Research, Society and Development, v. 9, n. 10, e6829109126, 2020
(CC BY 4.0) | ISSN 2525-3409 | DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i10.9126
Querela nullitatis e segurança jurídica
Querela nullitatis and legal security
Querela nullitatis y la seguridad jurídica
Recebido: 07/10/2020 | Revisado: 09/10/2020 | Aceito: 12/10/2020 | Publicado: 16/10/2020
Luiz Manoel Gomes Junior
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8111-4549
Universidade Paranaense, Brasil
E-mail: luizm@luizmconsultoria.com.br
Diogo de Araujo Lima
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8416-1327
Universidade Paranaense, Brasil
E-mail: diogo_araujo_lima@hotmail.com
Mariana Sartori Novak
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4904-152X
Universidade Paranaense, Brasil
E-mail: mariana-novak@hotmail.com
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo analisar a querela nullitatis a partir de sua origem
histórica, de uma breve análise dos planos da existência, validade e eficácia, da correlação
com os pressupostos processuais e das respectivas hipóteses de cabimento. Com a delimitação
do enquadramento jurídico do instituto processual e constatado que uma de suas
características remete à imprescritibilidade, investiga-se a (in)compatibilidade do instituto
processual com os valores e normas constitucionais, notadamente com o postulado da
segurança jurídica, considerado um dos pilares do Estado Democrático de Direito, ante a
latente conflituosidade que pode advir da possibilidade de rediscussão eterna da causa.
Utiliza-se, para tal desiderato, o método dedutivo, a partir de um conceito geral e
principiológico de segurança jurídica e sua particular aplicação no caso concreto da querela
nullitatis. O estudo será pautado em pesquisa bibliográfica e análise de artigos acadêmicos, de
legislação e jurisprudência, tendo objetivo metodológico exploratório e propositivo.
Palavras-chave: Querela nullitatis; Ato jurídico; Inexistência; Imprescritibilidade; Segurança
jurídica.
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Abstract
The present work aims to analyze the nullitatis dispute from its historical origin, from a brief
analysis of the plans of existence, validity and effectiveness, of the correlation with the
procedural assumptions and the respective hypotheses of fit. With the delimitation of the legal
framework of the procedural institute and found that one of its characteristics leads to
imprescriptibility, we investigate the (in) compatibility of the procedural institute with the
constitutional values and norms, notably with the postulate of legal security, considered one of
the pillars of the Democratic State of Law, in view of the latent conflict that may arise from
the possibility of eternal rediscussion of the cause. For this purpose, the deductive method is
used, based on a general and principiological concept of legal certainty and its particular
application in the specific case of the nullitatis dispute. The study will be based on
bibliographic research and analysis of academic articles, legislation and jurisprudence, with
an exploratory and propositional methodological objective.
Keywords: Querela nullitatis; Legal act; Inexistence; Imprescriptibility; Legal security.
Resumen
El presente trabajo tiene como objetivo analizar la disputa nullitatis desde su origen histórico,
a partir de un breve análisis de los planes de existencia, vigencia y efectividad, a partir de la
correlación con los supuestos procesales y las respectivas hipótesis de ajuste. Con la
delimitación del marco legal del instituto procesal y se constató que una de sus características
conduce a la imprescriptibilidad, investigamos la (in) compatibilidad del instituto procesal
con los valores y normas constitucionales, en particular con el postulado de seguridad
jurídica, considerado uno de los pilares del Estado Democrático de Derecho, ante el conflicto
latente que puede surgir de la posibilidad de una eterna rediscusión de la causa. Para ello se
utiliza el método deductivo, basado en un concepto general y principiológico de seguridad
jurídica y su aplicación particular en el caso concreto de la controversia nullitatis. El estudio
se basará en la investigación bibliográfica y el análisis de artículos académicos, legislación y
jurisprudencia, con un objetivo metodológico exploratorio y proposicional.
Palabras clave: Querela nullitatis; Acto legal; Ausencia; Imprescriptibilidad; Seguridad
jurídica.
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1. Introdução
O processo civil conviveu (e convive) com o dilema da celeridade na entrega da
prestação jurisdicional e da busca por uma decisão minimamente justa e legítima.
Trabalhando com a noção de tempo, o legislador criou diversos institutos e
mecanismos que permitem ao processo alcançar da maneira mais célere possível seu objetivo
final, qual seja, a prolação de uma sentença de mérito e a satisfação do direito perseguido.
Entre eles, destacam-se: a preclusão, a coisa julgada, a forma processual em geral, o
precedente judicial, pautados essencialmente no valor da segurança jurídica.
No entanto, não há como se esquecer que o sistema também privilegia outro valor de
igual ou superior envergadura, qual seja, o da justiça. Nesse passo, ao lado do sistema
recursal, criaram-se as chamadas ações autônomas de impugnação, que, via de regra, prestamse a corrigir vícios considerados graves no ordenamento jurídico, a ponto de permitir a revisão
de questões já acobertadas pelo manto da coisa julgada.
Em sendo uma das espécies de ação autônoma de impugnação, a querela nullitatis
surge com instrumento voltado especificamente a questionar determinados aspectos
vinculados aos pressupostos de existência da relação jurídico-processual.
Por envolver pressupostos de existência, em princípio, não se fala em prazo para
propositura da querela. E justamente por se tratar de excepcional hipótese de
imprescritibilidade é que aparecem questionamentos quanto à legitimidade de tal instrumento
processual.
Assim, a finalidade deste trabalho é tentar encontrar uma forma de compatibilizar, por
um lado, a admissibilidade da querela em nosso ordenamento jurídico, sem prazo definido
para respectiva propositura, com a necessidade, por outro, de se conferir estabilidade e certeza
às relações sociais.
2. Metodologia
O desenvolvimento do presente trabalho será abordado de acordo com o método
dedutivo, onde, segundo Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi (2003, p. 92), seus
argumentos estão corretos ou incorretos ou as premissas são capazes de sustentar a conclusão
em sua totalidade.
Para análise da querela nullitatis, é fundamental a concepção prévia acerca da
dimensão do postulado da segurança jurídica e de como ele pode ser implementado no
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ordenamento jurídico. Delimitada essa questão, insere-se a discussão dentro de uma
perspectiva constitucional e da respectiva vinculação com o meio autônomo de impugnação
em questão, especialmente com a característica peculiar do instituto processual em questão,
consistente no caráter imprescritível.
É possível mencionar, outrossim, a incidência, na presente pesquisa, de uma
abordagem metodológica histórica (Lakatos & Marconi, 2003, p. 107), na medida em se
apresenta, de maneira breve, a evolução histórica do método de impugnação autônomo das
decisões judiciais, passando por diversos períodos e escolas jurídicas até culminar com o atual
status do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.
A pesquisa pode ser classificada, segundo Pereira (2018), como qualitativa, pois
buscou-se analisar a generalidade da questão posta em análise, por meio de conceitos e
hipóteses, com consequente conclusão teórica apresentada pelos pesquisadores, eis que não se
mostra possível a quantificação de dados em estudos desse jaez.
O método de investigação será o bibliográfico, onde se realizará pesquisa pautada na
doutrina e jurisprudência, concomitante com a análise dos dispositivos legais concernentes ao
tema.
3. Resultados e Discussão
3.1 Breve análise dos planos da existência, validade, eficácia
O enfrentamento da denominada Escada Ponteana, teoria cunhada por Pontes de
Miranda (1974) e utilizada para traçar os elementos estruturais do negócio jurídico, coloca-se
como um passo necessário para delimitação do objeto sobre o qual recai este ensaio.
Isso porque, a distinção entre os planos da existência, validade e eficácia traz
consequências na escolha do instrumento processual cabível para sanar vícios (se é que assim
podemos denominar) no curso da relação jurídico-processual.
Assim, longe de pretender esgotar o assunto, é preciso ter uma mínima noção do que
representam os planos aqui tratados.
A iniciar pelo plano da existência, compreende-se que nele estão apenas os fatos
jurídicos, em cujo âmbito se insere o regime de invalidação (nulidade absoluta e relativa)
(Araújo, 2016, p. 427). A existência conforma-se com a mera análise do suporta fático,
independentemente de qualquer manifestação de vontade. Na hipótese de inexistência, não se
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cogita de ato viciado, pois defeito pressupõe existência. Assim, para ser inválido, o ato
precisa, antes, existir. A existência é amparada por pretensão declaratória.
Por sua vez, o plano da validade é exclusivo de alguns fatos jurídicos, mais
precisamente daqueles que envolvem algum tipo de manifestação de vontade (negócios
jurídicos e atos jurídicos em sentido estrito. Há fatos jurídicos que não se submetem ao plano
da validade. É o caso dos atos ilícitos (não se fala de nulidade do crime), dos atos-fatos (não
se cogita da nulidade de uma pintura) e dos fatos jurídicos naturais (infelizmente não se
invalida a morte) (Didier, 2010, p. 322). A validade do ato significa que seu suporte fático foi
preenchido de acordo com o regramento normativo. Se o preenchimento ocorrer de forma
deficiente, surgirá defeito que pode autorizar a nulificação do ato (= invalidação, que se refere
tanto à decretação do nulo quanto à anulação): a destruição de um ato jurídico em razão de um
seu defeito (Didier, 2010).
