DOI: 10.21901/2448-3060/self-2019.vol04.0008
Artigo de Reflexão
C. G. Jung e a religião
Punita MIRANDA
Londres, Reino Unido.
Resumo
Este artigo examina o envolvimento de Jung com o fenômeno da
religião durante vários estágios de sua vida e acompanha o
desenvolvimento correspondente de suas teorias ao longo desses
estágios. Demonstra como a religião gradualmente assumiu um
lugar definitivo em sua teoria e prática e permeou os temas mais
marcantes: a psiquiatria, a psicanálise, a tipologia, a teoria dos
arquétipos e, finalmente, a psicologia dos motivos religiosos. As
ideias aqui desenvolvidas baseiam-se em uma ampla revisão da
literatura sobre a obra junguiana e em uma série de relatos sobre o
autor. Desde os anos dedicados à composição de seu “The Red
Book”, Jung empenhava-se em compreender os efeitos
psicológicos e históricos do cristianismo. À medida que
amadurecia, mais fortemente sentia que sua tarefa era tratar os
males espirituais e religiosos de seus pacientes. Toda a sua obra
pode ser entendida como uma tentativa de apreender o futuro
desenvolvimento religioso do Ocidente, dada sua convicção de
que a religião era necessária para a evolução espiritual da
humanidade. Uma poderosa ilustração da influência de Jung
sobre a segunda metade do século XX foram as Conferências de
Eranos, que ele promovia anualmente para discutir ideias
inovadoras sobre religião. As conferências tornaram-se um dos mais
importantes fóruns de disseminação de suas ideias religiosas junto
Conflito de interesses:
ao público mais amplo. Em suas pesquisas, ele ativamente
A autora declara não
cultivava diálogos com teólogos e historiadores da religião e tudo
haver nenhum
o que publicava relacionava-se, em alguma medida, com o tema,
interesse profissional ou chegando a empregar termos religiosos para designar a primeira
pessoal que possa
das quatro etapas de seu processo analítico: confissão,
gerar conflito de
elucidação, educação e transformação.
interesses em relação
a este manuscrito.
Descritores
Jung, Carl Gustav, 1875-1961, religião, psicologia.
Recebido: 15 mar 2018; Revisado: 30 out 2018; Aprovado: 09 dez 2018; Aprovado para
publicação: 19 maio 2019.
Self – Rev Inst Junguiano São Paulo, 2019;4:e8
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
C. G. on religion
Abstract
This paper considers Jung’s lifelong engagement with the
phenomenon of religion. More specifically, it examines the
development of his theories in relation to the stages of his life and how
religion gradually assumed a definite place in his theory and practice;
moving over from psychiatry through psychoanalysis and typology to
the theory of archetypes, and finally to the psychology of religious
motifs. This study is based on a large literature review of the Jungian
works and accounts about the author. From the years spent
composing his “The Red Book”, Jung struggled to understand the
psychological and historical effects of Christianity. The older he got,
the more he felt a powerful sense that it was his task to treat the
spiritual and religious ills of his patients. His whole oeuvre can be
understood as an attempt to grasp the future religious
development of the West, in the conviction that religion is necessary
for the spiritual evolution of mankind. A strong example of Jung’s
influence in the second half of the 20th century was the annual Eranos
Conferences, which he promoted to discuss innovative ideas about
religion. The conferences became one of the most important forums
of dissemination of his religious ideas to a broader public. In the
course of his research he actively cultivated dialogue with
theologians and historians of religion, and everything he published
had to do with religion to a greater or lesser degree. He even
employed religious terms for his therapeutic format, like in the first of
the four stages of his analytical process: confession, elucidation,
education and transformation.
Descriptors:
Jung, Carl Gustav, 1875-1961, religion, psychology.
Self – Rev Inst Junguiano São Paulo, 2019;4:e8
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
C. G. Jung y la religion
Resumen
Este artículo examina la implicación de Jung con el fenómeno de
la religión durante varias etapas de su vida y acompaña el
desarrollo correspondiente de sus teorías a lo largo de esas etapas.
Demuestra cómo la religión gradualmente asumió un lugar
definitivo en su teoría y práctica y penetró los temas más
sobresalientes: la psiquiatría, el psicoanálisis, la tipología, la teoría
de los arquetipos y, finalmente, la psicología de los motivos
religiosos. Las ideas aquí desarrolladas se basan en una amplia
revisión de la literatura sobre la obra junguiana y en una serie de
relatos sobre el autor. Desde los años dedicados a la composición
de su “The Red Book”, Jung se empeñaba en comprender los
efectos psicológicos e históricos del cristianismo. A medida que
maduraba, sentía más fuertemente que su tarea era tratar los
males espirituales y religiosos de sus pacientes. Toda su obra puede
ser entendida como una tentativa de aprehender el futuro
desarrollo religioso de Occidente, dada su convicción de que la
religión era necesaria para la evolución espiritual de la humanidad.
Una poderosa ilustración de la influencia de Jung sobre la segunda
mitad del siglo XX fueron las Conferencias de Eranos, que él
promovía anualmente para discutir ideas innovadoras sobre
religión. Las conferencias se convirtieron en uno de los más
importantes fórums de diseminación de sus ideas religiosas para un
público más amplio. En sus investigaciones, él activamente
cultivaba diálogos con teólogos e historiadores de la religión y todo
lo que publicaba se relacionaba, en alguna medida, con el tema,
llegando a emplear términos religiosos para designar la primera de
las cuatro etapas de su proceso analítico: confesión, elucidación,
educación y transformación.
Descriptores
Jung, Carl Gustav, 1875-1961, religión, psicología.
Self – Rev Inst Junguiano São Paulo, 2019;4:e8
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
Introdução
Eu não espero que nenhum crente cristão siga esses meus
pensamentos além deste ponto, pois provavelmente os
verá como absurdos. No entanto, não estou me dirigindo
aos felizes possuidores da fé, mas àqueles para quem a
luz se apagou, o mistério se desvaneceu e Deus está
morto. Para a maior parte desses, não há retorno possível
e ninguém sabe se tal retorno seria sempre a melhor
escolha. A fim de ganhar uma compreensão das
questões religiosas, provavelmente tudo o que nos resta
hoje é a abordagem psicológica (Jung, 1938/1969,
CW11, p. 89, §148).
A ascensão da psicologia ocorreu na atmosfera da Europa
germânica do fim do século XIX como reação ao racionalismo, ao
materialismo e à ideia nietzschiana (1882/2001) da morte de Deus,
proclamada em 1882 com a publicação de “The Gay Science”
(Brooke, 1991; Nagy; 1991). Entre as décadas de 1870 e 1930, foram
estabelecidas as bases disciplinares e teóricas da psicologia e da
psicoterapia modernas (Shamdasani, 2003). Sendo um
componente central da modernidade, a psicologia emergiu na
mesma medida em que declinava o poder da religião. Nas
palavras de Shamdasani, um historiador da psicologia e
especialista em Jung, isso representou “o ato mais decisivo no
coroamento da revolução científica” (Shamdasani, 2003, p. 4).
Peter Homans (1930–2009) afirmou que a emergência da
psicologia “é a vitória da guerra crônica entre teologia e ciência e
que existe algo, com um sentido substitutivo, a respeito da
psicologia, como se ela pudesse ser vista como a “religião invisível”
do homem moderno” (Homans, 1995, pp. 8-9). Segundo ele, a
religião é uma força histórica imemorial e a psicologia é uma
resposta moderna a ela.
A importância do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875–1961)
para o século XX reside no poder de suas ideias e de sua
personalidade, que resultaram na organização de um movimento
altamente influente em torno de suas teorias, conhecido como
psicologia analítica. Jung foi o herdeiro de muitas tendências de
pensamento do século XIX e sua psicologia respondia a problemas
científicos e filosóficos da virada deste século. Na filosofia, ele
encontrou análogos históricos para muitas de suas intuições o que
o ajudou a lançar as ideias fundacionais de sua psicologia. Alguns
desses decisivos encontros intelectuais foram com os trabalhos de
Immanuel Kant (1724–1804), Arthur Schopenhauer (1788–1860) e
Eduard von Hartmann (1842–1906) (Jung, 1951/1980, CW9-I). Nos
escritos de Kant, Jung descobriu que “não existe nenhum
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conhecimento daquilo que está fora da nossa experiência”. Assim,
sua orientação filosófica seria caracterizada pela ênfase na
autoridade da experiência individual – que, no seu caso, era de
natureza religiosa (Nagy, 1991).
