AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS POR
ESTRANGEIROS NO BRASIL
Camila Rufato Duarte1
Rayssa Castro Alves2
ACQUISITION OF PROPERTIES BY FOREIGNERS IN BRASIL
1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa.
2 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa.
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REVISTA DE DIREITO
RESUMO: A legislação brasileira impõe limitações à aquisição de imóveis
por estrangeiros, de forma que ao adquirirem propriedade no território
pátrio estes devem observar um procedimento diferenciado e certas restrições quanto a localização e extensão do imóvel. Logo, é oportuno analisar
quais são as limitações impostas, qual a legislação que se aplica, o teor dos
pareceres emitidos pela Advocacia Geral da União sobre o assunto nos
últimos anos e os motivos que levaram o Estado brasileiro a determinar
tais restrições.
PALAVRAS CHAVE: Estrangeiro; Aquisição, Imóvel.
ABSTRACT: he Brazilian law imposes limitations on the acquisition of
properties by foreigners, once when they acquire property in the homeland,
must follow a diferent procedure and certain restrictions about the location
and the extension of the property. herefore, it is appropriate to analyze the
imposed limitations, what law is applied, the content of the opinions issued
by the Attorney General concerning the issue in recent years and the reasons
that led the Brazilian government to establish such restrictions.
KEYWORDS: Foreign; Acquisition, Property.
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CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
1. INTRODUÇÃO
O
direito de propriedade no Brasil sofre limitações quando o
assunto é o estrangeiro, uma vez que a legislação pátria impõe
restrições para a aquisição de imóveis urbanos e rurais por não
nacionais. Os motivos utilizados para adoção de tal postura
é a defesa da soberania brasileira e a segurança nacional, que visam frear a
intervenção estrangeira no país e limitar a exploração de terras brasileiras
por outras nações.
A matéria foi contemplada na Constituição Federal de 1988 (CF/88) e
na legislação infraconstitucional, mas ainda suscita muita discussão. Não só
há divergência quanto ao acerto de tais restrições, mas também em relação
à recepção de determinadas leis pelo texto constitucional vigente, fato que
levou a Advocacia Geral da União (AGU) a emitir vários pareceres nos
últimos anos, mantendo o tema na pauta dos estudiosos.
O presente trabalho pretende abordar quais são as limitações impostas
pelo ordenamento pátrio no tocante à aquisição de imóveis por estrangeiro
no território brasileiro, analisando a legislação e os pareceres sobre o assunto
e compreendendo a motivação do Estado brasileiro.
2. O ESTRANGEIRO
Nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a
um determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo,
da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e
sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos3.
Cada país tem competência exclusiva para legislar sobre a nacionalidade. O Brasil utilizou como critério inicial a territorialidade e o laço
3 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 204.
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REVISTA DE DIREITO
sanguíneo, já que para ser considerado brasileiro nato, a princípio, é preciso
ter nascido em território nacional ou ser ilho de pais brasileiros.
A CF/88 trouxe, em seu artigo 12, todas as modalidades de aquisição
de nacionalidade brasileira, seja de forma nata ou naturalizada. Logo, é
considerado estrangeiro quem não nasceu em território nacional e que não
tenha, concomitantemente, adquirido a nacionalidade conforme previsto no
texto constitucional4. Também será considerado estrangeiro quem nascer
em território nacional mas for ilho de pais estrangeiros que se encontram
a serviço de seu país de origem.
3. AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS POR ESTRANGEIROS NO BRASIL
3.1. Aspectos gerais
Segundo Hodgson, Cullinan e Campbel são inúmeras as razões que
levam os Estados a adotarem políticas de restrição ao acesso de estrangeiros
a terra. Dentre os principais motivos, além do nacionalismo e xenofobismo,
pode-se destacar a segurança nacional, o domínio da infraestrutura, a prevenção contra a especulação estrangeira, a preservação do “tecido” social
da nação, o controle dos investimentos diretos estrangeiros, a regulação da
imigração, bem como a garantia do controle da produção de alimentos5.
