Reflexões Sobre A Arte - Alfredo Bosi 2019
Reflexões Sobre A Arte - Alfredo Bosi 2019
Reflexões Sobre A Arte - Alfredo Bosi 2019
Luigi Pareyson – 3
momentos decisivos
do processo artístico:
o fazer, o conhecer e o
exprimir
Arte é construção
Arte é um fazer. É um
conjunto de atos pelos quais
se muda a forma, se
transforma a matéria
oferecida pela natureza e pela
cultura.
Neste sentido, qualquer
atividade humana, desde
conduzida regularmente a um
fim, pode chamar- se artística.
ARS
Arte é uma produção – logo, supõe trabalho
Movimento que arranca o ser do não ser, a forma
do amorfo, o ato da potência, o cosmos do caos.
forma
reforma
disforma
transforma
conforma
informa
forma
Physis & Poiésis
Em sentido lato, arte significa habilidade, agilidade. Em sentido
estrito, instrumento, ofício, ciência. Seu campo semântico se
define por oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural.
Physis geralmente é traduzido como natureza. Os
gregos entendiam a natureza como um ser que se cria a si
mesmo, como aquilo que emerge de si mesmo. Mas há
outras coisas no mundo, coisas que dependem de que
algo passe a existir.
Poiesis é a atividade prática de fazer da qual os seres
humanos se ocupam quando produzem algo. Nós
chamamos estes seres criados de artefatos e incluímos
entre eles os produtos da arte, do artesanato, e da
convenção social.
techné
Na Grécia apareceu também um outro tipo de conhecimento: a
“techné” que não se limitava à pura contemplação da realidade. Era
uma atividade cujo interesse estava em resolver problemas práticos,
guiar os homens em suas questões vitais, curar doenças, construir
instrumentos e edifícios etc.
As techné” gregas eram constituídas por conjuntos de conhecimentos
e habilidades profissionais transmissíveis de geração a geração. Por
exemplo, a medicina, a arquitetura, a mecânica, as belas artes
Mas não se deve entender techné sempre como um saber operativo –
manual – pressupõe uma conduta certa numa atividade específica,
subordinada a uma série de conhecimentos adquiridos através da
educação. Não há necessidade alguma de que esse saber seja
teórico – embora possa vir a se apoiar numa teoria – mas é essencial
que seja baseada na observação direta dos fatos. Isto é, toda techné
consiste no conhecimento empírico de um objeto ou ação que serve
ao homem; portanto tal saber só se realiza com aplicação prática e
não como contemplação
Carneiro Leão: A arte erige em obra o sabor
de lidar com a realidade. Não se trata tanto
de um saber fazer, trata-se sobretudo do
sabor de fazer, um sabor de fazer no qual
surgem e se instalam possibilidades que,
entregue a si mesma, a realidade nunca
chegaria a produzir e apresentar.
Mímesis
Platão (Banquete): “ Tu sabes que a produção (poíesis)
é algo de múltiplo. A causa pela qual alguma coisa
passa do não-ser ao ser é a produção, de modo que
aquilo que é feito por todas as artes são produções
(poíesis) e os artesãos (demiourgoí) destas coisas são
todos produtores (poietaí)”. Como na agricultura ou no
caso do cuidado do corpo, também no caso da
mimética, trata-se de compor e fabricar seres a partir
daquilo que é, mas que não é uma outra coisa, e que
não era aquilo que ele vem a ser através da produção.
De modo que os não-seres passam a ser pela ação da
fabricação que constitui um novo ser. Neste sentido, a
produção não implica uma geração a partir do nada, do
impensável contrário do ser (Marcelo Marques, 2001,
p.171)
Plotino(séc. II dC):
distingue as técnicas ou
artes cuja finalidade é
auxiliar a natureza –
como a medicina, a
agricultura – daquelas
cuja finalidade é
fabricar um objeto com
os materiais oferecidos
pela Natureza – o
artesanato. Distingue
também um outro
conjunto de artes e
técnicas que não se
relacionam com a
Natureza, mas apenas
com o próprio homem,
para torna-lo melhor
ou pior: música e
retórica, por exemplo.
A classificação das técnicas ou artes seguirá um padrão determinado
pela sociedade antiga e, portanto, pela estrutura social fundada na
escravidão, isto é, uma sociedade que despreza o trabalho manual.
