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Prometeus Filosofia Em Revista

2010

PROMETEUS FILOSOFIA EM REVISTA PROMETEUS - VIVA VOX - DFL - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Ano 4 - no.7 Janeiro-Junho / 2011 O PROJETO FILOSÓFICO CENTRAL DE ALASDAIR MACINTYRE Márcia Marques Damasceno Universidade Aberta do Piauí/UFPI Mestre em Ética e Filosofia Contemporânea Resumo: A crise contemporânea que assolou os fundamentos da moralidade causou grandes inquietações em Alasdair MacIntyre, um filósofo escocês radicado nos Estados Unidos preocupado centralmente em formular uma teoria moral capaz de oferecer uma saída consistente para tal crise. MacIntyre publicou obras com variadas temáticas, mas desde a publicação de After Virtue em 1981 este pensador está engajado em um projeto filosófico central pautado na reabilitação de uma forma de pesquisa racional implícita nas práticas que constituem as tradições morais. Palavras-chave: MacIntyre, virtude, tradição, racionalidade. Abstract: The contemporary crisis that affected the bases of the morality caused great inquietudes in Alasdair MacIntyre, a Scottish philosopher rooted in the United States worried centrally in formulating a moral theory capable to offer a consistent exit for such crisis. MacIntyre published works with varied thematic, but from After Virtue publication in 1981 this thinker is engaged in a project philosophical headquarters ruled in the rehabilitation in a way of implicit rational research in the practices that constitute the moral traditions. Key-wods: MacIntyre, virtue, tradition, rationality. 95 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 Introdução: As questões éticas referentes a aborto, guerra, manipulações genéticas, aquecimento global, produção nuclear e eutanásia são, por natureza, difíceis de serem resolvidas, isso devido a grande variedade de argumentos contraditórios que nos são postos, argumentos que estão fundamentados em teorias igualmente contraditórias e divergentes. Essas questões levantam inúmeras inquietações tantos nos cidadãos comuns como em filósofos morais que se propõem a discuti-las e resolvê-las. Esse contexto em que as teorias morais se embatem por nossa adesão moral se tornou o ambiente ideal para o surgimento de uma teoria moral que ganha a cada dia mais adeptos, justamente por defender a tese de que nossa adesão moral a qualquer sistema de pensamento é mero fruto de escolha arbitrária, não existindo um critério racional para escolhermos entre defender a proibição do aborto legal ou negar tal possibilidade, por exemplo. O chamado emotivismo ético está diretamente relacionado a esse contexto da filosofia moral contemporânea, principalmente se levarmos em consideração o fato de que a moralidade contemporânea está permeada pela racionalidade instrumental, até então própria das ciências. A racionalidade instrumental no âmbito da moralidade trouxe à tona a ideia de que as normas e preceitos morais não podem ser justificados racionalmente, assim os vínculos entre ética e racionalidade são rompidos e ética passou a ser entendida como uma esfera que diz respeito a preferências e interesses. É nesse contexto de crise ética na contemporaneidade que surge Alasdair MacIntyre, um escocês radicado nos Estados Unidos que demonstra em suas obras uma preocupação fundamental com a situação ética atual. Seus livros mais recentes têm obtido grande repercussão no cenário filosófico mundial ao apresentar um novo conceito de investigação moral vinculando à Sociologia, Antropologia e à História e ao defender um retorno ao aristotelismo de forma sofisticada ligando-o ao pensamento de São Tomás de Aquino, como continuador de uma única tradição. O impacto intelectual das obras de MacIntyre não se restringe apenas à Filosofia, pois ele tem evitado separar questões de filosofia geral e de filosofia moral do contexto histórico e social nas quais estão inseridas. Desde 1981, Alasdair MacIntyre tem 96 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 publicado obras importantes para a discussão acerca da moral e a filosofia política, quais sejam, Depois da Virtude em 1981, Justiça de quem? Qual racionalidade? em 1988, Three Rival Versions of Moral Inquiry em 1990 e Rational Dependent Animals em 1999. Estas obras expressam, segundo seus comentadores, o pensamento maduro de MacIntyre onde podemos encontrar seu projeto central e é justamente nelas que concentramos nossos estudos para alcançar os objetivos deste trabalho. Alasdair MacIntyre nasceu na Escócia em 1929, formou-se na Universidade de Londres e na Universidade de Manchester. Ele lecionou em várias universidades britânicas e americanas, incluindo a Oxford University de 1963 a 1966, University of Essex de 1966 a 1970, na Brandeis University de 1970 a 1972, na Boston University de 1972 a 1980, Wellesley College de 1980 a 1982, na Vanderbilt University de 1982 a 1988 e Yale University de 1988 a 1989. Atualmente está vinculado a University of Notre Dame. Seus primeiros livros, surgidos a partir da década de 50, foram influenciados por temas como o Marxismo, Cristianismo e Psicanálise: Marxism: An Interpretation (1953), The Inconscious: A Conceptual Analises (1958), Difficulties in Christian Beliefs (1959), A Short History of Ethics (1966), Secularization and Moral Change (1967), Marxism and Christianity (1968) e Agaist the Self-Images of the Age: Essays on Ideology and Philosophy (1971). Além destes livros, inúmeros artigos foram publicados em várias revistas americanas e européias. Atualmente suas obras seguem um projeto coerente iniciado com a publicação de Depois da Virtude em 1981 e que foi reformulado e ampliado com a publicação de obras posteriores Whose Justice? Which Rationality? (1988), Three Rival Versions of Moral Enquiry (1990), Rational Dependent Animals (1999). Depois da Virtude como início do empreendimento filosófico maduro de MacIntyre Depois da Virtude publicada em 1981 marca a maturidade filosófica de MacIntyre. Com esta obra ele ganhou, definitivamente, seu lugar na história da filosofia contemporânea. Esta publicação causou uma série de inquietações no cenário filosófico mundial ao dirigir duras críticas à filosofia moral contemporânea e propor a retomada da ética aristotélica como saída para a crise moral que assola a teoria moral 97 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 contemporânea. Esta obra tem como tarefa prover uma boa razão para agirmos moralmente hoje. No entanto, após duras críticas, o próprio MacIntyre reconheceu que alguns pontos não foram devidamente explicitados e começou uma saga em torno da defesa da retomada da ética das virtudes aristotélica, com uma forte influência das leituras de Tomás de Aquino, dando continuidade aquilo que ele mesmo chamou de tradição aristotélico-tomista. Depois da Virtude apresenta uma visão negativa da moralidade contemporânea e tem ao longo destes quase 30 anos causado inquietações em muitos pensadores. Depois da Virtude marca o início de uma nova fase no pensamento moral de MacIntyre como ele mesmo reconhece: Minha vida como filósofo acadêmico divide-se em três partes: Os vinte anos em 1949, quando me tornei estudante de Filosofia na Universidade de Manchester, até 1971 foi um período, como parece agora, a posteriori, heterogêneo, mal organizado e por vezes fragmentados e muitas vezes frustrante e pesquisas confusas, mas que no entanto aprendi muito com os mesmo. De 1971, pouco depois de ter migrado para os Estados Unidos, até 1977 foi um período de algumas reflexões auto-críticas dolorosas. De 1977 em diante, eu estou envolvido em projeto único para o qual After Virtue [1981], Justice? Which Rationality? [1988], e Three Rival Versions of Moral Enquiry [1990] são centrais. (MacINTYRE, 1991, pp. 268–269) É com Depois da Virtude que MacIntyre se lança no cenário filosófico mundial como um filósofo engajado na tentativa de devolver às normas e preceitos morais a inteligibilidade e racionalidade que lhe foram negadas em nosso tempo. Nesta obra, MacIntyre reconhece que as normas e preceitos morais se resumem, hoje, à mera expressão de preferências e interesses. Para ele, a ética contemporânea não constitui mais um todo coerente e, a partir da modernidade, abandonou-se a possibilidade conceitual de formular critérios para fundamentar nossos juízos morais. Este é o desafio de toda teoria que pretenda pensar a moral hoje: deve-se enfrentar o fato de que a linguagem moral contemporânea reduz-se à expressão de sentimentos pessoais. Depois da Virtude, publicada em 1981, surpreendeu o mundo filosófico pela profundidade de sua desilusão com a moralidade moderna em geral, e o que MacIntyre chama de “o projeto Iluminista” em particular. Embora profundamente cético com relação a alguns aspectos da modernidade, faltava às obras anteriores de Maclntyre completar o desencanto que caracteriza Depois da Virtude. (Horton, John. Mendus, Susan (Eds). After MacIntyre: Critical Perspectives on the Work of Alasdair MacIntyre. Polity Press. 1994) 98 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 A principal constatação de MacIntyre em Depois da Virtude é que habitamos uma cultura na qual a inabilidade de se chegar a conclusões comuns e racionalmente justificáveis sobre a natureza da justiça e da racionalidade prática coexiste com a utilização, por parte de grupos sociais em oposições, de conjuntos de convicções rivais e conflitantes não embasadas na justificação racional. Para PORTER, Depois da Virtude é essencialmente um livro crítico. O objetivo de MacIntyre é primeiro desenvolver um diagnóstico do que ele acredita ser o mal do pensamento contemporâneo e segundo fornecer um esboço adequadamente reformulado de uma alternativa aristotélica para tal diagnóstico. (PORTER, 2003, p. 39) É essa problemática que o move na tentativa de apresentar uma saída para a crise moral. Para MacIntyre, possuímos apenas fragmentos de um esquema conceitual. Restam-nos apenas partes às quais faltam os contextos dos quais derivavam seus significados e esses fragmentos não formam mais um todo coerente, o que ocasiona a impossibilidade conceitual de formular racionalmente critérios morais objetivos. Possuímos, com efeito, simulacros de moral, continuamos usando muitas dessas expressões-chave. Mas perdemos- em grande parte, senão