Essa crença na superioridade da experiência interior e nos
sentimentos coincidia com a forma radicalmente nova de abordar
a teologia inaugurada pelo teólogo protestante Friedrich
Schleiermacher (1768–1834), que considerava como fonte da
religião um sentimento imediato, ou consciência, precursor do
saber (awareness) racional. Ao abordar a teologia do ponto de
vista da experiência, Schleiermacher buscava libertar a crença e
a prática religiosas do argumento metafísico e enraizá-las na
experiência humana, argumentando que “a religião não deve ser
reduzida a ciência, metafísica ou moralidade” (Proudfoot, 1985, p.
xiii). Este foco na importância de se descrever a experiência
religiosa da perspectiva do sujeito foi fundamental para moldar
subsequentes estudos de fenômenos religiosos. O próprio Jung foi
influenciado por dois conhecidos proponentes da nova
abordagem de Schleiermacher: o filósofo e psicólogo americano
William James (1842–1910) e o teólogo luterano alemão Rudolf Otto
(1868–1937), cujo conceito de numinoso viria a se tornar uma pedra
angular da psicologia junguiana.
Talvez, em nenhum outro caso, a íntima conexão entre a vida, o
trabalho e a obra de um indivíduo estejam tão claramente
representados como em Jung. Pode-se apreciar plenamente seus
esforços
enquanto
pioneiro
e
investigador
científico,
acompanhando seu interesse e envolvimento com os aspectos
“irracionais” da experiência, como indivíduo e como um psiquiatra
conhecido do público (Shelburne, 1988).
As experiências religiosas de Jung tiveram papel crucial na
formação de suas ideias. Ele sentia-se compelido a pesquisar e a
oferecer algo para combater tanto a dúvida científica quanto a
religiosa. Essas experiências foram incorporadas ao seu
pensamento teórico e sua conceituação foram tentativas de
formular “uma nova psicologia científica baseada na experiência
imediata” (Jacobi, 1962, p. vii), enquanto ele avançava na
discussão dos principais temas da época sobre filosofia, sociologia,
biologia, antropologia e religião comparada (Shamdasani, 2003).
A preocupação de toda uma vida com o fenômeno da religião e
sua relação com o sofrimento mental da humanidade levou Jung,
na maturidade, a tentar compreender os efeitos psicológicos e
históricos do cristianismo e a enfrentar o problema da presença do
mal em um mundo criado por um Deus amoroso e compassivo.
Filtrando uma ampla variedade de disciplinas orientais e ocidentais
através de sua personalidade, Jung afirmava haver objetivamente
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abordado e anexado um reino da alma humana situado entre a
psicologia e a religião (Ellenberger, 1970,). Ele foi “o mais
destacado psicólogo moderno a afirmar os valores religiosos” e, de
fato, concentrou grande parte de seus trabalhos nos estudos
religiosos (Shamdasani, 1998, pp. 3-4).
No “The Brill Dictionary of Religion” (von Stuckrad, 2007), o nome de
Jung surge em vários contextos. No volume II, ele é mencionado
em “esoterismo”:
estudioso do esoterismo (como o estudo
alternativo
das
religiões
europeias
codificadas
e
institucionalizadas), Jung fazia parte de um contramovimento de
reação ao “desencantamento do mundo” e as Conferências de
Eranos eram um círculo de pesquisadores e criadores de mitos, de
um Iluminismo revivalista. No volume III, no verbete “mito”: uma
contribuição à teoria simbólica do estudo do mito; em “nova era”:
sua psicologia espiritualizada teve impacto em várias mudanças
sociais e culturais que caracterizaram a sociedade moderna nas
últimas décadas do século XX; em “psique”: sua psicologia
analítica preocupa-se com a cura e está carregada de aspectos
religiosos, especialmente com paralelos entre psicoterapia e
cristianismo; em “psicanálise”: com sua ideia de arquétipos e
inconsciente coletivo, Jung acrescentou um estrato religioso ao
movimento psicanalítico. Por fim, no volume IV, em “ficção
científica”: ele interpretava os objetos voadores não identificados
(OVNI) como uma moderna religião da redenção.
No decorrer de suas pesquisas, Jung cultivou diálogos com
teólogos e historiadores da religião, incluindo o padre dominicano
Victor White (1902–1960), o filósofo judeu Martin Buber (1878–1965)
e o teólogo protestante Paul Tillich (1886–1965). Conforme
enfatizado por Christine Maillard, professora de estudos germânicos
e especialista em Jung, a estatura que Jung conferiu a esses nomes
faz de sua obra um dos principais trabalhos de psicologia da
religião do século XX (Maillard, 2006).
Um poderoso exemplo da influência de Jung na segunda metade
do século XX, as Conferências de Eranos, realizadas anualmente
perto de Ascona, na Suíça, eram um dos eventos sobre religião
mais dinâmicos e inovadores. Dedicadas ao estudo das
interrelações entre psicologia, filosofia, religião e espiritualidade,
Eranos eram organizadas como um “laboratório de pesquisa” e
Jung foi uma figura dominante durante toda a primeira fase das
conferências.
Atualmente, como se pode entender as origens, a formação e o
contexto das ideias únicas de Jung sobre religião? As lentes através
das quais examinou-se o desenvolvimento das teorias junguianas
sobre a psicologia da religião estão alinhadas com os estágios da
vida de Jung e com o respectivo desenvolvimento de suas ideias.
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Essas concepções sustentam-se em dois alicerces: as experiências
pessoais de Jung e suas observações clínicas.
Primeiras experiências pessoais
Ninguém podia me roubar a convicção de que estava
fadado a fazer o que Deus queria e não o que eu queria.
Isso deu-me forças para seguir meu próprio caminho.
Frequentemente, sentia que em questões decisivas, eu já
não estava entre os homens, mas, sozinho com Deus
(Jung, 1961/1995, p. 65).
Jung foi levado a se confrontar com temas religiosos por diferentes
caminhos. Com o pai ministro protestante da Igreja Suíça
Reformada, dois tios paternos pastores e seis tios maternos
teólogos, ele sempre ouviu muitas conversas sobre religião,
discussões teológicas e sermões. (Jung, 1961/1995, p. 58). Em carta
a Henry Corbin, de 4 de maio de 1953, Jung escreveu:
Schleiermacher realmente é um dos meus ancestrais
espirituais. Ele até mesmo batizou meu avô – nascido
como católico [...]; o vasto, esotérico e individual espírito
de Schleiermacher era uma parte da atmosfera
intelectual da família do meu pai. Eu nunca o estudei,
mas, inconscientemente, ele foi para mim um spiritus
rector (Jung, 1953/1976, CW2, p. 115).
Seria difícil, portanto, surpreender-se com a influência do pano de
fundo familiar explicitamente religioso sobre sua vida. Porém, não
era tanto o aspecto tradicional religioso que instigava Jung, pois
isso em pouco tempo se provaria um ritual vazio, nada além de
dogmas, mas, principalmente, o fato de que sua infância tenha
sido preenchida por sonhos bizarros, visões e dilemas religiosos,
incluindo uma imagem de Deus ao mesmo tempo bom e terrível, o
que lhe deu um poderoso e perturbador senso da realidade do
mal. Isso pode ser notado em seus sonhos com o falo devorador de
homem, aos três e quatro anos, em que ele percebeu como um
“deus subterrâneo” (Jung, 1961/1995, p. 27); em uma visão de Deus
(aos 12 anos) sentado em seu trono celestial dourado, defecando
sobre o teto da catedral de Basileia e a destruindo (Jung,
1961/1995, p. 56); em seu desapontamento com a falta de
compreensão do pai sobre a contradição da Trindade, enquanto
este lhe dava instruções para a crisma (aos 15 anos); em sua
insípida experiência com a comunhão, que se provou uma um
fracasso total: “isso não é religião de forma alguma, é uma
ausência de Deus, a igreja não é um lugar de vida, mas de morte”
(Jung, 1961/1995, p. 73); na confirmação de seus sentimentos
relativos ao mal – “há quem tome o demônio seriamente” –,
quando leu “Faust” de Goethe aos 16 anos (Jung, 1961/1995, p. 77).
