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Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Teologia

O presente trabalho realizado na unidade curricular de Estética e Teologia é uma breve abordagem explicada da pintura "O Chamamento de São Mateus" de Caravaggio.

Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Teologia Mestrado Integrado em Teologia (1º Grau Canónico) José Joaquim Mendes da Costa Ensaio a favor de: Uma leitura teológica da obra “A Vocação de São Mateus” de Michelangelo Merisi de Caravaggio Trabalho realizado no âmbito da Unidade Curricular de Estética e Teologia (1º Módulo) leccionada pelo Prof. Doutor António Pedro Boto de Oliveira. Lisboa 2013 Índice Introdução .................................................................................................................. 3 1. Contexto histórico e artístico ................................................................................. 4 2. Michelangelo Merisi de Caravaggio ...................................................................... 5 2.1. Breves apontamentos Biográficos .................................................................. 5 2.2. Características da sua obra.............................................................................. 6 3. A vocação de Mateus ............................................................................................. 7 Conclusão ................................................................................................................ 14 Bibliografia .............................................................................................................. 15 Fontes iconográficas ............................................................................................ 15 Obras sobre o autor .............................................................................................. 15 Obras de Interesse ................................................................................................ 15 Documentos Online: ............................................................................................ 15 2 Introdução No âmbito da Unidade Curricular de Estética e Teologia, Módulo 1 (Estética e Arte), propus-me realizar uma leitura de Imagem. A escolha de uma obra como objeto de trabalho foi marcada por incertezas. São tantos os artistas que de forma exímia deram cor aos mistérios de Cristo. Assim, tive em mente vários autores: Miguel Ângelo, Rafael, Tintureto, Rembrant, Rubens, Rouault… Inicialmente pretendia fazer a leitura da obra “Lamentação sobre Cristo morto” de Tintureto, porém, sob perigo de tecer uma leitura demasiado especulativa e sem fundamentos optei pela obra “A vocação de São Mateus” de Caravaggio, da qual já tínhamos feito uma leitura sucinta em sala de aula e da qual existiam alguns trabalhos realizados. Nomeadamente, adoptei como obra fundamenta o estudo realizado por Eduardo Camino intitulado “Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio”, que serviu de matriz para o trabalho. O método utilizado consistiu na observação da obra de Caravaggio, na leitura e análise de monografias e artigos sobre o autor e sobre a referida obra, bem como a consequente síntese que procurei apresentar de forma organizada e sistemática. Num primeiro momento tratei do contexto histórico e artístico em que se insere o autor, de forma a enquadrar a sua produção artística. Num segundo e terceiro pontos apresentei alguns dados biográficas e algumas características da obra de Caravaggio. Com estes capítulos procurei realizar a “moldura” onde introduzi a leitura teológica da obra. Finalmente, empreendi esforços no sentido de realizar a pretendida leitura de imagem. Neste último ponto incluí, para além de uma resenha histórica sobre a obra, o tema principal, os subtemas e a importância das cores (tendo em consideração o uso da luz). Com este trabalho pretendo apresentar uma breve leitura teológica da obra “A vocação de São Mateus” de Caravaggio. 