Projeto_2
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Boa Vista/RR
2019
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RESUMO
O projeto sob análise está atrelado à LINHA DE PESQUISA: Conflitos Socioambientais, rurais e
urbanos. Para tal, o trabalho desenvolverá o seguinte TEMA: “JUSDIVERSIDADE E
INTERLEGALIDADE: O Direito de Punir indígena como instrumento de materialização de
sua diversidade cultural.”
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Tal concepção assegura autonomia aos grupos indígenas consoante a sua identidade.
Há, pois, ao menos formalmente, a desvinculação com o modelo integracionista,
considerando-se a cultura indígena em sua essência e formadora da cultura brasileira. Nesse
sentir, DUPRAT afirma que dessa maneira o Brasil reconhece-se como estado pluriétnico.
Contudo, tal interculturalidade não é verificada no viés institucional, em especial, na
práxis jurídica do Poder Judiciário, em linhas gerais.
Pois bem, trabalho no âmbito da Justiça Comum Estadual de Roraima, e obtive
conhecimento acerca de dois casos muito peculiares acerca das relações das comunidades
indígenas com a sociedade envolvente, no que concerne à resolução de crimes ocorridos
dentro de Terra Indígena, de índios contra índios.
Cabe ressaltar, que o estado de Roraima é proporcionalmente considerado a unidade
da federação mais indígena do Brasil. Segundo o censo do IBGE de 2010, Roraima conta com
uma população indígena estimada em 6,6%, muito mais elevada que a média nacional, a
representar menos de 0,3% da população brasileira. Somente na capital, Boa Vista, restaram
contabilizados algo próximo de 11% dos habitantes que se declararam indígenas após o
levantamento.
Assim, apesar de alguns casos peculiares ocorridos anteriormente, a mudança de
paradigma nos Juízos desse Estado deu-se no julgamento do homicídio praticado pelo índio
“Basílio”, em que o Tribunal do Júri da Justiça Federal de Roraima, no dia 31/05/2000, por
votação unânime absolveu o réu em face de anterior condenação e punição ao banimento de
10 anos, no âmbito da comunidade indígena a que pertencia, acolhendo-se a tese do “non bis
idem”, vedando, consequentemente, a dupla punição pelo mesmo fato. Atente-se, que a
solução respeitou a diversidade cultural indígena, mas observando o procedimento penal
estatal”.
Igualmente, o segundo caso também concretiza a diversidade cultural indígena
insculpida no art. 215 e 231, ambos da CF/88, mas sob um outro viés. Senão vejamos.
O caso “Denílson”, assim denominado, em razão de ser o nome do indígena acusado
da prática do crime de homicídio consumado contra o seu irmão também indígena, dentro de
Terra Indígena. Após o fato, reuniram-se as lideranças da comunidade, condenando
“Denílson” à pena de banimento para a comunidade dos Wai-Wai, no sul do Estado de
Roraima. Contudo, também havia iniciado a persecução penal que desembocou no processo
judicial penal. O Juiz de direito da Comarca de Bonfim, da Justiça Comum Estadual de
Roraima, invocou as previsões constitucionais da CF/88 e a Convenção 169-OIT, para
declarar a “ausência do direito de punir do Estado”, ou seja, declarou-se incompetente,
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pois segundo ele quem teria competência para julgar o indígena seria a comunidade indígena
a que pertencia o acusado, e, esta, consoante seu sistema jurídico próprio balizado nos
costumes já havia condenado e punido. Em outras palavras, abriu mão do procedimento
estatal.
Não bastasse isso, há outro fato denominado “Júri Indígena”, semelhante
materialmente aos casos anteriores, contudo, as Comunidades envolvidas não exerceram o seu
direito de punir. In casu, o Estado-Juiz é acionado e o julgamento é realizado em Terra
Indígena com a participação de um Conselho de Sentença composto por Indígenas.
Enfim, dentro das perspectivas do Pluralismo jurídico, da Interlegalidade e
Jusdiversidade buscar-se-á fundamentos para uma nova proposta de legitimar essas práticas
judiciais inovadoras, que possuem profundo viés de concretização da diversidade cultural
indígena.
