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JOSÉ RODRIGUES COURA
O Prof. Dr. Jose Coura é, atualmente, um dos mais importantes
experts em doença de Chagas. É professor emérito da Faculdade
de Medicina da UFRJ, membro da Academia Nacional de Ciência,
da Academia Nacional de Medicina, da Royal Society of Hygiene
and Tropical Medicine, da American Society of Tropical Medicine
and Hygiene etc. Cumpriu dois mandatos como diretor do Instituto
Oswaldo Cruz (1979-1985, 1997-2001) e dois mandatos como
editor-chefe das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, uma das
revistas científicas mais importantes e longevas da América
Latina. Considerando que as Memórias publicaram artigos em um
total de cinco línguas diferentes desde o seu princípio, em 1909,
culminando em um formato exclusivamente em língua inglesa logo
após passarem a ser publicadas online, em 1996, a tradução e o
multilinguismo certamente são componentes cruciais desta que é
a mais antiga instituição científica do Brasil. Levando em conta
que a literatura científica é uma área pouco explorada nos Estudos
da Tradução, apesar de sua superioridade com relação às ciências
humanas em volume de produção, há muito a ser aprendido por
meio das decisões editoriais dessa revista e dos efeitos das mesmas.
William Franklin Hanes
Universidade Federal de Santa Catarina/Capes
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Entrevista com José Rodrigues Coura
países africanos. Então, para dar vulto a ele, as Memórias incialmente eram escritas em português, francês (que predominava),
alemão, ou ocasionalmente em inglês. Tanto que Carlos Chagas
publicou em português e francês, português e alemão, e português
e inglês. Ele publicou vários artigos assim. E agora ela passou a
ser em inglês.
WFH: Quando o senhor se tornou editor-chefe3, a publicação da
revista havia parado por três anos. O senhor poderia me explicar
o que aconteceu?
COURA: Estava em decadência, e era de má qualidade. Eu me
lembro quando cheguei aqui que o presidente tinha brigado com o
vice-presidente, porque ele queria imprimir a revista de qualquer
maneira, sem revisão nem nada. Eu cheguei em 1979 e tinha um
monte de revista para distribuir, mas quando peguei, disse para
jogar fora, estava tudo errado. Aí eu criei um conselho científico,
e um dos conselheiros disse: “Nem pense em colocar em dia anos
de atraso. Se ela está no número 78, você começa no ’79. Esqueça
o atraso”. E assim eu fiz. Então começamos a ter quatro números
por ano, passamos a seis, e há uma meta de a revista chegar a ser
mensal, porque tem muito trabalho sendo submetido.
WFH: O senhor tem noção de quantos artigos são submetidos para
a revista?
COURA: Varia muito, mas acho que são uns 30, 40 por número. E
também estabelecemos um review, quase todos da revista têm um.
Review dá muita citação e, portanto, o índice cresce muito.
Para uma breve, porém rica, contextualização acesse: http://www.ioc.fiocruz.
br/110anos/personalidades/coura/coura.html
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WFH: No ano passado passei muitas horas na biblioteca do Instituto de Medicina Tropical da Antuérpia. E não encontrei nenhuma
revista com tantas línguas, nem daquela época e nem de hoje em
dia. Isso cativou a minha imaginação.
COURA: Isso hoje na verdade é praticamente impossível, pois a
língua hoje é inglês. Hoje é muito caro produzir uma revista. Então
estamos pensando em imprimir um pequeno número para as bibliotecas e colocar online, aberta. Isto baixa muito o custo das revistas,
porque além de ter uma equipe que trabalha, tem a impressão, essa
coisa toda. Hoje a maioria das revistas está trabalhando assim. O
correio é caríssimo, e quando você entra no site já está lá o artigo.
E geralmente sai mais rápido. Um a dois meses antes de imprimir o
artigo já está disponível e você já pode até citar.
WFH: Mas o senhor poderia me dizer a quem foram dirigidas
essas línguas estrangeiras? Os pesquisadores daquele momento tinham parceiros? Tinham uma audiência?
COURA: Havia uma ligação muito grande com Hamburgo. Hamburgo e o Instituto Pasteur eram as grandes ligações do instituto. O
Instituto Pasteur porque o Oswaldo Cruz estudou lá. E Hamburgo
porque tinha pessoas aqui que trabalharam em Hamburgo. Rocha
Lima4 foi diretor do Instituto de Hamburgo. Aí o instituto ganhou
a medalha da exposição em Berlim [em 1907]. Quando eu fiz o
centenário daqui do instituto eu convidei os diretores de todos estes institutos. Todos vieram, inclusive [o diretor do Instituto] Max
Planck, que é um instituto forte. Ele não quis nem passagem, veio
por conta própria porque queria conhecer.
