01598

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 37

Fundamentação histórica dos direitos

humanos
Você vai conhecer toda a fundamentação histórica dos direitos humanos e sua estruturação e efetivação
no cenário nacional e internacional.
Profa. Marina Contin Ramos
1. Itens iniciais

Propósito
Compreender o que são os direitos humanos e quais são seus objetivos para uma formação profissional plena
que respeita os indivíduos permitirá que sua atuação contribua para a manutenção do bem-estar social.

Objetivos
• Reconhecer as características e a evolução dos direitos humanos.

• Identificar os argumentos teóricos e as críticas aos direitos humanos.

• Contrastar a diversidade das culturas aos direitos humanos.

• Identificar a estruturação dos direitos humanos no Brasil.

Introdução
Os direitos humanos são um conjunto de direitos considerados essenciais para que qualquer ser humano,
independentemente de sua condição, origem, credo, raça ou orientação política, viva com dignidade. Embora
a existência desse conjunto seja de conhecimento geral e frequentemente referida em reportagens ou
conversas cotidianas. No entanto, ainda não são compreendidos pelas pessoas.

Diversas informações equivocadas sobre o assunto circulam e, muitas vezes, a mensagem sofre distorções
propositais, com o intuito de questionar a importância dos direitos humanos e negar esses direitos a
determinados grupos de pessoas. A ciência prega que um profissional entenda o assunto para além do senso
comum e possua conhecimento suficiente para utilizá-lo de forma correta.

Nosso objetivo é propor um debate sobre os direitos humanos, abordando a construção ética e histórica do
conceito, definindo quais são esses direitos e como eles foram moldados. Também discutiremos as críticas e
atualizações sobre seus preços básicos, seu caráter universal e a necessidade de atender a diferentes grupos.
Além disso, exploraremos sua formação jurídica e, finalmente, seu desenvolvimento no Brasil.

Através desse debate, poderemos compreender seus fundamentos, suas críticas e sua funcionalidade no
Brasil e no mundo.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.
1. A evolução dos direitos humanos

Construção ética e histórica dos direitos humanos


Neste vídeo, vamos falar sobre a história dos direitos humanos, explorando as primeiras declarações de
direitos, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão e a Declaração Universal de Direitos Humanos.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

Direitos humanos são direitos básicos que devem ser garantidos a todo ser humano independentemente de
sua condição. O significado parece simples, mas definir o que são condições mínimas para que qualquer ser
humano, em qualquer lugar do planeta, viva de forma digna é uma tarefa complexa, mais ainda se pensarmos
que essas condições se modificam ao longo do tempo.

Quando falamos de direitos humanos,


geralmente nos referimos à Declaração
Universal dos Direitos Humanos, adotada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em
1948, que é um marco importante na história
dos direitos humanos.

No entanto, é fundamental reconhecer que,


antes dessa declaração ser escrita, houve um
longo caminho na construção de direitos
básicos, com interesses que se modificam com
o passar do tempo.
Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.

Para compreendermos o que são os direitos


humanos no século XXI, precisamos observar o
desenvolvimento das necessidades dos seres humanos ao longo do tempo e as lutas travadas para
desenvolver esse conceito.

É certo que, se observarmos cada sociedade, desde os primeiros povos, veremos que cada uma teve suas
urgências e que, em alguns momentos, foi preciso estabelecer um conjunto de leis, regras ou ideias para
garantir o mínimo de dignidade e condições de sobrevivência para todos.

Ao longo do tempo, as guerras aconteceram e deixaram alguns grupos mais interessados em garantir sua
integridade do que outros. Tecnologias foram sendo criadas e vistas como fundamentais para uma condição
digna de vida.

Cada época tem suas necessidades básicas, que surgem em um determinado contexto.
Exemplo
Com o avanço da tecnologia e o crescente acesso à internet, o direito à conectividade digital tem sido
cada vez mais considerado essencial. Durante a pandemia da covid-19, a internet se tornou vital para a
educação, o trabalho e o acesso a serviços de saúde. Isso mostrou como a conectividade digital é
crucial para garantir oportunidades e uma vida digna no contexto atual.

À medida que o tempo passa e fatos acontecem, outras dificuldades aparecerão e nos farão repensar o que
consideramos essencial para viver.

Primeiras declarações de direitos


As primeiras referências ao termo direitos humanos datam dos séculos XVII e XVIII, na Europa Ocidental,
quando se vivia a chamada crise do absolutismo, ou seja, no momento em que a ideia de um governante
soberano com todos os direitos concentrados em suas mãos perdia força (Hunt, 2009).

Nos séculos XVII e XVIII, a expressão “direitos humanos” não tinha o mesmo conteúdo político e legal
que conhecemos atualmente. Era usada apenas como um contraponto aos direitos divinos.

As ideias dos filósofos do Iluminismo — movimento intelectual do século XVIII que questionou os princípios
políticos e religiosos da época — inspiraram os liberais a lutarem contra os absolutistas, criando um “Estado
de direito”, esse Estado tinha sua organização determinada pelo uso das leis. Esse período também é
conhecido como a “era dos direitos” (Bobbio, 1992).

Segundo a historiadora Lynn Hunt, foi o Iluminismo que materializou a noção de direitos básicos para todos,
principalmente por meio de dois documentos: a Declaração de Independência, dos Estados Unidos, e a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita durante a Revolução Francesa.

Declaração de independência dos Estados Unidos


Esse documento foi resultado da insatisfação dos estadunidenses, naquele momento conhecidos como as
Treze Colônias Inglesas da América, com a metrópole Inglaterra. Na época, os colonos viviam com uma
relativa independência política e econômica até que foram convocados pela Inglaterra a se envolver numa
guerra contra os franceses, a Guerra dos Sete Anos.

Mesmo indo à batalha e garantindo a vitória inglesa no conflito, os americanos se viram, ao final da Guerra dos
Sete Anos, obrigados a pagar dívidas inglesas e a obedecer a ordens autoritárias da metrópole.

Insatisfeitos, os colonos se reuniram e escreveram uma carta ao rei e ao parlamento inglês, na qual
declaravam sua fidelidade à Inglaterra, mas reclamavam das medidas adotadas. A carta não teve a resposta
esperada e, em 1776, os colonos americanos voltaram a se reunir no Segundo Congresso da Filadélfia, onde
redigiram a Declaração de Independência, na qual informavam à metrópole os motivos pelos quais estavam
rompendo com a Inglaterra e não fariam mais parte do reino inglês.
Declaração de Independência, John Trumbull, 1819.

Essa declaração americana anuncia que todos os homens são criados iguais por Deus e que recebem Dele
direitos que não lhes deveriam ser retirados: a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

Esses direitos são vistos pelos autores do documento como verdades 'autoevidentes', ou seja, direitos natos a
todos os seres humanos que, caso não sejam respeitados pelo governo, dão ao povo o direito e o dever de
substituir o governante ou mudar as regras da política até que possam ser desfrutados com segurança.

A finalidade da declaração de independência dos Estados Unidos não era estabelecer direitos
básicos, pois, segundo os redatores, esses direitos são autoevidentes e estariam naturalmente
disponíveis em uma nação justa. Em vez disso, o documento argumentava a necessidade de
rompimento com a metrópole devido à falta de respeito a esses direitos, criando as bases para a
nova nação que iria surgir.

A declaração de independência dos Estados Unidos demonstrou as intenções daquele momento, mas ainda
não tornava oficiais esses direitos, o que só aconteceu posteriormente, em 1787, quando foi assinada a
Constituição dos Estados Unidos. Neste novo documento, nota-se que alguns daqueles direitos autoevidentes
não foram respeitados.

As leis estadunidenses permitiam que a escravidão permanecesse legal nos Estados Unidos, recusando aos
trabalhadores escravizados ao menos dois dos três direitos básicos apresentados na declaração de
independência, como a liberdade e a busca pela felicidade.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


Foi resultado de um conflito que teve início com a insatisfação do povo com o seu governante. Dessa vez, o
descontentamento era dos franceses com o rei absolutista Luís XVI.

Após o envolvimento da França para apoiar os americanos na Guerra de Independência dos Estados Unidos, o
monarca francês tentou controlar a crise econômica aumentando os impostos cobrados da população, mas
manteve as classes privilegiadas isentas de contribuição.

Inspirados também pelos valores iluministas, o povo se rebelou e se proclamou, em Assembleia Nacional, para
subordinar o rei a uma constituição. Assistindo às movimentações nas ruas e sem conseguir controlar a
situação, o rei reconheceu a legitimidade da Assembleia e orientou que os grupos privilegiados também
fossem cobrados.

