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COPYRIGHT © 2024 by Pâmela Jardim

É proibida a distribuição de toda ou qualquer parte desta história.


Os direitos da autora foram assegurados. Plágio é crime.
Esta é uma obra de ficção recomendada para maiores de dezoito anos.
Nomes, cidade onde a história majoritariamente se passa, personagens e
acontecimentos
descritos aqui são frutos da imaginação da autora. Qualquer semelhança
com acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Capa: Luana Berle | LB Design Editorial (@lbdesigneditorial)
Diagramação: Luana Berle | LB Design Editorial (@lbdesigneditorial)
Revisão de texto: Amanda Mont’Alverne (@revisandobymendy)
Leitura sensível: Iara Braga (@autoraiarabraga)
Betagem: Samantha Guimarães (@sammyisreading) | Maria Eduarda
Barreiros (@booksuniverse_byduda) | Fernanda Bueno (@buenoleituras) |
Caroline Costa (@careeading) | Anny Xavier (@porumcapitulo) | Emelyn
Ferreira (@emelynferreiraa) | Larissa Lago (@booksda_ruiva) | Julia
Pehlivanidis (@autorajupehlivanidis) | Lívia Pessoa (@readsbylivia) |
Amanda Farias (@quetallivro) | Giovanna Montuori (@gi_montuorii_)
Isabela Ditiuk (@Beladitiuk)
Ilustrações: Adácia Raquel (@adacia_art) e Lara Késsia
(@laradesenhademais)
PLAYLIST
NOTAS DA AUTORA
AVISOS DE GATILHO
PRÓLOGO
01
02
03
04
05
06
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08
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EPÍLOGO
CENA BÔNUS
UM PEDACINHO DA MINHA ALMA
AGRADECIMENTOS
Aos amores repentinos e transformadores, e a você, que mesmo sabendo
que não deveria, continua se rendendo aos cafajestes de caráter duvidoso,
no melhor estilo Felipe Vagabundagens… mas quem não erra em 2024?
Olá! Sejam bem-vindos a Empresa Felipe Vagabundagens Ltda,
recomendo que pegue seus panos e se prepare para a diversão.
Primeiramente queria lhes dizer que é um prazer te ter de volta no
Jardimverso, mas caso seja sua primeira vez nessas redondezas, esteja
ciente de que o destino sempre dá um jeitinho de trabalhar por aqui
Quero pedir pra vocês que estão prestes a ler esse livro, que o leia
sem medo do que está por vir, eles não entregam nada mais do que lágrimas
de felicidade e boas gargalhadas, eu lhes garanto, e espero que esse livro
possa servir como um respiro em meio a caos da vida, e torço para que
terminem a leitura, sentindo um quentinho no coração, apaixonados por
Felipe e Anaju, assim como eu fiquei.
UCI foi como um tapa na cara desta autora, que até bons meses atrás
não acreditava em como as comédias românticas poderiam ser
transformadoras e marcantes, mas desde que lancei Quando nos
Conhecemos, minha teoria vem caindo por terra a cada enredo que surge no
Jardimverso, e ao menos para mim, esse aqui foi um divisor de águas
particular. Escrever UCI foi mágico e estarrecedor, me trazendo ainda mais
certeza de que estou no caminho certo, e não tem sentimento melhor no
mundo do que saber que minhas histórias arrancam tantos sorrisos e risadas
sinceras.
Agora falando um pouco das pessoas que habitaram minha mente
nos últimos meses, Felipe Guimarães, Lipecoins para os íntimos, é o típico
cara que não se apega a ninguém e também não faz questão de permanecer,
pelo menos não até perceber que o amor finalmente bateu em sua porta. É
um cafajeste de primeira, então esperem sempre o pior dele nesse assunto,
pois ele vai entregar, e quem sabe assim, acabe te surpreendendo também.
Já Anaju, minha pitica Joaninha, apesar de sonhadora, sempre fez o
tipo que não espera o que quer cair do céu, pelo menos não mais. Nossa
querida ama manter tudo sob a mais perfeita organização, o que a levou até
mesmo a tentar manter sob controle o seu coração, mas apesar disso, não
desperdiça a chance de soltar uma brincadeirinha ou outra.
Agora que já falei demais, só me resta pedir que cuidem muito bem
desse aqui, pois nele contém um pedacinho da minha alma. Não sabem
como UCI mexeu comigo e o quanto uma partezinha minha, a egoísta, está
de coração partido por precisar mandá-los ao mundo, mas sei que estarão
em boas mãos, e acima de tudo, que precisam arrancar muitas gargalhadas e
suspiros por esse mundão.
Bem vindos a leitura de UCI, espero que ela seja mágica e
transformadora.
Apesar de ser uma comédia romântica, não deixe de se atentar aos
temas que podem ser sensíveis, mesmo que não abordados de modo mais
profundo, e caso não se sinta confortável, priorize sua saúde mental.
Este livro aborda palavras de baixo calão, sexo explicito e sem
preservativo, consumo de bebida alcooólica, problemas com o pai, luto,
cena de violência física, breve menção a situação envolvendo racismo sem
cenas gráficas e sinais de exaustão mental, sendo assim, expressamente
proibido para pessoas que possuem menos de dezoito anos.
Uma catástrofe imperfeita retrata competições universitárias a partir
das equipes conhecidas como Atléticas. Apesar de toda a pesquisa feita para
que o tema fosse melhor representado, nem tudo condiz cem por cento com
a realidade, pois utilizei da licença poética onde achei ser necessário, para
que melhor se adaptasse ao enredo.
Estou à disposição para conversarmos caso sinta a necessidade,
estou sempre aberta às críticas construtivas e aos feedbacks de vocês e
podem me encontrar em todas as redes sociais através do: @autorapjardim
Meus olhos saltam de susto quando o rosto alegre da tia Silvia
aparece em minha frente, me privando de continuar observando a mulher
gostosa do outro lado da piscina, que ainda não tive o prazer de conhecer o
rosto. Apesar da vista de suas pernas e de sua bela bunda descoberta pelo
biquíni minúsculo, gostaria de dar um rosto, e quem sabe até um nome à
ela.
Só pra não me sentir tão babaca.
— Ah, querido, não acredito que finalmente voltou! — A mulher
que me viu crescer e que apesar de não compartilharmos laço sanguíneo
algum, sempre ocupou o lugar de tia em minha vida, me puxa para um
abraço caloroso. — Pensei que teríamos de fazer uma intervenção para que
pudesse voltar.
Retribui seu abraço de maneira carinhosa, sentindo falta desse tipo
de aconchego, que somente uma mãe poderia me conceder.
— Podemos dizer que basicamente foi isso que aquele crápula fez,
tia. — Sorrio enquanto ela solta uma risada.
— Dessa vez não vou te defender, se precisou ser obrigado a voltar
para que finalmente pudéssemos te ter aqui outra vez, agradeço a ele.
Abro os olhos em meio ao abraço e meus olhos são preenchidos pela
bunda deliciosa que venho admirando nos últimos minutos.
Inclino um pouco minha cabeça, passando meu olhar por suas
pernas, até seu biquíni que realça sua pele negra clara, que apesar de não
serem muito torneadas, não deixam de me fazer desejá-las em volta do meu
corpo, sentindo se é tão macia quanto aparenta ser de longe.
Os fios grossos e cacheados na altura dos ombros deixam suas
costas magras de fora, me fazendo imaginar o tamanho dos peitos que as
finas tiras do biquíni sustentam.
Ah, porra, eu daria tudo para vê-la de frente bem agora.
