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2017, ARS (São Paulo)
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Lembranças do convívio, na década de 1970, com o artista Hélio Oiticica, em Nova Iorque. Sua rotina de vida, seus projetos e suas reflexões sobre arte e vida.
Hélio oiticica para além dos mitos, 2016
Manuscrítica, 2021
Revista Do Coloquio De Arte E Pesquisa Do Ppga Ufes, 2012
The writings of the artist Hélio Oiticica are essential contribuitions to the understanding of the changes in the art world of the 1960 sand ‘70s. In the change of contemplative art to experimental art, Oiticica introduces concepts like Probjeto, Transobjeto, Suprasensorial and Crelazer that culminating in union Art/Life and highlighting the opening of the artwork the spectator participation. Keywords: Writings of artist- spectator recalled –HélioOiticica.70
2019
The text rehearses an interpretation of the political andphilosophical foundations of Helios Oiticica ‘s plasticwork developed in the family life in the conviviality withLygia Clark, Ferreira Gullar and Mario Pedrosa in theirexperience with the people of Mangueira (RJ).Keywords: Parangole; Bolid; Penetrable; Neo-concretism;Brazilian art.
Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, 2024
À luz do multifacetado repertório nova-iorquino projetado por Hélio Oiticica (HO) entre 1971 e 1972, apresentamos uma interpretação comparativa interartística sobre três artefatos entrelaçados que, por meio de diferentes formas, traçam uma reflexão sobre a ilha de Manhattan e sobre o seu estatuto de capital simbólica de um império contemporâneo. Desde o epicentro desse império, sondam-se as margens de uma civilização que o artista pretende sabotar mediante uma encarnação subvertida dos seus mitos e paradigmas. Símbolos associados com esse topônimo se reiteram — evocando as mesmas feições fálicas — no ideograma inventado por HO para o filme Agripina é Roma Manhattan (1972), nesse mesmo héliofilme e no héliotexto “Barnbilônia” (1971), acompanhado por numerosos desenhos. Ao analisar essas obras experimentais (um filme, um texto com desenhos e uma imagem-ideograma), constatamos uma coesão ética e estética entre essas três composições, coevas, do mesmo criador. Nessas “invenções”, condensam-se elementos essenciais na obra-vida do autor, sintetizando aspetos do seu projeto estético e ideológico. Por exemplo, nessas obras, alegoriza-se a visão do autor no que diz respeito à decadência metropolitana de impérios (do passado e do presente), representados como fálicos, alicerçados na violência e na opressão, em contraste com imaginários de marginalidade e de rebeldia “subterrânia”.
Viso: Cadernos de estética aplicada, 2010
Este artigo corresponde a comunicação proferida na mesa "Criação" do Colóquio "Gênio, criação, autoria", organizado pela Revista Viso e pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, e realizado nas dependências dessa instituição entre os dias 03 e 05 de novembro de 2009.
Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, 2017
Re sumo O artigo analisa a trajetória expositiva de Hélio Oiticica e adota como ponto de partida sua projeção internacional, com a finalidade de investigar o interesse por um artista, e as oscilações de sua recepção ao longo do tempo. De que maneira são construídas as estratégias que incidem no valor de uma trajetória artística? E qual o peso e efeito de uma exposição neste processo? O percurso expositivo de Hélio Oiticica foi compreendido em três momentos: o primeiro quando o artista era vivo (1965-1980) e agiu diretamente nas escolhas e montagens dos eventos que participou, atuando como artista e curador; o segundo momento (aproximadamente entre 1980-90), caracterizado por grandiosos eventos que circularam entre América do Norte e Europa, e o terceiro, a partir dos anos 2000 até os dias atuais, quando sua produção passa a pertencer a acervos de museus e coleções internacionais. O estudo contribui para a compreensão do campo da arte e diversas variáveis que incidem no processo de reconhecimento de uma carreira artística, seja potencializando sua difusão como também contribuindo para a intensificação de sua produção, e identifica atores que compõem este circuito, nomeadamente estrangeiros-críticos; curadores, independentes ou ligados a instituições; colecionadores; marchands; artistas.
