a st o r a le m ã o q u e h av ia g a n h a d o d e Bia. Ele jo ga v a u m a b o la d e t ê n is,
e o c ão ia b u sc ar .
C a r lo s, se n t a d o n u m a t o a lh a e st e n d id a n a gr a m a , b r in c a v a c o m V ít o r
e C a r o lin a , as c r ia n ç a s d e t r ê s e q u a t r o a n o s q u e h av ia m a d o t a d o a o sab e
r e m q u e , e m r a z ã o d a id ad e , La u r a h av ia d e se n v o lv id o p r o b le m a s q u e a
im p o ssib ilit a v a m d e e n gr av id ar .
— Pai — d isse Bia, se n t a d a a o la d o d e C a r lo s. —O lh e p a r a o s m e u s p és.
Biagio n i o b se r v o u o s p é s d e sc a lç o s d a filh a. So r r iu a o v e r o s d e d o s d e
Be at r iz se m e x e r e m . A q u e le p e q u e n o m o v im e n t o in d ic av a u m a co isa:
d e m o r a r ia , m a s Be a t r iz v o lt a r ia a a n d a r , afin al, n u m u n iv e r so e m q u e
D e u s e xist e , m ila g r e s sã o p o ssív e is.
EPÍLOGO : 1 4 5
R o t e iro p a ra
a s u a jo rn a d a
E xist e m b o n s liv r o s e m lín g u a p o r t u g u e sa p a r a a q u e le s q u e q u e r e m

a p r o fu n d a r se u s c o n h e c im e n t o s so b r e t e ísm o , c r ia c io n ism o , ciê n cia e
r e ligião . P ar a o s q u e n ã o c r e e m , v ale a p e n a le m b r a r as p alav r as d o g r a n d e
filó so fo e m a t e m á t ic o c r ist ã o Blaise P ascal: “Q u e o s h o m e n s a p r e n d a m
p e lo m e n o s q u a l a fé q u e r e je it a m a n t e s d e r e je it á - la .”
I n d e p e n d e n t e m e n t e d e v o c ê c r e r o u n ã o e m D e u s, d e a c e it a r o u n ã o a
Bíb lia e o c r ia c io n ism o , aq u i vai u m a b ib lio gr afia b ásica su ge st iv a , n u m a
o r d e m t a m b é m su ge st iv a . A n alise o s fa t o s e t ir e su a s c o n c lu sõ e s.
A n t o n y Flew , U m A t e u G a r a n t e : D e u s E x i s t e (Ed io u r o ). Flew é con sid e

r ad o o pr in cipal filósofo dos ú lt im o s cem an os (seu en saio T h e ology an d Fah ificat icm
t or n ou - se u m clássico e a pu b licação filosófica m ais reim pressa d o sécu lo 20) e

passou m ais de cin qu en ta an os defen den do o ateísm o. Filh o de past or m et od ist a,
ele sem p r e foi in cen tivado a b u scar r azões e explicações p ar a as coisas em qu e
acr editava. Tor n ou -se ateu , fo r m o u - se em O xfor d, lecion ou em u n iver sid ad es
im p or t an t es, m as foi ju st am en t e a von tad e de bu scar a razão de t u d o qu e o fez
rever seu s con ceit os sobr e a fé. O livro se divide em d u as par tes. Na pr im eir a,
Flew con ta co m o ch egou a n egar a D eu s, t or n an d o- se ateu . N a segu n d a, ele
an alisa os p rin cipais ar gu m en t os qu e o con ven cer am d a exist ên cia do Cr iador .
No fim , h á dois apên d ices pr eciosos: “O n ovo at e ísm o ” (n o qu al são an alisad as
as prin cipais ideias de ateu s co m o Daw kin s e D en n et t ) c “A au t or r evelação de
Deu s n a h istória h u m an a” (co m ar gu m e n t o s sobr e a e n car n ação e a r essu r r ei
ção de Jesu s Crist o). “M in h a jo r n ad a par a a d escob er ta d o Divin o tem sido, até
aqui, u m a p er egr in ação da razão. Segu i o ar gu m e n t o até on de ele m e levou , e
ele m e levou a aceitar a exist ên cia de u m Ser au t oexist en t e, im u t ável, im ater ial,
on ipoten te e on iscien t e”, t est em u n h a Flew.
G . K. C h e st e r t o n , O r t o d o x i a (M u n d o C r ist ão ). G r an d e p e n sad o r d o
sécu lo 19, d on o de u m est ilo b em - h u m or ad o, Ch est er t on cr it ica co m classe e
p r ofu n d id ad e as in coer ên cias d o p e n sam e n t o ateu . C. S. Lew is, ou t r o exat eu
fam oso, foi p r ofu n d am en t e in flu en ciado pelas ideias de Ch est er t on . Nesse livro,
lan çad o em 1908 (essa n ova ed ição d a M u n d o Cr ist ão co m e m o r a o cen ten ár io
d a obr a), Ch est er t on refaz su a t r ajet ó r ia esp iritu al e m o st r a co m o m u d o u d o
agn ost icism o à cren ça. Ele pr ovoca: “Para r esp on d er ao cético ar r ogan t e, n ão
ad ian ta in sistir qu e d eixe de d u vid ar. É m elh o r e st im u lá- lo a con t in u ar a d u vi
dar, p ar a d u vid ar u m p ou co m ais, p ar a d u vid ar cada dia m ais d as coisas n ovas e
lou cas d o Un iver so, até qu e, en fim , p or algu m a est r an h a ilu m in ação, ele ven h a
a d u vid ar d e si p r óp r io .”
V ik t o r F r a n k l, A P r e se n ça I g n o r a d a d e D e u s (Vozes/Sin od al). Fr an k l fala

