Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 27, n. 2, p. 1015-1049, abr./jun. 2019
Sobre o licenciamento de “sequer” em interrogativas do
português brasileiro
On the licencing of “sequer” in Brazilian Portuguese
interrogatives
Thayse Letícia Ferreira
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, São Paulo / Brasil
tleticiaf@gmail.com
Resumo: Neste texto, investigamos o comportamento do Item de Polaridade Negativa
“sequer” em contexto de interrogação no português brasileiro (PB). Nosso objetivo
com esta pesquisa é descrever a distribuição de “sequer” em tal ambiente e propor
uma semântica para esse item, buscando explicar, sobretudo, o contraste existente
entre sentenças como “ela sequer ligou?” e “*ela sequer ligou ou não?”. Para tanto,
apresentamos algumas das principais propostas para lidar com IPNs encontradas
na literatura, bem como alguns dos problemas que elas enfrentam, para, então, nos
concentrarmos no licenciamento de IPNs em estruturas interrogativas e também no
funcionamento de “sequer” nesse tipo de contexto. Concluímos, com a análise desse
item, que interrogativas polares, de alternativa e de constituinte (wh) são ambientes
propícios para o aparecimento de “sequer”, ao passo que questões de alternativa polar
(A-não-A) bloqueiam sistematicamente a presença desse item. Como explicação para o
comportamento observado, defendemos a hipótese da exaustividade forte elaborada por
Guerzoni e Sharvit (2007) e demonstramos que “sequer” é bloqueado em interrogativas
de alternativa polar como consequência de uma incompatibilidade entre propriedades
do IPN e da estrutura inquisitiva.
Palavras-chave: itens de polaridade negativa; sentenças interrogativas; semântica.
Abstract: In this paper, we investigate the behavior of the negative polarity item
(NPI) “sequer” in interrogative contexts in Brazilian Portuguese (BrP). Our aim with
this inquiry is to describe the distribution of “sequer” in such contexts and to propose
a semantic denotation for this item, searching mainly to explain the contrast between
sentences like “ela sequer ligou?” and “*ela sequer ligou ou não?”. In order to do that,
we first present some of the main proposals found in the literature to deal with NPIs,
then we focus on the licensing of NPIs in interrogative sentences and also on how
eISSN: 2237-2083
DOI: 10.17851/2237-2083.27.2.1015-1049
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“sequer” works in this kind of context. We conclude with the “sequer” analysis that polar
questions, alternative questions and constituent questions are a suitable environment for
the emergence of “sequer”, while polar alternative questions (A-not-A) systematically
block the presence of this item. As an explanation for the observed behavior, we defend
the strong exhaustiveness requirement elaborated by Guerzoni and Sharvit (2007) and
show that “sequer” is blocked in alternative polar questions as a consequence of an
incompatibility between the properties of “sequer” and the inquisitive structure.
Keywords: negative polarity items; questions; semantics.
Recebido em 05 de setembro de 2019
Aceito em 16 de janeiro de 2019
1 Introdução
Itens de Polaridade Negativa (IPNs) e Expressões de Polaridade
Negativa (EPNs)1 são caracterizados, grosso modo, por serem elementos
licenciados em ambientes negativos; ou seja, IPNs e EPNs configuram
um grupo de elementos presentes nas línguas naturais que não podem ser
licenciados em uma sentença afirmativa episódica. Além disso, apenas
uma leitura idiomática está disponível para esses elementos nos contextos
em que podem ocorrer. De acordo com Guerzoni (2004), apesar de muitos
trabalhos considerarem que é um ambiente negativo que prototipicamente
licencia esses itens e expressões, há outros contextos que também
podem habilitar o uso desses elementos, dentre os quais destacam-se as
estruturas interrogativas. As sentenças abaixo, do português brasileiro
(PB), exemplificam essa afirmação.
(1) a. Pedro sequer ligou?
b. Maria levantou um dedo pra ajudar o Pedro?
c. Ela deu a mínima para o que o Pedro falou ou não?
1
A distinção entre IPNs e EPNs diz respeito à sua estrutura: IPNs são elementos
singulares como “sequer”, ao passo que EPNs são estruturas compostas por mais de
um item, sendo formadas, em geral, por um verbo mais um sintagma nominal, que pode
ser indefinido, como em “beber uma gota de álcool”, “ver uma alma viva” e “levantar
um dedo”, ou definido, como em “abrir a boca” e “dar a mínima”.
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Na literatura sobre o tema, assume-se que sentenças interrogativas
com um IPN ou uma EPN permitem três tipos de leitura: (a) uma pergunta
retórica (HAN, 2002); (b) uma pergunta ordinária (GIANNAKIDOU,
2011); e (c) uma pergunta ordinária enviesada (ECKARDT, 2005).
Uma pergunta retórica é entendida, segundo Han (2002), como sendo
uma asserção com polaridade oposta ao que aparentemente está
sendo questionado. Em (1b) temos uma sentença que apresenta essa
propriedade, pois a pergunta não elicia uma informação legítima.
Nesse caso, o falante parece já ter conhecimento de que “Maria não
ajudou o Pedro”, assim, como essa é a proposição relevante contida na
pergunta, temos uma asserção negativa e não uma estrutura interrogativa
que demanda alguma informação. A sentença em (1c) exemplifica
uma pergunta ordinária com uma EPN, posto que o falante solicita a
confirmação de uma informação relacionada à proposição “Maria deu
importância para o que o Pedro falou”. A sentença (1a), por sua vez, pode
ser entendida como uma pergunta ordinária enviesada, uma vez que o
falante solicita uma informação legítima, a respeito de “Pedro ter ligado”,
que está relacionada à pressuposição de que ele não fez algo esperado
pelo falante. O significado dessa sentença pode ser melhor capturado
considerando-se o seguinte cenário: Pedro deveria ajudar o interlocutor
do falante a organizar sua biblioteca, porém, no dia combinado, Pedro não
apareceu. Quando o interlocutor informa que “Pedro não veio para ajudar
a organizar a biblioteca”, o falante pode proferir (1a), questionando,
com alguma surpresa, se “Pedro nem ao menos ligou, para explicar sua
ausência”.
Com base nos exemplos oferecidos, em uma primeira análise,
interrogativas parecem licenciar IPNs e EPNs sem maiores restrições,
com diferentes possibilidades de leitura, mantendo sua interpretação
idiomática. Retomando (1b) como exemplo, sabemos que o falante
não está interessado em questionar o fato de Maria ter literalmente
levantado apenas um dedo para ajudar Pedro, nesse caso, a expressão
“levantar um dedo” é interpretada como “ter feito algo para ajudar”
e a estrutura interrogativa sugere uma asserção negativa e não uma
pergunta. Embora o comportamento de itens e expressões de polaridade
negativa em interrogativas seja bastante sistemático entre as línguas
(cf. GIANNAKIDOU, 2002), quando inserimos esse tipo de elemento
em outros ambientes interrogativos, distintos daquele apresentado nos
exemplos em (1), observamos um comportamento um tanto diferente,
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que impõe ou uma agramaticalidade à sentença ou um estranhamento
pragmático, que leva a uma leitura composicional e não idiomática da
estrutura, conforme seria esperado.
(2) a. *Pedro sequer ligou ou não?
b. #Quem bebeu uma gota de álcool na festa?
c. #Quem viu uma alma penada na rua?
Tendo em vista o contraste observado entre as sentenças
apresentadas em (1) e (2) e a escassez de trabalhos que tratem da
arquitetura e do funcionamento de IPNs e EPNs no português brasileiro,2
nos propomos, neste artigo, a investigar a distribuição do item de
polaridade negativa “sequer” em interrogativas do PB. Especificamente,
pretendemos elaborar o quadro de distribuição de “sequer” em diferentes
tipos de interrogativas e propor uma semântica que capture o significado
básico desse item, buscando, assim, explicar seu licenciamento nos
contextos em que é legitimado. Deve-se destacar que optamos por tratar
exclusivamente do “sequer” pelo fato de esse item já ter sido legitimado
enquanto um IPN pelos testes de Mendes de Souza et al. (2008). Apesar
de tal lexema parecer ser pouco utilizado na fala e estar caindo em desuso
até mesmo no português escrito, provavelmente por corresponder às
formas “pelo menos” e “nem mesmo”, acreditamos que uma investigação
a seu respeito possa oferecer um primeiro quadro de funcionamento de
IPNs em interrogativas que poderá, em trabalhos futuros, ser estendido a
outros itens e expressões de polaridade negativa. Como o funcionamento
dos IPNs e das EPNs parece ser bastante caótico e de difícil apreensão
teórica, conforme aponta Negri (2006), é prudente que uma primeira
investigação sobre IPNs em interrogativas do PB tenha como base um
item já analisado em outros trabalhos.
Assim, para elaborarmos um quadro de funcionamento do
IPN “sequer” em sentenças interrogativas, analisaremos alguns dos
tratamentos clássicos dados aos itens de polaridade negativa na literatura.
Especificamente, abordaremos seis propostas, buscando averiguar
sua adequação aos dados do PB e investigar o alcance de seu poder
explicativo. Trataremos, notadamente, (a) da abordagem de licenciamento
2
Ilari (1984), Negri (2006), Mendes de Souza et al. (2008) são algumas das poucas
exceções.