2021
Na sociedade contemporânea, o imediatismo impoe ao sujeito a urgencia de sempre ocupar seu tempo com alguma atividade produtiva. Pela possibilidade de romper com esse automatismo, somos instigados a investigar a potencia da arte de Helio Oiticica como experiencia de ocio estetico, nocao desenvolvida por Arroyabe (Arroyabe, 2009; Arroyabe & Cuenca Amigo, 2016). Realizamos o estudo teorico exploratorio e a pesquisa etnografica na exposicao “Helio Oiticica – estrutura, corpo, cor”, de 2016. Da proposta de arte de Oiticica, destacamos o conceito de suprassensorial e de crelazer. A arte de Oiticica focaliza principalmente a experiencia de interacao do sujeito com a obra; desse modo, ele rompe com o dualismo obra-publico ao convocar o sujeito a se tornar um participador. A obra so se torna obra a partir dessa experiencia de interacao. O suprassensorial consiste no processo de o sujeito sentir novas percepcoes, sensacoes, a partir do seu contato com a arte. Pelo conceito de crelazer, Oitic...
2016
Um dos maiores paradoxos na carreira de Hélio Oiticica é o fato de o artista ter finalmente experimentado a sua tão buscada condição marginal, celebrada no banner "Seja marginal, seja herói", justamente no centro do mundo das artes, quando
The constructivist strategies within Hélio Oiticica´s oeuvre are comprehended in the notion of "world building world" articulated by the artist. This strategy is discernible both on the ethic and aesthetic aspects of Oiticica´s proposals and on the way his own thought is built out of blocks he found in works by philosophers, musicians and other artists. This text traverses manuscripts by Hélio Oiticica, available in digital archives, to identify the building blocks of the artist´s thought and its singularity in relation to proposals of some of his contemporaries. Although recognizing the importance of the myth and of the Mangueira samba school on the work of the inventor of Tropicalia, this text emphasizes that the "synthesis" produced by Hélio Oiticica defies cultural stereotypes since it escapes boundaries and the chronological time, establishing itself within a "world-shelter" where the artist finds fragments of the production of other inventors from different cultures and times, to compose his own beyond-the-art program.
Hélio Oiticica em Manhattan.
Alguém que conheça apenas o trabalho artístico de Hélio Oiticica não pode imaginar que ele tenha sido uma pessoa de passo cadenciado e comportamento retilíneo. Durante os anos 1970, quando morou em Nova Iorque, passava os dias trepidantes e laboriosos no quarto andar do número 81 da Segunda Avenida. O apartamento estava situado ao lado do Fillmore East, nome dado em 1968 ao antigo The Village Theater, por assimilação ao famoso Fillmore West, de São Francisco. O novo templo do rock'n'roll ficava também na Segunda Avenida, no East Side, perto da Rua Seis. Foi ali que assisti no verão de 1971 ao espetáculo circense de Frank Zappa. De 1968 a 1971, quando fechou as portas, The Doors, Janis Joplin, The Jefferson Airplane e tantas outras bandas se apresentaram no Fillmore. Ao fim dos anos 1970, o teatro voltou a ser réplica, uma discoteca bem rastaquera simulando o milionário e glamoroso cabaré Studio 54. Depois disso, não demorou muito para que Hélio voltasse ao Brasil. Por causa do preço do aluguel, Hélio elegera o East Village, que era o primo pobre do West Village (The Village, como era conhecido na época) e estava sendo descoberto e tomado de assalto pelos jovens alternativos que aos borbotões desaguavam na cidade. Elegera um prédio baixo, fino e macambúzio, sem zelador, com um único apartamento por andar. A parte social de seu loft (não havia paredes de separação) estava arrumada como Ninhos e a parte dos fundos, que era a cozinha, por assim dizer, era usada como escritório com mesa de arquiteto e pesados arquivos metálicos. Os Ninhos eram semelhantes a beliches de navio, com acortinados de filó. Lá dentro, a sensação era de aconchego materno, como na maioria dos labirintos idealizados por Hélio na época, logo transformados em maquetes. Via-se o entorno como se estivesse esfumaçado.
