livro
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— Sua boca é uma delícia, Aninha. — Sua voz sai ofegante quando
desce os lábios em direção ao meu pescoço e recrimino uma careta pela
forma que me chamou.
Seus beijos molhados me arrepiam e começam a fazer aquele calor
gostoso subir por meu corpo, fazendo o meu centro molhar por ele.
Finalmente! Estamos nessa pegação a uns bons minutos e nada do
tesão aparecer. Tudo bem que não é qualquer um que desperta em mim
alguma reação física, mas me odiaria se meu corpo teimoso não sentisse um
mínimo arrepio por esse homem.
Volto a rebolar em seu colo, sentindo sua ereção pressionar minha
boceta coberta pela calcinha e fico paralisada quando sinto meu vestido se
prender ao cambio do carro.
Abro os olhos e o encaro assustada, caindo em mim sobre onde e
com quem estou.
Seguro seu pescoço com mais força e ele me olha sorrindo. O aro de
seu óculos, que percebi estar torto desde a primeira vez que nos
encontramos no Campus há algumas semanas, parece estar ainda mais
prejudicado em seu rosto, por conta do nosso beijo.
— O que foi? — Sua voz sai divertida e o encaro sem entender. —
Parou de me beijar do nada e está me olhando de um jeito diferente. Fiz
alguma coisa errada?
Olho em volta, mesmo sem ter muito para onde olhar e mordo o
cantinho da boca, me perguntando se realmente corto o clima dessa vez ou
se jogo todas as minhas preocupações pelos ares e continuo com o que
estávamos prestes a fazer.
Volto a encará-lo, me lembrando de todas as nossas conversas. Ele
cursa estatística e por tudo que já me contou até aqui, notei que temos
algumas características e manias em comum, como o fato de sermos os
loucos das planilhas e das listas, e por um momento penso que talvez ele
possa me entender.
Delicadamente tiro suas mãos das minhas coxas, que estavam
chegando perto da minha calcinha, e vejo que fica sem entender.
— Não podemos passar daqui essa noite, Edu. — Suspiro frustrada,
mas não me arrependo. Talvez se sua pegada fosse um pouquinho mais
gostosa, eu voltasse atrás. — Ainda estamos no segundo encontro, não
posso te deixar chegar perto da minha vagina ainda.
Ele se afasta, um pouco assustado com a minha fala e solto uma
risada nervosa.
Ah, droga, pensei que esse aqui, com toda aquela coisa de nerd,
seria capaz de me entender, mas pelo visto estou errada.
— Desculpa? Eu… — Ele engole com dificuldade e mesmo com a
luz fraca do carro, consigo ver suas bochechas corando. — Acho que não
entendi, Ana Júlia.
— Com certeza vai entender depois que eu te explicar. — Sorrio
tentando manter a positividade. Quem sabe ele entenda e seja o meu
príncipe encantado? O cara que sonho conhecer e que vai ser o meu esposo
e futuro pai dos meus filhos. — Eu tenho algumas regras a respeito dos
caras que saio, e algumas delas incluem que não podemos chegar às
preliminares antes do quarto encontro, e muito menos transar antes do
sexto, porque assim a gente evita algumas confusões que todo esse
envolvimento sexual pode trazer antes da hora, sabe?
Posso deixar de lado a parte que passei a fazer isso depois de
algumas transas fracassadas e que não levaram a nada. Gosto de sexo, adoro
gozar junto com o cara e toda essa coisa física, mas eu sempre quis mais do
que só isso, e me dei conta de que se toda vez eu me entregasse com tanta
facilidade, nunca iria construir um relacionamento afetuoso como pretendo.
É só isso, simples.
Quero um cara que não só foda bem, mas que também saiba me
tratar como eu mereço, mas como a maioria foge depois de conseguir a
parte do sexo, tive a brilhante ideia de regrar até mesmo minha vida sexual
e amorosa, assim como em tudo a respeito da minha vida, mantenho tudo
sob controle, como as coisas devem ser.
Meu sorriso esperançoso vai se desfazendo aos poucos quando vejo
suas sobrancelhas quase se unirem uma à outra e sutilmente sinto suas mãos
envolverem minha cintura numa tentativa de me afastar ainda mais.
Droga, botei tanta fé no nerdzinho gostoso.
Lá vamos nós.
