UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE DIREITO
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO ESTADO
Rutieli Witt Tresbach
DO ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DO BEM COMUM:
esboço crítico das decisões do Judiciário do Brasil Meridional
Porto Alegre
2022
Rutieli Witt Tresbach
DO ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DO BEM COMUM:
esboço crítico das decisões do Judiciário do Brasil Meridional
Monografia apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito da Faculdade
de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial à
obtenção do título de Especialista em
Direito do Estado.
Orientador: Prof. Dr. Alfredo de Jesus Dal
Molin Flores.
Porto Alegre
2022
O que nos move, com muita sensatez, não
é a compreensão de que o mundo é
privado de uma justiça completa — coisa
que poucos de nós esperamos —, mas a
de que a nossa volta existem injustiças
claramente remediáveis que queremos
eliminar.
Amartya Sen
AGRADECIMENTOS
Comumente diz-se que o trabalho de pesquisa é um ato solitário. E de fato o é.
Mas até aqui - e durante a empreitada - tive a honra de contar com o apoio imensurável
de alguns que se fizeram muitos durante esta jornada que iniciou a partir do ingresso
no Curso de Especialização, ocorrido em março de 2021.
Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Alfredo de Jesus Dal Molin
Flores, que com louvável disponibilidade e dedicação, me orientou durante o
desenvolvimento deste trabalho, culminando na Monografia que ora apresento.
À coordenação e equipe de apoio da Especialização em Direito do Estado da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, minha gratidão pela presteza e agilidade
no atendimento de todas as dúvidas e solicitações realizadas durante o período de
curso.
À minha família, em especial a minha mãe e meu pai, que garantem base sólida
e segura. Obrigada pela compreensão por todas as ausências que foram necessárias
durante o período de pesquisa. Agradeço, mãe amada, pela compreensão por todas
as ocasiões em que não pude estar com vocês em função desta pesquisa. Dedico a
vocês, meus pais, pessoas de luta, trabalhadores da terra, todas as minhas
conquistas. A vida e perseverança que vocês transbordam são exemplo e estímulo
para mim!
E, principalmente, agradeço àquele que é meu companheiro de vida e de
jornada, àquele que desde os primeiros passos na graduação em Direito serve de
norte e exemplo para minha caminhada acadêmica. A meu esposo, meu amor,
Ronaldo Queiroz de Morais, meu agradecimento pelo incentivo constante, pelo auxílio
na revisão e correção deste trabalho, por estar sempre disponível para me ouvir, para
discutir e para acrescentar à minha pesquisa. Obrigada por ser base firme e sempre
presente. Obrigada por toda atenção, amor e tempo dedicado a nós!
RESUMO
A monografia em tela carrega a proposição de elaborar crítica aos pressupostos de
concessão da gratuidade da justiça, a partir da análise das decisões judiciais que
incluem/excluem indivíduos do acesso à justiça tendo como base a aferição cartesiana
e abstrata da insuficiência de recursos, negligenciando, assim, a realidade
socioeconômica concreta e a histórica desigualdade social brasileira. Grosso modo, o
Poder Judiciário tem reproduzido as estruturas de desigualdade social, ou seja, o
avanço igualitário posto na Constituição Cidadã de 1988, esbate nas “barras de ferro”
das instituições tradicionais brasileiras de matriz escravocrata. É nesse contexto que
se faz necessário imaginar criticamente novas paisagens para o acesso universal à
justiça. Assim, a pesquisa, após avaliação de importante volume de decisões dos
tribunais do Brasil Meridional, procurou esboçar um quadro teórico alicerçado no
conceito de bem comum a fim de deslocar o olhar crítico para o estudo da longa
duração das desigualdades que, independentemente das promessas modernas de
emancipação, ainda lança seres humanos para a subcidadania.
Palavras chave: Acesso à justiça. Desigualdade social. Bem comum.
ABSTRACT
The monograph on screen carries the proposition of elaborating a critique of the
assumptions of granting free justice, from the analysis of judicial decisions that
include/exclude individuals from access to justice based on the Cartesian and abstract
assessment of the insufficiency of resources, neglecting, thus, the concrete
socioeconomic reality and the historical Brazilian social inequality. Roughly speaking,
the Judiciary has reproduced the structures of social inequality, that is, the egalitarian
advance set out in the Citizen Constitution of 1988, erodes the “iron bars” of traditional
Brazilian institutions with a slave matrix. It is in this context that it is necessary to
critically imagine new landscapes for universal access to justice. Thus, the research,
after evaluating an important volume of decisions from the courts of Southern Brazil,
sought to outline a theoretical framework based on the concept of the common good
in order to shift the critical gaze to the study of the long duration of inequalities that,
regardless of modern promises of emancipation, still pushes human beings to the
margins for sub-citizenship.
Keywords: Access to justice. Social inequality. Very common.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................7
2 ACESSO À JUSTIÇA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL.....10
2.1 A HISTÓRIA DOS LIMITES DA CIDADANIA BRASILEIRA..................................13
2.2 A REDEMOCRATIZAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA..........................................18
2.3 A SUBCIDADANIA BRASILEIRA..........................................................................26
3 ESBOÇO CRÍTICO DOS CRITÉRIOS DE ACESSO GRATUITO À JUSTIÇA........30
3.1 OS PARAMETROS JURISDICIONAIS PARA O ACESSO GRATUITO À
JUSTIÇA.....................................................................................................................32
3.2 DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS NAS DECISÕES DOMINANTES DOS
TRIBUNAIS DO BRASIL MERIDIONAL .....................................................................37
4 O ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DO BEM COMUM.......................42
4.1 ESCAVANDO O BEM COMUM NA SUPERFÍCIE NEOLIBERAL.........................43
4.2 ACESSO À JUSTIÇA COMO BEM COMUM.........................................................48
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................53
REFERÊNCIAS..........................................................................................................56
7
1 INTRODUÇÃO
Amartya Sen lança como quem semeia a terra, na obra A Ideia de Justiça, as
seguintes palavras: “a identificação de injustiças corrigíveis não é só o que nos anima
a pensar em justiça e injustiça, ela também é central, como argumento (...), para a
teoria da justiça (SEN, 2011, p. 7). Trata-se de uma sentença moral e teórica, que
norteia minha pesquisa monográfica. O esforço de pesquisa foi concentrado na
investigação acerca da questão do acesso à justiça a partir de uma percepção
profissional da presença de estrutural injustiça que flui nos tribunais do Brasil
meridional, com importante exclusão de litigantes, das singularidades sociais com
base em razão cartesiana, instrumental, fria de ética cidadã e, completamente
alienada da realidade socioeconômica.
Compreender a realidade do mundo exige o uso da razão, mas com outras
bases teóricas, uma razão crítica que procure encontrar no final a dor da injustiça
sobre os corpos excluídos de cidadania, do abstrato da teoria ao concreto da
realidade. É o senso de injustiça que me move nesta breve pesquisa, mas sempre
subordinada à razão crítica. Parto de uma leitura criteriosa do contexto
socioeconômico brasileiro e do impacto das políticas neoliberais nos corpos na
condição de subcidadania a partir de vereda histórico-social do Brasil. A desigualdade
social no país tem lastros de longa duração, que desdobra em uma sociedade de
instituições tradicionais e autoritárias, mesmo após o fim da última escuridão
autoritária e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988.
A monografia “Do Acesso à Justiça Sob a Perspectiva do Bem Comum” dividese em três capítulos dos quais, o primeiro compõe trabalho histórico- social de breve
contextualização acerca do acesso à justiça do povo brasileiro. Um país com base
escravocrata de 300 anos, em que a história é tardia. Logo, a questão do acesso à
justiça passou a ser relevante apenas há três décadas atrás com a Constituição
Cidadã de 1988. A história da cidadania brasileira é a história da precarização da vida
social da massa em benefício das elites brancas de ontem, de hoje e infelizmente, do
amanhã se nada for alterado significativamente. O capítulo também elabora uma
relação entre a redemocratização e os critérios de acesso à justiça a fim de
compreender os argumentos dos juízes e tribunais para a inclusão/exclusão de
acesso diante da Carta Magna que tem a cidadania como um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito. Independentemente da profunda desigualdade social
8
que impera no território nacional parcela preponderante de julgadores se limitam a
cobrir os ouvidos com cera como Odisseu sobre o impacto de suas próprias decisões,
que jogam litigantes para à margem, na subcidadania, pois avaliam os casos pelo viés
da renda individual, com base em salário mínimo nominal, ou seja, valor abstrato,
apartado da própria legislação constitucional.
No capítulo dois há trabalho empírico de investigação e leitura crítica de volume
considerável de sentenças, bem como, da uniformização de jurisprudência dos
tribunais do Brasil meridional sobre o tema acesso à justiça por insuficiência de
recursos. O capítulo revela que há uma lógica de exclusão ao acesso à justiça, que
está imbricada em uma historicidade de subcidadania de longa duração. É no território
da longa temporalidade social que é possível compreendê-la a fim de explicar o
conjunto de decisões judiciais que, amiúde, excluem litigantes do acesso à justiça
gratuita. De fato, o ato de negação de gratuidade impõe a indivíduos a condição de
subcidadania. Trata-se de fenômeno complexo, que resulta de um conjunto de
fragilidades socias tecidas por meio de política de desigualdade social assegurada,
paradoxalmente, por instituições de Estado que deveriam garantir cidadania por meio
do acesso à justiça em tempos difíceis, de crises econômicas e de políticas
neoliberais.
Finalmente, o último capítulo, compõe uma leitura crítica da questão do acesso
à justiça a partir da teorização do livre trânsito à justiça como bem comum. Para tal,
recorri a autores de longo fôlego, cada qual ao seu modo, procuraram alcançar uma
teoria da justiça. O marco teórico foi construído a partir da leitura dos filósofos Michael
Hardt, Antonio Negri, Michael Sandel, também, dos juristas Mauro Cappelletti, Bryant
Garth, Rubens Casara e outros, bem como pelos sociólogos Boaventura de Sousa
Santos, Jessé Sousa dentre outros, além dos economistas Amartya Sen e Thomas
Piketty. Todos autores que me auxiliaram a compreender as injustiças que constroem
desigualdades sociais e a premência de pensar e construir uma nova ordem social
possível, justa e igualitária. Foi a partir desses autores seminais que ergui meu aporte
teórico, com base no conceito de bem comum. Isto é, uma percepção que desloca o
eixo dos sujeitos como mônada econômico de cidadania abstrata que incluí/excluí
litigantes dos tribunais por meio de lógica cartesiana e ideologia neoliberal para o eixo
da realidade política comunitária da produção social, sustentada pelo comum como
bem inalienável da cidadania concreta, assim como o ar, a água, a moradia, a saúde
9
e a educação - o acesso universal à justiça é um bem comum. É nesses termos que
apresento minha pesquisa para leitura e avaliação.
Por derradeiro, esta pesquisa buscará demonstrar, a partir de pesquisa
bibliográfica com abordagem qualitativa, que a discrepância de entendimentos e
aplicação de critérios estanques e mecanizados, criados e reproduzidos pelos órgãos
jurisdicionais brasileiros têm o potencial de brecar o amplo acesso ao Poder Judiciário
de parcela significativa de brasileiros, reproduzindo desigualdades estruturais e
lançando indivíduos à condição de subcidadania. Com isso, buscar-se-á fomentar a
pesquisa e o debate acerca de tema tão caro à população brasileira e a profissionais
do direito, a fim de lapidar a concepção de acesso à justiça a partir de análise
multidisciplinar entre direito, história, ciências sociais e economia, desvelando crenças
e ideologias fortemente enraizadas na cultura de cerne escravocrata que constituiu a
sociedade brasileira, e nela permanece.
10
2 ACESSO À JUSTIÇA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL
Durante os séculos XVIII e XIX, vigorava a tese de que o acesso à justiça
constituía um direito natural do ser humano, anterior ao próprio Estado, como
decorrência, não havia intervenção estatal para proteger esse direito. O Estado
permanecia passivo com relação aos problemas oriundos das relações sociais. Nesse
período, a justiça só era acessível àqueles que tivessem condições de suportar seus
custos. Cappelletti e Garth (1988, p. 10), pontuam que “os estudiosos do direito, como
o próprio sistema judiciário, encontravam-se afastados das preocupações reais da
maioria da população”. Assim, o acesso à justiça era apenas formal, mas não efetivo.
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9).
Após a Segunda Guerra Mundial houve, efetivamente, uma explosão de
cidadania e Direitos Humanos. O Estado passou a sensibilizar-se com o bem comum.
Dessa forma, as reformas advindas do welfare state buscaram assegurar aos
indivíduos novos direitos substantivos, sobretudo com a proclamação de novos
direitos humanos. Nesse diapasão, o acesso à justiça alcançou posição significativa.
No entanto, o belo texto da lei não completa a realização dos diretos à cidadania,
consoante Cappelletti e Garth (1988, p. 12), a mera proclamação de direitos não tem
utilidade alguma se não coexistir um sistema de justiça adequado para que tais direitos
possam ser legitimamente reivindicados, o que faz do acesso à justiça o mais
elementar direito humano. Nesse sentido:
Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto
substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. Eles
precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para mais além dos
tribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia, da política, da
psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas. O
“acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente
reconhecido, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo
pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da
moderna ciência jurídica. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12-13).
Ademais, a doutrina do Professor José Afonso da Silva, em sua acepção
institucional, sublinha que o “acesso à justiça é uma expressão que significa o direito
de buscar proteção judiciária, o que vale dizer: direito de recorrer ao Poder Judiciário
em busca da solução de um conflito de interesses”, tal significação guarda lugar no
art. 5º, inciso XXXV da Constituição, ao preconizar que “a lei não poderá excluir da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. (SILVA, 2007, p. 150).
11
De fato, o acesso à justiça não se resume apenas à acepção institucional, uma
vez que tal ideia representaria inconteste pobreza valorativa, como ensina Afonso da
Silva:
É que, na verdade, quem recorre ao Poder Judiciário confia em que ele é uma
instituição que tem por objeto ministrar justiça como valor, instituição que,
numa concepção moderna, não deve nem pode satisfazer-se com a pura
solução das lides, de um ponto de vista puramente processual. Os
fundamentos constitucionais da atividade jurisdicional querem mais, porque
exigem que se vá a fundo na apreciação da lesão ou ameaça do direito para
efetivar um julgamento justo do conflito. Só assim se realizará a justiça
concreta que se coloca precisamente quando surgem conflitos de interesses.
(SILVA, 2007, p. 150).
Para Ricardo Luis Lorenzetti (1998), o acesso à justiça situa-se dentre os
direitos fundamentais de 3ª geração, os quais passam pela necessária alteração do
reconhecimento do sujeito de direito como um “sujeito isolado” para que seja visto
como um “sujeito situado”. Nas palavras do autor “situar o sujeito importa estabelecer
um modo de relação com os demais indivíduos e com os bens públicos”.
