O ANTIGO TURVO E SEU TEMPO
LUCIANO B R G D’ALESSANDRO
SUMÁRIO
I – AS MINAS GERAIS DOS CATAGUÁS E DO RIO DAS VELHAS................................. pág. 03
II – UM PORTO DE PASSAGEM DO CAM INH O VELH O ...................................... p á g . 05
III – OS PR IMEIROS HA BITA NTES DO ANTIGO T U R VO ...................................... p á g . 08
IV – O CONDE DA BARC A ...................................... p á g . 16
V – OS N A T U R A L I ST A S ...................................... p á g . 20
VI – AUGUSTE DE SAINT -H ILA IR E ...................................... p á g . 23
VII – A VIA GEM PELA REGIÃO DO ANTIGO TURVO EM 1819................................... p á g . 24
VIII – A VI A GEM P EL O ENT OR NO DO A NTI GO T U R VO EM 1822................................... p á g . 29
IX – A P U BL I C AÇ Ã O DOS R EL A T OS DE VI A GE M ...................................... p á g . 36
X – O D ESA P A R EC I M EN T O DO NOME TURVO ...................................... p á g . 40
I – AS MINAS GERAIS DOS CATAGUÁS E DO RIO DAS VELHAS
A descoberta de grande quantidade de ouro nos sertões
do Brasil Colônia em meados da segunda parte do século XVII provocou um grande
aumento no fluxo de pessoas para a colônia portuguesa. Encontrado nos sertões, a cerca de
trezentos e cinquenta quilômetros de distância do litoral, o ouro foi descoberto em duas
pequenas regiões separadas entre si por cerca de sessenta quilômetros. Essas duas regiões
ficaram conhecidas como “As minas gerais dos Cataguás e do rio das Velhas”.
O ouro encontrado nas minas gerais dos Cataguás e do
rio das Velhas era transportado para o litoral pelo único caminho aberto até então, o
Caminho da Vila de São Paulo para as Minas Gerais e para o Rio das Velhas, depois
chamado de Caminho Velho.
Desde os sertões dos Cataguás e do rio das Velhas, a
rica mercadoria era transportada por caravanas que seguiam pelo Caminho Velho
transitando ora por campos, ora por serras e florestas. O ouro seguia até a Vila de São
Paulo e depois ao porto da Vila de Santos, onde a valiosa carga era embarcada para o
Reino de Portugal.
Naqueles primórdios da extração do ouro, os viajantes
que deixavam as ricas jazidas das minas gerais dos Cataguás e do rio das Velhas deviam
seguir em sentido sudoeste, cavalgando por cerca de trezentos e cinquenta quilômetros. Ao
final desse trecho, as tropas transpunham a serra da Mantiqueira na chamada garganta do
Embaú. Superada a serra da Mantiqueira, os viajantes desciam em direção ao vale do rio
Paraíba. Ao atingirem o rio Paraíba, os viajantes abandonavam então o sentido sudoeste,
adotando o sentido oeste, cavalgando por cerca de duzentos quilômetros, subindo o curso
do rio Paraíba seguindo em direção da Vila de São Paulo.
Então, era na Vila de São Paulo que o ouro
transportado pelos viajantes era transformado em barras, sendo fundido na Casa de
Quintar da Vila de São Paulo, oportunidade em que era cobrado o quinto, o imposto
devido a Real Fazenda. Uma vez fundido em barras, o ouro extraído nos sertões do Brasil
Colônia deixava a Vila de São Paulo, sendo transportado ainda por cerca de cinquenta
quilômetros até atingir o porto da Vila de Santos.
O trânsito de viajantes pelo Caminho velho persistiu
desde os tempos da descoberta do ouro, nos primeiros anos do último quartel do
século XVII, até o ano de 1695, quando a coroa portuguesa deu início a um amplo
processo de reforma administrativa no Brasil Colônia.
Naquele no ano de 1695 foi aberta outra casa de
fundição de ouro no Brasil Colônia, a Casa de Quintar da Vila de Taubaté, situada no
Caminho Velho, a cerca de cento e vinte quilômetros da Vila de São Paulo. Assim, com
grande economia de tempo e recursos, o ouro que era transportado desde as minas gerais
dos Cataguás e do rio das Velhas passou a ser fundido na Casa de Quintar da vila de
Taubaté, e não mais na Vila de São Paulo, sendo depois transportado por cerca de noventa
quilômetros até atingir o mar na Vila de Paraty.
Nove anos depois, em 1704, a Coroa determinou a
transferência da Casa de Quintar aberta na Vila de Taubaté para a Vila de Paraty. Além
disso, a coroa determinou o fechamento da já centenária Casa de Quintar da Vila de São
Paulo, que se encontrava aberta desde o ano de 1601. Assim, devido à reforma
administrativa em curso no Brasil Colônia desde 1695, o trecho do Caminho Velho que
transitava pelo vale do rio Paraíba até a Vila de São Paulo perdeu grande parte de seu
movimento.
Em 1708, surgiu uma reação à reforma administrativa
em curso no Brasil Colônia. Foi quando teve início a chamada Guerra dos Emboabas.
Ocorrida entre os anos de 1708 e 1709, a Guerra dos Emboabas caracterizou-se por
pequenas escaramuças na região dos sertões do ouro. As escaramuças envolveram de um
lado os paulistas, os habitantes da Vila de São Paulo, aliados aos habitantes da Vila de
Taubaté. Do outro lado, sob as ordens da Coroa estavam colonos oriundos do nordeste do
Brasil, além de colonos oriundos das ilhas açorianas e colonos oriundos de Portugal.
Com a vitória da Coroa portuguesa seguiu adiante a
reforma na administração do Brasil Colônia. Assim, em 1709 foi criada a Capitania de São
Paulo e Minas Gerais, com capital na Vila de São Paulo. Dois anos depois, no dia 11 de
julho de 1711, a Vila de São Paulo foi elevada de categoria, passando a ser chamada
Cidade de São Paulo. Ainda naquele ano surgiram várias vilas e arraiais na região das
minas gerais dos Cataguás e do rio das Velhas. No lugar do Arraial da Barra do Sabará,
surgiu então a Vila de Sabará; o Arraial do Carmo foi elevado à categoria de cidade com o
nome de Cidade de Mariana e o Arraial do Ouro Preto foi elevado à categoria de vila,
surgindo assim Vila Rica.
Em 1713, a reforma administrativa chegou ao vale do
rio das Mortes, região onde haviam encontrado ouro no final do século XVII. Naquele
ano, o Arraial do Rio das Mortes foi elevado à categoria de vila, surgindo assim a Vila de
São João del-Rei, nome dado em homenagem a D João V, rei de Portugal de 1706 a 1750.
Passados cinco anos, no ano de 1718 o Arraial de Santo Antônio foi elevado a vila com o
nome de Vila de São José del-Rei.
Em 1720, mais uma reforma importante aconteceu na
colônia portuguesa. Naquele ano a Capitania de São Paulo e Minas Gerais foi dividida,
surgindo assim a Capitania de São Paulo, com capital na Cidade de São Paulo, e a
Capitania de Minas Gerais, com capital em Vila Rica.
Ainda naquele ano a Capitania de Minas Gerais foi
dividida em cinco comarcas. Na divisa com a Capitania de São Paulo foi instalada a
Comarca do Rio das Mortes, com cabeça no nordeste das terras sob sua jurisdição, na
Vila de São João del-Rei. Não muito distante da região onde se encontrava a Vila de São
João del-Rei tem-se as nascentes do rio Grande, o rio que integrava toda a Comarca do Rio
das Mortes.
Em seu extenso curso, após percorrer as terras da
comarca do rio das Mortes este importante rio firma seu curso em direção oeste, seguindo
pelas planícies centrais do Brasil. Após encontrar o rio Paranaíba, o rio Grande começa a
correr para o sul, passando a ser conhecido como rio Paraná. Ao final de seu curso, as
águas que um dia formaram o rio Grande encontram o oceano Atlântico apenas no estuário
do rio da Prata.
Foi a partir dos primeiros anos do último quartel do
século XVII que as tropas de muares carregadas do ouro extraído nas minas gerais dos
Cataguás e do rio das Velhas passaram a cortar as nascentes do rio Grande. Após mais
de quarenta anos, em 1720, com o final da reforma administrativa levada a efeito pela
Coroa portuguesa, as tropas de muares e sua preciosa carga passaram a cortar também a
Comarca do Rio das Mortes.
II – UM PORTO DE PASSAGEM DO CAMINHO VELHO
Ainda no início do século XVIII, em decorrência do
surgimento de novas rotas comerciais para as minas gerais dos Cataguás e do rio das
Velhas, o Caminho da Vila de São Paulo para as Minas Gerais e para o Rio das Velhas, o
caminho dos descobridores, passou a ser conhecido apenas como Caminho Velho.
Ao transitarem por estes caminhos antigos do Brasil
Colônia, quando os viajantes encontravam rios impossíveis de se atravessar a vau estavam
os viajantes diante de um porto de peagem, ou porto de passagem dos caminhos antigos.
Era nesses locais onde os viajantes que seguiam pelos caminhos antigos encontravam
canoas que ajudavam na travessia dos rios, pagando pelo serviço de transporte a peagem
ou o pedágio.
Dentre os muitos portos de passagem pelos rios que
existiam no curso do Caminho Velho dois portos tinham um nome pitoresco. Tratava-se
do porto de passagem do rio Turvo Grande e do porto de passagem do rio Turvo Pequeno,
portos esses separados por três léguas.