Em 1789, com todas as classes reunidas, a Assembleia francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão.
Assembleia Nacional que aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, 1789.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão defendeu que a ignorância, a negligência ou o menosprezo
aos direitos dos homens eram a razão da difícil situação em que o povo se encontrava e que, para mudar a
situação, era necessário defender de forma solene os direitos considerados naturais, inalienáveis e sagrados
do homem.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão também afirma a existência de direitos naturais
aos homens. Porém, diferentemente da ideia americana, esses direitos não são evidentes por si só e
precisam ser ditos e defendidos. Como podemos observar no primeiro direito da declaração
francesa, que afirma que os homens não só nascem, como devem permanecer livres e iguais, ou
seja, uma condição inerente ao ser humano e não provisória.

Se compararmos a Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, com a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, encontraremos diferenças importantes. Vamos conferi-las!

Declaração francesa
Declaração americana
Listou e defendeu os direitos
Apontou para a existência de alguns direitos
considerados essenciais. Documento
básicos para defender um outro propósito, a
legal escrito por uma Assembleia
independência. Documento no qual um
reconhecida pelo Estado e que se
comitê, representando as Treze Colônias,
tornou a base da Constituição aprovada
localizadas na América do Norte, foi nomeado
posteriormente, repercutindo em
pelo Congresso para redigir a declaração.
direitos legais que tiveram atuação real.

As duas declarações alimentaram o início do debate sobre os direitos humanos e serviram de exemplo durante
todo o século XIX para a criação de novos regimes políticos, incentivando os processos de independência das
colônias americanas, criando um novo mundo.

Declaração Universal de Direitos Humanos


No século XX, os valores do mundo se transformaram mais uma vez, não por meio de processos
revolucionários, mas por duas conhecidas guerras que se iniciaram na Europa, envolveram países de todos os
continentes e deixaram um rastro de barbárie e mortes.

Vamos acompanhar como as duas guerras mundiais influenciaram a criação dos direitos humanos como
existem atualmente e como isso culminou na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Primeira Guerra Mundial Segunda Guerra Mundial

Em janeiro de 1919, pouco depois de seu Apesar dos esforços da Liga das Nações,
término, as nações vitoriosas se reuniram na poucos anos depois, um novo conflito de
Conferência de Paz de Paris e assinaram o proporções ainda maiores viria acontecer, a
Tratado de Versalhes, que criou a Liga das Segunda Guerra Mundial. O mundo se chocou
Nações, uma organização internacional ao viver o horror do uso de novas tecnologias
destinada a promover a paz e prevenir futuros de guerra, de campos de concentração e de
conflitos, com foco na cooperação e na extermínio em massa, pelos dois lados do
resolução pacífica de disputas. conflito, que só terminou em setembro de 1945.

No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os países vitoriosos se reuniram e assinaram acordos para
restabelecer a paz mundial. Entre essas decisões, criou-se a Organização das Nações Unidas (ONU), uma
organização internacional neutra destinada a substituir a Liga das Nações.

Estados membros das Nações Unidas no final de 1945: em azul claro, os membros
fundadores; em azul escuro, os protetorados e territórios dos membros fundadores;
em cinza, estados não membros.

A Carta das Nações Unidas, produzida e assinada em São Francisco, nos Estados Unidos, no mesmo ano,
define os objetivos da ONU como um pacto entre as nações para mediar ações e decisões coletivas.

Seu propósito é "preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra" e reafirmar a "fé nos direitos
fundamentais do homem e no valor da pessoa humana; na igualdade de direitos dos homens e das mulheres,
assim como das nações, grandes e pequenas".

Além disso, o documento visa manter a justiça, promovendo:

• Respeito
• Liberdade

• Progresso social

• Melhores condições de vida

Para alcançar esses objetivos, três anos depois, em 1948, a ONU elaborou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

A Assembleia Geral da ONU desejava que essa declaração fosse um ideal comum a ser buscado por todos os
povos e nações, anunciando trinta artigos que compreendem direitos como a proteção e segurança pessoal, a
abominação à escravatura ou servidão, à tortura, ao reconhecimento de todos os indivíduos como seres
jurídicos, ao casamento e ao fim dele, ao trabalho e ao repouso, entre outros.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se extremamente importante na busca pelos
direitos básicos, pois não foi um documento regional, como as declarações americana e francesa,
mas um tratado internacional. Ela trabalhou e ainda atua para que esses direitos estejam mais
próximos de todos os seres humanos.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, são reconhecidos como direitos inalienáveis:

Liberdade Justiça

Paz

A Declaração Universal dos Direitos Humanos introduz um conceito importante que envolve todos os seres
humanos em um patamar de igualdade: a ideia de que fazemos parte de uma mesma família, a família humana.

Essa ideia afirma que não há diferença entre os seres humanos, pois todos os indivíduos são parentes e têm a
mesma origem. Isso traz um sentimento de afeto, reforçando que devemos respeitar o próximo e ter empatia
por ele.

A Declaração das Nações Unidas de 1948 é o maior documento legal de direitos humanos
produzido.

Para chegar a todos os seres humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos se tornou o texto mais
traduzido no mundo. Devido à sua ampla tradução para vários idiomas e ao grande esforço de circulação, a
declaração foi e continua sendo analisada e estudada intensivamente por juristas de todas as nacionalidades.

Principais características dos direitos humanos


Neste vídeo, falaremos sobre os aspectos essenciais dos direitos humanos, destacando a universalidade,
interdependência e indivisibilidade desses direitos fundamentais.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.
Universalidade
A primeira característica dos direitos humanos é que eles são universais. Isso significa que devem estar
disponíveis para todos os membros da família humana igualmente, sem restrições para ninguém.

Se alguém não puder gozar de algum desses direitos, todos os demais membros da família humana estão
ameaçados, pois esses direitos não estão em pleno funcionamento. Portanto, não é permitido que algum
direito seja aplicado apenas a uma pessoa ou grupo.

Exemplo
Vamos pensar no direito à liberdade: se em algum lugar do mundo for permitido que um ser humano seja
submetido a condições de trabalho escravo, isso significa que todos os outros seres humanos correm o
mesmo risco. Se vale para um, vale para todos.

Interdependência
Um direito complementa o outro, a existência de um direito está condicionada à existência de todos os
demais. Nenhum direito é mais importante do que os outros, pois eles se apoiam, como em um castelo de
cartas. Se um for ameaçado, todo o conjunto pode ruir.

Exemplo
Se alguém estiver passando fome, ou seja, se tiver seu direito à alimentação adequada ameaçado, essa
pessoa pode não conseguir exercer seu direito à liberdade. Nada mais lhe interessará, e todos os seus
esforços estarão focados em alimentar-se, levando-a a aceitar qualquer condição imposta. Sua liberdade
dependerá do acesso à alimentação. Assim, podemos dizer que um direito só funciona se todos os
outros também funcionarem.

Indivisibilidade
Não pode haver uma divisão dos direitos humanos em categorias. É preciso entendê-los e respeitá-los como
um todo, reconhecendo que os direitos individuais, políticos, sociais e econômicos interagem e não podem ser
separados.

Exemplo
Nos primeiros anos da República no Brasil, no final do século XIX e início do século XX, novos direitos
políticos foram criados, permitindo que alguns homens votassem e escolhessem seus governantes. No
entanto, não foram criadas condições para que o direito individual fosse respeitado, e esses eleitores
eram ameaçados pela prática de manipulação eleitoral, conhecida como voto de cabresto, para que o
voto fosse dado a um candidato específico. Isso demonstra que o direito político e o direito individual
não estão divididos e separados; um direito não existe sem o outro.
Não é possível que uma nação mova esforços para garantir alguns direitos humanos da sua população sem
garantir todos, pois esses direitos não estão separados.

Ao acompanhar a trajetória dos direitos humanos, entendemos que seus objetivos e suas características
foram construídas ao longo do tempo. Vamos conferi-la!

Primeira geração

Representada pelas declarações americana e francesa do século XVIII, o foco principal era a
conquista da liberdade individual. Essas declarações buscaram rejeitar o controle dos Estados
absolutistas e limitar os poderes autoritários que interferiam diretamente no livre arbítrio das decisões
individuais.

Segunda geração

No século XX, com as declarações e os tratados internacionais das Nações Unidas, reafirmou a
liberdade da primeira geração e buscou a igualdade, promovendo a ideia de uma família humana,
onde todos os seres humanos foram colocados no mesmo patamar de dignidade e direitos.

Terceira geração

A partir dos anos 1960, concentrou-se nos direitos coletivos e difusos. Estes são direitos que
beneficiam a todos e só podem ser efetivamente exigidos quando defendidos em conjunto. Enfatizou-
se a proteção do meio ambiente, o direito à paz e o compartilhamento equitativo de conhecimento,
tecnologia e cultura. Um exemplo claro é a preservação da Floresta Amazônica, que é uma
preocupação coletiva e só pode ser exigida em nome de todos.