totalmente- nossa compreensão, tanto teórica quanto prática da moral. (MacINTYRE, 1984, p. 2) O que nós pensamos sobre moralidade hoje constitui apenas restos deslocados de um esquema moral coerente e socialmente embutido em práticas existentes anteriormente. O que resultou desta fragmentação foi o surgimento inevitável do individualismo moral, ou seja, o indivíduo passou a ter autonomia moral para decidir sobre qual bem é o melhor a ser buscado, visto que não existem padrões racionais para fundamentar tal escolha. Para MacIntyre, a moralidade chegou a um vazio ético, pois desapareceu a distinção entre “aquilo que é bom aqui e agora” e “aquilo que é bom genuinamente”. A moralidade moderna é privada de qualquer conteúdo racional, não há distinção entre “verdade” e “o que acredito como verdade”. A característica mais marcante da linguagem moral contemporânea é ser muito utilizada para expressar discordâncias; e a característica mais marcante dos debates que expressam estas discordâncias é seu caráter interminável, não quero dizer apenas que esses debates se arrastam- embora seja o que acontece- mas também que obviamente não conseguem chegar a um fim. Parece que não existe meio racional de garantir acordo moral em nossa cultura. (MacINTYRE, 1984, p. 6) 99 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 MacIntyre afirma a existência de um pluralismo moral, no entanto ele entende tal pluralismo como uma mistura desarmônica de fragmentos mal organizados, pois tais conceitos tiveram origem em totalidades maiores de teoria e prática, nas quais ocupavam um papel e função fornecidos por contextos dos quais foram agora privados. Uma parte fundamental de minha tese é afirmar que o discurso e os métodos da moral moderna só podem ser compreendidos como uma série de fragmentos remanescentes de um passado mais antigo e que os problemas insolúveis que geraram para os teóricos modernos da moral permanecem insolúveis até que isso seja bem compreendido. (MACINTYRE, 1984, p. 110-111) MacIntyre conclui que o discurso moral na contemporaneidade das sociedades ocidentais perdeu seu significado e agora serve apenas como um disfarce para a expressão de preferências, emoções e atitudes, deixando de ter qualquer relação com o que é verdadeiramente bom ou direito. Para ele, a responsabilidade pelo colapso das éticas Ocidentais resultou do fracasso das pretensões do Iluminismo. Em três capítulos de Depois da Virtude Alasdair MacIntyre descreve aquilo que ele considera o Projeto do Iluminismo, cujo fracasso é gerador da crise nos valores morais da cultura contemporânea. O projeto iluminista é caracterizado pela preocupação em dar à moralidade uma justificação racional, livre de influências teológicas e independente das tradições. Seu intuito é dar total autonomia à moral na forma de princípios morais universais, assim a conduta moral teria que estar sujeita à validação e crítica de acordo com esses princípios universais inteligíveis. Depois da Virtude critica vários aspectos do pensamento Iluminista, entre eles os expressos nas teorias de Hume, Kant, dos utilitaristas, dos emotivistas, e na filosofia política liberal contemporânea, especialmente a elaborada por John Rawls. Outros argumentos contrários às teses iluministas são encontrados em suas obras posteriores, Whose Justice? Which Rationality? e Three Rival Versions of Moral Inquiry, bem como em outros artigos publicados posteriormente, embora todos apresentem ênfases diferentes a ideia central permanece. Nesse contexto de crise moral MacIntyre afirma que dispomos apenas de duas saídas: ou nós aceitamos o niilismo nietzscheano, ou seja, adotamos o projeto nietzscheano de uma crítica radical da moralidade moderna ou retomamos a perspectiva da ética aristotélica das virtudes como forma de devolver coerência e racionalidade ao desacordo moral que reina na cultura moderna. 100 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 Nietzsche é um dos mais ferrenhos críticos das pretensões da modernidade e dos ideais iluministas. Para ele, a Modernidade segue a tendência a anular as diferenças individuais em favor de uma globalidade uniformizadora que transforma a todos em rebanhos. Nietzsche escreve suas obras em um momento de crise da Modernidade no fim do século XIX, por isso suas obras se levantam contra a tirania da razão científica, contra o conformismo dos princípios democráticos e igualitários e contra a confiança no progresso determinista. Apesar de procurar elaborar uma crítica a cultura liberal moderna, a análise nietzscheana da moralidade torna-se a expressão maior do individualismo liberal, o resultado maior do projeto iluminista de um sujeito moral autônomo concebido à parte e anteriormente à sociabilidade histórica. Nietzsche teve o mérito e a coragem de radicalizar conscientemente o fracasso do projeto iluminista de uma moralidade universal. Ele, melhor que qualquer outro pensador, percebeu que a linguagem moral da modernidade estava disponível para qualquer uso, que a moral pode agora ser performada para um número considerável de causas, que a forma dos proferimentos morais modernos fornecia uma máscara possível para qualquer