No Brasil, no tocante aos imóveis urbanos, a regra geral é que não
há restrição à aquisição da propriedade por estrangeiro, quer ele resida
ou não no Brasil. A exceção incide sobre imóvel pertencente à União, nas
hipóteses dos arts. 100 e 205 do Decreto-lei nº 9.760, de 15/09/1946 6, nas
4 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35ª ed. Malheiros: São
Paulo, 2009. p. 321.
5 HODGSON, S.; CULLINAN, C.; CAMPBELL, K. Land ownership and foreigners: a comparative analysis of regulatory approaches to the acquisition an use of land by foreigners. [s.l.]
FAO, 1999.
6 Art. 100 - A aplicação do regime de aforamento a terras da União, quando autorizada na forma deste Decreto-lei, compete ao SPU, sujeita, porém, a prévia audiência: a) dos Ministérios da
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CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
quais é exigida dos estrangeiros a autorização do Presidente da República.
Portanto, fora da hipótese acima mencionada, é livre a aquisição de
propriedade urbana no Brasil a qualquer título: compra, doação, herança,
entre outros. Livre também é a utilização desse imóvel e a percepção dos
frutos, com as mesmas limitações a que estão sujeitos os brasileiros7.
Entrementes, a utilização direta da propriedade pelo estrangeiro está
sujeita à permissão de entrada no território nacional pelas autoridades
consulares e de fronteiras. O art. 6º da Lei nº 6.815/80 dispõe que:
Art. 6º. A posse ou a propriedade de bens no Brasil não
confere ao estrangeiro o direito de obter visto de qualquer
natureza, ou autorização de permanência no território nacional.
Além disso, pessoas físicas residentes no exterior que possuam imóveis
no Brasil devem, obrigatoriamente, ter inscrição no Cadastro de Pessoas
Físicas (CPF), a teor do art. 3º, inciso XII, alínea “a” da Instrução Normativa
RFB nº 864, de 25-7-20088.
A pessoa jurídica estrangeira que possua imóvel no Brasil, ainda que
aqui não tenha um estabelecimento físico, deverá ter inscrição no Cadastro
Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), por força do art. 11, inciso XIV, alí-
Guerra, por intermédio dos Comandos das Regiões Militares; da Marinha, por intermédio das
Capitanias dos Portos; da Aeronáutica, por intermédio dos Comandos das zonas Aéreas, quando se tratar de terrenos situados dentro da faixa de fronteiras, da faixa de 100 (cem) metros ao
longo da costa marítima ou de uma circunferência de 1.320 (um mil trezentos e vinte) metros
de raio em torno das fortiicações e estabelecimentos militares; [...]
Art. 205 - À pessoa estrangeira física ou jurídica, não serão alienados, concedidos ou transferidos imóveis da União situados nas zonas de que trata a letra a do art. 100, exceto se houver
autorização do Presidente da República. § 1º - Fica dispensada a autorização quando se tratar
de unidade autônoma de condomínios, regulados pela Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964,
desde que o imóvel esteja situado em zona urbana, e as frações ideais pretendidas, em seu conjunto, não ultrapassem 1/3 (um terço) de sua área total.
7 SILVA, Bruno Mattos e. Aquisição de imóvel por estrangeiros. Jus Navigandi, Teresina, ano
17, n. 3164, 29 fev. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21182>. Acesso em: 4 dez.
2013.
8 Art. 3º Estão obrigadas a inscrever-se no CPF as pessoas físicas: XII - residentes no exterior
que possuam no Brasil bens e direitos sujeitos a registro público, inclusive: a) imóveis;
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REVISTA DE DIREITO
nea “a”, nº 1 da Instrução Normativa RFB nº 748, de 28-6-20079. Também
deverá ter um procurador residente no Brasil, com inscrição no CPF, que
deverá ser o administrador do bem imóvel. O funcionamento de pessoa
jurídica estrangeira no Brasil é regido pela Instrução Normativa DNRC nº
81, de 5-1-199910.
3.2. O contrato de compra e venda
Para qualiicar um contrato de compra e venda sobre imóveis situados em países com uma tradição de direito romano, precisa-se diferenciar
entre dois modelos de transferência da propriedade: o modelo consensual
e o modelo da tradição.