de u m a “fé in con scien t e” e de u m “in con scien t e t r an scen d en t al” qu e in clu i a
d im en são religiosa. Para ele, qu an d o a te, em escala in dividu al, se atr ofia, t r an s
for m a- se em n eu r ose; e, n a escala social, d egen er a em su p er st ição. “Som en t e
a p essoa espiritu al est ab elece a u n id ad e e t ot alid ad e d o en te h u m a n o ”, gar an te
Fr an kl. “Ela fo r m a essa totalid ad e co m o sen d o biopsicoespiritu al. [...] Som en t e a
totalid ad e tr ip la t o r n a o h om em co m p let o .” Para o psican alista, “a con sciên cia é
a voz da tr an scen dên cia e, p or isso m esm o, ela m esm a é tran scen den te. O h om em
ir religioso, p o r t an t o , é aqu ele qu e ign or a essa t r an scen d ên cia d a con sciên cia. O
h om em ir r eligioso ‘t e m ’ con sciên cia, assim co m o respon sabilidad e; apen as ele
n ão qu est ion a além , n ão p er gu n t a p elo qu e é respon sável, n em de on d e pr ovém
su a con sciên cia”,
N an c y P e ar cey , A V e r d ad e A b s o l u t a : L i b e r t a n d o o C r i s t i a n i s m o d e se u
C a t i v e i r o I n t e l e c t u a l (CPAD). Pearcey se con ver t eu em gr an d e par t e graças às
ideias de Fran cis Sch aeffer (ou tr o au t o r qu e vale a pen a con h ecer ). P ós- gr adu ada
em t eologia e filosofia, ela é cate d r át ica n o In st it u t o de Jo r n alism o M u n d ial
e p r ofessor a co n vid ad a d a Un iversid ad e Biola, n a Califórn ia, e d o Discovery
In stitu te. Seu livr o A V erdade A bsolu ta t em ap r esen t ação de Ph illip Jo h n son , com
qu em ela t em co lab o r ad o em sem in ár io s sob r e ciên cia, filosofia e fé. A tese d a
au t o r a é d e qu e “som en t e p ela r ecu p er ação de u m a visão h olíst ica d a verdade
to t al p od e m os liber tar o evan gelh o p ar a qu e se to r n e u m a for ça r eden tiva qu e
perm eie to d as as ár eas d a vida”. Pearcey r e lat a su a jor n ad a p essoal co m o e st u
dan te lu t er an a, su a rejeição d a fé e seu r et or n o a Deu s. Ela relata, t am b ém (en tre
ou tr as), a h istór ia d o filósofo cr istão Alvin Plan t in ga, qu e p r ov oco u a vo lt a par a
R O TE I R O P A R A A S U A J O R N A D A 1 4 7
a com u n id ad e filosófica de acad êm icos com p r om et id os com u m a visão teísta d a
filosofia an alítica. O livro aju d a a m o st r a i a r elevân cia d o cr istian ism o p ar a u m a
sociedade p ó s- m o d e r n a qu e vive n u m a espécie de v ácu o in telectu al.
N o r m a n G e isle r e F r a n k T u r e k , N ã o T e n h o Fé Su fic ie n t e P a r a S e r
A t e u (Vida). O livro r eú n e os p rin cipais ar gu m en t o s teístas, n u m a ap ologét ica
sim ples, r esu m id a e con vin cen te. N a págin a 20, os au t or es m en cion am as “cin co
p er gu n t as m ais im p or t an t es d a vid a”: (1) O r igem : De on d e viem os? (2) Id en ti
dade: Q u em som os? (3) P r op ósito: Por qu e est am os aqui? (4) M or alid ad e: C o m o
d evem os viver? (5) D estin o: Para on d e vam os? Essas p er gu n t as ser vem m ais ou
m en os co m o balizas para t od o o con t eú d o, e os au t or es dizem : “As re sp ost as
a cada u m a dessas per gu n t as d ep en d em d a exist ên cia de D eu s. Se D eu s existe,
en t ão exist e sign ificad o e p r op ósit o p ar a a vida. Se existe u m verd ad eir o p r o
p ósit o p ar a su a vida, en t ão existe u m a m an eir a cer t a e u m a m an eir a er r ad a de
viver. As escolh as qu e fazem os h oje n ão apen as n os afe t am aqu i, m as tam b ém
n a eter n id ad e. Por ou t r o lad o, se D eu s n ão existe, en t ão a co n clu são é qu e a vida
de algu ém n ão sign ifica n ad a. U m a vez qu e n ão existe u m p r op ósit o d u r ad o u r o
par a a vida, n ão existe u m a m an eir a cer ta ou er r ad a de viver. Não im p o r t a de
qu e m o d o se vive o u n aqu ilo em qu e se acr edite, pois o d est in o de t od os n ós é o
p ó.” D u as ressalvas: os au t or es d efen dem o m it o d o in fern o et er n o e m en cion am
o d om in go co m o d ia de gu ar d a.
Lee Str o b e l, £ m De fe sa da Fé (Vida). O jorn alista Lee Strobel se propôs m ostr ar

as “in coerên cias e con tr ad ições” d o cr istian ism o. Depois d e an os de in vestigação
e pesqu isa, aban d on ou o ateísm o e se t o r n ou u m d os gran des ap ologistas cristãos
con tem p or ân eos. N o livro Em D efesa de Cristo, Str ob el exp õe diver sos ar gu m en t os
favoráveis e co n tr ár ios à p essoa de Jesu s. N o Em D efesa da Fé, ele tr at a d e u m d os
fu n d am en t os d o cr istian ism o: a fé. St r ob el lida com ob jeções com o: (1) U m a
vez qu e o m al e o sofr im en t o exist em , n ão p od e h aver u m D eu s am o r oso. (2)
U m a vèz qu e os m ilagr es co n tr ad izem a ciên cia, eles n ão p od em ser ver dadeiros.
(3) A evolu ção exp lica a or igem d a vida, de m o d o qu e D eu s n ão é n ecessár io.
(4 ) Se D eu s m at a crian ças in ocen t es, Ele n ão é d ign o de ad or ação. (5) É ofen sivo
afir m ar qu e Jesu s é o ú n ico cam in h o p ar a Deu s. (6) U m D eu s am o r oso jam ais
to r t u r ar ia pessoas n o in fern o [este é o ú n ico cap ít u lo objetável]. (7) A h ist o r iad a
igr eja est á r eplet a de opr essão e violên cia. (8) Eu ain d a t en h o d ú vid as, p or t an t o
n ão p osso m e t o r n ar cr istão.
A r m a n d M . N ic h o li Jr ., D e u s em Q u e st ã o : C. S. le w is e F r e u d D e b at e m
D e u s, A m o r , Se x o e o Se n t id o d a Vid a (U ltim ato ). Nich oli, qu e é psiqu iat ra e
pr ofessor d a Escola de M edicin a de H arvard e d o H ospital Ger al de M assach u setts,
con tr apõe as ideias de dois gran des pen sad or es d o sécu lo 20: Sigm u n d Freu d e
C. S. Lewis. Am bos con sideraram o prob lem a d a d or e do sofrim en to, a n atu reza do
am or e d o sexo, e o sen t ido ú lt im o da vid a e d a m or te. Depois de 25 an os de en sin o
e pesquisa sobre Freu d e Lewis, Nich oli colocou o resu lt ad o à disposição de tod os.
Na con tracapa d o livro, o ex-ateu Fran cis Colü n s, d ir etor d o In st it u t o Nacion al de
Pesquisas em G e n om a H u m an o, escreveu : “Esta elegan te e con vin cen te com p a
ração en tre a visão de m u n d o de Fr eu d e a de C. S. Lewis é u m a op or tu n id ad e de
reflexão dialógica sobre as m ais im por t an t es qu estões que a h u m an id ade sem pr e se
fez: D eu s existe? Ele Se im p or t a com igo? Este livro destin a-se a tod os qu e bu scam ,
sin ceram en te, r espost as sobre a verdade, o sen t ido da vida e a existên cia de D eu s.”
A n t o n in o Z ich ich i, P o r Q u e A cr e d it o N aq u e le q u e F e z o M u n d o (Objetiva).