3 1. Contexto histórico e artístico Quando o renascimento na sua estética de beleza pura e racional fazia-se notar uma certa tendência que valorizava o inconsciente e o sonho, matizado pelos traços e cores do maneirismo, alongando os corpos, utilizando cores insólitas e criando formas “estranhas” arroteava-se caminho em direção ao Barroco.1 Para enquadramos o Estilo Barroco, em que se insere Caravaggio, precisamos de compreender a ambiência cultural que o rodeia. O Barroco brota em grande parte da Contrarreforma (ou Reforma Católica) do século XVI, atingindo a sua maturidade no século XVII e prolongando-se pelo século XVIII sobre o nome de Rococó. A Reforma Protestante, que declaradamente pretendia destituir o uso das imagens, acabou por provocar um a “explosão iconoclasta”2 que coloriu como uma “primavera artística” o século XVII.3 Diante da valorização de uma relação mais “teórica” do “sola scriptura” da Reforma Protestante, a Igreja Católica dá expressão à plasticidade dos mistérios da fé. Para combater a austeridade do diálogo com Deus do mundo protestante, o Concílio de Trento (1543-1563) inscreve a Bíblia com o cinzel nas catedrais e nas esculturas e com o pincel dá luz aos mistérios de Cristo. Contrapondo-se ao fechamento Bíblico o pêndulo do catolicismo caminha na direção oposta (convenhamos que desta tendência apesar de favorável à arte, foi em certos momentos perniciosa para a teologia e para o estudo bíblico). A arte tende a apresentar-se como um espetáculo, as catedrais são verdadeiros palcos artísticos onde dançam as verdades da fé. Tudo concorre para o “show”, a arquitetura, a escultura, a pintura, a música, a retórica… todo o cenário se transfigura e remete o crente para o transcendente. Eis o tempo em que os “braços da Igreja” se materializam nas colunatas de Bernini e o mundo da música assiste ao nascimento de um dos seus maiores génios – Bach. Neste ambiente de transformação, ou melhor de transição, entre o Renascimento (considerando também o maneirismo) e o Barroco insere-se Caravaggio.4 1 Cf. UPJOHN, Everard M. and WINGERT, Paul S. - História mundial da arte: Do Barroco ao Romantismo. 6ª Edição. Lisboa: Livraria Bertrand. Vol. 4. 1966. p. 8. 2 PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999. p. 226. 3 Cf. Ibidem. 4 Cf. UPJOHN, Everard M. and WINGERT, Paul S. - História mundial da arte: Do Barroco ao Romantismo. 6ª Edição. Lisboa: Livraria Bertrand. Vol. 4. 1966. pp. 10-14. 4 2. Michelangelo Merisi de Caravaggio 2.1. Breves apontamentos Biográficos5 Michelangelo Merisi de Caravaggio nasceu a 28 de Setembro de 1571 em Milão, filho de Fermo Merisi, arquiteto-decorador do Marquês de Caravaggio e de Lucia Aratoni, filha de grandes proprietários. Em 1576, com o despoletar de uma praga em Milão a família mudou-se para Caravaggio (nome que passou a designar Michelangelo Merisi). Em 1584, frequentou por quatro anos a escola de artes de Simone Peterzano discípulo de Ticiano. No ano de 1592, partiu para Roma onde realizou as suas primeiras obras ao serviço do Papa Clemente VIII: “Um menino a pegar numa peça de fruta”; “Menino com uma cesta de frutas” e “O Jovem Baco doente”. O auge da sua carreira ocorreu no princípio do século XVII quando decorou as paredes da Capela Contarelli com três obras alusivas a São Mateus: “A Vocação de São Mateus”; “O Martírio de São Mateus” e “A Inspiração de São Mateus” (inicialmente seria a obra “São Mateus e o Anjo”, porém, dada a rudez das personagens foi pedido a Caravaggio que realiza-se uma outra obra que tomou o referido nome). A sua vida foi muito tumultuosa, facilmente se envolvia em rixas e desacatos, em 1606 teria mesmo morto um jovem, sendo por isso forçado a abandonar Roma. O seu mau carácter granjeou-lhe inúmeros inimigos pelas cidades por onde passou: Roma, Nápoles, Malta e Sicília. Caravaggio chegou mesmo a representar o seu arrependimento nas duas obras sobre “David com