No modelo consensual, a transmissão da propriedade ocorre simplesmente pelo acordo das partes, sendo que o registro do ato no Registro de
Imóveis não constitui elemento de validade para a transferência. O contrato
de compra e venda em questão trará aspectos obrigacionais e reais.
Enquanto França11 e Portugal12 adotaram o modelo do princípio de
consenso, o direito brasileiro seguiu a teoria de titulus e modus adquirendi.
Signiica que há necessidade do contrato de compra e venda (arts. 481 e 482
do Código Civil de 2002), isto é, o titulus adquirendi, e do ato de publicidade
de um modus adquirendi, ou seja, a tradição (em caso de bens móveis) ou a
inscrição no registro (no caso de bens imóveis), conforme prevê os artigos
1227 e 1245 do Código Civil de 2002 (CC/02). Só se houver a conjugação
destes dois atos jurídicos pode-se falar em transferência de domínio. Titulus
9 Art. 11. São também obrigados a se inscrever no CNPJ: XIV - pessoas jurídicas domiciliadas
no exterior que no País: a) possuam: 1. imóveis;
10 SILVA, Bruno Mattos e. Op. cit.
11 Art. 1583 C.C. francês. Ela [a compra e venda] é perfeita entre as partes, e a propriedade
é adquirida de direito pelo comprador, em relação ao vendedor, desde que convencionados a
coisa e o preço, ainda que a coisa não tenha sido entregue, nem o preço pago. (traduzido)
12 Art. 874 C.C. português. (Noção). Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.Art. 879 C.C. português. (Efeitos
essenciais). A compra e venda tem como efeitos essenciais: a) a transmissão da propriedade da
coisa ou da titularidade do direito; [..].
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CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
sem modus e modus sem titulus não gera a aquisição da propriedade13 no
direito brasileiro.
4. AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS POR ESTRANGEIROS NO BRASIL
4.1. Aspectos gerais
Os estrangeiros também possuem limitações quanto a aquisições de
imóveis rurais no Brasil, embora neste campo as restrições e vedações legais sejam mais amplas. Isto ocorre com o objetivo de proteger a soberania
nacional e evitar que países estrangeiros explorem as terras brasileiras sem
oferecer o devido retorno socioeconômico.
Antes da legislação ter se organizado e consolidado efetivo controle
sobre tais aquisições, houve intensa compra de glebas de terras por empresas
e países estrangeiros no território nacional, em especial nos estados do Mato
Grosso do Sul e Bahia, os quais possuem municípios com quase totalidade
de superfície controlada por forasteiros, merecendo destaque os casos da
cidade de Luiz Eduardo Magalhães e São Desidério (BA)14.
A título de ilustração, tem-se o caso da Agropecuária O Telhar, vinculada à multinacional argentina El Tejar, que comprou quarenta mil hectares
e arrendou outros 140 mil no estado do Mato Grosso. Além disso, em Primavera do Leste (MT), município em que concentra a maior parte de suas
terras, o módulo de exploração tem 30 hectares. Caso tivesse sido obrigada
a respeitar o disposto na Lei 5.709/71, que regulariza a aquisição de imóveis
rurais por estrangeiros, a empresa teria um limite de 1,5 mil hectares para
13 GEIBEN, Nikolaus. Aquisição de imóveis no Brasil por alemães e conlitos de sistemas
no DIP alemão. Versão atualizada e ampliada da palestra proferida na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul a convite da professora Dra. Cláudia Lima Marques, em março de 2002.
14 RUELLA, Geovana Muniz. A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil:
análise dos pareceres GQ-22/94, GQ 181/97 e LA-01/08 da AGU. 2012. 69 f. Monograia
(Bacharelado em Direito) - Centro Universitário de Brasília, Brasília, DF, 2012.
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adquirir sem que fosse necessária a autorização do Congresso Nacional15.
Ainda é possível apontar a situação de empresas como a papeleira
Internacional Paper, de capital americano, que conta com 16,9 mil hectares no município de Glória de Dourados (MS), onde o módulo tem 10
hectares, portanto, caso fosse enquadrada na Lei 5.709/71, teria um limite
de 500 hectares16.
