Freud, Sigmund. Über Deckerinnerungen [Sobre lembranças encobridoras] (1899). Gesammelte Werke (Band I), Frankfurt am Main, Fischer
Taschenbuch Verlag, 1999, p. 529-554 .Apresentação, tradução e notas de André Carone. (Maio de 2020)
Sobre lembranças encobridoras
(1899)
Sigmund Freud
Apresentação, tradução e notas de André Carone1
Maio de 2020
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Professor do Departamento de Filosofia da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(EFLCH) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
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Freud, Sigmund. Über Deckerinnerungen [Sobre lembranças encobridoras] (1899). Gesammelte Werke (Band I), Frankfurt am Main, Fischer
Taschenbuch Verlag, 1999, p. 529-554 .Apresentação, tradução e notas de André Carone. (Maio de 2020)
APRESENTAÇÃO
Em setembro de 1899, dois meses antes que fosse lançada A interpretação dos sonhos,
uma revista médica publicou este artigo no qual Sigmund Freud busca uma resposta
para a pergunta: por que a nossa memória costuma registrar lembranças infantis que
parecem ser banais e sem qualquer importância? Ao lado de algumas considerações
gerais a respeito da psicologia da memória e do método psicanalítico que ele mesmo
havia recém criado, Freud investiga em detalhe a lembrança infantil de um homem de
trinta e oito anos de idade2, que recorda uma cena na qual ele colhia flores
amarelas (“dentes-de-leão”) ao lado de um primo e de uma prima quando teria apenas
dois ou três anos de idade, para formular a partir desta análise o conceito de
“lembranças encobridoras”.
Ao final deste texto encontra-se um conjunto de notas que podem ser consultadas por
psicanalistas ou leitores que queiram algum esclarecimento a respeito desta versão
para o português.
Esta tradução é dedicada a Iray Carone.
André Carone
São Carlos, maio de 2020.
Pesquisas biográficas revelaram mais tarde que este “homem de trinta e oito anos” era na
verdade o próprio Freud, que encenava uma conversa consigo mesmo.
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SOBRE LEMBRANÇAS ENCOBRIDORAS (1899)i
Sigmund Freud
No contexto de meus tratamentos psicanalíticos (de histeria, neurose obsessiva, entre
outros) ocupei-me muitas vezes com fragmentos de lembranças dos primeiros anos de infância
que permaneceram na memória de uma pessoa. Conforme indiquei em outra parte, deve-se
atribuir um significado patógeno considerável às impressões deste período. Mas o interesse
psicológico do tema das lembranças infantis está assegurado em todos os casos, pois a diferença
fundamental entre a atitude psíquica da criança e do adulto aparece aqui de modo evidente.
Ninguém duvida que as experiências dos nossos primeiros anos de infância deixaram traços
inextinguíveis no interior de nossa alma; mas se consultarmos nossa memória a respeito das
impressões que estão destinadas a nos influenciar até o final da vida, ela ou nos apresenta nada
ou então um número bastante pequeno de lembranças isoladas, de valor muitas vezes questionável
ou enigmático. A vida não começa a ser reproduzida pela memória como uma cadeia coerente de
eventos antes do sexto ou sétimo ano, e para muitos somente após o décimo ano de idade. Mas a
partir deste ponto também se estabelece uma relação constante entre o significado psíquico de
uma experiência e sua retenção pela memória. Aquilo que parece importante, por seus efeitos
imediatos ou subsequentes, é notado; aquilo que se considera dispensável é esquecido. Quando
sou capaz de recordar um evento que se passou há muito tempo, encontro no fato desta
preservação da memória uma prova de que ele provocou em mim uma forte impressão naquele
momento. Costumo me surpreender se esqueço alguma coisa importante, e talvez mais ainda se
recordo alguma coisa que parece indiferente.
A relação entre a importância psíquica e o registro de uma impressão pela memória que
vigora nas pessoas adultas normais só cessa novamente em estados anímicos patológicos. O
histérico, por exemplo, apresenta regularmente uma amnésia em relação à totalidade ou a uma
parcela das experiências que conduziram ao início do seu sofrimento e que podem tornar-se
importantes para ele precisamente porque o desencadearam ou, desconsiderando este fato, por
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seu próprio conteúdo. Gostaria de considerar a analogia entre a amnésia patológica e a amnésia
normal dos nossos anos de infância como uma indicação valiosa a respeito das íntimas relações
entre o conteúdo psíquico da neurose e nossa vida infantil.
Estamos acostumados de uma tal maneira a essa ausência de lembranças do anos de
infância que deixamos de perceber o problema que se esconde por trás dela, e preferimos
relacioná-la ao estado rudimentar das atividades anímicas presentes na criança. Na realidade, uma
criança de três ou quatro anos com desenvolvimento normal já exibe uma enorme quantidade de
atividades anímicas de grande complexidade em suas comparações, raciocínios e na expressão de
seus sentimentos, e não se pode simplesmente concluir que para estes atos psíquicos, de valor
semelhante ao dos atos de uma época posterior, deva vigorar a amnésia.
Uma condição indispensável para o estudo dos problemas psicológicos que se ligam às
primeiras lembranças infantis seria naturalmente a coleta de materiais, para determinar por meio
de uma consulta quais são os tipos de lembranças que a maior parte das pessoas adultas normais
está em condições de informar. V. e C. Henriii deram um primeiro passo nesta direção ao divulgar
em 1895 um questionário que eles próprios elaboraram; os resultados animadores desta consulta
foram publicados em seguida pelos dois autores em 1897, em L’année psychologique, T. III
(Enquête sur les souvenirs de l’enfance). Como não tenho neste momento qualquer intenção de
abordar o tema em sua totalidade, contento-me em destacar os poucos pontos a partir dos quais
irei avançar para introduzir aquelas que eu denomino como “lembranças encobridoras”.
O período da vida no qual o conteúdo das lembranças infantis mais precoces será alocado
iii
corresponde geralmente à idade entre dois e quatro anos (de acordo com oitenta e oito pessoas
na série observada pelos Henri). Mas para algumas a memória recua ainda mais, alcançando o
período anterior ao primeiro ano completo, e de outro lado existem pessoas para quem a primeira
lembrança é proveniente do sexto, sétimo ou até do oitavo ano. Por enquanto não é possível
indicar outras conexões entre estas diferenças individuais; mas nota-se, afirmam os Henri, que
uma pessoa cuja primeira lembrança pertence a uma idade muito precoce, como por exemplo o
primeiro ano de vida, também possui lembranças isoladas de anos seguintes; e que a reprodução
da experiência como uma cadeia sucessiva de lembranças se inicia para ela em um período
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anterior – digamos, do quinto ano em diante – ao de outras pessoas cuja primeira lembrança incide
em um período posterior. Portanto, é a função da memória individual no seu conjunto, e não
apenas a época do surgimento da primeira lembrança que passa por uma antecipação ou um
adiamento.