O porto do Turvo Grande era o porto de passagem que
o viajante que seguia para as regiões auríferas pelo Caminho Velho encontrava após ter
deixado as densas florestas e a serra da Mantiqueira. Ao encontrarem o porto do rio Turvo
Grande os viajantes estavam já a transitar pela Região dos Campos, uma região
caracterizada por morros suaves, cobertos de capim e matas esparsas.
A chegada ao porto do rio Turvo Grande sinalizava aos
viajantes que buscavam atingir as minas gerais dos Cataguás e do rio das Velhas o início
da terceira e última parte do penoso trajeto de cerca de trinta dias que durava a viagem do
litoral às regiões auríferas. Três léguas após terem atravessado o rio Turvo Grande os
viajantes encontravam o porto de passagem do rio Turvo Pequeno.
O rio Turvo Grande e o rio Turvo Pequeno são os rios
formados pelas águas que correm nos flancos da serra do Turvo, uma ramificação da
serra da Mantiqueira. Situada em uma formação de gnaisse que se estende por centenas de
quilômetros, a serra do Turvo não é muito longa, seguindo em sentido nordeste por cerca
de trinta quilômetros.
O rio Turvo Grande, o primeiro a ser atravessado pelos
viajantes dos finais do século XVII, tem seu curso no flanco esquerdo da serra do Turvo.
Já o rio Turvo Pequeno tem seu curso pelo flanco direito da serra do Turvo. Na parte
final de seu curso, o rio Turvo Pequeno corta a serra do Turvo. Três quilômetros após ter
contornado a serra do Turvo, o rio Turvo Pequeno encontra o porto passagem do rio Turvo
Pequeno, no Caminho Velho. No final, o rio Turvo Pequeno encontra o rio Turvo Grande,
criando assim o rio Turvo. Após breve curso, o rio Turvo desagua no rio Aiuruóca, até
então o mais volumoso afluente do rio Grande.
O porto de passagem Turvo Grande e o porto de
passagem Turvo Pequeno tiveram o seu apogeu até o começo do século XVIII. Foi
quando houve a abertura de novos caminhos para as minas gerais dos Cataguás e do rio
das Velhas. A abertura de novos caminhos no Brasil Colônia resultou na diminuição do
fluxo de viajantes que transitavam pelo Caminho Velho no trecho entre porto do Turvo
Grande e o porto do Turvo Pequeno.
No ano de 1749, vários anos após o apogeu do tráfego
de pessoas e mercadorias pelas três léguas que separavam o porto do Turvo Grande e o
porto do Turvo Pequeno, em virtude da construção de uma capela em homenagem a
Nossa Senhora Aparecida em uma elevação próxima ao porto do Turvo Pequeno, a
povoação que havia se formado ao redor do porto do Turvo Pequeno passou a construir
suas casas ao redor da Capela. Com o passar do tempo, os habitantes da povoação que se
formara ao redor do porto do Turvo Grande passaram a ter residência também no porto do
Turvo Pequeno, construindo casas junto à Capela. Em razão disso, já em meados do
século XVIII a povoação que havia se formado era chamada de povoação do Turvo
Grande e Pequeno.
No ano de 1827 a povoação do Turvo Grande e
Pequeno foi elevada à categoria de arraial. Porém, do nome atribuído em meados do
século XVIII foram retirados os opostos grande e pequeno. Assim, o povoado passou a ser
chamada apenas de Turvo, o Arraial do Turvo. Foi assim que o poético nome dos rios que
margeiam a serra do Turvo deixou de fazer parte do nome do Arraial do Turvo.
Andrelândia, o antigo Turvo. Ao fundo a serra do Turvo
II – OS PRIMEIROS HABITANTES DO ANTIGO TURVO
O pitoresco nome atribuído a essa pequena região das
nascentes do rio Grande, o nome Turvo, era comum na região. De fato, servindo-se do
nome Turvo os primeiros viajantes que chegaram à zona assim chamaram vários lugares
desta região das nascentes do rio Grande.
Foi assim que surgiu a denominação do maior acidente
geográfico da região, a serra do Turvo. Da mesma maneira, o nome Turvo foi adotado
para os rios que correm nos vales formados pela serra do Turvo, o rio Turvo Grande e o rio
Turvo Pequeno. Em consequência, por esses nomes ficaram conhecidos os dois portos de
passagem que cruzavam esses rios.
Ademais, o nome Turvo foi atribuído à povoação de
Madre Deus, então chamada de povoação de Madre Deus do Turvo, hoje Cidade de Madre
Deus de Minas. Esta cidade encontra-se situada a seis léguas de distância da serra do
Turvo.
Dentre os vários locais onde se observa o nome Turvo
nessa microrregião das nascentes do rio Grande, um local merece ter o crédito por esse
nome, pois permeado de dificuldade de se identificar o que o espectador observa. Trata-se
de uma imensa escultura que se encontra no centro de um enorme rochedo existente em
uma montanha destacada da serra do Turvo.
Pelo que se observa dessa escultura insculpida no
rochedo tem-se a impressão de que o intuito dos primeiros viajantes que chegaram à zona
foi chamar pelo nome de Turvo a essa escultura. Tal denominação origina-se do que se
observa na escultura, pois a mesma efetivamente não é límpida, é embaciada; sendo esse
o motivo pelo qual foi atribuída à enorme escultura o apelido de turvo.
O antigo Turvo e ao fundo a montanha destacada da serra do Turvo
O rochedo localizado na montanha destacada da serra,
com sua turva escultura, encontra-se voltado para o curso do Caminho Velho, a duas
léguas do porto do Turvo Grande e a uma légua do porto Turvo Pequeno. A formação
rochosa tem mais ou menos trezentos metros de base por cinquenta metros de altura. O
rochedo e a imensa escultura estão voltados para o norte, para o vale por onde tem seu
curso o rio Turvo Grande.
Esse enorme rochedo de gnaisse tem duas grandes
manchas brancas, uma à esquerda do observador e outra no centro do rochedo. É nesta
mancha branca localizada no meio do rochedo que se observa a enevoada inspiração dos
primeiros habitantes que chegaram à zona para chamarem de Turvo à escultura no rochedo,
de chamarem de Turvo à serra onde se encontra a escultura, bem como chamar de turvo aos
rios que envolvem a serra do Turvo.
A serra do Turvo, ao cento a montanha destacada e o rochedo com as duas manchas brancas.
O rochedo, ao centro observa-se a mancha branca.
A mancha branca, uma sombra escura evidencia um baixo-relevo e uma mancha amarela.
Observa-se um corte no rochedo, em 90º, e ao lado deste a mancha amarela
A escultura que surge do baixo-relevo caracteriza-se
voltar-se para a esquerda e tendo cabeça, braço, olho, boca, etc. O conjunto tem mais ou
menos 25ms de altura. Na parte superior da mancha branca, exatamente onde ocorre o
baixo-relevo, evidencia-se a cabeça da escultura. Este baixo-relevo tem mais ou menos
1,5m de profundidade e 5ms de altura.
A escultura na mancha branca. Em baixo, à direita, estão as copas das árvores
À esquerda, réplica miniaturizada da foto anterior; à direita, uma representação artística.
O corte de 1,5m que se observa no rochedo, em 90º,
cria a perspetiva para que se forme o braço esquerdo da escultura. A mão esquerda da
escultura estaria alçada até a altura dos olhos, terminando por despejar em um copo o que
seria um líquido amarelo. Esta visão de um líquido sendo despejado é provocada pela
mancha amarela existente no rochedo.
O paredão na montanha destacada. Ao centro do paredão, no alto, observa-se um
baixo-relevo que evidencia o maxilar da escultura do Turvo.
A enorme escultura vista desde a direita.
Como se observa do rochedo, envolto a uma mancha
branca, no seu centro encontra-se a enorme escultura do Turvo. Já na parte esquerda do
rochedo observa-se outra grande mancha branca. Na base desta segunda mancha branca
foram feitas muitas pinturas rupestres. Entre poucas pinturas zoomórficas, vê-se uma
enorme variedade de pinturas rupestres geométricas, uma tradição que atravessa milhares
de anos.
A mancha branca localizada à esquerda do rochedo. Em baixo estão as pinturas rupestres
Pinturas rupestres geométricas: três círculos concêntricos - o princípio, o meio e o fim?
Vários círculos concêntricos: a dinâmica interação do princípio, meio e fim?
Por conta do grande número de pinturas rupestres
geométricas existentes, sabia- se que se tratava de um sítio arqueológico com referências
aos conhecimentos da Medicina Antiga. Esta informação não parece ter passado
despercebida aos primeiros viajantes que atingiram a zona. Este poderia ser o motivo pelos
quais os viajantes acabaram por se valer dos opostos grande-pequeno para dar nome aos
rios que margeiam a serra. Porém, quanto à enevoada escultura que se observa no rochedo,
os viajantes acabaram por se servir do nome Turvo para batizar a escultura, do que
resultou na utilização da denominação turvo em toda esta pequena região das nascentes do
rio Grande, a região do Turvo Grande e Pequeno.
Curiosamente, observa-se nesse rochedo a associação
de duas manifestações artísticas. Ao centro do rochedo está a escultura chamada de Turvo
pelos primeiros viajantes que atingiram a zona. Já na base do rochedo estão muitas
pinturas rupestres geométricas representativas dos princípios da medicina antiga, os
princípios das três dimensões, da dualidade, etc.
O conhecimento da medicina antiga foi representado
pelos povos antigos de maneira diversa. Entre os povos que viveram no neolítico a
medicina antiga foi representada através de pinturas rupestres geométricas e monumentos
líticos. No Egito antigo, a medicina antiga alcançou grande desenvolvimento em virtude
da continuidade das dinastias, tendo sido representada em diversos monumentos e
teorizada. Já na Grécia antiga os conhecimentos da Medicina Antiga ganharam as ruas,
tendo alcançado grande popularidade.
