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CAPITULO_TerritoriosInvisiveisBrasilAfricano

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Autorização concedida a Biblioteca Central da Universidade de Brasília pelos

organizadores do livro Narrativas Geografias e Cartografias: para viver, é preciso


espaço e tempo e pelo autor do capítulo para disponibilizar o capítulo Territórios
Invisíveis do Brasil Africano: cartografias & tensões sócio-espaciais nos terreiros
religiosos, sob licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0
Internacional (CC BY-NC-ND 4.0).

REFERÊNCIA
ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. Territórios Invisíveis do Brasil Africano: cartografias &
tensões sócio-espaciais nos terreiros religiosos. In: REGO, Nelson; KOZEL, Salete;
AZEVEDO, Ana Francisca (org.). Narrativas Geografias e Cartografias: para viver, é
preciso espaço e tempo. Porto Alegre: Compasso Lugar/Cultura; IGeo/UFRGS, 2020. v.
1, p. 39-64. DOI: 10.29327/519558.1-4. Disponível em:
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/212906. Acesso em: 06 out. 2020.
NARRATIVAS
GEOGRAFIAS &
CARTOGRAFIAS

2020

Editoras
Rafael Sanzio Araújo dos Anjos
A Geografia e a Cartografia do mundo vai ser profundamente
modificada ao longo dos séculos XV - XIX, sobretudo pelos
novos territórios a ele incorporado, as “novas” fronteiras
constituídas e impostas e, a evolução significativa das técnicas, ou
seja, o horizonte geográfico das terras emersas vai ser ampliado de
forma significativa pelos novos encontros de culturas, identidades e
territorialidades. Neste sentido, a África e a Europa tiveram
interferencias marcantes no suporte e na manutenção da
estruturação do mundo nos últimos cinco séculos, particularmente
na formação do Novo Mundo, a América e no enrriquecimento e
fortalecimento da Europa moderna. O Brasil, por sua vez, apresenta
um posição particular neste cotexto global por ser a unidade política
contemporânea que registra na sua hitoriografia as maiores
estatísticas de importação forçada de distintos contingentes
populacionais africanos ao longo dos séculos XVI a XIX. É nesta
direção que preconizamos que se fazem necessário, interpretações
espacias mais apuradas dos deslocamentos dos povos africanos na
diáspora África-Brasil (do passado e no presente) e os processos
resultantes no território real e conflitante secularmente.
Um entendimento mais holístico da formação territorial do
Brasil passa por contemplar outras perspectivas de explicação das
distintas configurações espaciais e mosicos étnicos que se
sobrepuseram e se justapõem, constituíndo territórios distintos de
convivência com estratégias distintas, desde o seu início até o
contexto atual. Esta estrutura hsitórica básica, se mantém
justamente porque a ordem social dominante e o sistema econômico
operante preconizavam e continua apostando na inferiorização dos
distintos povos com os seus conhecimentos, saberes e tecnologias,
para justificar o processo de dominação e controle dos territórios
chamados oficiais, invisibilizando a "Geografia Real", ou seja, a
manutenção da hostilidade e da inferiorização, como fundamentos
básicos para manter os contextos de exploração, de inexistência
