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Novas Tecnologias na Educação
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Desenvolvimento do Pensamento Espacial com a Geometria da Tartaruga
Márcia Rodrigues Notare – PPGEMat/UFRGS – marcia.notare@gmail.com
Marcus Vinicius de Azevedo Basso – PPGEMat/PPGIE/UFRGS – mbasso@ufrgs.br
Resumo: Neste trabalho se discute o desenvolvimento do pensamento espacial de
estudantes de matemática em processo de elaboração de programas no ambiente Logo
com base na epistemologia do espaço de Jean Piaget. No estudo foram analisados
programas que contemplam o uso de comandos que acionam uma terceira dimensão e
possibilitam representações de resoluções gráficas de três dimensões na representação
bidimensional da tela do computador. De caráter qualitativo exploratório, os resultados
do estudo apontam que a atividade de programação em Logo mobilizaram estratégias
envolvendo abstrações reflexionantes e pseudoempíricas, as quais ampliam as
possibilidades de raciocínio espacial.
Palavras-chave: Linguagem LOGO, pensamento espacial, representação espacial,
epistemologia do espaço
Development of Spatial Thinking with Turtle Geometry
Abstract: This paper discusses the development of spatial thinking of mathematics
students in the process of designing programs in the Logo environment based on the space
epistemology of Jean Piaget. In the study we analyzed programs that contemplate the use
of commands that activate a third dimension and enable representations of three
dimensional graphic resolutions in the two dimensional representation of the computer
screen. With an exploratory qualitative character, the results of the study indicate that the
programming activity in Logo mobilized strategies involving reflective and
pseudoempirical abstractions, which extend the possibilities of spatial reasoning.
Keywords: Language Logo, spatial thinking, spatial representation, space epistemology
1. Introdução
A linguagem de programação Logo foi desenvolvida na década de 70, dando
início ao processo histórico da utilização de computadores nas escolas. Com o passar dos
anos, novas ferramentas foram desenvolvidas para proporcionar o desenvolvimento do
pensamento matemático e o Logo foi sendo esquecido por pesquisadores e professores.
Pode-se constatar isso pelo baixo índice de publicações nas duas últimas décadas. (Vieira
et al, 2017)
Entretanto, a discussão sobre a programação nas escolas vem ganhando força
novamente, em especial com o surgimento do Scratch (Resnick, 2009; Santos, 2014;
Marques, 2009; Shimohara, Sobreira e Ito, 2016; Oro, 2015). Nessa direção, a Logo
Foundation, através do Massachusetts Institute of Technology (MIT), tornou disponível
as publicações da Revista Logo Update e da Revista The National Logo Exchange desdes
os primeiros números publicados, respectivamente, em 1993 e 1982. Mais do que um
registro histórico, o acesso ao acervo de propostas contidas nessas revistas representa um
resgate da potencialidade do ambiente Logo enquanto ambiente de programação.
Se do ponto de vista da programação, o ambiente Logo oferece desafios potentes,
para a aprendizagem de conceitos de Matemática, a linguagem Logo também apresenta
grande potencial, sendo possível tratar de conceitos de geometria, trigonometria, relações
e funções, progressões, recursões, entre outros.
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Muitos processos cognitivos do pensamento matemático que são desencadeados
a partir da programação em Logo ainda não podem ser realizados com os novos recursos
disponíveis e difundidos na atualidade, como o software de geometria dinâmica
GeoGebra. Registre-se que ambos apresentam potencial para desenvolver o pensamento
matemático, porém por meio de diferentes estratégias de pensamento, que permitem o
desenvolvimento de diferentes habilidades.
Neste artigo, discute-se o potencial da programação em Logo e a "Geometria da
Tartaruga", tópico que será tratado na seção 2, para desenvolver o pensamento espacial e
a representação do espaço à luz da teoria de Piaget. De caráter exploratório, foi realizada
uma experiência com 52 alunos do primeiro semestre de um Curso de Licenciatura em
Matemática, que tinham como desafio elaborar programas para desenhar pirâmides
regulares retas. Observou-se que a atividade exigiu dos alunos a construção de conceitos
envolvendo planos, visualização espacial, generalizações, os quais serão objeto de análise
na seção 4 desse artigo a partir de registros dos programas elaborados pelos estudantes.
