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O Mito de Sísifo

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Le Mythe de Sisyphe
O mito de Sísifo [PT]
Autor(es) Albert Camus
Idioma língua francesa
País França França
Editora Gallimard
Lançamento 1942
Páginas 187
Edição portuguesa
Tradução Urbano Tavares Rodrigues e Ana de Freitas
Editora Livros do Brasil
Lançamento 1979
Páginas 244
Cronologia
O Estrangeiro
Sisifo, de Tiziano Vecellio, 1548-1549.

O mito de Sísifo é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus, em 1942. Para ele, o homem vive sua existência em busca de sua essência, do seu sentido, e encontra um mundo desconexo, ininteligível, guiados por entidades sufocantes como as religiões e ideologias políticas. A solução em não encontrar um sentido não deveria ser o suicídio, mas sim a revolta.

No ensaio, Camus introduz a sua filosofia do absurdo: o homem em busca de sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível, desprovido de Deus e eternidade[1]. Será que a realização do absurdo exige o suicídio? Camus responde: "Não. Exige revolta".[2] Ele então descreve várias abordagens do absurdo na vida. O último capítulo compara o absurdo da vida do homem com a situação de Sísifo, um personagem da mitologia grega que foi condenado a repetir eternamente a tarefa de empurrar uma pedra até o topo de uma montanha, sendo que, toda vez que estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço despendido.

O ensaio é dedicado a Pascal Pia e está organizado em quatro capítulos e um apêndice.

Capítulo 1: Um absurdo raciocínio

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Camus compromete-se a responder o que ele considera ser a única causa da filosofia em questão: Será que a realização da plenitude e absurdo da vida exigem suicídio?

Ele começa por descrever a condição absurda: grande parte da nossa vida é construída sobre a esperança do amanhã, do amanhã que nos aproxima da morte, e é o último inimigo; pessoas vivem como se elas não tivessem a certeza da morte; uma vez despojado do romancismo comum, o mundo é um estranho e desumano lugar; o verdadeiro conhecimento é impossível de ser explicado pela racionalidade da ciência em favor do mundo: suas histórias, em última análise, no sentido de abstrações, se dão em metáforas. "Desde que o momento absurdo é reconhecido, ele se torna a mais angustiante de todas as paixões"[2]

Não é o mundo que é absurdo, nem o pensamento humano: o absurdo surge quando os humanos precisam entender a satisfação para irracionalidade do mundo, quando "o meu apetite para o absoluto e da unidade" complementa "a impossibilidade de reduzir o mundo a um princípio racional e razoável".[2]

Ele então caracteriza um certo número de filósofos que descrevem a tentativa de lidar com esse sentimento do absurdo, como Heidegger, Jaspers, Shestov, Kierkegaard e Husserl. Todos estes, ele alega, cometem "suicídio filosófico", atingindo conclusões que contradizem a posição original do absurdo, quer por motivo do abandono ou da transformação de Deus, como no caso de Kierkegaard e Shestov, ou por motivos divinais, e finalmente chegando a onipresença e uma exclusividade divinal, como no caso de Husserl. Para Camus, que começou a levar a sério o absurdo e segui-lo à suas conclusões finais, estes "ímpetos", não podem convencer. Tomar o absurdo sério, significa reconhecer a contradição entre o desejo da razão humana e do mundo insensato. Suicídio, então, também deve ser rejeitado: sem o homem, o absurdo não pode existir. A contradição deve ser vivida; a razão e seus limites devem ser reconhecidos, sem esperança. No entanto, o absurdo nunca pode ser aceito: ele exige constante confronto, constante revolta.

Embora a questão da liberdade humana no sentido metafísico perca interesse para o homem absurdo, ele ganha liberdade num sentido muito concreto: já não é vinculado pela esperança de um futuro melhor ou eternidade, sem a necessidade de prosseguir o objetivo da vida ou para criar significado, "Ele goza de uma liberdade no que se refere às regras comuns".[2]

Abraçar o absurdo implica abraçar tudo de insensato que o mundo tem a oferecer. Sem um sentido na vida, não existe uma escala de valores. "O que conta não é a melhor vida, mas a maioria dos que a vivem".[2]

Assim, Camus chega a três consequências da plena aceitação do absurdo: a revolta, a liberdade, e a paixão. A revolta, no que tange à constatação de que a vida é absurda, sem sentido; a liberdade, haja vista a nossa condição humana (estamos sós e escolhemos); e a paixão, já que não se vive a vida de outro modo.

Capítulo 2: O absurdo do Homem

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Pintura de Max Klinger, 1914

Como deve viver o homem absurdo? Claramente, não se aplicam regras éticas, como todas elas são baseadas em poderes sobre justificação. "Integridade não tem necessidade de regras." "Tudo é permitido" não é uma explosão de alívio ou de alegria, mas sim, um amargo reconhecimento de um fato."

