IN'['r{oDUÇÃo À peRTE, I
Matheus Oliva da Costa
A história do Ensino Religiosrl (ER), erm sua expressão escolar,
é marcada por tensões entre polos
antagônicos. Não somente a disputa
entre visões laicas e tradições religiosas no Brasil, normalmente ligada
a Igreja Católica Apostólica Romana
(ICAR) -, como também entre colonialidade eurocêntrica e descolonialismo pluralista. Enquanto colonialidade
é a expressão da continuidade cultural
da prática colonial eurocêntrica formal (cf. Mignolo, 2005), esse descolonialismo pluralista seria o conjunto
dos esforços de povos colonizados por
emancipação cultural, educacional e
ate da necess árta liberdade religiosa.
Tem-se tornado consensual que o
ER, quando inserido na educaçáo for-
mal, foi criado como estratégia para
conservação da tradição cristã católica como maioria e, consequentemente, como a norma moral comum. No
entanto, como leitores e leitoras verão
neste compêndio, com o subsídio da
leitura desta primeira parte, a atual
A Partel intitulada História
e
legis-
lação, tem o objetivo de fornecer bases
para a compreensão do desenvolvimento histórico do ER e da transformação das suas leis. Foram escritos
textos que mostram o trajeto internacional da criação do ER em escolas
públicas de nações cristãs europeias
modernas, até sua chegada e sua acomodação no sistema escolar brasileiro.
Somado ao histórico mais geral,
estão dispostos textos sobre as legislações que fundamentaram e legitimaram a existência do ER no Brasil e
em seus estados. Optou-se por mostrar, além do desenvolvimento de leis
nacionais e locais, esclarecimentos
sobre termos-chave que não são imediatamente claros para todas as pessoas. Voltaremos a abordar esses ter-
mos de cada verbete desta parte após
algumas reflexões mais gerais sobre a
história do ER e sobre o entendimento de religioes presente nas leis.
ER escolar baseado na Ciência da Re-
O Ensino Religioso como expressão da colonialidade da educação
na história do Brasil
ligião (CR) pode servir como agente
transformador. Mudança que rompe
com um projeto eurocêntrico, cristianocêntrico e coloni zador do pensamento em prol do respeito à diver-
A formaçáo do Brasil deu-se por
meio de várias culturas. Tradicionalmente, intérpretes da cultura brasileira (cf. Bittencourt Filho, 2001; Da-
implementação do novo modelo de
sidade religiosa e da formação cidadã
dos educandos e educandas.
Matta, 1983; Ribeiro, 2006; Sanchis,
L995) identificam três grandes matri-
Ittlt tr,lttyttt
z('s (' suit.s t'(',sl)r'r'livlts íirlrtes cUllurttl_
A ltrlrtriz ('tn'()[)t'ilr
ir r)ill ivil ou inclígcna,
't'ligir
j,i t'xistcrrlc arlri hir milhares cle anos
te portuguesa, e clepois as potênc-ias
imperialistas francesa e inglesa - tern
dominado não somente as normas
oficiais na história da sociedade brasileira, como também a mentalidade
desse povo novo (cf. Ribeiro, 2006).
»sus: ( | )
(' ('()rn rlivcrsas expressões religiosas,
lc,rl,
il
algurnas mais conhecidas, como
guarani e a tupinambá, mas com
ccnlcnas de grupos locais em cada região brasileira; (2) aeuropeia, sobretu_
1lr-iltrcir-all)cn
tl.
Destarte, todas as demais expressões
que compõem a diversidade cultural_
referências; (3) a africana, sendo mais
-religiosa brasileira são, em grande
medida, desvalorizadas. Em alguns
com seu catolicismo luso-ibérico,
ntils tendo, mais tarde, muitas outras
conhecida a cosmologia iorubá, e tenrl«r, todavia, toda uma variedade de
culturas e religiões, entre elas devoções cristãs e ordens islâmicas.
Mais recentemente tem sido con_
siclerada também uma quarta matriz
cr-rltural brasileira (cf. Freyre, 2AI3;
Leite, L994; Silva, 2011): (4 a asiática
ou 'briental'l tendo como fontes principais o sul da atual Índia e o sul da
China, mais exatamente Goa e Macau.
