Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Teologia
Mestrado Integrado em Teologia (1º Grau Canónico)
José Joaquim Mendes da Costa
Ensaio a favor de:
Uma leitura teológica da obra “A
Vocação de São Mateus” de
Michelangelo
Merisi
de
Caravaggio
Trabalho realizado no âmbito da
Unidade Curricular de Estética e
Teologia (1º Módulo) leccionada
pelo Prof. Doutor António Pedro
Boto de Oliveira.
Lisboa
2013
Índice
Introdução .................................................................................................................. 3
1. Contexto histórico e artístico ................................................................................. 4
2. Michelangelo Merisi de Caravaggio ...................................................................... 5
2.1. Breves apontamentos Biográficos .................................................................. 5
2.2. Características da sua obra.............................................................................. 6
3. A vocação de Mateus ............................................................................................. 7
Conclusão ................................................................................................................ 14
Bibliografia .............................................................................................................. 15
Fontes iconográficas ............................................................................................ 15
Obras sobre o autor .............................................................................................. 15
Obras de Interesse ................................................................................................ 15
Documentos Online: ............................................................................................ 15
2
Introdução
No âmbito da Unidade Curricular de Estética e Teologia, Módulo 1 (Estética e
Arte), propus-me realizar uma leitura de Imagem.
A escolha de uma obra como objeto de trabalho foi marcada por incertezas. São
tantos os artistas que de forma exímia deram cor aos mistérios de Cristo. Assim, tive em
mente vários autores: Miguel Ângelo, Rafael, Tintureto, Rembrant, Rubens, Rouault…
Inicialmente pretendia fazer a leitura da obra “Lamentação sobre Cristo morto” de
Tintureto, porém, sob perigo de tecer uma leitura demasiado especulativa e sem
fundamentos optei pela obra “A vocação de São Mateus” de Caravaggio, da qual já
tínhamos feito uma leitura sucinta em sala de aula e da qual existiam alguns trabalhos
realizados. Nomeadamente, adoptei como obra fundamenta o estudo realizado por Eduardo
Camino intitulado “Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio”, que serviu
de matriz para o trabalho.
O método utilizado consistiu na observação da obra de Caravaggio, na leitura e
análise de monografias e artigos sobre o autor e sobre a referida obra, bem como a
consequente síntese que procurei apresentar de forma organizada e sistemática.
Num primeiro momento tratei do contexto histórico e artístico em que se insere o
autor, de forma a enquadrar a sua produção artística. Num segundo e terceiro pontos
apresentei alguns dados biográficas e algumas características da obra de Caravaggio.
Com estes capítulos procurei realizar a “moldura” onde introduzi a leitura teológica
da obra.
Finalmente, empreendi esforços no sentido de realizar a pretendida leitura de
imagem. Neste último ponto incluí, para além de uma resenha histórica sobre a obra, o
tema principal, os subtemas e a importância das cores (tendo em consideração o uso da
luz).
Com este trabalho pretendo apresentar uma breve leitura teológica da obra “A
vocação de São Mateus” de Caravaggio.