Nunca vi Hélio transpor as portas do Fillmore East. O espetáculo estava em casa. Hélio era um wired man. Tudo funcionava ao mesmo tempo. Sentado à moda ioga ou deitado, passava os dias nos Ninhos. Televisão, câmera fotográfica, projetor de slides, rádio-gravador, fitas cassete, telefone. Eterno tilintar. Um contínuo desfilar de pessoas. Havia algo no espaço criado no loft da Segunda Avenida que questionava a ideia clássica de ateliê do artista. Favorecia um tipo de ambiente ideal para o trabalho artístico coletivo, em que a celebridade Haroldo de Campos não excluía o irmão mais novo de Waly Salomão, à época ganhando dinheiro como engraxate na Rua 42. Irmanados pelo chão comum deviam interagir.
Como a Fábrica, que Andy Warhol montara nos anos 1960, o apartamento acrescentava ao ateliê clássico um salão de encontros, os Ninhos, nos quais as mais ousadas experiências com palavras e outras armas letais eram feitas. O ambiente era humano, demasiadamente humano. Pessoas ao vivo e em cores. Tratava-se de um legítimo laboratório artístico contemporâneo nosso, já que o humano e a cultura estavam à prova graças aos princípios da estética da aventura camarada e do risco.
O melhor desenredo do laboratório -para retomar o conto de Guimarães Rosa − está em tapes e cartas enviados por Hélio aos amigos no estrangeiro. Certa vez ele escreveu: "Sempre gostei do que é proibido, da vida de malandragem, que representa a aventura das pessoas que vivem de forma intensa e imediata porque correm riscos. São tão inteligentes essas pessoas. Grande parte da minha vida passei visitando meus amigos na prisão" 1 .
O Desse modo ficou envolvido com a joalheria e, em tempos de bonança, lá comprou alguns dos valiosos apetrechos de Cosmococa. Lembro-me de uma caixinha de pílulas em prata legítima. Ela tinha a forma de um dado e rolava pelo colchão do Ninho até encontrar outras mãos. Podia-se escutar: Les jeux sont faits (nome da peça de Jean-Paul Sartre), ou Um lance de dados jamais abolirá o acaso (nome do poema de Mallarmé). Hélio gostava das flores retóricas da literatura, como gostava também de citar o verso de Arthur Rimbaud, "Nous avons foi au poison" (em português, "Temos fé no veneno"). Tinha ainda comprado na Tiffany's um canudinho, também em prata, que servia para "aspirar ao grande labirinto".
Autoexilado em Nova Iorque, tendo sido em 1968 saudado como gênio pelos críticos ingleses que foram ver seu trabalho na Whitechapel Art Gallery, Hélio era pouco afeito aos jogos do establishment e da burocracia artística, por isso, ao terminar o estipêndio da bolsa Guggenheim que ganhara, a sobrevivência financeira lhe chegaria às mãos pelo árduo e disciplinado trabalho noturno de tradução. Manejava com conhecimento quatro línguas: português, inglês, francês e espanhol. Permutava essas línguas na tradução de cartas comerciais e de documentos legais.
Ao examinar o imenso e notável material escrito e colecionado por Hélio na Segunda Avenida, há de se perguntar: por que uma pessoa de passo cadenciado e de comportamento retilíneo detestava a linearidade da escrita fonética? Do que vinha esse horror à norma da língua nacional, tal como nos é transmitida pelo dicionário e pela gramática? O neto Hélio teria algo a ver com a duplicidade profissional do conhecido professor do tradicional Colégio Pedro II, José Oiticica (1882-1957), filólogo de renome mundial e também louvado pela sua aderência política ao movimento operário e anarquista? O avô Oiticica conciliara a gramática e a anarquia, a ordem formal e a liberdade indiscriminada.