A questão dos direitos demanda atualização constante e esforço contínuo por sua manutenção. Afinal, apesar
da intenção de estabelecer direitos básicos, nenhuma das três declarações mencionadas teve valor
constitucional, ou seja, nenhuma foi incorporada à legislação para garantir direitos universais ou prevenir
retrocessos.

Exemplo
Logo após a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a França retornou ao regime monárquico,
e após a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mundo continuou a testemunhar
conflitos armados, genocídios e regimes ditatoriais.

Entendemos que esses direitos não são garantias, e, sim, um trabalho em progresso. Por isso, precisamos
estar sempre vigilantes para não retrocedermos em nenhuma conquista.

Verificando o aprendizado

Questão 1

Ao acompanhar a história das declarações de direitos produzidas ao longo do tempo, compreendemos que:
A

A Declaração de Direitos Humanos da ONU superou todas as demais declarações, pois todos os direitos
defendidos eram inéditos na história.

O conjunto de direitos humanos que compreendemos atualmente é fruto de uma construção histórica que se
expandiu por vários países e está em constante evolução.

As declarações dos direitos humanos são documentos criados espontaneamente por cada sociedade quando
seus regimes estão estáveis e maduros.

As declarações de direitos ganharam visibilidade mundial, pois conseguiram transformar as necessidades do


povo em leis universais.

A Declaração de Independência foi uma vitória dos americanos, pois, a partir do seu processo de
independência, teve início o poder americano no mundo.

A alternativa B está correta.


A Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU reuniu alguns direitos que já haviam sido debatidos
em outras declarações com o objetivo de defender todos os integrantes da família humana.

Questão 2

Os direitos humanos possuem algumas características que os ajudam a se fortalecer e ser garantidos por um
todo. Sobre essas características, é correto afirmar que:

Todos os direitos são independentes, ou seja, cada um tem sua importância e são debatidos isolados.

Todos os direitos são indiscutíveis, ou seja, sua importância é tão grande que eles deveriam ser
compreendidos por si só.

Todos os direitos são capacitistas, ou seja, determinam que os seres humanos devem ser exaltados pelas
suas melhores habilidades.

Todos os direitos são indivisíveis, ou seja, precisam ser respeitados como um todo.
E

Todos os direitos são jurídicos, a serem discutidos em espaços das leis, sem foco social.

A alternativa D está correta.


Os direitos são indivisíveis, pois nenhum é mais importante que o outro ou pode ser interpretado sozinho.
2. Fundamentação e reconstrução de direitos humanos

Construção teórica dos direitos humanos


Ao acompanhar a trajetória dos direitos humanos, entendemos que eles são frutos de um processo histórico
que combinou ideias, pensamentos e necessidades de muitos momentos e grupos.

Atualmente, rejeitamos a ideia de um rei com todo o poder concentrado em suas mãos e de uma sociedade
que define nosso lugar social desde o nascimento, sem chances de definirmos nossas próprias vidas. No
entanto, nem sempre foi assim.

Para que direitos como a limitação de poder e o princípio de igualdade se efetivassem como
tratados ou leis, foi necessário construir uma grande argumentação teórica baseada em tradicionais
correntes jurídicas filosóficas.

Os direitos humanos podem ser justificados por, pelo menos, três correntes filosóficas: jusnaturalista,
positivista e moral. Vamos analisar essas correntes e compreender suas argumentações e críticas!

Jusnaturalismo
Para a corrente jusnaturalista, o direito é visto como algo intrínseco e natural ao ser humano, funcionando
antes mesmo de ser legalizado pelas constituições ou pelo Estado.

Na Antiguidade, os direitos jusnaturalistas foram interpretados como direitos de origem divina.


Posteriormente, na Modernidade, passaram a ser entendidos pelo uso da razão humana e vistos como direitos
naturais.

Segundo essa corrente, os direitos existem porque haveria uma demanda natural da sociedade por certos
princípios. Eles são uma consequência natural da organização dos homens e mulheres, existindo
independentemente de qualquer constituição ou diploma legal.

Exemplo
Os jusnaturalistas acreditavam que, se as pessoas têm naturalmente a ideia de que tirar a vida de outro
ser humano é um ato injusto, seria desnecessário uma lei para impedir que as pessoas se matem.

O uso do argumento jusnaturalista para defender os direitos humanos sofre uma crítica: acompanhando o
desenvolvimento histórico, entende-se que os direitos humanos não são pré-existentes ou uma necessidade
natural da vida em sociedade. Como nos mostra a história, os direitos humanos são fruto da evolução, da
necessidade e do entendimento de um grupo.

Na crítica ao fundamento jusnaturalista, podemos ressaltar o questionamento feito pela professora Lynn Hunt
sobre a natureza “autoevidente”, definida pela Declaração de Independência dos Estados Unidos: se esses
são direitos tão óbvios, por que precisam ser reafirmados de tempos em tempos?"

Positivismo
A corrente jurídica do positivismo entende que os direitos não são elementos naturais em uma sociedade. Eles
seriam o resultado de discussões e entendimentos do Estado, que decide pela oficialização e legalização de
certas normas.
Segundo essa corrente, o direito só existe por determinação legal. Ou seja, os direitos humanos só passam a
existir quando são institucionalizados e recebem reconhecimento em forma de lei, seja em constituições ou
em tratados internacionais.

Para os positivistas, não existem direitos como ideias abstratas. Os direitos humanos são apenas o
que a lei determina que são direitos humanos. Se estão representados apenas por declarações,
segundo a perspectiva positivista, eles não existem e ninguém tem a obrigação de segui-los. A
crítica a essa corrente jurídica aponta que essa interpretação literal do que é um direito enfraquece a
proteção dos direitos humanos.

A corrente positivista deixa de fora uma série de direitos importantes, que são reconhecidos pela comunidade
ou que ainda estão sendo discutidos, antes de serem inscritos em alguma legislação. Considerar apenas o que
está previsto em lei implica numa redução de direitos.

Moralismo
A corrente moralista, assim como a jusnaturalista, defende que os direitos são normas que não precisam ser
oficializadas em leis e constituições para terem validade. Sua importância está diretamente relacionada às
necessidades e valores da sociedade em que estão inseridos.

No entanto, diferentemente do jusnaturalismo, o direito moral não surge naturalmente na sociedade; ele se
baseia nos valores morais e éticos específicos de um determinado grupo.

Exemplo
Não há uma lei que obrigue as pessoas a respeitar uma fila que tenha se formado. Ninguém será preso
por furar uma fila. Em algumas culturas, essa regra é muito importante, e uma pessoa que se ausenta da
fila por algum motivo pode retornar e ter seu lugar garantido. Em outros grupos, passar à frente de uma
pessoa desatenta não é um grande problema e pode até ser considerado normal.

A crítica a essa corrente aponta para uma limitação que põe em risco os direitos, pois, se cada sociedade
possui seu próprio conjunto de valores e entendimento moral, vários direitos humanos diferentes seriam
reivindicados ao redor do mundo. Isso enfraqueceria o conjunto de direitos humanos como um direito
universal.

Neste vídeo, falaremos sobre as correntes jusnaturalista, positivista e moralista, que influenciaram
profundamente o desenvolvimento dos direitos humanos ao longo da história.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

Apesar das diferenças evidentes, as teorias jusnaturalista, positivista e moralista não se contradizem nem
disputam entre si; elas se complementam e colaboram para que os direitos humanos tenham uma sustentação
e atuação mais fortes na sociedade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e os demais tratados da ONU são declarações de
intenção, ou seja, não são leis válidas por si só. Eles estão baseados nas teorias moral e jusnatural e
precisam do esforço e das estruturas legais dos países inscritos nas Nações Unidas para que se
positivem, ou seja, que se tornem leis e, de fato, possam ser acessados com mais efetividade por
todos.
Sem o entendimento jusnatural, sem uma base moral e sem os esforços das Nações Unidas, os defensores
desses direitos não teriam argumentos no debate para conseguir valor legal em todos os lugares do mundo e,
assim, alcançar toda a família humana.

Reflexão
Se os direitos humanos fossem somente de natureza jusnatural, sem apoio moral, ou seja, se não
estivessem de acordo com os valores da sociedade, não haveria um entendimento da sua urgência e
eles não teriam aplicação prática. Da mesma forma, se os direitos humanos não tivessem uma
argumentação baseada nos valores morais da sociedade, dificilmente eles se transformariam em
discussões e, posteriormente, em leis, e não seriam positivados.

O direito defendido pelo artigo 5º da Declaração de 1945, que diz que “ninguém será submetido à tortura nem
a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Pela doutrina jusnatural, ninguém deveria ser
submetido à tortura, pois isso é um direito autoevidente; é um entendimento natural que isso não deve
acontecer.