Para mais informações, veja: CÂNDIDO DA SILVA, A. F. A trajetória de
Henrique da Rocha Lima e as relações teuto-brasileiras (1901-1956). História,
Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro, 2010, n. 2, vol.17, abr./jun..
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702010000200013. Acesso:
28 jul. 2015.
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Entrevista com José Rodrigues Coura
WFH: Na história do Instituto que Aragão escreveu em 1950, ele
disse que Oswaldo se incumbiu da seleção de tradutores para os
artigos. O senhor sabe de alguma coisa com respeito às práticas
de tradução naquela época?
COURA: Não, muito pouco.
WFH: Eu li que Adolfo Lutz ficava responsável pelas traduções em
alemão, e que era muito trabalhoso para ele.
COURA: É, ele escrevia e falava alemão [...]. Nas quartas-feiras o Oswaldo Cruz se reunia com eles e olhavam revistas, e ele
designava cada um para estudar os artigos e expor nas quartasfeiras à noite.
WFH: Essas mesas de quarta-feira duraram até quando?
COURA: Até a criação do curso de aplicação. O curso de aplicação
foi criado em 1907, mas começou a funcionar regularmente em
1909. Era um curso de dois anos. Era um tipo de pós-graduação,
mas se chamava curso de aplicação.
WFH: Será que essas mesas de quarta-feira eram parte de uma
estratégia com relação à linguagem? Eu obtive um livreto em alemão que creio ter sido publicado para a exposição em Dresden,
no qual havia uma lista de todas as assinaturas de revistas, mais
de 600 revistas em línguas diferentes. Então pensei: será que esse
formato de duas colunas na revista e também essas reuniões das
mesas de quarta-feira eram uma maneira de Oswaldo estimular o
multilinguismo nos integrantes do instituto?
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COURA: O que ele queria mesmo era divulgar a ciência. O único
que ele não escalava para as mesas de quarta-feira era o Lutz.
Porém, em termos gerais eles estimulavam a questão da língua. O
francês quase todo brasileiro intelectual falava.
WFH: Eu inclusive vi no livro de Souza Araújo sobre a lepra, de
19295, uma foto do passaporte brasileiro dele, emitido todo em
francês.
Figura 2. Passaporte brasileiro de Heraclides de Souza Araújo, reproduzido em
seu livro de 1929 Leprosy: Survey Made in Fourty Countries.6
COURA: A França teve um período de muita influência aqui. A
Alemanha teve também, mas depois da Primeira Guerra Mundial
perdeu um pouco, e aí entrou mais o inglês, o americano. Mas os
SOUZA-ARAUJO, Heraclides de. Leprosy: Survey Made in Fourty [sic] Countries (1924-1927). Rio de Janeiro: Instituto Oswaldo Cruz, 1929.
5
6
Imagem de domínio público.
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Entrevista com José Rodrigues Coura
pesquisadores falavam francês fluentemente; muitos falavam alemão e a maioria falava inglês.
WFH: Então ser multilíngue era realmente parte da definição de
um cientista naquela época? E hoje em dia, é diferente?
COURA: Era. Hoje em dia é completamente diferente. O cientista
hoje sabe inglês. Se não souber inglês ele não vive. A língua mundial
hoje é o inglês. O chinês escreve em inglês, porque senão ninguém
vai ler. O japonês escreve em inglês. E é uma língua mais fácil. Talvez para falar não seja muito fácil por causa da pronúncia, mas para
escrever é uma língua mais fácil, porque não tem acento. Português
já tem acento, e já fizeram uma reforma. Eu hoje, por exemplo, não
sei escrever mais português muito bem. Eu escrevo, mas dou para
o revisor para ver os acentos, porque mudou. Gastaria muito tempo
para me atualizar, a secretária aqui sabe mais português do que eu.
WFH: Eu gostaria que o senhor discorresse um pouco sobre as
línguas que apareceram nas Memórias: como o senhor disse, havia
mais ou menos um destino para todas as línguas. Se puder falar um
pouco sobre o que aconteceu com o espanhol, o francês...
COURA: A tendência era para ser mais lida e exportável. Geralmente a língua era usada para destinar a revista a um país ou um
grupo de pessoas com interesse.
WFH: Por exemplo, o texto de Chagas (1909)7foi escrito em alemão e português. Por que alemão e não francês, ou não inglês, ou
não em todos os idiomas?
CHAGAS, Carlos 1909. Nova tripanozomiaze humana/Ueber eine neue Trypanosomiasis des Menschen. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro,
n. 1, v.2, p. 159-228, 1909. [ver ilustração na pergunta inicial desta entrevista]
7
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COURA: No caso de o Chagas ter publicado em alemão, ele não
escrevia em alemão, mas o filho dele, o Evandro, conhecia bem o
alemão, escrevia bem. Ele foi educado na Alemanha. Então essa é
uma suspeita minha, porque eu não conheci o Chagas. Mas suspeito
que ele tenha escrito em português e o Evandro tenha passado para
o alemão. O Chagas falava francês, não sei se escrevia, mas devia
escrever. O Evandro falava francês, inglês, alemão, era poliglota.
