Povos Indígenas e Direitos Territoriais
Povos Indígenas e Direitos Territoriais
Povos Indígenas e Direitos Territoriais
E DIREITOS TERRITORIAIS
POVOS INDÍGENAS
E DIREITOS TERRITORIAIS
Belo Horizonte
2021
1
Afirma, sobre o assunto, Manuela Carneiro da Cunha: “Sabe-se pouco da
história indígena: nem a origem, nem as cifras de população são seguras,
muito menos o que realmente aconteceu” (CUNHA, Manuela Carneiro da.
História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria
Municipal de Cultura; FAPESP, 1992, p. 11). Acerca das dificuldades em se al-
cançar dados sobre o período, expõe Roberto Damatta: “Um outro problema
posto pela perspectiva histórica é representado pelas restrições metodológi-
cas concretas colocadas quando se trabalha com uma sociedade desconheci-
da no tempo e no espaço, como é o caso das sociedades tribais com as quais
se defronta o antropólogo” (DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma in-
trodução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 2010, p. 147). Ainda,
no mesmo sentido, a arqueóloga Niéde Guidon: “Apesar da abundância
de sítios conhecidos não podemos propor uma síntese para o território
4
Afirma Guidon: “O Brasil foi, portanto, colonizado desde épocas bastan-
te remotas. Todo o país já estava ocupado desde há 12 mil anos. A popu-
lação era densa, pelo menos na região Nordeste, a partir de 8 mil anos”
(GUIDON, op. cit., p. 52).
5
Ibid., p. 52.
6
Segundo Manuela Carneiro da Cunha: “[...] o que é hoje o Brasil indíge-
na são fragmentos de um tecido social cuja trama, muito mais complexa e
abrangente, cobria provavelmente o território como um todo” (CUNHA,
Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania. São
Paulo: Claro Enigma, 2012, p. 13).
7
CUNHA, História dos índios no Brasil, cit., p. 12.
8
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 18. Segundo, ainda, Manuela Carneiro
da Cunha, na obra História dos índios no Brasil: “É provável assim que as
unidades sociais que conhecemos hoje sejam o resultado de um proces-
so de atomização cujos mecanismos podem ser percebidos em estudos de
caso como o de Turner sobre os Kayapó, e de reagrupamentos de grupos
Período colonial
9
De acordo com Beatriz Perrone-Moisés: “Ainda resta muito a fazer para que
se possa entender melhor as relações entre índios e colonizadores no Brasil”
(PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: o princípio da
legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA,
Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992, p. 116).
10
RIBEIRO, O povo brasileiro, cit., p. 27. Afirma Manuela Carneiro da Cunha:
“Os estudos de casos existentes na literatura são fragmentos de conhecimen-
to que permitem imaginar, mas não preencher as lacunas de um quadro que
gostaríamos fosse global. Permitem também, e isso é importante, não incor-
rer em certas armadilhas” (CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 11).
11
FAORO, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 4.
ed. São Paulo: Globo, 2008, p. 129.
12
Para Manuela Carneiro da Cunha: “Com o primeiro governo geral do Brasil,
a Colônia se instalou enquanto tal e as relações alteraram-se, tensionadas
pelos interesses em jogo que, do lado europeu, envolviam colonos, gover-
no e missionários, mantendo entre si, como assinala Taylor, uma complexa
relação feita de conflito e de simbiose” (CUNHA, História dos índios no
Brasil, cit., p. 15).
10
13
Segundo Darcy Ribeiro, “ente 1600 e 1700, a população indígena fora re-
duzida de 4 para 2 milhões” (RIBEIRO, O povo brasileiro, cit., p. 129). De
acordo com Marta Maria Azevedo, o quantitativo de índios ao longo do
referido século já era inferior a 1 milhão. (AZEVEDO, op. cit., p. 20).
14
“[...] a população original do Brasil foi drasticamente reduzida por um geno-
cídio de projeções espantosas, que se deu através da guerra de extermínio, do
desgaste no trabalho escravo e da virulência das novas enfermidades que os
achacaram. A ele se seguiu um etnocídio igualmente dizimador, que atuou
através da desmoralização pela catequese; [...]” (RIBEIRO, op. cit., p. 130).
15
“No Brasil colonial, a questão da liberdade dos índios ocupa um lugar cen-
tral [...]” (PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 115).
11
16
Tais poderes se deram dentro do chamado Regime do Padroado, que consistia
em “[...] conjunto de privilégios concedidos pela Santa Sé aos reis de Portugal
e de Espanha. Eles também foram estendidos aos imperadores do Brasil.
Tratava-se de um instrumento jurídico tipicamente medieval que possibili-
tava um domínio direto da Coroa nos negócios religiosos, especialmente nos
aspectos administrativos, jurídicos e financeiros. Porém, os aspectos religio-
sos também eram afetados por tal domínio. Padres, religiosos e bispos eram
também funcionários da Coroa portuguesa no Brasil colonial. Isto implica,
em grande parte, o fato de que religião e religiosidade eram também assun-
tos de Estado (e vice-versa em muitos casos)” (TOLEDO, Cézar de Alencar
Arnaut de; RUCKSTADTER, Flávio Massami Martins; RUCKSTADTER,
Vanessa Campos Mariano. Padroado. In: LOMBARDI, José Claudinei;
SAVIANI, Dermeval; e Nascimento, Maria Isabel Moura (Org.). Navegando
na história da educação brasileira – HISTEDBR. Disponível em: <http://
www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario>. Acesso em: 08 abr. 2017.
17
HANKE, Lewis. Aristóteles e os índios americanos: um estudo de precon-
ceito de raça no Mundo Moderno. Revista de História, São Paulo, v. 18, n.
37, p. 15-44, mar. 1959. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revhis-
toria/article/view/107266/105779>. Acesso em: 06 jun. 2017, p. 25.
12
18
“O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de
seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por conseguinte, altamente
conflitivo” (RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, cit., p. 153).
19
RIBEIRO, op. cit., p. 130.
20
“A preexistência de hostilidades por parte do inimigo será, sempre, a prin-
cipal justificativa de guerra” (PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 125).
21
Ibid., p. 126.
Segundo, ainda, Beatriz Perrone-Moisés, a guerra justa permitia, inclusive,
a escravização de indivíduos ou de grupos previamente aprisionados pelos
13
14
24
“Isto durou dois séculos. Chegou afinal o tardio momento em que Portugal
enfrenta definitivamente a situação, e desembaraçado dos partidos em
choque, impôs a ‘sua’ política, o interesse geral da colonização portugue-
sa no Brasil acima dos interesses particulares em oposição. Foi esta a obra
de Pombal” (PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâ-
neo. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, p. 89). Sobre o Diretório dos
Índios, cf. COELHO, Mauro Cezar. O diretório dos índios e as chefias in-
dígenas: Uma inflexão. In: CAMPOS – Revista de Antropologia Social, v.
7, n. 1, 2006, p. 118. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/campos/article/
viewFile/5444/3999>. Acesso em: 09 abr. 2017.
25
De acordo com Marta Maria Azevedo, à época o total da população in-
dígena era de aproximadamente 500 mil (AZEVEDO, op. cit., p. 19). Por
outro lado, estima Darcy Ribeiro que a população indígena teria decaído
de um total de cerca de 2 milhões de indivíduos para cerca de 1,5 milhão.
(RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, cit., p. 136).
26
“Em 1700, a população neobrasileira teria atingido 500 mil habitantes, dos
quais 200 mil representados por indígenas integrados ao sistema colonial
[...]. Os negros seriam, talvez, 150 mil, concentrados principalmente nos
engenhos de açúcar, mas também nas zonas recentemente abertas à mine-
ração” (RIBEIRO, op. cit., p. 136).
15
27
PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 116.
28
“Às Ordenações Afonsinas, que não lograram durar, sucederam as Ordenações
Manuelinas (1521), reclamadas pela introdução de reformas administrati-
vas e financeiras, sobretudo concernentes à administração local, reformas
que alteraram profundamente o novo código”. “Um período de rápidas
transformações, com a descoberta de novos mundos, levando o reino a se
ajustar à realidade ultramarina, ferida a consolidação com inúmeras leis
extravagantes, levou, em 1603, à edição das Ordenações Filipinas, o mais
persistente código legislativo de Portugal e do Brasil, confirmado, em 1640,
por dom João IV, o primeiro rei da dinastia de Bragança. As Ordenações
Filipinas são, básica e principalmente, o estatuto da organização político-
-administrativa do reino, com a minudente especificação das atribuições
dos delegados do rei [...]” (FAORO, op. cit., p. 83-84). Cf., também, GOMES,
Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 3.
29
PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 116.
16
30
“A menção a esses antigos diplomas jurídicos faz-se apenas para destacar
as dificuldades surgidas desde o princípio da configuração do Brasil como
território componente de uma organização estatal. Se em 1718, por meio de
uma Provisão, os índios eram declarados homens livres e isentos da jurisdi-
ção da coroa portuguesa, desde os Governos Gerais ocorria uma sistemática
integração do índio à ‘sociedade civilizada’, quer por meio da evangelização
jesuítica quer pela prática de ‘acordos’, consentâneos com a povoação do
território descoberto” (FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A demarcação
de terras indígenas e seu fundamento constitucional. Revista Brasileira de
Direito Constitucional, n. 3, jan./jun. 2004, p. 689).
31
PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 115.
32
Ibid., p. 115-116.
33
“A escravidão indígena predominou ao longo de todo o primeiro século. Só
no século XVII a escravidão negra viria a sobrepujá-la, conforme assinala
Brandão” (RIBEIRO, O povo brasileiro, cit., p. 88).
17
34
DAMATTA, op. cit., p. 71.
35
CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 133.
36
“No Brasil, eram de tal porte as dúvidas quanto à escravidão indígena que
Varnhagen (...) atribui o início do incremento à importação de escravos
africanos à dificuldade que encontravam os moradores em legitimar a posse
dos índios” (PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 115).
37
Ibid., p. 117.
18
2.5 Aldeamentos
Um indicativo da forma de tratamento dispensado aos povos
indígenas na colônia era expresso na legislação que possibilita os al-
deamentos dos povos nativos. Tais aldeamentos tinham por objetivo
fomentar o aprofundamento da relação entre indígenas e colonos,
sobretudo no intuito de integrá-los aos valores do colonizador e
permitir o uso de sua força de trabalho39. Ainda nesse momento, a
preocupação era mais com os corpos indígenas e menos com as suas
terras.
Tal instrumento de aldeamento se tornou mais premente ao
longo do tempo, sobretudo a partir do momento em que a metró-
pole constatou a necessidade de adentrar o território colonial para a
exploração de atividades econômicas, enquanto ainda era escassa a
presença do escravo africano40.
38
Ibid., p. 117.
39
Ibid., p. 118.
40
Para Celso Furtado: “Coube a Portugal a tarefa de encontrar uma forma de
utilização econômica das terras americanas que não fosse a fácil extração de
metais preciosos” (FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34.
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 29). Sobre a política de aldea-
mento à época, atesta Manuela Carneiro da Cunha: “Aldear os índios, ou seja,
reuni-los e sedentarizá-los sob governo missionário ou leigo, era prática an-
tiga, iniciada em meados do século XVI. Diziam os jesuítas que se não podia
catequizá-los sem esse meio. Quanto aos colonos, desejavam os aldeamentos
o mais próximo possível de seus próprios estabelecimentos, já que neles se
19
20
43
Ibid., p. 117.
44
“Os pobres índios tornaram a ser vítimas de muitas perseguições; e,
entre os bandeirantes, estabeleceu-se uma luta: uns, como Fernão Dias
Paes, procuravam fundar lavouras e proceder honestamente, opunham-
-se às crueldades contra os índios; outros se dedicavam mesmo à caçada
de índios, para serem remetidos como já civilizados” (MENDES JR. op.
cit., p. 33).
45
Declarava a referida bula: “Pelas presentes Letras decretamos e declara-
mos com nossa autoridade apostólica que os referidos índios e todos os
21
demais povos que daqui por diante venham ao conhecimento dos cris-
tãos, embora se encontrem fora da fé de Cristo, são dotados de liberdade
e não devem ser privados dela, nem do domínio de suas cousas, e ainda
mais, que podem usar, possuir e gozar livremente desta liberdade e deste
domínio, nem devem ser reduzidos à escravidão; e que é írrito, nulo e de
nenhum valor tudo quanto se fizer em qualquer tempo de outra forma”
(BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das
Letras, 1992, p. 136). No mesmo ano, algumas semanas depois da edição
da bula anteriormente referida, o Papa publicou a encíclica Veritas Ipsa
com o mesmo teor. Segundo Manuela Carneiro da Cunha: “[...] a Bula
Veritas Ipsa de Paulo III, que, em 1537, reconhecia a humanidade dos
índios: eram humanos, portanto... passíveis de serem tornados iguais”
(CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 129). A respeito do receio gerado
no colono pelo descumprimento das bulas com a pena de excomunhão,
vide FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 689.
