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Língua guarani mbyá

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Guarani Mbyá

Mbya ayvu

Pronúncia:/mbɨ'a aɨ'wu/ (aprox.)
Falado(a) em: Brasil, Paraguai e Argentina
Total de falantes: 16.050
Família: Tronco tupi
 Família tupi-guarani
  Guarani Mbyá
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---
ISO 639-3: gun

A língua guarani mbyá (no nome nativo: mbya ayvu, literalmente "língua do povo") é um dialeto da língua guarani, falado pelos mbiás. Em 2011 foi reconhecida como bem imaterial pelo Iphan/MinC como patrimônio nacional.[1]

No Brasil, os Guarani Mbya estão localizados nos estados do Espírito Santos, Paraná, Rio de Jaaneiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Tocantis e Pará [2].

A língua guarani mbyá pertence à família tupi-guarani, que por sua vez pertence ao tronco tupi. Ao lado do kaiowá e do nhandeva, é um dos três dialetos modernos da língua guarani que podem ser encontrados no Brasil. Todavia, também há falantes de mbyá no Paraguai, Argentina e Uruguai, e outros.[3]

Linguagem derivada dos descendente dos povos que habitavam a província do Guairá, situada a leste do rio Paraná, entre os rios Paranapanema e Iguaçu, onde é hoje o Estado do Paraná, o idioma Mbyá é classificado como um dialeto da língua Guarani, assim como o kaiwá e nhandéva, e é falado por indígenas em grande parte do território brasileiro. Mesmo sendo o mais meridional dentre os dialetos da língua Guarani, hoje em dia ainda pode ser encontrado em muitos lugares.[4]

O Mbyá é o dialeto da família Tupi-Guarani mais distribuído geograficamente, mas isso não implica em um número elevado de falantes, já que haviam cerca de 14.887 mil mbyá no Brasil em 2008[5]. É importante destacar que nem todos os indígenas pertencentes à etnia falam necessariamente o dialeto. Alguns grupos Mbyá ainda são encontrados na Argentina e no Paraguai, onde existem em número reduzido[6].

As principais fontes para a descrição linguística do mbya (nas seções seguintes) são Dooley e o Material da Escola Estadual Indígena Djekupe Amba Arandy.

O dialeto mbyá, assim como outras línguas da família tupi-guarani, apresenta um sistema vocálico simétrico, no qual cada vogal oral tem sua equivalente nasal. Tal sistema apresenta, no todo, seis fonemas vocálicos. Cada vogal nasal é um alofone do fonema oral correspondente.[3]

Anterior Central Posterior
Alta i ĩ ɨ ɨ̃¹ u ũ
Médio-alta o õ
Médio-baixa ɛ ɛ̃ (ɔ ɔ̃
Baixa a ã
¹ A vogal alta não arredondada /ɨ/ é grafada com <y> quando oral (quando nasal, <ỹ>)
² Foneticamente, a vogal /o/ pode ser aberta ou fechada. Será aberta [ɔ] quando tônica, e fechada [o] quando átona.

A nasalização é um fenômeno presente na língua Mbyá. Quando ela começa dentro da palavra, vigora no sentido regressivo até o começo da palavra, e pode ter uma leve influência no sentido progressivo também. Nas palavras monossilábicas que comumente ocorrem como um grupo tonal, a vogal sofre geminação, ou seja, ela é repetida, acrescentando uma sílaba para a palavra ficar dissilábica e produzindo um pé métrico iâmbico, que tem uma função importante na língua. A marcação do tempo ocorre, em primeiro lugar, nos nomes; o tempo verbal é derivado desta.[3]

Geminação vocálica

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Quando uma palavra é monossilábica, ela poderá sofrer geminação vocálica. O fenômeno ocorre em palavras de diferentes classes gramaticais, como pronomes pessoais e substantivos:[3]

  • Xee 'eu' (de xe + geminação)
  • Ndee 'tu' (etc)
  • Peẽ 'vós'
  • oo 'casa' (da raiz -o geminada)

Dooley sugere que esta (a geminação vocálica) é uma característica particular do dialeto mbyá.[3]

Acento tônico e sua ortografia

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O acento tônico, via de regra, cai sobre a última sílaba da palavra. Por ser este o caso mais comum, ele não costuma ser indicado por meio de acento gráfico. Portanto, mbya ayvu deve ser lido "mbyá ayvú", Vera (nome próprio) deve ser lido Verá, e assim por diante.[3]