a cabeça de Golias”, nas quais representou o seu rosto na cabeça de Golias. Acabou por morrer em Porto Ercole a 18 de julho de 1610. Dada a sua má reputação, alguns estudiosos adiantam a possibilidade de ter sido assassinado, nomeadamente de envenenamento por chumbo, como confirmam os restos mortais encontrados em 2010 no local onde terá morrido. Não obstante a esta possibilidade o que sabemos ao certo é que o artista teve uma morte precoce (falecendo com apenas 38 anos) legando à humanidade um património artístico de grande valor. Para além das mencionadas obras artísticas encontramos no seu “espólio” outras obras de grande relevo: “A morte da virgem” (obra muito polémica dado que a modelo utilizada para representara virgem fora uma prostituta encontrada nas margens do Tibre, morta por afogamento); “As 5 SILVA, Bruno - Caravaggio. Florença: E-ducation. it. 2007; CARAVAGGIO In http://pt.wikipedia.org/wiki/Caravaggio;CARAVAGGIO In http://en.wikipedia.org/wiki/Caravaggio. 5 sete obras de misericórdia”; “Ressurreição de Lázaro”; “Deposição”; “A ceia de Emaús” (2); “Conversão de São Paulo” e o “Martírio de São Pedro”. 2.2. Características da sua obra Segundo Plazola podemos distinguir na Pintura Barroca duas tendências: Idealismo e Naturalismo. Caravaggio insere-se nesta última tendência, transparecendo na sua obra um naturalismo tenebrista.6 A sua forma de pintar foi inovadora, Caravaggio tomava como modelos figuras simples do quotidiano: comerciantes, prostitutas, marinheiros, todo um conjunto de pessoas, que não sendo de ascendência nobre, eram tomadas como protótipos para representar a profunda simbologia dos seus quadros. Podemos mesmo dizer que Caravaggio conseguiu conciliar a arte com o ministério de Jesus, que teria acontecido entre pescadores, camponeses e prostitutas que na sua humilde condição de pecadores se transformaram pelo encontro com Cristo.7 Outra das características da sua pintura é o impacto realista provocado pela luz que agrupada em focos de intensidade que dão realce à cena, aos personagens e objetos. Este jogo de luzes e sombras, este efeito de iluminação obteve a designação de tenebrismo. Este termo provém do latim tenebra – treva. Pela utilização de um fundo negro o artista utiliza a luz para aumentar a sensação de realismo, pondo em evidência as expressões faciais, a musculatura que assume contornos escultóricos e o movimento da cena.8 Esta forma artística acabou por influenciar autores como Rubens, Velázquez, Rembrant e Zurbarán.9 Contrapondo o maneirismo, Caravaggio apresenta-nos um estilo de pintura natural e direta, tonificado pela realidade quotidiana e alheio a um lirismo hipócrita. 6 Cf. PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999. pp. 226-231. 7 Cf. Idem. P. 227. 8 CARAVAGGIO In http://pt.wikipedia.org/wiki/Caravaggio. 9 Cf. PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999. P. 228 6 3. A vocação de Mateus Figura 1 A obra “A vocação de São Mateus” insere-se numa trilogia que decora a Capela Contarelli na Igreja de São Luís dos Franceses, a esta obra juntam-se: “O Martírio de São Mateus” e “A Inspiração de São Mateus”. Tudo começou quando o Cardeal Mateo Contarelli comprou, em 1565, a quinta capela da ala esquerda da Igreja de São Luís dos Franceses, capela que adotou o seu nome. Querendo honrar o santo que lhe deu o nome, o cardeal estipulou no seu testamento que a capela deveria ser decorada com episódios da vida de São Mateus, seu homónimo. Depois da morte do referido cardeal (em 1585), o executor do seu testamento, Virgílio Crescenzi encarregou o pintor Girolamo Muziano de realizar tal feito. No entanto, os anos passavam e a obra não avançava, assim, em 1591 transfere a obra para a responsabilidade de Caballero de Arpino, então mestre de Caravaggio. Todavia, os trabalhos continuam a avançar morosamente e o clero impacienta-se diante da eminência do Ano Santo de 1600 e 7 faz pressão junto de Clemente VIII para que Arpino