DOI: hr.v24i1.46582
ARTIGOS
O ANTIGO ESTADO DE COISAS: APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS NO SUL
DA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO
THE OLD STATE OF THINGS: APPOINTMENTS FOR THE HISTORY OF THE INDIGENOUS PEOPLES IN THE SOUTH OF THE
PROVINCE OF ESPÍRITO SANTO
Julio Bentivoglio
juliobentivoglio@gmail.com
RESUMO: No início do século XIX, quartéis instalados às margens do recém ampliado caminho que
ligava o porto de Itapemirim a região das Minas tentava garantir a segurança dos fazendeiros e
poucos aventureiros que ousavam atravessar a região dominada pelos índios Puri. O receio
justificava‐se pelo fato de que na Vila de Nova Benevente um grupo de indígenas havia assassinado o
capitão‐mor Francisco Xavier Pinto Saraiva, em 1833, dirigindo‐se, em seguida, para a Vila de Piúma,
de onde continuaram representando uma ameaça aos demais moradores da região. Entre
Itapemirim e Muribeca os conflitos entre colonos e os índios Puri e Botocudo causavam mais e mais
vítimas. Tentar compreender o porquê das animosidades entre índios e colonos estarem tão
exaltadas no sul da Província do Espírito Santo naquela primeira metade do século XIX é o desafio
que propomos neste artigo, mediante a análise de algumas petições, relatórios e documentos que
expressam as tensões vividas naquela região desde o período colonial, verificando seu conteúdo e
sua relação com a história indígena do Espírito Santo.
PALAVRAS‐CHAVE: Índios, Sul do Espírito Santo, Conflitos, Aldeamentos.
ABSTRACT: At the beginning of the 19th century, quarters are installed on the banks of the recently
enlarged road linking the port of Itapemirim to the Minas region tried to ensure the safety of the
farmers and few adventurers who dared to cross the region dominated by the Puri Indians. The fear
was justified by the fact that in Vila de Nova Benevente a group of Indians had assassinated the
captain‐general Francisco Xavier Pinto Saraiva in 1833, and then went to the village of Piúma, where
they continued to represent a threat to the region's residents. Between Itapemirim and Muribeca the
conflicts between settlers and the Puri Indians, but also Botocudo, caused more and more victims.
Trying to understand why the animosities between Indians and settlers were so exalted in the
southern province of Espírito Santo in the first half of the nineteenth century is the challenge we
propose in this article, through an analysis of some petitions, documents and expressions about the
tensions experienced in that region since the colonial period, verifying its content and its relation
with an indigenous history of Espirito Santo.
KEYWORDS: Indians, South of Espírito Santo, Riots, Aldeamentos.
Introdução
Em 1833, amotinados em Piúma após assassinarem o capitão‐mor da vila –
Francisco Xavier Pinto Saraiva – os moradores de Nova Benavente,1 em sua grande maioria
índios, ameaçaram realizar novos ataques a antiga aldeia jesuítica de Iriritiba exigindo o
restabelecimento do que denominavam de “o antigo estado de coisas” (APEES. Série 751,
Doutor em História. Professor no PPGHIS/PPGG da Universidade Federal do Espírito Santo.
Na maior parte dos documentos do período colonial a localidade é denominada Benavente, no entanto, a
partir do século XIX fixou‐se a grafia de Benevente.
1
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Recebido em 22 de novembro de 2018
Aprovado em 12 de janeiro de 2019
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Livro 163 A, 1/4/1834, p. 57 apud MOREIRA, 2009, p. 241). Para Vânia Maria Losada Moreira
(2009) naquela reivindicação aqueles índios se referiam a um período anterior à expulsão
dos jesuítas quando, apesar dos abusos dos inacianos denunciados pelos índios em
documentos como o Auto da Devassa contra os jesuítas do Espírito Santo que ocorreu no
ano de 1761, tiveram assegurados seus direitos sobre as terras do aldeamento. Além disso,
antes da expulsão, os indígenas estiveram sob a proteção daquela ordem, que se recusava a
ceder índios para muitos dos costumeiros recrutamentos para funções civis e militares, que
se tornariam sistemáticos depois (LEITE, 1938‐1950).
No mesmo período, nas terras ao sul de Benevente integrantes das etnias Puri e
Botocudo reagiam aos sequestros, inclusive de crianças, que vinham sendo realizados por
colonos estabelecidos na região entre os rios Itabapoana e Itapemirim e a fixação de
sertanistas como os liderados por Manoel José Esteves de Lima que tentavam colonizar as
margens do caminho que ligava o porto de Itapemirim à região das Minas Gerais, o qual
havia sido ampliado no início do século XIX. Ambas as ações surgiam mediante novas
alianças entre colonos e alguns aliados índios que tinham por finalidade assegurar o controle
daquelas terras, que até aquele momento eram dominadas pelos grupos Puri, Tupiniquim,
Coroado e Botocudo que ali viviam.
Se esses Puri e Botocudo tivessem deixado registradas suas reivindicações, o que
anotariam? Será que eles também desejavam o retorno ao passado? Em caso positivo, o que
seria o restabelecimento de um antigo estado das coisas para aqueles povos? Quais seriam
as diferenças entre os motivos e horizontes desejados pelo gentio bárbaro – tal como lhe
assinalavam os documentos – que vivia entre Itapemirim e Muribeca e os índios de
Benevente que se apresentavam às autoridades como súditos reais?2 Como viviam esses
diferentes indivíduos às vésperas do século XIX e o que teria mudado a partir de então?
Esse artigo busca analisar as relações estabelecidas no sul do Espírito Santo, na
transição do período colonial para o início do Brasil Império, entre colonos e índios,
ilustrando o processo complexo de construção de identidades, abalada pela chegada do
2
Entre as diferentes categorizações dos índios no século XIX Cunha (1992) destaca‐se a divisão em “bravos” e
“domésticos ou mansos” e ainda em Tupi‐guarani de um lado e Botocudo de outro. Nós, no entanto,
utilizaremos a definição idealizada pelos grupos que habitavam Benevente e seus arredores que na Petição
enviada a Rainha de Portugal em 1795 se denominaram índios vassalos enquanto as demais tribos eram
tratadas como gentio bárbaro (MATTOS, 2016).