Já a eficácia do ato, como ensina Barbosa Moreira, é a sua aptidão para produzir
efeitos no mundo do direito. Na maior parte das vezes, se o ato (além de existir) é valido,
encerra tal aptidão (Teishner, 2001, p. 18).
A distinção não se restringe ao plano acadêmico. Traz importantes repercussões
práticas. A ação rescisória, por exemplo, tem por objeto questionar defeitos vinculados ao
plano da validade. Por meio dela, atacam-se julgados nulos (com exceção do art. 966, VII,
CPC)1, ou porque o são intrinsecamente, ou porque proveem de processo eivado de nulidades
absolutas, não sanadas ao longo do processo em que proferida a decisão rescindenda. Já as
hipóteses de sentenças inexistentes submetem-se à ação declaratória (querela nullitatis).
Trata-se de problema anterior ao da validade: é o ser ou não ser (jurídico) do ato.
Isso repercute no prazo em que o vício poderá ser suscitado. Se as sentenças se
enquadram nas hipóteses de rescindibilidade, a pretensão rescindenda estará sujeita ao prazo
decadencial de 2 (dois) anos (art. 975 do CPC). Porém, se de sentença inexistente se tratar,
limitação não sofrerá. É que a querela pode ser ajuizada a qualquer tempo. Cuida-se de
excepcional hipótese de imprescritibilidade admitida em nosso ordenamento (Marinoni &
Mitidiero, 2017, p. 1037). E a razão é simples: o que nunca existiu não passa, com o tempo, a
existir. De acordo com Teresa Arruda Alvim
Isto se justifica porque a finalidade das ações declaratórias é a de suprimir, do universo
jurídico, uma determinada incerteza jurídica. Segue-se daí que, enquanto existir ou
subsistir, e precisamente porque está presente uma determinada incerteza jurídica, não
1
A hipótese versa sobre o surgimento posterior de prova nova, questão, ao que parece, desvinculada de vícios
na decisão rescindenda.
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há lugar para a prescrição da ação declaratória, cujo objetivo é precipuamente o de pôr
fim a essa incerteza. (Alvim, 2019, p. 427)
A partir dessas noções teóricas, vejamos como se deu a evolução da querela ao longo
da história até assumir a forma como a conhecemos na modernidade.
4. “Querela Nullitatis”
4.1 Escorço histórico
A compreensão da querela nullitatis passa inevitavelmente pelo estudo da evolução do
regime de nulidades do processo. É que sua concepção se deu justamente sob a forma de
instrumento de correção de defeitos, ao lado de tantos outros como o próprio recurso de
apelação e a rescisória. Assim, é inconcebível estudar o instituto sem antes conhecer o
contexto histórico dos vícios que ensejaram a sua criação.
Inicialmente, no período das legis actiones, que tinha por característica ser dirigido
pelas partes, o reconhecimento da inexistência da sentença, consoante leciona Calamandrei
(Lucca, 2011, p. 3), era feito em sede de execução. O devedor, sob pena de pagar o dobro da
condenação, poderia contrapor um vindex à legis actio per manus injectionem iudicati do
credor (Gajardoni, 2000, p.3).
No período formulário, houve uma depuração do conceito de nulidade, já que esta
passou a ser compreendida como uma sanção aos atos que não observavam as regras vigentes.
Uma vez condenado e superado o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, restava
ao devedor: (i) confessar o débito e aí o pretor autorizava o credor a promover a respectiva
execução ou (ii) negar a condenação, contestando a existência ou a validade da sentença
(sentença nula era considerada inexistente).
No entanto, para além de meio de defesa do devedor em sede de execução, criou-se
um instrumento autônomo e de iniciativa do próprio devedor que se denominou revocatio in
duplum. Tal ação teria por objetivo negar a existência da sentença, à semelhança da atual
ação declaratória negativa.
Foi a partir daí, consoante assinala Gajardoni (2000), que surgiram discussões acercas
da necessidade de o sistema dispor de uma via adequada para a declaração de nulidade e
inexistência de uma sentença. Por almejar a declaração de inexistência, não havia prazo certo
para o respectivo ajuizamento da medida.
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Seguiu-se ao período republicano, em cujo âmbito surgiu a ideia de uma ação
vocacionada a obter a anulação de sentenças que, apesar de formalmente válidas,
representavam manifesta injustiça. Para tanto, o remédio criado recebeu o nome de restitutio
in integrum.
Em seguida, adveio o instituto da appellatio, como via ordinária de correção da injustiça da
decisão. A partir de aprofundado estudo acerca da obra de Calamandrei, Rodrigo Ramina de
Lucca obtempera que a appellatio
[…] surge como remédio contra a injustiça da sentença, diferenciando-se
completamente a sentença apelável da sentença inexistente. Para o direito romano,
frise-se mais uma vez, uma sentença nulla (i.e. inexistente) nunca poderia produzir
efeitos jurídicos e, portanto, não poderia ser apelável. A apelabilidade tinha como
pressuposto a existência da decisão. (Lucca, 2011, p. 3)
Apesar disso, ainda assim, como destacou o precitado autor, a apelação era admitida
contra a nulla sententia, de forma a permitir ao órgão “ad quem” reconhecer desde logo que
aquela sentença era nula (ou inexistente, pois na época eram tidas como expressões
sinônimas).
Assim, prossegue o autor, com base na obra Sopravvivenza della querela di nullità nel
processo civile vigente, de Calamandrei, as causas que normalmente implicavam a
inexistência da sentença, eram:
(a) falta de um pressuposto processual (juiz ou parte); (b) interrupção de um processo
regularmente constituído; (c) sentença pronunciada fora dos limites da relação
processual ou com outro tipo de excesso de poderes; (d) sentença pronunciada sem a
forma devida. (Lucca, 2011, p. 3)
Percebe-se, como já realçado, que, nesse período, os conceitos de sentença inexistente
e sentença nula (derivada de nulidade ipso iure) eram tidos como expressões sinônimas.
Extrai-se, pois, que no direito romano a querela era destinada exclusivamente ao
ataque de sentenças acometidas de errores in procedendo, ou seja, um instrumento voltado
contra a sentença nula. Mas negava-se que os errores in procedendo significassem a
inexistência (na acepção técnica do termo) do julgado.
Em contraposição, no direito germânico prevalecia o princípio da validade formal das
sentenças, segundo o qual, não sendo impugnada no tempo legalmente previsto, a sentença
não poderia mais ser questionada, padecesse do vício que fosse.
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Foi a partir de uma fusão de teorias do direito romano e germânico que surgiu, no
direito estatutário italiano, a ideia de criar “[…] para a denúncia dos errores ‘in procedendo’,
um remédio especial, a ‘querela nullitatis’, exercitável de modo autônomo, não propriamente
como ação, mas por simples ‘imploratio officii iudicis.’” (Gajardoni, 2000, pp 2-3)
Destarte, a querela passou a ser compreendida como instrumento hábil a impugnar
sentenças nulas, acometidas de errores in procedendo, ao passo que a injustiça das decisões
eivadas de errores in iudicando eram atacadas por meio da apelação (appellatio).
Fato é que ambos os instrumentos estavam limitados por um prazo certo, cujo decurso
implicaria a indiscutibilidade total do julgado. De acordo com Rodrigo Ramina de Lucca,
O estatuto de Modena (1327), por exemplo, estabeleceu prazo de 10 dias para a
apelação e 30 dias para a querela nullitatis; o estatuto de Roma fixou prazos de 10 dias
e 1 ano, respectivamente; e nessa linha seguiram os demais estatutos italianos. O
estatuto de Genova chegou a impor às partes que escolhessem qual dos instrumentos
pretendiam utilizar. Interposto um deles, preclusa estava a faculdade de valer-se do
outro. (Lucca, 2011, p. 3)
O instituto da querela, portanto, carecia de aprimoramento para equacionar questões
que não poderiam ser acobertadas pelo decurso do tempo.
Foi, então, nos estatutos de Perúgia e Carrara que ela encontrou espaço fértil para se
desenvolver e alcançar os traços pelos quais a conhecemos em tempos atuais (Gajardoni,
2000, p. 6). Neles é que a antítese entre o conceito de anulabilidade e o de nulidade ipso iure
foi resolvida de maneira mais lógica: por um lado, se acolhe a noção de anulabilidade para
contemplar quase todos os vícios da sentença e para estes prefixa um prazo peremptório
dentro do qual devia ser exercida a querela nullitatis em via principal; por outro, partindo da
premissa da inexistência do julgado para alguns vícios mais graves, passa a admitir, a
qualquer tempo, o exercício da exceptio nullitatis. Naquela hipótese, tem-se a chamada
querela nullitatis sanabilis, para essa querela nullitatis insanabilis (Gajardoni, 2000, p. 6).