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de um IPN sob o escopo de uma negação (LINEBARGER, 1980; RIZZI,
1982); (b) da hipótese da monotonicidade decrescente (LADUSAW,
1979); (c) da hipótese da não veridicidade (GIANNAKIDOU, 1995,
2011); (d) da hipótese da ampliação de domínio (ECKARDT, 2005); (e)
do licenciamento de IPNs na presença de um operador oculto (HEIM,
1984; NICOLAE, 2015); e, por fim, (f) da hipótese da exaustividade
(GUERZONI; SHARVIT, 2007).
Visando atingir os objetivos aqui delineados, organizamos o
presente artigo do seguinte modo: na seção 2 tratamos do licenciamento
de IPNs nos mais diversos contextos, indicando as principais abordagens
que tratam do tema e os problemas que interrogativas parecem impor
para essas propostas. Na seção 3, discutimos um segundo conjunto
de propostas que analisa especificamente a legitimação de IPNs em
interrogativas, também apontando algumas inconsistências existentes
nessas abordagens. Na seção 4, investigamos o funcionamento de
“sequer” em interrogativas do PB, a fim de observar a distribuição desse
IPN em um ambiente inquisitivo e aventar uma denotação para esse item
que possa, talvez, explicar seu licenciamento nesse tipo de estrutura. Por
fim, na seção 5 elaboramos algumas considerações finais a respeito das
ideias discutidas.
2 O licenciamento de itens de polaridade negativa
Os Itens de Polaridade Negativa são muito explorados na
literatura linguística, pois sua investigação mobiliza uma série de
questões semânticas, sintáticas e pragmáticas. A polaridade é definida
por Giannakidou (1995, 2011) como uma anomalia semântica de certos
itens e expressões, cuja ocorrência está sujeita a algum tipo de informação
contextual que possa justamente preencher essa defectividade. Nesse
sentido, IPNs recebem tal denominação pelo fato de serem sensíveis
a contextos negativos; ou seja, é a presença de um ambiente negativo
que normalmente condiciona seu licenciamento na frase. Conforme
os exemplos abaixo ilustram, tanto IPNs quanto EPNs não podem, em
princípio, aparecer em uma sentença afirmativa episódica.
(3) a. Joana não comprou sequer um bolo na padaria.
b. *Joana comprou sequer um bolo na padaria.
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(4) a. Pedro não deu um pio na aula.
b. #Pedro deu um pio na aula.
O significado da sentença (3) pode ser parafraseado, grosso modo,
por “Joana não comprou nem ao menos um bolo na padaria” ou, ainda,
por “Joana não comprou nada na padaria (nem mesmo um bolo)”. O
contraste entre (3a) e (3b) mostra a clara preferência do IPN “sequer” pela
estrutura negativa; nas sentenças em (4), também se observa que a EPN
“dar um pio” ocorre preferencialmente sob o escopo de uma negação,
no entanto, nesse caso, a estrutura sem negação não gera uma sentença
agramatical – a sentença (4b) é apenas pragmaticamente estranha, dado
que é possível interpretar a expressão “dar um pio” composicionalmente,
mas não idiomaticamente, como deveria ser o caso, uma vez que se trata
de uma EPN. Ou seja, enquanto entendemos que em (4a) “Pedro não
falou nada/não teceu nenhum comentário na aula”, sobre (4b) podemos
unicamente dizer que Pedro, literalmente, piou na aula. Embora a literatura
tenha assumido inicialmente que itens e expressões de polaridade negativa
devam estar sob o escopo de um elemento negativo para serem licenciados,
é notável a aparição de tais itens em outros ambientes.
(5) Se a Maria sequer mandou recado, Pedro deve ter ficado triste.
(6) Poucas pessoas deram a mínima pro trabalho.
(7) Você sabe se a Maria deu um pio sobre o assunto?
As sentenças apresentadas de (5) a (7) evidenciam que IPNs e
EPNs são legitimados também em construções condicionais (5), sob o
escopo de quantificadores como “pouco” (6) e em interrogativas indiretas
(7). O licenciamento de itens e expressões de polaridade negativa,
portanto, não necessariamente está conectado à presença de um elemento
negativo na frase. Essa importante observação tem guiado as pesquisas
em polaridade nos últimos 30 anos, de tal modo que a principal questão
de investigação do campo diz respeito justamente a quais elementos ou
contextos podem atuar como potenciais licenciadores de IPNs e EPNs
(GIANNAKIDOU, 2011). Embora a questão do licenciamento (the
licensing question) seja fundamental, o desafio maior da área, de acordo
com Chierchia (2013, p. 146), não é delimitar e descrever os contextos
nos quais esses itens e expressões podem ocorrer, mas sim encontrar
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quais são os tipos de significado que podem gerar seu comportamento.
Na literatura sobre o tema, é possível identificar duas grandes linhas
de trabalho que buscam compreender o funcionamento desses itens e
explicar sua necessidade por certas propriedades lógicas presentes em
determinados contextos: a primeira reúne diversas teorias sob o rótulo
de “abordagem monolítica” e a segunda é denominada “abordagem
conspiratória” (ECKARDT; SAILER, 2013).
A abordagem monolítica reconhece a existência de um único
módulo da gramática como sendo responsável pela distribuição dos
itens de polaridade negativa, ao passo que a abordagem conspiratória
assume que IPNs são licenciados como consequência de fatores advindos
de diversos níveis linguísticos em interação. As propostas que buscam
explicar a distribuição e o funcionamento de itens e expressões de
polaridade negativa integram, em sua maioria, o primeiro conjunto.
A seguir tratamos com maiores detalhes de quatro dessas propostas,
destacando a hipótese defendida por cada uma delas: (a) hipótese do
escopo de uma negação (LINEBARGER, 1980; RIZZI, 1982); (b)
hipótese da monotonicidade decrescente (LADUSAW, 1979); (c) hipótese
da não veridicidade (GIANNAKIDOU, 1995, 2011); e (d) hipótese
da ampliação de domínio (ECKARDT, 2005). A hipótese do operador
oculto (HEIM, 1984; NICOLAE, 2015) e da exaustividade (GUERZONI;
SHARVIT, 2007), mencionadas na introdução, serão abordadas apenas
na seção 3, por estarem ligadas mais diretamente ao licenciamento de
IPNs em contextos de interrogação.
2.1 A hipótese do escopo de uma negação
As primeiras propostas dentro da abordagem monolítica são de
caráter sintático. Para autores como Linebarger (1980)3 e Rizzi (1982),
por exemplo, se um IPN pode aparecer em uma dada estrutura, isso se
deve ao fato de o item estar necessariamente sob o escopo de um núcleo
sintático de negação no nível da Forma Lógica (logical form, ou LF), seja
esse núcleo fonologicamente realizado ou não. Essa relação de escopo
é entendida, mais especificamente, como uma relação de c-comando,
de tal modo que o escopo amplo do IPN sobre a negação (IPN > NegP)
3
O trabalho de Linebarger traz também uma abordagem pragmática. Para a autora,
quando não há uma negação explícita na estrutura, o IPN só é licenciado por haver uma
implicatura negativa disparada por algum item da sentença (LINEBARGER, 1987).
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resulta em uma estrutura agramatical, conforme é possível observar nas
sentenças em (8).
(8) a. *Sequer um bolo Joana não comprou na padaria.
b. *Uma alma viva Pedro não viu na praça.
Por mais que a questão do escopo da negação sobre o IPN pareça
explicar a distribuição desses itens em um primeiro olhar, essa hipótese
não se conforma aos dados, pois, como os exemplos entre (5) e (7)
revelaram, é possível que IPNs sejam licenciados mesmo na ausência
de uma negação. De acordo com Ilari (1984), a implausibilidade de tal
hipótese se mostra ainda mais evidente se considerarmos o fato de que
não é possível encontrar nem ao menos uma paráfrase que explicite a
negação que deveria existir em sentenças como as exemplificadas.
2.2 Hipótese da monotonicidade descrescente
Para solucionar o enigma dos IPNs sem fazer menção à relação
de escopo negativo, Ladusaw (1979) propõe uma abordagem também
monolítica, mas que mobiliza noções lógico-semânticas. De acordo com
o autor, todos os contextos nos quais itens e expressões de polaridade
negativa podem aparecer exibem uma característica em comum: a
monotonicidade decrescente, definida como uma relação de inferência
que parte de conjuntos para subconjuntos. Para entendermos essa relação
e a proposta de Ladusaw (1979), tomemos as sentenças abaixo.
(9) a. Joana não gosta de jogos de tabuleiro.
b. Joana não gosta de gamão.
(10) a. Poucos alunos saíram.
b. Poucos alunos saíram atrasados.
Em contextos de monotonicidade decrescente (MD),4 é esperado
que expressões que denotam um dado conjunto possam ser substituídas
por expressões que denotam um subconjunto sem qualquer interferência
no valor de verdade da sentença (cf. GIANNAKIDOU, 2011). Desse
Formalmente, uma função f é monotonicamente decrescente sse ∀(X,Y)[X ⊆ Y ⇒
f(Y) ⊆ f(X)]. É importante destacar que em contextos de MD, pode-se substituir uma
dada expressão por outra mais forte (ou mais informativa/exclusiva) salva veritate.
4
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modo, se “gamão” é um subconjunto de “jogos de tabuleiro” e podemos
afirmar que “Joana não gosta de jogos de tabuleiro”, então também
podemos dizer que ela não gosta de gamão; analogamente, considerando
que “sair atrasado” é um subconjunto de “sair”, então se é verdade que
poucos alunos saíram, também o é “poucos alunos saíram atrasados”.