espacial e de manutenção em uma "zona de conforto"
institucionalizada de um seleto grupo da sociedade brasileira,
“branca” e escravocrata.
Neste sentido, a compreensão das demandas e complexidades
das dinâmicas da nossa sociedade e dos territórios usados são grandes
e existem poucas disciplinas mais bem colocadas do que a Geografia
e a Cartografia para auxiliar na representação e interpretação das
inúmeras indagações do passado e desse momento histórico. A
Geografia continua sendo o melhor instrumento de observação dos
tipos e das formas de uso do território, ou seja, do que aconteceu,
porque apresenta as marcas da historicidade espacial e do que está
acontecendo, isto é, tem registrado os agentes que atuam na
configuração espacial atual. Entendemos que o território usado é o
resultado de um processo espacial, se caracterizando como um fato
físico e social, político e econômico, categorizável e possível de
dimensionamento (ANJOS, 2009).
A Geografia com foco na matriz africana que tratamos nesta
oportunidade resgata um dos principais “Brasis invisíveis”
secularmente, ou seja, povos e territórios que existiram e se mantém
sobreviventes, mas de uma maneira marginal, não oficial na sua
plenitude. Esta “Geografia da Exclusão e do Conflito” é o que
questionamos aqui e propomos outras leituras e representações do
espaço geográfico, onde a complexidade conflitante da África
exitente-resistente no Brasil seja considerada devidamente. Os mapas
temáticos, por sua vez, são as representações gráficas do mundo real
e se firmam decisivamente como ferramentas eficazes nas
interpretações e leituras dos territórios, possibilitando revelar a
territorialidade das construções sociais e feições naturais do espaço e,
justamente por isso, podem mostrar os fatos geográficos na sua
plenitude. É sempre oportuno lembrar que um mapa não é o
território, mas que nos produtos da Cartografia estão as melhores
possibilidades de representação e leitura da história do território
(ANJOS, 2007).
É importante lembrar que o conceito geográfico de diáspora
tem haver com a referência de dispersão de uma população e das suas
matrizes culturais e tecnológicas. Ao longo da história podemos
identificar a construção de territórios pela mobilidades das
migrações, tanto de forma voluntária quanto das migrações forçadas.
Na África, podemos caracterizar alguns destes grandes movimentos
demográficos, a começar pela primeira diáspora, que corresponde ao
processo espacial milenar de povoamento e ocupação do próprio
continente e, posteriormente, para outras terras emersas do mundo.
O fenômeno espacial que abordamos, nesta oportunidade está
ligado aos séculos de deslocamentos, geralmente, denominado,
“tráfico negreiro” para a América (Novo Mundo), fruto de longos
períodos de migração forçada do continente africano, contexto
propulsor do sistema escravista e base fundamental do capitalismo
primitivo (ANJOS, 2014).
Neste paper buscamos auxiliar na ampliação dos
conhecimentos sobre as matrizes territoriais étnicas dos povos que
formaram e formam o Brasil, particularmente as referências
geográficas oriundas da África, em temporalidades distintas e com
foco no processo de exclusão sistêmica dos terreiros religiosos
afrobrasileiros.

