TEMA GERAL 5 - EDUCAÇÃO E PATRIMÔNIO - SUBTEMAS:
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, INTERPRETAÇÃO E APRESENTAÇÃO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL, HERANÇA PARA NOSSAS
GERAÇÕES
O PATRIMÔNIO CULTURAL E SUAS MÚLTIPLAS CAMADAS
MÜHLBAUER, Clarice F.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós Graduação em Arquitetura
Av. Pedro Calmon, 550, sl. 433 | Edifício Jorge Machado Moreira | Ilha do Fundão
Rio de Janeiro | RJ | CEP:21941-590
clarice.muhlbauer@fau.ufrj.br
RESUMO
Ultrapassamos a marca dos 30 anos da chamada “Constituição Cidadã”. Pautada na construção de
uma sociedade livre, justa e solidária; na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e na redução das desigualdades
sociais e garantia do desenvolvimento nacional, a Carta Magna brasileira parece apontar (novamente)
o caminho necessário para uma reestrutura política e um novo desenho de sociedade.
No campo do patrimônio cultural não é diferente, em seu artigo 216 a Constituição Federal de 1988
apresenta os bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro: “os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (Brasil, 1988) e indica que caberá
não só ao Poder Público, mas também a comunidade, a promoção e proteção do patrimônio cultural
brasileiro.
O tema da participação social também é basilar para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável,
pactuados pelos Estados-membros da ONU na Agenda 2030. Assunto que ecoa nas recomendações
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Em seu manual de
referência para gestão do patrimônio mundial cultural, a UNESCO (2016) apresenta o crescimento da
abordagem “baseada em valores” (na qual os integrantes da sociedade participam da atribuição de
valor), em detrimento da abordagem “convencional” (onde apenas os especialistas atribuem valor) nos
processos de reconhecimento e gestão da conservação do patrimônio cultural, recomendando a
utilização da ferramenta “plano de conservação”.
Nesse cenário consideramos como premissa: a atribuição de significados diversos ao patrimônio
cultural pelos diferentes integrantes da sociedade e que essa compreensão apoia processos decisórios
mais inclusivos e com maiores chances de ressonância com a sociedade na qual um bem está inserido.
Na pesquisa em andamento, busca-se a compreensão das formas de identificação e apresentação das
diversas camadas de significados que compõe um bem/lugar considerado como patrimônio cultural e
que melhor se adequem ao ciclo de um “plano de conservação”, ferramenta proposta pela Política do
Patrimônio Cultural Material (PPCM) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN,
como instrumento de conservação (Brasil, 2018). O uso da ferramenta conforme proposta por James
Kerr (2013) determina o pensar de forma estruturada e proporciona às pessoas envolvidas com o sítio
a oportunidade de avaliar como e por que ele é significativo, identificar as vulnerabilidades desse
significado cultural e definir o que deve ser feito para conservá-lo no caso de qualquer uso futuro,
alteração ou reparo.
Palavras-chave: Democracia; patrimônio cultural; plano de conservação; declaração de significância;
valores
5° Simpósio Científico ICOMOS Brasil e 2° Simpósio Cientifico ICOMOS/LAC
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Cenário
Ultrapassamos a marca dos 30 anos da chamada “Constituição Cidadã”. A Carta Magna
brasileira traz como objetivos da República Federativa do Brasil a formação de uma sociedade
livre, justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. Aponta o caminho necessário para uma reestrutura política e um novo desenho
de sociedade. No texto de seu 216º artigo apresenta um novo paradigma para a promoção e
proteção do patrimônio cultural brasileiro.
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, [...]
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
e de outras formas de acautelamento e preservação” (BRASIL, 1988)
Ao colocar em pauta a colaboração entre o Poder Público e a comunidade, lança então o
desafio com o qual seguimos nos deparando no campo das políticas públicas de patrimônio,
e de outros campos da democracia no Brasil.
Ulpiano Bezerra de Meneses (2012) vai chamar essa novidade de deslocamento de matriz do
valor cultural. Meneses sinaliza que o significado de um bem cultural não está na
materialidade da coisa em si, mas nas práticas sociais que a envolvem.