Quando a relação se mantém do conjunto para o subconjunto e a
inferência é verificada, temos uma relação de acarretamento para baixo,
posto que a direção natural do raciocínio inferencial é invertida. Para
Ladusaw (1980 apud GIANNAKIDOU, 2011, p. 1668), portanto, a
aparente restrição sintática para o licenciamento de IPNs é, na verdade,
resultado de uma propriedade semântica subjacente. Consequentemente,
apenas ambientes monotonicamente decrescentes podem atuar como
gatilho para a presença de tais itens. Essa condição explica o porquê
de se ter pensado inicialmente na negação como o licenciador de itens
de polaridade negativa: um operador negativo cria um contexto de
acarretamento para baixo.
Embora amplamente explorada, a hipótese de Ladusaw (1979) não
dá conta de explicar uniformemente qual é o tipo de significado que rege o
comportamento dos itens de polaridade negativa. Para Rothschild (2006),
há outros contextos que não exibem a propriedade da monotonicidade
decrescente, mas mesmo assim licenciam IPNs, tais como sentenças com
certos sintagmas quantificacionais e alguns advérbios como “normalmente”
e “sempre”, que podem ter escopo sobre o aspecto habitual, um ambiente
não monotônico (cf. GIANNAKIDOU, 1995, 2011). No PB, é possível
encontrar inclusive IPNs e EPNs em contextos monotonicamente crescentes
(MC), em que a inferência se dá do conjunto para um superconjunto –
justamente o oposto de uma função MD. Considerando as relações entre
sentenças como “quem tem um animal de estimação?” e “quem tem um
gato?”, Han e Siegel (1997) afirmam que interrogativas wh são ambientes
de monotonicidade crescente, posto que a verdade de “alguém ter um
gato” implica a verdade de “alguém ter um animal de estimação”. Ou
seja, se “Joana tem um gato”, então necessariamente ela tem um animal
de estimação, o que mantém a inferência do conjunto de gatos para o
superconjunto dos animais de estimação. Tendo isso em vista, sentenças
do PB como “qual aluno ainda lê artigo em papel?” e “quem tem um pingo
de dignidade?” demonstram que IPNs e EPNs podem ser licenciados em
contextos monotonicamente não decrescentes. Além disso, conforme sugere
Heim (1984), ambientes caracterizados pela MD, como o antecedente de
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um condicional, podem não exibir estritamente essa propriedade sob certas
circunstâncias pragmáticas. Tal fato pode ser comprovado pela relação
entre as sentenças abaixo, adaptadas de Giannakidou (2002), em que há
um reforço do antecedente5 sem a verificação da inferência.
(11) a. Se você for para a Espanha, vai se divertir.
b. Se você for para a Espanha e quebrar a perna, vai se divertir.
Conforme é possível observar, a discussão feita até o momento,
embora limitada, demonstra que lançar mão da noção de monotonicidade
decrescente não é suficiente para explicar o funcionamento dos IPNs.
Além disso, para autores como Giannakidou (2011) e Mendes de Souza
et al. (2008), averiguar a hipótese de Ladusaw (1979) é uma tarefa ainda
mais complicada quando pensamos no licenciamento desses itens em
sentenças interrogativas, um ambiente tido na literatura como propício
para a presença IPNs. O problema aqui pode ser formulado do seguinte
modo: como é possível identificar se uma pergunta exibe a propriedade
da monotonicidade decrescente?
De acordo com Dayal (2016), a noção de MD é, na verdade, muito
difícil de ser aplicada às interrogativas. Para a autora, seria possível dizer
que uma dada sentença A acarreta uma sentença B se a resposta de A
responder também completamente a pergunta B. Para entendermos esse
raciocínio, tomemos as sentenças abaixo.
(12) a. Joana comprou um carro?
b. Joana comprou um carro vermelho?
Ao relacionarmos as sentenças em (12), percebemos que a
inferência do conjunto para o subconjunto, tal como sugeriu Dayal
(2016), não pode ser verificada, pois uma resposta como “sim, Joana
comprou um carro” é insuficiente para responder se o carro comprado é
vermelho. No entanto, o raciocínio inverso, ou seja, aquele relacionado à
monotonicidade crescente, que parte do conjunto para um superconjunto,
Em lógica clássica, a ideia é que se (A → B) é verdadeiro, então (A & C → B) também
deve ser verdadeiro. Ou seja, se uma determinada proposição antecedente implica uma
proposição consequente, a relação de implicação deve ser mantida mesmo quando
outras proposições são adicionadas ao antecedente.
5
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pode ser verificado: de uma resposta como “sim, Joana comprou um carro
vermelho” infere-se que ela comprou um carro. Disso depreende-se que a
hipótese da monotonicidade decrescente não pode ser confirmada frente
aos dados de sentenças interrogativas. Desse modo, a abordagem que trata
do licenciamento de IPNs e EPNs com base nessa propriedade lógicosemântica é insuficiente para explicar a distribuição e o funcionamento
desses itens.
2.3 Hipótese da não veridicidade
Gianakkidou (1998) apresenta, com base no trabalho de Zwarts
(1995), uma tentativa de solucionar o impasse da hipótese da MD e
busca oferecer uma teoria mais geral para o funcionamento dos itens de
polaridade. Em seu trabalho, a autora propõe que IPNs sejam restritos
a contextos não verídicos. A veridicidade pode ser entendida, grosso
modo, como uma função que diz respeito à verdade da proposição. De
acordo com Giannakidou (2011, p. 1674), uma função F é verídica sse
F(p) pressupõe ou acarreta a verdade de p. Ou seja, se “Joana sabe que
Pedro comprou um carro”, então é verdade que “Pedro comprou um
carro”; porém, se “Joana espera que Pedro tenha comprado um carro”,
não necessariamente ele de fato comprou um carro, isto é, não é possível
saber se a proposição é verdadeira ou não. Nesse caso, “esperar” atua
como um operador não-verídico. É interessante notar que a noção de
veridicidade está diretamente relacionada ao comprometimento do falante
com a verdade da proposição, e essa relação produz um reflexo imediato na
estrutura da sentença: o falante demonstra seu compromisso com a verdade
por meio de verbos factivos e, para expressar ausência de compromisso
ou incerteza, utiliza verbos intencionais ou volitivos. A noção de (não)
veridicidade é definida por Giannakidou (2011) como em (13).
(13) i. Um operador proposicional F é verídico sse F(p) pressupõe ou
acarreta que p é verdadeiro em algum modelo epistêmico
M(x): [[p]] = 1 sse M(x) ⊂ p;
ii. Se a cláusula (i) não for o caso, F é não verídico;
iii. Um operador não verídico F é antiverídico sse F(p) ⇒ ¬p
é logicamente válido em algum modelo M(x).
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Sentenças cujo operador proposicional é verídico indicam
comprometimento do falante e são exemplificadas por estruturas com
verbos factivos como “saber” e pela conjunção “e”; sentenças cujo
operador é não verídico apontam para a falta de compromisso do
falante com a verdade da proposição e são exemplificadas por estruturas
formadas por verbos intensionais, advérbios de dúvida, como “talvez”,
e pela disjunção “ou”. Por fim, um operador antiverídico prototípico
pode ser exemplificado por “jamais” e “não”, “cuja função é inverter o
valor de verdade de qualquer proposição dada” (NEGRI, 2006, p. 67).
Com base nessa definição de veridicidade, Giannakidou (2011)
sugere que o fator comum a todos os ambientes que licenciam IPNs é
justamente a presença de um operador não verídico (o que incluiria os
operadores antiverídicos) (cf. MENDES DE SOUZA et al., 2008). De
acordo com a autora, predicados volitivos, sentenças interrogativas,
imperativos, disjunções, verbos modais e verbos no subjuntivo exibem
essa propriedade da ausência de verdade e são, portanto, contextos
propícios para a legitimação de IPNs. Infelizmente, não é preciso pensar
em uma ampla gama de dados para notar que a hipótese da autora também
não se sustenta (MENDES DE SOUZA et al., 2008, p. 38). Considerando,
por exemplo, as interrogativas, observamos que certos ambientes
licenciam IPNs mas outros não e, caso interrogativas exibissem a
propriedade da não veridicidade e tal hipótese de licenciamento estivesse
correta, o contraste entre as sentenças em (14) não seria esperado. Cabe
questionar também se a noção de veridicidade é realmente aplicável a
tais estruturas.
(14) a. Alguém deu a mínima para as ideias do Pedro?
b. *Joana viu uma alma viva na rua?
Como nosso objeto de estudo é justamente o funcionamento de
um IPN em sentenças interrogativas, na próxima seção nos dedicaremos a
discorrer brevemente sobre algumas teorias que abordam especificamente
o licenciamento de IPNs nesse ambiente. Porém, antes de tratarmos desse
assunto, cremos ser necessário explicitar um último tratamento dado aos
itens e expressões de polaridade negativa que se enquadra no que Eckardt
e Sailer (2013) denominam “abordagem conspiratória”.