IV – O CONDE DA BARCA
No final do século XVII, enquanto na Europa se vivia
o iluminismo e Isaac Newton escrevia a teoria da gravitação universal, em Minas Gerais
acontecia o apogeu do Caminho Velho e da região que compreendia o porto do Turvo
Grande e do porto do Turvo Pequeno.
Passados mais de cem anos, em 1808, em decorrência
da invasão do Reino de Portugal pelas tropas do imperador Napoleão Bonaparte, a corte
portuguesa foi transferida para o Rio de Janeiro. A presença da corte portuguesa no Rio de
Janeiro possibilitou a vinda ao Brasil de muitos intelectuais europeus. Dentre os membros da
corte portuguesa que se instalaram no Rio de Janeiro, um intelectual se destacava, tratava-se
de António de Araújo e Azevedo, político, diplomata, cientista, botânico e escritor.
Batizado no dia 14 de maio de 1754, em Ponte de Lima,
arcebispado de Braga, Portugal, filho do Senhor do Morgado e da Casa da Lage, António de
Araújo e Azevedo estudou filosofia em Coimbra e depois matemáticas e história no Porto.
Em 1787, já diplomata, esteve na Holanda como embaixador extraordinário. Em 1795,
1797 e 1801, Antônio de Araújo e Azevedo foi embaixador plenipotenciário junto à
República Francesa. Na sequência ocupou funções diplomáticas na Rússia. Em julho de
1804, o já renomado diplomata António de Araújo e Azevedo foi designado Secretário de
Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra do Reino de Portugal.
Em 1808, a bordo da nau Medusa, António de Araújo e
Azevedo chegou ao Brasil Colônia na frota que trouxe para o Rio de Janeiro os membros
da corte portuguesa. Na extensa lista de cargos que ocupou no Brasil constam as pastas da
Fazenda, do Exército e dos Negócios Estrangeiros. Em dezembro de 1815, quando da
criação do Reino Unido de Portugal e Algarves, António de Araújo e Azevedo recebeu de
D. João VI o título de 1º Conde da Barca. O Conde da Barca foi Ministro dos Negócios
Estrangeiros e da Guerra do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves entre os anos de
1815 e 1816. Depois de ter sido personagem ilustre na administração portuguesa no Brasil,
António de Araújo e Azevedo faleceu repentinamente na cidade do Rio de Janeiro em 21
de junho de 1817, aos sessenta e três anos.
Embora não exista informação da presença de António
de Araújo e Azevedo, o Conde da Barca, na região do antigo Turvo, duas manifestações
artísticas sugerem relações do Conde da Barca com a região do Turvo Grande e Pequeno.
Uma dessas representações artísticas seria uma gravura
de António de Araújo e Azevedo. Neste opúsculo onde se busca apresentar a região do
antigo Turvo com sua escultura no rochedo, é significativa a pose feita pelo Conde da
Barca para elaboração desta gravura. A pose do Conde da Barca faz lembrar a escultura
que se observa no rochedo da serra do Turvo. Na gravura, António de Araújo e Azevedo
fez uma pose voltada para a esquerda, assim como ocorre com a escultura no rochedo.
Ademais, o Conde da Barca apoia-se em um livro para conseguir manter seu braço
esquerdo erguido. O braço alçado está com a mão na altura dos olhos, com o dedo
indicador esticado e pronto para apoiar na cabeça, apontando para o cérebro. Os demais
dedos da mão esquerda permanecem entreabertos. A imagem da mão entreaberta faz
lembrar o que ocorre com a escultura no rochedo.
António de Araújo e Azevedo, o Conde da Barca
Uma outra manifestação artística que faz pensar uma
relação do Conde da Barca com a região do antigo Turvo encontra-se no processo de
urbanização da povoação do Turvo Grande e Pequeno. Ao que parece ocorrida nas
primeiras décadas do século XIX, é possível que a mais antiga via aberta na povoação do
Turvo Grande e Pequeno tenha sido construída de maneira a homenagear António de
Araújo e Azevedo, o Conde da Barca.
Transcorridos mais de cem anos do apogeu do porto do
rio Turvo Pequeno, já no começo do século XIX, uma urbanização da povoação
transformou o local onde estava a capela ao redor da qual se formou a povoação do Turvo
Grande e Pequeno. Então, criou-se uma grande avenida ao redor da antiga capela.
Curiosamente, a grande avenida formada revela uma grande barca tendo em seu interior a
capela do Turvo. A barca está disposta no sentido nordeste sudoeste, com a proa voltada
em direção ao litoral, para sudoeste.
Andrelândia, o antigo Turvo. No alto, observa-se o rio Turvo Pequeno e uma ponte no lugar onde antes
estava o porto de passagem. Observa-se a avenida em forma de uma grande barca voltada para sudoeste.
Atualmente, no centro da barca encontra-se a igreja
matriz de Andrelândia. As linhas da igreja não estão em harmonia com as linhas que
formam a barca. A divergência decorre da época em que as obras foram construídas.
Primeiro, em 1749, houve a autorização para construção de uma capela na povoação do
Turvo Grande e Pequeno. Depois, nas primeiras décadas do século XIX, uma grande
avenida em forma de barca foi construída, permanecendo a antiga capela, hoje igreja
matriz, na mesma posição em que estava quando da sua primeira construção.
A avenida com o formato de uma barca e a igreja
V – OS NATURALISTAS
Dentre os vários intelectuais europeus que estiveram
no Brasil após a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 estava o geólogo
alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege (1777–1855). Von Eschwege permaneceu no
Brasil de 1810 a 1821, sempre a serviço da Coroa portuguesa.
Durante sua longa estadia no Brasil Von Eschwege
catalogou variados exemplares minerais, sendo hoje considerado o pai da geologia
brasileira. Sobre a região onde se situava o antigo Turvo tem-se apenas uma anotação
desse naturalista. Em uma obra publicada no ano de 1833, passados 12 anos desde o final
de sua estadia no Brasil, Von Eschwege assim escreveu sobre a região onde se encontra o
rio das Mortes, um dos grandes afluentes do rio Grande em suas nascentes:
“É de estranhar que as riquezas da região do Rio das Mortes, a
primeira a ser palmilhada pelos paulistas, permanecessem por longo tempo
desconhecidas. De fato, só muito mais tarde (1703) é que foram
descobertas por Tomé Fontes d´El Rei (São João del Rei), e, posteriormente
(1704), por João Siqueira Afonso (Aiuruóca), ambos naturais de Taubaté.”.
Von Eschwege reporta-se ao fato de que a descoberta
de ouro, que ocorreu em duas regiões distantes entre si em cerca de 50 quilômetros, As
minas gerais dos Cataguás e do rio das Velhas, traz consigo uma estranheza. Isto se deve
ao fato de que viajando desde o porto de Paraty, no litoral, para As minas gerais dos
Cataguás e do rio das Velhas, seria muito difícil para os viajantes chegarem à região
aurífera sem se ter passado pela região do rio das Mortes. Assim, concluiu o viajante
alemão pela estranheza com o que lhe fora relatado, uma vez que o ouro do rio das Mortes
estaria no caminho para se chegar às regiões do rio das Velhas e de Vila Rica (Ouro
Preto), onde primeiramente o ouro foi encontrado no interior do Brasil Colônia.
A afirmação de Von Eschwege leva concluir que a
maneira de se chegar à região aurífera evitando o local do rio das Mortes onde em 1695
haviam descoberto ouro, seria que o viajante seguisse pelo Caminho Velho, cavalgando às
margens da serra do Turvo, transpondo os rios pelos portos de passagem do rio Turvo
Grande e do rio Turvo Pequeno.
Mas, a presença de intelectuais europeus no Brasil
no início do século XIX também se deveu a viajantes que se dedicaram apenas a
catalogar a fauna e a flora brasileira. Dentre esses intelectuais estavam dois alemães, o
zoólogo Johann Baptist Ritter von Spix (1781-1826) e o botânico Carl Friedrich
Philipp von Martius (1794-1868).
Esses dois bávaros vieram ao Brasil na comitiva da
grã-duquesa austríaca Leopoldina, futura esposa do príncipe herdeiro, D. Pedro. De
1817 e 1820, Spix e Martius empreenderam uma gigantesca viagem pelo interior do Brasil
Colônia, em uma missão científica patrocinada pelo Rei da Baviera, Maximilian I.
Nesses três anos Spix e Martius viajaram da cidade
do Rio de Janeiro à vila de São Gabriel da Cachoeira, na Amazônia. Nesse trajeto, os
naturalistas seguiram viagem do Rio de Janeiro para São Paulo. Desde Sao Paulo, os
naturalistas alemães seguiram para Vila Rica. A partir de então, os naturalistas
empreenderam grande viagem pelo interior do Brasil, passando pela cidade da Bahia
(Salvador), Oeiras, São Luís, Belém, Tabatinga e por fim Japurá.
No início desta gigantesca viagem pelo interior do
Brasil, no percurso entre São Paulo e Vila Rica, os dois naturalistas passaram pelas
nascentes do rio Grande. Após deixarem a cidade de São Paulo, seguiram para oeste até
atingir a vila de Itu. Foi a partir dessa vila que Spix e Martius seguiram para nordeste,
atravessando as montanhas cobertas de florestas, até chegarem à vila da Campanha e a
Região dos Campos, nas nascentes do rio Grande. Em fevereiro de 1818, após
atingirem o arraial do Rio Verde, hoje cidade de Três Corações, os naturalistas anotaram
em seu Diário de Viagem as impressões que tiveram sobre a passagem pelas nascentes do
rio Grande. Ao que parece, naquela oportunidade os naturalistas acabaram se equivocando
ao lerem a bússola que traziam consigo. Dessa maneira, escreveram que o viajante que
seguia do arraial do Rio Verde para a povoação das Lavras do Funil, hoje cidade de
Lavras, teria que seguir para oeste. Porém, na verdade o viajante que seguia do arraial do
Rio Verde até atingir a povoação das Lavras do Funil teria de ir para nordeste e não parao
oeste, como anotaram.