Mas aí, com o passar do tempo, por questão de facilidade... você
encontra ainda hoje muita gente aqui que fala francês e inglês. Alemão são pouquíssimos. E os que falam, falam alemão antigo. Tenho
um ex-aluno que é neto de alemães. Um dia eu pedi a um alemão
que trabalhava aqui para chamar esse aluno e falar com ele. O alemão riu quando o aluno falou, e disse: “ele fala igual ao meu avô”.
Porque as línguas evoluem, não é? Só o latim é que fica meio amarrado. Mas é isso, não posso lhe responder com muita convicção,
mas acho que é por interesse de quem está trabalhando mais nessa
área. Se é o grupo da Alemanha, ou os franceses, é mais pelo país.
WFH: Durante a Primeira Guerra as línguas estrangeiras desapareceram da revista por alguns anos. Então seria possível dizer
que o uso das línguas estrangeiras certamente era voltado para
a Europa, não é? Entrou-se em guerra e as línguas estrangeiras
pararam. Ou não havia mais interesse?
COURA: Eles pararam, porque com a guerra o Brasil sempre ficou do lado dos aliados, dos ingleses, dos franceses, e não quis o
nazismo. Se bem que o presidente Getúlio Vargas era simpático ao
nazismo. Ele, Perón na Argentina, eles foram forçados. A Argentina
nunca declarou guerra, foi o Perón. Ele era fascista. O Getúlio era
simpatizante, tanto que quando declarou guerra ele não disse “eu
declaro guerra” ou “o presidente declara guerra”. Ele disse: “o povo
brasileiro declara”. Ele foi a um clube de futebol, onde tinha muita
gente, para declarar guerra à Alemanha, mas ele não declarou, o
povo brasileiro que declarou. O povo é que estava declarando.
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WFH: Ele não tinha afiliação com os Estados Unidos?
COURA: Não, e ele também não tinha uma afiliação com os nazistas. O Getúlio foi muito sábio porque quando os Estados Unidos
entraram na guerra eles precisavam de uma base aqui no Brasil,
por causa da África. Principalmente no nordeste.
WFH: Em 1909, Oswaldo Cruz inclusive foi a Washington para
conversar com o presidente Teddy Roosevelt e assegurar que as
tropas poderiam usar os portos...
COURA: É, e o Getúlio não estava muito propenso a deixar. Mas
os americanos disseram: “se você não deixar, nós ocupamos”, porque eles não tinham saída. Do nordeste para a África são seis horas
de voo, é pertinho, e os aviões tinham condição de ir. E Getúlio
viu que os Estados Unidos eram uma potência militar, e aí ele negociou, era um bom negociador. Ele disse, muito bem, vou ceder a
base do nordeste, que era Recife e Natal principalmente, as capitais
que ficavam mais perto da África, mas vocês montam uma fábrica
de aço para nós em Volta Redonda. E aí eles montaram a fábrica,
que até hoje é grande. Depois veio a Vale do Rio Doce, e hoje o
Brasil tem produção de aço porque tem muita matéria-prima, muito
ferro, mas precisava da tecnologia que não tinha na época, então
ele fez a troca da base por tecnologia.
WFH: Eu li8 que uma tradutora do Tom Sawyer, de Mark Twain,
foi presa porque na época de Vargas o livro foi supostamente considerado político. Houve ameaças contra o instituto por ter muito
material em língua estrangeira?
8
MILTON, John. O Clube do Livro e a Tradução. Bauru: EDUSC, 2002.
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COURA: Não houve, não. Getúlio não frequentou muito o instituto. Mas depois veio Einstein que já estava nos Estados Unidos e visitou o instituto [1925] e é isso. A política é um negócio complexo.
WFH: Claro, mas fico sem explicação para o que aconteceu: na
época de Vargas não havia publicações em língua estrangeira.
Então isso aconteceu porque o Instituto não tinha mais elo com os
outros institutos, ou foi por causa da guerra que abandonaram as
publicações em outras línguas?
COURA: Eu acho que isso foi mais pelo inglês, que passou a ter
domínio.
WFH: Certo, mas nessa época também não havia textos em
inglês...
COURA: Foi a questão de um desligamento político. Eu acredito
que seja isso.
WFH: Eu compilei o número de artigos por língua e por autor. Foram publicados muitos artigos em língua estrangeira, mas somente
19 autores foram responsáveis por mais de 70% desses artigos até
1956 [quando pararam de publicar artigos com suas respectivas
traduções nas Memórias].9
COURA: Qual foi o ano em que se deixou de publicar em alemão?