3
1. Contexto histórico e artístico
Quando o renascimento na sua estética de beleza pura e racional fazia-se notar uma
certa tendência que valorizava o inconsciente e o sonho, matizado pelos traços e cores do
maneirismo, alongando os corpos, utilizando cores insólitas e criando formas “estranhas”
arroteava-se caminho em direção ao Barroco.1
Para enquadramos o Estilo Barroco, em que se insere Caravaggio, precisamos de
compreender a ambiência cultural que o rodeia. O Barroco brota em grande parte da
Contrarreforma (ou Reforma Católica) do século XVI, atingindo a sua maturidade no
século XVII e prolongando-se pelo século XVIII sobre o nome de Rococó. A Reforma
Protestante, que declaradamente pretendia destituir o uso das imagens, acabou por
provocar um a “explosão iconoclasta”2 que coloriu como uma “primavera artística” o
século XVII.3
Diante da valorização de uma relação mais “teórica” do “sola scriptura” da
Reforma Protestante, a Igreja Católica dá expressão à plasticidade dos mistérios da fé. Para
combater a austeridade do diálogo com Deus do mundo protestante, o Concílio de Trento
(1543-1563) inscreve a Bíblia com o cinzel nas catedrais e nas esculturas e com o pincel dá
luz aos mistérios de Cristo. Contrapondo-se ao fechamento Bíblico o pêndulo do
catolicismo caminha na direção oposta (convenhamos que desta tendência apesar de
favorável à arte, foi em certos momentos perniciosa para a teologia e para o estudo
bíblico). A arte tende a apresentar-se como um espetáculo, as catedrais são verdadeiros
palcos artísticos onde dançam as verdades da fé. Tudo concorre para o “show”, a
arquitetura, a escultura, a pintura, a música, a retórica… todo o cenário se transfigura e
remete o crente para o transcendente. Eis o tempo em que os “braços da Igreja” se
materializam nas colunatas de Bernini e o mundo da música assiste ao nascimento de um
dos seus maiores génios – Bach. Neste ambiente de transformação, ou melhor de transição,
entre o Renascimento (considerando também o maneirismo) e o Barroco insere-se
Caravaggio.4
1
Cf. UPJOHN, Everard M. and WINGERT, Paul S. - História mundial da arte: Do Barroco ao Romantismo.
6ª Edição. Lisboa: Livraria Bertrand. Vol. 4. 1966. p. 8.
2
PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999. p.
226.
3
Cf. Ibidem.
4
Cf. UPJOHN, Everard M. and WINGERT, Paul S. - História mundial da arte: Do Barroco ao Romantismo.
6ª Edição. Lisboa: Livraria Bertrand. Vol. 4. 1966. pp. 10-14.
4
2. Michelangelo Merisi de Caravaggio
2.1. Breves apontamentos Biográficos5
Michelangelo Merisi de Caravaggio nasceu a 28 de Setembro de 1571 em Milão,
filho de Fermo Merisi, arquiteto-decorador do Marquês de Caravaggio e de Lucia Aratoni,
filha de grandes proprietários. Em 1576, com o despoletar de uma praga em Milão a
família mudou-se para Caravaggio (nome que passou a designar Michelangelo Merisi). Em
1584, frequentou por quatro anos a escola de artes de Simone Peterzano discípulo de
Ticiano.
No ano de 1592, partiu para Roma onde realizou as suas primeiras obras ao serviço
do Papa Clemente VIII: “Um menino a pegar numa peça de fruta”; “Menino com uma
cesta de frutas” e “O Jovem Baco doente”. O auge da sua carreira ocorreu no princípio do
século XVII quando decorou as paredes da Capela Contarelli com três obras alusivas a São
Mateus: “A Vocação de São Mateus”; “O Martírio de São Mateus” e “A Inspiração de
São Mateus” (inicialmente seria a obra “São Mateus e o Anjo”, porém, dada a rudez das
personagens foi pedido a Caravaggio que realiza-se uma outra obra que tomou o referido
nome).
A sua vida foi muito tumultuosa, facilmente se envolvia em rixas e desacatos, em
1606 teria mesmo morto um jovem, sendo por isso forçado a abandonar Roma. O seu mau
carácter granjeou-lhe inúmeros inimigos pelas cidades por onde passou: Roma, Nápoles,
Malta e Sicília. Caravaggio chegou mesmo a representar o seu arrependimento nas duas
obras sobre “David com a cabeça de Golias”, nas quais representou o seu rosto na cabeça
de Golias.
Acabou por morrer em Porto Ercole a 18 de julho de 1610. Dada a sua má
reputação, alguns estudiosos adiantam a possibilidade de ter sido assassinado,
nomeadamente de envenenamento por chumbo, como confirmam os restos mortais
encontrados em 2010 no local onde terá morrido. Não obstante a esta possibilidade o que
sabemos ao certo é que o artista teve uma morte precoce (falecendo com apenas 38 anos)
legando à humanidade um património artístico de grande valor. Para além das
mencionadas obras artísticas encontramos no seu “espólio” outras obras de grande relevo:
“A morte da virgem” (obra muito polémica dado que a modelo utilizada para representara
virgem fora uma prostituta encontrada nas margens do Tibre, morta por afogamento); “As
5
SILVA, Bruno - Caravaggio. Florença: E-ducation. it. 2007; CARAVAGGIO In
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caravaggio;CARAVAGGIO In http://en.wikipedia.org/wiki/Caravaggio.