Um outro caminho mencionado pelos naturalistas, que
rumava para leste a partir do arraial do Rio Verde, seguia em direção da região onde se
encontrava a povoação do antigo Turvo. Isto faz supor que os naturalistas alemães tiveram
condições de conhecer a montanha e da serra do Turvo. Observa-se desde a perspectiva do
arraial do Rio Verde que a região do antigo Turvo se encontra em posição oposta à região
das Lavras do Funil, o que poderia esclarecer o equívoco cometido por Spix e Martius ao
informarem estar a oeste a povoação das Lavras do Funil.
Os dois caminhos de Três Corações para São João del-Rei, a nordeste e a Leste
Em fevereiro
de 1818,
assim escreveram
naturalistas bávaros acerca do caminho percorrido a leste do arraial do Rio Verde:
"...a estrada para Vila de São João do Principe (sic) se separa em duas; a
oeste, ela segue mais pelo vale, passando por Boa Vista, Brambinho e Arraial
das Lavras do Funil; tem mais povoamento e é um tanto mais comprida. A
leste, vai outra pela montanha, por veredas pouco frequentadas. Tomamos
este último caminho, pois contrariava-nos descer desta região serena, onde,
sem sermos perturbados, podíamos entregar-nos aos sentimentos alegres com
que na montanha a alma do viajante se sente rejuvenescida. O acolhimento
amável, verdadeiramente patriarcal que nos deram no alto da montanha
solitária, numa quinta isolada, a Fazenda do Córrego dos Pinheiros, condizia
com a nossa disposição de espírito. Parecia que aqui se estava acostumado à
sociedade dos vizinhos...
...Estas serras, em grande parte coberta, até ao cume, de agradáveis campos
ervosos, apresentam lombadas planas, longamente extensas, das quais saem
ramificações para os vales, e reúnem as cadeias entre si. Abismos tremendos
ou gigantescos píncaros, dispostos em escarpas ameaçadoras, aqui não se
veem; ao contrário a vista aqui se tranquiliza ante o aspecto agradável de
vales não muito profundos, de cabeças de colinas guarnecidas de pastos,
sobre cujos pendores suaves correm aqui e ali claros regatos. Não se tem a
impressão dos altos Alpes europeus sublimes, denteados; todavia, também
não é aspecto de natureza menor o que o viajante encontra aqui; ao
contrário, o característico destas paisagens é de grandiosidade, a par de
os
simplicidade e suavidade; elas contam-se entre as mais encantadoras que
apreciamos nos trópicos. Como os largos cumes da serra, que se apresentam
com a forma de sarcófagos, se elevam em quase igual altitude (entre três e
quatro mil pés), e por sua vez os vales, em forma de calha, também não são
muito profundos, poder-se-ia chamar toda esta parte da serra de platô
ondulado, por se ir perdendo nele pouco a pouco a serra da Mantiqueira (...)
Numa profunda garganta do vale, alcança-se depois o Rio Grande,
que nasce não longe daí, a sudeste, na montanha de Juruoca. O Rio que aqui
não tem ainda mais de cinco toezas (10m) de largura, passa num alto leito de
rocha, cercada toda em volta pelos mais lindos campos e colinas, e forma
aqui um salto muito grande cujo estrondo repercute ao longe, no vale.
Diretamente em cima do salto, está uma ponte de madeira, que com o
tumultuar das águas embravecidas, ameaça ruína continuamente (...) Não
somente para o sul, isto é, para o Paraguai, e daí para Buenos Aires, pode-se
viajar nesse extenso rio, mas igualmente pelos seus afluentes ao norte é
possível a viagem até poucas léguas da Vila Boa, capital de Goiás...
VI – AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE
Mais um infatigável naturalista participou da leva de
intelectuais europeus que vieram ao Brasil no início do século XIX. Trata-se do francês
Augustin François César Prouvensal de Saint-Hilaire, chamado Auguste de Saint-Hilaire.
O botânico Auguste de Saint-Hilaire nasceu no ano de 1779, na cidade de Orléans, no
Departamento do Loiret, na região centro norte da França, a 120 quilômetros de Paris.
Entre 1816 e 1822, Auguste de Saint-Hilaire fez várias viagens pelo interior do Brasil,
poucas vezes servindo-se de barcos.
Dentre essas viagens, o botânico fez três viagens por
Minas Gerais. A primeira viagem de Auguste de Saint-Hilaire por Minas Gerais se iniciou
no dia 7 de dezembro de 1816. Naquele dia, cavalgado seu burro, o viajante francês partiu
da cidade do Rio de Janeiro seguindo para o interior, em direção a Capitania de Minas
Gerais. Nessa sua primeira viagem o botânico seguiu direto da cidade do Rio de Janeiro a
Vila Rica pelo Caminho Novo do Rio de Janeiro a Minas.
Após passar um mês na região de Vila Rica, o botânico
seguiu para o norte. Auguste de Saint-Hilaire atingiu a Vila do Fanado, hoje Minas Novas.
Depois, seguindo viagem, atravessou o rio São Francisco cavalgado até chegar à divisa
com a Capitania de Goiás. O botânico retornou desta árdua viagem atravessando
novamente o rio São Francisco, cavalgando em sentido sul. Após experimentar grandes
privações, o viajante atingiu a paragem de Coração de Jesus e depois a paragem de
Curmatai, quando finalmente abandonou a árida região dos sertões. Em seguida, o viajante
atingiu o arraial do Tijuco, hoje cidade de Diamantina. A 20 de outubro de 1817, o
naturalista deixou o Tijuco, seguindo para o sul. Auguste de Saint-Hilaire retornou a Vila
Rica após passar por Caeté e Sabará. De Vila Rica, o naturalista seguiu em direção de
Congonhas do Campo, já na Comarca do Rio das Mortes.
Aos 13 dias de fevereiro de 1818, o naturalista deixou
a povoação de Congonhas, seguindo em direção ao rancho do Marçal, o sítio aonde iria
permanecer alguns dias, situado a uma légua da vila de São João del-Rei. O botânico
chegou ao rancho do Marçal dois dias após deixar a povoação de Congonhas.
Como referido alhures, nesse mesmo mês de fevereiro
do ano de 1818, em viagem da cidade de São Paulo para Vila Rica, encontravam-se na
região da vila de São João del-Rei os naturalistas alemães Spix e Martius.
Nesta sua primeira estadia pela região da vila de São
João del-Rei, assim o botânico Auguste de Saint-Hilaire escreveu em seu diário de
viagem:
Na comarca do Rio das Mortes acham-se as altas serras de Ibitipoca e o
pico de Aiuruóca, que pertencem à serra do Espinhaço e à serra da
Canastra (sic) que fazem parte da serra das Vertentes.
A despeito da referencia equivocada às serras da
Canastra e do Espinhaço, então o viajante Auguste de Saint-Hilaire se reportou às serras
de Ibitipoca e de Aiuruóca. Ramificações da serra da Mantiqueira, situadas ao sul da vila
de São João del-Rei, estas duas serras estão localizadas no entorno da região do antigo
Turvo e distam entre si cerca de 90 quilômetros. Mais ou menos na metade da distância
que separa as serras do Ibitipoca e Aiuruóca encontra-se a montanha e a serra do Turvo.
Seguindo sua viagem de retorno ao Rio de Janeiro, o
viajante Auguste de Saint-Hilaire deixou o rancho do Marçal a 22 de fevereiro de 1818.
Primeiro, o viajante seguiu em direção à vila de Barbacena buscando atingir o Caminho
Novo. Desde esta vila, sempre cavalgando pelo Caminho Novo do Rio a Minas, o viajante
chegou à cidade do Rio de Janeiro em 17 de março de 1818, vinte e cinco dias após ter
deixado o rancho do Marçal.
IV - A VIAGEM PELA REGIÃO DO ANTIGO TURVO EM 1819
No final daquele ano de 1818 Auguste de Saint-Hilaire
iniciou preparativos para empreender uma grande viagem. Nessa longa viagem, o botânico
seguiria do Rio de Janeiro a Goiás passando pela vila de São João del-Rei. Depois, desdea
Capitania de Goiás, viajando sempre por terra, o botânico Saint-Hilaire seguiu para o sul
do Brasil passando pela cidade de São Paulo.
Assim, em 16 de janeiro de 1819 Auguste de SaintHilaire partiu da cidade do Rio de Janeiro novamente cavalgando pelo Caminho Novo do
Rio a Minas. Porém, pouco depois o naturalista deixou o Caminho Novo seguindo pelo
Caminho do Rio Preto, ou Caminho do Comércio, cavalgando em direção ao arraial do
Rio Preto. Em seguida, o viajante subiu por estreitos caminhos pelas florestas para,
enfim, alcançar novamente a região das nascentes do rio Grande.
Então, o local onde o naturalista apareceu na região das
nascentes do rio Grande foi a região da povoação do Turvo Grande e Pequeno. Após
pernoitar no lugar chamado Alto da Serra, Auguste de Saint-Hilaire deixou as densas
florestas, anotando em seu diário de viagem a 15 de fevereiro de 1819, momento em que
se preparava para pernoitar na Fazenda de Sítio:
Depois de ter deixado a mísera choça onde passei a noite (14 de
fevereiro) caminhei ainda durante curto tempo por um vale profundo,
rodeado de matas virgens.