Entendemos o movimento histórico das grandes navegações


como uma consequência direta do processo geográfico de
dominação territorial desenvolvido, amadurecido e implementado
pelo continente europeu, sobretudo na Penísula Ibérica. Este longo
período da história dos seres humanos vai se caracterizar por uma
nova fase de relações entre estes e a natureza e é neste contexto que a
Geografia e a Cartografia vão se desenvolver e servir ao grande
projeto de dominação justificada global. O tráfico demográfico
forçado do continente africano para a América foi, durante quase
quatro séculos, uma das maiores e mais rentosas atividades dos
negociantes europeus, a tal ponto de se tornar impossível precisar o
número de africanos retirados de seu habitat, com sua bagagem
cultural, a fim de serem, injustamente, incorporados às tarefas
básicas para formação de uma nova realidade. O grande trângulo dos
fluxos econômicos – comerciais do século XV ao XIX envolvendo a
Europa, a África e a América tinham o grande oceano Atlântico
(Norte, Centro e Sul) como grande espaço de ligação de pontos,
linhas e áreas, ou sejá cidades, rotas comerciais e regiões
produtoreas. Por seus mares navegavam as mercadorias da Europa,
do Oriente, das colônias e os “navios negreiros” que saiam da rede
de portos europeus e da costa e contra-costa do continente africano.
É neste oceano que se encontra o grande cemitério dos séculos da
diáspora África-América. O Mapa 1 mostra estas referências
territoriais (pontos, linhas e zonas) no continente africano e no
Brasil Colonial nos quatro séculos do tráfico e a geografia da
diáspora que se estruturou e dinamizou nas margens do Atlântico,
mesmo com as contradições sociais, econômicas e políticas do
sistema dominante.
No Fluxo Europa-África-Europa os navios saídos dos portos
escravagistas europeus levavam armas, tecidos, bebidas e outras
mercadorias e dos portos africanos vinham o sal, pedras preciosas,
café, acúcar, marfim, seres humanos dentre outros produtos
tropicias. O Fluxo América-África-América se caracteriza
prioritariamente pelos deslocamentos dos distintos grupos étnicos
com suas bagagens culturais e tecnológicas para a ocupação e
formação dos novos territórios coloniais e da sua costa Oriental
eram exportados o tabaco (fumo de corda), aguardente (cachaça),
batata, amendoin, dentre outras meradorias. Do Fluxo América-
Europa-América saiam acúcar, aguardente, cacau, tabaco, café,
borracha, pedras preciosas, algodão, batata, girassol, tomate, milho,
pimenta, baunilha, etc. e, para o Novo Mundo eram encaminhados
cevada, gado, aveia e centeio.
Toda esta dinâmica espacial entre continentes e sobretudo no
Brasil, pela posição sua estratégica no Oceano Atlântico e na
América escravocrata, estava permeada por conflitos territoriais. No
Mapa 1 estão registrados as grandes regiões de podução econômica
colonial no Brasil com evidência para as metrópoles coloniais no
litoral e a distribuição dos antigos quilombos. A manutenção dessa
estruturação política, econômica e territorial por quase quatro
séculos no território brasileiro e a quantidade de africanos
importados até 1850, não devidamente quantificada, mostra como a
consolidação da sociedade escravagista conseguiu estabilizar-se e
desenvolver-se mesmo com os conflitos políticos e contradições
econômicas e sociais. O Mapa 2, tratando ainda da mesma temática
aprofundando no Brasil, mostra graficamente de forma sintética a
dinâmica territorial dos deslocamentos dos povos africanos para a
Colônia ao longo de quase quatro séculos, evidenciando não
somente a chegada nos portos e metrópoles, mas sobretudo o
movimento de penetração africana no território.
O mapa temático mostra ainda os registros quantitativos do
primeiro Censo realizado em 1872 cujo dados foram básicos para
evidenciar os conflitos da geopolítica da manutenção e/ou extinção
do tráfico e o processo de pressão e tensão interna e externa do
escavista no Brasil. A primeira metade do século XIX caracterizou-
se pelos vários tratados visando abolir o tráfico negreiro, o que no
Brasil só ocorreu efetivamente em 1850, ano que é promulgada a
primeira Lei de Terras do Brasil e que institucionaliza que africanos
e seus descendentes, assim como, os índios não poderiam ter terras
no território do Império. Pelo quadro de ilegalidade e
clandestinidade, os dados estatísticos dos movimentos demográficos
são bem imprecisos. Por pressões geopolíticas européias esse é o
período em que são desfeitas as ligações bilaterais entre os
continentes africano e americano, sendo destruídas as rotas do