— Está me ouvindo, rapaz? — Um tapa é depositado em minha
cabeça quando tia Silvia me empurra com força. Seus olhos procuram o que
quer que eu estivesse concentrado, mas desiste ao não encontrar seu
objetivo. — Não mudou nada, não é?
Ela ri enquanto ergo os braços, e logo se aproxima de novo,
segurando meu rosto com suas mãos macias.
— Independente do motivo que o tenha feito voltar, ficamos muito
felizes com sua presença, filho. — Suspiro com seu jeito de falar,
lembrando da minha mãe. — Sei que pra você é difícil entender o que vou
te pedir agora, mas independe de qualquer coisa, aquela empresa era tão
dela quanto ele faz parecer ser dele, então cuide muito bem daquele lugar,
Felipe, como sabe que ela gostaria que você cuidasse.
Ela me pede uma confirmação e preciso reprimir as lembranças
quando sinto um beijo ser depositado em minha testa, antes dela se afastar.
Apesar de guardar suas lembranças com carinho, tento não pensar
nela com muita frequência, porque sempre entro numa merda de humor
quando o faço, então volto para as pernas e bunda gostosa em que estava
concentrado antes de ser interrompido.
A mulher de pele negra clara ainda está ali. Ela se curva levemente
para frente, rindo de algo que sua amiga lhe fala e quando começo a dar
alguns passos em sua direção, uma mão firme segura com força meu
ombro.
Meu amigo se coloca ao meu lado e fico confuso com a expressão
furiosa que direciona para mim.
— Que porra aconteceu? — Tento tirar sua mão de mim, mas ele
não abranda o aperto. — Tá com cara de quem fodeu e não gozou,
Anderson, o que foi?
— Que merda pensa que está fazendo, Felipe? — Sorrio de lado.
— Não vai me dizer que aquela ali é a tal que você se apaixonou. —
Aponto para ela e ele aperta ainda mais meu ombro, me fazendo torcer a
cara de dor. — Ei, tá ficando louco?
— Não faz mesmo ideia de quem se trata a mulher que passou os
últimos dez minutos devorando como se fosse um pedaço de carne?
— Acha que se eu soubesse, ainda estaríamos aqui? — Meu tom é
debochado. — Tem dúvidas de que já não a teria levado para um dos
quartos lá de cima? — questiono com um sorriso nos lábios, que só o faz
ficar ainda mais irritado. — Talvez a leve para o seu, transar na sua cama só
de pirraça, como nos velhos tempos, o que acha?
— Você é muito idiota, Zé! — O assisto bufar de raiva antes de se
virar pra frente, pronto para gritar e estourar a porra dos meus tímpanos. —
Ei, Ana Júlia!!!
Não!
Não pode ser!
Caralho, mas que merda, não!
Sinto a cor sumir do meu rosto, minha boca se abre em choque,
assim como meu rosto que se contorce em agonia, e internamente me
recrimino por todos os absurdos que pensei minutos atrás a respeito daquela
bunda gostosa!
Estreito meus olhos nela.
Que infelizmente vendo agora, ainda não deixa de fazer minha mão
coçar de vontade para dar uns bons tapas enquanto a teria montando em
mim.
Meu Deus, para com isso, Felipe!
Meu coração para por alguns segundos quando Anaju se vira em
nossa direção, com seu sorriso lindo e sua simpatia contagiante que sempre
me irritou.
Os dedos do seu irmão apertam com ainda mais força o meu
pescoço após levá-los até lá.
— Mais respeito com a forma que pensa da minha irmã, ou juro que
te arrebento inteiro se ousar chegar perto dela — diz próximo ao meu rosto
e sinto até os pelos do meu rabo se arrepiarem com seu tom.
Com certeza não quero que sua mão chegue perto do meu rosto ou
de qualquer outra parte do meu corpo. Um soco desse idiota e não sobraria
nada de mim para contar história.
— Como pode ter certeza do que eu estava pensando? — Sigo
sorrindo, apesar de estar em pavor.
— Te conheço desde que nasceu, sei bem das merdas que passam aí
dentro só de ver seu olhar.
— Ótimo, então também sabe que eu nunca ousaria encostar um
dedo na Anaju — descarto a opção com desdém, tentando forçar uma
expressão de nojo, mesmo agora sendo difícil, mas vejo que ele não
acredita. — Anderson, é a Ana Júlia, cara! A pestinha que a gente pregava
peças, que zombávamos do seu jeito de vestir quando aprendeu sobre
combinações de cores e lhe demos os piores apelidos que conseguimos
encontrar, apenas para vê-la chorar de raiva.
Depois de segundos intermináveis analisando meu rosto, ele
finalmente se convence de que nada acontecerá, que pode confiar em mim
quando se trata de sua irmã, e finalmente me solta, chamando por ela outra
vez.
Engulo em seco quando olho para frente de novo e observo suas
passadas animadas até nós.
Sua pele brilha com o sol batendo contra ela, seus cabelos se movem
de uma maneira que faz a pele de seu pescoço esguio ficar exposta e meus
olhos sem querer recaem até os seus peitos, que mesmo pequenos, vejo
quase saltarem para fora do biquíni apertado que usa.
Sua barriga lisa e molhada é repleta de pelinhos dourados e está
coberta de gotículas que levam a um lugar perigoso de se olhar, que por
sorte, consigo desviar os olhos, voltando em direção ao seu rosto quando se
põe em nossa frente.
— Bem que dizem que quem é vivo sempre aparece, não é?
Porra, essa não é a Ana Júlia que eu me lembrava de três anos atrás.
Nem fodendo que aquela garotinha chata e mimada se transformou nesse
mulherão que está na minha frente.
Ela não tinha o rosto todo espinhento? Não falava com uma voz de
taquara rachada, clamando por atenção e exalando uma falsa simpatia,
implorando para ser útil e aceita?
Não era tão linda assim, muito menos tão gostosa como a mulher
que vejo agora.
Não era pra irmã do meu melhor amigo fazer meu pau pulsar como
um louco necessitado, que não vê uma boceta há dias.
Ela deveria continuar sendo insuportável e intragável para mim
como sempre foi, e os alertas de proibido e as placas de “afaste-se” brilham
em neon na minha cabeça ao ouvi-la falar como uma pessoa normal,
diferente da ultima vez que a vi, e começo a me perguntar que merda eu fiz
para uma catástrofe dessa estar acontecendo justo comigo.
Nunca acreditei na ilusão de ter você pra mim
Me atormenta a previsão do nosso destino
Eu passando o dia a te esperar
Você sem me notar
Anna Júlia – Los Hermanos

Nunca pude me considerar uma filha rebelde ou muito porra louca,


fui mimada desde o momento em que nasci e sempre tive tudo que quis ao
meu alcance, então não fazia muito sentido me revoltar diante das
circunstâncias, mas com certeza se fosse para me rebelar e experimentar do
proibido por puro prazer pessoal, eu sem dúvida alguma optaria por me
jogar nos braços fortes do homem que aprecio.
Felipe Guimarães da Costa.
Ele poderia ser considerado o pecado em pessoa, mas acredito que
essa característica só se limita a minha pessoa, ao meu gosto pessoal.
Felipe é o meu pecado em carne e osso. Desde seu primeiro fio de
cabelo, até a pontinha do seu dedo do pé, me atraem.
Sempre o desejei, desde que passei a entender o significado da
palavra e o que eu sentia quando olhava para certos garotos, aceitei que esse
homem é o meu império romano.