5
sete obras de misericórdia”; “Ressurreição de Lázaro”; “Deposição”; “A ceia de
Emaús” (2); “Conversão de São Paulo” e o “Martírio de São Pedro”.
2.2. Características da sua obra
Segundo Plazola podemos distinguir na Pintura Barroca duas tendências: Idealismo
e Naturalismo. Caravaggio insere-se nesta última tendência, transparecendo na sua obra
um naturalismo tenebrista.6
A sua forma de pintar foi inovadora, Caravaggio tomava como modelos figuras
simples do quotidiano: comerciantes, prostitutas, marinheiros, todo um conjunto de
pessoas, que não sendo de ascendência nobre, eram tomadas como protótipos para
representar a profunda simbologia dos seus quadros. Podemos mesmo dizer que
Caravaggio conseguiu conciliar a arte com o ministério de Jesus, que teria acontecido entre
pescadores, camponeses e prostitutas que na sua humilde condição de pecadores se
transformaram pelo encontro com Cristo.7
Outra das características da sua pintura é o impacto realista provocado pela luz que
agrupada em focos de intensidade que dão realce à cena, aos personagens e objetos. Este
jogo de luzes e sombras, este efeito de iluminação obteve a designação de tenebrismo. Este
termo provém do latim tenebra – treva. Pela utilização de um fundo negro o artista utiliza a
luz para aumentar a sensação de realismo, pondo em evidência as expressões faciais, a
musculatura que assume contornos escultóricos e o movimento da cena.8 Esta forma
artística acabou por influenciar autores como Rubens, Velázquez, Rembrant e Zurbarán.9
Contrapondo o maneirismo, Caravaggio apresenta-nos um estilo de pintura natural
e direta, tonificado pela realidade quotidiana e alheio a um lirismo hipócrita.
6
Cf. PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999.
pp. 226-231.
7
Cf. Idem. P. 227.
8
CARAVAGGIO In http://pt.wikipedia.org/wiki/Caravaggio.
9
Cf. PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos (BAC). 1999.
P. 228
6
3. A vocação de Mateus
Figura 1
A obra “A vocação de São Mateus” insere-se numa trilogia que decora a Capela
Contarelli na Igreja de São Luís dos Franceses, a esta obra juntam-se: “O Martírio de São
Mateus” e “A Inspiração de São Mateus”.
Tudo começou quando o Cardeal Mateo Contarelli comprou, em 1565, a quinta
capela da ala esquerda da Igreja de São Luís dos Franceses, capela que adotou o seu nome.
Querendo honrar o santo que lhe deu o nome, o cardeal estipulou no seu testamento que a
capela deveria ser decorada com episódios da vida de São Mateus, seu homónimo. Depois
da morte do referido cardeal (em 1585), o executor do seu testamento, Virgílio Crescenzi
encarregou o pintor Girolamo Muziano de realizar tal feito. No entanto, os anos passavam
e a obra não avançava, assim, em 1591 transfere a obra para a responsabilidade de
Caballero de Arpino, então mestre de Caravaggio. Todavia, os trabalhos continuam a
avançar morosamente e o clero impacienta-se diante da eminência do Ano Santo de 1600 e
7
faz pressão junto de Clemente VIII para que Arpino seja substituído por Caravaggio.
Assim acontece em 1599, quando o nosso artista fica encarregue de realizar os quadros
laterais sobre a vocação e o martírio de São Mateus, obras que conclui em dezembro de
1600.10 Mais tarde ser-lhe-á pedido também a realização da obra “São Mateus e o anjo”11
que foi recusada e substituída pela “Inspiração de São Mateus”.
Como é perceptível o tema da obra é sem margem de dúvida a “Vocação de São
Mateus”. Esta é a imagem central que o autor nos pretende comunicar partindo do trecho
bíblico de Mt 9, 9: “Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no
posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o.”. Bem como
dos seus paralelos Mc 2, 14 e Lc 5, 27. A temática implícita a este episódio é a vocação,
isto é, o chamamento. Jesus, o mestre, toma a iniciativa à qual Mateus responde mudando
radicalmente o rumo da sua existência.
