Literatura e subdesenvolvimento

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Literatura e subdesenvolvimento (Antonio Candido)

1:

Até 1930, predominava entre nós a noção de “país novo” (a grandeza ainda não
realizada). O que predomina agora é a noção de “país subdesenvolvido” (a pobreza, a
atrofia). Esses são aspectos fundamentais que ajudam a entender a criação literária na
América Latina.

A ideia de “país novo” produz na literatura: surpresa, interesse pelo exótico, respeito
pelo grandioso e esperança quanto às possibilidades. Essas são projeções utópicas em
face da conquista da colonização. Exemplos: Colombo, Antônio Vieira, Gonçalves
Dias. Ver citação da p. 141 (“A literatura se fez linguagem de celebração...”).

Esse tipo de literatura buscava compensar o atraso material e a debilidade das


instituições através da supervalorização dos aspectos regionais, fazendo do exotismo
razão de otimismo social. Havia uma contaminação eufórica entre a terra e a pátria na
literatura latino-americana (terra bela – pátria grande).

A consciência do subdesenvolvimento trouxe uma mudança de perspectiva: evidenciou


a realidade dos solos pobres, das técnicas arcaicas, da miséria das populações, da sua
incultura paralisante. Se antes, a visão era otimista, agora ela é pessimista.

Um ponto em comum entre as duas fases é a confiança de que a remoção do


imperialismo traria o progresso, mas, em geral, esse é um ponto de vista passivo na
segunda fase. Ver citação da p. 142 (Desprovido de euforia, ele é agônico...).

A consciência do subdesenvolvimento é posterior à Segunda Guerra Mundial e se


manifestou claramente a partir dos anos 1950, mas desde a década de 1930 tinha havido
mudança de orientação, sobretudo na ficção regionalista. Essa fase percebeu o que havia
de mascaramento no encanto pitoresco, ou no cavalheirismo ornamental, e o romance
adquiriu uma forma desmistificadora.

A fase de consciência amena do atraso (ideologia de país novo) e a fase de


consciência catastrófica do atraso (noção de país subdesenvolvido) se entrosam
intimamente.

2:

O analfabetismo é um fato básico para pensar as condições materiais de existência da


literatura. Junto a isso, a debilidade cultural e a ausência/desinteresse de políticas
educacionais e a negligência financeira dos governos.

Nos países subdesenvolvidos, a literatura foi e continua sendo um bem de consumo


restrito.

No processo de urbanização, a cultura massificada atrai os alfabetizados e os


analfabetos para o domínio do rádio, da televisão, da história em quadrinhos. Em nosso
tempo, há uma catequese que converte o homem rural à sociedade urbana. Esse é um
dos problemas mais graves nos países subdesenvolvidos, tendo em vista que os
materiais já elaborados de cultura massificada são provenientes dos países
desenvolvidos.

A literatura erudita não é capaz de influenciar de forma significativa o comportamento


ético ou político das massas, por causa do número restrito de leitores. Numa sociedade
massificada, predominam os meios não literários, paraliterários ou subliterários, de tal
forma que os públicos restritos da literatura se confundem com a massa.

É preciso, portanto, que a literatura latino-americana atente-se para não ser influenciada
pela cultura de massa.

3:

Na consciência amena do atraso, o escritor partilhava da ideologia ilustrada, segundo


a qual a instrução é responsável pela humanização do homem e pelo progresso da
sociedade. O predomínio da civilização sobre a barbárie tinha como pressuposto uma
urbanização latente, baseada na instrução.

A instrução ilustrada é a ideologia da fase de consciência esperançosa do atraso.

Os escritores intelectuais (do século XIX?) se posicionavam frente à incultura


dominante, desejando que a ignorância do povo desaparecesse, mas, contraditoriamente,
se excluíam do contexto e se consideravam grupo à parte. Dessa forma, como os seus
valores radicavam da Europa, para lá se projetavam. Temos, então, o problema da
dependência cultural.

A dependência cultural é natural, dada a nossa posição de povos colonizados. Assim, 1-


ela fazia os escritores se voltarem para os padrões europeus, se desassociando da sua
terra; e 2- os leitores consideravam essas obras altamente requintadas, por causa da
moda europeia, e isso podia não passar de mera alienação cultural. Exemplos:
Parnasianismo e Simbolismo – cultura da impostação.

O aristocratismo alienador se posicionava contra os modernistas.

Contraditoriamente, as elites imitavam o bom e o mau das sugestões europeias e, ao


mesmo tempo, afirmavam independência espiritual, num movimento pendular entre
realidade e utopia ideológica. Nesse sentido, analfabetismo e requinte e cosmopolitismo
e regionalismo podem ter raízes misturadas no solo da incultura e do esforço para
superá-la.