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PROBLEMA DE PESQUISA
O Judiciário tem dificuldade de lidar com as questões indígenas, por serem revestidas
de noções sociais e políticas, em perspectiva mais ampla. É necessária a articulação com
outros campos do conhecimento, por um olhar inter e multidisciplinar (com Sociologia,
Geografia, Antropologia, Filosofia e História, entre outros campos do conhecimento), no
sentindo de angariar esforços na compreensão das demandas envolvendo as populações
indígenas.
DUPRAT traduz precisamente o que se pretende averiguar nesta pesquisa em termos
da aplicação do Direito nessas causas:
humanos como multiculturais. Dessa forma, pode-se afirmar que não existem direitos
humanos universais, mas existe um direito universal de cada povo elaborar seus direitos
humanos com única limitação de não violar os direitos humanos dos outros povos (SOUZA
FILHO, 1998).
Com efeito, o fato de sobrepor a estes povos o sistema jurídico e valores tipicamente
ocidentais, imaginado como sendo universais, contribui para reforçar o movimento de retorno
ao integracionismo. Os princípios universais de reconhecimento da cultura e modo de vida de
cada povo caminham juntamente com a liberdade e autonomia destes povos agirem, se
comportarem, atuarem socialmente segundo suas próprias leis e costumes, o que implica em
identificar e aceitar o seu direito e sua jurisdição.
Nesse arranjo, revela-se imperioso que os povos indígenas mantenham uma jurisdição
própria, como sistema de julgamento e decisão segundo regras conhecidas e respeitadas pelo
grupo. Podemos chamar isto de jusdiversidade. Para MARÉS (1998), seria a coexistência de
mais de um sistema de direito a vigorar dentro de um mesmo território, mas aquele admite e
opera como um sistema paralelo de direito construído costumeiramente, segundo as crenças e
tradições dos povos indígenas, sem a imposição estatal de valores e formalidades.
Encarado como algo mais abrangente que interlegalidades ou pluralismo jurídico, a
jusdiversidade significa a possibilidade não apenas de reconhecimento pelo Estado de
diferentes formas de administrar conflitos a partir das singularidades étnicas e culturais, mas
também de múltiplas possibilidades de discursos que os atores podem invocar para resolver
determinados conflitos.
No caso “Denílson”, por exemplo, a aceitação pelo Estado-Juiz da decisão da
comunidade, condenando o agente indígena por crime cometido em terra indígena contra
outro parente é um mecanismo de respeito à jurisdição indígena. Dessa forma, abandona-se a
universalidade, signo dos direitos considerados humanos positivados na Constituição - que
esconde a profunda diversidade existente -, para abrir espaço à pluralidade, possível signo da
efetiva igualdade material.
Para entender não apenas os conflitos, mas principalmente as razões que justificam a
aplicação ou não de normas e sanções, encaro esse fenômeno cultural – jurídico - como um
sistema significativo, e cuja compreensão está condicionada a um exercício interpretativo.
Se “a cultura de um povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o
antropólogo tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles pertencem”(GEERTZ, 2013),
é imprescindível que se busque traduzir os significados vários que são atribuídos pelos atores
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àquilo que se elege como interessante antropologicamente; aqui, os sentidos que são dados a
Direito e Justiça.
A comparação da relação entre o que é e o que deve ser, normativamente, em distintos
contextos culturais (norte-americano, islâmico, índico e malaio) levou Clifford Geertz a
concluir que o direito, assim como ciência, religião e arte, consiste em um conhecimento
local, um “saber local”, que deve ser analisado à partir do modo como está relacionado com a
própria vida social que ajuda a construir.
Toma-se o direito, portanto, como uma maneira de imaginar o mundo, da mesma
forma que o são a arte, a magia, “a navegação, a jardinagem e a poesia”(GEERTZ, 2012:169).
O direito deve ser encarado como uma dentre inúmeras outras formas de saber, que para
Geertz “são sempre e inevitavelmente locais, inseparáveis de seus instrumentos e de seus
invólucros”(GEERTZ, 2012:10).