Esses dois locais da Asia apresentam
ligação colonial com o império português, que os invadiu no mesmo mo-
mento histórico em que invadiram a
região hoje chamada de Brasil. Interessante lembrar ligações entre tais regiões que voltaram a existir no século
XXI, agora num contexto de relações
bi laterais entre países independentes.
Se,
Iu
por um lado, todas essas cul-
rus podem ser consideradas igual-
ial do Brasil, por outro lado,
na proporção sem precedentes que
ocorreu com as invasões de impérios europeus é elemento central da
própria modernidade europeia. Infelizmente, para isso, foram abertas as
veias da América Latina - e de vários
outros continentes e países colon iza_
dos -, como disse Galeano (20A7). E
até hoje estão a sangrar.
O conhecimento de novas cultu_
ras, somado a uma quantidade signi-
ficativa de matéria-prima saqueada
ao redor do mundo, incluindo a
América Latina, propiciou muitos
derna. Essa onda de novidades inclui,
também, as novas formas de organi-
as
r-c[)rcseutações sociais sobre elas, e
rrtó us rclações entre elas, têm ocorri-
tl, tlc íirrlrir
Esse eurocentrismo é também
uma forma de col onização e pode ser
visto como o lado sombrio ou negativo da modernidade (Dussel, Z0O5). E
isso significa que o encontro de povos
avanços tecnológicos, industriais e
ate do pensamento na Europa mo-
nrc:nte importantes para a formação
s«rc
casos, sistematicamente perseguidas.
zaçã,o
política dos Estados e criação
de universidades e escolas, voltadas a
ilssimótrica ou desigual.
educar a população
30
- ou pelo menos
unr,r
r
t'lilt' tlt' inlr'lt'ctuais (luc
lr'r r l;r n(llrs
sr.rslcltta
tl('ssils socicrlittlcs.
lint'ssc scrrtirkl qLrc «l F,l{, enquanto
r i r r r;r tlisc iplina cscolar (hoje chamada
,l.'
:,.'r
t
r)r'np«»tcute cttrricular), eStá in-
irkr crr-r uffla nova configuração de
,',lutrrção fbrmal. Esse modelo de edut .rqilo Íilrmal, em muitos sentidos hon r( )llc)n eizadora de padrões europeus
rr rorlcrnos, podendo ser mais laico/est:rlirl ou mais cristão, é levado ao Brasil
t ()nro proposta. Neste país, ao longo
rlos séculos XIX e XX, escolas, instiIutos e universidades são estruturados
( ()nl o modelo mencionado acima.
O ER aparece no ensino formal
lrrasileiro como forma de continuidatlc cla educação propriamente cristã,
cspecialmente no momento políti('o após a separação jurídica entre a
l(lAR e o Estado brasileiro, que em
Itt8g se tornou republicano. Assim,
o ER acompanhou parte do processo de construção de uma escola
curocêntrica e que reproduz a mentalidade colontzada que vê como menos importantes outras culturas que
formaram o Brasil. Somado a isso, o
rnonopólio da referência cristã católica, religião majoritária até então,
reforçou ainda mais essa negação da
d
iversidade cultural - religiosa.
tl Itttt'lt
I
isso, valc l-ttr.cr unla reflexão sobre a
firrnra como religião e religiões podem ser entendidas e, consequentemente, como alteram as ações sociais
que envolvem esses termos. Peter
Beyer (2003), professor de Ciência da
Religião de Ottawa (Canadá), sinteti-
zorttodo um acirrado debate sobre as
possibilidades e limites na definição
do termo "religião': Ele mostra, concordando com uma série de autores
e autoras, gue, no mundo acadêmico
e das religioes, podem aparecer dois
tipos de definições: as teológicas e as
científicas (ou naturalistas).
Noções teológicas de religião são
claramente baseadas e norteadas
pelo olhar da tradição de onde autores e autoras partem, sendo normalmente noções teológicas cristãs.
