Acórdão 378 de 2023 Plenário
Acórdão 378 de 2023 Plenário
Acórdão 378 de 2023 Plenário
749/2016-4
RELATÓRIO
Inicio este Relatório transcrevendo, com alguns ajustes de forma e fundamentado no inciso
I do § 3º do art. 1º da Lei 8.443, de 16/7/1992, parte da instrução elaborada no âmbito da Unidade de
Auditoria Especializada em Recursos (AudRecursos) e autuada como peça 92:
“INTRODUÇÃO
1. Trata-se de recursos de reconsideração interpostos por Telemedic Distribuidora de
Medicamentos Ltda. – EPP (peças 57-62) e Edson Mangefesti Franco (peça 64) contra o Acórdão
1372/2019-Plenário (peça 41), da relatoria do ministro Benjamin Zymler.
1.1. A deliberação recorrida apresenta o seguinte teor:
1
9.1. julgar regulares com ressalva as contas da sra. Neiva Maura Gomes Guarabu, dando-lhe
quitação, nos termos dos arts. 1º, inciso I; 16, inciso II; 18 e 23, inciso II, da Lei 8.443/1992;
9.2. julgar irregulares as contas dos srs. Armando Alberto Hermínio de Nijs e Edson
Mangefesti Franco e da empresa Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda.,
condenando-os, solidariamente, ao pagamento das quantias abaixo relacionadas, com a
incidência dos devidos encargos legais, calculados a partir das datas correspondentes até o
efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor, nos termos dos arts. 1º, inciso I, 16,
inciso III, alínea ‘c’, 19 e 23, inciso III, da Lei 8.443/1992:
9.2.1. empresa Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda. solidariamente com o sr.
Armando Alberto Hermínio de Nijs:
Data da ocorrência Débito (R$)
18/12/2013 6.000,00
30/12/2013 365.980,00
29/4/2014 29.753,50
13/6/2014 11.728,30
13/6/2014 26.288,49
16/6/2014 1.392,00
16/6/2014 29.324,00
9.3. fixar o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da notificação, para que os
responsáveis de que trata o subitem anterior comprovem, perante o Tribunal, o recolhimento
das referidas quantias aos cofres do Fundo Nacional de Saúde, nos termos do art. 23, inciso
III, alínea ‘a’, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 214, inciso III, alínea ‘a’, do Regimento Interno
do TCU (RI/TCU);
9.4. aplicar aos responsáveis abaixo arrolados a pena de multa prevista no art. 57 da Lei
8.443/1992, de acordo com o valor indicado:
Responsável Valor (R$)
Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda. 66.000,00
Armando Alberto Hermínio de Nijs 62.000,00
Edson Mangefesti Franco 4.000,00
9.5. fixar o prazo de 15 (quinze) dias, a contar da data da notificação, para que os
responsáveis de que trata o subitem anterior comprovem, perante o Tribunal (art. 214, inciso
III, alínea ‘a’, e 269 do RI/TCU), o recolhimento da referida quantia aos cofres do Tesouro
Nacional, atualizadas, quando pagas após seu vencimento, monetariamente, desde a data de
prolação deste acórdão até a do efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor;
9.6. autorizar a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações, nos termos
do art. 28, inciso II, da Lei 8.443/1992;
9.7. autorizar, desde já, caso requerido, o parcelamento das dívidas em até 36 (trinta e seis)
parcelas mensais e consecutivas, alertando os responsáveis de que a falta de pagamento de
qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do art.
26 da Lei 8.443/1992 c/c o art. 217 do Regimento Interno/TCU;
9.8. dar ciência deste acórdão à Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, nos
termos do art. 16, § 3º, da Lei 8.443/1992.
HISTÓRICO
2. Trata-se de tomada de contas especial instaurada em razão da possível ocorrência de dano ao
erário decorrente de compra superfaturada de medicamentos por meio de certames realizados em
2013 e 2014 (Pregões Presenciais 28/2013 e 32/2014) pelo Município de Casimiro de Abreu/RJ
com recursos federais repassados ao Fundo Municipal de Saúde.
2.1. Em relação ao Pregão 28/2013, apurou-se pagamentos a maior da ordem de R$ 470.466,29,
sendo responsabilizados:
a) Neiva Maura Gomes Guarabu, pregoeira do Município de Casimiro de Abreu/RJ, por
permitir que figurassem na licitação itens cujos valores ofertados pelos licitantes comportavam
sobrepreço;
b) Armando Alberto Hermínio de Nijs, à época Secretário Municipal de Saúde, por ter
homologado a licitação; e
c) Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda., por ter se beneficiado dos pagamentos a
maior.
2.2. Em relação ao Pregão 32/2014, apurou-se débito da ordem de R$ 33.873,00, sendo
responsabilizados:
a) Neiva Maura Gomes Guarabu, pregoeira do Município de Casimiro de Abreu/RJ, por
permitir que figurassem na licitação itens cujos valores ofertados pelos licitantes comportavam
sobrepreço;
b) Edson Mangefesti Franco, à época Secretário Municipal de Saúde, por ter homologado a
licitação; e
c) Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda., por ter se beneficiado dos pagamentos a
maior.
2.3. Ao analisar as alegações de defesa apresentadas, este Tribunal, acolhendo manifestação do
MPTCU, afastou a responsabilidade da pregoeira, mantendo as dos demais responsáveis,
redundando na prolação do acórdão recorrido.
ADMISSIBILIDADE
3. Os exames preliminares de admissibilidade às peças 70 e 71 – acolhidos por este Tribunal
mediante o Acórdão 1141/2020-Plenário (peça 77) – concluíram por conhecer dos recursos,
suspendendo-se os efeitos dos itens 9.2, 9.2.1, 9.2.2, 9.3, 9.4, 9.5 e 9.6 da decisão recorrida.
