Sete Verões - Paige Toon (1)
Sete Verões - Paige Toon (1)
Sete Verões - Paige Toon (1)
Converted by convertEPub
Também de Paige Toon
Só o amor machuca assim
Título original
Seven Summers
ISBN: 978-65-5924-342-6
T632s
Toon, Paige
Sete verões [recurso eletrônico] / Paige Toon ; tradução Cecília Camargo Bartalotti.
- 1. ed. - Rio de Janeiro : Verus, 2024.
recurso digital
Tradução de: Seven summers
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5924-342-6 (recurso eletrônico)
1. Romance inglês. 2. Livros eletrônicos. I. Bartalotti, Cecília Camargo. II. Título.
24-93783
CDD: 823
CDU: 82-31(410.1)
Gabriela Faray Ferreira Lopes - Bibliotecária - CRB-7/6643
Este verão
Capítulo Um
Seis verões atrás
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Este verão
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Catorze
Cinco verões atrás
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Este verão
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Quatro verões atrás
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Este verão
Capítulo Vinte e Sete
Três verões atrás
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Este verão
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Dois verões atrás
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Este verão
Capítulo Trinta e Nove
Capítulo Quarenta
Capítulo Quarenta e Um
O verão passado
Capítulo Quarenta e Dois
Capítulo Quarenta e Três
Capítulo Quarenta e Quatro
Este verão
Capítulo Quarenta e Cinco
Capítulo Quarenta e Seis
Capítulo Quarenta e Sete
Capítulo Quarenta e Oito
Capítulo Quarenta e Nove
Capítulo Cinquenta
Capítulo Cinquenta e Um
Epílogo
Um verão depois…
Dois verões depois…
Três verões depois…
Quatro verões depois…
Cinco verões depois…
Seis verões depois…
Sete verões depois…
Outros sete verões depois…
Agradecimentos
ESTE VERÃO
Capítulo Um
— Toc, toc, toc! — grita minha mãe com uma voz alegre do outro
lado da porta de meu quarto na manhã seguinte, marcando cada
palavra com uma batida.
— Entre — respondo, rouca.
A porta se escancara e minha mãe entra, toda animada, abrindo
as cortinas.
— O Michael vai chegar já, já, e seu pai e eu temos uma coisa
para mostrar. Dá para você descer lo antes possible?
O sotaque italiano dela é adoravelmente terrível.
— Que horas são? — pergunto, franzindo o rosto para a luz.
— Onze. Pelo menos você conseguiu recuperar um pouco o
sono — diz ela de um jeito irônico, e sai.
Finn se ofereceu para me acompanhar até em casa ontem à
noite, mas Amy quis que nós viéssemos juntas. Foi só quando
estávamos saindo que me ocorreu que Finn poderia ter
acompanhado nós duas para casa. Amy mora na vila, então eu
tive que caminhar sozinha pela segunda metade do caminho e
não pude deixar de ficar imaginando como teria sido se ele
estivesse ali ao meu lado, nossos braços se tocando no escuro.
Meu irmão chega enquanto estou me trocando. Minha janela dá
para a frente da casa e eu o vejo no banco do motorista do Austin
Healey azul-claro da década de 1960 do meu pai.
Ele simplesmente ama esse carro. Meu pai às vezes o deixa dar
umas voltas pela pista de aulas de direção no aeródromo a
poucos quilômetros daqui, mas é improvável que Michael
consiga tirar carteira de motorista.
Minha mãe está junto ao fogão quando entro na cozinha, e os
aromas que saem do forno fazem meu estômago roncar. Quando
ela me vê, apaga o fogo da panela de molho que estava mexendo
e se vira, o rosto iluminado de entusiasmo.
— Venha comigo — diz ela, com um sorriso.
— O que é? — pergunto, curiosa, enquanto ela me conduz pela
porta dos fundos e chama meu pai, que está conversando com
Michael na garagem.
Michael nos vê de dentro do carro e buzina três vezes. Meu pai
faz uma careta exagerada e cobre as orelhas, cambaleando para
trás.
Meu irmão está rindo da palhaçada do meu pai quando sai do
carro.
— Irmãzinha! — grita ele, vindo em minha direção para um
abraço.
