Aquisição da linguagem Oral 03 (3)
Aquisição da linguagem Oral 03 (3)
Aquisição da linguagem Oral 03 (3)
MÓDULO III
Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para
este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização do
mesmo. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores
descritos na Bibliografia Consultada.
MÓDULO III
INTRODUÇÃO
Nos módulos anteriores, você ficou conhecendo algumas das teorias que buscam
responder como ocorre a aquisição da linguagem pelas crianças, além de contato com as
pesquisas que tratam desse assunto, com foco, tanto em aspectos fonológicos quanto em
aspectos sintáticos.
Esse módulo traz observações dos pesquisadores sobre a aquisição e o
desenvolvimento da semântica. Nele, estão aspectos relacionados com a significação e
compreensão, bem como fatores externos, mas que se relacionam diretamente com
esses aspectos.
Encerrando o módulo, apresento atividades que lhe ajudarão a verificar sua
apreensão do conteúdo. Lembre-se, porém, que elas lhe darão apenas uma visão parcial
da sua aprendizagem.
Além dessas atividades, você também terá a sua disposição, ao final do módulo
um glossário e notas explicativas, além da bibliografia utilizada na elaboração desses
conteúdos.
Tenha um bom estudo!
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1. AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA SEMÂNTICA
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Observe.
6. A casa é grande.
Em (6), não podemos determinar, a partir de sua estrutura, se “casa” refere-se a
“casa de botão” ou a “moradia”.
Neste exemplo, o contexto do diálogo e/ou o situacional, nos quais o enunciado é
produzido determinará qual o significado do item lexical 1 nas sentenças, e qual a relação
sintática a serem atribuídas a elas, para uma interpretação adequada.
Embora o contexto seja utilizado para desfazer a ambigüidade 2 da sentença, o
ouvinte precisa disponibilizar tanto da informação sintática (as relações de sujeito – objeto
nas estruturas) quanto da informação semântica (todos os significados do dicionário de
um item lexical e suas relações lógicas), para realizar a interpretação requerida. Se a
informação não estiver disponível, independentemente do contexto 3 , a sentença não
comunicará o significado desejado pelo falante.
Desta forma, ao adquirir o sistema semântico de sua língua, a criança necessita
apreender o conhecimento não só dos significados do dicionário, como também, das
relações sintáticas e lógicas, para entender e produzir enunciados compreensíveis.
O número e referências dos itens lexicais adquiridos pelas crianças são
dependentes de dois fatores:
1) da sua comunidade lingüística;
2) de suas experiências.
Um exemplo claro, deste tipo de dependência, é o fato de o número e referência
dos termos das cores que uma criança deve adquirir são dependentes de sua língua
nativa.
Outro tipo de dependência – a influência do ambiente no número e referência dos
itens lexicais - pode ser exemplificado, hipoteticamente, através do seguinte caso: uma
criança vive numa comunidade lingüística, na qual não exista item lexical no dicionário
para o objeto “helicóptero”, simplesmente por que tal objeto nunca foi visto ou imaginado
pelos membros desta comunidade. Desta forma, a criança também não possui um léxico
que denomine o objeto em seu vocabulário. Porém, digamos que esse objeto apareça em
seu ambiente. Os falantes nativos poderão inventar um neologismo 4 para designá-lo.
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Nesse caso, esse termo passará a fazer parte do vocabulário da criança e do vocabulário
dos futuros falantes daquela língua.
Os falantes de tal língua poderiam inventar-lhe um termo, já que palavras “novas”
estão sendo inventadas sempre, e este termo poderia então se tornar parte do léxico da
criança e parte do léxico dos futuros falantes da língua.
Apesar da observância 5 da primeira dependência, constatou-se que certas
categorias lexicais gerais são encontradas em muitas línguas examinadas pelos
lingüistas, e que foram denominadas por eles, de universais lingüísticos 6.
Considerando o exemplo dado para essa dependência, embora não haja
correspondência de um-a-um entre os nomes das cores e suas referências nas diferentes
línguas, cada língua possui uma categoria lexical 7 que pode ser denominada de “cor”.
Sabemos que cada língua possui estruturas e propriedades que indicam pessoa,
lugar e tempo; estruturas que indicam os atributos dos objetos, seres vivos e idéias, bem
como aquelas que indicam as relações seqüências e lógicas tais como “e”, “porque”,
“então”, “não”, “mas”, etc.
Isto evidencia o que já observamos sobre os universais lingüísticos, ou seja, que
existem estruturas e propriedades dos itens lexicais que podem ser encontradas em todas
as línguas, porque o homem as julga necessárias para uma comunicação efetiva.
Vejamos mais detalhadamente os processos de aquisição de significado no
decorrer da aquisição da linguagem.
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Foi observado que dos 2 aos 5 meses, os bebês ficam felizes ao ouvir as
imitações que os pais fazem dos sons produzidos por eles. Pelo seu comportamento, os
bebês categorizados em dois grupos:
1) o primeiro apresenta uma vocalização mais “ativa” com os pais do que quando
estão sozinhos;
2) o segundo, apresenta uma atividade inversa do primeiro, ou seja, a vocalização
diminui na presença dos pais.
Outras observações feitas pelos pesquisadores 8 , durante a fase do balbucio,
foram:
a) Quando um bebê está olhando para objetos desconhecidos, a vocalização
diminui até que o objeto se torne familiar;
b) Dos 6 aos 8 meses, as vozes dos pais e outros sons provocam balbucio
repetitivo, e os bebês interrompem as atividades em reposta ao “não” da mãe;
c) Dos nove meses até um ano, as vocalizações do bebê demonstram um
aumento evidente quando os pais e bonecas estão presentes. Parece haver uma
compreensão crescente dos nomes dos objetos e situações. Durante o processo de
aprendizagem de outras tarefas, tais como ficar de pé, a vocalização diminui.
Essas observações nos levam a crer que a compreensão do significado dos
enunciados dos adultos começa um pouco antes dos nove meses.
Lewis (1963, cap. 1) já postulava que a imitação é necessária para a
compreensão do sinal da fala. Segundo esse autor, o processo de imitação apresenta três
fases:
1. Primeiro - uma resposta vocal rudimentar à vocalização sem similaridade ao
estímulo;
2. Segundo - uma suspensão desta resposta rudimentar durante a qual a
situação em que as vocalizações ocorrem é mais observada que os próprios sons;
3. Terceiro - respostas específicas a determinados padrões. Ou seja, o
estabelecimento do significado ocorre através da resposta ao ambiente: a mãe enuncia e
a criança imita.
Entretanto, para a maioria dos pesquisadores não fica claro por esta descrição, se
a compreensão antecede a imitação ou se esta leva àquela.
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Estudos, desenvolvidos a partir de 1964, constataram que não há na aquisição de
uma palavra, precedência 9 entre imitar e compreender, já que ocorrências de ambos os
tipos são observadas. A compreensão e a produção são entendidas como independentes,
pois o comportamento, que indica a compreensão, ocorre sem a produção efetiva de
qualquer item.
Sendo assim, a primeira resposta indicadora de que o sinal da fala é significativo
ocorre no nível da atuação, pois a criança interrompe sua atividade diante da palavra.
Quando a criança começa a produzir símbolos, pode usar símbolos diferentes para o
mesmo objeto.
Assim ela pode indicar uma bola com “/bó/,/bó/” e, momentos depois com “/dã/,
/dã/”. Ou seja, observamos que parece não haver necessidade de uma seqüência estrita
de imitação por primeiro e, depois, compreensão, para se estabelecer à significação de
um sinal por parte do bebê. Isto é, o bebê não precisa tentar imitar uma palavra antes de
compreendê-la. Porém, observa-se que a compreensão parece preceder a produção.