(LORENZETTI, 1998, p. 83). Com efeito, o sujeito moderno é um ser social situado
em contexto socioeconômico que ilustra o grau de acesso coletivo aos Direitos
Humanos e à cidadania. Logo, a atividade jurisdicional do nosso tempo precisa
enfrentar a resolução de qualquer caso concreto sob a perspectiva da dimensão
coletiva que o litígio implica para toda a sociedade, fazendo com que o direito
processual se engaje na luta pela configuração de uma qualidade de vida melhor a
todos os integrantes do grupo social.
Em regimes democráticos não há como pensar a cidadania descolada do
direito, que se efetiva por meio do pleno acesso às instituições judiciárias, pois, como
pontua Rubens Casara: “no imaginário democrático, o Poder Judiciário ocupa posição
de destaque”. (CASARA, 2020, p. 125). De fato, o aparato judiciário é a última
fortaleza das garantias da vida democrática, de forma que não há cidadania plena
sem o livre acesso à justiça. Com efeito, elevada à condição de princípio fundamental
da República Federativa do Brasil, a cidadania constitui-se como fundamento do
estado Democrático de Direito, positivada no art. 1º, inciso II, da Constituição Federal
de 1988.
Em leitura histórico-social, destaca-se a lição de Boaventura de Sousa Santos,
para quem “a cidadania não é monolítica; é constituída por diferentes tipos de direitos
e instituições; é produto de histórias sociais diferenciadas protagonizadas por grupos
12
sociais diferentes”. (SANTOS, 2013, p. 234). Sendo assim, importa referir que o
presente trabalho se valeu de estudos e pesquisas desenvolvidos nos campos das
Ciências Sociais, Econômicas e da História, cujas fontes bibliográficas sobre o
instituto da cidadania, seu desenvolvimento e dimensão, são complementares para
elaborar uma cartografia da cidadania brasileira. Por isso, foi sine qua non uma leitura
multidisciplinar e contextualizada no campo histórico-social da sociedade brasileira
para melhor compreender e desenvolver o tema proposto na monografia.
No campo jurídico brasileiro, uma adequada compreensão sobre o que é
cidadania mostra-se de latente urgência, pois, como observa Regina Lúcia Teixeira
Mendes da Fonseca, no Brasil, a bibliografia jurídica a respeito desse instituto é
bastante omissa e rasa, sendo necessário buscar junto às Ciências Sociais e à
História trabalhos mais aprofundados sobre cidadania, uma vez que no campo do
direito “a literatura disponível não trata dos outros dois aspectos do instituto, o aspecto
civil e o aspecto social, como acontece no direito comparado e não aborda a cidadania
tal como se colocou no Brasil”. Os escritos jurídicos que tratam sobre o tema, via de
regra, se resumem ao direito de votar e de ser votado, como se o estudo da cidadania
“estivesse resumido a seu aspecto político, isto é, à possibilidade de participação na
escolha dos governantes e na possibilidade de participação direta em algumas
circunstâncias através de plebiscitos, referendos e outros institutos”. (FONSECA,
2009, p. 3334).
Na mesma linha crítica temos as palavras do Professor José Afonso da Silva,
que vincula o conceito de cidadania ao princípio democrático, pontuando que durante
muito tempo o discurso jurídico concebeu o conceito de cidadão apenas como a
fruição dos direitos políticos. Consoante o autor:
Uma ideia essencial do conceito de cidadania consiste na sua vinculação com
o princípio democrático. Por isso, pode-se afirmar que, sendo a democracia
um conceito histórico que evolui e se enriquece com o envolver dos tempos,
assim também a cidadania ganha novos contornos com a evolução
democrática. É por essa razão que se pode dizer que a cidadania é o foco
para onde converge a soberania popular. (SILVA, 2007, p. 138).
A completa constitucionalização da cidadania brasileira é tardia. A carta magna
que foi qualificada de “Constituição Cidadã” nasceu a após a longa noite de escuridão
autoritária que subtraiu a pouca cidadania que vigorava no país. Em substância, a
Constituição Federal de 1988 incorporou uma nova dimensão de cidadania,
13
construída sob a afluência de um gradual enriquecimento e desenvolvimento dos
direitos fundamentais do Homem. Todavia, para que nossa Carta Cidadã possa, de
fato, realizar a cidadania, incontroverso que a efetivação da vida democrática
“depende de providências estatais no sentido da satisfação de todos os direitos
fundamentais em igualdade de condições”, como adverte o Professor José Afonso da
Silva:
Cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o titular de direitos
políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento dos
indivíduos como pessoas integradas na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII).
[...]
A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de pertinência à
sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como
pessoa humana, da integração participativa no processo do poder, com a
igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de
respeito à dignidade do outro e de contribuir para o aperfeiçoamento de todos.
(SILVA, 2007, p. 141-142).
Conforme destaca TH Marshall e Tom Bottomore (2021, p. 42), “a cidadania é
um status outorgado àqueles que são membros plenos de uma comunidade”, e pode
ser dividia em três elementos, quais sejam: o civil, o político e o social. Ou seja, a
cidadania está alicerçada em trinômio. A história da cidadania é a de ampliação dos
direitos civis, políticos e sociais. A cidadania moderna é dinâmica e está em
desenvolvimento contínuo. Ainda de acordo com os autores, “as sociedades em que
a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam a imagem de uma cidadania
ideal com a qual se pode medir a realização e para a qual se pode direcionar a
aspiração”. A lógica do avanço do capital é contrária ao movimento de igualdade
moderna que compõe a cidadania moderna. Logo, o estabelecimento da cidadania no
capitalismo se dá em crescente conflito e contradição. A estratificação social com base
na classe social compõe, essencialmente, um sistema de desigualdade, típico do
capitalismo, que ganha força e ascensão a partir do século XX, colidindo, amiúde, com
o princípio da cidadania. (MARSHALL; BOTTOMORE, 2021, p. 42-43).
2.1 A HISTÓRIA DOS LIMITES DA CIDADANIA BRASILEIRA
No Brasil, a história da cidadania desde a independência foi a de aplicação de
direitos para poucos. Foi a elite branca de proprietários de terra e de burocratas do
topo do Estado que usufruiu dos direitos liberais postos na Constituição Imperial, para
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os demais cidadania e democracia postaram-se como mera abstração política. De
acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, em sua obra de longo fôlego que
engloba a história da cidadania brasileira, destaca que do Império (1822-1889) até a
Primeira República (1889-1930), “do ponto de vista do progresso da cidadania, a única
alteração importante que houve nesse período foi a abolição da escravidão, em 1888”,
por meio da qual restou apenas formalmente conferido aos ex-escravos direitos civis,
em que pese na prática esses direitos não atingiram o campo da efetividade.
(CARVALHO, 2008, p. 17). Portanto, a história da precária cidadania brasileira está
imbricada à questão da escravidão. As bases histórico-sociais da construção da
cidadania no país devem ser compreendidas a partir da dinâmica das relações de
poder raciais que impõe baixa cidadania aos afro-brasileiros. Realmente, impossível
negligenciar que o desdobramento e desenvolvimento dos direitos e do próprio
conceito de direito se faz na história, e, por conseguinte, a própria cidadania é um
fenômeno histórico, que no Brasil, teve como principal fator negativo a longa duração
do Sistema Escravocrata, paradoxalmente, assegurada pela Constituição Liberal de
1824. (CARVALHO, 2008, p. 19).
Certamente, a escravidão e a grande propriedade não constituíam ambiente
favorável para a formação de cidadania, visto que, além de corpos humanos
escravizados serem tratados como mercadoria e equiparados a animais, a
concentração de terras nas mãos de poucos gerava uma dependência que se
estendeu após o fim da escravidão, fazendo dos ex-escravos pessoas legalmente
livres, mas sem nenhuma condição para o exercício dos direitos civis, especialmente
a educação, circunstâncias que refletiram severamente para o baixo desenvolvimento
da cidadania brasileira. (CARVALHO, 2008, p. 21). A cidadania brasileira após a
abolição da escravidão até 1930 passou por pouca alteração, nas palavras de José
Murilo de Carvalho:
Os brasileiros tornados cidadãos pela Constituição eram as mesmas pessoas
que tinham vivido os três séculos de colonização nas condições que já foram
descritas. Mais de 85% eram analfabetos, incapazes de ler um jornal, um
decreto do governo, um alvará da justiça, uma postura municipal. Entre os
analfabetos incluíam-se muitos dos grandes proprietários rurais. Mais de 90%
da população vivia em áreas rurais, sob o controle ou a influência dos grandes
proprietários. Nas cidades, muitos votantes eram funcionários públicos
controlados pelo governo. (CARVALHO, 2008, p. 32).
15
A cidadania nas primeiras décadas da república (1889-1930) pouco avançou
na ampliação dos direitos. O modelo da federação americana foi aplicado no país,
mas sem alteração da representação política. Os presidentes dos estados passaram
a ser eleitos pela população por voto de cabresto, ou seja, por meio de coação física
e mando pessoal. Além disso, o volume de eleitores é baixíssimo, pois dava acesso à
cidadania apenas aos alfabetizados, menos que 5% da população teve acesso ao
voto durante a República Oligárquica. A federação descentralizou o poder nacional,
mas nada contribuiu para ampliação democrática. Ela apenas permitiu a formação de
poderosas oligarquias estaduais, apoiadas em partidos únicos regionalizados. O
contexto permitiu a continuidade do poder dos grandes proprietários de terra, o que
permitiu o poder oligárquico até 1930. O quadro era dramático, em 1920 apenas
16,6% dos brasileiros moravam nas cidades de vinte mil habitantes ou mais, e a taxa
de analfabetismo ocupava número estrondoso, cerca de 70% da população. Logo, o
quadro ilustra que os direitos civis e políticos da nascente república eram, para a
maioria dos brasileiros, uma ficção jurídica. (LUCA, 2003, p. 470).
A Revolução de 1930 foi de ruptura modernizante. O Brasil adentrou uma era
nacional de industrialização e de crescente urbanização, o que impactou em passos
importantes na direção da cidadania. Foi criado o Ministério do Trabalho com a
consolidação das Leis do Trabalho, uma forte legislação trabalhista de proteção aos
trabalhadores. Trata-se de contexto de formação de uma classe proletária com direitos
modernos. Contudo, a cidadania política foi subtraída por meio do autoritarismo do
Estado Novo (1937-1945). Em síntese, foi período de ampliação da cidadania social
e de encurtamento da cidadania política. Contudo, o acesso à justiça progrediu muito
pouco. (CARVALHO, 2008, p. 87). Nas palavras de Tânia Regina de Luca:
Com a instauração do Estado Novo e a imposição ao país de nova Carta
Magna (1937), o caráter autoritário, centralizador e antidemocrático do regime
tornou-se inequívoco. Suprimiram-se os direitos políticos e aboliu-se o poder
Legislativo em todos os níveis, cabendo ao executivo o exercício das suas
funções. Os partidos políticos foram dissolvidos, as greves proibidas, a
censura aos meios de comunicação tornou-se rotina e estreitaram-se as
possibilidades de contestação ao regime, que não hesitou em valer-se da
intimidação e da tortura contra seus opositores, bastando lembrar que o
número de presos políticos ultrapassou a casa dos dez mil. (LUCA, 2003, p.
480).
Em 1945, com a derrota do fascismo na Europa, fortes ventos democráticos
derrubaram o regime autoritário do Estado Novo. Então, o Brasil passou à uma nova
16
fase política. Houve início da efetiva democracia de massa no país. O voto passou a
ser fruto da vontade livre do povo brasileiro, sem as coações dos donos do poder. Por
certo, entre 1945 a 1964 a participação popular foi crescente e a classe proletária
atuou como sujeito político pela primeira vez no território nacional. A ampliação do
ensino básico produziu um volume considerável de eleitores no país. Objetivamente,
foi a época do trabalhismo e de expansão das ideias revolucionárias. A luta de classes,
tão comum nos países industrializados, naquele momento ocupava as ruas das
principais cidades brasileiras. Foi contexto de forte pressão de classe, por direito à
greve e por reformas de aprofundamento da cidadania. Trabalhadores do campo e
das cidades pressionavam o Estado brasileiro, o que produziu forte medo e resistência
das elites que logo puseram fim à frágil democracia do pós-guerra no país. Foi durante
o governo de João Goulart (1961-1964) que o contexto político nacional ganhou
fortemente às ruas das cidades, a mobilização dos trabalhadores urbanos e rurais
tomou proporções gigantescas para os padrões do país. Assim, sindicados, ligas
camponesas, setores da igreja progressista, estudantes, intelectuais, sargentos
passaram a exigir do Estado ampla cidadania. Então, em 31 de março de 1964 um
golpe civil-militar impôs um longo período autoritário subtraindo e congelando o
desenvolvimento da cidadania brasileira. (CARVALHO, 2008, p. 87).
Em substância, em tempos autoritários, o povo tem acesso à justiça,
essencialmente, como réu. Assim, entre 1964 a 1985 a cidadania e o acesso à justiça
nada avançou. A Constituição de 1967 e a de 1969 consolidaram o autoritarismo. As
práticas de censura arbitrária e de violação dos direitos humanos foram constantes.
No limite, a modernização conservadora aplicada pela força da caserna incrementou
rapidamente a industrialização do país e no mesmo tom ampliou a violência do Estado
contra as populações pobres. Consoante Tânia Regina de Luca:
Os direitos sociais sofreram alterações significativas durante a ditadura
militar. No que diz respeito aos salários, condições de vida, direitos de
organização e manifestação, não há dúvidas quanto ao retrocesso. As
centrais sindicais e as ligas camponesas foram proibidas, 87 dirigentes
tiveram seus direitos políticos cassados entre 1964 e 1966, mais de
quatrocentas entidades sofreram intervenção pouco depois do golpe. As
prescrições da CLT, que previam estrito controle governamental sobre os
sindicatos, foram aplicadas à risca, transformando-os em meros prestadores
de serviços sociais e de lazer. O reajuste dos ganhos, por força da Lei 4725,
de 1965, passou a ser determinada pelo governo, que subordinou a questão
ao combate à inflação e a promoção do crescimento econômico. À política
salarial não era, assim, posta a serviço do bem-estar social, mas manejada
como instrumento monetário, subordinada ao crescimento global da
economia. (LUCA, 2003, p. 480).
17
Entre os anos de 1974 a 1978 houve o desencadeamento da abertura política,
ainda que lenta para ser segura aos autoritários, o que representou o retorno da
participação de setores civis na vida pública brasileira. Naquele contexto de dissuasão
do terror político, o Ato Institucional número 5 foi revogado e a sociedade civil teve a
oportunidade de organizar-se de forma pluripartidária. Ademais, tivemos a volta de
eleições diretas para governador de Estado. Nos anos 70, também, os trabalhadores
aproveitaram o momento de liberalização política para retomarem os movimentos
grevistas, desobedecendo a legislação autoritária antigreve. Sem dúvida, o contexto
de abertura política trouxe novamente os temas democracia e cidadania para o centro
dos debates e das lutas populares no país. A reativação do oxigênio que viabiliza
respirar os direitos modernos,
sem dúvida,
criou as condições para a
redemocratização brasileira que culminou com a “Constituição Cidadã” de 1988. Ao
contrário das legislações anteriores de amparo à cidadania, que caíram do céu para
a terra, a assembleia constituinte foi fruto de importante mobilização popular, que
refletiu na construção da legislação mais democrática e cidadã da história brasileira.