Apesar de tomar como fundamento o texto bíblico a obra de Caravaggio trilha o seu
próprio caminho. Porque é que Pedro aparece em cena se os Evangelhos não o narram?
Como explicar a diferença de roupagem entre as vestes de Jesus e de Pedro, das demais
personagens? A obra assume a sua própria dramaticidade e plasticidade conciliando a
preocupação evangélica com a preocupação pastoral. Concomitantemente a obra exprime a
realidade e o simbolismo de cada gesto, da luz que penetre na casa e do semblante das
personagens. Uma verdadeira obra teológica que põe em relevo vocação e riqueza, Deus e
os ricos, numa obra não só realista mas sobretudo
expressiva.12
Procuremos agora analisar cada uma das
partes da pintura, cada uma das personagens ou
subtemas.
Figura 2
10
Cf. CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones
Rialp. 2007. Pp. 56-60.
11
Esta obra acabou por ser destruída no Bombardeamento de Dresden(1945). Resta-nos apenas uma
fotografia a preto e branco que testemunha a existência da obra. Ver: Art Web Gallery:
http://www.wga.hu/support/viewer/z.html.
12
Cf. CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones
Rialp. 2007. Pp. 18-23.
8
Comecemos pela figura de Jesus. Ele é o único
personagem que aparece com uma auréola, evidenciando a
sua condição de filho de Deus que se torna presente, que
desce às trevas para a todos iluminar. De facto, se
repararmos bem Ele não é alvo da luz que reflete na cálida
Figura 3
parede, no entanto d’Ele brota a luz como se sobre Ele insidisse. Sendo filho de Deus fazse filho do homem. (Ver fig. 2) Atentemos na sua mão direita que esta a apontar para
aquele que é chamado. Certamente temos presente o fresco da criação do homem realizada
por Miguel Ângelo na Capela Cistina, eis a posição da mão Adão ao ser criado por Deus e
que aqui nos aparece representada por Caravaggio.(Fig. 3) Jesus assume aqui a sua
humanidade, porém, Ele é o “novo Adão” o fruto da nova criação que brota da redenção.
Jesus é quem chama Mateus por isso estende o seu olhar para ele.(Fig. 2) A vocação é em
primeiro lugar encontro, que se estabelece pela troca de olhares, um olhar expressivo que
fala por si. Se atentarmos bem nos pés surpreendentemente percebemos que ele está de
saída ao contrário de Pedro que está a entrar.
(Fig 4) Que significa tal posição? O mestre já
sabe a resposta do discípuloàs suas palavras
insinuadas pelos seus lábios entreabertos. Ele
não tem tempo a perder, pois não é deste
mundo, a sua missão deve continuar, não quer
perder nem um segundo. Vejamos também a
sua mão esquerda. Curiosamente está estendida
para o espetador que vê o quadro. Porquê? Mas
o chamamento não é dirigido a Mateus? Porque
é que a sua mão se estende para nós? Será que
também nós somos chamados? Assim parece
mostrar a sua mão estendida para cada um de
nós tal como Mateus também nós somos
chamados.13
Atentemos agora na figura de Pedro.
Desde já é preciso considerar que esta figura foi
Figura 4
uma adição posterior , como vieram a comprovar os raios-X feitos à pintura. Porque é que
o autor só o inseriu posteriormente? Ter-se-ia esquecido Caravaggio de pintar tal figura? A
13
Cf. Idem. Pp. 29-49.