Logo, é possível perceber a massiva presença de estrangeiros no território nacional, motivo pelo qual a legislação nesta área é extensa, sendo
que a CF/88 já traz uma previsão geral de limitações em relação aos imóveis
rurais em seu artigo 19017. Também deverá ser observada nesta matéria a
Lei 4.504/64, que é o Estatuto da Terra e prevê a base do regime jurídico
do imóvel rural; a Lei 5.709/71 e o Decreto 74.965/74, que estabelecem o
regime jurídico da aquisição de imóvel rural por estrangeiro; a Lei 6.634/79
que dispõe sobre a faixa de fronteira; e o Decreto 85.064/80 que orienta o
regime jurídico da aquisição de imóvel rural localizado na faixa de fronteira.
4.2. Aquisição por pessoa física
O estrangeiro que não possui permanência regularizada no Brasil não
pode adquirir imóvel rural sob hipótese alguma, sendo que esta vedação é
estendida à pessoa jurídica sem autorização para funcionar em território
brasileiro A lei não chega a distinguir se esta residência é permanente ou
provisória, de forma que se adote a deinição de domicílio18 trazida no
Código Civil19.
A única exceção a esta regra ocorre se o estrangeiro receber o imóvel
15 Ibid.
16 Ibid.
17 Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por
pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do
Congresso Nacional.
18 Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com
ânimo deinitivo.
19 CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad. Aquisição e uso de imóvel rural por estrangeiro.
Boletim Jurídico. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1866>. Acesso em 03 dez 2013.
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CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
rural através de herança atribuída a herdeiro legítimo20, ou seja, o estrangeiro
deve ser descendente, ascendente, cônjuge/companheiro ou colateral até o
quarto grau para receber a propriedade. Porém, se a mesma for localizada
na faixa de fronteira21, será necessária também a autorização do Conselho
Nacional de Defesa.
Além disso, também há precedentes judiciais em que as limitações
alcançam os brasileiros casados com estrangeiros, quando o regime de bens
importe aquisição de imóvel pelo cônjuge estrangeiro22. Neste caso, será
essencial a prova da residência do casal no território brasileiro para efetuar
qualquer compra de terra, mesmo que seja inferior a três módulos rurais 23.
Aliás, é imprescindível que se observe os requisitos legais para compra
de imóvel por estrangeiro, já que a irregularidade não permite a aquisição
nem por usucapião, embora o direito de posse seja passível de proteção24.
Logo, o estrangeiro residente no país e a pessoa jurídica autorizada a
funcionar no território brasileiro podem adquirir imóvel rural, atendendo
às seguintes restrições:
Aquisição de gleba de terra com área superior a três módulos de exploração indeinida25 ou aquisição de mais de um imóvel rural por pessoa
física que supere três módulos precisa de autorização do INCRA;
Aquisição de gleba de terra superior a 50 módulos de exploração
20 SILVA, Bruno Mattos e. Op. Cit.
21 O conceito de faixa de fronteira é trazido na Lei 6.634/79, art. 1º: “A faixa interna de 150
km (cento e cinquenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território
nacional.”
22 “Mandado de Segurança - Aquisição de imóvel rural por cônjuge brasileiro casado com
estrangeira. 1. O brasileiro, ao convolar núpcias com estrangeiro, sujeita-se a restrição da
Lei 5.709/71, se o regime de bens determinar a comunicação da propriedade. 2. Sendo assim, o cônjuge brasileiro, para adquirir propriedade rural terá que solicitar autorização do
INCRA. Esta exigência não proíbe de se tornar proprietário, apenas o sujeita a um procedimento administrativo. 3. Recurso improvido.” (Superior Tribunal de Justiça. Recurso ordinário
em mandado de segurança nº 5831/SP. Relator: Ministro José Delgado, Data de Julgamento:
27/02/1997, 1ª Turma.) (grifou-se)
23 SILVA, Bruno Mattos e. Op. Cit.
24 Ibid.
25 Módulo de exploração indeinida é uma unidade de medida, em hectares, deinida a partir
do conceito de módulo rural, sem levar em conta a exploração econômica, estabelecido para
uma determinada região, instituído pelo INCRA.