De fato, a Constituição Cidadã foi criada de baixo para cima. Com efeito, não podemos
negligenciar a genealogia de sua criação, isto é, o texto constitucional, de maior
potência progressista, resultou das lutas pela redemocratização do país no contexto
de liberalização do Regime Militar autoritário. O texto de Tânia Regina de Luca nos é
esclarecedor:
No campo, onde a estrutura fundiária permanecia intocada, houve o
ressurgimento da luta em prol da defesa do trabalhador rural. Data de 1975 a
Comissão Pastoral da Terra, criada pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) para atuar nas questões agrárias, e de 1979 a formação do
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Igualmente significativo foi
o surgimento de movimentos urbanos em prol da moradia, como o Movimento
Contra os Loteamentos Clandestinos (1972), o Movimento dos Moradores de
Favelas (1979) e o Movimento dos Mutuários do BNH (1984), que
congregavam a população em torno da melhoria das suas condições de vida.
A luta em prol da emenda constitucional que previa o restabelecimento de
eleições diretas para a presidência da República (1984), por sua vez, foi
acompanhada de intensa participação popular. Apesar da proposta haver
sido derrotada no Congresso, o clamor das ruas foi fundamental para tornar
irreversível a saída dos militares do poder, que se consubstanciou com a
eleição de Tancredo Neves e José Sarney (1985). (LUCA, 2003, p. 487).
Símbolo da redemocratização brasileira, a Constituição de 1988 trouxe
significativa ampliação do rol de direitos e de garantias de seu povo, que fora tão
severamente penalizado pelo longo e doloroso período ditatorial que antecedeu à
18
promulgação. Nossa Carta Cidadã inovou em inúmeros aspectos, tanto na ampliação
dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, como também inovou por
trazer em seu texto os chamados direitos de terceira geração, onde se inclui o direito
ao meio ambientes, à qualidade de vida e os direitos do consumidor. De acordo com
Boaventura de Sousa Santos (2013, p. 25), “a redemocratização e o novo marco
constitucional deram maior credibilidade ao uso da via judicial como alternativa para
alcançar direitos”. Naturalmente, ao terem consciência de seus direitos e confiança
nas instituições democráticas, as pessoas recorrem ao Judiciário visando proteger ou
exigir a efetiva proteção desses direitos quando ameaçados ou atingidos.
2.2 A REDEMOCRATIZAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA
Em substância, a promulgação da Constituição em 1988 representou,
simbolicamente, a abertura das portas institucionais para o livre trânsito democrático.
Ao contrário das constituições anteriores, os direitos fundamentais de cidadania
aparecem nos títulos iniciais a fim de destacar sua essência cidadã. Nessa Carta
Magna, o acesso ao voto foi universalizado por meio da extensão facultativa aos
maiores de 16 anos e aos analfabetos. Pela primeira vez a república brasileira
reconhecia cidadania política aos pobres sem escolaridade. Parcela significativa da
população brasileira. A democracia tomou outro significado, passou a ser participativa
superando sua percepção formal como define o artigo 14. Ademais, os direitos civis
foram amplamente assegurados no artigo 5º, com garantias de proteção contra
qualquer arbitrariedade do Estado, além do direito ao abono de férias, licença
paternidade, fixação do salário mínimo como base para pensões e aposentadorias e
diversos avanços sociais que sublinham avanços inéditos na legislação do país.
Quiçá, o maior progresso da Constituição Cidadã foi o reconhecimento da opressão
racial brasileira sobre os afro-brasileiros. O racismo passou a ser classificado como
crime inafiançável. (LUCA, 2003, p. 488). Em síntese, a Constituição Cidadã marcou,
verdadeiramente, uma revolução simbólica na legislação brasileira. Foi, de fato, uma
transformação profunda na história das constituições do país. Contudo, a tarefa de
deslocamento da democracia do plano simbólico para o real, vivenciado
ordinariamente, ainda permanece incompleta.
Realmente, a passagem de regimes autoritários para democráticos, nas
sociedades periféricas e semiperiféricas, como é o caso da brasileira, passam pelo
19
que Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 26) designa como “curto-circuito histórico,
ou seja, pela consagração no mesmo ato constitucional de direitos que nos países
centrais foram conquistados num longo processo histórico (daí falar-se de várias
gerações de direitos)” – a constitucionalização democrática, amiúde, transforma-se
antes em expectativa futura do que realidade vivida frente à falta de ação concreta
dos poderes públicos. Todavia, as democracias caracterizam-se pela autonomia dos
poderes e pelo conflito político nas ruas e nos tribunais. Assim, a presença significativa
de direitos na Carta Magna de 1988 abriu espaço para maior intervenção judicial a fim
de tornar real a legislação democrática. Afinal, os tribunais representam a última
instância dos conflitos que nascem nas ruas das cidades democráticas.
Malgrado, a relevância do tratamento constitucional conferido à cidadania no
Brasil, a prática forense que se desenha dia após dia, demonstra que, infelizmente,
ainda está muito longe de conferir cidadania plena aos indivíduos que compõem a
sociedade brasileira. Trata-se de corpo social dividido em classes extremamente
desiguais, uma pequena parcela de indivíduos com pleno acesso à cidadania e uma
massa de gente em estado de subcidadania – empobrecidos estruturalmente pela
longa duração do sistema escravocrata – conforme assinala, por diversas vezes,
Jessé Souza (2018). Por conseguinte, aqueles que necessitam bater às portas do
Judiciário em busca de proteção ou restauração de seu direito, não escapam à regra
excludente, desigual e segregadora que rege as relações sociais brasileiras.
Diante do entrave institucional para a efetivação de um conjunto tão extenso de
direitos, que foram repentinamente conquistados, surgem aqueles que defendem a
relativização de determinados direitos, e até mesmo começam a estabelecer limites e
critérios para a concessão de outros, como é o caso, por exemplo, da formulação dos
“critérios objetivos” para concessão da gratuidade de justiça por insuficiência de
recursos, que é discutido e estabelecido por julgadores e Tribunais brasileiros, sem
debate político, sem a participação popular e sem qualquer estudo histórico-social
sobre a realidade social brasileira. Em poucas palavras, a Constituição Cidadã,
banhada de democracia, não está sendo suficiente para constitucionalizar a própria
cidadania no interior das instituições do Brasil. Porquanto, a redemocratização do país
precisa alcançar as instituições que carregam, em larga medida, resíduos autoritários
estruturais que dificultam a realização da cidadania que prescreve a Constituição.
Por conseguinte, é o que explica os limites institucionais de acesso à justiça
gratuita, mesmo depois de décadas de Constituição Cidadã ainda hoje as instituições
20
de Estado, como um todo, demonstram demasiada lentidão para imprimir efetividade
à norma constitucional que confere tão especial destaque à cidadania. Posto que os
traços de formação social que constituem as profundas desigualdades da sociedade
brasileira decorrem de matriz escravocrata, pautada desde sua origem até os dias de
hoje por classes sociais estratificadas por meio da dicotomia: cidadania/subcidadania.
De acordo com Jessé Souza (2018, p. 219): “o processo de modernização brasileiro
iniciado em 1808, pautado por um surto urbanizador e comercial”, se consolida
somente a partir de 1930, com a industrialização, que compõe acelerada
modernização conservadora, porque conserva as estruturas de desigualdades,
essencialmente, raciais no país. Para o autor, esse período instaura um novo
arquétipo de institucionalização, que culmina na “formação de um padrão
especificamente periférico de cidadania e subcidadania” (SOUZA, 2018, p. 221). Ou
seja, a desigualdade no Brasil além socioeconômica é cultural, pois habita,
naturalmente, o imaginário dominante das elites do setor privado e público.
Nessa perspectiva, mostra-se relevante a proposta de Boaventura de Sousa
Santos quando acentua a necessidade de uma revolução democrática da justiça, por
meio da criação de uma outra cultura jurídica e judiciária, que construa novas
subjetividades jurídicas e novos compromissos com a democracia, de acordo com o
autor:
É essencial termos a noção da exigência que está pela frente. Para satisfazer
a procura suprimida são necessárias profundas transformações do sistema
judiciário. Não basta mudar o direito substantivo e o direito processual, são
necessárias muitas outras mudanças. Está em causa a criação de uma outra
cultura jurídica e judiciária. Uma outra formação de magistrados. Outras
faculdades de direito. A exigência é enorme e requer, por isso, uma vontade
política muito forte. Não faz sentido assacar a culpa toda ao sistema judiciário
no caso de as reformas ficarem aquém desta exigência. (SANTOS, 2011, p.
38).
Ao tratar sobre os temas que orbitam a realidade contemporânea e a forma
como os fatores culturais refletem em uma ausência de progressos efetivos em torno
de uma justiça mais humanitária, as pesquisadoras Janaína Machado Sturza e
Karinne Emanoela Goettems dos Santos, mencionam que “desejar observar com
honestidade a efetividade do acesso à justiça, a partir de um modelo de jurisdição,
requer necessariamente uma atenção especial à facticidade, ínsita a uma sociedade
complexa, desigual e individualista”. (STURZA; SANTOS, 2020). No limite, a
facticidade instrumentaliza um novo olhar e uma nova prática jurídica, respaldada nos
21
vínculos concretos dos indivíduos que demandam acesso à justiça com a realidade
histórico-social. Afinal, o acesso à justiça de sujeitos sujeitados é condição sine qua
non para a efetivação da vida social na democracia. De fato, como afirma Boaventura
de Sousa Santos (2013, p. 205): “o tema do acesso à justiça é aquele que mais
diretamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre
igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica”. E é no campo da justiça
civil que há maior procura real e potencial dos indivíduos a fim de assegurar direitos.
Por isso, o Estado deve ofertar o acesso para sustentar cidadania a todos. A justiça é
custosa, sem dúvida, e é por isso que deve se apoiar no Estado para garantir a
igualdade no interior de sistema capitalista que, amiúde, produz e reproduz
desigualdades de toda a ordem. Porque sem o acesso à justiça igualitária todas as
belas leis de direitos do homem e do cidadão limitar-se-ão à mera abstração jurídica.
De acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 11), dentre as
Constituições modernas, tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do
Estado é necessária a fim de assegurar que todos os cidadãos possam fruir dos
direitos sociais básicos, dentre eles o efetivo e amplo acesso à justiça, que se reveste
de primordial importância entre os novos direitos individuais e sociais. Os autores
pontuam que “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito
fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno
e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12).
Nesse contexto, o sistema de justiça brasileiro precisará se reinventar a partir
de seu núcleo, será imperativo uma revolução democrática da justiça, posto que “com
a revolução democrática da justiça a luta não será apenas pela celeridade (quantidade
da justiça), mas também pela responsabilidade social (qualidade da justiça)”, como
afirma Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 43), tarefa que parece de difícil alcance
diante das raízes escravocratas que constituíram nossa sociedade e que permanecem
hígidas nas estruturas de Estado.
No Brasil, desde a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, tem-se visto
um movimento constante e crescente dentro dos órgãos jurisdicionais no sentido de
estabelecer critérios e fórmulas numéricas para fins de parametrização do acesso
gratuito à justiça. Assim, por regra, quando a parte postulante pede acesso à tutela do
Estado-juiz com requerimento do benefício da gratuidade, dá-se início a um processo
22
mecânico e estanque de conferência de contracheques, declarações de imposto de
renda, certidões imobiliárias e veiculares, dentre outros.
Ao submeter-se ao crivo jurisdicional, incumbe à parte comprovar que não
recebe mais do que o teto estabelecido por determinado tribunal, hipótese em que
terá deferido o pedido de gratuidade, caso contrário, se porventura sua renda for
superior a determinado valor – o chamado critério objetivo – terá de recolher custas e
suportar todos os ônus do processo, inclusive eventual verba honorária de
sucumbência, caso seja inexitoso seu pedido.
Comumente alega-se que a formulação dos ditos “critérios objetivos” para fins
de aferição da situação de hipossuficiência de recursos visa imprimir celeridade aos
processos, bem como assegurar que somente os realmente necessitados tenham
acesso à justiça de forma gratuita. Trata-se de construção doutrinária e jurisprudencial
que tem ganhado força visceral nos últimos anos, sobretudo a partir dos movimentos
antidemocráticos que culminaram em severas reformas na legislação brasileira, em
especial nas esferas trabalhista e previdenciária. De igual forma, o tema da gratuidade
da justiça tem ganhado relevo nas proposições e projetos de lei em curso no
Congresso Nacional, em regra sob a ótica de um estado mínimo, comprometido em
restringir ainda mais as possibilidades de acesso à justiça.
Para além da famigerada alegação sobre os custos do aparato judiciário, os
quais são obviamente altos, ou a ideia de que a gratuidade poderia incentivar as
demandas promovidas pelos litigantes habituais, é preciso ter em mira que em um
Estado Democrático de Direito os ônus devem ser suportados solidariamente, a partir
de políticas públicas desenvolvidas pelo Estado, ao passo em que eventuais abusos
no direito de litigar devem ser combatidos em específico, pelos meios legais que são
acessíveis ao Estado-juiz.
A propósito, na legislação brasileira há uma gama de meios legais disponíveis
ao Judiciário para as situações nas quais se depara com eventuais abusos no direito
de litigar. É incontroverso que às partes é vedado movimentar o aparato judicial do
Estado para vindicar pretensões totalmente despropositadas, servindo-se do
processo como forma de angariar benefícios manifestamente indevidos, atitude que
atenta contra a dignidade da Justiça e à duração razoável do processo, consoante
previsão contida no art. 5º, inc. LXXVIII, da Constituição.
Não obstante o direito de ação seja constitucionalmente garantido a todos, na
linha do que prescreve o art. 5º, incisos XXXV e LV, da Carta Constitucional de 1988,
23
o abuso desse direito não é salvaguardado pelo ordenamento jurídico, conforme
estabelece o art. 187 do Código Civil, “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Dessa forma, para os casos em que se constata a utilização indevida do
processo, com abuso do direito de litigar, nosso ordenamento jurídico se resguarda
de mecanismos processuais aptos para reprimir este tipo de conduta, apenando o
violador com as penalidades decorrentes da litigância de má-fé, cujas hipóteses são
amplas e expressas nos artigos 79 a 81 do Código de Processo Civil.
De acordo com o art. 79, do Diploma Processualista Civil, “responde por perdas
e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”, por conseguinte,
o art. 81 do referido Diploma estabelece que “de ofício ou a requerimento, o juiz
condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento
e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária
pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas
as despesas que efetuou”.
