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Margens: Revista Interdisciplinar | e-ISSN:1982-5374 | V. 17 | N. 28 | Jan-Jun, 2023, pp. 205-227
ALÉM DE SI: A ARTE COMO FAZER COLETIVO
BEYOND YOURSELF: ART AS A COLLECTIVE ENTERPRISE
Eduardo PELLEJERO
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRGN)1
Resumen: Autores fundamentais da literatura e
da filosofia como Blanchot, Zambrano o
Cortázar, associaram de maneira essencial a
criação artística à solidão. Mas no encontro e
na colaboração com os outros a arte muitas
vezes manifestou uma potência incomparável
de invenção. Essas experiências, que abrem
um horizonte de pesquisas, colocam em causa
a herança romântica do gênio e a noção do
artista como individuo privilegiado. A partir de
alguns casos da música e da dança, da pintura
e da literatura, o presente ensaio procura
explorar algumas dimensões da criação
enquanto empresa coletiva.
Abstract: Central authors of literature and
philosophy such as Blanchot, Zambrano and
Cortázar, associated artistic creation with
solitude. But in collaboration art often
manifested an incomparable power of
invention. These experiences, which open up a
horizon of research, call into question the
romantic heritage of genius and the notion of
the artist as a privileged individual. Based on
some cases of music and dance, painting and
literature, this essay seeks to explore some
dimensions of creation as a collective
enterprise.
Collective
Artistic creation.
Keywords:
Palabras-clave: Arte coletiva. Colaboração.
art.
Collaboration.
Criação artística.
1
Doutor em Filosofia Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Portugal, 2006). Desde 2009
é professor de Estética, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia (UFRN). E-mail:
edupelejero@gmail.com
Além de si: a arte como fazer coletivo
PELLEJERO, Eduardo
Contam que quando os marinheiros têm que mover um fardo
pesado, ou carregar uma âncora, para poder levantar um peso
maior, para serem capazes de um esforço extremo, cantam todos
juntos para apoiar-se e dar-se forças. Isso é o que necessitam os
artistas.
Vincent Van Gogh
Arlés, 6 de junho de 1888
Tal como para Júlio Cortázar, tal como para Maurice Blanchot, tal como para María
Zambrano, o meu credo sempre foi o credo da solidão, uma defesa radical da distância que,
resguardando-me dos outros, devolve-me o mundo em imagem ―renovado. Nesse “isolamento
comunicável, no que precisamente pela lonjura de qualquer coisa concreta faz-se possível uma
descoberta de relações entre elas” (Zambrano, 1934, p. 318), radicou sempre para mim o segredo da
escrita, e por extensão o das artes sob todas as suas formas. Não uma família, mas a humanidade. Não
uma casa com vista, mas uma forma absoluta de ver as coisas, à intempérie. Não a moeda gasta da
linguagem, mas as vozes do silêncio. E a essa complexa articulação das minhas neuroses com a
realidade eu a chamava: a experiência.
228
Não pretendo vir agora desdizer-me e negar o valor dessa singular configuração do desejo que
nos deu Kafka, que nos deu Cezánne, que nos deu Wolf e Pizarnik e Duras. Mas recentemente
algumas coisas puseram-me a pensar nos limites da minha perspetiva e moveram-me a explorar
figuras incomensuráveis da criação artística.
Primeiro, o último filme de Martin McDonagh ―The Banshees of Inisherin (2022)―, no qual
um músico ―Colm Doherty (Brendan Gleeson)― põe fim a uma amizade de anos com um agricultor
local para poder dedicar-se plenamente à sua arte. Desorientado, o seu amigo ―Pádraic Súilleabháin
(Colin Farrell)― questiona a decisão e vai repetidas vezes ao seu encontro. Mas Colm Doherty está
disposto a tudo para preservar a sua solidão ―até à auto-mutilação. Resumindo o argumento para
uma amiga que não a viu, Julieta, a minha amiga, interrompeu-me antes de que chegara a entrar no
tema e concluiu: típico caso de depressão. E no final vê-se que Colm Doherty na verdade está
deprimido, que a música só era uma desculpa, que a paixão mais triste, a mais obscura de todas, o
comia por dentro. Como escreveu Sara Gallardo: “Um animal demasiado solitário devora-se a si
mesmo” (GALLARDO, 2000, P. 53). Só que eu não o vi tão rápido. Para mim as premissas eram
corretas, não admitiam refutação.
Depois, dois de cada três artistas que entrevisto dizem nunca terem sido tentados pele álibi da
solidão. Um diretor coral que renuncia a uma carreira como solista porque não imagina uma vida não
partilhada; uma artista plástica que sempre trabalhou junto a uma amiga, inclusive em pintura; dois
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irmãos que conceberam a música juntos; uma prima afastada que encontrou a arte no ativismo, isto
é, na comunidade, no povo2.
Em seguida, o reconhecimento inevitável, com os anos, de que os encontros promovem o
acontecimento, que os encontros são o acontecimento ―tanto na ordem da vida, da existência, como
nas ordens da arte ou da política. Agnès Varda: “Represento o papel de uma idosa, gordinha e
faladora, que conta a sua vida. Porém, são os outros que me interessam e aos que quero filmar. Os
outros, que me intrigam, me motivam, me fazem questionar-me, me desconcertam, me apaixonam”
(Varda, 2008). Trata-se de uma verdade que não nasce do círculo solipsista da consciência, mas do
trato, da fricção, inclusive da confrontação com os outros. No cinema isso é fatal, tratando-se de uma
arte coletiva3. Também é, em geral, o caso das artes de palco: do teatro, da música, da dança. Mais
longe de nós, as artes plásticas também souberam ser fundamentalmente artes coletivas. Me inspirarei
em todas elas para tentar aprofundar o que está em jogo nessas formas de encarar o ato de criação,
mas não perderei de vista que, assim como essas artes não escapam à tentação do génio solitário, a
escrita, que na tradição romântica é o reduto desses pactos demoníacos, também conhece alternativas
coletivas instigantes que merecem a nossa atenção.