46
“Um hiato mais embaraçoso entre a doutrina evangélica e as praxes co-
loniais se abre quando os escravos já não são ameríndios, mas africanos”
(BOSI, op. cit., p. 143). Sobre o assunto, explica Raymundo Faoro: “Os
colonos [...] não queriam cristãos, mas escravos, desejo que os padres
não recusariam, com o negro, num acordo de tendências, advogado
pelos jesuítas. Daí a contradição: o escravo índio estaria submetido a
restrições, enquanto o escravo negro não tinha nenhum direito, salvo o
da brandura cristã dos senhores” (FAORO, op. cit., p. 233). Cf., também,
HANKE, op. cit., p. 36.
47
LAS CASAS, Frei Bartolomé de. Princípios para defender a justiça dos
índios. In: SOUZA FILHO, C. F. (Org.). Textos clássicos sobre o direi-
to e os povos indígenas. Curitiba: Juruá/NDI, 1992, p. 19. Cf., ainda,
HANKE, op. cit., p. 15-43.
22
48
A respeito do tratamento desumano dispensado ao índio no Novo Mundo,
afirma Pierre Clastres: “Na América do Sul, os matadores de índios levam
ao ponto máximo a posição do Outro como diferença: o índio selvagem não
é um ser humano, mas um simples animal. O homicídio de um índio não
é um ato criminoso, o racismo desse ato é inclusive totalmente evacuado,
já que afinal ele implica, para se exercer, o reconhecimento de um mínimo
de humanidade no Outro” (CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência:
pesquisas de antropologia política. Paulo Neves (trad.). São Paulo: Editora
Cosac & Naify, 2004, p. 57).
49
CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 134.
50
Acerca do movimento do cristianismo na América Latina, afirma Darcy
Ribeiro: “O que se queria implantar aqui, em nome de Cristo, era o que
havia desde sempre, como jamais houve em parte alguma: uma socie-
dade solidária de homens livres” (RIBEIRO, Darcy. A América Latina
existe? Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro; Brasília, DF: Editora
UnB, 2010, p. 51). Por outro lado, de acordo com Alfredo Bosi: “A men-
sagem cristã de base, pela qual todos os homens são chamados filhos
do mesmo Deus, logo irmãos, contraria, em tese, as pseudorazões do
particularismo colonial: este fabrica uma linguagem utilitária, fatalista,
no limite racista, cujos argumentos interesseiros calçam o discurso do
opressor” (BOSI, op. cit., p. 36).
51
CUNHA, História dos índios no Brasil, cit., p. 16.
23
52
PRADO JÚNIOR, op. cit., p. 87.
53
MENDES JR., op. cit., p. 22. Nas palavras de Alfredo Bosi: “O que pre-
tendiam os jesuítas? Transplantar para o Novo Mundo um culto uni-
versalista – Ide e pregai a boa nova a todos os povos –, de base cristã-
-medieval e animado pelos fervores salvacionistas ibéricos. O projeto
da Companhia, já esboçado nas Constituições de Loyola, percorre sem
mudanças de fundo os escritos missionários de Nóbrega, de Anchieta,
de Simão de Vasconcelos, de Vieira, de Montoya e dos fundadores das
reduções paraguaias. Os seus planos revelaram-se, a médio e longo
prazo, incompatíveis com a expansão dos ‘portugueses de São Paulo’
e com os interesses estratégicos dos Estados espanhol e luso ao sul
do continente” (BOSI, op. cit., p. 379). De acordo, ainda, com Caio
Prado Junior: “[...] o fato é que nas suas atividades, na ação que se
desenvolveu junto ao índio, no regime e educação que o submeteu, o
jesuíta agia muitas vezes em contradição manifesta não só com os in-
teresses particulares e imediatos dos colonos, o que é matéria pacífica,
mas com os da própria metrópole e de sua política colonial” (PRADO
JÚNIOR, op. cit., p. 87).
54
FAORO, op. cit., p. 230.
24
55
“Apenas os jesuítas, talvez pela sua ligação direta com Roma, talvez pela
independência financeira que adquiriram, lograram ter uma política
independente, e entraram em choque ocasionalmente com o governo
e regularmente com os moradores – como atestam suas expulsões de
São Paulo em 1640, do Maranhão e Pará em 1661-2 e do Maranhão em
1684, desta vez por influência tanto dos colonos quanto das outras or-
dens religiosas” (CUNHA, História dos índios no Brasil, p. 16). Sobre
a divergência de interesses entre colonos e a Igreja, relembra Bosi que:
“Anchieta considerava os portugueses os maiores inimigos da cateque-
se: ‘os maiores impedimentos nascem dos portugueses, e o primeiro é
não haver neles zelo da salvação dos Índios [...] antes os têm por selva-
gens’” (BOSI, op. cit., p. 31-32).
56
DAMATTA, Roberto, op. cit., p. 70. BOSI, op. cit., p. 136.
57
BOSI, op. cit., p. 60.
58
“O que pensar dessa fusão de latim litúrgico medieval posto em prosódia
e em música de viola caipira, e da sua resistência à ação pertinaz da Igreja
Católica que, desde o Vaticano II, decretou o uso exclusivo do vernáculo
como idioma próprio para toda sorte de celebração?” (Ibid., p. 50).
25
59
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 15.
60
“Quem são, por outro lado, os praticantes do etnocídio? Quem se opõe à
alma dos povos? Em primeiro lugar aparecem, na América do Sul, mas tam-
bém em muitas outras regiões, os missionários. Propagadores militantes da
fé cristã, eles se esforçam por substituir as crenças bárbaras dos pagãos pela
religião do Ocidente” (CLASTRES, op. cit., p. 57).
61
Acerca da ação das Missões religiosas na Colônia, afirma Caio Prado Júnior:
“Os padres, que procuravam outra coisa que riquezas minerais, tinham-se
adiantado a seus compatriotas espanhóis; deixando aos colonos as minas
do planalto andino e sua densa população indígena, a matéria-prima e o
trabalho que aqueles queriam, foram se estabelecer lá onde não chegava
a cobiça do conquistador e onde esperavam não ser perturbados na sua
conquista espiritual, prelúdio do domínio temporal a que aspiravam; e vão
se fixar na vertente oriental e baixada subjacente dos Andes. Daí esta linha
ininterrupta de missões jesuíticas espanholas, estabelecidas no correr dos
sécs. XVI e XVII, e que se traça de Sul a Norte, do Prata ao Amazonas, pelo
interior do continente: missões do Uruguai, do Paraguai; a efêmera Guaíra;
dos Chiquitos e dos Moxos, na Bolívia; missões do Pe. Samuel Fritz no Alto-
Amazonas” (PRADO JÚNIOR, op. cit., p. 28).
26
62
“[...] de boas intenções estava o inferno calçado: pois, ao passo que essas
leis, assim como a de 10 de Setembro de 1611, o Alvará de 10 de Novembro
de 1647, a Lei de 17 de Outubro de 1653, a Carta Régia de 29 de Abril de
1667, a Lei de 1 de Abril de 1680, não cessavam de afirmar a liberdade dos
índios, ainda veio a Carta Régia de 20 de Abril de 1708 declarar que os
índios podiam ser vendidos em praça pública para indenização das despesas
que a Fazenda Real fizesse” (MENDES JR., op. cit., p. 29). Cf., ainda, sobre o
assunto: CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 146.
27
63
CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 146; MENDES JR., op.
cit., p. 40.
64
Manuela Carneiro da Cunha relata a existência de escravidão indígena
durante o século XIX, até, pelo menos, por volta do meio do século (CUNHA,
Política indigenista no século XIX, cit., p. 146).
65
PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 128. Até por volta do início do século XIX,
segundo Mendes Júnior sobre as causas de guerra aos índios, afirma: “[...]
a causa real, a causa única, foi o plano de reduzi-los à servidão” (MENDES
JR., op. cit., p. 40).
66
BERNARDO, Leandro Ferreira. O problema do acesso à terra no esta-
do multicultural. Maringá: Unicorpore, 2012, p. 25. A Lei das Sesmarias
foi criada, originariamente, em 1375, sob o governo de Dom Fernando,
fundava-se em duas principais medidas para alcançar a resolução da
28
29
68
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 127. De acordo com João Mendes Júnior, tais
garantias previstas nos referidos documentos nesta época teriam dado origem
ao instituto posteriormente nominado de “indigenato”, que garante aos povos
indígenas um direito originário sobre as terras por eles ocupadas (MENDES
JR., op. cit., p. 58).
Sobre o instituto do indigenato, vide capítulos 3 e 4.
69
“No plano legal, o índio sempre teve reconhecido seu direito à terra. Esta
prerrogativa data de um alvará de 1680, que os define como ‘primários e
naturais senhores dela’. Esse direito é confirmado e ampliado pela Lei n. 6,
de 1755, e por toda a legislação posterior” (RIBEIRO, Darcy. Os índios e a
civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 218). De acordo com Alberto Passos
Guimarães, o Alvará Régio de 1º de abril de 1680 “adquiriu extraordinária
significação porque nele foi reconhecido, pela primeira vez, ao indígena, o
direito à propriedade das terras ‘ainda que sejam dadas em sesmarias a pes-
soas particulares, porque na concessão dessas sesmarias se reserva o prejuí-
zo de terceiro e muito mais se entende, e quero que se entenda, ser reservado
o direito dos índios, primários e naturais senhores delas’” (GUIMARAES,
Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1981, p. 16).
30
70
GUIMARAES, op. cit., p. 17.
71
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 20.
72
A respeito da política assimilacionista de Pombal, afirma Beatriz Perrone-
Moisés: “A política pombalina, procurando assimilar definitivamente os índios
aldeados, incentiva a presença de brancos nas aldeias para acabar com a ‘odio-
sa separação, entre uns e outros (...)’” (PERRONE-MOISÉS, op. cit., p. 119).
31
73
FREYRE, Gilberto, Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado ru-
ral e desenvolvimento do urbano. 15. ed. São Paulo: Global, 2004, p. 131.
74
“A expulsão pombalina que visava, nominalmente, liberar os índios das
missões jesuíticas, integrando-os como iguais e até com certos privilégios
na comunidade colonial, representou enorme logro” (RIBEIRO, O povo
brasileiro, cit., p. 94).
75
“Desde 1759, quando o marquês de Pombal havia expulsado os jesuítas,
nenhum projeto ou voz dissonante se interpunha no debate: quando mis-
sionários são reintroduzidos no Brasil, na década de 1840, ficarão estri-
tamente a serviço do Estado” (CUNHA, Política indigenista no século
XIX, cit., p. 133).
76
“Com tudo isto, porém, não se pode evidentemente sobrestimar a sorte
dos índios sob o novo regime. Continuaram, apesar das leis que procu-
ravam equipará-los aos demais colonos, uma raça bastarda; e como tal,
32
33
34
83
GUIMARAES, Alberto Passos. A crise agrária. 3. ed. Paz e Terra. Rio de
Janeiro: 1982, p. 298.
84
SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O renascer dos povos indíge-
nas para o direito. Curitiba: Juruá, 2008, p. 56.
85
Acerca da contradição da legislação colonial em relação à liberdade dos
índios, afirma Perrone-Moisés: “Tomada em conjunto, a legislação indige-
nista é tradicionalmente considerada como contraditória e oscilante por de-
clarar a liberdade com restrições do cativeiro a alguns casos determinados,
abolir totalmente tais casos legais de cativeiro (nas três grandes leis de liber-
dade absoluta: 1609, 1680 e 1755), e em seguida restaurá-los” (PERRONE-
MOISÉS, op. cit., p. 117).
35
Brasil Império
86
Adverte Manuela Carneiro da Cunha que: “Estudos sobre a questão in-
dígena e a política indigenista no século XIX que ultrapassem fronteiras
regionais são escassos: [...]” (CUNHA, Política indigenista no século
XIX, cit., p. 153).
87
AZEVEDO, Marta Maria, op. cit., p. 23.