seja substituído por Caravaggio. Assim acontece em 1599, quando o nosso artista fica encarregue de realizar os quadros laterais sobre a vocação e o martírio de São Mateus, obras que conclui em dezembro de 1600.10 Mais tarde ser-lhe-á pedido também a realização da obra “São Mateus e o anjo”11 que foi recusada e substituída pela “Inspiração de São Mateus”. Como é perceptível o tema da obra é sem margem de dúvida a “Vocação de São Mateus”. Esta é a imagem central que o autor nos pretende comunicar partindo do trecho bíblico de Mt 9, 9: “Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o.”. Bem como dos seus paralelos Mc 2, 14 e Lc 5, 27. A temática implícita a este episódio é a vocação, isto é, o chamamento. Jesus, o mestre, toma a iniciativa à qual Mateus responde mudando radicalmente o rumo da sua existência. Apesar de tomar como fundamento o texto bíblico a obra de Caravaggio trilha o seu próprio caminho. Porque é que Pedro aparece em cena se os Evangelhos não o narram? Como explicar a diferença de roupagem entre as vestes de Jesus e de Pedro, das demais personagens? A obra assume a sua própria dramaticidade e plasticidade conciliando a preocupação evangélica com a preocupação pastoral. Concomitantemente a obra exprime a realidade e o simbolismo de cada gesto, da luz que penetre na casa e do semblante das personagens. Uma verdadeira obra teológica que põe em relevo vocação e riqueza, Deus e os ricos, numa obra não só realista mas sobretudo expressiva.12 Procuremos agora analisar cada uma das partes da pintura, cada uma das personagens ou subtemas. Figura 2 10 Cf. CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones Rialp. 2007. Pp. 56-60. 11 Esta obra acabou por ser destruída no Bombardeamento de Dresden(1945). Resta-nos apenas uma fotografia a preto e branco que testemunha a existência da obra. Ver: Art Web Gallery: http://www.wga.hu/support/viewer/z.html. 12 Cf. CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones Rialp. 2007. Pp. 18-23. 8 Comecemos pela figura de Jesus. Ele é o único personagem que aparece com uma auréola, evidenciando a sua condição de filho de Deus que se torna presente, que desce às trevas para a todos iluminar. De facto, se repararmos bem Ele não é alvo da luz que reflete na cálida Figura 3 parede, no entanto d’Ele brota a luz como se sobre Ele insidisse. Sendo filho de Deus fazse filho do homem. (Ver fig. 2) Atentemos na sua mão direita que esta a apontar para aquele que é chamado. Certamente temos presente o fresco da criação do homem realizada por Miguel Ângelo na Capela Cistina, eis a posição da mão Adão ao ser criado por Deus e que aqui nos aparece representada por Caravaggio.(Fig. 3) Jesus assume aqui a sua humanidade, porém, Ele é o “novo Adão” o fruto da nova criação que brota da redenção. Jesus é quem chama Mateus por isso estende o seu olhar para ele.(Fig. 2) A vocação é em primeiro lugar encontro, que se estabelece pela troca de olhares, um olhar expressivo que fala por si. Se atentarmos bem nos pés surpreendentemente percebemos que ele está de saída ao contrário de Pedro que está a entrar. (Fig 4) Que significa tal posição? O mestre já sabe a resposta do discípuloàs suas palavras insinuadas pelos seus lábios entreabertos. Ele não tem tempo a perder, pois não é deste mundo, a sua missão deve continuar, não quer perder nem um segundo. Vejamos também a sua mão esquerda. Curiosamente está estendida para o espetador que vê o quadro. Porquê? Mas o chamamento não é dirigido a Mateus? Porque é que a sua mão se estende para nós? Será que também nós somos chamados? Assim parece mostrar a sua mão estendida para cada um de nós tal como Mateus também nós somos chamados.13 Atentemos agora na figura de Pedro. Desde já é preciso considerar que esta figura foi Figura 4 uma adição posterior , como vieram a comprovar os raios-X feitos à pintura. Porque é que o autor só o inseriu posteriormente? Ter-se-ia esquecido Caravaggio de pintar tal figura? A 13 Cf. Idem. Pp. 29-49. 