Ver HANES, William F. A Century of Foreign Language in Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz: Language Policy, Nationalism and Colonial Science. In:
KHALIFA, Abdel (Ed.). Translators Have Their Say? Translation and the Power
of Agency. Zurich & Berlin: LIT Verlag, 2014, p. 84-110.
9
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COURA: Um iraniano [Hooman Momen] foi editor das Memórias,
Ele foi educado na Inglaterra, e colocou a revista em língua inglesa. Em seguida, quando assumi, continuei. Ele me convidou para
o cargo porque ia para a organização Mundial de Saúde e estava
preocupado que a qualidade das Memórias poderia cair, então me
chamou para o meu segundo mandato. Eu fiquei seis anos, ao mesmo tempo sendo o diretor e o editor das Memórias porque as Memórias estavam muito em baixa, e eu como diretor tinha dinheiro,
tinha as condições, e já tinha a experiência da Sociedade Brasileira
de Medicina Tropical para recuperar a revista. Houve um período
que ainda era inglês com resumo em português, mas depois achamos que era perda de tempo, porque quem lê o texto não precisa de
resumo. E o cientista hoje que não lê inglês não pode ser cientista,
não é? A ciência toda está em inglês.
WFH: O que teve maior influência: os acontecimentos externos
como guerra, anos de chumbo, ou os mais internos, como as ditaduras e o tratamento pelo governo?
COURA: A única influência da ditadura na realidade foi cassar dez
pesquisadores importantes da época. Mas ela fez uma coisa boa que
foi criar a fundação. O próprio Rocha Lagoa [diretor do IOC 196469, que cassou os dez cientistas] foi demitido pela própria ditadura.
Ele demitiu os pesquisadores no começo da ditadura e foi cassado
pela própria ditadura, foi demitido porque não queria ir para Brasília. Ele construiu um prédio aqui em frente. O Médici queria que
fosse todo mundo para Brasília, toda a administração. E como o
Rocha Lagoa tinha muitos generais simpáticos a ele, ele achou que
tinha mais força que o presidente da república. Isso foi um erro. Eu
conheci o ajudante de ordens do Médici que disse que ele passava
ali, via o prédio e balançava a cabeça. E aí demitiu, até porque o
Rocha Lagoa também não queria que construísse a Transamazônica.
Achava que era uma loucura. Mas eu nunca cheguei a conhecê-lo.
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WFH: Estávamos falando sobre as mudanças na política editorial
da revista. [Descreva um pouco esta trajetória]...
COURA: Quando as Memórias foram criadas, foram criadas para
publicar o trabalho dela própria. Só depois, não sei exatamente em
que ano, começou a se publicar artigos...
WFH: Eu vi nos originais que era proibida a presença de outros
autores. [...] E foi só com o senhor, em 1980, que passou a haver
uma política aberta para convidar pesquisadores de fora para publicar. [...] E depois vi que foi mudando ainda mais. As instruções
para autores em 1992 diziam que era necessário que a submissão
estivesse em inglês, ou era preciso combinar com o editor caso não
estivesse.
COURA: Você sabe mais da história disso do que eu.
WFH: Eu vi no site em 2013 que começaram a terceirizar a revisão
da revista para uma companhia na Carolina do Norte.
COURA: Sim, o American Journal Experts. Eles fazem o seguinte:
você tem que fazer o seu artigo em inglês. Eu por exemplo, tenho
um revisor. Eu apresento o meu artigo, ele revê, eu mando, mas
mesmo assim o editor manda para o American. O American faz
uma coisa interessante: eles perguntam “o que você quer dizer com
isso?”, e você tem que dizer.
WFH: Sobre uma frase ou sobre o artigo todo?
COURA: Sobre uma frase, sobre uma palavra, e isso ajuda muito
a gente. Porque quem não é nativo da língua às vezes quer dizer
uma coisa e diz outra.
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WFH: A revista não repassa o custo dessa revisão para os autores?
COURA: O American Journal Experts não sei quanto cobra. Mas
o meu revisor [particular] cobra acho que vinte centavos por palavra, não é barato. Um artigo de 10 páginas fica 500, 600 reais.
Mas como tenho recursos do CNPq, eles pagam pela revisão para
mim. E às vezes, para economizar tempo, se eu tenho um artigo
para entregar em três ou quatro dias, eu mando em português para
ser traduzido. Porque se eu gasto uma noite ou duas noites para
escrever em português, em inglês eu gasto três, quatro.
WFH: E às vezes há artigos nos quais fica mais difícil corrigir o
inglês do que fazer uma tradução do original; eu entendo isso.
COURA: Então eu faço isso. Quando eu tenho tempo, escrevo em
inglês - até para treinar.
WFH: Eu gostaria de ouvir do senhor sobre qual o impacto quando
a revista passou a ser disponibilizada online? Houve algo perceptível? Foi óbvio?
