Claro Enigma (1951)

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Claro Enigma (1951)

Carlos Drummond de Andrade

Prof. Gustavo Batista “Brotas”


Modernismo – 2ª geração
(1930 – 1945)

Poesia
 Conquistas da 1ª geração asseguradas: maior liberdade em
relação à forma e ao conteúdo
 Vale lembrar: 1ª geração precisou ser mais
contundente para romper com a tradição europeia e
parnasiana
 Temática: “estar no mundo”
 Inquietações das mais diversas ordens, como social,
religiosa, filosófica, amorosa
Carlos Drummond de Andrade
1902 (Itabira do Mato de Dentro - MG) – 1987 (Rio de
Janeiro – RJ)
Expulso do internato jesuíta por “insubordinação
mental”;
Formado em Farmácia;
Professor de Geografia e Português
Revista Antropofagia: “No meio do caminho”;
Redator, diretor do DPHAN, tradutor;
Chefe de gabinete de ministro durante do Estado
Novo;
Contos, crônicas, poesia – obra traduzida em cerca
de 15 línguas.
Análise crítica da obra: Eu X mundo
Eu maior que o mundo: poesia irônica
Eu menor que o mundo: poesia social
Eu igual ao mundo: poesia “metafísica”
(Profº Affonso Romano de Sant’Anna)
Eixos temáticos – por Drummond,
em Antologia Poética, 1962
• Um eu todo retorcido (indivíduo gauche)
• Uma província: esta (terra natal)
• A família que me dei (memória)
• Cantar de amigos
• Na praça de convites (choque social)
• Amar-amaro
• Poesia contemplada (metalinguagem)
• Uma, duas argolinhas (poesia lúdica
• Tentativa de exploração (e explicação) do estar-
no-mundo
Claro Enigma (1951)
A visão trágica e a experiência de ser
brasileiro
Contextos:
Mundial Nacional
 Pós-Segunda Guerra  Governo Dutra (1946 – 1951):
Governo reacionário e
Mundial (1939-45)
“entreguista”
 Luto pela derrota da  Radicalização do PCB
utopia social  Anos 50: crescente divisão do
 Guerra Fria trabalho intelectual
 Poesia: formalismo e
 Rigidez ideológica
reclassicização
(capitalismo vs comunismo)
 Sociedade de massas: Indústria
Cultural
Entre o esteticismo estéril e o dogmatismo
partidário
 Isso, é certo, não fez com que Drummond, por força
mesma da ironia e da consciência crítica reveladas mais
atrás, incorresse no convencionalismo da reclassicização
do verso – Vagner Camilo
 Superação da distinção entre “arte engajada” e “arte pela
arte”
 “Para me limitar à fase de que se ocupa o presente
trabalho, é possível afirmar que a atitude
conscientemente oscilante, como estratégia mesma de
combate ao dogmatismo partidário, encontra-se
formalmente transposta na lírica do período através do
emprego recorrente do oxímoro, a começar pelo título do
livro de 1951.” – Vagner Camilo
Dedicatória
• Claro Enigma é dedicado a Américo Facó (1885 – 1953),
intelectual e poeta brasileiro, por sua independência de
espírito.

Epígrafe
• “Os acontecimentos me entediam” (Paul Valéry)
• Pessimismo devido à perda do ideal revolucionário ligado a um
projeto futuro (socialista), que impulsionava a lírica de combate
dos anos 40.
• O tédio não é sinônimo de conformismo e evasão da realidade.
• No livro, a melancolia se apresenta como uma força de criação
literária: resistência e crítica
• Melancolia: figuras etéreas (universo estelar) e vazio.
Ruptura na obra de Drummond
• Retomada das formas poéticas tradicionais (sonetos e
versos regulares)
• Abandono do engajamento político-partidário
• Desilusão e espírito crítico
• Angústia: esvaziamento radical de sentido (ausência
de foco existencial)
• Ser para a morte (transitoriedade da vida)