Registre-se que o mesmo acórdão não conheceu o recurso interposto pelo responsável Armando
Alberto Hermínio de Nijs (peça 67), em razão da intempestividade e ausência de fatos novos.
MÉRITO
4. Constitui objeto do recurso examinar as seguintes questões:
a) se resta configurada a responsabilidade do então secretário municipal de saúde pelo
superfaturamento apurado (item 5);
b) se o fato de a empresa recorrente haver seguido os termos do edital implica inexistência
de débito imputável a ela (item 6).
5. Ausência de responsabilidade pelo superfaturamento apurado
5.1. O recorrente alega ausência de responsabilidade pelo superfaturamento apurado, aduzindo
nesse sentido que:
s) o fato de o recorrente ter ordenado as despesas não pode levar a crer que agiu com má-fé
ou auferiu vantagem, estando por outro lado configurado o enriquecimento ilícito da beneficiada,
fornecedora dos medicamentos; (peça 64, p. 16-17)
t) não estender o entendimento adotado para o pregoeiro ao recorrente é incoerente,
demonstrando flagrante contradição no julgamento deste Tribunal. (peça 64, p. 22)
Análise
5.2. A responsabilidade do recorrente se deu na condição de então secretário municipal de saúde e
essencialmente por ter homologado o certame licitatório que deu origem ao superfaturamento.
5.3. Sobre a questão da utilização do Acórdão-TCU n. 1561/2013, o voto condutor aduz (peça 42,
p. 3-4):
23. A decisão do TCU a que alude o ofício [ofício circular do município às empresas
vencedoras] é o Acórdão 1.561/2013-Plenário, que tratou de denúncia de possíveis
irregularidades na compra de medicamentos no mesmo município de Casimiro de Abreu/RJ.
Naqueles autos, foram feitas as seguintes considerações acerca do sobrepreço apurado:
‘a jurisprudência desta Corte tem ponderado haver limitações no BPS que fragilizam
sua utilização como único referencial de mercado, especialmente para aferição de
preços de medicamentos, como registrado no acórdão 1.146/2011 - Plenário. ...
Em sua última instrução, para verificação dos preços praticados na compra de
medicamentos, a Secex/RJ tomou como referencial a tabela da Câmara de Regulação
do Mercado de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
CMED/Anvisa, ajustando os preços para incluir os custos com ICMS (19%) e o
percentual de lucro (15%), haja vista que as aquisições se deram junto a empresas
distribuidoras. No caso dos materiais hospitalares, a unidade instrutora comparou os
preços contratados com dados constantes do Sistema Integrado de Administração de
Serviços Gerais – Siasg.’ (Grifou-se).
24. Veja-se que os gestores da municipalidade adotaram entendimento de então recente
manifestação jurisprudencial do TCU referente à própria municipalidade e que estabelecia os
valores indicados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – CMED/Anvisa como referência de mercado.
25. É certo, que esse precedente jurisdicional não justifica, por si só, a conduta dos gestores,
os quais não podem se abster de dar cumprimento ao disposto na Lei 8.666/1993:
‘art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
(...)
V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da
Administração Pública.’
26. Até porque, a utilização dos dados da CMED como referência de preços tem se mostrado
inadequada ante a constatação de que tais informações não condizem com aquelas de
mercado [p. ex. voto condutor do Acórdão 2901/2016-Plenário].
27. Em suma, deve-se analisar o caso concreto e verificar se houve razoabilidade na conduta
dos gestores em cada licitação objeto destes autos.
5.4. Então, de um lado, admite-se que ‘os gestores da municipalidade adotaram entendimento de
então recente manifestação jurisprudencial do TCU’ no sentido da adoção como referencial da
tabela da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – CMED/Anvisa. Por outro lado, aduz-se que ‘a jurisprudência desta Corte tem
ponderado haver limitações no BPS que fragilizam sua utilização como único referencial de
mercado’. E conclui-se que as compras não poderiam deixar de balizar-se pelos preços praticados
no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública (artigo 15, inciso V, da Lei
8.666/1993), uma vez que os dados da CMED se mostrariam inadequados por não refletirem preços
de mercado.
5.5. Mas no tocante à preferência entre tabela CMED/Anvisa e BPS, a orientação do despacho à
peça 21 do TC 005.283/2015-9 é oposta à expressa acima. Acima, a orientação é que se utilize
como referencial a tabela da CMED/Anvisa, em detrimento do BPS, em vista das limitações que
fragilizariam a utilização desse último como referencial. Já no mencionado despacho, a orientação
é pela ‘utilização (...) de preços constantes do Banco de Preços em Saúde (BPS)’ e ‘utilização dos
valores da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária – Cmed de forma subsidiária, nas hipóteses em que o Banco de Preços em Saúde (BPS)
não apresenta dados suficientes para a estimativa dos valores de mercado’.
5.6. Em vista dessa constatação, se a orientação deste Tribunal não se mostra contraditória, como
alegado pelo recorrente; mostra-se no mínimo ambígua.
*
5.7. De todo modo, a conclusão do voto condutor foi que ‘deve-se analisar o caso concreto e
verificar se houve razoabilidade na conduta dos gestores em cada licitação objeto destes autos’
(peça 42, p. 4, item 27). Nesse sentido, cabe retomar o entendimento sustentado pelo MPTCU.
5.8. Em sua primeira manifestação nos autos, o MPTCU colacionou entendimento deste Tribunal
segundo o qual, ‘quando não houver sobrepreço global, mas apenas unitário, o contrato é vantajoso
para a Administração se as alterações contratuais posteriores não reduzirem o desconto global
obtido originalmente, configurando o jogo de planilha.’ (Acórdão 1302/2015-Plenário, relator:
Marcos Bemquerer).
5.9. Esse entendimento foi afastado pelo voto condutor da decisão recorrida nos seguintes termos
(peça 42, p. 2):
12. Ou seja, [segundo o entendimento acima] para o cálculo do débito, os valores dos
medicamentos com sobrepreço deveriam sofrer o abatimento correspondente aos
medicamentos com preços abaixo dos de referência.