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Jung rejeitava a religião tradicional e convencional de seu pai e
da sua comunidade: “no tanto em que todos eles representavam
a religião cristã, eu era alguém de fora” (Jung, 1961/1995, p. 74). O
desapontamento com o cristianismo externo, exotérico, e o tom
emocional de suas experiências internas diretas induziram nele
“uma quase insuportável solidão”. Jung relata em sua biografia:
[...] assim, o padrão de minha relação com o mundo já
estava prefigurado: hoje, como então, sou um solitário,
porque sei coisas e devo perceber coisas que outras
pessoas não sabem e, normalmente, nem ao menos
querem saber (Jung, 1961/1995, p. 58)
Isso o sobrecarregava com a tarefa de encontrar um caminho
para compreender e superar não apenas sua própria alienação
espiritual pessoal, como também o mal-estar da alienação
espiritual geral contemporânea (Shamdasani, 2009). Esse caminho
era, certamente, o da psiquiatria, que viria a ser para Jung a trilha
onde “a colisão da natureza e do espírito tornaram-se uma
realidade” (Jung, 1961/1995, p. 130).
Primeiros anos profissionais – desenvolvimento psiquiátrico
O conhecimento dos conteúdos subjetivos da
consciência significa muito pouco, pois nos diz
praticamente nada a respeito da vida real, subterrânea,
da psique [...] este tipo de conhecimento médico
contém meramente informações sobre uma doença,
mas não o conhecimento da alma que está doente
(Jung, 1952/1967, CW5, p. xxvi.) (Destaque nosso).
Conforme descrito, a religião era um assunto de interesse pessoal
para Jung, embora apenas gradualmente tenha vindo a assumir
um lugar definitivo em sua teoria e prática. Ao longo dos anos, seu
interesse foi mudando da psiquiatria, passando pela psicanálise e
pela tipologia, até a teoria dos arquétipos e, finalmente, a
psicologia dos motivos religiosos (Jung, 1961/1985, CW4). A seguir,
será feita uma revisão desse desenvolvimento, pois ele mostra-se
fundamental para a compreensão de como sua psicologia
contribuiu para uma perspectiva religiosa da vida humana.
Jung trabalhou como psiquiatra no Hospital Psiquiátrico Burghölzli,
da Universidade de Zurique, de 1900 a 1909. Nesse período,
introduziu uma transformação na psiquiatria com a aplicação do
teste de associação de palavras, que lhe rendeu reputação
internacional. Naquela época, seu interesse pelo fenômeno
religioso foi breve e relacionado a casos de distúrbios
psicopatológicos, como esquizofrenia, perturbações maníacas,
alucinações e visões. Jung estava convencido de que delírios,
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alucinações e certos fenômenos ocultos tinham matizes religiosos;
porém, ele se aventuraria a avançar sobre esse campo somente
muito tempo depois. Mas, por exemplo, sua tese de doutorado “On
the psychology and psychopathology of so-called occult
phenomena”, publicada em 1902, já continha vislumbres de suas
ideias em forma germinal: a receptividade superior da mente
inconsciente sobre a consciente, a significância teleológica dos
distúrbios psicológicos, a produção espontânea de material
mitológico pelo inconsciente (Heisig, 1979).
É importante mencionar que, durante os anos de sua pesquisa
experimental, Jung encontrou, pessoalmente, diversos pensadores
de destaque internacional, incluindo o filósofo e psicólogo
americano William James (1842–1910), o filósofo e médico suíço
Théodore Flournoy (1854–1920) e, é claro, o neurologista austríaco
Sigmund Freud (1856–1939). Cabe aqui um sumário do trabalho
desses grandes homens, na medida em que suas excepcionais
influência e repercussão contribuíram para o desenvolvimento da
base intrapsíquica da psicologia de Jung.
William James era extremamente influente não apenas no campo
dos estudos religiosos, mas também na área da psicologia e da
pesquisa sobre temas psíquicos. Ele transitava por uma ampla
gama de disciplinas acadêmicas e sua formação como psicólogo
lhe propiciou insights sobre questões de religião desvinculadas de
comunidades religiosas específicas. Seus livros “The principles of
psychology” (1890/1918), “The varieties of religious experience: A
study in human nature” (1902/2004) e “Pragmatism and four essays
from the meaning of truth” (1907/1970) não apenas destacam a
interface entre psicologia e religião, mas também a importante
distinção entre a orientação interiorizada da energia psíquica
versus a exteriorizada. Em “The varieties of religious experience: A
study in human nature”, James (1902/2004) afirmava que o
inconsciente era a porta de entrada para o despertar religioso, o
que viria a ser um modelo útil para Jung. Em uma carta a Kurt Wolff
de 17 de setembro de 1958, Jung escreveu: “Além de Théodore
Fournoy, James era a única mente notável com quem eu podia ter
uma conversa descomplicada. Eu presto homenagens, portanto,
a sua memória e sempre me lembro do exemplo que ele foi para
mim” (Shamdasani, 2003, p. 58).
Tendo sido amigo de William James durante toda a vida e
fortemente influenciado por seu pragmatismo, Théodoro Flournoy
ocupou a primeira cadeira de psicologia na Universidade de
Genebra, em 1892. Pela primeira vez, a psicologia era vista como
ciência e não como filosofia. (Shamdasani, 2003). Tanto Flournoy
quanto James estavam interessados em uma psicologia que
incluísse as dimensões transcendentes da personalidade e ambos
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
eram pioneiros nas pesquisas sobre a psique subliminar. Flournoy
(1900) foi um dos primeiros a registrar a psicologização de múltiplas
personalidades em seu livro “From India to the Planet Mars”. Na
época, o encontro dos psicólogos com sessões de mediunidade
marcou um passo importante no estudo da personalidade
subliminar: a realidade de deus e espíritos era vista como um
fenômeno subjetivo dentro do homem, ou seja, um fenômeno
intrapsíquico, e essa mudança preparou o caminho para a
psicologização do “Deus dentro da psique”. Mais tarde, isso se
tornaria a hipótese de trabalho de Jung sobre a existência de uma
entidade autônoma dentro da psique que os homens sempre
identificaram como seres metafísicos.
1Nota
dos editores:
O trabalho original,
“Wandlungen und
Symbole der Libido”,
que materializou de
forma contundente o
afastamento de Jung
das ideias de Freud, foi
publicado em duas
partes (1911 e 1912) e
traduzido para o inglês
como “Psychology of
the unconscious”. Em
1952 Jung lançou uma
nova edição definitiva
dessa mesma obra
com o nome de
“Symbole der
Wandlung”, traduzida
em 1956 para o inglês,
agora com o nome de
“Symbols of
transformation” e para
o português como
“Símbolos da
transformação”.
Como se sabe, o interesse de Freud residia na repressão sexual da
libido, mas, diferentemente de Jung, ele não tinha nenhuma
experiência com pacientes psicóticos. Ainda assim, no período de
1906 a 1913 os dois homens mantiveram ricas colaborações e
trocas. Apesar da admiração que sentia pelo trabalho pioneiro de
seu colega austríaco, de maneira gradual, Jung elaborou e firmou
uma posição diametralmente oposta à de Freud. Em seu artigo
“The significance of the father in the destiny of the individual” (Jung,
1949/1985, CW4), deu um passo decisivo, expandindo a
importância dada por Freud à relação pai-filho e alçando-a a uma
relação homem-Deus – com isso, ele estava “hereticamente”
transformando o secular em sagrado. Aqui, pela primeira vez,
vemos os primeiros passos de Jung no terreno da psicologia da
religião.
Nos anos seguintes, Jung tornou-se cada vez mais crítico da teoria
sexual de Freud, considerando-a uma explicação materialistareducionista, e começou um sério estudo sobre mitologia. Em
algum momento, tomou conhecimento do material publicado por
Théodore Flournoy (1906) sobre as fantasias de uma jovem norteamericana, Miss Miller. A partir do estudo das fantasias religiosas
desta jovem, Jung escreveu o livro “Wandlungen und Symbole der
Libido” (1911–1912), traduzido para o inglês como “Symbols of
transformations” (1952/1967, CW5)1, que marcou um retorno às
raízes de suas preocupações culturais e religiosas (Shamdasani,
2009). Jung ampliou as noções freudianas de libido e incesto e
apresentou uma nova compreensão da religião. Tentou analisar as
dinâmicas psicológicas por trás dos fenômenos religiosos, usando
material comparativo, mitológico e etimológico, em vez de
simplesmente deixá-los de lado por sua aparente “irrealidade”. As
imagens mitológicas e seus conteúdos psicológicos foram
inicialmente descritos por Jung como “dominantes”, “deuses”, ou
“os poderes que governam a psique”. Cronologicamente, os
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
nomes foram sendo mudados: “imagens primordiais”, em 1911;
“dominantes”, em 1917; e “arquétipos”, em 1919 (Shamdasani,
2003, p. 37).