Para a minha total frustração, além dele ser um território
completamente proibido pra mim, por ser melhor amigo do meu irmão, o
conheço o suficiente para saber que Felipe é por inteiro o estereótipo do
homem babaca, o que de certa forma, também o torna meu karma.
Ele faz o tipo cafajeste idiota que com certeza você agradeceria pelo
fora que lhe deu, e se sentiria eternamente realizada caso um dia ele fizesse
o favor de tirar sua calcinha. O cara que depois de chutar sua bunda e partir
seu coração de inimagináveis formas, você ainda continua sendo grata pela
honra de um dia ter sido fodida por um babaca gostoso como ele.
Pode não ser uma opinião universal, mas ao menos eu me encaixo
muito em tudo que acabei de descrever. Felipe é tudo que nunca desejei ter,
mas que não desperdiçaria a oportunidade caso um dia tivesse a chance.
Suspiro, apoiando minha mão abaixo do queixo, completamente
alheia ao que minha mãe fala. Meus olhos estão vidrados nas costas
molhadas do moreno, que joga uma partida de vôlei com meu irmão e
nossos primos na piscina.
Uma pena que mesmo se um dia eu me arriscasse com ele, jamais
teria chances.
— O que tanto pensa olhando para o nada, Anaju? — A voz da
minha mãe soa mais perto, e desvio o olhar para os seus olhos esverdeados.
— O quê? — Tento me concentrar no que me perguntou, mas meu
cérebro se encontra derretido depois de passar os últimos vinte minutos
concentrada demais no que não devia. — Desculpa, não ouvi o que a
senhora disse.
Ela revira os olhos e sacode as mãos.
— Arreda[1] um pouco pra lá, sua mal educada. — Deslizo minha
bunda pelo banco de madeira, deixando que se sente onde eu estava e
agradeço quando coloca um prato de carnes assadas em minha frente. —
Sua avó ligou mais duas vezes pro seu pai, pedindo perdão por não ter
conseguido vir pra festa dele, mas prometeu que vem para a do seu irmão e
traz os presentes que prometeu todo esse tempo.
Estalo a língua contendo uma risada enquanto pego um pedaço de
pão de alho.
— Papai adora dizer que sou mimada, mas nem percebe os dramas
que faz quando se trata da vovó Neiva.
— Uai, mas você é mimada, filha. — Olha de relance para mim. —
Não que seja sua culpa ser a única neta mulher nessa família.
— Correção, dona Silvia. — Tomo o pedaço de linguiça de seus
dedos. — Eu era mimada! A vida de proletária me tornou uma adulta
madura e responsável, sem privilégios e mimos da parte de vocês.
Não aguento ouvir sua risada após a minha fala e acabo a
acompanhando.
— Você trabalha na empresa do seu pai, querida, acho que não
preciso nem dizer mais nada, não é? — Lhe mostro a língua e ela tem a
audácia de apertar minhas bochechas.
Ela passa a se concentrar no pessoal brincando na água gelada, que
deve estar perfeita por conta do calor infernal que anda fazendo aqui em
Belo Horizonte, e suspiro, me sentindo um pouco frustrada com esse
pequeno diálogo.
Sei que sempre fui mimada e tive tudo de forma fácil, mas de
alguma forma, desde que passei a ter que lidar com meus problemas
sozinha desde a época da universidade e saí um pouco da proteção de todos
eles, me dando conta de que toda essa atenção exagerada que tive vida toda
não me acompanhou mundo afora, me fez adquirir a necessidade excessiva
de me provar para as pessoas, de pegar pra mim toda a responsabilidade que
eu conseguir, sem deixar que percebam que na verdade, quase nunca dou
conta de tudo sozinha, apesar de ter passado a fingir muito bem.
Foi com essa necessidade idiota de aceitação que acabei me
tornando a vice-presidente da Atlética do meu curso atual, que nesse
momento de um domingo tranquilo, vem me perturbar com um trilhão de
mensagens sobre as reuniões da semana.
Viro a tela do celular para baixo, evitando olhar as notificações.
Não quero ter que me preocupar com nada hoje, é o aniversário do
meu pai, porra.
Meus olhos alcançam os restos dos balões de ontem e as velas
jogadas sobre o balcão que divide a churrasqueira das mesas que estamos
sentadas.
Aquilo ali já deveria estar no lixo.
Tudo bem, o aniversário dele foi há cerca de dois dias, mas ainda
estamos aproveitando as comemorações.
Me recuso a ter que ficar enfurnada no diacho do celular, resolvendo
algum problema da AACI[2], quando posso me deliciar com a visão do
homem gostoso que caminha em minha direção.
— Anderson disse que eu poderia lhe pedir pra pegar uma toalha,
acabei esquecendo a minha em casa.
Sua voz é tão gostosa quanto eu me lembrava e eu perco cerca de
dois segundos com o olhar preso ao seu abdome pálido, repleto de pintinhas
marrons, já imaginando como sua pele vai voltar a ser bronzeada como
antes, em poucos dias após sua volta para o Brasil.
Foco, Ana Júlia!
— E por acaso voltamos a ter seis anos, quando eu ainda caía no
papinho idiota de que tinha de obedecer vocês para que me protegessem do
homem do saco? — Minha pergunta é carregada de deboche e aponto para
as portas que levam ao interior da nossa casa. — Não preciso dizer que já é
de casa e que pode ir atrás da toalha você mesmo. Continuam no mesmo
lugar de três anos atrás.
Sorrio docemente e ele me olha surpreso, antes de mover a cabeça
aos poucos e abrir um sorriso, que é adornado pela barba bem aparada que
deixou crescer nos últimos anos em que esteve fora.
Um sorriso lindo, que se eu parasse para observar por tempo demais,
seria capaz de molhar minha calcinha sem sequer ser tocada por ele.
— Tinha esquecido o quanto você é implicante, Anaju. — Ele se
aproxima mais, pingando água por todos os lados e dá duas batidinhas na
minha cabeça, como se eu fosse um maldito cachorrinho recebendo
atenção. — Muito obrigado por ter me lembrado o quanto é chata.
Reviro os olhos e lhe mostro a língua quando ele sai gargalhando,
me dando a vista da sua bunda grande colada ao shorts molhado.
Sorrio sozinha ao me dar conta de que estava com saudades de ter
esse babaca por perto.
— Você sempre teve uma quedinha por ele, né? — Me assusto
quando o peitoral desnudo do meu irmão toma toda minha vista e lhe lanço
uma careta. — Nem adianta fingir, te conheço, piolhenta.
— Uma quedinha? — Nossa mãe se intromete e pego meu celular,
pronta para sair de perto de suas azucrinação. — Sua irmã tinha um
penhasco por ele.
— Nossa, como vocês são exagerados. — Tento segurar a risada ao
me dar conta da expressão revoltada de Anderson. — Agora é crime achar
alguém bonito, uai?
— Sim, quando esse alguém se trata do meu melhor amigo, Ana
Júlia. — O homem que chega aos dois metros de altura cruza os braços na
altura do peito, o bico bravo que se tornou seus lábios aumenta e não me
contenho ao gargalhar. — Tô falando sério, uai, conheço a porcaria de
amigo que tenho, ele não serve pra você, então trata de ficar longe dele.
Me aproximo dele e seguro seu rosto enorme que deixam minhas
mãos parecerem ser ainda menores, e mesmo com certo esforço, consigo
deixar-lhe um beijo na testa.
