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Lesão hepática induzida pela Fenitoína

Journal of Interprofessional Health Education

Os eventos adversos relacionados ao uso de medicamentos são muito frequentes, podendo causar desde danos leves até o óbito do paciente. Por isso, quando presentes devem ter um manejo rápido e efetivo. O tratamento com anticonvulsivantes deve ser cuidadosamente monitorado para o risco de hepatotoxicidade que pode resultar em DILI, levando a baixa aderência a terapêutica. O objetivo deste estudo foi relatar um evento adverso notificado em um Hospital Universitário do estado do Paraná, Sul do Brasil, relacionado à lesão hepática induzida por fenitoína. Paciente do sexo feminino, 45 anos, apresentou um episódio convulsivo e foi medicada com fenitoína, após a administração evoluiu com elevação das enzimas hepáticas, rash cutâneo, lesões aftóides e prurido. Na investigação etiológica da hepatopatia, foram excluídos os agentes virais e bacterianos. A biópsia hepática foi compatível com hepatite aguda, suspeitando-se de uma reação medicamentosa. O anticonvulsivante foi suspenso, houve melho...

Lesão hepática induzida por Fenitoína Drug-induced liver injury caused by Phenytoin Amanda Thiemy Chiozzi Watanabe¹ Simone Tomás Gonçalves¹ Estela Louro¹ Roberto Kenji Nakamura Cuman¹ *Gisleine Elisa Cavalcante Silva¹ Resumo Os eventos adversos relacionados ao uso de medicamentos são muito frequentes, podendo causar desde danos leves até o óbito do paciente. Por isso, quando presentes devem ter um manejo rápido e efetivo. O tratamento com anticonvulsivantes deve ser cuidadosamente monitorado para o risco de hepatotoxicidade que pode resultar em DILI, levando a baixa aderência a terapêutica. O objetivo deste estudo foi relatar um evento adverso notificado em um Hospital Universitário do estado do Paraná, Sul do Brasil, relacionado à lesão hepática induzida por fenitoína. Paciente do sexo feminino, 45 anos, apresentou um episódio convulsivo e foi medicada com fenitoína, após a administração evoluiu com elevação das enzimas hepáticas, rash cutâneo, lesões aftóides e prurido. Na investigação etiológica da hepatopatia, foram excluídos os agentes virais e bacterianos. A biópsia hepática foi compatível com hepatite aguda, suspeitando-se de uma reação medicamentosa. O anticonvulsivante foi suspenso, houve melhora dos sinais e sintomas, e a paciente teve alta hospitalar. O reconhecimento precoce da hepatite medicamentosa é essencial, pois o atraso no diagnóstico e na retirada do medicamento desencadeante suspeito pode resultar em aumento da mortalidade. Palavras-chave: anticonvulsivante; doença hepática induzida por substâncias e drogas; farmacovigilância; reação adversa relacionada a medicamento. Abstract Adverse events related to the use of medications are very frequent, and can cause anything from mild damage to the patient's death. Therefore, when present, they must be handled quickly and effectively. Treatment with anticonvulsants should be carefully monitored for the risk of hepatotoxicity that may result in DILI, leading to poor adherence to therapy. This study aimed to report an adverse event reported at a University Hospital in the Northern region of Paraná, southern Brazil, related to liver damage induced by phenytoin. Female patient 45 years old, had a convulsive episode and was medicated with phenytoin. After administration, she evolved with elevated liver enzymes, skin rash, aphthous lesions and pruritus. In the etiological investigation of liver disease, viral and bacterial agents were excluded. Liver biopsy was compatible with acute hepatitis, suspecting a drug reaction. The anticonvulsant was discontinued, the signs and symptoms improved and the patient was discharged. Early recognition of drug-induced hepatitisis essential, as delay in diagnosis and with drawal of the suspected triggering drug may result in increased mortality. Keywords: anticonvulsant; Chemical and Drug Induced Liver Injury ; pharmacovigilance; adverse drugreaction. 