Os dados, apresentados no parágrafo acima, indicam que o uso do sistema de
símbolos verbais, nos estágios iniciais de relacionamento dos significados com os
símbolos pode ser arbitrário, pois a criança produz cadeias sonoras diferentes, que não
apresentam semelhança aos enunciados dos adultos.
Observou-se, também, que as primeiras palavras das crianças podem ser
divididas em três categorias:
a) Palavras – padrão,
b) Aproximações de palavras;
c) Palavras de uma língua própria.
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Desta forma, constatamos que o bebê apreende os princípios do jogo da
comunicação, muito antes de poder usar as regras ou modelos-padrão a ele
apresentados.
Os mesmos pesquisadores observaram que a criança significa “sapato” antes de
produzir a forma-padrão da palavra. Porém, eles não sabem se estão respondendo à
palavra, à sentença ouvida ou à situação.
Outra constatação feita foi a de que apesar da criança produzir uma seqüência
fonética que satisfaça a mãe, ela a continua usando, por algum tempo depois, esta
mesma cadeia fonética. Em situações nas quais o sapato está presente e que a cadeia
fonética que a mãe aceita é tão diferente foneticamente de “sapato” como a cadeia que
ela rejeita.
Observe.
A – cadeia fonética padrão, produzida pelo adulto Æ /sa patu/
B – cadeia fonética produzida pela criança, aceita pelo adulto Æ /pa pati/
C – cadeia fonética produzida pela criança, não aceita pelo adulto Æ /ta tu/
Isto sinaliza que é uma atividade difícil para a criança, aprender a associar um
símbolo a um objeto e a modificar sua produção, com base da aceitação ou rejeição
(gratificação ou punição) por parte da mãe, já que o comportamento da criança em termos
de precisão da produção é arbitrário.
A aquisição do significado do símbolo é uma simples passagem, a partir da
imitação, para a compreensão e para a produção. A compreensão do significado de um
símbolo verbal requer muito mais do que a associação entre objeto estímulo e símbolo.
Desta forma, é possível que a compreensão dos símbolos verbais ocorra pela
observação do uso dos símbolos em contextos ambientais 10 e sintáticos 11 e que a
modificação na produção destes símbolos, também, surja através destes meios.
Entretanto, os fatos sobre como os significados ou propriedades dos itens lexicais são
adquiridos estão ainda longe de serem totalmente elucidados.
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1.2 A aquisição do significado de itens lexicais
Em relação ao significado dos itens lexicais, foi descoberto que durante o período
de 1 ano até 6 anos e meio. A quantidade de itens diferentes de vocabulário, no léxico ou
dicionário da criança, em termos do uso espontâneo, aumenta em torno de 50 para 2500
palavras e que mudanças significativas ocorrem na extensão do vocabulário durante os 4
primeiros anos de vida.
Estudos realizados indicaram, também, que a extensão de vocabulário é maior
em crianças de qualquer faixa etária, atualmente, do que o que era em crianças algumas
décadas atrás.
Este fato - o tamanho do vocabulário-, entretanto, pode nos dizer muito pouco
sobre os estágios de desenvolvimento na aquisição deste sistema. O tamanho do
vocabulário é, simplesmente, uma medida superficial do que está ocorrendo no
desenvolvimento lingüístico.
Em relação aos significados dos itens lexicais nos vários estágios de
desenvolvimento, observou-se que quando estão sendo usados enunciados de uma só
palavra, eles pertencem a várias classes gramaticais. Entretanto, observou-se que eles
não estão sendo usados funcionalmente como membros destas classes gramaticais, mas
sintaticamente, como sentenças e seguidamente acompanhando alguma ação.
Observe.
Suponhamos que uma criança diga
7. “bola”.
Ela pode estar dizendo
7.a “Olha para a bola!”, ou
7.b “Isto é uma bola”, ou
7.c “Me dá a bola”, ou
7.d “Isto é um bola?”
Definidos por sua ação ou pelos traços prosódicos do enunciado.
Segundo Vygotsky (1962, p. 70 - 73) o significado de um item lexical numa língua
muda através do tempo e este processo geral ocorre na aquisição do significado de um
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item lexical pela criança, que confere os mesmo itens lexicais a objetos ou situações que
compartilham alguma propriedade ou propriedades.
Ele cita como exemplo, o uso por parte da criança de “quack”. Primeiramente, ele
é usado, por ela, quando fala sobre um pato nadando num tanque; depois, ela o utiliza
para qualquer líquido (inclusive para o leite na mamadeira). E, a seguir para uma moeda
com a águia gravada. Finalmente, “quack” é usado para qualquer objeto semelhante a
uma moeda.
A criança observa algumas propriedades quando utiliza um item lexical. Contudo,
não fica claro, por esta discussão, se existe ou não uma hierarquia nas propriedades
observadas por ela, no uso de um vocábulo.
Pesquisas realizadas indicaram que os substantivos, usados primeiro,
seguidamente se referem a itens com tamanhos e contornos visuais característicos e os
verbos, ao movimento dos animais ou seres humanos. Ou seja, essas pesquisas
demonstram que propriedades em aberto ou visível, provavelmente são as primeiras a
serem adquiridas pela criança no uso de um item lexical.
Observou-se, também, que uma palavra conhecida era usada em um contexto
específico (por exemplo, um gato específico) e depois era usada no contexto de outros
animais, mas não para um animal de brinquedo. Desta forma, constatamos que algumas
generalizações começam a serem feitas nesta fase inicial embora sejam bastante
primitivas quanto à natureza. O comportamento da criança nesta fase não é similar ao
observado no uso de “quack”.
Outra constatação postula que devido a sua semelhança funcional, ou
semelhança de manipulação, os objetos e organismos no ambiente podem ser agrupados
juntos e caracterizados por uma única palavra.
Vejamos mais algumas observações sobre o desenvolvimento do significado da
palavra.
Sabemos como afirma Luria, que a palavra é a unidade fundamental de um a
língua. Ainda, segundo ele, sabemos que a palavra denota 12 coisas particularizam as
características desses objetos e os reúne em categorias específicas, denota, também,
ações e relações entre as coisas, ou seja, "a palavra codifica nossa experiência" (1979, p.
27).
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Além disso, temos conhecimento de que a palavra possui uma estrutura complexa
com dois componentes básicos: a representação material e o significado. Como cada
palavra constitui um objeto, ela gera na criança uma imagem deste objeto.
Segundo Araújo (2007),
A representação material - função básica da palavra - é a função
representativa da palavra, considerada a mais importante por ser constituinte da
linguagem que permite ao homem evocar as imagens de objetos correspondentes até
quando estão ausentes.
O significado - análise dos objetos - função mais complexa que permite
distinguir as propriedades dos objetos e relacioná-los segundo a categoria; esta
função é meio de abstração e generalização do objeto, ou seja, através da análise dos
significados das partes componentes de uma palavra que nomeia um objeto se pode
conhecer as várias significações que a construíram [...] a análise da morfologia da
palavra revela a complexidade de sua função. Essa análise pode ser utilizada para
descobrir a função de um objeto desconhecido quando se conhece a palavra que
serve para designá-lo ou, no caso dessa palavra inexistir, para se criar uma palavra
adequada para nomeá-lo e que carregue todo o significado da sua função.
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serve) qualquer copo, independente da forma, toda a percepção desse objeto é
permanente e generalizada.
Serve para
beber, então é
um....
COPO
Lenin (Luria, 1979) observou que a significação dos objetos não ocorre pelas
coisas em si, mas pela relação entre elas; ou seja, o homem transcende aos limites
sensoriais da experiência imediata e forma conceitos abstratos que permitem penetrar
mais profundamente na essência delas.