Ia classificações mais científicas são
feitas a partir de um olhar de fora
(outsider), buscando descrever sistematicamente uma realidade empírtca
observável, independente da filiação
ou práticas religiosas da pessoa que
pesquisa. Isso é feito por cientistas
das religioes, mas também por outros
membros das ciências humanas e sociais, além de acadêmicos/cientistas e
religiosos teólogos, há também várias
leis no Ensino Religioso
outras pessoas inseridas em distintas
esferas sociais que têm expressado
opiniões sobre religiões. Beyer (2003)
observou quatro outros tipos de cam-
história também se expressa
em leis. Porém, antes de refletir sobre
pos sociais: educação, leis, meios de
comunicação e política. Nesses campos há produção e compartilhamento
A noção 'bficial" de religião
E,ssa
nas
tl,' ( ()n( ('l)\()('.\ s0lr r' () (lu(. s(.r-i;r(rrr)
rt'ligilro(,t's). li, ll() c()r)tr-lir-io tl«ls
nrcios rcligi«rso- tr:olrigicos c cientíÍic,s, os outros quatros tipos sociais
terrdenr a ter visões mais arbttrarias
l.tis t'lt . ) l.urrl,,.lrt o;rl.u ilnt
tr,,l rrrlrl
vil- llil vitl., l,,,lrlr..r ttlr llolílit;r olrr r,rl
atravcs tlr' Prlilit lrs c cl)lt,lrtlillt(.ttlil,,
também tem dado, em medidas varia_
clas, visibilidade para as várias minorias religiosas há mais de um século.
Por outro lado, é comum ver notícias
pouco criteriosas gue, ou fazem pro_
paganda de religiões p. ex.: dtzen_
do que tem um número de membros
muito maior que o real -, ou tendem a
clenegrir essa ou aquela tradição. Mais
recenternente há tarnbém reportagens
sobre intolerâncias religiosas. Repro_
cluzem, então, âs disputas da socieda_
cle sobre a representação social ou o
i rnaginário das religiões.
Irr
rt.r
tendo a propria como parârrrclro
soas políticas católicas têrn se serviclo
a
r["ritrariarnente de noções teologicas
[-rarir err"rpreender ações púrblicas para
I.clas
Lrs
pessoas cidadãs, incluindo
ir(Frclas que não são da sua confissão.
Mrr
is
rcce
ntelne'nte, pessoas cristãs
"('vll ngcl iclls" (trrrotestantes,
pentecos_
r
ral, para conseguir interesscs
r lr
prio grupo.
[Jma yez que as leis do
Illt
r
(contando seu feminino e scrr r r .rr
Plt
aparece sete vezes:
Art. 5 inc. V l, V I
VIII; Art. 19 inc. I; Art. 143 s t,,; A r
2üI § 1o; Art. 226, e no s 2.,. ()ururrlr
vai se referir ao que, acaclenr ir u, )(,,
e
)
I
I
r
te, é chamaclo de "religioes'] il (,iu t.r
Magna norrnalmente usa os [cr-rr(),\
'trença [religiosa]" ou 'ttrlt«r r.cliriir
I
so]
"; além de'tostumes']
"litu
r.r1irr.s',
"ternplos" e "igrejas'i É nesscs lcr-,rr),.,
que a legislação máxima brasilci'. t'rr
tende o que seria algo religioso.
A
Constituição apresentir t.lrr r ,r:;
mensagens sobre direitos inclivirlurris
e coletivos de liberdade 'Ue cullo" (.
ufila tentativa de linguage,'r a[r.rrrr
gente ("templos", 'tostt-tmes" or.r ..t.rrl
,
,
r
,
rr.r() .so[tl-c
"tcl-rclir«ls'] "lll()s-
, rrlr,,s" ()u slllas clc mcclitar,,,
lrii notrrenclarturas clara-
l,t:-,,
lltels tfãO de OUtfaS daS
r lrriirics presentes
,,' rurr,r .'rrrt'r'tda COnStituCional ape1
,, i,,,,'()l
I (Brasil, 2016).
t:, I r ,I rrltimo e mais importante
tlt.\,,.nr
atual, na parte da convenção s.br'(. ( ):,
Direitos das Pessoas com DeÍic-iôrr r,r
(Brasil , 2016). Iá o termo "rcligiosr ,"
ri t.t, l;Unllcltr tl('l)loltsll'lt
no Brasil.