1 Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil. *Email: gecsilva@uem.br Journal of Interprofessional Health Science, v.23, e68946, 2023 DOI: https//doi.org/104025/jinterhealtheducation Introdução A lesão hepática induzida por medicamentos, conhecida como DILI (Drug Induced Liver Injury) ou hepatite medicamentosa, é uma doença que se manifesta geralmente entre um e noventa dias após a administração de medicamento em doses usuais. O quadro clínico é variável, podendo ocorrer desde ligeira alteração das enzimas hepáticas até a insuficiência hepática fulminante, levando ao óbito¹,². A DILI pode ser induzida por muitos medicamentos, dentre estes os anticonvulsivantes, utilizados mundialmente para o tratamento de epilepsia³. A fenitoína é um anticonvulsivante e está entre os dez principais causadores de insuficiência hepática aguda induzida por fármacos. A maioria dos casos se resolve dentro de um a dois meses após a sua suspensão. No entanto, a lesão hepática pode ser grave e fatal, apresentando taxa de mortalidade superior a 10%4. As reações geralmente ocorrem após duas a oito semanas de terapia com início de febre, erupção cutânea, edema facial, linfadenopatia, seguido por icterícia e colúria. As elevações das enzimas séricas, eosinofilia, aumento da contagem da série branca e linfocitose atípica também são comuns. Os sintomas e sinais clínicos podem imitar a mononucleose aguda ou até mesmo o linfoma. Os casos de hepatotoxicidade com fenitoína, quase sempre, são referidos como Síndrome de Hipersensibilidade ao Anticonvulsivante ou Síndrome da Farmacodermia com Eosinofilia e Sintomas Sistêmicos, conhecida como Síndrome DRESS (Drug Reaction with Eosinofilia and Systemic Symptoms). Outras manifestações podem resultar na Síndrome de Stevens-Johnson, necrólise epidérmica tóxica, anemia Journal of Interprofessional Health Science, v.23, e68946, 2023 DOI: https//doi.org/104025/jinterhealtheducation aplástica, trombocitopenia, neutropenia, nefrite e pneumonite4,5. A reação adversa ao medicamento (RAM) é um problema de saúde pública e importante causa de morbimortalidade mundial6. No caso dos medicamentos anticonvulsivantes, a presença de RAM pode ser um impedimento para a aderência à terapêutica, e promove a suspensão do medicamento em 25% dos pacientes, impactando na qualidade de vida do paciente7. A DILI é uma RAM que deve ser detectada e notificada pela equipe de saúde, devendo esta deter o conhecimento e desenvolver habilidades de associar as informações pertinentes que permitam determinar corretamente a causalidade da reação. O registro das RAM deve ser feito sempre, mesmo quando esta não for grave, pois a sub notificação destes efeitos distorce a realidade epidemiológica e as características hepatotóxicas dos 8 medicamentos associados . Além disso, o atraso no diagnóstico e a retirada do medicamento podem resultar no aumento da mortalidade. Desta forma, o objetivo deste estudo foi relatar a importância do reconhecimento precoce da lesão hepática induzida pela fenitoína. Desenvolvimento Mulher de 45 anos, com hipertensão, hipotireoidismo e acidente vascular prévio, apresentou episódio convulsivo (negou crises prévias), iniciando tratamento com fenitoína. Após 10 dias de uso da fenitoína foi internada com queixas de vômito com escarro amarelado, tosse seca, rash cutâneo, prurido, febre, lesões aftóides orais acompanhadas de sangramento. Durante o internamento apresentou duas crises convulsivas. A paciente não apresentava fatores de risco para hepatites virais, história de alcoolismo ou hepatopatia anterior, nem outros antecedentes patológicos relevantes. Os exames laboratoriais revelaram: Hemoglobina: 8; Hematócrito: 27%; Leucócitos: 12600; Plaquetas: 407000; Proteína C Reativa: 6; Bilirrubina: 8,1; Gama Glutamil Transferase (GGT): 1330; Aspartato Aminotransferase (AST): 377; Alanina Aminotransferase (ALT): 364, e Razão Normalizada Internacional: maior que 9,89, o que indica anticoagulação excessiva e risco de hemorragia. Com o agravamento do quadro, a paciente foi transferida para um hospital de referência apresentando descamações grosseiras em todo o corpo com prurido intenso, prurido conjuntival bilateral, lesões aftóides e icterícia +3/+4. Para a investigação etiológica do quadro, foi solicitado sorologia para hepatites B e C, hantavirose, arbovirose, leptospirose e febre maculosa, com resultados negativos. Foram repetidos os exames para avaliação da função hepática que apresentou AST: 295; ALT: 268; GGT: 2.066, Bilirrubina: 4,65 e Bilirrubina Direta: 5,1.O prurido cutâneo foi tratado com dexclorfeniramina e o conjuntival com tobramicina, com sucesso. A biópsia hepática não