Zichichi é ex-presiden te da Federação M un dial de Gen tistas e faz afirm ações bastante
corajosas e p ou co con ven cion ais n o m u n d o científico. Segu n do ele, h á flagran tes
mistificações n o edifício cu lt u ral m od ern o e qu e passam , m uitas vezes, despercebidas
do público em geral. Algu n s exem plos: Faz-se co m que todos creiam qu e ciência e
fé são in imigas. Q u e ciên cia e técn ica são a m esm a coisa. Q u e o cien tificism o n asceu
n o coração da ciência. Q u e a lógica m atem ática descobriu tu d o e que, se a m at em á
tica n ão descobre o “Teorem a de Deu s”, é por qu e Deu s n ão existe. Q ue a ciência
descobriu t u d o e qu e, se n ão descobre Deu s, é por qu e Deu s n ão existe. Q u e n ão
existem pr ob lem as de n en h u m tipo n a evolu ção biológica, m as certezas científicas.
Q u e som os filh os d o caos, sen do ele a ú lt im a fronteira da ciência. Para Zichichi, a
verdade é bem diferen te. E a m an eira de se pr ovar a incoerên cia das mistificações
acim a con siste em com preen der exat am en te o qu e é ciência. Zich ich i afirm a: “Nem
a m at em ática n em a ciên cia p od em descobrir Deu s pelo sim ples fato de qu e estas
du as con quistas d o in telecto h u m an o agem n o im an en te e jam ais pod er iam ch egar
ao Tran scen den te. [...] a teoria que deseja colocar o h om em n a m esm a árvore gen ea
lógica dos sím ios está abaixo d o nível m ais baixo de credibilidade científica. [...J Se o
h om em do n osso tem p o tivesse u m a cu lt u r a verdadeiram en te m od ern a, deveria
saber que a teoria evolucion ista n ão faz par te d a ciência galilean a. Faltam -lh e os dois
pilares que p erm it iriam a gran de virada de 1600: a reprodu ção e o rigor. Em su m a,
discutir a existência de Deu s, com base n o que os evolu don istas descobriram até hoje,
n ão tem n ada a ver com a ciência. Co m o obscu ran tism o m od ern o, sim .” Para u m
cientista católico, Zich ich i m an ifesta m u it a coragem . E você, terá coragem para lê-lo?
A list e r M c G r a t h e Jo h a n n a M c G r a t h , O D e l í r i o d e D a w k i n s (M u n d o
Crist ão). Escr it o p elo e x- at eu e t am b ém p r ofessor e m O xfor d (co m o D aw k in s)
Alist er M cGr at h (em co au t o r ia co m a esp osa, Jo h an n a), o livro d esm an t ela o
ar gu m en t o de qu e a ciên cia deve levar ao ateísm o. M cGr ath m o st r a qu e Daw kin s
abr açou o am ar go e d ogm át ico m an ifest o d o at eísm o fu n d am en t alist a, e em
apen as 156 p ágin as d escon st r ói os ar gu m e n t o s qu e Daw k in s e xpôs em m ais de
500, em seu livro Deus, Um Delírio.
R avi Z a c h a r ia s, A M o r t e d a R a z ã o : U m a R e s p o s t a a o s N e o a t e u s (Vida).
A M orte da R az ão é u m a r esp osta ao livro Carta a Um a N ação C n st ã, d o ateu m ilit an te
Sam H arr is, m as bem p od e ser lid o c o m o u m a r esp ost a breve ao n eoat eísm o de
m o d o ger al, d efen d id o p or figu ras co m o Daw kin s, H it ch en s, D en n et t e ou t r os.
O in dian o Ravi Zach ar ias sabe m u it o bem d o qu e est á falan d o, pois foi at eu e,
n o t e m p o em qu e cu r sava filosofia em N ova Délh i, p o r su gest ão das ideias de
Albert C am u s t en to u o su icídio. N ão foi bem - su ced id o e acabou n o h osp ital. Ali
gan h o u u m a Bíblia e su a vida d eu u m a gu in ad a. A h istór ia é im pr ession an te,
m as Zach ar ias n os d á apen as u m a “p alh in h a” d ela n essa obra, cu jo ob jetivo é
m ost r ar qu e D eu s n ão é p r o d u t o d a im agin ação e qu e o cr istian ism o fo r n ece
boas r esp ostas p ar a qu est ões levan t ad as —m u it as vezes de fo r m a lev ian a—p elos
ateu s fu n d am en t alist as. En tre ou t r o s assu n t os, Zach ar ias tr at a d a ver dadeir a
n at u r eza d o m al, d a ab solu t a falên cia d o n eoateísm o, d a coexistên cia d a r eligião
e da ciên cia e d a fu n d am en t ação d a m or alid ad e. Zach ar ias m o st r a qu e a visão de
m u n d o d os n eoat eu s leva a u m vácu o. “Pelo m en os Voltaire, Sar t r e e N ietzsch e
for am sin cer os e coer en tes n a visão de m u n d o deles. Eles con fessavam o ridí
cu lo d a vida, a falt a de sen tido de t u d o n u m m u n d o ateísta. Os ateu s de h oje,
co m o Rich ard Daw kin s e Sam H arris, todavia, est ão t ão cegos p ela ar r ogân cia
da m en te deles qu e p r ocu r am apr esen t ar essa visão d a vid a co m o algu m tipo
de liber tação t r iu n fal. [...] A vida sem D eu s é em ú lt im a an álise u m a vid a sem
n en h u m p o n t o de refer ên cia de sen t id o qu e n ão seja a qu e algu ém lh e d á n a
h or a.” N a p ágin a 64, Zach arias su m ar iza su as ideias assim : “A visão de m u n d o
d a fé cristã é bem sim ples. D eu s p ô s n este m u n d o o su ficien te p ar a t o r n ar a fé
n Ele u m a coisa bem r azoável. M as d eixou d e for a o su ficien te a fim de qu e viver
tão som en t e p ela razão p u r a fosse im p ossível.” O livro t em ap en as 110 p ágin as,
m as traz in sp ir ação e lições p ar a u m a vida.
W illiam Lan e C r a ig, A p o l o g é t i c a P a r a Q u e s t õ e s D i f í c e i s d a V i d a (M u n d o

Cr ist ão). Em seu livro, Cr aig (q u e é d o u t o r em te ologia e filosofia) m o st r a qu e a
t eologia bíblica p od e r espon der sat isfator iam en te qu est ões qu e têm q u e ver com
n osso dia a dia. Por exem p lo : Por qu e D eu s n ão respon de às m in h as orações?
Se D eu s é on ip oten te, p or qu e o m al existe? Se Deu s é t ão am o r o so , p or qu e
sofrem os? Q u al é o sign ificado do sofr im en t o par a o cristão? C o m o ele deve lidar
co m su as dú vidas? E m ais u m a con tr ib u ição d o escr itor qu e vem p r om ov en d o
in cessan tem en te a ideia de que o cristão p od e e deve desen volver u m a fé racion al,
e d eve est ar sem p r e p r on t o p ar a r esp on d er a t od o aqu ele q u e lh e ped ir a r azão
da su a esp er an ça (1 Pedro 3:15). Cr aig t am b ém lida fr an cam en te co m qu est ões
esp in h osas qu e en volvem as p olêm icas d o ab o r t o e da h om ossexu alid ad e. Ao
p r op o r u m a ver d ad e ab solu t a, cr istãos co m o Cr aig e ou t r o s p o d e m p ar ecer
ar r ogan t es e in t oler an t es. Por isso, logo n a in t r od u ção de seu livro, o au t or
avisa: “O cr istão e st á co m p r o m et id o t an t o co m a verdade co m o c o m a t ole r ân
cia, p or qu e acr ed it a n aqu ele qu e n ão som en t e disse ‘Eu sou a ver d ad e’, co m o
t am b ém d eclar ou ‘am ai os vossos in im igos’.” En fim , é leit u r a ob r igat ór ia par a
q u em qu er en t en d er o m u n d o co m as clar as len tes da cosm ovisão cristã. O u t r o
b om livro deste m e sm o au t o r é Em Gu arda: Defen da a t é Cn st a com R az ão e Precisão.
N an c y P e ar c e y e C h a r le s T h a x t o n , A A im a d a C iê n c ia (C u lt u r a Cr ist ã).
Pearcey (q u e t am b ém é au t or a de A V erdade A bsolu ta, en t r e ou t r o s livros) é edi
t o r a colab or ad or a d o Pascal Cen tr e for Advan ced Stu dies in Fait h an d Scien ce;
Ch ar les T h axt on é Ph .D em qu ím ica e p ós- d o u t o r ad o cm H ist ór ia d a Ciên cia
p ela H ar var d. N o livro, eles su st en t am as bases cristãs d a ciên cia m od er n a. “O
tipo de p en sam en t o con h ecid o h oje e m d ia co m o cien tífico, c o m su a ên fase n a
exp er im en t ação e fo r m u lação m at em át ica su r giu n u m a c u lt u r a específica —a
d a Eu ro p a O cid en t al —e e m n en h u m a o u t r a”, afirm am . E co m p let am : “Os m ais
diversos est u d iosos r econ h ecem qu e o cr ist ian ism o for n eceu t an t o os p r essu
p ost os in telectu ais q u an t o a san ção m o r al p ar a o d esen volvim en to d a ciên cia
m od er n a.” Pearcey e T h axt on p r ovam , co m b o a d ocu m en t ação h istór ica, qu e o
con flito ciên cia versus r eligião é equ ivocad o e t em or igem recen te. Segu n d o eles,
d u r an t e cerca de três sécu lo s, a r elação en t r e a ciên cia e a religião p od e ser m ais
bem descrita co m o u m a alian ça. “O s cien tistas qu e viver am d o sécu lo 16 até o
fin al do sécu lo 19 viver am n u m u n iverso m u it o diferen te d aqu ele n o qu al vive
o cien tista d e h oje. E b em provável qu e o p r im eir o cien t ist a t en h a sido u m in di
víd u o tem en t e a D e u s qu e n ão con sid er ava a in vestigação cien tífica e a d evoção
r eligiosa in com patíveis. Pelo con trário, su a m ot ivação par a est u d ar as m ar avilh as
d a n at u r e za er a o ím p et o religioso de glor ificar o D eu s qu e as h avia cr iad o.”
R O TE I R O P A R A A S U A JO R N A D A 1 5 1
Jo h n C . Le n n o x, P or Q u e a C iê n cia N ão C o n se gu e E n t e r r a r D e u s (M u n do
Crist ão). Escrito pelo m at em át ico br it ân ico Jo h n C. Len n ox, d a Un iversidade de
O xford, o livro Por Que a Ciên cia N ão Consegue Enterrar Deus defen de com ar gu m en t os
sólid os e lin gu agem clar a a coexistên cia en t r e o con h ecim en t o cien tífico e o
religioso. U m dos p on t os fo r te s d a ob r a são as citações de p en sad or es e au t or es
im p or t an t es e as com p ar ações e ilu str ações (co m o o “bolo d a tia M at ild e”), qu e
aju d am n a co m p r een são d o con t eú d o. Para Len n ox, algu n s ateu s t êm u m “fer
vor r eligio so” t ão gr an d e qu e ch egam a h ostilizar cien tist as qu e cr eem . En tre os
tópicos ab or d ad os n a ob r a est ão o em b ate en t r e as cosm ovisões, a or gan ização
da n at u r e za e d o Un iver so, a com p lexid ad e da biosfera, a or igem d a vid a e do
có d igo gen ét ico e a p r oxim id ad e co m a religião m an t id a p or gr an d es cien tistas
co m o Fran cis Bacon , Galileu Galilei, Isaac New ton e Clerk M axw ell.
A r ie l A. R o t h , A C iê n cia D e s c o b r e D e u s (Casa Pu blicad ora Brasileira). Em