— Esse trem todo é estranho pra caralho, na verdade, Aninha. —
Ele faz uma careta, ainda me afastando e meus ombros caem. — Não sei
nem como dizer isso, porque nunca fiz o que vou fazer, mas… — Ele se
cala e olha para o espelho retrovisor dando um sorriso orgulhoso para si
mesmo. — Ei, acho que essa vai ser a primeira vez que eu vou dar o fora e
não o contrário.
Dobro os braços abaixo dos seios e tenho certeza que uma carranca
se forma em meu rosto.
Por que os homens são tão babacas?
Até mesmo os nerdzinhos gostosos são decepcionantes e tô odiando
descobrir isso por experiência própria. Pensei que no máximo teria que
aturá-lo querendo ser o mais inteligente da relação e ter paciência com ele
odiando os filmes que pessoas normais assistem, por conta de seus gostos
peculiares, mas ele é só mais um babaca mediano.
— Perdão, é só que não estou mesmo acostumado. — Ele coça a
cabeça nervoso. — Acho que isso aqui não vai dar muito certo, Ana Júlia.
Você é legal e gostosa pra caralho, mas tô começando a achar que essas
suas regras e listas vão acabar quebrando o clima das coisas e atrapalhando
tudo.
Esse idiota soube desde que nos conhecemos que eu queria algo
sério, e agora me vem com essa?
Suspiro pesarosa, mas coloco um sorriso simpático no rosto,
fingindo que não estou com vontade de estapeá-lo por ter me feito perder
tempo.
— Tudo bem, eu entendo.
— Sério? — Ele ainda aperta sutilmente minha cintura. — Não vai
ficar chateada ou chorar?
Me contenho para não revirar os olhos. Meu bom Deus, todos os
homens são assim? Eu nunca choraria por esse cara, quem ele pensa que é?
— Ah, claro, mas vou deixar pra fazer isso quando estiver sozinha e
triste na minha cama nessa madrugada, comendo um docinho. — Ele não
percebe o tom irônico e ajeito o óculos em seu rosto, pois estava me dando
agonia olhá-lo com ele tão torto como estava, e deposito um beijo em sua
testa. — Vou descer aqui mesmo, tudo bem?
Salto para o banco do passageiro, ajeitando minha roupa e pegando
minha bolsa, a colocando no ombro antes de levar a mão até a maçaneta do
carro.
— Não, faço questão de te levar em casa — ele diz já ligando o
automóvel, mas sou mais rápida em colocar os pés para fora. — Eu te deixo
em casa sem problemas algum, Ana Júlia.
— Não tem necessidade, moro há duas quadras daqui. — Aponto na
direção oposta da rua deserta em que ele estacionou depois de deixarmos o
restaurante. — Muito obrigada, mas posso ir sozinha.
Dou um tchauzinho e fico indecisa entre ter tido sorte dele não
isnistir mais enquanto acena de volta antes de eu fechar a porta por
completo, ou se issso só o torna ainda mais idiota para mim.
De qualquer forma, saio andando vagarosamente, sentindo o bafo
quente da noite tocar meu rosto, me odiando por ter contado uma mentira
tão grande. Moro praticamente do outro lado da cidade, há quase meia hora
de carro, e tenho certeza que pedir um Uber nesse horário vai sair caro, mas
eu não me submeteria a passar mais alguns minutos dentro daquele carro
depois do fora vergonhoso que tomei.
Preciso ao menos andar alguns minutos caso ele esteja de olho, para
não ser pega na mentira, e já começo a me sentir fadigada.
Eu precisava ser tão sedentária?
Me assusto quando o carro encosta ao meu lado outra vez e paraliso
vendo o vidro do lado do passageiro ser baixado. A carinha vermelha de
Eduardo aparece, ele me estende um papel gasto.
— Ana, esse é o numero do meu pix e aí também está o valor de
quanto ficou hoje no restaurante. — Ele sorri como se não tivesse dito um
absurdo. — Depois de hoje não sei se vai bloquear meu número ou não,
então não quis arriscar esperar para te passar. Agradeço se puder fazer a
transferência da metade desse valor antes do dia quinze.
Odeio me descontrolar, ainda mais com pessoas que sequer fazem
parte do meu convívio.
A imagem que construí nessa bosta de sociedade nos últimos anos
não condiz em nada com uma louca histérica, que chutaria a porta de um
carro por conta de cento e cinquenta reais. Odeio sentir a necessidade de me
manter composta, porque caso eu decida dar uma de surtada, posso ser
acusada de ser mimada ou coisa pior.