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colonizador responsável pelo surgimento de uma fronteira cultural estabelecida entre índios
vassalos e gentios bárbaros que, muitas vezes, colocou em lados opostos, índios que antes
integravam um mesmo povo, da mesma etnia.
Com esse intento nos debruçaremos sobre relatos de autoridades eclesiásticas
como o bispo D. José Caetano da Silva Coutinho e de viajantes europeus como o príncipe
Maximiliano de Wied Neuwied e Auguste de Saint Hilaire que percorreram a região nas
primeiras décadas do século XIX. Utilizaremos ainda alguns Relatórios dos Presidentes da
Província do Espírito Santo e ofícios reunidos no livro do Registro de correspondência relativa
a colonização e catequese 1848 – 1860, todos eles acessíveis no Arquivo Público do Estado
do Espírito Santo (APES). Em outro documento, mais especificamente uma petição
encaminhada no ano de 1795 pelos índios de Benevente para a Rainha de Portugal, teremos
acesso ao depoimento daqueles autóctones, autodenominados índios vassalos, acerca de
suas relações com os colonos e com os grupos autóctones independentes, por eles
denominados gentios bárbaros.
A ocupação dinâmica de um território em constante disputa
Entre as inúmeras hipóteses quanto à data da migração e as fontes populacionais
que habitaram o Sudeste brasileiro, Warren Dean (1996) acredita que o declínio dos grandes
animais de caça no cerrado levou os grupos humanos que viviam naquele bioma a migrarem
há aproximadamente 11 mil anos para as regiões cobertas pela Mata Atlântica. Seguindo o
curso dos rios, alguns grupos chegaram às regiões litorâneas onde se depararam com uma
variedade de ambientes ricos em proteínas e nutrientes, passando a sobreviver, sobretudo
da pesca e da coleta (Cf. DEAN, 1996). Entre esses grupos, acabaram por se destacar os
chamados sambaquieiros, indivíduos que viviam da coleta e consumo de crustáceos e
mariscos. Esse tipo de cultura, comum em todo o litoral brasileiro, conheceu, ao longo dos
séculos subseqüentes, a chegada de novas levas migratórias nas quais se introduziram novos
povos pertencentes aos grupos Macro‐Jê e Tupi‐guarani.
Assim, quando os europeus começaram a perscrutar o litoral da capitania do
Espírito Santo a partir do início do século XVI sucessivos agrupamentos humanos já haviam
ocupado com ou sem conflitos, alojando‐se ou sendo desalojados naquele território, como
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relatou o senhor de engenho, comerciante e cronista Gabriel Soares de Sousa acerca dos
Papanase:
Este gentio – os papanases ‐, como fica dito, viveu ao longo do mar entre a
capitania de Porto Seguro e a do Espírito Santo, donde foi lançado, pelos
tupiniquins, seus contrários, e pelos goitacases, que também o eram, e são
hoje, seus inimigos, e uns e outros lhe fizeram tão cruel guerra que os
fizeram sair para o sertão, onde agora têm sua vivenda, cuja linguagem
entendem os tupiniquins e goitacases (SOUSA, 1851, p. 96).
Relatos como o de Sousa corroboram para a tese defendida por autores como
Hetzel, Negreiros e Magalhães (2007) que afirmam que a expansão dos povos do tronco
linguístico Tupi, provenientes da Amazônia, sobre o litoral brasileiro, por volta do ano 1000,
não conseguiu desalojar por completo os Goitacá do grupo Macro‐Jê que ainda ocupavam
uma extensa faixa de terra que ia do rio Cricaré, norte do Espírito Santo atual, até o atual
município carioca de Cabo Frio. No entanto, citações de José de Anchieta como no auto Na
Aldeia de Guaraparim denominavam como Temiminó os povos Tupi que habitavam o sul
capixaba (ANCHIETA, 2006, p. 181), e escavações arqueológicas recentes que localizaram
sítios Tupi muito próximos ao litoral nos municípios capixabas de Anchieta, Piúma e
Presidente Keneddy (SOUZA, 2010; RIBEIRO, JÁCOME, 2014) apontam para um quadro ainda
mais complexo, no qual tribos Temiminó, Tupiniquim e Goitacá conviviam muito próximas
umas das outras em constantes conflitos ou acomodações. No interior do atual território do
Espírito Santo, apesar da escassez de registros, muitos indícios apontam para a existência
numerosa de outras etnias Macro‐Jê como Puri e Coroado, além dos grupos genericamente
denominados Botocudo, mais próximos à região central, mas também, em menor número,
na porção sul, como podemos observar na figura 1.
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Figura 1 ‐ Localização dos povos indígenas no Espírito Santo. Fonte: BENTIVOGLIO, 2017, p. 09.
Com a chegada de novos grupos humanos, agora europeus, a partir do século XVI,
aquelas etnias reagiram de múltiplas formas. Na região central e sul algumas tribos
compostas por Tupiniquim e Goitacá optaram pelo embate direto com o novo forasteiro,
alguns grupos autóctones inclusive estabeleceram uma aliança pontual que redundou no
assassinato de inúmeros colonos, entre eles D. Jorge de Menezes e D. Simão de Castelo
Branco que administraram, sucessivamente, a capitania em substituição ao capitão
donatário Vasco Fernandes Coutinho que, desde o final da década de 1540 viajou para
Portugal em busca de recursos (SOUSA, 1851). Outros grupos, por seu turno, selaram
alianças esporádicas com os portugueses, como os liderados pelo cacique Goitacá Jupi‐Açu,
reverenciado por José Teixeira de Oliveira como um dos grandes responsáveis pela derrota
dos ingleses que liderados pelo corsário inglês Thomas Cavendish tentaram invadir a Vila de
Vitória no final do século XVI (OLIVEIRA, 2008). No sul, após os embates iniciais, alguns
Goitacá diante dos violentos ataques ordenados por Mem de Sá, que desejava vingar‐se da
morte de seu filho Fernão de Sá ocorrida nas imediações do rio Cricaré, e que vinham
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acarretando sérios problemas aos povos do litoral capixaba, decidiram se refugiar no
aldeamento jesuítico de Iriritiba, por entenderem que, naquele momento, esse seria um mal
menor, bem como uma forma de se protegerem das violentas e constantes investidas dos
colonizadores em busca de terras (ALMEIDA, 2003).
