Trajetória Constitucional Brasileira - Daniel Sarmento 1
Trajetória Constitucional Brasileira - Daniel Sarmento 1
Trajetória Constitucional Brasileira - Daniel Sarmento 1
Belo Horizonte
2012
CAPÍTULO 3
3.1 Introdução
Na acidentada história institucional do Brasil, não faltaram constituições. Foram oito até agora,
editadas respectivamente em 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 19691 e 1988. Mas, se sobram
constituições, faltou-nos constitucionalismo. A maior parte das constituições que tivemos não logrou
limitar de forma eficaz a ação dos governantes em favor dos direitos dos governados. Muitas delas
foram pouco mais que fachadas, que visavam a emprestar uma aparência de legitimidade ao regime,
mas que não subordinaram efetivamente o exercício do poder, que se desenvolvia quase sempre às
suas margens.2 No nosso conturbado processo político, abundam os golpes e desvios em relação às
constituições vigentes, com ou sem rompimento formal com elas. O autoritarismo, a confusão entre o
público e o privado, a exclusão social e a violação dos direitos mais básicos de amplos segmentos
da população são patologias crônicas da trajetória nacional, que têm persistido renitentemente, a
despeito da retórica das nossas constituições.
Tais problemas não devem ser debitados à qualidade dos textos constitucionais que tivemos. A
maior parte estava em sintonia com as tendências do constitucionalismo da época em que vigoraram.
A questão maior foi a falta de efetividade destas constituições, cujos comandos não condicionavam,
de fato, a ação dos detentores dos poderes político, econômico e social.3 Infelizmente, na nossa
trajetória institucional, entre a realidade e o texto constitucional, tem mediado quase sempre uma
distância enorme.4
É verdade que esse hiato vem diminuindo desde a promulgação da Constituição de 1988. Desde
então, o país tem vivido um período de estabilidade institucional e a Constituição tem começado a
ser levada mais “a sério”. Estamos ainda muito distantes do Estado Democrático de Direito
prometido pelo constituinte de 88, pois a desigualdade e o patrimonialismo antirrepublicano ainda
contaminam profundamente as nossas instituições e relações sociais, mas os avanços em relação ao
passado já são inquestionáveis.
Neste capítulo, será examinada a trajetória constitucional do país. Serão panoramicamente
analisados não apenas os nossos diversos textos constitucionais, mas também o seu contexto
sociopolítico e a sua interação com a realidade empírica subjacente. Pela sua importância, a
Constituição de 88 será objeto de um capítulo próprio.