37
88
“A proclamação da independência brasileira pouco adiantou aos índios,
continuando a existir a ambiguidade legislativa, favorável às invasões
das terras indígenas e às violências contra a pessoa do índio e suas co-
munidades” (DALLARI, Terras indígenas: a luta judicial pelo direito,
cit., p. 34).
89
“Os Estados latino-americanos, ao se constituírem, esqueceram seus
povos indígenas” (SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas
para o direito, cit., p. 61).
90
“Quanto aos Kadiwéu ou Guaikuru, foram, em 1830, armados pelos habi-
tantes e auxiliados pela tropa para roubarem gado no Paraguai. Algumas
décadas mais tarde, sua participação inicial em apoio aos brasileiros na
Guerra do Paraguai valeu-lhes a demarcação de terras por ordem de d.
Pedro II” (CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 91).
91
“[...] até na corte se encontravam escravos índios até pelo menos 1850!”
(CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 83).
92
CUNHA, op. cit., p. 56.
38
93
Ibid., p. 56. De acordo com Boaventura de Sousa Santos: “No caso do Brasil,
teve lugar uma das independências mais conservadoras e oligárquicas do
continente Latino-Americano e a única sob a forma de monarquia. Com ela
estavam criadas as condições para ao colonialismo externo suceder o colo-
nialismo interno, para ao poder colonial suceder a colonialidade do poder”
(SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova
cultura política. 3. ed. São Paulo. Cortez, 2010, p. 248).
94
AZEVEDO, Marta Maria, op. cit., p. 24.
95
“Dissolvida a Constituinte por d. Pedro I, a carta outorgada, nossa primei-
ra Constituição, nem sequer menciona a existência de índios” (CUNHA,
Índios no Brasil, cit., p. 67).
Cf. FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Processo de desintegração das
sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil sob o regime de trabalho
livre; aspectos de um quase meio século de transição do trabalho escravo
para o trabalho livre; e da monarquia para a república. 6. ed. rev. São Paulo:
Global, 2004, p. 298.
96
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 64-65.
39
97
“O Regulamento das Missões, promulgado em 1845, é o único documento
indigenista geral do Império” (Ibid., p. 68).
98
Ibid., p. 70.
99
Por “sociedade nacional” quer-se referir, no presente texto, à sociedade ma-
joritária, inserida na lógica civilista de organização, em contraposição às
sociedades minoritárias, das quais as indígenas fazem parte.
100
CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 137.
101
“É de amplo conhecimento que a pretensão a uma continuidade genealógica
com os indígenas foi o mecanismo simbólico de maior força nos anos que se
seguiram à Independência. O índio passou a representar o Brasil como um
todo e a população brasileira passou a enfatizar raízes – sobretudo imagi-
nárias – indígenas. Nas caricaturas da primeira metade do século XIX, nos
monumentos públicos celebrando a Independência, era o índio que simbo-
lizava a nova nação” (CUNHA, Negros, estrangeiros: os escravos libertos e
sua volta à África, cit., p. 107). Reforçando o processo de idealização indígena
dentro da construção da ideia de nação brasileira, possuiu grande influência
40
41
106
“A legislação indigenista do século XIX, sobretudo até 1845, é flutuante,
pontual e, como era de esperar, em larga medida subsidiária de uma política
de terras” (Id, Índios no Brasil, p. 65). “A apropriação da terra em largas
porções, transformando um deserto no domínio de uma rala população, fez
proliferar o dependente agrícola, o colono de terras aforadas e arrendadas.
Criou, também, uma classe de posseiros sem títulos, legitimados, em 1822,
com a qualidade de proprietários, com medida (Resolução de 17 de julho
de 1822) que anulou o regime de sesmarias. A evolução do instituto chegou
ao fim de concessão administrativa ao domínio, do domínio à posse, até o
novo estatuto promulgado em 1850, que consagrou o sistema da compra de
terras devolutas” (FAORO, op. cit., p. 151).
107
CUNHA, Política indigenista no século XIX, p. 133.
108
Id., História dos índios no Brasil, p. 16.
109
“Em vez de buscar a ‘democracia agrária’ sonhada por Nabuco e Rebouças,
o Brasil fez uma reforma agrária às avessas, concentrando ainda mais a terra
42
3.1 Aldeamentos no Império
A política de aldeamento, retomada sobre novos alicerces du-
rante o período imperial, teve como principal objetivo a concentra-
ção de indígenas em locais determinados. Os aldeamentos puseram,
assim, indígenas e, consequentemente, seus bens territoriais sob
uma espécie de tutela110. Nesse sentido, restou permitida a transfe-
rência em favor de administradores locais dos aldeamentos da in-
cumbência de arrendar e sugerir a redução de territórios em nome
dos indígenas111.
Os aldeamentos no Império continuaram existentes, de acordo
com a tradição instaurada desde a colônia no período pombalino112,
e tiveram importante incremento com o surgimento, em julho de
1845, do decreto imperial que regulamentava as “Missões de cate-
quese, e civilização dos Índios”, e que estabeleceu uma estrutura ad-
ministrativa de gestão das aldeias nas províncias – estrutura que era
43
113
Ibid., p. 144.
114
“Inúmeros atos posteriores do governo imperial mandaram extinguir os alde-
amentos indígenas e vender suas respectivas terras ou dar-lhes outro destino
(ordem no. 44, de 21 de julho de 1858, aviso de 27 de setembro de 1860, decre-
to no. 2.672, de outubro de 1875 etc.)” (SILVA, Ligia Osorio. Terras devolutas
e latifúndio: efeitos da lei de 1850. 2. ed. Campinas. Editora da Unicamp:
2008, p. 186). Vide, ainda, AMOROSO, Marta. R. Descontinuidades indige-
nistas e espaços vividos dos Guarani. Revista de Antropologia, v. 58, 2015, p.
113 e CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 143-144.
115
“[...] não se conhecem processos em defesa dos direitos indígenas após
1845, quando os diretores das aldeias passam a exercer a função de procu-
radores dos índios” (CUNHA, op. cit., p. 153). Ressalva João Mendes Júnior
que o Regulamento, ao menos no âmbito legal, impunha uma garantia mí-
nima de autonomia dos povos indígenas inseridas dentro dos aldeamentos:
“[....] todavia, não foi terminantemente negada a autonomia das tribos e o
44
45
118
CUNHA, Política indigenista no século XIX, cit., p. 149.
119
“Outro uso frequente dos índios era, [...], o apoio a instalações militares e
nas novas rotas comerciais entre as várias províncias. Nessas rotas estabele-
ciam-se aldeias das quais se esperava que abrissem e mantivessem estradas,
fornecessem canoeiros, fizessem lavouras capazes de abastecer os viajantes,
e servissem em geral de apoio e de mão de obra. São fundadas, por exemplo,
oito colônias indígenas para facilitar a navegação na bacia dos rios Paraná
e Paranapanema (31/1/1849 e 25/4/1857) e outras para a rota de São Paulo
a Mato Grosso (21/5/1850)” (Ibid., p. 151). No mesmo sentido, da mesma
autora, cf.: CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 91.
120
MENDES JR, op. cit., p. 56; CUNHA, Política indigenista no século XIX,
cit., p. 145.
121
“O Ceará é a primeira província a negar a existência de índios identificáveis
nas aldeias e a querer se apoderar das suas terras (21/10/1850)” (CUNHA,
op. cit., p. 145).
46
122
“No papel de procuradores dos índios, os missionários praticaram a dis-
tribuição de terras para a gente ‘morigerada e trabalhadora’, os colonos
cristãos. Não se considerava conveniente na maioria dos casos a demar-
cação das terras devolutas para os índios. Quando cobrados das autorida-
des quanto à necessidade de se prever terras demarcadas para os índios,
os missionários reagiam pela negativa. Alegavam que os índios dos aldea
mentos não eram exatamente ‘autóctones’, haviam sido conduzidos pelas
autoridades para ocuparem os terrenos dos aldeamentos, ou afirmavam que
os índios se constituíam em tribos nômades, o que dificultava uma política
de demarcação de suas terras. Para ilustrar o primeiro ponto, frei Timotheo
de Castelnuovo lembrava o caso dos Guarani-Kaiowá de São Pedro de
Alcântara, que haviam sido conduzidos do Mato Grosso para o Paraná pe-
los homens do barão de Antonina” (AMOROSO, op. cit., p. 118-119).
123
“A solução pela qual o Império finalmente opta no chamado Regulamento
das Missões é nominalmente a da administração leiga; no entanto, olhando-
-se com mais cuidado, esta solução é ambígua. Por uma parte, embora o
missionário apareça no Regulamento apenas como um assistente religioso
e educacional do administrador, de fato, talvez pela carência de diretores de
índios minimamente probos, é frequentíssima a situação de missionários
que exercem cumulativamente os cargos de diretores de índios. Já o faziam
antes do Regulamento, e seguem fazendo-o depois; [...] na fundação das
47
3.2 Lei de Terras
A Lei 601, de 1850, a chamada Lei de Terras, dispunha, den-
tre outras coisas, sobre as terras devolutas no Império, bem como
a forma de sua transferência ao patrimônio de particulares126. A lei
48
127
BERNARDO, O problema do acesso à terra no estado multicultural, cit.,
p. 42.
128
Cf. BERNARDO, Leandro Ferreira. A aprovação da PEC do trabalho escra-
vo e a flexibilização do direito de propriedade no Brasil. Revista da AGU,
Brasília: EAGU, v. 14, 2015, p. 123-146.
Necessário apontar que o conceito e os limites do direito de propriedade
privada não são atemporais. Pelo contrário, têm passado por diversas trans-
formações, em especial a partir do surgimento do Estado moderno e o de-
senvolvimento do capitalismo na Europa, nos últimos séculos. Cf., também,
GOMES, Orlando, op. cit., p. 19-20.
129
BERNARDO, O problema do acesso à terra no estado multicultural, cit.,
p. 43.
130
SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o direito, cit., p. 88.
131
Dispõe o art. 5º da referida Lei: “Art. 5º Serão legitimadas as posses man-
sas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primei-
ro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura, e
49
50
135
“Mas esse entendimento é rapidamente esquecido e nas décadas seguintes
distribuir-se-ão, quando muito, lotes aos índios. A controvérsia relativa aos
diretos sobre as terras das aldeias extintas excluirá, portanto, os índios e
travar-se-á entre municípios, províncias e Império. Durante algum tem-
po, parece prevalecer o entendimento de que se trata de terras devolutas
do Império (aviso 160 de 21/7/1856; Aviso 131 de 7/12/1858; ver também
18/11/1867). Em 1858 e 1862, por exemplo, declara-se expressamente que
devem ser considerados nulos quaisquer aforamentos dessas terras feitos
pelas Câmaras Municipais (7/12/1858; 19/5/1862). Aos poucos, porém, o
poder local ganha terreno: a partir de 1875, as Câmaras Municipais passam
a poder vender aos foreiros as terras das aldeias extintas, e a poder ‘usá-
-las para fundação de vilas, povoações, ou mesmo logradouros públicos’
(Decreto 2672 de 20/10/1875). Em 1887, as terras das aldeias extintas re-
vertem ao domínio das províncias e as Câmaras Municipais passam a poder
aforá-las (Lei 3.348 de 20/10/1887, art. 8, par. 3, 12/12/1887 e 4/4/1888)”
(CUNHA, op. cit., p. 145).
136
Paulo Machado afirma: “[...] setores significativos destas elites proprietá-
rias, por meio de fraudes, grilagem e açambarcamento privado de terras pú-
blicas, acabavam por modificar os objetivos iniciais da legislação de terras”
(MACHADO, Paulo. Lideranças do contestado: a formação e a atuação das
chefias caboclas (1912-1916). Campinas: Editora da Unicamp, 2004, p. 138).
51
137
Afirma João Mendes Júnior, acerca da situação indígena no século XIX,
após a colocação em prática das políticas de aldeamento de comunidades
indígenas: “Em suma, já não puderam ser considerados nações, porque os
aldeados se amalgamaram, pelos cruzamentos, na nação brasileira, e os não
aldeados foram considerados cidadãos brasileiros, desde que como tais, na
forma do art. 6º da Constituição do Império, foram declarados ‘todos os
que no Brasil tiverem nascido’” (MENDES JR., op. cit., p. 47). Cf. CUNHA,
Política indigenista no século XIX, cit., p. 135.
138
CUNHA, op. cit., p. 146.
