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RAINHA GINGA: MAJESTADES DA MEMÓRIA NEGRA

2017, EDITORA KOTEV, SÉRIE AFRICANIDADES 2/ ARTIGO JORNAL O IMPARCIAL (PRESIDENTE PRUDENTE) & CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS DA USP (CEA-USP)

Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra corresponde a texto motivacional elaborado para o Dia Nacional da Consciência Negra de 2014 a partir de atuação em sala de aula em cursos na área de afro-educação e materiais preliminares do autor elaborados para conferências no transcorrer do decênio 2003-2013, particularmente junto ao Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (CEA-USP), entidade na qual o autor participou durante dez anos como professor-colaborador. Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra foi primeiramente publicado na forma de artigo pelo jornal O Imparcial, de Presidente Prudente (SP), edição de Quarta-feira, 19-11-2014, página 3a. Em 2017, sob titularidade da Editora Kotev (Kotev ©), este material foi revisado, masterizado e levemente ampliado com o fito de inserção no meio digital e na Internet. Enquanto tal, Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra incorpora regras atualmente vigentes quanto à norma culta da língua portuguesa, cautelas editoriais e de estilo, assim como normatizações inerentes ao formato PDF. Anote-se que Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra é um material gratuito, sendo vedada qualquer modalidade de reprodução comercial e de divulgação sem aprovação prévia da Editora Kotev. As citações de Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra devem obrigatoriamente incorporar referências ao autor e ao texto conforme padrão modelar que segue: WALDMAN, Maurício. Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra. Série Africanidades Nº. 2. São Paulo (SP): Editora Kotev. 2017.

1 RAINHA GINGA: MAJESTADES DA MEMÓRIA NEGRA 1 MAURÍCIO WALDMAN 2 Reconhecidamente, a sucessão de agravos cometdos pela expansão europeia ao longo do globo confgurou um extenso prontuário de atrocidades postas em prátca para impor a hegemonia ocidental. Nesta perspectva, o amordaçamento da memória popular consttuiu uma das prátcas mais recorrentes. Contudo, povos, grupos e nações jamais abdicaram de estratégias de resistência, repudiando a imposição da amnésia. No caso dos africanos e da diáspora afrodescendente, reações exitosas suplantaram as omissões das narratvas ocidentais, assim como a investdura de regimes de sentdo alheios à cultura e história das populações que os conquistadores pretendiam subjugar. Nesse cenário, a força auferida no imaginário popular pela Rainha Nzinga (1582-1663), chefe guerreira angolana conhecida como Ginga entre os brasileiros, é das mais signifcatvas, marcando indelevelmente o imaginário construído a respeito desta notável soberana (Figura 1). Através de muitos feitos audaciosos nos campos de batalha, levados a cabo durante 40 anos de luta implacável, Nzinga celebrizou-se pelo sucesso nos embates com os exércitos colonialistas e o tráfco de escravos. A história registra indomável espírito de luta. Repetdamente os relatos destacam a rainha liderando em pessoa seus comandados, marchando para o combate à frente da tropa. Exercendo papel de liderança com argúcia e clareza polítca, seu nome tornou-se personifcação icônica do repúdio ao domínio colonial e exaltação das lutas pela liberdade dos povos não representados. 2 FIGURA 1: A Rainha Nzinga na concepção do prestgiado ilustrador norte-americano Tim O’Brien, popularizada pela capa de Nzingha: Warrior Queen of Matamba (2000), da escritora e novelista afro-estadunidense Patricia McKissack. 3 Descrita pelos cronistas como mulher de beleza encantadora e dotada de personalidade forte, Nzinga distnguiu-se também como estrategista e diplomata. Nzinga organizou formidável coligação polítca sob sua égide. Apoiada numa vasta coalizão de reinos locais, a rainha combateu sem tréguas a invasão portuguesa. Resistu até os últmos dias de sua vida sem jamais ter sido capturada. Quando de sua morte, aos 82 anos, Nzinga já tnha seu nome inscrito na história: estvera à testa do mais longo empreendimento militar contra o colonialismo português em todo o mundo. Não admira então que sua atuação tenha suscitado longa linhagem de rainhas guerreiras, mulheres peritas na arte da guerra que durante oitenta anos deram sequência à luta de expulsão dos invasores colonialistas e dos trafcantes de escravos. No que igualmente estaria longe de consttuir um acaso, o levante antlusitano de 1961 teve na região da Matamba - que Nzinga havia transformado numa verdadeira fortaleza da liberdade em Angola - um