(...)
Imediatamente após ter atravessado as densas matas, encontrei
durante algum tempo arbustos de pouco mais de um metro de altura... Em
breve só se viam subarbustos no meio das Gramíneas... Mais adiante os
subarbustos foram rareando e passei a encontrar apenas Gramíneas e
algumas outras ervas. Finalmente, nos trechos mais áridos, só se via um
capim rasteiro e ralo...
Em meio aos morros nus e desertos que se apresentavam diante de
meus olhos quando saí da mata, a capela de Bom Jardim, construída no
alto de um deles, quebrava um pouco a monotonia da paisagem.
Naquele dia atravessei o Rio Grande...
Depois de ter andado quatro léguas, a partir do Alto da Serra, parei
numa fazenda de aparência bastante modesta chamada Sítio, construída
numa baixada, à beira de um riacho, e rodeada de morros baixos e
arredondados. O fundo do vale tinha uma orla de árvores, e viam-se capões
nas reentrâncias das encostas...
O dono da propriedade... recebeu-me bastante delicadamente e
mandou descarregar minha bagagem num quarto grande e razoavelmente
limpo, cujo teto era forrado com uma esteira...
Como
se observa,
após
transpor
a serra
da
Mantiqueira, o botânico francês cavalgou ainda por um tempo até deixar as matas. Depois,
o viajante passou pela povoação de Bom Jardim e atravessou o rio Grande para atingir um
local denominado Sítio, situado às margens de um ‘pequeno riacho’. Ao que parece, o
Sítio a que se refere Saint-Hilaire seria o local onde hoje se encontra a cidade de Arantina,
um local banhado pelo rio Turvo Pequeno, que então constitui apenas um pequeno riacho.
No dia seguinte, a 16 de fevereiro de 1819, o
naturalista seguiu viagem já dentro da região do antigo Turvo, agora pelo vale do rio
Turvo Pequeno. Assim, durante uma viagem de três léguas o viajante cavalgou ao lado da
serra do Turvo, deslocando-se pela região localizada na face oposta da montanha onde se
encontra o rochedo, não tendo por isso a visão do rochedo e da escultura.
Margeando o rio Turvo Pequeno, por fim o naturalista
contornou a serra do Turvo no local onde a mesma é cortada pelo rio. Pouco depois,
deslocando-se das margens do rio Turvo Pequeno, estando já em um local alto, o
naturalista avistou a povoação do Turvo e ao fundo a serra de Aiuruóca. Em seguida, o
viajante cavalgou por uma légua pelo alto dos morros até atingir a Fazenda das
Laranjeiras, a qual se encontra localizada a duas léguas de distância da montanha da serra
do Turvo. Durante esta cavalgada, foi possível ao naturalista descortinar atrás de si uma
vista panorâmica da serra do Turvo e do rochedo existente na montanha destacada.
Andrelânda, o antigo Turvo. A esquerda, semi encoberta, a serra do Turvo, em imagem obtida desde o
local por onde passou Auguste de Saint-Hilaire em 16 de fevereiro de 1819
À noite, quando de seu pouso na Fazenda das
Laranjeiras, ao escrever em seu diário sobre a viagem ocorrida naquele dia, o naturalista
omitiu qualquer referência a serra do Turvo, a qual circundara por todo aquele dia.
Naquela noite de 16 de fevereiro de 1819, assim Auguste Saint-Hilaire escreveu sobre a
viagem que realizara naquele dia, tendo em boa parte desta viagem uma vista privilegiada
da montanha destacada da serra do Turvo:
Deixando Sítio, passei, durante o trajeto de três léguas portuguesas,
diante de duas ou três choupanas pouco importantes, deixando à esquerda
a povoação de Turvo, que está situada em um lugar baixo. Via ao longe a
Serra da Juruoca, que se eleva muito acima dos morros circunjacentes e
dista oito léguas do lugar onde eu iria passar a noite.
(...)
A Fazenda das Laranjeiras, onde pernoitei no dia em que deixei o
Sítio é construída numa baixada e rodeada de árvores...
O vale do rio Turvo Grande. À esquerda, a continuação da serra do Turvo, ao fundo a Serra de Aiuruóca.
Como se vê, após ter cavalgado pelo vale existente na
margem direita da serra do Turvo, o vale do rio Turvo Pequeno, após ter contornado a
serra do Turvo e cavalgado por longo tempo tendo atrás de si a vista da serra do Turvo e
da montanha destacada com seu rochedo, o naturalista Auguste de Saint-Hilaire nada
escreveu sobre a serra que circundou em 16 de fevereiro de 1819.
No dia seguinte, a 17 de fevereiro de 1819, o
naturalista deixou a Fazenda das Laranjeiras cavalgando em direção da Fazenda das
Vertentes do Sardinha, onde iria pernoitar. Sobre a viagem daquele dia, assim o botânico
registrou em seu diário:
Deixando Laranjeiras, fui pernoitar no dia seguinte na Fazenda das
Vertentes do Sardinha, que já descrevi mais acima e pertencia ao
comerciante da gado Antônio Francisco de Azevedo.
Como essa fazenda fica a pouca distância da de Laranjeiras, tive
bastante tempo para ir coletar plantas na Serra dos Dois Irmãos. Dá-se este
nome a duas montanhas que eu vira de longe durante toda a jornada da
véspera; estão situadas uma ao lado da outra, sua
altura
é
aproximadamente a mesma, e ambas têm a forma de uma pirâmide curta, de
base muito larga. Para ir da Fazenda das Vertentes do Sardinha à serra é
necessário dar uma volta de uma légua e meia aproximadamente.
Acompanhado por José Mariano, fui até o pé da serra montado no meu
burro; ali desmontei e subi a pé um dos morros. Ao longo de uma boa
extensão de subida tinha sido construído um muro de pedras empilhadas
umas sobre as outras e muito bem feito. Onde terminava o muro, o qual
levando-se em conta a região, deve ser considerado uma
obra
extraordinária, não havia mais caminho, e continuei a subir entre as pedras
e rochas que cobrem a montanha. (...) Chegado ao topo da montanha,
descortinei uma imensa extensão de terra, a Serra da Juruoca e muitas
outras; além disso nenhuma habitação apreciável, nenhuma povoação atraia
os meus olhares. (...) A excursão que fizera a um dos dois montes não me
compensou bastante do trabalho para que sentisse a tentação de galgar o
segundo; desci com muita dificuldade pelo meio das pedras, e, cavalgando o
meu animal, voltei à Fazenda das Vertentes”.
A Serra dos Dois Irmãos, em imagem obtida desde a base do rochedo da serra do Turvo
Como se vê, Auguste de Saint-Hilaire anotou em seu
diário de viagem ter subido em uma das montanhas que compõem a serra dos Dois
Irmãos, serra essa que se encontra a cerca de vinte quilômetros da serra do Turvo. Porém,
naquele dia 17 de fevereiro de 1819, ao escrever em seu diário de viagem, novamente o
botânico omitiu a existência da serra do Turvo e sua montanha destacada.
Após essa curta estadia dentro da região do antigo
Turvo, Auguste de Saint-Hilaire deixou a região continuando sua viagem em direção às
nascentes do rio São Francisco, indo pernoitar na Fazenda de Chaves. Naquela noite de 18
de fevereiro de 1819, assim escreveu o viajante sobre a cavalgada realizada pelas
nascentes do rio Grande, na região do antigo Turvo:
Dalí eu me dirigi à Fazenda de Chaves...
A duas léguas aproximadamente da Fazenda das Vertentes do Sardim
(Sardinha), encontra-se o Rio Grande, que nesse ponto tem pouca largura...
Atravessa-se esse rio por uma ponte de madeira muito mal conservada,
como todas as da província (1819), e à qual a ausência de um parapeito
torna muito perigosa para os animais de carga...
A pouca distância do Rio Grande encontra-se o lugarejo de Madre
Deus, construído sobre uma elevação e composto ao todo de uma dezena de
casas reunidas à volta de uma capela. Todas, sem exceção, estavam
fechadas, e José Mariano, o meu tropeiro, que conhecia perfeitamente a
região, me disse que a maioria das casas só era ocupada quando vinha
algum padre de S. João celebrar missa na capela.
Depois de Madre Deus a topografia do terreno se torna mais regular,
embora a região continue elevada...
Na sequencia dessa viagem, Auguste de Saint- Hilaire
conheceu boa parte do Brasil. O naturalista viajou pelas nascentes do rio São Francisco,
seguindo até atingir a Capitania de Goiás. Depois, viajou para a cidade de São Paulo,
onde deixou o resultado das colheitas que fizera na viagem até então. A partir de São
Paulo, o viajante atingiu Curitiba e depois Desterro, hoje Florianópolis, chegando enfim à
Capitania do Rio Grande. O naturalista somente terminou esta longa viagem no ano de
1821, tendo atingido o estuário do Rio da Prata. Por fim, o naturalista tomou uma
embarcação que o levou de volta à cidade do Rio de Janeiro.
V – VIAGEM PELO ENTORNO DO ANTIGO TURVO EM 1822
De retorno ao Rio de Janeiro, enquanto passava os
últimos meses de sua longa estadia no Brasil, Auguste de Saint- Hilaire empreendeu uma
rápida viagem, na qual pretendia resgatar os materiais de pesquisa que havia deixado na
cidade de São Paulo quando de sua viagem anterior. Nessa última viagem o naturalista
viajou para Minas Gerais, circundou a região do Turvo, seguindo depois para a cidade de
São Paulo. Pouco depois, o viajante retornou por terra à cidade do Rio de Janeiro.