Irei diretamente para a questão nuclear: a matriz do valor. Se o valor é sempre
uma atribuição, quem o atribui? Quem cria valor? (MENESES, 2012, p.33)
Sônia Florêncio, repete algumas perguntas do professor e avança com seus
questionamentos:
Por que as pessoas valoram o patrimônio? Se o valor é atribuído, quem o
atribui? Quem o cria? Como as relações subjetivas e, portanto, afetivas com
os bens culturais podem ser acessadas? Como o Estado e as políticas
públicas de patrimônio incorporam em suas ações institucionais instrumentos,
técnicas, metodologias que permitam o acesso a essa valoração do
patrimônio? Como abarcar os diferentes saberes e formas de conhecer dos
sujeitos envolvidos com os bens culturais? Como o Estado e os órgãos de
preservação podem proceder para implementar políticas públicas de
patrimônio que levem em consideração as diferentes dimensões valorativas
do Patrimônio? Essas são algumas das questões que precisam ser
enfrentadas para que ocorra a ampliação da inclusão dos grupos sociais nos
processos de patrimonialização. (FLORÊNCIO, 2022, p.449).
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Dentro do rol de questionamentos apresentados pela pesquisadora e técnica do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, a questão do acesso às relações subjetivas
com os bens culturais nos interessa especialmente.
Catherine Gallois (2017), também servidora do IPHAN, já apontava que seria essa uma
fronteira de pesquisa pouco explorada no campo do patrimônio. Direcionando o olhar para a
complexidade de se pensar formas para processos efetivos de participação em tomadas de
decisão que afetem a conservação e gestão dos bens patrimonializados. Para Gallois, ações
como seleção, valoração, uso, conservação, restauração e demolição não deveriam ser
apenas técnicas.
Contribuindo para esse debate, Carla Coelho, pesquisadora e servidora da Casa de Oswaldo
Cruz | Fundação Oswaldo Cruz, aborda em sua tese as dificuldades no estabelecimento
desses processos participativos.
O processo de atribuição de valor aos sítios históricos, ao incorporar os
diferentes atores que participam da sua dinâmica, pode contribuir para o
reconhecimento e fortalecimento de suas singularidades, fornecendo
subsídios para a definição de estratégias que se oponham à tendência de
homogeneização identificada em grandes projetos de revitalização. As
dificuldades em relação à participação efetiva da comunidade nas ações
relacionadas à preservação, incluindo a valoração, devem ser entendidas no
contexto mais amplo da realidade brasileira, que ainda apresenta imensos
desafios e entraves para que a população possa exercer de forma plena sua
cidadania. Apesar dessas dificuldades – ou exatamente por causa delas – os
profissionais do campo do patrimônio cultural devem buscar novas
estratégias para viabilizar a participação da sociedade e reduzir a imensa
distância percebida entre a instância técnica, a instância política e os usuários
dos sítios históricos. (COELHO,2018, p.272 e 273)
Silvia Zanirato reforça que um dos caminhos para a efetividade da associação patrimônio/
identidade é a manutenção da ação institucional e abertura para a sociedade através da
transparência do que chama de “políticas de ativação patrimonial”, trazendo para os
processos de patrimonialização e salvaguarda de bens culturais a identificação de seus
sujeitos atuantes, as dimensões sociais e intangíveis dos elementos e seus múltiplos valores.
Alerta ainda para
os efeitos sociais consubstanciais ao processo de patrimonialização
e/ou de desaparecimento de tais bens; a articulação das políticas de
ativação do patrimônio com as demais políticas públicas (ambiental,
econômica, social) para viabilizar a conservação. Nessa perspectiva
está também a ampliação de usos do patrimônio, uma condição para
a identificação e a participação social na proteção do bem.
(ZANIRATO, 2018, p.29)
Retornamos então a Sônia Florêncio (2022), que entende que os
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processos de patrimonialização estão inseridos em um contexto de
relações sociais e representações da vida dos diferentes grupos
sociais e que, consequentemente, precisam ser conhecidas para se
conhecer, também, as valorações atribuídas aos bens culturais. Para
acessar o universo de valores cotidianos atribuídos pelos grupos
sociais ao patrimônio cultural, é preciso compreender o universo das
representações e das relações sociais que pautam suas vidas nos
territórios, o que é raro no universo das práticas dos processos de
patrimonialização, tradicionalmente focados em interpretações do
patrimônio realizadas por especialistas. (FLORÊNCIO, 2022, p.447)
Eliana Soares explora a discussão sobre inflação patrimonial e relevância demasiada do
especialista.