13. Acontece que essa metodologia é aplicável para a contratação de obras públicas, quando
se visa a execução de um objeto como um todo. Nesse caso, a subdivisão do objeto em
subitens ocorre meramente por questões técnicas e orçamentárias, interessando o valor
global do empreendimento de forma que, afora questões inerentes aos jogos de cronograma
ou de planilha, não é relevante a distribuição desse valor global entre os subitens do
empreendimento.
14. Quando se trata de aquisições públicas a jurisprudência desta Corte é no sentido de que
cada aquisição deve ter seu valor compatível com o de mercado, não havendo compensação
entre valores pagos a maior ou a menor em relação àquele de referência (v.g. Acórdãos
2.901/2016-Plenário, 10.531/2018 e 5.708/2017, ambos da Primeira Câmara). (g.n.)
5.10. Contudo, seguindo o parâmetro referido no próprio voto condutor, no sentido de se analisar
cada caso concreto, o ponto controverso não diz respeito à responsabilidade do recorrente pela
homologação do certame, mas se lhe era possível identificar a irregularidade posteriormente
apontada por este Tribunal. Nesse sentido, verifica-se que a irregularidade não foi de natureza
procedimental ou documental, mas meramente de preço dos produtos adquiridos. Então, trata-se de
analisar se o recorrente poderia ter ciência da variabilidade dos preços dos produtos adquiridos.
5.11. Nesse ponto, deve-se registrar que, segundo os elementos dos autos, houve no caso vertente
competitividade nos certames, conforme ressaltado pelo MPTCU (peça 40, p. 3):
11. Quanto à competividade dos pregões que precederam à aprovação das Atas de Registro
de Preços 28/2013 e 32/2014, o Parquet de Contas ressaltou que teria havido a participação,
nas licitações, de, pelo menos, oito diferentes empresas fornecedoras de medicamentos (peça
29, p. 3-5 do TC 005.283/2015-9-), o que sugeria a existência de certa competitividade no
setor. Apontou, ainda, que não restou configurado nos autos qualquer indício de cerceamento
25. Veja-se que a discrepância de valores, ante o conjunto do objeto licitado, não era
tão expressiva a ponto de chamar a atenção da autoridade homologadora e exigir uma
reavaliação da estimativa de preços.
26. Ademais, previamente à licitação, foi efetuada pesquisa de preços junto a três
fornecedores (peça 85, p. 24-53, do TC 016.723/2015-5), o que vai ao encontro de
entendimentos jurisprudenciais proferidos à época da contratação (v.g. 2.380/2013-
Plenário).
(...)
28. Feitas essas considerações, não vislumbro na conduta do gestor reprovabilidade
suficiente para que responda solidariamente pelo débito. Raciocínio análogo aplica-se
em relação ao sr. [omissis], então secretário municipal de saúde, pois, a meu sentir,
não era exigível desse gestor que, quando da autorização dos pagamentos, suspeitasse
que as estimativas de preços efetuadas pelos técnicos da prefeitura merecessem
revisão. (grifos originais)
5.15. De fato, ‘não é cabível imputar débito ao gestor que homologou o processo de compra nos
casos em que o superfaturamento das aquisições não era perceptível ao homem médio’ (Acórdão
13435/2019-1ª Câmara, relator: Raimundo Carreiro). E no caso vertente, tinha-se competitividade
na licitação e manifestação da Secretaria Municipal de Controle Interno atestando a economicidade
do certame, de modo que não se vislumbra que elementos poderiam ter alertado o recorrente sobre
eventual antieconomicidade das aquisições e pudessem leva-lo a conduta diversa da de homologar
o certame.
5.16. Assim, ante as circunstâncias do caso concreto, deve-se dar provimento ao recurso de Edson
Mangefesti Franco, exonerando-o da responsabilidade pelo débito, suprimindo-se a multa a ele
imposta e julgando-se suas contas regulares com ressalva.
5.17. Registre que a situação jurídica do secretário municipal de saúde que homologou o certame
de 2013, Armando Alberto Hermínio de Nijs, é essencialmente a mesma do ora recorrente, de
modo que se deve estender a ele o entendimento acima, em observância do disposto no artigo 161
do Regimento Interno/TCU.
6. Ausência de débito
6.1. A recorrente Telemedic Ltda. alega que seguiu os termos do edital e por isso não poderia ser
responsabilizada pelo débito apurado. Nesse sentido, aduz que:
a) a empresa recorrente em nenhum momento agiu de má-fé, tendo ofertado seu preço dentro
dos limites estabelecidos pela Administração Pública no edital e de acordo com as tabelas de
estimativa de preço previstas nos editais de licitação; (peça 57, p. 3-5)
b) o edital atrela tanto a Administração quanto os concorrentes, de modo que, depois de
publicado o edital, não deve mais a Administração promover-lhe alterações até findar-se o certame;
a Administração e as licitantes ficam restritas ao que lhes é solicitado ou permitido no edital e
todos os atos decorrentes do procedimento licitatório vincular-se-ão ao contrato; (peça 57, p. 5)
c) no caso vertente, eventualmente considerado o superfaturamento, a imputação do débito
deveria recair sobre aqueles gestores públicos que elaboraram as planilhas de cálculo dos editais,
bem como daquele que assinou o instrumento convocatório, uma vez que possuía o dever de
fiscalizar o trabalho elaborado por sua equipe técnica; (peça 57, p. 5)
d) mesmo que se entenda por uma possível responsabilização solidária da empresa
contratada, para que haja tal responsabilização, é essencial que seja caracterizado o elemento
subjetivo: dolo ou culpa; (peça 57, p. 6)
e) no caso vertente, considerou-se suficiente o recebimento de valor superior ao de mercado
para caracterizar a responsabilidade solidária da empresa contratada; mas não houve nenhum tipo
de superfaturamento por parte da empresa, uma vez que foram respeitados os termos do edital, as
do dano ao erário, devendo ser verificada a ocorrência de sobrepreço global, sem o qual o
contrato, como um todo, poderia ser considerado vantajoso para a Administração Pública
(precedente mencionado quanto a esse entendimento: Acórdão 1.302/2015-TCU-Plenário –
relator: Ministro-Substituto Marcos Bemquerer Costa).