Logo, a famigerada defesa de que a gratuidade da justiça serviria de incentivo
aos excessos de determinados litigantes, cai por terra quando analisada a legislação
e os meios disponíveis para coibir eventuais condutas despropositadas. Aliás, importa
registrar que os tribunais brasileiros, assim como a doutrina majoritária, têm defendido
e aplicado multas por litigância de má-fé inclusive nos casos em que a parte violadora
litigue sob os auspícios da gratuidade da justiça. Assim, para os defensores de que o
acesso à justiça deve ser pago, sob pretexto de que gratuidade poderia incentivar
demandas excessivas ou desprovidas de fundamento, fica a contradição relativa às
penalidades expressas na legislação, punições essas que a todos alcança,
independentemente de estar em Juízo mediante pagamento ou gratuitamente.
Esse contrassenso que se desdobra da questão atinente ao acesso à justiça,
direito fundamental do indivíduo, em muito decorre do fato de que a democracia
brasileira se apresenta como como uma fachada, posto que vivemos em “um Estado
Pós-Democrático, que não tem qualquer compromisso com a concretização de
direitos fundamentais” (CASARA, 2020, p. 37). É preciso ter cuidado para que não se
perca de vez as bases principiológicas e garantias que tanto custaram à sociedade
brasileira durante a luta pela formulação de uma Constituição Cidadã, avançada,
humanizada e progressista.
24
O discurso sobre o alto custo da justiça, que justificaria a supressão ou restrição
máxima do acesso gratuito ao Poder Judiciário, anda de mãos dadas com aqueles
que defendem a extinção do Sistema Único de Saúde gratuito e universal, ou o
pagamento de mensalidades em Universidades Públicas. Trata-se de discurso
carregado de ideologia neoliberal que visa sufocar as garantias constitucionais e
aniquilar
qualquer
possibilidade
de
desenvolvimento
de
uma
sociedade
verdadeiramente justa, solidária e democrática. Como bem observa Rubens Casara
“no discurso neoliberal, o problema da liberdade se coloca e se resolve através do
mercado, no reino da economia”. (CASARA, 2020, p. 40).
Na mesma toada, Jessé Souza (2018, p. 264) alerta que os problemas da
gestão eficaz dos recursos ou dos custos com os serviços do Estado é um problema
comum a qualquer sociedade moderna, seja ela central ou periférica, por isso, é
preciso cuidado para que não se dê uma ênfase deslocada, distorcida e exagerada
acerca dos problemas práticos e políticos que assolam sociedades periféricas como
a brasileira. (SOUZA, 2018, p. 264).
Com efeito, diante de texto constitucional que apresenta a República Federativa
do Brasil como um Estado Democrático de Direito, também o Poder Judiciário deve
esforçar-se na busca pela efetivação dos princípios fundamentais de cidadania e de
dignidade humana, a fim de garantir a concretização do direito fundamental de acesso
à justiça proclamado na Carta Cidadã brasileira, e, assim, dar vida ao texto normativo.
Nessa perspectiva, como bem pontuam Marschall e Bottomore (2021):
Não obstante, em qualquer sistema de bem-estar social, deve haver
problemas para que se chegue a um equilíbrio entre uma administração
eficiente e a preocupação com o indivíduo como consumidor de serviços
públicos, entre as restrições necessariamente impostas pelas políticas de
bem-estar social e a liberdade do indivíduo. [...] Aqui, como alhures, certa
mistura de esforço público e privado (este na forma de associações
voluntárias, sendo elas próprias uma expressão da cidadania) pode ser
valiosa, muito embora a fundação e a estrutura principal do sistema de bemestar social sejam constituídas essencialmente de serviços prestado pelo
Estado. (MARSHALL; BOTTOMORE, 2021, p. 162).
Na mesma linha, Karinne Emanoela Goettems dos Santos (2015), leciona que
“a jurisdição civil, como espaço democrático de concretização do acesso à justiça em
juízo, mostra-se como reflexo do exercício da cidadania, sendo o exercício da
cidadania elemento fundante do Estado Democrático de Direito”.
25
Vale evocar a lição do Professor José Afonso da Silva quando afirma que para
a efetivação da cidadania são necessárias providências do Estado, inclusive com a
repartição de custos financeiros para a promoção dos direitos sociais. Veja-se:
Essa cidadania é que requer providências estatais no sentido da satisfação
de todos os direitos fundamentais em igualdade de condições. Se é certo que
a promoção dos direitos sociais encontra, no plano das disponibilidades
financeiras, notáveis limites, menos verdade não há de ser que, inclusive em
épocas de recessão econômica, o princípio da igualdade continua sendo um
imperativo constitucional, que obriga a repartir também os efeitos negativos
de todo período de crise. (SILVA, 2007, p. 142).
Assim, uma das formas para que o Estado Democrático de Direito consiga sair
do campo meramente formal e comece a caminhar em direção a uma almejada
efetividade, perpassa pelo fomento à cultura de absoluto respeito à Constituição, em
especial, de devoção aos direitos e garantias fundamentais positivados em nossa
Constituição, mas ainda pendentes de plena efetividade. Significa dizer que a
Constituição e seus ditames devem sempre prevalecer sobre a “racionalização da
atividade estatal”, além de integrar rol básico de conhecimento incutido nos saberes
dos agentes de Estado no desempenho dos serviços públicos. (CASARA, 2020, p.
62).
A todos que atuam junto às instituições judiciárias brasileiras e dependem da
atuação do Estado-juiz, seja como defensores, advogados ou partes, é perceptível
que para além dos conhecidos entraves relacionados à precarização material e
estrutural das instituições de Estado, a dogmática processual continua a ser pautada
pelo paradigma racionalista, porquanto, quando se trata do acesso gratuito à justiça,
o que se vê é uma predileção exacerbada pela certeza e exatidão de fórmulas
previamente estabelecidas, em detrimento, muitas vezes, da própria justiça.
Embora seja consenso que o processo apresenta uma inexorável função social,
muitas vezes esse cunho eminentemente social acaba relegado nos julgamentos em
série que são praticados na atualidade, ou seja, ao caso concreto não é dado o real
relevo como integrante de um contexto social, motivo pelo qual, muitas vezes
transcendem reflexos negativos para toda a sociedade, os quais poderiam ser
evitados, caso a atividade julgadora fosse exercida com a responsabilidade social
exigida do julgador atual.
Dessa forma, a garantia de concretização do direito fundamental de acesso à
justiça exige dos órgãos jurisdicionais avaliações concretas e despidas de pré-
26
conceitos acerca da realidade histórico-social vivenciada pelas partes, isso porque,
para agir com justiça e em sintonia com sua própria história, um sistema jurídico deve
ser dinâmico, interpretativo, capaz de se atualizar e de superar paradigmas que se
mostrem incondizentes com os ideais de justiça social. É necessário compromisso e
responsabilidade com nossa própria história, sob pena de perpetuar-se a
desigualdade estrutural que lança indivíduos na subcidadania.
2.3 A SUBCIDADANIA BRASILEIRA
Efetivamente, os corpos empobrecidos que pululam por todos os cantos do país
necessitam de tratamento no campo político. Pensar o Brasil a partir da pobreza
imperante como ponto central é de imensa valia para os estudos jurídicos. A pobreza
brasileira tem uma cartografia de classe e de raça obscenamente visível. Realmente,
são os pobres que compõem, como trabalhadores assalariados ou de emprego
precário, a massa que potencializa a produção da riqueza nacional, que se
concentrada tradicionalmente na elite branca. São paradoxalmente força de trabalho
necessária à acumulação e reprodução de capital global e excluídos do acesso às
promessas modernas de cidadania plena. O pobre é imaginado pelo que lhe falta.
Trata-se de corpo carente das necessidades humanas essenciais. Contudo, é preciso
olhar o pobre no campo da política moderna. Torná-lo sujeito humanizado. De acordo
com Negri e Hardt (2016, p. 11): “as estatísticas econômicas são capazes de captar a
condição da pobreza em termos negativos, mas não as formas de vida, linguagem,
movimentos ou capacidade de inovação por eles gerados”. Ou seja, há significativa
dignidade humana e capacidade criativa no interior da vida social dos pobres que
escapa completamente da imagem que as elites do capital e, também, da letrada,
produzem e reproduzem do corpo imerso na subcidadania brasileira.
O tratamento político aos corpos empobrecidos na longa duração do solo pátrio
infere que o tema está complemente mergulhado nas estruturas econômicas e
jurídicas. Afinal o capital e a lei são as forças primordiais do sistema capitalista. A ideia
de que a lei funciona como uma estrutura transcendental é predominante na filosofia
do direito moderno. Em essência, as estruturas jurídicas estão centradas na relação
indivíduo/propriedade. Logo, o conceito de indivíduo não é definido pelo ser, mas pelo
ter, ou seja, os sujeitos são proprietários de bens ou são sujeitados do amparo da lei.
Também há as leis naturais da economia capitalista que funcionam como forma
27
impessoal de dominação de classe (HARDT; NEGRI, 2016, p. 21). Sem dúvida, são
as leis econômicas que estruturam a vida social, tornando as hierarquias e a
subordinação naturais e necessárias para o bom funcionamento da sociedade. A
subcidadania, nesse contexto, aparece, opacamente, como parte da inabilidade de
determinados indivíduos à vida competitiva do capital.
Indubitavelmente, há relação entre capital e direito, o judiciário como parte do
Estado moderno é máquina de produção e reprodução de poder dominante. Atrás do
véu da neutralidade há uma estrutura paradoxal de poder que é ao mesmo tempo
abstrata e concreta. São estruturas abstratas porque impõe-se relativamente
indiferentes aos conflitos sociais e seus conteúdos, também são concretas porque a
base estrutural da legislação que sustenta a acumulação de capital e a ampliação do
poder da propriedade estão alicerçadas sobre a concretude da exploração do trabalho
(HARDT; NEGRI, 2016, p. 37). A subcidadania é uma categoria abstrata no campo
jurídico-político. O direito faz abstração do movimento real de emancipação dos
indivíduos para a conquista da cidadania. Afinal, quando há na própria legislação que
o salário tem uma base mínima na exploração do trabalho é o que basta para alicerçar
a concretude do acesso à justiça gratuita. Em face disso, a base concreta para o
julgamento acerca do acesso ao judiciário é, paradoxalmente, abstrata por demais,
visto que a percepção da realidade socioeconômico dos indivíduos está distante da
concretude das decisões dos burocratas da aplicação da lei.
A fim de abrir o campo concreto da realidade socioeconômica brasileira convém
consignar que, de acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos
(PNCBA), realizada mensalmente pelo Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE), por meio de levantamento contínuo dos preços
de um conjunto de produtos alimentícios considerados essenciais, há como resultado
para a competência fevereiro de 2022, um salário mínimo necessário de R$ 6.012,18,
ao passo em que concretamente temos o valor nominal do salário mínimo
corresponde a R$ 1.212,00. Ou seja, a base concreta que legalmente sustenta o
salário mínimo, assegurado na Constituição Cidadã, infere uma abstração econômica.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o
rendimento médio domiciliar per capita, em 2019, foi de R$ 1.406 para o total da
população brasileira. As Regiões Sudeste (R$ 1.720) e Sul (R$ 1.701) apresentaram
os rendimentos mais elevados, representando, aproximadamente, o dobro do
rendimento domiciliar per capita das Regiões Norte (R$ 872) e Nordeste (R$ 884).
28
(IBGE, 2020, p. 57). Em 2019, 11,8% da população brasileira vivia com o valor de até
1/4 de salário mínimo per capita mensal e quase 30% com até 1/2 salário mínimo per
capita. No Nordeste, quase metade da população tinha até esse último patamar de
renda mensal. No outro extremo da distribuição, no Brasil, apenas 4,1% tinham
rendimento per capita superior a 5 salários mínimos. (IBGE, 2020, p. 59).
Importante consignar que a parcela da população que sobrevive com apenas a
quarta parte de um salário mínimo, encontra-se na chamada linha da pobreza
extrema, isto é, em 2020 o percentual de pessoas em situação de extrema pobreza
correspondia a 11,8% da população brasileira. Ao mesmo tempo, 29,2% da população
do país está na linha da pobreza, ou seja, percebem renda mensal de até meio salário
mínimo. Nesse passo, de acordo com os indicadores sociais do ano de 2020, chegase ao seguinte resultado panorâmico para o Brasil: 41% da população brasileira
encontra-se nas linhas da pobreza e da pobreza extrema. Cito Celi Scalon a fim de
dimensionar o quadro da desigualdade brasileira:
(...) É importante ressaltar que, num contexto de extrema desigualdade como
o que temos no Brasil, até mesmo a cidadania, entendida aqui como
participação, é desigualmente distribuída. Esta é uma conjuntura que coloca
em xeque o conceito de “sociedade civil”, ou pelo menos o seu uso no
singular. Cada vez mais os atores sociais são chamados à participação,
porém as condições dessa participação são claramente definidas a partir das
possibilidades e oportunidades de inserção na arena pública. E essas
possibilidades e oportunidades não são, de fato, iguais. Devemos considerar
que, quando os custos e as chances de participação são tão desiguais, em
geral nos defrontamos com uma situação em que os incluídos aumentam
suas vantagens relativas sobre os excluídos, se apropriando de forma mais
efetiva dos benefícios gerados pela sociedade ou pelo Estado. Portanto, a
dinâmica da relação entre Estado e sociedade, na qual se inscreve a prática
das políticas públicas, é atravessada por desigualdades na distribuição de
poder: seja ele político, econômico, social, intelectual ou simbólico.
(SCALON, 2011, p. 51).
Dessa forma, embora a cidadania seja valor elevado ao status de princípio
fundamental pela Carta Cidadã de 1988, é relegada em detrimento de uma
necessidade estridente de apego a determinadas fórmulas matemáticas préestabelecidas, estanques e invariáveis, que permanecem adstritas ao valor nominal
da renda do indivíduo, o qual é analisado individualmente, como se nada e nem
ninguém além dele fizesse parte de seu núcleo familiar. O resultado, em significativa
parcela dos casos, é de injustiça e ampliação do estado de subcidadania.
Apesar da grande pauperização e ínfima renda que predomina em nossa
sociedade, fato estampado em centenas de estudos e pesquisas feitas pelos mais
29
renomados institutos de pesquisa brasileiros, parcela preponderante de julgadores e
de órgãos judiciários se limitam a enfrentar o tema do acesso à justiça pelo viés da
renda individual da parte que procura a tutela jurisdicional para garantir a proteção de
seu direito ou o seu restabelecimento. Ou seja, há, por parte dos julgadores, o
estabelecimento de critérios que abstraem o indivíduo concreto do amparo da lei que
lhe confere à condição de cidadania. A desigualdade nas sociedades periféricas,
como o caso brasileiro, é dramática. A importante história de Estado do Bem-estar
social nos países centrais faz da questão fator de baixo impacto, mas na periferia do
capitalismo tardio a vida precária é generalizada a fim de condenar à subcidadania
parcela significativa da população do país. (SOUZA, 2018, p. 256).