Cientes da importância do apoio indígena naquele contexto, inclusive
demograficamente desfavorável, alguns colonos portugueses, desde o início da colonização,
optaram por estabelecer vínculos amistosos com os povos autóctones cedendo‐lhes algumas
vantagens. Nesse sentido, foi emblemática a aliança estabelecida com os Temiminó da tribo
liderada por Maracajaguaçu. Vivendo na atual Ilha do Governador na Baía da Guanabara
(DAEMON, 1879), os índios liderados por Gato Grande estavam em sérios apuros no conflito
contra os Tamoio, dessa vez apoiados pelos franceses que pretendiam estabelecer uma
colônia na região. Diante de uma eminente derrota, a tribo de Maracajaguaçu estabeleceu,
por intermédio dos padres Luiz de Grã e Brás Lourenço, um acordo com o donatário Vasco
Fernandes Coutinho que os transportou em quatro navios para o Espírito Santo onde
fundaram o primeiro aldeamento da capitania, a Aldeia de Nossa Senhora da Conceição
localizada a doze léguas da Vila de Vitória.3 Em pouco tempo assumiram papel
preponderante no projeto colonizador português nessa capitania, seja na luta contra outras
nações indígenas, como os Goitacá e os Tupiniquim, seja na defesa do território contra as
investidas de outros povos europeus.
O sucesso desta aliança acabou atraindo outras tribos, como os Guará, que tinham
como cacique o Guarauçú (Lobo ou Cão Grande), irmão de sangue de Maracajaguaçu, que se
fixaram em Guarapari no final da década de 1550 (LEITE, 1938, p.78) e que, junto com
grupos Tupiniquim que habitavam a região próxima ao rio Mucuri na divisa entre os atuais
estados da Bahia e do Espírito Santo (Cf. DAEMON, 1879), constituíram o primeiro
aldeamento no sul do Espírito Santo. Provavelmente, em 1580, José de Anchieta, então
morador na capitania, fundou oficialmente esse aldeamento com a assistência regular de
missionários. Tal núcleo foi ganhando expressão e, em 1679, o donatário Francisco Gil de
Araújo elevou essa aldeia à categoria de vila, denominada Vila de Guarapari.
3
Não há consenso entre os historiadores quanto a localização precisa do aldeamento de Nossa Senhora da
Conceição. Daemon (1879), por exemplo, localizou‐o em Santa Cruz, Oliveira (2008) no município da Serra,
enquanto que Carvalho (1982) sugeriu que ficava na Ilha de Santo Antônio, no atual município de Vitória.
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Como se vê, aldeamentos missonários como os de Guarapari e Iriritiba constituem
experiências singulares, cuja formação inicial é independente de quaisquer orientações
vindas de Roma, construídas em torno das dinâmicas sociais e culturais dos antigos
habitantes da própria América Portuguesa (POMPA, 2003). Aqueles espaços traziam desde
sua formulação até seu funcionamento, uma série de características, práticas e condutas que
confirmariam as hipóteses que os definem, não apenas como lugares de destruição das
culturas nativas, mas, sobretudo, como territórios nos quais os diferentes grupos que ali se
estabeleceram executavam estratégias e táticas, tendo ou obtendo instrumentais
necessários para se adaptar, resistindo ou acomodando‐se, ao europeu4. Assim, todos os
atores envolvidos ao longo da empresa colonizadora estavam, conforme palavras de Maria
Regina Celestino de Almeida, “em busca dos seus próprios interesses, ‘transformando‐se,
portanto, mais do que foram transformados’” (ALMEIDA, 2003, p. 136).
Como exemplo dessa capacidade de se transformar, apresentamos um fato
ocorrido no final do século XVIII na principal das aldeias jesuíticas estabelecidas pelos
inacianos no sul da capitania do Espírito Santo. Em 1795, quando a aldeia de Iriritiba já havia
sido elevada à vila e rebatizada com o nome português de Vila Nova de Benavente, os
moradores do termo de Iriri, protocolaram um requerimento na câmara local denunciando a
sistemática usurpação de suas terras por parte de portugueses e “pardos” (MOREIRA, 2014,
p. 319). Encaminhada às autoridades da capitania a solicitação foi arquivada o que motivou
os índios de Benevente a enviarem procuradores à Bahia, onde a recepção foi idêntica.
Resolveram então enviar procuradores, dois irmãos índios, Antonio da Silva e Francisco Dias,
a Lisboa onde, depois de uma série de percalços, conseguiram apresentar um requerimento
a D. Maria I, rainha de Portugal. No documento os índios, apresentando‐se como vassalos,
invocaram sua condição de súditos e pagadores de impostos para suplicarem à rainha que
lhes favorecesse distribuindo justiça
Soberana Senhora, Aos Reais pés de Vossa Majestade se portam os Índios e
mais moradores da Vila Nova de Benavente da Comarca do Espírito Santo,
pedindo a Vossa Real Majestade que como lhe é comum, tenha por bem,
por os seus reais olhos nestes seus pobres vassalos, pois esperam que
Vossa Real Majestade lhes favoreça e lhes distribua justiça na forma que os
4
No século XIX ainda restavam quatro aldeamentos indígenas, que eram dotados de verba e corpo
administrativo pelo governo provincial: Mutum, Afonsino, Santa Cruz e Piúma, cuja documentação encontra‐se
ainda inexplorada junto ao acervo do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.