— Oiê! — respondo afetuosamente, enquanto ele me balança de
um lado para o outro em seus braços.
Ele está de ótimo humor hoje. Nós nos encontramos na sexta-
feira à noite, quando ele veio para meu jantar de boas-vindas,
mas eu me atrasei e ele estava com fome e bem mal-humorado.
Parece que a ex dele arrumou um namorado novo. Michael não
gosta mais dela, mas considera o ato uma traição mesmo assim.
— A mamãe e o papai têm uma surpresa pra você — diz ele,
com uma voz cantarolada, sorrindo para mim.
Ele tem apenas um metro e meio, em comparação com meu um
metro e setenta. Eu tinha doze anos quando o passei no marcador
de altura colado na parede da cozinha da casa em Londres.
— É mesmo? — Dou uma olhada para nossos pais.
— Tcha-ran! — exclama meu pai, estendendo os braços para a
estufa.
Minha mãe imita o gesto dele, e Michael em seguida. É um
quadro fofo e ridículo: os três agindo como apresentadores
sincronizados de um game show na TV.
Olho para a estufa, confusa. Ela é de tijolos com telhado de
vidro inclinado e portas duplas. Por um momento, não sei ao que
eu deveria estar reagindo.
Mas então percebo que os antigos tijolos brancos foram
pintados de um lindo verde-claro e que o vidro das janelas e do
telhado estão reluzindo de limpos.
— A gente terminou o lado de fora ontem à noite enquanto
você estava no trabalho — diz minha mãe, orgulhosa. — Mas
estamos renovando o interior há semanas.
Michael saltita enquanto nosso pai abre as portas duplas,
fazendo um sinal para eu olhar o lado de dentro.
Prateleiras foram fixadas nas paredes muito brancas e ladrilhos
de cerâmica lustrosos cobrem o chão. Cactos e suculentas em
vasos de concreto de tamanhos diversos estão espalhados por
todo o espaço.
— Nós achamos que você poderia expor seu trabalho nas
prateleiras — diz minha mãe.
— E você pode guardar suas ferramentas aqui — acrescenta
meu pai, abrindo uma das gavetas de um móvel de metal.
— É um ateliê — digo, atordoada.
Meus pais criaram um ateliê para mim, um lugar só meu para
trabalhar.
— A gente se inspirou no do Museu Barbara Hepworth.
Gostou? — pergunta minha mãe, em um tom cheio de esperança.
Concordo lentamente.
— Ficou lindo. Obrigada.
Ela une as mãos com alegria e Michael sorri para ela, depois
para mim.
Minha garganta está apertada e meus olhos ardem. Estou mais
emocionada do que posso expressar. Eles se dedicaram tanto a
esse ateliê e eu sinto os fachos de holofote do amor deles por mim
irradiando em minha direção.
É ofuscante. É demais.
Como vou contar a eles sobre Londres?
Sinto uma dor profunda no peito pela minha avó. Ela é a única
pessoa que eu sei que teria entendido.
Capítulo Cinco
Brit Easton é uma das pessoas mais bonitas que já vi. A fotografia
que me vem à mente quando penso nela foi a tirada no tapete
rosa do Prêmio Billboard Women in Music no início deste ano: ela
está usando uma calça preta elegante e um top preto sobre a pele
negra que expõe sua barriga perfeitamente reta. O cabelo cai até
os ombros em tranças pretas brilhosas presas com contas
douradas, um batom vermelho anos 1940 enfeita seus lábios
cheios e traços de delineador e o que espero em Deus sejam cílios
postiços, porque ninguém pode ter tanta sorte, acentuam seus
penetrantes olhos verdes.
Quando vi essa foto, eu me senti mal. Finn trabalhou por um
mês com ela.
Portanto, não é de se surpreender que eu esteja ansiosa para
tentar ficar tão bonita quanto possível no sábado de manhã, mas,
apesar de meus melhores esforços, ainda pareço abatida e
cansada. Meu sexto sentido me manteve acordada metade da
noite.
Escolhi um vestido mídi verde-escuro. Finn me disse uma vez
que eu ficava linda de verde, por isso fui direto nesse item em
meu guarda-roupa.