tráfico triangular entre a América, a África e a Europa. Entretanto,
o Brasil por 66 anos e os Estados Unidos por mais 90 anos,
continuaram escravistas formalizados depois da independência. O
processo de pulverização das distintas matrizes africanas no
território colonial pelos Estados escravagistas tinha, também, como
estratégia, dificultar a organização, extinguir a língua de origem e
impossibilitar a continuidade das culturas, ou seja, foram criados
dispositivos geopolíticos reais para que as populações oriundas da
África perdessem as suas referências identitárias e, por conseguinte,
houvesse uma diluição da identidade étnica africana. O Mapa 2
reconstitue graficamente ainda, as grandes direções da diáspora
interna africana no Brasil, tomando como ponto de partida as
grandes metrópoles coloniais. Esse é mais um fator geográfico que
colabora para a falta de uma referência ancestral de origem da
população brasileira de matriz africana, com interferências
profundas na sua cidadania e no sentimento de pertencimento
territorial. Preconizamos que todos os seres humanos podem e
devem saber das suas origens de forma territorializada, ou seja, ter a
resposta de como eram (matriz étnica dominante) e de onde vêm os
seus antepassados.
O país sabe com clareza que, no período entre 1871 e 1920,
3.390.000 imigrantes europeus chegaram ao país, dos quais:
1.373.000 eram italianos; 901.000, portugueses e 500.000, espanhóis.
Muitos europeus no Brasil vão ocupar territórios onde já estavam
estabelecidas populações africanas ou de seus descendentes, como,
por exemplo, a ocupação de imigrantes italianos (1880) no sítio de
Sapucaí, na região do grande Quilombo do Campo Grande, na
antiga Província de Minas Gerais. É importante notar que esse
número se aproxima dos quase 4.000.000 africanos que foram
retirados de seu habitat natural e trazidos para o Brasil oficialmente
entre 1520 e 1850. Isso porque as referências espaciais, temporais e
quantitativas do período clandestino do tráfico ainda estão para
serem caracterizados pela historiografia brasileira. Dessa forma, um
dos grandes desafios das pesquisas territoriais destinadas à diáspora
africana está no silêncio das estatísticas do tráfico e na identificação
da referência territorial, portanto, do lugar de origem dos grupos de
africanos que entravam no Brasil. A Foto 1 do início do século XX
mostra uma família com registro do povo africanos (a mulher com o
Pano da Costa nos ômbros) e afrobrasileiros (o casal com o seu filho
pequeno) na cidade de São Salvador de Bahia, antiga Capital
Colonial do Brasil, onde é possível constatar as referências europeias
predominantes nas maneiras de vestir das pessoas, sobretudo os mais
jovens, mas a Senhora guarda ainda algumas referências africaanas
como o pano tradicional usado pelas mulheres nas regiões africanas
denominadas na cartografia antiga como Costa da Mina, Costa do
Marfim e Costa da Guiné. É importante destacar que as populações
africanas sub-saariana não foram responsáveis somente pela
ocupação efetiva do território brasileiro e pela mão-de-obra, eles
marcaram e marcam, de forma irreversível, a nossa formação social,
tecnológica, demográfica e cultural que, ao longo desses séculos, foi
preservada e recriada, mesmo com as políticas contrárias do sistema.
Historicamente vários setores da população brasileira têm sido
vítimas de discriminação e preconceitos de toda a ordem. Entre os
tipos de discriminação, a étnica, que atinge particularmente o
contingente de ascendência africana no país, é sem dúvida a de
maior extensão social e territorial, devido à grande expressão
demográfica e das suas manifestações. Lembramos mais uma vez que
são “trazidos” para constituir a formação, a expansão e a ocupação
efetiva do território brasileiro seres humanos: Minas, Congos,
Ombundos, Bacongos, Ovibundos, Monjolos, Balundos, Jejes,
Angolas, Anjicos, Lundas, Quetos, Hauças, Fulas, Ijexás, Jalofos,
Mandingas, Anagôs, Fons, Ardas, dentre outros. Estes grupos
étnicos, dentre outros, são os que possibilitaram o que simplesmente
denominamos no Brasil como negões, negonas, afrobrasileiros,
brasileiros de matriz africana, pretos ou população de ascendência
africana. Por exemplo, as populações de matriz Bantu, com origem
na África Central e os Iorubás, também denominados Nagôs,
oriundos da África Ocidental apresentam registros e características
relevantes no cotidiano do “Brasil Real” e são invisibilizados pela
ocultação e desconhecimento propostal para que não nos