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2.4 Hipótese da ampliação de domínio
Para alguns autores, dentre os quais destacamos Krifka (1995),
Eckardt (2005) e Chierchia (2013), o licenciamento de IPNs é o
resultado de um conjunto de fatores semânticos, sintáticos e, sobretudo,
pragmáticos. Utilizando a noção de ampliação de domínio instaurada por
Kadmon e Landman (1993), essa abordagem está fundamentada na ideia
de que certos elementos podem aumentar o domínio quantificacional de
uma sentença, que é delimitado pelo fundo conversacional, criando-se,
assim, uma declaração mais forte ou mais informativa. Em linhas gerais,
a ampliação de domínio pode ser entendida como uma operação que
expande o domínio de quantificação inicial, englobando também casos
não esperados na conversação. Desse modo, de acordo com Kadmon
e Landman (1993), uma sentença cujo domínio de quantificação foi
ampliado deve ser uma asserção mais forte, pois deve acarretar uma
sentença com interpretação mais restrita, relacionada ao domínio inicial
não estendido. Para compreendermos melhor essa operação, tomemos
o seguinte diálogo entre um comprador (C) e um um vendedor (V) de
uma loja de eletrodomésticos:
(C) Vocês vendem máquina de lavar roupas?
(V) Não.
(C) Não precisa ser dessas sofisticadas, pode ser até sem a opção
de secar...
(V) Infelizmente, não vendemos nenhum tipo de máquina de
lavar roupas aqui.
O domínio inicial de quantificação do diálogo poderia incluir
máquinas de lavar roupa com funções sofisticadas, como secagem; no
decorrer da conversa, esse domínio é ampliado para incluir até mesmo um
tipo de máquina mais simples, acrescentando uma exceção ao domínio
inicial (o de máquinas com muitas funções). A resposta final do vendedor
acaba, assim, abrangendo também os casos não esperados (as máquinas
sem muita tecnologia/muitas funções). Desse modo, dizer que na loja não
há “nenhum tipo de máquina de lavar roupas” acarreta a sentença mais
restrita do domínio não ampliado; ou seja, o vendedor declara que também
não há na loja “máquinas de lavar roupas com funções sofisticadas, como
a opção de secagem”. Com esse exemplo, a ampliação de domínio pode
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ser definida formalmente como uma operação somada a uma restrição
semântica: o elemento que induz à ampliação do domínio de interpretação
(widening) deve fortalecer o enunciado em que ocorre (strengthening),
de tal modo que “o enunciado com interpretação ampla acarreta aquela
com interpretação restrita” (NEGRI, 2006, p. 51). Note-se que nessa
proposta também se mobiliza a noção de acarretamento para explicar o
licenciamento de IPNs; por conta disso, a restrição do reforço só pode
ser satisfeita em um contexto de monotonicidade decrescente.
Nessa abordagem, a impossibilidade de licenciamento de um IPN
é, em geral, explicada pelo fato de haver uma falha no fortalecimento
da declaração. Isto é, se a presença de um item de polaridade negativa
em uma dada construção pode levar a sentença a ser interpretada como
pouco informativa ou até mesmo inconsistente após o processo de
enriquecimento (CHIERCHIA, 2006 apud GIANNAKIDOU, 2011,
p. 1690), a formação da sentença é bloqueada. Para Giannakidou (2011),
essa assunção é problemática, pois o bloqueio de IPNs em certos ambientes
parece de fato ser uma restrição gramatical e não pragmática, por mais
que o princípio da ampliação de domínio e a ideia de fortalecimento da
declaração possam ser uma descrição de como surge tal bloqueio. Além
disso, entender como exatamente ocorre a interação entre as operações
sintático-semânticas e a restrição pragmática, que leva à má formação
das sentenças, é uma tarefa bastante complicada.
Em Chierchia (2006), encontra-se uma solução para o modo como
a restrição pragmática interage com os outros componentes gramaticais.
Com base na ideia de Rooth (1992) de que toda sentença apresenta, além
de um valor semântico ordinário ([[α]]o), um valor semântico de foco
([[α]]f), representado por um conjunto de proposições contextualmente
determinado, o autor aventa a hipótese de que há um operador σ no
nível sentencial (IP) responsável pelo enriquecimento pragmático. No
nível semântico, o IPN carrega um traço [+σ] forte e o constituinte que
o contém denota um conjunto de alternativas identificado de acordo com
o contexto relevante, sendo representado pela função ALT.6 Desse modo,
quando o traço [+σ] é checado pelo operador no nível sentencial, σ toma
a proposição p contida no constituinte e estabelece uma comparação
em termos de informatividade entre ela e todas as outras proposições
ALT([[IPN[+σ]]]) = λP.λQ.λw[∃w’ ∃x ∈ Dw [Pw’(x) ∧ Qw(x)] : D’ ⊆ D. Nessa fórmula, D
é o domínio mais amplo dos elementos contextualmente relevantes e D’ o mais restrito.
6
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1029
disponíveis no conjunto, garantindo que p seja a mais forte de todas
as alternativas geradas em ALT. Note-se que, ao resolver o impasse
composicional entre o cálculo semântico e a restrição pragmática,
Chierchia (2006) coloca o IPN sob o escopo de um operador, logo, há uma
relação lógico-gramatical que pode estar governando a inserção desses
itens em determinados ambientes. Embora esse fato pareça aumentar o
poder explicativo da teoria, não fica claro como o operador σ pode ser
inserido na computação.
Segundo Giannakidou (2011, p. 1693), além de a proposta do
operador σ parecer ser uma solução ad hoc, associar o bloqueio de um
IPN em uma determinada estrutura ao nível de informatividade ou à
inconsistência da sentença é controverso, pois não parece haver qualquer
correlação entre informatividade e gramaticalidade, uma vez que uma
sentença menos informativa não necessariamente é menos gramatical.
Apesar dos problemas elencados, acreditamos que essa abordagem, de
viés mais pragmático, evoca uma questão que pode ser muito produtiva
na investigação de IPNs, EPNs e, particularmente, no caso do “sequer”,
objeto da presente pesquisa. Conforme vimos, itens de polaridade
negativa parecem evocar um conjunto de proposições alternativas
determinadas pelo contexto, sendo esse o domínio de quantificação que
pode ser ampliado. Seria possível, então, que a distribuição de IPNs em
sentenças interrogativas esteja relacionada à constituição desse conjunto
de alternativas? Na sequência, exploraremos essa questão.
3 IPNs em interrogativas
Desde o trabalho pioneiro de Klima (1964), sabe-se que
sentenças interrogativas podem atuar como um ambiente que legitima
o uso de certos itens e expressões de polaridade negativa. Nesta seção,
discutiremos apenas alguns dos trabalhos que tratam do assunto, mas
destacamos que há uma literatura bastante consolidada sobre o tema que
deve ser melhor explorada, sobretudo para a investigação de IPNs em
interrogativas do PB, dada a carência de trabalhos sobre o tópico nessa
língua.
Podemos começar a discussão tratando de uma das grandes
observações sobre o licenciamento de IPNs em interrogativas: o fato de a
sentença interrogativa com um IPN não ser interpretada necessariamente
como um pedido legítimo por informação. Enunciados como os de
1030
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(15) e (16), que contêm IPNs conhecidos como “minimizadores”,
não requisitam necessariamente uma resposta legítima; nesses casos,
a presença de “levantar um dedo” e “ter um pingo de” faz com que a
sentença tenha uma interpretação retórica, caracterizada anteriormente
como uma asserção negativa (HAN, 2002).
(15) Quem levantou um dedo pra te ajudar quando você precisou?
(16) A Joana teve um pingo de consideração por você?
Grosso modo, ao proferir uma sentença como (15), o falante já
sabe que nenhuma das entidades do domínio de quantificação relevante
pode saturar a variável “quem”; ou seja, o falante tem conhecimento
de que “ninguém ajudou seu interlocutor”. Seguindo os trabalhos de
Han (2002) e Guerzoni (2004), podemos dizer que, ao proferir (16), o
falante também sabe que “Joana não teve nenhuma consideração por
seu interlocutor”. Prova de que perguntas retóricas se assemelham a
uma asserção negativa é o fato de que, caso alguém queira responder
(15) ou (16), deve haver uma expansão da resposta, não sendo possível
apenas dizer algum nome para preencher a variável em (15) ou então
“sim/não” para responder completamente (16). Se um falante responder
apenas “sim” ou “teve” para “a Joana teve um pingo de consideração
por você?”, por exemplo, o interlocutor irá esperar um complemento ou
uma retificação da resposta que pelo menos justifique a ação de Joana,
provavelmente contrária ao comportamento esperado pelo falante. Nessa
situação, é mais provável que se responda algo como “na verdade ela teve
um pouco de consideração... não foi tão cruel como todos esperavam”.
Note-se que nesses exemplos a interrogativa com IPN parece fazer
uma declaração enfática (ECKARDT, 2005; CHIERCHIA, 2013). Em
português brasileiro, esse tipo de situação é estruturalmente ainda mais
interessante, pois é possível acrescentar o advérbio “lá”, sem um sentido
locativo, como um marcador de foco que enfatiza o fato de o falante
realmente saber que a proposição contida na pergunta não é verdadeira.
(17) Alguém lá levantou um dedo pra te ajudar?
(18) A Joana lá teve um pingo de consideração por você?