Por fim, pergunto-me se tudo isto terá alguma relação com o problema da função social
(perdida) da arte na nossa época, com esse problema que levou Ingmar Bergman a colocar em causa
a sua própria individualidade privilegiada e, equiparando-se aos seres anónimos que reergueram a
catedral de Chartres, escrever: “O artista considera o seu isolamento, a sua subjetividade, o seu
individualismo, como se fossem quase sagrados. Assim, finalmente, nos reunimos num curral grande
onde ficamos a balir sobre a nossa solidão sem ouvir-nos uns aos outros, e sem advertir que nos
estamos asfixiando uns aos outros até matar-nos. (...) Por conseguinte, se me perguntam qual desejaria
que fosse o propósito geral dos meus filmes, contestaria que quero ser um dos artistas na catedral, na
planura” (Bergman, 1969, p. 22). Seguramente podemos pensar as grandes obras cinematográficas
da nossa época como catedrais (não já levantadas espontaneamente pelo povo depois da tempestade,
mas pelos empregados assalariados da indústria cinematográfica), mas também (e talvez melhor)
2
Respetivamente: Carmelo Fioriti, Sofía Larroca, Ruben e Horacio Matesan, e Carolina Pellejero. As entrevistas são
parte de um projeto de investigação dedicado a explorar os começos e recomeços na arte (2022-2023).
3
O caráter evidentemente coletivo da produção cinematográfica é em geral barrado através de estratégias de leitura
promovidas pela cultura cinematográfica, que tendem a aceitar a autoria acriticamente. Assim, o cinema mistifica a sua
própria divisão do trabalho, separando o trabalho manual de trabalho intelectual e assignando valor de troca apenas ao
último. Por exemplo, diferenciando o seu produto em grande medida por referência à personalidade de um artista único
ou genial, o cinema de autor nega a dimensão social da produção artística (BUDD, 1984, pp. 12-19). Christopher Orr
(1984, p. 20-26) afirmava nesse sentido que as figuras do autor limitavam-se historicamente a construções produzidas por
e para a ideologia com a pretensão de instituir o diretor/autor como figura de um sujeito originário e trascendente,
criador/responsável da produção cinematográfica. Ver: (PELLEJERO, 2012, p. 29-53).
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podemos pensar na utopia benjaminiana inspirada pelos diários murais das fábricas de começos do
século XX (essa utopia, para Benjamin, era o correlato da crítica das categorias clássicas da estética:
a eternidade, a beleza... o génio). Não me importaria avançar em algum momento por esse caminho.
***
Se é certo que a apreensão de certas realidades, de certas coisas fundamentais, não se dá em
companhia, também é certo que há verdades que só se revelam no contacto estreito e continuado com
os outros4. Para isso é importante que o acontecimento do comum não esteja calcado sobre modelo
algum, mas que tenha a forma de um encontro, que não esteja sobredeterminado sob o esquema de
um projeto predefinido, mas que se abra ao inesperado e ao desconhecido. Utopia de uma comunidade
descentralizada na qual cada um trabalhe ―junto aos outros― conforme as suas paixões e
necessidades, a sua vocação e o seu desejo, como a que sonhara Roland Barthes (Barthes, 1975, p.
103).
230
Acaso a forma mais próxima dessa utopia seja a improvisação no jazz. Durante os seis anos
em que colaboram, as personalidades artísticas de Miles Davis e John Coltrane se transformam
(devêm) e se definem (amadurecem) de uma maneira assombrosa, preservando as suas singularidades
ao mesmo tempo que criam e desenvolvem toda uma nova forma de entender e praticar a música (de
fato, farão isso mais de uma vez ao longo das suas carreiras). Nessa aventura estarão acompanhados
fundamentalmente por Red Garland (piano), Paul Chambers (baixo) e Philly Joe Jones (bateria)5.
Juntos, puxados por essa portentosa base rítmica, experimentarão e evolucionarão, se desafiarão e
animarão um ao outro, até definir as novas bases da música moderna.
Embora Coltrane procurasse a princípio um mestre em Davis (quem evita, dentro do possível,
colocar-se nesse lugar, limitando-se apenas a apontar-lhe que esteja atento ao tempo ou que em vez
de improvisar por vinte e oito coros seguidos o faça apenas por vinte e sete), a relação enriquece a
ambos, produzindo uma rara sinergia. Mantendo as suas claras diferenças estilísticas, formam um
combo arrebatador, cuja potência se manifesta de maneira privilegiada sobre as progressões modais
Uma tentativa anterior de aproximar-me desta questão encontra-se em “De la soledad a la comunidad.” (PELLEJERO,
2019, p. 167).
5
“In the wry words of multi-instrumentalist Howard Johnson (who would later work with Miles through his long
association with Gil Evans), Miles’s band was supposed to fail. In the eyes of his detractors, instead of building his band
with the accepted leading players like saxophone colossus Sonny Rollins, “Miles had a junkie drummer, a cocktail pianist,
a teenage bassist, and an out-of-tune saxophonist. Yet he sold a whole lot of records and made all the musicians eager to
hear each one as it came out.” (GRIFFIN & WASHINGTON, 2008, p. 5.49)
4
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que darão o tom a Milestones, onde o lirismo de Davis e o compacto tecido de som de Coltrane
expandem as fronteiras da improvisação e abrem um novo horizonte de investigações para a música.
Nem Davis nem Coltrane eram grandes conversadores (no princípio da sua colaboração,
perante a curiosidade de Coltrane, Davis colocou sumariamente um fim à possibilidade de que a deles
fosse uma relação desse tipo6). Por outro lado, na medida em que a música que tocavam estava em
vias de fazer-se, tampouco partilhavam a priori uma língua comum (essa língua, se é que existia,
como, por outra parte, em toda a arte moderna, estava por construir) (Merleau-Ponty, 1974, p. 68 e
ss.). Contudo, a comunicação entre eles parece ter lugar de maneira constante e natural.