reconheçamos junto às nossas ancestralidades sobreviventes.
É sistêmico que os seres humanos principais dos processos de
discriminação e preconceitos étnicos no Brasil estão registradas no
povo de ascendência africana, ou seja, o racismo estrutural se
consolidou ao longo dos quatro séculos de sistema escravista oficial
(XVI-XIX), no século XX de uma República preconceituosa e nesta
primeira metado do século XXI, com um sistema político,
econômico, social e educacional demarcado por ações e práticas
racistas, sobretudo para os povos de matriz africana e tradicionais da
floresta (índios). Os problemas se revelam já quando se quer saber
qual o número real de “negros” ou da população de ascestralidade na
África. É importante lembrar que a palavra “negro” tem
historicamente um significado pejorativo, de algo ruim, que não é
humano, mas associado a animal. Esse é um ponto de
esclarecimento e correção histórica necessária e que requer uma ação
política consequente, até porque, está incorporado de forma secular
no pensamento social brasileiro. Se não fossem os negreiros e seus
navios, comerciantes de seres humanos escravizados no continente
africano, não existiria o “negro” e a “negra”, tratados como
mercadoria. Daí vem a “invenção” e promoção do engano secular
denominado “raça negra”.
O Brasil, conforme referência anterior, continua sendo
apontado como a segunda maior nação do planeta com população
de ascendência na África e, é com relação a esse povo que são
computadas as estatísticas mais discriminatórias e de depreciação
socioeconômica ao longo do século XX e XXI. Nos piores lugares
da sociedade e do território, com algumas exceções, estão as
populações afrobrasileiras. Ser descendente das referências africanas
no Brasil, secularmente continua sendo um fator de risco, um
desafio para manutenção da sobrevivência humana, um esforço
adicional para ter visibilidade no sistema dominante e, sobretudo,
colocar uma energia adicional para ser – estar inserido no território.
Primeiro, a questão demográfica do “Brasil africano” que
continua sem uma resposta e representação adequada, isto porque os
critérios de aferição oficiais do povo levam à subestimação do
número real de cidadãos de matriz afrobrasileira que integram o
país. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
continua agrupado os indivíduos em brancos, pretos, amarelos e
pardos, considerando brancos, pretos ou amarelos os que assim se
declararem e os “outros” ficam classificados como pardos.
Recentemente, esta instituição inseriu o grupo dos “índios”.
O Gráfico 1 da evolução das populações preta e parda do
Censo realizado em 1940 – 2010, com uma simulação para 2020 e
nos mostra algumas constatações relevantes:
1. A timidez do crescimento da população preta, secularmente
associada a um contingente escravizado e inferir revela como o
racismo e a mentalidade colonial pesistem na sociedade brasileira;
2. O crescimento espetacular dos pardos ao longo de todoas as
décadas computadas. É um fenômeno! Por que será? Esta é uma
importante questão que não é devidamente refletida pelo nosso
povo e tem passado despercebida ao longo de algumas decadas, ou
seja, a “pardarização” da população brasileira e,
3. O tímido aumento no crescimento da população declarada
preta nas últimas décadas revela os esforços realizados em nos
distintos níveis da educação, pelas entidades representativas e
movimentos organizados e algumas políticas públicas desse período
e que atualmente já estão retiradas, como a implementação da Lei
10.639.
4. No Gráfico 1 consta ainda uma simmulação a partir das
estatísticas oficiais para a projeção da população afrobrasileira em
2020 (preta+ parda).Se esta tendência for verificada na contagem
oficial teremos em um futuro próximo uma consolidção do
processo de embranquecimento do Brasil Escravocrata, desenhado
pela elite e pelo Estado no século XIX e que se materializa no século
XXI, como uma política de Estado e não de Governo.
Lembramos que associado ao “pardo” está a indefinição da sua
identidade, do seu lugar na sociedade, da sua referência ancestral, em
síntese, da sua territorialidade. São milhares de homens, mulheres,
crianças e idosos que sentem internamente que não existe, ainda, um
lugar definido na estrutura social do país e o processo de
“embranquecer” é uma forma de estar inserido, participando e
“visto” na sociedade. Este “engano” psicológico, pelos dados
divulgados é ascendente, e nos leva a uma constatação que revela
uma fragilidade e indefinição das identidades no Brasil
contemporâneo.