No entanto, se o ato não for ilegal naquela nação, ou se aquele valor não estiver inscrito na moral daquela
sociedade, corre-se o risco de que se ignore o senso comum e a tortura, de fato, aconteça.

Para entender a complexidade dessas correntes, podemos pensar nas discussões do tribunal de Nuremberg,
uma corte internacional formada ao final da Segunda Guerra Mundial para julgar os oficiais de alta patente do
regime nazista alemão pela acusação de crimes contra a humanidade.

Prisioneiros em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra


Mundial.
Vista do banco dos réus no tribunal de Nuremberg, 1945.

Na ocasião, a defesa dos militares nazistas foi montada sob o argumento de que seus atos eram legais dentro
do sistema de leis alemãs vigente no momento das ações. Ou seja, quando os crimes foram cometidos, nos
locais em que foram cometidos, eles não infringiram nenhuma lei.

Nesta argumentação, pela teoria jusnaturalista, deve-se descartar o argumento da legalidade e condenar os
atos como crimes, por se tratar de atitudes que deveriam ser naturalmente rejeitadas por todos.

Por outro lado, a corrente positivista alega legitimidade dos atos dentro do sistema legal da nação onde
ocorreram. Essa ideologia ficou abalada e foi amplamente questionada por ter dado respaldo legal a ações
dessa natureza, legitimando atuações com indiferença aos valores éticos.

Ruptura e reconstrução dos direitos humanos


Neste vídeo, vamos falar sobre como os eventos da Segunda Guerra Mundial e o Pós-Guerra reformularam os
direitos humanos, destacando a perspectiva de Hannah Arendt.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

As políticas dos regimes fascistas, além do debate sobre a legalidade, foram um marco para as discussões
sobre violação de direitos e a sobre a responsabilidade da comunidade internacional diante dessas violações.

A filósofa alemã e judia Hannah Arendt produziu reflexões importantes sobre o tema, visto que, até a primeira
metade do século XX, apesar dos debates políticos e teóricos sobre direitos universais, parecia que todo o
esforço político e filosófico não havia produzido efeitos práticos na sociedade.

Analisando os acontecimentos da época, Arendt, cujos


estudos foram escritos na metade do século XX, propôs que
ocorreu uma ruptura nos direitos humanos não apenas
devido aos regimes totalitários de direita e esquerda,
incluindo o stalinista na União Soviética, mas também
devido às políticas imperialistas praticadas.

Naquele período, alguns países impuseram políticas racistas


de exploração e domínio sobre povos africanos e asiáticos.

Se, após anos de debate sobre o assunto, o mundo


Hannah Arendt. vivenciou tais políticas bárbaras de desrespeito à vida, era
necessário refletir e criar novas condições para uma reconstrução dos direitos universais.

Segundo a filósofa, reconstruir esses direitos envolve dar atenção aos homens e mulheres que perderam seu
lugar na sociedade e na política, seja por serem minorias ou por terem sido obrigados a deixar seu local de
origem, tornando-se apátridas ou refugiados.

Este foi o problema crucial que se intensificou no período entre guerras. Após a dissolução dos impérios ao
final da Primeira Guerra Mundial, grupos como armênios, húngaros e romenos perderam sua nacionalidade,
tornando-se apátridas.

Outros grupos foram forçados a fugir e buscar refúgio em países estrangeiros, como milhares de judeus
alemães que escaparam das políticas antissemitas do regime nazista – incluindo a própria Hannah Arendt e
seus familiares. Houve também aqueles perseguidos por suas escolhas religiosas, orientação afetiva ou
convicções políticas, como anarquistas e comunistas.

Uma menina judia refugiada em Xangai, com suas amigas chinesas, durante a
Segunda Guerra Mundial.

Durante a Segunda Guerra Mundial, ocorreu um significativo deslocamento geográfico pela Europa. Ao fugir
de seus lares, muitos tornaram-se imigrantes em outros países, perdendo a proteção legal de seus Estados.

Para Arendt, o grupo dos apátridas foi o que teve a situação mais angustiante e o que mais precisava de
atenção, pois, além de terem perdido seus direitos, eles não eram reconhecidos como iguais perante a lei, já
que a lei nem existia mais para eles.

O apátrida, ao ser expulso de sua comunidade, se vê isolado e privado de sua humanidade. Após a Segunda
Guerra Mundial, com tantas pessoas sem a proteção de um Estado, surge a necessidade de uma política
internacional que garanta o respeito aos direitos dessas pessoas, independentemente de sua situação.

A ideia central de Hannah Arendt para a reconstrução dos direitos humanos é que o primeiro direito
a ser defendido deve ser o direito a ter direitos. Em lugares do mundo onde indivíduos não têm
acesso a nenhum direito, ou onde até mesmo lhes é negado o direito de participar dos debates
políticos, eles estão excluídos desse sistema internacional.

Segundo Arendt, seria necessário garantir que todos os homens e mulheres, sem condições ou exceções,
obtenham proteção jurídica na mesma medida que todos os demais. O indivíduo deveria ser reconhecido
como cidadão do mundo ou, como foi dito na declaração da ONU, membro da família humana, sem distinção
entre nativo e estrangeiro.
Esta nova situação, na qual a humanidade assumiu antes um papel atribuído à natureza, ou à história,
significaria nesse contexto que o direito a ter direito, ou o direito de cada indivíduo a pertencer à
humanidade deveria ser garantido pela própria humanidade.

(Arendt, 2004, p. 332)

Se o indivíduo precisa ter direitos acima do Estado, ele também necessita de um Estado para transformar o
princípio dos direitos humanos em lei na sociedade em que vive.

Os direitos humanos são conquistas progressivas que devem ser continuamente defendidas, fundamentadas
em argumentos bem construídos, teoria sólida e ações positivas. Ao observarmos as rupturas sofridas,
entendemos que seu estabelecimento não é definitivo e precisa ser questionado e redefinido de tempos em
tempos.

Verificando o aprendizado

Questão 1

Segundo a filósofa Hannah Arendt, apesar dos esforços para a construção dos direitos humanos, alguns
acontecimentos do final do século XIX e do início do século XX causaram uma ruptura desses direitos e, por
conta disso, a autora defende uma reconstrução dos direitos humanos.

Sobre o assunto, assinale a alternativa correta:

O ponto-chave na teoria da autora é a luta pelo direito a se ter direitos, pois muitas pessoas se encontram
totalmente desprotegidas e sem possibilidade de recorrer a ajuda de nenhum Estado.

O período mais tenso que a humanidade já passou foi durante a Guerra Fria, quando a iminência de uma nova
guerra mundial fragilizou a constituição dos países e muitos indivíduos ficaram sem assistência jurídica.

A teoria da autora sofre diversas críticas internacionais, pois, ao apontar os problemas enfrentados pelos
direitos humanos sem indicar soluções, a filósofa estaria fragilizando a fundamentação dos direitos.

A teoria de Hannah Arendt encontra-se totalmente superada nas discussões jurídicas, pois os problemas
apontados pela filósofa foram resolvidos ao final da Guerra Fria, quando os países socialistas aceitaram fazer
parte das Nações Unidas.

E
O argumento de Arendt, judia que viveu os horrores da Guerra, é considerado literário e emocional, sendo
adaptado pelos intelectuais, à lógica da defesa dos Direitos Humanos do cidadão.

A alternativa A está correta.


Segundo Hannah Arendt, na primeira metade do século XX, muitos indivíduos ficaram desprotegidos
judicialmente e os direitos humanos deveriam ocupar justamente esse espaço e servir a todos
independentemente da ação dos Estados.

Questão 2

Para se consolidarem os direitos humanos, foi preciso basear sua argumentação em diversas correntes
filosóficas jurídicas. Sobre a fundamentação dos direitos humanos, podemos afirmar que:

O jusnaturalismo é a corrente filosófica que possui menos reconhecimento no mundo jurídico, pois seus
argumentos são baseados em regras locais que não são aceitas por todos os grupos.

O positivismo é a corrente mais importante para a consolidação dos direitos humanos, pois somente essa
corrente defende que o direito se transforma em lei e passa a ter validade.

A corrente moralista é a corrente que menos recebe críticas, pois baseia-se na moral que é um conceito
universal e compreendido por todos os seres humanos.

Não há como determinar que corrente teórica é mais importante para a consolidação dos direitos humanos,
pois todos os argumentos reforçam a importância desses direitos.

A corrente educacional dos direitos humanos defende que a única possibilidade é pensar o direito das
crianças. Para os adultos já não teria mais sentido.

A alternativa D está correta.