Estou encostada no muro baixo de pedra que margeia o riacho
do lado de fora de casa quando ele para o carro e percebo, através
do vidro, que está com uma expressão estranha. Seus lábios estão
apertados em uma linha reta e há rugas entre as sobrancelhas. Ao
olhar para mim pelo para-brisa, seu rosto parece angustiado.
Mas seus lábios se curvam em um sorriso razoável quando abro
a porta do passageiro.
— Oi! — exclama ele, inclinando-se para me dar um abraço.
É breve, apenas o suficiente para eu sentir uma lufada de ar
marinho frio em sua pele, mas o modo como ele me aperta
durante esses dois segundos parece quase… desesperado.
— Você é um colírio para os meus olhos — comenta ele
casualmente. — Vestido bonito. Você estava parecendo uma
imagem de conto de fadas, encostada ali no muro coberto de
musgos no meio de todas aquelas samambaias.
Dou risada, encantada com a descrição.
— Obrigada. Você também está bonito — digo, o observando.
Seu cabelo escuro está comprido na nuca, mas em volta do rosto
é um pouco mais curto, marcando o queixo e as maçãs do rosto
de maneira despojada. Os olhos estão lindos como sempre, mas
carregam uma emoção que não consigo compreender muito bem
quando ele olha para mim. É quase melancólico, triste. Estou
hiperalerta.
— O Michael está trabalhando hoje? — pergunta ele, e para
qualquer outra pessoa teria soado normal.
Mas não para mim. Para mim, ele parece tenso.
— Acho que está, sim.
— Eu pensei em fazer o contrário: estacionar em Chapel Porth e
dizer oi pra ele, depois ir andando de lá até o Blue Bar.
— É uma boa ideia.
— Está com muita fome?
— Não, não muita.
Não estou fome nenhuma, mas tenho certeza de que me vou me
sentir melhor quando souber o que está acontecendo com ele.
Ou talvez não.
O trajeto até Chapel Porth não é longo, mas conseguimos falar de
seu voo e ele também me atualiza sobre sua família daqui. Tyler,
Liam e os avós foram de novo para Los Angeles no Natal. Eu já
sabia disso em primeira mão por intermédio de Trudy, que estava
toda orgulhosa ao me contar, quando encontrei com ela, que Finn
tinha pagado as passagens de avião de todos eles, mas foi bom
ouvir pela perspectiva de Finn. Parece que todos se divertiram.
Deve ser um alívio para eles passarem o Natal juntos, longe de St.
Agnes e da lembrança do que aconteceu tantos anos atrás.
O estacionamento em Chapel Porth já está quase lotado, mas
alguns surfistas estão embarcando em uma van de frente para o
mar. Tivemos sorte e conseguimos estacionar direto. Michael está
ocupado orientando o carro à nossa frente e não percebe a nossa
chegada. Ele está do outro lado do estacionamento quando
saímos do carro, mas nós o vemos com sua camiseta vermelha e
colete refletivo, direcionando o motorista para uma vaga
desocupada. Ele parece tão tranquilo, e não posso deixar de sorrir
quando ele faz um joinha e dá um sorriso alegre para o motorista.
Um Lotus conversível amarelo-canário surge no
estacionamento e Michael quase entra em combustão espontânea
de entusiasmo. Quando o motorista para, aguardando instruções,
Michael levanta a mão em um “toca aqui” no ar.
— Caramba! — exclama Finn, com súbita e indignada
incredulidade. — Olhe só como ele é gentil com completos
estranhos! Ele sempre me trata como se eu fosse alguma coisa
nojenta em que ele pisou.
Solto uma gargalhada, mas, quando percebo que ele realmente
pode estar um pouco magoado, estendo o braço e aperto sua
mão.
— Ahh — digo.
A mão dele permanece aberta e meu estômago se aperta
quando o solto.
Michael está de costas para nós quando nos aproximamos, mas,
ao se virar e me ver, seu rosto se ilumina. E, então, ele olha para
Finn e eu aguardo que sua expressão se transforme na
repugnância típica, mas isso não acontece. Na verdade, ele parece
ainda mais alegre.
— Finn! — grita ele, abrindo os braços, e meu coração se enche
de alegria ao ver Finn olhando para mim por cima do ombro de
Michael em seu abraço, com os olhos arregalados de espanto e
prazer. — O que você está fazendo aqui? — pergunta Michael a
ele quando eles se separam.