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vassalos de Vossa Real Majestade o requerem que é o seguinte: somos
moradores próximos da mesma Vila de Benavente, dentro dos marcos da
mesma Vila, de o lugar chamado Maymba, que compreende desde o
mesmo lugar até o mesmo do Iriri, mais de sete léguas de terra; todas estas
se acham cheias de sítios em que moram mais de 400 pessoas, tanto
casados com casas de vivenda, família, agricultura, plantações, de legumes,
serrarias e de que pagam de tudo o direito a Vossa Real Majestade e, há
também muitas pessoas solteiras que nas mesmas terras trabalham e
pagam também os mesmos direitos naqueles lugares e, dentro das ditas
sete léguas que de uma parte a outra tem de circunferência; estão de posse
os mesmos moradores, pacificamente, há mais de 40 anos por ali e sem
ante possuidores, sem serem estorvados nem impedidos de portugueses
alguns porque naquele tempo se não consentia por ali aforarem as terras
dos Índios conforme os Decretos das Majestades em que mandavam que as
terras dos Índios não se aforavam a Portugueses (apud MATTOS, 2009, p.
27‐28).
Mostrando‐se conhecedores de seus deveres e direitos, uma vez que “já não são
mais gentios, mas sim observadores da verdadeira religião da Igreja Romana”, denunciavam
o conluio das autoridades locais e os invasores de suas terras
agora se tem introduzido tanta avição nos portugueses tanto brancos e
pardos e de outras nações por haverem aforado a Câmara da mesma
Benavente, terras por mandado de um Domingos Pereira Portela que é
Governador dos Direitos do Índios por consentimento; outrossim do
ouvidor que agora serve e é chamado José Pinto Ribeiro, que tem os
mesmos Portugueses tomado posse à terra dos mesmos Índios e não tem
mais onde possam trabalhar para o sustento de suas famílias por os ditos
portugueses lhes terem tomado com medições feitas com dolo e malícia,
fincando marcos e entrando por partes que impedem os Índios a não
prosseguirem adiante por estarem impedidos dos ditos Portugueses, por
estarem estes estabelecendo sítios para erigir fazendas e engenhos de
fábricas de açúcar assim que nunca se praticou naqueles lugares só a fim de
quererem perturbarem os ditos Índios que há tantos anos estavam na sua
tranqüilidade e sossego, como também (apud MOREIRA, 2014, p. 39).
O que aconteceu em Iriritiba foi semelhante ao ocorrido em outras zonas de
povoamento mais antigo, em que a estratégia era restringir o acesso de libertos, índios,
negros e brancos pobres à propriedade fundiária convertendo‐os em prestadores de serviços
(CUNHA, 1992), que passavam a viver em condições deploráveis
estamos expostos para tudo quanto é do serviço de Sua Real Majestade, já
serrando madeiras pelos sertões para carretas daquelas da guarnição e dos
serviços das suas Fortalezas, prontos para os destacamentos de entrar nos
sertões chamados Icoanha e Santa Maria, expostos a morrerem nas mãos
do Gentio Bárbaro e outros mais serviços que a cada instante estão
removendo os ditos índios para largarem suas casas, mulheres e filhos para
tudo cumprirem exatamente. E ainda a poder de despesas dos ditos Índios
e os Portugueses, descansados, sem trabalho algum somente cuidando,
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indagarem modos de porem os ditos Índios em pobreza, tanto assim que,
os pobres, alguma camisa que tem levam para os ditos destacamentos e
não são munidos de outras e os mantimentos muito diminutos que não
chegam para o sustento dos suplicantes e de suas famílias; enquanto
também não podem resistir com tanto trabalho, pois para ser justo e de
razão um corpo não pode ser duas pessoas.
(...) o Capitão Mor e Governador da capitania mandam a ficarmos a nós
Índios, Índios nos senhores de nossas ações ‐ sermos livres dos nomes do
cativeiro só para nos mandar trabalhar em partes imundas ou onde lhe
quer esse ou por pititórios de seus amigos para fazer umas roças nas suas
fazendas e o pagamento que dão aos ditos Índios quando lhes pedem as
diárias é chamar caboclo, pancadas, destacamentos e serras para a sua
conveniência (apud MATTOS, 2009, p. 17‐18).
A insatisfação com o capitão‐mor e com o governador da capitania confirma a piora
nas condições dos índios vassalos a partir da expulsão dos jesuítas. Até então, apesar dos
pesares, os jesuítas compunham o único grupo, ao lado de algumas autoridades coloniais,
que se opunha ao esbulho das terras dos aldeados e à exploração de sua mão de obra. Com
a saída de cena dos inacianos, as autoridades locais passaram a conduzir suas ações em
relação aos indígenas sempre em consonância com os interesses dos colonos. No Espírito
Santo, o governador Antônio Pires da Silva Pontes, aproveitando‐se que a Carta Régia de 12
de maio de 1798 havia extinguido o Diretório dos Índios permitindo o alistamento de índios
em milícias, criou um Corpo de Pedestres distribuídos em quartéis e destacamentos
localizados em áreas estratégicas (MOREIRA, 2012) como nos sertões de Iconha e Santa
Maria, onde os índios de Benevente estavam expostos a morrerem nas mãos do gentio
bárbaro. Como se vê, aqueles índios foram instruídos seja por religiosos, seja por colonos
ilustrados em sua petição à rainha e, de algum modo, articularam‐se com os portugueses a
fim de conseguirem a manutenção do território em que viviam.