Todas as argumentações teóricas possuem o mesmo peso, pois todas recebem críticas e juntas elas se
complementam.
3. Diversidade cultural e os direitos humanos

Fundamentos do universalismo versus multiculturalismo


Neste vídeo, falaremos sobre os conceitos de universalismo e multiculturalismo, abordando o impacto dessas
perspectivas nos direitos humanos em relação à diversidade.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

O ano de 1948 marcou um ponto crucial na história dos direitos humanos: as Nações Unidas proclamaram sua
Declaração Universal dos Direitos Humanos, propondo que esses direitos estivessem à disposição de todas as
pessoas da família humana. Esta declaração pretendia servir como base para garantir direitos em todos os
lugares do mundo.

No entanto, não foi denominada uma declaração internacional, mas autointitulada de declaração universal. A
escolha do nome refletia a ideia de que esses direitos deveriam transcender fronteiras nacionais e afirmava
que pertencem a todos, sem condições ou exceções.

Ao ponderar sobre essa universalidade, surgiu o inevitável questionamento: seria possível criar um direito
básico que atendesse a todas as demandas, independentemente de gênero, religião, nacionalidade ou
qualquer outra característica pessoal? Os direitos humanos deveriam ou poderiam ser universais?

A ideia de um recurso legal básico disponível para o mundo inteiro parecia ideal e irrecusável. Se os
direitos são vistos como benefícios, não haveria razão para serem rejeitados por alguém, mas,
apesar das boas intenções, a ideia não foi unanimemente aceita.

Há anos, a questão vinha sendo discutida e a universalidade desses direitos vinha sendo contestada,
principalmente pelos países não europeus. Eles não concordavam que essa declaração atendesse a todas as
culturas, pois percebiam fortes tendências eurocêntricas nos princípios ocidentais que a sustentavam.
Argumentavam que a proposta impunha uma visão unilateral que deveria ser acolhida por todos, sem
considerar as diversas culturas, demandas sociais e religiões que existem em diferentes partes do globo.

Esses países apontavam que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi moldada a partir de
perspectivas ocidentais e cristãs, deixando de lado outras formas de organização política e crenças religiosas.
A contestação enfatizava a necessidade de reconhecer a diversidade cultural e social global, questionando se
seria possível uma única declaração de direitos humanos abarcar todas as particularidades culturais e sociais
do mundo.

Críticas ao universalismo
Para os críticos da universalidade dos direitos humanos, a ideia de criar um conjunto de direitos básicos
capazes de atender a todos pode parecer soberba, considerando que foi elaborado por um grupo específico,
e não por todas as nações.

A partir dessa perspectiva, surge a preocupação de que existe um grupo que presume entender sozinho as
necessidades globais e pode decidir unilateralmente o que é necessário para garantir uma vida digna, sem
consultar aqueles que serão afetados por esses direitos. Isso reforça a ideia de hierarquia e desigualdade,
sugerindo que um grupo ou cultura possa tutelar o mundo em detrimento de outros.

Além disso, surge a crítica de que uma declaração universal dos direitos humanos pode ser vista como um
instrumento de prática imperialista, onde políticas de um grupo são impostas sobre outros. Segundo Hannah
Arendt, as políticas imperialistas da Europa no final do século XIX romperam com os Direitos Humanos no
passado, contribuindo para os grandes conflitos do século XX.
A universalidade torna-se um objetivo contraditório: busca garantir direitos universais enquanto
potencialmente contribui para sua própria ruptura.

Respondendo à acusação de ser uma declaração imperialista imposta ao mundo, os defensores do caráter
universal da Declaração Universal dos Direitos Humanos argumentam que, desde sua elaboração, diversos
países de todos os continentes e culturas variadas aderiram voluntariamente ao documento. Assim, a
legitimidade do caráter universal da declaração mostrou-se naturalmente, à medida que os países se
empenham em adaptar suas constituições a esses valores.

No entanto, é importante lembrar que a declaração de 1948 é um produto histórico, moldado pelas
necessidades de sua época e pela sociedade que a produziu. Está em constante evolução e adaptação, nunca
sendo finalizada, sempre aberta a melhorias.

Multiculturalismo
É uma corrente que contesta a visão universalista e amplia as possibilidades de inclusão dos direitos humanos
em todo o mundo. Um dos principais defensores dessa corrente é o sociólogo Boaventura de Sousa Santos,
que, apesar de português, critica a visão eurocêntrica da Declaração Universal dos Direitos Humanos e busca
discutir as diferenças culturais globais para contribuir com uma declaração mais pluralista.

Boaventura de Sousa Santos argumenta que é natural que todas as culturas vejam seus próprios princípios
como os mais corretos, algo que deveria ser respeitado pelos outros ou não seriam cultivados. Ele ressalta
que os ocidentais são frequentemente os únicos a transcender esses limites, buscando expandir e impor seus
valores ao restante do mundo.

Ao adotar a ideia de universalidade dos direitos humanos, há o risco de impor normas locais a todos,
o que poderia ser amenizado ao aceitar e valorizar as diferenças culturais como fundamentais. Caso
contrário, a declaração poderia inflamar conflitos entre civilizações. No entanto, também há a
igualmente arriscada armadilha de relativizar ao extremo todas as atitudes em nome dos valores
locais, sem questionamento crítico.

Como lidar com sociedades que, por exemplo, permitem o mutilamento genital de meninas e mulheres em
nome da cultura? Reconhecer as imperfeições e os limites culturais é fundamental para a construção de
direitos humanos multiculturais.

Para Santos, o multiculturalismo representa o equilíbrio entre a competência global e a legitimidade local, ou
seja, entre o que deve ser um denominador comum universal e o respeito às características de cada
comunidade. Antes de tudo, é crucial estabelecer um conjunto de direitos que promova a igualdade, ao
mesmo tempo em que respeite as diversas diferenças culturais das comunidades.

[...] temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e
temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as
diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades.

(Santos, 2003, p. 56)

Devemos reconhecer as diferenças entre os seres humanos, mas essa diversidade não deve resultar em
desigualdade ou hierarquias que classifiquem pessoas como superiores ou inferiores, determinando quem
deve comandar, quem deve obedecer, quem deve ser respeitado e quem deve se submeter.

Diversidade cultural
É fundamental buscar, através do diálogo intercultural, atitudes que possam ser adotadas em diversos grupos
ou praticadas de formas diferentes, mas que tenham o mesmo objetivo de não inferiorizar o outro.

Nunca se deve assumir que uma cultura ou grupo seja mais correto que outro, buscando sempre uma relação
entre diferença e igualdade.

Exemplo
O tratamento de homens e mulheres na sociedade, que, apesar das diferenças, não deve haver
desigualdade. As doutrinas cristã e judaica, que oferecem visões religiosas distintas, mas que não
devem gerar hierarquias ou disputas entre seus praticantes.

As culturas são dinâmicas e igualdade não é sinônimo de uniformidade. Por exemplo, estadunidenses,
brasileiros e argentinos, apesar de originários do mesmo continente, possuem características distintas que
devem ser entendidas separadamente, a fim de não gerar falsas generalizações.

Dentro do grupo dos islâmicos, por exemplo, existem diferentes correntes como xiitas e sunitas, cujas ideias
podem ser semelhantes em alguns aspectos e radicalmente diferentes em outros.

Todas as diferenças devem ser aceitas, desde que nenhum valor inferiorize ou ameace o outro.

A aceitação das diferenças é crucial para garantir que os direitos humanos sejam efetivamente
atendidos. Porque, em cada sociedade, a interpretação de um direito pode variar, e princípios que
vão contra práticas locais podem resultar no descumprimento contínuo desses direitos, mesmo que
sejam formalmente reconhecidos como lei. Sem o apoio da comunidade, um direito pode perder sua
eficácia.

Os direitos humanos estão em constante debate e evolução, e as Nações Unidas desempenham um papel
crucial ao mediar interesses globais e promover debates para reorganizar os direitos universais.

Apesar das críticas existentes, é importante reconhecer o esforço da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e de tantos outros tratados e documentos redigidos pela ONU.

Esses documentos são fundamentais para mobilizar um debate global que visa fortalecer os sistemas jurídicos
dos países, buscando uma condição confortável para todos, mesmo que algumas posições sejam
questionáveis. A sociedade deve continuar aprendendo a tratar todas as pessoas com igualdade e a
compreender as diversas nuances da família humana.

Dignidade da pessoa humana e a ordem jurídica


Neste vídeo, aprofundaremos o conceito de Direitos Humanos, ainda no contexto do multiculturalismo, e da
necessidade de respeito e tolerância às diversidades.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

Se em um primeiro momento as declarações de direitos essenciais preocuparam-se com a garantia da


liberdade e da igualdade, no século XX, outro conceito passou a ser considerado fundamental: o respeito à
dignidade da pessoa humana.