52
Brasil República
139
AZEVEDO, Marta Maria. Diagnóstico da população indígena no Brasil,
cit., p. 19.
140
SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o direito, cit., p. 88.
Sobre a preocupação com a questão indígena no início da República, apon-
ta Ligia Osório Silva: “Esse desinteresse da República pela sorte dos índios
pode ser notado desde a fase de reorganização política e social do Estado. Na
Constituinte de 1891, o Apostolado Positivista do Brasil foi a única voz que se
levantou em defesa das populações indígenas, propondo o reconhecimento
dos ‘Estados Brasileiros Americanos’, nos quais os índios seriam amparados
pela proteção do governo federal e plenamente respeitados na posse de seus
territórios” (SILVA, Ligia Osorio. Terras devolutas e latifúndio, cit., p. 324).
53
141
MENDES JR., op. cit., p. 67.
142
“[...] ao entrarmos de improviso na órbita dos nossos destinos, fizemo-lo
com um único equilíbrio possível naquela quadra: o equilíbrio dinâmi-
co entre as aspirações populares e as tradições dinásticas. Somente estas,
mais tarde, permitiriam que entre os ‘Exaltados’, utopistas avantajando-se
demasiado para o futuro até entestarem com a República prematura, e os
‘Revolucionários’, absolutistas em recuos excessivos para o passado, re-
pontasse o influxo conservador dos ‘Moderados’, ou liberais-monarquistas
da Regência, o que equivalia à conciliação entre o Progresso e a Ordem,
ainda não formulada em axioma pelo mais robusto pensador do sécu-
lo” (CUNHA, Euclides da. À margem da história. 3. ed. Porto: Livraria
Chandron, de Lelo & Irmão Ltda. editores, 1922. Disponível em: <http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ub000011.pdf, p. 237).
143
Ibid., p. 237. No mesmo sentido, Bosi, para quem: “O elitismo se tornaria,
assim, um componente inarredável do processo ideológico latino-americano
na medida em que as ideias gerais da evolução, progresso e civilização não se
casavam com os valores da democracia social e cultural” (BOSI, op. cit., p. 59).
144
CARVALHO, José Murilo de. Pecado original da república: debates, per-
sonagens e eventos para compreender o Brasil. Rio de Janeiro: Bazar do
Tempo, 2017, p. 56.
54
145
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 81.
146
SILVA, Ligia Osorio. Terras devolutas e latifúndio, cit., p. 323. Cumpre
advertir, contudo, que, antes disso, já no início da República, o Governo
Provisório recém-formado expede o Decreto 7, de 20 de novembro de 1889,
que, em seu art. 2º, § 12, transfere, de forma precária aos recém-criados
estados as atribuições de realizar as políticas de catequese e civilização dos
indígenas, bem como o estabelecimento de colônias.
147
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019, p. 168.
148
“Entre os anos de 1907 e 1913, no traçado da linha telegráfica aberta pela
Comissão Rondon, aproximadamente 18 tribos se extinguiram” (DAVIS;
MENGET, Povos primitivos e ideologias civilizadas no Brasil, cit., p.
58). Sobre a existência de outros órgãos estatais relevantes na República: “A
55
56
151
SILVA, Ligia Osório, op. cit., p. 327. Cf. LIMA, Antônio Carlos de Souza, op.
cit., p. 155.
152
“O Coronel Rondon foi nomeado primeiro diretor do novo Serviço de
Proteção aos Índios (SPI). Como diz o nome, o SPI não era um órgão en-
carregado de administrar os assuntos indígenas, e sim uma instituição cujo
objetivo era proteger os índios contra atos de perseguição e opressão nas
áreas pioneiras” (DAVIS, Shelton. Vítimas do milagre: o desenvolvimento
e os índios do Brasil. Tradução de Jorge Alexandre Faure Pontual. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978, p. 25).
153
“Nos primeiros 20 anos de sua atividade, o SPILTN conseguiu desem-
penhar um papel importante na mudança de atitude dos civilizados em
relação aos indígenas e tornou possível a sobrevivência de grupos que
estavam em vias de serem exterminados” (SILVA, Ligia Osorio, op. cit.,
p. 327). “Através de toda a sua história, o Serviço de Proteção aos Índios
se viu quase sempre só, lutando contra o consenso geral para impor a
aplicação da lei, não somente daquela que garantia amparo especial ao
índio, mas o simples respeito ao Código Civil, quando índios se viam
envolvidos em conflitos com civilizados” (RIBEIRO, Darcy. Os índios e
a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno,
cit., p. 166).
154
RIBEIRO, Darcy, op. cit., p. 211.
57
155
“Em 1918, o SPILTN cindiu-se e a Localização de Trabalhadores Nacionais
foi juntar-se ao Serviço de Povoamento do Solo. Sozinho, o Serviço de
Proteção ao Índio (SPI) continuou por muitos anos ainda a defender o indí-
gena, mas nunca com muito sucesso, principalmente em razão do problema
da demarcação das terras indígenas que se arrasta até hoje” (SILVA, Ligia
Osorio, op. cit., p. 327). Cf. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a
integração das populações indígenas no Brasil moderno, cit., p. 223). Cf.,
também, LIMA, Antônio Carlos de Souza, op. cit., p. 159-160.
156
“Com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC)
em 1930, pelo decreto no. 19433, de 26 de novembro, responsável pela ges-
tão das relações entre capital e trabalho – [...] – seriam a ele transferidas
todas as atribuições relativas a indústria, comércio e imigração-colonização
alocadas até então no MAIC. Essas últimas atribuições viriam a integrar o
Departamento do Povoamento, composto de quatro seções, a quarta sen-
do o SPI anexado ao MTIC pelo decreto n. 19670, de 4/1/1931. A retração
de verbas sofrida, também abrangendo boa parte da administração pública
pós-Revolução, geraria uma correspondente redução na amplitude de ação
do Serviço, com a diminuição de sua abrangência espacial e dos serviços
oferecidos, muitos postos sendo desativados, ou desvinculando-se das di-
retivas de sua chefia e independentizando-se” (LIMA, Antônio Carlos de
Souza, op. cit., p. 164).
157
Ibid., p. 168.
58
158
“Não faltam, infelizmente, os casos em que os funcionários do SPI se con-
vertem, eles próprios, em exploradores desenfreados da mão de obra indíge-
na ou em intermediários na sua submissão aos patrões vizinhos” (RIBEIRO,
Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no
Brasil moderno, cit., p. 396).
159
SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o direito, cit., p. 90.
Cf. DAVIS; MENGET, Povos primitivos e ideologias civilizadas no Brasil,
cit., p. 40; CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 100.
160
“Em 1970, a Funai passa a ter não só uma assessoria influente de infor-
mação e segurança (ASI), com militares egressos de órgãos de informação,
mas alguns de seus presidentes provêm diretamente de altos quadros des-
ses serviços: o general Bandeira de Mello, por exemplo, antes de assumir a
presidência da Funai, era Diretor da Divisão de Segurança e Informação do
Ministério do Interior. A questão indígena se torna assim, de forma patente,
questão de segurança nacional” (Comissão Nacional da Verdade – CNV.
Violações de direitos humanos dos povos indígenas. Relatório: textos te-
máticos / Comissão Nacional da Verdade. – Brasília: CNV, 2014, p. 211).
59
161
“O que se verificou, na prática, foi que a Funai contava com recursos muito
inferiores às suas necessidades, sendo, por isso, muito precária sua assis-
tência aos índios. E pelo fato de estar prevista a assistência da Funai, ór-
gão especializado, houve pequena participação do MPF, até o advento da
Constituição de 1988. A par disso, havia um vício insuperável: a Funai, que
deveria garantir os direitos dos índios, entre os quais o direito à terra e às
riquezas nela existentes, impedindo a invasão por empresas e pessoas ou en-
tidades interessadas na exploração econômica, estava ligada ao Ministério
do Interior, que atuava em sentido oposto, buscando, em primeiro lugar, o
desenvolvimento econômico, considerando a ocupação indígena um obstá-
culo” (DALLARI, Terras indígenas: a luta judicial pelo direito, cit., p. 35).
162
Ibid., p. 35. Cf. FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 690-691.
163
ISA. Galeria dos presidentes da FUNAI. Disponível em: <https://pib.
socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/orgao-indigenista-oficial/
galeria-dos-presidentes-da-funai>. Acesso em: 12 maio 2016.
A análise da galeria dos ex-presidentes que se sucederam na direção da
FUNAI no referido período e ações por eles postas em prática é um bom
indicativo dos referidos avanços e retrocessos. É possível traçar o perfil
básico da atuação a partir da origem funcional dos presidentes – militar,
civil, pertencente a direções anteriores do ente etc. Outro fator que indica
a instabilidade na ação do órgão é o número elevado de presidentes que se
sucederam no período. Foram 11 presidentes somente na década de 1980.
60
164
“[...] desde os anos 1980, a previsão do desaparecimento dos povos indíge-
nas cedeu lugar à constatação de uma retomada demográfica geral. Ou seja,
os índios estão no Brasil para ficar” (CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 123).
165
Uma das plataformas políticas do Estado Novo era a integração nacional e o
desenvolvimento social. Cf. GARFIELD, Seth. As raízes de uma planta que
hoje é o Brasil: os índios e o Estado-nação na era Vargas. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 15-42. Disponível em: <http://www.
scielo.br/>. Acesso em: 18 dez. 2016.
166
GREGORY; SCHALLENBERGER, op. cit., p. 231-232.
167
Ibid., p. 132 e 141.
61
168
“Alegando motivos estratégicos e de segurança, chegou a criar o Território
Federal do Iguaçu (1943-1946). O Paraná (suas elites), como não queria ver
seu território dividido, comprometeu-se a estabelecer políticas de ocupação
brasileira da parte oeste do Estado, voltando-se para ações em infraestrutu-
ra e em planos de colonização. Estava em sintonia com a política da Marcha
para o Oeste do governo federal, que desencadeou um processo de coloni-
zação e de ocupação de terras fronteiriças, favorecendo a criação e o esta-
belecimento de companhias madeireiras e de colonização com predomínio
quase absoluto de acionistas nacionais” (GREGORY; SCHALLENBERGER,
op. cit., p. 141).
169
“A criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, pelo Decreto-Lei n.
5.941, de 28 de outubro de 1943, do então Presidente da República Getúlio
Vargas, abarcava uma área a ser retirada das terras da União, no então
Território Federal de Ponta-Porã, não inferior a 300 mil hectares. No en-
tanto, somente em julho de 1948 o governo federal demarcou a área, sendo
os trabalhos concluídos após 13 anos. Foi encontrado um total de 409 mil
hectares de terra. Portanto, com um excedente de 109 mil hectares referente
à área do decreto (Relatório do Instituto de Colonização e Reforma Agrária
– [...]. Ainda de acordo com esse relatório, o Estado de Mato Grosso redu-
ziu, posteriormente, a área da colônia para 267 mil hectares” (BRAND, op.
cit., p. 101).
Cf. PAULETTI et al., op. cit., p. 60-61.
170
CNV, op. cit., p. 214.
171
GREGORY; SCHALLENBERGER, op. cit., p. 113.
62
172
Ibid., p. 112.
173
MOTA, Lucio Tadeu. As guerras dos índios Kaingang: a história épica
dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). 2. ed. rev. e ampl. Maringá:
Eduem, 2008, p. 23.
174
CNV, op. cit., p. 206. De acordo com o relatório da Comissão Nacional da
Verdade: “A articulação dessas políticas regionais com um projeto nacional
é explicitada, por exemplo, nas resoluções e recomendações aprovadas pela
63
64
65
181
Ibid., p. 207. Afirma Cecília Helm, a respeito das consequências nocivas aos
Xetá em decorrência do contato com o contato recente com a população
majoritária: “A notícia da existência de índios selvagens na floresta tropical,
no Paraná moderno foi um acontecimento de grande repercussão para a
Antropologia. Mas, o contato com a sociedade brasileira representou o ex-
termínio desses índios em poucos anos” (HELM, Os Xetá: a trajetória de
um grupo tupi-guarani em extinção no Paraná, cit., p. 105).
182
Nesse contexto, cite-se as seguintes leis: Lei 4.947/66; Decreto-Lei 1.414/75;
Lei 9.871/99 e Lei 13.178/2015.
183
Ibid., p. 58.