Araújo (2007) afirma que a referência objetal 14 da palavra não está concluída na
criança aos três primeiros anos de vida, tendo a palavra alcançado seu desenvolvimento
pleno de tal forma que daí em diante haveria apenas um enriquecimento do vocabulário
como se pensava anteriormente, pois, segundo Luria (1979), o significado da palavra não
conclui seu desenvolvimento neste período, pois depois que o desenvolvimento da
palavra alcança seu significado objetal exato e estável, desenvolve-se em direção ao seu
referencial de função generalizadora, chegando ao seu significado.
Segundo ela, esta ordenação estrutural, com classes subordinadas entre si,
organiza-se no "sistema de conceitos abstratos, diferenciando-se dos enlaces situacionais
imediatos, característico da palavra nos estágios iniciais do desenvolvimento" (1979, p.
53), demonstrando que o significado muda ao mesmo tempo em que os processos
psíquicos se realizam.
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Ela nos recorda que, para Luria, a analogia da palavra com os significados
abstratos generalizadores (função generalizadora) não é sempre a mesma, pois cada
grupo de palavras possui diferenças essenciais. Como, por exemplo, os substantivos em
que os elementos figurados concretos são muito fortes (pinheiro, cão) ou são afastados
pelo significado abstrato generalizador (árvore, animal).
Por sua vez, nos adjetivos e nos verbos, que surgem depois dos substantivos, os
componentes materiais ficam em segundo plano e a discriminação da qualidade ou da
ação abstraídas do objeto remanescente, compõe o significado básico dessas palavras.
Segundo Vygotsky
O sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a
palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que
tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas do
sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em
que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece
estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma
palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma
potencialidade que se realiza de formas diversas na fala (in Luria &Yodovich, p. 125).
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Logo após seu nascimento, Bambi, já em contato com seu amigo Tambor (um
coelho) sai para conhecer o mundo que o cerca.
Nesse reconhecimento vê um pássaro e demonstra interesse. Tambor, então, diz
a ele que é um pássaro e pede que repita: ‘pás-sa-ro”. Bambi, após algumas tentativas
mal-sucedidas, consegui imitar Tambor e diz; ‘pássaro’.
Essa sua primeira palavra é acolhida com muita festa e alegria pelos que ali
estão. Nesse momento, uma borboleta sobrevoa Bambi e ele diz: “pássaro!”, sendo
motivo de riso para Tambor.
Ilustração 1: Bambi
Fonte: www.google.com/imagens/bambi
Esse pequeno relato demonstra muito bem esse aspecto generalizador que
ocorre na aquisição da semântica. A partir de traços caracterizadores que se aproximam
ao que já é conhecida a criança nomeia o novo.
Observe.
No caso de Bambi, o traço caracterizador seria ‘ser que voa’. No caso das
crianças, que usam ‘papai’ para qualquer homem do convívio, o traço caracterizador seria
pessoa do sexo masculino.
Outra observação sobre o processo de aquisição da linguagem também diz
respeito às supergeneralizações. Foi observado que apesar das crianças em fase pré-
escolar usassem tanto os: termos “esquerda” como “direita” em sua linguagem diária,
falavam sempre “direita” e “nunca “esquerda”.
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Isto implica que podem existir vários tipos de compreensão dos itens lexicais
quando usados pelas crianças, havendo uma diferença desenvolvimentista nos estágios
em que as propriedades semânticas dos itens lexicais, pertencentes a diferentes campos
semânticos, são desenvolvidas.
Na faixa etária dos 5 anos, constatou-se que a estrutura das crianças é bastante
similar à dos adultos e que novas palavras são adicionadas aos dicionários de uso
espontâneo, sem nenhuma dificuldade, pela criança.
Esses novos léxicos são incorporados à gramática e utilizados adequadamente,
na maioria das vezes. Porém, observou-se que essas semelhanças podem ser
superficiais e que o significado das estruturas pode não ser o mesmo para a criança e
para os adultos, apesar da adequação de uso.
Em relação às definições usadas pelas crianças, foi constatado por Werner e
Kaplan (1964) que, por volta dos 6 anos, a maioria das definições, realizadas pelas
crianças, ocorre em termos de ação concreta. Ou seja, o termo ‘garrafa’ é definido, nesta
fase, como “algo de onde se derrama alguma coisa”. Aos 15 anos, 33% dessas definições
ainda são preservadas. Porém, aos 13 anos, a definição para garrafa já passa a ser “um
recipiente para qual vão todos os líquidos”.
De acordo com definições como estas, obtidas em diversas pesquisas, os
estudiosos observaram as definições dadas pelas crianças como sendo:
a) contextual à sentença, pois a palavra carrega o significado de todo ou parto do
contexto oracional em que se encontra;
b) não contextual à sentença, pois a palavra é diferenciada dos contextos
oracionais particulares, mas possui um significado contextual extenso derivado de um
contexto oracional único que é aplicado a todos os contextos.
Uma dedução a partir desses dados é que o item lexical pode não ser uma
entrada lexical intacta no léxico da criança com todas as suas propriedades semânticas,
mas, pelo contrário, pode ser listado como um item que tem certas características
funcionais.
Veja.
Segundo Menyuk (1975) o substantivo ‘garrafa’ pode ser introduzido com as
seguintes propriedades: beber dela; derramar dela; pôr bebida dentro, etc. E, o verbo
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beber pode ser introduzido como: beber leite, beber água, beber cerveja, beber suco, etc.,
o que produziria um dicionário muito prolixo 16 .
Porém, é provável que as crianças adquiram somente um conjunto restrito de
propriedades para itens lexicais especiais, derivado do contexto sintático, no qual a
criança os emprega com freqüência.
Desta forma, a criança poderia registrar ‘garrafa’ como algo que conserva coisas
que podem derramar ou beber e depois defini-la através de um de suas interpretações.
Observe agora alguns resultados obtidos em pesquisas voltadas ao estudo do
desenvolvimento dos significados do dicionário.
1. Em relação aos estudos de associações de palavras
a) freqüentemente ocorrem produções sintagmáticas, ou seja, as respostas dadas
não estão na mesma classe da palavra-estímulo, como, por exemplo, ‘’correr’’ – ‘’ligeiro’’;
b) as respostas paradigmáticas, ou seja, com a mesma classe sintática que a
palavra-estímulo, como ‘’correr’’ – ‘’pular’’, aumenta consideravelmente entre a primeira e
segunda série;
c) classe de sintática da palavra estímulo afeta a porcentagem de respostas
sintagmáticas e paradigmáticas: os substantivos provocam a maior porcentagem de
respostas paradigmáticas e os advérbios, verbos e preposições produzem relativamente
poucas respostas paradigmáticas;
d) em crianças de primeira, segunda e terceira séries, os substantivos e adjetivos
provocam mais respostas paradigmáticas que outras classes em todos os níveis de idade;
e) os advérbios provocam um número maior de respostas sintagmáticas que
outras classes;
f) as crianças de segunda série produzem respostas contrastivas e
superordenadas, que incluem identidade de classe sintática, bem como observação de
uma propriedade semântica geral.
Observe.
Geralmente, a palavra ‘quadrado’ produz ‘caixa’, em alunos de primeira série.
Mas, em alunos de segunda série, a freqüência maior para ‘quadrado’ é redondo.
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1ª. série
= OBJETO CAIXA
Quadrado
2ª. série
= FORMA
REDONDO
Quadrado
Isto significa que para as crianças de primeira série, quadrado não está listado no
dicionário como propriedade tal qual forma e que quadrado e caixa compartilham uma
propriedade semântica.