COURA: O impacto foi muito grande. Em 2006 eu deixei meu segundo período de editoração porque vi o número de consultas. Se você
entrar online, você sabe quantas vezes o artigo foi consultado. Isso
não quer dizer que quem consulta também cita. Mas, por exemplo,
antes tínhamos 200 consultas por número. E aí passou a 2 mil, 3 mil.
WFH: E isso deve ter tido um impacto importante para conduzir
ao uso do inglês.
COURA: Também tem algumas coisas que não se entende. Quem
está administrando é o Momen que voltou, quer dizer, aposentou-
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se e, digamos assim, não quer mais trabalhar, mas auxilia a editora. E as Memórias, que estavam com fator de impacto de mais
de 2, caíram muito há uns dois anos. E não sabemos exatamente o
que houve. Mas na minha opinião é o tipo de artigo, de assunto,
porque tem assunto que não é atrativo. É a questão do assunto da
moda. Se você publicar alguma coisa sobre o ebola hoje, vai ter
um monte de gente que vai querer saber, deve ser isso. Por exemplo, há um grande interesse pela doença de Chagas, e agora com
a internacionalização... com relação à citação, o sujeito que criou
o índice de impacto, um americano que já está com uns 90 anos,
criou isso em 1946, e eu escrevi para ele. Fiz uma crítica ao fator
de impacto. Aí ele respondeu: “O problema não é meu. Eu criei
uma avenida e transformaram em uma vereda”. Ele me deu razão,
só que os indivíduos que calculam o índice limitaram muito, e aí
cria-se um problema sério. Por exemplo, um ganhador do Prêmio
Nobel esteve aqui visitando o Instituto e fez uma conferência aqui.
Ele disse: “Olhe, antes de eu receber o Prêmio Nobel ninguém lia
meus trabalhos. Depois que eu ganhei, todo mundo cita os meus
trabalhos, mesmo que não sejam bons”. Virou moda.
WFH: Falando em Prêmio Nobel, o que aconteceu com as nominações de Chagas? Houve intrigas? Por que Chagas não ganhou?
COURA: Nós procuramos saber quando eu era diretor. Eu escrevi
para o comitê e eles me responderam que é algo confidencial, mas
houve uma briga dele com uma pessoa importante. O Chagas era um
homem muito influente, casado com filha de senador, e foi nomeado
diretor do Instituto e diretor da Saúde Pública. E o Afrânio Peixoto,
que era um professor importante aqui, queria o cargo, e moveu uma
campanha contra a doença de Chagas dizendo que aquilo era uma
invenção e que não tinha problema. Também houve uma questão do
Aragão com o Chagas, porque o Aragão descobriu um erro do Chagas. O Chagas descreveu um corpúsculo no pulmão que achou que
era tripanosoma e não era, era um parasita que dá nos pulmões, e o
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COURA: Não, eu acho que essa revista concorre. O problema é
o assunto. Isso é um dos grandes problemas do fator de impacto. Se você publica um artigo de imunologia, por exemplo, tem
muito mais abrangência do que um artigo de parasitologia, de
microbiologia. O fator máximo de parasitologia é 4, o Advanced
Immunology chega a 40. Então você não pode comparar, tem que
comparar entre si. Eu acho que os fatores de impacto deviam
ser agrupados em áreas. Por mais que essa revista progrida, ela
dificilmente chegará a um fator de impacto de mais de 3. Você
vê a Acta Tropica, que é uma revista da Elsevier, que é enorme.
É uma revista boa e o fator de impacto é pouco mais de 2. Não
sei qual é o fator de impacto do American Journal of Tropical
Medicine, mas deve estar em torno disso12. A Transactions of the
Royal Society já tem um impacto um pouquinho maior, é mais
antiga. Mas todas são revistas limitadas. Agora estou escrevendo
um artigo para a revista FEBS Letters.
WFH: Eu nunca ouvi falar.
COURA: Eu também não, mas o impacto é 3. Quer dizer, eu já
tinha ouvido falar, mas não sei de onde é. Esse artigo foi por encomenda. Convidaram outra pessoa aqui dentro do Instituto que vai
escrever a parte de imunologia, e eu estou escrevendo a parte de
Chagas and Chagas disease in South America.
WFH: Este é um mapa [abaixo] que fiz do nascimento da Medicina
Tropical no mundo. Esses são os vários centros de que estávamos
falando, e a data em que surgiram. É bem interessante porque a
FIOCRUZ é um de apenas três institutos dentro dos trópicos, e o
De acordo com o site da revista, o fator de impacto da mesma em 2014 foi 2.699.
Informação disponível em: <http://www.ajtmh.org/site/misc/about.xhtml>.
Acesso em: 26 jul. 2015.
12
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Entrevista com José Rodrigues Coura
WFH: Era uma pessoa educada?