O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, assinada em 1948,
afirma: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
O Brasil, como membro da ONU e comprometido com a garantia dos direitos humanos, positivou essa ideia na
Constituição de 1988, que está em vigor. No primeiro artigo de nossa Carta Magna, registra-se que a
República Federativa do Brasil tem como fundamentos:

Soberania Cidadania

Dignidade da pessoa humana

Além do primeiro artigo da Constituição de 1988, a importância da dignidade é tratada em outros trechos de
nossa Carta Magna.

Exemplo
No artigo 170, consta que toda ação econômica tem como finalidade garantir uma existência digna. Já o
artigo 230 define que é dever da família, da sociedade e do Estado defender a dignidade das pessoas
idosas.

Conceito de dignidade da pessoa humana


Refere-se às condições mínimas necessárias para que alguém viva uma vida justa, em circunstâncias
adequadas e sem depreciação. Este é um valor absoluto que regula todos os objetivos humanos, pois nada é
mais crucial do que assegurar as condições vitais para a sobrevivência neste mundo.

É uma noção incomensurável e insubstituível, que não pode ser equiparada a nenhum outro valor. A dignidade
humana não pode ser substituída por nada, sendo um valor que não pode ser mensurado de forma
quantitativa ou qualitativa.

Não há uma definição legal única que determine essas condições, pois elas variam entre culturas e
sociedades. Para entendermos melhor, vamos conferir os exemplos:
Pessoa europeia e ateia
Pessoa árabe e praticante do islamismo
A dignidade pode estar
A dignidade pode estar amparada na
completamente baseada nas
possibilidade de constituir uma família e de
conquistas financeiras e na
criar seus filhos dentro dos princípios da sua
possibilidade de desenvolvimento da
religião.
sua carreira ou do seu negócio.

Todos os grupos e culturas nutrem valores básicos que formam seu conceito de dignidade humana. Nas
sociedades ocidentais, essas condições de dignidade estão refletidas na Declaração Universal dos Direitos
Humanos da ONU, que foi escrita por representantes da cultura ocidental. Embora proponha valores
universais, ela não necessariamente reflete as condições de dignidade humana em todas as culturas do
mundo.

Segundo o sociólogo Boaventura de Souza Santos, para que os direitos humanos sejam verdadeiramente
multiculturais e alcancem o maior número de pessoas, é fundamental reconhecer que cada cultura possui sua
própria concepção de dignidade humana. Nem todas essas concepções serão contempladas nos termos da
declaração das Nações Unidas.

Dado que algumas concepções de dignidade humana podem ser opostas ou contraditórias, uma
solução para alcançar um melhor consenso seria buscar atender ao maior número possível de
pessoas. Isso implica adotar uma visão mais inclusiva da dignidade humana, que possa ser aceita
dentro das particularidades das diversas culturas.

Dentro de uma mesma cultura pode haver correntes divergentes, algumas mais conservadoras e outras mais
progressistas. Por exemplo, nos regimes políticos ocidentais, existem tanto regimes democráticos quanto
autoritários. Nesse contexto, o diálogo é sempre essencial, pois nenhuma concepção de direitos humanos
conseguirá agradar a todas.

Transformações no conceito de direitos humanos


Assim como os direitos humanos são um conceito construído a partir das demandas históricas que se
modificam na medida em que novos acontecimentos surgem, a noção de dignidade da pessoa humana de
cada grupo e de cada época também é mutável.

Uma significativa transformação desse conceito aconteceu após a Segunda Guerra Mundial, quando houve a
chamada “virada kantiana”, que enfatizou a dignidade humana como um fim em si mesma, rejeitando qualquer
forma de coisificação e instrumentalização dos indivíduos. A dignidade da pessoa humana passou a ser
considerada um fim para a humanidade e não um meio para a construção do mundo.

Atualmente, a responsabilidade de construir uma sociedade agradável não recai apenas sobre os indivíduos,
mas sobre a sociedade e suas instituições, que devem ser estruturadas de modo a permitir que as pessoas
vivam em plenitude, seguras e felizes.

Estruturação dos direitos universais


No momento em que se inverte a lógica e se assume que é a sociedade que deve acolher as pessoas, e não o
contrário, surge a carta de direitos humanos universais das Nações Unidas.
A partir desse ponto, segundo o professor Fernando Quintana (1999), podemos separar os esforços da ONU
com os Direitos Humanos Universais em três fases de composição:

Primeira fase

Período burocrático da definição dos direitos humanos.

Segunda fase

Período de promoção e estabelecimento desses direitos pelo mundo, quando foram realizados
congressos, publicações e diversos debates e estudos.

Terceira fase

Período atual de proteção, em que é necessário observar e controlar o estabelecimento e o


cumprimento desses direitos. Foram criados comitês e grupos para fiscalizar e denunciar violações
dos direitos humanos em todos os países que aceitaram integrar ou não as Nações Unidas.

Para assegurar o sucesso dessa declaração e o acesso aos direitos fundamentais para toda a “família
humana”, foi necessário comprometer os países a assumirem tratados e construírem um sistema capaz de
efetivá-los.

Desde 1966 até hoje, foram assinados nove tratados que devem ser observados e implementados pelos
países membros, abordando questões como tortura, imigração, direitos das crianças, pessoas com
deficiência, discriminação racial e de gênero, entre outros.

Além disso, constituiu-se uma estrutura chamada Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos,
composto por órgãos como os comitês regionais, tais como:

• Sistema Interamericano de Direitos Humanos

• Sistema Europeu de Direitos Humanos

• Sistema Africano de Direitos Humanos

Esses sistemas regionais acompanham diretamente os países integrantes e se responsabilizam pelos demais
países que não fazem parte de nenhum comitê regional, não ficando estes excluídos de acionar os direitos
internacionais.

Os comitês regionais têm o papel de proteger indivíduos de países que não possuem estruturas similares.
Assim, eles devem estender sua ajuda a países e cidadãos que necessitam de acolhimento e proteção,
seguindo o princípio de que, antes de pertencer a um país, o indivíduo é parte da família humana.

Verificando o aprendizado

Questão 1

A universalidade é uma característica que levanta um amplo debate sobre a forma como os direitos humanos
se apresentam ao mundo. Sendo assim, é correto afirmar que a universalidade dos direitos humanos:

A
Visa atender a todos os seres humanos sem nenhum critério de distinção, mas recebe críticas pois não abre
espaço para as diferenças culturais.

É a forma mais correta de se criar direitos humanos, impondo que sejam aceitos por todas as culturas, pois
algumas são extremamente fechadas e não garantem direitos aos indivíduos.

É um conceito ultrapassado que foi levantado durante a Revolução Francesa, mas que atualmente foi
substituído pelo relativismo cultural.

Visa fazer uma campanha mundial para que todos os países encontrem um ponto em comum das suas
culturas e reduzam o relativismo cultural.

Defende a unidade do mundo, criando uma ideia de igualdade em uma grande aldeia global.

A alternativa A está correta.


Críticos defendem que não há possibilidades de um direito ser aplicável a todas as culturas, a única forma
de se fazer isso é entendendo as diferenças e criando um direito multicultural.

Questão 2

Sobre a estrutura criada pelas Nações Unidas para debater, fiscalizar e garantir o acesso dos direitos
humanos a todos os membros da família humana, é correto afirmar que:

Apesar de toda a estrutura criada pela ONU, o continente africano encontra-se sem nenhuma fiscalização dos
direitos humanos e, por isso, existem graves violações.

Foram criados diversos comitês para defender os direitos humanos, mas eles ainda não cobrem todos os
continentes, entretanto, isso não significa que aquelas pessoas estão desassistidas.

A ONU possui atualmente uma estrutura em remodelação já que, após o fim da Guerra Fria, as estruturas
políticas mundiais se transformaram.

Não há uma estrutura permanente para a defesa dos direitos humanos pela ONU. As Assembleias para a
discussão de novas pautas são convocadas de acordo com a necessidade e, a cada nova reunião, um novo
país se apresenta como sede.
E

As Nações Unidas assumem uma função política, redistribuindo para a Unesco e outras agências os debates
de direitos humanos.

A alternativa B está correta.


Apesar da Ásia e da Oceania não terem comitês regionais, isso não significa que os cidadãos daqueles
países estão desassistidos pois, em uma situação de violação de direitos, todos os comitês precisam
romper seu caráter regional e garantir a proteção dos seus vizinhos.
4. Direitos humanos no Brasil

O contexto histórico brasileiro e os direitos humanos


Neste vídeo, vamos falar sobre a formação política e social da sociedade brasileira e seu impacto no exercício
dos direitos humanos, com foco na Constituição de 1988 e nos desafios ainda presentes.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

Na primeira metade do século XX, a Segunda Guerra Mundial foi crucial para que a Europa Ocidental e a
América do Norte começassem a considerar os direitos humanos como os entendemos hoje. No entanto, o
Brasil, sem participação direta no conflito e com uma história, sociedade e problemas sociais distintos, seguiu
um caminho diferente na construção e garantia desses direitos.