Tempos depois, novos movimentos populacionais ocorreriam naquela região,
relacionados com novas migrações européias, agora não mais exclusivamente de
portugueses ou de franceses (estes frustrados em sua tentativa de fixação no litoral
capixaba), mas, sobretudo de italianos e germânicos, estimuladas pelos governos
provinciais, quando alguns índios foram deslocados para quartéis como, por exemplo, nas
proximidades do atual município de Viana, a fim de auxiliar na garantia de segurança da
colônia de açorianos – contra outros índios, que ainda viviam nas matas resistindo à
colonização –, sendo
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empregados nos diversos trabalhos. Tirava‐se de Benevente certo número
deles, revesados de três em três meses; eram mandados a trabalhar bem
longe de sua habitação; alimentavam‐se mal e, ao cabo do trimestre, só
lhes davam 4 mil‐réis, mesmo assim sem regularidade. (SAINT‐HILAIRE,
1974, p. 32).
Outros eram enviados para servirem no Arsenal da Marinha, na Corte, graças a uma
suposta aptidão natural para a navegação, conforme assinalam documentos da época
(CUNHA, 1992). No entanto, a maioria deles eram deslocados com grande freqüência para o
vale do Rio Doce em campanhas contra os Botocudo, diminuindo consideravelmente a
população das antigas aldeias (COUTINHO, 2002; WIED‐NEUWIED, 1989). Em 1808, esse tipo
de iniciativa tornou‐se política oficial do Estado português quando D. João VI, recém
instalado no Rio de Janeiro, através da Carta Régia de 13 de maio de 1808, declarou guerra
aos índios Botocudo, o que tornou os recrutamentos ainda mais constantes e penosos para
as populações das vilas de índios, como se depreende da petição abaixo:
Diz Domingos Freitas, índio nacional da Vila de Benevente, que ele
suplicante é viúvo e tem 3 filhos de menores e um filho de nome Modesto,
único e de menor de 15 anos, e porque o suplicante é doente e surdo [?]
dos pesados serviços que fez da virtude da estrada de Minas e o suplicante
nunca foi premiado e por isso humildemente se curva aos respeitáveis pés
de V. Exa. para fim de atender a justa razão de um pobre pai de família,
pobre que pelo trabalho de seu filho se nutre o suplicante e suas inocentes
filhas; acontece o Juiz de Paz desta Vila recrutar o filho único do suplicante,
talvez por se doer dos ricos e não dos pobres (apud MARINATO, 2011, p.
06).
Mas, esse não foi o único reflexo no sul do Espírito Santo da intitulada guerra justa
declarada por D. João VI. Pressionados, vários grupos Botocudo migraram para regiões como
o vale do Itapemirim, território tradicionalmente ocupado por seus inimigos, os Puri
(MARINATO, 2008). Além dos embates com estes últimos, os Botocudo enfrentariam sérias
contendas com colonos da região, como a desferida contra o fazendeiro de Muribeca que
teve sua propriedade invadida em represália ao sequestro de filhos e outros parentes dos
índios (MARINATO, 2008, p. 54). Os ataques eram direcionados ainda a índios mansos, ou
seja, aldeados, como os Puri que viviam em Piúma, provocando a fuga de muitos deles para
o sertão (SAINT‐HILAIRE, 1974). Na vila de Benevente, os ataques proferidos pelos índios
vassalos ao Botocudo Firmino que acompanhava a comitiva de Saint‐Hilaire confirmam a
latente animosidade entre os dois grupos. Aliás, a história do sul capixaba, a exemplo de
outras regiões da America Portuguesa, está repleta de casos de embates entre os chamados
índios vassalos, aliados da colonização, e os chamados gentios bárbaros, como no
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traumático episódio ocorrido no Espírito Santo em 1834, quando as aldeias de Itaoca e
Itaipava “foram queimadas por índios inimigos” (CASAGRANDE; BARBIEIRO, 2012).
Aproveitando‐se de rivalidades ancestrais entre algumas etnias, os colonos
insuflaram conflitos, como o ocorrido em 1817 quando índios de Benevente promoveram
uma bandeira contra grupos que viviam no sertão de Iconha, descritos como “‘bárbaros
gentios’ que não perdiam ocasião de atacar e matar, destruindo e roubando” (ROCHA, 1971,
p. 68 apud CAPRINI, 2007, p. 40). Os embates deixaram ainda, conforme ofício de Francisco
Antonio da Fonseca ao governador Rubim,
seis mortos, aos quais foram cortadas às orelhas, enquanto a bandeira teve
a baixa de cinco feridos, dois gravemente flechados no peito. E eis os
troféus: ‘Tomamos muita roupa, como saias, facões, muitas facas que entre
os do ataque se repartiram, e fizeram uma fogueira onde lançaram sessenta
e tantos arcos e muitas dúzias de flechas’ (ROCHA, 1971, p. 68 apud
CAPRINI, 2007, p. 40).
No ano seguinte D. João VI distribuiu as terras tomadas ao gentio, prática, segundo
Manuela Carneiro da Cunha (1992), comum no início do século XIX. Entre os beneficiados
encontramos o pároco local, Felipe que dividiu as terras recebidas como butim entre quatro
índios moradores de Benevente (CAPRINI, 2007). A lista de beneficiados trazia ainda outros
personagens como Francisco Xavier Pinto Saraiva, que seria assassinado em 1833, e sua
esposa Dona Ana Maria dos Santos Pinto Saraiva. Naquele momento, o capitão‐mor já
possuía um histórico de conflitos com o gentio bárbaro (Cf. REINO DE PROTUGAL. Ofícios
sobre auxílio para combater os índios, cobrança de algumas contas, atestado contra o
capitão Francisco Antônio da Fonseca e um mandado recebido, 1819) e também com os
índios vassalos como verificamos no adendo que finaliza a petição de 1795 encaminhada
pelos índios de Benevente para a Rainha de Portugal, na qual apresentavam
mais provas do que expusemos a Vossa Real Majestade aproveitamos o
requerimento junto para Vossa Real Majestade ver a malícia do Escrivão
Diretor da mesma Vila de Benavente, por ser inimigo capital dos Índios não
quis dar cumprimento do pacto do Ouvidor da Comarca do Espírito Santo
que junto se acham e que vive coligado com Domingos Vaz que servia de
Juiz Ordinário e que vão metade para o escrivão e metade para o Juiz
Ordinário. O mesmo conselho deram Francisco Xavier Pinto Saraiva,
Marciano Pereira, José da Silva Pereira, Antonio de Oliveira, por todos estes
são opostos os Índios a terem lavoura no dito lugar (apud MATTOS, 2009, p.