O Mapa Temático 3 tem um grande desafio gráfico que é


revelar, numa escala continental (dimensões do nosso país) a
visibilidade do conjunto das matrizes africanas existentes e
territorializadas no Brasil atual. Numa estrutura social, ainda de
práticas preconceituosas e racistas cotidianas em praticamente todas
as dimensões do sistema vigente, este produto cartográfico mostra
graficamente a grandiosidade das matrizes africanas e afrobrasileiras
resistentes e sobreviventes no território (Maracatú, Capoeira,
Xangô, Rio Abaixo, Tipos de Samba, quilombos contemporâneos,
dentre outras), assim como a distribuição da população de
ascendência africana em praticamente todo o espaço geográfico e os
movimentos diaspóricos atuais, como a globalização da capoeira,
com registros significativos em todos os continentes, com poucas
ocorrências na África (temos aí um paradoxo!) e os deslocamentos
recentes dos povos africanos do Congo (Bacia do rio Congo) e
distintos pontos do Caribe para o Brasil entrando pela Região
Norte. Neste documento estão mapeadas também as terras
indígenas concentradas no Norte-Noroeste do Brasil, "acuadas"
devido ao processo de extermínio secular.
No item a seguir tratamos de algumas referências geográficas –
cartográficas dos terreiros religiosos de matriz africana no país.
Dentro da “Geografia Africana Invisível no Brasil
Contemporâneo”, destacamos o esquecimento proposital dos
territórios religiosos. No conjunto das representações do Mapa 03
estão alguns pontos pulverizados de Terreiros de Candomblé, com
ocorrência sobretudo nas regiões litorâneas de atividade econômica
colonial, evidenciando. E mesmo passados quase 140 anos da sanção
da Lei Áurea pelo regime imperial, a história e o sistema oficial
brasileiro ainda continua associando à população de matriz africana
uma imagem de “escravizados” e aos terreiros religiosos sempre
como algo proibido, como se esses não tivessem permissão e nem
fizessem parte da vida contemporânea do país. As ações do setor
decisório, se mostram conflitantes e contraditórias. Apesar das
disposições constitucionais (1988) e da obrigatoriedade de alguns
organismos oficiais para resolverem as demandas dos terreiros
contemporâneos, é possível constatar, de uma forma quase que
estrutural, que a situação tem apresentado um tratamento
caracterizado por ações episódicas e fragmentárias, fato que
compromete o direcionamento de uma política definida para o
equacionamento dos seus problemas fundamentais, ou seja, o seu
reconhecimento dentro do sistema social brasileiro e a resolução dos
problemas fundiários dos territórios ocupados.
O ”modelo institucional dispersivo”, ou seja, uma
fragmentação nas responsabilizações governamentais para resolução
das demandas dos terreiros religiosos contemporâneos revela o
enfraquecimento do movimento organizado e das ações concretas
nos territórios e, sobretudo, evidencia o descompromisso
governamental para com a defesa e garantia dos direitos
afroreligiosos no pais. Além do preconceito secular, que tem de
fundo uma falta de informação básica da formação da nação, a terra
assegurada, que significa ainda na mentalidade colonialista do setor
decisório poder, se configura como o principal elemento de
negociação e conflito na resolução das pendências. Este contexto
político é o que nos possibilita entender porque tantos “espaços
religiosos de matriz africana” sem ações concretas desde os direitos
constitucionais.
A Foto 2 e os Mapas 4 e 5 são representações da paisagem e da
cartografia étnica do primeiro monumento tombado pelo IPHAN -
MINc. (1984) no Brasil. A Casa Branca do Engenho Velho ou Ilê
Axé Iya Nassô Oká tem nos seus registros históricos como o
primeiro terreiro de candomblé em São Salvador de Bahia. Dele
descendem, por exemplo o Terreiro do Ilé Axe Opo Afonjá no Bairro
de São Gonçalo, mostrado no Mapa 5 com a sua estrutura espacial,
também em Salvador na Bahia. A obeservação espacial desses
espaços seculares sobreviventes e resistentes na dimanica do
crescimento e transformações urbanas, alguns aspectos geográficos
chamam a atenção e merecem ser registrados, como por exemplo:
O padrão tipológico mais uniforme, ou seja, os tipos de
habitações populares com morfologia de pouca variações (altura das
edificações), revelam uma unidade socio-econômica nas
comunidades, fato que minora os conflito na relação riqueza-
pobreza (fato detectado nos dois terreiros);
1. A alta densidade espacial das construções (casas geminadas,
lotes pequenos e com quase nenhuma área verde) mostra a
possibilidade de correspondência no número alto de habitantes (7-8
pessoas ou mais) por habitação. Este aspecto é importante no
fortalecimento da comunidade nas suas demandas estruturais. Não
são espaços “frios-isolados-solitários” como nas áreas das grandes
residências da classe alta;
2. Os espaços verdes que se parmanecem no espaço dos
terreiros mais antigos e no seu entorno, apontam para a importância
dos mesmos na preservação e manutenção ambiental das áreas
urbanas, sobretudos, nas periféricas, mais excluídas dos
investimentos de infra estrutura na cidade;
3. Pela questão topográfica e religiosa, alguns sítios estão em
uma encosta que se encontra (ou encontrava) com um elemento
hidrográfico (rio, riacho, córrego, lagoa, lago, barragem, etc.).
Alguns destes vales viraram avenidas e sua hidrografia foi retificada e
canalizada, ou seja, os seus cursos naturais não existem mais e nem a
acessibilidade pelos terreiros, com execssão dos que conseguiram
manter e resistir à pressão e desfiguração da paisagem pela
urbanização. O Axé Opo Afonjá guarda ainda no espaço do seu
terreiro uma significativa "mata" usada para suas atividades e
preservação da vegetação nativa no espaço intraurbano.