Mas há quem contraponha esse discurso, ao promover um debate que, para
além da necessidade de diversificação do patrimônio, há que se reconhecer
uma multiplicação de compreensões e a diversidade de porta-vozes, que não
aquelas que são controladas ou monopolizadas pelo Estado. Portanto, essa
inflação, ou proliferação, poderia ser vista como um sinal de democracia,
tendo em vista a ampliação da noção de patrimônio em todo mundo, a partir
dos anos de 1980. Novas demandas surgem, e a sociedade civil desponta
através das associações, tanto no Brasil, quanto na França, por exemplo.
(SOARES, 2020, p.469)
Importante apontar, como indica Flavio Carsalade, que reconheçamos a função identitária da
cultura e a importação de sua preservação, mas não esqueçamos as mudanças pelas quais
a sociedade passa e o que significa dizer que a cultura não é fixa.
Estamos submetidos a processos de transformação de crença e valores tanto
como indivíduos, quanto como grupos e uma análise, ainda que breve, sobre
as transformações culturais mostraria como um mesmo povo em diferentes
épocas valoriza ou vê de forma diferente o mesmo bem cultural.
(CARSALADE, 2017, p.205 e 206)
Também fala sobre as mudanças pelas quais passam os valores que são atribuídos aos
chamados bens patrimoniais, Mario Pragmácio Telles (2018), que em umas das notas de
rodapé de sua tese usa como exemplo a roda de capoeira, uma prática considerada crime,
prevista pelo no Código penal de 1890, que passa a categoria de patrimônio cultural brasileiro
em 2008.
Vimos que nessa breve amostragem de ideias de pesquisadores e profissionais brasileiros,
que atuam no campo da conservação de bens patrimonializados, há uma consonância com o
que veremos a seguir em relação ao cenário mais amplo das Nações Unidas e outros órgãos
de preservação e pesquisa no campo da patrimônio cultural.
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O tema da participação social é basilar para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável,
pactuados pelos Estados-membros da ONU na Agenda 2030, deles destacamos os seguintes
objetivos:
Objetivo 12. Consumo e produção responsáveis
12.b. Desenvolver e implementar ferramentas para monitorar os impactos do
desenvolvimento sustentável para o turismo sustentável, que gera empregos,
promove a cultura e os produtos locais [...]
Objetivo 16. Paz, justiça e instituições eficazes
16.7. Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e
representativa em todos os níveis
Vamos ver o assunto ecoando também nas recomendações da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, que apresenta em seu Manual de Referência
para Gestão do Patrimônio Mundial Cultural (UNESCO, 2016), o crescimento da abordagem
“baseada em valores” (na qual os integrantes da sociedade participam da atribuição de valor),
em detrimento da abordagem “convencional” (onde apenas os especialistas atribuem valor)
nos processos de reconhecimento e gestão da conservação do patrimônio cultural.
Figura 1 – Montagem da autora a partir de imagens do Manual de referência Gestão do Patrimônio Mundial
Cultural
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Gerir um ambiente histórico, portanto, é gerir mudanças. É assim com bens
do Patrimônio Mundial ou com qualquer outra forma de patrimônio. O objetivo
do gestor deve ser a continuidade do uso sustentável da paisagem, seja
urbana, seja rural, mantendo e, se possível, reutilizando o que for importante
do passado e, ao mesmo tempo, protegendo o VUE do bem. Em
consequência, a gestão deve mudar também para acomodar os pontos
de vista de outros e os interesses daqueles que moram e trabalham na
região. (UNESCO, 2016, p.32, grifo nosso)
Outros documentos, produzidos por órgãos internacionais de preservação do patrimônio
cultural, seguem apontando nessa mesma direção, como a Declaração de Delhi, sobre
Patrimônio e Democracia, onde o ICOMOS convida a todos a: “promover processos
democráticos inclusivos de engajamento comunitário: de todas as pessoas, por todas as
pessoas, para todas as pessoas” (ICOMOS, 2017, tradução nossa).