— Só estou implicando com você, Andi. — Rio, pois ele mesmo
não me afastando, ainda assim não se convence das minhas palavras. —
Você me conhece mais do que ninguém, sabe de todas as minhas regras pra
sair com um cara e conhece cada item da minha lista de interesses. Felipe
nunca teria chances comigo ou vice e versa.
Faço a mesma coisa que seu amigo fez e ele bufa irritado ao ter
minha mão dando tapinhas leves em sua cabeça. O abandono para ir me
trocar no banheiro externo, desejando me livrar desse suor ao pular na
piscina, e rio internamente com o que acabou de acontecer.
Poucos minutos depois, quando deixo o banheiro, meus olhos
encontram os de Felipe sobre mim, que me mostra a toalha que agora tem
em mãos, me levando a bater palminhas curtas de elogio, como forma de
provocá-lo e logo encontro o olhar raivoso de Anderson sobre nós. Faço um
coração com as mãos em sua direção, rindo quando ele revira os olhos.
Onde já se viu um trem desses? Crescemos juntos e ele nunca
insinuou algo assim, e agora esse maluco do nada começa a cogitar que
algo possa acontecer entre eu e seu melhor amigo?
Para a minha gigantesca infelicidade, não sou tão azarada para isso
chegar perto de acontecer algum dia e sei que caso acontecesse, seria uma
catástrofe imensurável.
Me chama pra sair
Insiste em me ligar
Mas no final de tudo
A conta eu é que vou pagar
Chamada a cobrar – Kelly Key

— Sua boca é uma delícia, Aninha. — Sua voz sai ofegante quando
desce os lábios em direção ao meu pescoço e recrimino uma careta pela
forma que me chamou.
Seus beijos molhados me arrepiam e começam a fazer aquele calor
gostoso subir por meu corpo, fazendo o meu centro molhar por ele.
Finalmente! Estamos nessa pegação a uns bons minutos e nada do
tesão aparecer. Tudo bem que não é qualquer um que desperta em mim
alguma reação física, mas me odiaria se meu corpo teimoso não sentisse um
mínimo arrepio por esse homem.
Volto a rebolar em seu colo, sentindo sua ereção pressionar minha
boceta coberta pela calcinha e fico paralisada quando sinto meu vestido se
prender ao cambio do carro.
Abro os olhos e o encaro assustada, caindo em mim sobre onde e
com quem estou.
Seguro seu pescoço com mais força e ele me olha sorrindo. O aro de
seu óculos, que percebi estar torto desde a primeira vez que nos
encontramos no Campus há algumas semanas, parece estar ainda mais
prejudicado em seu rosto, por conta do nosso beijo.
— O que foi? — Sua voz sai divertida e o encaro sem entender. —
Parou de me beijar do nada e está me olhando de um jeito diferente. Fiz
alguma coisa errada?
Olho em volta, mesmo sem ter muito para onde olhar e mordo o
cantinho da boca, me perguntando se realmente corto o clima dessa vez ou
se jogo todas as minhas preocupações pelos ares e continuo com o que
estávamos prestes a fazer.
Volto a encará-lo, me lembrando de todas as nossas conversas. Ele
cursa estatística e por tudo que já me contou até aqui, notei que temos
algumas características e manias em comum, como o fato de sermos os
loucos das planilhas e das listas, e por um momento penso que talvez ele
possa me entender.
Delicadamente tiro suas mãos das minhas coxas, que estavam
chegando perto da minha calcinha, e vejo que fica sem entender.
— Não podemos passar daqui essa noite, Edu. — Suspiro frustrada,
mas não me arrependo. Talvez se sua pegada fosse um pouquinho mais
gostosa, eu voltasse atrás. — Ainda estamos no segundo encontro, não
posso te deixar chegar perto da minha vagina ainda.
Ele se afasta, um pouco assustado com a minha fala e solto uma
risada nervosa.
Ah, droga, pensei que esse aqui, com toda aquela coisa de nerd,
seria capaz de me entender, mas pelo visto estou errada.
— Desculpa? Eu… — Ele engole com dificuldade e mesmo com a
luz fraca do carro, consigo ver suas bochechas corando. — Acho que não
entendi, Ana Júlia.
— Com certeza vai entender depois que eu te explicar. — Sorrio
tentando manter a positividade. Quem sabe ele entenda e seja o meu
príncipe encantado? O cara que sonho conhecer e que vai ser o meu esposo
e futuro pai dos meus filhos. — Eu tenho algumas regras a respeito dos
caras que saio, e algumas delas incluem que não podemos chegar às
preliminares antes do quarto encontro, e muito menos transar antes do
sexto, porque assim a gente evita algumas confusões que todo esse
envolvimento sexual pode trazer antes da hora, sabe?
Posso deixar de lado a parte que passei a fazer isso depois de
algumas transas fracassadas e que não levaram a nada. Gosto de sexo, adoro
gozar junto com o cara e toda essa coisa física, mas eu sempre quis mais do
que só isso, e me dei conta de que se toda vez eu me entregasse com tanta
facilidade, nunca iria construir um relacionamento afetuoso como pretendo.
É só isso, simples.
Quero um cara que não só foda bem, mas que também saiba me
tratar como eu mereço, mas como a maioria foge depois de conseguir a
parte do sexo, tive a brilhante ideia de regrar até mesmo minha vida sexual
e amorosa, assim como em tudo a respeito da minha vida, mantenho tudo
sob controle, como as coisas devem ser.
Meu sorriso esperançoso vai se desfazendo aos poucos quando vejo
suas sobrancelhas quase se unirem uma à outra e sutilmente sinto suas mãos
envolverem minha cintura numa tentativa de me afastar ainda mais.
Droga, botei tanta fé no nerdzinho gostoso.
Lá vamos nós.
— Esse trem todo é estranho pra caralho, na verdade, Aninha. —
Ele faz uma careta, ainda me afastando e meus ombros caem. — Não sei
nem como dizer isso, porque nunca fiz o que vou fazer, mas… — Ele se
cala e olha para o espelho retrovisor dando um sorriso orgulhoso para si
mesmo. — Ei, acho que essa vai ser a primeira vez que eu vou dar o fora e
não o contrário.
Dobro os braços abaixo dos seios e tenho certeza que uma carranca
se forma em meu rosto.
Por que os homens são tão babacas?
Até mesmo os nerdzinhos gostosos são decepcionantes e tô odiando
descobrir isso por experiência própria. Pensei que no máximo teria que
aturá-lo querendo ser o mais inteligente da relação e ter paciência com ele
odiando os filmes que pessoas normais assistem, por conta de seus gostos
peculiares, mas ele é só mais um babaca mediano.
— Perdão, é só que não estou mesmo acostumado. — Ele coça a
cabeça nervoso. — Acho que isso aqui não vai dar muito certo, Ana Júlia.
Você é legal e gostosa pra caralho, mas tô começando a achar que essas
suas regras e listas vão acabar quebrando o clima das coisas e atrapalhando
tudo.
Esse idiota soube desde que nos conhecemos que eu queria algo
sério, e agora me vem com essa?
Suspiro pesarosa, mas coloco um sorriso simpático no rosto,
fingindo que não estou com vontade de estapeá-lo por ter me feito perder
tempo.
— Tudo bem, eu entendo.
— Sério? — Ele ainda aperta sutilmente minha cintura. — Não vai
ficar chateada ou chorar?
Me contenho para não revirar os olhos. Meu bom Deus, todos os
homens são assim? Eu nunca choraria por esse cara, quem ele pensa que é?