Preconizamos que a leitura, representação e interpretação dos


espaços de matriz africana religiosos no Brasil carecem de uma
prioridade política. No Distrito Federal do Brasil foi desenvolvido
recentemente o Projeto de Mapeamento dos Terreiros do DF –
Cartografia Básica, numa articulação institucional do Projeto
GEOAFROBrasil, CIGA-UnB, Fundação Cultural Palmares e
Finatec. A premissa básica era construir uma documentação
cartográfica que respondesse três questões básicas: 1. Revelasse
quantos terreiros (Umbanda e Candomblé) existem no território; 2.
Qual a sua localização no espaço institucional das Regiões
Administrativas (RAs) (urbano e rural) e, 3. Uma ficha técnica com
dados fundamentais para a implementação de políticas públicas
reparatórias. O estudo revelou algumas informações básicas, como o
processo de expulsão dos terreiros do Distrito Federal para outras
regiões do país (Mapa 6) e a constatação das RAs do DF que
possuem os maiores registros de Terreiros Religiosos de Matriz
Africana (Gráfico 2). Estes registros espaciais têm correspondências
com os maiores lócus das populações afro-brasileiras; de
concentração de pobreza e baixa renda; de ocorrências de violência
policial sistemática; de precariedade de infraestrutura e de
equipamentos urbanos.
Existe uma pergunta básica que todos os brasileiros e
brasileiras podem e\ou deveriam se fazer sobre o nosso país: O que
seria o Brasil sem o conjunto amplo das matrizes africanas
(tecnologias, línguas, conhecimentos e saberes, religiões, culturas,
relações sociais, dentre outras dimensões), que o edificou e o edifica
há cinco séculos? É relevante refletir e verificar se é possível simular
como seria a nossa nação?
Entendemos que a manutenção da falta de informações e o
preconceito secular são estratégias operantes para que um terreiro
religioso de matriz africana não seja “visto” como um espaço de
solução e sim, de problemas. Para que seguimentos da sociedade um
terreiro é um incômodo? Nesta direção, como seria pensarmos num
terreiro com uma perspectiva de ser mais um suporte para a escola
oficial; como um posto de saúde comunitário complementar; como
um restaurante étnico para potencializar a manutenção dos saberes;
como um ponto para visitação turística para auxiliar na
desmistificação cultural; dentre outras possibilidades.
No item a seguir apontamos algumas conclusões e
recomendações no sentido de avançarmos das constatações
territoriais.