184
“Nos últimos cem anos, expandindo-se a partir do sul com a migração gaúcha,
a sociedade não índia brasileira ocupou todo esse território, provocando a ex-
tinção de inúmeras comunidades guarani ou obrigando-as ao confinamento
66
67
189
GOMES, Valdir. Colonização do Norte do Paraná: um olhar na perspectiva
da administração e do meio ambiente. Revista Sociedade e Território, v.
27, n. 1. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/sociedadeeterritorio>.
Acesso em: 28 fev. 2017. De acordo com texto publicado pela Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná, esta reconhece como ocupada, ao lon-
go do tempo, as seguintes áreas: “No total, a Companhia Melhoramentos
Norte do Paraná colonizou uma área correspondente a 546.078 alqueires de
terras, ou 1.321.499 hectares, ou ainda cerca de 13.166 quilômetros quadra-
dos. Fundou 63 cidades e patrimônios, vendeu lotes e chácaras para 41.741
compradores, de área variável entre 5 e 30 alqueires, e cerca de 70.000 datas
urbanas com média de 500 metros quadrados” (CMNP – COMPANHIA
MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ. Colonização e desenvolvi-
mento do Norte do Paraná. 3. ed., p. 116). Disponível em <http://www.
cmnp.com.br/melhoramentos/50anos-cmnp/files/CMNP.pdf>. Acesso em:
28 fev. 2017.
190
PRIORI, Angelo, et al. op. cit., p. 82.
191
GREGORY; SCHALLENBERGER, op. cit., p. 151; BRAND, op. cit., p. 110;
PAULETTI et al., op. cit., p. 58; PRIORI, Angelo, et al. op. cit., p. 83.
68
192
GREGORY; SCHALLENBERGER, op. cit., p. 121.
193
BRAND, op. cit., p. 100.
194
GREGORY; SCHALLENBERGER, op. cit., p. 121; PAULETTI et al., op. cit.,
p. 61.
195
BRAND, op. cit., p. 110.
196
“A criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, pelo Decreto-Lei
n. 5.941, de 28 de outubro de 1943, do então Presidente da República
Getúlio Vargas, abarcava uma área a ser retirada das terras da União, no
então Território Federal de Ponta-Porã, não inferior a 300 mil hectares.
No entanto, somente em julho de 1948 o governo federal demarcou a área,
sendo os trabalhos concluídos após 13 anos. Foi encontrado um total de
409 mil hectares de terra. Portanto, com um excedente de 109 mil hec-
tares referente à área do decreto (Relatório do Instituto de Colonização
e Reforma Agrária – [...]. Ainda de acordo com esse relatório, o Estado
de Mato Grosso reduziu, posteriormente, a área da colônia para 267 mil
hectares” (Ibid., p. 101).
69
197
Ibid., p. 101.
198
CNV, op. cit., p. 214.
199
“Novos núcleos populacionais surgem na região, atraindo centenas de pe-
quenos produtores rurais, interessados nas ricas matas e no solo que se
mostrava propício à lavoura e a criação de gado. Infelizmente, mais uma
vez, à revelia da existência dos índios” (PAULETTI et al., op. cit., p. 58).
200
BRAND, op. cit., p. 102.
201
Ibid., p. 106. “Documentos do SPI (1946-1947) mostram que os Kaiowá
da região entre Dourados e Rio Brilhante comunicaram-se reiteradamente
com o SPI para pedir auxílio diante do avanço dos colonos, sem obter su-
cesso” (CNV, op. cit., p. 214).
70
202
CNV, op. cit., p. 214.
203
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, cit., p. 353.
204
CNV, op. cit., p. 215.
205
Ibid., p. 216.
206
Ibid., p. 223.
207
Ibid., p. 223; HELM, Os Xetá: a trajetória de um grupo tupi-guarani em
extinção no Paraná, cit., p. 109.
71
208
CNV, op. cit., p. 223; GREGORY; SCHALLENBERGER, op. cit., p. 110.
209
HELM, Os Xetá: a trajetória de um grupo tupi-guarani em extinção no
Paraná, cit., p. 106.
210
CNV, op. cit., p. 224; HELM, Os Xetá: a trajetória de um grupo tupi-guarani
em extinção no Paraná, cit., p. 110.
211
CNV, op. cit., p. 225-226.
72
212
“Nos primeiros anos do governo da República, as terras indígenas localizadas
na Bacia do Rio Tibagi continuaram a ser invadidas por não índios. O desma-
tamento na Bacia estava restrito ao caminho dos tropeiros. Os fazendeiros que
se instalaram na região dos Campos Gerais derrubaram a madeira, especial-
mente a Araucaria angustifolia, para ampliar as áreas de pastagens” (HELM,
A UHE Mauá no rio Tibagi (Paraná): impactos socioambientais e o desafio da
participação indígena. In: Verdum, Ricardo et al. (Org.). Integração, usinas
hidroelétricas e impactos socioambientais. Brasília: INESC, 2007, p. 170).
213
HELM, op. cit., p. 170.
214
LÉVI-STRAUSS, op. cit., p. 160-161.
73
215
PAULETTI et al., op. cit., p. 60.
216
Ibid., p. 60.
217
Ibid., p. 61.
218
Ibid., p. 61; HELM, A justiça é lenta, a Funai devagar e a paciência dos índios
está se esgotando: perícia antropológica na área indígena Mangueirinha, PR,
cit., p. 30. Ao se analisar a realidade ocorrida no estado de Santa Catarina, na
mesma época, a situação experimentada pelos povos indígenas desse estado,
em especial os Kaingang, era parecida. Ali se verificou – e verifica, ainda
hoje – grande violência contra os índios. De acordo com Ligia Osorio Silva:
“Nesses episódios sangrentos, os coronéis tiveram um papel destacado, como
organizadores das ‘batidas’, verdadeiras expedições punitivas, que horrori-
zaram as parcelas mais esclarecidas da sociedade, quando vieram a público
74
75
221
RELATÓRIO – Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de
2018. Disponível em: <https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/
relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf>. Acesso
em: 18 maio 2020.
222
DAVIS, Vítimas do milagre, cit., p. 57-58.
223
Ibid., p. 57-58.
224
“Na história recente do Brasil muitos povos indígenas foram praticamen-
te extintos ou tiveram grande parte de seus territórios destruídos por cau-
sa desses empreendimentos do ‘desenvolvimento’. Na década de 1970, a
Usina Hidrelétrica de Itaipu, no Rio Paraná, cobriu aproximadamente 60
aldeias Guarani em ambas as margens (do lado do Brasil e do Paraguai).
Reconhecendo parcialmente sua responsabilidade, o empreendimento bi-
nacional devolveu aos Guarani menos de 1% das terras indígenas que foram
76
77
227
DAVIS; MENGET, Povos primitivos e ideologias civilizadas no Brasil,
cit., p. 39-40.
228
“As denúncias de violações cometidas contra povos indígenas e de cor-
rupção no órgão indigenista provocaram quatro Comissões Parlamentares
de Inquérito – no Senado, a CPI de 1955, e, na Câmara, as de 1963, 1968
e 1977. Em 1967, houve uma CPI na Assembleia Legislativa do estado do
Rio Grande do Sul e, no mesmo ano, uma comissão de investigação do
Ministério do Interior produziu o Relatório Figueiredo, motivo da ex-
tinção do SPI e criação da Funai. Três missões internacionais foram re-
alizadas no Brasil entre 1970 e 1971, sendo uma delas da Cruz Vermelha
Internacional. Denúncias de violações de direitos humanos contra indí-
genas foram enviadas ao Tribunal Russell II, realizado entre 1974-1976,
e também à quarta sessão desse tribunal internacional, realizado em
1980 em Roterdã. Nessa sessão foram julgados os casos Waimiri Atroari,
Yanomami, Nambikwara e Kaingang de Manguerinha, tendo o Brasil sido
condenado” (CNV, op. cit., p. 208).
78
229
Ibid., p. 204.
79
230
Ibid., p. 204-205.
231
De acordo com o relatório: “Como resultados dessas políticas de Estado, foi
possível estimar ao menos 8.350 indígenas mortos no período de investiga-
ção da CNV, em decorrência da ação direta de agentes governamentais ou
da sua omissão. Essa cifra inclui apenas aqueles casos aqui estudados em
relação aos quais foi possível desenhar uma estimativa. O número real de
indígenas mortos no período deve ser exponencialmente maior, uma vez
que apenas uma parcela muito restrita dos povos indígenas afetados foi ana-
lisada e que há casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para
desencorajar estimativas” (Ibid., p. 205).
232
Ibid., p. 205. Digno de nota a constatação do relatório, segundo o qual:
“Tanto o endurecimento da política indigenista como a repressão ao mo-
vimento político-indigenista que se gestava para fazer frente ao contexto
da ditadura militar intensificam-se sobremaneira após o AI-5. A partir de
1970, com a edição do Decreto n. 66.882, a Funai incorpora formalmente
atividades de assessoramento de segurança e informações à sua estrutu-
ra organizacional, por meio de uma ‘Seção de Segurança e Informações’,
vinculada à Divisão de Segurança e Informações (DSI) do Ministério do
Interior. Em 1975, é publicado, através da portaria no 239, o regimento
80
81
237
Ibid., p. 251.
238
“Em síntese, pode-se dizer que os diversos tipos de violações dos direitos
humanos cometidos pelo Estado brasileiro contra os povos indígenas no
período aqui descrito se articularam em torno do objetivo central de forçar
ou acelerar a ‘integração’ dos povos indígenas e colonizar seus territórios
sempre que isso foi considerado estratégico para a implementação do seu
projeto político e econômico” (Ibid., p. 251).
239
Ibid., p. 251-252.
240
Ibid., p. 252.
241
Ibid., p. 252.
242
“Não são esporádicas nem acidentais essas violações: elas são sistêmicas, na
medida em que resultam diretamente de políticas estruturais de Estado, que
respondem por elas, tanto por suas ações diretas quanto pelas suas omis-
sões” (Ibid., p. 204).
82
243
Ibid., p. 253.
244
Ibid., p. 253.
245
CNV, op. cit., p. 210 e 226.
246
BRIGHENTI, op. cit., p. 21.
83
247
VILLARES, Luiz Fernando. Estado pluralista: o reconhecimento da organiza-
ção social e jurídica dos povos indígenas no Brasil. 2013. 460 f. Tese (Doutorado
em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013,
p. 123. Dalmo Dallari, ao tratar do regime da capacidade prevista na legislação
civil brasileira ao índio no regime do revogado Código Civil expõe que “[...] a lei
estabeleceu uma situação especial para a proteção dos direitos e interesses dos
silvícolas, dispondo que eles ficarão sujeitos a um regime especial de tutela, ou
seja, eles deverão ter um tutor, que a lei nomeará e cujas atribuições e responsa-
bilidades deverão ser igualmente fixadas em lei especial” (DALLARI, Dalmo de
Abreu. O índio, sua capacidade jurídica e suas terras. Cadernos da Comissão
Pró-Indio, n. I: A questão da emancipação. Global Editora. São Paulo, 1979,
p. 78). Sobre a necessidade de uma análise crítica sobre o conceito de “sujeito
de direito” dentro do direito civil, cf. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do
direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 16. Ainda, de acordo com
Fachin: “a incapacidade, ao contrário do que possa parecer, não é apenas um
conceito técnico, mas também ideológico, que tem um valor situado no mo-
mento anterior à definição jurídica” (Ibid., p. 200).
248
Dispõe o art. 7º do Estatuto do Índio: Art. 7º Os índios e as comunidades
indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeito ao regime
tutelar estabelecido nesta Lei. § 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei
aplicam-se no que couber, os princípios e normas da tutela de direito comum,
independendo, todavia, o exercício da tutela da especialização de bens imó-
veis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução real ou fidejussória.
§ 2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão
federal de assistência aos silvícolas.
84
249
“Tem-se falado muito, ultimamente, em acelerar a emancipação dos ín-
dios, notando-se claramente uma inversão nos dados do problema, pois
em lugar de emancipar os efetivamente integrados à comunhão nacional
o que se tem como resultado das propostas até aqui anunciadas é que se
pretende emancipar para facilitar ou forçar a integração” (DALLARI, O
índio, sua capacidade jurídica e suas terras, cit., p. 81). Cf. CNV, op.
cit., p. 213).
250
Eduardo Viveiros de Castro, ao tratar do histórico do projeto governamen-
tal, construído durante o período da ditadura, que tratava da emancipação
das comunidades indígenas, afirma: “Em primeiro lugar, é preciso lembrar
que o interesse do Governo em tal medida reflete com límpida coerência,
e consagra toda uma filosofia oficial a respeito do lugar e destino dos po-
vos indígenas na sociedade nacional” (VIVEIROS DE CASTRO, Histórico.