Percebe-se, pois, no estrito limite que este breve artigo oferece2, que a querela
nullitatis sofreu forte influência do direito romano e germânico e encontrou no direito
estatutário italiano seu ápice de autonomia e forma pela qual a conhecemos atualmente.
2
Fernando da Fonseca Gajardoni (op. cit., p. 8-12) mergulha de forma mais profunda no desenvolvimento
histórico da querela nullitatis, colhendo traços do instituto junto ao Direito Canônico e Direito Português.
Igualmente, Rodrigo Ramina de Lucca (op. cit., p. 2-8) verticaliza a origem do instituto no direito romano e
germânico, inclusive fazendo uma breve aproximação com o direito francês.
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4.2 Querela nullitatis no Brasil
Como destaca Gajardoni,
[…] durante mais de 300 anos, no tocante ao tema das nulidades e, consequentemente,
dos meios impugnativos, nosso país ficou sujeito às Ordenações Afonsinas, de 1446,
Manuelinas, de 1541, Código Sebastiânico, de 1569, Ordenações Filipinas, de 1603 e
a leis extravagantes posteriores de 1640. (Gajardoni, 2000, p. 13)
Nas Ordenações Manuelinas, identificaram-se dois remédios contra sentenças eivadas
de nulidades: o ordinário – remédio imprescritível vez que sentenças nulas, à época, jamais
transitavam em julgado - e o extraordinário. Nas palavras de Roque Komatsu, (como citado
em Gajardoni, 2000, p. 13) “o remédio ordinário era uma sobrevivência da ‘querela nullitatis’
do Direito Estatutário do século XIII (...) e recebeu, no século XIX, a denominação de ‘ação
de nulidade e rescisão de sentença’”, a qual, posteriormente, em 1843, segundo Gajardoni,
passaria a ser conhecida por ação rescisória, nome consagrado no direito português.
Assim é que o Título LXXV das Ordenações Filipinas, sucessora das ordenações
Manuelinas, expressamente estabeleceu expressamente que “a sentença, que é por Direito
nenhuma, nunca em tempo algum passa em cousa julgada, mas em todo tempo se pode opor
contra ela, que é nenhuma e de nenhum efeito, e portanto, não é necessário dela ser apelado”.
Observa-se, destarte, que nos primórdios da legislação brasileira a querela tinha
previsão legal, o que não se sucedeu com as legislações seguintes, que simplesmente
passaram ao largo da matéria, senão com previsões esparsas e isoladas, como é o caso, v.g., do
art. 741, I, do CPC/1973, reproduzido no atual art. 525, §1º, I, do CPC/2015, a partir dos
quais se extrai um dos fundamentos da querela em nosso ordenamento.
No âmbito jurisprudencial, não há como deixar de citar o voto do Min. Moreira Alves,
proferido no RE 97.589/SC, julgado em 17.11.19823, em que o STF, modificando o
entendimento até então consolidado,4 passou admitir a querela como meio autônomo de
decisões judiciais, não mais sujeitas a ação rescisória, em casos de réu revel não citado. Tal
precedente é tido como marco divisor quanto à admissibilidade da querela nullitatis no direito
nacional.
3
STF, RE 97.589/SC, Pleno, j. em 17.11.1982, rel. Min. Moreira Alves, DJ 03.06.1983.
Em 1967, por exemplo, o Min. Oswaldo Trigueiro enfrentou o tema e, em seu voto, afirmou expressamente que
o art. 1.010 do CPC/1973 “não tem o condão de fazer reviver a querela nullitatis como ação autônoma”. (RE
62.128/SP, 1.ª T., j. 15.05.1967, rel. Min. Oswaldo Trigueiro, DJ 24.08.1967). Alguns anos mais tarde, em 1973,
o Min. Aliomar Baleeiro reiterou que a ação rescisória era o único instrumento do direito brasileiro voltado à
invalidação de sentença transitada em julgado. (Lucca, 2000, p. 11).
4
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4.3 Noções essenciais
Ao lado dos recursos, a querela nullitatis constitui meio de impugnação de decisões
judiciais. Enquadra-se, a querela, no gênero ação autônoma de impugnação. A diferença é que
as ações autônomas formam uma nova relação processual distinta, ao passo que nos recursos
há uma continuidade de um procedimento inicial já instaurado.
Pertencem a esta categoria: (i) ação rescisória (art. 966 do CPC/2015); (ii) ação
anulatória (art. 966, §4º do CPC/2015); (iii) a reclamação (arts. 988 e ss do CPC/2015); e (iv)
querela nullitatis, também denominada ação declaratória de inexistência.
Parte da doutrina (Alvim & Medina, 2001; Teishner, 2001; Gajardoni, 2000) considera
que a querela tem natureza declaratória negativa. Mas há quem nela enxergue uma natureza
constitutiva (Costa, 2008). Não há procedimento próprio e, diversamente do que se passa com
a rescisória, cujo processamento e julgamento se dá no Tribunal que proferiu a decisão
rescindenda ou a que está vinculado o magistrado que a proferiu, deve ser apresentada ao
próprio juízo em que se proferiu a sentença tida como inexistente.
4.4 Hipóteses de cabimento
No plano dogmático, há controvérsia quanto às hipóteses de cabimento da querela
nullitatis. Há uma linha interpretativa mais liberal, que a admite em diversas situações, e
outra, mais restritiva, onde poucas são as hipóteses de cabimento.
Aderindo àquela orientação, Teresa Arruda Alvim (2019) entende existir íntima
relação entre a coisa julgada e a rescindibilidade da sentença. De acordo com a autora,
somente sentenças transitadas em julgado podem ser rescindidas, nos termos do art. 485 do
CPC/2015. E para transitar em julgado é preciso, antes, que a decisão exista. Se o ato não
existe, ao menos no plano jurídico, em hipótese alguma pode transitar em julgado, afinal é um
não ato5. Nas exatas palavras da autora: “Se o ato nulo é viciado de alguma forma, o
inexistente não chega nem a ser, juridicamente. Trata-se de problema anterior à validade: é o
ser ou não ser (jurídico) do ato.”
5
Acolhendo orientação de que a ausência de citação impede o trânsito em julgado da sentença em que
configurado tal vício, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu: “Considerando o cabimento da querela nullitatis
a nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo,
vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a
sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula em ação com esse objetivo ou em
embargos à execução, se o caso. (2ª Turma, REsp 1105944/SC, Rel. Ministro Mauro Cambpell Marques, j. em
14/12/2010, DJe 08/02/2011)
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Partindo dessa premissa, conclui a autora que, por meio da ação rescisória, serão
atacáveis as sentenças que, embora viciadas, mostram-se aptas a produzir efeitos. Já a querela
nullitatis será o instrumento adequado para questionar sentenças juridicamente inexistentes,
em si mesmas ou porque provenientes de processos inexistentes6.
As consequências práticas dessa distinção, como já consignado, são extremamente
relevantes: as sentenças encartáveis no último grupo serão rescindíveis e a rescindibilidade
está sujeita a prazos, limitação que não afeta as sentenças inexistentes.
Não é possível estabelecer uma graduação entre o ato inexistente, nulo e anulável7.
Mas, se por mera, fosse possível cogitar de tal hipótese, haveria nessa ordem um grau
decrescente de gravidade, de tal modo que na primeira hipótese sequer o decurso do tempo
(por mais extenso que fosse) seria capaz de “convalidar” o “vício” (rigorosa e tecnicamente,
sequer vício há, pois o ato tido por viciado sequer existe).
É sentença juridicamente inexistente aquela que não pode ser chamada de sentença:
não pode ostentar o nomen iuris: sentença. Como verbera Teresa Arruda Alvim, “Tem um
defeito tão grave que a desidentifica como sentença.” (2019, p. 409)
Assim, para a corrente mais liberal, são exemplos de sentenças inexistentes, que não
fazem coisa julgada material: (i) a sentença sem decisório; (ii) a sentença sem condições
materiais de produzir efeitos, porque incerta ou impossível; (iii) a sentença proferida por um
não juiz; (iv) a sentença pronunciada contra pessoa inexistente ou sem legitimidade para a
causa; (v) a sentença não assinada pelo juiz;8 (vi) as sentenças ilegíveis; (vii) sentenças não
publicadas; e (viii) sentenças não escritas.