Considerando-se que as construções analíticas e as


especulações não se esgotaram, concluímos e recomendamos o
seguinte:
- O modelo dispersivo para resolução das demandas
territoriais no país, sobretudo as históricas, evidencia a resistência
na manutenção dos valores e referências do “Brasil Colonial”. Uma
pista para este contexto está em trazer mais “foco”,
responsabilização e eficácia na resolução dos problemas geográficos
e, consequentemente, uma possibilidade de recuperação da
relevância e da representatividade da Geografia no Estado;
- A estratégia de desinformar a população brasileira no que se
refere ao continente africano é um entrave para uma perspectiva real
de democracia racial no país. Não podemos perder de vista que
entre os principais obstáculos criados pelo sistema a inserção da
população de matriz africana na sociedade brasileira, está a
inferiorização desta no ensino. Esse contexto somente poderá
mudar com uma política educacional mais agressiva e com o foco
direcionado para desmistificar o continente africano para a
população do Brasil. Este é um ponto estrutural para um processo
de mudança, onde o ser humano brasileiro de ascendência africana
seja, de fato, mais respeitado no sistema dominante;
- Outro ponto estrutural, ainda dirigido ao setor decisório do
país, se refere à criação das condições necessárias para a realização de
um censo demográfico mais realista e que retrate melhor a
diversidade étnica brasileira. Este tema é complexo, porque significa
mudar os métodos de aferição da população e, por conseguinte, a
possibilidade de registro oficial de um “Brasil Africano” até então
sem evidência;
- Os espaços de intolerância de matriz africana incomodam de
maneira evidente o sistema dominante e as classes dirigentes porque
deixam visível o Brasil excluído que vem sendo invisibilizado há
séculos, mas continuam no espaço geográfico e na estrutura social.
O Brasil aboliu o Sistema Escravista sem querer e nem buscou
articular uma maneira de equilibrar as regras do Estado, pelo
contrário, agiu para limitar a acessibilidades e possibilidades de
inclusão (estabelecimento da Lei de Terras em 1850, sancionada por
D. Pedro II). Sem um processo de reconhecimento os conflitos
territoriais tendem a aumentar;
- Tomamos como premissa que as informações por si só não
significam conhecimento. Entretanto, elas nos revelam que com o
auxílio da ciência e da tecnologia, que temos condições de colaborar
na modificação das políticas pontuais e superficiais a fim de
subsidiar a adoção de medidas concretas para alteração das situações
emergenciais do povo e dos territórios do “Brasil

ANJOS, R. S. A. “Coleção África–Brasil: Cartografia para o


ensino–aprendizagem”. Brasília: Mapas Editora & Consultoria. 2. ed. BsB
– DF, 2005.
ANJOS, R. S. A. Geografia, território étnico e quilombos. In: GOMES, N. L.
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ANJOS, R. S. A. & CYPRIANO, A. “Quilombolas – tradições e cultura da
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ANJOS, R. S. A. Coleção África-Brasil: Cartografia para o ensino-aprendizagem.
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