— Eu estava levando sua irmã para um brunch.
— Venham tomar um chá!
— Com você? — pergunta Finn.
— Aham, eu posso fazer meu intervalo agora.
— Tudo bem, se você tem certeza.
Pegamos o tíquete do estacionamento e eu vou ao café fazer o
pedido, enquanto Michael insiste em apresentar Finn ao seu
chefe. Eles estão no abrigo ao lado do café agora, conversando,
enquanto espero nossas bebidas serem preparadas.
Finn está diferente, e a princípio não consegui identificar o que
era, mas agora percebo que ele engordou um pouco desde o ano
passado. Ele tem vinte e sete anos, a mesma idade que eu, e não é
mais um garoto indie superesguio. Mas não foi só isso que
mudou. Quando foi que ele parou de usar camisetas velhas e
roupas de segunda mão? Ele está com um jeans preto e camiseta
azul-clara, mas não há nada com cara de muito usado neles. Meu
coração se aperta e eu me viro de novo para o balcão, pegando
meu cartão para pagar.
— Trouxe um muffin pra você — digo a Michael quando vou
até eles.
— Obrigado, irmãzinha! — responde ele, entusiasmado. —
Servido? — pergunta a Finn.
— Não, obrigado. Vou comer daqui a pouco.
Nós nos sentamos e conversamos até Michael ter que voltar ao
trabalho, e então seguimos em direção à praia para caminhar até
o Blue Bar. Mas não consigo afastar a sensação de que há algo
errado e não posso me imaginar comendo absolutamente nada
até entender isso.
— Finn, espere. — Puxo seu pulso quando estamos passando
pelo carro dele.
— O que foi? — Ele se vira.
— Eu preciso que você me diga o que está acontecendo.
— Como assim? — pergunta ele, cauteloso.
— Alguma coisa mudou. Entre a gente. Você não está à
vontade. Por quê?
Ele me encara por um momento e, então, seus ombros baixam
lentamente.
— É a Brit, não é?
Ele abaixa a cabeça e, quando seus olhos voltam a encontrar os
meus, estão cheios de pesar.
Uma onda de tristeza desaba sobre mim.
Ele pega a chave no bolso, destranca a porta e faz sinal para eu
entrar de novo no carro.
Nós nos sentamos nos bancos da frente, virados um para o
outro.
— Você transou com ela? — pergunto, no que é pouco mais que
um sussurro.
Eu sei que não tenho o direito de perguntar isso. Era o nosso
trato: se você estiver sozinho e eu estiver sozinha… Você não tem que
esperar por mim… Não fizemos promessas, eu também saí com
outros. Não é culpa dele se minhas tentativas nunca deram em
nada.
Mas Finn talvez tenha tido uma conexão com alguém em um
nível mais profundo.
Ele não fala. Seu leve aceno de cabeça e a expressão de dor
respondem por ele.
— Ai, Deus. — Eu me viro para a frente e me curvo,
escondendo o rosto nas mãos.
— Desculpe — sussurra ele.
— É um lance sério? — pergunto, sem levantar a cabeça.
Quando ele hesita, eu me endireito e olho para ele.
Ele engole em seco, o rosto pálido.
— Talvez — admite ele.
— Ai, Deus — repito e apoio o rosto nas mãos outra vez. —
Acabou pra gente?
— Liv — diz ele, com tristeza, pondo a mão em minhas costas.
Isso é tudo que ele diz, então eu me forço a olhar para ele de
novo. Seu rosto está marcado pela agonia.
— Você a ama? — É com muita dificuldade que consigo
perguntar isso.
Ele sacode a cabeça, mas não é uma resposta à minha pergunta,
é mais uma relutância em responder.
— Eu gosto de você, gosto tanto — diz ele. — Sinto saudade.
Sempre penso em você, mas eu quero alguém pra dividir os
problemas e as alegrias o ano todo, não só no verão. Até conhecer
a Brit, eu não sabia o quanto precisava disso.
— Então você conversa com ela de verdade? Você se abre com
ela?
Ele assente e eu acho que isso dói ainda mais do que saber que
ele dormiu com ela. Se ele ainda não está apaixonado,
definitivamente está quase lá. A mão dela está se fechando em
volta do coração dele e eu tenho vontade de abrir aqueles dedos e
arrancá-la de lá.