i,, lr r ,,.r sti vez o termo "divgrsii,,1, r, l11,r, r,,il". (J rnaiS próximO Seria
,ii i i r,l.r,lr' clas expressÕes cultu,i i!,, \rt 216§1"inc. I,incluído
1,1.
r
i,
ii,,,,
, | ,r , ,
ser constitucionais para sercr) ) r,.il
das, qual é a concep ção cJc t.t,li!,r,t,,
na Constituição de lgBB? LJrrr l;rtr,
interessante é que o termcl "rcliflirrr"
aparece somente uma yez l-líl V(.t.\.rr
rrr
:. r ii r,
:.i !rr,, r I
r.
rr
r
Iá no campo político a disputa é
,rais forte ainda. Historicamente pes-
, i,
r
pragm áttca de religião, nonlru
1,,, I
,,,1,, , rrrr, rrl(l.stll)l-(."itll't..jlls" (, "litUt'
das suas tradiçCrcs rcligi,sus. ( ,t.r t.r
mente há muitos outrcls c.s( ).s, i r r, I r
sive de pessoas e ações p.líri,.rr ,1,
outras religiÕes. Todas elas l[.rrr .r11,,,
em comum: o uso de urrta L()ltt t.llt,,trr
e práticas sobre religiões, de acordo
corr disputas de poder. por isso são
agrupadas num terceiro tipo: defini_
ções "oficiais" de religiao.
O meio midiático ou de comuni_
cação é muito vasto. E, basicamen_
te, tem servido tantcl a interesses de
quem tem tentado afirmar que ,b Bra_
sil e um país católico", reforçando a
norffratividade moral da ICAR, como
r, r
ii,rl,r, l,.u,r esta intrOduçãO: A edu,, ,, l \ lr'r r r cla Constituição , há, leis
l,i,,lir r r l,.tl'lt a edUCaçãO nO BfaSil.
I ' ,'r | ,,, { )('., cclUCaCiOnaiS, e maiS ain1,,,1,r,, r lil{, refletem o imaginário
i,, r il, !r,, ,lcscrito anteriormente. E,
, ,! ri , ,r vr'l'[i em toda esta obra, So-
,,r,rrt, runt Íl mOVimentaçãO SOCial
, ,,r r,rr() .lir Constituição de 19BB e
.1, I , r ,1, l)iretrizes e Bases da Eclu, ,, r,, l l.r, ronâl (LDB) de L996 é que
i, I l,' l,.r',,,.r lr ter mudanças significari, , . ,\ lr.r 9.475197 selou essas mu,lrrr, r,, .rtr.rvés de ttma nova redação
, 1,, \ r I i i,,«lbre o ER. As duas prin,,1,.r' .rit,=nrções foram: (l) obriga, i r, , l. r, l,' , lo "respeito à diversidade
, iilrrr.,l r,'lrgiosa no Brasil"; e (2) a
Ilr{),I,r,,.r,, ,lc "quaisquer formas de
r
,
l,r
,
r,',
l
rl
r,,nr,i' (llrasil, 1997).
{ ) ;rr rn rt'iro p«rnto é uma novidade
r r'\'r'lr ir r r.nnil nccessidade educa-
lr i{
r,rr.rl ,l,r :i()Lictlaclc: rontper COm O
, r{ )n,l},,1r,, tllt ltttla clc solllct-ttc uma
,
r t'l ig i lr o,
Illr r-rr r-clr I t'/,ar u nr a a tr la que
c()ntcnrl-rlc logo, respeite - a diver-
sicltrcle cultr-rral religiosa. Simbolizou
a vitória da pressão social de vários
grupos organizados mas também
de várias minorias que falavam sem
ser ouvidas - que clamavam por um
ER não confessional e escolarrzado.
Para tais grupos é irnplícito que há
várias religiões e que todos os cidadãos e cidadãs d.evern estudá-las, mas
não definiram o que elas são.