Um interesse muito particular fica reservado à questão de saber qual costuma ser o
conteúdo das lembranças infantis mais precoces. Deveríamos compartilhar com a psicologia dos
adultos a expectativa de que, a partir da matéria vivida, seriam selecionadas aquelas impressões
que provocaram um afeto intenso, ou cuja importância foi admitida em razão das consequências
que logo se seguiram. Uma parte das experiências reunidas pelos Henri também parece confirmar
esta expectativa, pois nelas se destacam como o conteúdo mais recorrente das primeiras
lembranças infantis, por um lado, as situações de medo, vergonha, dores no corpo, etc.; e por
outro, acontecimentos importantes como doenças, mortes, incêndios, nascimento de irmãos, etc.
Ficaríamos assim inclinados a supor que o princípio de seleção da memória seria o mesmo para
a alma infantil e para a pessoa adulta. Não escapa inteiramente à compreensão, mas merece ser
expressamente indicado o fato de que as lembranças infantis que foram preservadas testemunham
quais eram as impressões que orientavam o interesse da criança em comparação com o adulto.
Deste modo explica-se com facilidade que uma pessoa informe recordar acidentes que envolviam
as suas bonecas quando tinha dois anos de idade, mas apresente uma amnésia em relação a
acontecimentos graves e tristes que ela poderia ter percebido à época.
E agora deve nos causar uma justa estranheza escutar algo que representa o extremo oposto
dessa expectativa: que o conteúdo das lembranças mais precoces da infância de certas pessoas é
composto por impressões indiferentes que não tiveram a capacidade para despertar afeto nas
crianças nem mesmo quando se deram as experiências, e que apesar disso foram percebidas com
todos os detalhes – quase se diria: com uma acuidade extrema – enquanto acontecimentos do
mesmo período não foram preservados pela memória, mesmo aqueles que, de acordo com o
testemunho dos pais, afetaram fortemente a criança. Os Henri mencionam, por exemplo, um
professor de filologia cuja lembrança mais precoce se situa no período entre três e quatro anos de
idade e lhe mostra a imagem de uma mesa coberta, sobre a qual está uma travessa com gelo.
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Neste mesmo período também acontece a morte da avó, que abalou muito a criança segundo o
relato dos pais. Mas o professor de filologia de agora nada sabe a respeito desta morte; daquele
período ele só recorda uma travessa com gelo.
Um outro participante apresenta como sua primeira recordação de infância o episódio de
um passeio no qual ele quebrava o galho de uma árvore. Ele acredita até hoje que pode indicar o
local em que isso aconteceu. Diversas pessoas estavam ali e uma delas o ajudou.
Os Henri identificam casos desse tipo como raros; nas minhas experiências – realizadas,
na verdade, quase sempre com neuróticos – elas são bastante comuns. Para estas recordações que
se tornam incompreensíveis por conta de sua inocência, um dos sujeitos da pesquisa dos Henri
arriscou uma explicação que devo reconhecer como inteiramente precisa. Ele afirma que em tais
casos a cena em questão talvez tenha sido preservada de uma maneira incompleta na memória, e
justamente por isso ela parece não significar nada: nos componentes esquecidos estaria guardado
tudo o que torna essa impressão merecedora de atenção. Posso confirmar que as coisas se passam
realmente desse modo, mas talvez eu preferisse dizer “ocultos” no lugar de “elementos
esquecidos da experiênciaiv”. Por meio do tratamento psicanalítico eu pude descobrir em diversas
ocasiões as peças restantes da experiência infantil e apresentar assim a prova de que, depois que
foi completada, a impressão da qual restava somente um torso na lembrança correspondia na
verdade à condição para que o elemento mais importante permanecesse na memória. Mas não se
chega dessa maneira a uma explicação para a escolha singular que a memória realiza entre os
elementos de uma experiênciav. É necessário perguntar-se antes o que leva precisamente o
elemento significativo a ser reprimidovi e o elemento indiferente a ser preservado. Só podemos
alcançar uma explicação se penetrarmos mais a fundo no mecanismo de tais processos; e assim
formamos a noção segundo a qual duas forças psíquicas participam do surgimento destas
lembranças, uma delas com o propósito de recordar a importância dessa experiência, enquanto a
outra – uma resistência – opõe-se a que ela seja destacada. As duas forças que atuam em oposição
não cancelam uma a outra; não acontece a imposição de uma das intenções sobre a outra – com
ou sem algum prejuízo – e sim uma ação de compromissovii, análoga em certo sentido à formação
da resultante de um paralelogramo de forças. Na verdade, o compromisso consiste no fato de que
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não será a experiência em questão que fornece a recordação – a resistência obtém aqui uma vitória
– e sim um outro elemento psíquico, que se liga ao elemento que provoca repulsa por um curto
trajeto de associações; e aqui se revela mais uma vez a força do primeiro princípio, que tentava
fixar impressões significativas ao definir as recordaçõesviii que poderiam ser reproduzidas. O
resultado do conflito é este: no lugar da recordação original e legítima produz-se uma outra, que
deslocou-se na associação em relação à primeira por uma única peça. Como os componentes ix
mais relevantes da impressão são precisamente aqueles que causaram repulsa, na lembrança
substitutiva eles devem estar ausentes; por isso ela irá com facilidade parecer banal. Para nós ela
parece ser incompreensível porque preferimos localizar no seu próprio conteúdo a razão para que
ela fosse preservada pela memória, quando na verdade este motivo reside na relação entre este
conteúdo e um outro, o conteúdo reprimido. Ou, servindo-me de um ditado popular, uma certa
experiência da infância não brilha para a memória porque vale ouro, mas só porque está ao lado
dele.