seu livro A Ciên cia Descobre Deus, o z o ó lo go ad ven tista Dr. Ariel R ot h m en cion a a
ocasião em q u e visitou a fam osa Abadia de W estm in ster, n a In glat er r a. Ali est ão
sep u lt ad os New ton e Darw in . Roth r elem b ra: “Q u an do visitei os t ú m u lo s desses
dois ícon es d o m u n d o cien tífico, n ão p u d e deixar de m ed it ar sobre o legad o co n
tr astan te sobr e D eu s qu e am b os d eixar am à h u m an id ad e. [...] A vid a d e N ew ton
ilu stra clar am en t e co m o a excelên cia cien tífica e u m a firm e fé e m D eu s p od em
an d ar de m ãos dadas.” Rot h lida de fo r m a com peten te co m pergu n t as co m o estas:
Será qu e u m Design er criou n osso u n iver so, ou ele evolu iu de m an eir a espon tân ea?
Pode a ciên cia ser objetiva e, ao m esm o tem po, adm it ir a possibilidade de qu e Deu s
existe? Isso faz diferença? Em face de tan ta evidên cia que parece exigir u m Deu s par a
exp licar o qu e vem os n a n at u r eza, p or qu e a com u n id ad e cien tífica p er m an ece
em silên cio sobr e o Criador? Deu s existe? Segu n d o Rot h , a p r óp r ia ciên cia est á
ofer ecen d o as respostas.
M ich e lso n Bo r ge s, A H i s t ó r i a d a V i d a (Casa Pu blicad ora Brasileira). Depois

de dez an os d a pu blicação de A História da V ida, o livro p assou p or u m a atu alização
e est a n ova edição revista reú n e o qu e h ã de m ais atu al com r espeito à con trovérsia
en t re cr iacion ism o e evolu cion ism o —sem perd er a car act er íst ica qu e iden tifica
a ob r a d esd e o in ício: a lin gu agem é sim p le s e o con t eú d o, acessível. O au t o r é
jo r n alista e m est r e em teologia, e p r ocu r a r esp on d er a p er gu n t as co m o estas:
Deu s existe? Q u al a or igem d o Un iverso e da vida? A teoria d a evolu ção é coeren te?
O cr iacion ism o é cien tífico? P od em os con fiar n a Bíblia? O d ilú vio de Gên esis
é len da ou fato h istórico? De on de vier am e p ar a on de fo r am os din ossau r os?
O qu e dizer d os m ét o d o s de datação? O s leit or es qu e qu iser em se ap r ofu n d ar
n o assu n t o t êm à d isposição, n o fim de cad a cap ít u lo , in ú m er as referên cias com
dicas sobr e os m elh or es livros e sites p ar a leit u r a ad icion al.
P h illip Jo h n so n , D a r w i n n o B a n c o d o s R é u s (C u lt u r a Cristã). O polêm ico

livro de Joh n son m exeu co m os fu n d am en t os cien tíficos, pois d e m o n st r a qu e
a teor ia da evolu ção n ão t em su a base em fatos, m as n a fé —fé n o n at u r alism o
filosófico. Joh n son ar gu m en ta cor ajosam en te qu e sim plesm en te n ão h á u m vasto
cor p o de d ad os qu e d eem su p or t e à teor ia. C o m o clim a in t r igan t e de u m m is
tér io e detalh es qu e n os pr en d em co m o q u an d o assistim os a u m ju lgam en t o,
Jo h n son co n d u z o leit or pelas evidên cias co m a perícia de u m ad vogad o, a qu al
ele ad qu ir iu co m o p r ofessor de Direito em Berkeley, especializan do-se n a lógica
d os ar gu m en t os. O au t o r é gr ad u ad o em H ar var d e n a Un iversidade de Ch icago.
Ele foi oficial de dir eit o d o presiden te d o Su p erior Tribu n al Earl W arren e en sin ou
por m ais de t r in ta an os n a Un iversidade da Califór n ia, Berkeley, on d e é professor
em ér it o de Direito.
A r ie l R o t h , O r ige n s: R e la c io n a n d o a C iê n c ia c o m a B í b l i a (Casa Publi-

cad or a Brasileira). E possível h ar m on izar a ciên cia e a Bíblia? A ciên cia m od er n a,
p o r m eio d a t eor ia d a evolu ção, con segu iu r efu t ar a n arr at iva bíblica d a origem
d a vida? Q u em aceit a a teor ia cr iacion ista pr ecisa, n ecessar iam en t e, r ejeit ar a
ciên cia? O cien tist a ad ven tista Ariel R ot h p r ocu r a d em on st r ar qu e a h ar m on ia
en t r e a ciên cia e a religião bíblica n os tr az u m a com p r een são m ais co m p let a do
m u n d o qu e n os cer ca e d o sign ificad o d a existên cia h u m an a. R ot h é d o u t o r em
Z oologia p ela U n iver sid ad e de M ich igan , Estad os Un idos.
M ic h e lso n Bo r ge s, P o r Q u e C r e i o (Casa Pu blicadora Brasileira). O livro

r eú n e 12 en t revistas com pesqu isadores de ár eas diversas, co m o física, bioquím ica,
m at em ática, biologia, arqu eologia e teologia. O n ze deles con tam p o r qu e são cria-
cion istas e ap r esen t am for tes ar gu m en t o s a favor do m od elo . O 12° en t revistado
é o bioqu ím ico M ich ael Beh e, au t or d o livro A Caix a Preta de Darw in. Beh e tam bém
exp õe ar gu m e n t o s q u e d e m o n st r am a in su ficiên cia ep istêm ica d o d ar w in ism o.
A d a u t o Lo u r e n ç o , C o m o T u d o C o m e ç o u (Editora Fiel). Será qu e realm en te

som os r esu lt ad o de u m cald o p r im or d ial, qu e poderia ter existido h á bilh ões
de anos? Ser á qu e o Un iverso, q u e p ossu i m ais estrelas d o qu e tod os os gr ãos de
areia de todas as praias e de tod os os d eser tos d o n osso p lan eta Terra, com t od a
R O TE I R O P A R A A S U A J O R N A D A . 1 5 3
a su a beleza exu ber an t e e leis precisas, teria sido fr u t o de u m acid en te cósm ico
con h ecid o co m o Big Ban g, h á 13,7 bilh ões d e an os? Ao n os d ep ar ar m os com
a com p lexid ad e do cód igo gen ét ico, con t en d o m ais d e três bilh ões de let ras
p er feitam en te or gan izad as, alt am en t e codificad o e eficien tem en te ar m azen ad o,
cap az de cr iar sist em as co m t am an h a com p lexid ad e e design co m o o co r p o
h u m an o , seria con cebível aceit ar qu e tal codificação t er ia sido fr u t o d o acaso? O
físico cr istão A d au t o Lou r en ço ofer ece r esp ostas coeren tes p ar a essas qu est ões.
L e o n a r d Br a n d , F é , R a z ã o e H i s t ó r i a d a T e r r a (U n asp r ess). Segu n d o