Por sua Yez, o segundo ponto é
mais ambíguo. Ao dizer que estão
vedadas quaisquer formas de proselitismo, com o term o proselitismo faz
clara menção à propaganda religiosa,
imposição e ate mesmo difamação de
outras religiões que não sejam a do
prosélito. E aqui está a ambiguidade:
primeiro, ao não definir esse termo;
segundo, por ser um termo próprio
do vocabulário cristão bíblico e do
Concílio Vaticano II, mas que pretende ser em prol da laicidade (Derisso,
2006). Se for para usar linguagem
própria de leis gerais, melhor abstrair
de termos específicos de religiões específicas - ainda que isso seja difícil.
Partindo do que foi mostrado, observa-se que as percepções sobre reli-
giao nos quatro campos sociais de não
especialistas (educação, leis, política
e
mídias) se centram nos termos 'tulto", "temploligreja"
e'trençdi No caso
da edu caçáo e da legislação, há mais
claramente a noção de religião como
um 'clireito privado' dos indivíduos.
Ittlttttltt\tttr tl l,rtt lt, I
l',r'iss, r))csr)l() lrii «r dcvcr ofitiultlcs_
dircit, ser rcspcitaclo. o c1r-re pocle
sc
ser entendido de duas maneiras: uma
postura ativa, como na ideia de que a
diversidade religiosa deve ser conhe-
cida por todas as pessoas através do
ER escolar; ou negativa, no sentido de
proibições a interferências religiosas
em campos públicos (na escola,
r1o
Estado etc.) e proteções do indivíduo
em casos expressionais (direito a atividades alternativas na escola, serviço
militar ou concurso).
Essa seria a visão sobre religiao que
Beyer (2003) classifica como oficial.
É importante que o leitor e a leitora
atentem para isso, pois tal análise implica entender que as leis do ER não
foram, necessariamente, baseadas em
definições teológicas ou científicas sobre religiões e aspectos religiosos, mas
em definições arbitrárias e práticas
que beneficiariam algum grupo (mes_
mo que o 'grupo" seja
a
maioria).
Mobilizações atuais em prol de
um novo modelo não confessio_
nal de Ensino Religioso
açcrcs otrstrutivirs
2006; Fischmann,
Ittlt
a. Iil{ (cf. I)crisso,
2}ll); e os que têrn
se organizado para mudar o ER para
outros modelos não confessionais e
até descoloniais linterculturais (.f.
Figueiredo, L999; pozzer et al. , 2015).
Tais disputas se tornam mais
complexas com o processo de escola_
rizaçáo do ER. Ou seja, com a trans_
formação do ER em um componen_
il Ílrltir tlc
rlir-t'll-iz.r's nilciolriri.s
sobrc Íix'rnitçrio c ( ()rtI rittação 1>rofissit»rral, lrcrn con'lo clc conteúdos curricrrlares, cleixa o L,R como um "terri-
tririo seln dono".
Consequentemente, têm sido obsc'rvadas, através de pesquisas em1ríricas, graves faltas ao respeito à liberdade de consciência e até mesmo
incentivo a intolerâncias religiosas ou
te curricular das escolas públicas e
também privadas, que funciona sob
tliscriminações de outras formas de
ser (cf. Braga, 2007; Dtniz, Lionço e
as regras gerais da educação de uma
e democ rática
(larrião, 2010; Magri, 2010). Segunclo, mesmo para pessoas formadas
cm CR, há o desafio da legitimidade
social e acadêmica. I-Im dos motivos
cla desconfiança que cientistas das
religiões sofrem vem do fato dessa
área ainda não ter se separado efeti-
sociedade pluralista
(|unqueira, 2000). No século XXI,
gradualmente grupos ligados a asso_
ciações de professores e professoras,
com destaque para o Fórum Nacio_
nal Permanente do Ensino Religioso
(FONAPER), rêm ganhado espaços e
convencido parte da opinião pública.