Na versão de “Oleo”, o standard de Sonny Rollins incluído em Relaxin (1958), depois de
apresentada a melodia sucessivamente pelo trompete, o piano e o saxo, Davis encara o primeiro solo
de maneira lacónica, acompanhado apenas pelo baixo, soltando-se com a entrada do resto da secção
rítmica na primeira ponte, mantendo a intensidade durante o segundo coro. Então, apenas começado
o terceiro coro, Davis deixa o seu solo em suspense numa frase sem resolução, que Coltrane pega no
ar e resolve de modo impecável antes de passar a propor as suas próprias ideias ―dúzias de ideias, a
uma velocidade estonteante! Relaxin foi um dos cinco discos que o quinteto gravou em dois dias para
cumprir com o contrato que assinara com Prestige antes de começar a trabalhar para Columbia. É,
como os outros quatro, um disco improvisado, assente apenas sobre o entendimento que o grupo
desenvolvera durante as numerosas apresentações ao vivo. Além dos arranjos elaborados por Davis,
o que ouvimos é o correlato de uma forma de inspiração comum que, por momentos, cria uma
verdadeira ilusão de telepatia ―como quando, durante o solo de Garland, Jones assume com o hi hat
a chamada com o que até então Garland marcara o fim de cada coro7.
Ainda que lançado no mesmo ano, Milestones (1958) é dois anos posterior a Relaxin, que fora
gravado em 1956. Separação mediante, Davis e Coltrane retomam então o diálogo interrompido,
adentrando-se em territórios não explorados. Ambos cresceram notavelmente como músicos, mas não
é necessário ir além da primeira faixa do disco ―“Dr. Jackel”― para perceber o modo em que, indo
um ao encontro do outro, os estilos de ambos parecem fundir-se numa ideia comum, que a
ensamblagem perfeita com a secção rítmica da banda converte numa autêntica parede de som. A
inclusão de Cannonball Adderley, por outra parte, parece desafiar Coltrane a deitar mão a todos os
seus recursos ―porém, mais do que a impressão de uma batalha, ficamos com a ideia de um esforço
“FORTUNE: My working with Miles would suggest that [their communication] wasn’t extensive. Miles wasn’t a talker
and Trane wasn’t a talker. So you got to guess there’s no talking. ALI: Not with words, anyway.” (GRIFFIN &
WASHINGTON, 2008, p. 5.33)
7
Ver. (BEATO, 2020).
6
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mútuo para ir (juntos) tão longe quanto possível (como numa corrida de estafetas) 8. De resto, a
supressão dos ciclos harmónicos no tema que dá título ao disco, que parece estabelecer um tempo
flutuante sobre o qual os solos se desenvolvem sem a urgência de quem tenta acompanhar os changes,
força a banda a ser melodicamente criativa sem a guia de uma progressão9. O resultado é
surpreendente: as transições de um solo a outro tornam-se, se é possível, ainda mais orgânicas que
nos discos anteriores, as citações de um ao outro multiplicam-se, e, em geral, envolvidos pelo
movimento continuo da secção rítmica, os motivos convertem-se em ideias comuns, passando com
um máximo de diferença e um mínimo de alteração de boca em boca, como se estivesse a
desenvolver-se um teorema ou, melhor, a sua demonstração ―sendo que, quando a melodia volte a
ser tocada em uníssono, já no final, temos a sensação de que, com efeito, se trata de uma tese provada,
sem refutação possível.
Sobre estes discos, como sobre os grandes discos que Coltrane gravaria a solo alguns anos
mais tarde, projetou-se muitas vezes uma aura de misticismo. Mas na verdade só se trata de música
―de alguma da melhor música produzida no século XX, é certo, mas de música afinal, sem mais.
232
Sem dúvida, há algo de transcendente nas formas de criação coletiva, algo que nos fala de maneira
direta sobre o que é e significa estar juntos e pôr em comum, algo que, excedendo as formas ordinárias
de estar no mundo, pode levar-nos a mistificar a sua singela origem humana. Mas de que se trata?
Talvez só da enorme energia que emana do diálogo balbuciante entre os instrumentos, dessa energia
que atinge sempre, também, os seus ouvintes, e os envolve na sua rarefeita atmosfera, levando-os a
sentir que comungam com uma forma não racionalizada do real.
Mais de setenta anos depois daquelas sessões, a música de Davis e Coltrane pode ter-se
tornado familiar para alguns de nós e, nesse sentido, mais acessível, como uma língua conhecida, mas
aqueles que a ouviram pela primeira vez nos começos dos anos sessenta foram obrigados a esforçarse ao máximo para acompanhar as mudanças, as sobreposições, os acentos, e, muitas vezes, como os
próprios músicos, agarrar no ar as coisas que eram propostas.
De resto, acaso seja inevitável julgar numa primeira aproximação que o impacto da música de
Davis e Coltrane é o produto do contraste de duas individualidades fortes, de duas vozes únicas e
idiossincráticas ―tão profunda é a nossa ascendência romântica. Mas dar isso por assente é passar
por alto que muito provavelmente nem um nem outro teriam chegado a fazer as descobertas que
“In Dr. Jackie, the seams between the alternating choruses by the two players are almost indistinguishable, and there is
momentary confusion on a first listening as to where Adderley leaves off and Coltrane begins, and vice versa.”
(CHAMBERS, 2020, s/p)
9
Ver. GRIFFIN & WASHINGTON, 2008, p. 10.34.