rosto. De fato, a percepção de Nietzsche dessa flexibilidade vulgarizada do discurso moral moderno foi, em parte, responsável por sua aversão a ele. E essa percepção é uma das características da filosofia moral de Nietzsche que a torna uma das duas opções teóricas genuínas com que se depara qualquer pessoa que tente analisar a situação moral de nossa cultura, se minha argumentação estiver até aqui substancialmente correta. (MACINTYRE, 1984, p. 110) Para MacIntyre, o grande mérito de Nietzsche foi ter percebido que aquilo que na linguagem moral do Iluminismo parecia ser um apelo à objetividade era, no fim, expressão de uma vontade subjetiva; ele percebeu também que este fato trazia sérias conseqüências para a filosofia moral. No entanto, a análise de Nietzsche incorreu em um grave erro: ele generalizou ilegitimamente da condição do juízo moral em sua própria época para a natureza da moralidade enquanto tal. A realização histórica de Nietzsche foi entender mais claramente do que qualquer outro filósofo - decerto com mais clareza do que suas contrapartidas do emotivismo anglo-saxão e do existencialismo continental – não só que o que se fazia passar por apelos à objetividade era, de fato, expressão de uma vontade subjetiva, mas também a natureza dos problemas que isso representou para a filosofia moral. (MacINTYRE, 1984, p. 113) 101 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 Apesar de reconhecer que Nietzsche pode ser uma alternativa para a crise moral e que ele compete com Aristóteles em virtude da importância de seu papel histórico para a filosofia contemporânea, MacIntyre opta pela defesa da ética das virtudes aristotélica por reconhecê-la como uma tradição superior em racionalidade e que, portanto, oferece a melhor saída para a crise moral da modernidade. Essa retomada Aristotélica que MacIntyre defende em Depois da Virtude recebeu duras críticas, justamente porque deixa aberta a pergunta sobre a possibilidade de retomarmos a ética das virtudes de Aristóteles em um mundo completamente diverso daquele para o qual a ética aristotélica fora dirigida. Para melhor compreendermos o problema basta atentarmos para a questão central que emerge desta escolha: é possível uma retomada do aristotelismo, como MacIntyre o defende, no contexto da modernidade, mesmo com todas as mudanças teóricas e sociais ocorridas? É importante deixar claro que MacIntyre não tenta retomar como tal o edifício teórico aristotélico no interior da filosofia contemporânea, mas sim retomar a perspectiva de uma tradição onde a pesquisa racional é ao mesmo tempo constituída no interior de uma comunidade. O projeto de Depois da Virtude além de trazer à tona a origem da crise moral contemporânea e apresentar uma saída para tal crise, sustenta que a saída é justamente a retomada de uma forma de pesquisa racional implícita nas tradições morais de práticas e que fora melhor exemplificada na tradição aristotélica das virtudes. É necessário então, a retomada do conceito de virtude e sua devida reformulação dentro do contexto moral contemporâneo. A caracterização do conceito nuclear unitário de virtude requer a compreensão de que tal conceito passa por três estágios de desenvolvimento que precisam ser identificados na ordem correta: prática, unidade narrativa da vida humana e tradição. O primeiro estágio requer uma explicação contextualizadora do que MacIntyre chama de prática. Por prática, Eu entendo qualquer forma coerente e complexa da atividade humana cooperativa, socialmente estabelecida, através da qual bens internos àquela forma de atividade são realizados durante a tentativa de alcançar os padrões de excelência apropriados para tal forma de atividade, e parcialmente dela definidores, tendo como consequência a ampliação sistemática dos poderes humanos para alcançar tal excelência, e dos conceitos humanos dos fins e dos bens envolvidos. (MacINTYRE, 1984, p. 316) 102 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 Em “Depois da Virtude” MacIntyre cita uma gama de exemplos de práticas: artes, ciências, jogos, política no sentido Aristotélico, a formação e sustento da vida familiar, entre outros. Todas as práticas têm certa complexidade e profundidade e como tal elas desenvolvem e expressam capacidades humanas significativas. Uma prática implica padrões de excelência e obediência a normas, bem como a aquisição de bens. Ingressar numa prática é aceitar a autoridade desses padrões e a inadequação do meu próprio desempenho ao ser julgado por eles. As práticas têm uma história, assim os padrões que aí atuam não são imunes à crítica, porém, não podemos nos iniciar numa prática sem aceitar a autoridade dos melhores padrões até o momento alcançados. MacIntyre fundamenta sua ideia com um exemplo: “Se, ao começar a ouvir música, não aceito minha própria incapacidade de julgar corretamente, jamais aprenderei a ouvir, muito menos a apreciar, os últimos quartetos de Bartok”.1 (MacINTYRE, 1984, p. 190). Nesse sentido, no terreno das práticas, a autoridade dos bens e dos padrões funciona de forma a excluir todas as análises subjetivistas e emotivistas do juízo. É importante também apresentar a diferença