Palavras paroxítonas (acento tônico na penúltima sílaba) e proparoxítonas (na antepenúltima) costumam receber acento gráfico. Uma exceção é kuery, partícula que indica pluralidade, que, embora paroxítona (lê-se "kuéry"), não recebe acento gráfico.[3]

Certas partículas, como py, ', teri, je, entre outras, são átonas, embora sejam escritas separadamente. Portanto, aiko xeroo py (estou em minha casa) deve ser pronunciado "aiko xe roópy" [ajkɔ tʃɛɾoˈɔ pɨ].[3]

A rigor, não há adjetivos em mbyá. Eles são, na verdade, verbos de segunda conjugação (ver seção "verbos"). Assim, kane'õ, em vez de "cansado", na verdade é o verbo "estar cansado": xekane'õ, estou cansado.[7]

Pronomes pessoais

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Alguns dos pronomes pessoais, quando isolados, sofrem o processo de geminação vocálica, abordado acima. Portanto, temos

  • Xee
  • Ndee
  • Ha'e
  • Nhande
  • Ore
  • Peẽ ou pende
  • Ha'e kuery

Ao se prefixarem a temas, o fenômeno da geminação não ocorre. Portanto, temos xero, minha casa (e não xeero).

Os verbos do guarani mbyá podem ser encaixados em duas categorias de conjugações.[7] A primeira, mais comum, são os verbos que da flexão A-, RE- ,etc.

Flexão A-
Pessoa Pre-
fixo
iko

(estar)

1ª sing a- aiko
2ª sing re- reiko
3ª sing/pl o-, ogue- oiko
1ª pl incl. ja-, nha- jaiko
1ª pl excl. ro-, rogue- roiko
2ª pl. pe- peiko

ogue- e rogue- ocorrem quando o tema verbal inicia com 'e'. Nha- é usado quando o tema verbal contém alguma vogal nasal.

Além desta, há uma conjugação de "adjetivos" (que na verdade são verbos estativos), a chamada conjugação XE- ou XER-. Nesta categoria, contudo, há algumas palavras que expressam ação, como ayvu, falar:

Flexão XE-
Pessoa Prefixo ayvu

(falar)

1ª sing xe- xeayvu
2ª sing nde-, ne- ndeayvu
3ª sing/pl i-, ij-, inh- ijayvu
1ª pl incl. nhan(d)e- nhandeayvu
1ª pl excl. ore- oreayvu
2ª pl. pen(d)e- pendeayvu
Flexão XER-
Pessoa Prefixo exarai

(esquecer)

1ª sing xer- xerexarai
2ª sing nder-, ner- nderexarai
3ª sing/pl h- hexarai
1ª pl incl. nhan(d)er- nhanderexarai
1ª pl excl. orer- orerexarai
2ª pl. pen(d)er- penderexarai

Quando o verbo contém algum fonema nasal, são usadas as formas ne(r)-, nhane(r)-, pene(r)-, sem a letra 'd'. (Em outras palavras, sem que o fonema /n/ se realize como [ⁿd].)

O objeto destes verbos (das flexões XE- e XER-) é regido pela posposição re. Exemplo: Xeayvy Ara re, xerexarai Ara re, etc: falei da Ara, esqueci-me da Ara, etc.[7]

Flexão de posse

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Para indicar posse, utilizam-se as flexões XE- e XER-, como nas tabelas acima, com apenas pequenas alterações.

Flexão de posse
Pessoa FlexáoXE- Flexão XER-
1ª sing xe- xer-
2ª sing nde-, ne- nder-, ner-
3ª sing/pl i- / o- h- / gu-, ng-
1ª pl incl. nhan(d)e- nhan(d)er-
1ª pl excl. ore- orer-
2ª pl. pen(d)e- pen(d)er-
SN SN - SN r-

Há apenas uma diferença na terceira pessoa, pois esta admite duas formas: uma que indica um possuidor diferente do sujeito (i-, h-) e outra que indica que o possuidor é o mesmo que o sujeito (o-, gu-, ng-), podendo neste caso ser traduzido por "seu próprio, seus próprios", etc.[7]

No caso desta flexão reflexiva, há duas formas: uma com gu-, como em guekoa, "sua (própria) aldeia", e outra com ng-, como em ngoo, "sua (própria) casa.[7]

Quando há um sintagma nominal (SN), o objeto possuído geralmente é escrito separado. Assim, Ara Poty roo, "a casa de Ara Poty".