r esen h a d o Dr. N ah or Neves d e So u za Jr., a ob r a de Br an d é caracter izad a p ela
abr an gên cia d os t em as, p ela qu alid ad e das in for m ações, bem co m o p elo esp í
r it o d esp r et en sioso e ver d ad eir am en t e im parcial, o q u e a co lo ca co m o u m a das
m elh or es con tr ibu ições àqu eles qu e, sin ceram en te, se in t er essam pela associação
coer en te e su sten t ável en t re os co n h ecim en t os cien tífico, filosófico e religioso.
O au t or , b iólogo ad ven tista, elab or ou esse excelen t e livro fu n d am en t ad o em
p esq u isas cien tíficas pessoais (m et icu lo sam en t e desen volvid as), e m su a exp e
riên cia co m o d ocen t e e n a u t ilização de in for m ações pert in en tes, or iu n d as de
t extos cr it er iosam en te selecion ad os. A u t ilização de b oa d id ática e ilu st r ações
apropr iad as favor ecem u m a leit u r a agr adável, elu cid ativa e acessível.
H u m b e r t o R asi e Jam e s G ib so n (o r gs.), M ist é r io s d a C r iaç ão (Casa Publica

d ora Brasileira). Ju n t am en te com o Dr. Rasi, o biólogo Dr. Jam es Gibson organ izou
o livro M istérios da Criação. A ob ra r eú n e u m “tim e de peso” for m ad o p or cien tistas
e pesqu isadores, m u it os dos quais ligados ao Geoscien ce Research In stitu te. Tem as
co m o a h ar m on ia en tr e a ciên cia e a Bíblia, evidên cias d a existên cia do Cr iad or ,
Big Ban g e or igem da vida, d in ossau r os e m ét od os de datação, dilú vio e registro
fóssil, en t re ou tr os (ao todo, 20 qu est ões cien tíficas), são tr atados com clareza e
pr ofu n d idade. Apesar d o distan ciam en t o gr adu al en t re a com u n id ad e cien tífica
e a cosm ovisão bíblico-cristã, os au t or es m ost r am p or m eio de argu m en tos con sis
ten tes qu e é perfeitam en t e possível u m a ad equ ada in tegração en tre ciên cia e fé. E
que essas “du as len tes” aju d am a desven dar m ais facilm en te os m istérios d a criação.
M ich ae l Be h e , A C a i x a P r e t a d e D a r v / i n : O D e sa fio d a B i o q u í m i c a à
T e o r i a d a E v o l u ç ã o (Jor ge Z ah ar ). N est a obra, o bioqu ím ico M ich ael Beh e
apresen ta exem plos in con testáveis de destgn in teligen te n a n at u r eza e desen volve o
ar gu m en t o d a com plexid ad e irr ed u t ível. U san d o co m o exem p lo desses sistem as
a visão, a co agu lação d o san gu e, o t r an sp or t e celu lar e a célu la, Beh e d em o n st r a
1 5 4 A D E 5 C O B E R TA
con vin cen tem en t e qu e o m u n d o b ioqu ím ico fo r m a u m arsen al de m áqu in as
qu ím icas, con st it u íd as d e peças fin am en t e calib radas e in t er depen den tes. Para
qu e a teoria da evolu ção fosse verdade, deveria ter h avido u m a série de m u t ações,
to d as e cad a u m a d elas p r od u zin d o su a p r óp r ia m aqu in ar ia, o qu e r esu lt ar ia n a
com p lexid ad e atu al. M esm o n ão sen d o u m cr iacion ista, o Dr. Beh e ar gu m e n t a
qu e as m áq u in as b iológicas t êm q u e t er sido plan ejad as —seja p o r D eu s o u p or
algu m a o u t r a in teligên cia su p erior . Segu n d o o au t or , “a co m p r een são r esu l
tan te de qu e a vida foi p lan ejad a p or u m a in t eligên cia é u m ch oq u e par a n ós n o
sécu lo [21], qu e n os aco st u m am o s a p en sar n ela co m o r esu lt ad o de leis n atu r ais
sim p le s”. Porém , ele lem b r a qu e ou t r os sécu lo s “t am b ém tiveram seu s ch oqu es,
e n ão h á r azão p ar a p en sar qu e d ever íam os escap ar d eles”.
A le x a n d e r v o m St e in , C r iaç ão : C r ia c io n ism o B í b l i c o (SCB). Cn ação é o

pr im eiro livro-texto em lín gu a alem ã a apresen t ar d etalh ad am en te o m od elo cria
cion ista. E apropriado par a joven s a partir de 14 an os. Partindo d o estado atu al da
ciência, explica até m esm o fatos com plicados de m od o que possam ser facilm en te
com preen didos. O livro deixa claro qu e as pergu n t as sobre “de on d e” e “par a on de”
n ão devem ser respon didas som en te pela observação e ded u ção, m as, em ú lt im a
an álise, pela fé. O au t or m ostr a que m u it os fatos h oje descobertos pod em ser m ais
bem explicados p or m eio do m od elo criacion ista. Os capítu los referen tes às ciências
n atu r ais p r opor cion am acesso fácil aos t em as com plexos e são bastan te atuais.
R e in h a r d Ju n k e r e Sie gfr ie d Sc h e r e r , E v o l u ç ã o : U m L i v r o - T e x t o C r í
t i c o (SCB). Neste livro, Ju n k er e Sch er er con t am com a colab or ação de m ais
n ove esp ecialist as, d os qu ais oito d o u t o r es r econ h ecid os e m su as respectivas
áreas: Biologia, Botân ica, M icr obiologia, Em briologia, Q u ím ica, Paleon tologia
e A n tr op olo gia. A o b r a abor da fu n d am e n t os d a ciên cia e da ep ist em olo gia, h is
tór ia d o p e n sam e n t o evolu cion ist a, con ceit os fu n d am en t ais de t axon o m ia e d a
sistem ática, e st u d o d as cau sas d a evolu ção e ab ran gên cia dos fator es evolu t ivos,
co m an álise d a m acr oevolu ção; evolu ção m olecu lar , co m os m ecan ism os da
m icr oevolu ção; e e v olu ção qu ím ica. Ab or d a t am b ém an alogia e h om ologia,
em b r iologia, on t ogên ese e biogeogr afia, o sign ificad o do regist ro fóssil, fu n
d am en t o s d a p aleon t o lo gia, espécies fósseis, su a ext in ção, elos p erd id os, e o
su r gim en t o d o ser h u m an o .
Jean Flor i e H e n r i R aso lo fo m aso an d r o , E m B u s c a d a s O r i g e n s : E v o l u ç ã o o u