A abordagem baseada em valores é, em muitos sentidos, uma resposta a
complexidade cada vez maior do campo do patrimônio. Evoluiu em diversos
países, como o Canada e os Estados Unidos, e se tornou mais conhecida por
meio da Carta de Burra, elaborada pelo ICOMOS, na Australia, em 1979 e
posteriormente atualizada. Nessa carta, promoveu-se a avaliação do
significado de um lugar, com base nos valores atribuídos por todos os
interessados (não apenas pelos especialistas) e o uso de uma declaração de
significado como base para desenvolver estratégias de conservação e
gestão. Tal conceito foi aprofundado nos trabalhos de James Kerr sobre
planos de conservação (1982). Ele promoveu uma abordagem sistemática do
desenvolvimento de planos de conservação e gestão baseados em valores
e, o que é mais importante, do significado cultural de um lugar de patrimônio
para a sociedade. Nessa abordagem, ele adotou a premissa de que os
integrantes de uma sociedade atribuem valores diversos ao patrimônio
(UNESCO, 2016, p.29)
Erica Avrami, Randall Mason e Marta de la Torre, em seu relatório de pesquisa para The Getty
Conservation Institute (2000), trataram das transformações na sociedade e como isso afetou
como vimos e criamos o patrimônio cultural, saindo de um foco estreito, dado pelos
especialistas, direcionado para cânones, os chamados monumentos históricos, obras primas,
etc, ampliando significativamente o espectro e passando a incluir exemplares e conjuntos de
arquitetura vernacular, paisagens naturais e culturais e outros elementos que seriam
significativos para grupos específicos da sociedade.
Sobre plano de conservação
No texto organizado por James Kerr em 1983, ele apresenta a ferramenta que compartilha
com a Carta de Burra (1980) os princípios de que os valores atribuídos ao bem cultural
estruturam as políticas/diretrizes para sua conservação.
Kate Clark (2000) exemplifica que essa abordagem pode ser utilizada para jardins históricos,
paisagens, edificações, sítios arqueológicos, coleções de artefatos e até um navio. O uso
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dessa ferramenta mostra-se particularmente relevante em lugares com características mistas.
Clark (1998) ressalta aspectos a serem observados para aplicação do instrumento, focando
no diálogo e na produção coletiva como estratégias importantes para a identificação dos
valores e posteriormente proposição das diretrizes.
A ferramenta está proposta na Política do Patrimônio Cultural Material (PPCM) do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, como instrumento de conservação (Brasil,
2018). Seu uso determina o pensar de forma estruturada e proporciona às pessoas envolvidas
com o sítio a oportunidade de avaliar como e por que ele é significativo, identificar as
vulnerabilidades desse significado cultural e definir o que deve ser feito para conservá-lo no
caso de qualquer uso futuro, alteração ou reparo.
Consolidada pelo Iphan, a Política de Patrimônio Cultural Material (PPCM) foi
instituída pela Portaria Nº 375, de 19 de setembro de 2018. Esta normativa
servirá de guia para ações e processos de identificação, reconhecimento,
proteção,
normatização,
autorização,
licenciamento,
fiscalização,
monitoramento, conservação, interpretação, promoção, difusão e educação
patrimonial relacionados à dimensão material do Patrimônio Cultural
Brasileiro.
(...)
A Política de Patrimônio Cultural Material traz inovações importantes para os
procedimentos que envolvem a preservação e valorização do patrimônio
cultural. Mas, permeando todas elas, está o objetivo de promover a
construção coletiva dos instrumentos de preservação, garantindo assim a
legitimidade das ações do Iphan junto às comunidades e também entre os
agentes públicos. Esse objetivo decorre de diversos princípios, sobretudo da
indissociabilidade entre os bens culturais e as comunidades, da participação
ativa na elaboração de estratégias e da colaboração entre as esferas do
Poder Público e a comunidade. (IPHAN, 2018)
Pesquisa em andamento
Nesse cenário, a pesquisa em andamento tem como premissa: que os integrantes da
sociedade atribuem significados diversos ao patrimônio cultural e que essa compreensão
apoia processos decisórios mais inclusivos e com maiores chances de ressonância com a
sociedade na qual um bem está inserido.
Como objetivo geral busca-se a compreensão das formas de identificação e apresentação
das diversas camadas de significados que compõe um bem/lugar considerado como
patrimônio cultural e que melhor se adequem ao ciclo de um “plano de conservação”.
Entende-se que a ferramenta possibilita um olhar integrado sobre o bem,
como: de que maneira ele representa e concretiza valores intangíveis
associados? Como ele pode comunicar de maneira coesa todas as suas
“partes” – arquitetura, paisagem, bens móveis e integrados, sítios e bens
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arqueológicos? Ou como dar “voz” a todas as camadas e percursos históricos
pelo qual o bem passou ou representa? (CORRÊA; MÜHLBAUER, 2020)
Objetivos específicos:
1.
Mapear
atores/
stakeholders
(instituições,
associações,
organizações
não
governamentais...);
2. Levantar, analisar e experimentar procedimentos do método qualitativo de pesquisa para
identificação das camadas de significado que compõe um bem/ lugar considerado patrimônio
cultural;
3. Construir a Declaração de Significância para um bem reconhecido como patrimônio cultural
sintetizando o que é o lugar? o porquê é importante? E como esta importância se manifesta
hoje?