Pouco depois, chegou à conclusão de que a soma dessas imagens
constituía um segundo sistema psíquico de natureza coletiva,
universal e impessoal e que, ao contrário da teoria de Freud, esse
sistema não se desenvolvia individualmente, mas era herdado: “O
substrato criativo é, em toda parte, essa mesma psique humana e
esse mesmo cérebro humano, que, com suas variações
relativamente insignificantes, funciona em toda parte do mesmo
modo” (Jung, 1952/1967, CW5, p. xxix).
Já em 1913, Jung reconheceu que suas diferenças com Freud
eram, principalmente, de atitudes religiosas (Nagy, 1991).
Conforme disse Victor White, “parece que, enquanto para Freud a
religião é um sintoma de doença psicológica, para Jung a
ausência da religião está na raiz de todas as doenças psicológicas
do adulto”. (White, 1952, p. 47). “Symbols of transformation”
(1952/1967, CW5) foi um trabalho pioneiro que estabeleceu as
bases para as construções teóricas desenvolvidas mais tarde por
Jung e continha, em forma de semente, os conceitos de sua teoria
dos arquétipos e do inconsciente coletivo. Dada a profundidade
do tema e o terreno que foi escavado e deslocado, não
surpreende que sua publicação também tenha resultado no
rompimento das relações entre essas duas colossais figuras da
psicologia.
Em 1929, Jung elaborou as diferenças entre sua visão e à de Freud:
Por causa de [minhas diferenças], sou acusado de
misticismo. No entanto, não me considero responsável
pelo fato de que sempre, em toda parte, o homem tenha
desenvolvido espontaneamente uma função religiosa e
de que a psique humana, desde tempo imemorial, tenha
sido permeada por sentimentos religiosos e ideias
religiosas [...] Esse complexo paterno, defendido com
tamanha obstinação e suscetibilidade, é uma função
religiosa mal compreendida, uma peça de misticismo
expressa em termos de relações biológicas e familiares.
Quanto ao conceito de Freud de “superego”, trata-se de
uma tentativa furtiva de contrabandear uma imagem
imemorial de Jeová sob as vestes de uma teoria
psicológica. De minha parte, prefiro chamar as coisas
pelos nomes com os quais sempre foram conhecidas.
(Jung, 1929/1985, CW4, p. 339, § 781).
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
A partir dessa citação, pode-se compreender claramente por que
razão Jung e Freud se separaram: embora os sintomas que
observassem em seus pacientes fossem semelhantes, suas formas
de abordá-los e de lidar com eles levaram a conclusões muito
diferentes. Para Jung, a libido estava enraizada em arquétipos, não
em forças que impulsionavam a libido sexual (Nagy, 1991). Embora
mantendo a mesma palavra usada por Freud, “libido”, Jung a
elaborou como uma energia mobilizadora e chegou ao ponto de
especular que (a) deus representava certa forma de energia, que
tem sido projetada desde sua origem inconsciente em uma
realidade metafísica; (b) o monoteísmo decorre de a libido ser uma
fonte comum partilhada; e (c) ritos religiosos e mágicos são meios
de mobilizar a libido para propósitos específicos. A intenção de
Jung não era divinizar a libido, mas, em vez disso, psicologizar
aquilo que o homem projeta como divino (Ellenberger, 1970; Heisig,
1979).
Experiências pessoais maduras – “The Red Book”
A separação dos dois não aconteceu sem danos e a liberdade
cobrou seu preço. Após a ruptura final com Freud, em 1913, a
comunidade psicanalítica afastou-se de Jung e ele também
deixou o cargo de editor do Jahrbuch für psychologische und
psychopathologische Forschungen, a primeira publicação
cientifica da pesquisa psicanalítica, publicada por Freud e Bleuler
(1909/1913) (Jung, 1961/1995, p. 191). No ano seguinte, em 1914,
Jung deixou a presidência da Associação Psicanalítica
Internacional e também sua posição como Privatdozent da
Universidade de Zurique (Jung, 1961/1995, pp. 218–225). Sua crise
profissional desencadeou um período de desorientação e
reafirmou-se sua propensão a experiências pessoais de cunho
religioso (Homans, 1995). De outubro de 1913 a julho de 1914, Jung
teve uma série de 12 visões apocalípticas que despertaram nele o
medo de se tornar psicótico. Anos mais tarde, ele expressou esse
medo para seu amigo, Mircea Eliade (1907–1986), historiador da
religião:
Como psiquiatra, fiquei preocupado, imaginando se não
estava a caminho de “desenvolver uma esquizofrenia”,
como se dizia na linguagem daquela época […] Eu
estava preparando uma palestra sobre esquizofrenia,
que seria apresentada em um congresso em Aberdeen,
e seguia me dizendo: “Estarei falando de mim mesmo!
Muito provavelmente, enlouquecerei depois de ler esse
texto” […] Em 31 de julho, imediatamente depois de
minha palestra, fiquei sabendo pelos jornais que a guerra
havia estourado. Finalmente, eu compreendi. Quando
desembarquei na Holanda no dia seguinte, não havia
Self – Rev Inst Junguiano São Paulo, 2019;4:e8
12
C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
ninguém mais feliz do que eu. Agora eu tinha certeza de
que nenhuma esquizofrenia estava me ameaçando. Eu
compreendi que meus sonhos e minhas visões vieram a
mim do subsolo do inconsciente coletivo. O que me
restava fazer era aprofundar e validar aquela
descoberta. Isso é o que venho tentando fazer há 40 anos
(McGuire & Hull, 1977, pp. 233-234).
Como Jung relata, embora a experiência não fosse isenta de riscos,
ele percebeu que suas fantasias descreviam o que estava
acontecendo não somente com ele, mas com toda a Europa. Esse
fato o convenceu de que seu medo de enlouquecer estava fora
de lugar e confirmou a necessidade de aprofundar a
compreensão de suas fantasias, tanto no nível subjetivo quanto no
coletivo. Desde então, Jung deu permissão “para a alma falar”. Em
um exemplo relevante de um diálogo que teve com sua alma, em
8 de janeiro de 1922, ela o informou:
As relações não se deixam ser substituídas pelo mais
profundo conhecimento. Além disso, uma religião não
consiste apenas em conhecimento, mas, no seu nível
visível, em um novo ordenamento dos assuntos humanos.
Portanto, não espere nenhum conhecimento adicional
de mim. Você sabe tudo o que é para ser sabido sobre a
revelação manifestada, mas ainda não vive tudo o que
é para ser vivido neste tempo.
O “eu” de Jung replicou: “Posso compreender
plenamente e aceitar isso. No entanto, não tenho clareza
sobre como o conhecimento poderia ser transformado
em vida. Você precisa me ensinar isso.”
Sua alma disse: “Não há muito a falar sobre isso. Não é
tão racional como você está inclinado a pensar. O
caminho é simbólico” (Jung, 2009, p. 211).
Entre 1913 e 1929, Jung compôs um trabalho literário de psicologia,
“The Red Book”, uma narrativa espiritual, centrada em encontros e
diálogos com uma série de figuras subliminais, que levaram ao
renascimento de uma nova imagem de Deus em sua alma, uma
nova visão de mundo, sob a forma de uma cosmologia psicológica
e teológica. Na introdução da obra, Shamdasani explica que Jung
tentou formular as coisas nos termos de uma revelação, afirmando
que suas visões anteriores à guerra levaram à composição do
“Liber Novus” eram proféticas. “The Red Book: Liber Novus”
representa uma criação privada que seguia em paralelo à
produção da sua obra acadêmica. Embora esta última tivesse sido
nutrida e inspirada pelo “The Red Book”, elas permaneceram
trabalhos distintos (Shamdasani, 2009).