Em 1972, caiu nas mãos de Hélio o livro The life of the theatre, de Julian Beck, do Living Theatre, que durante a ditadura, juntamente com a esposa Judith Malina, tinha sido nosso vizinho nas ruelas e nos cárceres de Ouro Preto. Hélio não conseguiu esconder a emoção ao se deparar com o nome e as palavras do avô em epígrafe de um dos capítulos: "The maximum happiness of one depends on the maximum happiness of all" (em português, "O máximo da alegria de um depende do máximo da alegria de todos").
Não é necessário separar o desejo pelo indivíduo de ordem formal na vida e a busca de liberdade radical na coletividade. O anarquismo é uma forma sutil e desapiedada de individualismo. O golpe militar de 1964 traçou uma linha política que separava e opunha o desejo individual e a busca coletiva. Hélio quis suturar a divisão (historicamente) passageira e artificial pelo mistério da criação artística. Pela posição específica que tinha conquistado dentro da sociedade brasileira e da arte, posição transgressora por definição, Hélio encarnava de maneira paradoxal e paroxística a unidade do desejo de ordem para o sujeito e da afirmação de liberdade para todos.
Consequência da força repressora militar, a desordem social reinante no país enrijecia o compromisso ético do artista com a ordem individual. Ele se ensimesmava em Nova Iorque. Dentro dos tentáculos montados pela repressão, a liberdade indiscriminada -a anarquiatornava-se exclusividade de alguns poucos eleitos. Quando o Rio de Janeiro e a Mangueira tinham se transformado em saudade, fazia-se necessário aspirar um número cada vez maior de fileiras.
Em Manhattan, Hélio era gramatical no comportamento diário e anárquico na escrita artística. Queria instaurar no nosso português de todos os dias uma língua estrangeira, parenta próxima e muito mais fascinante do que a "última flor do Lácio" de Olavo Bilac. O leitor de
Hélio Oiticica em Manhattan.
Hélio deveria se aproximar da escrita dele como de uma explosão, sem medo de sair chamuscado. Somos seus leitores, voyeurs de sucessivos e incômodos núcleos de pura dinamite, que retiram a frase da leitura cadenciada e monótona que denuncia a origem latina da nossa escrita. Sujeito, verbo, predicado.
Na folha do caderno de anotações, as palavras não seguiam umas às outras, não se deixavam acompanhar gramaticalmente umas pelas outras. Elas se interpenetravam como corpos amantes e amorosos num amasso, semelhantes a cavalos selvagens que trepam um no outro no campo branco da folha de papel. Semelhantes a metades de corpo humano contra metades de corpo humano, que se atraem e se odeiam com as firulas da esgrima, com o abocanhar de piranha, a mortalidade do tiro de revólver, ou os esguichos de tinta.
O tempo dos assassinos, no dizer de Henry Miller ao escrever sobre Arthur Rimbaud, invadia o espaço do cotidiano. A capa da antologia de poemas do jovem poeta francês, na edição bilíngue da New Directions, era referência obrigatória para o olhar que vasculhava os colchões dos Ninhos. Também as capas da biografia de Marilyn, por Norman Mailer, e do livro Notations, do músico John Cage. Capas também de long playing, como a da bolacha negra de Jimi Hendrix, de cujo narigão saía um pulmão desenhado em pó branco. Plataformas portáteis e sólidas no colchão, as capas se tornaram propícias a receber as fileiras de pó, depois dos necessários golpes de gilete ou de navalha nas pedrinhas brancas dispostas na superfície lisa da ágata multicolorida.