(...)
12. Como encaminhamento de sua primeira manifestação nos autos, o Ministério Público
sugeriu ao relator da TCE que, preliminarmente, restituísse o processo à Secex/RJ, para que
esta recalculasse o débito, levando em consideração os medicamentos fornecidos pela
empresa Telemedic com valores abaixo da referência da Cmed. Alternativamente, caso não
viesse a ser acolhida a preliminar indicada pelo Ministro Benjamin Zymler, foi proposto o
arquivamento do presente processo, sem julgamento do mérito, com fulcro no inciso I do art.
1º da Lei 8.443/1992 c/c o inciso VI do art. 169 e o art. 212 do Regimento Interno/TCU.
(g.n.)
6.6. A constatação de que as compras registraram tanto preços a maior quanto preços a menor aos
valores de referência levou o MPTCU a propor débito na seguinte configuração (peça 43, p. 15):
Data da ocorrência Crédito (R$) Débito (R$)
18/12/2013 - 6.000,00
30/12/2013 144.910,40 365.980,00
29/4/2014 87.572,00 29.753,50
13/6/2014 38.026,14 11.728,30
13/6/2014 40.999,86 26.288,49
16/6/2014 17.799,00 1.392,00
16/6/2014 36.564,00 29.324,00
19/12/2014 21.604,00 33.873,00
6.7. Entretanto, no voto condutor da decisão, aduziu-se que ‘o Ministério Público junto ao TCU
entendeu que seria aplicável o seguinte enunciado [do Acórdão 1302/2015-Plenário], ou seja, para
o cálculo do débito, os valores dos medicamentos com sobrepreço deveriam sofrer o abatimento
correspondente aos medicamentos com preços abaixo dos de referência’. Entretanto, ‘essa
metodologia é aplicável para a contratação de obras públicas, quando se visa a execução de um
objeto como um todo’ e quando ‘se trata de aquisições públicas a jurisprudência desta Corte é no
sentido de que cada aquisição deve ter seu valor compatível com o de mercado, não havendo
compensação entre valores pagos a maior ou a menor em relação àquele de referência’. Isso porque
‘a aquisição de cada bem constitui um objeto próprio e deve o fornecedor obedecer para cada qual
o disposto no art. 43, IV da Lei 8.666/1993, que dispõe sobre a necessidade de serem observados os
preços de mercado’ (peça 42, p. 2-3, itens 11-14 e 16). Nesse sentido, desconsiderou-se a coluna do
meio da tabela acima e imputou-se débito pelos valores registrados na terceira coluna.
6.8. Ocorre que não se trata de preços estimativos, em que a variação de preços abaixo e acima dos
preços de referência poderia eventualmente caracterizar jogo de planilha, ao se adquirir mais os
medicamentos com preços superior e menos os inferiores. No caso vertente, trata-se da efetiva
aquisição de medicamentos tanto com valores abaixo quanto acima dos valores de referência, de
modo que desprezar os primeiros e levar em conta para apuração do débito apenas os últimos cria
um viés desfavorável ao gestor público e à empresa distribuidora, num contexto em que a aquisição
de medicamentos abaixo dos valores de referência milita em favor da boa-fé do gestor e da lisura
do certame. Se há necessidade de observância de preços de mercado, tal circunstância não poderia
ser invocada apenas quando os preços ficam acima dos de referência, desconsiderando-se aqueles
que ficam abaixo.
10
6.9. O fato de o MPTCU ter sustentado seu entendimento em julgado relativo a obras não implica
que as compensações entre preços acima e abaixo dos valores de referência não devam ser
aplicadas a compras. A prescrição da Lei 8.666/1993 (de aplicação subsidiária ao pregão: artigo 9º
da Lei 10.520/2002) de que o objeto da licitação deva ser dividido em tantas parcelas quantas
necessárias tendo em vista a economicidade se aplica tanto às compras (artigo 15, inciso IV, da Lei
8.666/1993) quanto a obras e serviços (artigo 23, § 1º, Lei 8.666/1993). Assim, se no caso vertente
considerou-se vantajosa a aquisição dos medicamentos mediante um único pregão (um em cada
exercício), não se afigura razoável que posteriormente se considere que ‘a aquisição de cada bem
constitui um objeto próprio’, tratando a aquisição de cada medicamento como se fosse objeto
próprio de várias e virtuais licitações distintas e incomunicáveis entre si, para efeito de
desconsiderar os preços adquiridos abaixo dos valores de referência e imputar-se débito pelos
valores adquiridos acima dos preços de referência, em detrimento da boa-fé e da situação jurídica
da recorrente.
6.10. Ante o exposto, deve-se dar provimento parcial ao recurso, de modo a que prevaleça a
configuração de débito proposta pelo MPTCU, compensando-se dos preços praticados acima dos
valores de referência aqueles praticados abaixo desses valores.
CONCLUSÃO
7. Da análise, conclui-se que:
a) em vista da manifestação do MPTCU, e considerando ainda a competitividade do certame
e a manifestação da Secretaria Municipal de Controle Interno atestando a economicidade do
certame, não se vislumbram elementos que pudessem alertar o então secretário municipal de saúde,
ora recorrente, sobre eventual antieconomicidade e pudessem leva-lo a conduta diversa da de
homologar o certame; tal entendimento é extensível ao secretário municipal que homologou o
certame de 2013, nos termos do artigo 161 do Regimento Interno/TCU; (item 5)
b) a mera observância dos termos do edital não exonera a empresa recorrente da
responsabilidade pelo superfaturamento identificado, na condição de beneficiária dos valores pagos
a maior; por outro lado, tal como aduzido pelo MPTCU, não cabe desconsiderar os valores pagos
abaixo dos valores de referência, que devem ser compensadas com aqueles pagos acima de tais
valores (item 6).