— Ah, claro, mas vou deixar pra fazer isso quando estiver sozinha e
triste na minha cama nessa madrugada, comendo um docinho. — Ele não
percebe o tom irônico e ajeito o óculos em seu rosto, pois estava me dando
agonia olhá-lo com ele tão torto como estava, e deposito um beijo em sua
testa. — Vou descer aqui mesmo, tudo bem?
Salto para o banco do passageiro, ajeitando minha roupa e pegando
minha bolsa, a colocando no ombro antes de levar a mão até a maçaneta do
carro.
— Não, faço questão de te levar em casa — ele diz já ligando o
automóvel, mas sou mais rápida em colocar os pés para fora. — Eu te deixo
em casa sem problemas algum, Ana Júlia.
— Não tem necessidade, moro há duas quadras daqui. — Aponto na
direção oposta da rua deserta em que ele estacionou depois de deixarmos o
restaurante. — Muito obrigada, mas posso ir sozinha.
Dou um tchauzinho e fico indecisa entre ter tido sorte dele não
isnistir mais enquanto acena de volta antes de eu fechar a porta por
completo, ou se issso só o torna ainda mais idiota para mim.
De qualquer forma, saio andando vagarosamente, sentindo o bafo
quente da noite tocar meu rosto, me odiando por ter contado uma mentira
tão grande. Moro praticamente do outro lado da cidade, há quase meia hora
de carro, e tenho certeza que pedir um Uber nesse horário vai sair caro, mas
eu não me submeteria a passar mais alguns minutos dentro daquele carro
depois do fora vergonhoso que tomei.
Preciso ao menos andar alguns minutos caso ele esteja de olho, para
não ser pega na mentira, e já começo a me sentir fadigada.
Eu precisava ser tão sedentária?
Me assusto quando o carro encosta ao meu lado outra vez e paraliso
vendo o vidro do lado do passageiro ser baixado. A carinha vermelha de
Eduardo aparece, ele me estende um papel gasto.
— Ana, esse é o numero do meu pix e aí também está o valor de
quanto ficou hoje no restaurante. — Ele sorri como se não tivesse dito um
absurdo. — Depois de hoje não sei se vai bloquear meu número ou não,
então não quis arriscar esperar para te passar. Agradeço se puder fazer a
transferência da metade desse valor antes do dia quinze.
Odeio me descontrolar, ainda mais com pessoas que sequer fazem
parte do meu convívio.
A imagem que construí nessa bosta de sociedade nos últimos anos
não condiz em nada com uma louca histérica, que chutaria a porta de um
carro por conta de cento e cinquenta reais. Odeio sentir a necessidade de me
manter composta, porque caso eu decida dar uma de surtada, posso ser
acusada de ser mimada ou coisa pior.
Odeio ser julgada como tal e por isso sempre acabo aceitando coisas
que não me cabem.
— Claro! Hoje mesmo, assim que chegar em casa, já posso
transferir. — Pego o papel com delicadeza e assim que o vejo se afastando
com o carro outra vez, sequer olho o que contém ali, amassando o pedaço
amarelo e jogando na rua sem ter remorso algum contra o meio ambiente.
Que cara idiota!
Por acaso achei minha boca no bueiro?!
Mesmo escolhendo a dedo os caras com quem decido me envolver,
sempre acabo caindo em ciladas, ou sendo incompreendida, provando que o
amor da minha vida está bem longe de ser encontrado.
Como posso ter o dedo tão podre?
Frustrada, volto a caminhar com passadas firmes, segurando com
força a alça da minha bolsa, murmurando todos os tipos de palavrões e
praguejos possíveis.
De repente paro na travessa e olho para o céu quando ouço alguns
trovões.
— Não! — grito sabendo que não estou sendo observada. — Nem
fodendo que vai começar a chover justo agora, depois de semanas sem cair
uma única gotinha desse céu!
Praguejo mais um pouco e solto um grito de susto quando um Civic
branco desce a rua com toda velocidade, parando com um freada brusca à
minha frente.
Levo minha mão ao peito, sentindo ele bater como um louco, me
fazendo perder até mesmo o fôlego e sinto minha maldita pressão dar uma
baixada por conta do susto, minhas pernas amolecem e meu rosto fica
gelado.
Antes que eu possa pensar em correr para algum lugar, o vidro do
lado carona abaixa e consigo ver o sorriso divertido de Felipe me
encarando, seus olhos passam o quanto achou engraçado me assustar dessa
maneira.
— Carona? — ele pergunta, já destravando as portas e reviro os
olhos, tentando evitar um sorriso enquanto meu fôlego volta ao normal. —
Vamos lá, Anaju, estamos indo para o mesmo lugar, entra aí e economiza as
moedinhas que gastaria com o Uber.
Sem pensar duas vezes, abro a porta e sou recebida pelo ar gelado
do ar condicionado, suspirando de prazer pelo alívio.
— Espero que tenha dedetizado essa joça nos últimos dias — é a
primeira coisa que falo, lhe arrancando uma risada. — É sério, não quero
correr o risco de estar sentada numa camisinha velha, ou em fluidos
indesejados.
Olho para ele que revira os olhos e arranca a toda velocidade assim
que coloco o cinto.
— Meu carro é muito bem higienizado, não se preocupe. — Suspira
e passa a mão sobre o painel, como se tivesse o acariciando e sentindo
verdadeiro prazer com isso. — Nunca deixaria meu bebê sujo com os restos
das minhas safadezas.
Solto um gemido frustrado e forço um barulho de ânsia.
— Não preciso saber o que você faz ou deixa de fazer nesses
bancos, Felipe. — O encaro com nojo e ele ri.
— Onde estava a essa hora, mocinha? — Arqueio uma sobrancelha
para ele. — Só estou fazendo o que seu irmão faria se te encontrasse no
meio da rua deserta depois das onze da noite. — Dá de ombros. — Ele
sabe onde você está até tão tarde?
“Como seu irmão faria.”
Meu Deus, como se eu já não tivesse ficado seca o suficiente depois
do chute que acabei de levar.
— Num encontro. — Ele me olha assustado. — Uai, o que foi?
Tenho vinte e quatro, ou pensou que seria pra sempre a garotinha de
dezenove anos, que não havia nem beijado na boca ainda?
— Claro que pensei. — Ele soa indignado. — O dia que
descobrimos que só foi meter a língua dentro da boca de um cara quando já
tinha vinte anos, seu irmão abriu um champanhe em comemoração.
— Ha ha ha, muito engraçado, quer seus aplausos agora ou depois?
— Tô falando sério! Pensávamos que nunca fosse acontecer! Na
verdade, é de me admirar que hoje alguém te suporte a ponto de te chamar
para um encontro e sabe, passar o jantar todo com você — ele fala sério e
tenho vontade de socá-lo. — O contratou de algum desses aplicativos de
namorado de aluguel?
Deposito um tapa em seu ombro, o levando a reclamar de dor por
não ter pego leve, mas logo estou fungando, pensando no que disse.
— Ei, tá chorando, coisinha? — Ele usa um dos trocentos apelidos
que ele e Anderson me deram em nossa infância. — O que foi? Ele te
magoou?
Seu tom de voz não é preocupado ou delicado, está mais parecendo
que vai rir caso eu confirme, e constatar esse fato não me chateia. Cresci
acostumada a ter ele e Andi me pirraçando e implicando com cada coisinha
que eu fazia.
Eu era a irmã mais nova irritante que os perseguia onde fossem e os
delatava sempre que aprontavam, acabando com seus planos antes de serem
executados, então não perdiam a chance de me atazanar como forma de
vingança. Foi assim a minha vida toda e prefiro acreditar que era a forma
deles demonstrarem seu carinho por mim
Não sei se posso considerar como amizade o que tínhamos, mas
com certeza criamos um laço forte durante todos aqueles anos.