Não há receituário de leitura dos escritos em preto e em branco que Hélio Oiticica redigiu e colecionou no apartamento da Segunda Avenida, e nos legou. Hélio tem dificuldade em dar o fim convencional e dicionarizado a uma palavra, como também em dar o início dicionarizado da seguinte, por exemplo a Mancoquilagem. Manco Capac, imperador inca perseguido por Pizarro e assassinado pelos irmãos, associa-se ao final de maquilagem. Maileryn, o escritor Norman Mailer se associa a Marilyn Monroe numa Mancoquilagem.
As palavras incompletas trepam umas nas outras, assim como pelo enjambement um verso trepa no seguinte. Segundo a retórica, este cria um efeito de coesão entre dois versos, pois o verso em que começa não pode ser lido com a habitual pausa descendente ao final, mas com a entonação ascendente que indica a continuação da frase. O enjambement deixa o leitor sem fôlego, pronto para uma nova e profunda inspiração.
Poetas têm dificuldade em dar fim a cada verso. O ideal (inconfessado) de cada um deles é o de ser prosador, um que tivesse de lidar não com a unidade-verso, mas com estrofes. Hélio não chega a ser prosador. Como poeta, faz as palavras treparem pelas suas metades. Pelas extremidades opostas no leste da ilha, o Harlem trepa no East Village.
O enjambement é o compromisso dos núcleos explosivos da escrita fonética com o andar cadenciado e o comportamento linear. É a forma da cópula entre sílabas, da orgia delirante dos corpos partidos em movimento pela ilha subterrânea.
Não são apenas o andar e o comportamento que são lineares, mas também o olhar que Hélio Oiticica lança às coisas e pessoas. Sempre direto e incisivo, sem margem de erro ou de derrapagem na curva. Também é linear o modo de classificar, empilhar, colecionar e guardar as folhas de papel no arquivo da vida artística.
Nos Estados Unidos hegemônicos, onde primava a alta qualidade do papel de todo e qualquer caderno, de todo e qualquer bloco (até mesmo os corriqueiros pads amarelos são o máximo), o desejo de linearidade de Hélio Oiticica encontrou uma muleta responsável. Os cadernos e blocos tipicamente norte-americanos que ele escolhia com tanto afeto deveriam causar ciúmes no aluno da antiga escola primária brasileira, acostumado a papel amarelo e de qualidade mata-borrão, com o Hino à Bandeira Nacional impresso na quarta capa.
Adentrar-se pelo universo linear de Hélio é se acostumar, por um lado, à noção de ordenação dada de presente ao usuário pelo caderno, cujo design é geométrico e honest 4 . A numeração fornecida pelo caderno existe a priori e é dada pelo processo de encadernação do próprio objeto. Ordenar artificialmente um caderno, isto é, com números ao alto da página, era um dos jogos de que Hélio gostava de se valer. O artificial transgride o natural, pode ir em números explícitos do começo para o fim, ou de trás para frente. Depende. Por outro lado, Hélio sabe que outras situações (existenciais, artísticas etc.) requerem não o caderno, mas o bloco de papel (em inglês, yellow pad). Neste as folhas apenas pespontadas podem ser destacadas pelo artista e um novo conjunto de folhas soltas, grampeado ou não, pode ganhar uma numeração modesta (em termos numéricos) e específica.
Poemas não são escritos em caderno, mas necessariamente em folhas de bloco, assim como as anotações esparsas ganhavam o suporte de ficha, do qual muitas vezes está ausente a numeração. Cadernos tinham de ser o forte do responsável pelos Metaesquemas, porque tanto as folhas soltas do bloco quanto as fichas ficavam a reclamar uma forma de ser que desrespeitava a ordenação formal apriorística.
Hélio me confidenciou que em sua vida de aluno de Ivan Serpa, na escolinha de arte, só tinha aprendido uma coisa: a como cortar em linha reta o meio de uma folha de papel sem deixar o corte visível ao 4. Costumam traduzir este adjetivo por "honesto", mas ele deve ser traduzido por "sincero".