que MacIntyre faz entre bens internos e bens externos às práticas, vejamos essa diferença dentro do exemplo que MacIntyre dá da prática do xadrez: Existem, portanto, dois tipos de bens que são possíveis conquistar no jogo de xadrez. Os bens externos e contingentes ligados aos jogos e a outras práticas por acidentes das circunstâncias sociais. Sempre há modos alternativos de alcançar esses bens, e sua conquista nunca se dá apenas engajando-se no exercício de uma determinada prática. Por outro lado, há os bens internos à prática de xadrez, que não se podem alcançar de nenhum modo que não seja jogando xadrez ou algum outro jogo do mesmo tipo. (MacINTYRE, 1984, p. 190) O conceito de prática já aponta para um conceito inicial de virtude, mesmo que ainda provisório. A virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício costuma nos capacitar a alcançar aqueles bens internos às práticas e cuja ausência nos impedem, para todos os efeitos, de alcançar tais bens. Percebemos que as práticas são atividades humanas que unem os indivíduos de uma comunidade enquanto participantes das mesmas práticas e os leva a procurar os mesmos objetivos. Nesse sentido, as práticas 1 “If, on starting to listen to music, I do not accept my own incapacity to judge correctly, I will never learn to hear, let alone appreciate, Bartok´s last quartets.” 103 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 têm um papel importante dentro da comunidade uma vez que são fontes de normas, mas que também podem ser repensadas sempre. O segundo estágio na formulação de um conceito adequado de virtude é o de unidade narrativa da vida humana. O conceito de narrativa é de suma importância dentro do projeto filosófico de MacIntyre. MacIntyre percebe a importância da narrativa na vida humana ao tematizar os grandes dilemas que a modernidade enfrenta atualmente em virtude da fragmentação do eu. Uma das principais características da modernidade é a fragmentação do eu, ou seja, o indivíduo passou a ocupar diferentes papéis dentro da sociedade e cada um desses papéis tem suas próprias regras de conduta e exigem comportamentos diferenciados, assim o sujeito moral passou a ter sua vida dividida em papéis diferentes e por vezes contraditórios transformando sua vida em uma série de “episódios desconexos”. A ideia de unidade da vida humana é completamente alheia ao nosso modo de pensar, e para MacIntyre, é justamente esta ideia que precisamos retomar. MacIntyre acredita que a história narrativa revela o tipo de gênero fundamental e essencial para caracterização das ações humanas, ou seja, nossas ações só podem ser compreendidas em termos de narrativa que se encaixam em contextos sociais através dos quais ganham sentido e podem assim ser explicadas. É porque todos vivenciamos narrativas nas nossas vidas e porque entendemos nossa própria vida nos termos das narrativas que vivenciamos, que a forma de narrativa é adequada para se entender os atos de outras pessoas. (MACINTYRE, 1984, p. 212) A unidade de uma vida humana é a unidade de uma busca narrativa pelo bem. Nesse segundo estágio já é possível formular um conceito mais elaborado de Virtude. Virtudes são disposições que, além de nos sustentar e capacitar para alcançar os bens internos às práticas, também nos sustentam no devido tipo de busca pelo bem, capacitando-nos a superar os males, os riscos, as tentações e as tensões com que nos deparamos, e que nos fornecerão um autoconhecimento do bem cada vez maior. (MACINTYRE, 1984, p. 219) Para MacIntyre, o terceiro estágio na elaboração de um conceito nuclear de virtude é a compreensão do que constitui uma tradição. Uma tradição é então um argumento historicamente estendido e socialmente encarnado, e um argumento precisamente em parte sobre 104 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 os bens que constituem a tradição. (MacINTYRE, 1984, p. 222) As virtudes são necessárias para sustentar o nosso relacionamento com o passado, com o presente e com o futuro. Para MacIntyre, as virtudes encontram sentido e finalidade não só no sustento dos relacionamentos necessários para se alcançar a variedade de bens internos às prática, e não só no sustento da forma de vida individual em que cada individuo procura por seu bem de sua vida inteira, mas também no sustento das tradições que proporcionam tanto às práticas quanto às vidas o seu contexto histórico. O que precisamos ter em mente agora é que existe na estrutura das tradições uma concepção de pesquisa que é responsável pela elaboração de um modo de vida social e moral. É essa concepção de pesquisa racional que MacIntyre acredita ser capaz de devolver racionalidade aos conceitos e práticas morais contemporâneos, e foi justamente a omissão deste tipo de racionalidade que gerou a interminabilidade do debate moral característico de nossa época. Para CARVALHO, MacIntyre encara a filosofia moral de Aristóteles como o núcleo central de toda tradição de pesquisa e prática social, da qual ele não é o único representante, ainda que seja o que lhe forneceu os principais parâmetros de sua formulação e desenvolvimento. O remédio que ele propõe para os males da herança