C r i a ç ã o ? ( SCB). Flori e Rasolofom asoan d ro são pesquisadores d ou tores radicados
R O TE I R O P A R A A S U A JO R N A D A 1 5 5
n a Fran ça. A obr a con tém ricas n ot as explicativas, com en tários, far ta ilu st ração e
referên cias bibliográficas bastan te m od er n as. Os tem as são tratados com pr ofu n d i
dad e e equ ilíbrio, apresen tan do-se sem pr e as visões evolu cion ista e criacion ista dos
assu n t os abordados. Os au t or es an alisam tópicos de geologia (atu alism o, n atu r eza
e e st r u t u r a d aTer r a, roch as, carvão e petr óleo, con tin en tes à deriva, m on t an h as e
erosão, estratigrafia e seu s pr oblem as), paleon tologia (fósseis, séries evolutivas e elos
in term ediários, e en igm as d a paleon tologia), biologia (lam arqu ism o, darw in ism o,
m u t acion ism o, or igem da vida, en t re ou tr os m u it os assu n tos).
N a h o r Ne ve s de S o u za Jú n io r , U m a B r e v e H i s t ó r i a d a T e r r a (SCB). O Dr.
N ah or é geó lo go com d ou t o r ad o em Geot ecn ia pela USP e pr ofessor de Ciên ciae
Religião n o U n asp , Cam pus En gen h eir o Coelh o, SP. Em seu livro, ele m o st r a qu e
a geolo gia h istór ica par ece iden tificar-se m u it o m elh or co m os gr an des d esastr es
n atu r ais qu e se d esen volvem m u it o r apid am en te d o q u e com os p rocessos ge o
lógicos or d in ár ios (n ão catast róficos). Por ou t r o lado, os d esastres n at u r ais atu ais
são pon t u ais n o t em p o e n o esp aço; já aqu eles d esastr es “n at u r ais” p r et éritos
m an ifest aram -se globalm en te e de m an eir a in in t err u pta, du r an te u m cu r t o in ter
valo de t em p o. O au t or teve a op or t u n id ad e de est u d ar m in u ciosam en t e am p las
exposições dos derr am es basálticos da For m ação Serra Geral (Bacia Sed im en tar do
Paran á). Pesquisas cien tíficas en volven do as roch as basálticas, desen volvidas p or
ele n a USP, d u r an t e 12 an os, possibilitar am a acu m u lação d e sign ificativo acervo
de d ad os qu e levam o leitor a tirar con clu sões su r preen d en t es.
Er w in Lu t z e r , 7 R a z õ e s P a r a C o n f i a r n a Bíb t ia (Vida). O m u n d o m od er n o
tem r ejeit ad o cada vez m ais os valores cr istãos. Para m u it os, a Bíblia é ap en as u m
livro de valor h istórico. Crít icos m ais agressivos p r ocu r am r em over a p r esen ça de
D eu s de su as págin as, co m o se isso fosse possível. Em m eio a t an to m at er ialism o,
o p ast or Erw in Lu tzer ap r esen t a n este livro algu m as r azões in con testáveis p ar a
p r ovar a veracidade e a fided ign idade das Escr it u r as Sagr adas. A Bíblia é a Palavra
de Deu s. Su a m en sagem in con fu n dível tem ab en çoad o e t r an sfor m ad o bilh ões de
seres h u m an o s ao lon go d os an os. Su as profecias têm se cu m p r id o fielm en te.
Su as ver d ad es m u d ar am n ações e su a in flu ên cia é cr escen te em vár ios set or es
da sociedade. Lu tzer é m est r e em te ologia p elo Sem in ár io Teológico de Dallas.
Ro d r ig o Silv a, E sc a v a n d o a Ver d ad e (Casa Pu blicadora Brasileira). Con form e

escreveu W ayne Jackson , “a ciên cia d a arqu eologia tem sido u m a gran de benfeitora
para os est u d an tes da Bíblia. Ela tem : (1) aju d ad o n a iden tificação dos lu gares e n o
estabelecim en to dc datas, (2) con tribuído par a o m elh or con h ecim en to dc an tigos
cost u m es e ob scu r os idiom as, (3) trazido lu z sobre o sign ificado de in ú m er as pala
vras bíblicas, (4) au m en t ad o n osso en t en d im en to sobre certos p on t os d ou t r in ár io s
do N ovo Test am en t o, (5) silen ciado p r ogr essivam en t e cer tos cr ít icos qu e n ão
aceit am a in sp ir ação d a Palavra de D e u s”. O p r ofessor de te ologia e esp ecialista
em ar qu eolo gia Dr. R od r igo Silva ch am a aten ção p ar a t u d o isso e m seu livro
Escavando a V erdade: A A rqueologia e as Incríveis H istórias da Bíblia. M as n ão espere u m
t r at ad o cien tífico co m lin gu agem e m p olad a. O livro de Rod r igo é t u d o, m en os
isso. Con for m e ele m e sm o escreveu n a In t r od u ção, “n ão se t r at a de u m livro
técn ico, m u it o m en o s exau st ivo. Aqu i v am o s tr at ar das evidên cias d o An tigo
Test am en t o e d a vid a d e Jesu s n o N ovo T est am en t o”. Rod r igo, qu e fez est u d os
de p ós- d o u t o r am en t o e m ar qu eolo gia bíblica p ela An drew s U n iver sity e cu r sa o
d ou t o r ad o em ar qu eologia n a USP, p ar t icip ou de escavações em Israel, Espan h a,
Su d ão e Jord ân ia. P ort an t o, n as 176 p ágin as de seu livro, ele fala d o qu e viu e
t ocou e n ão ap en as d o qu e p esqu isou ou leu .
P e t e r K r e e ft , Só c r a t e s e f e s u s (Vida). Im agin e qu e u m an tigo filósofo gr ego