7.1. Ante essas conclusões, deve-se dar provimento ao recurso interposto por Edson Mangefesti
Franco e provimento parcial ao recurso interposto por Telemedic Distribuidora de Medicamentos
Ltda. – EPP.
PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
8. Ante o exposto, submete-se o assunto à consideração superior, propondo-se, com fundamento
nos artigos 32, inciso I, e 33 da Lei 8.443/1992:
a) conhecer do recurso interposto por Edson Mangefesti Franco e, no mérito, dar-lhe
provimento, exonerando-o da responsabilidade pelo débito, suprimindo-se a multa a ele imposta e
julgando-se suas contas regulares com ressalva;
b) estender os efeitos do provimento acima a Armando Alberto Hermínio de Nijs, de modo a
também o exonerar da responsabilidade pelo débito, suprimindo-se a multa a ele imposta e
julgando-se suas contas regulares com ressalva;
c) conhecer do recurso interposto por Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda. – EPP
e, no mérito, dar-lhe provimento parcial, de modo que o débito passe a ter a configuração abaixo,
com redução proporcional da multa imposta:
Data da ocorrência Crédito (R$) Débito (R$)
18/12/2013 - 6.000,00
30/12/2013 144.910,40 365.980,00
11
12
lei permite a um fabricante de medicamento vender o seu produto, o que não se confunde
com os preços praticados no mercado.’
5. Por sua vez, na mesma linha, o ilustre relator a quo mencionou o Acórdão 2.901/2016-TCU-
Plenário (redator min. Benjamin Zymler) para sustentar a inaplicabilidade da tabela da
CMED/Anvisa.
6. Como se vê, tais precedentes são posteriores aos fatos desta tomada de contas especial. Ainda
que à época ou antes desses eventos o Tribunal possa ter adotado como referencial de preços em
aquisições de medicamentos o BPS em detrimento da CMED/Anvisa, não me parece razoável, na
situação em apreço, exigir dos gestores conhecimento amplo da jurisprudência do TCU, mormente
diante do entendimento perfilhado no aludido Acórdão 1.561/2013-Plenário, contemporâneo aos
fatos e aplicável também ao Município de Casimiro de Abreu/RJ.
7. Por esses fundamentos, anuo aos exames precedentes que concluíram por: i. dar provimento do
recurso manejado por Edson Mangefesti Franco, de modo a isentá-lo de responsabilidade pelo
ressarcimento do prejuízo ao erário em face do superfaturamento apurado nos autos e julgar as suas
contas regulares com ressalva – proposição extensível a Armando Alberto Hermínio de Nijs, ante o
disposto no art. 161 do Regimento Interno do TCU; e ii. dar provimento parcial do recurso
interposto por Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda., para reduzir o débito que lhe fora
imputado, segundo a posição defendida pelo Ministério Público junto ao TCU (peça 40).
*
8. De forma complementar, passo a abordar a prejudicial de prescrição ante o recente
julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do RE 636.886, relativamente ao Tema 899
em repercussão geral.
9. Dada a relevância da matéria e a necessidade de uniformizar os entendimentos no âmbito
interno, esta unidade técnica tem adotado os entendimentos detalhados na peça 91, que
contém estudo e pronunciamentos da secretaria. Nessas manifestações estão desenvolvidas as
seguintes premissas, que serão utilizadas no presente exame:
a) ao julgar o RE 636.886, o STF conferiu nova interpretação ao art. 37, § 5º, da Constituição
Federal, fixando a tese de que ‘é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em
decisão de Tribunal de Contas’;
b) as pretensões punitiva e de ressarcimento devem observar o mesmo regime na atividade
de controle externo, dado o objetivo comum da prescrição, de fixar prazo para o Tribunal de Contas
agir, para caracterizar o ilícito, identificar seu autor, dimensionar as consequências da conduta e
impor as consequências legais, independentemente de tais consequências terem natureza punitiva
ou ressarcitória;
c) até que sobrevenha norma específica, entende-se que a prescrição das pretensões punitiva
e de ressarcimento, no processo de controle externo, deve observar o regime Lei 9.873/1999, na
linha dos recentes pronunciamentos do STF a respeito. Assim, sem prejuízo de se realizar o exame
da prescrição também segundo o prazo decenal previsto no Código Civil, o critério adotado, na
formulação da proposta de encaminhamento, será o da Lei 9.873/1999.
10. Com essas explicações adicionais, passa-se à análise da prescrição no caso em exame,
considerando-se as premissas indicadas anteriormente.
11. No que concerne aos critérios do Acórdão 1.441/2016-TCU-Plenário, a prescrição da pretensão
punitiva e do débito subordina-se ao prazo geral de dez anos (art. 205 do Código Civil), contado a
partir da data da ocorrência do fato e interrompido pelo ato que ordenar a citação, a audiência ou a
oitiva da parte.
12. Sob a ótica da Lei 9.873/1999, aplica-se o prazo geral de cinco anos contado da data da prática
do ato ou do dia em que tiver cessado infração de caráter permanente ou continuado. Ainda, a
referida norma prevê como causas interruptivas: I – notificação ou citação do indiciado ou acusado,
inclusive por meio de edital; II - qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III -
13
É o Relatório.
14
VOTO
RI/TCU), o recolhimento da referida quantia aos cofres do Tesouro Nacional, atualizadas, quando
pagas após seu vencimento, monetariamente, desde a data de prolação deste acórdão até a do
efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor;
9.6. autorizar a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações, nos termos do art.