O atraso, às vezes, significa apenas demora cultural. É o que ocorre com o Naturalismo
no romance, que chegou tarde e se prolongou sem quebra de continuidade. Isso se
justifica pelo fato de que o peso da realidade local legitima a influência retardada, que
adquire sentido criador. Exemplo: romance social dos anos 1930 e 1940.

4:
O problema causado pela dependência cultural da América Latina é o das influências,
boas e más, inevitáveis e desnecessárias, na literatura.

A influência inevitável é sociologicamente vinculada à nossa dependência, desde a


colonização e do transporte por vezes brutalmente forçado das culturas. Assim, as
literaturas latino-americanas são galhos das metropolitanas e, apesar da autonomia que
foram adquirindo, ainda são em parte reflexas.

O nosso vínculo com as literaturas europeias (formas importadas) não é uma opção, mas
um fato quase natural. No entanto, aqui os temas são novos, os sentimentos são
diferentes.

Ver citação da p. 151 (“Jamais criamos quadros originais de expressão...”).

Nós sempre reconhecemos como natural a nossa inevitável dependência. E dessa forma,
participamos e contribuímos para um universo cultural a que pertencemos, sem
desenvolver invenções, mas afinando os instrumentos recebidos.

O modo peculiar de os países da América Latina serem originais é o processo de


fecundação criadora da dependência. Ver p. 152 (“Isto em nada diminui o valor dos
‘modernistas’ [hispânicos]...”).

Um estágio fundamental na superação da dependência é a capacidade de produzir obras


de primeira ordem, influenciada, não por modelos estrangeiros, mas por exemplos
nacionais anteriores (causalidade interna). No Brasil, os modernistas da primeira fase
derivam das vanguardas europeias, mas os escritores de 1930 derivam
imediatamente dos anteriores.

As vanguardas foram para nós fatores de autonomia e autoafirmação. Isso não impediu
que as correntes que beberam de suas fontes fossem inovadoras, nem que os seus
propulsores fossem por excelência os fundadores da literatura nova.

Na fase de consciência do subdesenvolvimento, haveria paradoxo entre a tomada de


consciência da realidade trágica, da aspiração revolucionária, e a “aceitação” do
problema das influências? Não, porque o reconhecimento trata-se de um sintoma da
maturidade. Ver citação da p. 154 (“Tanto assim, que o reconhecimento da
vinculação...”).

A partir dos movimentos estéticos de 1920, da intensa consciência estético-social dos


anos 1930, da crise de desenvolvimento econômico e do experimentalismo técnico dos
anos recentes (a partir de 1950?), a dependência se encaminha para uma
interdependência cultural. Essa reflexão sobre o desenvolvimento conduz, no terreno
da cultura, ao da integração transnacional, pois o que era imitação vai cada vez mais
virando assimilação recíproca.
Assim, o romancista do país subdesenvolvido, recebe ingredientes que lhe vêm por
empréstimo cultural dos países que costumamos receber as fórmulas literárias e as
ajusta para representar o seu próprio país. Não imita nem reproduz mecanicamente.

Um dos traços positivos da fase da consciência do subdesenvolvimento é a superação


do receio, que leva à aceitação indiscriminada. Também pode levar à ilusão de
originalidade por obra e graça do temário local.

5:

A dependência é considerada como derivação do atraso e da falta de desenvolvimento.

O fenômeno da ambivalência é o impulso de cópia e rejeição, aparentemente


contraditório, mas que pode ser complementar. Contraditório quando estimula a cópia
servil da moda dos países adiantados. Complementar quando “propõe o que há de mais
peculiar na realidade local, insinuando um regionalismo que, ao parecer afirmação da
identidade nacional, pode ser na verdade um modo insuspeitado de oferecer à
sensibilidade europeia o exotismo que ela desejava, como desfastio; e que se torna desta
maneira forma aguda de dependência na independência” (p.156-157). Essas duas
tendências nascem da mesma situação de retardo ou subdesenvolvimento.

São grosseiras certas formas primárias de nativismo e regionalismo literário, que


redundam em fornecer a um leitor urbano, ou europeizado artificialmente, a realidade
quase turística que lhe agradaria ver na América.

Existem algumas distinções que devem ser consideradas antes de encarar a ficção
regionalista, como consequência da atuação que as condições econômicas e sociais
exercem sobre a escolha dos temas.