Camus, em seguida, passa a apresentar exemplos da vida absurda. Ele começa com o Don Juan, o sedutor que vive a vida apaixonado ao máximo. "Não há um nobre amor, mas o que reconhece - tanto os efêmeros quanto os duradouros".[2] O próximo exemplo é o ator, que retrata a vida efêmera da fama efêmera. "Ele demonstra em que medida o ser interpretado cria". "Nestas três horas ele percorre todo o decorrer do beco sem saída, o que homem da plateia leva uma vida para cobrir".[2] O terceiro exemplo do absurdo é o homem conquistador, o guerreiro que com todas as promessas de eternidade, afeta o envolver pleno da história humana. Ele escolhe a ação sobre a contemplação, consciente do fato de que nada pode durar e não é vitória final.

Capítulo 3: Criação do absurdo

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Aqui Camus explora o absurdo criador ou do artista. Uma vez que a explicação é impossível, o absurdo da arte é restrito a uma descrição das inúmeras experiências no mundo. "Se o mundo fosse claro, a arte não existiria."[2] A absurda criação, naturalmente, tem também de abster-se de julgar e de aludir ao mesmo tempo a menor sombra de esperança.

Ele então analisa o trabalho de Fiódor Dostoiévski nesta perspectiva, especialmente O Diário de um Escritor, O idiota e Os Irmãos Karamazov. Todas essas obras começam a partir da posição absurda, e os dois primeiros, a explorar o tema do suicídio filosófico. Mas tanto em O Diário de um Escritor, seu último romance, como em Os Irmãos Karamazov, encontram-se um caminho de esperança e fé e, portanto, não como criações verdadeiramente absurdas.

Capítulo 4: O mito de Sísifo

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No último capítulo, Camus esboça o mito de Sísifo, que desafiou os deuses: quando capturado sofreu uma punição: para toda eternidade, ele teria de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo; a pedra então rolaria para baixo e ele novamente teria que começar tudo. Camus vê em Sísifo o ser que vive a vida ao máximo, odeia a morte e é condenado a uma tarefa sem sentido, como o herói absurdo. Não obstante reconheça a falta de sentido, Sísifo continua executando sua tarefa diária.

Camus apresenta o mito para trabalhar uma metáfora sobre a vida moderna, como trabalhadores em empregos fúteis em fábricas e escritórios. "O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas é trágico quando apenas em raros momentos ele se torna consciente".[2]

O ensaio contém um apêndice intitulado "A esperança e o absurdo na obra de Franz Kafka". Embora Camus reconheça que o trabalho de Kafka representa uma descrição requintada da condição absurda, ele sustenta que Kafka falha como escritor absurdo porque seu trabalho retém um vislumbre de esperança[3].

O mito de sísifo nos dias atuais

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O paralelo que Camus faz da estória grega com o nosso mundo atual é a comparação do esforço de Sísifo com o nosso cotidiano. É a representação finita da eternidade, em forma cíclica: fazer a pedra subir, vê-la cair, descer para buscá-la e subi-la novamente. Camus escreve: "Só vemos todo o esforço de um corpo tenso ao erguer a pedra enorme, empurrá-la e ajudá-la a subir uma ladeira cem vezes recomeçada; vemos o rosto crispado, a bochecha colada contra a pedra, o socorro de um ombro que recebe a massa coberta de argila, um pé que a retém, a tensão dos braços, a segurança totalmente humana de duas mãos cheias de terra".

O destino de Sísifo parece ser absurdo, mas não é menos absurdo que o operário que trabalha todos os dias fazendo a mesma coisa, como em Tempos Modernos. Talvez seja mais trágico, pois ao menos Sísifo é consciente de sua condição — conhece toda a extensão de sua miserável condição.

Volta e meia, alguém das camadas populares conquista o sucesso — veja, sucesso em uma análise meramente comparativa com seus iguais;[4] as oportunidades de uma pessoa de baixo tornar-se grande capitalista é quase zero — e o sistema une todos os seus esforços para transformar essa pessoa em um símbolo, em uma representação viva da meritocracia, da justiça social. Nesse momento, surge a valorização do sofrimento, da pessoa que acorda antes do sol nascer, a demonização do cansaço, a necessidade da produtividade.

Referências

  1. Camus, Albert (1955). The Myth of Sisyphus and Other Essays. New York: Alfred A. Knopf. ISBN 0-679-73373-6.
  2. a b c d e f g h i Albert Camus. The Myth of Sisyphus (em inglês)
  3. Sleasman, Brent (2011). Albert Camus and the Metaphor of Absurdity. Salem Press. ISBN 9781587658259.
  4. Costa, Gabriel (8 de julho de 2019). «A hipervalorização do sofrimento — Aspectos do neoliberalismo». Medium (em inglês). Consultado em 8 de junho de 2020