28‐30, grifos nossos).
Os índios, no entanto, não eram os únicos inimigos de Saraiva. Em 1819, seu
caráter, ou a falta dele, havia chamado a atenção do bispo D. José Caetano da Silva Coutinho
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que, em visita à vila de Benevente, classificou‐o como um “charlatão atrevido que já me
enfastiou da primeira visita” (COUTINHO, 2002. p. 145). Em 1824, ocupando o cargo de
capitão‐mor, Saraiva entrou em conflito com o juiz Antônio Rodrigues Cardoso disseminando
a discórdia na localidade e obrigando Inácio Acióli de Vasconcelos, então presidente da
província, a tomar providências a fim de conciliar os habitantes (DAEMON, 1879).
No caso específico dos índios vassalos, além do apoio aos portugueses e pardos que
tomavam suas terras, característica comum de quase todos os homens que aceitaram
administrar aldeias e vilas de índios nesse período (DEAN, 1996), era Saraiva, na função de
capitão‐mor da vila, que distribuía os índios ali residentes e alistados para atender as
demandas estatais e particulares. Portanto, parece‐nos razoável que os índios despejassem
seu ódio contra Francisco Xavier Pinto Saraiva assassinando‐o. Afinal, era ele o
representante direto de um governo que os havia abandonado, ou fingido esquecer, como
sinaliza a primeira Constituição que sequer os mencionou (CUNHA, 1992).
Até mesmo o autogoverno dos índios, regulamentado entre 1798 e 1845, de fato
caiu em desuso na política indígena imperial, sobretudo a partir do Segundo Reinado, sendo
que seus líderes não eram sequer ouvidos em tribunais e palácios do governo (CUNHA,
1992).
No que tange à questão do gentio bárbaro, desde o período colonial a legislação e a
política para os povos indígenas era dividida em duas linhas mais ou menos estáveis, sendo
uma voltada para os índios aliados que sempre tiveram garantidos a liberdade e o senhorio
de suas terras nas aldeias, e a outra para o gentio bárbaro inimigo, a quem se dispensava a
escravidão ou a morte (PERRONE‐MOISÉS, 1992, p. 117). Com a ascensão de Pombal,
primou‐se pela integração dos povos indígenas à sociedade colonial – transformando os
silvícolas em súditos, incentivando‐se os casamentos mistos e alterando‐se os topônimos de
origem indígena – estratégia mantida pelo governo brasileiro após a Independência (COSTA,
2013). Diante da ausência de uma diretriz clara apontada pelo Estado nacional, a questão
indígena foi adequada de acordo com a realidade de cada capitania. Dessa forma, na
província do Espírito Santo em 1826, a recomendação do presidente para as terras indígenas
eram taxativas: “[concedam‐se] sesmarias e roteiem‐se as matas para se lhes tirarem os
coutos, e que isolados busquem os recursos entre nós, e se amoldem aos nossos costumes”
(Ignácio Accioli de Vasconcelos ao visconde de São Leopoldo, Vitória, 04/08/1826, apud
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CUNHA, 1992, p. 14). Prática que já vinha ocorrendo há alguns anos, como em 1820 quando
o sargento‐mor Manoel José Esteves de Lima, possuidor da concessão de exploração da
estrada Minas‐Itapemirim assentou seus companheiros de empreitada, a maioria índios,
negros libertos, escravos e mestiços, às margens da estrada. O liberto Flores, por exemplo,
recebeu as terras da Cachoeira das Flores (hoje município de Jerônimo Monteiro), o mulato
João Teixeira da Conceição ficou com as terras do Alegre; e o sargento‐mor nas cercanias do
Caparaó, junto ao rio Preto, ponto estratégico para a vigilância do tráfego da região,
estabeleceu a sede da sua principal fazenda (Cf. CASAGRANDE, 2012, p.23).
A estrada e a colonização de suas margens estavam inseridas em mais uma
tentativa dos colonizadores e autoridades locais de obterem o controle no sul do Espírito
Santo, que no século XIX ainda era dominada pelos Puri. Até aquele momento as incursões
para exploração do ouro no interior daquela região haviam fracassado. Nas Minas do
Castelo, apesar de algumas fontes apontarem uma exploração aurífera desde o
estabelecimento dos jesuítas na segunda metade do século XVI, a versão mais aceita é que
foi o minerador Pedro Bueno Cacunda, no início do século XVIII, que deixou os sertões de
Cataguases, Minas Gerais, estabelecendo‐se na região de Castelo à procura de ouro
(ARARIPE, 1979 apud CASAGRANDE; BARBIERO, 2012, p. 20). Novos migrantes se instalaram
na região e o estabelecimento resistiu aos ataques dos Puri até o ano de 1771 quando uma
investida triunfante levou os mineiros a abandonarem suas atividades refugiando‐se na foz
do rio Itapemirim.
No litoral sul a situação não era diferente, como testemunharam viajantes como o
príncipe Maximiliano ou Saint‐Hilaire, que percorreram a região na segunda década do
século XIX. Em seus relatos os viajantes descrevem casas ”cujos habitantes haviam sido
mortos pelos selvagens” (SAINT‐HILAIRE, 1974, p. 21). Quartéis, como o de Boa Vista
instalado depois que os índios começaram a fazer devastações nesta
província. Compõe‐se de vinte homens comandados por um subtenente
(alferes) e alguns deles são continuamente destacados para defender as
margens do Rio Cabapuana e outros pontos igualmente ameaçados (SAINT‐
HILAIRE, 1974, p. 20).