2. A programação em LOGO e o pensamento espacial
A linguagem Logo foi desenvolvida por Seymour Papert e Marvin Minsky no
Massachusets Institute of Technology (MIT) e sua primeira versão data de 1968. Nas
primeiras versões, a programação em Logo era executada por um robô em formato de
semiesfera, o qual lembrava o formato de um casco de tartaruga, tendo na sua base uma
caneta que deixava um rastro na superfície a partir de movimentos de andar e girar (Matte,
2011).
Para Papert (2008)
(...) não é mais aceitável que se permita que forças sociais cegas determinem posições na
vida por meio de diferenças de acesso à aprendizagem, é necessário um esforço
deliberado para levar às crianças conhecimentos que não foram planejados para elas. A
Escola, na melhor das hipóteses, é demasiada morosa e tímida para tanto. Nesse espírito,
o Logo foi incentivado desde o início por uma perspectiva tipo Robin Hood de roubar a
programação dos tecnologicamente privilegiados (...) e dá-lo às crianças. (PAPERT,
2008, p.170).
Ainda na década de 70, com a disseminação de computadores pessoais, a
linguagem Logo passou a ser utilizada em telas gráficas. Em linhas gerais, a linguagem
Logo é constituída por comandos cuja intenção é movimentar uma tartaruga virtual
localizada na tela do computador, de modo que, ao movimentar-se, deixe um rastro que
desenha resoluções gráficas. Do ponto de vista do desenvolvimento do pensamento
matemático, as imagens desenhadas pela tartaruga podem exigir do sujeito que está
programando desde a utilização de conceitos básicos de geometria e trigonometria, até
conceitos mais avançados, como progressões, recursões, geometria fractal, entre outros.
Os comandos básicos da linguagem LOGO são: PARAFRENTE n (ou
simplesmente pf n) – a tartaruga desloca-se para frente n passos; PARATRÁS n (pt n) –
a tartaruga desloca-se para trás n passos; PARADIREITA n (pd n) – a tartaruga gira em
torno de si n graus para a direita; PARAESQUERDA n (pe n) – a tartaruga gira em torno
de si n graus para a esquerda; REPITA n – a tartaruga repete n vezes uma sequência de
comandos. Com esses comandos iniciais, já é possível desafiar os alunos em construções
interessantes, que envolvem diversos conceitos de Matemática, principalmente quando o
processo de generalizar relações e propriedades matemáticas é imposto. A Figura 1 ilustra
a interface do programa SuperLogo 3.0, na qual é possível visualizar a janela gráfica, a
janela de comandos e a janela de editor de procedimentos.
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Figura 1: interface programa SuperLogo 3.0. Fonte: acervo do autor
Um dos recursos disponíveis no SuperLogo 3.0 é a opção de trabalhar com
comandos “tridimensionais”, que acionam uma terceira dimensão e possibilitam
representações de resoluções gráficas de três dimensões na representação bidimensional
da tela do computador. Para dar início ao modo de perspectiva, utiliza-se o comando
logo3d. Nesse modo, novos comandos de movimento são ativados, para possibilitar o
deslocamento da tartaruga nas três dimensões. São eles: CABECEIEPARAFRENTE n
(cabeceiepf n); CABECEIEPARATRAS n (cabeceiept n); ROLEPARADIREITA n
(rolepd n); ROLEPARAESQUERDA n (rolepe n), no qual n representa a medida de um
ângulo. Os comandos cabeceiepf e cabeceiept inclinam o corpo da tartaruga para frente
ou para trás de acordo com o ângulo n especificado; os comandos rolepd e rolepe rolam
o corpo da tartaruga para o lado direito ou esquerdo de acordo com o ângulo n
especificado. Esses quatro comandos alteram o plano no qual a tartaruga está posicionada
para desenhar, o que possibilita o desenho de representações em perspectiva de figuras
tridimensionais.
Por exemplo, para desenharmos um cubo no modo logo3d, podemos inicialmente,
dar o comando cabeceiepf 90, fazendo com que a tartaruga incline todo seu corpo 90
graus para frente, posicionando-se sobre o plano da base do cubo (Figura 2a). Nesse
plano, é possível desenhar o quadrado que representa a base do cubo, por meio da
sequência de comandos repita 4[pf medida_aresta pd 90]. Uma vez concluída a base,
devemos deslocar a tartaruga para a base superior do cubo; isso exige que a tartaruga
novamente altere o plano, por meio do comando cabeceipt 90 (Figura 2b), e desloque-se
a medida da aresta em direção ao plano superior. Finalmente, deve-se posicionar a
tartaruga sobre o plano da base superior (Figura 2c), para que as demais arestas sejam
concluídas.