• Observação: poesia drummondiana – ruína da ciência e


fracasso da filosofia
• “A poesia mais rica/é um sinal de menos”
Abordagens teóricas
• “A interrupção (impasse) é o movimento, ou melhor, o não-
movimento gerador da verdadeira poesia” –Eduardo Sterzi

• “O movimento do poeta em direção à realidade é um


movimento essencialmente frustrado, não apenas pela
dificuldade ou impossibilidade de apreensão do real (...)
mas, sobretudo, pelo imperativo ético de não escamotear
essa inapreensibilidade, ou, antes, expô-la às claras” –
Eduardo Sterzi

• “Para subsistir no meio dos aspectos mais extremos e


sombrios da realidade, as obras de arte, que não querem
vender-se como consolação, devem tornar-se semelhantes a
eles. Hoje em dia, a arte radical significa arte sombria,
negra como sua cor fundamental” –T. Adorno
Abordagens teóricas
 “Acontecimentos pessoais ou políticos, sensações, sentimentos, a vida
natural e social, os dramas concretos e as ilusões, o imaginário e a
memória, em suma – teus hábitos e tudo que te é familiar,
inseparáveis do que te é estranho e te ultrapassa -, são negados para
se recomporem, pelo crivo da negação, enquanto enigma”. (José
Miguel Wisnik)
 “A poesia, transportada pela sua própria negação, se dá no lugar onde
ela se diz não estar, estando”. (José Miguel Wisnik)
Arquitetura do livro
• Impasse/condição acuada (oscilações) – experiência
brasileira
• Imobilismo feito de inquietude
• Visão trágica: Destino, Mito, Natureza e Culpa
• Claro Enigma é composto por 42 poemas, divididos em 6
seções:
I. Entre Lobo e Cão: melancolia e desencanto
II. Notícias Amorosas: amor
III. O Menino e os Homens: homenagens
IV. Selo de Minas: ligação com Minas Gerais
V. Os Lábios Cerrados: morte
VI. A Máquina do Mundo: existência
I- Entre Lobo e Cão: a aceitação da noite

“Lobo e Cão”
• Constelações: baixada da noite
• Pressentimento de morte
• Ameaças: risco de panfletagem política/risco de
quietismo (formalismo)
“Dissolução”: desengano e falta de perspectivas (não há utopia social)
Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada. E aquele agressivo espírito
Pois que aprouve ao dia que o dia carreia consigo,
findar, já não oprime. Assim a paz,
aceito a noite. destroçada.

E com ela aceito que brote Vai durar mil anos, ou


uma ordem outra de seres extinguir-se na cor do galo?
e coisas não figuradas. Esta rosa é definitiva,
Braços cruzados. ainda que pobre.

Vazio de quanto amávamos, Imaginação, falsa demente,


mais vasto é o céu. Povoações já te desprezo. E tu, palavra.
surgem do vácuo. No mundo, perene trânsito,
Habito alguma? calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.
E nem destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.
“Remissão”: desdobramento do “eu” (lamento)
Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares, “Vulgares”: barateamento poético
vão se engastando numa coisa fria “engastando”: encravando – eco parnasiano
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,


se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia “elegia”: poema lírico triste e suave
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves


e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, em suas formas breves


ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo do teu ser?
“A Ingaia Ciência”: tristeza (envelhecimento)
A madureza, essa terrível prenda
que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,
todo sabor gratuito de oferenda
sob a glacialidade de uma estela,
“estela”: pedra – “stela” (grego)
a madureza vê, posto que a venda
interrompa a surpresa da janela,
o círculo vazio, onde se estenda,
e que o mundo converte numa cela.

A madureza sabe o preço exato


dos amores, dos ócios, dos quebrantos,
e nada pode contra sua ciência
e nem contra si mesma. O agudo olfato,
o agudo olhar, a mão, livre de encantos,
se destroem no sonho da existência.
“Legado”: imobilismo e ironia
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

E mereço esperar mais do que os outros, eu? “Orfeu”: mitologia grega - lira (sedução
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. dos monstros)
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, Objeto direto pleonástico
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

Não deixarei de mim nenhum canto radioso,


uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

De tudo quanto foi meu passo caprichoso


na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho .
“Confissão”: culpa (contradição insolúvel)
Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.