Entre os vários casos possíveis de substituição de um conteúdo psíquico por outro que
sucedem nas mais diferentes constelações psicológicas, o caso de lembranças infantis aqui
observado, no qual os componentes secundários ocupam o lugar dos componentes fundamentais
de uma mesma experiência, é evidentemente um dos mais simples. Trata-se de um deslocamento
em uma associação por contiguidade ou, numa visão abrangente de todo o processo, um recalque
com a substituição por um conteúdo que era próximo (no contexto temporal e espacial). Tive a
oportunidade de comunicar certa vez um caso muito semelhante de substituição na análise de
uma paranoia*3. Eu narrava ali as alucinações de uma senhora para quem as suas vozes repetiam
longas passagens da “Heiterethei” de O. Ludwigx – precisamente os trechos mais inócuos e
triviais da obra. A análise demonstrou que eram outros trechos dessa mesma história que haviam
despertado na paciente os pensamentos mais dolorosos. O afeto doloroso era um motivo para a
defesa, e não era possível recalcar os motivos para a persistência destes pensamentos; desse
modo, estabeleceu-se como compromisso que os trechos inofensivos aparecessem na lembrança
com nitidez e intensidade patológicas. O processo que foi identificado aqui – conflito, recalque,
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* Novas observações sobre as neuropsicoses de defesa. Neurologisches Zentralblatt, 1896, Nr. 10. (Nota do autor)
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substituição sob formação de compromisso – reaparece em todos os sintomas psiconeuróticos, e
nele encontra-se a chave para se compreender a formação do sintoma; sua demonstração a partir
da vida psíquica do indivíduo normal não é, portanto, desprovida de significado; e a influência
que este processo exerce precisamente sobre a escolha das lembranças infantis de pessoas normais
parece ser mais um sinal das fortes ligações entre a vida anímica da criança e o material psíquico
das neuroses que destacamos anteriormente.
Até onde sei, os psicólogos sequer começaram a estudar os processos de defesa normal e
patológica – cuja importância é evidente – e os efeitos de deslocamento que se seguem a eles,
sendo que falta ainda determinar em quais camadas da atividade psíquica e sob quais condições
eles se fazem valer. O motivo desse descuido pode muito bem ser o fato de que nossa vida
psíquica, na medida em que se torna objeto de nossa percepção interna consciente, não deixa
sinais destes processos, exceto em casos que classificamos como “erros de raciocínio” ou em
operações psíquicas que visam um efeito cômico. A afirmação de que uma intensidade psíquica
parte de uma ideia, que então é abandonada, e pode deslocar-se para uma outra que passa a
desempenhar o papel psicológico da primeira, nos causa um estranhamento semelhante ao de
certos aspectos da mitologia grega, como por exemplo quando os deuses vestem a beleza em uma
criatura humana como se fosse um véu, enquanto nós reconhecemos a transfiguração apenas
como uma mudança das expressões faciais.
Mais adiante, novas investigações sobre as lembranças indiferentes da infância ensinaramme que o seu surgimento pode ocorrer ainda de uma outra maneira, e que por trás de sua inocência
aparente costuma se esconder uma profusão insuspeita de significados. Mas quanto a isso não
quero restringir-me simplesmente a afirmações, e sim explorar todo o alcance de um exemplo
isolado que me parece ser o mais instrutivo entre vários semelhantes a ele, e que certamente
possui um valor adicional por pertencer a um indivíduo que não sofre, ou que praticamente não
sofre de uma neurose.
Um homem de trinta e oito anos de idade e cultura acadêmica, que apesar de sua profissão
distante conservou o interesse por questões psicológicas desde que eu o libertei de uma leve fobia
por intermédio da psicanálise, chamou a minha atenção, no ano passado, para as lembranças
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infantis que já haviam cumprido um determinado papel na sua análise. Depois que tomou
conhecimento da investigação de V. e C. Henri, ele me apresentou este relato abreviado:
“Eu disponho de uma quantidade considerável de lembranças precoces da infância, e posso
datá-las com bastante segurança. Pois deixei o lugar onde nasci com três anos completos para
viver em uma grande cidade; assim, todas as minhas lembranças se passam no local do meu
nascimento e datam entre o segundo e o terceiro ano. Em sua maioria são cenas curtas, mas muito
bem preservadas e compostas com todos os detalhes da percepção sensorial, em clara oposição
às recordações dos anos de maturidade, nas quais o elemento visual está totalmente ausente. As
lembranças se tornam mais escassas e perdem nitidez a partir do terceiro ano; aparecem lacunas
que devem se estender por mais de um ano. O fluxo de lembranças só passa a ser contínuo,
acredito, a partir do sexto ou sétimo ano. Divido as lembranças que antecedem a minha saída da
primeira residência em três grupos. As cenas que mais tarde meus pais me contaram repetidas
vezes formam o primeiro grupo; em relação a elas eu não sei ao certo se possuía a recordação
desde o princípio ou se criei para mim uma composição depois de cada uma das histórias.
Observo, além disso, a existência de incidentes que não correspondem a nenhuma recordação,
apesar das inúmeras descrições dos meus pais. Atribuo um valor maior ao segundo grupo: são
cenas que não foram contadas para mim – e que em parte também não poderiam ter sido contadas
porque não voltei a encontrar as pessoas envolvidas: as amas-secas, os companheiros nas
brincadeiras. Falarei mais adiante do terceiro grupo. A propósito do conteúdo destas cenas e, por
consequência, de seu direito de ser preservado pela memória, quero declarar que não me falta por
completo uma orientação sobre este ponto. Não posso dizer que as lembranças preservadas
correspondam de fato aos acontecimentos mais importantes ou àqueles que hoje eu consideraria
mais importantes. Do nascimento de uma irmã, dois anos e meio mais nova, eu nada sei; a partida,
a vista da ferrovia, a longa viagem de carro que a antecedeu não deixaram nenhum vestígio na
minha memóriaxi. Em contrapartida, registrei dois incidentes durante a viagem de trem; como o
senhor lembra, eles compareciam na análise da minha fobia. Porém o que mais deveria ter me
impressionado seria um ferimento no rosto, que me fez perder muito sangue e foi suturado por
um cirurgião. Mesmo hoje eu ainda posso apalpar a cicatriz que comprova o acidente, mas não
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sei de nenhuma impressão que aponte direta ou indiretamente para essa experiência. Além disso,
talvez eu ainda não tivesse dois anos naquela época.”