Self – Rev Inst Junguiano São Paulo, 2019;4:e8
13
C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
A “jornada ao inconsciente” empreendida por Jung tornou-se a
grande força motriz originária de seu sistema psicológico. O
inconsciente coletivo e os arquétipos, que ele já conhecia em
razão de seu trabalho com pacientes e da literatura, eram agora
vivenciados pessoalmente; na “psique inconsciente” residia uma
fonte de conhecimento, sabedoria elevada e orientação (Jung,
2009; Nagy, 1991) A partir de seus “autoexperimentos”, Jung
adquiriu suas primeiras noções de anima, Self, individuação e do
simbolismo da mandala. Mais tarde, sistematizou esse processo
experimental como um método terapêutico para seus pacientes,
chamando-o de “imaginação ativa” – uma ferramenta usada
para explorar este novo campo de experiência, que pode tomar a
forma de diálogo, desenho, ou pintura com o inconsciente
(Hannah, 2001; Hull, 1971; Jung, 1956/1970 CW14; Jung, 1958/1981,
CW8; Jung, 2009; von Franz, 1998). Barbara Hannah, uma das
primeiras colaboradoras de Jung, deu a ele o crédito pela
descoberta da ideia de imaginação ativa, mas não por sua
invenção, destacando que se tratava de uma antiga “forma de
meditação que o homem tem usado para aprender a conhecer
seu Deus ou deuses” (Hannah, 2001).
Ao longo dos 16 anos nos quais trabalhou em “The Red Book”, Jung
continuou a expandir e a desenvolver sua autoexperimentação,
enquanto tentava formular um conceito intelectual daquelas
experiências nos artigos que escrevia. Nesse período de intensa
criatividade, ele buscou em várias fontes, orientais e ocidentais, a
inspiração para moldar suas teorias. Em 1929 Jung parou de
trabalhar em seu “The Red Book”, quando o sinólogo Richard
Wilhelm lhe enviou um tratado de alquimia taoista, “The secret of
the golden flower” (Wilhelm, 1929/2010), e pediu-lhe que
escrevesse um comentário sobre a obra.
Impressionado com o paralelismo entre as imagens do texto e suas
próprias mandalas, Jung começou a trabalhar publicamente para
construir uma ponte de entendimento psicológico entre o Oriente
e o Ocidente. Ao mesmo tempo, em particular, iniciou um estudo
intercultural sobre a alquimia medieval. Diversas pinturas de “The
Red Book” foram inspiradas por livros e filosofias orientais; durante
esse período, Jung voltou-se para a religião oriental em busca de
apoio e de insights. (Coward, 1985; Jung, 1929/1983, CW13).
Depois de 1930, o trabalho de Jung podia ser considerado como
uma amplificação dos conteúdos de seu “The Red Book”. Algumas
das afirmações contidas na publicação correspondem, muito de
perto, a posições que Jung, mais tarde, articularia em suas
“Collected Works” – elas “explicam mutuamente umas às outras”.
Historicamente, “The Red Book” é colocado em uma relação
hermenêutica aos escritos subsequentes de Jung (Shamdasani,
2009).
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
Escrito pelo teólogo alemão Rudolf Otto, “The idea of the holy: An
inquiry into the non-rational factor in the idea of the divine and its
relation to the rational” (1917) é uma fonte ocidental que conduziu
Jung em uma nova direção. Jung reconheceu no livro uma
descrição adequada de suas respostas físicas e emocionais em
face do mysterium tremendum e fascinans: “[...] reside, de fato, em
um ‘momento’ peculiar da consciência, ou seja, o estupor diante
de algo ‘inteiramente outro’, chame-se a esse outro de ‘espírito’,
daemon ou deva, ou deixe-o sem nenhum nome [...]” (Otto,
1917/1959, p. 41).
A definição de Otto (1917/1959) para religião como um sentimento
numinoso – “ação ou efeito dinâmico não causado por um ato
arbitrário da vontade” – foi a adotada por Jung ((Jung, 1938/1969,
CW11; Nagy, 1991). Psicologicamente, ele compreendeu a
significância do que Otto descrevia em razão da avassaladora
natureza das visões que ele, Jung, estava confrontando e porque
ela confirmava a qualidade numinosa que acompanhava a
manifestação de um arquétipo:
Devo enfatizar um aspecto dos arquétipos que será óbvio
para qualquer um que tenha experiência prática desses
assuntos. Ou seja: os arquétipos têm, quando surgem, um
caráter especificamente numinoso que somente pode
ser descrito como “espiritual”, caso a palavra “mágico”
seja muito forte. Consequentemente, esse fenômeno é
da mais extrema significância para a psicologia da
religião (Jung, 1947/1981, CW8, p. 205, § 405).
Jung expandiu ainda mais o numinoso para incluir “transformações
cruciais [...] que podem tomar a forma de conversões, iluminações,
choques emocionais, golpes do destino, experiências religiosas ou
místicas ou seus equivalentes” (Jung, 1942/1969, CW11, pp. 183-184, §
274), situando os arquétipos como a origem da experiência religiosa.
Portanto, Jung fez uso do numinoso para se referir a uma variedade
de fenômenos psicológicos relacionados, majoritariamente, a
manifestações arquetípicas, referindo-se a isso como uma “qualidade
numinosa” do arquétipo, expressão que foi assimilada ao léxico
junguiano.
Shamdasani destaca que, a partir de 1923, o trabalho de Jung sobre
a psicologia da religião e a relação da religião com a psicologia
configurou-se de maneira ainda mais clara. Interessado na psicologia
da experiência religiosa, em razão do que aprendera por meio de sua
autoinvestigação, Jung tentou desenvolver uma psicologia do
“processo de formação da religião”. Shamdasani deixa bem claro que
quando Jung elucidava uma nova revelação profética, em vez de
proclamá-la, ele tomava como sua tarefa
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
[...] ilustrar a tradução e a transposição da experiência
numinosa dos indivíduos sob a fórmula de símbolos,
expressando-a como dogmas e credos de religiões
organizadas até, finalmente, poder estudar a função
psicológica de tais símbolos. Ele estava consciente de
que, para que essa psicologia do processo de fazer
religião tivesse sucesso, era essencial que a psicologia
analítica, enquanto fornecia uma afirmação da atitude
religiosa, não se deixasse sucumbir a ponto de se tornar
um credo (Shamdasani, 2009, p. 219).
Essa preocupação será examinada na última parte deste artigo.
Realizada a “confrontação com o inconsciente”, Jung começou
“a confrontação com o mundo” (Shamdasani, 2009) e passou a
oferecer seminários privados, no período de 1925 a 1941. Mas outro
importante estágio de seu desenvolvimento foram as Conferências
de Eranos, em Ascona, na Suíça.
Eranos: uma plataforma para novas ideias
Eu posso formular meus pensamentos somente na
medida em que eles saem de mim. É como um gêiser. Os
que seguirem os meus passos terão que colocá-los em
ordem (Jaffé, 1983, p. 8).
Iniciadas pouco antes da Segunda Guerra Mundial, atravessando
o período da Guerra Fria e indo além, as Conferências de Eranos
podem ser entendidas como produto de um período histórico, que
respondia às ansiedades de antes e depois da Segunda Guerra e
que, claramente, se opunha às tendências dominantes do
materialismo e do positivismo. A despeito do tremendo impacto
desse discurso inovador sobre a cultura em geral – até mesmo
como um instigador do movimento da Nova Era –, grande parte do
legado de Jung encontra-se hoje fora da academia, nas margens
de departamentos de estudos religiosos.
Eranos (do grego “festa partilhada”) foi o nome escolhido por
Rudolf Otto para as reuniões anuais realizadas na casa da
holandesa Frau Olga Fröbe-Kapteyn. Os primeiros encontros
aconteceram em 1933. No início, as Conferências tinham uma
orientação teosófica, mas gradualmente transformaram-se em um
centro de discussão humanística e científica de alto nível. Wouter
Hanegraaff, professor holandês de esoterismo ocidental, sugere
que o primeiro período desses encontros poderia ser chamado de
“a era Jung” (Hanegraaff, 2012). Olav Hammer, professor sueco de
estudos religiosos, destaca que as Conferências de Eranos podem
ter sido o mais importante fórum de disseminação das ideias
religiosas de Jung para um público mais amplo (Hammer, 2006).
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
As Conferências atraíam uma série de intelectuais religiosos de
todo o mundo, incluindo o famoso historiador pioneiro da cabala
judaica, Gershom Scholem (1897–1982), o islamicista Henry Corbin
(1903–1978) e o estudioso da religião Mircea Eliade. Eles faziam
apresentações sobre diversos tópicos relativos à religião, ao mito,
ao simbolismo e a sua relevância para a história da cultura
moderna. O professor de história do estudo da religião, Steven
Wasserstrom, destaca que esses estudiosos agregaram um novo
tipo de vitalidade intelectual, ultrapassando fronteiras entre
disciplinas, a fim de articular um estudo moderno da religião,
favorecendo símbolos e mitos e firmando o foco na centralidade
das experiências místicas (Wasserstrom, 1999).