Aqui valem as mesmas regras relativas à nasalidade: palavras com fonemas nasais fazem cair o 'd' do grupo 'nd', permanecendo apenas o 'n'.[7]

A ordem dos constituintes na oração independente em Mbyá é bem flexível, refletindo fatores discursivos (contextuais). Ou seja, além da frase ter seus constituintes gramaticais (sujeito, predicado, etc.), é comumente dividida em constituintes cuja definição é baseada em fatores contextuais; tópico e foco são elementos deste tipo. A "estrutura de foco" (ou de informação) é assinalada, em Mbyá, principalmente pela ordem das expressões, pela entonação e pela ocorrência de elementos tais como "focalizadores" e "partículas" entre seus constituintes.[3]

Switch reference

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O mbyá apresenta um sistema de referência cruzada, conhecido em inglês por switch reference. Esse mecanismo serve para identificar se o sujeito de uma oração subordinada é o mesmo da oração principal.[8]

No mbyá em particular, há duas conjunções que indicam se uma oração subordinada tem o mesmo sujeito da oração principal, ou se o sujeito é diferente:[8]

  • vy: conjunção que indica que o sujeito é o mesmo da oração principal (em inglês SS, same subject)
  • ramõ/: indica que o sujeito é diferente (em inglês DS, different subject)

Ambas as conjunções apresentam o significado de "quando", "durante".

Assim:[8]

Ava o-o vy mboi o-exa
homem 3p-ir quando.SS cobra 3p-ver
Quando o homem foi, ele viu a cobra (mesmo sujeito)
Ava o-o ramõ mboi o-exa
homem 3p-ir quando.DS cobra 3p-ver
Quando o homem foi, a cobra o viu (sujeito diferente).

A língua Mbyá tem um vocabulário básico de cerca de 2500 verbetes e subverbetes, baseado na variedade falada no estado do Paraná, e contém notas sobre aspectos gramaticais e alguns dados sobre pronúncia e grafia. A morfologia e sintaxe foram pouco exploradas, com uma análise preliminar sobre o fenômeno da incorporação nominal na língua[9]. Há também uma discussão sobre alguns aspectos sintáticos e discursivos do Mbyá, no que se refere à hipótese do Mbyá apresentar um mecanismo de referência verbal cruzada, conhecido na literatura por switch reference.[3]

Frases básicas[7]

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  • Javy ju!
    Bom dia!
  • Mba'exa tu nderery?
    Qual o seu nome?
  • Xerery ma Gabriel
    Meu nome é Gabriel
  • Mamo tu reikó?
    Onde você mora?
  • Mamo tetã pygua tu ndee?
    De que cidade você é?
  • Mamo tekoa pygua tu ndee?
    De que aldeia você é?
  • Mamo gui (ou magui) tu ndee reju?
    De onde você é? (Lit. de onde você vem?)

Referências

  1. Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, Cedefes.org
  2. Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística, Cedefes.org
  3. a b c d e f g h i j Dooley, Robert A. (9 de março de 2006). «LÉXICO GUARANI, DIALETO MBYÁ» (PDF). https://www.sil.org/. Consultado em 15 de abril de 2023. Cópia arquivada (PDF) em 15 de abril de 2023 
  4. «Línguas brasileiras : Para o conhecimento das línguas indígenas (Rodrigues 1986) - Biblioteca Digital Curt Nimuendajú». www.etnolinguistica.org. Consultado em 15 de abril de 2023 
  5. «Guarani Retã - Povos Guarani na fronteira argentina, Brasil e Paraguai | Laboratório de Ensino e Material Didático». lemad.fflch.usp.br. Consultado em 15 de abril de 2023 
  6. Canese, Natalia Krivoshein de; Decoud Larrosa, Reinaldo (1983). Gramatica de la lengua guarani. Col: Coleccion Nemity. Asuncion: N. Krivoshein de Canese 
  7. a b c d e f g GUARANI MBYA - Material da Escola Estadual Indígena Djekupe Amba Arandy - São Paulo-SP
  8. a b c Thomas, Guillaume, Antono, Gregory, Bradford, Laurestine, Kiss, Angelika and Winkelman, Darragh. "'Switch-reference and its role in referential choice in Mbyá Guaraní narratives"' Corpus Linguistics and Linguistic Theory, vol. 17, no. 3, 2021, pp. 563-597. https://doi.org/10.1515/cllt-2020-0028
  9. Martins, Marci Fileti (2003). «Descrição e analise de aspectos da gramatica do Guarani Mbya». bdtd.ibict.br. Consultado em 15 de abril de 2023 

Ligações externas

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