8
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fizeram sem estabelecer uma intensa colaboração sem pressupostos. Colaboração que, certamente, se
estendia ao resto dos músicos. De fato, as alterações produzidas na base rítmica ao longo do tempo,
ou a incorporação de Cannonball no saxo alto, transparecem de modo notável nas mudanças que se
vão dando em cada uma das suas performances individuais. A música que entreveram e executaram
foi uma invenção coletiva desde o início, ainda que a solidão possa ter marcado as longas horas de
prática e de estudo, de composição e arranjo. Se, acompanhando as gravações existentes, assistimos
a um verdadeiro processo de individuação, devemos aclarar que se trata da individuação da própria
música embrionária que compuseram e improvisaram juntos e, a seguir, como um correlato, da
individuação das suas próprias pessoas musicais ― já não princípio, mas efeito, produto, resultado.
Não se trata, evidentemente, de uma génese absoluta (evitemos mais uma vez o fantasma da
mistificação). O hard-bop alimentava-se do jazz que se tocara até então, dessa história que Davis
considerava poder resumir em quatro palavras: “Louis Amstrong, Charlie Parker”10. Em última
instância, Coltrane reconhecera um mentor em Thelonius Monk, assim como Davis o reconhecera
em Bird, como parte de uma aprendizagem particular que não podemos menosprezar. Mas o modo
em que se manifestam esse saber adquirido e as qualidades latentes de cada um, durante os anos em
que tocam juntos, constitui um acontecimento do comum, uma revelação coletiva, um autêntico
encontro criativo, que, apesar de que carecemos de registos de qualquer conversa entre ambos,
podemos inferir sem dificuldade da música que nos deixaram e ouvimos.
***
Entre outras alcunhas, Miles Davis era conhecido como “the chief”. A figura do líder ou
diretor não é alheia às artes coletivas. Perante uma orquestra ou um coro, detrás de um balé ou de
uma companhia de teatro, há muitas vezes, se não a maior parte das vezes, uma instância articuladora
desse tipo. Agora, qual é a sua função? Isto é: de que modo pode operar dentro de grupos que não são
apenas intérpretes das obras de um autor, mas co-criadores (sendo que aqui, por hipótese, esse é
sempre o caso)?
Embora seja a sua diretora e, de fato, leve o seu nome, o Tanztheater Wuppertal Pina Bausch
não é uma mera extensão da pessoa de Pina Bausch, nem das suas ideias como bailarina e coreógrafa.
“Miles once said: ‘You can tell the history of jazz in four words: Louis Armstrong. Charlie Parker.’ Of course, this is
an abbreviation, yet in Miles’s inimitable way, he is able to imply so much from so few words (in this context, for example,
‘Charlie Parker’ implies Thelonious Monk, Bud Powell, Sonny Criss, and so on). Now in the first decade of the twentyfirst century, a similarly short but pregnant list can be extended to eight words: ‘Louis Armstrong. Charles Parker. Miles
Davis. John Coltrane.’ (Assuming Lady Day is a daughter of Pops.)” (GRIFFIN & WASHINGTON, 2008, p. 11.29)
10
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Aproximar-se da atividade dessa companhia excepcional, que problematizou as fronteiras entre a
dança e o teatro, exige que deixemos atrás as distinções clássicas entre forma e matéria11. Se a
criatividade de Bausch nos traz algo de novo, fá-lo através de uma relação estreita e constante com
os seus bailarinos e bailarinas. As revelações e as descobertas não são da sua exclusiva
responsabilidade, nem o balé está aí simplesmente para encarná-las. Não se trata de um teatro de
ideias, ainda que dê muito que pensar. E os corpos não entram em jogo apenas em virtude das suas
competências técnicas ou da sua destreza física, mas se oferecem constantemente com toda a sua
carga de experiência e imaginação.
Graças a Lissabon/Wuppertal/Lisboa (1998), o documentário de Fernando Lopes que
acompanha a construção de Masurca Fogo (1997), durante uma residência de três semanas em
Lisboa, podemos apreciar que todo o processo de montagem do espetáculo comporta uma elaboração
coletiva. Bausch se instala detrás de uma mesa no meio da sala de ensaio e dirige a cada um dos
bailarinos uma questão, que pode adotar a forma de uma pergunta ―“O que fazes quando sentes
ternura por alguém?”― ou uma espécie de desafio ―“Faz algo que te envergonhe” 12. As respostas,
234
que frequentemente traduzem uma experiência pessoal, são elaboradas de maneira individual por
cada um dos bailarinos e adotam a forma de um gesto, de um movimento, de uma frase-movimento
ou de uma pequena história dançada ―serão os building-blocks da encenação. Isso quer dizer que as
variações individuais sobre um tema não têm lugar apenas como parte da performance ou da execução
da peça (improvisação), mas desempenham um papel fundamental na sua composição (são parte de
uma investigação coletiva)13.
11
O método de perguntas e respostas que introduz Bausch na criação das suas obras é, de fato, uma inversão do
procedimento habitual de forma-conteúdo: trata-se de um movimento que vai do conteúdo à forma (a ideia vem em
segundo lugar, ou é o resultado de um processo de diferenciação pre-individual).
12
“Every imaginative journey is prompted by a question. She reads the questions out, batches at a time, and the dancers
write them down. Then her collaborators are left to their own devices and imagination to come up with their own response
to Bausch’s stimuli/questions. (...) Jean Laurent Sasportes considers that the questions can be grouped under two
categories: ‘Celles qui relèvent de la vie quotidienne, de la vie privée, qui peuvent te concerner très personnellement, et
celles qui rejoignent la fantaisie, l’imaginaire, comme composer une scène dans les bois ou jouer les Lorelei’.”
(MULROONEY, 2015, §6.1).