revelou critérios histopatológicos para doenças biliares crônicas, restando assim à possibilidade de estar associado a uma RAM. Após três dias de internação no hospital de referência a fenitoína foi suspensa, devido à possibilidade de ser uma reação adversa ao anticonvulsivante, e então a paciente apresentou melhora clínica e laboratorial, recebendo alta hospitalar em boas condições, com descamação, fina e discreta nas extremidades, anictérica, sem prurido, com boa aceitação da dieta, comunicativa e com normalização dos níveis de enzimas hepáticas. No caso apresentado foi realizado o diagnóstico de lesão hepática provavelmente induzida pela fenitoína. Journal of Interprofessional Health Science, v.23, e68946, 2023 DOI: https//doi.org/104025/jinterhealtheducation Esta investigação se baseou em diversos fatores: biópsia hepática compatível com hepatite aguda, exclusão de outras causas de hepatite aguda como hepatites B e C, hantavirose, arbovirose, leptospirose, febre maculosa, abuso de álcool e doenças autoimunes e na relação temporal entre a ingestão do fármaco e o início dos sintomas. Através da análise dos dados do prontuário da paciente, que mostraram as datas de início e suspensão da fenitoína e as datas de aparecimento dos sinais clínicos e laboratoriais de lesão hepática foi corroborada a hipótese de reação adversa à fenitoína. A lesão hepática suspeita de ser causada por medicamentos é definida pelos valores limites dos testes hepáticos, ALT e/ou fosfatase alcalina (AP). As atividades séricas consideradas relevantes são para ALT ≥ 5 vezes o limite superior normal (ULN) e AP ≥ 2 vezes o ULN, desde que AP seja de origem hepática9. Assim, os valores de ALT eliminam casos sem relevância clínica. Existem algoritmos específicos para a identificação de DILI. O algoritmo CIOMS/RUCAM (Council for International Organizations of Medical Science / Roussel Uclaf Causality Assessment Method) é específico para reações hepáticas, e é considerado o melhor para avaliação de causalidade da DILI9-11. Este método consiste em determinar se o paciente apresentou DILI em uma escala com sistema de escores em sete eixos, envolvendo: o tempo de início dos sintomas, a duração da doença, fatores de risco, uso concomitante de medicamentos, exclusão de outras causas que não medicamentos, relato prévio de hepatotoxicidade causado pelo medicamento suspeito e a resposta à reexposição ao medicamento1,9. No caso relatado foi realizada a classificação de hepatotoxicidade induzida por medicamentos na escala de RUCAM, que indicou a classe de causalidade como “definida ou altamente provável”, reafirmando o diagnóstico realizado previamente. O tratamento da DILI é essencial e a retirada do medicamento suspeito de toxicidade é a primeira medida a ser adotada para prevenir ou minimizar danos progressivos, que podem levar ao óbito. Conclusão O caso relatado foi diagnosticado como DILI, provavelmente devido ao uso da fenitoína, e de acordo com a escala de RUCAM, a causalidade desta reação adversa foi classificada como “definida ou altamente provável” de ter ocorrido em função do uso da fenitoína pela paciente. A escassez de dados referindo à frequência e a ocorrência de DILI no Brasil deve-se, entre outros motivos, a subnotificação, pois este evento é pouco conhecido por muitos profissionais e de difícil diagnóstico. Além disso, a avaliação de lesões hepáticas induzidas por medicamentos é um problema que traz reflexão sobre a prática clínica e a atuação dos órgãos reguladores do país. Assim, torna-se imprescindível a manutenção de ações de farmacovigilância nos serviços de saúde, a fim de detectar e conhecer melhor o perfil de segurança dos medicamentos utilizados, refletindo em melhores resultados na terapia do paciente, e particularmente neste caso, reduzindo a extensão dos danos causados ao fígado que podem ser desencadeados por DILI. Agradecimentos Esta pesquisa foi realizada com o suporte financeiro da Fundação Araucária – Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. Referências 1. Blatt CR, Becker MW, Lunardeli MJM. Drug induced liver injury: what is the clinical pharmacist role? Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2016 Oct-Dec; 7(4). Available from: https://rbfhss.org.br/sbrafh/article/view/2 73. 2. Peder LD de, Franke TA. 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