contra a Pré-História-1
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Nessa lógica, as Amazônias existem para produzir algo para fora, e assim tem
sido desde antes do início da colonização europeia: na época dos incas, eram as
plumas e a coca; depois, as "drogas do sertão", cacau, borracha, ouro, madeira,
petróleo e energia elétrica, para citar alguns exemplos. Parte dessa visão colonialista
resulta da ideia equivocada de que a Amazônia é uma região inóspita, que, por causa
de limitações ambientais, nunca foi densamente povoada. Nos últimos anos, a
arqueologia destruiu essa hipótese ao demonstrar que a região tem sido habitada há
mais de treze mil anos e foi cenário de importantes inovações tecnológicas no contexto
de todo o continente americano, como o início do cultivo de plantas e a produção inicial
e independente de cerâmica.
Evidências indicam que a Amazônia já era ocupada pelos ancestrais dos povos
indígenas há cerca de treze mil anos, com descobertas em Monte Alegre, no Pará, e
na bacia do rio Guaviare, na Colômbia, onde também foi documentada arte rupestre,
uma das mais antigas do continente. Trabalhos realizados na bacia do alto rio Madeira,
em Rondônia, e também em Monte Alegre, assim como no departamento de Beni, na
Bolívia, mostram que há nove mil anos plantas como mandioca, castanha-do-pará e
araçá-goiaba já eram consumidas e talvez cultivadas pelos povos locais.
Embora as terras pretas mais antigas datem de mais de cinco mil anos, foi
nesse período de aumento populacional que elas se disseminaram por vastas áreas
da Amazônia. Esses solos são considerados extraordinários porque mantêm sua
fertilidade por séculos, mesmo em condições ambientais extremas, como as da região
amazônica. Até a década de 1990, havia debates sobre a origem dessas terras pretas
— se seriam naturais ou resultantes da ação humana. Hoje, há consenso de que foram
formadas por práticas indígenas, embora ainda existam minorias acadêmicas que
discordem.
Esses solos, conhecidos como terras pretas, eram mencionados pela ciência
desde o século XIX, mas apenas na década de 1990 foi comprovada a autoria
indígena em sua formação. Dados arqueológicos indicam que as terras pretas mais
antigas, com cerca de 5.500 anos, se formaram na bacia do rio Madeira, em Rondônia,
e que, há cerca de 2.500 anos, o processo de produção desses solos se espalhou por
várias partes da Grande Amazônia, possivelmente cobrindo até 2% de sua área total.
Esse exemplo ilustra como a arqueologia na Amazônia, cada vez mais, não se
limita ao estudo de belos artefatos de cerâmica e pedra produzidos por povos
indígenas no passado, mas também se interessa pelas maneiras como esses povos
transformaram a natureza e moldaram paisagens. Mais importante ainda, interessa-
se por como essas paisagens preservam um registro valioso dos modos de vida
antigos. Trata-se de um esforço interdisciplinar, que envolve o estudo de amostras de
solo, macro e microvestígios de plantas, ossos de animais e humanos, além do uso
crescente de tecnologias de detecção remota.
O heroísmo desse trabalho reside na ideia de que a história desses povos não
precisa ser um destino inevitável rumo ao contato e à assimilação. Não existe
nenhuma lei natural ou social que determine que as coisas devam ocorrer dessa
maneira. Os caminhos do futuro, embora condicionados pelas circunstâncias do
presente, devem estar abertos à imaginação de mundos melhores, mais justos e mais
diversos. Os povos isolados não são vestígios fósseis de um passado remoto,
aguardando seu destino inevitável de integração. Pelo contrário, sua longa história de
resistência demonstra que outros futuros possíveis podem surgir das ruínas do
presente.