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significado pode, então, ser diferente em várias situações, mesmo que exteriormente
permaneça o mesmo.
Além da estrutura morfológica da palavra, a entonação na sua pronúncia,
também, possibilita que se mude o seu sentido, escolhendo um específico entre tantos
outros.
Assim, segundo Araújo (2007), “o emprego real da palavra é a escolha do sentido
adequado ao que se quer expressar entre os possíveis significados e só com um sistema
de escolha funcionando com precisão, com o realce do sentido adequado e a inibição das
alternativas, pode-se desenvolver com êxito a comunicação”.
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internalização e ao papel da escola na transmissão de conhecimento, que é de natureza
diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana.”
Além disso, essas considerações propõem uma visão de formação das funções
psíquicas superiores como internalização mediada pela cultura.
Outro estudioso sobre a formação de conceitos foi Luria (1976) que se debruçou
profundamente sobre as experiências de Vygotsky, nessa área, onde desenvolveu um
grande trabalho.
Segundo ele, os conceitos espontâneos ou do cotidiano, também chamados de
senso comum, são aqueles que não passaram pelo crivo da ciência. Os conceitos
científicos, por sua vez, se caracterizam por serem formais, organizados, sistematizados,
testados pelos meios científicos e, em geral, são transmitidos pela escola, sendo, aos
poucos, incorporados ao senso comum.
Conforme Luria (1976) os conceitos científicos adquiridos no processo de
aprendizagem da criança são formulados verbalmente, através da mediação do professor,
e só mais tarde a criança tem condições de juntar a eles um conteúdo válido.
A criança só toma consciência dos seus conceitos espontâneos, tardiamente: a
capacidade de defini-los por meio de palavras, de operar com eles à vontade, aparece
muito tempo depois dela ter adquirido esses conceitos.
A criança possui o conceito, ou seja, tem conhecimento do objeto ao qual o
conceito se refere. Entretanto, ela não está consciente do seu próprio ato de pensamento.
Luria enfatiza que na formação dos conceitos comuns, ou seja, dos conceitos
espontâneos ou do cotidiano, nos quais se formam a partir da atividade prática e da
experiência figurada direta. Predominam as relações circunstanciais concretas e nos
conceitos científicos, aqueles que se formam com a participação das operações lógico-
verbais, as relações lógicas abstratas são as que predominam.
Oliveira (1992) nos recorda que Vygotsky propôs o percurso genético do
desenvolvimento do pensamento conceitual a partir de três estágios.
1. no primeiro, a criança forma conjuntos sincréticos, agrupando objetos com base
em relações vagas, subjetivas e baseadas em fatores perceptuais, como a proximidade
espacial, por exemplo.
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Essas relações são instáveis e não vinculados aos atributos relevantes dos
objetos.
2. o segundo estágio é chamado por Vygotsky de pensamento por complexos:
"em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e factuais, e não
abstratas e lógicas" (1993, p. 33).
3. no terceiro estágio, é onde ocorre a formação dos conceitos propriamente ditos.
A criança agrupa objetos com base num único atributo, sendo capaz de abstrair
características isoladas da totalidade da experiência concreta.
Tendo por fundamento as experiências realizadas por Vygotsky, Luria considera
que, em etapas distintas, o significado da palavra encobre diferentes formas de
generalização e diferentes processos psicológicos e, dessa forma, evolui.
Ele dá ênfase para a importância diagnóstica da formação dos conceitos,
determinando "o nível que a criança pode atingir, estando numa fase inferior do
desenvolvimento intelectual, e as peculiaridades do processo de formação dos conceitos
que caracterizam determinados estados patológicos da atividade cerebral" (1976, p. 47).
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Inicialmente, a criança não tem consciência da composição verbal da palavra.
Essa consciência, porém, vai surgindo no decorrer de seu desenvolvimento, sendo que
nas primeiras etapas, ela confunde a palavra com o objeto.
As pesquisas que demonstraram o caminho percorrido pela criança, nessa
tomada de consciência da estrutura verbal da linguagem, foram propostas por Vygotsky
em 1956 e depois por Karpona em 1967.
As etapas normais de aquisição da linguagem estão especificadas no Quadro 1 e
a variabilidade dessa aquisição, ou seja, as variações dentro do que é considerado
normal estão esquematizadas no Quadro 2.
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falar.
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Como você pode observar nos quadros apresentados, no início do
desenvolvimento da criança, a consciência tem caráter afetivo.
Segundo Luria (1979), esse caráter reflete o mundo de modo afetivo. No estágio
imediatamente seguinte, a consciência passa ao concreto imediato, assim como as
palavras que se refletem em seu mundo. Por fim, no estágio seguinte, a consciência
passa a ser lógica verbal e abstrata mesmo que os estágios anteriores permaneçam
encobertos.
O significado da palavra muda significativamente quanto ao seu significado no
decorrer do desenvolvimento da criança. Inicialmente, o papel fundamental da palavra é
intermediado pelo afeto, pelo agradável ou desagradável; mais tarde, ocorrerá pela
imagem imediata, a memória, reproduzindo uma situação determinada. Já, para o adulto,
os enlaces lógicos presentes nas palavras é que configuram o papel principal.
Ao descobrir que tudo tem um nome, para a criança cada novo objeto que surge
representa um problema que ela resolve atribuindo-lhe um nome. Quando falta, em seu
dicionário, a palavra para nomear este novo objeto, a criança volta-se ao adulto,
solicitando sua ajuda.
Esses significados básicos de palavras, adquiridos de forma interativa,
funcionarão como embriões para a formação conceitos novos e mais complexos.
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Luria ressalta que "além da função cognoscitiva da palavra e sua função como
instrumento de comunicação, há sua função pragmática ou reguladora; a palavra não é
somente um instrumento de reflexo da realidade, é o meio de regulação da conduta"
(1979 p. 95-96).
Vygotsky (1993), por sua vez, nos ensina que é indispensável examinar como os
processos voluntários se organizam no curso do desenvolvimento da atividade concreta
da criança e na sua comunicação com o adulto, cuja organização baseia no
desenvolvimento lingüístico da criança.
Segundo Luria, a primeira etapa da função reguladora da linguagem da criança,
enquanto função base do comportamento voluntário, é a capacidade de subordinação à
instrução verbal do adulto e, a partir dessa "subordinação primitiva" (1979, p. 96), forma-
se o ato voluntário.
Quando a mãe, ou o adulto que cuida da criança, nomeia um objeto,
acrescentando a ele um gesto indicador, está reorganizando a atenção da criança e
separando o objeto mencionado dos demais. Desta forma, a criança começa a se
subordinar à ação da linguagem do adulto.
Para fortalecer esse papel – o de regulador da linguagem no período de 2-3 anos
é preciso marcar o objeto nomeado com gestos ou indicações, reforçando-os pela ação,
permitindo que a criança fixe melhor e possa cumprir a tarefa corretamente.
Várias pesquisas realizadas sobre esse tema, incluindo os estudos de Luria,
demonstraram que a subordinação da ação da criança à instrução verbal do adulto, não é
simples e seu desenvolvimento ocorre de forma progressiva.
Desse modo, a partir do resultado dessas pesquisas contatou-se que a linguagem
e a aquisição da semântica têm uma grande importância na organização da conduta da
criança e no seu desenvolvimento. Primeiramente, observamos que sua influência ocorre
de fora para dentro e depois, auxiliada pela aquisição do significado, organiza-se de
dentro para fora. No início, esse controle de conduta feito pelos pais, que também
conduzem a criança na aquisição da semântica, através da linguagem. Depois, é a
própria criança que, progressivamente, ao adquirir a capacidade de conceituar e de
discernir, passa a ser controlada por ela própria, através da linguagem interiorizada.