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1031
Tendo em vista que a denotação de uma questão é um conjunto
de proposições que contam como respostas possíveis para a pergunta
(HAMBLIN, 1973), interrogativas retóricas parecem ter como denotação
um conjunto unário formado pela negação da proposição contida na
pergunta (e.g. “Joana não teve um pingo de consideração por você”);
afinal, o falante sabe que a proposição inquirida não é verdadeira. Esse
fato poderia nos levar a crer que IPNs são licenciados em interrogativas
que apresentam uma leitura retórica pelo fato de haver um elemento
negativo no contexto em que ocorrem (i.e., no conjunto resposta), o
que corroboraria a hipótese do licenciamento sob negação apresentada
anteriormente (LINEBARGER, 1980; RIZZI, 1982). Essa constatação,
embora plausível, seria um tanto ingênua por uma série de fatores,
sendo o principal deles a possibilidade de IPNs serem legitimados em
interrogativas que realmente elicitam alguma informação, como nos
exemplos abaixo.
(19) Com quem sequer a Maria conversou na festa?
(20) A Joana abriu a boca no momento certo?
Qual fator poderia então explicar a distribuição e o funcionamento
de IPNs em interrogativas? Por que certas interrogativas com esses itens
apresentam uma leitura retórica? Desde Heim (1984), assume-se que
perguntas que licenciam IPNs contêm em sua estrutura um operador
“even” oculto, que atua como um focalizador sobre as proposições
alternativas evocadas pelo item de polaridade negativa. A ideia é que um
falante, ao ouvir um item como “levantar um dedo”, cria um conjunto
de proposições alternativas relevantes em relação ao contexto do que se
está afirmando, tornando a sentença relevante e informativa (ABELS,
2003); algo semelhante ao que foi proposto por Kadmon e Landman
(1993) e Chierchia (2006). Em uma sentença como “Joana não levantou
um dedo pra ajudar na mudança”, por exemplo, “levantar um dedo” pode
evocar um conjunto formado por proposições como {q1= Joana não fez
nenhum movimento pra ajudar, q2 = Joana abriu uma caixa, q3 = Joana
encaixotou algumas canecas, q4 = Joana carregou o caminhão sozinha,
pn}. Considerando esse conjunto, a sentença afirma que, de todas as ações
que Joana poderia ter feito para ajudar na mudança, ela não fez a menor
delas. De acordo com Eckardt e Csipak (2013, p. 271-272), o operador
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“even”, presente em sentenças como a exemplificada, avalia o conjunto
de alternativas evocadas e toma a alternativa menos provável do conjunto
como sendo verdadeira, o que torna a sentença mais surpreendente. Esse
efeito de surpresa é alcançado por uma propriedade semântica de “even”:
esse operador não contribui com as condições de verdade da sentença,
mas sim com uma pressuposição escalar, cuja definição é dada em (21).
(21) ∀ q<s,t> [[q ∈ C & q ≠ p] → q >provável p]
Em prosa, (21) nos diz que, para toda proposição q, se q pertence
ao conjunto C de proposições construídas pelo contexto e, se q for
diferente de p, então a probabilidade de q ser o caso é maior que a de
p. Para entendermos melhor qual é o papel do “even” no licenciamento
de IPNs, consideremos novamente a sentença exemplificada acima e o
conjunto de proposições possíveis evocadas pelo IPN no contexto.
(22) Joana não levantou um dedo pra ajudar na mudança.
(23) C = {q1= Joana não fez nenhum movimento pra ajudar
q2 = Joana abriu uma caixa
q3 = Joana encaixotou algumas canecas
q4 = Joana carregou o caminhão sozinha ... pn}
Dada a situação descrita, quando alguém se propõe a ajudar em
uma mudança, é esperado que essa pessoa faça algo, seja montar caixas,
desmontar os móveis, fechar caixas ou então carregar toda a mudança no
caminhão. A proposição menos provável desse contexto, portanto, é a de
que a pessoa não faça nada para ajudar, o que nos leva a dizer que, de todas
as proposições q do contexto (C),7 q é mais provável que p, dado que p
equivale a “Joana não fez nem o mínimo pra ajudar na mudança”. Essa
proposta é explorada, por exemplo, por Guerzoni (2004) para explicar a
leitura retórica que surge em certas interrogativas com IPNs. De acordo
com a autora, quando “even” tem escopo sobre um item ou expressão
que denota o ponto mais baixo de uma escala pragmaticamente saliente
7
O contexto de proposições alternativas é representado pela literatura ora como “C” e ora
como “ALT”. Ambas as formas estão sendo empregadas neste trabalho, a variação segue
a notação escolhida por cada um dos autores resenhados que mobilizam esse conceito.
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1033
no contexto, a leitura retórica está disponível; do contrário, quando o
valor focalizado está em um ponto mais alto da escala, a interrogativa
com IPN pede uma informação legítima. Em geral, questões com IPNs
minimizadores como “um pingo” exibem uma leitura retórica, no entanto,
não é impossível que tais itens sejam utilizados em interrogativas que
pedem alguma informação (cf. MENDES DE SOUZA et al., 2008). Além
disso, provar que o que licencia IPNs em interrogativas é uma relação
de escopo de um operador oculto sobre o item é uma tarefa nada trivial;
some-se a isso o fato de que a denotação do operador dada em (21) não
corresponde exatamente a nossa intuição, uma vez que são as perguntas
ordinárias enviesadas que parecem ter um efeito de surpresa e não as
interrogativas retóricas. Quando proferimos algo como “sequer a Maria
veio?”, por exemplo, por mais que haja um tom de surpresa na pergunta,
a proposição indica, na verdade, a situação mais provável: o esperado
era que pelo menos Maria viesse, mas não necessariamente o Pedro, o
João ou a Alice, por exemplo.
Considerando as ideias apresentadas até o momento, não parece
ser possível explicar o funcionamento de IPNs em interrogativas
utilizando princípios gerais mobilizados para investigar esses itens em
outros ambientes, pois o IPN nessas sentenças não parece estar sob o
escopo de uma negação ou de qualquer operador oculto; interrogativas
também não exibem a propriedade da monotonicidade decrescente e,
por mais que possam ser um contexto não-verídico, não são todas as
interrogativas que licenciam IPNs. Por conta de fatores como esses,
Guerzoni e Sharvit (2007) propõem que o licenciamento de IPNs em
perguntas esteja relacionado ao ambiente em que esses itens se encontram,
mais especificamente, para as autoras apenas interrogativas que são
fortemente exaustivas licenciam IPNs.
Na literatura sobre interrogativas, assume-se que saber o
significado de uma pergunta equivale a conhecer qual é o conjunto de
proposições que podem contar como uma resposta para essa pergunta.
Desse modo, é de extrema importância que o falante, ao responder uma
questão, tenha em vista as relações adequadas que se mantêm entre o par
pergunta-resposta. Algumas interrogativas, por exemplo, exigem apenas
que se saiba quais são as possíveis respostas verdadeiras no conjunto, mas
outras impõem uma relação de conhecimento mais estreita e demandam
que as proposições falsas sejam excluídas do conjunto de possibilidades
(DAYAL, 2016, p. 57). Nesse sentido, respostas fortemente exaustivas
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exigem que o falante declare todas as proposições ótimas para responder
à pergunta de um modo completo. Em uma sentença como “João sabe
quem dançou”, a variável “quem” só pode ser saturada exaustivamente
caso João seja capaz de indicar todas as pessoas que dançaram, bem
como aquelas que não dançaram. Considerando essa mesma situação,
uma resposta exaustivamente fraca pede apenas que João seja capaz de
listar algumas das pessoas que dançaram.
Dentre os tipos de pergunta existentes, interrogativas polares
notadamente pedem uma resposta de exaustividade forte, posto que sua
denotação é uma partição binária do espaço de possibilidades (DAYAL,
2016, p. 87). De acordo com Hamblin (1973), o conjunto resposta de
perguntas polares contém apenas duas proposições: uma que traz o
conteúdo proposicional da própria questão e outra que estabelece seu
oposto polar ([[Qpol]] = ^{p, ¬p}). Ou seja, se um falante sabe o que é
uma resposta adequada para uma pergunta polar, necessariamente ele
também sabe o que não conta como uma resposta, portanto, se todas as
possibilidades são consideradas, elas são exauridas. Guerzoni e Sharvit
(2007) argumentam que IPNs são licenciados nesse ambiente e a sentença
(24) demonstra que dados do PB, aparentemente, corroboram a hipótese.
(24) A Maria sequer te ajudou?
Outro tipo de interrogativa que pede uma resposta fortemente
exaustiva são as perguntas de alternativa, como “Joana veio ou não?”
ou então “Pedro assou o bolo ou a torta?”. Conforme a sentença (25)
indica, IPNs também podem ser licenciados nesse ambiente, que exige
um conhecimento preciso por parte do falante do que pode ser verdadeiro
e do que não pode. Uma última classe de sentenças interrogativas, as
wh, pode ter uma leitura de exaustividade forte ou fraca, a depender do
predicado em que ocorre. Dayal (2016) sugere que predicados como “ficar
surpreso” selecionam exaustividade fraca e, por isso, não licenciam IPNs
em interrogativas, ao passo que predicados como “imaginar” exigem
exaustividade forte, licenciando, portanto, IPNs. Os dados (26) e (27) do
PB não parecem confirmar essas assunções, pois IPNs são legitimados
na presença de ambos os predicados.
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 27, n. 2, p. 1015-1049, abr./jun. 2019
1035
(25) Joana deu a mínima para o que você estava falando ou não?