Cadernos da Comissão Pró-Indio, n. I: A questão da emancipação. Global
Editora. São Paulo, 1979, p. 41).
85
251
DALLARI, O índio, sua capacidade jurídica e suas terras, cit., p. 80. Cf.
CNV, op. cit., p. 223.
252
Art. 11 da Lei 6.001/73.
253
“Nesse conjunto de casos, temos uma ilustração clara do modus operandi do
Estado brasileiro quando seu objetivo foi liberar terras indígenas para a co-
lonização e para a realização de grandes empreendimentos. Vemos também
como diversos povos indígenas foram atingidos por atos de exceção que
caracterizaram a atuação do Estado brasileiro no período 1946-1988 e por
ele punidos com a transferência e a remoção forçada para lugares distantes
de seu local de ocupação tradicional” (CNV, op. cit., p. 223). Cf. VIVEIROS
DE CASTRO, op. cit., p. 42.
86
254
Cite-se, por exemplo, que a Resolução 23.274 do TSE, que em consulta so-
bre direito de índio não integrado em votar, reconheceu a não recepção
do art. 5º, II, do Código Eleitoral, que impedia o alistamento como elei-
tor de quem não saiba se expressar na língua portuguesa. Entendeu o TSE
que tal vedação não encontra respaldo no regime constitucional em vigor.
Sustenta Carlos Marés de Souza Filho que: “Embora recepcionada, a norma
do Estatuto do Índio é insuficiente” (SOUZA FILHO, O renascer dos po-
vos indígenas para o direito, cit., p. 108).
255
Dalmo Dallari aponta para a grave deficiência na defesa dos direitos indíge-
nas ao longo do tempo, em especial até a Constituição de 1988. Segundo afir-
ma: “Até então [1988] essa defesa havia ficado na dependência das iniciati-
vas do órgão federal incumbido do exercício da tutela indígena, a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), que, além de ter sido escandalosamente omis-
sa, muitas vezes promoveu e apoiou ações públicas e privadas contrárias aos
direitos dos índios” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Reconhecimento e prote-
ção dos direitos dos índios. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v.
111, ano 28. jul/set. 1991, p. 317. Disponível em: <http://www2.senado.leg.
br/bdsf/item/id/175909>. Acesso em: 12 dez. 2015).
256
SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 853.
87
257
A respeito da expressividade que passa a ganhar os movimentos sociais
no Brasil no período anterior à Constituição de 1988, afirma Manuela
Carneiro da Cunha: “No fim da década de 1970 multiplicam-se as orga-
nizações não governamentais de apoio aos índios, e no início da década
de 1980, pela primeira vez, se organiza um movimento indígena de âm-
bito nacional. Essa mobilização explica as grandes novidades obtidas na
Constituição de 1988, que abandona as metas e o jargão assimilacionistas
e reconhece os direitos originários dos índios, seus direitos históricos, à
posse da terra de que foram os primeiros senhores” (CUNHA, História
dos índios no Brasil, cit., p. 17). No mesmo sentido, cf., CUNHA, Índios
no Brasil, cit., p. 22. De acordo com José Eduardo Faria, em relação à
formação desses movimentos sociais: “Na literatura especializada, esses
atores constituem o que os cientistas sociais passaram a chamar, entre o
final dos anos sessenta e início dos anos setenta, de ‘novos movimentos
sociais’. Até então, os movimentos coletivos eram por eles encarados como
um modo peculiar de ação social; [...]” (FARIA, José Eduardo. Justiça e
conflito: os juízes em face dos novos movimentos sociais. 2. ed., rev. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 12). Sobre o papel de
protagonismo das organizações civis na defesa de direitos fundamentais,
inclusive na transformação dos entendimentos da Corte Constitucional,
dentro do sistema de direito norte-americano, cf. COLE, David. Engines
of liberty: the power of citizen activists to make constitutional law. New
York: Basic Books, 2016, p. 152.
258
DALLARI, Reconhecimento e proteção dos direitos dos índios, cit., p. 317.
259
SOUZA FILHO, O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito, cit., p. 55.
88
260
“A partir da Constituição de 1988 passou a ser possível, no sistema jurídico
brasileiro, reconhecer como coletivos alguns direitos, e ficou integrada ao
ordenamento jurídico, definitivamente, esta nova classe de direitos, embora
a doutrina e a jurisprudência ainda relutem em tratá-los por este nome e
dar-lhes efetividade” (SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Os direi-
tos invisíveis. In: Paoli; Maria Célia; Oliveira, Francisco de (Org.). Os sen-
tidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis:
Vozes, 1999, p. 323).
261
“Finalmente, com a Constituição de 1988 houve um extraordinário avan-
ço na defesa dos direitos dos índios e de suas comunidades. Alguns teó-
ricos, especialmente juristas formados numa concepção tradicionalista e
conservadora, consideram a questão indígena essencialmente política, pois
entendem que tratar os índios e as comunidades indígenas como entidades
autônomas é uma anomalia, devendo-se cuidar de sua rápida integração
na sociedade brasileira e de enquadrá-los no sistema legal comum a todos
os brasileiros. Para esses teóricos é absurdo ‘jurisdicizar’ a questão indí-
gena. Essa posição, essencialmente preconceituosa, ignora o fato de que
os índios têm direitos próprios afirmados e garantidos pela Constituição,
além de terem todos os direitos comuns aos brasileiros” (DALLARI, Terras
indígenas: a luta judicial pelo direito, cit., p. 36). Cf., também, DANTAS,
Fernando Antônio de Carvalho. As sociedades indígenas no Brasil e seus
sistemas simbólicos de representação, cit., p. 93.
89
262
“O art. 231 da CF fala em direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam. Trata-se de direitos subjetivos, reconhecidos (...). Ao reconhecê-los, não
os cria, mas os aceita tal como preexistiam” (FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 692).
263
CUNHA, História dos índios no Brasil, cit., p. 20.
90
264
STF, ACO 2323, Relator Ministro Alexandre de Moraes, DJE nº 32, divul-
gado em 15 de fevereiro de 2019. Citem-se, no mesmo sentido, os seguintes
julgados: MS 33.922, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 25/2/2016; MS
28.541, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 05/11/2018; e MS 28.574, Rel.
Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 18/12/2018; e AR 2756, Rel. Min. Carmén
Lúcia, DJe de 24/03/2019.
91
265
DALLARI, Terras indígenas: a luta judicial pelo direito, cit., p. 32.
266
SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o direito, cit., p.
165. “O reconhecimento de que essa tragédia seria inevitável, a par do
92
93
Proteção internacional
aos direitos indígenas
270
Acerca do histórico e os principais instrumentos de proteção dos direitos
indígenas, vide BERNARDO, Leandro Ferreira. A declaração das nações
unidas sobre os direitos dos povos indígenas e os direitos humanos, direi-
tos humanos e socioambientalismo. In: Os direitos dos povos indígenas
no Brasil: desafios no século XXI. Souza Filho, Carlos Frederico Marés
de; Bergold, Raul Cezar (Org.). Curitiba: Letra da Lei, 2013, p. 59-74.
95
271
“Em nível global, as bases da teoria dos direitos humanos estão sendo abaladas,
pois são cada vez mais questionadas por tradições culturais diversas, especial-
mente a partir da conferência mundial de Viena sobre os direitos humanos, em
1993. As minorias reivindicam seus direitos culturais à própria identidade e au-
todeterminação, apontando para uma contradição dos direitos humanos apa-
nhados entre tendências universalistas e relativistas. Como é possível resolver
o impasse do paradigma universalismo/relativismo e desenvolver uma aborda-
gem pluralista dos direitos humanos? Como podem os direitos humanos ser
transformados em um símbolo verdadeiramente compartilhado por todas as
culturas? Se tivermos em mente o fato de que, nos contextos ocidentais, eles são
apenas mais ou menos respeitados, também precisaremos abordar a questão de
como avançar de uma teoria dos direitos humanos para sua práxis. Seria o caso
de termos de repensar nosso conceito de direitos humanos, e do próprio direi-
to?” (EBERHARD, Christoph. Para uma teoria jurídica intercultural: o desafio
dialógico. Revista Direito e Democracia, Universidade Luterana do Brasil –
Ciências Jurídicas, Canoas: Ed. ULBRA, v. 3, n. 2. 2002, p. 492).
272
SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o direito, cit., p. 70.
273
ARAUJO, Ana Valéria; LEITÃO, Sergio. Socioambientalismo, direito inter-
nacional e soberania. In: SILVA, Letícia Borges; OLIVEIRA, Paulo Celso
da. Socioambientalismo: uma realidade. Curitiba: Juruá. 2007, p. 35.
96
97
98
278
BERNARDO, Leandro Ferreira. O Brasil e a corte interamericana de di-
reitos humanos: uma análise das condenações sofridas pelo Brasil na
corte interamericana de direitos humanos e do seu cumprimento. In:
Bernardo, Leandro F.; ALTHAUS, Ingrid G. (Org.). O Brasil e o sistema
interamericano de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Iglu, 2011.
279
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Pueblos
Kaliña y Lokono vs. Surinamem. Disponível em: <http://www.corteidh.
or.cr/docs/casos/articulos/resumen_309_esp.pdf>. Acesso em: 16 maio
2016. O caso “Pueblos Kaliña y Lokono vs. Surinamem” representa o últi-
mo caso levado a julgamento pela Corte e que reconheceu a omissão do
Suriname na proteção dos direitos territoriais dos povos Kaliña e Lokono
e, consequentemente, determinou, dentre outras coisas, o reconhecimento
da personalidade jurídica daqueles povos e a delimitação e demarcação das
terras em favor daqueles grupos.
99
280
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso
“Povo indígena Xucuru e seus membros versus Brasil”. Disponível em:
<http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf>.
Acesso em: 02 fev. 2017.
100
281
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso “Povo
indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil”. Disponível em: http://www.
corteidh.or.cr/casos.cfm. Acesso em: 17 maio 2020.
101
Desafios contemporâneos
à proteção territorial
dos povos indígenas
282
SANTILLI, Marcio & VALLE, Raul do. Muita terra para pouco fazendei-
ro. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/
muita-terra-para-pouco-fazendeiro. Acesso em: 10 de jun. 2020. De acordo
com o texto citado, enquanto as terras indígenas (13% do território) são ocu-
padas por cerca de 520 mil indígenas, os 67 mil maiores proprietários rurais
concentram uma área superior a 72% às terras indígenas, aspecto que revela
a falácia que representa dizer que no Brasil “há muita terra para pouco índio”.
No mesmo sentido, apontando para a grave concentração de terras em favor
103
104
285
“[...] os projetos hidrelétricos implantados durante o regime militar
tinham tido consequências socioambientais desastrosas” (SANTOS,
Sílvio Coelho dos. Hidrelétricas e suas consequências socioambientais.
In: Verdum, Ricardo et al. (Org.). Integração, usinas hidroelétricas e
impactos socioambientais. Brasília: INESC, 2007, p. 44). De acordo,
ainda, com Betty Laffer: “Talvez não seja apenas coincidência o apa-
recimento quase simultâneo de uma série de projetos econômicos des-
tinados a comunidades indígenas. É principalmente entre 1975 e 1977
que, nas mais variadas formas, se imaginam ou se implantam efetiva-
mente pequenos programas de desenvolvimento econômico” (LAFER,
Betty Mindlin. A nova utopia indígena: os projetos econômicos. In:
Antropologia e indigenismo na América Latina. Junqueira, Carmen;
Carvalho, Edgard de A. (coord.). São Paulo: Cortez, 1981, p. 19). Cf.
BRIGHENTI, op. cit., p. 20.
286
Ibid., p. 25. Cf. OLIVEIRA, João Pacheco de; COHN, Clarice (Orgs.). Belo
Monte e a questão indígena. Brasília-DF: ABA, 2014.
105
287
CUNHA, Índios no Brasil, cit., p. 134.
288
“A Amazônia brasileira é uma área geográfica de tamanha vastidão que
parques e reservas indígenas poderiam ter sido protegidos sem estorvar o
desenvolvimento nacional do Brasil. Uma das razões por que essas áreas
indígenas foram criadas, mas depois não protegidas está, creio eu, no ‘mo-
delo de desenvolvimento’ específico que está sendo adotado pelo Governo
do Brasil” (DAVIS, Shelton, Vítimas do milagre, cit., p. 12). Cf. CUNHA,
Índios no Brasil, cit., p. 13.