(a)
(b)
(c)
Figura 2: planos em um cubo. Fonte: acervo do autor
É justamente na necessidade de percorrer todas as arestas da figura geométrica,
colocando-se na posição da tartaruga, que permite ao sujeito identificar, reconhecer,
visualizar e representar os diferentes planos que a compõem, por meio da coordenação
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operatória das ações. Ainda, determinar um procedimento otimizado e geral, leva o sujeito
a um processo de generalização das relações matemáticas, por meio de abstrações
pseudoempíricas e abstrações reflexionantes. Um possível procedimento que desenha
cubos no ambiente Logo pode ser visualizado na Figura 3.
Figura 3: cubos no ambiente Logo. Fonte: acervo do autor
Na seção 3 apresentamos os conceitos centrais da representação do espaço com
base na teoria de Piaget, os quais darão suporte para as análises de casos envolvendo os
programas elaborados pelos estudantes com o Logo3D na construção de pirâmides.
3. A representação espacial na Psicologia Genética de Piaget
No estudo da representação espacial fundamentado na Psicologia Genética de
Piaget emergem os conceitos de percepção e representação espacial atividade perceptiva
intrinsecamente relacionados, apoiando-se simultaneamente no significante e no
significado, isto é, na imagem e no pensamento. De acordo com Piaget (1991) “a
percepção existe logo como totalidade. (...) Quando distingo uma casa não vejo primeiro
a cor de uma telha, a grandeza de uma chaminé, etc., e por fim a casa! Distingo logo a
casa e (...) só depois passo a análise do pormenor.” (p.82).
"A percepção é o conhecimento dos objetos resultante de um contato direto com eles. A
representação consiste, ao contrário - seja ao evocar objetos em sua ausência, seja quando
duplica a percepção em sua presença -, em completar seu conhecimento perceptivo
referindo-se a outros objetos não atualmente percebidos (por exemplo, quando
reconhecendo um triângulo, assimilamos a figura dada a toda classe das formas
comparáveis não percebidas simultaneamente). Se a representação em um sentido
prolonga a percepção, ela introduz um elemento novo, que lhe é irredutível: um sistema
de significações que comporta uma diferenciação entre o significante e o significado."
(Piaget e Inhelder, 1993, p.32)
Introduzidos os conceitos de percepção e representação, no estudo da
representação espacial uma questão se impõe: a abstração - aqui significando retirar - das
formas e outros elementos geométricos efetua-se a partir do objeto unicamente, ou a partir
igualmente das ações que o sujeito aplica aos objetos?
De acordo com Psicologia Genética, a abstração desses elementos, diferentemente
do que ocorre na abstração das qualidades físicas, como o peso ou a cor de um objeto,
ultrapassa uma simples extração das qualidades inerentes ao objeto. Nesse processo
ocorre uma abstração em relação à ação, ou a coordenações de ações do estudante. Nesse
caso, serão essas coordenações de ações que irão conferir a estes elementos abstraídos
um caráter geométrico e não somente físico e a representação espacial se constituirá em
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“uma ação interiorizada e não simplesmente a imaginação de um dado exterior qualquer”.
(Piaget e Inhelder, 1993, p.474)
Assim, compreende-se que a percepção sobre os objetos geométricos comporta
uma atividade realizada com a contribuição dos sistemas de significação coordenados
pelos sistemas lógicos de quem observa. Esta atividade perceptiva já se constitui em uma
abstração reflexionante, podendo constituir-se em uma abstração pseudoempírica ou
refletida, que possibilita a leitura de um mundo tridimensional mesmo que no papel - ou
na tela de um monitor - ele seja bidimensional. (Basso e Fagundes, 2006).
Portanto, serão as coordenações de ações realizadas pelos estudantes na
construção de significados e descrições que constituirão o suporte para as abstrações
reflexionantes de natureza geométrica identificadas na elaboração dos programas em
linguagem Logo os quais poderão permitir obter os objetos geométricos propostos. Serão
as composições, movimentos e combinações realizadas sobre os objetos geométricos que
possibilitarão ultrapassar a simples constatação dos aspectos figurativos dos objetos
geométricos. Essas composições, movimentos e combinações poderão produzir novos
resultados os quais permitirão realizar novas coordenações de ações, em uma espiral
crescente do desenvolvimento do pensamento espacial.