A publicação em português do diário dessa rápida
viagem de Saint-Hilaire pela região do Turvo teve como tradutor Vivaldi Moreira, o qual
atribuiu à obra o seguinte título: Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a
São Paulo (1822). Contudo, o título da primeira edição francesa dessa obra havia sido
outro: Livre du Voyage Que j’ai entrepris de faire de Rio de Janeiro a Villa- Rica et de
Villa-Rica a S. Paul, pour aller Chercher les 20 caisses que j’ai leissées dans cette
dernière ville.1
Nesta sua última viagem pelo Brasil Auguste de SaintHilaire deixou a cidade do Rio de Janeiro a 29 de janeiro de 1822. Novamente seguindo
pelo Caminho Novo do Comércio, o viajante atingiu o arraial do Rio Preto no dia 6 de
fevereiro. Dias depois, em 14 de fevereiro, o naturalista saiu das florestas e atingiu a
região dos campos, chegando em seguida na vila de Ibitipoca, hoje Conceição de
Ibitipoca, para herborizar na serra de Ibitipoca. Então, o viajante montou pouso na
Fazenda do Tanque, já próximo a serra de Ibitipoca. Em sua estadia nesta fazenda assim
escreveu o naturalista Auguste de Saint-Hilaire em seu diário de viagem:
Como faço questão de subir a Serra de Ibitipoca, onde, sem dúvida,
encontrarei muitas plantas, não quis deixar o rancho de Antônio Pereira
sem me por ao corrente de minhas análises. Era muito tarde quando
partimos. Depois de subirmos encosta bastante íngreme, entramos nos
campos. Foi com extremo prazer que tornei a ver uma quantidade desses
encantadores subarbustos pelos quais comecei o meu herbário e desde dois
anos não mais vira as elegantes cássias e aquelas melastomáceas, cujos
fracos e cerrados ramos formam encantadores feixes, arredondados como
bolas.
(...)
Versão em português: Livro de viagem que tive de empreender do Rio de Janeiro a Vila Rica e de Vila Rica a
São Paulo para procurar as 20 caixas que deixei nesta última cidade.
1
Não foram apenas campos que hoje percorremos; atravessamos matas
também. Depois de mais ou menos uma légua, chegamos à Vila de Ibitipoca,
situada num alto. Embora cabeça de distrito que se estende até Rio Preto,
consta esta vila de algumas casinholas apenas e do pior aspecto.
(15.02) Fui hoje herborizar na Serra de Ibitipoca... Na base das
montanhas ficam bosques espessos que atravessamos subindo insensivelmente.
De repente, encontramo-nos em imenso pasto cujo terreno é uma mistura de
areia e terras escuras...
A Serra da Ibitipoca não é pico isolado e sim contraforte proeminente de
cadeia que atravessei desde o Rio de Janeiro até aqui. Pode ter até uma légua
de comprimento e apresenta partes mais elevadas, outras menos, vales,
penedos, picos e pequenas partes planas. As encostas são raramente muito
íngremes. Os pontos altos representam, geralmente, cumes arredondados e os
rochedos mostram-se bastante raros...
Seguimos um caminho que sobe, a pouco e pouco, e chegamos a um
regato chamado Rio do Sal...
Corre o Rio do Sal com rapidez numa encosta estreita e em vários
lugares rochedos a pique o margeiam. Num deles, de cor esbranquiçada,
ficam inúmeras manchas pretas formadas, tanto quanto pude avaliar, por
expansões liquenóides. Lembra uma, e bastante, a figura de um eremita
embuçado no hábito, segurando um livro. Dele fizeram um Santo Antônio e é
objeto de veneração em toda a zona. Todos quantos perderam animais na
serra vão rezar o terço diante da imagem e os encontram infalivelmente.
Outros há que, em romaria e de vela em punho, visitam o rochedo onde está
representado o santo e ali fazem penitência.
(...)
Depois de acabado o almoço, partimos todos a cavalo e subimos ao
Pião, nome que se dá ao cume menos arredondado e mais alto de toda a
serra. Deste pico se descortina horizontes mais extensos do que o da Serra de
S. Gabriel. Quando o tempo está claro, avistam-se até as montanhas dos
arredores do Rio de Janeiro. Atrás do Pião, e em grande extensão, acha-se a
montanha absolutamente corta a pique. É difícil de reprimir uma espécie de
terror, quando, adiantando-se alguém até o limite permitido pela prudência,
descobre a imensa profundidade, espessas florestas escondidas em sombrios
vales.
Sob o Pião abre-se um abismo cuja profundeza não pode o olho
calcular, mas que corresponde, dizem, e muito distante dali, a outra penedia
muito mais baixa.
Após herborizar na serra de Ibitipoca, Auguste de
Saint-Hilaire partiu para a vila de Barbacena, lá chegando a 19 de fevereiro de 1822. Foi
então que o viajante desistiu de atingir Vila Rica. Na sequencia de sua viagem, o
naturalista atingiu novamente a vila de São João del-Rei quatro dias depois, em 23 de
fevereiro de 1822.
A 26 de fevereiro de 1822, o naturalista deixou a vila
de São João del-Rei cavalgando pelo caminho a que chamou Caminho Novo do Paraíba.
Em 28 de fevereiro, após atravessar o rio Grande, Auguste de Saint-Hilaire pernoitou na
Fazenda da Cachoeirinha, quando assim escreveu em seu diário de viagem:
A região continua montanhosa, oferecendo excelentes pastagens nos
cumes e capões de mata nas baixadas. Como o caminho segue quase sempre
pelos cumes dos montes, descortina-se, geralmente, grande extensão de
terreno, mas em nenhum lugar avistam-se habitações e se vêem muitos
animais. Temos sempre à frente a Serra das Carrancas cujo cume, visto de
longe, parece um tabuleiro, e cujos flancos oferecem poucas desigualdades.
A cerca de duas léguas e meia (da fazenda) do Ribeirão encontrei o
Rio Grande, que se atravessa sobre uma ponte de madeira, e cujo pedágio é
arrecadado pela Fazenda Real. Apresentei os meus documentos ao homem
encarregado de receber o dinheiro dos viajantes e ele me deixou passar
livremente.
No dia seguinte, a 01 de março de 1822, tendo atingido
a fazenda de Carrancas, onde pernoitou, assim escreveu o naturalista Auguste de SaintHilaire:
Depois de atravessar um riacho que forma pequena queda de água,
da qual a fazenda tomou o nome de Cachoeirinha, atravessamos pastos e
logo chegamos ao Juruoca. Esse rio mais volumoso do que o Rio Grande,
no lugar onde o cortamos ontem, atravessamo-lo numa ponte de madeira
em muito mau estado, mas onde não se paga pedágio algum, porque não foi
construída à custa da Fazenda Real, e sim às expensas dos habitantes da
vizinhança.
Cortando sempre pastos, encontramos, a pouca distância do Rio
Juruóca, o de Pitangueiras, que, segundo me disseram vai concluir com o
Rio Grande. A ponte em que atravessa o Rio Pitangueiras é tão má que os
burros por ela não podem passar sem perigo. Tínhamos, sempre à frente, a
Serra das Carrancas e afinal ali chegamos. Em ponto algum é muito elevado
e o caminho a corta no lugar onde tem menor altura. No cume, muito
arenoso, revi algumas plantas interessantes, entre outras uma orquídea de
dois cálices.
Paramos, a pouca distância da raiz da Serra, numa fazenda que
pertence à mesma família dos donos da Cachoeirinha e não parece menos
importante que ela. Fui muito bem recebido e os donos da casa não nos
permitiram cozinhar. Disseram-me que os pastos deste distrito eram tão
bons quanto os que estendem entre São João e a Serra de Carrancas. Em
compensação, as terras se mostravam melhores para a cultura. As matas,
com efeito, ali são mais frequentes e denotam mais selva.
Ao final da jornada seguinte, desde seu pouso no
rancho da Traituba, assim escreveu Auguste de Saint- Hilaire em 2 de março de 1822,
quando conheceu a vila de Carrancas:
A cerca de quarto de léguas da fazenda encontramos a Vila de
Carrancas, sede de paróquia. Quando muito, merece o nome de aldeia.
Fica situada numa encosta de colina e compõe-se de umas vinte casas em
volta de uma praça coberta de grama.
A igreja ocupa o lado mais alto da praça.
É pequena, mas construída de pedra e muito bonita por dentro. Não é
à mineração que Carrancas deve sua origem. No lugar em que está situada
existiu outrora muita fazenda com capelinha. Atraídos pelo desejo de ouvir
missa, alguns cultivadores vieram estabelecer-se na vizinhança. Foi a
fazenda destruída, mas a capela continuou a subsistir. Substituíram-na por
uma igreja mais considerável e a pouco e pouco se formou a aldeia.
Em 4 de março de 1822, cavalgando pelo Caminho
Novo do Paraíba, o naturalista acabou por deixar esse caminho seguindo então em direção
à vila de Aiuruóca. Assim, buscava o naturalista atingir a serra da Juruoca, uma região
que avistara em 1819 desde as imediações da povoação do Turvo e depois desde a serra
dos Dois Irmãos. O naturalista permaneceu na vila de Aiuruóca entre os dias 5 e 7 de
março. Na noite de 5 de março de 1822, assim Auguste de Saint-Hilaire escreveu sobre a
povoação de Aiuruóca:
A região hoje percorrida é mais montanhosa e cheia de mata. Duas
circunstâncias quase sempre coincidentes. Diante de nós descobríamos as
montanhas vizinhas da cidade de Juruoca, que não são, dizem, senão
ramificação da Serra da Mantiqueira, e no meio das quais se alça um
morro conhecido em toda a região sob o nome de Papagaio. Esta montanha
termina, segundo asseguraram, por inacessível rochedo e muito alto.