dos estopins da grande insurreição nacional que colocaria para sempre um ponto fnal no domínio estrangeiro. Consagrada como heroína nacional de Angola, a soberana é lembrada no nome dos logradouros, equipamentos públicos e monumentos. Na diáspora negra, seu nome é lembrado em prosa e verso, narratvas que cheias de esperança, desafam as trevas do racismo, do preconceito e da exclusão social. Nessa ótca afançada por uma memória viva, o fascínio despertado pela biografa incomum da rainha terminou por ungir Nzinga como representação emblemátca de uma identdade que não se deixa submeter, se erguendo orgulhosamente em franco desafo à arrogância dos dominadores. É neste sentdo que podemos traçar não só uma linha de contnuidade que reintroduz contnuamente a saga da rainha guerreira nos tempos presentes, como também compreender as conexões que atam perpetuamente as margens brasileiras e africanas do Atlântco entre si. Tal declinação impõe o veredicto da memória coletva. Com efeito, a Rainha tem seu nome associado à insttuição do quilombo. Palavra que nas línguas do tronco bantu 3 signifca “acampamento armado”, quilombo diz respeito a uma forma de organização combatente criada originalmente pelos Jaga 4, guerreiros temidos por sua coragem e valenta. 4 Na África, o quilombo confgurou uma máquina de guerra centralizada, liderada por um guerreiro dentre guerreiros, referenciado por uma matriz transcultural e aberto a toda sorte de infuências. A pedra de toque da ação quilombola era a guerra de desgaste: ataques e recuos, marchas e contramarchas, estratégia vital para cansar e desmantelar o esquema do invasor colonialista. Neste exato sentdo, o quilombo brasileiro é pelo seu conteúdo manifesto, inspirado neste modelo angolano, adotado por Nzinga na guerra contra os portugueses. A noção de quilombo, enraizada na memória de milhões de angolanos, foi por sua vez transportada para o Brasil nos porões dos navios, encontrando no país larga receptvidade como forma de resistência. Prefgurando um modelo de democracia plurirracial que o país ainda busca insttuir, o quilombo recebeu de braços abertos todos os que se insurgiram contra a ordem colonial. Enquanto identdade polítca, o quilombo se confundiu geração após geração, com o grito da liberdade e da aspiração por uma sociedade justa. Neste recorte, é interessante observar que Zumbi dos Palmares e a Rainha Nzinga, notáveis líderes quilombolas, foram historicamente contemporâneos. Ou seja: criando obstáculos de toda ordem para o regime escravocrata nos dois lados do Atlântco, foram protagonistas de uma confagração que pela primeira vez na história desenhou uma frente comum intercontnental contra a escravidão. É nesta dinâmica que o vocábulo ginga - neologismo datado do século XVII - conquista conotação etmológica na linguagem coloquial brasileira. Com efeito, a palavra ginga, corruptela de Nzinga, se vincula ao exercício da superação de obstáculos, onde a esperteza inverte posições momentaneamente desfavoráveis, se impondo por intermédio da mobilidade e do aproveitamento das falhas de um adversário dotado de mais armas e recursos. Assim, na fala do dia a dia do Brasil, ginga é uma forma de enganar a adversidade. Está presente no passe do futebolista no gramado, é a gira do capoeirista na peleja corpo-acorpo, é o rebolado catvante da mulher, é o meneio de corpo do sambista. Situações que metaforicamente recordam os circunlóquios tátcos da Rainha Nzinga. 5 Em suma: à luz, hoje legendária, dessa liderança dotada de excepcional vontade polítca, o fascínio despertado por Nzinga contnua a encantar milhões de admiradores nos dois lados do Atlântco. Memória de Ginga, Memória de Lutas. Memória de todo o Povo Brasileiro! Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra corresponde a texto motvacional elaborado para o Dia Nacional da Consciência Negra de 2014 a partr de atuação em sala de aula em cursos na área de afro-educação e materiais preliminares do autor elaborados para conferências no transcorrer do decênio 2003-2013, partcularmente junto ao Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (CEA-USP), entdade na qual o autor partcipou durante dez anos como professor-colaborador. Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra foi primeiramente publicado na forma de artgo pelo jornal O Imparcial, de Presidente Prudente (SP), edição de Quarta-feira, 19-11-2014, página 3a. Em 2017, sob ttularidade da Editora Kotev (Kotev ©), este material foi revisado, masterizado e levemente ampliado com o fto de inserção no meio digital e na Internet. Enquanto tal, Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra incorpora regras atualmente vigentes quanto à norma culta da língua portuguesa, cautelas editoriais e de estlo, assim como normatzações inerentes ao formato PDF. A confecção desta edição contou com a Assistência de Editoração Eletrônica, Pareceres Técnicos e Tratamento Digital de Imagens do webdesigner Francesco Antonio Picciolo, E-mail: francesco_antonio@hotmail.com, Home-Page: www.harddesignweb.com.br. Anote-se que Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra é um material gratuito, sendo vedada qualquer modalidade de reprodução comercial e de divulgação sem aprovação prévia da Editora Kotev. As citações de Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra devem obrigatoriamente incorporar referências ao autor e ao texto conforme padrão modelar que segue: WALDMAN, Maurício. Rainha Ginga: Majestades da Memória Negra. Série Africanidades Nº. 2. São Paulo (SP): Editora Kotev. 2017. 2 MAURÍCIO WALDMAN é professor universitário, pesquisador acadêmico, editor, jornalista, consultor e antropólogo africanista, com Graduação em Sociologia (USP, 1982), Mestrado em Antropologia (USP, 1997), Doutorado em Geografa (USP, 2006), Pós-Doutorado em Geociências (UNICAMP, 2011), Pós-Doutorado em Relações Internacionais (USP, 2013) e Pós-doutorado em Meio Ambiente (PNPD-CAPES, 2015). Dois dos ttulos das pesquisas do autor, Mestrado em Antropologia (USP, 1997) e PósDoutorado em Relações Internacionais (USP, 2013), consttuem trabalhos com área de concentração em África. Waldman foi colaborador de Chico Mendes (1988), integrou o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI, 1988-1990) e atuou como membro da diretoria da Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção São Paulo (AGBSP, 2002-2003). No campo do conhecimento africanista, atuou como consultor internacional da Câmara de Comércio Afro-Brasileira (2013-2017), e durante dez anos (2004-2014), como professor nos cursos de difusão cultural do Centro de Estudos Africanos da USP (CEA-USP). Waldman foi consultor do Insttuto Paulo Freire no campo temátco de África e realidade negra brasileira, também desenvolvendo palestras e conferências com foco África & Africanidades em dezenas de cidades brasileiras. Waldman responde pela autoria de 210 artgos, resenhas, projetos e textos cientfcos centrados no temário de África & Africanidades, sendo que dentre outros veículos de mídia impressa, seus textos foram regularmente publicados pela revista 1 África (CEA-USP), Jornal Cultura (Luanda, Angola), revista Brasil-Angola Magazine (São Paulo), revista Contemporartes (Curitba) e Portal Insttuto Afro (São Paulo). É autor de Africanidade, Espaço e Tradição: A Topologia do Imaginário Espacial Tradicional Africano na fala griot sobre Sundjata Keita do Mali (Revista África, coedição CEAUSP/Editora Humanitas, 1997-1998, volume 20/21, pp. 219-268), paper considerado internacionalmente relevante pelo Centre Natonal de la Recherche Scientifue (CNRS), o mais infuente centro de investgações mantdo pelo governo francês (Cf. Ficha Catalográfca: < http://mw.pro.br/mw/cat.inist.fra_2017_kotev.pdf >). Maurício Waldman é coautor de Memória D’África: A Temátca Africana em Sala de Aula (Cortez Editora, 2007), obra de referência no campo africanista brasileiro. Mais Informação: Portal do Professor Maurício Waldman: www.mw.pro.br Maurício Waldman - Textos Masterizados: http://mwtextos.com.br/ Currículo Lates-CNPP: http://lattes.cnpq.br/3749636915642474 Verbete Wikipedia (BrE): http://en.wikipedia.org/wiki/Mauricio_Waldman Contato Email: mw@mw.pro.br 3 A terminologia Bantu circunscreve uma área geográfca contgua e um complexo macrocultural específco da África Negra. Originalmente designava numeroso conjunto linguístco com raízes comuns, passando depois a identfcar uma moldura cultural ou civilizatória, decorrente da soldadura territorial e múltplos contatos, mestçagens e empréstmos facilitados pela proximidade espacial e relacionamentos interétnicos. 4 Os Jaga são também reconhecidos por intermédio de outras grafas: Yaka, Bayaca ou ainda Giaka. SAIBA MAIS SOBRE A RAINHA GINGA http://mw.pro.br/mw/africanidades_22.pdf SAIBA MAIS SOBRE A RAINHA GINGA http://mw.pro.br/mw/africanidades_21.pdf CONHEÇA A SÉRIE AFRICANIDADES http://mwtextos.com.br/serie-africanidades/ Os debates sobre ÁFRICA & AFRICANIDADES são um pilar central de atuação da EDITORA KOTEV, publicadora digital que entrou em atividades no ano de 2016. Também trabalhamos com temas relacionados com RELAÇÕES INTERNACIONAIS, EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Saiba mais sobre a EDITORA KOTEV. Acesse nossa página: http://kotev.com.br/ Qualquer dúvida nos contate. Estamos à disposição para atendê-lo: atendimento@kotev.com.br