su rgisse em p len o sécu lo 20 e se m at r icu lasse n u m a facu ld ade de teologia liberal,
dessas qu e r elativizam a au t orid ad e bíblica. Mais: im agin e qu e esse filósofo fosse o
in qu ir id or Sócr ates, con sid er ado u m d os fu n d ad or es da filosofia ocid en t al. Q u al
seria o teor das d iscu ssões d o aten ien se co m os alu n os e pr ofessor es? C o m o o
filósofo qu e se o p u n h a ao politeísm o gr ego reagiria à leitu r a d o An tigo e do Novo
Testam en tos? C o m o en car aria Jesu s Cr ist o e as alegações q u an t o à divin d ad e e
a r essu r r eição dEle? É disso —e m u it o m ais —qu e t r at am as d u zen t as págin as d o
livro de Kreeft. “Jesu s e Sócr ates são cer t am en t e os dois h om en s m ais in flu en tes
qu e já exist ir am , pois d ão origem aos dois segm en t os d a civilização ocid en t al: a
cu lt u r a bíblica (ju d aico- cr ist ã) e a clássica (gr e co - r o m an a)”, escr eve Kr eeft logo
n a In t r od u ção. P or t an t o, é o tipo de leit u r a qu e aju d a até m e sm o a en ten der
as bases sobr e as qu ais n ossa p r óp r ia c u lt u r a est á edificada. Peter Kreeft é Ph D e
p r ofessor de filosofia d o Bost on College.
C
o m e c e i a e sc r e v e r e st e liv r o e m 2005. N e sse m e sm o a n o , in icie i m e u
m e st r a d o e m t e o lo gia e t ive q u e a b a n d o n a r t e m p o r a r ia m e n t e C a r lo s,
La u r a e Be at r iz . O liv r o fico u n a “g a v e t a ” p o r u m b o m t e m p o , m a s, e m
a lg u m lu g a r d a m in h a m e n t e , in c o m o d a v a - m e a v o n t a d e d e p r o d u z ir
u m a o b r a ficcio n al q u e c o n t iv e sse o s p r in c ip ais a r g u m e n t o s t e íst as/ cr ia-
c io n ist a s - e r a m o s “m a c a c o s n o só t ã o ”, c o m o c o st u m a d ize r o D e n is,
faze n d o r e fer ê n cia às p alav r as d e Z ir ald o , q u a n d o d e scr e v e se u p e r so n a ge m
“M e n in o M a lu q u in h o ” .
E m 2010, r e e n co n t r e i n u m a p a st a e m m e u c o m p u t a d o r o p r im e ir o c ap í
t u lo d e A D escob ert a. Ali e st av am C a r lo s, Lau r a e Be at r iz m e p e d in d o p a r a
v ir à lu z. M as h av ia m e d a d o c o n t a d e q u e t in h a p e r d id o o fio d a m e a d a
e u m p o u c o d o e n t u sia sm o in icial c o m o p r o je t o . E u sab ia q u e o e n r e d o
e r a b o m , m a s n ã o t in h a u m a id e ia c la r a d e c o m o c o n d u z i- lo . Fo i e n t ã o
q u e o D e n is e n t r o u n a h ist ó r ia.
Eu já c o n h e c ia o t a le n t o lit e r á r io d o a u t o r d e A lé m d a M a g i a e 0 Liv ro
A m argo e r e so lv i e n v ia r - lh e o c a p ít u lo 1 e o e sb o ç o d e A D e scob e rt a. D isse
a o D e n is q u a l e r a o p r o p ó sit o d a o b r a e fale i- lh e so b r e o s c o n t e ú d o s q u e
d e se jav a co b r ir . Ele g o st o u d a id e ia e e n t ão e u o con vid ei p a r a t r a b a lh a r m o s
ju n t o s. D e n is a d ic io n o u n o v o fô le g o à h ist ó r ia, c r io u n o v o s p e r so n a g e n s
e d e u r u m o s in t e r e ssa n t e s à v id a d e c a d a u m d e le s.
N ão d á p a r a n e ga r q u e q u ase t o d a h ist ó r ia (e sp e c ia lm e n t e as ficcio n ais)
c o n t é m a lg o d e a u t o b io gr áfic o . A b an d o n e i a id e ia d a m a c r o e v o lu f ã o e o
n a t u r a lism o filo só fico q u a n d o e st u d a v a n o c u r so t é c n ic o d e q u ím ic a , n o
e n sin o m é d io . Se m p r e fu i a m an t e d a ciên cia e, p o r isso, n a t u r a lm e n t e cét ico.
1 5 S A D E 5 C 0 B E R TA
Q u a n d o so u b e q u e o d a r w in ism o t in h a gr av e s in su ficiê n cias e p ist ê m ic a s,
p asse i a e st u d a r o a ssu n t o m ais a fu n d o . D e p a r e i- m e c o m o a r g u m e n t o d a
c o m p le x id ad e ir r e d u t ív e l, d e M ich ael Be h e, e c o m a t r e m e n d a d ificu ld ad e
q u e o d a r w in ism o t e m e m e xp licar a o r ige m d a in fo r m a ç ã o c o m p le x a e
e sp e cífica. D e o n d e su r g iu a in fo r m a ç ã o ge n é t ic a n e c e ssár ia p a r a faze r
fu n c io n a r a p r im e ir a cé lu la? D e o n d e p r o v e io o a c r é sc im o d e in fo r m a ç ã o
n ecessár ia p ar a d ar o r ige m a n ov os p lan o s co r p or ais e às m elh o r ias biológicas?
O p a sso se gu in t e fo i b u sc ar u m m o d e lo q u e m e fo r n e c e sse r e sp o st a s a o
e n igm a d o c ó d igo se m o co d ificad o r , d o design se m o design er, d a in fo r m a ç ã o
se m a fo n t e d e in fo r m a ç õ e s. Fiq u e i a t u r d id o c o m a c o m p le x id a d e física
d o U n iv e r so e c o m a c o m p le x id a d e in t e g r a d a d a vid a.
N essas p e sq u isas, d e sco b r i q u e o cr iacio n ism o é a co sm o v isão q u e associa
c o e r e n t e m e n t e c o n h e c im e n t o cie n t ífico e c o n h e c im e n t o b íb lico . E m e vi
e m b o a c o m p a n h ia a o sab e r q u e g r a n d e s cie n t ist as c o m o G a lile u , C o p é r -
n ico , N e w t o n , P ascal, P ast e u r e o u t r o s n ã o v iam c o n t r a d iç ã o sign ific at iv a
e n t r e a ciê n cia e x p e r im e n t a l e a t e o lo g ia ju d a ic o - c r ist ã .
U sei m e u ce t icism o , fu i at r ás d as evid ên cias e m e su r p r e e n d i c o m u m a
in t er p r etação sim p les e n ão an ticien tífica p ar a as origen s. R esu lt ad o?T o m e i- m e
cr iacio n ist a e fu i b at izad o n a Igr e ja A d v e n t ist a e m d e z e m b r o d e 1991.
C o m o D e n is, a h ist ó r ia foi u m p o u c o difer en te. Assim c o m o e u , e le n ão
n asceu n u m lar ad ven tista, m as e st u d o u e m escolas adven tist as e foi bat izad o em
1993, n o In st it u t o A d ven t ist a Par an aen se (IAP). Só qu e, ao e n t r ar n a facu ld ad e,
ele ab an d o n o u a fé. D en is c o st u m a d izer q u e a h ist ór ia d e fid elid ad e d e u m
jo v e m ad v e n t ist a n a facu ld ad e é algo q u e ele, in felizm en t e, n ão p o d e co n t ar
c o m o e xp e r iê n cia p r ó p r ia; ao co n t r ár io , só p o d e co n t ar d o “e sfr iam e n t o ” de
u m cr en t e q u an d o se afast a d a p r o t e ç ão e d o ap oio ce r t o s d e D e u s.
A p esar d e n u n c a t e r d u v id a d o d a e xist ê n cia d e D e u s, o a fa st a m e n t o d as
at iv id ad e s d a ig r e ja e d a ir m a n d a d e a d v e n t ist a fiz e r a m d a r e ligio sid ad e e
d a c o m u n h ã o c o m o C r ia d o r a lg o b e m d ist a n t e p a r a D e n is. C o n h e c i esse
p a r c e ir o lit e r á r io l o g o a p ó s se u r e t o m o p a r a a I gr e ja A d v e n t ist a e n u m
m o m e n t o e m q u e e le b u sc av a r e st a u r a r se u “p r im e ir o a m o r ” .
N e ssa é p o ca, D e n is já e st av a c a sa d o e c o n t a q u e, ap e sar d e t e r r e t o r n a d o
p a r a a igr e ja, se n t ia fa lt a d e algo r e alm e n t e in t e n so —a lgo q u e via n o lo u v o r
d o s p e q u e n o s láb io s d e su a filh a, Lívia, q u e n a é p o c a t in h a c e r c a d e d ois
S O B R E E S TE U V R O 1 5 9
an o s d e id ad e . “A g r a n d e c o n v e r sã o d a m in h a v id a a c o n t e c e u q u a n d o e u
e st av a se n t a d o n a sa la d a m in h a c asa, e x t a sia d o c o m u m c â n t ic o in fan t il
d a m in h a filh a ” , r e c o r d a D e n is, “Eu a vi e o u v i lo u v a n d o e co n clu í: ‘Eu
q u e r o se r c o m o e ssa cr ia n ç a , m a s n ã o so u .’ N a q u e le d ia, c o m e ç o u m in h a
jo r n a d a p a r a v o lt a r ao s b r aço s d o Pai e n ã o ap e n as p a r a o s b an co s d a igr e ja .”
N o sso p r im e ir o c o n t a t o fo i p o r e - m ail, q u a n d o D e n is m e a p r e se n t o u a
id e ia d e e scr e v e r seu p r im e ir o liv r o v o lt a d o ao p ú b lic o cr ist ão . P o d e r íam o s
d ize r q u e fo i aii q u e t u d o c o m e ç o u . Ele c o n t a : “Eu h av ia a c a b a d o d e r e c e
b e r u m d e sa fio d e D e u s p a r a e sc r e v e r a lgo c o m c o n t e ú d o r e ligio so . E m
o r a ç ã o , fale i q u e a ce it ar ia o d e sa fio a p e n a s se t iv e sse u m a o p o r t u n id a d e
c o n cr e t a. E scr ev i u m e - m ail p a r a o M ich e lso n , p e r g u n t a n d o se ele le r ia u m
liv r o e sc r it o p o r m im e se o a p r e se n t a r ia a o r e sp o n sá v e l p e lo s t r â m it e s d e
a v a liaç ão d a C a sa P u b lic a d o r a Br a sile ir a . E m p o u c o s m in u t o s, a r e sp o st a
e st av a n a m in h a c aixa d e e - m ails, e e u t ive a o p o r t u n id a d e c o n c r e t a d e ser ,
p e lo m e n o s, av a liad o p o r p r o fissio n ais d a e d it o r a ad v e n t ist a . N a sc ia m ,
e n t ã o , as p r im e ir a s lin h a s d o liv r o A lé m d a M a g i a ”
O D e n is e e u se m p r e g o st a m o s d e b o a le it u r a e d e e scr e v e r h ist ó r ias. D e
m o d o d ife r e n t e , a m b o s t iv e m o s n o ssa “fase T o m é ” , e D e u s n o s p o ssib ilit o u
“t o c a r ” as e v id ê n cias. C r e m o s q u e a P r o v id ê n cia fez n o sso s c a m in h o s se
e n c o n t r a r e m , e lo u v a m o s a D e u s p e lo q u e Ele t e m fe it o e m n o ssa v id a.
M ich elso n Borges
O
q u e a co n t e ce q u a n d o um b r ilh a n t e c ie n t is t a
at e u d e sco b re q u e a c iê n c ia n ão t e m t o d a s as
re sp o st as p ara o s d ile m a s d a v id a ? O q u e a co n t e ce
q u a n d o a lg u é m fam o so , b e m -s u c e d id o e r ic o p e rc e
b e q u e h á s it u a ç õ e s p ara a s q u a is f a m a , s u c e s s o e d i
n h e ir o n ão o fe re ce m s o lu ç ã o ?
E s s a é a r e a lid a d e d o f ís i c o C a r lo s B ia g io n i. E n q u a n
to se u ca sam e n t o afu n d a e a c a r r e ir a d e c o la , u m a t ra
g é d ia f a m ilia r f a z co m q u e e le in ic ie u m a jo r n a d a q u e
m u d a rá c o m p le t a m e n t e su a v is ã o d e m u n d o , o fe re -
c e n d o -l h e u m a ch an ce d e c u r a r f e r id a s d o p a ssa d o e
a p o s s ib ilid a d e d e o lh a r p a r a o fu tu ro co m e sp e ra n ça .
A c o m p a n h e e sse c ie n t is t a n u m a av e n t u ra c h e ia d e
d ra m a , am o r e d e sco b e rt a s q u e p o d e rã o m u d a r t a m
b é m a s u a v id a .
D e n is C r u z é g r a d u a d o em D ir e it o e t r a b a l h a n a P r o m o t o r ia
d e J u s t iç a d e M u n d o N o v o , M S. É a u t o r d e Além da Magia,
O Livro Amargo e v á r io s l iv r o s p a r a d id á t ic o s .
M ic h e ls o n B o r g e s é jo r n a l is t a e m e s t r e e m t e o lo g ia . T r a b a lh a c o m o
e d it o r n a C a s a P u b l ic a d o r a B r a s ile ir a e é a u t o r d o s liv r o s A Hist ória