(Cego é talvez quem esconde os olhos
em baixo do catre.) E na meia-luz “Fanam-se”: Extinguem-se
tesouros fanam-se, os mais excelentes.
• Devido à frustração do empenho
Do que restou, como compor um homem participante, o que se perde é o poder
e tudo que ele implica de suave, de redenção pela poesia –
de concordâncias vegetais, murmúrios desmerecimento da própria poesia
de riso, entrega, amor e piedade?
• Amor ao “pássaro azul e doido”: ideal
Não amei bastante sequer a mim mesmo, distante de liberdade: choque e
contudo próximo. Não amei ninguém. dissolução contra a realidade técnica,
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido — “avião” (pássaro com asas)
que se esfacelou na asa do avião.
“Sonetilho do Falso Fernando Pessoa”: paradoxos

Onde nasci, morri.


Onde morri, existo.
E das peles que visto
muitas há que não vi.

Sem mim como sem ti


posso durar. Desisto
“Fausto”: lenda medieval
de tudo quanto é misto
alemã – Doutor Fausto,
e que odiei ou senti.
cientista, vende a alma ao
diabo (“Mefisto”) em troca
Nem Fausto nem Mefisto,
de conhecimento ilimitado.
à deusa que se ri
deste nosso oaristo,
“oaristo”: conversa íntima
eis-me a dizer: assisto
além, nenhum, aqui,
mas não sou eu, nem isto.
“Um boi vê os homens”: o questionamento da razão

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm


e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa.
(...)
Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

 Intertextualidade com o conto “Conversa de bois”, de Sagarana.

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“Memória”: permanência pela lembrança

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido


contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,


muito mais que lindas,
essas ficarão.

 Relação com a música “ They


can’t take that away from
me”
“Tela Contemplada”: subjetividade lírica cindida/
recusa da arte purista

Pintor da soledade nos vestíbulos “soledade”: solidão


de mármore e losango, onde as colunas “vestíbulos”: entradas
se deploram silentes, sem que as pombas “deploram”: lamentam
venham trazer um pouco do seu ruflo;

traça das finas torres consumidas


no vazio mais branco e na insolvência
de arquiteturas não arquitetadas,
porque a plástica é vã, se não comove,

ó criador de mitos que sufocam, “Charco”: pântano


desperdiçando a terra, e já recuam “se constelam”: brilham
para a noite, e no charco se constelam,

por teus condutos flui um sangue vago, “condutos”: canais


e nas tuas pupilas, sob o tédio,
é a vida um suspiro sem paixão.
Giorgio de Chirico(1888-1978)
Desengano e utopia desencarnada
 “Contemplação no banco”: angústia – a
“quimera” está longe do presente.
• É preciso sonhar um novo homem (ser
humano) antes de pensar uma nova
ordem social.
• Diálogo com “A flor e a náusea”
• Existência feita de ausência.
 “Sonho de um sonho”: o despertar
desiludido.
 “Cantiga de enganar”: o mundo é
desmascarado – falsidade e mentira (não
há evasão)
“Oficina Irritada”: hermetismo injuriosos (violência e
resistência) Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
• Vênus:
Eu quero pintar um soneto escuro, • deusa da mitologia grega
seco, abafado, difícil de ler. (Beleza e Amor) – enigma
• Planeta mais visível –
Quero que meu soneto, no futuro, clareza
não desperte em ninguém nenhum
prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo, • Arcturo:
• Criador da Arcádia (Arcas):
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.
mitologia grega – enigma
• Estrela mais brilhante da
Esse meu verbo antipático e impuro constelação Boieiro – clareza
há de pungir, há de fazer sofrer, • Arcturo é o guardião da Ursa
tendão de Vênus sob o pedicuro. Maior (Macunaíma)