Varrão (séc. II dC) –
Artes liberais – exercidas
pelos homens livres –
gramática, retórica,
lógica, aritmética,
geometria, astronomia e
música
Artes mecânicas – todas
as outras atividades
técnicas: medicina,
arquitetura, agricultura,
pintura, escultura, olaria,
tecelagem etc
A partir da Renascença, porém, trava-se uma luta pela valorização das
artes mecânicas, pois o humanismo renascentista dignifica o corpo
humano e essa dignidade se traduz na batalha pela dignidade das artes
mecânicas para converte-las à condição de artes liberais
O pensamento moderno
recusa, não raro, o critério
hierárquico dessa
classificação. O exercício
intenso da criação
demonstra, ao contrário,
que existe uma atração
fecunda entre a
capacidade de formar e a
perícia artesanal. No
pintor trabalham em
conjunto a mão, o olho e o
cérebro
“ A inteligência que está no cosmo é o
resultado da atividade de um deus. A
atividade artesanal humana pode participar
dessa inteligência por imitação, mas para
alcançar este nível deve satisfazer uma
condição: o conhecimento. É só através do
saber que a arte humana pode tornar-se uma
verdadeira ciência” (Marcelo Marques –
sobre Platão)
Entretanto, conceito de arte como
produção de um ser novo, que se
acrescenta aos fenômenos da natureza,
conheceu alguns momentos fortes na
cultura ocidental –
Arte e jogo
Alguns pensadores modernos vinculam a concepção
tecnopoética de arte às tendências lúdicas do homem.
Para Kant: ” A arte, enquanto dimensão do jogo da
liberdade humana, se define em oposição à natureza, onde
supostamente reina uma certa necessidade mecânica. A
arte é sempre produto da liberdade, a razão é fundamento
das suas obras. Só há arte para o animal racional; a cera, o
mel, a colméia das abelhas não são obras de arte, mas
efeitos de instintos”.
“O artesão, assim como a abelha, não faz arte, está preso a
fixidez de um programa baseado em utilidade ou
finalidade determinada não joga como a imaginação”
(Roberto de Oliveira, 2001, p.270)
Atividade desinteressada
Prazer estético: puramente subjetivo (e desinteressado) pois se
exerce com representações e não com a realidade do objeto.
Haveria uma verdade estética própria da representação, e que
não precisa coincidir com a verdade objetiva.
“A arte não imita o mundo simplesmente, nem só expressa o
sujeito, isto está claro...A experiência estética destaca a relação
subjetiva com o mundo objetivo e a dependência que um tem
do outro. Ela tematiza sua relação e, porque a relação entre a
mente e o mundo é, ao contrário, sempre já envolvida em outros
interesses – cognitivo, moral ou apetitivo – é apenas aqui, nesta
ilha flutuante de exemplaridade, que podemos ver o que
normalmente acontece...É da natureza das idéias estéticas
manter uma série de pensamentos flutuando, sem nunca prendê-
los a alguma causa no mundo real. Se, no entanto, essas idéias
não evocassem de algum modo esse mundo – harmoniosa ou
desordenadamente – mais uma vez, elas não poderiam se manter
flutuando. Elas entrariam em colapso, tal como ocorre como
tanta tagarelice interior vazia” (Fiona Hugues, 2001, p.79)
Kant não chega a postular uma liberdade
formalizante absoluta para o produtor estético;
criam na existência do Belo enquanto norma,
cuja realização deveria guiar a voz do poeta e a
mão do pintor. Como em todo jogo, também na
arte a liberdade de formar atenderia a leis de
necessidade interna; leis adequada ao
cumprimento de um objetivo universal: no caso
da arte, a Beleza, ou Harmonia
O Belo
Será que podemos definir claramente
o que é a beleza, ou será que esse é
um conceito relativo?
As respostas a essas perguntas
variaram durante o decorrer da
história
Dentro de uma tradição iniciada com
Platão (IV a.C) há os filósofos que
defendem a existência do “belo em
si”, de uma essência ideal, objetiva,
independente das obras individuais,
para as quais serve de modelo e de
critério de julgamento. Existiria, então,
um ideal universal de beleza que seria
o padrão a ser seguido. As qualidades
que tornam um objeto belo estão no
próprio objeto e independente do
sujeito que as percebe
Arte acadêmica
Levando essa idéia a
suas últimas
conseqüências,
poderíamos estabelecer
regras para o fazer
artístico. E é
exatamente isso que
vão fazer as academias
de arte
A beleza está nos olhos de quem vê
Filósofos empiristas,
• como Hume (século
XVII), que relativizaram
a beleza, reduzindo-a
ao gosto de cada um.