Tâmbém cientistas das religiões com
licenciatura têm-se tornado os pro_
fissionais, amparados por leis, para
a docência do ER escolar em alguns
estados: Amapá, Ceará, Maranhão,
Minas Gerais, pará, Rio Grande do
Norte, Rondônia e Santa Catarina
(/unqueira, 2}rc).
|á foi dito que há anos autores e
Essas moúmentações sociais em
autoras mostram que o ER pode ser
relação ao ER mostram que a repre_
entendido como forma de continui_
sentação sobre religiões e, principal_
dade da presença católica na educa_
mente, a visão a respeito do estudo ou
ção pública - idealmente - laica. Mas ensino sobre religiáes
está se alteran_
também está claro que cada vez me_
do como nunca foi alterado em cinco
rros isso é aceito. Existem dois tipos
séculos no Brasil. Não significa que se
tlc autores e autoras que rejeitam esse
trata de um processo aa"plarru escora_
Íattr: os que se falam contra e fazem
rização elaicizaçãodo ER. primeiro,
34
l)()r'(luc
t,,lttyttt it l'ttt lt'
vamente das várias teologias cristãs.
No Brasil, essa ârea foi caracteripor uma socióloga, logo, pescluisadora de fora, como um misto
zada
entre ciências sociais e teologia (Herrera, 2004). Percepção que faz jus a
outras descrições de dentro, feitas por
numerosos professores e professoras
clos cursos brasileiros. Mesmo internacionalmente, ainda há um processo
em curso de"desteologlzar" a Ciência
da Religião (Sharpe, 2005). Em diferentes medidas, isso ocorre também
com outras áreas que buscam estudar
religiões, por exemplo, a sociologia
(Pierucci, 1999).
Somente comprometidos com uma
nrentalidacle de uma ciência e prática
secular que estuda religiões é
rl«rcerr te
I
[)ossívcl rr:al tztrr csse clistanciarnento
necessário ao exercício de pesquisa e
ensino .lá ao que concerne à vida pessoal, cada qual pratica o que desejar.
Mas é somente com essa necess ária
tomada de consciência de distinguir
posturas diferentes para contextos
diversos que as liberdades religiosas
individuais e coletivas podem ser respeitadas. E que a ârea da Ciência da
Religião pode se desenvolver com a
devida respeitabilidade sem se desviar do seu foco. Caso contrário,
noções religiosas de uma religião (e
sua respectiva cosmologia/teologia)
continuarão sendo impostas às diversas minorias, eu€ coexistem tanto na
pesquisa como no ER. Assim, uma
postura alinhada com uma laicidade
que respeite a diversidade religiosa
apresenta-se como um caminho seguro à descolonização do ER escolar.
Sobre os verbetes da Parte
I
Tendo em vista essas reflexões,
convidamos à leitura dos oito textos
desta primeira parte. A leitura começa numa sequência que visa esclarecer a história do desenvolvimento do
ER em escolas publicas, até a versão
brasileira dessa experiência. O texto
de Sérgio R. A. )unqueira inaugura a
sequência dos verbetes, mostrando
as origens europeias dessa disciplina
em escolas controladas pelo Estado e
revela as tramas das primeiras experiências históricas nesse sentido.
Ittltr,,lttItrt
lirrr scÍrrirlir, rirlilc Mrr.iir I;r-.c.*r
It.rlriguc's aprescrlta, cre urna frl,nar
especialmente sintética, o desenrolar
da historia do ER no Brasil. Começa
com suas raízes e mostra suas trans_
formações até o estado atuar de
escolarização do ER. A autora chama
a atençao para a necessidade de abertura
ao
encontro com as diferenças como destaque desse componente curricular.
No terceiro verbete, Rodrigo Oli_
veira dos Santos sabiamente expõe
a
tensão entre os movimentos institucionais das pessoasfavoráveis e contrárias ao Ensino Religio.so. Ao longo
do
texto, os argumentos dos dois lados
são confrontados e aspectos convincentes são trazidos à tona junto
com
argumentações mais facilmente aba_
láveis. o autor trabalhou densamente
o histórico do debate desde o período
colonial brasileiro, mostrando como
as divergências têm causas antigas,
bem como seus desdobramentos.
Finalizando os verbetes sobre
questões históricas mais gerais,
no
quarto texto, a reconhecida pesqui_
sadora do ER, Lurdes Caror], aborda
as convergências e divergências do
ER em escolas públicas e privadas.