— Por que você voltou? — pergunto, com lágrimas escorrendo
pelo meu rosto.
— Porque eu queria ver você.
— Só pra me dizer que acabou?
— Não necessariamente.
Meu coração se enche de esperança quando vejo a expressão
nos olhos dele.
— Mas a gente não pode continuar assim — declara ele. —
Alguma coisa tem que mudar.
— Você vai voltar pra Aggie, então? — Não sei de onde veio
meu tom sarcástico, mas sinto a raiva fervendo dentro de mim.
— Você sabe que não — responde ele, a voz baixa.
— Bom, você sabe que eu não posso ir embora.
— Por que não? — pergunta ele, e diz isso de uma maneira que
soa tão natural que faz minha raiva crescer um pouco mais.
— Como assim, por que não? Você acabou de ver o motivo! A
resposta está logo ali, no estacionamento!
— O Michael não precisa de você tanto quanto você diz que ele
precisa.
— Você não sabe do que está falando — murmuro.
— Ele tem mais amigos do que você, pelo amor de Deus! —
explode ele, também irritado agora. — Ele ficaria muito bem se
você passasse um tempo fora daqui!
— Ele não ficaria, não — revido.
— Você não pode continuar usando o Michael como desculpa
para não sair daqui. Acho que a verdade é que você tem medo.
Você tem medo de sair da sua zona de conforto. Tem usado este
lugar como uma muleta desde que seus pais morreram.
— Isso não é verdade.
Mas ele ainda não terminou.
— Acho que você talvez até goste do que sente quando eu vou
embora. Você mesma me disse que se joga na escultura. Você usa
a dor. Precisa disso pra funcionar.
Ele não está me contando nada que eu já não saiba, mas estou
furiosa por ele ter a ousadia de dizer.
— Eu nunca vi você esculpir nada que traga alegria. Fiquei
contente quando vi aquela estátua do Lorde Sei-lá-o-quê, porque
a cara dele parece feliz, mas aí lembrei que ele está morto e que
provavelmente esculpi-lo matou você também.
— Como você se atreve a me dizer isso? — grito. — Você é um
hipócrita! As suas músicas são cheias de versos sobre sua criação,
esse lugar, a sua infância trágica… Você escreve músicas baseadas
na própria dor e no seu sofrimento praticamente desde que eu
conheço você! Você escreveu músicas baseadas na minha dor e no
meu sofrimento! E quantas músicas você se sentiu inspirado para
escrever depois de me deixar aqui? Você também usa a dor a seu
favor. É exatamente a mesma coisa!
— Eu não quero mais me sentir assim! Eu quero ser feliz, Liv!
Quero uma vida em paz! Uma namorada de verdade! Mulher e
filhos um dia! Eu quero você, mas você não está disponível, porra!
Uma batida na janela nos sobressalta. Michael está olhando
para nós, com uma expressão ameaçadora no rosto.
Eu abro a porta.
— O que foi?
— Por que vocês estão brigando? — pergunta ele, falando alto.
— Não estamos.
— Eu ouvi vocês! — grita ele.
— Estamos conversando — digo, tentando me recompor.
Finn se inclina para falar diretamente com Michael.
— Sua irmã acha que não pode ir embora de St. Agnes — diz
ele.
— Finn! — repreendo.
Achei que ele fosse me apoiar, e não arrastar meu irmão para o
meio da nossa confusão.
— Por que não? — pergunta Michael.
Ele não está mais gritando, mas não está longe disso.
— Porque ela não quer deixar você aqui sozinho — explica
Finn, com uma calma incrível.
— Eu não estou sozinho — responde Michael, franzindo a testa
e mudando o corpo de posição, e ele parece tão pequeno parado
ali, com seu metro e meio de altura, engolido pelo tamanho do
colete refletivo.
Finn me lança um olhar de “eu não disse?”.
— Viu?
— Não faça isso — alerto, furiosa.
— Pra onde você quer ir? — pergunta Michael, confuso.
— Eu não quero ir pra lugar nenhum — respondo.