José Maria Tesheiner (1993, pp 138-139) adiciona o caso da sentença juridicamente
impossível ou da impossibilidade jurídica do dispositivo, que seria o caso, por exemplo, de
um comando de condenação à pena de morte. Por ser um comando juridicamente impossível
6
Ovídio Baptista da Silva menciona que no direito romano, a sentença nulla [inexistente] era nenhuma e, em
tais condições, não necessitava de qualquer impugnação do prejudicado, que poderia simplesmente ignorá-la (Da
sentença liminar à nulidade da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2002,p. 240).
7
De acordo com Roque Komatsu, “Não há graduação entre ato inexistente, nulo e anulável. Ao ato inexistente se
opõe o ato existente; este é que pode ser nulo ou válido. […] Aliás, a inexistência pode assumir dois aspectos
distintos: um meramente vocabular, que significa não ato; outro jurídico, que significa ato existente no mundo
dos fatos, mas não existe no mundo jurídico.” (Citado por Gajardoni, Fernando da Fonseca. 2000., p. 137/139)
8
Embora não tratada expressamente como hipótese de querela nullitatis, é possível deduzir falta de assinatura
do juiz como hipótese de querela a partir de uma interpretação do art. 161, §§1º e 2º, do CPC italiano, que assim
dispõe:
“§1.º La nullità delle sentenze soggette ad appello o a ricorso per cassazione può’ essere fatta valere soltanto nei
limiti e secondo le regole proprie di questi mezzi di impugnazione” (A nulidade das sentenças sujeitas a apelação
ou a recurso de cassação pode ser reconhecida somente nos limites e segundo as regras próprias destes meios de
impugnação).
“§2º Questa disposizione non si applica quando la sentenza manca della sottoscrizione del giudice.” (Esta
disposição não se aplica quando da sentença faltar a assinatura do juiz).
11
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de cumprimento, ante a expressa constitucional (art. 5º, XLVII, “a”, da CF), tal sentença
padeceria de vício insanável, configurando o que o autor denomina de vício transrescisório
(Lucca, 2011, p. 997).
José Miguel Garcia Medina (2020, p. 997), a seu turno, acrescenta outra interessante
hipótese: ofensa à coisa julgada. Neste caso, quando a decisão tiver sido proferida sobre caso
já resolvido anteriormente por decisão transitada em julgado, a segunda ação (demanda) é
inadmissível e, por conseguinte, a decisão nela proferida a respeito do mérito. Trata-se do
efeito negativo da coisa julgada, que impede que aquela mesma questão venha a ser
reapreciada.
Discussão relevante, indicada por Medina, versa sobre a hipótese em que uma decisão
que viola a coisa julgada não tiver sido questionada dentro do prazo da rescisória. Uma
primeira linha interpretativa (Medina, 2020) entende que deve prevalecer a segunda decisão,
ainda que contrária à coisa julgada, pois, superado o prazo de 2 (dois) anos, o direito e a
pretensão à rescisão desaparecem. Em consequência, desaparece a eficácia de coisa julgada da
primeira decisão. Haveria, em tese, duas decisões que se contradizem e a contradição deve ser
afastada pela superação da sentença ofendida, salvo se a primeira sentença já tiver sido
cumprida. Um dos adeptos de tal forma de pensar é Humberto Theodoro Junior, que conclui:
Sendo, outrossim, rescindível e não nula a nova sentença que infringiu a coisa julgada,
e como não podem coexistir duas coisas julgadas a respeito da mesma lide, força é
concluir que, em nosso sistema processual, enquanto não rescindida, deverá prevalecer
a eficácia do segundo julgamento. (Theodoro Junior, 2017, p. 708)
Por outro lado, há quem entenda que a decisão que contraria a coisa julgada pode ser
considerada inexistente do ponto de vista jurídico e, como tal, prescinde da ação rescisória
(Miranda citado por Medina, 2020, pp. 773-774). Sustenta-se que o fato de ter escoado o
prazo da rescisória significa apenas e tão somente que esse meio de impugnação não pode
mais ser utilizado, mas não resolve a questão de qual das decisões deve prevalecer. Se se
admitisse que a segunda decisão tornasse a primeira “como se não tivesse havido”, como
sustentou Pontes de Miranda (1974), equivaleria dar às ações subsequentes caráter rescisório,
já que a todo momento acabaria por admitir-se o desfazimento da coisa julgada anterior, em
total desconformidade com a segurança jurídica, base da própria coisa julgada. Ora, como
realça o Medina (2020), se alguma decisão deve prevalecer, há de ser aquela que não contém
vício, como é o caso da primeira decisão, não da segunda que contraria a lei e a Constituição.
12
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Ainda, há de se afastar a noção de que a segunda decisão “revoga” a primeira, como se
estivesse diante de um conflito de leis. Ora, leis revogam leis, mas decisões judiciais
transitadas em julgado não são “revogáveis” por outras decisões. De toda sorte, mesmo que se
pudesse fazer a analogia com o que sucede no conflito de leis no tempo, ainda assim, ter-se-ia
que respeitar a coisa julgada. É que, assim como as leis não podem ofender a coisa julgada
(art. 5º, XXXVI, da CF), também não o podem as decisões judiciais. Seguindo essa linha de
raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2015) já entendeu admissível a alegação de
ofensa à coisa julgada até mesmo em sede de exceção de pré-executividade.
Voltando ao tema deste capítulo, há, por outro lado, quem adote posição mais restritiva
em relação às hipóteses de cabimento da querela. É o caso, por exemplo, de Vicente Greco
Filho (2003, p. 419), que, no entanto, apesar de mais restritivo, acrescenta, como hipótese de
sentenças inexistentes (ou “simulacros de sentença”, como denomina), aquelas proferidas por
quem não é magistrado, a par daquelas proferidas em processos onde não houve citação.
Segundo o autor, tais situações prescindem de rescisória para eliminar as decisões do sistema,
tratando-se de hipótese de querela. O exemplo clássico é o da sentença proferida por um
árbitro de futebol ou por um juiz aposentado. Em tais casos, de acordo com o autor, se
condicionado o cabimento da querela apenas às situações de sentença em que não tenha
havido citação e o réu tenha sido revel, correr-se-ia o risco de admitir que uma decisão nesta
situação, apesar de teratológica, produzisse efeitos e operasse o fenômeno da coisa julgada.
Se, por um lado, a interpretação mais restritiva não é a que, ao nosso sentir, melhor se
coaduna com o estudo da matéria - pois implicaria excessivo desequilíbrio na equação do
binômio justiça x segurança jurídica que permeia o estudo do tema das ações impugnativas -,
por outro, a ampliação excessiva do rol de cabimento poderia provocar o mesmo efeito e
contemplar hipóteses que, data venia, escapam do âmbito extremamente restrito (inclusive
sob uma interpretação histórica) da querela. É o que se daria, por exemplo, com as sentenças
pronunciadas contra pessoa inexistente e/ou sem legitimidade para a causa e as sentenças não
publicadas (Gajardoni, 2011, p. 21).
A partir dessas considerações, Gajardoni critica uma interpretação que desconsidere a
origem do instituto, assim como a vinculação aos pressupostos da existência da relação
jurídico processual, como é a hipótese da ausência das condições da ação:
A ausência de uma das condições da ação, da mesma forma, não leva à inexistência da
sentença e, consequentemente, à possibilidade de ajuizamento da “actio nullitatis”.
Como já dito, o sistema prefere a segurança do que a justiça/legalidade em certos
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casos. Diante de uma sentença de mérito, quando o caso era de carência da ação, tem a
parte possibilidade de interpor recursos. E mais, ainda no prazo de dois anos, pode
ajuizar a competente ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, do CPC. Se
inerte durante todo esse período, mesmo diante da gravidade do vício da sentença, o
sistema prefere a pacificação das relações sociais. A sentença se torna, perpetuamente,
imodificável. (Gajardoni, 2011, p. 21)
Não é diferente o que se passa com as sentenças não publicadas. Ao nosso sentir, não
se trata de ato inexistente. Aqui nos parece que a questão não se coloca no plano da existência,
pois o ato tanto formalmente, quanto juridicamente existe, o que não há é a produção de
efeitos que se daria mediante a publicização do ato.9
Se a querela tem, em sua origem, a finalidade de questionar sentenças de mérito
proferidas em processos a que tenha faltado pressuposto processual de existência, o vício que
a caracteriza envolve algum(ns) dos seguintes pressupostos processuais: a citação, a petição
inicial e a jurisdição (capacidade postulatória: a inexistência também ocorre quando o
advogado não junta procuração nos autos)10.
Se é assim,
As sentenças proferidas em feitos que ausentes um ou mais desses requisitos jamais
passam em julgado, pois, na verdade, são frutos de uma relação jurídica processual
inexistente. Consequentemente, se a relação jurídica processual é inexistente, a
própria sentença o é, sendo impossível, pois que seja rescindida, já que não cabe ação
rescisória sobre algo que não existe (Gajardoni, 2011, p. 20)
Feitas tais considerações, oportuno enfrentar, ainda que brevemente, cada uma das
hipóteses de querela nullitatis.