28, inciso II, da Lei 8.443/1992;
9.7. autorizar, desde já, caso requerido, o parcelamento das dívidas em até 36 (trinta e seis) parcelas
mensais e consecutivas, alertando os responsáveis de que a falta de pagamento de qualquer parcela
importará no vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do art. 26 da Lei 8.443/1992 c/c
o art. 217 do Regimento Interno/TCU;
9.8. dar ciência deste acórdão à Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, nos termos
do art. 16, § 3º, da Lei 8.443/1992.”
3. Esse desfecho processual teve como motivação a ocorrência de dano ao Erário inicialmente
suscitado em processo de Denúncia (TC 005.283/2015-9, apensado a este TC 011.749/2016-4) e
relacionado a superfaturamento na aquisição de medicamentos pelo Fundo Municipal de Saúde (FMS)
do Município de Casimiro de Abreu/RJ, com emprego de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS), a
partir de preços registrados nas Atas de Registro de Preços 28/2013, de 17/7/2013 (peça 10, p. 126-138
e 140, do TC 005.283/2015-9) e 32/2014, de 17/9/2014 (peça 16, p. 15-28, do TC 005.283/2015-9).
4. Em relação à admissibilidade dos dois recursos ora em apreço, na linha do que já restou
decidido por este Plenário ao ser proferido, também sob minha relatoria, o Acórdão 1.141/2020 deste
mesmo colegiado (peça 77), ambos já foram conhecidos, eis que devidamente preenchidos os
requisitos processuais aplicáveis à espécie.
5. No que tange ao mérito, acolho a proposta de encaminhamento formulada pela Unidade de
Auditoria Especializada em Recursos (AudRecursos) e pelo Ministério Público junto a este Tribunal
de Contas da União (MPTCU) em relação ao Sr. Edson Mangefesti Franco, pois compartilho da tese
de que não se mostra razoável imputar débito a gestor que tenha homologado processo de compra em
que o superfaturamento das aquisições era de difícil percepção ao homem médio.
6. Em respaldo a esse entendimento, a unidade instrutiva ressaltou à peça 92 que, no caso
vertente, tinha-se competitividade na licitação e manifestação da Secretaria Municipal de Controle
Interno atestando a economicidade do certame, de modo que não se vislumbra quais elementos
poderiam ter alertado o recorrente sobre eventual antieconomicidade das aquisições, induzindo-o a
adotar comportamento diverso do de homologar o certame.
7. Milita, ainda, em favor do Sr. Edson Franco, a meu ver, argumentação desenvolvida pelo
próprio relator a quo ao analisar a responsabilidade da pregoeira dos Pregões Presenciais 28/2013 e
32/2014, Sra. Neiva Maura Gomes Guarabu.
8. Refiro-me à conclusão consignada por Sua Excelência na segunda parte do item 38 do
Voto condutor do Acórdão 1.372/2019-TCU-Plenário (peça 42, p. 5, in fine), segundo a qual, “por não
ser questão simples para o condutor da licitação verificar o preço de mercado para centenas de
medicamentos, [seria] desarrazoado exigir que o pregoeiro refaça ou reavalie as pesquisas de preços
efetivadas pelos setores competentes para isso.”
9. Por corroborar essa linha de pensamento, cito os Acórdãos do TCU nº 771/2006 e
310/2002 de Plenário, 10.413/2011 e 4.848/2010 de 1ª Câmara e 6.452/2014 e 384/2014 de 2ª Câmara,
esse último de minha relatoria e os demais relatados pelos eminentes Ministros Valmir Campelo,
Guilherme Palmeira, Weder de Oliveira, Augusto Nardes e José Jorge.
10. Ademais, por se aplicar perfeitamente ao caso em estudo neste TC 011.749/2016-4, lanço
mão do seguinte trecho do voto que proferi quando do julgamento do TC 011.822/2012-0, ocasião em
que foi proferido o Acórdão 384/2014-TCU-2ª Câmara acima mencionado:
“21. Registro que, ainda que o débito estivesse configurado, não subsistiria a responsabilização
da pregoeira que atuou nos certames que deram origem às contratações, conforme proposto
pela unidade técnica. Em suas alegações de defesa, a pregoeira alegou, fundamentalmente, que as
pesquisas de preços foram realizadas pelo setor de compras, a quem competia a realização desse
tipo de atividade. Como as propostas vencedoras nos certames continham preços inferiores aos
constantes das planilhas elaboradas pelo setor de compras, ela deu continuidade normalmente às
licitações.
22. Esse argumento foi rejeitado pela unidade técnica, que entendeu que o pregoeiro “tem a
obrigação de conhecer, neste caso, quando da aquisição dos medicamentos, os preços de fabricação
a serem adquiridos, os preços máximos de venda ao consumidor divulgados pelos órgãos
governamentais... Afinal quem dá a decisão se os preços estão de acordo com a legislação é o
Pregoeiro”. Sustentou, ainda, que “a suposta divisão de atribuições entre pregoeiro e setor de
compras não existe, de forma a isentar a responsável, pois o setor de compras apenas presta
apoio...”.
22. Mais uma vez, concordo com o MP/TCU e entendo que a argumentação da Secex/RN não é
pertinente.
24. Se um determinado setor foi o responsável pela elaboração das pesquisas de preço, em
princípio, não há porque responsabilizar o pregoeiro por eventuais problemas nessas
pesquisas, a menos que haja algum elemento presente no processo que indique que o pregoeiro
tinha condições de questionar a pesquisa realizada. Neste caso, não há qualquer evidência nesse
sentido.
25. Conforme mencionado nos itens iniciais deste voto, não é questão simples o estabelecimento
de preços referenciais para aquisição de medicamentos. Até mesmo por isso, é natural que esse
procedimento seja executado por setores técnicos específicos, não sendo razoável exigir que o
pregoeiro refaça ou reavalie as pesquisas de preços efetivadas pelos setores competentes para isso.”