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Você pode observar, a partir das considerações apresentadas até o momento,
que a linguagem verbal é a forma mais característica da comunicação humana e que o
pensamento humano é: realizado e expresso pela da linguagem.
Além disso, pode observar, também, a existência de uma interdependência
relativa entre o pensamento e a linguagem, de tal forma que muitos pensamentos e
muitos conceitos não ocorreriam sem o auxílio da linguagem que, quando exteriorizada, é
a simbolização do pensamento; quando interiorizado é o elemento básico de sua
organização.
Estas observações demonstram que é necessário conhecer a construção da
expressão: a estrutura da palavra que permite elaborar os conceitos e os sistemas que
levam à conclusão lógica do pensamento, à significação e à atribuição de sentido.
3. As Pesquisas atuais
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Autores como Clark (1973) e Anglin (in Stillings,1977) demonstraram que as
primeiras referências feitas pelas crianças, tomam duas direções, opostas das feitas pelos
adultos. Muitas vezes, elas usam as palavras para referenciar, de maneira inapropriada,
um grande número de objetos.
Por exemplo, carro pode ser usado para referenciar um objeto grande que se
move ou qualquer objeto que serve para fazer transporte.
Outras vezes, as crianças usam as palavras de uma maneira extremamente
restrita. Um exemplo seria, quando a criança utiliza a palavra gato apenas para nomear o
gato da família.
Essa superextensão e subextensão ocorrem freqüentemente nos diálogos iniciais
das crianças e irão decrescer quando seu vocabulário se tornar parecido com o do adulto.
Segundo Clark (1973, in Stillings, 1987), a aquisição da semântica envolve,
essencialmente, a hipótese de que as crianças aprendem o significado de uma palavra
através da união de várias características semânticas que coletivamente constituem o
conceito expresso por aquela palavra.
Essa hipótese sobre o desenvolvimento léxico deduz que a criança reúne um
banco de dados, no qual as características semânticas iniciais são associadas em grupo a
uma palavra. Se acontecer de uma criança, erradamente, associar muitas ou poucas
características a esse termo. O conceito resultante se apresentará excessivamente
generalizado ou excessivamente restrito, ou seja, em superextensão ou subextensão.
Apesar de esta hipótese ser contestada, a idéia de que as crianças constroem conceitos a
partir de um tipo de conceitual primitivo é mais aceitável, pois remete à aquisição
fonológica. Em que existem evidências de que as crianças adquirem uma representação
abstrata durante o aprendizado da sua língua, mesmo nos primeiros estágios de
aquisição.
Dessa forma, observa-se nesses estudos que mesmo que a primeira hipótese
sobre aquisição de linguagem seja de que a criança apenas adquire sons e significados.
As pesquisas sobre as primeiras palavras da criança demonstram que o conhecimento
adquirido, por crianças de um ano de idade, assume a forma de um sistema rico de regras
e representações.
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3.1 A semântica da construção
119
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verbos como, respectivamente, dar e pôr: o primeiro pressupõe um agente, um paciente e
um recipiente, preenchendo precisamente os três argumentos da construção bitransitiva.
(1a) O Zé deu um livro à Maria. (sendo Zé, o agente; Maria, o paciente e livro, o
recipiente);
E o segundo, os mesmos dois primeiros participantes e um lugar, em
correspondência com os três argumentos da construção de movimento causado.
(2a) O Zé pôs o livro na estante. (onde Zé é o agente; o livro é o paciente e a
estante, o lugar).
Porém, continua Silva, esta determinação é apenas aparente, sendo resultado do
fato daqueles verbos serem exemplos padrões das respectivas construções. Caso
contrário, precisaríamos admitir significados especiais para os verbos:
(1b) O Zé preparou-lhe o almoço / construi-lhe uma casa,
(2b) O Zé subiu as persianas até o alto / tocou a bola para a frente que
justificassem as respectivas construções.
Silva (2001) comenta que Goldberg (1995: 9-21, 1997) introduz três tipos de
argumentos em favor da existência de um significado próprio para determinada
construção sintática:
I. A implausibilidade de significados especiais de certos verbos, exemplificada
em (1b) e (2b),
II. A predizibilidade do significado da construção;
III. A facilidade com que a criança adquire o significado de um novo verbo
colocado numa construção que ela já conhece.
Silva aponta como conseqüência prática, que o uso particular de um verbo num
esquema sintático diferente não implica um significado diferente para esse verbo. Ou seja,
para cada uma das configurações sintáticas, nas quais um verbo pode estar envolvido,
não há necessariamente a necessidade de um significado diferente desse verbo.
Pelo contrário, segundo ele, muitos desses usos podem, simplesmente, ser
determinados pelo significado da construção em que se insere.
As construções sintáticas são classes polissêmicas, estruturadas segundo
padrões, do mesmo modo que os itens lexicais.
Veja.
120
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A construção bitransitiva, cujo significado padrão é exemplificado em:
(1a) O Zé deu um livro à Maria. ,
Pode ser definida como ‘transferência benefactiva de uma entidade material’,
significando também, metaforicamente, processos de transferência não-material
(abstrata ou verbal/perceptual) ou eventos causais, como em:
(3) Dei-lhe a chefia do partido.
Disse-lhe que não podia ir.
O negócio dá-lhe muito dinheiro;
Por generalização dos aspectos funcionais do protótipo, transferências, não
no domínio do controle, mas no da experiência ou da afetação do objeto indireto, como
em:
(4) Dei-lhe força e coragem.
Um acidente deixou-lhe uma cicatriz na cara; ainda por generalização, mas
dos aspectos espaciais da transferência, processos de deslocação ou movimento
causado, como em:
(5) Levei o João ao médico; e metonimicamente, ações prévias a processos de
transferência a realizar-se ou não, como em:
(1b) O Zé preparou-lhe o almoço/construi-lhe uma casa ou
(6) O Zé prometeu um carro ao filho, garantias de transferência futura, como
em:
(7) Reservou-lhe um quarto com vistas para o mar, ou O pai deixou-lhe uma
fortuna e, permissão de transferência, assim como em:
(8) O médico não lhe permite o tabaco.
Silva (1999, 2000) buscou demonstrar que o objeto indireto, em português e, em
conseqüência, a construção bitransitiva onde ele está inserido, é uma estrutura
polissêmica multidimensional. Segundo ele, resultado da variação de duas dimensões
principais do modelo da transferência – a funcional e a espacial – e dos três elementos
conceptuais da estrutura argumental desse enunciado – atuação do agente da
transferência, natureza da entidade transferida e papel do recipiente da transferência.
Além disso, e também, por semelhança dos itens lexicais, as construções
sintáticas de uma língua constituem uma relação estruturada. Em cuja organização,
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participa idênticas relações conceptuais. Além, dessas relações hierárquicas de
generalizações ou de esquematizações e especializações, ocorrem também extensões
metonímicas, metafóricas, relações sinonímicas, meronímicas e antonímicas.
Para exemplificar, Silva nos remete ao quadro, apresentado no início, sobre as
construções do português, informando que as construções intransitivas de objeto indireto,
de movimento e resultativa, exemplificadas, respectivamente, em (9b), (10b) e (11b),
constituem partes e representam extensões metonímicas das respectivas construções
transitivas (9a), (10a) e (11a):
(9)
a. O Zé deu um livro à Maria.
b. O livro passa a pertencer-lhe.
(10) a. O Zé levou a criança para a sala.
b. A criança entrou na sala.
(11) a. Os argumentos apresentados deixaram-na desconfiada.
b. Ela ficou desconfiada.