A primeira delas consiste na prolação de sentença em processo em cujo âmbito não
tenha havido citação e o réu tenha sido revel11. Como é de correntia ciência, a citação é
9
A respeito da produção de efeitos por uma sentença tida como inexistente, a doutrina diverge. Enquanto
Cândido Rangel Dinamarco invoca que “só quanto a uma sentença que exista, obviamente, se pode cogitar da
produção de efeitos” (Litisconsórcio. 8. Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 409), Teresa Arruda Alvim apregoa
que “atos inexistentes juridicamente podem produzir efeitos, desde que isto seja possível material, fática e
concretamente” (2019, 178).
10
Consoante leciona Teresa de Arruda Alvim, “É possível se depreender que os pressupostos processuais de
existência ligam-se à ideia de relação processual trilateral.” (2019, p. 415).
11
De longa data o Superior Tribunal de Justiça reconhece a ausência de citação como causa apta a ensejar a
querela nullitatis: “PROCESSUAL CIVIL – NULIDADE DA CITAÇÃO (INEXISTÊNCIA) – QUERELA
NULLITATIS. I – A tese da querela nullitatis persiste no direito positivo brasileiro, o que implica em dizer que a
nulidade da sentença pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, eis que, sem a citação, o processo,
vale falar, a relação jurídica processual não se constitui nem validamente se desenvolve. Nem, por outro lado, a
sentença transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em
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considerada ato imprescindível para triangularização da relação jurídico-processual, sem o
que não há processo e, consequentemente, sentença. Se proferida sentença em tal contexto, o
ato existirá apenas formalmente, mas sob o prisma material considera-se inexistente.
Tal hipótese vem expressamente contemplada no art. 525, §1º, I, do CPC/2015 e no art. 741,
I, do vetusto CPC/1973, os quais admitem que a matéria venha a ser suscitada em sede de
impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos à execução, respectivamente.
Paralelamente, já se admitiu suscitar a matérias em sede de ação civil pública (Brasil, 2010)
e até mesmo de mandado de segurança (Brasil, 2003).
O que, contudo, não se pode perder de mira é que, por envolver pressuposto
processual de existência, a simples inércia ou mesmo negligência do réu em não levantar a
matéria em sede de cumprimento de sentença não o impede de invocá-la na via estreita da
querela nullitatis, afinal, como visto, o que não existe não passa, pelo decurso de tempo, a
existir.
Não se está aqui a trata de eventual vício na citação, como, por exemplo, de defeito
na citação ficta (por edital). Nesse caso, estar-se-á diante de hipótese de nulidade (aliás,
absoluta) e, como tal, suscetível à ação rescisória.
Muito embora grande parte da doutrina defenda o entendimento até aqui exposto, não
há como deixar de consignar a orientação endossada por renomados processualistas (Lucca,
2011; Didier, 2007) no sentido de que a hipótese aqui tratada não se enquadra no conceito de
pressuposto de existência, mas sim de validade da relação jurídico-processual. Para tanto,
invocam os seguintes argumentos: (i) o próprio CPC/2015 seria muito claro ao erigir a
citação como mero requisito de validade, quando dispôs que a citação inicial é indispensável
para a “validade do processo” (art. 214) e que o processo se inicia com a “demanda” e não
com a citação (art. 262); (ii) há muitos atos processuais que são praticados antes da citação,
como, por exemplo, o despacho que recebe a inicial e manda citar o réu, a decisão que
concede ou não a tutela antecipada, entre tantos outros que simplesmente não pode ser
ignorados a ponto de serem tidos como inexistentes; (iii) o próprio processo pode ser extinto
antes mesmo da citação, quando o juiz, v.g., indefere a petição inicial ou julga
antecipadamente o mérito antes mesmo da citação, como ocorre nos casos de decadência ou
prescrição. Ora, não se extingue o que não existe; e (iv) “Sentença proferida sem a citação do
réu, mas a favor dele, não é inválida, nem ineficaz [quanto mais inexistente], tendo em vista
a absoluta ausência de prejuízo.” (Didier, 2007, p. 424)
embargos à execução, se for o caso. II – Recurso não conhecido.” (REsp 12.586/SP, Rel. Min. WALDEMAR
ZVEITER , DJU de 04.11.1991)
15
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Ao questionar o posicionamento de Eduardo Talamini de que o caso de falta ou
nulidade de citação de réu revel seria de inexistência parcial (falta de citação do réu),
Rodrigo Ramina de Lucca cita interessante argumento: “A existência jurídica do ato se dá em
relação ao ordenamento jurídico, não em relação às partes. Por isso, não é possível cogitar de
um processo existente para determinada pessoa e inexistente para outra.” (2011, p. 19).
Embora o caminho mais adequado seja o da querela nullitatis, não há como deixar de
admitir, nestes casos, a hipótese de rescisória, pois, no mínimo, ao proferir decisão contra réu
não citado, terá ocorrido “violação manifesta à norma jurídica” (966, V, do CPC) (Medina,
2020, pp. 1440-1441.
Nada obstante, na linha perfilhada pela maioria da doutrina, parte do Superior Tribunal
de Justiça (Brasil, 2010) compreende que, como nessa hipótese não há trânsito em julgado,
não há falar em ação rescisória.
Em crítica a tal entendimento, José Miguel Garcia Medina (2020, p. 1440) obtempera
que, ao assim proceder, o Superior Tribunal de Justiça ignora que tal decisão, ao menos
aparente e formalmente, transitou em julgado para o réu não citado. Assim, poderia ele valerse da ação rescisória, por supor que a decisão proferida em tal contexto viola manifestamente
a norma jurídica. Reforça tal orientação o fato de inexistir previsão legal de remédio
processual específico para suscitar o vício (a não ser a impugnação ao cumprimento de
sentença, caso ainda subsista a relação processual tida por inexistente).
De toda sorte, é oportuno lembrar que o Superior Tribunal de Justiça, no precedente
por último citado, apesar de entender que não era hipótese de rescisória, admitiu a conversão
de uma ação rescisória em declaratória.
Seguindo a mesma orientação, Teresa Arruda Alvim acena com a possibilidade de
fungibilidade:
[...] Entretanto, em face de princípios, vetores interpretativos, que se encontram
implícitos e explícitos no CPC de 2015, é evidente que a fungibilidade deve nortear a
solução a ser dada. Também cabe ação rescisória, já que se está diante de situação em
que houve “ofensa à norma jurídica” ocorrida numa sentença que, aparentemente teria
transitado em julgado. A coisa julgada, ainda que apenas aparente, somada à infração à
lei (faltando condições da ação ou pressupostos processuais de existência), o juiz não
resolverá o mérito. De fato, o princípio do aproveitamento é uma das principais linhas
mestras do NCPC. Se, de rigor, a ação declaratória seria a mais adequada, não se pode
deixar de aproveitar a ação rescisória. (Alvim, 2019, p. 416)
16
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Prossegue a autora dizendo que, se se quiser aproveitar o processo (utilizando a ação
rescisória como querela nullitatis), pode-se lançar mão da teoria da aparência: a sentença
aparentava, em primeiro lugar, ser uma sentença e, em segundo, parecia também ter transitado
em julgado. Em arremate, questiona: “[...] A que tipo de vantagem levaria o rigorismo
consistente em se entender que o meio seria inadequado e recomendar-se à parte que
intentasse outra ação? Hoje, pensamos: a nenhuma.” (Alvim, 2019, p. 440)
A segunda hipótese de cabimento da querela remete ao caso de sentença proferida em
procedimento cujo início não se deu por uma petição inicial. Conforme se sabe, em matéria de
processo civil, vigora, como regra geral,12 o princípio da inércia da jurisdição (art. 2º do
CPC)13. Assim, é inadmissível a prolação de uma decisão sem que a respectiva provocação
da parte. Tal cenário não se circunscreve aos casos de julgamento de pedido não formulado
pela parte, mas também de julgamentos fora e/ou além do pedido (extra e ultra petita)14. Da
mesma forma, não há como se conceber uma sentença que não contenha parte dispositiva, ou
seja, sem comando judicial algum. Em ambos os casos, está-se diante de um não ato judicial,
ou melhor, de uma sentença inexistente ou, como diria Calamandrei (citado por Lucca, 2011,
p. 2), um “fantasma de sentença”.
A terceira hipótese de querela consiste na sentença proferida por pessoas que não
detenham jurisdição. Exemplo disso, aliás, citado linhas acima, é a sentença proferida por um
magistrado já aposentado, que não se dá conta do fim de sua judicância. O mesmo ocorre com
a decisão proferida por um árbitro de futebol, como já prenunciado neste artigo (Greco Filho,
2003, p. 419).