13
“Once [in 1978], a theater asked me to do a piece about Shakespeare. I chose a Macbeth theme and worked with a few
dancers and actors and a singer. I couldn’t work the way I usually work—giving them movement—so I had to find another
way. I asked them questions, and through these questions we tried to create something. Each one had different ideas and
came from completely different fields. (...) “They know that I see them all very individually, and that they all have to
bring themselves in. I’m not only using them; they are also, in a way, creative. And I think they like the experience of
talking about all kinds of things.” (BAUSCH apud TU, 2008, s/p)
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Essa maneira de trabalhar, que por outra parte prescinde de imagens de um objeto ou um fim
a alcançar14, constitui a pedra de toque do processo criativo de Bausch, que avança, não propondo
movimentos nem convidando à improvisação, mas colocando questões aos bailarinos ―questões que
já se colocara a si mesma: “Dou-lhes algo para pensar e lhes peço que me respondam fazendo algo.
Posso perguntar-lhes coisas sobre as suas vidas ou as suas fantasias, ou sobre algo que
experimentaram em criança. Procuro respostas que digam algo, mas que não seja possível explicar
bem de que se trata. Isso é muito importante para mim ―quando somos tocados sem conseguir
explicar a razão com a nossa cabeça” (BAUSCH apud STERRIT, 1985) 15.
É importante compreender que a ideia de fundo não é que os bailarinos contribuam com as
suas ideias para o projeto que Bausch desenvolve ―por exemplo, a partir de “peças como A
consagração da primavera, que já tem uma história e a música completa” (BAUSCH apud TU, 2008)
―, mas que se deem a ver, que se mostrem: “Acho lindo quando, no final de uma performance, sintome um pouco mais perto deles porque revelaram algo de si mesmos” (BAUSCH apud TU, 2008).
Ao mesmo tempo, as questões são parte de um método para aproximar-se de um tópico
sensível com muito cuidado. Um método não; um protocolo de experiência. O roteiro é substituído
por um intenso e prolongado16 trabalho coletivo de elaboração de experiências humanas
fundamentais. Procurando “uma linguagem para a vida” (BAUSH apud REVECO, 2022), Bausch
dirige assim um processo muito aberto e ao mesmo tempo muito preciso, que “conduz a muitas coisas
nas quais, sozinha, não teria pensado jamais”(BAUSCH, 2007).
Por exemplo, durante a preparação de Mazurca fogo, Bausch interroga uma das suas bailarinas
―Regina Advento― sobre algumas das suas experiências. A modo de resposta, ela esboça a história
de um grupo de mulheres que vende peixe na rua e deve ocultar as suas coisas com pressa perante a
chegada da polícia. Primeiro vemos os seus deslocamentos cénicos, uma série de graciosos
movimentos equilibrando um bacia de água sobre a cabeça, ao mesmo tempo que agita outras mais,
várias em cada mão (Bausch toma notas enquanto observa com atenção). A seguir, ouvimos uma
interpretação da própria bailarina, que volta sobre os seus movimentos para tentar dar conta do seu
significado (Bausch escuta em silêncio, sem emitir juízo algum). Esse processo nem sempre é fácil,
“I know what I’m looking for, but the picture doesn’t exist. It’s like a puzzle —you have to find things, and you know
when you find something that it really belongs.” (BAUSCH apud TU, 2008)
15
. Ver. Mulrooney, 2015: “Bausch is quite adamant that the initiation point for the creation of her pieces lies in questions,
as opposed to improvisations. This distinction is significant, because questions evoke the sense of a scientific research
more than improvisations. Questions have an investigative and interrogative, empirical and almost anthropological
undertone”.
16
A construção de uma obra leva em geral três meses de jornadas de oito horas diárias, sem roteiro, sem uma coreografia
fechada, sem nenhuma coisa determinada de antemão —fora a data da estreia.
14
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nem sempre é feliz ―um movimento pode resultar malogrado, os bailarinos podem sentir-se
frustrados (nesses casos Bausch conversa com eles, sugere-lhes alguma coisa ou os incita a tentar
tudo mais uma vez17).
A partir daí, e depois de uma seleção na que Bausch tem seguramente a última palavra
(“escolho as partes que de alguma maneira me tocam”) (BAUSCH apud STERRIT, 1985), mas da
qual todos participam, tem lugar um intenso processo de elaboração e estilização de cada um dos
movimentos (durante o qual alguns, ainda, serão descartados18). Por fim, os movimentos começarão
a ser conjugados e, em ocasiões, reelaborados para tal. É hora de pôr todas essas coisas juntas:
“gradualmente começamos a armar breves sequências de dança que memorizamos” (BAUSCH apud
MULROONEY, 2015, §6.1); “preocupo-me muito pela forma, apesar de não ser uma forma que tenha
sido aprendida; a forma manifesta-se à medida que a obra cresce”19.
Seguramente, Bausch também tem as suas ideias ―tem-nas aos montes! Desde que começou
a trabalhar como coreógrafa foi sempre muito claro que para ela “era impossível utilizar o material
dos outros, assim como os seus movimentos (...) [para expressar] o que realmente havia no seu
236
coração” (BAUSCH, 2007) (não ser referia, é claro, aos movimentos dos bailarinos com quem
trabalhava, mas aos que já formavam parte da tradição). No começo, em Wuppertal, elaborava as
coreografias com o seu próprio corpo, imaginando que seria ela mesma quem as dançaria 20. No
começo, também, planeava tudo meticulosamente. Com o tempo, contudo, compreenderia que, além
desse trabalho estritamente pessoal e planeado, estava interessada por coisas diferentes, que já não
tinham nada que ver com os seus planos: “Pouco a pouco tive que decidir: seguir um plano ou
envolver-me com algo que ignoro onde me levará. Em Fritz, a minha primeira obra, ainda estava
seguindo um plano. Depois desisti de planear qualquer coisa. Desde então tenho me envolvido em
coisas sem saber onde me conduzirão” (BAUSCH, 2007).
“I try to support each of them in finding out things for themselves. For a few, it goes very quickly; for others it takes
years, until they suddenly flourish. For some, who have already danced for a long time, it is almost like a second spring,
so that I am really amazed, what all appears.” (BAUSCH, 2007)
18
“They (the dancers), all get asked. They all answer. They all show us something - and that takes up an awful lot of time.