— Ela está mentindo — retruca Finn do banco do motorista. —
Ela não vai pra Los Angeles, não volta pra a Itália, não vai nem
pra Londres. Ela não quer deixar St. Agnes e não quer deixar
você. Ela acha que precisa cuidar de você.
— Você não precisa cuidar de mim! — interrompe Michael, com
o cenho franzido. — Eu não quero que você fique aqui por minha
causa.
Ele está ficando irado e eu quero matar Finn por colocá-lo nessa
situação.
— Está tudo bem, Michael — digo, estendendo a mão para
segurar a dele. — Tudo bem. Eu não vou a lugar nenhum. Eu não
quero deixar você.
— Não! — responde Michael, enfurecido, afastando a mão. —
Você não cuida de mim. — Ele pronuncia cada palavra lenta e
claramente, do modo exato como nossos pais o ensinaram. — Eu
cuido de você! — declara ele. — VOCÊ. É MINHA. IRMÃ. MAIS NOVA.
Fico olhando para ele, em choque.
É assim que ele vê as coisas? Que é ele quem tem cuidado de
mim todo esse tempo?
Poderia haver alguma verdade nisso?
Ele detestava que eu morasse na casa dele, mas tolerou. E,
quando penso em todas aquelas vezes em que ele veio se
arrastando para o almoço de domingo, reclamando de não estar
com nenhuma vontade de fazer aquilo ou preferindo estar na
frente da TV ou no trabalho, vendo os carros clássicos entrando no
estacionamento, eu me pergunto se entendi tudo errado esse
tempo todo. Era ele quem estava me fazendo um favor? Ele estava
me apoiando? Porque achava que eu precisava que ele fizesse
isso?
O mundo ao meu redor gira, forçando-me a olhar para a
situação por uma perspectiva diferente.
Mas, mesmo que Finn e Michael estejam certos, como eu posso
pensar em ir para Los Angeles agora? Mesmo que eu quisesse
tomar essa iniciativa, o que eu não quero, Finn já se apaixonou
por outra pessoa.
Capítulo Quarenta e Quatro
— Não foi assim que eu imaginei ver você de novo — diz ele
depois, quando estamos na cama, nus, com as pernas
entrelaçadas.
Sua voz é surpreendentemente calma e contemplativa.
— Não?
— Eu ia para Perranporth, para arrumar as coisas.
— E não foi? — Ele tinha planejado ficar lá na noite passada.
— Não, vim direto para cá.
— Não conseguiu ficar longe.
— Não consegui — concorda.
— Ficou com vontade de desenhar na areia de novo? — Não me
esqueci da areia em seus dedos.
— Não, fiquei com vontade de ver você. O desenho na areia foi
só para passar o tempo.
Sorrio em seu ombro.
Ele acaricia meu rosto e levanta suavemente meu queixo para
que eu o encare.
— Estou me apaixonando por você, Liv — declara ele, com
ternura e sinceridade.
Meu coração quase explode no peito quando encaro seus olhos,
que cintilam de emoção. Antes que eu possa abrir a boca para
responder, ele continua.
— E isso me deixa apavorado.
— Eu também estou me apaixonando por você — digo, na
esperança de tranquilizá-lo de que estamos nisso juntos.
— Isso é ainda mais assustador.
Essa confissão, junto com a súbita expressão angustiada em seu
rosto, me paralisa.
— Por quê? — pergunto cautelosa.
— A gente precisa conversar.
Capítulo Quarenta e Sete
— Acho que vou para casa — avisa Tom por volta das dez e
meia.
Acabei de me juntar a ele no balcão, onde ele estava
conversando com Bill, que ficou depois do jantar para a festa.
Eu estava dançando com Rach e Ellie e passando a maior parte
do tempo tentando me convencer de que não estou
dolorosamente atenta a cada movimento de Finn.
Parece que Dan tinha dito que, se ele mudasse de ideia de
última hora, seria bem-vindo a qualquer momento.
Pelo visto, ele mudou de ideia de última hora.
Nós não trocamos mais do que duas palavras. Depois que
chegou, ele foi direto para o balcão para ver Tyler, e Dan, Tarek e
Chris foram atrás dele. Chas saiu para conversar com uns
amigos, e eu voltei depressa para o lado de Tom.