Outros exemplos, apresentados por Silva:
1. a construção causativa (fazer, mandar, deixar, etc. + V) representa uma
extensão conceptual da construção (padrão) transitiva, no sentido de que esta, como
estrutura simples, serve de modelo para a elaboração daquela (Silva 1995);
2. a construção transitiva resultativa (11a), definida no Quadro 1, pode ser
explicada como uma extensão metafórica da construção de movimento causado (10a),
em que o argumento predicativo resultativo é metaforicamente interpretado como meta e
a mudança de estado como mudança metafórica de lugar (Goldberg 1995: 81-84).
No início da apresentação destas observações, constatamos que Silva afirma que
as construções sintáticas codificam esquemas conceptuais dos fatos enunciados.
No quadro a seguir (quadro 2) Silva apresenta uma sistematização dos esquemas
conceptuais de evento do português, a respectiva configuração dos papéis temáticos dos
seus participantes e a sua codificação sintática.
Quadro 2: Esquemas conceptuais de evento do português
ESQUEMAS CONCEPTUAIS PAPÉIS TEMÁTICOS PADRÕES SINTÁCTICOS
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Esquema de ‘ser’ Paciente – Essivo Suj – V - Pred
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3.1.1 Significado da construção e significado do verbo: condicionamentos
recíprocos
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Este esquema permite, pois um desvio ao evento canônico, ao construir o cenário
(ou um seu fragmento – a localização) à maneira de um participante e, portanto, como
objeto direto. Os esquemas trivalentes, esses selecionam e, nalguns casos, também
modulam, mais do que elaboram, conteúdos de deixar, que se distinguem pelas
diferenças de conceitualização do terceiro argumento. Diferenças que os exemplos de
(12) a. A Maria deixou as crianças na avó.
b. A Maria deixou as crianças entregues (à avó).
c. A Maria deixou as crianças à avó.
Ilustram bem: simples locativo, em (12a), para a localização do objeto
(“crianças”) num cenário adequado (“na casa da avó”);
Predicativo, em (12b), para focalizar o estado resultante do processo de
mudança do objeto e assim aumentar a proeminência deste segundo e último participante
(“crianças”); e
Objeto indireto, em (12c), construindo assim um terceiro participante (“avó”) do
evento, um recipiente ativo de um objeto (“crianças”) transferido para o seu domínio de
controlo:
Voltando à função de cada um dos três esquemas trivalentes, o esquema
seleciona sentidos espaciais com um conteúdo que, posteriormente, se elabora como
ativos com intervenção prévia, (‘fazer ficar depois de deslocar’), ativos sem intervenção
prévia (‘não levar consigo’) e passiva (‘abster-se de levar’).
O esquema seleciona sentidos funcionais, com idêntica elaboração posterior
(‘fazer ficar depois de alterar’, ‘não alterar’, ‘abster-se de alterar’).
Mas, o esquema não só seleciona sentidos funcionais com um conteúdo que
depois é elaborado como ativos ou passivos. Como os modula situando-os no domínio da
transferência de posse, em relação metonímica de implicação (biunívoca) com o
conteúdo esquemático de deixar2 - ‘não intervir’ (quem transfere o direito de uso, de
posse, de responsabilidade, etc. Não pode mais intervir, pelo menos diretamente;
inversamente, quem não intervém de outra possibilidade ou o direito de intervenção),
facilitada, esta relação, pelo fato de ambos os esquemas sintático-semânticos (o de
transferência e o causativo) partilharem um segundo participante ativos.
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Quanto ao grupo de deixar2, semântica e sintaticamente menos heterogêneo, em
virtude da sua (semi) gramaticalização para a expressão de uma causação especial, já a
construção sintático-semântica (construção causativa) pouco intervém na diferenciação
das suas variantes básicas (‘não impedir’, ‘permitir, consentir, autorizar’ e ‘largar-
soltar-libertar’).
Verifiquemos agora como é que o significado de deixar determina ou condiciona a
respectiva construção sintática. As diferentes imagens conceptuais esquemáticas (ou
esquemas imagéticos) associadas às duas categorias “deixar1” (suspender a
interação) e “deixar2” (não intervir) condicionam diferentes comportamentos sintáticos
de deixar.
A imagem do movimento do participante sujeito (P1) e da condição estática do
participante objeto (P2) Æ P1afasta-se de (abandona) P2 – instancia-se naturalmente
numa construção transitiva com complementação nominal – deixar P2.
A construção bivalente configura o movimento do sujeito e a construção trivalente
– deixar P2 em lugar / em estado / a P3 – acrescenta o estado específico em que o
objeto passa a ficar ou continua a estar, pelo que a imagem básica do movimento do
sujeito se mantém intacta na construção trivalente.
Em qualquer dos casos, a transitividade de deixar não é prototípica, devido
justamente à imagem do afastamento (afastar-se ou manter-se afastado) do sujeito. Por
outro lado, a imagem inversa da tendência dinâmica do participante objeto (P2), mais
concretamente, a imagem do seu movimento já existente ou a realizar-se, se instancia,
iconicamente. Em uma construção com complementação verbal, e a dinâmica de forças
de não-impedimento (ou cessação de impedimento) desse movimento implica a
construção causativa – deixar P2V (ou deixar V P2).
Intervêm aqui outros fatores semântico-cognitivos que explicam a variação da
posição e do caso do sujeito do infinitivo, mas que neste contexto não cabe analisar.
Por último, a inversão imagética do participante dinâmico deixa perceber a
afinidade conceitual entre uma transitividade não-prototípica, porque marcada pelo
afastamento do sujeito, e uma causatividade muito especial, uma causatividade negativa,
também ela não-prototípica. Estes condicionamentos por parte do verbo tornam-se mais
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claros em casos-limite relativamente à distinção entre as duas categorias deixar1 e
deixar2.
Por exemplo,
(13) O Zé deixou a Maria na dúvida.
(14) O Zé deixou a Maria enganar-se.
Na interpretação da passividade do sujeito, (13), não obstante a sua
complementação nominal parece inscrever-se na categoria da complementação verbal
(deixar2), já que é bem possível imaginar atividade da parte de P2 a Maria: ela questiona-
se, tenta encontrar uma solução, os seus pensamentos não param.
Mas, este aspecto dinâmico de P2 não é construído no sentido de conduzi-lo a
algum lugar: esta atividade de P2 é construída como um estado, ainda que
referencialmente não seja um estado.
Por isso, deixar alguém na dúvida não deixa de pertencer à categoria de
complementação nominal (deixar1), embora seja um exemplo menos típico do que deixar
o carro em casa, na mesma interpretação da passividade do sujeito.
Comparativamente, (14), embora referencialmente seja quase idêntico a (13),
pertence a deixar2 já que P2 é agora construído dinamicamente; mas, e tal como
acontece com deixar cair P2, é um exemplo não típico, visto que esta atividade de P2 não
é voluntária nem consciente e, além disso, não é considerada como sendo benéfica para
P2 pelo próprio P2.
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Os verbos oferecer, emprestar, vender, entregar, passar exprimem tipos
particulares de transferência e, por isso mesmo, integram-se perfeitamente na construção
que codifica o esquema de evento de transferência, ou seja, na construção ditransitiva.
Por sua vez, os verbos levar, trazer, arrastar, passar, meter exprimem tipos
particulares de movimento causado (pôr lexicaliza o significado da construção),
integrando-se naturalmente na construção que codifica este mesmo significado.
Para Silva, é esta perfeita correspondência que terá conduzido à idéia de que o
verbo determina ou projeta o significado da construção.