Finalmente, a quarta hipótese, praticamente unânime na doutrina, remete à sentença
proferida em processos em que ausente a capacidade postulatória de quem se declarada como
advogado ou que não tenha procuração da parte. Como realça Gajardoni, um “não advogado”
12
Entre as exceções ao princípio da inércia da jurisdição, colhe-se a autorização dada pelo atual Código de
Processo Civil para o juiz atuar de ofício para, por exemplo, suscitar conflito de competência (art. 951) ou então
instaurar incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 978). Ao contrário do CPC de 1973, cujo art. 989
permitira a instauração de inventário de ofício pelo juiz, o atual Código não estabeleceu previsão semelhante.
13
“Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções
previstas em lei.”
14
Fernando da Fonseca Gajardoni cita exemplos bastante elucidativos sobre a problemática: “Tome-se por
exemplo uma sentença que condena o réu ao pagamento de uma quantia, sem que tenha havido qualquer tipo de
pedido da parte do credor. Ou outra em que, embora pedida a condenação do réu em x, o juiz o condena em “y”
ou “x + y” (julgamento “ultra” ou “extra petita”). Parece-me claro que, quanto ao tópico que não era objeto do
pedido, a sentença inexiste, cabível, por consequência, a declaratória de inexistência.”(2011 p. 22).
17
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é absolutamente incapaz de requerer tutela judicial e “[…] o pedido feito por aquele que não
tem poderes para pleitear em nome alheio não vincula o verdadeiro legitimado, nos termos do
art. 37 do CPC pátrio.” (2011, p. 23) Ressalvam-se, dessa regra, as exceções legais dos
Juizados Especiais Cíveis e Federais e do Habeas Corpus, em cujo âmbito prescinde-se de
capacidade postulatória.
Dessa feita, as sentenças proferidas em feitos que ausentes um ou mais desses
requisitos jamais passam em julgado, pois, na verdade, são frutos de uma relação jurídica
processual inexistente. Consequentemente, se a relação jurídica processual é inexistente, a
própria sentença o é, sendo impossível, pois que seja rescindida, já que não cabe ação
rescisória sobre algo que não existe.
5. Breves Noções acerca da Segurança Jurídica
Admite-se que, tendo natureza declaratória, a querela nullitatis pode ser proposta a
qualquer tempo. Disso decorre o questionamento acerca de como a segurança jurídica poderá
ser concretizada em um sistema que permite que provimentos sejam revistos indefinidamente.
Para J.J. Gomes Canotilho (1999, p. 6), a segurança jurídica se consolida como
princípio que expressa a confiança dos indivíduos em que seus atos e as decisões públicas
sejam pautados em normas jurídicas vigentes e válidas, bem como que os atos jurídicos
fundamentados nessas normas produzam os efeitos esperados pelo ordenamento.
No mesmo sentido, José Afonso da Silva, citando entendimento de Jorge Reinaldo
Vanossi, disserta ser “o conjunto de condições que tornam possível às pessoas o
conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à
luz da liberdade reconhecida.” (1999, p. 433).
A segurança jurídica, portanto, apresenta como caracteres o sentimento de confiança e
a certeza do indivíduo pertencente a determinada ordem jurídica e perante esta. Em realidade,
pode-se infirmar que tal sentimento é importante à criação do próprio ordenamento, por força
da necessidade de se organizar a vida em sociedade, que, segundo clássica lição de Rousseau,
é feita por meio do pacto social, onde renuncia-se a liberdade em nome da devolutiva de
proteção e segurança (Vilalba, 2013). Hobbes, também tratando da passagem do estado
natural do homem para a sociedade, ao conceber o Leviatã, doutrinou que a segurança jurídica
seria garantida por meio da presença do Estado, evitando que os indivíduos permanecessem
em estado de guerra, mantendo, assim, a ordem (Hobbes, traduzido por Monteiro & Nizza,
2003, p. 128). Montesquieu (traduzido por Murachco, 2005, p. 168), ademais, afirmava que a
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segurança é fundada na tranquilidade de espírito daquele que não teme o outro, por meio da
ordem instaurada pelo implemento da, por ele apresentada, teoria da divisão dos poderes.
Com a passagem para um Estado de bem-estar social, em que a ingerência do Estado
no particular era clara, havendo uma maior dependência dos indivíduos frente aos atos do
Estado, a segurança jurídica assumiu, além do caráter de defesa frente as arbitrariedades
estatais, o caráter regulador das expectativas dos indivíduos (Camargo & Balarini, 2005),
entendimento que ainda hoje se concebe. Tal forma de Estado, contudo, embora fosse seu
desiderato, não logrou êxito em assegurar a justiça social, muito menos em permitir a
participação democrática no processo político, conforme se sucedeu com o que a modernidade
conhece por Estado Democrático de Direito, cujas notas essenciais são a prevalência da
vontade do povo (Medina, 2020, p. 33), a submissão do poder ao império da lei e a garantia
de direitos fundamentais dos cidadãos (Perez citado por Medina, 2020, p. 33).
A existência do Direito, assim, se confunde com a da necessidade de segurança.
Estabilidade e certeza nas relações entre os indivíduos garantem equilíbrio e harmonia na
sociedade, a serem exercidos por meio do Direito.
Em pensamento contemporâneo, Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 318) discorre que um
Estado de Direito
é sempre também – pelo menos em princípio e num certo sentido – um Estado da
segurança jurídica, já que, do contrário, também o ‘governo das leis’ (até pelo fato de
serem expressão da vontade política de um grupo) poderá resultar em despotismo e
toda a sorte de iniquidades.
É, portanto, princípio inarredável do Estado de Direito, assumindo, a segurança
jurídica, tamanha importância que, simultaneamente, constitui-se como direito fundamental
da pessoa humana e princípio fundamental da ordem estatal (Canotilho, 2003, p. 257).
Celso Antônio Bandeira de Mello sabiamente relaciona a segurança jurídica com o
princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamento da República (art. 1º, III,
Constituição Federal), pois tal princípio não será resguardado quando “as pessoas estejam
sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições
de, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar nas instituições sociais e estatais
(incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas.” (Mello,
2003, p. 112).
Nesse sentido, fala-se em aspecto objetivo e subjetivo da segurança jurídica. Aquele
recai sobre toda a ordem jurídica, objetivamente falando, incluindo-se, dentro desse conceito,
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a ideia da irretroatividade e previsibilidade dos atos estatais, assim como o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 5.º, XXXVI, Constituição Federal). Já o
aspecto subjetivo abarca o mencionado princípio da confiança. Solidifica-se na análise do
indivíduo frente ao ato do poder público, este que não deve frustrar as legítimas expectativas
dos cidadãos (Marinoni, Mitidiero & Sarlet, 2018, p. 1245).
Embora inexistente menção expressa acerca da segurança jurídica na Constituição
Federal, entende-se que resta consolidada no art. 5º, caput e inc. XXXVI, onde se dispõe que
“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (Brasil,
1988).
De maneira objetiva, compreende-se que o direito adquirido é aquele que incorporouse no patrimônio de seu titular, não podendo lei posterior prejudicá-lo por ainda não ter sido
exercido. O ato jurídico perfeito é o direito adquirido já consumado, exercido. A coisa julgada
corresponde à defesa frente a atuação da lei, pelo constituinte, do direito reconhecido
judicialmente (Silva, 1999, p. 435).
Além do referido dispositivo, Humberto Ávila (2011, p. 31) invoca outros
fundamentos que compõem a figura da segurança jurídica, como a legalidade, a
irretroatividade e a anterioridade. Para o autor, que trata do tema em obra específica, a
segurança jurídica pode ser analisada como um fato, como valor e como princípio. Como fato,
corresponderia à realidade passível de constatação; como valor, o estado ideal do
ordenamento jurídico; como norma-princípio, dotada de generalidade muito superior à da
regra, sendo exercida como verdadeiro mandado de otimização, nos termos utilizados por
Alexy (citado por Ávila, 2011, p. 116).
Assim, a segurança jurídica, pela tríplice dimensão que lhe é conferida, deve estar
presente em todo e qualquer ato estatal e nas relações jurídicas entre particulares e entre estes
e o Estado, para que o Direito, em sua integralidade, reflita tal sensação de segurança e
rechace qualquer forma de instabilidade que possa prejudicar o pleno desenvolvimento dos
indivíduos.
5.1 O tempo como um dos vetores da segurança jurídica
Para Platão, o tempo (chronos) é a representação móvel da eternidade (aión),
“progredindo segundo o número das revoluções dos astros.” (Citado por Reis, 1996)
O tempo, portanto, partindo do conceito exposto, é a eternidade agora. E a ideia de
eternidade correlaciona-se intimamente com a segurança jurídica, na medida em que,
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enquanto se perpetuam determinadas situações jurídicas conflituosas, não há que se falar em
estabilidade e alcance da harmonia e ordem social.
Insere-se aí a função primordial do processo de pacificação social por meio da
resolução de conflitos (Cintra, Dinamarco & Grinover, 2015, p. 317).