“Por isso, as cenas e imagens destes dois primeiros grupos não me surpreendem. São
realmente lembranças deslocadas, nas quais o componente essencial na maioria das vezes
permaneceu de fora; mas em algumas ele ao menos é aludido, em outras eu encontro o
complemento com facilidade, e quando procedo dessa maneira forma-se para mim uma conexão
satisfatória entre os pedaços isolados da lembrança e eu antecipo com clareza qual foi o interesse
infantil que recomendou precisamente aquele evento para a memória. Mas no caso do terceiro
grupo, que evitei discutir até esse momento, a situação é diferente. Trata-se aqui de um material
– uma cena longa e várias imagens breves – sobre o qual eu simplesmente não sei dizer nada. A
cena me parece bastante indiferente, e a sua fixação, incompreensível. Permita-me que eu a
descreva para o senhor: eu vejo um prado retangular com um ligeiro declive, de vegetação verde
e densa; em meio à relva várias flores amarelas, claramente o tão comum dente-de-leão. Na ponta
mais alta do prado, uma casa de campo e duas mulheres que conversam com entusiasmo em frente
à porta: a camponesa que usa um lenço sobre a cabeça e uma ama-seca. Três crianças estão
brincando no prado, uma delas sou eu (entre dois e três anos de idade), as duas outras o primo um
ano mais velho e a sua irmã, uma prima que tem quase a minha idade. Nós apanhamos as flores
amarelas e cada um segura nas mãos as flores que recolheu. O ramo mais bonito está com a
menina; nós, os meninos, nos atiramos em cima dela como se tivéssemos combinado e
arrancamos as suas flores. Ela sai chorando pelo prado e lá no alto recebe da camponesa uma
fatia de pão preto, como uma consolação. Logo que acabamos de ver isso nós atiramos as flores
e também corremos até a casa para exigir o pão. Também recebemos o nosso, a camponesa serra
a bengala com uma faca comprida. Na minha lembrança o sabor do pão é delicioso e aqui a cena
se interrompe.”
“Mas o que há nessa experiência que justifica o uso que fiz da memória por sua causa?
Quebrei minha cabeça por causa disso sem chegar a nada; o acento deve cair sobre a nossa falta
de civilidade em relação à menina? O amarelo do dente-de-leão, que eu naturalmente já não acho
mais bonito, agradou tanto assim os meus olhos naquela vez? Ou será que depois das andanças
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pelo prado o pão ficou tão mais saboroso que fez surgir uma impressão que não se extinguiu?
Também não consigo encontrar ligações entre esta cena e os interesses infantis, que percebemos
sem dificuldade e são comuns a todas as cenas de infância. Tenho a impressão geral de que alguma
coisa não está certa nessa cena; o amarelo das flores se destaca em demasia do conjunto, e o sabor
extraordinário do pão me parece um exagero, como se fosse uma alucinaçãoxii. E devo lembrarme aqui dos quadros que vi certa vez em uma exposição de paródias, nos quais certos elementos
– evidentemente os mais impróprios – eram destacados em relevo em vez de serem pintados,
como por exemplo os contornos das senhoras que eram retratadas. O senhor pode me indicar
algum caminho que leve à explicação ou interpretação dessa lembrança dispensável da infância?”
Achei que seria pertinente perguntar desde quando aquela lembrança infantil o ocupava,
se ele acredita que ela retorna à sua memória depois de um período, ou se havia aparecido mais
adiante, talvez por conta de alguma circunstância que a lembrasse. Esta pergunta foi a única
contribuição que precisei fazer para dar fim à tarefa; meu parceiro, que não era mais um iniciante
em trabalhos deste gênero, encontrou todo o resto por conta própria.
Ele respondeu: “Não havia pensado nisso até hoje. Depois que o senhor me fez essa
pergunta, tenho quase a certeza de que esta lembrança infantil não me ocupava de nenhum modo.
Mas consigo pensar na circunstância que fez despertar essa e várias outras lembranças dos meus
primeiros anos. Aos dezessete anos de idade, quando eu era um aluno de ginásio, voltei pela
primeira vez ao lugar onde nasci, convidado por uma família com a qual possuíamos amizade
desde aquele tempo. Sei bem quantas eram as agitações que me dominavam naquela época. Mas
agora notei que preciso lhe contar um pedaço da minha história; isso é parte do trabalho, e além
disso o senhor a fez ressurgir com a sua pergunta. Então, me escute: sou filho de pessoas que no
princípio eram prósperas e, penso eu, viveriam suficientemente bem naquele pequeno recanto da
província. Quando eu tinha aproximadamente três anos de idade, uma catástrofe abateu o ramo
da indústria em que meu pai atuava. Ele perdeu suas posses e, premidos pela necessidade,
deixamos a província para viver em uma cidade grande. Anos longos e difíceis vieram depois:
não acredito que eles mereçam qualquer espécie de atenção. Na cidade eu nunca me senti bem;
hoje eu penso que a nostalgia pelas belas florestas da minha terra, onde eu brincava de fugir do
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meu pai quando ainda mal sabia andar, como atesta uma lembrança guardada daquele tempo,
nunca me abandonou. Era a primeira vez que eu passava as férias no campo, aos dezessete anos,
e como disse eu era o hóspede de uma família de amigos que tivera uma ascensão depois da nossa
partida. Eu pude comparar o conforto que reinava entre eles com a vida que tínhamos na cidade.
De nada mais serve continuar evitando o assunto: preciso admitir para o senhor que havia uma
outra coisa que me agitava intensamente. Eu tinha dezessete anos, e na família que me hospedava
havia uma filha de quinze anos de idade por quem eu me apaixonei imediatamente. Era a primeira
vez que eu sentia o amor, com intensidade suficiente mas em absoluto segredo. A moça partiu
alguns dias depois para o internato do qual ela havia igualmente saído de férias, e a separação
logo após um encontro tão breve só fez crescer ainda mais a nostalgia. Eu saía em passeios
solitários de longas horas pelas admiráveis florestas que eu reencontrava, ocupado em construir
castelos de ar que, em vez de almejar o futuro, buscavam estranhamente corrigir o passado. Se
não houvesse aquele colapso, se eu permanecesse na minha terra, crescesse no campo e me
tornasse tão vigoroso quando os jovens daquela casa, os irmãos da amada, se eu seguisse a
profissão do meu pai e casasse enfim com a moça que me conheceria intimamente depois de
tantos anos! É claro que eu não duvidava por um só instante que nas circunstâncias criadas pela
minha fantasia eu a teria amado com a mesma intensidade que eu realmente sentia naquele
momento. É curioso: hoje em dia, quando por algum acaso eu a encontro – ela se casou aqui por
perto – sinto uma indiferença extraordinária, e mesmo assim posso lembrar muito bem do efeito
que continuava a me causar, ainda por muito tempo, a cor amarela do vestido que ela usava
quando nos encontramos pela primeira vez, onde quer que eu visse novamente essa mesma cor.”