Na próxima seção, a partir do exame dos registros dos programas elaborados pelos
estudantes, analisamos o papel da atividade exercida sobre os objetos na compreensão
dos conceitos geométricos envolvidos, notadamente aqueles que se referem aos planos e
projeções. Identifica-se que se os atributos geométricos dos objetos se constituem em
observáveis para os estudantes, eles contribuem para a estruturação lógica dos conceitos
geométricos relacionados com o pensamento espacial. Identifica-se também que a
presença de esquemas de significação pessoais e a observação das próprias ações,
amparadas nas abstrações reflexionantes feitas sobre as estratégias empregadas, as quais
são utilizadas no processo de explorar e transformar os próprios objetos, realizando
composições e recomposições, se constituem em condições necessárias, mas não
suficientes, para a compreensão dos diferentes conceitos presentes na construção do
espaço.
4. O problema da construção de pirâmides – análise dos casos
Nessa seção, apresentamos o desafio proposto aos alunos e discutimos as
diferentes estratégias apresentadas, tanto do ponto de vista do pensamento espacial
colocado em jogo, como do ponto de vista da estrutura da programação. O problema foi
apresentado conforme Figura 4.
Obtenha um procedimento que desenhe uma Pirâmide
Regular Reta cujas entradas sejam o número de lados do
polígono da base (n), a medida da aresta da base (l) e a
medida da altura (h). As medidas da aresta lateral e dos
ângulos devem ser calculadas pelo procedimento.
Figura 4: Problema apresentado aos alunos. Fonte: acervo do autor
Conforme sugere o enunciado, o procedimento deveria ser geral o suficiente para
que fosse possível desenhar qualquer pirâmide regular reta, com liberdade de escolha para
o número de arestas da base, para a medida da aresta da base e para a medida da altura.
Vamos analisar o processo de construção do procedimento de alguns alunos,
selecionados pelas diferentes estratégias para percorrer as arestas da pirâmide. A Figura
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5(a) apresenta o procedimento desenvolvido inicialmente pelo aluno A, o qual procurou
solucionar o problema estabelecendo a seguinte estratégia: 1) alterou o plano original da
tartaruga (plano da tela do computador), inclinado 90o para a frente; 2) utilizando o
comando repita, percorreu as arestas da base, estabelecendo um procedimento geral o
suficiente para desenhar qualquer polígono regular de n lados (identifica-se a
generalidade do procedimento pelo giro de 360o/n); 3) novamente com o comando repita,
A inclina a tartaruga para trás, para alterar o plano no qual a tartaruga encontra-se e
percorrer as arestas laterais da pirâmide. Nesse momento, diferentes cálculos matemáticos
são necessários, para determinar medidas desconhecidas, ou seja, não declaradas e que
dependem das variáveis (entradas) iniciais.
(a)
(b)
Figura 5: Procedimentos de programação do aluno A. Fonte: acervo do autor
A Figura 6 ilustra uma pirâmide com dois triângulos retângulos em destaque,
necessários para determinar a medida da aresta lateral da pirâmide e a medida do ângulo
α que inclina a tartaruga para alterar o plano. É notório que as relações matemáticas que
determinam essas medidas não são atributos físicos observáveis no objeto. É a partir das
ações do estudante sobre o objeto e da coordenação dessas ações, que as relações
matemáticas poderão ser estabelecidas. Os triângulos utilizados nesse processo não estão
na figura geométrica espacial e, portanto, não são observáveis para o sujeito; eles
precisam ser evocados por abstrações reflexionantes, que ultrapassam a simples extração
de qualidades físicas. Ainda, é preciso coordenar a existência de dois triângulos
representados em planos distintos, porém com uma aresta em comum, que possibilita
estabelecer, por meio de abstrações, as medidas desconhecidas. Essa análise minuciosa
do objeto, que se apoia em sucessivas abstrações reflexionantes e pseudoempíricas,
permite ao sujeito conferir um caráter geométrico à pirâmide, e não somente físico.
cos (90 −
180
�
ℎ
)=
tan(𝛼) = 𝑅 ,
𝑙⁄
2
𝑅
,
𝑅=
𝛼 = 𝑎𝑟𝑐𝑡𝑎𝑛 [
𝑙⁄
2
180
𝑐� 𝑠(90− )
ℎ
𝑙⁄
2
𝑛
180
𝑐� 𝑠(90− 𝑛 )
]
Figura 6: pirâmide com triângulos retângulos destacados. Fonte: acervo do autor
Uma vez determinadas essas medidas, A dá continuidade ao procedimento: 4)
percorre a primeira aresta lateral, para frente e para trás, retornado à base da pirâmide; 5)
inclina novamente a tartaruga, agora para a frente, para retornar ao plano da base da
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pirâmide; 6) percorre a aresta da base e gira para a direita a medida do ângulo externo do
polígono da base. Ao executar seu procedimento para as entradas n=5, l=100 e h=100, A
depara-se com a resolução gráfica ilustrada na Figura 7.