As áreas e os problemas do subdesenvolvimento invadem o escritor, tornando-se


assunto que é impossível evitar, sejam estes estímulos positivos ou negativos da
criação. Em países subdesenvolvidos, ou que tenham áreas essenciais de
subdesenvolvimento, o regionalismo pode ocorrer como manifestação válida, capaz de
produzir obras de categoria. Por isso, na América Latina ele foi e ainda é força
estimulante na literatura.

Na fase de consciência de país novo, o subdesenvolvimento corresponde à situação de


atraso, dá lugar ao pitoresco decorativo e funciona como descoberta, reconhecimento da
realidade do país e sua incorporação ao temário da literatura. Na fase de consciência do
subdesenvolvimento, o atraso funciona como pressentimento e depois consciência da
crise, motivando o documentário e, com sentimento de urgência, o empenho político.

Ambas as fases selecionam áreas temáticas com as seguintes características: regiões


remotas, nas quais se localizam os grupos marcados pelo subdesenvolvimento.
Exemplo: sertão brasileiro.
Vidas secas, de Graciliano Ramos, é um exemplo de alta expressão em plena fase de
pré-consciência do subdesenvolvimento.

O regionalismo foi uma etapa necessária, que fez a literatura, sobretudo o romance e
o conto, focalizar a realidade social. Muitos de seus produtos envelheceram, mas o
regionalismo não acabou no Brasil. Ver citação da p. 159 (“A realidade econômica do
subdesenvolvimento...”).

Hoje, ninguém mais considera o regionalismo como forma privilegiada de expressão


literária nacional, mas convém pensar nas suas transformações, porque a realidade
básica ainda é a mesma.

O regionalismo pitoresco, da primeira fase, foi há muito tempo superado e rejeitado


para o nível da subliteratura. Sua manifestação mais espúria foi um dado “sertanejismo”
brasileiro do começo do século XX.

Em 1930 e 1940, na fase de pré-consciência do subdesenvolvimento, tivemos o


regionalismo problemático, que se chamou de “romance social”, “indigenismo”,
“romance do Nordeste” e, sem ser exclusivamente regional, o é em boa parte. Ele
interessa mais por ter sido o precursor da consciência do subdesenvolvimento.

O que caracteriza o romance social é a superação do otimismo patriótico e a adoção de


um tipo de pessimismo que volta-se contra as classes dominantes e veem na degradação
do homem uma consequência da apropriação econômica.

No Brasil, o regionalismo inicial, que inicia com o Romantismo, nunca produziu obras
consideradas de primeiro plano. Só a partir mais ou menos de 1930, as tendências
regionalistas atingiram o nível das obras significativas.

“A superação [das modalidades regionalistas no romance] e o ataque que vêm sofrendo


por parte da crítica são demonstrações de amadurecimento. Por isso, muitos autores
rejeitariam como pecha o qualificativo de regionalistas, que de fato não tem mais
sentido. Mas isto não impede que a dimensão regional continue presente em muitas
obras da maior importância, embora sem qualquer caráter de tendência
impositiva [...] O que vemos agora, sob este aspecto, é uma florada novelística marcada
pelo refinamento técnico, graças ao qual as regiões se transfiguram e os seus contornos
humanos se subvertem, levando os traços antes pitorescos a se desencarnarem e
adquirirem universalidade.” (p. 161).

Há, então, uma terceira fase, que corresponde à consciência dilacerada do


subdesenvolvimento, que se poderia chamar de superregionalista. As características
dessa fase são: descarte do sentimentalismo e da retórica; nutrimento de elementos não
realistas e de técnicas antinaturalistas; aproveitamento do que antes era a substância do
nativismo, do exotismo e do documentário social; naturalismo que se baseia na
referência a uma visão empírica do mundo. Exemplo: Guimarães Rosa.
A terceira fase carrega uma dose de ingredientes regionais. Tais ingredientes constituem
a atuação estilizada das condições dramáticas peculiares ao subdesenvolvimento,
interferindo na seleção dos temas e dos assuntos, bem como na própria elaboração da
linguagem.

Escritores como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, no universo dos valores urbanos,
praticam em suas obras uma espécie nova de literatura, que ainda se articula de modo
transfigurador com o próprio material daquilo que foi um dia o nativismo.

O superregionalismo foi como Antonio Candido chamou o regionalismo de Guimarães


Rosa, depois da publicação de Grande sertão: veredas, de 1956. Um regionalismo
cheio de simbolismos e preocupações metafísicas. O regionalismo de 1930 não se
enquadra nessa etiqueta. O superregionalismo de Guimarães Rosa supera o
regionalismo naturalista da década de 1930.

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