Aquilo que depende do
gosto e da opinião
pessoal não pode ser
discutido
racionalmente. O belo,
dentro dessa
perspectiva, não está
mais no objeto, mas
nas condições de
recepção do sujeito.
Para Kant (século XVIII) a beleza habita a relação. A relação que um
sujeito (com uma determinada percepção) mantém com um objeto. A
beleza está entre o sujeito e o objeto. Para que a consciência sinta a
beleza é necessário que seja tocada pelo aparecer de um dado objeto
http://www.youtube.com/watch?v=7sSan704qAc
Hegel, no século XIX, introduz o conceito de história.
A beleza muda de face e de aspecto através dos
tempos. Essa mudança (chamada devir), que se
reflete na arte, depende mais da cultura e da visão
de mundo presentes em determinada época do que
de uma exigência interna do belo.
Hoje em dia, numa visão
fenomenológica, consideramos
o belo como uma qualidade de
certos objetos singulares que
nos são dados à percepção.
Beleza é, também, a imanência
total de um sentido ao sensível,
ou seja, a existência de um
sentido absolutamente
inseparável do sensível. O
objeto é belo porque realiza o
seu destino, é autêntico, é
verdadeiramente segundo o
seu modo de ser, isto é, é um
objeto singular, sensível, que
carrega um significado que só
pode ser percebido na
experiência estética. Não
existe mais a idéia de um único
http://www.youtube.com/watch?v=tk-OREbu3
valor estético a partir do qual
_Q julgamos todas as obras, Cada
objeto singular estabelece seu
próprio tipo de beleza
A. Bosi: Como jogo, a obra
de arte conhece um
momento de invenção que
libera as potencialidades da
memória, da percepção, da
fantasia: é a alegria pura da
descoberta, que pode
suceder a buscas intensas
ou sobreviver num repente
de inspiração: heureca! E
como o jogo, a invenção de
novos conjuntos requer
uma atenção rigorosa às
leis particulares da sintaxe
que correspondem ao novo
esquema imaginário a ser
realizado...A liberdade
exige e cria uma norma
interna (p.16)
Metáfora – Gilberto Gil
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora
Relação entre criação e técnica
Pareyson: o fazer do artista é tal que, enquanto
opera, inventa o que deve fazer e o modo de fazê-
lo.
‘ Símbolo: A expressão é
articulada pela escrita de
frases nas quais um
determinado ponto de vista
compõe as imagens e a
sintaxe
Alegoria: a expressão
atravessa um intervalo de
distância ainda maior entre a
imagem e o conteúdo ideal
Em toda atividade artística impõe-se a presença de
uma forte motivação. As formas expressivas são
geradas no bojo de uma intencionalidade que as
torna momentos integrante ou resultante do pathos.
A dissociação posterior de forma e força interior só
se cumpre historicamente quando os motivos iniciais
da união já se apagaram com a rotina das
convenções, o esquecimento, a lima do tempo e a
morte da cultura que os produziu. Nessa hora, o
símbolo deve ser decifrado, e a alegoria, traduzida.
Na obra de arte, junto com a irrupção do sujeito, há a
mediação da palavra ou da figura, dotadas muitas
vezes de ambigüidades, e só inteligíveis no interior
da rede semântica inteira.
Nas artes figurais, entre
a imagem fixada na tela
e o gesto da mão que a
executou houve mais
que o pathos do pintor,
houve a sua ótica, o seu
modo de olhar, que
denuncia uma presença
historicizada do ser
humano junto à natureza
e aos objetos
Expressão como dialética de força e forma
Bosi:A energia persegue formas que a libertem e, ao
mesmo tempo, a intencionem e a modulem. O pathos
que não encontra essas formas pulsa aquém da
experiência artística. Quem chora ainda não está
cantando (p.56)
A força busca formas que tragam à luz da significação os
percursos do desejo e da pena, da angústia e da alegria;
formas que revelam sentidos latentes ou, quem sabe,
resgatem o não-sentido da existência cotidiana
A arte – diz Read -´” é fuga ao caos. É movimento
ordenado em números; massa limitada em medida;
indeterminação da matéria à procura do ritmo da vida”.
A expressão artística justa
nunca é indefinida, mesmo
quando visa a dizer estados
de alma indefinidos
Que um artista emende partes
da sua obra, diluindo ou
espessando manchas,
cancelando adjetivos,
alterando notas ou frases
inteiras da melodia, é prova
segura de que a
correspondência entre as
matrizes e as formas nunca se
faz mecanicamente
http://www.youtube.com/watch?v=vy6Omz1bDPg&featu
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