Ninguém o lembrará: tiro no muro,


cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
Escrever “difícil” é uma tentativa de preservar a poesia do mundo das mercadorias.
Obs: “Roda Viva” - Chico Buarque
“Opaco”: O bloqueio da visão

Noite. Certo
muitos são os astros.
Zumbido
Mas o edifício
de besouro. Motor
barra-me a vista.
arfando. O edifício barra-me
a vista.
Quis interpretá-lo.
Valeu? Hoje Assim ao luar é mais humilde.
barra-me (há luar) a vista. Por ele é que sei do luar.
Não, não me barra
a vista. A vista se barra
Nada escrito no céu,
a si mesma.
sei.
Mas queria vê-lo.
O edifício barra-me
a vista.
“Aspiração”: a “indiferença” inconformada
Já não queria a maternal adoração
que afinal nos exaure, e resplandece em pânico,
tampouco o sentimento de um achado precioso
como o de Catarina Kippenberg aos pés de Rilke.

(...)

Aspiro antes à fiel indiferença


mas pausada bastante para sustentar a vida
e, na sua indiscriminação de crueldade e diamante,
capaz de sugerir o fim sem a injustiça dos prêmios.

 Valéry, Pessoa e Rilke: relação entre o intelectual e o


emocional
II-Notícias Amorosas:
• Amor, Destino e Natureza
• Elemento trágico da condição humana: fatalismo
“Amar”
Este o nosso destino: Amor sem conta,
Que pode uma criatura senão, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
entre criaturas, amar? doação ilimitada a uma completa ingratidão,
amar e esquecer, amar e malamar, e na concha vazia do amor à procura medrosa,
amar, desamar, amar? paciente, de mais e mais amor.
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Amar a nossa falta mesma de amor, E na secura
Que pode, pergunto, o ser amoroso, nossa, amar a água implícita, e o beijo tácito, e a
sozinho, em rotação universal, senão sede infinita.
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia, • “tácito”: oculto
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Experiência amorosa de forma compulsória
Amar solenemente as palmas do deserto, (destino)
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
“Tarde de maio”: Metáfora do
envelhecimento (desencanto)
(...)
Eu nada te peço a ti, tarde de maio, E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível, lutuoso, arrastado, poeirento, ou um desfile carnavalesco.
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de Nem houve testemunha.
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa... Não há nunca testemunhas. Há desatentos. Curiosos, muitos.
Outono é a estação em que ocorrem tais crises, Quem reconhece o drama, quando se precipita sem máscaras?
e em maio, tantas vezes, morremos. Se morro de amor, todos o ignoram
e negam. O próprio amor se desconhece e maltrata.
Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera, O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados;
já então espectrais sob o aveludado da casca, não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta,
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro perdida no ar, por que melhor se conserve,
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos, uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
• Préstito: procissão

“Canção para Álbum de Moça”: incomunicabilidade da poesia


“Rapto”: amor homoerótico (Zeus e Ganimedes)
III- O Menino e os Homens:

• Manuel Bandeira

• Mário Quintana
• Homenagens a
• Mário de Andrade

Clique no í
IV- Selo de Minas:
• Ligação com Minas Gerais
• Concepção do transitório que preside o livro
Clique no ícone para adic

“Museu da Inconfidência”
São palavras no chão • Museu marcado pelo esquecimento
E memórias nos autos. • Culpa remoída pela barbárie contra
As casas inda restam, a vida e os ideais libertários dos
Os amores, mais não. inconfidentes

E restam poucas roupas,


Sobrepeliz de pároco • Sobrepeliz: manto
E vara de um juiz,
Anjos, púrpuras, ecos
“púrpuras”: roxo – mundo místico
Macia flor de olvido, “Só”: Carência; esgotamento; isolamento
Sem aroma governas
O tempo ingovernável. • Alegoria de História (universal): a
lembrança dolorosa e amarga nos
Muitos pranteiam. Só.
cerne da própria História.

