Parecer PGR

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 5

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N.º X/2025 – SFCONST/PGR


Sistema Único Nº XXX.XXX/2025

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL/RS

REQUERENTE: Partido Movimento Cidadão


INTERESSADO(S): Câmara Municipal de Vacaria/RS
Prefeito do Município de Vacaria/RS
RELATOR: Ministro Fulano de Tal

Excelentíssimo Senhor Ministro Fulano de Tal,

ARGUIÇÃO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. DE


VACARIA/RS. VOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA
IGUALDADE, SOLIDARIEDADE, LIBERDADE E À
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
1. Edição de lei complementar municipal relativa à proibição da
mendicância e doação de esmolas em vias públicas.
2. Ofende os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, liberdade e igualdade. Cabe ao Poder Público assegurar
condições mínimas de subsistência às pessoas e não proibir o acesso
a elas.
3. Parecer pelo acolhimento do pedido, nos termos da petição
inicial.

__________________________________________________________________________________________

Gabinete do Procurador-Geral da República


Brasília/DF
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

I- FATOS

Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo


Partido Movimento Cidadão em face do Município de Vacaria/RS, sob a alegação de que o art.
3º da Lei Complementar 0077/2019, que inseriu o inciso IX no art. 162 da Lei Complementar
nº 05/2010, seria inconstitucional, pois violaria preceitos fundamentais da Constituição Federal.

O referido dispositivo estabelece que “é proibido dificultar o trânsito ou molestar


condutores e pedestres através de (...)IX- mendicância e doação de esmolas”.

Argumenta o Autor que a norma vai de encontro ao dever do público de, à luz do
princípio da dignidade da pessoa humana, garantir os direitos fundamentais conferidos pela
Constituição Federal. Destaca que o art. 5, caput, do texto constitucional consagra o princípio
da igualdade e que o tratamento desigual somente deve ser feito para se buscar alcançar alguma
finalidade disposta na Constituição. Conclui que o poder público, ao impedir a concessão de
esmolas, trata de maneira desigual os mais necessitados e, ainda, viola a liberdade daquele que
decide concedê-la.

Por fim, aduz que a legislação ainda viola o art. 3º, I e III da CF/88, haja vista que
estes preveem que um dos objetivos fundamentais da república é a construção de “uma
sociedade livre, justa e solidária”. Sob a ótica destes valores, a norma municipal objeto desta
demanda desencorajaria o exercício da solidariedade e, ainda, seria inócua como política
pública voltada a melhora do quadro socioeconômico.

Nestes termos, requer a procedência da ação, de modo a declarar a


incompatibilidade da Lei 0077/2019 do Município de Vacaria/RS e a Constituição da República

É o relatório.

II- DO CABIMENTO DA ADPF

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, prevista no art. 102, §1º


da CF/88 e regulada pela Lei nº 9.882/99, tem como objetivos evitar ou reparar a lesão a preceito

__________________________________________________________________________________________

Gabinete do Procurador-Geral da República


Brasília/DF
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

fundamental, resultante de ato do poder público, ou para esclarecer controvérsia constitucional


sobre ato normativo federal, estadual ou municipal, desde que não seja cabível ADI, ADO OU
ADC.

No caso dos autos, a parte autora questiona a constitucionalidade da Lei nº


0077/2019, do Município de Vacaria/RS. Nesse sentido, por se tratar de norma municipal, que
não se sujeita às ações constitucionais supramencionadas, entende-se ser cabível a presente
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, pelo que, opina-se pelo seu
conhecimento.

III- DO DESCUMPRIEMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

Conforme mencionado, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental


possui previsão constitucional e legal, de modo a estabelecer o seu cabimento, a legitimidade
para tanto e o rito a ser adotado. Por outro lado, não há na lei uma definição a respeito do
conceito de “preceito fundamental”.

