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Mal de Alzheimer

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MUSICOTERAPIA COMO TRATAMENTO COMPLEMENTAR NO MAL DE

ALZHEIMER*

Luisiana B. França Passarini

Centro de Musicoterapia Benenzon Brasil – São Paulo, Brasil

Resumo: Este artigo pretende abordar os principais fundamentos teóricos que embasam e
permeiam o tratamento musicoterapêutico de pacientes com Mal de Alzheimer, sob a ótica do
Modelo Benenzon de Musicoterapia.

Palavras-chave: Musicoterapia; Identidade Sonora; Alzheimer

“A musicoterapia para pacientes com demência é possível porque a percepção, a


sensibilidade, a emoção e a memória para a música podem sobreviver até muito tempo depois de
todas as outras formas de memória terem desaparecido.”

(Sacks, 2007:320)

De acordo com Rolando Benenzon, músico, psicanalista e psiquiatra argentino, precursor da


musicoterapia no Brasil e América Latina, o objetivo fundamental da musicoterapia com o
paciente que sofre de Alzheimer é estabelecer novos canais de comunicação através do
contexto não-verbal (sonoro-musical) e assim melhorar e fortalecer sua saúde.

Como uma das maiores autoridades mundiais no assunto, define a musicoterapia como “...
uma psicoterapia não-verbal que utiliza o som, a música e os instrumentos córporo-sonoro-
musicais para estabelecer uma relação entre musicoterapeuta e paciente ou grupos de
pacientes, permitindo através dela melhorar a qualidade de vida, recuperar e reabilitar o
paciente para a sociedade” (Benenzon, 2000: 26).

Portanto, a musicoterapia trabalha essencialmente o contexto não-verbal e prioritariamente


com a comunicação não-verbal ou analógica.

Segundo o autor (2008:56): “O contexto não-verbal é a interação dinâmica de infinitos


elementos que configuram códigos, linguagens e mensagens, que impactam e estimulam o
sistema perceptivo global do ser humano e permitem a ele reconhecer o mundo que o rodeia,
seu entorno, seu ambiente e ao outro ser humano com o qual tende a comunicar-se”. Estão
presentes neste contexto os elementos gestuais, corporais, verbais, sonoros, musicais,
espaciais, de movimento e de temperatura, entre outros, herdados filogeneticamente e
ontogeneticamente, que constituem a memória não-verbal do sujeito:
“Nessa memória está o princípio de toda nossa existência. Se nos
circunscrevermos ao som, a primeira marca nessa memória foi um primeiro
som, que modificou o silêncio. O segundo som que se repetiu organizou o
ritmo, e o terceiro som criou o intervalo e com ele escutou-se a melodia.
Logo, quando estes três sons apareceram em uníssono, imediatamente
percebeu-se um acorde, e a sucessão de todos criou a harmonia e entre todos
eles seguia presente o silêncio. O contexto não-verbal é o paradigma da
musicoterapia” (Benenzon, 2008:57) .

O fundamento principal da musicoterapia é a afirmativa de que cada ser humano possui uma
“identidade sonora” , constituinte da memória não-verbal, ou seja, que as energias sonoras
herdadas e vivenciadas constituem-se como engramas mnêmicos sonoro-musicais no sujeito.
Refere que a partir do momento da concepção o ser humano é rodeado por um conjunto
infinito de energias sonoras como vibrações, movimentos, sons e músicas que, atrelados às
emoções, sensações, experiências de vida e vivências relacionais, delineiam esta identidade
(Benenzon, 1998).

O trabalho musicoterapêutico, portanto, consiste em mobilizar a afetividade e estimular a


expressão das emoções através da comunicação não-verbal ou analógica, entendida como: “...
o conjunto de indicadores comunicacionais que aparecem em uma interação como expressão
facial, postura, gestos, inflexão de voz e qualquer manifestação não-verbal que o corpo seja
capaz” (Watzlawick, 2007).

No processo vincular entre musicoterapeuta, paciente e o grupo que o cerca, onde interagem
as “identidades sonoras” e os engramas mnêmicos do sujeito, é que se dá o processo de
reabilitação da pessoa com Alzheimer. Considerando que as energias sonoro-musicais estão
inseridas em diferentes instâncias psíquicas - inconsciente, pré-consciente e consciente - e
tendem à descarga de tensão, o trabalho musicoterapêutico permite ao sujeito a movimentação
destas energias e , consequentemente, a abertura de novos canais de comunicação, intra e
extra-psíquicos, através da relação terapêutica (França Passarini, 2008).

Segundo Benenzon (2008), pretender comunicar-se com um paciente que sofre de Alzheimer
implica considerá-lo como sujeito inscrito em uma trajetória individual, cultural e social, com
sentimentos, emoções e sensações que não devem ser menosprezados em função dos déficits
que a demência impõe. As hipóteses de trabalho devem estar embasadas nos recursos e
possibilidades do paciente e não o contrário, de maneira que a prática clínica baseia-se,
predominantemente, nos elementos constituintes da Identidade Sonora (ISO) Universal,
Guestáltica, Cultural e Familiar.
Como parte do ISO Universal, inseridos no inconsciente, aparecem os sons e os ritmos
produzidos pelos batimentos cardíacos, pela inspiração e expiração, os sons da natureza como
vento e água. Em termos musicais, algumas canções de ninar, ritmos binários e alguns
intervalos entre notas. No ISO Guestáltico, igualmente inseridos no inconsciente, aparecem
todos os elementos particulares do período da gestação, como sons do corpo da mãe, sons que
chegam pelo líquido amniótico e sons presentes no inconsciente da mãe. Em termos musicais,
o ritmo binário, canções infantis, sonoridades e músicas particulares da cultura da mãe e da
família (ISO Familiar). No ISO Cultural, inseridos nas energias do pré-consciente, estão as
canções, melodias e movimentos que caracterizam o meio sociocultural onde vive ou viveu o
indivíduo.