Segue a perspectiva da proposta
da
FOI{APER e apresenta contribuições
para a compreensão de termos cen_
trais que iluminam o debate sobre
as
possibilidades e os limites do ER
em
escolas púrblicas e em escolas priva_
Apris «r irrít'i«r rrrrris lristr'lric,, i,tcrnacional e naci,,al, ternos uma série
de textos esclarecedores dos termos-chave da legislação básica brasireira
sobre o ER. O quinto verbete, sobre
ER nas legislações, foi escrito por
Ângela Maria Ribeiro Holanda. À
autora
revela-nos um panorama das legis_
lações dessa matéria escolar desde
o
início do século
xx. Arude tanto às
muitas permanências das leis e, pa_
ralelamente, às muitas modificações.
uma das mais significativas é a gra_
dual busca por referência em áreas
de
conhecimento científico-acadêmicas
laicas e o início de um afastamento
de fontes teologicas cristãs nas leis
específicas desse assunto.
Começando os verbetes focados
em questões mais particulares das
leis, especialmente do Art. 33 da
LDB, Eliane Maura Littig Mithomem
de Freitas aborda a expressão sistemas
de ensino, eue consta nos parágra_
fos 1" e 2" da referida rei. com bases
em discussões mais ampras em torno
de legislações de educação e debates
acadêmicos na área, a autora lança
luz sobre o tema posto. Acrescenta,
ainda, sugestões de reflexão em vista
da melhoria de questões pouco de_
senvolvidas pelos sistemas estaduais
de ensino, como o acolhimento e
a
consid eração a toda diversidade
rerigiosa na escola de contexto pruralista.
Depois Cláudia Regina Kluck
clas (religiosas ou não).
aborda a questão das organizações
36
ci_
rls r' rclitir)sr,.\ crtt t'claçli() ilo lil(. (,«rttt
o uso clc ilnlpla bi[lliograÍiil c rcgistros
lrist«iric«rs c lcgais, a autortt clelineia
t)rno cssas organizações, inicialrrrcnte cristãs e pautadas por ideias
t
t\ ltttt lt'
I
torurs irintla poLrco clebaticl«ls possanl entrar nas pautas de discussões
nacionais - e, quiçá, internacionais do ER. Por exemplo: que fortaleçam
ciarções laicas específicas de cientistas
posicionamentos sobre a necessidade
de formação adequ ada e docência
por profissionais próprios da área da
Ciência da Religião; que a precisão
de conteúdos curriculares nacionais
religiões, mas também como tais
grupos se adaptaram às novas leis e
t ransformações de contextos.
seja debatida, bem como sejam feitas propostas eue, além de ter bases
acadêmicas laicas, também respeitem
('(-rlrnênicas, serviram de suporte pe-
tlagógico ao ER em alguns estados.
Mostra gue, recentemente, há assorlars
No ultimo verbete desta parte,
a
irutora Ângela Maria Ribeiro Holanda
fornece-nos chaves de entendimento,
agora com o debate específico sobre
conselhos do ER. Intimamente conectados com a questão de que os sisternas estaduais e municipais de ensino
têm a delegação de organi zar o ER,
os conselhos subsidiaram sua regulamentaçáo estatal, conforme previsto na legislação, para ser ouvidos. A
autora mostra como esses conselhos
continuaram sob forte influência da
Igreja Católica Apostólica Romana
(ICAR) através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
mas também de outros grupos com
outras posições, como o FONAPER.
Com essas leituras, espera-se que
as discussões sobre ER, além de enriquecidas, também fiquem mais esclarecidas. Acredita-se gue, desse modo,
se avançará no debate sobre questões
básicas. Dessa forma, espera-se de
futuros textos que possam ir além
dos limites trabalhados aqui. E que
a diversidade não só religiosa, mas
todo tipo de diferença. Esses e outros
temas serão desenvolvidos nas próximas partes deste compêndio.
Que ideias floresçam e uma primavera do ER baseado na Ciência da Re-
ligião possa cultivar a justiça religiosa e
uma laicidade respeitosa na educação!
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IV
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Religioso.....
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Religioso
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III
ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA
Admissáo e habilitação de professor e professora
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""""""""""""277
"""""""""""'286
lbrmação acadêmica do Ensino Religioso nas instituições de ensino
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Péricles Morais de Andrade lúnior
I;.rmaçâo continuada dos professores
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A pesquisa
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metodologia no Ensino
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e professoras de Ensino Religioso
Religioso
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