Essa proposta se entrelaça com o campo de investigação do Laboratório de Pesquisa em
Arquitetura, Subjetividade e Cultura do Programa de Pós Graduação em Arquitetura LASC |
PROARQ, que estão focados na relação pessoa-espaço construído, analisando fatores de
ordem subjetiva e cultural que participam da construção do Lugar, da memória e da identidade
espacial dos grupos socioculturais.
Considerar o espaço construído como artefato cultural significa dizer que ele
pode ser compreendido como linguagem, como portador de significados e,
principalmente, como materialização da visão de mundo dos grupos que a
produzem. (DUARTE, 2010, p.2)
Aprender a olhar, a ler e a escutar os ambientes juntamente com seus
usuários significa, para o arquiteto-pesquisador, a possibilidade de um
diálogo cultural dos mais enriquecedores, no qual se verificam não apenas as
relações entre os pesquisados e seus ambientes, mas também o
relacionamento do pesquisador com seu próprio sentimento espacial. (Ibid.,
p.4)
A integração possibilitada pela compreensão e análise de atributos de ambiências de lugares
urbanos e arquitetônicos é a abordagem desejável para complementar o olhar especializado
em patrimônio cultural. Através da aplicação de metodologias específicas que ressaltem a
dimensão sensível das ambiências, pretende-se uma aproximação que possa somar e
relacionar os diversos olhares sobre determinado lugar.
Conceitos como “Empatia Espacial” (DUARTE, 2015, p. 72) no contexto do patrimônio cultural,
podem trazer ricas contribuições para complementar o enfoque a partir das análises da
morfologia/ tipologia, da materialidade e do processo histórico de determinado lugar.
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Estudo de caso
Como objeto para estudo de caso é proposto o Conjunto da Fortaleza de Santa Cruz da Barra,
em Jurujuba, Niterói/RJ, componente do conjunto de dezenove fortificações brasileiras em
processo de candidatura a patrimônio mundial.
Figura 2 – Montagem fotográfica a partir de imagens disponíveis na internet referentes À fortificação.
Para esse lugar já estão identificadas camadas “oficiais” de significados, enquanto bem
tombado nacional nos livros Histórico e Belas Artes, como parte integrante da poligonal do
Sítio da Paisagem Cultural do Rio de Janeiro – Patrimônio Mundial e como unidade
operacional do Exército Brasileiro, resta apresentar um novo conjunto de valores; significados
que possam se somar aos já identificados, ampliando a abordagem.
Mirando
Clark (2019) aponta que tradicionalmente os especialistas em patrimônio tem usado sua
expertise para definir os significados de lugares de patrimônio, mas provoca ao dizer que,
cada vez mais devemos nos comportar menos como ditadores e mais como facilitadores,
ouvindo as pessoas, nos engajando junto às comunidades e ajudados os grupos a explorarem
o que importa ao invés de dizer a eles.
O profissional à frente do desenvolvimento de um plano de conservação precisa ser capaz de
uma abordagem transdisciplinar. É importante que tenha conhecimento de arquitetura e
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patrimônio cultural e é fundamental que consiga contextualizar, problematizar e relacionar as
informações, promovendo reorganizações que permitam a superação de barreiras e
possibilitem a apreciação de uma nova perspectiva.
James Kerr aponta que, a manutenção da distinção entre as disciplinas contidas em um plano
de conservação, pode significar a destruição ou enfraquecimento da interdependência
essencial entre os tipos de evidência e a forma de narrativa que melhor apresentam o
processo de desenvolvimento de um lugar.
A busca pela ampliação de conhecimento, através de pesquisa aplicada, em resposta ao
desafio posto de estudar cada aspecto, cada parte do bem/lugar e seu entorno, as práticas
sociais que ali ocorrem, os aspectos simbólicos que o permeiam, relacionando todas as
disciplinas, apresentando os critérios e as razões pelos quais este lugar é significativo –
Declaração de Significância, pode trazer respostas que contribuirão para processos mais
eficientes, eficazes e efetivos dentro da esfera dos órgãos públicos de preservação do
patrimônio cultural.
AGRADECIMENTOS:
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - Brasil (CAPES). Processo n. 88887.686202/2022-00 do PROEX
(Programa de Excelência Acadêmica).
REFERÊNCIAS (na ordem em que aparecem no texto)
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Brasília,
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