Figura 7: gráfico gerado por procedimento no Logo. Fonte: acervo do autor
Para solucionar o problema, A precisou analisar seu procedimento, colocar-se na
posição da tartaruga ao percorrer as arestas da pirâmide e coordenar todos os movimentos
que estavam sendo aplicados, para perceber, por meio de abstrações pseudoempíricas,
que, ao inclinar a tartaruga para trás para “subir” na aresta lateral, a orientação da mesma
no plano da base deveria ser alterado, de modo que a tartaruga apontasse para o centro do
polígono regular, girando para a direita o que corresponde à metade do ângulo interno de
um polígono regular. Esse processo de representar a pirâmide em perspectiva e identificar
o problema que estava ocorrendo foi além da simples imaginação do objeto geométrico,
pois envolveu ações interiorizadas de A e a coordenação de ações - girar qual ângulo?,
inclinar qual ângulo?, qual plano considerar?, como “acessar” um plano com os comandos
do Logo? - , que deram suporte para a representação espacial da pirâmide. A solução final
do aluno A está apresentada na Figura 5(b). Cabe salientar que seu procedimento não se
encontra otimizado, uma vez que as arestas da base são percorridas duas vezes. A linha
de comando repita :n[pf :l pd 360/:n] poderia ser suprimida do procedimento sem perda
na resolução gráfica. Isso evidencia a forma como A percebe a construção da pirâmide e
abstrai seus elementos observáveis, organizando-a em duas partes distintas: primeiro
percorre as arestas da base, para depois percorrer as arestas laterais. Um processo de
observação das próprias ações seria necessário para delas abstrair a otimização do
procedimento. Entretanto, nesse momento, A negligencia a redundância da sequência de
comandos. Para percorrer as arestas laterais, da forma como A elaborou o procedimento,
é necessário percorrer as arestas da base para que a tartaruga se desloque de um vértice a
outro, sendo todo o desenho da pirâmide solucionado na segunda sequência de comando
repita.
O aluno B adotou outra estratégia para desenhar a pirâmide: 1) inclinou 90 o para
posicionar a tartaruga no plano da base da pirâmide; 2) percorreu as arestas da base; 3)
girou a tartaruga para o centro do polígono regular e deslocou-a para esse ponto, sendo
necessário o cálculo dessa medida de deslocamento em função das entradas do
procedimento; 4) inclinou a tartaruga para trás 90o; 5) percorreu a altura da pirâmide sem
deixar rastro; 6) inclinou a tartaruga para frente 90 o, para colocá-la em um plano paralelo
ao plano da base; 7) utilizando o comando repita, inclinou a tartaruga para frente por um
ângulo calculado por razões trigonométricas; 8) percorreu a aresta lateral para frente e
para trás (calculada por B pelo teorema de Pitágoras); 9) inclinou para trás para retornar
ao plano paralelo à base; 10) e finalmente girou a tartaruga em 360/n para posicioná-la de
modo a percorrer a próxima aresta lateral. O procedimento inicial de B pode ser observado
na Figura 8(a).
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(a)
(b)
Figura 8: Procedimentos de programação do aluno B. Fonte: acervo do autor
Ao executar seu procedimento e testá-lo para diferentes valores de n, o aluno B
percebeu que a pirâmide estava correta para valores de n pares (Figura 9a), porém para
valores de n ímpares, as arestas laterais não “encaixavam” (Figura 9b).