30
3 ESBOÇO CRÍTICO DOS CRITÉRIOS DE ACESSO GRATUITO À JUSTIÇA
O acesso à justiça como condição universal está imbricado ao contexto de lutas
sociais modernas por emancipação incrementado no século XX e que passou por
avanço importante após a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, o contexto foi
marcado por acontecimentos significativos que ampliaram a noção de Direitos
Humanos e consubstanciaram projetos para o desenvolvimento de políticas a fim de
assegurar o estabelecimento de sociedades mais igualitárias. É nesse momento que
surge rapidamente o Estado do Bem-estar Social nos países avançados do
capitalismo industrial e também a ideia de rompimento, por parte dos países
periféricos, da condição de subdesenvolvimento. Foi uma era de desenvolvimento
socioeconômico e de ampliação de direitos socias, o que sem dúvida impactou no
aparato institucional e organizacional do direito, reverberando na demanda de acesso
popular ou de massa ao judiciário.
As lutas sociais conduzidas por diversos grupos em confrontação e litígios de
toda ordem, trabalhadores, negros, mulheres, estudantes, intelectuais da pequena
burguesia travaram combates por novos direitos sociais no campo da segurança
social, habitação, educação, mobilidade urbana, meios ambiente e melhor qualidade
de vida etc. Assim, a desigualdade social passou a ocupar novo significado no
ordenamento da modernidade e a posição de centro das atenções e lutas políticas. A
igualdade de direitos foi o que mobilizou a política progressista no pós-guerra, o que
resultou, naturalmente, na eclosão da demanda ao acesso à justiça. Na década de 60
os tribunais apresentaram uma crise da administração da justiça, fruto da explosão de
litígios de diversos grupos sociais, que demandavam por realização concreta da
cidadania. De fato, o Estado do Bem-estar Social significou a expansão de direitos
sociais e, também, a transformação da classe trabalhadora, sobretudo nos países
centrais, em consumidores de massa (SANTOS, 2013, p. 202-203).
Realmente, uma era de direitos, também, representou, como corolário, uma era
de litígios. O contexto foi marcado por uma verdadeira explosão de litigiosidade que
inflacionou a administração da justiça. Ademais, o excesso de demanda ao judiciário
agravou-se nos anos 70 com a crise do capitalismo fruto das transformações
tecnológicas derivadas da Terceira Revolução Industrial e da globalização que
aumentou exponencialmente a concorrência internacional. A crise afetou diretamente
o Estado do Bem-estar Social com a queda do poder fiscal e a consequente
31
impotência frente à necessidade de mais recursos para a área social. Logo adveio
uma outra era do capitalismo, de forte recessão econômica e de progressão da política
neoliberal. Diante desse quadro de dificuldades, de redução significativa de recursos
financeiros do Estado e de decorrente esbatimento dos governos para cumprir
compromissos socias, assistenciais e previdenciários, a administração da justiça
incorpora a ética neoliberal a fim de justificar a nova lógica de acumulação de capital.
Consoante Boaventura de Sousa Santos:
Uma situação que dá pelo nome de crise financeira do Estado e que se foi
manifestando nas mais diversas áreas da atividade estatal e que, por isso, se
repercutiu também na incapacidade do Estado para expandir os serviços de
administração da justiça de modo a criar uma oferta de justiça compatível
com a procura entretanto verificada. Daqui resultou um fator adicional da crise
da administração da justiça. (SANTOS, 2013, p. 204).
Há uma lógica de exclusão ao acesso à justiça, que carrega importante
historicidade. É imperativo compreendê-la para explicar o conjunto de decisões
judiciais que excluem a justiça gratuita de percentual importante de indivíduos na
busca de direitos. O ato de negação de gratuidade impõe indivíduos na condição de
subcidadania. Trata-se de fenômeno complexo, isto é, um conjunto de fragilidades
socias que tecidos conjuntamente revelam a fragilidade do Estado em assegurar
cidadania ao acesso à justiça em tempos neoliberais. É possível assinalar três
importantes fragilidades: a primeira, a dificuldade sociocultural no acesso ao capital
jurídico, ou seja, capacidade de acessar a bons advogados, segunda fragilidade, a
compreensão da importância da cultura de litigiar a fim de alcançar direitos sociais por
meio do judiciário e, finalmente, a fragilidade socioeconômica que aparta a litigância
pela impossibilidade de custear os valores do alto custo da administração judiciária.
Dessas fragilidades, minha pesquisa monográfica focou no fluxo das decisões
dominantes que no judiciário do Brasil meridional excluem litigantes por meio de
interpretação cartesiana acerca das condições financeiras do sujeito para arcar com
as custas judiciais. O indivíduo que solicita acesso à justiça gratuita é percebido,
grosso modo, pela administração judiciária como uma mônada econômica, sujeito
isolado completamente da vida socioafetiva e das responsabilidades econômicofamiliares. Além disso, a base de referência econômica é o salário mínimo do país na
sua forma nominal, que quando comparado aos compromissos socioeconômicos
postos na Constituição Cidadã representa uma mera abstração jurídica, visto que
32
muito distante do valor concreto para atender aos direitos sociais sublinhados no texto
constitucional brasileiro de 1988.
3.1 OS PARAMETROS JURISDICIONAIS PARA O ACESSO GRATUITO À JUSTIÇA
Segundo Cappelletti e Garth (1988, p. 8) o conceito de acesso à justiça tem
como finalidade determinar a presença de sistema pelo qual os indivíduos podem
reivindicar seus direitos e\ou resolver seus litígios sob à égide do Estado. Trata-se de
sistema acessível a todos e que produz resultados que sejam individualmente e
socialmente justos. Portanto, o conceito de acesso à justiça é pragmático, pois a
premissa básica é a de acesso efetivo, isto é, com a garantia de julgamento que
salvaguarde não somente o direito de entrada no tribunal, mas também o direito de
julgamento que faça justiça. É nessa perspectiva que vamos avaliar os parâmetros
jurisdicionais dos tribunais do Brasil Meridional para o acesso gratuito à justiça.
A fim de tornar o presente estudo mais tangível e ilustrativo, faz-se necessário
trazer à lume dados concretos sobre como as instituições judiciárias vêm decidindo o
fenômeno de imponente complexidade referente ao acesso gratuito ao Poder
Judiciário por insuficiência de recursos. Para tanto, foram analisadas volume
importante de decisões judiciais, enunciados e conclusões oriundas do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
que tem jurisdição nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Quanto ao corte temporal da pesquisa jurisprudencial, utilizou-se a vigência da Lei n.
13.105/2015, que estabelece o novo Código de Processo Civil. Assim, foram
analisadas decisões proferidas a partir de março de 2016, quando entrou em vigor o
novo Código de regramento ao acesso gratuito à justiça por insuficiência de recursos.
Em substância, junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a
corrente jurisprudencial majoritária estabelece um teto de cinco salários mínimos para
que a parte possa estar em Juízo isento de ônus, ou seja, para que seja concedido o
benefício da gratuidade da justiça. Por meio do enunciado n. 49, do Centro de Estudos
da Corte de Justiça do Rio Grande do Sul, restou definido que “o benefício da
gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores perquirições, aos que tiverem
renda mensal bruta comprovada de até (5) cinco salários mínimos nacionais”. (RIO
GRANDE DO SUL, 2021). A justificativa do enunciado restou assim exposta:
33
Trata-se de releitura do Enunciado nº 02 da COORDENADORIA CÍVEL DOS
JUÍZES DE PORTO ALEGRE, cuja redação original (que remonta o ano de
2002), foi modificada em 14.11.2011, passando a ter a dicção: “O benefício
da gratuidade judiciária pode ser concedido, sem maiores perquirições, aos
que tiverem renda mensal de até (5) cinco salários mínimos.” A ideia central
assenta-se em preservar, dentro de uma abordagem dialética, o critério já
consolidado (aferição da renda em salários-mínimos), mas com uma maior
densificação do conteúdo do conceito jurídico indeterminado “renda mensal”,
que passaria a ser “renda mensal bruta”.
O espectro de incidência do Enunciado original (redação de 14/11/2011)
atinge potenciais beneficiários com renda mensal (líquida ou bruta) de até R$
4.400,00, considerando-se o valor do salário-mínimo nacional hodierno.
Adotada a proposta de Enunciado supra, a abrangência da concessão sem
maiores perquirições assumiria teto de R$ 3.231,48 líquidos, o que equivale
a 3,44 salários-mínimos, o que parece, s.m.j., mais equânime aos parâmetros
da justiça distributiva, assegurando a concessão do beneplácito àqueles que
realmente dele necessitem.
Outrossim, a proposta de Enunciado dialoga com a corrente jurisprudencial
majoritária — hoje recepcionada pelo artigo 99, §§ 2º e 3º do CPC – quanto
à natureza jurídica da declaração de insuficiência de recursos (presunção
relativa), que admite controle jurisdicional ex officio, devendo a renda
informada ser comprovada documentalmente pelo interessado. (RIO
GRANDE DO SUL, 2021).
Em linha semelhante, na busca pela parametrização do acesso gratuito à
prestação jurisdicional, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região recentemente
uniformizou o critério para concessão de assistência judiciária gratuita na 4ª Região.
Por meio de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), instituto
previsto no novo Código de Processo Civil, a Corte Especial do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região definiu que “faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo
rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS), sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de
veracidade da declaração de insuficiência de recursos”. (TRF4, 2022).
O IRDR n. 5036075-37.2019.4.04.0000/PR, suscitado pelo Juízo substituto da
8ª Vara Federal de Curitiba, foi julgado na data de 30 de setembro de 2021 e teve seu
Acórdão oficialmente publicado em 07 de janeiro de 2022, fixando a seguinte tese:
A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas
cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor do maior benefício do
Regime Geral de Previdência Social, sendo prescindível, nessa hipótese,
qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para bancar as
despesas do processo, salvo se aos autos aportarem elementos que
coloquem em dúvida a alegação de necessidade em face, por exemplo, de
nível de vida aparentemente superior, patrimônio elevado ou condição
familiar facilitada pela concorrência de rendas de terceiros. Acima desse
patamar de rendimentos, a insuficiência não se presume, a concessão deve
ser excepcional e dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se
apenas em face de circunstâncias muito pontuais relacionadas a especiais
impedimentos financeiros permanentes do requerente, que não indiquem
34
incapacidade eletiva para as despesas processuais, devendo o magistrado
dar preferência, ainda assim, ao parcelamento ou à concessão parcial apenas
para determinado ato ou mediante redução percentual, nos termos do
relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado. (TRF4, 2022).
A partir da leitura do IRDR em análise, constatou-se que houve voto divergente
ainda mais restritivo ao acesso gratuito à Justiça Federal. O desembargador João
Pedro Gebran Neto, embora vencido, defendeu em seu voto a aplicação das faixas
da tabela progressiva do imposto de renda para fins de aferição da hipossuficiência
de recursos, propondo a seguinte tese:
A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas
cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor de isenção constante na
tabela do imposto de renda, escalonando-se a concessão de modo que (a)
faixa 1 do IR - gratuidade total de justiça; (b) faixa 2 do IR - 75% (setenta e
cinco por cento) de isenção; (c) faixa 3 do IR - 50% (cinquenta por cento) de
isenção; (d) faixa 4 do IR - 25% (vinte e cinco por cento) de isenção; (e) faixa
5 do IR - indeferimento de gratuidade da justiça, sendo prescindível, nessa
hipótese, qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para
bancar as despesas do processo, ressalvada a possibilidade de elementos
outros colocarem em dúvida a alegação de necessidade. Acima do patamar
máximo constante na última faixa da tabela progressiva do imposto de renda,
a insuficiência não se presume, cuja concessão deve ser excepcional e
dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se apenas em face de
circunstâncias que demonstrem a incapacidade efetiva para as despesas
processuais, sem olvidar a possibilidade [sic] de parcelamento ou à
concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução
percentual. (TRF4, 2022).
É de se notar, a partir da leitura do IRDR n. 5036075-37.2019.4.04.0000/PR,
especialmente do voto divergente que restou vencido, que os órgãos jurisdicionais
brasileiros são insensíveis diante da realidade socioeconômica brasileira, na medida
em que buscam estabelecer barreiras severas ao acesso gratuito ao Poder Judiciário.
A mera proposta de se utilizar a defasada e combatida tabela progressiva do imposto
de renda, por si só, já demonstra o grau de abstração e de apatia que o Poder
Judiciário mantém diante da trágica realidade social brasileira. Assim, os novos
direitos sociais e econômicos conquistados e postos na Constituição Cidadã, amiúde,
transformam-se em abstrações jurídicas sem qualquer conteúdo prático. Com efeito,
os parâmetros para concessão de acesso gratuito à justiça estão sobre bases
econômicas, por demais, abstratas.
Conforme pondera Jessé Souza (2018, p. 266): “a mera inclusão no mercado,
nos benefícios do Estado e a entrada com voz autônoma na esfera pública tornam os
35
setores antes marginais em incluídos privilegiados”. Em outras palavras, a partir de
julgamentos proferidos pelos próprios Tribunais, o Judiciário brasileiro estabelece
critérios que julga adequados para barrar a concessão da gratuidade de justiça aos
indivíduos, em contraposição à realidade concreta de cada pessoa em seu nicho de
classe, raça e gênero. O sujeito é sempre social. Existe no interior de um corpo social
carregado de relações de poder, de afeto e de compromissos econômico-familiares.
Objetivamente, esquecem que os direitos fundamentais, como é o caso de acesso à
justiça, são resultado de lutas políticas no interior da sociedade brasileira, que nunca
cessam seus combates e que há uma realidade social no qual cada indivíduo vivencia
sua vida concreta. Portanto, a luta pelos direitos sociais e econômicos não cessa com
a mera escritura da lei, pois o litígio desdobra-se nos tribunais. Nesse sentido, são
oportunas as palavras de Rubens Casara:
Não se pode esquecer que os direitos fundamentais, entendidos como os
direitos de todos, não são dados da natureza (como defendem alguns
metafísicos), mas uma construção a partir de lutas políticas. Por essa razão,
por sua natureza provisória e dependente da democracia, os direitos
fundamentais estão sempre ameaçados. A cada vez que um direito
fundamental é violado ou relativizado, caminha-se um passo ao rumo do
autoritarismo. O autoritarismo que se percebe no Estado Pós-Democrático é
incompatível com o modelo do Estado Democrático de Direito. Com o
desaparecimento dos limites ao exercício do poder, diante da relativização
dos direitos fundamentais em nome da racionalidade neoliberal, não se está
mais no marco do Estado Democrático de Direito. (CASARA, 2020, p. 65).