— Na verdade, acho que está certo e realmente sou insuportável. —
Limpo a única lagrima que escorre por minhas bochechas e dou uma risada
amarga. — O idiota me chutou depois de dois encontros e ainda me deu a
porcaria do número do pix dele num papel velho, com o valor do nosso
jantar de hoje.
Para completar toda a desgraça da noite, me assusto mais uma vez
com a freada brusca que Felipe dá, me levando para frente e fazendo meus
peitinhos prejudicados de quantidade sofrerem com o aperto do cinto.
Meu coração se acelera e olho em volta, preocupada com o motivo
da nossa parada, pensando que ele teria atropelado algum animal, ou que
caso não freasse iria passar no sinal vermelho e atropelar uma velhinha, mas
fico confusa ao me dar conta de que só estamos no meio de uma rua pouco
movimentada, sem nada estranho ou qualquer motivo que o tenha feito
tomar essa atitude.
Então todo meu sangue volta a correr enraivecido pelas veias
quando sua gargalhada ecoa dentro do carro, quase me ensurdecendo e
tirando meu fôlego de novo, dessa vez por achá-lo ainda mais gostoso
enquanto caçoa da minha desgraça.
Me viro em sua direção e constato que ele quase chora de tanto rir,
apontando para mim e ficando vermelho, sem conseguir respirar direito.
— O cara além de te dar um pé, ainda vai te fazer pagar o jantar? —
Sua voz sai afetada pelo riso e cruzo os braços, o fulminando com um olhar.
— Não adianta me olhar assim, Anaju! O que seu irmão deixou acontecer
com você enquanto eu estive fora? Te deixando se tornar tão trouxa a esse
ponto?
— Bom saber que minha vida amorosa te diverte, mas será que
podemos ir embora? — Aponto para a rua, mas ele não para de rir.
— Quer que eu te faça uma transferência como ajuda de custo para
poder pagar o cara? — ele fala de forma afetada pela risada e passo a
encará-lo incrédula, vendo que realmente gargalha de forma sincera.
— Se não parar com essa merda, eu saio daqui agora mesmo e vou
embora a pé, e se alguma coisa acontecer comigo até em casa, ainda faço
questão de contar ao Anderson que você me botou pra fora do carro e a
culpa vai ser toda sua se algo me acontecer.
Sua risada cessa tão rápido quanto começou e ele respira fundo,
limpando o cantinho dos olhos, secando algumas lágrimas que desceram
por ali. Tento não manter meus olhos em seu pescoço repleto de veias,
notando como ficou avermelhado e mais grosso por conta da crise de riso,
dando ainda mais destaque para a flor que tem tatuada em homenagem a
sua mãe.
Disfarço um sorriso ao me lembrar de quando ele chegou em casa
logo após tê-la feito, tentando convencer minha mãe a deixar Anderson
também se tatuar, alegando que seria em homenagem a ela. A tatuagem se
trata de uma rosa, seu caule possui o nome de dona Mariana. Ele tinha
dezessete quando fez, um ano após sua morte.
— Você não mudou nadinha, não é, garota? Brincando com coisas
sérias desse jeito. — Sua voz me traz de volta ao presente e aceno uma
confirmação ao assisti-lo acelerando o carro outra vez, pegando o caminho
que nos leva de volta ao nosso bairro.
Suspiro, me sentindo um pouco mais leve do que estava quando
deixei o carro daquele míope sem vergonha, e um pouquinho agradecida
por ter encontrado Felipe essa noite.
Vou deixar
A vida me levar
Pra onde ela quiser
Seguir a direção
De uma estrela qualquer
Vou Deixar – Skank

Sempre estive acostumado a levar puxões de orelhas desde que era


um molequinho.
Quando não era dentro de casa, vindo dos meus próprios pais por
conta de alguma coisa que havia aprontado, eram as professoras da escola.
A maioria me detestava, ou até mesmo a tia Silvia, com quem sempre
convivi. Mais adiante depois que Anderson tomou juízo, ele assumiu o
papel de ser minha consciência em todas as merdas que eu continuava
cometendo.
Não importa a estupidez, grande ou pequena que eu acabava me
envolvendo, sempre me sobravam seus xingamentos acompanhado da
careta raivosa, que vejo me lançar nesse momento após tantos anos sem
encará-la de tão perto.
— Estou começando a acreditar que voltamos a ter dezesseis anos,
quando você ameaçava cortar meu pau fora, por metê-lo em garotas que não
deveria. — É a primeira coisa que falo quando me sento junto a ele em uma
mesa afastada, na padaria que marcamos de nos encontrar para tomar o café
da manhã antes de começarmos o dia. — Estou de volta há menos de uma
semana e já perdi a conta de quantas vezes olhou pra mim como se quisesse
arregaçar minha cara.
— Bom dia, Felipe — ele diz em tom sério antes de tomar um gole
do seu café com leite. — Não te olharia assim se mantivesse as coisas como
sempre foram.
O encaro confuso, desviando os olhos do cardápio, indeciso entre
pedir o pão comum ou com requeijão, além do pão de queijo que pedi no
balcão assim que entrei.
— Que merda fiz agora?
Solto o papel e mexo na argolinha do piercing no meu nariz, coisa
que só faço quando estou nervoso, o que realmente estou agora, já que não
faço ideia do que esse cara está falando.
— Não sabe mesmo o que você fez ontem?
Suas narinas inflam de raiva, sua pele negra retinta brilha com o
suor que começa a brotar em sua testa e começo a me preocupar de verdade,
tentando lembrar de algo que eu tenha feita na noite anterior que me traria
problemas, mas se não me drogaram ao ponto de eu esquecer o que fiz,
tenho certeza que me mantive como um santo no barzinho que fui com
alguns colegas que não encontrava desde minha ida a Europa.
— Anaju saiu de casa ontem dizendo que sairia com um cara, e
imagine a minha bela surpresa ao reconhecer a porra do seu carro a
deixando em casa tarde da noite? — Ele cruza os braços, que dão o dobro
dos meus, apesar de eu dar a vida na academia de segunda a sábado, e
engulo em seco. — Posso saber o que estava fazendo com ela?
Respiro fundo e sorrio aliviado ao notar que só se trata dele sendo o
irmão ciumento que sempre foi, cheio de preocupação dos caras magoarem
sem necessidade, a sua irmã.
— Eu dei uma carona para ela, como sempre fiz quando a
encontrava por aí. — Chamo a garçonete com as mãos. — Por que parece
tão incomodado com isso?
— Porque diferente de três anos atrás, você não olhava pro corpo
dela como se… — Ele parece lutar contra as palavras e de repente imagens
do corpo de Anaju vem em minha mente, me fazendo engolir em seco. —
Só fica longe dela! Não quero que qualquer coisa aconteça entre vocês,
porque te conheço bem o suficiente para saber que iria foder com tudo e
magoá-la no processo.
— Já te expliquei que naquele dia eu não fazia ideia de que era ela.
— Ainda sim, detestei ver você olhando para ela como se… como
se quisesse… — Ele respira fundo e vejo que fica nervoso com o que tenta
falar.
— Foder com ela?
Tento o ajudar, mas vejo que foi a coisa errada a se fazer, já que suas
expressões ficam ainda mais brutas e sua mão direita se fecha com força,
como se precisasse se controlar para não descê-la em meu rosto.
