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Dimensões da lusofonia como política linguística

2024, Revista Confluência

https://doi.org/10.18364/rc.2024n66.1376

Este texto apresenta um panorama sobre o conceito da Lusofonia no processo de globalização. Busca-se apontar a importância de políticas de internacionalização da língua portuguesa no Brasil. Os resultados da pesquisa concluem que esse tema ainda é pouco explorado e que necessita de maiores ações voltadas para a promoção da língua portuguesa, sobretudo em instituições educacionais de graduação e pósgraduação em letras.

Dimensões da lusofonia como política linguística1 Dimensions of lusophonia as language policy Jefferson Evaristo* Carla Barbosa de Farias Santos** RESUMO Este texto apresenta um panorama sobre o conceito da Lusofonia no processo de globalização. Busca-se apontar a importância de políticas de internacionalização da língua portuguesa no Brasil. Os resultados da pesquisa concluem que esse tema ainda é pouco explorado e que necessita de maiores ações voltadas para a promoção da língua portuguesa, sobretudo em instituições educacionais de graduação e pósgraduação em letras. Palavras Chave: lusofonia, internacionalização, língua portuguesa. ABSTRACT This text provides an overview of the concept of lusophony in the process of globalization. It attempts to show the importance of politics for the internationalization of the Portuguese language in Brazil. The research findings conclude that this topic is still under-researched and that more action is needed to promote the Portuguese language, especially in undergraduate and graduate educational institutions. Keywords: Lusophony, internationalization, Portuguese language. Recebido em 24 de abril de 2023 Aceito em 13 de julho de 2023. DOI: https://doi.org/10.18364/rc.2024n66.1376 * ** 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, jefferson.evaristo@uerj.br https://orcid.org/0000-0002-7561-5400 Universidade do Estado do Rio de Janeiro, prof.carlafarias@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-5428-5601 Este estudo foi financiado pela FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, Processo SEI 260003/000538/2023. Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 251 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos Considerações iniciais Em sentido geral e comum, o termo Lusofonia é amplamente difundido como o grupo de países que tem a língua portuguesa como língua materna e/ou língua oficial. No entanto, diversos autores mostram que há uma concepção histórica marcada por conflitos e prevalências que aludem à chegada dos portugueses e da língua no Brasil, nos países africanos e no oriente (RIZZO, 2019; PAULINO, 2015; BRITO, 2013; BASTOS, 2012). Cabe destacar a definição de Lusofonia2 descrita por Martins (2014, p. 25) “como um movimento multicultural de povos que falam a língua mesma, o português”. Em sentido parecido vai o verbete Lusofonia do recém-divulgado Dicionário da Língua Portuguesa, da Acadêmia das Ciências de Lisboa, para quem a Lusofonia pode ser: 1.comunidade formada pelos países que têm o português como língua materna ou oficial Angola, Brasil, Cabo Verde, Galiza, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Goa, Damão e Diu e outras comunidades em todo o mundo. 2.difusão da língua portuguesa e da cultura dos que falam português no mundo 3.qualidade de quem fala a língua portuguesa; condição de lusófono Ainda assim, Martins (2014, p. 25) segue com o acréscimo de que “a lusofonia ao invés da homogeneização empobrecedora e de sentido único, estabelecida pela globalização cosmopolita, tem a virtude do heterogêneo” (MARTINS, 2014, p. 25). Uma dimensão de heterogeneidade já bem descrita no documentário “Língua: vidas em português” (PORTUGUÊS, 2004). No atual ambiente globalizado e de diversidade cultural em que as sociedades 2 Disponível em: https://dicionario.acad-ciencias.pt/pesquisa/?word=lusofonia – acesso em 19/12/2023 Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 252 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos se inserem, “surgem as demandas linguísticas, que colocam em evidência a necessidade de agir sobre as diversas línguas que circulam no cenário das dinâmicas transnacionais”. (CARVALHO e SCHLATTER, 2011, p. 261). É a realidade da língua portuguesa no século XXI, como descrita por Meyer (2015) ou Lopes (2013), por exemplo. Uma dimensão globalizada que motivou, inclusive, a organização dos países lusófonos em torno da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa3. Ao mesmo tempo, diversas são as iniciativas de promoção dessa língua no cenário mundial, levadas a cabo tanto pelos países individualmente (DINIZ, 2020; DINIZ, 2015; CARVALHO e SCHLATTER, 2011) – especialmente e quase exclusivamente Portugal e Brasil – quanto