Apenas pude ver a raiz da montanha, pois reinava muito espessa cerração.
Mais ou menos meio quarto de légua antes daqui chegar, começa-se a
descer num vale sombrio, extremamente profundo, cercado de montanhas
cobertas de mata.
O Rio Aiuruóca, que desce, disseram-me, do Morro do Garrafão,
corre rapidamente no fundo do vale, e é à margem deste rio, entre
montanhas e matas, que fica situada a cidade do mesmo nome.
Construíram-na à ribanceira direita, um pouco acima de seu leito, e
compõe-se de cerca de oitenta casas. Constituem elas três ruas, cuja
principal é bastante larga e paralela ao rio. A igreja paroquial ergue-se na
extremidade mais elevada desta rua, é pequena, sem sino, e nada oferece de
notável. Vêem-se além dela uma capela e outra igreja recentemente
construída pela irmandade do Rosário e colocada num morro que domina
toda a cidade. Como quase todas as aglomerações de Minas, parece muito
pouco habitada nos dias úteis. Torna-se, porém, provavelmente mais
movimentada nos domingos e feriados. Prova de que nem sempre vive tão
deserta quanto hoje é o fato de possuir algumas lojas bem regularmente
sortidas, vendas e até mesmo uma farmácia.
Aqui chegando, fui ter à casa do vigário para o qual o de S. João me
dera uma carta. Fui recebido por vários padres num grande vestíbulo
rodeado de bancos. Estes senhores informaram-me de que o cura fazia a
sesta. Assim, não lhe poderia falar. Pus-me a passear de um lado para
outro, um pouco magoado com a recepção muito fria que me faziam, pois
nem me convidaram para entrar. Afinal apareceu o vigário e a sua primeira
recepção foi tão fria quando a de seus confrades. Pouco a pouco, porém,
travamos conhecimento verificando eu que é um excelente homem.
Deixando a povoação de Aiuruóca a 08 de março de
1822, o naturalista atingiu a serra do Papagaio, assim anotando no seu diário de viagem:
(...) atravessamos terrenos pantanosos e alcançamos um dos pontos mais
altos da Serra. Percorremos, ainda uma vez, magníficos pastos, e afinal
atingimos, entre todos os quatro cumes da Serra do Papagaio, aquele que
nos parecia o mais afastado, quando vínhamos de Aiuruoca.
Há divergência sobre os nomes que é preciso dar a todas estas
montanhas. Entretanto, em geral, chama-se aos quatro cumes Serra do
Papagaio e o mais distante é o Papagaio. Quanto às montanhas vizinhas que
se unem chamam-nas simplesmente região da Serra. Mas, para distingui-las
de tantas outras, parece conveniente, como o fazem algumas pessoas,
designá-las sob a denominação de Serra de Aiuruóca.
(...)
A Serra do Papagaio avança, como já contei, para o nordeste;
avistávamos de um lado as campinas descobertas e onduladas que
acabávamos de percorrer, a Serra de Carrancas que parece acabar por
plataforma perfeitamente nivelada; e por fim, quase na raiz da montanha, a
cidade de Aiuruóca, o rio do mesmo nome que aparecia, por intervalos,
cercado do mato que o margeia.
Do lado oposto oferece a paisagem caráter inteiramente diverso: é
austera e selvagem. Temos as altas montanhas da Mantiqueira ante os
olhos. (...) Diante do terceiro morro, fica o que tem o nome de Papagaio
propriamente dito. Une-se à base do terceiro morro e dele está apenas
separado por precipício muito estreito; mas além disto fica isolado de todos
os lados e alça-se a pique, a enorme altura. (...)
Como ninguém ainda logrou maior êxito, a imaginação do povo deu
largas a propósito desta montanha. Uns colocaram-lhe no alto grande lago,
outros ali fazem brilhar fotos nas noites de verão, outros por fim pretendem
que o diabo ali foi acorrentado por um santo sacerdote por ocasião da
descoberta da zona.
A 10 de março de 1822, o viajante retomou sua
viagem, atingindo depois o Caminho Novo do Paraíba e na sequencia a Vila de
Baependi. Auguste Saint-Hilaire transpôs a serra da Mantiqueira pela garganta do Embaú
apenas a 20 de março de 1822. No dia seguinte, após descer a serra da Mantiqueira o
viajante atravessou o rio Paraíba no porto da Cachoeira. Na noite daquele dia, assim o
viajante anotou em seu diário de viagem
“(...) Quando se atravessa o rio avista-se... ao longe, a Serra da
Mantiqueira, cortada por imensas florestas e a gente não se pode cansar de
contemplar uma paisagem que tem, ao mesmo tempo, algo de risonho e
majestoso”.
Em continuação a essa rápida viagem, o botânico se
dirigiu a cidade de São Paulo para recolher as coleções que lá havia deixado em 1820.
Chegou a São Paulo aos 03 de abril de 1822. No dia 11 de abril, já de posse de suas vinte
caixas, o naturalista retornou por terra a cidade do Rio de Janeiro, onde chegou em 4 de
maio de 1822. Após esta viagem, Auguste de Saint-Hilaire finalmente embarcou para a
Europa, lá chegando ainda no inverno de 1822.
Nessa sua última viagem pelo Brasil, embora
novamente tenha deixado de mencionar a serra do Turvo e sua montanha destacada,
Auguste de Saint-Hilaire circundou a região do antigo Turvo ao passar pela vila de
Ibitipoca, pela vila de Carrancas e pela vila de Aiuruóca. O botânico herborizou na Serra
de Ibitipoca, onde está o pico do Pião, e na serra de Aiuruóca, onde está o pico do
Papagaio. Como mencionado alhures, entre estas duas serras encontra-se a serra do Turvo
com a escultura no rochedo.
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Os roteiros de Auguste de Saint-Hilaire pela região do antigo Turvo, em 1819, com círculos, e em 1822 , com quadrados
IX - A PUBLICAÇÃO DOS RELATOS DE VIAGEM
Em 1822, o francês Jean-François Champollion havia
decodificado os hieróglifos egípcios. Por conta disso, referências à cultura egípcia
passaram a ser uma constante nas obras literárias publicadas naqueles tempos. As
publicações dos relatos de viagem dos naturalistas que estiveram no Brasil naquela época
não foram exceção.
No ano de 1823, dois anos após terem retornado de sua
viagem ao Brasil, Spix e Martius publicaram em Munique o primeiro volume com relatos
da viagem feita entre 1817 e 1821. Nessa publicação, ao descreverem a região por onde
então transitavam, ou seja, as serras situadas nas imediações da serra do Turvo, os
naturalistas se serviram de um termo egípcio para descrever a região, assim escrevendo:
Como os largos cumes da serra, que se apresentam com a forma de sarcófagos, se
elevam em quase igual altitude (entre três e quatro mil pés), e por sua vez os vales,
em forma de calha, também não são muito profundos, poder-se-ia chamar toda
esta parte da serra de platô ondulado, por se ir perdendo nele pouco a pouco a
serra da Mantiqueira.
Com a publicação do primeiro volume dos relatos da
grande viagem empreendida entre 1817 e 1821, então intitulada Viagem pelo Brasil,
restava ainda em aberto a publicação dos dois outros volumes da obra. Porém, no ano de
1826, contando quarenta e cinco anos de idade, faleceu o zoólogo Johann Baptist Ritter
von Spix. Assim, coube apenas ao botânico Carl Friedrich Philipp von Martius a
incumbência do terminar a publicação dos relatos das viagens dos naturalistas bávaros
pelo Brasil, o que somente ocorreu no ano de 1831, com a publicação do último volume
da obra Viagem ao Brasil.
O botânico Von Martius, em poses voltadas para a esquerda. Após retornar do Brasil e já velho.
Em 1823, no mesmo ano em que Spix e Martius
publicaram o primeiro volume de sua obra com os relatos das viagens pelo Brasil, o
botânico Auguste de Saint-Hilaire apresentou à Academia de Ciências do Instituto da
França um relatório contendo um resumo de seus seis anos de viagens pelo Brasil. Esse
relatório foi publicado por A. Belin, em Paris, ainda no ano de 1823. Nesse mesmo ano, o
relatório foi incluído nos Extrait des Mémoires du Muséum d’Histoire Naturelle (t.9,
p.307), pertencente à Bibliothéque du Muséum d’Histoire Naturelle.
Este resumo das viagens de Auguste de SaintHilaire foi intitulado Esboço de minhas viagens no Brasil e Paraguai consideradas
principalmente sob a relação com a Botânica. Naquele ano de 1823, ao terminar o
resumo apresentado à Academia de Ciências, Auguste de Saint-Hilaire assim descreveu
sua viagem ao entorno da região do antigo Turvo, ocorrida um ano antes, em 1822:
Cheguei ao Rio de Janeiro sem acidente; mas me faltava ainda ir
buscar, em São Paulo, as coleções que aí havia deixado. Querendo tornar
essa última viagem bastante útil, no que dependia de mim, decidi passar
pela Província das Minas. Parti do Rio de Janeiro no final de janeiro de
1822; subi uma segunda vez a Serra Negra; revi Barbacena e São João del
Rei; subi duas altas montanhas que não conhecia ainda, as de Ibitipoca e
de Juruoca; visitei o Pico do Papagaio, onde nenhum habitante tinha subido
desde há muitos anos. E, apesar do pouco que dediquei a essas excursões,
elas me forneceram ainda colheitas abundantes; o que prova que minhas
pesquisas de dezoito meses, na Província das Minas, estavam longe de ter
esgotado suas riquezas. Passei pela cidade de Santa Maria de Baependi,
famosa por seus tabacos; revi, nos arredores matas de araucárias...