De um lado, os pensadores religiosos contavam com uma
plataforma comum da qual lançavam suas visões únicas e
originais; de outro, cada um deles apresentava uma abordagem
própria para tratar de temas como mito, história e teorias da
religião. Por exemplo, em uma carta a Eliade, Jung o criticou por
ter usado o termo “arquétipo” sem estabelecer a distinção sobre o
que este termo significava para cada um. Eliade havia usado a
palavra para descrever o desenvolvimento histórico de ideias na
cultura humana, um sentido claramente distinto daquele que Jung
tinha em mente (Jung, 1955/1976, CW2; Nagy, 1991).
Passa-se agora a explorar como os encontros de Eranos
ofereceram a Jung uma oportunidade para explorar e
compartilhar algumas das suas descobertas psicológicas,
especialmente a capacidade humana de produzir mitos, os
arquétipos e o inconsciente coletivo, que formam a base de sua
psicologia da religião.
Jung participou das Conferências de Eranos de 1933 a 1951 quase
ininterruptamente, exceto nas poucas ocasiões em que se
encontrava enfermo. Grande parte do que ele publicou no Eranos
Jahrbuch, durante este período, mais tarde foi integrada às
edições de várias de suas “Collected Works”. Em 1934, por
exemplo, ele proferiu a palestra Archetypes of the collective
unconscious, que viria a se tornar o Volume 9, Parte I, desta obra.
Não é possível compreender a tese de Jung sobre religião sem
apreender sua teoria do arquétipo. Como mencionado, suas
concepções iniciais começaram a se desenvolver durante o
período de visões que teve antes da guerra, foram então
elaboradas nas décadas de 1920 e 1930 e seguidamente alteradas
durante toda a sua vida. Assim, faz-se necessária uma breve
digressão sobre arquétipos.
Nagy aponta que a metafísica de Jung está bem expressa em sua
teoria dos arquétipos. Os antecedentes filosóficos desta teoria são
encontrados, em primeiro lugar, na doutrina das causas
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
transcendentes de Platão e, em segundo lugar, mais diretamente,
na teoria dinâmica da vontade de Schopenhauer. Nas
especulações de seus anos finais, Jung ampliou sua teoria das
causas não materiais, arquetípicas, para além da esfera da vida
psíquica individual, estabelecendo sua relação com o mundo
material, em sua teoria da sincronicidade (Nagy, 1991).
Para Jung, toda a humanidade traz em si uma força psíquica que,
ao mesmo tempo, manifesta e sustenta o poder do sagrado, em
razão de uma predisposição para a experiência religiosa que nós,
seres humanos, possuímos. Como Eliade, Jung usa o nome homo
religiosus, definindo-o como “o homem que leva em consideração
e cuidadosamente observa certos fatores que têm influência sobre
ele e sobre sua condição geral” (Jung, 1938/1969, CW11, pp. 9-10,
§11). De acordo com Jung, não se trata de algo inventado, mas
de uma experiência espontânea, que deixa uma marca cultural
em nossa imaginação. A ideia do arquétipo remete ao um leito de
rio, a uma matriz ou mesmo a uma estrutura como a do esqueleto,
que, sendo parte da constituição humana, tem como única
variante as feições individuais (Jung, 1936/1964, CW10, 1945/1983,
CW13).
Segundo Jung, qualquer manifestação histórica particular, por
exemplo, Cristo ou Buda, nunca esgota a possibilidade de
expressão subjacente à manifestação – existe um potencial
arquetípico para a experiência de uma imagem de Deus, que tem
sido preenchido por todos os símbolos religiosos da humanidade
(Corbett, 2007; Dourley, 1981). A teoria junguiana implica uma
dialética entre o indivíduo e sua base universal: essa capacidade
inata de produzir uma imagem “particular, subjetiva”, anterior à
educação religiosa formal, será sobreposta por uma “camada” de
práticas e de doutrinas religiosas próprias da cultura em que a
pessoa nasceu (Corbett, 2007).
Para Jung, é possível apreciar o mito cristão mais plenamente e, ao
mesmo tempo, liberar a mente cristã de possíveis pretensões
exclusivas, desde que se suspendam os julgamentos sobre a
verdade da crença religiosa e se dê atenção ao valor psicológico
do simbolismo religioso (Dourley, 1984). A analista junguiana Marilyn
Nagy e o professor de alemão moderno Paul Bishop sugerem que
a teoria dos arquétipos de Jung é uma tentativa de elaborar uma
“gramática universal” da mente, das estruturas psíquicas que
informam o nosso desenvolvimento mental e emocional, e que a
psicologia é um bom instrumento para compreender e interpretar
todas as formas de religião (Bishop, 2002; Nagy, 1991).
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
Definindo religião
Como uma das consequências das discussões interdisciplinares
com historiadores e teólogos nas Conferências de Eranos, Jung viuse estimulado e desafiado a apresentar definições psicológicas
operacionais de religião. No entanto, a definição junguiana é
bastante ampla. Menos preocupado em definir religião e mais
frequentemente referindo-se à religião como “sistemas
terapêuticos”, Jung deixa de lado todas as questões de metafísica
e ontologia ao ressaltar, por exemplo:
Minha atitude com relação a todas as religiões, portanto,
é positiva. Em seu simbolismo, reconheço aquelas figuras
que encontrei em sonhos e fantasias de meus pacientes
[...]. Cerimoniais ritualísticos, ritos de iniciação e práticas
ascéticas, em todas as suas formas e variações,
interessam-me profundamente, pois são técnicas
diversas para produzir uma relação adequada com essas
forças [da vida psíquica] (Jung, 1929/1985, CW4, p. 337,
§ 777).
A partir dessa perspectiva, percebe-se que Jung entende a religião
como fatos psíquicos e que sua atenção tende a se concentrar na
base arquetípica e no significado psicológico. Além disso, ele
estava fascinado com os métodos contrastantes de observação
empregados pelas religiões orientais e ocidentais e, apesar de
atraído por suas semelhanças, para ele as duas concepções de
religião eram radicalmente diferentes. Isso fica evidente no
subtítulo de uma das suas principais obras sobre religião:
“Psychology and religion: West and East” (Collected Works, vol. 11),
que representa a pedra de toque da abordagem de Jung à
psicologia da religião, a partir de uma visão mais sistemática.
Os ensaios que formam a “Parte Um” são especialmente
significativos por serem repletos de simbolismo cristão e de sua
interpretação psicológica dos fenômenos religiosos. Também
particularmente significativas são as famosas “Terry Lectures”, em
“Religion in the light of science and philosophy”, que Jung
apresentou na Universidade de Yale em 1937 ((Collected Works,
vol. 11). Nessas conferências, ele tratou formalmente do conceito
de numinoso de Rudolf Otto, afirmando que “a religião é uma
cuidadosa
e
escrupulosa
observação
do
que
Otto
apropriadamente denominou de numinosum”. No trecho a seguir,
pode-se perceber como ele expandiu a definição de Otto para
uma abordagem mais geral, explicando que a religião é também
uma atitude que envolve:
[...] uma cuidadosa consideração e observação de
certos fatores dinâmicos concebidos como “poderes”:
espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais ou qualquer
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
nome que o homem tenha dado a fatores existentes em
seu mundo e que ele via como poderosos, perigosos ou
úteis o suficiente para serem tomados em cuidadosa
consideração, ou grandes, belos e significativos o
bastante para serem devotadamente cultuados e
amados (Jung, 1939/1969, CW11, pp. 7-8, § 8).
Jung estava convencido de que a experiência religiosa superava
o conceito teológico, esclarecendo que, ao empregar o termo
“religião”, ele não se referia a um credo, uma vez que credos são
formas codificadas e dogmatizadas de experiências religiosas
originais que se tornaram sistematizadas como verdade coletiva
dentro de certa tradição.
Embora
permanecesse
cético
quanto
às
religiões
institucionalizadas, Jung nunca deixou de estar profundamente
preocupado com o tema da religião, para ele, uma função da
psique profundamente impressa sobre nós, como um resultado da
capacidade dos seres humanos de formular imagens de Deus
(Jung, 1939/1969, CW11, p. 43, §75; Lammers, 1994).