(26) Pedro ficou surpreso com quais alunos sequer sabiam o que era
semântica.
(27) Pedro imagina quais alunos sequer sabem o que é semântica.
Alguns autores expandem a proposta de Guerzoni e Sharvit
(2007) para oferecer uma explicação para o licenciamento de IPNs em
interrogativas que seja mais uniforme, estando de acordo também com
a possibilidade de esses itens serem licenciados em outros contextos.
Nicolae (2015), por exemplo, sugere que a leitura de exaustividade
forte que licencia IPNs em interrogativas seja, na verdade, uma noção
derivada de um operador de exaustividade oculto do tipo “only”,
localizado abaixo do núcleo interrogativo (Cº). Em linhas gerais, o
funcionamento desse operador é análogo ao funcionamento de “even”,
descrito acima. De acordo com a autora, “only” toma como seu argumento
uma proposição p e uma variável contextual que indica o conjunto de
alternativas disponíveis no contexto (Alt(p)), algo semelhante ao conjunto
de proposições contextualmente dadas (C), apresentado anteriormente.
Desse modo, uma interrogativa wh como “quem viu a Joana?”, por
exemplo, seria fortemente exaustiva se “only” atuasse sobre o operador
wh, mapeando uma resposta como “só o Pedro viu a Joana”, selecionada
de um conjunto como {λw.[only Maria viu a Joana]w, λw.[only Antônio
viu a Joana]w, λw.[only Pedro viu a Joana]w …}. Esse operador proposto
por Nicolae (2015) cria, de acordo com a autora, um contexto local
de monotonicidade decrescente e é por esse motivo que IPNs são
licenciados em interrogativas que pedem uma resposta exaustiva. A
autora, portanto, concorda com a hipótese de Ladusaw (1979) e diz que
é o contexto monotônico que permite a presença de IPNs. No caso das
interrogativas, a propriedade relevante de MD não pertence ao contexto
inquisitivo, mas sim ao operador “only”, assim, interrogativas são vistas
por Nicolae (2015) como globalmente não monotônicas, apresentando
apenas localmente a propriedade da monotonicidade decrescente.
Conforme é possível observar, as abordagens que tratam do
licenciamento de IPNs em interrogativas também apresentam uma série
de problemas que não sustentam as hipóteses aventadas. Ao menos em
uma primeira análise, IPNs em interrogativas não estão sob o escopo de
1036
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 27, n. 2, p. 1015-1049, abr./jun. 2019
uma negação que possa licenciá-los; não indicam que a proposição contida
na pergunta é a menos provável do contexto; não levam unicamente a uma
leitura retórica, pois certas perguntas pedem de fato uma informação; e
não parecem estar restritos a perguntas que exigem respostas exaustivas.
A proposta mais promissora, aparentemente, é a que considera a estrutura
da sentença interrogativa enquanto o fator que governa a distribuição de
IPNs nesses contextos. Seria necessário investigar melhor, por exemplo,
o trabalho de Nicolae (2015), por mais problemática que seja a assunção
de que há um operador oculto que cria um contexto de MD local em
interrogativas, propiciando o surgimento de IPNs em certas questões.
Se virtualmente o operador de exaustividade está sempre disponível, o
que explica o bloqueio de IPNs em determinados contextos? Nenhum
dos trabalhos discutidos explica realmente o que licencia esses itens nos
mais diversos ambientes, mas há alguns apontamentos em comum que
podem guiar nossa análise: IPNs evocam um conjunto de alternativas
contextualmente determinado e podem levar a sentença a ser interpretada
como um fato surpreendente para o falante, o que parece ter relação
com algum traço de foco na estrutura. Tendo isso em vista, na próxima
seção analisaremos exclusivamente o funcionamento e a distribuição do
IPN “sequer” em interrogativas do PB, buscando, com base na relação
entre estrutura sintática e interpretação semântica, alguma pista que nos
permita, em trabalhos futuros, explicar de um modo mais uniforme o
funcionamento de IPNs em um ambiente inquisitivo.
4 A distribuição e o licenciamento de “sequer” em interrogativas
do PB
Nesta seção, investigaremos a distribuição do IPN “sequer” em
sentenças interrogativas do PB, buscando delinear uma denotação para
esse item e compreender seu licenciamento. Conforme dissemos na
introdução deste trabalho, optamos por verificar o funcionamento apenas
do “sequer” e não de outros itens ou expressões de polaridade negativa,
tais como os minimizadores, pelo fato de “sequer” já ter sido legitimado
enquanto um IPN por Mendes de Souza et al. (2008). Além disso,
conforme os dados abaixo demonstram, “sequer” parece ser licenciado em
todos os tipos de estrutura inquisitiva (interrogativas polares, perguntas
de alternativa e questões de constituintes (wh)), o pode nos oferecer um
bom panorama inicial sobre o licenciamento de IPNs nesse ambiente.
Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 27, n. 2, p. 1015-1049, abr./jun. 2019
1037
(28) Sequer a Maria veio pra festa?
(29) Joana sequer comprou ou xerocou o livro?
(30) De quem sequer a Joana gosta?
Dentre as possíveis leituras para interrogativas com IPN,
descritas na introdução deste trabalho, notamos que (28) é uma pergunta
ordinária enviesada, posto que elicita uma informação, mas carrega a
pressuposição de que ninguém veio para a festa, e isso, de algum modo,
surpreende o falante. Os enunciados em (29) e (30) também solicitam
uma informação, no entanto, não apresentam necessariamente o mesmo
efeito de surpresa gerado por (28). Por conta disso, as sentenças “Joana
sequer comprou ou xerocou o livro?” e “de quem sequer a Joana gosta?”
podem ser classificadas, inicialmente, enquanto interrogativas ordinárias,
semelhantes a uma pergunta-eco.
Considerando que o efeito de surpresa é o que diferencia os tipos
de interrogativa que solicitam uma informação genuína, ainda que exijam
apenas a confirmação de uma informação, é interessante buscar uma
explicação para o que gera esse efeito. Para tanto, podemos considerar
o domínio de quantificação relevante de (28), supondo uma situação na
qual muitas pessoas foram convidadas para uma dada festa, de tal modo
que teríamos o seguinte conjunto contextualmente determinado: {“Maria
vir para a festa”, “Pedro vir para a festa”, “João vir para a festa”, “Alice
vir para a festa”}; desse conjunto de alternativas, o esperado era que
pelo menos a primeira proposição fosse verdadeira (digamos que Maria
não costuma perder nenhuma festa), daí o fato de a sentença expressar
uma espécie de ênfase ou surpresa. Ou seja, quando (28) é proferido, o
enunciado carrega a pressuposição de que ninguém veio para a festa e o
fato de “vir para a festa” não se aplicar nem ao menos à Maria surpreende
o falante, que pede a confirmação dessa informação. A observação
de que “sequer” pode ser licenciado nesse ambiente pode corroborar
a ideia de que perguntas que pedem respostas exaustivas licenciam
IPNs (GUERZONI; SHARVIT, 2007; NICOLAE, 2015), afinal, se o
interlocutor sabe que “nem a Maria veio”, então necessariamente ele
também sabe que o predicado “vir” não se aplica a nenhuma outra pessoa
do conjunto relevante, o que configura o quadro completo de respostas
possíveis para a pergunta (28). Grosso modo, o falante sabe que se “sequer
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a Maria veio”, então necessariamente “Pedro não veio”, “João não veio”,
“Alice não veio” e assim por diante.
Um ponto curioso que pode ser observado no comportamento
de “sequer” em (28) é que sua contribuição semântica para a sentença
é bastante semelhante à contribuição do “even”, descrita na seção
anterior. O “sequer” também parece disparar uma pressuposição escalar,
no entanto, diferentemente de “even”, essa pressuposição indica que a
proposição p contida na interrogativa figura como a mais provável do
conjunto relevante, o que pode ser formalmente explicitado por (31).
(31) ∀ q<s,t> [[q ∈ Calt & q ≠ p] → q provável< p]
Ainda considerando o exemplo dado em (28), podemos esboçar
uma explicação para por que interrogativas não exibem a propriedade
da monotonicidade decrescente. Na seção 2, seguindo Dayal (2016),
buscamos demonstrar que a noção de acarretamento relacionada à
monotonicidade decrescente não poderia ser verificada em interrogativas.
Considerando as proposições alternativas evocadas por uma questão
polar com “sequer”, como (28), talvez possamos ao menos oferecer um
argumento para o porquê de interrogativas não exibirem MD, algo que
não é muito explorado na literatura.8 Quando um falante questiona algo
como “sequer a Maria veio?”, a pergunta inclui a pressuposição de que
ninguém veio. Ou seja, a relação relevante que a pergunta evoca não é a
de subconjunto, exigida pela monotonicidade, mas sim a de intersecção,
posto que a interrogação diz respeito ao conjunto de pessoas esperadas
para a festa (Pe) e o conjunto de pessoas que realmente veio (Pv). Em
(28), portanto, a interrogação sobre nem ao menos Maria ter vindo à
festa carrega o pressuposto de que a intersecção entre os conjuntos
contextualmente relevantes é vazia [{Pe} ∩ {Pv} = Ø].Logo, a propriedade
da monotonicidade decrescente não pode ser aplicada a esse ambiente.