Para Ingo Sarlet, Luiz Marinoni e Daniel Mitidiero, são preceitos fundamentais as
normas constitucionais “que consagram princípios (artigos 1º ao 4º) e direitos fundamentais
(artigo 55 e seguintes), bem como as que abrigam cláusulas pétreas (artigo 50, §4º) e
contemplam princípios constitucionais sensíveis”.1

No caso, alega o Autor que o Município de Vacaria/RS teria descumprido inúmeros


preceitos fundamentais enraizados na Constituição Federal, tais como a dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), a igualdade (art. 5º, caput, I) e a liberdade (art. 5º, caput), bem como os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especificamente no que toca à
construção de uma sociedade justa e solidária e no combate às desigualdades (art. 3º, I e III).

Pela simples leitura da norma questionada, tem-se que assiste razão ao Autor. Os
princípios constitucionais, por natureza, são mais generalistas e, por vezes, é difícil a sua
percepção direta em um caso concreto. Contudo, além de serem fonte essencial para a
interpretação do direito, eles sempre devem ser observados na prática legislativa, o que não

1
MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020.
__________________________________________________________________________________________

Gabinete do Procurador-Geral da República


Brasília/DF
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

invalida, de imediato, as normas que os contrariam, desde que esta seja voltada para a garantia
de um outro direito fundamental, devendo haver, nestes casos, um sopesamento dos princípios.

Em relação à Lei 0077/2019 de Vacaria/RS, nota-se que o Município proibiu a


mendicância e a doação de esmolas nas vias públicas da cidade. Da leitura das atas legislativos,
verifica-se que o intuito da medida era tão somente “melhorar o trânsito da cidade”.

Todavia, os impactos da norma vão muito além do tráfego de veículos. A


determinação ataca diretamente os mais necessitados, aqueles que se encontram em situação de
rua ou de extrema pobreza e que, muitas das vezes, dependem das esmolas e da caridade para
sobreviver. Não há dúvidas que a caridade e a solidariedade, além de louváveis, são importantes
preceitos previstos na Constituição Federal e que de forma alguma,podem ser relativizados pela
justificativa de se resolver um problema tão banal quanto o congestionamento de veículos em
uma localidade.

Além disso, a liberdade, em todas as suas vertentes, é um dos princípios


constitucionais mais importantes dentro de um sistema republicano, de modo que não cabe ao
poder público, em todas as suas esferas, vedar a concessão de esmolas. Muito pelo contrário,
caberia ao Município de Vacaria/RS desenvolver políticas públicas de assistência a estas
pessoas, fornecendo acesso à saúde, qualificação profissional e moradia, e não as proibindo ter
acesso ao mínimo de dignidade – se é que pode se considerar minimamente digna a condição
de uma pessoa que está pedindo esmolas na rua.

Assim, inequívoco que a Lei 0077/2019, do Município de Vacasria/RS, que veda a


prática de mendicância e a concessão de esmolas nas ruas do município viola os preceitos
fundamentais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade, do combate às
desigualdades socioeconômicas e da construção de uma sociedade justa e solidária. Portanto,
opina-se pelo deferimento dos pedidos apresentados em pela parte Autora, de modo a declarar
a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 0077/2019 do Município de Vacaria/RS, por
se mostrar incompatível com os preceitos fundamentais da Constituição Federal.

IV- CONCLUSÃO

__________________________________________________________________________________________

Gabinete do Procurador-Geral da República


Brasília/DF
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA

Diante do exposto, a Procuradoria Geral da República opina pelo acolhimento do


pedido, nos termos do requerido na petição inicial, de forma a declarar a inconstitucionalidade
da Lei 077/2019 do Município de Vacaria/RS
7

Brasília, 14 de janeiro de 2025

Bruno Lage de Carvalho Rocha


Henrique Rodrigues Gonçalves Costa
Pedro de Araújo Silva Castro
Thiago Said
Tiago Medina Iatreb
Procurador-Geral da República

__________________________________________________________________________________________

Gabinete do Procurador-Geral da República


Brasília/DF

Você também pode gostar