9 introdução de Pedro no quadro, aparece-nos como uma resposta aos problemas da Igreja da época. Estamos nos alvores do Galicanismo francês, com a introdução de Pedro nesta imagem pretende-se conferir à pintura uma tonalidade eclesiológica. Para chegarmos a Cristo precisamos de passar por Pedro, isto é, precisamos de passar pela Igreja. Também Pedro toma parte no chamameto que Cristo faz, atentemos no seu olhar e na sua mão direita que apontam para Mateus. (Fig. 4) A cabeça de Pedro atravessa o braço de Jesus a direção da Igreja é o seguimento do caminho apontado por Cristo. Nestas duas personagens encontramos a Igreja visível e invisível, Pedro e Jesus, respetivamente. De facto, Pedro cobre quase na totalidade a figura de Jesus, só por Pedro podemos conhecer Aquele que se encontra por tràs dele, o seu verdadeiro fundamento, Jesus Cristo.(Fig. 4) Talvez por isso Pedro não seja representado com auréola, para evidenciar a figura do mestre. Por fim um último detalhe Pedro aparece representado com um bastão. Ele é o pastor da Igreja que conduz a Igreja, eis o ceptro do seu poder – a vara que conduz o rebanho.14 Entre estas duas figuras a saber, Jesus e Pedro, e as retantes parece existir um espaço que divide a cena, um abismo de escuridão que separa uns de outros.(Fig. 1) Com efeito, se atentarmos nos dois grupos depreenderemos que Jesus e Pedro nos aparecem como figurasextemporaneas. Diante daquele grupo de pessoas vestidas com os melhores tecidos do século XVII as duas personagens parecem desenquadradas, roupas simples com tecidos de uma só cor, descalços e com as cabeças descobertas. Jesus vindo do século I aparece num cenário do século XVII e ali chama Mateus. Atentemos agora no segundo grupo. Atentemos na figura de Mateus, consideremos a versão mas unânime que apresenta Mateus como a personagens colocada ao centro deste grupo.15 Acerca da pessoa de Mateus pouco sabemos. Antes de se juntar a Jesus era chamado Levi e o seu Pai era Alfeu, a sua profissão era cobrador de Impostos. Figura 5 Sabemos bem que estando a Palestina sobre o domínio do Império Romano existiam tributos que tinham de ser pagos ao imperador e que eram recolhidos por cobradores como era o caso de Mateus. 14 Cf. Idem. Pp. 50-77. Poder-se-iam assumir outras posições, por exemplo o Prof. Levantou a Hipótese de Mateus ser o jovem do lado esquerdo que está sentado a contar o dinheiro, sendo essa a profissão de Mateus que o Evangelho nos apresenta. 15 10 Ao olharmos para Mateus percebemos que ele é o único que se dispõe ao encontro com Jesus ele é o único que olha diretamente para Jesus.(Fig. 5) Sendo assim, o que significa a expressão da sua mão esquerda?(Fig. 6) Estará ele a duvidar? Como se estivesse a perguntar: “quem eu?”. A sua resposta parece não ser tão imediata como nos é apresentada no Evangelho. Parece dividido se por um lado, olha para o mestre com o intuito de o seguir, por outro a sua mão direita não larga o dinheiro.16 Olhemos agora para o jovem que se encontra do lado esquerdo de Mateus, um jovem esbelto que descentra o seu olhar do dinheiro, para focar a sua atenção naquele que entra. Há algum interesse da parte do jovem? Esta figura é identificada com o “jovem rico” de Figura 6 que nos fala o Evangelho, de facto, a forma como se veste e apresenta denota a sua estirpe social. Ele interessa-se por Jesus porém, estará ele disposto a deixar tudo para trás e a seguir Cristo?(Fig. 7) Esta é a grande interpelação que o quadro nos sugere, mas à qual nos já sabemos a resposta.17 Do oposto lado encontramos Figura 7 duas figuras demasiado concentradas na contagem do dinheiro, normalmente identificados como cambistas tão necessários numa cultura onde circulavam vários tipos de moedas.(Fig. 8) Ambos quer o jovem quer o idoso representam o materialismo do mundo que aprisiona o homem e que o impede de elevar o seu olhar para Cristo. Nenhum dos dois olha para Jesus, parecem alheios ao chamamento. O Idoso agarrado aos óculos certifica-se da integridade do Figura 8 16 Cf. CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones Rialp. 