9
introdução de Pedro no quadro, aparece-nos como uma resposta aos problemas da Igreja da
época. Estamos nos alvores do Galicanismo francês, com a introdução de Pedro nesta
imagem pretende-se conferir à pintura uma tonalidade eclesiológica. Para chegarmos a
Cristo precisamos de passar por Pedro, isto é, precisamos de passar pela Igreja. Também
Pedro toma parte no chamameto que Cristo faz, atentemos no seu olhar e na sua mão
direita que apontam para Mateus. (Fig. 4) A cabeça de Pedro atravessa o braço de Jesus a
direção da Igreja é o seguimento do caminho apontado por Cristo. Nestas duas personagens
encontramos a Igreja visível e invisível, Pedro e Jesus, respetivamente. De facto, Pedro
cobre quase na totalidade a figura de Jesus, só por Pedro podemos conhecer Aquele que se
encontra por tràs dele, o seu verdadeiro fundamento, Jesus Cristo.(Fig. 4) Talvez por isso
Pedro não seja representado com auréola, para evidenciar a figura do mestre. Por fim um
último detalhe Pedro aparece representado com um bastão. Ele é o pastor da Igreja que
conduz a Igreja, eis o ceptro do seu poder – a vara que conduz o rebanho.14
Entre estas duas figuras a saber, Jesus e Pedro, e as retantes parece existir um
espaço que divide a cena, um abismo de escuridão que separa uns de outros.(Fig. 1) Com
efeito, se atentarmos nos dois grupos depreenderemos que Jesus e Pedro nos aparecem
como figurasextemporaneas. Diante daquele grupo de pessoas vestidas com os melhores
tecidos do século XVII as duas personagens parecem desenquadradas, roupas simples com
tecidos de uma só cor, descalços e com as cabeças descobertas.
Jesus vindo do século I aparece num cenário do século XVII e
ali chama Mateus.
Atentemos agora no segundo grupo.
Atentemos na figura de Mateus, consideremos a versão
mas unânime que apresenta Mateus como a personagens
colocada ao centro deste grupo.15 Acerca da pessoa de Mateus
pouco sabemos. Antes de se juntar a Jesus era chamado Levi e o
seu Pai era Alfeu, a sua profissão era cobrador de Impostos.
Figura 5
Sabemos bem que estando a Palestina sobre o domínio do Império Romano existiam
tributos que tinham de ser pagos ao imperador e que eram recolhidos por cobradores como
era o caso de Mateus.
14
Cf. Idem. Pp. 50-77.
Poder-se-iam assumir outras posições, por exemplo o Prof. Levantou a Hipótese de Mateus ser o jovem do
lado esquerdo que está sentado a contar o dinheiro, sendo essa a profissão de Mateus que o Evangelho nos
apresenta.
15
10
Ao olharmos para Mateus percebemos que ele é o único que se dispõe ao encontro
com Jesus ele é o único que olha diretamente para Jesus.(Fig. 5) Sendo assim, o que
significa a expressão da sua mão esquerda?(Fig. 6) Estará
ele a duvidar? Como se estivesse a perguntar: “quem
eu?”. A sua resposta parece não ser tão imediata como
nos é apresentada no Evangelho. Parece dividido se por
um lado, olha para o mestre com o intuito de o seguir, por
outro a sua mão direita não larga o dinheiro.16
Olhemos agora para o jovem que se encontra do
lado esquerdo de Mateus, um jovem esbelto que
descentra o seu olhar do dinheiro, para focar a sua
atenção naquele que entra. Há algum interesse da parte do
jovem? Esta figura é identificada com o “jovem rico” de
Figura 6
que nos fala o Evangelho, de facto, a forma como se
veste e apresenta denota a sua estirpe social. Ele
interessa-se por Jesus porém, estará ele disposto a
deixar tudo para trás e a seguir Cristo?(Fig. 7)
Esta é a grande interpelação que o quadro nos
sugere, mas à qual nos já sabemos a resposta.17
Do
oposto
lado
encontramos
Figura 7
duas
figuras
demasiado
concentradas na contagem do dinheiro, normalmente
identificados como cambistas tão necessários numa
cultura onde circulavam vários tipos de moedas.(Fig. 8)
Ambos quer o jovem quer o idoso representam o
materialismo do mundo que aprisiona o homem e que o
impede de elevar o seu olhar para Cristo. Nenhum dos
dois olha para Jesus, parecem alheios ao chamamento. O
Idoso agarrado aos óculos certifica-se da integridade do
Figura 8
16
Cf. CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de Caravaggio. Madrid: Ediciones
Rialp. 2007. Pp. 98-117.
17
Cf. Idem. Pp. 79-96.
11
cambio que se está a realizar, por sua vez, o mais jovem, conta o dinheiro com a mão
direita e com a esquerda segura avidamente um saco de moedas. Estas personagens são
associadas por Eduardo Camino como o agnóstico teórico e o agnóstico prático que
agarrados às realidades teluricas nada tem que ver com Cristo.18
Finalmente atentemos na figura que está sentada de
costas
para
os
espetadores.