O enunciado exibido em (29), “Joana sequer comprou ou xerocou
o livro?”, caso apresente uma curva entoacional mais específica, pode
também ter uma leitura de surpresa, gerada pela pressuposição de que
“Joana não comprou e não xerocou o livro”. Ou seja, a relação semântica
8
Note-se que o raciocínio proposto por Dayal (2016) serve como teste para demonstrar
que interrogativas não criam contextos de monotonicidade decrescente, no entanto, a
autora não explica por que isso acontece.
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1039
relevante que gera a surpresa do falante também pode ser descrita tendo-se
em vista a intersecção vazia entre conjuntos contextualmente relevantes:
aquilo que Joana poderia ter feito para obter o livro {“x comprar o livro”, “x
xerocar o livro”, “x emprestar o livro”...} e aquilo que ela realmente fez (não
tomou nenhuma atitude). O fato de Joana não ter feito nada para conseguir
o livro surpreende o falante, o que o faz solicitar ao seu interlocutor a
confirmação dessa informação; nesse caso, a sentença se assemelha a uma
interrogativa polar, e não a uma interrogativa de alternativa, que visa a
confirmação de uma informação contida no conjunto-resposta, formado,
nessa situação, por pelo menos duas proposições {^Joana não comprou o
livro, ^Joana não xerocou o livro… pn}. Para que (29) seja interpretado
enquanto uma pergunta ordinária, pode-se considerar o seguinte cenário,
em que o falante pede a confirmação de uma informação, sem o efeito
de surpresa: os falantes A e B estão conversando sobre um livro que será
muito importante para o semestre, e o falante A comenta que uma colega
não se incomodou em obter um exemplar, de tal modo que nem ao menos
tirou uma cópia do conteúdo que seria mais urgente. Como o falante B
estava desatento, não percebeu se A comentou que a colega não havia
comprado o livro ou feito uma cópia, por isso profere (29), visando saber
qual das duas situações é verdadeira. Ou seja, apenas uma das proposições
do conjunto-resposta satisfaz a interrogativa.
Em (29), portanto, podemos ter tanto uma pergunta-eco,
relacionada à pergunta ordinária, quanto uma pergunta com efeito de
surpresa, relacionada à pergunta ordinária enviesada. Em ambos os casos,
o ambiente inquisitivo é exaustivo, o que parece corroborar, portanto,
a hipótese de Guerzoni e Sharvit (2007). Embora o exemplo analisado
mostre que “sequer” pode funcionar em interrogativas de alternativa
do tipo “x ou y”, deve-se destacar que em interrogativas de alternativa
polar, cuja estrutura pode ser dada por “A-não-A”, esse IPN é bloqueado,
conforme observamos abaixo:
(32) *Maria sequer assou o bolo ou não?
(33) *Maria sequer ligou ou não?
A agramaticalidade dessas sentenças é um contraexemplo
para diversas abordagens sobre o licenciamento de IPNs apresentadas
anteriormente e impõe um problema mais sério para a hipótese da
exaustividade forte que parecia ser sustentada pelos exemplos em (28)
1040
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e (29). Caso a hipótese de Guerzoni e Sharvit (2007) e Nicolae (2015)
estivesse correta, esse tipo de comportamento do item “sequer” não seria
esperado, pois questões de alternativa polar são também fortemente
exaustivas, dado que ao responder uma inquisição como “Maria veio
ou não?”, o falante sabe exatamente quais proposições do conjunto
resposta são verdadeiras e quais são falsas. Além disso, deve-se notar
que “ou” cria um contexto não verídico, logo, a hipótese de Giannakidou
(2011) também não pode explicar o comportamento observado, pois,
para a autora, é esse tipo de contexto que propicia o licenciamento de
itens e expressões de polaridade negativa. Seria possível, ainda, cogitar
a hipótese de que a agramaticalidade de uma sentença como (32) é
decorrente de um efeito de escopo, uma vez que o IPN encontra-se em
uma relação de escopo amplo sobre o VP; no entanto, os dados abaixo
demonstram que “sequer” em interrogativas de alternativa polar também
não pode ser licenciado tendo como escopo o sintagma nominal na
posição de objeto.
(34) a. *Maria assou sequer o bolo ou não?
b. *Pedro leu sequer um livro ou não?
c. *João sabe sequer matemática ou não?
O que poderia, então, explicar a agramaticalidade de “sequer”
em sentenças interrogativas “A-não-A”? Na seção 2, observamos que
IPNs e EPNs podem ser licenciados na ausência de uma negação, no
entanto, quando uma estrutura NegP está presente, o IPN não pode ter
escopo amplo sobre o elemento negativo, de tal modo que essa interação
mapearia uma sentença agramatical [*IPN > NegP]. Interrogativas de
alternativa polar apresentam em sua estrutura um elemento negativo
morfologicamente realizado na posição mais baixa da sentença, o que faz
com que o IPN necessariamente tenha escopo sobre a negação [*sequer >
não(p)]. Em um primeiro olhar, portanto, a hipótese de Linerbarger (1980)
e Rizzi (1982) poderia explicar a restrição imposta ao aparecimento
de “sequer” em interrogativas de alternativa polar, mas deve-se notar
que podemos encontrar outros elementos de polaridade negativa nesse
ambiente, tal como apresentamos na sentença (1c), replicada abaixo.
(35) Ela deu a mínima para o que o Pedro falou ou não?
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Se o minimizador “dar a mínima” pode aparecer em uma posição
mais alta do que a negação, em uma interrogativa que solicita realmente
a confirmação de uma informação, talvez a hipótese do escopo de
uma negação não seja uma boa explicação para a agramaticalidade de
interrogativas “A-não-A” com “sequer”. Uma saída possível para buscar
uma explicação para o bloqueio de “sequer” em perguntas de alternativa
polar reside, assim, em observar a interação entre propriedades do IPN
e do ambiente “A-não-A”. Primeiramente, devemos ter em vista o fato
de que o IPN cria um conjunto de alternativas relevantes em relação
ao contexto e estabelece que a proposição p, contida na interrogativa,
é a mais provável. Nas interrogativas polar e de alternativa, discutidas
anteriormente, notamos que em (28) o IPN atuava sobre o conjunto de
pessoas esperadas para a festa, sendo, assim, “Maria vir para a festa” a
proposição mais provável; e, em (29), “sequer” aventava o conjunto de
coisas que Joana poderia ter feito para obter o livro, sendo que a questão
incidia sobre ela ter ou “não comprado” ou “não xerocado” o livro, de
tal modo que as duas proposições seriam as mais prováveis do contexto.
Note-se, ainda, que uma interrogativa com “sequer” sempre questiona
se a proposição (mais provável) não é o caso, isto é, interrogar “sequer a
Maria veio?” equivale a perguntar se “Maria não veio” e, analogamente,
interrogar “Joana sequer comprou ou xerocou o livro?” equivale a
perguntar se “Joana não comprou o livro” ou “Joana não xerocou o livro”.
Em uma pergunta de alternativa polar, como (32), o conjunto contextual
relevante não contém mais informação do que a proposição nuclear
presente na interrogativa. Desse modo, “sequer” não pode ranquear as
alternativas relevantes localizando a mais provável do contexto, uma vez
que o domínio de quantificação não recai sobre indivíduos ou eventos,
trata-se, na verdade, de um mesmo evento desempenhado por um mesmo
indivíduo. Além disso, se considerarmos que “sequer” incide sobre a
proposição contida na interrogativa, questionando se ela não é o caso,
em (32) obteríamos algo como “*Maria não assou o bolo ou não?”, uma
sentença redundante e, portanto, pouco informativa. Parece, então, que
são propriedades lógicas do “sequer” que impedem seu licenciamento
em estruturas interrogativas “A-não-A”.
Uma última estrutura interrogativa a ser analisada diz respeito às
perguntas de constituinte ou wh. Assim como no caso das interrogativas
polares e de alternativa (não polar), sentenças wh também licenciam o
IPN “sequer”. Nesse caso, a interpretação é a de que há um pedido de
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informação genuíno que possa atualizar o estado epistêmico do falante,
ou seja, interrogativas de constituinte com “sequer” são interpretadas
enquanto perguntas ordinárias, sem o efeito de surpresa. A sentença
(30), “de quem sequer a Joana gosta?”, por exemplo, pede que o
interlocutor selecione do conjunto relevante um único indivíduo que
possa saturar a estrutura “nem Joana gosta de y”. Esse fato traz dois
pontos interessantes: (i) a resposta acaba sendo fortemente exaustiva,
posto que se o falante sabe quem é o indivíduo de quem nem a Joana
gosta, então necessariamente ele também sabe que o predicado “nem
Joana gostar de y” não se aplica a nenhum outro indivíduo do domínio
de quantificação relevante; e (ii) a pergunta carrega a pressuposição de
que ninguém gosta de um determinado indivíduo, logo, esse tipo de
interrogativa pode também ser interpretada com um efeito de surpresa,
além de solicitar uma informação que preencha a variável “quem”. Nesse
caso, seria esperado que pelo menos Joana gostasse do indivíduo y, mas,
como nem ao menos Joana gosta de y, pode haver uma espécie de espanto
por parte do falante ao proferir esse tipo de pergunta.
Além da questão interpretativa, outro fato interessante sobre a
estrutura das interrogativas wh e sua interação com “sequer” é a relação
de escopo que deve ser respeitada para que a sentença seja licenciada:
o IPN precisa ter escopo amplo sobre o elemento interrogativo, caso
essa ordem seja violada, as seguintes sentenças são mapeadas enquanto
agramaticais.