(negritos e sublinhados constam no voto original)
11. Nessas circunstâncias, deve-se dar provimento ao recurso do secretário municipal de saúde
Edson Mangefesti Franco, responsável pela homologação do Pregão Presencial 32/2014, exonerando-o
da responsabilidade pelo débito, suprimindo-se a multa a ele imposta e julgando-se suas contas
regulares com ressalva.
12. Faço, contudo, uma ressalva ao entendimento de que a situação jurídica do secretário
municipal de saúde que homologou o Pregão Presencial 28/2013, Sr. Armando Alberto Hermínio de
Nijs, seria essencialmente a mesma do ex-gestor ora recorrente, de modo que se deveria estender
àquele responsável os efeitos do provimento do recurso interposto por este, em observância ao
disposto no art. 281 do Regimento Interno do TCU, in verbis:
“Art. 281. Havendo mais de um responsável pelo mesmo fato, o recurso apresentado por um deles
aproveitará a todos, mesmo àquele que houver sido julgado à revelia, no que concerne às
circunstâncias objetivas, não aproveitando no tocante aos fundamentos de natureza exclusivamente
pessoal.”
13. Com as devidas vênias por dissentir dos pareceres precedentes acerca desse ponto, destaco
a existência de diferenças entre as circunstâncias fáticas relacionadas a cada um desses dois
responsáveis. É o que se depreende do parecer elaborado pelo Parquet especializado e acostado à peça
40 dos presentes autos, do qual me permito transcrever, com os destaques em negrito que julgo
pertinentes, o seguinte trecho:
“22. A cronologia dos fatos e atos administrativos praticados por servidores de setores diversos da
prefeitura municipal de Casimiro de Abreu, que culminaram na edição das duas atas de registro de
preços nas quais foi verificada a aquisição de medicamentos superfaturados, mostra que os
processos de compra realizados em 2013 e 2014 seguiram, em suma, os seguintes passos (as
referências processuais aduzidas nos itens ‘a’ a ‘l’ infra remetem ao TC 005.283/2015-9):
Interno do TCU, do provimento que ora se propõe dar ao Recurso de Reconsideração interposto pelo
Sr. Edson Mangefesti Franco.
16. No que diz respeito ao Recurso de Reconsideração interposto pela empresa Telemedic
Distribuidora de Medicamentos Ltda. – EPP, novamente peço escusas por dissentir dos pareceres
precedentes, pois não compartilho da linha de raciocínio segundo a qual, para o cálculo do débito
apurado nesta TCE, os valores dos medicamentos com sobrepreço deveriam sofrer o abatimento
correspondente aos medicamentos com preços abaixo dos de referência, conforme já havia sugerido o
Ministério Público de Contas, às peças 32 e 40, previamente à prolação do Acórdão ora recorrido.
17. Sobre esse ponto, compartilho na íntegra o entendimento do relator a quo, nobre Ministro
Benjamin Zymler, acolhido em uníssono por este Plenário ao ser proferido o Acórdão 1.372/2019-
Plenário, entendimento este sintetizado no excerto do voto abaixo colacionado ipsis litteris, proferido
por Sua Excelência naquela assentada:
“11. O Ministério Público junto ao TCU entendeu que seria aplicável o seguinte enunciado extraído
de jurisprudência selecionada deste Tribunal (peça 32):
‘Os sobrepreços unitários de serviços, quando não avaliados em conjunto com outros itens
da planilha orçamentária, não são suficientes para caracterizar, por si só, eventual
sobrepreço ou superfaturamento do empreendimento. Quando não houver sobrepreço
global, mas apenas unitário, o contrato é vantajoso para a Administração se as alterações
contratuais posteriores não reduzirem o desconto global obtido originalmente, configurando
o jogo de planilha’ (Acórdão 1302/2015-Plenário).
12. Ou seja, para o cálculo do débito, os valores dos medicamentos com sobrepreço deveriam
sofrer o abatimento correspondente aos medicamentos com preços abaixo dos de referência.
13. Acontece que essa metodologia é aplicável para a contratação de obras públicas, quando se visa
a execução de um objeto como um todo. Nesse caso, a subdivisão do objeto em subitens ocorre
meramente por questões técnicas e orçamentárias, interessando o valor global do empreendimento
de forma que, afora questões inerentes aos jogos de cronograma ou de planilha, não é relevante a
distribuição desse valor global entre os subitens do empreendimento.
14. Quando se trata de aquisições públicas a jurisprudência desta Corte é no sentido de que cada
aquisição deve ter seu valor compatível com o de mercado, não havendo compensação entre
valores pagos a maior ou a menor em relação àquele de referência (v.g. Acórdãos 2.901/2016-
Plenário, 10.531/2018 e 5.708/2017, ambos da Primeira Câmara).
15. Em data recente, especificamente em relação à aquisição de medicamentos, essa matéria foi
assim enfrentada por este Tribunal:
‘Quanto à hipótese de compensação de preços pagos a maior com outros inferiores aos de
referência, registro que a jurisprudência desta Corte nesse sentido refere-se a obras e
serviços, em que se desmembra o objeto para fins de orçamentação, e não para a aquisição
de bens como aqui se trata.’
16. A razão para tanto é que a aquisição de cada bem constitui um objeto próprio e deve o
fornecedor obedecer para cada qual o disposto no art. 43, IV da Lei 8.666/1993, que dispõe sobre a
necessidade de serem observados os preços de mercado.
17. Não fosse assim, poder-se-ia cogitar da indesejável situação em que cada fornecedor teria uma
conta corrente com a administração pública. Assim para cada contratação com preços inferiores aos
de mercado o fornecedor teria um saldo a ser abatido em ulteriores contratações com sobrepreço.