por representações supranacionais como a CPLP e, como uma de suas subsidiárias para assuntos relativos à língua, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, o IILP4. Dentro desse panorama, nosso texto busca refletir como o conceito de Lusofonia só pode ser entendido dentro de uma chave de política linguística e quando se leva em consideração todos os atores envolvidos nesses processos. Procura-se compreender como os países que falam a língua portuguesa têm promovido ações conjuntas de promoção da língua, respeitando as diversidades históricas e culturais e, nessa perspectiva, cabe a discussão sobre a implementação de políticas públicas conciliatórias, pautadas no princípio da “integração” entre unidade e variedade, visão defendida por Brito (2018; 2013), por exemplo. Nosso texto está organizado da seguinte maneira: no primeiro momento, este, apresentaremos o texto e exporemos nossa questão de discussão. Em um segundo momento, falaremos acerca da discussão em torno do conceito de Lusofonia, mostrando alguns de seus impasses e conflitos para, na sequência, falar sobre sua compreensão como sendo uma 3 Disponível em: https://www.cplp.org/ - acesso em 19/12/2023 4 Disponível em: https://iilp.cplp.org/ - acesso em 19/12/2023 Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 253 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos política linguística. No terceiro momento, encerrando o texto, apresentaremos algumas considerações sobre nossa discussão. A nossa discussão – princípios teóricos e observações ensaísticas. Nesta seção, apresentaremos os pressupostos teóricos da pesquisa, mostrando como a língua portuguesa se encontra no contexto da Lusofonia, da globalização e das políticas de internacionalização. Inicialmente, discutiremos a definição de Lusofonia e a relevância da diversidade cultural no contexto linguístico dos países da CPLP para, em seguida, apresentarmos uma posição da Lusofonia como sendo uma ação de política linguística (EVARISTO, 2022a; CALVET, 2007) que, como tal, não está isenta de embates. O termo Lusofonia é empregado para designar o conjunto das comunidades de língua portuguesa no mundo, ou mais especificamente, “uma conexão, no plano institucional, dos países que assumiram o Português constitucionalmente como oficial” (BRITO, 2018, p. 121). Podemos considerar que essa língua “única” está presente em nove espaços territoriais: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, assumidos pela CPLP5 como sendo estados-membros6. No entanto, parece que a concepção da palavra Lusofonia nos remete a uma visão histórica e política portuguesa do período pré-colonial, quando do espalhar da língua pelo mundo afora. Essa concepção é tão arraigada que, mesmo inconscientemente, destacamos sempre a origem de sua formação à comunidade de Portugal, 5 Disponível em: https://www.cplp.org/id-2597.aspx - acesso em 19/12/2023 6 Aqui, caberia uma observação acerca da composição desse rol de estados-membros. Em Brito (2013), é apresentada uma discussão acerca, por exemplo, de a Galícia não estar incluída nessa lista e não ser considerada como uma das partes componentes da ideia de Lusofonia. Conhecedores da discussão, não a traremos para este texto por não ser nosso escopo imediato. Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 254 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos sem “vislumbrar a diversidade de sensações” provenientes do termo (BRITO, 2013, p. 4). De fato, historicamente, tudo indica que a noção começou a ter maior difusão no contexto português anos depois da descolonização, entre o final de década de 1980 e o início dos anos 1990, no marco do processo de integração da União Europeia e da recomposição dos vínculos com os países africanos e com o Brasil, o que permitiria a Portugal posicionar-se como um interlocutor privilegiado entre eles e a Europa (RIZZO, 2019, p. 290)7. Dessa forma, como afirma Brito (2013, p. 10), é difícil dissociar o significado do termo Lusofonia do passado colonial. Os dicionários, como vimos, comumente a descrevem como: “conjunto de povos ou comunidades que falam a língua portuguesa”8 (AULETE, 2012); um fato que pode ser confirmado com a simples observação etimológica do conceito, que repousa sobre o significado dos dois elementos que formam a palavra: (i) luso, como termo remetendo a lusitano ou Lusitânia, com a mesma significação de português, Portugal; (ii) fonia, indicando o mesmo que fala, língua, termo oriundo do verbo grego foneo, que pode ser traduzido por falar (AMORIM, MARQUES e MOITA, 2005, p. 652). Para Paulino (2015, p. 85), a “Lusofonia é Portugal no Mundo ou o mundo à portuguesa”, o que nos mostra a imponente imposição cultural em outros países e a ideia/ilusão de império da modernidade. Nesse contexto, a exploração marítima dos portugueses