Mas, retornemos ao que ele nos diz sobre o verbo deixar. Nenhum dos seus
sentidos se integra, dentro desta correspondência, na construção de que faz parte.
Justamente, pelo afastamento do sujeito, que não se compatibiliza com a semântica das
construções transitivas em que entra, e também devido à semântica da negação que
deixar ocasionar.
Outra relação sistemática entre verbo e construção dá-se, segundo nosso autor,
por via metonímica: o verbo lexicaliza uma parte saliente do evento (ou, em termos de
Fillmore, do “frame”) designado pela construção.
Desta forma, para Silva, diversas integrações metonímicas são possíveis.
Vejamos o que ele nos apresenta.
1. Agente
Verbos como assassinar, ministrar, satanizar lexicalizam o agente do evento.
2. “figura”
Verbos de movimento que incorporam a “figura” (Talmy 1985) ou entidade que se
move (ou se localiza), como chover, nevar, cuspir, golpear, beijar; ou outros tipos de
verbos: votar, questionar.
3. “Base”
Verbos de movimento que incorporam a “base” (Talmy 1985) ou ponto de
referência da deslocação (ou localização) da “figura”, como aterrar, aportar, expatriar,
alargar, acercar, encaix(ot)ar.
4. Meio ou instrumento
Por exemplo: catapultar, relativamente à construção de movimento causado; ou
esquiar, patinar, pedalar, remar, em relação à construção intransitiva de movimento.
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5. Resultado
É o caso, por exemplo, das construções causativas, em que o verbo exprime o
resultado associado à construção.
Já sem qualquer referência ao evento causador: os usos ergativos de
determinados verbos causativos (a porta abriu-se); verbos como pertencer, obedecer,
interessar, agradar, resistir, que lexicalizam o estado resultante do evento de
transferência expresso pela construção ditransitiva; ou um verbo como ficar.
6. Pré-condição
O verbo lexicaliza, não o evento que se segue, mas, inversamente, o que precede
o evento expresso pela construção, nomeadamente ações preliminares, preparações,
intenções, numa palavra, pré-condições desse evento.
Por exemplo, prometer, preparar, encomendar, reservar, relativamente ao
evento de transferência designado pela construção ditransitiva.
E largar, soltar, libertar, remover (deixar, com estes sentidos), em relação à
construção de movimento causado.
7. Modo
É o caso dos verbos de ‘modo de deslocação’, quer transitivos como arrastar,
rodar quer intransitivos como correr, caminhar, nadar.
8. Objetivo
O evento do objetivo é aquele que o agente pretende que ocorra como
conseqüência da realização do evento principal.
O objetivo parece estar universalmente excluído da incorporação nos verbos de
movimento (Talmy 1985: 128), mas está incorporado em verbos como lavar ‘aplicar
líquido em ordem a limpar’, caçar ‘procurar em ordem a capturar’,
investigar/pesquisar ‘procurar em ordem a obter’.
9. Causa
Esta categoria diz respeito, não tanto a um conceito esquemático de causa, mas
aos diferentes tipos qualitativos de eventos causais.
A causação é uma construção mental, de base experiencial, que compreende
vários conceitos causais distintos prototipicamente estruturados.
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Dois importantes modelos cognitivos de causação são o de ‘fazer’ e o de
‘deixar’.
O primeiro está lexicalizado em verbos ou construções parafraseáveis por
‘fazer fazer’ ou ‘fazer ser/estar’ e o segundo em verbos como deixar, permitir,
consentir, autorizar, tolerar, soltar, perdoar.
Mas, outros modelos de causação há: o de ‘mover’, que Langacker (1991)
caracteriza pela metáfora das bolas de bilhar, e o da dispersão ou contaminação.
E no modelo de ‘deixar’ cruzam-se com a ‘causação’ outras noções: as de
‘possibilitação/capacitação’ (“enablement”), ‘permissão’ e ‘negação’.
E verbos como ajudar, proporcionar, facilitar lexicalizam mais propriamente a
noção de ‘possibilitação positiva’ ou ‘capacitação’ do que a de ‘causação’.
10. Negação
Há verbos que indicam que o evento expresso pelo significado central da
construção não se realiza.
Por exemplo, recusar nega o evento de transferência expresso pela construção
ditransitiva.
Prender, travar, impedir e outros verbos de bloqueio de movimento negam o
movimento implicado pela construção de movimento causado.
E, deixar, abandonar, largar contradiz o significado da construção transitiva de
‘atuação sobre’.
Outra forma de negação do evento expresso pela construção é a inversão da
direcionalidade (ou mudança de perspectiva ou de ‘polaridade’), e essa negação torna-se
mais saliente na construção ditransitiva: verbos como tirar, roubar, comprar e outros
conversos simétricos de dar lexicalizam uma transferência ‘invertida’.
Um dos verbos que melhor lexicaliza a negação do evento expresso pela
construção em que participa é justamente o verbo deixar.
Concretamente, todas as variantes de deixar com complemento nominal
(deixar P2) lexicalizam a negação (‘não mais’ nas variantes ativas, ‘não’ nas variantes
passivas) de ‘X atua sobre Y’, isto é, a negação do significado da construção
transitiva.
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As variantes trivalentes que denotam quer ‘atividade sem intervenção prévia’,
quer ‘passividade’, lexicalizam a negação do evento da respectiva construção, isto é, a
negação do ‘movimento causado’ da construção locativa, a negação da ‘mudança de
estado’ da construção predicativa e a negação da ‘transferência de posse’ da
construção ditransitiva (as outras variantes trivalentes, que denotam ‘atividade do sujeito
posterior a uma intervenção prévia’, lexicalizam o ‘resultado’ do evento expresso por
cada uma destas três construções).
E os três variantes de deixar com complemento verbal (deixar P2
fazer/acontecer) lexicalizam a negação da influência, da intervenção. Enfim, da
manipulação própria da construção causativa (a negação de ‘X faz com que Y faça
algo’), ora na forma de cessação do impedimento, nas duas variantes ativas (‘permitir,
autorizar’ e ‘soltar, largar’), ora na forma de não-ocorrência de impedimento, na variante
passiva (‘não impedir’).
A maioria dessas integrações metonímicas, como bem informa Silva, foi analisada
por Talmy (1985) sob a designação de “conflation patterns” com base nos verbos de
movimento.
Goldeber (1995, p. 61-62), em relação ao relacionamento entre verbo e
construção, formula a seguinte hipótese Relação Causal: o significado designado pelo
verbo e o significado designado pela construção integram-se através de uma relação
causal (temporalmente contígua). Ou seja: nos casos em que o verbo não exemplifica ou
especifica o significado da construção, então ele lexicalizará um subevento como parte de
um evento em relação causal com todo o evento ou com outras partes. Lexicalizará o
agente, ou a “figura”, ou a “base”, ou o meio/instrumento, resultado, objetivo, causa, ou o
modo, em suma, um segmento causalmente associado à ação configurada no evento
expresso pela construção.
Entretanto, essa hipótese, proposta por Croft (1991: 185) não dá conta de todos
os casos de integração do significado do verbo no significado da construção.
Em relação à pré-condição, “embora a preparação ou criação de uma entidade
seja condição necessária de um evento de transferência, nem essa condição causa a
transferência nem, em rigor, a transferência causa a condição. A falta de nexo causal é
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mais evidente no caso das pré-condições de um evento de movimento causado. De
qualquer forma, a pré-condição não deixa de ser uma parte saliente do evento a que está
associada” (Silva, 2001)
No caso da negação, em que o verbo serve para negar o significado positivo da
construção, a negação, tal como as noções causais, vem a ser uma relação de dinâmica
de forças (no sentido de Talmy 1988) – que envolve não só causas, forças e tendências,
como também contraforças.