Estas estruturas energéticas, por serem as primeiras a constituírem a memória não-verbal do


sujeito, estão presentes até nos sistemas muito rudimentares de vida, como nos estágios mais
graves do Alzheimer, o que corrobora a afirmação do neurologista Oliver Sacks na frase que
inicia este texto.

Segundo Benenzon (2008:315) : “A liberação energética, seguindo o princípio de prazer, seria


um dos objetivos teóricos da musicoterapia. Este acionar renova a possibilidade de desejo do
paciente com Alzheimer”. De modo que, considerando os elementos do ISO Universal, o
paciente será estimulado a relacionar-se através de canções de ninar, de canções infantis e de
estruturas musicais simples que ele tenha a capacidade de realizar, ou possa tentar realizar.
Estes elementos têm ligação com funções básicas do organismo como respirar e caminhar, por
exemplo. As sensações cenestésicas e sinestésicas estão inseridas na memória corporal e não-
verbal do paciente. Trabalhar com o toque, o movimento e os odores, aliados aos componentes
sonoro-musicais do ISO Guestáltico podem ser úteis para favorecer a comunicação com o
mesmo. Os elementos do ISO Cultural estão imersos em fontes arquetípicas, arcaicas e
familiares a que o sujeito é exposto desde seu nascimento. Assim, trabalhar as canções,
melodias e sons da cultura podem ajudar o paciente a retomar o sentido de identidade
individual e social e, consequentemente, relacionar-se com o outro e o meio que o circunda.

No processo musicoterapêutico não se considera a música ou o som isoladamente, mas todo o


contexto não-verbal em que estão inseridos, ou seja, quando o paciente vivencia estes
elementos, outros componentes como odores, sensações e lembranças estarão vinculadas .
Sob a ótica da neurociência, a música, ao estimular a memória não-verbal (áreas associativas
secundárias), acessa diretamente o sistema de percepções integradas, ligadas às áreas
associativas, que unificam as várias sensações incluindo gustatória, olfatória, visual e
proprioceptiva . Tem acesso direto à afetividade, às áreas límbicas, que controlam nossos
impulsos, emoções e motivação. Integra várias impressões, o que nos remete a odores,
lembranças ou imagens . Também ativa as áreas cerebrais responsáveis pelas funções práxicas
de sequenciação, de melodia cinética da própria linguagem e pela mímica que acompanha
nossa reações corporais ao som (Muszkat).

A musicoterapia permite ao paciente com Alzheimer a descarga afetivo-emocional e o retorno


à homeostase energética. Permite o despertar visceral, a atividade sensório-motora e a
espontaneidade corporal, através de palmas e movimentos que acompanham um ritmo, por
exemplo. Favorece que o sujeito saia de um completo estado de desorientação e delírio,
através de uma canção que entoe seu nome. O passado pode ser re-significado através da
memória emocional que subsiste em detrimento da memória cognitiva. (Benenzon, 2008).

Para Sacks (2007:320), a musicoterapia com estes pacientes objetiva: “...atingir as emoções,
as faculdades cognitivas, os pensamentos e memórias, o self sobrevivente desse indivíduo,
para estimulá-los e fazê-los aflorar. A intenção é enriquecer e ampliar a existência, dar
liberdade, estabilidade, organização e foco”.

Diante do exposto conclui-se que a musicoterapia é um tratamento complementar valioso, que


atenta para aspectos neurocognitivos, emocionais, psíquicos e sociais do paciente com
Alzheimer e, portanto, desempenha importante papel nos processos da plasticidade cerebral,
atua na manutenção e melhora da qualidade de vida do paciente e propicia maior interação
deste com o meio social e familiar.
Bibliografia:

BENENZON, Rolando (1998) La nueva musicoterapia. Ed. Lumen, Buenos Aires.

BENENZON, Rolando (2008) La Nueva musicoterapia. 2ª edição. Ed. Lumen, Buenos Aires.

BENENZON, Rolando (2000). Musicoterapia – De la teoría a la práctica. Barcelona: Paidós.

FRANÇA PASSARINI, L.B. (2008). Influências psicanalíticas no Modelo Benenzon de


Musicoterapia - um recorte didático ilustrando um pensar em constante evolução. Trabalho
apresentado como conclusão do curso de extensão Sujeitos da Psicanálise. PUC-SP (Não
publicado).

MUSZKAT, M. Música e neurociência. Disponível em:


http://www.neuroclin.com.br/noticias/Dr_Mauro_Muszkat_05.html. Acesso em 14/09/2009

SACKS, Oliver (2007) Alucinações musicais – relatos sobre a música e o cérebro.


Companhia das Letras, São Paulo.

WATZLAWICK, P; Beavin, J.H; Jackson, D.D (2007) Pragmática da comunicação humana:


um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. Cultrix, São Paulo.

Autora: Luisiana Baldini França Passarini – Bacharel em Musicoterapia (FMU- SP), Magister
e supervisora no Modelo Benenzon de Musicoterapia (Fundación Benenzon - Buenos Aires) e
sócio-fundadora do Centro de Musicoterapia Benenzon Brasil.

Email: luisiana@centrobenenzon.com.br

*Trabalho apresentado no III Congresso Congresso Ibero-americano de


Psicogerontologia – PUC – São Paulo – 2009.

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