Para dar conta de tratar de forma comparativa as bases culturais do direito, Geertz
direciona sua atenção para esses diferentes sentidos de justiça.
Num contexto como o encontrado em Roraima, em que diferentes culturas - por
conseguinte, diferentes saberes locais - coexistem, é bastante revelador identificar um
elemento que permite discutir de forma comparativa as bases culturais do direito: as
sensibilidades jurídicas.
Através das sensibilidades jurídicas comuns compartilhadas por um grupo é que se dá
a organização da sociedade. A sociedade seria o resultado da organização daqueles grupos
que compartem as mesmas concepções sobre o que é fato, sobre o que é lei, e sobre o que
representa a relação entre esses elementos.
A maneira encontrada e defendida por Geertz para que se possa apreender essas
diferentes visões do mundo é justamente interpretar as sensações provocadas por
determinados fatos em determinados grupos, ou seja, o conhecimento das sensibilidades
jurídicas que são despertadas.
Segundo Geertz, sensibilidades jurídicas podem ser definidas como “esse complexo de
caracterizações e suposições, estórias sobre ocorrências reais, apresentadas através de
imagens relacionadas a princípios abstratos”(GEERTZ, 2012:218)
São justamente esses diferentes sentidos de justiça que devem ser buscados para que
seja possível realizar a comparação entre o que representa o direito nas mais variadas
conjunturas culturais. O direito, destarte, não é considerado um mero componente cultural e
social, mas um agente que dá vida e que transforma as realidades culturais e sociais.
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Segundo Fábio Reis, aquilo que Geertz designa como sensibilidade jurídica “revela
que o direito constitui e é constitutivo da ordem social, sendo as mesmas fruto de uma
realidade local na qual os atores exprimem suas crenças, suas moralidades, valores, códigos e
significados compartilhados”1.
Recorrendo a três idéias, três noções, encontradas por Geertz em suas pesquisas ao
redor do mundo – haqq, dharma e adat – e que permeiam as noções sobre direito, fatos e leis,
em diferentes contextos culturais no mundo - islâmico, índico e malaio-polinésio,
respectivamente -, ele embasa sua visão sobre o caráter informativo do direito. Para ele, o
direito nao é algo que reflete uma cultura, mas que a informa, a constitui.
Para que a descrição dessas distintas sensibilidades seja suficientemente densa, e
valendo-se de uma distinção feita por Richard Rorty – embora não concorde integralmente
com ela -, do discurso normal e do discurso anormal, Geertz apresenta a necessidade de se
poder “falar sobre coisas irregulares em termos regulares” (GEERTZ,2012:227).
O discurso normal, chamado por ele de padrão, é aquele que leva ao acordo a partir de
uma série de critérios já estabelecidos no sentido de resolver os conflitos, ao passo que o
discurso não-padrão não conta com essa natureza harmonizadora.
A realidade roraimense aponta para uma multiplicidade de discursos normais,
compreendidos enquanto discursos públicos que visam produzir um consenso sobre um
determinado discurso moral.
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METODOLOGIA
CRONOGRAMA DE TRABALHO
Abr-Mai 2022
Out-Dez 2021
Jun-Ago 2022
Out-Dez 2020
Jan-Mar 2020
Jan-Mar 2022
Jan-Mar 2021
Abr-Jun 2020
Abr-Jun 2021
Atividade
Jul-Set 2020
Jul-Set 2021
Créditos Obrigatórios e X X X X X X X X X X
Facultativos
Revisão Bibliográfica X X X X X X X X X X
Trabalho de campo X X X X X X
Entrega preliminar X
Banca X
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BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Legislação Citada
- BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em
05 de outubro de 1988.
- BRASIL, Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF
- BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.
- BRASIL, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do
Índio.
Documentos citados
- Ação Penal nº 0090.10.000302-0/2012 Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.
- Ação Penal nº 920001334-1/1992 – Justiça Federal de Roraima.
- Inquérito Policial nº 014/2010 – Polícia Civil de Bonfim/RR.