18. Por certo, não é esse o espírito da Lei 8.666/1993 e tampouco do art. 70 da Constituição
Federal, quando diz respeito ao princípio da economicidade. A presunção é que para cada bem
fornecido o contratado já auferiu o lucro devido, não havendo que se falar em posterior
compensação com lucros excessivos obtidos da prática de sobrepreço.
19. Ante o exposto, entendo que o prejuízo ao Erário apurado nestes autos é aquele objeto da
citação, de acordo com a jurisprudência desta Corte.”
18. Ainda em respaldo à adequabilidade da imputação de débito à empresa Telemedic, valho-
me de outro excerto do Voto condutor do Acórdão 1.372/2019-TCU-Plenário, excerto esse que
evidencia a prática de ato lesivo ao erário por parte da empresa Telemedic Distribuidora de
Medicamentos Ltda. – EPP:
“31. Chama atenção, ainda, em relação a alguns itens, as discrepâncias entre os preços
praticados e aqueles de mercado, consoante exposto na tabela a seguir:
Medicamento Preço Preço de Diferença Quantidade Sobrepreço
praticado mercado (%) apurado
(R$)
Alendronato de Sódio 70 mg 22,68 0,30 7460 1.300 29.094,00
Carbamazepina 200 mg 0,46 0,08 473 20.000 7.600,00
Clonazepan 2 mg 0,47 0,10 386 70.000 25.900,00
Finasterida 5mg 3,00 0,31 880 13.000 34.970,00
Levotiroxina sódica 25mcg 0,75 0,09 733 1.500 990,00
Levotiroxina sódica 100mcg 0,99 0,13 661 4.200 3.612,00
Amoxicilina 500mg + 4,19 0,70 499 20.000 69.800,00
clavulanato de potássio 125mg
-Cápsula
Ante o exposto, VOTO por que este Tribunal adote a deliberação que ora submeto à
consideração deste Colegiado.
AROLDO CEDRAZ
Relator
1. Processo TC 011.749/2016-4
1.1. Apenso: TC 005.283/2015-9
2. Grupo II – Classe de Assunto I – Recurso de Reconsideração (em Tomada de Contas Especial).
3. Interessados/Responsáveis/Recorrentes:
3.1. Interessados: Fundo Nacional de Saúde (FNS).
3.2. Responsáveis: Armando Alberto Hermínio de Nijs (CPF 487.083.057-49), Edson Mangefesti
Franco (CPF 962.993.127-34), Neiva Maura Gomes Guarabu (CPF 016.512.227-70) e Telemedic
Distribuidora de Medicamentos Ltda. – EPP (CNPJ 01.686.431/0001-16).
3.3. Recorrentes: Edson Mangefesti Franco (CPF 962.993.127-34) e Telemedic Distribuidora de
Medicamentos Ltda. – EPP (CNPJ 01.686.431/0001-16).
4. Unidade jurisdicionada: Município de Casimiro de Abreu/RJ.
5. Relator: Ministro Aroldo Cedraz.
5.1. Relator da deliberação recorrida: Ministro Benjamin Zymler.
6. Representante do Ministério Público: Procurador Rodrigo Medeiros de Lima.
7. Unidade Técnica: Unidade de Auditoria Especializada em Recursos (AudRecursos).
8. Representação legal:
8.1. Ana Carolina Pinto de Nigris (OAB/RJ 172.138), Kamila de Castro Furtado (OAB/RJ 171.867) e
outros, representando Telemedic Distribuidora de Medicamentos Ltda. – EPP (procurações às peças
12, 36 e 55 e substabelecimento à peça 35);
8.2. Katherine Lasheras de Nus Macabu (OAB/RJ 157.068), Ricardo Gonçalves Magalhães (OAB/RJ
122.207) e outros, representando Armando Alberto Hermino de Nijs (procurações às peças 14 e 66); e
8.3. Lívia Oliveira de Assis (OAB/RJ 144.679) e Marcelo de Barros Manhães (OAB/RJ 140.098),
representando Edson Mangefesti Franco (procuração à peça 63).
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de Tomada de Contas Especial, ora em
fase de exame dos Recursos de Reconsideração interpostos pela empresa Telemedic Distribuidora de
Medicamentos Ltda. – EPP e pelo Sr. Edson Mangefesti Franco contra o Acórdão 1.372/2019-TCU-
Plenário;
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão de
Plenário, diante das razões expostas pelo relator e com fulcro nos arts. 32, inciso I, e 33 da Lei 8.443,
de 16/7/1992, em:
9.1. conhecer dos dois Recursos de Reconsideração apreciados nesta assentada e, no
mérito:
9.1.1. dar provimento àquele interposto pelo Sr. Edson Mangefesti Franco, de modo a
exonerar esse recorrente da responsabilidade pelo débito que lhe foi imputado nesta Tomada de Contas
Especial, suprimir a multa a ele imposta e, com fundamento nos arts. 1º, inciso I, e 16, inciso II, da Lei
8.443, de 16/7/1992, combinados com o art. 18 desse mesmo diploma legal, e com os arts. 1º, inciso I,
208 e 214, inciso II, do Regimento Interno do TCU, julgar suas contas regulares com ressalva, dando-
lhe quitação;
9.1.2. negar provimento ao recurso interposto pela empresa Telemedic Distribuidora de
Medicamentos Ltda. – EPP, mantendo em seus exatos termos o Acórdão 1.372/2019-TCU-Plenário em
relação a essa recorrente, assim como em relação ao Sr. Armando Alberto Hermínio de Nijs;
9.2. dar ciência desta decisão aos dois recorrentes em epígrafe e à Procuradoria da
República no Estado do Rio de Janeiro, fazendo remissão, no caso desse último destinatário, ao Ofício
3649/2019-TCU/Seproc, de 5/9/2019 (peça 44).
Fui presente:
(Assinado Eletronicamente)
CRISTINA MACHADO DA COSTA E SILVA
Procuradora-Geral