Toda história é remorso.


“Morte das casas de Ouro Preto”: Clique

Sobre o tempo, sobre a taipa, • Construção de argila e Sobre a cidade concentro


a chuva escorre. As paredes cascalho o olhar experimentado,
que viram morrer os homens, esse agudo olhar afiado
que viram fugir o ouro, de quem é douto no assunto.
que viram finar-se o reino, (Quantos perdi me ensinaram.)
que viram, reviram, viram, Vejo a coisa pegajosa,
já não vêem. Também morrem. vai circunvoando na calma.
(...)
Não basta ver morte de homem
A chuva desce, às canadas. • Bastante, com força para conhecê-la bem.
Como chove, como pinga Mil outras brotam em nós,
no país das remembranças! À nossa roda, no chão.
Como bate, como fere, A morte baixou dos ermos,
como traspassa a medula, gavião molhado. Seu bico
como punge, como lanha • Arranha vai lavrando o paredão
o fino dardo da chuva
e dissolvendo a cidade.
Sobre a ponte, sobre a pedra,
mineira, sobre as colinas!
sobre a cambraia de Nize,
Minhas casas fustigadas,
uma colcha de neblina
minhas paredes zurzidas, • Magoadas (já não é a chuva forte)
minhas esteiras de forro,
me conta por que mistério
meus cachorros de beiral, o amor se banha na morte.
meus paços de telha-vã
estão úmidos e humildes.
C
“Os bens e o Sangue”: cosmovisão temática do
autor(a família e a realidade brasileira)
• A primeira parte do
I
poema faz uma
Às duas horas da tarde deste nove de agosto de 1847 paródia, com humor, da
nesta fazenda do Tanque e em dez outras casas de rei, q não de linguagem e do estilo
valete dos documentos de
em Itabira Ferros Guanhães Cocais Joanésia Capão
diante do estrume em q se movem nossos escravos e da viração
transação comercial do
perfumada dos cafezais q trança na palma dos coqueiros século XIX, revestindo-
fiéis servidores de nossa paisagem e de nossos fins primeiros, os de um tom fatalista.
deliberamos vender, como de fato vendemos, cedendo posse jus
e domínio • Documento familiar
e abrangendo desde os engenhos de secar areia até o ouro mais
fino,
nossas lavras mto. nossas por herança de nossos pais e sogros • Realidade nacional
bem-amados
q dormem na paz de Deus entre santas e santos martirizados. *Venda: lavras (ouro)
Por isso neste papel azul Bath escrevemos com a nossa melhor • 1847:
letra *Compra: produção
estes nomes q em qualquer tempo desafiarão tramoia trapaça e
treta:
de café

ESMERIL PISSARRÃO
CANDONGA CONCEIÇÃO
(...)
Cliq
II (...)
V
Mais que todos deserdamos • Conflito trágico:
deste nosso oblíquo modo inadaptação do — Não judie com o menino,
um menino inda não nado menino ao contexto
(e melhor não fora nado)
compadre.
familiar (regime — Não torça tanto o pepino,
que de nada lhe daremos
agrário patriarcal) major.
sua parte de nonada
e que nada, porém nada — Assim vai crescer mofino,
o há de ter desenganado. • Ancestrais: divindades sinhô!
oraculares – poder dos
(...)
patriarcas rurais, que (...)
III decidiam o destino
dos familiares. VI
Este figura em nosso
pensamento secreto.
Num magoado alvoroço Os urubus no telhado:
o queremos marcado
a nos negar; depois • O destino do menino se vincula ao
de sua negação destino coletivo da região (declínio
nos buscará. Em tudo completo)
será pelo contrário
seu fado extra-ordinário.
Vergonha da família
que de nobre se humilha
na sua malincônica
tristura meio cômica,
Cliq
VII

Ó monstros lajos e andridos que me perseguis com vossas barganhas


sobre meu berço imaturo e de minhas minas me expulsais.
Os parentes que eu amo expiraram solteiros.
Os parentes que eu tenho não circulam em mim.
Meu sangue é dos que não negociaram, minha alma é dos pretos,
minha carne, dos palhaços, minha fome, das nuvens,
e não tenho outro amor a não ser o dos doidos.
(...)