Isso se parece muito com aquele seu breve comentário: que hoje o senhor já não gosta
mais do dente-de-leão. O senhor não suspeita de uma ligação entre o amarelo do vestido da moça
e o amarelo tão nítido das flores na cena da sua infância?
“É possível, mas não era o mesmo amarelo. O vestido era de um amarelo castanho, como
os goivos. Apesar disso, posso ao menos oferecer uma ideia intermediária que será útil para o
senhor. Nos Alpes eu notei mais tarde que certas flores, cuja cor era mais clara na planície,
revestiam-se de uma nuance mais escura nas regiões elevadas. Existe nas montanhas, se não estou
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muito enganado, uma flor muito semelhante ao dente-de-leão, mas de um amarelo escuro que
corresponderia muito bem ao vestido da moça que eu amava naquela época. Ainda não terminei:
passo agora para um segundo evento, de um tempo muito próximo, que evocou as minhas
impressões da infância. Eu havia retornado à região com dezessete anos; três anos depois eu
visitei meu tio durante as férias e encontrei novamente as crianças que haviam sido os primeiros
companheiros, o mesmo primo um ano mais velho e a prima da mesma idade, que apareciam na
cena infantil do prado com os dentes-de-leão. Esta família havia partido junto conosco do lugar
onde nasci e havia recuperado o bem-estar e o conforto na cidade.
E ali o senhor apaixonou-se mais uma vez, agora pela prima, e construiu novas fantasias?
“Não, desta vez foi diferente. Eu já estava na universidade e pertencia por inteiro aos
livros; nada iria restar para a minha prima. Pelo que sei, daquela vez eu não criei fantasias do
gênero. Mas acho que meu pai e meu tio haviam acertado um plano entre eles: eu trocaria o tema
obscuro dos meus estudos por um outro de maior valor prático, iria me estabelecer na mesma
região do tio após concluir os estudos e tomaria a prima como esposa. Eles certamente deixaram
o plano de lado ao perceberem o quanto eu estava absorvido pelos meus projetos; mas acho que
eu o adivinhei corretamente. Somente depois, quando eu era um jovem acadêmico, pressionado
pelas necessidades da vida e obrigado a aguardar por uma posição nesta cidade, eu talvez pensasse
que na verdade meu pai quisesse o melhor para mim ao planejar meu casamento como uma
compensação para o dano que aquela primeira catástrofe trouxe para toda a minha vida.”
Então eu posso situar o surgimento da cena infantil que estamos examinando neste período
de sua luta para ganhar o próprio pão, caso o senhor me confirme que fez seu primeiro contato
com os Alpes naquele ano.
“Está correto: excursões pelas montanhas eram o único prazer que eu me permitia naquela
época. Mas ainda não compreendo o senhor muito bem”.
Aguarde um pouco. O senhor destaca o sabor do pão caseiro como o elemento de maior
intensidade em sua cena infantil. O senhor não nota que esta ideia, percebida quase como uma
alucinação, corresponde à concepção da sua fantasia – se o senhor permanecesse na terra natal e
casasse com aquela moça, como seria confortável a sua vida e, dito de maneira simbólica, como
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Freud, Sigmund. Über Deckerinnerungen [Sobre lembranças encobridoras] (1899). Gesammelte Werke (Band I), Frankfurt am Main, Fischer
Taschenbuch Verlag, 1999, p. 529-554 .Apresentação, tradução e notas de André Carone. (Maio de 2020)
seria saboroso o pão pelo qual teve que lutar nos anos que ainda viriam? E o amarelo das flores
também aponta para esta moça. Nesta cena infantil o senhor encontra, de resto, elementos que se
relacionam somente com a segunda fantasia, na qual o senhor teria casado com a prima. Atirar as
flores para trocá-las pelo pão não me parece um disfarce impreciso para o projeto que seu pai
possuía para o senhor. O senhor deveria renunciar aos seus ideais excêntricos e escolher um
ganha-pãoxiii, não é isso?
“Então eu teria realizado uma fusão de duas séries de fantasias que mostram como a minha
vida poderia ter sido mais confortável, extraindo de uma o “amarelo” e o “pão caseiro”, e de outra
as flores que são atiradas e as pessoas que participavam dela?”
Isso mesmo: projetou uma fantasia sobre a outra e formou com isso uma lembrança
infantil. O detalhe das flores nos Alpes é uma espécie de selo que traz a data de fabricação. Posso
lhe assegurar que coisas desse tipo são criadas com muita frequência de uma maneira
inconsciente, como se fossem uma poesia.
“Então na verdade não seria uma lembrança infantil, e sim uma fantasia que foi realocada
na infância. Mas o meu sentimento me diz que a cena é autêntica. Como conciliar isso?”
As informações da nossa memória não possuem nenhuma garantia. Mas posso lhe
conceder que a cena é autêntica; e neste caso o senhor foi buscá-la em meio a inúmeras cenas,
semelhantes ou não, porque o seu conteúdo – em si mesmo indiferente – era adequado para figurar
ambas as fantasias, que possuíam importância suficiente para o senhor. Eu definiria este tipo de
lembrança cujo valor deve-se ao fato de ocupar na memória o lugar de impressões e pensamentos
de épocas posteriores, e cujo conteúdo está ligado ao seu próprio valor por meio de relações
simbólicas ou similares, como uma lembrança encobridora. De toda maneira, o senhor não vai
mais admirar-se do retorno frequente desta cena à sua memória. Não podemos mais dizer que a
cena é inocente se, como descobrimos, ela se destina a ilustrar as forças propulsoras mais
poderosas: a fome e o amor.
“Sim, ela retratou bem a fome; mas e o amor?”
Pelo amarelo das flores, eu creio. Aliás, não posso negar que a figuração do amor nesta
cena da sua infância fica muito a dever em comparação com as minhas outras experiências.
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“Não, de forma alguma. A figuração do amor é o principal. Pense bem: arrancar as flores
de uma menina na verdade quer dizer: deflorar. Como é grande o contraste entre o atrevimento
desta fantasia e a minha timidez na primeira situação, e a indiferença na segunda.”
Eu posso lhe garantir que essas fantasias audaciosas são um complemento frequente à
timidez juvenil.
“Então isso quer dizer que não era uma fantasia consciente que eu tenho a capacidade de
lembrar, e sim uma fantasia inconsciente que se transformou nestas lembranças infantis?”