COURA: Era meu colega, mas mostrou que não tinha nenhuma
visão. Aí eu disse para ele: “Não, o último índio que tinha lá
eu comi”. (risos) Antropófago. Ele ficou meio encabulado, meio
constrangido. Ele confundiu Rio de Janeiro com Buenos Aires, e
aí é uma ofensa. (risos)
WFH: Falando nesse contexto mundial, vamos comparar o famoso
ditado de Pasteur, que disse que ‘a ciência não conhece país’,14
e uma frase de Aragão, retirada da história escrita por ele e publicada em 195015. Então a ciência é nacional ou internacional?
Essas duas visões podem ser conciliadas? Aragão fala sobre como
Oswaldo foi um grande patriota, e tudo era pela pátria.
COURA: Acho que isso não tem limite. Por exemplo, hoje eu disse para você que sai daqui em 1964/65 para ir fazer um tipo de
aprendizado na Inglaterra, com um bolsa do CNPq. Hoje eles não
dão mais isso porque você não precisa sair do Brasil, você tem
tudo aqui. Você nem precisa mais aprender Medicina Tropical na
Inglaterra porque nós sabemos mais do que eles. Então você vai
para fazer um estágio que chamam de bolsa-sanduíche. Você pode
desenvolver lá fora um aspecto da sua tese de doutorado, porque
eles têm um sujeito muito bom lá, então você pode ir lá e passar
alguns meses. Então alguns alunos vão de acordo com o tipo de
atividade que estejam fazendo. [...]
“La science ne connaît pas de frontière parce que la connaissance appartient à
l’humanité...” [falado no brinde do banquete do Congresso Internacional de Sericicultura em Milano, em 1876]
14
ARAGÃO, H. Notícia histórica sobre a fundação do Instituto Oswaldo Cruz.
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1950, n. 48, p. 1-50. 19:
Oswaldo estava edificando, não para si próprio [...] mas [...] com o único objetivo de aumentar o prestígio científico do Brasil e elevar sua cultura.
15
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WFH: O senhor escreveu em 80 que “não existe nada mais incoerente e antipatriótico” do que publicar no exterior. Isso está no
editorial que escreveu em ’80.16 Ainda acredita nisso? É a mesma
situação ou as coisas mudaram?
COURA: Talvez eu tenha sido um pouco arrogante com aquilo.
WFH: Eu não sei... só estou curioso.
COURA: Eu acho que você deve publicar onde vai ser lido. Se
você vai ser mais lido aqui, você publica aqui. Se não, você publica no Lancet...se conseguir. Eu criticava muito, era muito crítico
nisso, dizia o seguinte: “O indivíduo que fica vendo fator de impacto, um dia poderá ganhar o Prêmio Nobel do terceiro mundo,
que é... publicar um artigo no Nature”. (risos) Aí um dia eu recebi
um convite e já não posso mais falar, fui desmoralizado, porque
o Nature me convidou para publicar um artigo pequeno, de duas
páginas, sobre esse problema de Chagas no mundo, a migração e
tal. E puxa, em um artigo de duas páginas, como fui citado, eu e o
Pedro Abajar, um aluno meu que hoje é coordenador do programa
de Chagas na OMS. Nós publicamos esse artigo e tem centenas de
citações porque é no Nature, não é? O artigo em si não tem novidade nenhuma. (risos)
WFH: É só a localização, como se diz nas imobiliárias. (risos)
Imagino que o senhor já deve conhecer muito bem o artigo de
Meneghini & Packer [“Is there Science beyond English?”17]. Eu
gostaria de ouvir sobre a fundação do SciELO, o seu valor, o que o
COURA, José R. Editorial. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1980 n. 75, p.1-2, 5.
16
MENEGHINI, Rogerio; PACKER, Abel. Is there Science beyond English?
EMBO Reports, 2007, n.8, p. 112-116.
17
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Entrevista com José Rodrigues Coura
SciELO fez pelas Memórias e o contrário, e também sobre esse assunto que eles debatem. Já falamos sobre a necessidade do inglês,
mas será que é uma armadilha...uma manobra? Tem uma saída
ou se vai ficar preso ao inglês para sempre? Será que vai mudar
algum dia para outros modelos?
COURA: Não sei, porque eu acho que vai ser longo. Dizer que
nunca vai sair do inglês é muito difícil de prever. Eu sou muito
simpático ao inglês. Não é que eu seja muito esperto, porque eu
aprendi inglês já maduro. Na escola a gente tinha inglês, mas
era muito fraquinho. Tanto que quando eu cheguei em Londres,
eu fiz um curso rápido aqui e o Conselho Britânico me deu um
curso lá. Aí eu fui comprar um envelope. Cheguei lá e disse: “I
want to buy a box to put a letter”. E o rapaz disse: “Oh, you need
an envelope!”. (risos) Só se aprende uma língua bem quando se
aprende enquanto criança. E também depende da pessoa. Eu tinha
um colega que trabalhava aqui comigo que trabalhou nos Estados
Unidos e publicamos um artigo com um colega da Califórnia, e
ele escreveu o artigo. Eu li e achei o inglês ruim. Aí eu chamei
o colega e disse: “Eu posso dizer que o inglês dele está ruim?”.