• Lajes e Andrades: nomes de famílias da região de Minas Gerais

• O menino, agora adulto, surge com a sua própria voz: diálogo


entre as duas principais forças do conflito.

• Peripécia: ação em direção contrária à pretendida pelo agente (o


menino nega os antepassados).
• Pela voz dos ancestrais, a Cliqu

VIII negação se reverte em


afirmação: a diferença do
— Ó meu, ó nosso filho de cem anos depois, herói (identidade
que não sabes viver nem conheces os bois individual) é a atualização
pelos seus nomes tradicionais... nem suas cores da identidade do grupo
marcadas em padrões eternos desde o Egito. ancestral – reconhecimento
amoroso (pai).
Ó filho pobre, e descorçoado, e finito
ó inapto para as cavalhadas e os trabalhos brutais • Herói: eleição e sacrifício
com a faca, o formão, o couro... Ó tal como quiséramos  O menino irá remir a queda
para tristeza nossa e consumação das eras, do clã – martírio
para o fim de tudo que foi grande!  Pela poesia, as contradições
Ó desejado, (transitoriedade/permanência
ó poeta de uma poesia que se furta e se expande morte/vida) se resolvem
à maneira de um lado de pez e resíduos letais...
És nosso fim natural e somos teu adubo,
tua explicação e tua mais singela virtude... “cavalhadas”: cavalgadas
Pois carecia que um de nós nos recusasse “formão”: ferramenta dos entalhadores
para melhor servir-nos. Face a face “pez”: resina dos pinheiros
te contemplamos, e é teu esse primeiro “barro”: propriedade
e úmido beijo em nossa boca de barro e de sarro. “sarro”: resíduo
Clique n

V- Lábios cerrados:
• A permanência dos mortos nas pessoas vivas
• Fragilidade da condição humana
• “Eternidade negativa”
Cliq

“Permanência” : memória involuntária


Agora me lembra um, antes me lembrava outro.

Dia virá em que nenhum será lembrado.

Então no mesmo esquecimento se fundirão.


Mais uma vez a carne unida, e as bodas
cumprindo-se em si mesma, como ontem e sempre.

Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim


(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.
VI – A Máquina do Mundo:
• “A sua poesia [Drummond] é atravessada por feixes de ‘mundos,
inumeráveis, que acusam a alternância, tão reconhecível nele, entre a
insistência implacável da totalidade, que parece interpelar o sujeito a
cada passo, e a dolorosa irrelevância de que se reveste essa mesma
busca, reduzida espasmodicamente a um cálculo ínfimo, uma pedra
inexpelível.” (José Miguel Wisnik)

• “Na poesia de Drummond, a atenção do sujeito é continuamente


interpelada por aquilo que lhe escapa, que lhe extrapola os limites, que
empenha o todo e põe o sujeito em causa. Por isso mesmo desenvolve-se
nela uma consciência aguda e reflexiva do limite inseparável do seu
empuxe totalizador.” (José Miguel Wisnik)

• “Em Drummond o jogo entre o pensar e o sentir dá lugar a um


‘sentimento do mundo’, corroído pela negação e só recuperado por
aquele fio que resiste, em última instância, como a vibração da dor
universal.” (José Miguel Wisnik)
“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação
(a) O encontro no meio do caminho