iluminista da modernidade é a reapropriação desse instrumental teórico que foi forjado na construção e justificação de uma ética das virtudes, numa perspectiva narrativa em que história, filosofia e sociologia se entrelaçam no tecido compreensivo que busca explicar a moralidade e seu caráter específico, como também justificá-la racionalmente. (CARVALHO, 1999, p XX) No posfácio a 2ª edição de Depois da Virtude, lançada em 1982, MacIntyre enumera alguns tipos de críticas que foram dirigidas a 1ª edição publicada em 1981. As numerosas críticas da primeira edição deste livro me deixaram muito grato em mais de um aspecto. Alguns identificaram asneiras, desde confusão com nomes à erros factuais sobre Giotto; alguns indicaram impropriedade na narrativa histórica que dá continuidade argumentativa a Depois da Virtude; alguns contestaram meu diagnóstico da situação da sociedade moderna e, em especial, da sociedade contemporânea, e alguns questionaram de diversas maneiras tanto a substância quanto o método de determinados argumentos [...] Eu espero que alguma parte, pelo menos, do que ficou faltando brote nos meus futuros intercâmbios com uma série de críticas nos jornais Inquiry, Analyse and Kritik e Soundings e que muito mais seja esclarecido com a sequência de Depois da Virtude, na qual estou trabalhando agora, sobre “Justiça e 105 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 Racionalidade Prática”. (MACINTYRE, 2001, p. 443-444) A tematização aberta por Depois da Virtude se constitui como o projeto filosófico central da obra de MacIntyre, de forma que as obras que se seguem a ela aprofundam os argumentos apresentados e defendidos. Dentro do projeto filosófico central de MacIntyre a defesa das tradições de pesquisa racional é, certamente, um dos pontos que teve continuidade em suas obras posteriores. Em Depois da Virtude a tradição ganha um conceito inicial e bastante significativo. “Uma tradição é então um argumento historicamente estendido e socialmente encarnado, e um argumento precisamente em parte sobre os bens que constituem tal tradição” 2 (MacINTYRE, 2007, p. 222). MacIntyre começa a desenhar sua defesa das tradições morais e o faz através do argumento de que tradições quando vivas contém continuidade de conflitos. Tal argumento é levantado no intuito de livrar a tradição das visões conservadores oriundas de teóricos como Burke3, que pensava a tradição em contraste com a razão e a atribui estabilidade e conservação, ao contrário de conflito. O conceito de tradição se encontra intimamente articulado com os conceitos de prática e narrativa e estes são justamente os três elementos necessários para uma compreensão genuína do conceito de virtude. Estes elementos são inelimináveis da nossa discussão acerca da teoria da racionalidade das tradições. Nesse sentido, faremos uma resumida exposição acerca de cada um deles. A ideia de tradição defendida por MacIntyre articula os conceitos de prática e narrativa. Ele entende as tradições como provendo contextos dentro dos quais os indivíduos podem alcançar bens internos às práticas e podem entender suas vidas como unificadas em forma de narrativa que permite o cultivo das virtudes. Essa tematização da tradição é conseqüência do novo conceito de investigação moral com o qual opera MacIntyre, um conceito que mescla questões sociais, históricas, antropológicas e literárias. Mas para PORTER (2003), a tematização da ideia de tradição de pesquisa racional que MacIntyre faz em Depois da Virtude deve ser considerada apenas como uma visão preliminar sendo desenvolvida nos trabalhos que se seguem. 2 “A living tradition then is historically extendend, socially embodied argument, and na argument precisely in part about the goods which contitute the tradition”. 3 Ver BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. Brasília, UNB (3ª edição), 2006. 106 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 Qualquer avaliação global de suas descrições de tradição tem que levar em conta os dois livros posteriores, visto que estes trabalhos posteriores modificam a descrição de tradição desenvolvida em After Virtue de modos significantes. (PORTER, 2003, p. 43) Em Justiça de quem? Qual racionalidade? MacIntyre aprofunda as reflexões apresentadas em Depois da Virtude e à luz de duras críticas, reformula e esclarece sua posição filosófica. Em 1981, publiquei a primeira edição de Depois da Virtude. Neste livro concluí que 'nós apesar dos esforços de três séculos de filosofia moral e de um século de sociologia, ainda carecemos de uma formulação coerente e racionalmente defensável de um ponto de vista individualista liberal' e que 'a tradição aristotélica pode ser reformulada de modo a restituir a racionalidade e a inteligibilidade às nossas atitudes e compromissos morais e sociais'. Mas também reconheci que essas conclusões exigiam o apoio de visão do que é a racionalidade, à luz da qual Depois da Virtude pudesse ser adequadamente compreendidas. Prometi um livro no qual tentaria dizer o que faz com que seja racional agir de um modo e não de outro, e o que faz com que seja racional propor e defender uma concepção da racionalidade