— Ei, só tentei te ajudar com as palavras, não é exatamente o que eu
penso em fazer com ela. — Ergo as mãos em rendição de maneira rápida
quando seu olhar se põe ainda mais furioso sobre mim, e ele balança a
cabeça resignado.
— Não quero te ver chegando perto dela, Felipe — ele diz
respirando fundo, um pouco mais calmo e mais sério também. — Você é
um babaca, não merece uma mísera atenção vinda dela e acabaria com o
coração da pobrezinha, além de ir contra toda aquela coisa de regra da
amizade.
Suspiro pensativo sobre o assunto e me odeio por alguns segundos,
pois imagens do seu corpo cheio de curvas naquele biquíni verde começam
a aparecer como flashes em minha mente. Não me lembrava de reparar no
corpo de Anaju da mesma forma que fiz naquela tarde, nunca havia
percebido o quanto é lindo, e mesmo agora com o meu subconsciente
tentando me defender, alegando que só o desejei porque eu não sabia de
quem se tratava, não consigo mais deixar de pensar em como é gostosa, e
em como sem dúvidas alguma, a levaria para cama se pudesse.
Claro, se ela não fosse a irmã mais nova do meu melhor amigo, do
cara que foi criado junto a mim como se fosse um irmão, e sem levar em
conta o fato de que ela sempre foi irritante e insuportável com sua mania
tenebrosa de sempre se meter em tudo que não lhe dizia respeito, com sua
língua solta e afiada sobre as merdas que fazíamos.
Nunca os desrespeitaria dessa forma.
— Nada nunca aconteceu e sequer vai acontecer entre nós. Sabe que
apesar de termos sido criados juntos, nunca suportei muito a Anaju com seu
jeito chato de ser, então o que te leva a acreditar que aconteceria alguma
coisa depois de tantos anos?
Peço meu pão com requeijão e minha coca-cola para a garçonete
loira, lhe dando uma piscada antes dela sair rebolando e sorrindo de lado
para mim.
Bela bunda.
— Três anos atrás você não olhava para ela da forma que olhou há
dois dias.
— Quantas vezes vou precisar dizer que eu não sabia quem era a
dona daquele corpo cheio de … — Me interrompo antes de dizer qualquer
absurdo que me levaria direto ao hospital com uma fratura no nariz e
pigarreio, tentando clarear minha mente. — Tira essa história da cabeça,
Anaju continua a mesma insuportável de anos atrás, e as coisas não
mudaram, Anderson, você que parece estar paranoico com essa história,
sem motivo algum.
Ele respira fundo, balançando a cabeça em negação e decido mudar
o rumo da nossa conversa, antes que eu acabe soltando algo que não
deveria.
Encontrar Ana Júlia na noite de ontem foi puro acaso, e levando em
conta o fato de que crescemos juntos, eu não poderia lhe deixar na rua
naquele horário, sem ao menos lhe oferecer uma carona, que foi
compensada pelo tanto que ri com a história do seu encontro fracassado,
apesar de no fundo ter sentido uma pontada de dó de como sua noite
acabou.
Esses homens estão cada vez mais sem noção! Eu nunca chutaria a
bunda maravilhosa daquela mulher daquela forma, e muito menos cobraria
pelo seu jantar.
Posso ser um cafajeste como muitas adoram me acusar, mas além de
deixar tudo bem as claras, faço questão de sempre arcar com todos os
custos para nunca ser chamado de pão-duro, pois já me basta ser xingado
absurdamente quando as dispenso, então o mínimo que posso fazer é pagar
porra da conta.
— Não teria uma vaga para eu trabalhar com vocês na Construtora?
— Ele estranha a pergunta repentina. — Não me desce a ideia de que em
poucos minutos vou ter que trabalhar ao lado daquele crápula.
Ele franze as sobrancelhas em compreensão e leva sua xícara mais
uma vez aos lábios antes de sorrir.
— Seu currículo é tão horroroso, que mesmo sendo o filho do dono,
eu não conseguiria te por nem no pior cargo da empresa, Felipe.
Rio verdadeiramente com sua fala, não podendo discordar, já que
depois que terminei a faculdade, dei um jeito de me mandar daqui para
evitar todo trabalho que teria pela frente, com a desculpa de um mochilão
pela Europa, que acabou resultando em uma viagem de três anos mundo
afora, onde me permiti viver sem saber o próximo destino.
Adoro viajar, então onde podia ir e onde meu dinheiro me levava,
sempre fui disposto e sem preocupações sobre como seria o dia seguinte.
Sempre foi assim e tudo se tornou ainda mais intenso depois de ter
concluído a faculdade, uma das exigências do meu pai, mas então cerca de
três semanas atrás minhas contas foram todas suspensas e recebi uma
intimação do velhote.
Levando em conta que todo meu patrimônio teve origem vinda
diretamente dele e de minha mãe antes de seu falecimento, ele conseguiu
congelar todo o meu dinheiro baseado em uma lei estrangeira, com a
condição de que eu voltasse a trabalhar na empresa para que pudesse me
devolver total liberdade financeira.
Sempre fui cético quanto a sua boa vontade em passar todo esse
tempo me bancando enquanto não voltava para casa, na certa tinha isso tudo
programado desde o dia em que conversamos sobre meu futuro após os
estudos.
Como se não bastasse ter fodido com toda a vida da minha mãe,
agora decidiu querer empatar com a minha diversão, mesmo que no fundo
minha consciência berre que em partes não era certo ser sustentado por ele
daquela forma, já que preciso tomar um rumo na minha vida, mas prefiro
mandar-lhe o foda-se quanto a isso.
— Eu poderia ser seu assistente — sugiro enquanto a loira coloca
meu prato e minha lata de coca em minha frente, junto a um guardanapo
dobrado, que posso apostar conter seu número. — Obrigado, minha linda.
Ela abre a boca cheia de dentes perfeitamente enfileirados num
sorriso lindo antes de sair, e sinto um chute ser desferido em minha canela
por debaixo da mesa.
— Porra, Anderson!
— Se for trabalhar do jeito que sempre se comportou onde quer que
estivéssemos ao se tratar de um rabo de saia, será mandado embora por
conduta imprópria em uma semana, então prefiro não me arriscar.
— Eu levaria café quentinho para você, a hora que quisesse. —
Sorrio enquanto abro a coca, tomando um gole e suspirando quando ela
desce gelada por minha garganta. — Viver fora do Brasil tem suas
vantagens, mas a coca-cola daqui é incomparável. Senti falta dessa porcaria
deliciosa.
Ele balança a cabeça, mas sorri de uma maneira que me passa a
sensação que mesmo não admitindo, sentiu falta de me ter por perto, assim
como sempre confessei sentir.
Porra, por conta da amizade que nossas mães nutriam desde a
adolescência, fomos criados juntos, por conta disso era inevitável não nos
tornamos melhores amigos, e como eu não sentiria falta do cara que sempre
foi como um irmão para mim?
— Já sabe em que departamento seu pai vai te colocar lá dentro?
Solto uma reclamação frustrada antes de espalmar um dos pães de
queijo macio e levá-lo na boca, sem vergonha alguma soltando um gemido
de contentação.
— Não faz ideia de como senti saudade da nossa comida, porra. —
Suspiro e ele revira os olhos.
— Deixe o momento nostalgia para depois e me responde, diacho.