influenciou significativamente nas tradições culturais de diversos países, que ainda apresentam características 7 “todo indica que la noción comenzó a tener una mayor difusión en el contexto portugués años después de la descolonización, entre fines de la década de 1980 y principios de la de 1990, en el marco del proceso de integración a la Unión Europea y de la recomposición de los vínculos con los países africanos y con Brasil, lo cual le permitiría a Portugal ubicarse como interlocutor privilegiado entre estos y Europa.” (tradução nossa) 8 Disponível em: https://aulete.com.br/lusofonia - acesso em 19/12/23 Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 255 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos marcantes da cultura portuguesa em suas raízes históricas e culturais. “Vestígios de uma ilusão, de um sonho que levou Portugal à descoberta de outros mundos” (PAULINO, 2015, p. 85). Nesse ínterim, a língua portuguesa difundida no Brasil desde a colonização traz arraigada no inconsciente dos portugueses que a Lusofonia caracteriza o conjunto de países que assumiram o Português como língua oficial, através de indivíduos que partilham traços culturais comuns e que se apropriaram do mesmo falar em suas convenções. Essa visão linguística unificada e homogeneizada é justificada pelo processo de globalização, “que busca anular diferenças, impondo uma cultura dominante; ou seja, é um processo que tudo padroniza e que tende a eliminar o particular” (BRITO, 2018, p. 120). No entanto, Bastos (2012, p. 306) afirma que a globalização precisa ser compreendida a partir da noção de desterritorialização, posição em que as diversas sociedades não estariam mais definidas por seus territórios, mas por suas práticas socioculturais e políticas – e, por que não dizer, linguísticas. A própria CPLP, em diferentes documentos oficiais, toma a língua portuguesa como uma língua multifacetada, pluricultural e pluricêntrica (EVARISTO 2022b; CPLP, 2021; CPLP, 2017). Nesse contexto, é preciso reconhecer o “ponto de confluência de identidades sociais distintas e dispersas” (BRITO, 2018, p. 131), considerando a cultura e a identidade de cada povo como fator de reconhecimento da diversidade e da unidade. Logo, precisamos compreender a heterogeneidade cultural dos povos que falam a língua portuguesa, reconhecendo as variedades linguísticas como parte de um processo histórico e de formação da “unidade na diversidade”. A Lusofonia constitui-se, assim, “como espaço marcado não apenas pelo uso da língua, mas também pelos usos e costumes culturais comuns, capazes de promover as bases essenciais para um ambiente fecundo de comunicação inter, trans, pluri e multicultural” (BASTOS, BRITO, 2013, p. 1). Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 256 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos Sobre isso, afirma Brito (2018, p. 121): Consequentemente, a herança portuguesa manteve-se como uma das bases do caldo cultural desses países; assim, de certa forma, pensar numa lusofonia viável (Brito, 2017) supõe estabelecer ou restabelecer vínculos históricos e culturais entre países de diferentes regiões do globo, partindo de elemento comum, a língua portuguesa – que, necessariamente, se reveste de normas distintas em cada localidade. Assim, a autora parte do elemento comum entre as comunidades, que é a própria língua portuguesa, e argumenta sobre a necessidade de considerar sua importância na história de diversas localidades. Dessa forma, antes de considerar a língua como “única”, é preciso considerar o contexto geográfico e multicultural em que os variados sistemas linguísticos se inserem. Nesse contexto plural baseado em “unidade na diversidade”, rompese o conceito de centralidade da Lusofonia como uma comunidade idealizada pelos portugueses e marcada pela visão colonial. De acordo com esse entendimento, Paulino afirma que “os portugueses imaginam-se no centro de uma comunidade que só existe na sua imaginação” (PAULINO, 2015, p. 88). No entanto, esse imaginário lusófono deve ser ressignificado pelo imaginário da pluralidade e da diferença. (BASTOS, BRITO, 2013, p. 4). É nesse sentido que, ecoando outras vozes, as mesmas autoras vão defender que a dimensão de Lusofonia assumida por Portugal só em um sentido muito estrito poderia coincidir com as mesmas concepções do conceito assumidas por cada um dos outros países que a compõe. Desse modo, o conceito de Lusofonia ultrapassa a dimensão linguística e geográfica e passa a considerar a identidade cultural e particular de cada comunidade; significaria, portanto, “um espaço de articulação da diversidade em uma base unitária.” (BRITO, 2018, p.127). Essa é a concepção que, por exemplo, a CPLP assume para a Lusofonia, procurando reconhecer as diversidades e afinidades linguístico-culturais e Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 257 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos identitárias que unem os países. No entanto, parece-nos haver um impasse que merece um olhar mais criterioso e reflexivo. É Rizzo (2019, p. 290) quem vai defender que a Lusofonia tem tido um peso desigual no mundo lusófono, com Portugal conferindo status e relevância consideravelmente maior ao conceito do que o Brasil, os países africanos ou os espaços orientais da língua. Partindo dessa premissa, a autora buscará se desvencilhar da noção de uma Lusofonia como comunidade linguística ou identitária para defender que sua compreensão só pode ser dada dentro de um âmbito de políticas linguísticas. Para começar, para a autora, “a área linguística da Lusofonia caracterizase pela ausência de uma entidade reguladora forte e, consequentemente, de instrumentos linguísticos que assumam o papel de representar essa língua de forma unificada”9 (RIZZO, 2019, p. 291). Essa incapacidade – a despeito da criação da própria CPLP ou de suas subsidiárias, como o IILP – decorre, dentre outros elementos, de ao menos duas questões às quais queremos dar destaque: a primeira, pelo fato de as ações supranacionais defendidas por essas instituições por vezes conflitarem ou serem desconsideradas pelos instrumentos políticos internos. Apenas a título de exemplo, a promoção internacional da língua portuguesa é dada no Brasil a partir do Ministério das Relações Exteriores, enquanto as ações culturais são feitas pelo Ministério da Cultura e as ações educacionais são feitas pelo Ministério da Educação10; isso tudo enquanto, globalmente, a CPLP/IILP traça(m) diretrizes mundiais para a língua. No meio de tantas instâncias, é natural que haja desencontros, 9 “El área idiomática de la lusofonía se caracteriza por la ausencia de una única entidad reguladora fuerte y, en consecuencia, de instrumentos lingüísticos que asuman el papel representativo de todas las variedades como un todo” (tradução nossa) 10 Durante os quatro anos da presidência de Jair Bolsonaro (2018-2022), essa estrutura foi parcialmente modificada, em seus nomes e atuação; a partir de 2023, com o terceiro mandato do presidente Lula, a questão parece retornar ao modelo anterior a 2018. De qualquer modo, no momento da escrita final deste texto, o novo governo estava em vigor há pouco mais de um mês; um tempo muito curto, portanto, para apontarmos qualquer análise. Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 258 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos como aconteceu com a criação do então Instituto Machado de Assis. À época, buscava-se a criação de um instituto que, aos moldes do Instituto Camões de Portugal, pudesse ser a representação internacional e a instância de promoção e difusão da língua portuguesa no mundo. Em 2004/2005, houve algumas movimentações nesse sentido, chegando a haver a Portaria n.4.056, de 29 de novembro de 2005, que realizava a criação da COLIP, a Comissão de Língua Portuguesa, órgão que seria responsável pela estruturação do projeto. Problemas internos entre os ministérios, entretanto, fizeram com que o trabalho da COLIP nunca pudesse ser terminado e, por consequência, o Instituto Machado de Assis nunca fosse concretizado11. Como se vê, se nem mesmo dentro do Brasil é possível haver diálogo e resolução para uma ação comum, como seria possível havê-lo supranacionalmente com uma dezena de outros países? De qualquer forma, o fato é que o exemplo citado corrobora a defesa de Rizzo (2019) sobre estarmos diante de uma comunidade definida por ser uma política linguística. Para exemplificar novamente essa discussão e reafirmar a dimensão sociopolítica da questão, tomemos por base a constituição do Dia Mundial da Língua Portuguesa (PINTO, 2020), instituído pela CPLP no dia 05 de maio. Por iniciativa dessa instituição, em todo o mundo se comemora e se celebram atividades pelo dia da língua. A data rememora a morte de Camões, considerado o escritor-mór de toda a Lusofonia. Contrariamente, no Brasil, após a Lei 11.310 de 12 de junho de 200612, há a celebração do Dia Nacional da Língua Portuguesa, comemorado a 05 de novembro em homenagem à data de nascimento de Ruy Barbosa, aquele que é tido como um dos maiores nomes da política e da diplomacia brasileiras. De acordo com Rizzo (2019), o Brasil 11 Algumas das informações não estão mais disponíveis nem mesmo no site do projeto, que pode ser consultado online. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conaescomissao-nacional-de-avaliacao-da-educacao-superior/191-secretarias-112877938/sesu478593899/13443-instituto-machado-de-assis-apresentacao - acesso em 19/12/2023. 12 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11310. htm - acesso em 19/12/2023. Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 259 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos designou uma data distante da promulgada por Portugal para apresentar uma tendência separatista para a data; não discordamos e, acrescentamos: o fato de haver uma data brasileira serve, inclusive, para esvaziar as comemorações da data internacional. Outra tensão marcada por relações de poder foi a padronização do português europeu com o português brasileiro através do AOLP, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O objetivo do acordo era unificar as duas ortografias oficiais dessa língua para favorecer uma maior circulação dos materiais produzidos em língua portuguesa. Desde então, o AOLP é uma verdadeira arena de disputas. De acordo com Rizzo (2019, p. 301), os argumentos de Portugal eram de rejeição à proposta, evocando uma suposta pureza da linguagem – no que era visto, também, como uma pretensão de hegemonia por possuir uma alegada legitimidade para tanto. O posicionamento do Brasil, entretanto, era de total indiferença à questão. Portugal chegava ainda a alegar que o Brasil queria como que tomar a língua para si e ditar tudo sobre o AOLP, invertendo o “vínculo tradicional de dominação portuguesa de (ex)colonizador para (ex) colonizado”13. (RIZZO, 2019, p. 301). Nesse contexto de disputas ideológicas, o acordo elaborado pela Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras, e assinado pelos representantes oficiais dos demais países, foi o “primeiro passo para um novo modo de gestão política - internacional, convergente, multilateral e comunitária” (RIZZO, 2019, p. 302), uma vez que manter normas diferentes para uma mesma língua vai se tornando mais e mais disfuncional na medida em que as línguas vão se tornando mais e mais centrais no processo econômico internacionalizado e à medida que a competição entre as grandes línguas pela veicularidade e pela entropia vai aumentando, consequência 13 “tradicional vínculo de dominación portuguesa del (ex)colonizador hacia el (ex) colonizado” (tradução nossa) Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 260 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos esperável do estatuto que as línguas passam a gozar no capitalismo justin-time (OLIVEIRA, 2013, p. 423) Assim, a despeito de serem interesses diversos, os Estados que integram a CPLP devem fornecer-lhe autoridade, autorização e gestão para que essa entidade possa implementar o AOLP. Ao fim, tal ação seria benéfica a todos os Estados, como apontou Oliveira (2013). É claro que, neste ponto, haveria muito mais a ser dito, o que não podemos fazer pela brevidade do espaço para esta análise. Nossas observações vão no sentido de compreender a Lusofonia, uma política linguística, como sendo um espaço de disputas e tensões sociopolíticas em torno do papel da língua, dos países que a falam e das representações e posições que são possíveis a partir dela. Os três exemplos aqui listados serviram para sustentar nossa posição e para exemplificar aos leitores o cenário que descrevemos. Considerações finais Nossa exposição buscou discutir o conceito de Lusofonia e compreender como ele é importante para organizar a gestão nacional e internacional da língua portuguesa. Uma gestão que só pode ser considerada quando vista como uma política linguística. Buscamos mostrar como a Lusofonia e a representação supranacional da língua portuguesa pela CPLP/IILP atuam efetivamente como instâncias de planejamento e organização da promoção desta língua, e como isso é feito em um cenário de conflitos, impasses e embates. Como acontece não raramente com as políticas linguísticas, sua assunção é permeada por esses embates. Nossa proposta, breve e concisa, buscou trazer mais um elemento para essa discussão, na certeza de não haver esgotado o assunto. Esperamos que os leitores possam obter pontos de inflexão para, de nossa pesquisa, empreenderem outras discussões acerca do tema. Confluência. Rio de Janeiro: Liceu Literário Português, n. 66, p. 251-264, jan.-jun. 2024 261 Dimensões da lusofonia como política linguística Jefferson Evaristo, Carla Barbosa de Farias Santos Referências BAGNO, Marcos de Araújo. Lusofonia. In: BAGNO, Marcos de Araújo. Dicionário crítico de Sociolinguística. São Paulo: Parábola editorial, 2017. BASTOS, Neusa Barbosa. Língua Portuguesa: globalização e lusofonia. In: BASTOS, Neusa Barbosa. Língua Portuguesa: aspectos linguísticos, culturais e identitários. São Paulo: EDUC, 2012. BASTOS, N. M. O. B.; BRITO, Regina Helena Pires de. Cultura e lusofonia: unidade e pluralidade. Nhengatu, v. 1, p. 1-14, 2013. BRITO, Regina Pires de. Espaço geopolítico lusófono: vidas em Português. Comunicação e Sociedade, v. 34, p. 119-131, 2018. BRITO, R. H. P. Sobre lusofonia. VERBUM, v. 4, p. 6-19, 2013. CALDAS, Aulete. 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