Naquele ano de 1823, ao publicar seu resumo de
viagens para a Academia de Ciências do Instituto da França, o botânico Auguste de SaintHilaire fez surgir a primeira obra contendo referências às serras de Ibitipoca e de Juruoca
e ao pico do Papagaio.
Passados sete anos, em 1830, Auguste de Saint- Hilaire
iniciou à publicação de seus relatos de suas viagens pelo Brasil. A publicação dos relatos
de viagem iniciaram na cidade de Montpelier. Naquele ano ocorreu a publicação da
primeira parte do relato da viagem empreendida entre os anos de 1816 e 1818, quando
houve a primeira viagem do naturalista por Minas Gerais. Em 1833, três anos depois da
primeira publicação, foi publicada em Paris a segunda parte destes relatos de viagem. No
prefácio desta publicação assim escreveu Auguste de Saint-Hilaire:
...A indulgência com a qual foi acolhido meu primeiro livro de Viagens ao
Brasil encoraja-me a publicar o segundo. Não me afasto do plano seguido e
continuo a ter como dever precípuo a observância da mais escrupulosa exatidão
nas narrativas.
(...)
Agora vou me ocupar, sem descanso, com a redação do meu terceiro
relato, que tornará conhecidas regiões sobre as quais não há, por assim dizer,
nada publicado, tais como a parte oriental da Província de Minas Gerais, as
montanhas onde nascem os famosos rios São Francisco e Tocantins, os desertos
de Goiás, os deliciosos Campos Gerais, os arredores de Curitiba, a costa que se
estende de Paranaguá a Santa Catarina, uma grande parte da Província do Rio
Grande, as Missões do Uruguai, e enfim os picos do Ibitipoca, do Papagaio,
Aiuruóca etc
Como se vê no ano de 1833 o naturalista Auguste de
Saint-Hilaire informou que a partir de então viabilizaria a publicação dos demais relatos
de suas viagens pelo Brasil. Esses relatos dariam a conhecer, entre outras, as regiões dos
“picos do Ibitipoca, do Papagaio, Aiuruóca etc”, regiões essas que o naturalista havia
destacado dez anos antes, ao publicar o resumo de suas viagens que havia feito para a
Academia de Ciências do Instituto da França.
No ano de 1835, passados dois anos do término da
publicação dos relatos da primeira viagem empreendida pelo naturalista no Brasil,
Auguste de Saint- Hilaire foi eleito presidente da Academia de Ciências do Instituto da
França.
Entre os anos de 1847 e 1850, Auguste de SaintHilaire publicou os relatos da grande viagem feita entre os anos de 1819 e 1821.
Primeiramente, no ano de 1847 foram publicados os relatos da viagem empreendida da
cidade do Rio de Janeiro às nascentes do Rio São Francisco e à província de Goiás. Nessa
obra, pela primeira vez são tornadas públicas referências à povoação do Turvo, à
fazenda das Laranjeiras e à serra dos Dois Irmãos. Trata-se de locais situados dentro da
região do antigo Turvo, respectivamente a cinco, doze e a vinte quilômetros de distância
da montanha onde se encontra a escultura no rochedo.
Naquele ano completavam-se 25 anos desde a
decodificação da escrita egípcia por Champollion, completavam-se também 24 anos desde
que Spix e Martius tornaram públicos seus relatos de viagem servindo-se do vocábulo
sarcófago para descrever as serras que transitaram nos limites da região do antigo Turvo.
Então, ao publicar seus relatos narrando sua passagem dentro da região do antigo Turvo,
ocorrida em 1819, Auguste de Saint-Hilaire também se serviu de vocábulo da cultura do
Egito antigo:
“...tive bastante tempo para ir coletar plantas na Serra dos Dois Irmãos. Dá-se
este nome a duas montanhas que eu vira de longe durante toda a jornada da
véspera; estão situadas uma ao lado da outra, sua altura é aproximadamente a
mesma, e ambas têm a forma de uma pirâmide curta, de base muito larga.”.
Da mesma maneira que Spix e Martius fizeram em
1823, ao descreverem serras não muito distantes da serra do Turvo, em 1847 o botânico
Auguste de Saint-Hilaire também se serviu de um vocábulo oriundo no Egito antigo ao
se referir a acidentes naturais da região do antigo Turvo. Para descrever as duas
montanhas que compõem a serra dos Dois Irmãos, uma formação geográfica situada
defronte da montanha destacada da serra do Turvo, o naturalista se serviu de um vocábulo
que remete ao Egito antigo, o vocábulo pirâmide.
Com a morte de Auguste de Saint-Hilaire em 1853,
acabou por ficar em aberto a publicação do livro referente à última viagem do naturalista
pelo Brasil, ou seja, a viagem na qual o naturalista circundou a região do antigo Turvo
no ano de 1822. Assim, a palavra empenhada por Auguste de Saint-Hilaire em 1833, de
que viria publicar os relatos de viagem que dariam a conhecer “os picos do Ibitipoca, do
Papagaio, Aiuruóca”, acabou não cumprida durante a vida do naturalista.
Essa lacuna na publicação dos relatos de viagem de
Auguste de Saint-Hilaire somente seria preenchida no ano de 1887, quando foi publicado
o relato da última viagem do botânico pelo Brasil. Conforme havia antecipado o botânico
em 1833, o relato da viagem empreendida pelos picos do Ibitipoca, do Papagaio,
Aiuruóca, ocorrida em 1822, foi inserido no final de uma republicação da grande viagem
empreendida entre os anos de 1819 e 1821, quando o naturalista atravessou a região do
antigo Turvo.
X – O DESAPARECIMENTO DO NOME TURVO
Como se observa, não foram poucos os momentos em
que ocorreram publicações de obras com referências aos acidentes geográficos existentes
no entorno da região do antigo Turvo. No ano de 1823 houve a referência ao pico do
Papagaio e aos nomes de duas serras da região, Ibitipoca e Aiuruóca, chamadas de
montanha em português. Dez anos depois, em 1833, são repetidas as referências aos picos
de Ibitipoca, Papagaio e Aiuruóca, na tradução para o português. Em 1847, pela primeira
vez são tornadas publicas descrições de locais existentes dentro da região do antigo Turvo,
a povoação do Turvo, a serra dos Dois Irmãos e a Fazenda das Laranjeiras.
Foi somente muitos anos depois, em 1887, que
ocorreu publicação do último relato de viagem de Auguste de Saint-Hilaire, a viagem
empreendida em 1822 pela região da serra de Ibitipoca, e as serras de Aiuruóca ou do
Papagaio. Ou seja, somente naquele ano de 1887 que as referências aos acidentes
geográficos existentes no entorno da região do antigo Turvo, as quais foram tornadas
públicas por Auguste de Saint-Hilaire em um resumo de suas viagens apresentado na
Academia de Ciências em 1823, foram finalmente publicadas em forma de diário de
viagem.
Ao que parece, essa lenta publicação dos relatos de
viagem de Auguste de Saint-Hilaire, que se estendeu por 64 anos, do ano de 1823 ao ano
de 1887, causou repercussões na povoação do antigo Turvo. Isto porque já no final do
século XIX ecoava pela povoação uma frase atribuída a um então ex pároco do Turvo,
que dizia: “Turvo, turvo! Mesmo que tu não queiras turvo serás sempre!”.
Foi então que o nome inspirado na escultura existente
na montanha destacada da serra, nome este que havia identificado essa pequena região
das nascentes do rio Grande por mais de duzentos anos, começaria a se perder. Passados
quarenta anos desde o abandono do nome povoação do Turvo Grande e Pequeno, com o
surgimento do Arraial do Turvo, foi no ano de 1864 que o Arraial do Turvo foi elevado à
categoria de vila, com o nome de Vila do Turvo. Quatro anos depois, no ano de 1868 a
Vila do Turvo foi elevada a categoria de cidade, surgindo assim a Cidade do Turvo.
Já no final do século XIX, o então pároco do Turvo
conseguiu autorização para construir uma capela em homenagem a Santo Antônio no alto
da montanha onde se encontra o rochedo com a escultura do Turvo. Construída a capela,
restou aos fiéis a árdua tarefa de subir a montanha a pé ou em lombo de burros para
assistir aos cultos. Passaram-se os anos até que, certo dia, em meio a grande
tempestade de vento, caiu faísca na capela, então já enfraquecida pelo tempo, a qual veio
abaixo. Ao final, a capela acabou reconstruída em um campo próximo à montanha, no vale
do rio Turvo Grande. Porém, desconhecendo a história da região, os habitantes começaram
a chamar o local não mais de montanha do Turvo, mas sim de morro de Santo Antônio.
Com o tempo, a própria serra do Turvo passou a ser chamada de serra de Santo Antônio.
Por fim, na terceira década do século XX, o nome de
Turvo foi modificado pela última vez. No ano de 1930, eventos políticos que resultaram
em vários feridos e na morte de dois cidadãos do Turvo acabaram sendo atribuídos ao
nome da cidade, o nome Turvo. Foi assim que em substituição ao nome cidade do Turvo
surgiu o nome cidade de Andrelândia. Trata-se de uma homenagem a André da Silveira,
morador da região do antigo Turvo que participou da comitiva que no ano de 1749
conseguiu das autoridades eclesiásticas da Cidade de Mariana a autorização para
construção de uma capela junto ao porto de passagem do rio Turvo Pequeno.