Não sabia o que dizer e Tom não me pressionou, mas senti sua
atenção voltando toda hora para o meu rosto, tentando decifrar
as emoções que claramente se agitavam dentro de mim.
— O quê? Não! — protesto contra suas palavras. — Você não
pode ir embora! Você está bem?
— Estou. Eu só… estou um pouco cansado e…
— Se você for, eu também vou.
— Não seja boba. Fique aqui e se divirta — insiste ele.
— Só vou pegar minha bolsa atrás do balcão — declaro, com
firmeza.
Ele suspira, seus olhos castanho-dourados fixos em mim.
— Se você não vai me deixar ir sozinho, então acho que vou ter
que ficar.
— Essa é a melhor opção. — Dou uma batidinha em seu peito
com alívio e sou recompensada com um sorriso. — Eu te amo —
lembro a ele.
Sinto que ele precisa ser lembrado disso neste momento.
— Eu também te amo — responde Tom.
Eu me aconchego nos braços dele e apoio ternamente o rosto
em seu peito. Para quem olha de fora, talvez até pareça que estou
em paz, mas minha mente está a mil.
Vejo Chas na outra ponta do balcão, conversando com o
vocalista da banda. Ele está tramando alguma coisa. Quando ele
sai de trás do balcão e sobe no palco vazio, meu coração se
aperta.
— Que tal o noivo e o pessoal da Mixamatosis tocarem uma
música pra gente? — diz ele ao microfone. — Pelos bons e velhos
tempos. O ex-vocalista de vocês está aqui hoje à noite.
Os aplausos se elevam e a multidão começa a gritar: “TOQUEM!
TOQUEM! TOQUEM!”
Os gritos aumentam em um crescendo e então todo o salão
explode em aplausos ruidosos quando Dan, Tarek, Chris e Finn
sobem no pequeno palco. Eles se agrupam brevemente antes de
olhar para o equipamento e se preparar. Finn está de costas para
o público, observando os antigos colegas de banda conferirem os
instrumentos que foram emprestados a eles. Depois se vira e
pega o microfone, seus olhos examinando a multidão. Eles param
em mim por alguns segundos antes de se moverem para Tom, e
então passam por ele e pousam em Amy, que está perto de nós.
— Essa é pra noiva — anuncia ele, com um sorriso preguiçoso.
Tom aperta minha cintura e se inclina para falar em meu
ouvido.
— Eu já volto.
— Você não está indo embora, né? — Olho para ele em pânico.
— Só vou até o banheiro — promete ele, apertando minha
cintura de novo e lançando um olhar para o palco. Seu olhar se
fixa por um momento, e eu vejo que sua mandíbula está tensa
quando ele se vira.
Volto a atenção para o palco e vejo Finn olhando para mim. Ele
baixa os olhos quando seus colegas de banda começam a tocar, e
a melodia instantaneamente reconhecível de “Never Tear Us
Apart” do INXS flui pelos alto-falantes.
A voz profunda e emocionada de Finn preenche o salão. “Don’t
ask me…”
Meus pelos da nuca se arrepiam, como na primeira vez que o
ouvi cantar. Não passa despercebida para mim a coincidência de
ser uma música da mesma banda.
É uma escolha de música incrível para Dan e Amy, mas, quando
os olhos de Finn se erguem outra vez e se fixam nos meus, sinto
que ele está cantando a letra para mim.
Estou destruída.
Um nó se forma em minha garganta enquanto o encaro de
volta, tentando controlar minha reação. Suas sobrancelhas se
unem ao me observar, e todo o salão parece desaparecer.
Eu não consigo lidar com isso.
— Nem pense — sussurra Amy em meu ouvido quando consigo
desviar o olhar durante o trecho instrumental.
— O quê? — pergunto com a voz rouca, olhando para trás dela,
atordoada.
— Ele está no seu passado. Deixe o Finn lá.
— Falar é fácil.
— Tenho que dizer uma coisa e preciso que você ouça — diz
ela, firme, quase brava, quando o trecho instrumental termina e
Finn volta a cantar.
Relutante, eu olho para ela, incapaz de me concentrar
totalmente, porque a voz dele é tão linda.
Mas ninguém discute com uma noiva no dia de seu casamento.
Especialmente esta noiva.