289
DALLARI, Terras indígenas: a luta judicial pelo direito, cit., p. 31.
106
290
“Um dos efeitos dessa política é o recrudescimento das investidas contra os
direitos constitucionais das comunidades indígenas. Associando-se o poder
econômico, o governo e poderosos meios de comunicação de massa, pro-
cura-se disseminar uma imagem de injustiça, dizendo-se, com insistência,
que existem ‘poucos índios para muitas terras’ e que isso não é justo quando
milhões de brasileiros não conseguem um lugar para se estabelecerem com
suas famílias. A par disso, alega-se que será mais conveniente para todo o
povo entregar as terras indígenas a empresas que promovam a produtivi-
dade econômica dessas terras, criando riqueza e fazendo ‘aumentar o bolo’,
que depois será distribuído em benefício de todo o povo” (Ibid., p. 31).
291
ISA. Demarcações nos últimos seis governos. Disponível em: <https://
pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/demarcacoes-nos-ultimos-governos>.
Acesso em: 18 maio 2016.
Segundo o relatório do ISA, enquanto ocorreram apenas 11 homologações
no período do 1º governo da presidente Dilma (2011-2014), foram homo-
logadas nos dois mandatos do presidente Lula (2003/2006 e 2007/20010),
respectivamente, 66 e 21 demarcações de terras indígenas. No primeiro
mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998) foram
homologadas 114 demarcações e no segundo mandato (1999 a 2002) 31.
292
ISA. Com pior desempenho em demarcações desde 1985, Temer tem
quatro Terras Indígenas para homologar. Disponível em: <https://www.
socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/com-pior-desempe-
nho-em-demarcacoes-desde-1985-temer-tem-quatro-terras-indigenas-
-para-homologar>. Acesso em: 18 maio 2020.
293
“A ordem social brasileira, fundada no latifúndio e no direito implícito
de ter e manter a terra improdutiva, é tão fervorosamente defendida pela
107
108
295
DALLARI, Terras indígenas: a luta judicial pelo direito, cit., p. 32-33.
“Ao longo da última década, surgiu no Brasil uma nova associação entre
um governo militar altamente repressor, mas voltado para o desenvol-
vimento, várias firmas multinacionais de crédito, tais como o Export-
Import Bank, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco
Mundial. Essa nova associação, que não é exclusividade do Brasil, ace-
lerou o ritmo da expansão econômica para as últimas áreas de refúgio
habitadas por tribos indígenas, e começou a substituir as várias frontei-
ras econômicas, diversas, mas todas relativamente atrasadas, as quais
Darcy Ribeiro foi o primeiro a analisar em seu ensaio de 1957” (DAVIS,
Shelton, Vítimas do milagre, cit., p. 193).
296
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, cit., p. 181.
109
297
WWF. MP 910 é crime: aprovar a MP da Grilagem é anistiar a ilegalidade.
Disponível em: <https://www.wwf.org.br/>. Acesso em: 18 maio 2020.
298
Acerca do direito de participação indígena, afirma Brighenti: “Os povos in-
dígenas são sujeitos de direitos como todos os brasileiros. Eles não desejam
apenas ser ouvidos, querem participar ativamente dos processos e decidir
sobre suas vidas e seus territórios. Querem o direito de demonstrar que para
além da proposta de qualidade de vida imposta pelo capital existe o projeto
ancestral do Bem Viver, que sustentou e sustenta milhões de pessoas e po-
vos por centenas de gerações, em uma convivência equilibrada com o meio
ambiente” (BRIGHENTI, op. cit., p. 25). Cf. SANTOS, Hidrelétricas e suas
consequências socioambientais, cit., p. 45.
299
CARVALHO, Edgard de Assis. Pauperização e indianidade. In: Antropologia
e indigenismo na América Latina. Junqueira, Carmen; Carvalho, Edgard
de A. (Org.) São Paulo: Cortez, 1981, p. 16.
300
Ibid., p. 17.
301
DALLARI, Terras indígenas: a luta judicial pelo direito, cit., p. 34.
110
302
“A impressionante taxa de crescimento da economia brasileira, superando
a dos Estados Unidos no final do século XIX e a do Japão no pós-guerra, é
aceita por quase todos os observadores estrangeiros como um bem positivo
para o povo do Brasil” (DAVIS, Shelton, Vítimas do milagre, cit., p. 16).
303
IPCC. Climate Change 2014. Disponível em: <http://www.ipcc.ch/report/
ar5/syr/>. Acesso em: 18 maio 2016.
304
DAVIS, Shelton, Vítimas do milagre, cit., p. 202-203. Cf. BERNARDO,
Leandro Ferreira. Democracia, direitos humanos e ambientalismo. Hiléia
(UEA), v. 16. Disponível em <http://periodicos.uea.edu.br/index.php/Hileia/>.
Acesso em: 08 abr. 2015.
305
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações
indígenas no Brasil moderno, cit., p. 206.
111
306
“Da década de 1990 em diante, a globalização neoliberal começou a ser
confrontada com movimentos sociais e organizações não governamentais
progressistas, de cujas lutas – que configuram uma globalização contra-he-
gemônica – emergiram novas concepções de direitos humanos, oferecendo
alternativas radicais à concepção liberal norte-cêntrica que até então domi-
nara com inquestionável supremacia” (SANTOS, Boaventura de Sousa. A
gramática do tempo: para uma nova cultura política, cit., p. 436).
307
DALLARI, Argumento antropológico e linguagem jurídica. In: SILVA,
Orlando Sampaio et al. (Org.). A perícia antropológica em processos ju-
diciais. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1994, p. 108. Acerca da relação entre o
fortalecimento dos movimentos de luta de identidade cultural e o desenvol-
vimento da globalização, vide FRASER, Nancy. A justiça social na globali-
zação: redistribuição, reconhecimento e participação, cit., p. 8. Cf., também,
HARVEY, David. O novo imperialismo. Tradução: Adail Sobral e Maria
Stela Gonçalves. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2010, p. 137; LEFF, Enrique. Saber
ambiental. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 7. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2009, p. 22.
308
IBGE. O Brasil indígena. Disponível em <http://indigenas.ibge.gov.br/gra-
ficos-e-tabelas-2.html>. Acesso em: 20 abr. 2016. Cf. RIBEIRO, Darcy. O
povo brasileiro, cit., p. 298. Há mais de duas décadas Manuela Carneiro da
Cunha já previa essa rápida expansão das populações indígenas: “Nos EUA,
a população indígena em 1890 era da ordem da população indígena brasi-
leira nos nossos dias. Cem anos mais tarde, essa população havia quadru-
plicado: no censo de 1990, registravam-se 1,9 milhão de nativos americanos.
É possível que ascenso semelhante se verifique no Brasil, cuja população
112
113
312
Cf. SALZANO, O velho e o novo: antropologia física e história indígena. In:
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP,
1992, p. 33; RIBEIRO, A América Latina existe?, cit., p. 31.
313
Roberto Damatta aponta o problema da contradição de interesses entre os ór-
gãos e entes federais, estaduais e municipais e aponta que no plano local e re-
gional é comum uma postura contrária aos povos indígenas: “[...] além da di-
visão entre as divisões da população regional, encontramos também divisões
de motivações e interesses entre as agências nacionais – como a Fundação
Nacional do Índio (Funai), a Campanha de Erradicação da Malária, o Incra,
ou outros órgãos federais, e as agências locais e internacionais como foi o caso,
por um período, da presença de pessoal do Summer Institute of Linguistics.
Ao lado destas instituições, o antropólogo acaba se constituindo num outro
polo do contato, com ligações nacionais e internacionais, sempre por meio
do plano federal. Deste modo, no caso dos Apinayé (como no dos Gaviões),
lutas políticas pela posse da terra indígena ou disputas resultantes de múltiplas
interpretações de algum tipo de eventos que implicasse conflitos entre índios
e brancos tendem a ter uma linha de clivagem demarcada por um plano de
agências federais (nacionais), em contraste com o plano das agências estaduais
e municipais que, em geral, são contra os interesses tribais. Mas essa dicoto-
mia pode ser, em muitos casos, uma simplificação grosseira, já que no mesmo
Ministério, o do Interior, agências com ideologias e motivações ‘desenvolvi-
mentistas’ (como o Incra e a Sudam) podem entrar em conflito direto com a
Funai no que diz respeito a uma imagem do índio e à prática social e política
a ser realizada junto às populações tribais” (DAMATTA, op. cit., p. 243).
314
“Embora seja tarefa essencial ao direito fixar as linhas das estruturas so-
ciais, ele vem assumindo sempre com maior intensidade uma postura de
114
115
317
DALLARI, Dalmo. Direitos humanos e cidadania. 2. ed. reform. São Paulo:
Moderna, 2004. p. 36; BUZATTO, Cleber César. Paralisação das demar-
cações, discursos racistas e decisões judiciais fundamentalistas: um ras-
tro de violências contra os povos indígenas. CONSELHO INDIGENISTA
MISSIONÁRIO: RELATÓRIO – Violência contra os povos indígenas no Brasil
– Dados de 2014, p. 12. Disponível em <http://cimi.org.br/pub/Arquivos/
Relat.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2016.
318
DALLARI, Direitos humanos e cidadania, cit., p. 35.
319
“Em 2014, o Cimi registrou 118 casos de omissão e morosidade na regulamen-
tação de terras, mais que o dobro do que foi registrado em 2013, 51 ocorrên-
cias. Foram registrados casos nos estados do Acre (1), Amazonas (3), Bahia (4),
Ceará (2), Goiás (1), Maranhão (5), Mato Grosso (1), Mato Grosso do Sul (24),
Minas Gerais (1), Pará (42), Paraná (1), Rio Grande do Sul (14), Rondônia (7),
Santa Catarina (11), e Tocantins (1)” (CIMI, RELATÓRIO 2014, p. 45).
116
320
“Assim como ocorreu no ano anterior, o governo Dilma Rousseff con-
tinuou atendendo aos interesses e pressões do agronegócio em 2014. A
presidente da República não assinou nenhuma homologação de terra
indígena, apesar de pelo menos 21 processos de demarcação de terras
sem nenhum óbice administrativo e/ou judicial estarem em seu gabine-
te, no final do ano, aguardando apenas a sua assinatura para a homolo-
gação” (Ibid., p. 45). Cf., também, BUZATTO, op. cit., p. 15.
321
CUPSINSKI, Adelar; FARIAS, Alessandra; MODESTO, Rafael. Violência
institucional e privada: o que há de arcaico no novo? CONSELHO
INDIGENISTA MISSIONÁRIO. RELATÓRIO – Violência contra os povos
indígenas no Brasil – Dados de 2014, p. 29. Disponível em <http://cimi.org.
br/pub/Arquivos/Relat.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2016.
322
“O Judiciário, por sua vez, contribuiu decisivamente para o aprofundamen-
to das violências contra os povos indígenas em 2014. Decisões tomadas no
âmbito da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) descaracterizam
o Artigo 231 da Constituição Federal (CF) através de uma reinterpretação
fundamentalista e radicalmente restritiva quanto ao conceito de terra tra-
dicionalmente ocupada pelos povos. Tais decisões anularam atos adminis-
trativos, do Poder Executivo, de demarcação das terras Guyraroká, do povo
Guarani-Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso
do Sul, e Porquinhos, do povo Canela-Apãniekra, no Maranhão, sob a justi-
ficativa de que tais terras não seriam tradicionalmente ocupadas pelos mes-
mos” (BUZATTO, op. cit., p. 14).
117
323
CIMI, Relatório Violência contra os povos indígenas – Dados de 2018,
cit., p. 81.
324
Ibid., p. 151.
325
Ibid., p. 151.
326
“Registramos em 2014, 20 casos de homicídio culposo. Dez casos a mais do
que em 2013. Todos os casos envolveram atropelamentos. Foram registradas
ocorrências em Mato Grosso (1), Mato Grosso do Sul (9), Paraná (5), Rio
Grande do Sul (2) e Santa Catarina (3). Em pelo menos 11 casos, os condu-
tores dos veículos fugiram sem prestar socorro às vítimas” (Ibid., p. 89).
118
327
Afirmava Darcy Ribeiro, já há algumas décadas, sobre o assunto: “Todos
sabemos que o clássico retrato do índio aculturado, o preguiçoso, o cacha-
ceiro, o anormal, é dramaticamente verdadeiro. Mas poucas vezes nos ani-
mamos a encarar os fatos e a investigar as raízes deste decaimento moral.