5.1.1 O tempo e a coisa julgada
Luiz Guilherme Marinoni e outros (2018) tratam da segurança no processo e pelo
processo. Os autores mencionam que “o direito fundamental à segurança jurídica processual
exige respeito: (i) à preclusão; (ii) à coisa julgada; (iii) à forma processual em geral; e (iv) ao
precedente judicial.” (Marinoni, Mitidiero & Sarlet, 2018, p. 896).
Para análise dos efeitos que o tempo possui dentro e para fora do processo, pauta-se o
raciocínio dentro de um contexto cronológico, que é determinado especificamente pelo
legislador, para que não pairem incertezas e se possa realmente garantir uma forma de
segurança para as partes. Deixar ao arbítrio das partes (embora, em alguns casos, já se fale em
negócio jurídico processual, o que não se objetiva analisar no presente estudo) ou de eventos
que dependem única e exclusivamente de questões naturais, não é suficiente para garantir
estabilidade e pleno desenvolvimento do processo, cujo escopo principal é a pacificação
social.
Mencionando os conceitos apresentados pelos autores e associando-os com o tema,
constata-se que a preclusão relaciona-se com a dinâmica e desenvolvimento intraprocessual, e
estabilizam, no âmbito temporal, uma relação jurídico processual. Uma de suas modalidades
exsurge da inércia da parte. Isso porque, no âmbito das nulidades, aquelas denominadas
nulidades relativas ou anulabilidades, precluem se não arguidas pelas partes na primeira
oportunidade de falar nos autos (art. 278 do CPC/2015). As nulidades absolutas, por seu
turno, suplantam a coisa julgada. Não no sentido de impedir a formação desta, mas de
possibilitar a propositura de ação rescisória no prazo decadencial de 2 (dois) anos (art. 975 do
CPC/2015).
Ou seja, o legislador possibilita, por meio de determinado lapso temporal, que a parte
prejudicada com a nulidade absoluta ingresse com a demanda desconstitutiva da coisa
julgada, sob pena de, após tal prazo, a coisa julgada tornar-se soberana e insuscetível de
impugnação, permanentemente. Teresa Arruda Wambier (2019, p. 389) discorre, nesse
sentido, que, transcorrido o lapso decadencial, as decisões nulas continuarão ontologicamente
nulas, contudo, não serão mais vulneráveis.
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A autora ousa citar, contrariando aqueles que comumente mencionam que a coisa
julgada faz do redondo quadrado, que a res judicata nada sana, pois as nulidades relativas já
precluíram no curso do processo e as absolutas, mesmo após a incidência da coisa julgada,
que é requisito para ação rescisória, sobrevivem àquela até o prazo determinado por lei
(Alvim, 2019, p. 427).
Isto é, se não impugnadas por meio dos recursos cabíveis dentro do prazo (onde
novamente se é possível perceber a influência do tempo cronológico), ou, após a consolidação
da coisa julgada, não forem objeto de ação autônoma de impugnação, também sujeita a prazo,
as sentenças nulas passam a ser indiscutíveis e definitivamente, imutáveis.
No mais, a coisa julgada pode ser formal ou material: formal é aquela que resulta na
impossibilidade de discussão dentro do mesmo processo, portanto, produz efeitos dentro do
processo (endógena); e material, como projeção para fora do processo (exógena), pois passa a
determinar a norma de direito material aplicável ao caso concreto (Cabral, 2016, p. 1423).
A coisa julgada material relaciona-se com o fim precípuo do processo e do próprio
direito, qual seja, de resolução de conflitos. Por isso, a preocupação do legislador com a busca
pela decisão de mérito, sempre que possível, consubstanciada, expressamente, embora decorra
logicamente da finalidade referida no art. 6º do CPC/2015.
Apesar do status constitucional, a coisa julgada pode ser desconstituída em
determinados casos específicos e graves, elencados taxativamente pelo legislador no rol do
art. 966 do CPC/2015, exigindo-se, para tanto, a ocorrência de coisa julgada material, com a
prolação de decisão de mérito ou, não sendo de mérito, que não admita a repropositura da
demanda ou diga respeito à admissibilidade do recurso (art. 966, §2º do CPC/2015). Não se
trata, portanto, de valor absoluto (Medina, 2017, p. 1007).
Após o prazo decadencial, a decisão é definitivamente imutável. Ela passa a ser válida
e plenamente apta a produzir seus efeitos. O tempo, cumulado com a inação da parte
interessada, é o determinante para tanto.
O legislador, portanto, ao apresentar o instituto da ação rescisória, preferiu a justiça
das decisões em relação à segurança jurídica, por considerar que a coisa julgada foi formada a
partir de decisão ou processo nulo, eivado de vícios gravíssimos. Em contrapartida,
determinou prazo para que se agisse. Nesse ponto, preferiu a segurança jurídica, pois, após o
decurso do prazo, a resolução de conflitos e o apaziguar de ânimos se dará pela imposição ao
cumprimento de uma decisão que poderia (após o desenvolvimento regular do processo) ser
declarada nula, ensejando novo pronunciamento (Gajardoni, 2011, p. 22).
Ao assim proceder, no entanto, tornou o processo vulnerável, na medida em que
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eivado de vício de nulidade absoluta, embora tenha havido o suplantar de nulidade pela coisa
julgada, definitivamente estável.
6. Querela Nullitatis como Garantia de Segurança Jurídica
Há, porém, decisões que padecem de vício de tamanha gravidade que admitir lapso
temporal para sua declaração seria insurgir sobre princípios fundamentais da ordem jurídica.
Em realidade, não há que se falar em vício propriamente dito, embora seja comum a
doutrina falar em “vícios transrescisórios” (Assis, 2017, p. 136). Fala-se em inexistência da
sentença, eis que desprovida de requisitos essenciais para seu ingresso no mundo jurídico.
O principal exemplo é o da inexistência de citação, que se constitui em pressuposto
processual de existência (Alvim, 2019, p. 360) juntamente com a jurisdição e a petição inicial,
embora a doutrina mencione outras hipóteses, uns de forma mais ampla, outros de modo
estrito, em conformidade com o exposto supra.
A sentença inexistente, seja por vícios decorrentes do processo ou constantes da
própria decisão, não chega a alcançar o plano da validade, locus este onde se constatam os
vícios ou nulidades dos atos jurídicos. É uma simulação de sentença. Vale reprisar, nas
palavras de Teresa Arruda Wambier, que “Se o ato nulo é viciado de alguma forma, o
inexistente não chega nem a ser, juridicamente.” (2019, p. 180).
A querela nullitatis, assim, surge como forma de impugnação de tais sentenças
caracterizadas como inexistentes. Como não existem, não se fala em prazo para se propor
demanda nesse sentido, ao argumento de que, se estipulasse prazo para tanto, o ordenamento
estaria, muito além de validar a sentença, como o faz após o transcurso do prazo da rescisória,
tornando algo inexistente em existente, como num passe de mágica, o que não se mostra
razoável.
Ao falar sobre a imprescritibilidade da ação, oportuno invocar novamente o
entendimento de Teresa Arruda Wambier, que utiliza a terminologia “ação declaratória de
inexistência”, em oposição a actio nullitatis ou querela nullitatis, assim procedendo porque
não se trata de ação intentada contra nulidade, mas contra inexistência do ato (2019, p. 421 ).
Deste modo, em sendo ação declaratória, não contaria com prazo para propositura, pois o que
se visa é a declaração de uma incerteza jurídica e, havendo prescrição para tanto, esta teria o
objetivo de acabar com essa incerteza, pelo transcorrer do tão mencionado tempo (Alvim,
2019, p. 427).
Ademais, não existindo a sentença, ela não pode ser válida. As sentenças maculadas
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com vícios de nulidade absoluta, conforme explicitado, podem ser convalidadas pela coisa
julgada e definitivamente estáveis no ordenamento com a ausência de interposição de ação
rescisória. Todavia, a sentença inexistente não consegue alcançar a coisa julgada, afinal
sequer ultrapassa o plano da existência. Tal cenário corrobora o entendimento acerca da
imprescritibilidade da querela nullitatis, cujo objeto remete ao famigerado “simulacros de
sentença”.
Tal argumento também permite a conclusão de que a imprescritibilidade da referida
forma impugnativa não fere a segurança jurídica, eis que não se pode falar em relativização da
coisa julgada, fundamento do Estado de Direito e garantidora de tal segurança esperada pelos
indivíduos com a estabilização das demandas, por algo que não existe no mundo jurídico. Da
mesma forma, não ofende o ato jurídico perfeito, afinal a coisa julgada não deixa de ser uma
forma deste, mas alçado pelo constituinte como “um instituto de enorme relevância na teoria
da segurança jurídica.” (Silva, 1999, p. 437).