Pensamentos inconscientes, que continuam os pensamentos conscientes. O senhor pensa:
se eu casasse com uma ou com a outra, e por trás disso surge o impulso de imaginar este
casamento.
“Agora eu posso continuar sozinho. Nestes assuntos, imaginar a noite de núpcias é o que
mais atrai um jovem sem compromissos: o que vai acontecer depois não importa para ele. Mas
essa ideia não corre o risco de vir à luz, a modéstia e o respeito pelas moças predominam e isso
mantém a ideia reprimida. E então ela permanece inconsciente...”
E desvia-se para uma lembrança infantil. O senhor tem razão, é precisamente por causa da
brutalidade sensível da fantasia que ela não se transforma em uma fantasia consciente e precisa
se contentar com a aparência florida de uma alusão no interior de uma cena da infância.
“Mas eu pergunto: e por que uma cena da infância?”
Talvez justamente por causa da inocência. O senhor consegue imaginar um contraponto
para intenções sexuais agressivas que seja mais forte do que as brincadeiras de criança? De resto,
as razões que determinam o desvio de pensamentos e desejos recalcados para lembranças infantis
são mais abrangentes, pois o senhor pode comprovar com regularidade esta mesma atitude em
pessoas histéricas. Além disso, um motivo prazeroso torna mais fácil o trabalho de lembrar o
passado distante: “Forsan et haec olim meminisse juvabit”. ["quem sabe um dia será agradável
recordar tais coisas no futuroxiv".]
“Se for assim, então perdi toda a confiança nesta cena do dente-de-leão. Eu percebo que
nas duas ocasiões mencionadas surge um pensamento que está amparado em motivos reais e
palpáveis: se você tivesse se casado com esta ou com aquela moça, então a sua vida teria sido
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muito mais confortável. Percebo em mim mesmo que a corrente sensual repete os pensamentos
da oração condicional nas ideias que podem lhe proporcionar alguma satisfação; que esta segunda
versão do mesmo pensamento, por ser incompatível com a predisposição xv sexual dominante,
possui por este mesmo motivo as condições para continuar existindo na vida psíquica muito
tempo depois que a versão consciente já foi superada pela realidade; que a oração que havia
permanecido inconsciente realiza o esforço – de acordo com uma lei geral, como o senhor afirma
– para transformar-se em uma cena infantil que terá permissão para se tornar consciente por causa
da sua inocência; e que essa oração deverá passar por uma nova transformação, ou melhor, por
duas: a primeira retira do antecedente o elemento escandaloso ao expressá-lo por imagens, e a
segunda utiliza a ideia intermediária “pão/ganha-pão” para comprimir o consequente em uma
forma que possui a capacidade da figuração visual. Entendo que ao produzir uma fantasia deste
tipo eu preparei, em um certo sentido, a realização de ambos os desejos reprimidos: a defloração
e o bem-estar material. Mas depois de expor para mim mesmo uma justificativa tão rigorosa para
o surgimento da fantasia do dente-de-leão, eu devo supor que trata-se de alguma coisa que jamais
aconteceu e que foi contrabandeada ilegalmente para as minhas lembranças infantis.”
Mas desta vez eu preciso fazer a defesa da autenticidade. O senhor está indo longe demais.
O senhor me acompanhou quando eu disse que todas estas fantasias reprimidas possuem a
tendência de se desviar para uma cena infantil; acrescente então que isso não traz resultados se
ali não houver um vestígio da lembrança, cujo conteúdo fornece pontos de contato com a fantasia
que são uma espécie de contrapartida sua. Uma vez encontrado este ponto de contato – deflorar
e arrancar as flores, neste caso – o conteúdo remanescente da fantasia passa então a ser
remodelado por todas as ideias intermediárias que estão autorizadas (pense no exemplo do pão!)
até que se estabeleçam novos pontos de contato com o conteúdo da cena infantil. É bem possível
que a própria cena infantil passe por alterações neste processo; estou certo de que falsificações
de lembranças podem ser criadas neste percurso. No seu caso a cena infantil parece apenas ter
sido cinzelada; pense no destaque excessivo do amarelo e no sabor excelente do pão. Mas a
matéria prima podia ser aproveitada. Se não fosse assim, então não teria sido justamente esta,
entre todas as outras, a lembrança que conseguiu alcançar a consciência. O senhor não teria
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encontrado uma cena deste tipo como uma lembrança infantil, ou talvez encontrasse alguma
outra, pois o senhor sabe que para a nossa engenhosidadexvi é muito fácil criar pontes que levam
de qualquer lugar para qualquer parte. Além do seu sentimento, que eu não quero subestimar,
existe outra coisa que depõe a favor da autenticidade da sua lembrança do dente-de-leão. Ela tem
particularidades que não podem ser esclarecidas pelas suas informações e também não se ajustam
aos significados que a fantasia oferece: por exemplo, quando o seu primo lhe ajuda a roubar as
flores da mocinha. O senhor tem como vincular essa ajuda no momento de deflorar com algum
sentido? Ou com a camponesa e a ama-de-leite que estão lá no alto, diante da casa?
“Acredito que não”.
Então a fantasia não recobre inteiramente a cena da infância e apoia-se nela somente em
alguns pontos. Isso depõe a favor da autenticidade da lembrança infantil.
“O senhor acredita que esta costuma ser a interpretação adequada para as lembranças
inocentes da infância?”
“Na maioria das vezes, de acordo com a minha experiência. O senhor não quer avaliar,
apenas por diversão, se os exemplos relatados pelos Henri nos autorizam a interpretá-los como
lembranças encobridoras de experiências e desejos que só surgiram mais tarde? Eu me refiro à
lembrança da mesa coberta sobre a qual está uma vasilha com gelo, o que teria alguma relação
com a morte da avó; e a segunda, do galho que um garoto arranca com a ajuda de uma outra
pessoa.
Ele refletiu por um instante. “Não saberia dizer nada sobre o primeiro. É bem provável a
ação de um deslocamento, mas não existe uma maneira de adivinhar as peças intermediárias. Para
a segunda eu arriscaria uma interpretação, caso a pessoa que diz relatar uma lembrança sua não
seja francesa.”
Agora sou eu que não comprendo o senhor. O que isso pode mudar?