Odeio ser julgada como tal e por isso sempre acabo aceitando coisas
que não me cabem.
— Claro! Hoje mesmo, assim que chegar em casa, já posso
transferir. — Pego o papel com delicadeza e assim que o vejo se afastando
com o carro outra vez, sequer olho o que contém ali, amassando o pedaço
amarelo e jogando na rua sem ter remorso algum contra o meio ambiente.
Que cara idiota!
Por acaso achei minha boca no bueiro?!
Mesmo escolhendo a dedo os caras com quem decido me envolver,
sempre acabo caindo em ciladas, ou sendo incompreendida, provando que o
amor da minha vida está bem longe de ser encontrado.
Como posso ter o dedo tão podre?
Frustrada, volto a caminhar com passadas firmes, segurando com
força a alça da minha bolsa, murmurando todos os tipos de palavrões e
praguejos possíveis.
De repente paro na travessa e olho para o céu quando ouço alguns
trovões.
— Não! — grito sabendo que não estou sendo observada. — Nem
fodendo que vai começar a chover justo agora, depois de semanas sem cair
uma única gotinha desse céu!
Praguejo mais um pouco e solto um grito de susto quando um Civic
branco desce a rua com toda velocidade, parando com um freada brusca à
minha frente.
Levo minha mão ao peito, sentindo ele bater como um louco, me
fazendo perder até mesmo o fôlego e sinto minha maldita pressão dar uma
baixada por conta do susto, minhas pernas amolecem e meu rosto fica
gelado.
Antes que eu possa pensar em correr para algum lugar, o vidro do
lado carona abaixa e consigo ver o sorriso divertido de Felipe me
encarando, seus olhos passam o quanto achou engraçado me assustar dessa
maneira.
— Carona? — ele pergunta, já destravando as portas e reviro os
olhos, tentando evitar um sorriso enquanto meu fôlego volta ao normal. —
Vamos lá, Anaju, estamos indo para o mesmo lugar, entra aí e economiza as
moedinhas que gastaria com o Uber.
Sem pensar duas vezes, abro a porta e sou recebida pelo ar gelado
do ar condicionado, suspirando de prazer pelo alívio.
— Espero que tenha dedetizado essa joça nos últimos dias — é a
primeira coisa que falo, lhe arrancando uma risada. — É sério, não quero
correr o risco de estar sentada numa camisinha velha, ou em fluidos
indesejados.
Olho para ele que revira os olhos e arranca a toda velocidade assim
que coloco o cinto.
— Meu carro é muito bem higienizado, não se preocupe. — Suspira
e passa a mão sobre o painel, como se tivesse o acariciando e sentindo
verdadeiro prazer com isso. — Nunca deixaria meu bebê sujo com os restos
das minhas safadezas.
Solto um gemido frustrado e forço um barulho de ânsia.
— Não preciso saber o que você faz ou deixa de fazer nesses
bancos, Felipe. — O encaro com nojo e ele ri.
— Onde estava a essa hora, mocinha? — Arqueio uma sobrancelha
para ele. — Só estou fazendo o que seu irmão faria se te encontrasse no
meio da rua deserta depois das onze da noite. — Dá de ombros. — Ele
sabe onde você está até tão tarde?
“Como seu irmão faria.”
Meu Deus, como se eu já não tivesse ficado seca o suficiente depois
do chute que acabei de levar.
— Num encontro. — Ele me olha assustado. — Uai, o que foi?
Tenho vinte e quatro, ou pensou que seria pra sempre a garotinha de
dezenove anos, que não havia nem beijado na boca ainda?
— Claro que pensei. — Ele soa indignado. — O dia que
descobrimos que só foi meter a língua dentro da boca de um cara quando já
tinha vinte anos, seu irmão abriu um champanhe em comemoração.
— Ha ha ha, muito engraçado, quer seus aplausos agora ou depois?
— Tô falando sério! Pensávamos que nunca fosse acontecer! Na
verdade, é de me admirar que hoje alguém te suporte a ponto de te chamar
para um encontro e sabe, passar o jantar todo com você — ele fala sério e
tenho vontade de socá-lo. — O contratou de algum desses aplicativos de
namorado de aluguel?
Deposito um tapa em seu ombro, o levando a reclamar de dor por
não ter pego leve, mas logo estou fungando, pensando no que disse.