(36) a. *Sequer quem ligou?
b. *Sequer quando Maria disse que vem?
c. *Sequer de quem a Maria gosta?
O fato de o IPN não poder incidir diretamente sobre o CP
interrogativo poderia ser um argumento para abordagens que postulam
um operador oculto abaixo do núcleo de CP como sendo o responsável
pelo licenciamento de itens de polaridade negativa (NICOLAE, 2015).
No entanto, esse tipo de abordagem não poderia explicar o bloqueio de
“sequer” em uma interrogativa “A-não-A”, por exemplo, dado que o
operador deveria estar virtualmente disponível nesse tipo de estrutura
também. Assim, com base nos dados e na discussão apresentados, a
distribuição e o licenciamento de “sequer” em interrogativas do PB parece
favorecer a hipótese da exaustividade (GUERZONI; SHARVIT, 2007),
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pois todos os ambientes nos quais “sequer” é licenciado exigem respostas
exaustivas. O bloqueio de “sequer” em estruturas de alternativa polar
não parece estar relacionado à propriedade da exaustividade, mas sim
a uma incompatibilidade lógica entre a propriedade de escalaridade do
IPN e as proposições alternativas criadas pelo contexto da interrogativa,
que não formam um conjunto suficientemente grande para ser avaliado
e escalonado. Considerando que outros itens e expressões de polaridade
negativa são habilitados a constituir uma interrogativa “A-não-A”,
acreditamos que o bloqueio de “sequer” nesse ambiente não seja um
contra-argumento para a hipótese de Guerzoni e Sharvit (2007). Notese que, apesar de assumirmos que é a exaustividade que pode estar
controlando o licenciamento de “sequer” em estruturas inquisitivas,
não associamos essa propriedade à abordagem de Nicolae (2015), que
defende a existência de um operador oculto que criaria localmente um
ambiente de monotonicidade decrescente. Com isso, podemos formar um
primeiro quadro de funcionamento do IPN “sequer” em interrogativas
do PB, resumido no quadro abaixo.
QUADRO 1 – Ambientes interrogativos que licenciam “sequer” e leituras permitidas
Admite pergunta
ordinária
enviesada?
Tipo de
interrogativa
Licencia
“sequer”?
Wh
√
–
√
√
Polar
√
–
–
√
Alternativa
√
–
√
√
Alternativa polar
*
–
–
–
Admite pergunta Admite pergunta
retórica?
ordinária?
Fonte: elaborado pela autora.
Esse quadro de distribuição do “sequer” demonstra que apenas
interrogativas de alternativa polar não licenciam o IPN sob análise e,
além disso, a leitura retórica não parece estar disponível para nenhum
dos casos. Por mais que uma pergunta com “sequer” possa carregar
a pressuposição de que nem o caso mais provável do conjunto de
alternativas aconteceu, como ocorre na leitura de surpresa atrelada à
pergunta ordinária enviesada, o “sequer” não parece poder se relacionar a
uma asserção negativa. Ou seja, esse IPN sempre solicita uma informação
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legítima, ainda que elicie apenas a confirmação de algo declarado
anteriormente na situação discursiva. Na seção 3, discorremos sobre
a possibilidade de se inserir o advérbio “lá”, sem um sentido locativo,
em estruturas interrogativas com IPNs e EPNs, para enfatizar o fato
de o falante realmente saber que a proposição contida na pergunta não
é verdadeira. Esse advérbio marcador de foco não é licenciado em
estruturas com “sequer”, o que pode comprovar a impossibilidade de se
obter uma leitura retórica de interrogativas com esse IPN.
(37) a. * Lá sequer a Maria veio pra festa?
b. * Joana lá sequer comprou ou xerocou o livro?
c. * De quem lá sequer a Joana gosta?
Observamos, também, que em todos os ambientes nos quais
“sequer” é licenciado, a pergunta obtém uma resposta exaustiva e
concluímos que o fato de “sequer” não ser licenciado em uma estrutura
“A-não-A” não é um contra-argumento para a hipótese da exaustividade
(GUERZONI; SHARVIT, 2007); afinal, parece haver apenas uma
incompatibilidade entre a contribuição semântica do “sequer” na sentença
e a estrutura da interrogativa. Em sentenças como “*Pedro sequer leu o
livro ou não?” não há proposições alternativas suficientes no contexto
para que o IPN ranqueie a proposição contida na questão como a mais
provável, tal fato bloqueia, assim, o aparecimento de “sequer” nesse
tipo de estrutura.
Por mais que as explicações sugeridas para o licenciamento de
“sequer” sejam ainda bastante incipientes e de caráter especulativo,
esperamos que a discussão aqui elaborada tenha sido relevante não apenas
para os estudos sobre os itens de polaridade negativa, como também para
investigações a respeito da semântica das questões, pois demonstramos,
por exemplo, o porquê de interrogativas não poderem exibir a propriedade
da monotonicidade decrescente. Além disso, conseguimos aventar uma
semântica para o “sequer” (cf. (31)), baseada na hipótese de que esse item
dispara uma pressuposição escalar, que parece explicar o bloqueio desse
item em estruturas interrogativas “A-não-A”. Esperamos, com isso, ter
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dado apenas o primeiro passo para compreender melhor o funcionamento
de IPNs e EPNs em interrogativas.
5 Considerações finais
Neste trabalho, discutimos o funcionamento do item de polaridade
negativa “sequer” em sentenças interrogativas do PB. Demonstramos,
inicialmente, quais são os problemas que o licenciamento de IPNs nesse
ambiente impõe para as abordagens mais consolidadas da literatura
(LADUSAW, 1979; LINEBARGER, 1980; RIZZI, 1982; HEIM,
1984; GIANNAKIDOU, 1995, 2011; NICOLAE, 2015; GUERZONI;
SHARVIT, 2007). Após discutirmos algumas especificidades de
cada abordagem apresentada, com destaque para as hipóteses (a) do
licenciamento sob o escopo de uma negação (LINEBARGER, 1980;
RIZZI, 1982); (b) da monotonicidade decrescente (LADUSAW, 1979);
(c) da não veridicidade (GIANNAKIDOU, 1995, 2011); (d) da hipótese
da ampliação de domínio; (e) do licenciamento de IPNs na presença de
um operador oculto (HEIM, 1984; NICOLAE, 2015); e (f) da hipótese da
exaustividade, investigamos a distribuição do “sequer” em interrogativas
do PB e demonstramos que as abordagens discutidas têm um poder
explicativo bastante estreito sobre o fenômeno, não dando conta da
assimetria observada entre sentenças como “sequer a maria veio?” e
“*sequer a Maria veio ou não?”. Apesar de tal fato, os dados apontaram
para uma maior produtividade da hipótese da exaustividade, defendida
por Guerzoni e Sharvit (2007).
Por mais que a investigação elaborada tenha sido uma
primeira tentativa de sistematização desse tipo de dado em português
brasileiro, encontramos alguns fatos interessantes sobre o “sequer”
relacionados ao tipo de estrutura interrogativa em que pode ocorrer e
ao tipo de interpretação que surge como consequência dessa relação de
licenciamento. Notamos, primeiramente, que esse item pode aparecer
em interrogativas polares, em perguntas de alternativa (não polar) e
em questões wh. O único ambiente que restringe “sequer” de um modo
sistemático é o das interrogativas de alternativa polar do tipo A-não-A,
provavelmente porque há uma incompatibilidade entre a semântica do
“sequer” e a estrutura da interrogativa, que não permite a criação de um
conjunto amplo de proposições alternativas sobre o qual “sequer” atuaria.
Com a análise, também demonstramos que interrogativas com “sequer”
não permitem uma leitura retórica, podendo variar apenas entre uma
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pergunta que elicita uma informação legítima e uma pergunta que, além
de elicitar a informação, demonstra uma espécie de surpresa do falante
em relação à proposição contida na questão. Explicamos a origem dessa
leitura de surpresa com base na ideia de que o falante pressupõe que a
intersecção entre os conjuntos de informação contextualmente relevantes
é vazia. Contrariamente ao que foi postulado por autores como Heim
(1984) e Abels (2003) para o operador “even”, assumimos que a semântica
de “sequer” parece tomar a proposição contida na interrogação como
foco e torná-la a proposição mais provável no conjunto disponível e não
a menos verossímil. O que a leitura de surpresa evoca, portanto, é que
nem o mais provável para a situação aconteceu, daí o efeito de espanto.
Nossa investigação demonstrou que o licenciamento de IPNs é um
fenômeno complexo e, ao menos até o momento, não parece estar restrito
a apenas uma fonte gramatical. Nos parece que o caminho a ser seguido
em trabalhos futuros deva se adequar às ideias de Chierchia (2013), pois
não basta encontrar quais estruturas bloqueiam a distribuição de itens
e expressões de polaridade negativa, é preciso demonstrar quais são os
tipos de significado que podem gerar a distribuição e o funcionamento
desses elementos. Esperamos que as ideias aqui discutidas se apresentem
como um ponto de partida para essa tarefa.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de doutorado que tornou
este trabalho possível. Também agradeço ao professor Renato Miguel
Basso e aos pareceristas anônimos pela leitura atenta do texto. Qualquer
erro que possa ser encontrado é de minha inteira responsabilidade.
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