(Fig.
9)
Chamado
de
admninistrador, de facto, diante dele estão os registos e um
saco provavelmente de moedas, poderá aparecer aqui como o
amanuense que regista os cambios, os pagamentos de
impostos… Ele é imagem da força bélica que se opõe ao
reinado de Cristo. A sua atitude é de defesa vejamos como
dirige a sua mão esquerda para a espada. Esta personagem é o
único elemento armado, que parece mostrar resistência, ao
contrário das personagens da esquerda, que não querem saber o
que se está a passar, este reage defensivamente à entrada de
Cristo naquele espaço.19
Por fim atentemos na
Figura 9
disposição das cores no colorido que invade a cena. Como
mencionei nota-se uma dicotomia entre os dois grupos de
pessoas. Jesus e Pedro apresentam-se de forma sóbria,
austera, descalços, com tecidos de cores lisas e suaves. (Fig.
10) Por outro lado, o outro grupo está matizado pela
exuberância de cores, de formas, as riscas coloridas, os
trages sofisticados do século XVII, os chapeus com plumas,
a espada (num deles), o calçado… (Fig. 11)
Figura 10
18
19
Cf. Idem. Pp. 118-135.
Cf. Idem. Pp. 136-156.
12
Encontramos
ainda um cenário de
fundo muito interpeletivo. Pelo efeito do
tenebrismo, próprio de Caravaggio, a luz
assume um significado especial. Com efeito,
um feixe de luz penetra a sala aparentemente
ermeticamente fechada, vinda provavelmente
de uma janela colocada acima da cabeça de
Cristo – “a luz do mundo”, e que divide a cena
em duas partes: uma iluminada outra não.
Apesar de Cristo não estar ilumindao Jesus
Figura 11
parece adquirir um reflexo luminoso próprio, Ele é aquele que brilha nas trevas. Quanto à
janela colocada em cena esta parece não emitir qualquer luz. Qual o significado dessa
ausência? Será porque a Luz – Cristo - já se encontra dentro da casa? Porque é que uma
janela com a portada aberta, aparentemente de forma intencional, não emite luz?(Fig. 1)
13
Conclusão
Caravaggio impele-nos para um contacto com o divino, ao atentar nos seus temas
religiosos o crente é convidado a mergulhar na cena, a tomar parte do episódio. Num tom
anacrónico, como acontece na “Vocação de São Mateus”, Caravaggio retrata o ministério
de Cristo como algo de profundamente atual, que acontece todos os dias mais do que nós
imaginamos.
O realismo da sua obra impele-nos a procurar nas expressões, nas cores, nos objetos
o intuito não só do autor, mas do próprio Evangelho. Reassumindo novas perspetivas o
pincel de Caravaggio inscreve nos seus quadros uma verdadeira exegese da escritura.
14
Bibliografia
Fontes iconográficas
CARAVAGGIO In Art Web Gallery: http://www.wga.hu/index1.html
14/12/2012.
Obras sobre o autor
SILVA, Bruno - Caravaggio. Florença: E-ducation. it. 2007.
Obras de Interesse
CAMINHO, Eduardo - Dios y los ricos. La vocación de S. Mateo de
Caravaggio. Madrid: Ediciones Rialp. 2007;
JOVER, Manuel - Cristo na Arte. Carnaxide: Difel. 1994;
PLAZOLA, Juan - Historia del Arte Cristiano. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos (BAC). 1999. pp. 226-231;
UPJOHN, Everard M. e WINGERT, Paul S. - História mundial da arte: Do
Barroco ao Romantismo. 6ª Edição. Lisboa: Livraria Bertrand. Vol. 4. 1966.
pp. 9-35;
WACKERNAGEL, Martin - Barroco e Rococó. Lisboa: Editorial Verbo.
1969.
Documentos Online:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Invoca%C3%A7%C3%A3o_de_S%C3%A3o_
Mateus 14/12/2012.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caravaggio 14/12/2012
http://en.wikipedia.org/wiki/Caravaggio 14/12/2012;
15