Contudo, não obstante a ausência de prazo para declaração de inexistência possa gerar
sentimento de insegurança e instabilidade, ante a situação de incerteza provocada pelo não-ato
jurídico, cujos efeitos, se produzidos, podem vir a ser anulados a qualquer tempo, parece-nos
de maior gravidade a insegurança gerada a partir de uma sentença elaborada em
desconformidade com alguma regra fundamental do ordenamento jurídico, aliás, tão
fundamental, que este a caracteriza como inexistente. Como visto, Vicente Greco Filho (2003,
p. 419) expõe que o vício, nesses casos, é de tal ordem que faz com que a sentença exista
apenas no plano formal, não possuindo qualquer conteúdo jurídico, consubstanciando-se,
assim, em verdadeiro “simulacro de sentença.”
Oportuno, nesse ponto, mencionar brevemente a controvérsia existente na doutrina
sobre a eficácia dos atos inexistentes. Enquanto alguns defendem a impossibilidade de
produção de efeitos pelo ato inexistente (Dinamarco, 2015, p. 316), outros perfilham tese
contrária, admitindo a produção de efeitos, desde que concebível material e faticamente
(Alvim, 2019, p. 409). Exemplifica-se: Uma partilha realizada por quem não é investido na
autoridade de juiz: deveria ela ser mantida, ao pretexto de que sobre ela haveria recaído o
manto de uma suposta coisa jugada, em prol de estabilidade e da segurança jurídica? E se já
partilhados os bens há muito tempo?
Em estudo que menciona a possibilidade do abrandamento da autoridade da coisa
julgada em caso de ocorrência dos vícios transrescisórios, Fabrício Veiga Costa
(2018)apresenta uma possível solução quando da decisão que declara a inexistência de
determinada sentença e/ou processo: a modulação de efeitos do pedido declaratório, que, em
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regra, teria eficácia ex tunc, por entender que uma sentença eivada de vício insanável afronta
diretamente o texto da Constituição brasileira de 1988 e, como tal, submete-se a semelhante
regime ao das ações de controle de constitucionalidade. Segundo o autor, “Se a própria lei se
submete ao controle de constitucionalidade a qualquer tempo, por que tal raciocínio não seria
aplicável à coisa julgada material” (2018, p. 129). A ressalva que se faz a tal entendimento, já
abordada, diz respeito à impossibilidade de formação da coisa julgada a partir de sentença ou
processo inexistentes.
Recorda-se o exemplo abordado de processo e sentença inexistentes que trata do réu
não citado e que tenha sido revel ou que a citação tenha sido nula. Segundo Teresa Arruda
Wambier, a citação, quando nula, se somada à revelia, deve ser tida por inexistente, pois “a lei
processual estabelece formas, cuidadosamente, para que este objetivo [defesa do réu] seja
efetivamente atingido” (2019, p. 307). Compreende-se, neste caso, pela violação aos
princípios do contraditório e ampla defesa, corolários do Estado de Direito.
Caso tal nulidade pudesse ser arguida apenas em ação rescisória, e não de modo
imprescritível com a querela nullitatis, o ato nulo, contrário claramente ao referido princípio
constitucional, seria convalidado, definitivamente, se transcorrido o prazo decadencial de dois
anos.
Sobre o assunto, Rodrigo Ramina de Lucca (2011, p. 16) não nega a
imprescindibilidade da citação como forma de assegurar o contraditório, mas considera que a
ausência ou nulidade desta culmina na ineficácia do processo e da sentença contra ele, não
implicando propriamente a inexistência. Falar-se-ia, então, em ação declaratória de ineficácia
da sentença, podendo ser proposta a qualquer tempo. Contudo, o autor radicaliza ao afirmar
que a querela nullitatis não sobrevive no direito brasileiro, pois “não é possível dizer que há
nulidades ipso iure ou vícios transrescisórios no ordenamento jurídico brasileiro” (2011, p.
16) . Ao tratar da desnecessidade da querela nullitatis no ordenamento, argumenta-se que os
vícios que nela poderiam ser suscitados ou já estão contemplados pela apelação ou pela ação
rescisória ou já são tratados no campo da ineficácia. No entanto, apesar da crítica, o autor não
esclarece como os outros exemplos de inexistência aqui já referidos, como o da ausência de
autoridade jurisdicional, podem, por exemplo, colidir com princípios constitucionais, como o
do devido processo legal, assim entendido, em sentido material, como “a possibilidade efetiva
de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo
possível” (Nery Jr., 2017, p. 110), de decorrem os demais, como acesso à justiça,
contraditório e ampla defesa (Nery Jr., 2017, p. 110).
Não se nega que o tempo cronológico e sua determinação dentro do Direito mostram25
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se como facetas elementares da segurança jurídica e, assim, evitam que conflitos e incertezas
se perpetuem no tempo, gerando instabilidade e ferindo a própria dignidade humana.
Mas não é menos certo que a estabilidade decorrente da referida solução de conflitos
por meio do processo é meramente temporal: evitar que se prolonguem no tempo, para
harmonia do sistema. Desconsidera-se, porém, que a estabilidade e sua harmonia dentro do
sistema não operam em caso de decisões (em verdade, “não-decisões”) proferidas em
detrimento de princípios constitucionais fundantes do Estado Democrático de Direito, como é
o caso do devido processo legal.
O processo não deve ser compreendido apenas como um fim em si mesmo, mas como
forma de efetivamente se alcançar a justiça no caso concreto e, aí sim, realização da
pacificação
social.
A justiça só será encontrada em se possibilitando ao jurisdicionado sua ampla
participação no processo, ou, que seja julgado por quem detenha autoridade judicial para que
o processo e respectiva sentença produzam os efeitos esperados pelo ordenamento.
Deste modo, a segurança também é uma forma de resposta à confiança dos indivíduos
nas instituições jurídicas, para que não se perca a credibilidade no Direito, que ocorrerá, por
óbvio, por parte daquele que, v.g., já transcorrido o prazo para propositura da rescisória, se viu
condenado à prestação em processo do qual não participou.
Tal orientação vai ao encontro da lição de J.J. Gomes Canotilho (1999, p. 25), que
discorre que, num Estado Democrático de Direito, a segurança, a confiança e a separação de
poderes não devem ser entendidas
como casca vazia, em odre aberto a conteúdos variáveis, que podiam ir do Estado de
direito autoritário do chanceler de ferro (Bismarck) aos Estados de direito fascistas
ou de legalidade socialista”, mas preenchidas dos problemas da democracia, da
justiça e da socialidade.
Dessa feita, entre os vetores da segurança jurídica e o da justiça, parece-nos que a
orientação no sentido de admitir que a justiça suplanta a estabilidade trazida pela abordagem
temporal da segurança jurídica, mostra-se acertada, afinal, a injustiça, quando caracterizada
pela violação clara de garantias fundamentais, não se coaduna com a ordem, seja o tempo que
for.
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7. Considerações Finais
Conceito ínsito ao próprio Estado de Direito, por, principalmente garantir a paz e
tranquilidade dos indivíduos que terão previsibilidade na atuação estatal e nas próprias
relações com os demais e, consequentemente, uma dignidade à vida de tais indivíduos, a
segurança jurídica pode ser compreendida, entre outros vieses, a partir de uma análise
realizada sobre a óptica cronológica do tempo.
A coisa julgada material, exemplificadamente, após o prazo decadencial previsto em
lei (art. 966, CPC/2015), torna-se soberanamente julgada, mesmo diante de vícios
extremamente graves que maculam a sentença e/ou respectivo processo.
Todavia, em algumas situações, a sentença e/ou o processo não possui(em)
pressupostos mínimos de existência no mundo jurídico, de molde que não pode(m) ser
validado(s) ou trazido(s) ao plano da existência, pelo ordenamento jurídico, em nome de uma
suposta segurança jurídica, sob a perspectiva da análise cronológica do tempo. A inexistência
resulta da violação de normas fundantes do ordenamento jurídico e admitir tal cenário não se
mostra lógico num Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus pressupostos
assegurar direitos e garantias fundamentais.
Ressignificou-se, portanto, no presente trabalho, o conceito de segurança jurídica, que
passou a ser compreendida como forma de alcance da justiça, em detrimento do tempo,
quando da utilização do controvertido instituto da querela nullitatis.
O objetivo do presente trabalho foi atingido quando se constata a ausência de violação
ao princípio da segurança jurídica, nos termos do já exaustivamente exposto. Contudo,
explicita-se que a análise do tema não se esgota com o estudo realizado, eis que o instituto da
querela nullitatis e suas especificidades são de controvérsias tamanhas que possibilitam a
elaboração de diversos estudos de maior profundidade sobre cada uma delas.
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Porcentagem de contribuição de cada autor no manuscrito
Luiz Manoel Gomes Junior – 35%
Diogo de Araújo Lima – 32,5%
Mariana Sartori Novak– 32,5%
31