But I have always allowed an awful lot of time for that, because normally we were only able to use a fraction of what
they came up with. Each of them does, say, ten things and in the end I’m interested in maybe only two. But then we’ve
looked at everything.” (BAUSCH apud MULROONEY, 2015)
19
“I used to get scared and panic and so I would start off with a movement and avoid the questions. Nowadays I start off
with the questions.” (BAUSCH apud MULROONEY, 2015)
20
“Even in my first choreographed pieces in Wuppertal, I was thinking of course that I would be dancing the role of the
victim in Sacre and in Iphigenie the part of Iphigenie, for example. These roles were all written with my body.”
(BAUSCH, 2007)
17
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No pequeno preâmbulo que abre o documentário de Fernando Lopes faz-se referência à
“batuta misteriosa do génio de Pina Bausch” (LOPES, 1998). Mas a própria ideia de direção ganha
um significado inédito ao adentrar-nos nos processos de criação do Tanztheater ―e em certo sentido
é secundária em relação a outros elementos envolvidos nesses processos: desde o caldo de cultivo
que representam as cidades onde a companhia se instala para levar adiante os seus projetos, até às
soluções criativas que as questões de Bausch suscitam no corpo de dança. Assim, por exemplo, em
Lisboa, o acontecimento da criação está marcado pelo encontro entre a cidade “aberta, luminosa e
cálida” e as “evocações das próprias vidas” (LOPES, 1998) dos membros da companhia ―dando
lugar a uma das obras menos obscuras de Pina Bausch. No fundo, o acontecimento da criação
encontra-se sempre associado a um singular e irrepetível entrelaçamento de sensibilidades e
memórias, de cintilações e perfumes, de corpos e afeções21. Se o resultado é “uma nova obra de Pina
Bausch”, o certo é que, no agenciamento coletivo que constitui o Tanztheater, o seu nome identifica
apenas uma função ―importante, ou inclusive essencial, mas de maneira alguma auto-suficiente.
Sozinha não poderia.
***
Imagino a montagem de uma obra na qual Pina Bausch se dirigisse aos seus bailarinos ―e a
mim, também, de alguma maneira― perguntando: até onde achas que irias sozinho? Ou quiçá: o que
é que fazes quando te sentes condenado a ser irremediavelmente quem és? Sem que seja possível
decidir se dança ou apenas se desloca como faz habitualmente, alguém começa a caminhar ―em
direção ao mundo.
Warhol, Basquiat e Clemente seguramente fizeram-se essas perguntas nos anos oitenta e,
instigados por Bruno Bischofberger, dirigiram-se uns aos outros. O encontro, amplificado e distorcido
pela publicidade da que foi objeto, deu lugar a inumeráveis equívocos, mas sem dúvidas foi autêntico,
arrancando a cada um dos pintores dos seus lugares de conforto e abrindo um diálogo entre eles ―em
e através da pintura. As regras eram simples: cada um deles devia iniciar algumas pinturas por conta
“One of the most beautiful aspects of our work is that we have been able to work in such a variety of countries for so
many years. The idea from the Teatro Argentina in Rome of working with us on a piece that was to come about through
experiences gained in Rome was of decisive, I could even say fateful, significance for my development and way of
working. Since then almost all of our pieces have come about from encounters with other cultures in co-productions. (...)
Getting to know completely foreign customs, types of music, habits has led to things that are unknown to us, but which
still belong to us, all being translated into dance.” (BAUSCH, 2007)
21
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própria, deixando espaço mental e físico para que os outros pudessem contribuir 22. As telas
inconclusas de cada um eram enviadas por correio ao seguinte artista que, depois de as intervir, as
enviava pela sua vez ao último. Ainda que o procedimento não fosse nem original nem inovador, a
comunicação que se estabeleceu entre eles, durante o ano em que se estendeu a colaboração, deu lugar
a quinze obras, nas quais os empréstimos e as sobreposições, as citações e as piadas impõem um
humor comum ―cujo efeito libertador se manifesta de maneira mais clara e imediata sobre Warhol.
Se é certo que na Factory já imperava uma lógica de trabalho coletivo, onde, apesar de se exercer
como uma espécie de diretor, Warhol estava sempre aberto a sugestões de temas e caminhos para a
sua obra, o encontro com Basquiat e Clemente o inspira a voltar a pintar livremente, com pincel
―pela primeira vez em vinte anos!
De modo mais geral, e apesar da rejeição generalizada da crítica na época, ante as próprias
obras, as diferentes intervenções combinam-se em imagens nas quais as singularidades de cada um
se articulam para estabelecer um verdadeiro plano de imanência, sobre o qual não se impõem
hierarquias de nenhum tipo. Em Origin of cotton, por exemplo, a paleta de cores é utilizada sem
238
solução de continuidade pelos três artistas. Warhol estabelece o tema introduzindo algumas flores
serigrafadas (rebentos de hibiscos), enquadradas e parcialmente cobertas por uma série de manchas
de acrílico; uma multidão de rostos assombrados ou desesperados, pintada por Clemente, rodeia essa
montra ou vitrina, sobre a qual Basquiat inscreveu símbolos que desnudam os intestinos da produção
desse espetáculo banal. Apoio a minha interpretação na ordem que parecem definir as diferentes
camadas de pintura, mas certamente a obra admite outras interpretações: partindo das inscrições de
Basquiat, por exemplo, as flores de Warhol se convertem em algodão, independentemente da sua
inadequação taxonómica, e algumas das figuras de Clemente, as que parecem esmagadas no primeiro
plano, abaixo, à direita, revelam-se como rostos negros e enfurecidos.
Não sei se as obras conjuntas de Warhol, Basquiat e Clemente são ou não melhores que as
suas obras individuais. O próprio Warhol alimentava essa mesma dúvida23. Mas a questão não é essa.