No interior de sistema capitalista no qual a posse do capital é quem dá o tom
das relações sociais, não há qualquer possibilidade de cidadania sem acesso às
portas do Direito moderno, significa dizer que inexiste cidadania descolada do pleno
acesso às instituições de justiça pelos indivíduos vazios de capital, que de alguma
forma veem seu direito lesado. Assim, partir de uma realidade imaginada por uma
determinada casta da sociedade – julgadores e Tribunais – que vivem equidistantes
da realidade periférica brasileira, muitos indivíduos veem barrado seu direito ao
acesso gratuito à justiça, pois, como será pormenorizado adiante, as decisões judiciais
que negam o benefício da gratuidade da justiça, não consideram a realidade familiar
do jurisdicionado, ou seja, abstraem de suas decisões o contexto familiar e o número
de dependentes que formam o núcleo familiar do indivíduo que busca pela proteção
judicial. Consoante Boaventura de Sousa Santos:
36
Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração
da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem
e que essa distância tem como causas próximas não apenas fator
econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros
possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as
desigualdades econômicas. (SANTOS, 2013, p. 208).
Afinal, quanto menor é a posição do indivíduo na estrutura de estratificação
socioeconômica da sociedade moderna maior é a probabilidade de desconhecer seus
próprios direitos e de possuir baixo capital cultural de informação quanto ao
funcionamento da administração judiciária. Dessa forma, quando o corte
socioeconômico do judiciário impõe-se sobre bases abstratas, não excluem da justiça
gratuita,
objetivamente,
os
indivíduos
de
renda
autossuficiente,
mas
substancialmente, aqueles que estão a poucos centímetros da iminência de alcançar
a plena cidadania, à medida que o corte em salário mínimo nominal, ou melhor, de
valor abstrato e o tratamento do indivíduo como mônada econômico, isolado da
realidade socialmente vivida, empurra os indivíduos para a massa da subcidadania
nacional.
Outrossim, no que pertine ao valor das custas processuais no Brasil,
Boaventura de Sousa Santos adverte para o perfil especial que vivenciamos, uma vez
que “no âmbito da justiça estadual, não só as custas variam muito de estado para
estado, como não parece haver um critério racional que justifique essa disparidade”,
dessa forma, “não é possível estabelecer comparação dos custos do acesso ao
judiciário porque não existe padronização nos critérios de fixação das custas nos
diferentes estados” (SANTOS, 2011, p. 55).
Conforme observa a pesquisadora Karinne Emanoela Goettems dos Santos
(2015, p. 658): “o paradigma racionalista não foi rompido, na medida em que
remanesce a mecanização da prestação jurisdicional a partir de procedimentos que
ignoram a análise da causa”, e pondera que “é notória a dificuldade da cultura jurídica
brasileira quanto ao enfrentamento do caso concreto, assim como fica evidente a sua
preferência pela abstração”. (SANTOS, p. 667).
Nesse ponto, conforme os autores André Kabke Bainy, Lucas Gonçalves
Conceição e Valdenir Cardoso Aragão (2014), a definição de critérios objetivos para
a concessão do benefício da justiça gratuita, pelos próprios tribunais e magistrados,
estaria “arraigada na exatidão do pensamento cartesiano, que não admite outras
37
respostas e consequências senão aquelas prévia e historicamente estabelecidas”.
(BAINY; CONCEIÇÃO; ARAGÃO, 2014, p. 49).
Do ponto de vista das Ciências Sociais, quando se pensa no que é o Direito,
costuma-se percebê-lo como algo separado da sociedade e intimamente ligado ao
Estado. Para referendar a questão cito Priscila Coutinho:
Pensamos em papeis, processos, ritos, togas e burocracia, todos esses
elementos traduzindo a autonomia da forma jurídica em relação ao mundo
social. [...] Entendendo o Direito dessa forma, seus problemas são reduzidos
a questões particulares aos seus mecanismos de regulação, tais como leis
pouco rigorosas ou atrasadas, processo lento, ineficaz e suscetível à
impunidade, e burocracia pouco modernizada.
Essa é uma percepção reducionista porque não é capaz de tocar nos
problemas estruturantes da Justiça do país. O Direito sem dúvida possui
questões especificamente operacionais a serem resolvidas, mas os desafios
fundamentais não estão ligados a isso. Ao contrário, eles vão além porque
são próprios do tipo de sociedade que essa Justiça regula. (COUTINHO,
2020, p. 357-358).
Todavia a questão do acesso à justiça e os entraves que se desenham e
ganham força nas entranhas das instituições jurisdicionais brasileiras, têm seu cerne
para muito além de questões meramente pragmáticas ou racionalistas. Há uma cultura
ideológica neoliberal que produz e reproduz o direito no país e que se apoia na longa
duração das desigualdades raciais e sociais do Brasil. Sem dúvida, a naturalização
da desigualdade fortalece e sedimenta no judiciário a ética neoliberal totalmente
insensível à realidade que faz da subcidadania uma condição dominante.
3.2 DA INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS NAS DECISÕES DOMINANTES DOS
TRIBUNAIS DO BRASIL MERIDIONAL
Antes de mera quantificação, a insuficiência de recursos comporta um conceito.
O sujeito insuficiente de recursos econômicos é um sujeito sujeitado por uma lógica
econômica que excluí, ordinariamente, os corpos da cidadania. Portanto, há uma
margem que aparta o corpo insuficiente de recursos econômicos dos demais corpos
suficientes de recursos econômicos. Paradoxalmente, diante de uma administração
judiciária que se identifica como cara, o valor no qual o judiciário lança as bases para
inclusão/exclusão de acesso gratuito à justiça é completamente abstrato. Além de,
objetivamente, transferir, abusivamente, o alto custo do valor da justiça àqueles que
estão, de fato, necessitando da gratuidade para adentrarem nas prerrogativas da
38
cidadania plena, visto que a massa dos excluídos, trabalhadores de situação precária,
sequer têm capital cultural para dirimir seus litígios por meio do judiciário. Em
realidade, os parâmetros do judiciário são antes política de exclusão do máximo
possível de brasileiros da cidadania do que justa inclusão à administração do judiciário
das massas marginalizadas do país.
O novo Código de Processo Civil, promulgado em 16 de março de 2015, trouxe
em seu bojo robusta carga de constitucionalização e, conectado com os ditames
constitucionais, renovou em seu art. 3º o direito fundamental de acesso à justiça
assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição, ao dispor que “a lei não excluirá da
apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”. No que pertine ao acesso gratuito
ao Poder Judiciário, estabeleceu em seu art. 98 como condição para acesso gratuito
à tutela jurisdicional, que a parte postulante não disponha de recursos suficientes para
custear os ônus do processo. Entretanto, apesar do notável avanço e carga
constitucional que percorre o novo Diploma Processualista, há, por parte das
instituições de justiça, certo grau de abnegação e, em muitos casos, de negação ao
acesso gratuito ao sistema de justiça.
Como já sinalado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul firmou tese no
sentido de que somente fará jus ao benefício da gratuidade da justiça a parte que
comprovar renda mensal bruta inferior ao patamar de cinco salários mínimos, nos
termos do enunciado n. 49, do Centro de Estudos da Corte de Justiça. Referida
parametrização, entretanto, encontra graves problemas e causa severa injustiça a
grande parcela dos jurisdicionados.
Exemplo disso pode ser extraído a partir do caso julgado no Agravo de
Instrumento n. 5012595-67.2022.8.21.7000, datado de 14/07/2022. No caso em
exame, o autor ajuizou ação de exoneração de alimentos em face da ex-esposa, tendo
sido indeferido o pedido de gratuidade da justiça pelo Juízo de primeiro grau. Em sede
de recurso junto ao Tribunal de Justiça, o agravante comprovou ter renda bruta mensal
no valor de R$ 10.333,55, e renda líquida inferior a cinco salários mínimos, haja vista
a existência de descontos em folha relativos a empréstimos consignados, imposto de
renda, previdência e plano de saúde. Não bastassem todos os descontos incidentes
sobre sua renda bruta, o postulante também comprovou a existência de elevados
gastos mensais despendidos com seu filho diagnosticado com autismo, juntando
laudo médico que comprova o estado de saúde do filho e dependente.
39
Entretanto, em completo deslocamento da realidade familiar do postulante, a
Corte de Justiça negou provimento a seu recurso e manteve o indeferimento do
benefício da gratuidade sob o argumento de que a renda bruta do postulante
ultrapassa o parâmetro de cinco salários mínimos nacionais. O caso é apenas um,
dentre centenas de decisões nestes exatos moldes. Completamente insensíveis ao
contexto familiar dos jurisdicionados, juízes e Tribunais julgam a seu bel prazer,
omitindo-se em fazer qualquer análise mais sensata e razoável acerca da realidade
familiar de cada caso concreto.
Ora, no exemplo em tela, ainda que o autor não tivesse comprovado todas as
despesas compulsórias e extraordinárias que possui, a mera existência de um filho
menor e sem renda própria já seria suficiente para dividir seus rendimentos por dois,
a fim de chegar-se à renda familiar per capita, visto que a remuneração bruta do
agravante não se destina apenas a si, mas por evidente é revertida em favor de todos
os integrantes de seu grupo familiar. Ocorre que este caso é ainda mais preocupante
e estarrecedor na medida em que o autor agravante logrou comprovar, por meio de
laudo médico, que possui um filho diagnosticado com autismo, circunstância que
evidentemente lhe gera gastos extraordinários. Todavia, os fatos concretos foram
incapazes de trazer à razão instituições e julgadores alienados da realidade familiar e
social que permeia cada caso sob julgamento. Efetivamente, para que os tribunais
incorporem a lógica da cidadania inscrita no texto constitucional é necessária uma
mudança fundamental no próprio conceito de justiça. As palavras de Cappelletti &
Garth são seminais:
No contexto de nossas cortes e procedimentos formais, a “justiça” tem
significado essencialmente a aplicação das regras corretas de direito aos
fatos verdadeiros do caso. Essa concepção de justiça era o padrão pelo qual
os processos eram avaliados. A nova atitude em relação à justiça reflete o
que o Professor Adolf Homburger chamou de “uma mudança radical na
hierarquia de valores servida pelo processo civil”. A preocupação
fundamental, cada vez mais, com a “justiça social”, isto é, com a busca de
procedimentos que sejam conducentes à proteção dos direitos das pessoas
comuns. Embora as implicações dessa mudança sejam dramáticas — por
exemplo, com relação ao papel de quem julga — é bom enfatizar, desde logo,
que os valores centrais do processo judiciário mais tradicional devem ser
tidos, o “acesso à justiça” precisa englobar ambas as formas de processo.
(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 93).
Em um segundo exemplo acerca da tentativa de impor barreiras ao acesso
gratuito à Justiça, tem-se o caso deduzido no Agravo de Instrumento n. 5132617-
40
57.2022.8.21.7000, julgado pela 6ª Câmara Cível em 13/07/2022, no qual a parte
agravante teve indeferido o benefício da gratuidade pelo Juízo singular, na fase de
cumprimento de sentença, sob argumento de que na ação indenizatória que a parte
ajuizara, seria liberado em seu favor alvará no valor superior a 60 mil reais, fato que,
na convicção do julgador a quo, inviabilizaria eventual alegação de hipossuficiência.
Ocorre que a parte postulante era empregada de um supermercado, na função de
supervisora de operação de caixa, cuja renda mensal era inferior ao patamar de cinco
salários mínimos. No caso em tela houve reforma da equivocada decisão de primeiro
grau, mediante o argumento de que a postulante “apresentou documentos que
comprovam a necessidade para concessão da AJG, não sendo justificativa suficiente
o fato de que será agraciada de alvará judicial para o indeferimento do benefício”.
No
referido
julgamento,
citando
Teresa
Arruda
Alvim
Wambier,
o
Desembargador Relator Niwton Carpes da Silva, menciona que a gratuidade da justiça
é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça, razão pela qual não se
pode exigir que, para ter acesso à justiça, o indivíduo tenha que comprometer
significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os
para angariar recursos e custear o processo. Por fim, ao reformar a decisão de
primeiro grau, o Relator salienta que o raciocínio do julgador a quo foi inverso do
desejado e previsto na lei, onde a presunção é a necessidade do benefício.
Em linhas gerais, a partir da leitura de decisões proferidas pela Sexta Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, todas de relatoria do
Desembargador Niwton Carpes da Silva, constata-se que esta é a única Câmara
recursal Cível que demonstra disposição para enfrentar individualmente os casos em
análise, inclusive considerando a renda líquida da parte postulante, ao invés da renda
bruta, comumente utilizada pelas demais Câmaras. Como exemplo da utilização do
conceito de renda líquida, vem o decidido no julgamento do Agravo de Instrumento n.
5116893-13.2022.8.21.7000, datado de 28/06/2022, que, a partir da análise dos
documentos juntados pela agravante, verificou que esta auferia como renda líquida
importância inferior a 05 salários mínimos, de forma que se enquadraria nas hipóteses
de concessão do benefício, pois evidente que teria dificuldades de pagar as custas
caso mantida a revogação. Com efeito, a análise do acesso à justiça a partir da renda
do litigante é procedimento que exige acuidade da administração judiciária com a
presença de uma equipe multidisciplinar com experiência em desigualdade social,
pois condição de insuficiência compõe uma realidade universal na modernidade
41
capitalista, sobretudo, nos países periféricos como o Brasil. Nesse sentido, convém
citar Boaventura de Sousa Santos:
As populações mais pobres, por sua vez, veem amplificadas as
consequências das desigualdades nos índices de desenvolvimento. Os
países com menor desenvolvimento humano tendem a ter maior
desigualdade e, por conseguinte, maiores perdas no desenvolvimento
humano. A frequência da mortalidade infantil é maior nas famílias pobres em
todas as regiões do mundo. Variáveis como a etnia, a localização, o gênero,
entre outras, são, por seu turno, decisivas para o maior ou o menor acesso a
oportunidades de desenvolvimento. As famílias rurais e as famílias com baixa
escolaridade apresentam sistematicamente tendências negativas de
desenvolvimento no que toca não só à educação, mas também à esperança
de vida e aos níveis de rendimento. (SANTOS, 2011, p. 17).
Em suma, a existência de sistema de acesso à justiça, diante do quadro de
fluxo das decisões judiciais avaliadas, deve servir os indivíduos a partir do amparo
dos direitos sociais e econômicos preconizados pela carta constitucional soprada
pelos ventos da redemocratização do país. A Constituição Cidadã deve, por meio do
judiciário, trabalhar ordinariamente a premissa maior da cidadania que cobre da
cabeça aos pés o texto constitucional. Assim, urge acesso gratuito e/ou de baixo custo
aos requerentes a partir de critérios de avaliação de renda condizente com a realidade
socioeconômica vivenciada, também, deve ser uma justiça rápida e inclusiva à cultura
popular e, fundamentalmente, uma administração judiciária que tenha sensibilidade
nas decisões a fim de julgar com justiça social. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9394).
42
4 O ACESSO À JUSTIÇA SOB A PERSPECTIVA DO BEM COMUM
Quando nos referimos ao acesso à justiça é pertinente iniciar pelo seu contrário,
ou seja, a percepção de que há estrondosa injustiça ao acesso aos tribunais,
sobretudo, nos países da periferia do capitalismo globalizante. No interior dos
sistemas sociais, para a percepção da injustiça é necessária uma acuidade de
sentidos maior, exatamente porque sobre ela há um imenso véu ideológico que
naturaliza o olhar frente à obscenidade da desigualdade. Nessa perspectiva, é que
orientamos nosso foco de pesquisa para tornar a realidade da exclusão menos opaca
com o objetivo de problematizar o acesso à justiça sob a cartografia do bem comum.