2007. Pp. 98-117. 17 Cf. Idem. Pp. 79-96. 11 cambio que se está a realizar, por sua vez, o mais jovem, conta o dinheiro com a mão direita e com a esquerda segura avidamente um saco de moedas. Estas personagens são associadas por Eduardo Camino como o agnóstico teórico e o agnóstico prático que agarrados às realidades teluricas nada tem que ver com Cristo.18 Finalmente atentemos na figura que está sentada de costas para os espetadores. (Fig. 9) Chamado de admninistrador, de facto, diante dele estão os registos e um saco provavelmente de moedas, poderá aparecer aqui como o amanuense que regista os cambios, os pagamentos de impostos… Ele é imagem da força bélica que se opõe ao reinado de Cristo. A sua atitude é de defesa vejamos como dirige a sua mão esquerda para a espada. Esta personagem é o único elemento armado, que parece mostrar resistência, ao contrário das personagens da esquerda, que não querem saber o que se está a passar, este reage defensivamente à entrada de Cristo naquele espaço.19 Por fim atentemos na Figura 9 disposição das cores no colorido que invade a cena. Como mencionei nota-se uma dicotomia entre os dois grupos de pessoas. Jesus e Pedro apresentam-se de forma sóbria, austera, descalços, com tecidos de cores lisas e suaves. (Fig. 10) Por outro lado, o outro grupo está matizado pela exuberância de cores, de formas, as riscas coloridas, os trages sofisticados do século XVII, os chapeus com plumas, a espada (num deles), o calçado… (Fig. 11) Figura 10 18 19 Cf. Idem. Pp. 118-135. Cf. Idem. Pp. 136-156. 12 Encontramos ainda um cenário de fundo muito interpeletivo. Pelo efeito do tenebrismo, próprio de Caravaggio, a luz assume um significado especial. Com efeito, um feixe de luz penetra a sala aparentemente ermeticamente fechada, vinda provavelmente de uma janela colocada acima da cabeça de Cristo – “a luz do mundo”, e que divide a cena em duas partes: uma iluminada outra não. Apesar de Cristo não estar ilumindao Jesus Figura 11 parece adquirir um reflexo luminoso próprio, Ele é aquele que brilha nas trevas. Quanto à janela colocada em cena esta parece não emitir qualquer luz. Qual o significado dessa ausência? Será porque a Luz – Cristo - já se encontra dentro da casa? Porque é que uma janela com a portada aberta, aparentemente de forma intencional, não emite luz?(Fig. 1) 13 Conclusão Caravaggio impele-nos para um contacto com o divino, ao atentar nos seus temas religiosos o crente é convidado a mergulhar na cena, a tomar parte do episódio. Num tom anacrónico, como acontece na “Vocação de São Mateus”, Caravaggio retrata o ministério de Cristo como algo de profundamente atual, que acontece todos os dias mais do que nós imaginamos. O realismo da sua obra impele-nos a procurar nas expressões, nas cores, nos objetos o intuito não só do autor, mas do próprio Evangelho. Reassumindo novas perspetivas o pincel de Caravaggio inscreve nos seus quadros uma verdadeira exegese da escritura. 14 Bibliografia Fontes iconográficas  CARAVAGGIO In Art Web Gallery: http://www.wga.hu/index1.html 14/12/2012. Obras sobre o autor  SILVA, Bruno - Caravaggio. Florença: E-ducation. it. 2007. Obras de Interesse     CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones Rialp. 2007; JOVER, Manuel - Cristo na Arte. Carnaxide: Difel. 1994; PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999. pp. 226-231; UPJOHN, Everard M. e WINGERT, Paul S. - História mundial da arte: Do Barroco ao Romantismo. 6ª Edição. Lisboa: Livraria Bertrand. Vol. 4. 1966.  pp. 9-35; WACKERNAGEL, Martin - Barroco e Rococó. Lisboa: Editorial Verbo. 1969. Documentos Online:    http://pt.wikipedia.org/wiki/Invoca%C3%A7%C3%A3o_de_S%C3%A3o_ Mateus 14/12/2012. http://pt.wikipedia.org/wiki/Caravaggio 14/12/2012 http://en.wikipedia.org/wiki/Caravaggio 14/12/2012; 15