E como eu palmilhasse vagamente


uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos


que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo


na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu


para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia. Lastimava
“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação
(b) A abertura da máquina do mundo
Abriu-se majestosa e circunspecta*, e nem desejaria recobrá-los,
sem emitir um som que fosse impuro se em vão e para sempre repetimos
nem um clarão maior que o tolerável os mesmos sem roteiro tristes périplos****,

pelas pupilas gastas na inspeção convidando-os a todos, em coorte*****,


contínua e dolorosa do deserto, a se aplicarem sobre o pasto inédito
e pela mente exausta de mentar** da natureza mítica das coisas,

toda uma realidade que transcende assim me disse, embora voz alguma
a própria imagem sua debuxada*** ou sopro ou eco ou simples percussão
no rosto do mistério, nos abismos. atestasse que alguém, sobre a montanha,

Abriu-se em calma pura, e convidando a outro alguém, noturno e miserável,


quantos sentidos e intuições restavam em colóquio se estava dirigindo:
a quem de os ter usado os já perdera

*Cautelosa **Recordar ***Esboçada ****Navegações *****Tropa


“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação
(c) O discurso do mundo
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,


mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza Sondar


sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,


esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente


em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação
(d) A epifania do universo
As mais soberbas pontes e edifícios, e o absurdo original e seus enigmas,
o que nas oficinas se elabora, suas verdades altas mais que todos
o que pensado foi e logo atinge monumentos erguidos à verdade:

distância superior ao pensamento, e a memória dos deuses, e o solene


os recursos da terra dominados, sentimento de morte, que floresce
e as paixões e os impulsos e os tormentos no caule da existência mais gloriosa,

e tudo que define o ser terrestre tudo se apresentou nesse relance


ou se prolonga até nos animais e me chamou para seu reino augusto*,
e chega às plantas para se embeber afinal submetido à vista humana.

no sono rancoroso dos minérios,


dá volta ao mundo e torna a se engolfar, Relação com o delírio de Brás Cubas:
na estranha ordem geométrica de tudo, “O homem descia ao ventre da Terra,
subia a esfera das nuvens”
*Majestoso
“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação
(e) A recusa do eu
Mas, como eu relutasse em responder passasse a comandar minha vontade
a tal apelo assim maravilhoso*, que, já de si volúvel, se cerrava
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio, semelhante a essas flores reticentes*****

a esperança mais mínima — esse anelo** em si mesmas abertas e fechadas;


de ver desvanecida a treva espessa como se um dom tardio já não fora
que entre os raios do sol inda se filtra; apetecível, antes despiciendo******,

como defuntas crenças convocadas baixei os olhos, incurioso, lasso*******,


presto*** e fremente**** não se produzissem desdenhando colher a coisa oferta
a de novo tingir a neutra face que se abria gratuita a meu engenho.

que vou pelos caminhos demonstrando, *****Que hesitam *******Fatigado


e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos, ******Desprezível

*Sobrenatural **Desejo ***Rapidamente ****Agitadamente


“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação

(f) O fechamento do mundo e a volta do eu à condição de caminhante

A treva mais estrita já pousara Rigorosa


sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,


enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

• Intertextualidade: Camões (Os Lusíadas) e Dante Alighieri (A Divina Comédia)


• Recusa: Impossibilidade de sentido totalizante no mundo moderno (Pós-guerra)
“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação

Vês aqui a grande máquina do Mundo,


Etérea e elemental, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende. (Os Lusíadas, X, 80)

 A bela Tétis, soberana das ninfas da Ilha dos Amores, concede a visão secreta
e total do universo para Vasco da Gama.
“A Máquina do Mundo”: A recusa da revelação
• Relação com o poema “Elegia 1938”

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,


onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
(...)
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

A máquina do mundo (brilho do sentido totalizante) não se impõe no


mundo sem brilho da Grande Máquina (dispositivo de funcionamento
do mundo capitalista: exploração, aniquilação, controle).
“Relógio do Rosário”: A iluminação à beira do túmulo
• Matriz do Rosário de Itabira
Era tão claro o dia, mas a treva, convertendo-se, turva e minuciosa,
do som baixando, em seu baixar me leva em mil pequena dor, qual mais raivosa,

pelo âmago de tudo, e no mais fundo Prelibando** o momento bom de doer,


decifro o choro pânico do mundo, a invocá-lo, se custa a aparecer,

que se entrelaça no meu próprio choro, dor de tudo e de todos, dor sem nome,
e compomos os dois um vasto coro. ativa mesmo se a memória some,