Hélio Oiticica em Manhattan.
olhar alheio. Não há mácula no branco. Tanto o papel que parecia não ter corte ao meio quanto o corte que parecia não ter sido feito eram o modo como a linha reta se escondia ao leigo no espaço branco da folha de papel. E também a maneira como a folha a escondia… Uma folha branca de papel canson cortada sobre outra, intacta fazia as vezes de envelope. Era envelope. O espaço entre as duas folhas escondia dos olhares intrusos e investigativos o conteúdo, a carta por assim dizer. Escondia toda e qualquer poeira branca que delatava. Entre uma folha e outra, naquele espaço aparentemente virgem de qualquer intervenção humana, esparramava-se o pó, subtraindo-se à curiosidade. Branco sobre branco, hommage à Malevich -foi o que escreveu no poema "Manco Cápac", depois de lhe ter colado um papelote desfeito, ainda com as marcas impecáveis das dobras.
Estava no apartamento de Hélio quando a campainha da porta de entrada do prédio soou. Ele chegou à janela para saber quem a tocara. Dois caras bem vestidos lhe mostraram a carteira aberta com o distintivo do FBI. Queriam subir. Galgaram os três lances. Porta aberta e nenhum medo. Uma amiga de Hélio, ex-modelo de Pierre Cardin, tinha sido detida com muamba no aeroporto Kennedy. Tinham consigo apenas o endereço dele. Queriam informações. Vasculharam tudo e nada encontraram. A polícia alfandegária ainda não tinha posto em ação o lépido cão varejador. Dias depois descobri que Hélio não tinha abandonado a amiga ao deus-dará da polícia federal.
Foi esse homem e artista que aprendi a conhecer na ilha de Manhattan, a partir do inverno de 1969/1970. Nosso primeiro encontro foi no loft do Rubens Gerchman, que à época estava casado com a artista Ana Maria Maiolino. Sei que de repente estava no apartamento deles em companhia de Roberto Schwarz, que tinha defendido Ao vencedor as batatas como tese de doutorado na Université Paris-Sorbonne e estava hospedado na casa de uma tia. Também de repente entraram Hélio e o seu grupo. Ele chegou vestido de capa negra e lembrava o Conde da Boa-Morte. Foi a única vez em que o vi, em Manhattan, ríspido, elétrico e impaciente. Saímos todos pouco tempo depois para ver uma exposição de vídeo-arte. Lembro-me de imagens sucessivas de muita água tomadas por uma câmera estática, bem ao estilo dos filmes que Andy Warhol tinha filmado com a sua câmara Bolex de 16 mm.
Não conversei com Hélio naquela noite. Nem na próxima vez que nos vimos. Num terceiro encontro me passou telefone e endereço. "Apareça no meu loft", disse. Não chegamos a conversar, mas percebia que escutara minhas palavras e tinha me descoberto. Ele só se dava com quem descobria. Com ele não adiantava o charme brasileiro de querer se insinuar a qualquer preço. Na minha primeira visita, falamos muito sobre psicanálise e Nietzsche (assuntos que me interessavam na época). Hélio tinha desconfiança da primeira e, aos doze anos, já havia lido o filósofo alemão. Disse-me que iria relê-lo. Acrescentei que estava preocupado com problemas de linguagem e novas alternativas de pensamento político. Hélio foi sensível a essas e outras conversas. Funcionaram demais para mim e parece que também para ele.
Hélio estava se desligando cada vez mais do "universo da pintura e das velhas amizades com artistas plásticos" e se adentrando pela linguagem fotográfica e verbal. Em textos que enviou depois para as revistas Navilouca e Polém, vi que havia alusões às nossas conversas e até mesmo a mim e meu trabalho. Volto a reencontrá-las agora na edição argentina do livro Cosmococa.