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REVISTA DE DIREITO
indeinida só com autorização do Presidente da República;
Pessoas físicas não podem ter imóvel rural superior a 25% da superfície do município onde se encontra a propriedade e pessoas da mesma
nacionalidade não podem ter conjuntamente mais de 10% da superfície
do município;
Aquisição de propriedade ou posse de imóvel na faixa de fronteira
precisa de aprovação do Conselho de Defesa Nacional
Os Cartórios de Registro de Imóveis devem manter cadastro especial
em livro auxiliar das aquisições de terras rurais por pessoas estrangeiras26,
conforme prevê o Decreto 74.965/74, em seu artigo 1527. Além disso, devem remeter trimestralmente à Corregedoria Geral da Justiça e ao INCRA
a relação das aquisições ocorridas, com os dados exigidos por lei. Mesmo
que inexista compra de imóvel rural, a comunicação desta ausência deve
ser feita28.
Se for realizada alguma aquisição de imóvel rural sem observância
dos requisitos legais apontados, a transação será nula de pleno direito, de
forma que não chegará a existir como ato válido juridicamente. Ademais,
o tabelião que lavrar a escritura e o oicial que proceder ao registro estarão
sujeitos à responsabilização cível, devendo arcar com os danos causados aos
contratantes, e à responsabilização criminal, por prevaricação ou falsidade
ideológica29.
Ao efetuar o registro do imóvel, o estrangeiro deve apresentar CPF e
26 SILVA, Bruno Mattos e. Op. Cit.
27 Art. 15. Os Cartórios de Registro de Imóveis manterão cadastro especial em livro auxiliar
das aquisições de terras rurais por pessoas estrangeiras, físicas e jurídicas, no qual se mencionará: I - o documento de identidade das partes contratantes ou dos respectivos atos de constituição, se pessoas jurídicas; II - memorial descritivo do imóvel, com área, características,
limites e confrontações; III - a autorização do órgão competente, quando for o caso; IV - as
circunstâncias mencionadas no § 2º, do artigo 5º.
Parágrafo único. O livro (modelo anexo) terá páginas duplas, divididas em 5 colunas, com
3,5cm 9,5cm, 14cm, 12cm e 15cm, encimadas com os dizeres “nº” “Adquirente e Transmitente”,
“Descrição do Imóvel”, “Certidões e Autorizações” e “Averbações” respectivamente, e nele registrar-se-ão as aquisições referidas neste regulamento, na data da transcrição do título.
28 CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad. Op. Cit.
29 SILVA, Bruno Mattos e. Op. Cit.
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CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
passaporte emitidos pelo Governo Brasileiro, além da cédula de identidade,
diante da formalidade e iscalização imposta pela lei30.
4.2.1. A situação dos portugueses
Em virtude da bagagem histórica existente entre Portugal e Brasil,
estes dois países resolveram estreitar suas relações concedendo igualdade
de direitos entre seus nacionais, de forma que em 1971 eles assinaram a
Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses, criando o Estatuto de Igualdade Brasil-Portugal. Este tratado vigorou
até 2001, quando foi substituído pelo Tratado de Amizade, Cooperação e
Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa,
assinado em 22 de abril de 2000, na cidade de Porto Seguro (BA), e promulgado pelo Decreto 3.927, de 19 de setembro de 200131.
Este texto legal fundamenta-se nas notórias ainidades históricas e
culturais que marcaram a relação entre os dois países, sendo que do ponto
de vista jurídico visa possibilitar que, conservando incólume o vínculo de
nacionalidade com um dos dois países, o indivíduo passe a exercer no outro
direitos inerentes à qualidade de cidadão32.
Assim, fundamentalmente, o Estatuto da Igualdade determina que
os brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil gozarão dos mesmos
direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados,
nos termos e condições estabelecidos em suas normas, excetuando os direitos expressamente reservados pela Constituição de cada uma das partes
aos seus nacionais.
Entretanto, os benefícios do Estatuto da Igualdade não são automáticos, já que por decisão do Ministério da Justiça no Brasil, e do Ministério da
Administração Interna em Portugal, os direitos previstos só serão atribuí30 CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad. Op. cit.