Ele disse: “Pode, ele não se incomoda não”. “Então você diz que
eu li o artigo dele e achei muito ruim, que ele deve mandar a um
revisor”. Ele respondeu: “Você tem razão, eu escrevo mal em
inglês”. Um americano, professor.
WFH: Há muitos cientistas que não sabem escrever, não é?
COURA: Assim como tem brasileiro que escreve mal em português, que estudou e escreve mal, também tem americano que escreve mal.
WFH: Falando em escrita, eis essa imagem que o senhor já conhece. Dois integrantes do Instituto Oswaldo Cruz foram membros
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da Academia Brasileira de Letras. Oswaldo e creio que Chagas
Filho, certo?
COURA: Não, Chagas Filho e Chagas Pai também.
WFH: Chagas também? ...então foram três. Fale um pouco sobre como a literatura cientifica se encaixa na “literatura, com L
maiúsculo”.
COURA: Você diz literatura...
WFH: Literatura artística. Porque é raro se fazer um curso na área
de literatura e alguma coisa sobre literatura científica ser mencionada; porém, a área envolve coisas muito interessantes. Eu me deliciei muito em ler Chagas e também Aragão, a forma como contam
a história, o jeito, o estilo, e parece-me que a literatura científica
não ganha reconhecimento como uma forma de literatura, como
se não fizesse uma contribuição à cultura nacional. Pense, por
exemplo, nos relatos de expedições científicas....18 Mas Oswaldo e
os outros foram reconhecidos como ‘imortais’ da literatura. Como
o senhor vê a integração desses dois tipos de literatura?
COURA: Isso é um pouco de falácia. Você tem escritores, e também tem... tem um escritor do qual você já ouviu falar: Paulo
Coelho. É famoso. Ele não é um grande escritor, mas vende todos
os livros que faz no exterior. Ele foi traduzido em 67 países diferentes. Quer dizer, então é um pouco de ficção.
Como um dos vários exemplos, veja: Lutz, Adolpho; Machado, Astrogildo.
- Viajem pelo rio S. Francisco e por alguns dos seus afluentes entre Pirapora e
Joazeiro. Mem. Inst. Oswaldo Cruz; 7(1):5-50, 1915.
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Entrevista com José Rodrigues Coura
WFH: Ele é mais conhecido do que Machado de Assis.
COURA: Muito mais, muito mais do que Machado de Assis. Esse
sim é indiscutível, criador da Academia de Letras e tal. De modo
que se tem muita ficção nessa coisa, depende um pouco do assunto
que você aborda, da forma como você aborda. Esse Paulo Coelho
está riquíssimo hoje, mora em Paris. Outro dia eu vi um retrato
dele. Ele mora em um apartamento em Paris em que treina flecha... imagino que a sala desse apartamento deve ter mais de 100
metros. Em Paris. (risos) Ele vem ao Brasil duas vezes por ano.
E é da Academia de Letras. Entrou com dificuldades porque o
pessoal acha que ele é um mau escritor, que não é um intelectual,
é um escritor de livros de segunda categoria. Aqui no Brasil ele é
considerado assim, e é o mais lido do mundo.
WFH: Por isso ele não mora mais aqui! (risos)
COURA: É exatamente isso. É como aquela coisa do Prêmio
Nobel. Ele se tornou conhecido, e cada dia mais conhecido, mais
conhecido...
WFH: Mas o senhor acha que, por exemplo, o artigo que está
escrevendo [aqui na escrivaninha] é arte? O senhor está fazendo
arte?
COURA: De certo modo é. Eu costumo brincar com o pessoal:
nós todos pesquisadores somos artistas. O professor então é um
artista. Se ele não for artista ele não é um bom professor. Artista
na forma de ser, de se apresentar. Eu fui professor por 36 anos
na universidade. Inclusive coincidiu um período em que era de
lá [UFRJ] e daqui [na FIOCRUZ]. E me lembro que, quando comecei como professor auxiliar, eu dava aula para mim, não para
os alunos. Então eu preparava uma aula intelectualizada para o
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aluno. E o aluno não aprendia. (risos) Porque eu dava uma aula
muito complicada. Então uma vez dei uma aula sobre antibióticos; e quando acabei a aula disse: “Alguma pergunta?”. Aí um
aluno disse: “Não, não tenho pergunta, tenho uma observação
para fazer. O senhor disse tudo isso, mecanismo, a molécula que
atingia, onde que atingia, a membrana do parasita que ia atingir,
um bocado de coisas. Mas eu não sei receitar um antibiótico. O
senhor não ensinou”. (risos) Eu fiquei chateado, mas depois pensei: “Ele tem razão”. E ele era estudante de medicina. Eu tenho
que dar uma aula para a plateia. Então hoje quando me chamam
para fazer uma conferência, uma fala, eu pergunto: quem é a plateia? É a primeira coisa que se tem que saber. E de acordo com
a plateia você dá o nível. Não adianta eu chegar para uma plateia
que não sabe nada... talvez eu devesse ter dado as duas coisas,
não é? Primeiro uma aula dizendo esse mecanismo age com tal
antibiótico, funciona com isso, e tal, fazer uma coisa mista que
ele entendesse, ele tinha razão. Então nós somos artistas. Se você
não é artista, você é criticado com razão.