O conceito de bem comum, segui aqui de início, a construção filosófica de Michael
Sandel que enfatiza, de margem oposta à linguagem econômica neoliberal, que a
ideia de bem comum não é simplesmente uma soma de preferências e interesses da
multidão de consumidores, visto que remete ao ideal de elevar e melhorar as
condições de vida de todos no interior da sociedade. Para uma vida digna e próspera
é necessário deliberar democraticamente os meios para construir, ordinariamente,
uma sociedade justa e de virtudes cívicas. (SANDEL, 2021, p. 296). Contudo, as
últimas quatro décadas de neoliberalismo e a intensa globalização do mercado
resultaram em esbatimento dos laços de fraternidade e solidariedade e,
objetivamente, na explosão das desigualdades de toda ordem.
A premissa ideológica de percepção da democracia como multidão de
consumidores resulta da adesão ao mundo em que a sentença “não olhe para cima”
domina o imaginário social e corrobora a existência de modo de vida isolados de ethos
hiperindividualista. Trata-se de visão social utilitarista que impede a sociedade de
imaginar um futuro melhor para todos, que há um universo de novos mundos quando
olhamos para a infinitude do céu. Como afirma Michael Sandel (2021, p. 325): “a
democracia não pode ser indiferente ao caráter da vida em comum”. Com efeito, a
democracia exige um espaço cívico para o encontro das diferenças sociais e
identitárias. E é por meio do encontro comunitário que fomentamos sensibilidade para
a bem-estar comum. Em substância, pensar o acesso à justiça sob a perspectiva do
bem comum é, antes de tudo, deslocar o eixo da percepção cidadã da abstração
econômica para a realidade política que incluí/excluí indivíduos dos tribunais por meio
de lógica cartesiana e ideologia neoliberal.
43
Trata-se de elaboração de proposições no território de uma nova política
judiciária, aqui sigo as veredas de Boaventura de Sousa Santos, que imagina uma
nova administração da justiça como resultado de democratização do direito e da
própria sociedade. O acesso à justiça sob a perspectiva do bem comum é a facticidade
da realidade neoliberal, que atomiza os indivíduos em valores egoístas, subtraindo os
valores fundamentais para o estabelecimento do acesso aos tribunais para todos. Em
síntese, o esforço político exige a democratização da administração da justiça como
dimensão fundamental da democratização da vida social, econômica e política, o que
corresponde, efetivamente, participação ativa dos cidadãos na própria administração
da justiça, por meio individual e/ou coletivo. Também, é preciso criar um Serviço
Nacional de Justiça, com a efetiva participação da sociedade civil organizada, que
deve eliminar todos os obstáculos socioeconômicos de acesso à justiça. (SANTOS,
2013, p. 218). As instituições têm papel importante no mundo moderno, de forma que
o estabelecimento de política de acesso universal ao judiciário passa, objetivamente,
pela democratização do Estado a fim de assegurar os direitos sociais e econômicos
por meio do peso da ordem democrática. Para Amartya Sen (2011, p. 408): “A
liberdade democrática pode certamente ser usada para promover a justiça social e
favorecer uma política melhor e mais justa. O processo, entretanto, não é automático
e exige um ativismo por parte dos cidadãos politicamente engajados”. Afinal, a
pressão popular sobre as instituições burocráticas nas democracias são fundamentais
para a democratização da sociedade como um todo.
4.1 ESCAVANDO O BEM COMUM NA SUPERFÍCIE NEOLIBERAL
A potência de que a lei é igual para todos, a igualdade de todos diante da lei
impõe-se no conjunto da ordem política liberal desde as revoluções burguesas dos
séculos XVII e XVIII. As repúblicas modernas nasceram sobre a égide da igualdade
universal perante a lei. A lei funciona como uma estrutura transcendental. Nessa
república de igualdade jurídica a percepção socioeconômica também está amarrada
na igualdade de posse de propriedade privada. Enfim, todos são iguais perante a lei
e todos são iguais pela configuração de posse de propriedade. A propriedade atua
como ideia reguladora do Estado constitucional. Trata-se de uma república de iguais
e proprietários. A ideia de igualdade e propriedade é a forma constitutiva da ordem
moral moderna. (HARDT; NEGRI, 2016, p.21). As instituições da modernidade são
44
representativas do paradigma que carrega no seu interior antes promessas de
emancipação social do que efetiva república de iguais, pois sabemos que no mundo
moderno a desigualdade e a injustiça é o que compõe, grosso modo, a paisagem da
vida social.
A república da propriedade surgiu como conceito dominante no contexto das
revoluções liberais. O rumo tomado pelas três revoluções burguesas – a inglesa, a
americana e a francesa – sublinha a consolidação da república dos proprietários. Com
efeito, o estabelecimento da ordem constitucional e do Estado de direito baseado na
propriedade serviu para bloquear, no interior do processo revolucionário, movimentos
sociais e políticos sustentado no conceito de bem comum. Isto é, a multidão de pobres
foi derrotada pelos cidadãos de posse, que conseguiram afirmar a república da
propriedade. (HARDT; NEGRI, 2016, p. 24). É o que explica o sucesso do Estado
moderno para com as garantias de direito à propriedade privada e o total
emperramento no cumprimento dos direitos humanos e do meio ambiente. De fato,
nossa república é antes de tudo de proprietários. A estrutura soberana do Estado atua
diuturnamente para assegurar a propriedade como direito inalienável. Nesse sentido,
convém aqui citar Michael Hardt e Antonio Negri:
O poder constituinte não é tirado do direito público constituído, mas
bloqueado (e expulso das práticas da cidadania) pelas relações de força
sobre as quais se baseia a Constituição, sobretudo o direito de propriedade.
Por trás de cada constituição formal, explicam os teóricos jurídicos, encontrase uma constituição “material”, sendo constituição material entendida como
as relações de força que alicerçam, em determinada estrutura, a constituição
escrita e definem as orientações e limites que devem ser observados pela
legislação, a interpretação jurídica e as decisões executivas. (...) “A
Constituição” escreve Charles Beard em sua clássica análise: “foi
essencialmente um documento econômico baseado no conceito de que os
direitos privados fundamentais de propriedade são anteriores ao governo e
estão moralmente além do alcance das maiorias populares”. (HARDT;
NEGRI, 2016, p. 24-25).
Desse modo, é perceptível que as constituições modernas, centradas no direito
de propriedade, carregam forte obstáculo para o desenvolvimento prático do poder
emancipatório do qual a multidão aguarda a realização já na longa duração. Em
essência, as revoluções liberais burguesas transformaram o Homo politicus em Homo
proprietarius. O ponto nevrálgico que aparta a multidão do acesso à justiça na
perspectiva do bem comum está na república da propriedade, ou seja, quando a
política comunitária passa para segunda ordem em nome do poder econômico. O que
45
persiste, senão a desigualdade? As palavras de Michael Hardt e Antonio Negri (2016,
p. 26) são esclarecedoras: “a igualdade torna-se cada vez mais formal, cada vez mais
definida como uma estrutura legal que protege a riqueza e reforça o poder apropriativo
(...)”. Sobretudo hoje, na república neoliberal que impõe a política da privatização total
da vida social a fim de manter a tal saúde econômica, que na prática significa socializar
danos e privatizar ganhos. Tem-se demonstrado impossível uma administração
judiciária na modernidade, inclinadamente, voltada à justiça social. É por isso que o
problema de acesso universal à justiça ainda compõe uma das muitas promessas da
modernidade que aguarda sua realização.
Há um modo de produção do bem comum, que emerge da multidão, ou melhor,
do espírito comunitário. Os laços dos quais ergue-se a economia capitalista são das
forças vivas dos indivíduos produzindo em comum. De fato, o trabalho,
independentemente, do reino da hiperindividualidade é comum e de forte campo de
solidariedade. No entanto, a acumulação da riqueza é, fundamentalmente no
neoliberalismo, concentrada individualmente entre os senhores do capital. A república
da propriedade é uma república dos proprietários do capital. Portanto, se a produção
das mercadorias é comum, porque não há outra forma de existir no mundo social, qual
é a razão para que a totalidade da vida social também não o seja? Em outras palavras,
é necessário estender o bem comum do espaço de produção social ao governo da
sociedade, ou melhor, trazer a política comunitária – bem comum – para o interior das
instituições modernas, sobretudo adentrar às portas do judiciário, última fortaleza de
expectativa de cumprimento das promessas modernas de emancipação e cidadania.
Para tornar enfatizar a importância do comum como bem social convém citar Michael
Hardt e Antonio Negri:
Isto talvez possa ser mais facilmente entendido em termos do exemplo da
comunicação como produção: só podemos nos comunicar com base em
linguagens, símbolos, ideias e relações que compartilhamos, e por sua vez
os resultados de nossa comunicação constituem novas imagens, símbolos,
ideias e relações comuns. Hoje essa relação dual entre a produção e o
comum – o comum é produzido e também é produtivo – é a chave para
entender toda atividade social e econômica. (HARDT; NEGRI, 2014, p. 256257).
Paradoxalmente, vivemos uma vida em comum enquanto forças vivas,
malgrado estamos distantes do bem comum, de uma sociedade livre e democrática,
pois a riqueza produzida socialmente concentra-se nas mãos de poucos. A tradição
46
moderna está alicerçada na esperança de um novo mundo, sustentado pela liberdade
e igualdade universal, mas a realidade, hoje neoliberal, tem sido de crescente
aumento da desigualdade que põe em risco a democracia política. Nas primeiras
palavras da Declaração da Independência americana de 1776 já encontramos o direito
igual de todos à busca da felicidade, o que pressupõe a promessa de uma sociedade
de indivíduos autossuficientes. O homem feliz na modernidade, utilizando da
imaginação política, deve ter acesso à justiça. No contexto revolucionário francês de
1789, o artigo primeiro da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão anuncia:
“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” e traz logo em seguida
a seguinte explicação: “As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade
comum.” Ou seja, além da igualdade absoluta é possível encontrar a distinção social
fundamentada na utilidade comum. É o que configura a tensão que há por trás das
abordagens acerca dos direitos universais. (PIKETTY, 2014, p. 467). Em suma, se há
o direito universal de busca da felicidade, as distinções sociais não podem produzir
qualquer desigualdade que provoque infelicidade aos indivíduos. Assim, a lógica que
consta nas promessas modernas está alicerçada no avanço de direitos, poderíamos
aqui incluir o de acesso universal à justiça? Thomas Piketty nos auxilia na resposta:
A segunda frase do primeiro artigo da Declaração dos Direitos de 1789 tem o
mérito de fornecer uma resposta possível a essa pergunta, pois reverte de
alguma maneira o ônus da prova: a igualdade é a norma, a desigualdade é
apenas aceitável se for fundamentada sobre a “utilidade comum”. Falta ainda
definir esse termo. Os redatores da época visavam, antes de tudo, a abolir as
ordens e os privilégios do Antigo Regime, que apareciam como o exemplo
máximo da desigualdade arbitrária, ou seja, sem contribuição para a “utilidade
comum”. Contudo, podemos escolher aplicá-lo de maneira mais ampla. Uma
interpretação razoável é que as desigualdades sociais só são aceitáveis se
forem do interesse de todos e, especialmente, se forem do interesse dos
grupos sociais menos privilegiados. É necessário então estender os direitos
fundamentais e as vantagens materiais ao máximo de pessoas possível,
sobretudo se for do interesse daqueles que têm menos direitos e que
enfrentam oportunidades de vida mais restritas. (PIKETTY, 2014, p. 467).
Em substância, o direito moderno é o terreno privilegiado para identificar e
estabelecer o controle sobre o comum. O sentido do bem comum nasce de produção
comunitária, há nessa produção ruptura, seminal, com o hiperindividualismo que
transforma os indivíduos em mônada econômica. Visto que o comum tende a deslocar
as divisões tradicionais entre indivíduo e sociedade, entre subjetivo e objetivo e,
também, as divisões entre privado e público. Contudo, é pertinente subtrair do
conceito de bem comum qualquer quebra de direitos de singularidade. (HARDT;
47
NEGRI, 2014, p. 263). O comum não pode abrir espaço para o autoritarismo de
governos ou da opinião pública conservadora contra as liberdades individuais, isto é,
direito das minorias de existência na liberdade e igualdade. O bem comum em tempos
neoliberais corresponde à ampliação da democracia e a multidão deve resistir ao
avanço da privatização do público em benefício da acumulação abstrata de capital. A
privatização do público – como parte das políticas neoliberais – além da transferência
das empresas estatais para o mando privado, desdobra para a sociedade a
precarização de serviços e do trabalho.
O bem comum é uma construção que somente encontra êxito no território da
democracia. O direito avançou e avança na modernidade nos momentos de ampla
participação política. A justiça demanda do debate público, da ajuda da argumentação
pública que estabelece uma íntima conexão com a democracia. A compreensão
conceitual da democracia é frequentemente posta no estreito campo de práticas de
liberdade de associação política e ao sufrágio universal, todavia é o direito e a
administração judiciária que viabilizam a vida democrática. (SEN, 2011, p. 380-381).
Em breve aforismo: sem um judiciário de garantias de Estado de direito não há
território para a realização do conceito de democracia participativa. Para Michael
Hardt e Antonio Negri (2018, p. 8):” uma democracia da multidão só é imaginável e
possível porque todos compartilhamos do comum e dele participamos”. Ou seja, o
campo político democrático é o de compartilhamento, de espírito comunitário e é
nessas condições que podemos produzir o debate público.
O comum é a dádiva da natureza que compartilhamos como necessidade vital,
o que na tradição política era considerado a herança da humanidade que deve ser
compartilhada em comum a fim de garantir a existência humana. Também é comum,
o que a sociedade produz para a existência da comunidade, ou melhor, a produção
social, as forças vivas que cobrem a terra de riqueza. É comum o conhecimento, as
imagens, os códigos, a informação, os afetos e outros frutos do trabalho social
(HARDT; NEGRI, 2018, p. 8). Sem interação social não há possibilidade de produção,
pois trabalho é interação. Malgrado, a era neoliberal, com seus aparelhos ideológicos,
lança um enorme véu sobre a realização do comum, o que dificulta a percepção da
importância da interação social para a produção social. Ademais impõe a privatização
do comum e do público como panaceia para os males produzidos pelo próprio capital
globalizado. Consoante Michael Hardt e Antonio Negri:
48
As políticas neoliberais de governo em todo o mundo têm buscado nas
últimas décadas privatizar o comum, transformando os produtos culturais –
por exemplo, a informação, as ideias e até as espécies de animais e plantas
– em propriedade privada. Sustentamos, fazendo coro a muitos outros, que é
necessário resistir a essas privatizações. (HARDT; NEGRI, 2016, p. 8).