(a)
(b)
Figura 9: gráficos gerados por procedimentos no Logo. Fonte: acervo do autor
Sua estratégia de resolução não estava totalmente errada, porém, B negligenciou
o fato de que, ao se deslocar para o centro do polígono da base e “subir” pela altura, a
tartaruga estaria “de costas” para o vértice da base da qual partiu. Nos casos em que o
número de lados do polígono da base é par, tem-se a situação de vértices opostos
alinhados com o centro, o que resulta na resolução gráfica esperada. Porém, nos casos e
que o número de lados do polígono da base é ímpar, essa particularidade não ocorre,
fazendo com que a tartaruga caminhe até um ponto que não é vértice do polígono da base
da pirâmide. Observa-se que B apoiou-se em uma classe restrita de pirâmides ao resolver
o problema, desconsiderando aspectos geométricos relevantes para o sucesso da
representação de pirâmides regulares quaisquer, ou seja, ocorreu um problema no
processo de generalização. Os observáveis nos quais B se apoiou não foram suficientes
para conduzir a uma representação espacial geral das pirâmides. Depois de debruçar-se
sobre o procedimento e os cálculos efetuados, observando as próprias ações e
coordenando o conjunto completo de movimentos, B abstraiu que um giro de 180o, para
posicionar a tartaruga “de frente” para o vértice considerado, poderia corrigir o problema.
A Figura 8(b) ilustra o procedimento final de B. Cabe salientar que, apesar de parecer
uma solução trivial, o processo exigiu de B abstrações reflexionantes, ou seja, reflexões
sobre reflexões, para obter êxito no problema.
O aluno C utilizou estratégia de elaboração do procedimento semelhante a B,
alterando, entretanto, o movimento da tartaruga ao chegar no vértice da pirâmide pela
altura: nesse momento, percebendo que a tartaruga está “de costas” para o vértice de onde
partiu, C inclina-a para trás para percorrer a aresta lateral. Ainda, ao retornar ao vértice,
podemos observar que C utiliza o comando rolepd 360/n, rolando o corpo da tartaruga
para a direita para alterar o plano na qual está com sua barriga posicionada, para traçar a
aresta lateral seguinte (Figura 10). Do ponto de vista da representação espacial, C não
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sente necessidade de operar no plano paralelo à base da pirâmide (diferentemente de B),
utilizando a função do comando rolepd e coordenando-o com o desenho das arestas
laterais.
Figura 12: Procedimento do aluno C. Fonte: acervo do autor
A análise dos casos apresentados leva-nos a destacar que, a programação de
figuras espaciais em perspectiva no ambiente Logo conduz o estudante a um processo que
inicia na percepção, mas que, muito rapidamente, evoca ações e coordenações de ações
que vão dando suporte para o processo de representação espacial, apoiado na operação
com objetos geométricos não observáveis e que precisam ser acessados por meio de
abstrações reflexionantes. Como o estudante precisa efetivamente percorrer todas as
arestas da figura geométrica, a representação dos diferentes planos que compõem a figura
e operar sobre eles, é imposta e crucial para a programação do procedimento. Da mesma
forma, o estabelecimento das relações matemáticas para as medidas desconhecidas deve
ser preciso; não há a possibilidade de cálculos equivocados ou aproximados, pois, caso
contrário, a figura colapsa. A busca por essas relações deve ir além do processo de simples
imaginação do sujeito, pois envolve ações sobre objetos não-observáveis e suas
representações.
4. Considerações finais
Finalizando o artigo destacamos dois aspectos sobre o estudo apresentado e ambos
dizem respeito ao binômio temporalidade/atualidade. O primeiro aspecto refere-se à
utilização da programação com a linguagem Logo na formação de futuros professores de
Matemática. Embora existam linguagens de programação mais atuais, como o Scratch, o
Logo reúne um conjunto de requisitos que mobilizam o pensamento matemático dos
estudantes e, em particular, o raciocínio espacial. Além disso, diferentemente da proposta
do Scratch, a sintaxe do Logo exige do programador cuidados especiais, fazendo com que
a escrita seja um elemento importante para a obtenção exitosa de resultados esperados.
Ora, tal aspecto é fundamental no processo de formação de professores de Matemática e
dar atenção à correta escrita é parte da atuação docente junto a estudantes do Ensino
Básico.
O segundo aspecto refere-se à atualidade da teoria piagetiana para a interpretação
do desenvolvimento do pensamento espacial, a qual tem se apresentado como fundamento
importante para se analisar as operações dos estudantes na construção e representação de
objetos que transitam entre os espaços bi e tridimensionais.
Finalmente, destaca-se a atividade de programação em Logo pode mobilizar no
estudante ações que conduzam à percepção e representação do espaço, por meio de
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estratégias que envolvem abstrações reflexionantes e pseudoempíricas, as quais ampliam
as possibilidades de raciocínio espacial.
5. Referências
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