WFH: Eu estava olhando [antes da entrevista] a beleza do Palácio
Mourisco. Então era arte, estética, uma semiótica que o Oswaldo
estava construindo. Mas era uma coisa totalmente voltada à prática... para o Brasil. Monteiro Lobato falou que ‘a salvação está
lá’ em Manguinhos19, a redenção do país. O Instituto Soroterápico
começou com produção.
“Manguinhos já fez mais pelo Brasil do que um século inteiro de bacharelice
onipotente. A salvação está lá. De lá tem vindo, vem e virá a verdade que salva –
essa verdade científica que sai nua de arrebiques do campo do microscópio, como
a verdade antiga saía do poço” (LOBATO, 1957, p. 244).
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Entrevista com José Rodrigues Coura
Figura 4. O Palácio Mourisco do Instituo Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.20
COURA: Uma vez perguntaram para o Oswaldo: “Por que você fez
esse prédio desse jeito?”. Ele disse: “Porque achei mais bonito”.
(risos) Mas não era. O problema é que no Brasil, naquela época, os
navios não paravam aqui, por causa da febre amarela, da cólera...
Paravam ao largo do mar e se ia apanhar mercadoria lá, porque
eles tinham medo da doença... Aí passavam direto para Buenos
Aires, que era muito mais elevado. E o Oswaldo, quer dizer, isso
é interpretação falsa, construiu uma coisa que ninguém poderia ver
do mar sem prestar atenção. Então a pessoa passa na avenida e diz:
o que é isso? Mas na explicação ele disse “porque achei mais bonito”. Mas ele foi a Hamburgo, ele foi aos Estados Unidos, pegar
inspiração, ver prédios, e escolheu esse estilo, e aquelas cúpulas
que têm lá eram um observatório. Porém os arquitetos modernos
não gostam desse estilo.
Niemeyer veio fazer uma conferência aqui e eu perguntei: “O que
o senhor acha desse prédio aí?”. Eu sabia que ele não gostava. Ele
disse: “Eu não sou contra obras antigas”. (risos) Mas o português
que construiu isso [o arquiteto Luiz de Moraes] não tinha posto
aqueles observatórios, ele tinha feito um estilo mais reto, o Oswaldo foi quem quis colocar para chamar a atenção. Então aquilo foi
20
Fotografado pelo autor em 2015.
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um simbolismo. Não era para mostrar a arquitetura, era para mostrar uma coisa diferente, para que as pessoas prestassem atenção.
Essa é a minha interpretação.
WFH: Eu gostaria de saber um pouco sobre a interação entre
Manguinhos e organizações mundiais tais como PAHO, OMS,
Rockefeller, e também nacionais como NIH e o Bernard Nocht
Institute of Tropical Medicine, de Hamburgo.
COURA: Nós temos uma interação, se eu não me engano, com
maior ou menor ligação, com 63 instituições no mundo todo. Agora mesmo nós fizemos um acordo com o Pasteur de Paris, a Universidade de São Paulo e o Instituto. O diretor do Pasteur veio
aqui...
WFH: O Ricardo Lourenço-de-Oliveira estava em Paris no ano
passado (2014), não é?
COURA: Sim. Aliás, o Ricardo foi o último editor das Memórias,
agora é um novo. Pois é, então tem muita ligação. Tem ligação
com Hamburgo, tem ligação...
WFH: Mas o que quer dizer isso na realidade, na real interação?
Vocês têm reuniões juntos?
COURA: Temos reuniões juntos, e temos troca de pesquisadores.
O Ricardo Lourenço passou um período no Pasteur agora há pouco
tempo. E tem franceses que vêm para cá. Com os Estados Unidos
eu não sei exatamente qual a ligação, mas tem com a Inglaterra,
tem com vários países.
[...]
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Entrevista com José Rodrigues Coura
WFH: Eu acho que o senhor já foi muito paciente comigo. Já tivemos quase duas horas de entrevista, muito trabalho. Muito obrigado.
Recebido em: 07/11/2015
Aceito em: 10/01/2016
Publicado em maio de 2016
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