Desta forma, Goldberg (1997) substitui a Hipótese da Relação Causal pela
Hipótese da Relação de Dinâmica de Forças, definindo o relacionamento entre verbo e
construção: o significado designado pelo verbo e o significado designado pela
construção integram-se através de uma relação (temporalmente contígua) de
dinâmica de forças.
Entre as diferentes formas de integração do significado do verbo no significado da
construção, umas são mais características do que outras. Goldberg (1997) propõe a
seguinte hierarquia de integração do verbo na construção:
(I) “Elaboração” (no sentido de especificação do significado da construção)
(II) Relação de Dinâmica de Forças (causa, agente, figura, base, meio,
instrumento, modo, objetivo, resultado, negação)
(III) Pré-condição, Atividade Co-ocorrente.
(IV) é a possibilidade mais prototípica de integração e (III) a mais periférica, sendo
possível com algumas construções e impossível com outras.
Esta hierarquia dá conta de responder, ainda, à questão mais geral de saber que
aspectos de uma cena ou “frame” são cognitivamente mais salientes. E confirma que a
causalidade e a dinâmica de forças desempenham um papel fundamental na escolha
desses aspectos.
Feitas essas considerações, Silva releva as seguintes observações:
1. o continuum léxico-sintaxe e a representação uniforme de todo o
conhecimento gramatical na mente dos falantes, contrariando assim o modelo
componencial da gramática, exemplarmente defendido pelas teorias da Gramática
Generativa;
132
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2. a natureza simbólica da construção sintática, constituída por um par de
forma e de significado, contrariando assim os modelos formalistas (generativistas e
outros) da gramática;
3. a autonomia do significado da construção sintática, contrariando assim a
idéia generalizada de que o significado do verbo determina ou projeta o significado
associado a toda a construção;
4. a construção é a unidade fundamental de representação sintática e a
interface entre semântica e sintaxe faz-se através das construções, e não através
das entradas lexicais.
Quanto à interação entre verbo e construção, as observações relevadas são:
1. o papel do esquema sintático-semântico na determinação dos sentidos de um
verbo, selecionando-os, modulando-os ou mesmo elaborando-os, e na organização do
complexo polissêmico, justificando dimensões semânticas estruturantes.
2. a conexão entre os esquemas imagéticos do verbo e as construções
sintáticas que o integram e a conseqüente iconicidade destas;
3. a integração do significado do verbo no significado da construção por
simples especificação, por uma relação causal ou, mais genericamente, uma
qualquer relação de dinâmica de forças, ou ainda por uma outra relação metonímica
(pré-condição, por exemplo).
Nesse curso, nos propusemos estudar como ocorre à aquisição da linguagem oral
pela criança e aspectos, cognitivos, biológicos e contextuais, auxiliam nesse processo.
Entretanto, não podemos encerrá-lo sem nos deter, por um breve instante, sobre
a importância da aquisição da semântica para a elaboração e apropriação do sistema
escrito de sua língua, pela criança.
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Assim, levando em consideração que a relação entre pensamento e linguagem
evolui e, com isto, o significado das palavras também, Vygotsky (1989) observou alguns
estágios, nos quais, inicialmente, a palavra faz parte da estrutura do objeto. Ou seja,
palavra e objeto se confundem num só. Este seria o estágio primitivo, do qual a criança
passa por um intermediário, no qual o significado é independente da referência. Isto é, o
significado não depende do objeto. Desse estágio intermediário à criança evolui até o
estágio avançado, em que são possíveis os conceitos, as generalizações.
Nesse sentido, outra consideração a ser feita é que, no desenvolvimento infantil,
os sistemas fundamentais das funções psíquicas da criança dependem do nível
alcançado por ela no desenvolvimento do significado das palavras (Vygotsky, 1998).
Desta forma, as funções psicológicas elementares, tais como percepção, atenção,
memória, por meio dos signos, ou seja, pela mediação, transformam-se em funções
superiores.
Segundo Vygotsky (...) as principais fases formais que percorre a personalidade
da criança em sua formação estão diretamente ligadas ao grau de desenvolvimento de
seu pensamento, já que, do sistema de cognição em que se realize toda a experiência
interna e externa da criança, dependerá o aparelho psíquico que a divida, analise,
conecte e elabore.” (1998 ;76),
Essa significação das palavras, no desenvolvimento da criança, passa pela
estruturação da linguagem em dois âmbitos: fonético, relacionado aos sons da fala, e
semântico, significado das palavras, em que, como já citado, pode-se observar a
convergência entre pensamento e linguagem (Vygotsky, 1998).
Em relação à linguagem escrita, Luria (1988; 143) realizou pesquisas sobre as
fases de desenvolvimento da criança, enquanto representação, e não somente código,
pois, segundo ele, este processo inicia-se “ainda na pré-história do desenvolvimento das
formas superiores do comportamento infantil; podemos até mesmo dizer que quando uma
criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a
habilitará a aprender a escrever em um tempo relativamente curto.”
Estas fases evoluem da representação por imitação dos gestos, passando pela
fase topográfica e pictográfica, até à escrita simbólica, remetendo-nos à própria evolução
do sistema escrito na história da humanidade.
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Vygotsky (1998) considera que a escrita é um sistema de símbolos e signos que
se diferencia dos outros. Para ele, este é um sistema particular, que inicialmente, como já
vimos, é um simbolismo de segunda ordem. Portanto, é mediado pela fala, que é um
simbolismo de primeira ordem, para posteriormente tornar-se, também, um simbolismo de
primeira ordem.
Desta forma, pode-se inferir que o processo de construção da escrita é mediado
por signos transmitidos culturalmente, observando-se que, por vivermos numa sociedade
letrada, a criança tem contato com esse sistema desde muito cedo. Porque a linguagem
escrita invade sua mente através dos outdoors, da publicidade, jornais, revistas, anúncios,
revistas e livros.
Entretanto, observamos que apesar do intenso contato de criança com o sistema
escrito, em seu contexto, a escrita por ser um sistema que exige grande abstração, possui
uma motivação mais difícil.
Veja algumas considerações em relação à especificidade da socioconstrução da
linguagem escrita:
1. Situação de produção: por ser a escrita uma fala sem interlocutor, o
autor/sujeito deve representar esse alguém ausente, portanto, exige-se uma estruturação
mais complexa que a fala.
2. Diferenças quanto à natureza da simbolização: a escrita é simbolismo de
segunda ordem, enquanto a fala é de primeira ordem. Ao aprender a escrever a criança
substitui palavras por imagens de palavras, tornando-se, então, a escrita um simbolismo
de primeira ordem.
3. Diferenças quanto à motivação: por conseguir resolver as situações e suas
necessidades pela fala, e, pelo fato da escrita exigir motivos mais abstratos e complexos,
a criança inicialmente apresenta fraca motivação pela escrita.
4. Relação do discurso oral e escrito com o discurso interno/pensamento verbal:
fala interna e escrita se aproxima, pois prescindem do som, são monogestionadas
(monólogo), fundem-se no significado e implicam controle e consciência.
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enquanto aquilo que dá corpo ao pensamento. Deve-se refletir sobre o que significa ao
sujeito o domínio da linguagem escrita, como instrumento de inserção ao grupo que
pertence.
Aprender a escrever traduz a possibilidade de novas formas e novos motivos para
comunicação, para significação, para compreensão do mundo, levando em consideração
que a aprendizagem da língua materna é a via principal de acesso à cultura. E que sua
apreensão, tanto na oralidade como em seu sistema escrito, interfere na constituição da
criança enquanto ser social.
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----------------FIM DO MÓDULO III----------------
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