— Ei, tá chorando, coisinha? — Ele usa um dos trocentos apelidos
que ele e Anderson me deram em nossa infância. — O que foi? Ele te
magoou?
Seu tom de voz não é preocupado ou delicado, está mais parecendo
que vai rir caso eu confirme, e constatar esse fato não me chateia. Cresci
acostumada a ter ele e Andi me pirraçando e implicando com cada coisinha
que eu fazia.
Eu era a irmã mais nova irritante que os perseguia onde fossem e os
delatava sempre que aprontavam, acabando com seus planos antes de serem
executados, então não perdiam a chance de me atazanar como forma de
vingança. Foi assim a minha vida toda e prefiro acreditar que era a forma
deles demonstrarem seu carinho por mim
Não sei se posso considerar como amizade o que tínhamos, mas
com certeza criamos um laço forte durante todos aqueles anos.
— Na verdade, acho que está certo e realmente sou insuportável. —
Limpo a única lagrima que escorre por minhas bochechas e dou uma risada
amarga. — O idiota me chutou depois de dois encontros e ainda me deu a
porcaria do número do pix dele num papel velho, com o valor do nosso
jantar de hoje.
Para completar toda a desgraça da noite, me assusto mais uma vez
com a freada brusca que Felipe dá, me levando para frente e fazendo meus
peitinhos prejudicados de quantidade sofrerem com o aperto do cinto.
Meu coração se acelera e olho em volta, preocupada com o motivo
da nossa parada, pensando que ele teria atropelado algum animal, ou que
caso não freasse iria passar no sinal vermelho e atropelar uma velhinha, mas
fico confusa ao me dar conta de que só estamos no meio de uma rua pouco
movimentada, sem nada estranho ou qualquer motivo que o tenha feito
tomar essa atitude.
Então todo meu sangue volta a correr enraivecido pelas veias
quando sua gargalhada ecoa dentro do carro, quase me ensurdecendo e
tirando meu fôlego de novo, dessa vez por achá-lo ainda mais gostoso
enquanto caçoa da minha desgraça.
Me viro em sua direção e constato que ele quase chora de tanto rir,
apontando para mim e ficando vermelho, sem conseguir respirar direito.
— O cara além de te dar um pé, ainda vai te fazer pagar o jantar? —
Sua voz sai afetada pelo riso e cruzo os braços, o fulminando com um olhar.
— Não adianta me olhar assim, Anaju! O que seu irmão deixou acontecer
com você enquanto eu estive fora? Te deixando se tornar tão trouxa a esse
ponto?
— Bom saber que minha vida amorosa te diverte, mas será que
podemos ir embora? — Aponto para a rua, mas ele não para de rir.
— Quer que eu te faça uma transferência como ajuda de custo para
poder pagar o cara? — ele fala de forma afetada pela risada e passo a
encará-lo incrédula, vendo que realmente gargalha de forma sincera.
— Se não parar com essa merda, eu saio daqui agora mesmo e vou
embora a pé, e se alguma coisa acontecer comigo até em casa, ainda faço
questão de contar ao Anderson que você me botou pra fora do carro e a
culpa vai ser toda sua se algo me acontecer.
Sua risada cessa tão rápido quanto começou e ele respira fundo,
limpando o cantinho dos olhos, secando algumas lágrimas que desceram
por ali. Tento não manter meus olhos em seu pescoço repleto de veias,
notando como ficou avermelhado e mais grosso por conta da crise de riso,
dando ainda mais destaque para a flor que tem tatuada em homenagem a
sua mãe.
Disfarço um sorriso ao me lembrar de quando ele chegou em casa
logo após tê-la feito, tentando convencer minha mãe a deixar Anderson
também se tatuar, alegando que seria em homenagem a ela. A tatuagem se
trata de uma rosa, seu caule possui o nome de dona Mariana. Ele tinha
dezessete quando fez, um ano após sua morte.
— Você não mudou nadinha, não é, garota? Brincando com coisas
sérias desse jeito. — Sua voz me traz de volta ao presente e aceno uma
confirmação ao assisti-lo acelerando o carro outra vez, pegando o caminho
que nos leva de volta ao nosso bairro.
Suspiro, me sentindo um pouco mais leve do que estava quando
deixei o carro daquele míope sem vergonha, e um pouquinho agradecida
por ter encontrado Felipe essa noite.
Vou deixar
A vida me levar
Pra onde ela quiser
Seguir a direção
De uma estrela qualquer
Vou Deixar – Skank