da Vida, Por Que Creio e Nos Bast idores da Mídia, e n t r e o u t ro s.

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E s te m a n u a l fo i d is p o n ib iliz a d o e m s u a v e rsã o d ig ita i a fim d e p r o p o rc io n a r a c e sso à p e s s o a s c o m

d e f ic iê n c ia v is u a l, p o s s ib ilita n d o a le itu r a p o r m e io d e a p lic a tiv o s T T S (T e x t to S p e e c h ), q u e

e st a v a v o a n d o co m a sas d e cera; p u b lic a d o s p e la C a s a P u b lic a d o r a

e e ssa s asas e st av am d erreten d o . B r a s ile ir a . D e n is é c a s a d o co m a

" verd ad e d e la b o r a t ó r io ”, a t é se B r a s ile ir a . T a m b é m é a u t o r d o s l iv r o s

A Hist ória da Vida, Por Que Creio,

CASA P U BLIC AD O RA BRASILEIRA

Coorden ação E d it o rial: M a r c o s D e B e n e d i c c o

Todos os direitos reservados. P roibida a reprodução coral ou parcial.

Tipologia: Spectrum 11,5/13,5 - 13276/26303

8 0 n a d a q ue fez tudo / | ~y 2 2 U m sá b a d o e sp e cia l 23 0

1 1 M e t a m o r f o se sile n c io sa 0 " ^ E p ílo g o ] _ Z |_ 5

PRO MESSA DE PAI 25

U—Peeler droiue - md oe q—udeisseBiagio n i fa lo u .

1 N u m a d e fin iç ã o b e m sim p lific a d a , e n t r o p ia é a m e d id a d a q u a n t id a d e d c d e so r d e m d e

p e la ciê n cia m a is a v a n ç a d a d e n o sso t e m p o e st á m a is p r ó x im a e m se u

—V o cê t e m u m a m issã o , filh a — d isse C a r lo s a o c e lu lar . — C o n v e n c e r

J L e ia o a r t i g o “ C o n s e q u ê n c i a s d o s e x o f o r a d e c o n t e x t o ” , n a r e v i s t a Fam ília Esperan ça, d i s p o ­

avia u m a e xp r e ssão feliz e m C a r lo s q u an d o ele ch e go u e m casa e gir o u

4 J. 1. P a c k e r , Ktw w m g God, p . 1 1 0 ,1 1 1 , c i t a d o p o r W i l l i a m L a n e C r a i g , A pologética Para Questões

UM SÁBADO ESPECIAL 131

N a m a n h ã d o d ia segu in t e , a t r ase ir a d o car r o d e C ar lo s est av a a b ar r o t ad a

E xist e m b o n s liv r o s e m lín g u a p o r t u g u e sa p a r a a q u e le s q u e q u e r e m

A n t o n y Flew , U m A t e u G a r a n t e : D e u s E x i s t e (Ed io u r o ). Flew é con sid e­

t or n ou - se u m clássico e a pu b licação filosófica m ais reim pressa d o sécu lo 20) e

V ik t o r F r a n k l, A P r e se n ça I g n o r a d a d e D e u s (Vozes/Sin od al). Fr an k l fala

Lee Str o b e l, £ m De fe sa da Fé (Vida). O jorn alista Lee Strobel se propôs m ostr ar

A n t o n in o Z ich ich i, P o r Q u e A cr e d it o N aq u e le q u e F e z o M u n d o (Objetiva).

W illiam Lan e C r a ig, A p o l o g é t i c a P a r a Q u e s t õ e s D i f í c e i s d a V i d a (M u n d o

A r ie l A. R o t h , A C iê n cia D e s c o b r e D e u s (Casa Pu blicad ora Brasileira). Em

M ich e lso n Bo r ge s, A H i s t ó r i a d a V i d a (Casa Pu blicad ora Brasileira). Depois

P h illip Jo h n so n , D a r w i n n o B a n c o d o s R é u s (C u lt u r a Cristã). O polêm ico

A r ie l R o t h , O r ige n s: R e la c io n a n d o a C iê n c ia c o m a B í b l i a (Casa Publi-

M ic h e lso n Bo r ge s, P o r Q u e C r e i o (Casa Pu blicadora Brasileira). O livro

A d a u t o Lo u r e n ç o , C o m o T u d o C o m e ç o u (Editora Fiel). Será qu e realm en te

L e o n a r d Br a n d , F é , R a z ã o e H i s t ó r i a d a T e r r a (U n asp r ess). Segu n d o

H u m b e r t o R asi e Jam e s G ib so n (o r gs.), M ist é r io s d a C r iaç ão (Casa Publica­

A le x a n d e r v o m St e in , C r iaç ão : C r ia c io n ism o B í b l i c o (SCB). Cn ação é o

Jean Flor i e H e n r i R aso lo fo m aso an d r o , E m B u s c a d a s O r i g e n s : E v o l u ç ã o o u

Ro d r ig o Silv a, E sc a v a n d o a Ver d ad e (Casa Pu blicadora Brasileira). Con form e

P e t e r K r e e ft , Só c r a t e s e f e s u s (Vida). Im agin e qu e u m an tigo filósofo gr ego

M ich elso n Borges

e d it o r n a C a s a P u b l ic a d o r a B r a s ile ir a e é a u t o r d o s liv r o s A Hist ória

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A n t o n y Flew , U m A t e u G a r a n t e : D e u s E x i s t e (Ed io u r o ). Flew é con sid e

H u m b e r t o R asi e Jam e s G ib so n (o r gs.), M ist é r io s d a C r iaç ão (Casa Publica