31 CASTILHO, Élida Rabêlo Quirino. Notas sobre o Estatuto da Igualdade Brasil - Portugal.
Dom Total. Disponível em: <http://www.domtotal.com/direito/pagina/detalhe/29495/notas-sobre-o-estatuto-da- igualdade-brasil-portugal>. Acesso em 25 fev 2014.
32 CASTILHO, Élida Rabêlo Quirino. Op. Cit.
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REVISTA DE DIREITO
dos aos brasileiros e portugueses que formalmente o requeiram. Deverão
os pretendentes, além disso, ser civilmente capazes e possuir residência
habitual no país em que tais direitos são pleiteados. Por im, observados
esses requisitos, a aquisição do benefício deve ser comunicada ao Estado
da nacionalidade do beneiciário33.
Diante desta igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses, os portugueses podem se equiparar aos brasileiros no tocante à
livre aquisição e arrendamento de imóvel rural se apresentarem capacidade
civil segundo a lei brasileira, mantiverem residência permanente no Brasil
e estiverem em gozo da nacionalidade brasileira34.
Porém, se o imóvel estiver localizado na faixa de fronteira, a compra
ainda dependerá de prévia autorização do Conselho de Defesa Nacional.
4.3. Aquisição por pessoa jurídica
Prevista na Lei 5.709/71, a aquisição de imóvel por pessoas jurídicas
estrangeiras poderá ocorrer quando possuírem autorização para funcionar
no Brasil. Contudo, segundo o artigo 5º, elas só poderão adquirir os imóveis
que forem destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários,
industriais, ou de colonização vinculados aos seus objetivos, sendo que
estes deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura. E, no caso de
implantação de projeto industrial, será ouvido o Ministério da Indústria e
do Desenvolvimento35.
Além disso, no caso de imóvel situado em área considerada indispensável à segurança nacional, a aquisição deste por pessoa jurídica
estrangeira dependerá de consentimento da Secretaria Geral do Conselho
de Segurança Nacional, nos termos do artigo 7 da Lei 5.709/71.
Feita essa ressalva, vale informar que em todos os casos aqui examinados será necessária a escritura pública na qual constará, obrigatoriamente, a
33 Ibid.
34 CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad. Op. Cit.
35 CAMOLESI, Marcos Roberto Haddad. Op. Cit
52
CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), a menção do
documento de identidade do procurador da pessoa jurídica residente no
Brasil e a transcrição do ato que concedeu autorização para a aquisição da
área rural, bem como dos documentos comprobatórios de sua constituição e
de licença para seu funcionamento no Brasil. Essas exigências serão devidas
inclusive nos casos de fusão ou incorporação de empresa, de alteração do
controle acionário da sociedade ou transferência de pessoa jurídica nacional
para pessoa jurídica estrangeira36.
Acrescenta-se que haverá uma limitação especíica no tocante à área
que poderá ser adquirida por pessoa jurídica estrangeira, além das vedações
relativas às pessoas físicas:
A soma das áreas rurais adquiridas pela pessoa jurídica não poderá
ultrapassar 25% da superfície dos municípios onde se situem;
As pessoas jurídicas de mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias, em cada município, de mais de 40% do limite ixado no artigo
12 da Lei 5.709/71;
Não obstante esta previsão, não serão aplicadas tais restrições no caso
da área rural adquirida inferior a três módulos, ou ter sido objeto de compra
e venda, promessa de compra e venda, cessão ou de promessa de cessão,
mediante escritura pública ou instrumento particular devidamente protocolado no Registro competente e que tiverem sido cadastradas no INCRA
em nome do promitente comprados, antes de 10 de março de 1969, ou que
for autorizada pelo Presidente da República, mediante decreto, quando se
tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos
planos de desenvolvimento do país.
4.3.1. A Lei 5.709/71: Regulamentação da aquisição de imóveis
rurais por estrangeiros
A maior discussão envolvendo aquisição de imóveis rurais por estran-
36 Ibid.
53
REVISTA DE DIREITO
geiro reside na Lei 5.709/71, a qual regula a aquisição de propriedade rural
por não nacionais, já que sua validade tem sido objeto de divergência há
vários anos, motivo pelo qual a AGU foi chamada a se manifestar e emitiu
vários pareceres sobre o assunto.