— Precisamos mesmo falar sobre isso? — Ele somente acena em
concordância, me dizendo através do olhar que não tenho escapatória. —
Ainda não sei direito, mas desconfio que me coloque no financeiro, ou a
alguma coisa que remeta ao meu diploma de administração, seja lá o que eu
tenha que fazer. Duvido que me coloque em um cargo alto, pelo que
conheço dele, vai querer me testar e me depenar no processo.
Ele franze as sobrancelhas, de repente parecendo inquieto na
cadeira, e o conheço bem o bastante para saber que está me escondendo
alguma coisa. Deixo tudo que estava comendo de lado, cruzando meus
braços sobre o peito e passo a fita-lo com intensidade.
— Sabe de alguma coisa sobre isso.
Afirmo e ele franze os lábios
— Talvez.
Se limita a responder e passa a limpar a boca com o guardanapo, o
que me lembra de conferir o pedaço de papel dobrado deixado pela
garçonete.
Suspiro frustrado, esperando a boa vontade do meu amigo em me
conceder alguma informação e na intenção de me distrair enquanto o
aguardo, avanço sobre o papel amassado, sorrindo ao constar que estava
certo, encontrando o @ da loira, com as redes sociais em que posso
encontrá-la.
— Acho que já sei qual vai ser minha diversão neste final de
semana.
Falo sozinho e não entendo quando Anderson se levanta com pressa,
jogando o pano sujo dentro da xícara em que bebeu seu café com leite.
— Ei, onde está indo?
Enfio metade do pão com requeijão na boca enquanto me levanto,
tentando equilibrar a lata de coca e os restantes do meu pão de queijo com a
outra mão enquanto passo a segui-lo pela padaria.
— Diferente de você, levo meu trabalho a sério e tenho horário a
cumprir, princesinha. — Ele mostra o celular com as horas quando para na
fila do caixa, e me contento em continuar minha refeição em pé ao seu lado.
— Seu pai esteve na construtora cerca de duas semanas atrás, falando a
respeito de um novo gerente que estava pra chegar de fora e que passaria a
assumir alguns compromissos, como nossas reuniões mensais, a propósito.
Ele diz como se não fosse nada, e preciso me concentrar para
conseguir terminar de mastigar o pão da forma correta, que de repente
parece dobrar de tamanho dentro da minha boca, o tornando uma massaroca
nojenta, que me causa ânsia.
— Tá brincando comigo?
— Foi o que ouvi dizer.
Da de ombros enquanto coloco minha comanda junto a sua na mão
do rapaz que fica no caixa e ele me olha desacreditado.
— Estou sem um tostão, lembra?
Ele bufa, mas sei que mesmo sem a minha desculpa esfarrapada,
pagaria minha conta mesmo a contragosto, sempre fomos assim, dividindo
tudo que podemos apesar das reclamações, mesmo tendo muito dinheiro
para esbanjar.
Termino de engolir o líquido escuro às pressas enquanto o sigo até
seu carro estacionado ao lado do meu e assim que ele tenta abrir a porta do
motorista, o interrompo.
— Não pode estar falando sério sobre meu velho, Anderson. —
Fecho a porta que estava se abrindo. — Ele não me colocaria em um cargo
tão importante de mão beijada dessa forma, a não ser que quisesse algo em
troca.
— Foi o que ele disse, mas pode ser que realmente tenha outro cara
que esteja vindo do estranjeiro, e suas datas apenas coincidiram. — Ele
suspira e me olha curioso. — Por que te apavora começar como gerente?
Teria o cargo mais alto abaixo do seu pai, o salário que você sempre sonhou
e com ele, toda sua mordomia de volta.
— É eu sei, mas aí eu teria que trabalhar de verdade, e talvez até o
dobro do que pensei que precisaria com essa palhaçada toda.
Minha boca se retorce em um bico triste e ele coloca o óculos de sol
no rosto enquanto parece desacreditado. Sem falar mais nada entra no carro,
me deixando sozinho enquanto abaixa o vidro apenas para me xingar.
— Você é um vagabundo, Felipe.
E simples assim sou deixado para trás com a arrancada rápida que
ele da, e me limito e gemer frustrado enquanto vou até meu carro, pensando
na possibilidade absurda que esse idiota acabou de jogar sob meu colo.
Eu ainda não fui escrita
Não podem ler minha mente
Eu sou indefinida
Estou apenas começando
A caneta está em minha mão
O fim ainda não foi planejado
Unwritten – Natasha Bedingfield

Balanço minha perna de forma incontrolável, sinto o gosto metálico


do sangue em minha língua após ter dado várias mordidinhas no cantinho
inferior da minha boca e solto o quinto suspiro tedioso em menos de dois
minutos.
Tudo isso pois estou fazendo o possível para não revirar meus olhos
ao ouvir a voz irritante de Laura, que não cala a porcaria da boca há mais
de meia hora.
Era pra ser só mais uma reunião chata entre os presidentes das
Atléticas e seus respectivos vice-presidentes, com o corpo docente dos
cursos da PUC para definirmos melhor as datas de alguns eventos visando o
calendário desse ano, mas então deram a palavra para os presidentes caso
tivessem algo para dizer.
Nunca aprendem sobre como isso é cilada.
Agora, além de estressada com esse diacho de reunião, estou tendo
que aturar essa loira aguada tagarelando com essa voz estridente, que
parece ter engolido um disco arranhado sobre como fala a respeito de
nossas Atléticas, alegando serem inúteis em se comparado com a dela.
O ego dela é maior do que os silicones que esbanja como airbags
nos peitos, e me pergunto como pode conseguir dizer tanta asneira.
Viver no mundinho particular dela deve ser bem legal.
— A Atlética de Arquitetura vem ganhando a maioria dos jogos
internos e também as competições universitárias, sendo assim estamos
sugerindo que seja feito uma seleção mais criteriosa a respeito da ralé que
vai nos enfrentar, eliminando a modalidade de sorteios para os jogos
internos.
Como pode falar uma sequência de merdas tão terríveis em tão
pouco tempo?
Consigo ver na expressão dos demais a mesa, tão desacreditados
quanto eu do que acabamos de ouvir, mas sem coragem de abrir a boca pra
retrucar a filha do prefeito da nossa cidade.
Por sorte não existe mais aquela coisa toda de hereditariedade, caso
contrário, Belo Horizonte estaria em maus lençóis com essa aqui no futuro.
Sempre desacreditei da existência das rixas envolvendo os cursos de
Engenharia e Arquitetura, mas desde que descobri que a minha vizinha
insuportável está cursando arquitetura, foi impossível não criar um ranço
terrível por toda sua turma também, e a implicância que somente se limitava
a nós e a nossa parca convivência no bairro, acabou tomando proporções
maiores ao nos vermos diante de dois grupos que se detestam desde os
primórdios.
— Se me derem a palavra por cinco minutos, creio que preciso dizer
que nunca ouvi tanta… — pigarreio — besteira saindo da boca da Laura, de
uma só vez como ouço agora.
Não consigo controlar minha língua e logo escuto suspiros
entediados de todos ao nosso redor, a coordenadora do meu curso comenta
um “lá vamos nós com essas duas outra vez” e Fabiano, o presidente da
minha Atlética, tampa o rosto com as mãos.
Encaro a loira que cruza os braços abaixo dos seios e arqueia a
sobrancelha extremamente clara para mim, que passo a sorrir com toda
educação, me odiando por ter deixado escapar o que disse. Heitor, seu vice-
presidente tão ou mais detestável que ela, me olha com um sorriso
arrogante.
Da última vez nós três passamos a discutir a respeito de uma feira de
profissões organizada pelas Atléticas, o que acabou levando horas, pois

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