Trocávamos sempre material de leitura e reflexão. Algum tempo atrás, disse que Hélio tinha birra da psicanálise. Um dia descobri por casualidade um livro raro de Freud, reeditado em inglês: Über Coca. Dei-lhe de presente um exemplar. Foi o reencontro dele com Freud. Muitos anos depois, exatamente no dia 7 de junho de 1973, recebia dele a "copy 1" de um longo poema poliglota que levava o título do próprio livro de Freud, "Über Coca". Em seguida ao título, acrescentara estas palavras: "according to Freud/ as hommage-love/ poema freudfalado".
Hélio tinha conhecimento vasto, preciso e precioso em várias áreas do saber, mas não era um erudito no sentido estreito da palavra. Tinha operado um corte muito pessoal no vasto panorama das ideias e lançava sempre pensamentos inesperados ou sugestões ricas e originais nos descaminhos, desvãos, tropeços e bifurcações da conversa. Passava generosamente não só ideias, como ainda exigia do outro o que ele tinha de melhor. Não se contentava com a nossa comum mediocridade ou com o mais-ou-menos. Queria o mais forte, o mais autêntico, o mais puro, o mais arriscado.
Essa constante fricção intelectual gerava calor e energia tão especiais que, quando deixava seu apartamento, saía levitando. Caminhava a esmo pelos villages, do leste ao oeste, por horas e horas. Hélio era capaz de faiscar no outro o seu próprio ouro. Dar-lhe de presente o melhor da sua face oculta.
Em 1973, consegui com que a Albright-Knox Gallery (museu superfechado da cidade de Buffalo) convidasse Hélio para uma exposição de slides, acompanhada de um texto-manifesto sobre a situação da arte segundo ele. O título da exposição é indicativo das suas preocupações: "slides as documents showing forms of experimental activity not compromised with art as display" (slides como documentos
Hélio Oiticica em Manhattan. mostrando formas de atividade experimental não comprometida com a arte enquanto exposição de quadros). Guardo o cartaz da exposição, assinado pelo artista.
Para finalizar, por não conseguir resistir, transcrevo o seguinte trecho do livro Os emigrantes:
O Bowery e todo o Lower East Side foi até a Primeira Guerra Mundial o principal bairro de imigrantes. Mais de cem mil judeus entravam ali todo ano, indo parar nas moradias escuras e estreitas das casas de aluguel de cinco ou seis andares. Nesses apartamentos só o parlour tinha duas janelas para a rua, e por uma delas passava a escada de incêndio. Nos degraus dessa escada os judeus construíam suas cabanas no outono, e no verão, quando durante semanas o calor pairava imóvel nas ruas e não dava mais para aguentar dentro das casas, eles dormiam ali fora nas alturas arejada, centenas e milhares de pessoas, ou nos telhados e nos sidewalks, e nos pequenos gramados cercados da Delancey Street e no Seward Park. Artigo recebido em 21 de maio de 2017 e aceito em 29 de agosto de 2017.
Ntongai, D; Senaji, T. A & King’oriah, G. K. (2019). Relationship between Organizational Culture and Organizational Performance. Journal of African Interdisciplinary Studies. 3(7), 41 – 60., 2019
วารสารครุปริทัศน์, 2003
Rethinking History, 2022
ReOrient. Vol. 8, 2023
Frontiers in Microbiology, 2018
Proceedings of Designing Interactive Systems Conference (DIS ’24), 2024
Anais do 30° Simpósio Nacional de História - História e o futuro da educação no Brasil, 2019
Revista GEMInIS, 2017
Journal of Nuclear Medicine, 1995
Radiocarbon, 2001
Inspired by Italy: Slovak Artists and Italy in the 20th Century, 2024
Anadolu Üniversitesi Eğitim Fakültesi dergisi, 2021
Canadian journal of sport sciences = Journal canadien des sciences du sport, 1991
Journal of Biomedical Graphics and Computing, 2012
Extrême-Orient, Extrême-Occident, 2018