Inicialmente, cumpre informar que quando a Lei 5.709 foi promulgada, no ano de 1971, o §1º do artigo 1º previu que fossem aplicadas à pessoa
jurídica brasileira que tivesse a maioria do seu capital social nas mãos de
pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, residentes no país ou que possuíam
sede no exterior, as mesmas restrições impostas à pessoa jurídica estrangeira.
Contudo, com o advento da CF/88 e de seu artigo 171 (atualmente
revogado), houve distinção entre as empresas brasileiras das empresas brasileiras de capital nacional. Desse modo, surgiu questionamentos acerca da
recepção do artigo 1º, §1º da lei pela Carta Magna, pois que esta considerava
como empresa brasileira aquela constituída sob as leis brasileiras e cuja sede
e administração fossem no país, concebendo, ainda, como empresa brasileira
de capital nacional aquela cujo controle efetivo (titularidade da maioria de
seu capital votante e exercício, de fato e de direito, do poder decisório para
gerir suas atividades) estivesse sob a titularidade de pessoas físicas domiciliadas e residentes no país, ou de entidades de direito público interno,
enquanto a lei equiparava as empresas nacionais às empresas estrangeiras37.
Diante deste impasse, recorreu-se à Advocacia Geral da União (AGU)
para apresentar o entendimento sobre a controvérsia, que por meio do
parecer GQ – 22/94, concluiu pela não recepção do artigo 1º, §1º da Lei
5.709/71 pela CF/88.
É interessante apontar que a AGU presta consultoria e assessoramento
jurídicos aos órgãos do Poder Executivo, e exerce a representação judicial e
extrajudicial da União (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e órgãos
públicos que exercem Função Essencial à Justiça)38. Logo, a emissão de pareceres decorre da observância do cumprimento de sua função consultiva,
37 RUELLA, Geovana Muniz. Op. Cit.
38 RUELLA, Geovanna Muniz. Op. Cit.
54
CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
nos termos da Lei Complementar n°73, de 10 de fevereiro de 1993, que
estabelece que:
Art. 1º - A Advocacia-Geral da União é a instituição que
representa a União judicial e extrajudicialmente. Parágrafo
único. À Advocacia-Geral da União cabem as atividades de
consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo,
nos termos desta Lei Complementar.
Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao
Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da
Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas, compete, especialmente: [...]
III - ixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não
houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
Posteriormente, no ano de 1995, a Emenda Constitucional nº 06
revogou o artigo 171 da Constituição. Nesse diapasão, veio à tona toda a
discussão anteriormente mencionada. Nesse momento, requerida novamente a manifestação da AGU, que fundamentou o parecer GQ – 181/97
na não adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro do fenômeno da
repristinação – que torna possível o retorno da vigência de uma norma
anteriormente revogada – entendeu-se que o artigo 1º, §1º da Lei 5.709/71
continuava sem aplicação.
É mister destacar que durante todo esse impasse, a questão sobre a
aquisição de imóveis rurais por estrangeiros manteve-se sem regulamentação. Em 2008, porém, a controvérsia foi solucionada. Do parecer LA –
01/0839 extraiu-se o entendimento de que:
A crise de alimentos no mundo e a possibilidade de adoção, em larga
escala, do biocombustível como importante fonte alternativa de energia,
apta a diversiicar, com grande vantagem, a matriz energética nacional, são
39 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Normas Internas. Disponível em: <http://www.agu.
gov.br/sistemas/site/PaginasInternas/NormasInternas/AtoDetalhado.aspx?idAto=258351>.
Acesso em: 29 de jan. de 2014.
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REVISTA DE DIREITO
os principais vetores dessa nova abordagem da questão da propriedade da
terra no Brasil, especialmente dos imóveis rurais.
A questão restringia-se à equiparação das empresas brasileiras às
empresas estrangeiras por força do § 1º do art. 1º da lei nº 5.709, de 1971, e
a consequente extensão àquelas das restrições impostas a essas.