A questão é: como é possível encontrar na arte, e nos modos que a arte tem de estar-junto, as forças
22
“To get the most spontaneous work into the collaborations I suggested to Basquiat that every artist should, without
conferring with the others about iconography, style, size, technique, etc., independently start the paintings, of course in
the knowledge that two further artists would be working on the same canvas, and that enough mental and physical space
should be left to accommodate them. I further suggested to him that each artist send one half of the started collaborations
to each of the other artists and the works then be passed on to the remaining artist whose work was still missing. Basquiat
liked my proposal and agreed.” (BISCHOFBERGER, 2008, p. 262)
23
“[Jean Michael] came up and painted over a painting that I did, and I don’t know if it got better or not” (WARHOL,
2009, entrada del 17/4/1984)
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para escapar à prisão da própria pele (gaiola dourada de Warhol ou porão sombrio de Basquiat)? e
como, escapando da prisão da própria pele, dar a ver o que só em conjunto é capaz de tornar-se visível
(inclusive se essas visões revelam a inutilidade da tentativa e dão lugar ao desentendimento, à
desagregação e ao retorno a si mesmo)?
A experiência de Warhol, Basquiat e Clemente, em todo o caso, nos lembra que o fazer
coletivo não se limita às artes performáticas24. Picasso e Braque trabalharam juntos. Geogia O’Keeffe
e Alfred Steiglitz trabalharam juntos. De maneira mais significativa, no renascimento, as artes
plásticas comportavam uma estrutura coletiva: as obras se executavam em grandes oficinas, sob a
direção de um mestre que contava com a colaboração de numerosos assistentes e aprendizes. É o caso
de Donatello, e também o de Michelozzo di Bartolomeo, que ainda partilhavam um espaço em Pisa
e outro em Florença para baratear custos, e também o de Rafael Sanzio, que se formara na oficina de
Pietro Perugino antes de estabelecer a sua própria oficina em Florença. Se essa tradição entrou em
crise com o romantismo, não é possível afirmar que tenha desaparecido por completo.
Significativamente, podemos reconhecer um raro eco dessas confrarias na arte urbana, onde a
organização de grupos (crews) para pintar grandes peças de big style continua em muitos sentidos a
mesma lógica das oficinas renascentistas, com as suas funções e hierarquias ―por exemplo, The Cool
5 contava com um presidente, um vice-presidente, um conselho, e também códigos, rituais de
iniciação etc.25
Talvez a figura do artista solitário não seja senão uma invenção moderna, para a qual
contribuíram sem dúvidas as biografias de alguns pintores do renascimento em chave de hagiografia.
Quero dizer: em certo sentido a solidão é para a arte moderna uma forma de consumar a morte de
deus, isto é, uma maneira de ir do mundo ao mundo, através da obra, sem pressupostos, um modo de
dirigir-se aos outros de maneira não pautada ―e, nesse sentido, a solidão é um momento fundamental
da arte moderna, inclusive quando realizada de maneira coletiva26. Mas a mistificação do artista,
24
A superação da individualidade e a busca de formas expandidas da subjetividade na arte contemporânea foi
extensamente trabalhada por Charles Green (2008, p. 95), que propõe “a notion of artistic collaboration that is different
from the conventionally held view of collaboration as reconciliation. The latter implies both profit and loss and a bookkeeping sense of the word, incorrectly seeing artistic collaboration as a balance. Instead I delineated an artistic field
generated by the incorporation of others and ‘Others’ within cross-cultural or cross-artist fusions. I wanted to point to the
alternate model of artistic collaboration in which the parts of the relationship merge to form something else in which the
whole is more than the sum of the parts, in which the parts are not removable or replaceable because they do not combine
as much as change”.
25
Cf. TC5-Coupal, 2009. Ver também: http://showcase.tcfive.com/
26
Sobre a solidão como momento fundamental da antropologia especulativa que comporta a busca artística, ver os meus
trabalhos anteriores: “La escritura en su madriguera” (Pellejero, 2019) e “Por que alguém se fecha num quarto para
escrever?” (PELLEJERO, 2017).
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retomando modelos que remetem aos ascetas, aos eremitas e aos anacoretas, constitui uma carga
demasiado pesada para a indagação que é própria da criação artística.
Longe de tudo e de todos, encerrado no labirinto da sua pintura, Van Gogh confessava ao seu
irmão que sentia dentro de si um grande fogo interior, que todos viam fumegar, mas perante o qual
ninguém se detinha a aquecer-se (VAN GOGH, 1998, p. 41). Não era por acaso que sonhava com
uma comunidade de artistas: “Eu poderia, em rigor, alugar a meias um novo atelier, e bem gostaria.
É provável que Gauguin venha ao sul. Ou talvez me entenda com McKnight. Então poder-se-ia
cozinhar aqui” (VAN GOGH, 1998, p. 200). Quando Gauguin finalmente se uniu a ele em Arlés,
contudo, encontrou-o tão mal como a si mesmo ―isto é, sem força para o ajudar. A criação como
acontecimento pode ser um encontro, mas os encontros são raros. Antes do mártir da pintura em que
o converteu a história da arte, Van Gogh foi um homem que procurou até ao final torcer o destino
que a pobreza e o isolamento pareciam ter-lhe imposto. De novo sozinho, escreve amargamente a
Theo: “Não sentimos que estejamos morrendo, mas sentimos que para ser um elo na corrente de
artistas, pagamos um alto preço em saúde, juventude e liberdade, nenhuma das quais desfrutamos
240
mais do que o cavalo que puxa por um carro com pessoas que saem a desfrutar da primavera” (VAN
GOGH, 1998, p. 280).