Participamos do esforço inicial das Nações Unidas, mas nossos trabalhos foram interrompidos por 21 anos.
Somente no final da década de 1980, com o fim da ditadura militar, conseguimos incorporá-los à nossa
Constituição de 1988.

Manifestações reivindicando eleições diretas para a presidência da República, no


Plenário da Câmara dos Deputados, em abril de 1984.

Nossa adesão tardia aos direitos humanos indica que ainda estamos em processo de desenvolvê-los.
Considerando a situação atual do país e da população brasileira, é evidente que ainda enfrentaremos muitos
desafios para consolidá-los. Diante dessa constatação, surgem muitas questões que devem ser levantadas,
como:

• Conseguiremos superar nosso passado de atraso?

• Em qual estado nos encontramos e quais são nossas perspectivas?

• Como desenvolver leis que tenham por princípio que todas as pessoas são iguais em um país de
extrema desigualdade?

Formação política e social


O Brasil é um país consideravelmente jovem e em pleno desenvolvimento político. Da nossa trajetória
histórica, costumávamos conhecer e contar apenas uma parte, a partir da chegada dos europeus neste
território, no ano de 1500.
Desembarque de Cabral em Porto Seguro, Oscar Pereira da Silva, 1904.

O ano de 1500 foi marcante para os povos que habitavam esta terra, pois logo após o primeiro contato dos
nativos com os portugueses, os interesses europeus passaram a dominar a dinâmica local e se
sobrepusessem às necessidades dos povos indígenas.

A partir daquele momento, houve silenciamento e uma brutal transformação cultural, política e social. Por
bastante tempo, fomos colônia de Portugal. Inicialmente, houve pouco interesse da metrópole em explorar
nosso território. As primeiras políticas implementadas aqui tiveram o objetivo de ocupar as terras para que não
fossem tomadas por franceses e holandeses.

A intensa produção de açúcar era sustentada por uma estrutura na qual uma pequena elite administrava os
engenhos, utilizando amplamente mão-de-obra de indígenas e africanos escravizados, que trabalhavam
arduamente. Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, a população aumentou, mas a sociedade continuou
dividida entre uma pequena elite enriquecida e trabalhadores escravizados que suavam nas minas.

Pintura retratando a lavra do ouro em Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, Minas
Gerais, 1825.

Em 1822, o Brasil se tornou oficialmente independente de Portugal, porém grande parte da estrutura colonial
permaneceu intacta. Ao contrário de outros países, o presidencialismo não substituiu a monarquia, e o
trabalho escravo não foi interrompido.

O governo imperial retardou a abolição da escravidão até quando não foi mais possível, tornando o Brasil o
último país a assinar a abolição da escravatura.

A partir da Lei Áurea, os escravizados foram libertos, mas não foram implementadas políticas para assisti-los.
Abandonados pelo poder público, enfrentaram inúmeras dificuldades para sobreviver.
Ao contrário de outros países, o
presidencialismo não substituiu a monarquia, e
o trabalho escravo não foi interrompido.

O governo imperial retardou a abolição da


escravidão até quando não foi mais possível,
tornando o Brasil o último país a assinar a
abolição da escravatura.

A partir da Lei Áurea, aprovada em 12 de maio


de 1888, os escravizados foram libertos, mas
Lei Áurea, 1888.
não foram implementadas políticas para assisti-
los. Abandonados pelo poder público,
enfrentaram inúmeras dificuldades para
sobreviver.

Um ano depois da abolição, em 1889, foi proclamada a República no Brasil. Nos primeiros anos, a participação
política se manteve limitada a uma pequena parcela da sociedade. Somente ao longo do tempo que
conseguimos conquistar a ampliação dos direitos políticos para todos.

Nas primeiras décadas desse regime, mulheres, indígenas e analfabetos não podiam votar para eleger um
representante e tampouco se candidatar para lutar pelos seus direitos.

A República brasileira é considerada um regime político bastante frágil. Ao longo dos anos,
enfrentamos processos de impeachment e passamos por dois longos períodos de ditadura, nos
quais o Congresso Nacional foi fechado, a Constituição perdeu sua autoridade legal e uma série de
direitos do povo foi suspensa.

Foi somente em 1988, ao final do regime militar, que conquistamos uma nova Constituição que garante amplos
direitos para o povo, vigente até os dias atuais. Devido à extensa proteção de direitos que oferece, essa
Constituição ficou conhecida como Constituição Cidadã.

Constituição de 1988
A Constituição de 1988 é a oitava Constituição escrita no nosso país, um número considerado muito alto.
Alguns países, como os Estados Unidos, usam a mesma Constituição desde o início de sua formação jurídica,
ou precisaram passar por poucas renovações.

A necessidade de múltiplas reescritas em nosso país reflete nossa instabilidade política e a inadequação de
nosso conjunto de leis no passado para garantir direitos universais e atender às demandas sociais.

A atual Constituição foi redigida para superar as


restrições aos direitos durante o regime militar,
restaurar a democracia e promover a redução
da desigualdade social e o combate à
corrupção.

Sua elaboração foi um processo de mais de um


ano e meio, conduzido por deputados e
senadores eleitos democraticamente em 1986.

É crucial notar que, dos mais de 500


congressistas envolvidos, menos de 30 eram Sessão parlamentar que instituiu a atual Constituição
mulheres, nenhuma delas ocupando uma da República Federativa do Brasil de 1988.
cadeira no Senado Federal, destacando a
significativa desigualdade de gênero na representação legislativa no Brasil.

Essa Carta Magna consagra os princípios fundamentais do Brasil, como:

• Liberdade de expressão

• Igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres

• Separação de poderes para evitar a concentração de autoridade, típica de regimes absolutistas

Além disso, garante uma série de direitos sociais, incluindo acesso permanente a:

• Educação

• Trabalho

• Saúde

• Lazer

Além de ampliar os direitos dos brasileiros, a Constituição de 1988 também se compromete com os direitos
em nível universal. Logo nos primeiros artigos, estabelece que o Brasil deve primar pelo predomínio dos
direitos humanos nas relações internacionais. O compromisso nacional inclui participação em tribunais
internacionais que discutem tais direitos, e determina que a Defensoria Pública tem a função de promover e
defender os direitos humanos em todo o país.

Embora tenhamos uma Constituição escrita de forma democrática que prevê muitos direitos sociais para o
povo, ela por si só não é suficiente para garantir uma vida digna aos brasileiros. As determinações
constitucionais estabelecem princípios que devem ser implementados no país, mas isso requer a formulação
de políticas e medidas específicas para que se tornem efetivas.

Para que a nossa Constituição não passe a ser um mero documento de intenção, os poderes Executivo e
Legislativo devem colaborar mutuamente.

Exemplo
Não basta a Constituição determinar acesso gratuito à saúde; é essencial que o poder Executivo
desenvolva uma estrutura de hospitais e serviços médicos para garantir esses direitos a todos,
transformando as disposições constitucionais em realidade prática.

Brasil na proteção dos direitos humanos


O Brasil foi um dos países fundadores das Nações Unidas em 1945. Apesar de contribuir para a elaboração da
Declaração Universal de Direitos Humanos, no início da década de 1960, o país interrompeu a consolidação
desses direitos durante duas décadas de regime militar, que suspendeu a Constituição e muitos direitos civis e
políticos.

Atualmente, com os direitos restabelecidos, retomamos o processo de consolidação dos direitos humanos e
fazemos parte do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos e do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos. Estes sistemas visam garantir a efetivação dos direitos humanos em nível regional e
oferecer suporte aos cidadãos de países que não recebem assistência adequada do Estado.
Bandeiras da ONU, do Brasil e dos objetivos do desenvolvimento sustentável da
ONU, na Casa das Nações Unidas no Brasil.

O Brasil possui compromisso ratificado com oito tratados internacionais da ONU:

1. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

2. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

3. Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

4. Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher

5. Convenção contra a Tortura

6. Convenção sobre os Direitos da Criança

7. Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados

8. Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência

Nos últimos anos, o Brasil tem se destacado pela sua participação ativa nas Nações Unidas. Além de ratificar
tratados internacionais, acompanhamos de perto a agenda de debates e tivemos a honra de integrar o
Conselho de Segurança da ONU em algumas ocasiões.

Atualmente, mantemos uma participação permanente na Assembleia Geral. Em 2011, a então presidenta Dilma
Rousseff fez história ao ser a primeira mulher a abrir os debates dessa reunião.