prática e não outra. Eis aqui o livro. (MacINTYRE, 2001, p. 7) Esta é uma passagem do prefácio de Justiça de quem? Qual racionalidade? e o objetivo da mesma é advertir o leitor de que embora o livro possa ser lido independentemente de Depois da Virtude, ele, de fato, preenche algumas lacunas e corrige alguns erros daquele, reafirmando suas teses centrais. Nas palavras de PERINE: Nos seus vinte capítulos, encontramos uma verdadeira odisséia em torno dos conceitos de justiça e raciocínio prático. O autor parte da mesma constatação inicial de Depois da Virtude, ou seja, a rivalidade e incompatibilidade das concepções atuais de justiça e racionalidade prática, e a inconclusividade do debate. (PERINE, 1992, p. 391-412) Este livro é particularmente importante para nossa temática uma vez que MacIntyre o elabora como resposta às críticas dirigidas à Depois da Virtude e onde ele aprofunda suas reflexões acerca da ideia de tradição de pesquisa racional. Em Justiça de quem? Qual racionalidade? MacIntyre admite que suas conclusões até aquele momento mostraram que é a partir de debates, conflitos e da pesquisa de tradições socialmente encarnadas e historicamente contingentes, que as disputas referentes à racionalidade prática e à justiça são propostas, modificadas, abandonadas ou substituídas. Não há nenhum outro modo de realizar essa formulação, 107 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 elaboração, justificação racional e a crítica das concepções da racionalidade prática e da justiça, que não seja a partir de uma tradição particular, através do diálogo, da cooperação e do conflito entre aqueles que habitam a mesma tradição. Essa é a reivindicação central do livro, como o próprio título sugere: sustentar a tese de que é impossível estabelecer padrões universalmente válidos de justiça que possam ser reconhecidos como tal por qualquer pessoa racional. MacIntyre tenta mostrar que esta reivindicação é falsa através de um exame íntimo de ideais contraditórios de justiça que emergiram em três sociedades: Grécia antiga e clássica, Europa medieval, e século XVII na Escócia e Inglaterra. O argumento dele em cada caso é que os ideais que dividem estas sociedades não eram como poderiam ter sido solucionados por argumento racional dentro de uma estrutura neutra que compartilha convicções ou princípios, pois que em cada caso estavam pelo menos em parte os conflitos fundamentados em reivindicações incomensuráveis que moldaram os modos nos quais os interlocutores avaliaram os argumentos pertinentes e evidentes. (PORTER, 2003, p. 44) MacIntyre procura fundamentar a tese de que padrões de racionalidade e justiça podem ser radicalmente diferentes de tradição para tradição. No entanto, ele reconhece que as tradições podem compartilhar algumas crenças, imagens e textos. Elas podem ser logicamente incompatíveis e incomensuráveis, embora nem sempre isso ocorra. MacIntyre não só reivindica que tradições encarnam suas próprias concepções de justiça e racionalidade, mas ele também afirma que não há um ponto neutro fora de todas as tradições no qual seja possível decidir que concepção de justiça ou racionalidade é superior. Não há uma base, nenhum lugar para a pesquisa, nenhum modo de se avançar, avaliar, aceitar e rejeitar argumentações raciocinadas que não seja fornecida por uma ou outra tradição particular. (MacINTYRE, 2001, p. 307). Para entrar no debate sobre a racionalidade ou sobre a justiça é necessário tomar partido por uma tradição e a partir desta questionar as teses das outras tradições e suas próprias teses. “Assumir o ponto de vista de uma tradição particular é uma saída para termos boas razões para dar mais peso às alegações propostas por uma tradição do que as proposta por outra”. (MacINTYRE, 2001, p.307). É preciso que deixemos claro o fato de que MacIntyre não nega a existência de certos padrões de racionalidade que podem ser aplicados em qualquer contexto social e cultural, como por exemplo, as leis fundamentais da lógica. No entanto, ele enfatiza que esse compartilhamento não é 108 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 suficiente para superar os conflitos substanciais que emergiram de debates acerca dos conceitos de justiça em competição. Nos capítulos finais, MacIntyre desenvolve sua teoria construtiva da racionalidade como pesquisa guiada pela tradição. Levando em consideração as narrativas das tradições em conflito desenvolvidas na primeira parte do livro, ele começa rejeitando as reivindicações centrais da filosofia de Iluminismo, ou seja, a reivindicação de que é possível chegar a um conjunto de padrões racionais universais e substantivos capazes de prover uma base para julgar as convicções e compromissos de tradições intelectuais particulares. Pelo contrário, ele afirma que nós habitamos uma cultura em que podemos encontrar fragmentos de diferentes formas de pensar e precisamos dialogar com tradições sociais e intelectuais que são em algum grau incomensuráveis umas com as outras. Ele não afirma que é impossível haver uma comunicação significativa entre os que são adeptos de tradições incomensuráveis. Apesar de reconhecer que certos assuntos são