Passados quatorze anos, o novo contexto econômico mundial,
rapidamente descrito anteriormente, impunha um reposicionamento do
Governo Federal sobre o tema, valendo-se dos instrumentos disponíveis,
dentre os quais a eventual revisão do Parecer AGU/GQ-181 e do Parecer
AGU/GQ-22.40
Desse modo, considerando ter havido uma mudança no contexto
jurídico, esse último parecer veio revogando os pareceres anteriores e
demonstrando a compatibilidade entre o artigo 1º da Lei 5.709/71 e a
CF/88, acabando, portanto, por repristinar a aplicabilidade do disposto na
lei. Tendo sido tal parecer publicado no Diário Oicial da União em agosto
de 2010, passou a vigorar como vinculante à Administração Federal. O
parecer LA - 01/08 concluiu que:
o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988, seja em sua redação originária, seja após a
promulgação da Emenda Constitucional nº 6, de 1995, por força do que
dispunha o art. 171, § 1º, II e do que dispõem o art. 1º, I; art. 3º, II; art. 4º,
I; art. 5º, caput; art. 170, I e IX; art. 172 e art.190;
para que a equiparação de pessoa jurídica brasileira com pessoa
jurídica estrangeira prevista no dispositivo legal citado no item anterior
ocorra, a im de que sejam estabelecidos limites e restrições à aquisição e
ao arrendamento de imóveis rurais é necessário que:
o estrangeiro, pessoa física, seja não-residente ou a pessoa jurídica
não possua sede no país;
o estrangeiro, pessoa física ou jurídica, descrito no item anterior,
40 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, Op. Cit.
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CAMILA RUFATO DUARTE, RAYSSA CASTRO ALVES
participe, a qualquer título, de pessoa jurídica brasileira; e
essa participação assegure a seus detentores o poder de conduzir as
deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores
da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento
dos órgãos da companhia.
que em face do entendimento contido nos itens anteriores, o Parecer
nº GQ-181, de 1998, e o Parecer GQ-22, de 1994, merecem a revogação,
devendo, para tanto, ser o presente Parecer submetido à aprovação do Exmº
Sr. Presidente da República, após a aprovação de V. Exª, e, posteriormente,
publicado no Diário Oicial da União para que, por força do art. 40 da Lei
Complementar nº 73, de 1993, produza efeitos vinculantes para toda a
administração pública federal;
que os efeitos do presente Parecer devem ser produzidos a partir de
sua publicação no Diário Oicial da União, consoante o disposto no art. 2º,
parágrafo único, inciso XIII da Lei nº 9.784, de 29.01.1999.41
Tendo sido aprovado pelo então Presidente, Luís Inácio Lula da Silva,
e após publicação no Diário Oicial da União, o artigo 1º da referida lei foi
considerado constitucional, sendo este o entendimento vigente atualmente.
5. CONCLUSÃO
O tema aquisição de imóveis por estrangeiros no Brasil permanece
divergente, mesmo após toda discussão travada sobre a matéria. Isto porque o tema envolve conceitos delicados como soberania nacional e defesa
dos interesses pátrios, de forma que não é possível afastar totalmente os
interesses políticos do governo.
Ademais, a extensa legislação na área torna o estudo desta questão
uma tarefa árdua, sem mencionar o fato de que muitas leis são antigas e en-
41 ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Op. Cit.
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REVISTA DE DIREITO
contram-se desatualizadas em relação ao cenário econômico atual, fato que
suscita discussões envolvendo a validade e conveniência de sua aplicação.
Entretanto, recentemente o parecer LA - 01/08 emitido pela AGU devolveu completa validade ao texto da Lei 5.709/71, de forma que a aquisição
de propriedades rurais por estrangeiros não só conta com regulamentação,
ao contrário do que ocorria até 2008, mas também observa as limitações
legais, restringindo a possibilidade de exploração de terras por outras nações.
Destarte, é oportuno reletir se tais restrições serão efetivadas na
prática e se a postura adotada pelo Estado brasileiro coadunou com os
objetivos de desenvolvimento divulgados pelo governo.
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Recebido em 27/02/2014 - Aprovado em 27/03/2014
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