Localidades como a de Siri, que, nas palavras de Maximiliano (1989, p. 131), estava
“inteiramente abandonada”, pois, segundo o viajante germânico, os Puris, ou outros tapuias,
atacaram subitamente esse lugar, mataram três pessoas na primeira casa e espalharam tal
pavor, que todos os habitantes fugiram sem demora”. Confirmando os conselhos que
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ouviram desde o Rio de Janeiro sobre “os perigos que se corria, entre Muribeca e
Itapemirim, por parte dos índios selvagens, que induziram‐me, por toda parte, a fazer‐me
acompanhar por homens bem armados” (SAINT‐HILAIRE, 1974, p. 41). Cenário que levou
Saint‐Hilaire (1974, p. 22) a concluir: “Deste modo, o vasto Império do Brasil, que em outra
parte apresenta uma extensão de 36 graus de Oriente a Ocidente, é aqui, na verdade,
limitado a uma praia estreita e despida de vegetação”.
O domínio dos Puri, que no século XIX ocupavam uma grande área entre o Vale do
Paraíba, em São Paulo e Rio de Janeiro e o alto curso do Rio Doce, entre Minas Gerais e o sul
do Espírito Santo, foi enfraquecido pelo avanço dos cafezais e da criação de gado que,
somados à guerra ofensiva de D. João VI no vale do Rio Doce,5 trouxeram sérios transtornos
para aqueles povos reduzindo drasticamente seus territórios. Acuados, alguns membros
dessa etnia procuraram abrigo junto aos colonos, como os que auxiliaram Esteves de Lima
na manutenção da estrada. A iniciativa, por outro lado, contemplava o interesse de parte
das elites locais que entendia que os Puri seriam “de grande utilidade a esta província, e ao
império o serem aldeados, pelo número de braços que se acham dispersos, que mesmo
agora servem‐se de utilidade no arrancamento de Ipecoanha” (VASCONCELLOS, 1858, p.
121).
Apesar de algumas tentativas, como o agrupamento de índios em Barcelos, no atual
município de Domingos Martins, a iniciativa mais importante no sul capixaba no século XIX
foi o aldeamento imperial Afonsino. Nos moldes jesuíticos, os aldeamentos daquele período
eram estabelecidos nas regiões onde havia disputas por frentes pastoris e agrícolas,
objetivando tornar os membros das tribos locais indivíduos úteis e civilizados (CUNHA, 1992,
p. 144). Para a concretização desse projeto o governo central convidou capuchinhos italianos
que já atuavam em território brasileiro e criou o Serviço de Catequese e Civilização (DEAN,
1996), que no Espírito Santo foi dirigido por Joaquim Marcelino da Silva, futuro barão de
Itapemirim.
Sob sua administração de Joaquim Marcelino o aldeamento São Pedro de Alcântara,
fundado em 1829, foi reorganizado e passou a ser denominado Aldeamento Imperial
Afonsino em 1845. Deste empreendimento, localizado à margem esquerda do Rio Castelo,
5
O sul da Bacia do Rio Doce fica há poucos quilômetros das cabeceiras de alguns rios que formam a Bacia do
Itapemirim.
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afluente do Rio Itapemirim, e nas proximidades da Estrada de São Pedro de Alcântara o
presidente da província do Espírito Santo, Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, em 1848, nos
toruxe as seguintes notícias
está sendo ali construída uma capella (...) para o serviço do culto divino,
actualmente celebrado pelo padre missionário Fr. Daniel de Napoles,
encarregado de dar aos índios que o habitão, a educação religiosa. Quasi
todos os Indios estão vaccinados, vão adquirindo lenta mas gradualmente,
com algum esforço, mas com proveito, os hábitos da vida social, e
preparando‐se para os gozos próprios de nossos costumes, que sollicitão e
já principiao a apreciar. (ESPÍRITO SANTO, 1848, p. 30‐31)6.
Apesar do otimismo de Coutto Ferraz, outras fontes indicam uma constante
instabilidade nas relações entre os Puri e os administradores do aldeamento. No mesmo ano
da leitura do relatório de Couto Ferraz, outro ofício relata que
nos sertões denominados de Moqui e nos das minas do Castello, devagão
presente aquelles mesmos Puris, que noutra ocasião e a esforços de V. Exa.
forão remethidos a esta Presidência, a fim de seguirem para o Aldeamento
Imperial Affonsino (APE‐ES, Registro de correspondencia relativa a
colonização e catequese 1848 – 1860, fl.10).
Ofícios no livro do Registro de correspondências relativas à colonização e catequese
1848 – 1860 revelam ainda esforços do governo provincial para o envio de soldados,
professores, alimentos e recursos financeiros para aquele aldeamento, porém, eles não
supriram a demanda exigida para o estabelecimento. Dessa forma, em 1861, restavam no
Imperial Afonsino, “quanto muito de 15 a 18 índios que se entregam à lavoura e à caça,
habitão por 3 ou 4 casas já arruinadas” no (ESPÍRITO SANTO, 1861, fl.09). Pouco tempo
depois as terras do aldeamento foram invadidas por colonos, muitos deles índios e caboclos,
originando um núcleo populacional que deu origem ao atual município de Conceição do
Castelo.
Se a recusa dos Puri em permanecerem no Aldeamento Imperial Afonsino confirma
a insatisfação daqueles indivíduos diante das transformações provocadas pelas investidas de
colonos e autoridades no sul do Espírito Santo, o que revelaria o fato de outros indígenas
posteriormente invadirem aquelas terras? No nosso entender essas e as outras atitudes aqui
relatadas confirmariam a imensa capacidade indígena de se adaptar e sobreviver a todas
aquelas transformações, reinventando‐se repetidas vezes, criando e assumindo diferentes
identidades.