intratáveis devido ao grau de discordância entre as tradições, MacIntyre acredita ser impossível entrar no debate racional sem dar adesão a uma tradição particular. Em 1990 MacIntyre publicou Three Rival Versions of Moral Inquiry, onde ele oferece uma defesa mais elaborada das teses centrais de Justiça de quem? Qual racionalidade? Admitindo que, apesar da incomensurabilidade significante e da intradutibilidade nas relações entre dois sistemas de pensamento e prática contrários, pode existir um prólogo não só para o debate racional, mas para aquele tipo de debate no qual um sistema pode emergir como indubitavelmente superior. Este debate pode revelar falha em um sistema de pensamento e apontar outro sistema como superior em racionalidade. Este livro continua a trajetória de seu antecessor, além de voltar a temas de Depois da Virtude que não eram tão proeminentes em Justiça de quem? Qual racionalidade? Ao mesmo tempo, este livro também modifica os relatos anteriores das tradições de modos mais significativos. A tematização do conceito de tradição como pesquisa racional ganha aqui sua maior profundidade, mesmo estando inserido em seu argumento global. As três tradições que MacIntyre apresenta são: a Enciclopédia, exemplificada pelos autores do século XIX, a Genealogia, representada por Nietzsche e seus herdeiros pós-modernos e o Tomismo que corretamente entendido requer um compromisso com 109 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 uma forma de pesquisa baseada numa tradição. O debate entre estes três sistemas de pensamento pretende mostrar que mesmo num contexto de incomensurabilidade e intradutibilidade, como o contexto da moralidade contemporânea, pode apontar para a superioridade racional de um destes sistemas. A tese de MacIntyre é a de que o Tomismo como forma de pesquisa baseada numa tradição moral é capaz de mostrar sua superioridade frente aos enciclopedistas e genealogistas. Na mesma seqüência, Dependent Rational Animals (1999) aprofunda ainda mais as discussões apresentadas nas obras anteriores. No entanto, MacIntyre deixa claro que sua pretensão maior é corrigir algumas investigações das obras anteriores acrescentando aqui a tematização da dependência, vulnerabilidade e animalidade humana, questões que segundo ele são imprescindíveis a uma teoria moral. De modo que este livro não é só uma continuação, mas também uma correção de minhas investigações anteriores em Depois da Virtude, Justiça de quem? Qual racionalidade? e Three Rival Versions of Moral Inquiry. (MacINTYRE, 1999, p. xi) Não aprofundaremos as discussões de cada livro, visto que nosso objetivo nesse artigo é apenas mostrar a unidade de propósito que permeia este que consideramos o núcleo do pensamento de MacIntyre e onde podemos captar sua problemática filosófica. Apresentaremos agora nosso argumento central acerca da teoria da racionalidade das tradições, estabelecendo os liames existentes entre tradição e razão que são apresentados nas obras de Alasdair MacIntyre. Conclusão Com Depois da Virtude MacIntyre procurou fixar um programa a ser desenvolvido nas obras posteriores, porém a pretensão macintyreana esbarrou em diversas críticas e o forçou a modificá-lo em diversos aspectos como podemos perceber ao longo de sua obra. Depois da Virtude, Justiça de quem? Qual racionalidade? Three Rival Versions of Moral Inquiry e Dependent Rational Animals indubitavelmente seguem um único argumento, porém cada livro tem uma temática específica o que possibilita a leitura de qualquer um separadamente. Cada livro surge como uma reformulação ou superação dos argumentos do antecessor, o que demonstra a capacidade de autocrítica de nosso pensador. 110 PROMETEUS - Ano 4 - Número 7 - Janeiro-Junho/2011 - ISSN: 1807-3042 - E-ISSN: 2176-5960 O projeto filosófico de MacIntyre tem como núcleo a defesa da tradição das virtudes desenvolvidas por Aristóteles e por Tomás de Aquino, essa defesa realmente perpassa toda sua obra e deixa transparecer a adesão macintyreana a esta tradição e isso o envolve de tal forma que ele próprio chega a ser auto-denominador continuador da tradição aristotélica-tomista das virtudes. O grande problema enfrentado por MacIntyre é responder devidamente a seguinte questão: É possível justificar uma teoria das virtudes morais dentro de uma sociedade marcada pela globalização, pela pluralidade cultural, pelo individualismo moral e pelo emotivismo? E seus argumentos procuram oferecer uma resposta positiva para essa questão. MacIntyre defende que sim, o que precisamos, na visão reformulada da teoria das virtudes, é compreender que as virtudes são necessárias para nossa sobrevivência no mundo natural, pois enquanto animais somos vulneráveis a uma série de males, e justamente por isso, somos dependentes dos demais membros de nossa comunidade. Referências Bibliográficas CARVALHO, Helder B. A. Tradição e Racionalidade na filosofia de Alasdair MacIntyre. São Paulo, SP: Editora Unimarco, 1999. HAUERWAS, Stanley. The Virtues of Alasdair Maclntyre. First Things. Octubre. 2007, p. 34-40. HORTON, J., and Susan Mendus, eds. After MacIntyre. 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