A melancolia de Van Gogh lembra-me sempre a angustiada claudicação de Sylvia Plath,
incapaz sequer de pegar o seu desassossego pelos cornos. Numa carta de outubro de 1956, afirma de
maneira taxativa que se há algo do que está segura é que prefere estar sozinha: “evito as pessoas como
o veneno; simplesmente não as quero” (PLATH, 2014, p. 14). Mas essas palavras estão dirigidas a
Ted Hughes, o seu companheiro, a quem não só busca desde a sua solidão, mas a quem pede
repetidamente que se encontrem em Londres por um par de dias. Na mesma época também costuma
escrever à sua mãe, já de regresso aos Estados Unidos. Como os gestos de Colm Doherty no filme de
Martin McDonagh, como o comportamento auto-destrutivo de Van Gogh, as palavras de Plath
manifestam uma forma de depressão, mas esse sentimento ainda se abre caminho nas palavras, através
das cartas, de poemas, de crónicas e relatos (oito anos depois já não o fará).
É preciso lembrar que, como a pintura, a escrita também admite práticas coletivas, começando
pela própria correspondência, que é seguramente uma das suas formas mais intensas e instigantes,
mesmo quando possa permanecer secreta? É preciso, sim. A literatura, essa liturgia da solidão,
conhece numerosas formas de colaboração; da pessoa que compunham juntos Borges e Bioy Casares
para dar vida ao insofrível H. Bustos Domeq, à cuidadosa leitura que Ezra Pound realiza da obra de
T. S. Eliot ―The waste land― antes da sua publicação, e dos projetos grupais ou programáticos,
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como o de Oulipo, ao trabalho com testemunhas, como o de Svetlana Aleksiévitch, reservando um
espaço muito especial para as relações epistolares, como a que, durante 1997, estabeleceram John
Berger e John Christie27. Em última instância, a escrita arrisca com frequência tornar-se impossível,
em razão da falta de modos de estar e pôr em comum, de conduzir ―em companhia― o pensamento
em direção à forma. Natalia Guinzburg, por exemplo, confessa que não houvesse chegado a escrever
As pequenas virtudes sem as longas conversas mantidas com um amigo íntimo (esse amigo íntimo
era Cesare Pavese) (GUINZBURG, 2020, p. 8) 28.
Gilles Deleuze e Félix Guattari, que também trabalharam juntos em algumas das suas
melhores obras, escreveram:
Ao Anti-Edipo o escrevemos em duo. Cada um de nós era vários, em total já
éramos muitos. Aqui utilizámos tudo o que nos unia, desde o mais próximo
ao mais longínquo. Distribuímos hábeis pseudónimos para que ninguém fosse
reconhecível. Por que conservamos os nossos nomes? Por rotina, unicamente
por rotina. Para tornar-nos nós também irreconhecíveis. Para tornar
impercetível, não a nós, mas tudo aquilo que nos faz atuar, experimentar,
pensar. E além disso porque é agradável falar como todo o mundo e dizer que
o sol sai, quando todos sabemos que é uma maneira de falar. Não chegar ao
ponto de já não querer dizer eu, mas a esse ponto em que já não tem nenhuma
importância dizê-lo ou não dizê-lo. Já não somos nós mesmos. Cada um
reconhecerá os seus. Nos ajudaram, aspiraram, multiplicaram. (DELEUZEGUATTARI, 1980, p. 9.)
Se a criatividade aspira à comunhão com o real, como sugere Nikos Papastergiadis em diálogo
com John Berger, deve começar por um processo de colaboração (PAPASTERGIADIS, 1995).
Kafka não foi necessariamente o apostolo da solidão que tantas vezes confundimos com o seu
celibato e as suas reticências em relação ao familiar. Benjamin carecia dos meios para ter uma vida
social mais rica, mas tinha muitos amigos com os que partilhava o seu trabalho e chegou a considerar,
durante a sua viagem a Moscovo, converter-se num intelectual orgânico, incorporando-se ao partido.
Se vamos ser meticulosos, até mesmo Thoreau recebia visitas em Walden Pond29.
***
27
Cf. BERGER-CHRISTIE, 1999.
Também Van Gogh considerava Théo, o seu irmão, como um colaborador a quem devia algumas das suas telas: “De
novo te digo que sempre te considerarei algo mais do que um simples marchand de Corots, que pela minha mediação tens
a tua parte na própria produção de certas telas que mesmo no desastre guardam a tua calma” (VAN GOGh, 1988, p. 367)
29
“Even Thoreau had plenty of visitors (including his mentor, Emerson) at Walden Pond; even Rilke,
who wrote his unparalleled Dunio Elegies in ‘solitude’ at Castle Dunio, near Trieste in Italy, had a staff of servants who
surely helped keep him sane.” Does Artistic Collaboration Ever Work?
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Também eu ―tão tonto― “necessito dos outros para manter-me de pé”30. Não é possível
abreviar a solidão quando a comunidade está sempre por fazer, por inventar, por vir, mas a ideia de
que há coisas que só se articulam em conjunto, a noção de que existem lutas e paixões coletivas,
sempre me desvelou ―e continua a desvelar-me.
Porém, escrevi estas páginas partindo “do centro do meu ser em recolhimento” 31, depois de
ter recusado convites para jantar, inventando desculpas de último momento para ausentar-me de
festas, e evitado a minha companheira cada vez que batia à minha porta para dizer-me que descia para
um café, fechado na nave do meu quarto, fazendo a travessia da noite para ler e reler livros por sua
vez escritos na mais estrita das solidões, para encontrar as palavras justas e poder dar forma a uma
experiência que, insinuando-se nas dobras do mundo e da invenção, sou incapaz de apreender de outra
maneira.
Referências
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242
BAUSCH,
Pina.
Kyoto
Prize
Award
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Speech.
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2007.
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Éditions de Minuit, 1980.
GALLARDO, Sara. Eisejuaz. Barcelona: Agea, 2000.
30
31
Lispector, 1998, p. 9.
Zambrano, 1934, p. 320.
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