Brasil na proteção dos direitos humanos


Neste vídeo, falaremos sobre a atuação do Brasil no cenário internacional sob a perspectiva dos direitos
humanos, considerando os inúmeros desafios enfrentados pelo país.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para assistir ao vídeo.

Aplicações e desafios dos direitos humanos no Brasil


A Constituição e as políticas públicas são as principais ferramentas para aplicar os direitos humanos dentro de
uma nação.
Se essas estruturas não estiverem sendo suficientes para garantir os direitos básicos e a dignidade da pessoa
humana, qualquer pessoa ou organização pode e deve cobrar do governo a fiscalização e a implementação
desses direitos. Vamos entender como ocorre esse processo!

1
O Estado não atende
Quando um Estado não atende aos seus cidadãos, ainda temos a possibilidade de acionar os
sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. No caso do Brasil, podemos recorrer ao
Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

2
Acionamento dos órgãos competentes
Ao serem acionados, os órgãos competentes irão investigar e podem condenar o país por violação
dos direitos humanos. Essas condenações ocorrem quando se identifica que os direitos foram
gravemente descumpridos e que somente uma decisão judicial ou uma indenização não seriam
suficientes para reparar o problema.

3
Pressão sobre o Estado
Quando uma sentença internacional é proferida, seu objetivo é pressionar o Estado a debater o
problema, revisar os sistemas que estejam provocando essas violações e desenvolver leis e políticas
públicas que evitem novas violações dos direitos humanos.

Em nossa história, o Brasil foi condenado oito vezes pela Corte Interamericana. Uma dessas condenações foi
no caso conhecido como Maria da Penha.

Em 1983, Maria da Penha sofreu uma tentativa de homicídio por parte de seu marido, e o processo que
deveria condená-lo foi tão extenso e inconclusivo que passaram-se 15 anos sem que o culpado fosse preso.

O caso foi levado à Comissão Interamericana que, em 2001,


quase 20 anos depois, responsabilizou o Estado brasileiro
por negligência, omissão e tolerância à violência contra as
mulheres.

O caso repercutiu na nossa sociedade e, atualmente, temos


uma lei com o nome da vítima, cujo objetivo é estipular
punição adequada e coibir a violência contra as mulheres.

Em nossa sociedade, é comum vermos pessoas


relativizando o uso dos Direitos Humanos e desacreditando
sua importância. Isso prova que vivemos em um Estado de
Maria da Penha, a sobrevivente que dá nome à lei de
combate à violência doméstica no Brasil. constante violação dos direitos humanos, onde o
desrespeito por direitos básicos é comum e pouco se faz
para garantir a dignidade da pessoa humana.

No cenário atual do país, ainda é necessário reforçar as instituições democráticas, promover muitos debates,
criar políticas públicas e buscar a conscientização popular para que esse conjunto de direitos seja respeitado,
permitindo que nossa comunidade viva com mais dignidade e menos desigualdade.

Atividade discursiva
A dignidade da pessoa humana é um dos direitos garantidos pela Constituição brasileira e também é
referenciada na Declaração Universal da ONU.
Sobre esse conceito, podemos afirmar que a dignidade da pessoa humana é:

Chave de resposta
O conjunto de condições mínimas que devem ser garantidas a uma pessoa varia de uma cultura para outra.
Cada cultura possui seu conjunto de características que considera essencial para a manutenção de uma
vida digna, e a preservação dessas condições é o principal objetivo dos direitos humanos.

Verificando o aprendizado

Questão 1

Depois da criação da Declaração dos Direitos Universais da ONU, o Brasil passou por um longo período de
suspensão dos direitos humanos. Após a superação do regime militar, que suspendeu a Constituição, foi
necessário criar um conjunto de leis para o país.

Sobre a Constituição de 1988, assinale a alternativa correta:

É considerada uma constituição fraca, pois, apesar de apresentar a preocupação com muitos direitos
humanos, não conseguiu se estruturar na nossa sociedade e um novo projeto já é pensado para substituí-la.

Preocupa-se em observar vários direitos humanos, mas ainda é considerada incompleta, pois impede que o
Brasil se comprometa com órgãos internacionais nos deixando isolados e sem estrutura para defesa dos
direitos universais.

Se tornou um exemplo mundial a ser seguido, pois observou os direitos humanos sugeridos pela ONU e criou a
sua própria Declaração de Direitos Humanos, que já é seguida por vários países da América Latina.

Ficou marcada pela quantidade de direitos garantidos à população e por positivar diversos, além de criar
estruturas para a sua promoção.

Foi marcada pela ausência de normativas acerca da supressão e ameaça aos direitos humanos.

A alternativa D está correta.


Conhecida também como Constituição Cidadã, é um exemplo na garantia de direitos e está em exercício
até os dias atuais, apesar de que mesmo depois de 30 anos ainda observamos alguns direitos que não são
observados pelo Governo.

Questão 2

Após o restabelecimento dos direitos no Brasil com a Constituição de 1988, retomamos nossa participação na
ONU. Sobre nosso comprometimento atual com os direitos humanos e os demais tratados das Nações Unidas,
assinale a alternativa correta:

Desde a criação da Constituição de 1988, estamos pleiteando uma vaga na cúpula da ONU, porém os índices
de desigualdade no país nos impedem de ocupar algumas cadeiras no conselho das Nações Unidas.

Temos uma ampla participação na ONU, ratificamos a maior parte dos tratados e integramos o Sistema de
Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, mas, apesar disso, ainda estamos em processo de
consolidação dos direitos universais no nosso país.

Apesar dos esforços para cumprir a Declaração Universal na nossa Constituição, as constantes violações de
direitos humanos no país nos fizeram perder espaço dentro das Nações Unidas e, atualmente, estamos
suspensos pelo grande número de processos que respondemos.

O Brasil se tornou exemplo de superação de desigualdades e, com uma Constituição exemplar, atualmente,
ocupamos as principais cadeiras na diretoria da ONU, tendo recebido o título de país modelo da América
Latina.

Não tem sido de interesse do Estado brasileiro e dos sucessivos governos instalados no controle do Estado a
participação sistemática na ONU.

A alternativa B está correta.


Apesar de participar de diversas estruturas da ONU, nossa sociedade ainda se mantém com muitas
desigualdades e, constantemente, observamos a violação de direitos humanos no país.
5. Conclusão

Considerações finais
Concluímos reforçando a ideia de que os direitos humanos se constituem em um constante processo de
aperfeiçoamento e descoberta de novas necessidades. Ao longo da história, muitas vezes, os direitos básicos
não foram respeitados, e o mundo precisou sair em defesa daqueles que não tinham sua dignidade humana
considerada.

A Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU é um dos documentos mais importantes para garantir o
debate e a defesa desses direitos. No entanto, esse documento não é unânime e sofre diversas críticas,
evidenciando que ele nunca estará concluído.

No Brasil, tivemos uma história marcada pela escravidão, que enraizou uma sociedade extremamente desigual
e com diversos problemas sociais. Apesar de fazermos parte das Nações Unidas desde os primórdios e
termos colaborado com a constituição da declaração universal, passamos por um longo período de
interrupção na garantia desses direitos no país.

Foi somente no final da década de 1980 que conseguimos garantir a responsabilidade do Estado no
cumprimento desses direitos. Se a nossa adesão a esses direitos aconteceu tardiamente, isso significa que
temos uma estrutura menos firme para sua manutenção, uma adesão menor pela sociedade e maiores
desafios para concretizá-los.

Nossa organização política ainda é recente e frágil, e o comprometimento da atual Constituição com os
direitos humanos é uma conquista essencial para a garantia dos direitos dos brasileiros.

Podcast

Para encerrar, ouça e conheça mais sobre a fundamentação histórica dos direitos humanos, explorando
suas origens, evoluções e os marcos importantes que moldaram sua trajetória ao longo dos séculos.

Conteúdo interativo
Acesse a versão digital para ouvir o áudio.

Explore +
Não deixe de conferir na íntegra os documentos que são os pilares essenciais dos princípios que regem nossa
sociedade e garantem nossos direitos fundamentais:

• Declaração Universal dos Direitos Humanos

• Declaração Universal das Crianças e dos Adolescentes

• Constituição Brasileira de 1988

Para compreender mais sobre o contexto e a importância dos direitos humanos nas sociedades
contemporâneas e a evolução dos direitos individuais e coletivos ao longo dos séculos, é imperdível a leitura
da obra:

• A Era dos Direitos, de Norberto Bobbio, publicado pela editora Campus, em 1992.
Referências
ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CARVALHO, Jose Sérgio (Org.). Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 2004.

DANTAS, João Marcelo B. R. Ruptura e reconstrução dos Direitos Humanos em Hannah Arendt. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 24, n. 5671, 2021.

HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. Revista Lua Nova, n. 39, p.
105-124, 1997.

Você também pode gostar