O ato de escavar o bem comum sob o manto da superfície neoliberal é
imperativo para abrir caminho à desconstrução do direito formal que resulta em
administração da justiça deslocada do conceito profundo de democracia como prática
de justiça. Essencialmente, a promessa moderna de democracia é a república dos
direitos sociais. O trabalho arqueológico é o de retirar camada por camada de terra
com o objetivo de encontrar a substância – o bem comum – que revela a vida social
que se encontrava soterrada. O discurso do bem comum é o que sustenta as
instituições
modernas.
As
instituições
arregimentam
narrativas
procurando
demonstrar que são emanadas pelo interesse público. Não obstante, vivemos
ordinariamente numa sociedade capitalista que se inclina à abstração da realidade
social que é comum. A abstração do real é essencial ao processo de reprodução do
capital, a transformação das forças vivas em trabalho morto torna opaca a substância
comum partilhada por todos na existência cotidiana. Logo, as instituições comportamse antes como aparelhos ideológicos do Estado do que agentes da realização dos
direitos sociais e econômicos da sociedade. O discurso do bem comum, do interesse
público produzido pelas instituições pairam no céu das esperanças modernas, ou seja,
não brotam na terra concreta da democracia popular.
4.2 ACESSO À JUSTIÇA COMO BEM COMUM
O acesso à justiça é um bem comum, pois a estrutura de administração da
justiça compõe parte do Estado moderno e configura-se como instância pública para
resolver litígios diversos. No entanto, a ideia de acesso à justiça como bem comum
não corresponde a argumento tautológico. Exatamente, porque a ideia do comum, do
comunitário, ou melhor, a ideia de democratização do judiciário ainda está distante da
realidade contemporânea. A questão do acesso à justiça como bem comum é posta
além da mera ocupação espacial do judiciário, visto que tem a ver com a capacitação
das partes em função das posições estruturais que ocupam e com o incremento da
acuidade do comum diante da obscena desigualdade que impõe à seres humanos a
condição de subcidadania. De fato, o acesso à justiça como bem comum faz uma
49
ligação entre a condição socioeconômica e a posição à necessidade de assegurar
direitos de cidadania ao litigante diante de grupos econômicos poderosos, ou seja,
julga contabilizando o bem comum, o interesse de todos, principalmente os que
demandam por cidadania.
Para Boaventura de Sousa Santos (2013, p. 222), as proposições de reformas
na administração da justiça, para serem significativas, devem procurar democratizar
a si própria. Isto é, a reforma da organização judiciária deve contribuir com a
democratização da justiça a partir de uma mudança que produza a democratização
interna do próprio judiciário. Além disso, é fundamental transformar a própria
subjetividade dos magistrados e funcionários da administração judiciária. Para tal é
pertinente uma nova geração de juízes e magistrados com conhecimentos
interdisciplinares na área das humanidades (saberes econômicos, sociológicos,
políticos e outros), a fim de conhecer profundamente a realidade social e a própria
administração da justiça. Cito aqui o autor:
É necessário aceitar os riscos de uma magistratura culturalmente esclarecida.
Por um lado, ela reivindicará o aumento de poderes decisórios, mas isso,
como se viu, vai no sentido de muitas propostas e não apresenta perigos de
maior se houver um adequado sistema de recursos. Por outro lado, ela
tenderá a subordinar a coesão corporativa à lealdade a ideais sociais e
políticos disponíveis na sociedade. Daqui resultará uma certa fratura
ideológica que pode ter repercussões organizativas. Tal não deve ser visto
como patológico, mas sim como fisiológico. Essas fraturas e os conflitos a
que elas derem lugar serão à verdadeira alavanca do processo de
democratização da justiça. (SANTOS, 2013, p. 222).
Ademais, para o acesso à justiça como bem comum é necessário reelaborar o
conceito de público e de privado. Convém superar a concepção dominante de
inclinação liberal que entende o privado como interesse individual possessivo por
propriedade, que congrega todas as posses individuais, tanto subjetivas como
materiais. E compreende o público como negatividade, de controle do Estado
ineficiente e que deve ser imediatamente privatizado. É imperativo imaginar uma nova
percepção dos conceitos de público e privado, uma concepção de privacidade que
expresse a singularidade das subjetividades sociais (descolada da ideia de
propriedade privada) e uma concepção do público sustentada pela ideia do comum
(diferente do Estatal). Trata-se de uma nova teoria jurídica, que assegure o avanço do
bem comum sobre as injustiças contemporâneas. De acordo com Michael Hardt e
Antonio Negri:
50
O exemplo que conhecemos de teoria jurídica contemporânea baseada na
singularidade e na partilha é a escola da “teoria dos pós-sistemas”, que
articula o sistema jurídico, em terminologia altamente técnica, como uma rede
auto-organizada, transparente e democrática de subsistemas plurais, cada
um dos quais organiza as normas de numerosos regimes privados (ou, na
realidade, singulares). Temos aqui uma concepção molecular do direito e da
produção de normas que é baseada, em nossos termos, numa interação
constante, livre e aberta entre singularidades, que através de sua
comunicação recíproca produz normas comuns. (HARDT; NEGRI, 2014, p.
265).
A noção de direitos de singularidade é expressão ética produzida pelo comum,
e é a comunicação social que resulta no comum. Trata-se de uma noção do direito
baseada no comum, ou seja, uma concepção comunitária de direitos, que é voltado à
comunidade. O conceito de comunidade difere da tradição, visto que não representa
uma unidade moral, baseia-se na comunicação entre singularidades e se manifesta a
partir de processos sociais colaborativos da produção. Diferentemente do
hiperindividualismo contemporâneo, que dissolve o individual na massa de
proprietários e consumidores, as singularidades não estão tolhidas de liberdade, estão
amparadas livremente no comum. Isto significa que a decisão de determinar os
direitos legais é tomada no processo de comunicação intersubjetiva na colaboração
entre singularidades. (HARDT; NEGRI, 2014, p. 266). A ideia de comum se configura
em bem comunitário, como construção política que possibilita a democratização das
instituições modernas a fim de deslocar as promessas de igualdade e liberdade da
modernidade do céu e plantá-las na terra fértil do bem comum para a garantia de
frutos democráticos.
No mesmo diapasão da Constituição Cidadã e conectado com os fundamentos
e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o Novo Código de
Processo Civil de 2015, traz em seu bojo a expressa previsão de que a aplicação do
ordenamento jurídico deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum.
Na exata dicção do art. 8º, do Diploma Processualista está contida a baliza que deve
nortear a atuação judicial, segundo a qual “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz
atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e
promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. (BRASIL, 2015). Isto é, a
ideia de aplicação do ordenamento jurídico a partir dos fins sociais e do bem comum
está posta no Código Civil. No entanto, quando avaliamos o funcionamento
51
pragmático da administração judiciária brasileira há um enorme hiato que separa a
burocracia judiciária e o próprio ordenamento legal, o qual impõe seguir. Em
substância, a presença de artigo regulando os procedimentos judiciários pouco altera
a paisagem autoritária dos tribunais. Em poucas palavras, o acesso à justiça sem a
existência de uma reforma estrutural na administração da justiça voltada ao bem
comum torna a boa lei no máximo em uma expectativa futura.
A administração judiciária que pretenda ser efetivamente democrática, deve
estar em consonância com a ideia de justiça social e o bem comum. O processo e as
decisões que dela exsurgem devem se pautar pelos objetivos de justiça ao caso posto,
em sintonia com o plano social que permeia a realidade dos sujeitos envolvidos no
litígio, para que a função jurisdicional possa desenvolver-se em sintonia com a carga
principiológica contida na Constituição Cidadã, porquanto, como afirma Cândido
Dinamarco: “o processo é acima de tudo um instrumento político, de muita conotação
ética, e o juiz precisa estar consciente disso” (DINAMARCO, 2009, p. 348). A
consciência do juízo, quando imaginamos a aplicação do bem comum, deve conter
como substância saberes humanistas e acuidade de sentido para com à realidade das
singularidades sociais, amiúde, excluídas da cidadania brasileira. Em breve aforismo:
temos a Constituição Cidadã, nos falta a cidadania com base no bem comum.
De forma que para que se consiga alcançar uma solução capaz de satisfazer o
espírito de justiça, o julgador precisa estar conectado à realidade social de seu tempo,
bem como aos fatores históricos que permeiam sociedades periféricas como a
brasileira, cuja formação e desenvolvimento advém de matriz escravocrata. Nessa
perspectiva, cabe ao juiz, assim como a todo intérprete da lei, “postar-se como canal
de comunicação entre a carga axiológica atual da sociedade em que vive e os textos,
de modo que estes fiquem iluminados pelos valores reconhecidos e assim possa
transparecer a realidade da norma” (DINAMARCO, 2009, p. 347-348).
Em suma, aqui é importante deixar evidente que tal propósito não corresponde
a qualquer insubordinação ideológica à administração da justiça, mas de
hermenêutica jurídica do funcionamento do judiciário nacional diante da realidade
obscena da presença de subcidadania no país, para tornar realidade as promessas
revolucionárias escritas na ordem do direito da modernidade. Trata-se de
democratização das instituições a fim de transformar o texto constitucional de 1988
em realidade política e social. Nesse sentido, é ético partir da premissa de que o
acesso à justiça como bem comum parte da leitura de que as singularidades
52
contemporâneas cooperam e expressam seu controle sobre o comum, e é necessário
identificar essa expressão em termos jurídicos, para de fato corrigir injustiças e
transferir milhões de brasileiros para o status de cidadania plena.
53
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para apresentar minhas considerações finais torna-se pertinente refazer as
veredas da escrita percorrida na monografia – Do Acesso à Justiça Sob a Perspectiva
do Bem Comum – a fim de contextualizar a questão e problematizar o tema. Também,
faz-se necessário fechar aqui as veredas abertas e abrir caminhos para o
desenvolvimento de novos horizontes de pesquisa, pois o tema é importante e exige
aprofundamento das questões e problemas apresentados. Na monografia há o esboço
de questão do acesso à justiça a partir da normativa de quais indivíduos fazem jus à
gratuidade e a partir dessa realidade elaboramos uma leitura histórico-social do
contexto da exclusão e da subcidadania brasileira. A teorização e problematização da
questão se constituiu por meio do conceito de comum como um bem comunitário e
democrático, além do desenvolvimento do próprio conceito a partir de trabalho
arqueológico para tornar visível, diante dos regimes neoliberais de agenciamento
afetivo e político, a relevância do bem comum para o acesso universal à justiça.
A contextualização histórico-social brasileira quanto ao acesso à justiça
evidencia a presença de processo de construção de cidadania tardia. A cidadania
apresentou seus primeiros passos consistentes no país recentemente, foi com a Carta
Magna de 1988, a primeira constituição qualificada como “Constituição Cidadã”. Foi
obra das lutas sociais e políticas travadas a partir da abertura do regime autoritário
projetado e executado pelos militares desde 1964. A Constituição Federal de 1988
transformou a cidadania na premissa maior do texto constitucional. Entretanto, o Brasil
ainda marca distância significativa da legislação avançada e progressista. As
desigualdades imperam no território nacional e as instituições demonstram baixa
acuidade de sentido para com os excluídos, além disso há nas estruturas burocráticas
importante resíduo autoritário, que marca nossa longa tradição política de violência
simbólica e física contra os pobres, negros, indígenas, homossexuais e todas as
minorias. Enfim, no Brasil as singularidades socialmente excluídas são subtraídas das
prerrogativas do bem comum, da cidadania e da democracia em seu conceito
emancipatório. É na paisagem dominante de subcidadania, onde as singularidades
são violentadas em seus direitos constitucionais, que se faz premente o acesso à
justiça como bem comum.
A pesquisa monográfica concentrou-se na leitura do fluxo das decisões
dominantes que no judiciário do Brasil meridional excluem litigantes por meio de
54
compreensão cartesiana das condições financeiras do indivíduo para suportar o peso
das custas judiciais. A questão posta na pesquisa vai além dos critérios do corte de
acesso à justiça elaborado nos tribunais, que são postos sobre bases abstratas de
salário mínimo nominal, distante do que prescreve a Carta Cidadã e, também, na
própria abstração do sujeito, visto como corpo isolado das relações intersubjetivas,
das singularidades sociais, dos afetos e responsabilidades familiares. O acesso à
justiça para a massa dos excluídos já é uma ficção, porque é necessário cultura de
direitos e de advogados experientes para litigar, e para àqueles que estão no limite da
margem de cidadania os critérios são injustos, por ser abstraída a complexidade
socioeconômica do litigante. Trata-se de ampliação do conceito de acesso à justiça
como bem-estar comum, isto é, como bem público, de mesma importância que a água,
o ar, a terra, a vida, a saúde, a educação, a moradia, a segurança alimentar e o
trabalho. Bens públicos já sublinhados na Constituição Cidadã e que são Direitos
Humanos.
Para constituir acesso à justiça como bem comum exige-se a elaboração de
uma reforma na administração da justiça a fim de ajustar as estruturas burocráticas
do judiciário nacional para produzir sintonia entre a Constituição Cidadã e as práticas
judiciais. Isto é, para alcançar uma justiça baseada no bem comum é sine qua non a
democratização interna dos tribunais. E, assim, superar o princípio neoliberal, em que
a cidadania é percebida como parte das relações de mercado. O acesso universal à
justiça desdobra na compreensão de que ela representa um bem de todos e é de
interesse geral que se assegure, por meio das instituições, a qualidade cidadã da
administração da justiça aos litigantes. É imperativo acuidade ética dos juízes e
magistrados para com a relevância de tecer decisões a partir do conceito de fins
sociais e bem comum e de criar uma estrutura administrativa pró-democrática.
Em suma, a pesquisa monográfica que aqui se encerra procurou desenvolver
uma breve cartografia da questão do acesso à justiça na contemporaneidade na
perspectiva do bem comum. Agora, é preciso seguir novas veredas, com novos
horizontes de abordagem, como por exemplo, discutir o acesso à justiça num quadro
de complexidade maior, aprofundando a questão da assistência judiciária e da
percepção das relações assimétricas de poder entre litigantes, além do custo
financeiro de acesso ao judiciário. Também, aprofundar o método quantificativo para
descrever o quadro das desigualdades sociais e econômicas e contabilizar o fluxo de
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exclusão dos litigantes brasileiros nas decisões dos tribunais brasileiros desde a
promulgação da Constituição Cidadã.
Da mesma forma, qualitativamente é importante problematizar e avaliar
criticamente o contexto histórico-cultural da administração judiciária a partir do
conceito de bem comum. É fundamental desenvolver pesquisa sobre as práticas de
exclusão estabelecidas pelo aparelho jurídico brasileiro, sobretudo hoje, momento de
rápida ofensiva neoliberal e autoritária, que resulta na subtração de direitos sociais e
econômicos e impõe caráter negativo ao bem comum. Afinal, é necessário ao capital
a presença de Estado mínimo para assegurar a espoliação sobre o comum, o
comunitário e, assim, jogar, amiúde, milhões de brasileiros na condição de
subcidadania.
56
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