Oh dor individual, afrodisíaco dor do rei e da roca***, dor da cousa


selo gravado em plano dionisíaco, indistinta e universa, onde repousa

a desdobrar-se, tal um fogo incerto, tão habitual e rica de pungência


em qualquer um mostrando o ser deserto, como um fruto maduro, uma vivência,

dor primeira e geral, esparramada, dor dos bichos, oclusa**** nos focinhos,
nutrindo-se do sal* do próprio nada, nas caudas titilantes*****, nos arminhos, Pelagens

*Purificação/conservação **Provando ***Bengala ****Fechada *****Palpitantes


“Relógio do Rosário”: A iluminação à beira do túmulo

dor do espaço e do caos e das esferas, Nem existir é mais que um exercício
do tempo que há de vir, das velhas eras! de pesquisar de vida um vago indício,

Não é pois todo amor alvo divino, a provar a nós mesmos que, vivendo,
e mais aguda seta que o destino? estamos para doer, estamos doendo.

{
Não é motor de tudo e nossa única Mas, na dourada praça do Rosário, • Câmara sepulcral
fonte de luz, na luz de sua túnica? foi-se, no som, a sombra. O columbário • Habitação para
pombas
O amor elide* a face... Ele murmura já cinza se concentra, pó de tumbas,
algo que foge, e é brisa e fala impura. já se permite azul, risco de pombas.

O amor não nos explica. E nada basta,


nada é de natureza assim tão casta Única rima imperfeita: dissolução da
sombra = dissolução da rima
que não macule** ou perca sua essência
ao contato furioso da existência.

*Eliminar **Manche
“Relógio do Rosário”: A iluminação à beira do túmulo

• A morte como verdade da vida: libertação


 Se o viver é fundamentado na dor a morte se apresenta como única forma de
alçar à paz.
 Dor (agonia) da individuação: sofrimento que une e separa – a dor individual
se desdobra para todos os seres e formas existentes
 Relação com o delírio de Brás Cubas: dor permanente/força desejante
• Jogo de luzes e cores:
 Imobilidade e movimento/vida e morte: contradições da condição humana,
materializadas na linguagem (“columbário”)
Oswaldo Goeldi (1895 – 1961)
Drummond: “A Goeldi”
És metade sombra ou todo sombra?
Tuas relações com a luz como se tecem?
Amarias talvez, preto no preto,
fixar um novo sol, noturno; e denuncias
as diferentes espécies de treva
em que os objetos se elaboram:
a treva do entardecer e a da manhã;
a erosão do tempo no silêncio;
a irrealidade do real.
(...)
Tão solitário, Goeldi! Mas pressinto
no glauco reflexo furtivo
que lambe a canoa de seu pescador
e na tarja sanguínea a irromper, escândalo, de teus negrumes
uma dádiva de ti à vida.
Pico do Cauê/Buraco do Cauê (Itabira):
“A montanha pulverizada” (1973)

À esquerda, o Pico do Cauê, em 1942, personagem central da vida em Itabira.


À direita, em 2007, o que sobrou dele ou o “Buraco do Cauê” – Exploração Companhia Vale do Rio Doce
Bibliografia:
ADORNO, Theodor. Teoria Estética, 1969.
CAMILO, Vagner. Drummond: da rosa do povo à rosa das trevas, 2001.
GLEDSON, John. Influências e impasses: Drummond e alguns contemporâneos, 2003.
MERQUIOR, José Guilherme. Verso universo em Drummond, 1973.
STERZI, Eduardo. “Drummond e a poética da interrupção”. In: DAMAZIO, Reynaldo
(org). Drummond Revisitado, 2002.
WISNIK, José Miguel. “Drummond e o mundo”. In: NOVAES, Adauto (org). Poetas que
pensaram o mundo, 2005.

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