Muito se poderia dizer a respeito; vejamos apenas um ângulo do problema.
Inquestionavelmente, uma das causas dessa decadência são o espezinha-
mento e a sufocação das crenças tribais. Basta que nos coloquemos no lugar
destes índios para imaginar os terríveis efeitos que decorrem da negação
abrupta e insofismável dos valores em que se fundamentava o respeito de
uns em relação aos outros, das justificativas tradicionais para as ações que a
tribo sempre teve como certas e necessárias, ou da legitimidade das sanções
que recaiam sobre o comportamento tido como reprovável” (RIBEIRO, Os
índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil
moderno, cit., p. 236). “Registramos, em 2014, a ocorrência de 13 casos de
disseminação de bebida alcoólica e outras drogas em comunidades indí-
genas, nos estados do Mato Grosso (3), Pará (4), Paraíba (1), Paraná (2) e
Roraima (3)” (CIMI, op. cit., p. 135).
328
DALLARI, Direitos humanos e cidadania, cit., p. 100.
119
social e cultural (art. 3º). Essa relativa autonomia está implícita, tam-
bém, em diversos outros textos legislativos e decorre da necessidade
de se preservar a sua cultura, sua organização e seu modo de viver.
A autodeterminação indígena é diretamente dependente da
existência de condições mínimas de desenvolvimento, ao ponto de
que a comunidade não tenha a necessidade de abandonar suas terras
e sua cultura para perambular nas cidades, em busca de um modo
alternativo de sustento329.
De outro lado, a garantia à autodeterminação é matéria com-
plexa, eis que sua defesa pode representar uma limitação do próprio
Estado em ver suas normas nacionais aplicadas em sua plenitude
dentro dos territórios ocupados pelos povos indígenas. Tal aspecto
tem representado às autoridades políticas elevado temor – injustifi-
cado, é necessário dizer – de que a autonomia organizacional indíge-
na possa trazer ameaças à soberania estatal330.
Aspecto problemático que se relaciona com a garantia da au-
todeterminação diz respeito ao estreitamento das relações entre ín-
dios com a sociedade nacional, sobretudo com o deslocamento de
índios para as cidades e que tem feito aumentar, especialmente nas
últimas décadas, o quantitativo de índios urbanos, atualmente em
número superior a 300 mil por todo país.
A direção da ação do Estado a partir desse estreitamento nem
sempre é simples, tendo em vista que passa a ter que conciliar o di-
reito à preservação cultural daqueles grupos com a regulação da vida
social. Ademais, seu agir em relação àquele indígena urbano não
poderá ser pautado pela simples escolha das duas posições opostas:
329
“Como chegar à autodeterminação diante da penúria econômica da vida
indígena” (LAFER, op. cit., p. 21).
Cf. DAVIS, Shelton H.; MENGET, Patrick. Povos primitivos e ideolo-
gias civilizadas no Brasil, cit., p. 61 e CARVALHO, Edgard de Assis.
Pauperização e indianidade, cit., p. 7-8.
330
“O texto constitucional preserva, assim, o exercício do direito à soberania,
mas o seu exercício deve acomodar-se, harmonicamente, aos direitos origi-
nários às terras já demarcadas” (FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 695).
120
331
“O problema de como tratar minorias étnicas que vivem dentro de um terri-
tório nacional é complexo. No caso específico dos índios das Américas exis-
tem várias tendências, desde as que propõem conservá-los no mesmo estágio
cultural em que foram encontrados pela sociedade envolvente, até aquelas que
preconizam sua absorção total pela sociedade” (SALZANO, op. cit., p. 32).
332
“Temos demasiados exemplos de sociedades tradicionais que, confronta-
das com a modernidade pelo contato com as sociedades ocidentais com-
plexas, não puderam adaptar-se e desabaram. Os ameríndios, mais que os
africanos ou os asiáticos, sofreram essa maldição. O etnocídio delas pode
ser brutal, como para os índios da América do Norte no século XIX e para
os da Amazônia de nossos dias, ou mais ameno, como para os esquimós
atualmente: de todo modo, a morte se encontra no termo do processo”
(ROULAND, Norbert, op. cit., p. 55). Cf. DAVIS; MENGET, op. cit., p. 55.
333
RIBEIRO, Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas
no Brasil moderno, cit., p. 503.
121
334
SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o direito, cit., p. 111.
335
Ibid., p. 67.
336
“A principal ação do projeto educador, tal como se revela admiravelmente
na teoria e na prática de Paulo Freire, é levar o homem iletrado não à letra
em si (letra morta ou letal), mas à consciência de si, do outro, da nature-
za. Essa consciência é o verdadeiro vestibular das Ciências do Homem, das
Ciências da Natureza, das Artes e das Letras. Sem ela, o letrado cairá no
mundo do receituário e da manipulação” (BOSI, op. cit., p. 341).
O direito ao ensino em sua língua está devidamente previsto no Estatuto do
Índio, no art. 47 e seguintes.
122
337
A respeito da necessidade da preservação da identidade indígena como fun-
damental para a sua preservação enquanto sociedade, afirma Bartolomé e
Robinson: “[...] vemos que o modelo indígena, em termos de sua própria
dialética interna-externa, forma parte de uma estrutura cultural, sendo,
portanto, necessário à sobrevivência desta. Sendo a sobrevivência do mo-
delo essencial à identidade étnica e esta necessária à consciência política,
depreende-se que a luta das minorias étnicas por sua liberação passa pela
reafirmação da própria identidade, em oposição aos modelos impostos pelo
Ocidente” (BARTOLOMÉ, Miguel A.; ROBINSON, Scott S. Indigenismo,
dialética e consciência étnica. In: Junqueira, Carmen; Carvalho, Edgard de
A. (Org.). Antropologia e indigenismo na América Latina. São Paulo:
Cortez, 1981, p. 107-114, p. 114). Acerca dos riscos da integração indíge-
na à sociedade nacional, alerta Darcy Ribeiro: “O trânsito da condição de
índio específico, conformado segundo a tradição de seu povo, à de índio
genérico, quase indistinguível do caboclo, se dá pelo que eu chamo de pro-
cesso de transfiguração étnica. Em seu curso, sob pressões de ordem biótica,
ecológica, cultural, socioeconômica e psicológica, um povo indígena vai
transformando seus modos de ser e de viver para resistir àquelas pressões.
Mas o faz conservando sempre sua identificação étnica. Como gente que
sabe de si mesma e não se identifica com nenhuma outra e guarda de sua
cultura original tudo o que seja compatível com suas novas condições de
vida” (RIBEIRO, Os índios e a civilização: a integração das populações
indígenas no Brasil moderno, cit., p. 12-13).
123
e da inadequação da jurisprudência
do marco temporal
338
Tal método de interpretação/aplicação constitucional, já é, por si só, obje-
to de críticas de ordem metodológica e funcionais. Nesse sentido, sustenta
Virgílio Afonso da Silva: “Não foram poucas as críticas que a ideia de di-
reitos fundamentais como mandamentos de otimização recebeu ao longo
das últimas décadas. É possível agrupá-las em, pelo menos, duas grandes
categorias: as críticas metodológicas e as críticas funcionais. As críticas de
caráter metodológico censuram sobretudo racionalidade do sopesamento
como forma de aplicação dos princípios. Em linhas gerais, esses ataques
125
126
339
FACHIN, Teoria crítica do direito civil, cit., p. 268.
340
Sobre o assunto, doutrinada Pontes de Miranda, ainda sob a égide do texto
da Constituição da República de 1967: “O texto respeita a ‘posse’ do silví-
cola, posse a que ainda se exige o pressuposto da permanência. O juiz que
conhecer de alguma questão de terras deve aplicar a regra jurídica, desde
que os pressupostos estejam provados pelo silvícola, ou constem dos autos,
ainda que alguma das partes ou terceiro exiba título de domínio. Desde que
há posse e a permanência ou localização permanente, a posse da terra é do
nativo, porque assim o diz a Constituição. Os juízes não podem expedir
mandados possessórios contra silvícolas que tenham posse permanente”
(PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1967 com a
emenda n. 1, de 1969, t. VI (arts. 160-200), p. 456).
341
Trata-se o indigenato, nas palavras de José Afonso da Silva, de “velha e tra-
dicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos pri-
meiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confir-
mado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras
outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primá-
rios e naturais senhores delas. Vindo a Lei 601/1850, os grileiros de sempre,
ocupando terras indígenas, pretendiam destes a exibição de registro de suas
posses” (SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 858).
127
342
MENDES JR., op. cit., p. 58; SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 859; FERRAZ
JUNIOR, op. cit., p. 693.
343
MENDES JR., op. cit., p. 58-59.
344
Nesse sentido é a doutrina de José Afonso da Silva, para quem: “[...] a rela-
ção entre o indígena e suas terras não se rege pelas normas do Direito Civil.
Sua posse extrapola da órbita puramente privada, porque não é e nunca foi
uma simples ocupação da terra para explorá-la, mas base de seu habitat, no
sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e cultu-
rais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana. Esse
tipo de relação não pode encontrar agasalho nas limitações individualistas
do direito privado, daí a importância do texto constitucional em exame,
porque nele se consagra a ideia de permanência, essencial à relação do índio
com as terras que habita” (SILVA, op. cit., p. 859-860). Acerca da origem
do direito de propriedade no direito civil brasileiro, assevera Luiz Edson
Fachin: “A disciplina jurídica da propriedade nasce do art. 554, do Código
Civil francês de 1804, segundo o qual o direto de propriedade é um direito
128
129
347
FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 692-696; MENDES JR., op. cit., p. 59.
348
FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 692.
349
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das coisas. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2003, Coleção História do Direito Brasileiro, p. 43.
130
350
“À constitucionalização simbólica, embora relevante no jogo político, não
se segue, principalmente na estrutura excludente da sociedade brasileira,
‘lealdade das massas’, que pressuporia um Estado de bem-estar eficiente
(...). Contraditoriamente, à medida que se ampliam extremamente a falta de
concretização normativa do documento constitucional e, simultaneamente,
o discurso constitucionalista do poder, intensifica-se o grau de desconfian-
ça no Estado. A autoridade pública cai em descrédito” (NEVES, Marcelo.
Constitucionalização simbólica e desconstitucionalização fática: mu-
dança simbólica da Constituição e permanência das estruturas reais de po-
der, cit., p. 327-328). Ainda se mostra atual a preocupação de Robert Alexy
com a efetivação dos direitos fundamentais demonstrada ainda na década
de 1980, por ocasião da publicação de sua obra Theorie der Grundrechte,
quando afirma que “À imprecisão da normatização dos direitos funda-
mentais se soma, portanto, a vagueza da jurisprudência sobre os mesmos”
(ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro
de Estudios Constitucionales, 1993, p. 24, tradução nossa).
351
FERRAJOLI, op. cit., p. 791-813.
131
352
NEVES, op. cit., p. 323.
132
353
Sobre a inadequação da utilização da jurisprudência do “marco temporal”
de forma ampla, em especial na região platina, vide BERNARDO, Leandro
F. A aplicação da jurisprudência do “marco temporal” nos processos
demarcatórios e a legitimação do discurso do “vazio demográfico” na
região platina brasileira pelo judiciário. Os direitos dos povos indígenas:
complexidades, controvérsias e perspectivas constitucionais. Publicações da
Escola da AGU: Direito, Gestão e Democracia, v. 11, p. 163-178, 2019.
354
“[...] garantir ou aumentar a objetividade na interpretação do direito e, tam-
bém, no sopesamento, significaria garantir ou aumentar a realização dessas
duas variáveis, ou seja, garantir ou aumentar a possibilidade de controle in-
tersubjetivo e a possibilidade de previsibilidade” (SILVA, Virgílio Afonso da.
Ponderação e objetividade na interpretação constitucional, cit., p. 368).
Cf., Ibid., p. 373; SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o
direito, cit., p. 196.
133
355
FERNANDES, Florestan. A Constituição inacabada. São Paulo: Estação
Liberdade, 1989, p. 381.
356
Em observância do artigo 40, § 1º da lei Complementar n. 75/1993, segun-
do o qual: “Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este
submetidos à aprovação do Presidente da República. § 1º O parecer aprovado
e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração
Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.
§ 2º O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições
interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência.”
134
135
137
357
SCHWARCZ, op. cit., p. 168.
138
139
140
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