— Quando penso em você no seu momento mais feliz, penso
naquele verão em que você acabou a faculdade. Você tinha o
mundo inteiro aos seus pés e estava cheia de entusiasmo e alegria
pelo futuro. Você estava brilhando. Estava radiante. Depois disso,
a única vez que vi você assim de novo foi com o Tom.
Sinto um arrepio quando vejo os olhos dela se encherem de
lágrimas.
— Não faça isso, Liv — implora ela quando a música termina e
todos aplaudem. As pessoas estão olhando, mas Amy ignora o
fato de que a música foi dedicada a ela. Ela nem sequer olha na
direção da banda, porque ainda está falando diretamente no meu
ouvido. — Você vai voltar para o mesmo círculo doloroso em que
esteve durante anos. Ele vai ficar por um tempo, despedaçar o
seu coração e pular fora de novo. Não posso ver você fazer isso,
ainda mais agora, quando parece estar tão perto de encontrar
uma felicidade duradoura.
Ela se afasta e me lança um olhar severo enquanto “Fire” de
Kasabian começa a tocar nos alto-falantes. Os rapazes só tocaram
uma música.
Mas estou mesmo perto de encontrar uma felicidade duradoura?
Quanto tempo o que eu tenho com Tom pode durar de fato? E se
o coração dele simplesmente parar um dia quando estivermos
andando na praia? Eu poderia literalmente acordar amanhã e
descobrir que o perdi.
Atrás de Amy, vejo Tom sair do banheiro. Abaixo a cabeça,
piscando com rapidez e tentando me recompor. Não quero que
ele me veja assim.
— Por favor, Liv — implora Amy.
Assinto e caminho para Tom, indo direto para seus braços.
— Acho que quero ir pra casa agora.
Ele me abraça forte, embalando minha cabeça em seu peito, e
talvez seja a batida nos alto-falantes reverberando pelo meu
corpo, mas prefiro imaginar que é o coração dele batendo junto
ao meu.
Na manhã seguinte, no aniversário de morte dos meus pais,
minha determinação enfraquece. Estou sentada na frente de Tom
à mesa do café da manhã e acabei de dizer a ele que vou dar uma
volta pelos penhascos.
— Quer companhia? — pergunta ele com a voz calma, pegando
um pouco de granola com a colher.
Eu pigarreio.
— Acho que preciso ir sozinha.
Ele respeitou minha necessidade de silêncio quando chegamos
em casa ontem à noite. Adormeci em seus braços e acordei neles,
então esperava que fosse o suficiente para tranquilizá-lo.
Mas, pela sua expressão, consigo ver que não estou nem perto
disso. Tenho a sensação de que ele consegue enxergar dentro de
mim.
Respiro fundo.
— Preciso ver o Finn — confesso.
Seus olhos estão inquietos quando nos encaramos por um
momento, e então ele assente e baixa a cabeça, colocando a colher
de volta na tigela.
— Eu te amo — sussurro. — Mas sinto que temos assuntos
pendentes.
— Vocês não terão sempre assuntos pendentes? — pergunta ele
diretamente. — A menos que você entre de cabeça e tenha um
relacionamento de verdade com ele, não vai ficar sempre
imaginando como poderia ter sido? E, se ele não esteve
disponível para um relacionamento até agora, o que faz você
pensar que alguma coisa mudou?
— Acho que nada mudou — respondo, nervosa. — Ele está
namorando.
— Pelo jeito que ele estava olhando para você ontem, Liv, acho
que ela já era faz tempo.
Meu coração dá um salto.
Ele passa as mãos bruscamente pelo rosto, obviamente
frustrado.
— Vá — diz ele, a voz entrecortada. — Faça o que tem que fazer.
Vou estar esperando quando você voltar para casa.
— Obrigada — murmuro, estendendo a mão para apertar a
dele. — Quando eu voltar, vamos juntos pra casa do Michael.
Vamos almoçar com ele hoje.
Eu me sinto péssima quando pego o celular e as chaves, mas, se
não terminar com isso, e tenho toda a intenção de que acabe aqui,
sempre vou me arrepender.
Não posso passar mais um ano, muito menos o resto da vida,
sem um desfecho adequado.
Capítulo Cinquenta e Um
Ele se foi.
E eu estou perdida.
Sete verões depois…