6
As citações em itálico reproduzem os arcaísmos de grafia conforme se encontravam nas fontes utilizadas.
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Considerações Finais
Em meados do século XVIII, dois séculos após a chegada dos primeiros europeus, os
grupos humanos que viviam no sul do Espírito Santo haviam estabelecido um cenário mais
ou menos estável. Naquele arranjo, os colonizadores, restritos ao litoral, estabeleceram
pequenos núcleos coloniais, mais semelhantes a aldeias indígenas do que a vilas européias,
compostas por uma população majoritariamente de índios e mestiços que, vez ou outra era
atacada pelos chamados gentios bárbaros. Os moradores dos antigos aldeamentos jesuíticos
do sul do Espírito Santo, após longo convívio sob as regras da sociedade colonial, acabaram
por assimilar certos preceitos e procedimentos jurídico‐administrativos mais elementares
utilizados pelos portugueses, valendo‐se de certos instrumentos que regulavam o convívio
social dos colonizadores, tal como na ocasião da petição de 1795 discutida neste artigo.
Procuramos demonstrar que mais que o contato e a convivência estabelecidos na
franja litorânea, havia um dinâmico universo social no interior capixaba com um grande
contingente de grupos e etnias que viviam de forma tradicional, apartados desse espaço
compartilhado por índios e colonizadores. Nessas serras e florestas densas de Mata
Atlântica, o chamado gentio bárbaro, passadas as tentativas fracassadas de dominar a região
litorânea, tanto no passado remoto quanto no mais próximo da chegada dos portugueses,
continuavam vivendo de modo muito semelhante ao período anterior a chegada de Vasco
Fernandes Coutinho e de seus contemporâneos, usando seus próprios códigos de
aproximação, contato, assimilação ou resistência frente a outros povos e etnias.
Esse quadro seria alterado com a colonização, sobretudo, desde a expulsão dos
jesuítas, deteriorando‐se no decorrer dos séculos XVIII e XIX quando as investidas para
colonizar a região e ocupar tanto as terras do litoral quanto algumas localizadas mais no
sertão capixaba, desestruturaram o frágil equilíbrio que ali havia. Sentindo‐se
desamparados, os índios vassalos reagiram das mais diversas formas diante dos seguidos e
degradantes recrutamentos realizados para conter ou atacar os índios que habitavam no
interior e que, vez ou outra, desciam para o litoral, além dos invasores ingleses e franceses.
Reagiram também ao reconhecimento de que lentamente perdiam a autoridade sobre suas
terras, seja as do interior, seja as do litoral, que cada vez mais eram ocupadas pelos colonos
portugueses e seus descendentes, sob a aquiescência das autoridades locais. Dentre esses
índios haviam integrantes de variadas etnias, Puri, Tupiniquim, Goitacá e até Botocudo, estes
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últimos em menor número. Escreveram petições contra essas usurpações dos colonos
brancos, mas também tiveram que continuar lutando contra seus inimigos antigos, que por
não manterem contato com os portugueses e colonos eram chamados de gentios bárbaros,
na tentativa de preservar suas terras ou mesmo parte delas. Na impossibilidade disso,
fugiram, mas também se rebelaram em diversas oportunidades, como nos episódios aqui
tratados, quando acabaram por matar o capitão‐mor.
O gentio bárbaro, por sua vez, era composto em sua maioria por índios Puri e
Botocudo, cujos grupos se localizavam em sua quase totalidade no interior e bem pouco na
costa. Devido aos conflitos verificados no vale do Rio Doce por conta da expansão do
povoamento de portugueses e colonos desde a descoberta das minas na região de Ouro
Preto, grupos destas duas etnias migraram para o interior do estado atual do Espírito Santo
para fugir das ofensivas naquela região. Assim, além do conflito aberto contra o colonizador,
alguns procuraram se aldear ou servir como mão de obra nas fazendas da região ao lado
inclusive de índios de outras etnias, modificando sensivelmente seus costumes. E não raro
esses índios vassalos foram atacados por indivíduos de sua própria etnia, identificados como
gentios bárbaros. Como se vê, as fronteiras da identidade, do início da colonização até as
primeiras décadas do Império, passaram por uma alteração tão radical que acabou por
tornar estranhos povos da mesma etnia e semelhantes povos de origens bastante diversas.
Foi o reconhecimento daquela situação adversa que fez com que muitos dos índios
da porção sul do território capixaba, em diversas ocasiões, manifestassem o desejo pelo
antigo estado das coisas, ou seja por um retorno ao período em que seus aldeamentos eram
administrados pelos jesuítas. No entendimento dos indígenas, apesar de instável e por
muitas vezes conflituosa, a relação com os inacianos lhes assegurava direitos sobre as terras
do aldeamento e proteção contra os recrutamentos para funções civis e militares.
O que esse rápido estudo sobre o sul do Espírito Santo parece confirmar é que, um
padrão binário de alteridade foi se constituindo desde o início da colonização e do contato
entre aqueles diferentes povos, entre tupis e não‐tupis (também chamados pejorativamente
de tapuias pelos primeiros e pelos colonos), entre aldeados e não‐aldeados, entre civilizados
(os moradores das vilas ou dos aldeamentos) e não‐civilizados (os habitantes do sertão),
entre catequizados e indomáveis, entre mansos e bárbaros, termos bastante recorrentes
tanto na documentação como na historiografia, que ao fim e ao cabo não impuseram as
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linhas étnicas como um fundamento na construção das identidades, mas, sobretudo, a
adesão ou não à cultura e as práticas do colonizador europeu. Com isso não foi incomum a
separação em pólos opostos de indivíduos de uma mesma etnia em face da luta pelo
controle de porções do solo capixaba. Como se viu brevemente neste artigo, índios Puri,
Coroado ou Botocudo, sobretudo, não raro viram seus próprios integrantes lutando entre si
e uns contra os outros em função dos projetos de ocupação do território embalados pelo
colonizador.
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