Após a década de 1940, Jung manteve-se focado quase que
exclusivamente em questões religiosas, especialmente nos temas
cristãos. Em seus ensaios sobre “A Psychological approach to the
dogma of the Trinity” (Collected Works, vol. 11), ele explora os
principais tópicos de Cristo como arquétipo, resumindo-o como “o
próprio Cristo é o símbolo perfeito do imortal oculto dentro do
homem mortal” (Jung, 1950/1980, CW9-I, p. 121, § 218), postulando
que o Cristo histórico externo poderia potencialmente despertar o
Cristo interno (Jung, 1958/1973, CW18, p. 725, § 1638). Com sua
hipótese da “Quaternidade” (em oposição à Trindade), ele
também propôs uma explicação nova, radicalmente psicológica
para o “feminino faltante”, a gênese e o significado do mal no
mundo.
O ensaio de “Transformation symbolism in the mass”, em
“Psychology and religion: West and East” (Collected Works, vol. 11),
seu trabalho contínuo sobre alquimia e o gnosticismo, destaca,
cada vez mais, seus conceitos e embasa muitos dos seus
argumentos (Stein, 1999). O filósofo da religião James Heisig
especula que a ideia que deu origem ao modelo de
“Quaternidade” de Jung pode ter derivado de seus escritos
gnósticos “Seven sermons to the dead” (Jung, 1916/1967), no qual
ele se dirige a quatro “deuses” principais: Helios (Pai), Eros (filho),
Vida (Espírito) e Demônio. Jung também estava ciente da tentativa
dos gnósticos de introduzir o feminino na Trindade (Heisig, 1979).
Em 1944, Jung publicou “Psychology and alchemy”, obra
elaborada tendo como base duas palestras ministradas nas
Conferências de Eranos em 1935/1936. Heisig aponta que, “dentre
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
todos os seus trabalhos publicados e inéditos, não existe melhor
resumo das ideias de Jung sobre religião do que sua ‘Introduction
to the religious and psychological problems of alchemy’” (Heisig,
1979). Neste texto, Jung apresenta seu ponto de vista psicológico,
dizendo que a “realidade da religião” é fundamentada em certa
“faculdade de relacionamento com Deus”. Segundo ele, a
psicologia vem para auxiliar o encontro entre o homem e seu
conteúdo arquetípico inconsciente:
O fato é que, com o conhecimento e a experiência real
dessas imagens interiores, abre-se uma via para que a
razão e o sentimento ganhem acesso àquelas outras
imagens que o ensino da religião oferece à humanidade.
Assim, a psicologia faz o oposto daquilo de que é
acusada: fornece abordagens possíveis para uma
melhor compreensão dessas coisas, abre os olhos das
pessoas para o verdadeiro significado dos dogmas e,
longe de destruí-los, abre as portas de uma casa vazia
para novos habitantes (Jung, 1944/1980, CW12, p. 15, §
17).
Para Jung, o valor da sua psicologia da religião reside na
capacidade de “reavivar as tradições religiosas”, em especial o
cristianismo. Grande parte de seu trabalho posterior foi dedicada
às suas preocupações iniciais com o problema do mal e sua
origem,
temas
que
discutia
principalmente
em
sua
correspondência com o padre dominicano inglês Victor White.
Durante vários anos, White ajudou Jung a refinar sua interpretação
do catolicismo, antes dele entrar na arena pública com seus
escritos, em particular “Aion: researches into the phenomenology
of the Self” (Collected Works, vol. 9-II) e “Answer to Job” ((Collected
Works, vol. 11).
Em 15 anos de colaboração, Jung e White tinham um projeto
ambicioso: queriam construir uma ponte para desenvolver sólidas
conexões teóricas e práticas entre as doutrinas da igreja e a
psicologia junguiana. White era extremamente erudito e falava a
língua da teologia Tomista de forma tão hábil e coerente como
Jung falava a da psicologia analítica. Os textos de Jung
frequentemente citam autores bíblicos, pais da igreja e hereges,
textos gnósticos e alquímicos, mitologia e religião comparada.
Poucos leitores tinham a competência de White para avaliar o uso
que Jung fazia de fontes tão diversas (Lammers, 1994; Lammers &
Cunningham, 2007).
A obra “Aion: researches into the phenomenology of the Self”
(Jung, CW 9-II) lança luz sobre o mito do cristianismo, mito ocidental
dominante por dois mil anos. Jung via no século XX o final de um
mundo e a passagem para uma nova etapa da evolução religiosa,
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C. G. Jung e a religião | Punita Miranda
que ele chamou de um “novo aeon” (Maillard, 2006, p. 652),
esclarecendo que:
Eu tinha tentado explicar como o surgimento de Cristo
coincidiu com o início de um novo aeon, a era de Peixes.
Existe uma sincronicidade entre a vida de Cristo e o
evento astrológico objetivo, a entrada do equinócio da
primavera no signo de Peixes. Cristo é, portanto, o “Peixe”
(assim como, antes dele, Hamurabi [o fundador da
civilização babilônica] foi o Capricórnio) e aparece
como o governante do novo aeon (Jung, 1961/1995, p.
248).
Esta obra é o primeiro esforço de Jung para lidar com o significado
psicológico de Cristo como uma figura divina. Para ele, na tradição
cristã, há uma contradição entre o privatio boni (ausência do bem)
e a existência do demônio anterior à criação do homem e tanto
o arquétipo cristão quanto o arquétipo de Deus carecem de um
lado escuro: “O símbolo de Cristo carece de totalidade no sentido
moderno, uma vez que não inclui o lado escuro das coisas, mas,
especificamente, o exclui, sob a forma de um oponente
luciferiano” (Jung, 1951/1978, CW9-II, p. 41, § 74).
No ano seguinte, Jung escreveu “Answer to Job” (Collected Works,
vol. 11), uma continuação direta de “Aion: researches into the
phenomenology of the Self” e um trabalho muito mais pessoal e
intenso, revelando a luta interna de Jung com Deus e explorando
a questão crucial: “de onde vem o mal?”. Em sua velhice, Jung
observou que desejaria poder reescrever todos os seus livros,
exceto este. Com esta obra, ele estava completamente satisfeito
(von Franz, 1998).
Ao analisar o “Livro de Jó”, da Bíblia, Jung discute a divindade
ambivalente e a inadequação da unilateralidade da imagem
ocidental tradicional de Deus. O livro apresenta seu debate com a
concepção judaico-cristã de Deus, retroagindo aos dias da
criação e avançando até uma visão do Apocalipse (Bishop, 2002).
É uma obra altamente controvertida e provocadora que recebeu
críticas em vários níveis e lhe custou a amizade com White, seu mais
importante parceiro de conversas teológicas (Lammers, 1994;
Lammers & Cunningham, 2007).
Embora Jung não tenha desenvolvido suas opiniões sobre a
psicologia da religião para além desses dois livros, Ann Lammers,
uma estudiosa da obra junguiana, sugere que existe um enorme
sentido de urgência em seus escritos – desde o início da Primeira
Guerra Mundial, quando ele sentiu que suas visões anteriores à
guerra eram proféticas, até o final de sua vida. Para ela, é como
se Jung se sentisse pressionado por uma obrigação pessoal a
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entregar os frutos de suas descobertas psicológicas para ajudar um
mundo em perigo (Heisig, 1979; Lammers, 1994).
Jung lapidou suas ideias depois de “Aion: researches into the
phenomenology of the Self” e “Answer to Job” em sua última
grande obra, “Mysterium Coniunctionis” (Collected Works, vol. 14),
na qual estabeleceu sua psicologia sobre as bases históricas da
alquimia. Ele explica:
Assim, minha tarefa foi terminada, meu trabalho feito, e
agora pode se sustentar de pé. No momento em que
toquei o fundo, alcancei os limites do conhecimento
científico, o transcendental, a natureza do arquétipo per
se e, a respeito de tudo isso, nenhuma declaração
científica adicional pode ser feita (Jung, 1961/1995, p.
248).
O legado de Jung: insights psicológicos relativos à religião
Meus esforços na psicologia foram, essencialmente,
trabalhos pioneiros que me deixaram sem tempo nem
oportunidade de apresentá-los sistematicamente.
(Jacobi, 1962, p. xi).