“Muda muita coisa, pois a expressão verbal provavelmente faz a ligação entre a lembrança
encobridora e a lembrança encoberta. Em alemão, “arrancar uma” [sich einen ausreissen] é uma
alusão vulgar e muito conhecida para o onanismo. A cena reposicionaria na primeira infância a
lembrança de uma sedução que está relacionada ao onanismo e só aconteceu mais adiante, pois
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há uma pessoa que o ajuda. Mesmo assim alguma coisa não está certa, pois na cena da infância
também aparecem várias outras pessoas.”
Enquanto a incitação ao onanismo precisa ter ocorrido em segredo e na solidão. Mas, para
mim, é precisamente esta oposição que favorece o seu entendimento; e ela também contribui para
tornar inocente esta cena. O senhor sabe o que significa quando vemos no sonho “muitas pessoas
estranhas”, como é tão comum nos sonhos de nudez que nos deixam terrivelmente incomodados?
Nada além de um – segredo, que é expressado pelo seu oposto. Mas essa interpretação é apenas
uma brincadeira: não sabemos realmente se os franceses reconheceriam uma alusão ao onanismo
nas palavras casser une branche d’un arbre [cortar um galho de uma árvore] ou em uma frase
ligeiramente modificada.
*
A análise precedente, que foi comunicada com a maior fidelidade possível, deve ter
esclarecido em alguma medida o conceito de uma lembrança encobridora como aquela que não
adquire um valor para a memória em função do seu próprio conteúdo, mas da relação que mantém
com um outro conteúdo reprimido. É possível distinguir diferentes classes de lembranças
encobridoras de acordo com a natureza desta relação. Entre as ditas lembranças mais precoces da
infância nós localizamos exemplos de duas destas classes se incluirmos no conceito de lembrança
encobridora as cenas incompletas que, por conta desta incompletude, se tornam inocentes. É de
se esperar que lembranças encobridoras também se formem a partir dos restos de memória dos
períodos posteriores. Quem tiver em vista a sua principal caracacterística - uma grande
capacidade de memória para um conteúdo completamente indiferente - poderá encontrar
inúmeros exemplos do mesmo tipo na sua memória. Uma parcela destas lembranças encobridoras
que incluem conteúdos vividos mais tarde deve o seu significado à relação com experiências do
início da juventude que permaneceram reprimidas, ou seja, o inverso do caso que analisei, no
qual uma lembrança infantil é justificada por experiências vividas mais adiante. A depender da
ocorrência de uma ou de outra relação temporal entre o elemento encobridor e o elemento
encoberto pode-se designar a lembrança encobridora como retrospectiva ou prospectiva. A partir
de uma outra relação faz-se a distinção entre as lembranças encobridoras positivas e as negativas
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(ou lembranças refratárias), cujo conteúdo está em oposição ao conteúdo recalcado. O tema
certamente ainda merece uma apreciação mais completa; contento-me aqui em em assinalar os
complicados processos – por sinal, perfeitamente análogos à formação do sintoma histérico – que
estão envolvidos na produção do nosso repertório de lembranças.
Nossas lembranças mais precoces da infância sempre serão objeto de um interesse
especial, pois o problema assinalado no início – como acontece que as impressões que exercem
maior efeito sobre o futuro não precisem deixar atrás de si nenhuma recordação? – impõe uma
reflexão a respeito do aparecimento de toda e qualquer lembrança consciente. A tendência
imediata consiste em descartar as lembranças encobridoras aqui examinadas como componentes
heterogêneos em meio aos restos da memória infantil e formar uma compreensão simples para as
imagens restantes, segundo a qual elas surgem no instante em que aquilo foi vivido, como um
resultado imediato da ação dessa experiência, e passam então a retornar periodicamente de acordo
com as leis já conhecidas de reprodução. Mas uma observação mais apurada revela certos
aspectos que não correspondem bem a esta concepção. O principal seria este: na maior parte das
cenas infantis que possuem legitimidade e relevância a pessoa vê a si mesma na lembrança como
uma criança, e sabe que aquela criança é ela própria; mas ela vê essa criança como a veria um
observador que está fora da cena. Não escapa à atenção dos Henri que vários entre os sujeitos de
sua pesquisa destacam expressamente esta característica. Ou seja, fica claro que esta recordação
não pode ser a repetição fiel da impressão que foi recebida naquela época. A pessoa estava dentro
da situação e não prestava atenção em si mesma, e sim no mundo exterior.
Onde quer que uma pessoa apareça dentro de uma lembrança como um objeto em meio a
outros objetos, essa contraposição entre o Eu da ação e o Eu da lembrança pode ser admitida
como prova de que a impressão original passou por uma revisão. É como se um vestígio da
lembrança infantil recebesse numa época posterior (na qual ela foi despertada) uma retradução
em termos plásticos e visuais. Mas uma reprodução da impressão original jamais nos chegou à
consciência.
É preciso conceder uma credibilidade ainda maior a um segundo fato que favorece esta
outra concepção das cenas de infância. Entre as lembranças infantis de acontecimentos
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importantes, dotados de nitidez e precisão em igual medida, existe um certo número de cenas que
provam ser falsas quando se faz uma verificação – por exemplo, pela lembrança dos adultos. Isso
não quer dizer que elas teriam sido inventadas de forma livre; elas são falsas na medida em que
posicionam uma situação em um local em que ela não aconteceu (como também se observa em
um exemplo informado pelos Henri), fazem a fusão ou a troca de pessoas ou revelam ser a
combinação de dois acontecimentos que estão separados. Aqui a infidelidade pura e simples da
memória não assume um papel importante por conta da forte intensidade das imagens e do bom
desempenho da função da memória na juventude; um exame mais apurado indica que na verdade
essas falsificações da lembrança são tendenciosas, ou seja, que servem às finalidades do recalque
e da substituição de impressões inconvenientes e desagradáveis. É necessário, portanto, que estas
lembranças falsificadas tenham surgido durante um período de vida no qual estes conflitos e
impulsos orientados para o recalque já estivessem presentes na vida anímica, ou seja, muito tempo
depois do período lembrado por elas no seu conteúdo. Mas aqui a lembrança falsificada também
é a primeira da qual temos notícia; para nós o material dos vestígios de lembrança a partir do qual
ela foi talhada permanece desconhecido.