Roger Brooke, professor de psicologia, destaca que as obras
pioneiras de Jung foram escritas, basicamente, em paralelo ao
crescimento da fenomenologia, durante a primeira metade do
século XX, embora Jung nunca tenha adotado suas orientações
metodológicas de forma sistemática e disciplinada. Para Brooke, o
método de Jung poderia ser descrito como uma combinação de
pesquisa empírica e fenomenológica que faz uso de técnicas
introspectivas e descritivas (Brooke, 1991). Jung realmente insistiu
em tornar científico o seu método, mas teve pouco tempo para
elaborar uma metodologia, em razão da contínua revisão de suas
teorias, da amplificação de ideias anteriores, ao mesmo tempo em
que novas elaborações se tornavam o foco de seu trabalho
pioneiro. Sendo assim, não existe uma abordagem única que reflita
com precisão a natureza do seu método.
Heisig destaca que a característica definidora da psicologia da
religião de Jung está em seu método de “amplificação objetiva”,
que envolve três etapas: (a) a coleta de dados primários, (b) a
busca de paralelos, analogias e material comparativo entre os
documentos da história e (c) a interpretação dos novos dados à
luz das informações históricas (Heisig, 1979).
Depois de anos, observando e investigando sonhos, fantasias,
visões e delírios psicóticos, Jung estava mais concentrado nas
origens psicológicas da religião e seus efeitos sobre o psiquismo. Ele
buscava um método psicológico com o qual pudesse igualmente
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compreender e tratar as doenças da alma humana. Segundo
Shamdasani (2009), Jung estava convencido de que o Iluminismo,
a “era iluminada” da razão e do ceticismo inaugurada pela
Revolução Francesa, havia reprimido a religião e o irracionalismo.
Isso, por sua vez, teve consequências graves, eventualmente
levando à eclosão do irracionalismo, representado pelas duas
guerras mundiais (Shamdasani, 2009, p. 210)
Para Jung, as profundas mudanças provocadas pelas guerras e
por uma civilização dominada pelo materialismo instigaram dois
fenômenos inconscientes em que as massas (a) projetavam sobre
pessoas e nações os arquétipos negligenciados, transformando-as,
assim, em inimigos perigosos, ou (b) tornavam-se uma variante
moderna das religiões fanáticas: “nossos temíveis deuses apenas
mudaram seus nomes: eles agora rimam com ismo” (Jung, 1999,
CW7; Wulff, 1990). Em um de seus últimos ensaios, “The
Undiscovered Self” (1957), Jung declara: “O Estado assume o lugar
de Deus; é por isso que, visto desse ângulo, as ditaduras socialistas
são religiões, e a escravidão ao Estado é uma forma de adoração”
(Jung, 1957/1964, CW10, p. 259, § 511). Havia, portanto, uma
necessidade histórica de reconhecer o irracional como um fator
psicológico e tornou-se tarefa da psicologia, não apenas
compreender, como também promover o desenvolvimento de
uma nova consciência para novos tempos.
Conclusões
Entre todos os meus pacientes que se achavam na
segunda metade da vida – quer dizer, com mais de 35
anos –, não houve um sequer cujo problema não fosse,
em última instância, encontrar uma visão religiosa da
vida. É seguro dizer que cada um deles ficou doente
porque havia perdido o que as religiões vivas de todas as
épocas davam a seus seguidores, e nenhum deles foi
realmente curado sem ter recuperado sua perspectiva
religiosa. (Jung, 1932/1969, CW11, p. 334, § 509).
Ao longo de sua vida, Jung esforçou-se por desenvolver uma
psicologia de respeito às diferenças individuais e, ao mesmo
tempo, que considerasse cientificamente as propriedades gerais
dos processos psíquicos. Para ele, a melhor abordagem para
solucionar os problemas coletivos era por meio da transformação
psicológica do indivíduo (Shamdasani, 2003).
Em parte por causa de sua educação religiosa e em parte porque
acreditava que a psicodinâmica que descobrira era subjacente às
formulações religiosas, Jung gostava de descrever esse processo
em termos religiosos (MacKenna, 2008). Em maior ou menor grau,
tudo o que ele publicou tinha a ver com religião, a tal ponto que,
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ele escolheu termos religiosos para seu processo terapêutico,
como, por exemplo, o nome da primeira das quatro etapas do seu
processo analítico: confissão, elucidação, educação e
transformação (Jung, 1929/1981, CW16, p. 55, § 122).
Embora Jung nunca tenha se considerado um cristão tradicional,
os símbolos de Deus e de Cristo, as forças contrastantes do bem e
do mal e a importância fundamental do simbolismo religioso
funcionam como um leitmotiv na maior parte de suas obras. Ele
mantinha uma relação ambivalente com o cristianismo, criticandoo e valorizando-o simultaneamente; desafiava o ponto de vista
cristão e, ao mesmo tempo, argumentava que a religião servia
para nos colocar em contato com a mente inconsciente (Heisig,
1979). Além disso, a partir de seu engajamento com a religião
oriental, a psicologia de Jung não só desafiou o monopólio cristão
predominante no Ocidente, como também ofereceu uma
dimensão espiritual muito além de qualquer coisa alguma vez
disponibilizada por qualquer tradição religiosa, seja no seu tempo,
seja no nosso (Dourley, 1984).
Desde os anos que passou compondo “The Red Book”, Jung
esforçou-se para compreender os efeitos psicológicos e históricos
do cristianismo e, na medida em que envelhecia, mais
intensamente ele sentia que sua tarefa tratar dos males espirituais
e religiosos de seus pacientes.
Toda a sua obra pode ser entendida como uma tentativa de
compreender o futuro desenvolvimento religioso do Ocidente,
com a convicção de que a religião é necessária para a evolução
espiritual da humanidade (Shamdasani, 2009, p. 207). Desde
tempos imemoriais, as religiões têm funcionado como sistemas
para curar doenças psíquicas e Jung percebeu que, com o
declínio da vida religiosa, as neuroses haviam se tornado mais
frequentes, em razão da estagnação espiritual da sociedade, da
esterilidade psíquica e da falta de significado.
Em “The Red Book” pode-se perceber as primeiras insinuações de
sua recém descoberta fé na relevância de sua psicologia
profunda: “Nossa era está buscando uma nova fonte de vida. Eu
encontrei uma fonte e bebi de sua água, e o gosto era bom”
(Shamdasani, 2009, p. 210).
Três décadas mais tarde, em “Psychology and religion: West and
East”, ele expressou a importância vital de sua terapia da alma
para o homem moderno confrontado com esse vazio interior:
[...] é por isso que nós, os psicoterapeutas, devemos nos
ocupar com problemas que, estritamente falando,
pertencem ao teólogo. Mas não podemos deixar essas
questões para a teologia responder; desafiados pelas
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urgentes necessidades psíquicas de nossos pacientes,
somos diretamente confrontados com elas todos os dias.
(Jung, 1932/1969, CW11, p. 344, § 532).
De uma perspectiva junguiana, a capacidade inata do homem
para acessar o divino fora dos limites dos credos e dogmas
concede-lhe autonomia espiritual, libertando a imaginação em
relação à imagem exterior. A abordagem psicológica abraça o
religioso de tal forma que seu valor espiritual não é danificado nem
reduzido. Pelo contrário, o espiritual é confirmado e amplificado
por meio do psicológico (Stein, [2018]).
Ao abordar a religião por meio da psicologia e ao voltar a atenção
para o mundo interior, Jung acredita que o indivíduo recupera o
acesso à origem da vida psíquica, marcando o início da cura
(Jung, 1954/1969). Em última análise, para ele as doenças
psicológicas são, na raiz, religiosas por natureza, e a psicologia
profunda é um Heilsweg em ambos os sentidos da palavra: um
caminho de cura e um caminho de salvação (Jacobi, 1962).
Nota da autora: Cito “Memories, dreams, reflections” (1961), ciente
do artigo “Memories, dreams, omissions”, de Shamadasani (1995),
no qual ele esclarece que esta obra de Jung deve ser lida como
uma “biografia”, e não como uma “autobiografia”.
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Minicurrículo: Punita Miranda ‒ Graduada em psicologia clínica pela
UniCeub (Brasília/DF); mestre em pesquisa pelo Center for History of
Hermetic Philosophy and Related Currents (Amsterdã/Holanda),
com dissertação de mestrado intitulada “O ‘Livro Vermelho’ de Jung
e a história da psiquiatria no século XIX”. Completou o Programa de
Treinamento de Liderança, realizado pela analista junguiana Marion
Woodman no
Canadá
e
Inglaterra. Candidata ao
diploma de analista junguiana no Instituto GAP (Londres). Londres/
Reino Unido. E-mail: punita.miranda@gmail.com
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