Avaliamos que esta compreensão reduz a distância entre as lembranças encobridoras e o
restante das lembranças infantis. Talvez seja questionável se de fato possuímos lembranças da
infância, ou se na verdade não possuímos somente lembranças sobre a infância. Nossas
lembranças infantis não nos mostram os primeiros anos de vida como eles aconteceram, e sim
como eles surgem em um período posterior, no qual as lembranças foram despertadas. Neste
período do seu despertar as lembranças infantis não apareceram, como se costuma dizer, e sim
foram formadas, e uma série de motivos muito afastados das intenções da fidelidade histórica
influenciou a formação e também a seleção das lembranças.
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NOTAS DO TRADUTOR
FREUD, S. “Über Deckerinnerungen”, em Gesammelte Werke in achtzen Bänden [Obras
i
Reunidas em Dezoito Volumes], Band I, Frankfurt am Main, Fischer Taschenbuch
Verlag, 1999, p. 529-554. Tradução de André Carone. Maio de 2020.
Traduções estrangeiras consultadas: “Screen Memories”, em The Penguin Freud Reader
(Edited by Adam Phillips), London, Penguin Books, 2006, p. 241-260 (tradução de
David McLintock);
“Screen Memories”, em Collected Papers (Volume 3), London, The
Hogarth Press and the Institute of Psycho-Analysis, 1953, p. 47-69 (Tradução de
James Strachey); “De souvenirs-couverture”, em Oeuvres complètes (Volume 3), Paris,
Presses Universitaires de France, 1989, p. 253 -276 (tradução de J. Doron e R.
Doron)
ii
Victor e Catherine Henri, segundo informam os editores franceses.
iii
" O período da vida no qual o conteúdo das lembranças infantis mais precoces será
alocado": Das Lebensalter, in welches der Inhalt der frühesten Kindheitserinnerung
verlegt wird.
O verbo "verlegen" pode servir à ideia de se localizar ou situar
alguma coisa no espaço, mas também possui um outro emprego que merece ser destacado
neste contexto: como o próprio Freud irá assinalar em A psicopatologia da vida
cotidiana (1901), o prefixo alemão ver- denota uma ação mal-sucedida, que falha ao
realizar o objetivo proposto. Em seu livro Freud irá empregar, por exemplo, o verbo
"verlegen" como equivalente da ação de extraviar ou perder um objeto que não se
sabe onde deixou. De maneira muito semelhante, o artigo sobre as lembranças
encobridoras demonstra que temos o hábito de situar as nossas lembranças em um
lugar errado da memória. Não por acaso, o quarto capítulo de A psicopatologia da
vida cotidiana também é dedicado ao estudo das lembranças encobridoras.
iv
"ocultos", "esquecidos". Os destaques em itálico foram acrescentados às duas
palavras nesta tradução e não constam do texto original.
v
"entre os elementos de uma experiência": unter den Elementen eines Erlebnisses.
Os substantivos Erlebnis ("vivência") e Erfahrung ("experiência") aparecem nesta
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tradução como "experiência" em quase todas as ocorrências. A distinção conceitual
entre Erlebnis e Erfahrung, que possui importância para a fenomenologia alemã, não
parece ter maior peso na psicanálise de Freud.
vi
"reprimido": unterdrückt. Adotamos aqui a terminologia que parece consolidada na
psicanálise brasileira ao traduzirmos Verdrängung e verdrängen por “recalque” e
“recalcar”, e Unterdrückung e unterdrücken por “repressão” e “reprimir”. Apesar das
deficiências desta escolha, acredito que a polêmica merece ser deixada em segundo
plano neste caso específico porque o uso que Freud faz destas palavras
(especialmente de suas formas verbais) é menos rigoroso do que aquele postulado
pela obra de referência da terminologia psicanalítica, o Vocabulário de Psicanálise
de Jean Laplanche e J-B. Pontalis.
vii
"ação de compromisso". Kompromißwirkung, no original. Freud não emprega aqui a
expressão "formação de compromisso" (Kompromißbildung), que irá surgir em outras
passagens do texto.
viii
"recordação": Erinnerungsbild. Como o significado da palavra Bild não se limita
ao aspecto sensorial da imagem, certas passagens do texto poderiam criar a
impressão de um uso contraditório de conceitos (a "imagem da memória" nem sempre
coincide com o registro visual da lembrança). O emprego da palavra “recordação”
como equivalente para Erinnerungsbild pode servir, ao menos para a tradução deste
texto específico, como uma solução que pode ser compreendida com facilildade,
evitando a contradição.
ix
"componentes": Bestandteile. É importante distinguir esta palavra do termo
“elemento” (Element), que possui um significado bastante específico na teoria
freudiana do sonho.
x
Die Heiterethei und ihr Widerspiel (1857), romance de Otto Ludwig.
xi
"...não deixaram nenhum vestígio na minha memória": ...haben keine Spur in meinem
Gedächtnis hinterlassen. Embora a tradução mais frequente para a palavra Spur seja
"traço", optamos por "vestígio" para destacar o caráter fragmentário e incompleto
da lembrança. A palavra "traço", especialmente no termo composto Erinnerungsspur
(traduzido aqui como "vestígio de lembrança") pode transmitir mais a noção de um
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engrama ou marca permanente do que a ideia de uma formação incompleta ou, para
lembrar da analogia empregada pelo próprio Freud, de um torso que precisaria ser
completado pelas partes restantes do corpo.
xii
"que esta ideia, percebida quase como uma alucinação, corresponde à concepção da
sua fantasia... ": daß diese fast halluzinatorisch empfundene Vorstellung mit der
Idee Ihrer Phantasie korrespondiert...
Traduzimos a palavra Vorstellung por
"ideia" e não por "representação". A escolha de um único equivalente para
Vorstellung em uma língua estrangeira costuma criar dificuldades para os tradutores
de Freud, e implica obrigatoriamente em algum prejuízo semântico e conceitual. Na
mesma frase, o substantivo Idee foi traduzido como "concepção".
xiii
"ganha-pão": Brotstudium. O jogo de palavras, essencial para a compreensão do
trabalho inconsciente da memória, não apareceria em uma longa paráfrase como, por
exemplo, "um estudo que lhe garantisse o pão". O elemento comum entre os termos em
alemão e em português corresponde, neste caso, à ideia de que uma pessoa deve
"estudar para ganhar o seu próprio pão".
xiv
xv
xvi
Virgílio, Eneida, Livro 1 verso 203.
“predisposição”: Disposition no original.
“engenhosidade”: neste contexto, o equivalente mais adequado para o termo Witz,
o mesmo que está presente no título do livro que Freud irá publicar em 1905, Der
Witz und seine Beziehung zum Unbewußten ("O chiste e sua relação com o
inconsciente").
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